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E ENTÃO, AS CORTINAS...

Por João Oliveira

Minha existência, provavelmente como a sua, começou em um mundo que parecia gigantesco e
infinito, um reino de maravilhas onde cada amanhecer trazia novas possibilidades. Claro que até
hoje penso assim, mas, naquela época, eu era dependente de meus pais para tudo, um ser em
formação, moldado pelo amor, pela proteção, e pelos pequenos passos que se desdobravam
diante de olhos inocentes.

Essa fase, repleta de descobertas, deu origem a minha primeira "morte": a perda da unidade
primordial com o mundo, quando comecei a perceber-me como um indivíduo distinto, separado
do todo. Ser capaz de me identificar diante de um espelho. Eu, diferente e separado de todo o
resto.

A adolescência me trouxe o sabor amargo das limitações. Confrontado com regras e


expectativas, vivi minha revolta, um grito silencioso contra as correntes que pareciam aprisionar
minha essência. Assumir responsabilidades impostas pelas necessidades construídas por
escolhas de outras pessoas.

Essa era a morte da inocência, o fim de um capítulo de descobertas despreocupadas e o início de


uma busca por autonomia e identidade. Nessa tempestade, encontrei também a força de minha
voz, o poder de questionar e o desejo ardente de definir meu próprio caminho. O trabalho, a
construção deram sentido a tudo: nasci assim, pronto para produzir!

A juventude adulta me desafiou com a tarefa mais árdua: a elaboração de mim mesmo e de
precoce, família nuclear. Encarar a responsabilidade de formar e manter uma (minha) família,
de tecer os fios da carreira (e quantas), da amizade e do amor, foi um processo de revelação.

Cada escolha nessa época carregava o peso da liberdade, pouco a pouco minada por cada
decisão. Tijolos na edificação de minha existência. Aqui, enfrentei a angústia e a beleza de ser
artífice de minha jornada, descobrindo que no cerne da responsabilidade jazia a verdadeira
motivação de viver.

Ao adentrar a maturidade, tornei-me guardião de reflexões profundas. O que seria idealizado


como paixão e amor surge finalmente e me segue até hoje. As escolhas passadas, as estradas
percorridas ou não, tornaram-se fontes de introspecção. Erros? Claro, quem não os teve? Quem
ainda não comete? Humanos, é isso que somos.

A preocupação com o futuro dos meus filhos e a reflexão sobre minhas próprias escolhas
marcaram esta fase como um período de avaliação, de reconhecimento das minhas tantas falhas
e certos acertos. Foi um tempo para ponderar sobre o legado que desejo deixar, um momento de
questionamentos, mas também de aceitação. Existem limites para as expectativas que temos dos
outros e maiores ainda para o que esperamos de nós mesmos.

Agora, na velhice (pelo que dizem nos caixas dos supermercados) confronto a "morte" final: a
aceitação da mortalidade. Mais presente nas despedidas de contemporâneos: estão indo e
levando consigo parte de minhas memórias. Muitas histórias não posso mais contar pois já não
lembro os detalhes compartilhados com esses saudosos amigos.

Sim, essa é a última página desse livro que se tornou monocromático.


Mas, convenhamos, este não é um momento para desespero e sim de serenidade, uma
oportunidade para olhar para trás e o que minha (nossa) existência deixou de pegadas. Os
arrependimentos existem, sim, mas também existe a gratidão pelas alegrias, pelas dores que me
ensinaram, pelo amor que vivi e vivo, enquanto tempo houver, incessantemente.

A certeza de que esse tempo é curto demais para realizar todos os sonhos não me pesa mais; ao
contrário, motiva-me a valorizar cada momento que resta. Amanhã cedo tem maré baixa e posso
caminhar até os corais antes das seis.

Minha jornada, marcada por múltiplas "mortes" e renascimentos, não é única, mas é
profundamente minha. A sua te pertence e espero que possa fazer sua autoanalise também.

As experiências vividas, as lições aprendidas, as dores e as alegrias compartilhadas formam a


essência de quem sou. Cada fase da vida me ofereceu a chance de construir, de escolher, de
encontrar significado e, por fim talvez, quem sabe: enfim transcender.

Refletindo sobre minha breve existência, percebo que a verdadeira beleza da vida reside na
capacidade de evoluir, de enfrentar cada transição com coragem e de buscar, incessantemente, a
autenticidade e o propósito. A melancolia da saudade, companheira de muitos momentos, não é
uma sombra que obscurece o caminho, mas uma nuance que aprofunda a beleza da jornada.

Que cada um, à sua maneira, possa deixar um legado de luz, amor e significado, uma trilha
luminosa para aqueles que virão após nós.

Agora sim: as cortinas por favor!

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