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Além do Princípio do Prazer

No prefácio da edição, Oliveira e Iannini (2020) trazem a lume um propósito do livro


questionando o provável mainstream:

● Faremos do APP uma peça de museu, separada por parede de vidro e exposta
a nosso olhar de turistas, a quem cabe a contemplação, quem sabe a
veneração? É esse o propósito de uma edição crítica, destinada apenas a
leitores altamente especializados? (OLIVEIRA E IANNINI, 2020, p. 18)
● Capa, capricho da edição, projeto gráfico mescla texto com o museu de Freud
em Viena. “Modo de usar” para nortear a leitura

Introdução:
P. 28-31 / Contexto da publicação

Freud redige o escrito no ano que sucede o final da Primeira Guerra Mundial
(1914-1918), conflito que marca também o colapso do Império Austro-Húngaro. O conflito
certamente marca de forma traumática sobretudo o continente europeu, onde se viu, de
uma incredulidade inicial sobre a intensificação do conflito, uma escalada sem precedentes
nas disputas por quatro longo anos, culminando na selvagem guerra de trincheiras travada
não apenas na ponta das baionetas, mas também com a introdução de inovações
tecno-científicas postas a serviço da morte: tanques, submarinos, caças e gases letais
sendo usados pela primeira vez. Somam-se a isso perdas importantíssimas para Freud.
Ainda que seus três filhos homens voltem com vida do front, Freud perde nesse período a
estimada, para muitos a favorita, filha Sophie, além de seu amigo Anton von Freund, perdas
que o teriam levado a um profundo pessimismo.
No entanto, a análise pormenorizada das etapas da elaboração do APP permite
determinar com alguma precisão a cronologia de alguns fatos. Sophie morre em janeiro de
1920, quando a primeira versão do manuscrito já estava pronta. Se é verdade que o
conceito de “pulsão de morte” ainda não constaria naquela etapa de elaboração do texto,
por outro lado, todas as principais cartas já estavam postas na mesa: o princípio de prazer
já havia perdido sua primazia, a pulsão já funcionava de forma regressiva, a compulsão à
repetição já havia sido reformulada. Assim, mesmo que o capítulo VI, que o conceito de
pulsão de morte é introduzido posteriormente, a elaboração teórica, a pesquisa de fontes e
documentos são remontadas de bem antes; além disso, as produções intelectuais por
quase duas décadas seguintes reiteram o conceito de Pulsão de Morte e dão a ela um
papel fundamental, como em O mal estar na cultura (1930) e A análise finita e infinita
(1937).

Meshes of Afternoon, Maya Deren (1943)


Cinema Experimental; Sonho; Repetição; Realidade; Inconsciente
Meshes of the Afternoon (1943) - Maya Deren (Original Music by Feona Lee Jones)
https://medium.com/vertovina/cinema-como-representa%C3%A7%C3%A3o-do-tempo-on%
C3%ADrico-uma-an%C3%A1lise-de-meshes-of-the-afternoon-68e3d431858d
https://www.daisatj.com/post/an%C3%A1lise-f%C3%ADlmica-de-meshes-of-the-afternoon-1
943

> Sonho, sensação de desequilíbrio, flutuação / mulher e suas angústias/3 versões da


personagem/repetição de cenas

Conceito: Prazer e Desprazer


Freud estabelece os mecanismos do sujeito segundo o princípio do prazer, enquanto
um princípio econômico da energia psíquica, no qual se visa a evitação de desprazer ou a
geração de prazer. Num primeiro momento, prazer e desprazer se relaciona com a
quantidade da excitação disponível na vida anímica, estabelecendo que a tendência do
organismo seria uma auto-regulação tendendo sempre ao nível de menor tensão psíquica
ou, pelo menos, uma constância. Deste modo, a descarga de energia psíquica será
percebida como prazer enquanto sua impossibilidade será vivenciada como desprazer. No
entanto, ao longo do desenvolvimento da estrutura psíquica, certas operações colocam em
cheque o funcionamento ideal deste princípio.
O recalque, por exemplo, faz com que certas satisfações pulsionais sejam
experimentadas enquanto desprazer, nos casos em que a censura não é suficiente para
conservar tais representações ideativas em seu estado de irrealização. Outra variação ao
princípio do prazer seria a introjeção do programa civilizatório de renúncia parcial da
satisfação pulsional, nomeado neste escrito enquanto princípio de realidade. Neste caso, o
Ego se vê forçado a adiar os apelos do ID por satisfação, exigindo que o indivíduo suporte
um momento de tensão psíquica que só posteriormente encontrar os meios (civilizados)
adequados para ser descarregada.

Conceito: Princípio de realidade


Pelo princípio de prazer-desprazer, o sujeito visa uma economia libidinal de forma a evitar o
desprazer a todo custo. Sob esse princípio, a pulsão busca a satisfação mais rápida e direta
possível. Sem desistir da obtenção de prazer, mas adiando sua meta, o organismo é
interpelado pelo princípio de realidade, que visa a substituição ou adiamento da obtenção
de prazer ‒ trocando-se o objeto da pulsão ou tolerando algum montante de desprazer
temporário. Essa substituição ou adiamento é possível pela própria característica
concernente ao objeto da pulsão, que é o que há de mais variável. De acordo com Miller,
temos “de um lado, o corpo-prazer que obedece, e, de outro, o corpo-gozo, desregulado,
aberrante, onde se introduz o recalque como recusa da verdade e suas consequências”
(Miller, 2004). Assim, o princípio de realidade diz respeito à realização de demandas que
vem do Outro, da linguagem que desregula o corpo pulsional, que agora passa a responder
também ao desejo do Outro. A formação sintomática se dá nessa esteira: algo da pulsão,
demandando sua satisfação, contorna a imposição do Outro, se satisfazendo em gozo.

Conceito: neuroses de guerra


As neuroses de guerra foram descritas por Hermann Oppenheim em 1889. Antes da
psicanálise, eram geralmente concebidas como afecções orgânicas ou como dissimulação,
sendo tratadas por métodos violentos e punitivos, como os eletrochoques e castigos
corporais. Assim, elas se tornaram um campo de disputas acerca da validade das hipóteses
psicanalíticas. Segundo a ala mais conservadora da psiquiatria dominante, as neuroses de
guerra provavam que o inconsciente e a sexualidade não desempenhavam um papel no
sofrimento dos sujeitos. Entretanto, o tratamento psicanalítico de neuróticos de guerra teve
forte repercussão política, opondo-se aos cada vez menos numerosos psiquiatras
conservadores que consideravam soldados neuróticos como aberrantes ou desleais,
fugindo de suas obrigações "masculinas" e militares, da mesma forma que consideravam as
histéricas aberrantes por não se curvarem diante das obrigações femininas socialmente
impostas na época. Foi a partir do tratamento desses soldados que Freud pôde reformular
sua teoria pulsional, o que desagradou algumas parcelas da comunidade psicanalítica na
época.

Conceito: Fort-Da
Ao observar seu neto de 1 ano e meio brincando, tendo como plano de fundo o contexto
edipiano que obrigava a criança a experimentar a ausência materna com um pouco mais de
frequência, Freud muito curioso com o fato da criança jogar seus brinquedos para longe e
em seguida buscá los, ou no caso paradigmático, puxá lo de volta através de um fio, passa
a se indagar qual seria o valor psíquico de tal brincadeira, já que ao longo de duas ou tres
semanas na presença do neto, tal fenômeno era repetido com certa frequência. Algumas
hipóteses então são levantadas: A criança poderia, de forma imaginária, buscar exercer
controle sobre seu objeto de desejo, através de um substituto, numa espécie de satisfação
sádica que daria vazão a angústia gerada pela falta materna. Ainda nesta linha, através de
um princípio de conversão, de passivo para ativo, a criança recriaria a situação
desprazerosa de forma deslocada, ocupando outra posição que não a de objeto de gozo do
Outro, sendo o Sujeito da ação de desaparecimento e produção da falta. Em todo caso, é
preciso perceber que o Fort-Da se configura como operação de simbolização da falta, vivido
anteriormente apenas como angústia do non-sense.
A repetição aqui aparece pela primeira vez de forma mais clara no livro, indicando seu papel
ao mesmo tempo elaborativo e indicativo de uma angústia associada a uma falta anterior
que não cessa de não se inscrever apesar das tentativas do aparelho psíquico de
representá-la.

Conceito-Compulsão à repetição
Algo do que foi recalcado fará força para retornar. Isso é experimentado como a repetição
de eventos que causam desprazer no Eu, mas ao mesmo tempo, causam algum prazer,
pois o que é experimentado como desprazer por um sistema é sentido como prazer em
outro, de forma que não se contrarie totalmente o princípio do prazer. O que tem de
novidade na teoria freudiana de 1920 sobre a repetição é que a compulsão à repetição traz
de volta experiências passadas as quais não causam nenhum prazer, nem mesmo
anteriormente, quando, por exemplo, seriam recalcadas sob a barra da censura do sistema
Cs.

Ao elaborar sobre a resistência no tratamento analítico a serviço do princípio do prazer,


Freud aponta como a compulsão a repetição traz de volta experiências do passado que não
contém nenhuma possibilidade de prazer e provoca a manifestação da força do recalcado,
em função do desprazer do Eu - situações que são vividas e repetidas pelo neurótico em
transferência.

Essa compulsão à repetição aparece também nas neuroses quando os sujeitos se queixam
de passar repetidas vezes por um mesmo problema com diferentes pessoas, como serem
sempre abandonados por amigos ou traídos por parceiros amorosos, queixa que se
apresenta como se fosse obra de um destino ao qual não conseguem escapar, mas que no
entanto é fruto da repetição dos mesmos laços desprazerosos mantidos pelo próprio sujeito.

Conceito: neurose traumática


Freud define como traumática as excitações que vêm de fora, sendo intensas o suficiente
para romperem a proteção que o aparelho psíquico teria para suportá-las, suspendendo a
atuação do princípio de prazer. O terror de uma situação é definido pela ausência de
preparação para a angústia que irrompe, sobrecarregando os sistemas que recebem os
estímulos externos. Essa ruptura do sistema de proteção contra o perigo eminente causa
consequências psíquicas mais profundas e que se instalam mais facilmente. A tentativa de
dar um tratamento a isso é pela compulsão à repetição dos eventos traumáticos, mesmo
que o resultado seja desprazeroso, de maneira a tentar ligar o afeto angustiante ao
psiquismo. Os sonhos traumáticos, portanto, não obedecem a antiga tese de serem
realizações de desejos disfarçados, mas sim, explicitam como o ambiente onírico funciona
de modo similar a um laboratório ou a um teatro, em que as representações ali evocadas
servem ao trabalho de dar um tratamento anímico ao trauma, o que ocorre não sem
angústia, sob a égide da compulsão à repetição. O retorno a experiências traumáticas em
tais neuroses é contrário ao princípio de prazer e uma maneira de enredar simbolicamente o
trauma para o qual o sujeito não tinha proteções contra no momento em que lhe ocorreu.

Conceito: sonhos traumáticos

O sonho como realização de desejo é a tese maior de A interpretação dos sonhos,


de Freud em 1900, e desde então o estudo do sonho leva Freud a encontrar o fenômeno do
despertar concernente aos sonhos de angústia. Anos mais tarde, em 1920, a confrontação
com os sonhos traumáticos dos antigos combatentes da Grande Guerra recoloca
definitivamente a questão da teoria geral dos sonhos. A retomada ao estudo do sonho em
Além do Princípio do Prazer ocorre ao questionar sobre a vida onírica da neurose
traumática que apresenta o aspecto de reconduzir repetidamente “o doente de volta à
situação de seu acidente, no qual ele desperta com um novo susto”. Isso permite considerar
que ao surgir um excesso na vida em vigília para ser elaborado pelo trabalho do
inconsciente, essa experiência fornece aos sonhos uma marca da repetição, ao se impor a
experiência traumática sem cessar até no sono. A fixação no trauma pelas experiências do
sonho propõe a reestruturação da primazia do princípio de prazer
Assim, a compulsão à repetição nos fenômenos clínicos apresentados aponta a
levar o sujeito de volta a experiências que não comportam e nunca comportam qualquer
possibilidade de prazer para o psiquismo. As tramas pulsionais em questão no sonho
traumático pelo retorno ao mesmo destacam uma nova função dos sonhos, que está para
além do princípio do prazer, que se aproxima do conceito de real em Lacan, definido em
1964. A angústia presente nos sonhos procura produzir incessantemente a angústia
realizada no momento do acidente - sem que sua tarefa seja realizada. Assim, como Freud
escreve: “os sonhos dos neuróticos acidentários, que mencionamos anteriormente, não se
deixam mais remeter ao ponto de vista da realização de desejo, (...) eles obedecem muito
mais à compulsão à repetição” (1920, p. 121).
Conceito: Eros (pulsão de vida)
No texto do Além do princípio do prazer, Freud reúne a libido objetal e a libido do Eu sob a
égide de Eros, conceito que tem sua origem na literatura, na poesia e na filosofia, sempre
se referindo ao amor. Com Eros, tanto a preservação do indivíduo quanto a preservação da
espécie são vistos como processos gregários ou aglutinadores, cabendo à libido manejar
seus avanços e regressões priorizando a conservação de si ou do objeto. É através de
Eros, ou da pulsão de vida, que a libido pode partir do Eu em busca de objetos exteriores,
como são os objetos tomados pela via terna (ou do amor) ou pela via sexual. Ambas as
metas são ligadas a Eros, ou a uma satisfação pulsional que pode ser encontrada no laço
social com o Outro.

Conceito: pulsão de morte


A pulsão de morte seria a pulsão mais antiga existente no sujeito. Se toda libido é,
fundamentalmente, libido do Eu, a libido da pulsão de morte é aquela que,
permanecendo no Eu, busca um estado de ausência de perturbações externas tão
primário que só pôde um dia ter sido possível de existir na matéria inanimada,
anterior a vida, e só podendo ser alcançado novamente pela morte. A introdução
desse conceito traz consigo uma complicação inédita a teoria psicanalítica: não se
trata mais apenas de um antagonismo entre exigências das pulsões sexuais e
exigências da moral, mas de um antagonismo mais fundamental, que opõe Eros e
morte operando tanto no sujeito, quanto na cultura. Com a pulsão de morte,
obtém-se a formalização da falha primordial da satisfação, que só poderia ser
alcançada se o corpo somático não existir mais.
No texto em questão, Freud também utiliza o termo “instintos do Eu” como sinônimo
do que posteriormente será nomeado como pulsão de morte.
No artigo Mais além do princípio do prazer, Freud (1920/1975) construiu o conceito
de pulsão de morte, remontando essa pulsão às tendências regressivas e
conservadoras. Segundo Freud, a pulsão de morte se remeteria a um campo que se
dirige para além do princípio do prazer, ou seja, não corresponderia à tendência do
aparelho psíquico em abaixar seu nível de desprazer interno, de tal forma que sua
presença poderia ser observada clinicamente através da compulsão à repetição do
desprazeroso, do sentimento inconsciente de culpa, da necessidade de punição e
sofrimento, fenômenos que poderiam configurar-se em tendências mortificantes ao
sujeito. No entanto, em alguns momentos, Freud (1923/1975) também deu
indicações de que as pulsões de morte poderiam fazer parte de um trabalho criativo,
funcionando como propulsoras de um movimento diferencial e produtivo, como, por
exemplo, através do processo da denegação e de forma marcante no processo da
sublimação. São esses dois aspectos das pulsões de morte, de um lado, a
mortificação, e de outro, a criação
● Através dos fenômenos de compulsão à repetição, que rememoram
experiências do passado que não contêm possibilidade alguma de prazer e
que nunca trouxeram satisfação, expressando seu poder demoníaco através
de uma repetição desprazerosa na transferência, que Freud (1920/1975) vai
em direção ao que transgride o princípio do prazer: "Os neuróticos repetem
na transferência todas as ocasiões indesejadas e as situações afetivas
dolorosas, reanimando-as com grande habilidade (...)" (p.21). A compulsão
à repetição destrona o princípio do prazer, parecendo mais originária,
mais elementar e mais pulsional do que ele. São essas características que
participarão de forma decisiva na construção do conceito de pulsão de
morte.
● As pulsões de morte têm uma tendência regressiva e conservadora, e podem
efetuar um trabalho destrutivo de forma silenciosa. Em oposição às pulsões
de morte, aparecem as pulsões de vida ou pulsões sexuais, que tendem a
produzir formas organizadas e não destrutivas. A vida consiste no conflito
dessas duas pulsões, enquanto a morte significa o triunfo das pulsões de
morte. Aqui Freud (1920/1975) parece estar próximo do pensamento de
Bichat, ao afirmar que a meta de toda a vida é a morte, vendo nesse
movimento um retorno a um estado anterior das coisas.

Teoria economica - Principio do Prazer e Principio de Realidade

Questão-Neurose de guerra
- x Sonho traumático
- Neurose traumática

Hipótese - Compulsão à repetição


- Fort-Da
- Pulsao de Morte

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