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Ano 49 - Edição 218

PARAÍBA | Segunda-feira, 10 de Junho de 2024 Direção: Abelardo Jurema | Editoração: Sidney Guerra

Não é acaso
Josinaldo Malaquias
Advogado e Jornalista
Mestre em Ciência da Informação
Doutor em Sociologia
Pós-Doutor em Direito
josinaldomalaquias@gmail.com
A minha
lambreta
I
nexiste, para mim, festa maior do que o
São João. Junho é o meu mês predileto.
Carlos Pereira de Carvalho
As festividades de fim de ano me deixam
Engenheiro e escritor
melancólico. Como brejeiro nativo, cultuo
cpcsilva15@gmail.com
os três santos das fogueiras, Santo Antonio,
São João e São Pedro. Santo Antonio, cuja
A crise da previdência Social
N
data será comemorada nesta quarta-feira,
os tempos de hoje, em que cruzamos aquela construção, tida como arranha-céu, ele
dia 12, é o santo mais popular do Brasil e de
com dezenas e até centenas de moto- não deu conta da lambreta que descia a ladeira. Lincoln Cartaxo de Lira
Portugal. Sou seu devoto.
cicletas pelas ruas e avenidas da cidade Acionei os freios, mas não consegui parar por Advogado, administrador e escritor
Não acredito em acaso. Por isso mesmo, não
e nas estradas por todo o Estado, com pilotos completo e deu-se o impacto do farol da lam- lincoln.consultoria@hotmail.com
acho coincidência o nobre colega Abelardo
cada vez mais despreparados para o ofício de breta contra as costas daquele pobre homem

V
Jurema Filho ter vindo ao mundo num dia
dirigir as máquinas, aproveito este sábado para que, depois vim a saber, recém chegado do in- ou pôr aqui meus olhos nesse tema. Em Nos seus últimos anos, porém, dependia de fa-
12 de junho. Tenho a certeza de que Jure-
lhes contar, em resumo, como foi a minha con- terior, os olhos fixos na altura do Ipase, foi parar 2024, as contas envolvendo a Seguridade vores de amigos, andava de ônibus e filava re-
ma não faz milagres, mas herdou do “santo
vivência com um desses veículos em tempos no HPS (Hospital de Pronto Socorro), ferido mas Social devem a apresentar um rombo de feições. Não tinha um tostão. “Nunca me passou
casamenteiro” o carisma e a lealdade. Nas
idos. sem gravidade, enquanto eu que fui ao chão, R$ 326,2 bilhões (2,5% do PIB), segundo as proje- pela cabeça que viveria tanto. Calculei mal e
pegadas do santo fez muitos casamentos. É
A minha lambreta me serviu e muito. Como amarguei por algum tempo os braços marcados ções do Balanço Geral da União. Uma verdadeira gastei tudo antes da hora”, disse Guinle. Morreu
verdade!
transporte para o trabalho, para o estudo, para por feridas que me atormentaram. tábua rasa da falta de responsabilidade fiscal. É em 2004, no quarto do Copacabana Palace, onde
No decorrer de cinquenta anos dedicados
a Igreja e para o lazer – inclusive para o prazer. Outra passagem foi o desaparecimento da mi- muito papo furado. Fala-se muito e faz-se pouco. morava, aos 88 anos.
ao Jornalismo projetou muita gente, moças
Vou tentar aqui relembrar algumas passagens nha querida lambreta. Tendo ido a uma festa no Goste-se ou não, é como penso. Se nada for feito, Sim. O Brasil parece sofrer da “síndrome de
e rapazes, cuja paixão nasceu ao ver uma
que vivi e ainda guardo na memória, durante Clube Astréa e deixado a máquina no estacio- em 2100 a necessidade de financiamento poderá Jorginho Guinle” – não quanto à sua fortuna, é
foto estampada em sua coluna. Podendo
o tempo em que usei a simpática e econômica namento, qual não foi a minha (desagradável) atingir R$ 25,5 trilhões. Se não forem tomadas as claro, mas quanto ao seu comportamento per-
parecer o romantismo do cordel “O Pavão
máquina, presente na minha vida durante mais surpresa ao procurá-la ao sair e não encontrá devidas providências, o nosso sistema previden- dulário e sua longeve idade.
Misterioso”, no qual o protagonista se apai-
ou menos 6 anos. -la. Foi uma noite de aperreio e uma busca in- ciário vai explodir, ir à falência. Precisa ser idiota O país custa a aceitar o fato de que terá de pou-
xona pelo retrato de uma linda mulher, seu
Como lhes contei em outra crônica, entre a bi- cessante, sem sucesso. Botei anuncio no rádio, para não perceber isso. par mais para assegurar uma velhice digna às
estilo lírico, ao estampar fotos, também
cicleta Phillips pneu balão que me transportou pedi a amigos que trabalhavam comigo no jor- Há ao menos quatro fatores que influenciam a gerações futuras. Custa também a compreender
despertou amor e realizou sonhos.
durante todo curso ginasial do Liceu, e a lam- nal para noticiar o furto e, depois de dois dias, trajetória crescente do déficit previdenciário: 1) a transformação demográfica radical que está
Em 1975 o conheci, na redação do saudoso
breta comprada à prestação, se passaram 4 anos a lambreta foi encontrada no alto da encosta crescimento da informalidade; 2) desaceleração em curso.
jornal O Norte. Desde então desenvolvemos
– três de curso científico e um de preparação do Cabo Branco, inteirinha, sem nenhum dano. entre formais; 3) envelhecimento dos brasileiros Ademais, o número de jovens entrou em declí-
uma amizade que, semelhante às árvores,
para o Vestibular de Engenharia, Esses 4 anos Certamente uma alma generosa a utilizou para e 4) diminuição da taxa de natalidade. nio, reduzindo a quantidade de braços no mer-
quanto mais passa o tempo, mas frondosa
andei a pé e de ônibus – os bondes já tinham dar carona a alguém que estava a pé, depois de Mas, vejam, conforme os especialistas, uma so- cado de trabalho. Ao mesmo tempo, a expectati-
fica. Tendo uma experiência de vida maior
abandonado a cidade. perder o último ônibus, após a festa do Astréa. lução interessante é fazer com que uma nova va de vida está em ascensão, o que significa um
do que a minha, um matuto de Alagoa
Aprender a pilotar a máquina italiana até que E, devem ter resolvido terminar a noite, se con- reforma tenha um formato parecido com a da número maior de idosos e, consequentemente,
Grande que se conformava em colocar o
não foi difícil, sobretudo porque quem duran- fraternizando no alto do Cabo Branco... previdência privada, com capitalização. É algo de aposentados.
pão de cada dia na mesa da família, pois
te muito tempo se equilibrou em cima de uma Para terminar, numa passagem que já contei em adotado por outros países e torna o regime mais Em 1950, as mulheres brasileiras tinham, em
era arrimo de família, Abelardo abriu-me
bicicleta sem levar quedas desastrosas, normal- crônica, a minha saudosa lambreta me serviu (e sustentável. Assim, autônomos e informais po- média, seis filhos. Hoje, são menos de dois. A ex-
os olhos e suscitou-me o direito de sonhar.
mente tem mais facilidade de domar um motor muito bem) para transportar Rita, em noite de dem ser atraídos. pectativa de vida naquela época era de 47 anos.
Mostrou-me, na prática, que dinheiro se
de duas rodas. E assim foi comigo. lua cheia à praia do Cabo Branco, e desfrutar Lembrei-me do famoso carioca e “bon vivant” Agora, é de 75,5 anos e deverá se aproximar de
perde, mas se recupera. Igualmente fez-me
Lembro bem do primeiro acidente em que fui com aquela bela jovem - dona de exuberantes Jorginho Guinle que nasceu em uma das famílias 80 anos até 2050.
ver que, com o tempo, a saúde fica claudi-
envolvido, sem nenhuma culpa, diga-se de pas- curvas e sequiosa de prazer - de deliciosos mo- mais ricas do Brasil. Ainda jovem, herdou cerca Tapinha nas costas, muito comum na política,
cante. Por fim, evidenciou-me que só não
sagem. Descia tranquilamente a Guedes Perei- mentos de amor que ficaram para sempre na de 100 milhões de dólares e, entre amigos e de- não vai resolver. Deste modo, no futuro próximo,
podemos perder a honra e o caráter. No li-
ra, em frente ao edifício do Ipase, à época um minha memória e que somente foram possíveis safetos, vangloriava-se de nunca ter trabalhado. um número menor de jovens terá de sustentar
miar de cinquenta anos de amizade é um
dos poucos, senão único prédio alto da cida- graças a minha inesquecível lambreta. Levava uma vida dos sonhos, frequentando as uma imensa população de senhoras e senhores.
homem honrado que prima pelo caráter.
de, quando um pedestre atravessou na minha Depois da lambreta, veio o primeiro Fusca. Mas baladas festas do que antigamente se chamava Obviamente, a conta não vai fechar. Não pode-
Nesta quarta-feira, aniversaria. Parabéns,
frente; olhando para o alto como a contemplar essa é outra história, ainda a ser contada! de jet set internacional. mos cruzar os braços diante dessa realidade.
meu ilustre amigo e colega.

Aniversariantes PERSONAGENS Josauro Paulo Neto: O médico dos anjos


Hoje - 10 | 06 | 24
do Abelardo Jurema Filho
Advogado, jornalista e membro da Academia Paraibana de Letras
nosso abelardojurema@hotmail.com

TEMPO
N
os conhecíamos há quarenta anos numa mente envolvido com o seu trabalho que abraçara de sua convivência, como amigo, como médico
amizade herdada dos nossos pais, Abelar- como um gesto de amor. Ao decidir cuidar dos fi- ou membro atuante do Encontro de Casais Com
do de Araújo Jurema e o “velho” José Paulo lhos dos outros, de assisti-los em todas as horas e Cristo da Paróquia de N. Sra. das Neves, onde ele
Neto, que eram contemporâneos. Nos identifica- inconveniências, Josauro Paulo Neto demonstrava foi um soldado valente, pregando o Evangelho e
CELESTE GRACINHA SIMONE
mos ao primeiro contato como se fôramos velhos o seu caráter. Não pensava nas vantagens pecuni- trabalhando diuturnamente no movimento, fun-
Maia Paulo Neto Queiroga
conhecidos. Ele, recém-formado em Medicina, ha- árias que a Medicina poderia lhe oferecer. Decidiu dado em João Pessoa pelo padre Juarez Benício,
Celeida Rabello, Evânia Queiroga de via regressado de Brasília onde fez a sua residên- pelo coração, pela alma de quem nasceu com uma com o intuito de unir e preservar a família como o
Figueiredo, José Marques Filho, João cia médica em Pediatria. Eu, recém-casado, havia missão Divina. bem maior da sociedade.
acabado de chegar a João Pessoa para iniciar uma Certa vez, ainda muito jovens, eu e Maria Lucia Eleito vereador em João Pessoa, Josauro Paulo
Lucas Monteiro, Karla Maria de Olivei-
nova vida. chegamos ao nosso apartamento no edifício Bor- Neto passou a se dedicar integralmente ao Hospi-
ra Almeida, Maninho Fialho, Marcone Junto a outros colegas, fundou o Centro Médico borema, em Tambaú, por volta das 2h00 da ma- tal Padre Zé, instituição que presidiu e pela qual
Formiga, Manoel Abrantes, Maurício de João Pessoa, na avenida Getúlio Vargas, onde nhã. Vínhamos de uma festa e tínhamos deixado deu o seu sangue, suor e lágrimas. Nas comunida-
Souza de Lima, Raul Gomes, Salecy instalou o seu consultório. Fui dos seus primeiros o nosso filho, João Luiz, aos cuidados da babá. des mais carentes, que frequentava regularmente,
Barros de Aquino clientes através do meu primogênito, João Luiz, Ao abrir a porta, nos deparamos com uma cena atendia os seus pacientes mirins com a mesma
nascido naquele ano, já sob os seus cuidados na tocante: o dr. Josauro, sereno, lendo uma revista, atenção e paciência que dedicava às crianças das
hora do parto. tomando conta daquela criança como se fora o seu famílias mais abastadas que também o procura-
A partir de então, nos tornamos mais do que ami- próprio filho. Havia sido chamado pela empregada vam e lhe confiavam a saúde dos seus rebentos.
gos. A confiança, fundamental nesse tipo de rela- e esperava, pacientemente, pelos pais do seu pe- Casado com Gracinha Paulo Neto, mulher admirá-
cionamento, quando entregamos a vida do nosso queno paciente, que ardia em febre. Essa imagem vel que esteve ao seu lado em todos os momentos,
bem mais precioso nas mãos de um profissional, ainda hoje me comove. Tive mais dois filhos, Abe- numa bem sucedida união de amor e afeto que lhe
crescia a cada vez que eu ia à sua clínica levando, lardo e João Paulo, que receberam dele idêntico rendeu 3 filhos – Rodrigo, Otávio e Larissa, além de
com Maria Lúcia, o meu bebê a tiracolo. tratamento. genro, noras e netos – Josauro foi acometido, pre-
Não precisava muito para saber que ali estava um Generoso, solidário e íntegro, marido e chefe de cocemente, aos 59 anos, por uma doença neuroló-
JOSÉ RADOMÉCIO WILSON homem do bem. Carinhoso e afetivo com as crian- família exemplar, Josauro jamais será esquecido gica degenerativa e progressiva contra a qual lutou
Marcolino Leite Santiago ças, atencioso com os pais delas, dedicado e total- por aqueles que tiveram o privilégio de desfrutar e conviveu até os 66 anos, quando veio a falecer.

Ainda Zé Lins
Maria das Graças Santiago
Escritora e Membro da Academia Paraibana de Letras
mgpsantiago@gmail.com

C
ontinuo estudando Zé Lins e o encontro, sem motivo que durante toda a vida temeu a hora sar, ditava seus artigos e crônicas para os jor-
cada vez mais, sendo parte do meu univer- final, sentida como uma ameaça permanente. Ali- nais, e não perdia a oportunidade de assistir a
so. Parece que concordo com tudo o que ás, duas coisas o apavoravam: a morte e a loucura. uma boa partida de futebol, sua grande paixão.
ele fala e, mais ainda, com a forma como ele vê e Zé Lins foi um homem de grandes paixões, grandes Por ocasião da primeira crise hemorrágica senten-
sente as coisas. Reconhecido como um romancis- raivas, grandes explosões, mas nenhum ódio. Era ciou: “eu vou morrer.” Mas ainda não havia che-
ta exponencial, é pouco divulgado como ensais- um homem de bom coração. Seus ensaios e crôni- gado a sua hora e depois de debelada a crise é ele
ta, cronista e, principalmente, como uma pessoa cas foram escritos com tintas palpitando de vida, mesmo quem conta: “Numa daquelas progressões
hipocondríaca, cheia de traumas, de medos e de de poesia e dos sentimentos bucólicos sempre tão de círculos concêntricos que traziam e afastavam
fantasmas. Zé Lins não teve uma infância feliz e, presentes na alma do escritor de Pilar. Morreu cedo, figuras, vi o Washington Luiz que veio vindo e esti-
como homem parecia um vulcão prestes à erupção. o mestre Zé Lins, aos 56 anos travou sua batalha rou-me a língua. Depois sumiu”. Um relato trágico,
Nascido a 3 de junho de 1901 no Engenho Corre- derradeira com a indesejada das gentes. Pelo que mas quase cômico. Só quem passou por algo se-
dor, em Pilar, ficou órfão de mãe aos nove meses li sobre os sintomas da sua enfermidade, acredito melhante pode aquilatar a angústia de uma pessoa
quando foi entregue por seu pai, João do Rego Ca- que foi vítima de cirrose hepática, mal que acomete nesta situação. Eu falo “de cadeira”, como diria o
valcanti, à família materna. A tia Maria assume a muitas pessoas no Nordeste, proveniente da esquis- mestre Zé Lins, porque, no ano passado, já operada
criação do pequeno, mas logo se casa, e o meni- tossomose adquirida nos banhos em águas de rios e do câncer que tive e em plena quimioterapia sofri
no passa aos cuidados da Tia Naninha. A avó era de açudes infestados de caramujos onde os vermes uma pancreatite aguda que me fez sair do prumo
cega, o avô sisudo, Zé Lins sofria de asma e quase do sistosoma se alojam. Se não tratada de forma e, tal como Zé Lins viu chegar Washington Luís, eu
não podia brincar com os moleques. Daí sua inveja adequada a esquistossomose pode causar aumento também me deparei com Sansão ocupando o ele-
confessa dos negrinhos da bagaceira que viviam do fígado, do baço, acarretar hemorragia digestiva, vador do hospital quando deveria ter vindo usan-
descalços, caçando rolinhas ou armando arapu- fazer aparecer a ascite – conhecida popularmente do os cipós com que se locomovia. Pois é, ainda
cas para apanhar passarinhos. Qualquer friagem como barriga d’água - e, ao que tudo indica foi este consegui misturar Sansão com Tarzan... Mesmo
provocava, no neto do velho José Lins Cavalcanti o quadro enfrentado pelo nosso maior escritor. me faltando o gênio descritivo do nosso Menino
de Albuquerque, o chiado no peito e a dificuldade Durante o internamento no Hospital de Servi- de Engenho, sei bem o sentimento de impotência
para respirar. Seu “puxado” lhe proibia de brincar dores do Rio de Janeiro, Zé Lins tentava viver da e de desespero que a cena provoca. Uma situação
lá fora, de tomar sereno ou de fazer esforços. Não é forma costumeira. Recebia amigos para conver- dolorosa e funesta.

* As opiniões, comentários e anúncios veiculados nesta publicação são de exclusiva responsabilidade dos seus autores, não refletindo, necessariamente, a posição do editor.

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