Você está na página 1de 23

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO


CAMPUS VITÓRIA
Avenida Vitória, 1729 – Jucutuquara – 29040-780 – Vitória – ES
27 3331-2110

LITERATURA DE TESTEMUNHO, PILAR PARA POLÍTICA DE MEMÓRIA: SOB


A INQUIETUDE POÉTICA DE LARA DE LEMOS.

Alef Ribeiro Alves1


Nelson Martinelli Filho2

RESUMO

Este trabalho tem o objetivo de analisar a escrita de resistência política de Lara de


Lemos, fundamentado em seus textos poéticos, mas também amparado por sua biografia,
artigos jornalísticos e obras de ficção. Ademais, a diretriz de estudo se correlaciona com o
eixo da literatura de testemunho, a fim de mapear uma escrita política em contextos de
autoritarismo durante a ditadura militar brasileira (1964 - 1985). Assim, o trabalho aborda
discussões acerca da memória e do esquecimento, peças centrais para entender o porquê
discursos e práticas autoritárias voltam à tona no cenário político e em outras esferas da
sociedade. Com isso, o núcleo par excellence do trabalho perpassa sobre a análise poética do
poema “Receitas para morrer”, de Lara de Lemos, disposto no livro Palavravara (1986). Para
além das constatações analíticas, estruturais e conceituais do poema, a verificação
psicanalítica é explorada para interpretar e analisar os possíveis sentidos dos versos, ou seja,
necessária para compreender o alumbramento nos limites da linguagem e nos contornos para
elaborar um possível trauma. Para amparo de discussão teórica, autores como Maria Rita Kehl
(2010), Jaime Ginzburg (2021), Márcio Seligmann-Silva (2003), dentre outros pesquisadores
de literatura de testemunho, análise poética e psicanálise serão acionados durante o artigo.

Palavras-chave: Literatura de testemunho; Lara de Lemos; ditadura militar; política de


memória; poesia.

1
Graduando em Letras-Português pelo Ifes, Campus Vitória, Espírito Santo. Email: alefribeiroalves@gmail.com.
2
Doutor em Letras pela Ufes, pós-doutorado em Letras (Ufes); Mestre em Letras (Ufes); graduado em
Letras-Português (Ufes). Professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes). Professor do Programa de
Pós-Graduação em Letras da Ufes (PPGL/Ufes). Professor do Programa de Pós-Graduação em Ensino de
Humanidades (PPGEH/Ifes). Email: nelsonmfilho@gmail.com.
INTRODUÇÃO

Este artigo propõe uma discussão sobre como a poesia tornou-se um meio de resgate
da democracia e instrumento de confronto ao autoritarismo – imposto pela ditadura militar
brasileira a partir de 1964. Além disso, aprofunda-se nas análises das violências sofridas por
presos políticos, compreendendo suas prisões, censuras, silenciamentos e os momentos cruéis
de tortura que resultaram em traumas individuais e coletivos. Desse modo, o estudo se propõe
em analisar como os presos políticos transformaram tais atrocidades em linguagem poética.
Para tanto, este trabalho fundamenta-se na premissa de que a literatura e a arte são
intrinsecamente associadas à memória, sendo a literatura de testemunho o epicentro desse
enlace. Nesse sentido, essa literatura pretende explorar a complexidade do processo de
lembrança, transcendendo o antagonismo entre memória e esquecimento
(SELLIGMAN-SILVA, 2003, p. 387). A escrita de poemas, portanto, emerge como uma
ferramenta de integração à literatura de testemunho, viabilizando uma memória social vital
para a discussão proposta. Assim, esse corpus literário incita reflexões subjetivas e coletivas,
valendo-se da contundente escrita da renomada poeta gaúcha Lara Lemos.
Delineia-se, assim, a discussão sobre a trajetória da professora, jornalista, tradutora e
poeta, com o intuito de compreender o início de sua militância política e o papel de sua poesia
no enfrentamento ao autoritarismo. A poeta, embora não ostente proeminência na literatura
nacional, desde seu primeiro livro, não se retratou meramente como uma figura à frente de seu
tempo, mas como uma voz essencial que emergiu com uma poesia de resistência e
socialmente engajada. Em síntese, a pesquisa almeja desvendar o processo pelo qual a autora
elabora suas experiências traumáticas no cárcere, não por meio de uma narrativa descritiva,
mas através da transposição para a escrita de seus poemas – uma ferramenta crucial que busca
interpretar textos de possíveis traumas, textos de resistência política, sobre a memória de Lara
de Lemos e de inúmeros outros presos políticos em distintas nações.
O presente estudo dialoga veementemente com a literatura de testemunho, tema que
será comentado com destreza no decorrer da análise. Almeja-se também expandir o repertório
de leituras pertinentes a esse gênero literário, apresentar suas particularidades e estimular
abordagens críticas sobre um tema singular para a sociedade brasileira. Ademais, a análise
empreendida neste trabalho possibilitará ao leitor uma imersão crítica na obra de Lara de
Lemos (1925-2010), uma autora pouco citada entre o cânone de poetas – apesar da vasta obra.
Desse modo, dispõe-se uma atenção especial ao testemunho sobre o autoritarismo e a
violência perpetrados pelo Estado durante a ditadura militar brasileira. Com isso, a relevância
desse trabalho é compreendida quando a poesia de presos políticos – em que se insere a
escrita de Lemos –, tem sido pouco explorada no âmbito acadêmico, revelando a negligência
em relação a uma importante vertente de reflexão sobre a sociedade brasileira. Por
conseguinte, almeja-se ainda propiciar ao leitor desta pesquisa um viés crítico e teórico, não
apenas nos domínios dos estudos literários, mas também em áreas conexas, como história,
filosofia e psicanálise. O corpus abordado abarca questões conflituosas da sociedade
brasileira, possibilitando que suas reflexões contribuam para ampliação do debate acerca da
literatura efetuada a partir do encarceramento por motivos políticos no Brasil.
Antes de partir para as análises do trabalho, é importante efetuar a iniciação de
abordagem sobre a exposição das truculências perpetradas pelo golpe militar, focando na
cruel prática da tortura. A psicanalista Maria Rita Kehl (2010) aborda sobre esses abusos
históricos aparentemente perdoados pela sociedade. Em sua obra, discorre que: “O
‘esquecimento’ da tortura produz, a meu ver, a naturalização da violência como grave sintoma
social no Brasil” (KEHL, 2010, p. 124). Desse modo, percebe-se então a urgência em
denunciar as atrocidades cometidas por um governo autoritário, ou seja, a preservação da
memória torna-se fundamental para o fortalecimento da democracia e o combate ao fomento
de regimes autoritários.
Kehl (2010) destaca ainda sobre a importância de lembrar das famílias e vítimas da
violência cometidas por esses regimes autoritários, por vezes ponto fulcral para iniciar a
discussão de políticas de reparação, a fim de evitar a repetição dos crimes e dar uma mínima
compensação às famílias. Nesse contexto, a literatura de testemunho emerge como elemento
central para compreender a problemática da memória. Desse modo, este estudo pretende
destacar a importância em preservar a memória, além de discutir a produção poética como
forma de resistência e denúncia contra a ditadura militar brasileira (1964-1985), pois assim
criam-se reflexões críticas e teóricas sobre os processos literários que envolvem a sociedade
brasileira em diferentes campos.

1 OS TRAJETOS POLÍTICOS DE UMA POETA EM RESISTÊNCIA

Quando um poema está em confluência temporal com um contexto político,


envolvendo diretamente versos com tal período, torna-se imprescindível explorar as
indagações sobre o próprio conceito de “ser político” e seus atributos, especialmente no
contexto da ditadura militar brasileira. O caráter político se manifesta na complexidade das
contradições e das discrepâncias no âmbito público. Nesse sentido, os movimentos políticos
de mulheres, como o das sufragistas, que lutaram pelo direito ao voto e outros direitos
fundamentais de igualdade de gênero durante o final do século XIX e a primeira metade do
século XX, apresentaram-se como formas de resistência a uma política misógina. Por meio da
escrita de poemas e outros textos literários, bem como através de protestos organizados, o
movimento de interseccionalidade3 ganhou força, visando garantir o respeito aos direitos das
mulheres e reafirmar sua relevância como agentes políticas na sociedade (ALVES, 2019, p.
55).
No âmbito das manifestações de produção textual, é inegável o vínculo estreito das
mulheres na atuação por políticas de afirmação contra desigualdade de gênero. Segundo
Branca Moreira Alves (2019), ao longo do século XIX, emergiram manifestos e textos
jornalísticos que se destacaram como importantes veículos de expressão política, sendo
notável o pioneirismo do Jornal de Senhoras, fundado em 1852, que se tornou o primeiro
jornal produzido por mulheres no Brasil. Posteriormente, em 1873, o jornal O Sexo Feminino
ganhou relevância, fortalecendo ainda mais o movimento político de mulheres. Contudo, o
caminho para as mulheres se afirmarem politicamente por meio da escrita foi árduo, a
exemplo da escritora Júlia Lopes de Almeida, cuja indicação para a Academia Brasileira de
Letras no final do século XIX foi impossibilitada devido ao preconceito de gênero da época
(ALVES, 2019, p. 55).
Quando o olhar é direcionado para o movimento de resistência à ditadura, grande parte
dessa escrita foi abarcada por inúmeras mães que foram presas grávidas e que tiveram seus
filhos como alvo de tortura. Diante de inúmeros depoimentos de torturas, sequestros e
também das palavras não ditas por vezes apresentadas nos contornos subjetivos de versos de
poemas, diversas dessas mães, bem como crianças, sofreram efeitos psicológicos perversos
por conta de crimes cometidos na atuação repressiva do Estado ditatorial. Uma dessas mães,
cuja trajetória tem a convergência entre ser mãe e militante, é a poeta em estudo, Lara de
Lemos. Em símbolo dessa sinergia, dois de seus maiores livros Adaga Lavrada (1986) e
Inventário do medo (1997) reúnem inúmeros poemas dedicados a seus filhos Adail Ivan,
Wanda e Paulo, vítimas de prisão e tortura pela ditadura militar.

3
A interseccionalidade é um conceito teórico que reconhece a interconexão e sobreposição de diversas formas de
opressão, discriminação e desvantagem social, como raça, gênero, classe social, orientação sexual, entre outras.
Desenvolvido no campo dos estudos críticos e feministas, o termo destaca a importância de considerar as
experiências multifacetadas das pessoas, reconhecendo que as identidades sociais não podem ser compreendidas
de maneira isolada. A interseccionalidade busca analisar e abordar as complexas interações entre diferentes
sistemas de poder, contribuindo para uma compreensão mais abrangente e inclusiva das desigualdades sociais.
O início da trajetória literária de Lara de Lemos foi fortemente influenciada por
circunstâncias familiares complexas. Nascida em 1925, no Rio Grande do Sul, teve que lidar
com a prematura perda de seus pais, sendo criada por sua avó, que desempenhou um papel
fundamental em sua formação. Desde tenra idade, Lemos já evidenciava uma inclinação inata
para a escrita, manifestando-se através da produção de poesias aos meros sete anos de idade,
uma expressão íntima de suas emoções que necessitava ser materializada no papel.
Influenciada pelo contexto político efervescente, sua poesia abraçou temas sociais,
tornando-se uma forma de denúncia e resistência diante da ditadura militar brasileira. Lemos,
evidenciou-se então, como uma renomada escritora, escrevendo crônicas para jornais e
publicando diversos livros que refletem sua profunda análise da história, da sociedade
brasileira e de seus anseios enquanto uma ex-presa política.

2 ELABORAÇÃO DO TRAUMA POR MEIO DO TESTEMUNHO POÉTICO

Adentrando nas concepções de testemunho, segundo Jaime Ginzburg (2021), no


ensaio “Linguagem e trauma na escrita de testemunho”, o fundamento basilar e o mais
conhecido sobre testemunho é o jurídico, sendo uma voz no processo que está em situação de
impasse, mas que pode esclarecer uma imprecisão. Contudo, outro eixo fundamental das
análises é que o testemunho também pode advir daquele que sobreviveu a uma situação limite
(GINZBURG, 2021, p. 2). Em virtude do explicitado, uma literatura como a de Lemos tem
em um de seus eixos principais, o testemunho. Forma-se então, um rompimento desse
testemunho apenas como conceito jurídico, agora abarcando uma difusão histórica da
literatura contemplada na perspectiva textual ou da arte pela arte, mas que, a partir do
testemunho, amplia uma ligação latente com o extraliterário.
Neste contexto, o testemunho se vincula a um movimento de resistência contra o
autoritarismo, sendo que sua compreensão necessita de uma percepção envolta a partir da vida
política do indivíduo e da sociedade. Desse modo, o texto testemunhal converge com as
experiências traumáticas de um grupo de vítimas, em que o sujeito que faz a enunciação é
uma figura que experienciou direta ou indiretamente o trauma em questão, constituído, então,
como uma figura de cruzamentos em múltiplas forças externas (GINZBURG, 2021, p. 3). Isto
posto, entende-se que o texto testemunhal encara o impasse de revelar a falta da própria
linguagem ao não conseguir dimensionar o excedente que é uma experiência-limite. Portanto,
é nessa importância em relatar o que por vezes quer ser esquecido que a literatura de
testemunho se dispõe como uma alternativa de compreensão do passado dos esquecidos.
Exposta tal concepção, ainda sobre a obra de Ginzburg (2021), são latentes as
contribuições para as discussões desse trabalho, pois discorre sobre a literatura que engloba
seus conceitos teóricos com os casos extraliterários. Um exemplo que o autor traz à tona é o
caso de André du Rap, preso no Carandiru, e que expressava sua música num cenário em que
os encarcerados eram verdadeiros sobreviventes, incapazes de contar sua história sobre o
momento traumático. Dessa maneira, o autor faz uma convergência entre as experiências do
Massacre do Carandiru4, com a dificuldade de narrar sobre as pessoas que vivenciaram a
Shoah5 (GINZBURG, 2021, p. 4). Tal convergência se dá por conta das experiências-limites –
como as de tortura –, bem como de serem sobreviventes que podem contribuir com a reflexão
da literatura de testemunho.
Ademais, a compreensão de testemunho não se encerra em um único conceito. Como
exposto anteriormente, a testemunha não se delimita apenas para o campo do sentido jurídico,
mas também não tem maior peso quando remete ao sobrevivente. Como afirma Jeanne-Marie
Gagnebin em sua obra Lembrar escrever esquecer (2006), há um maior dimensionamento do
que seja uma testemunha ou um momento testemunhal, para exemplificar as outras
amplitudes de testemunha a autora diz o seguinte:
testemunha não é somente aquele que viu com seus próprios olhos, o histor de
Heródoto, a testemunha direta. Testemunha é aquele que não vai embora, que
consegue ouvir a narração insuportável do outro e que aceita que suas palavras
levem adiante, como num revezamento, a história do outro: não por culpabilidade ou
por compaixão, mas porque somente a transmissão simbólica, assumida apesar e por
causa do sofrimento indizível, somente essa retomada reflexiva do passado pode nos
ajudar a não repeti-lo infinitamente, mas a ousar esboçar uma outra história, a
inventar o presente. (GAGNEBIN, 2006, p. 57)

Para tanto, a literatura de testemunho, especialmente no Brasil, considerando os


relatos de presos político durante a ditadura militar, traz à tona os crimes cometidos pelos
militares, utilizando por vezes de relatos que se assemelham a autobiográficos, e por vezes,
como em análise pilar desse trabalho, o testemunho aparece por meio da inesperada poesia –
sendo este o meio pelo qual Lara de Lemos deixa sua brilhante e fundamental contribuição
para a literatura de testemunho.
4
O Massacre do Carandiru refere-se a um trágico incidente ocorrido em 2 de outubro de 1992, na Casa de
Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru. Durante uma rebelião que envolveu detentos, a Polícia
Militar foi chamada para intervir. No entanto, a situação escalou de maneira violenta, resultando na morte de 111
detentos.
5
Shoah, termo em hebraico para "catástrofe", refere-se ao Holocausto durante a Segunda Guerra Mundial, em
que cerca de seis milhões de judeus foram sistematicamente exterminados pelo regime nazista. Sua utilização
destaca a extensão da tragédia e sua singularidade na história.
3 POLÍTICA DE MEMÓRIA

Para dialogar sobre política de memória no Brasil, deve-se traçar diversos aspectos
pós-ditadura militar, a fim de entender a base dessas memórias coletivas até então formuladas.
A princípio, a fim de percorrer tal trajeto, é importante apresentar sobre a lei que decretou o
fim do regime ditatorial: a Anistia ampla geral e irrestrita, de 1979, que funcionou
perfeitamente como uma lei que fomentou uma política de amnésia na sociedade brasileira.
Em A literatura como arquivo da ditadura militar brasileira, Eurídice Figueiredo (2017)
expõe os entraves de um país que evitou enfrentar seu passado, e que não examinou os crimes
cometidos pelos militares, um país fadado a ter em suas entranhas formativas um regime
autoritário velado.
Ao não realizar as discussões acerca do assunto, uma política de desmemória foi
fomentada no país, caracterizando algumas tentativas de golpe que o país sofreu, como o
golpe parlamentar de 20166. Um outro exemplo mais recente ocorreu em 8 de janeiro de 2023,
sendo um dos momentos mais catastróficos da história política recente do Brasil, quando
grupos de extrema direita invadiram e depredaram as sedes dos poderes, em Brasília-DF,
agredindo jornalistas, policiais e transformando a capital do país em um cenário de guerra7.
Os ataques foram insuflados e instigados oito dias após a posse do Presidente Luiz Inácio
Lula da Silva em 2023, por grupo de pessoas descompromissadas com a verdade e com as
instituições democráticas, que incluíam a desinformação no seu eixo formativo intelectual,
disseminando discursos conspiratórios, negacionistas e de ódio, fomentados pelas ideias do
maior símbolo desse grupo antidemocrático, o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, que
perdeu democraticamente as eleições de 2022, mas que não assumiu a derrota nas urnas,
colocando em ‘xeque’ a sua confiabilidade das mesmas.

6
O golpe de 2016 é um termo usado para descrever os eventos que levaram à destituição da presidente Dilma
Rousseff. O uso deste termo é importante para entender não apenas o período, mas também o movimento que
levou à eleição de Jair Bolsonaro. A coalizão que derrubou o governo Dilma tinha como objetivo não apenas
trocar a presidente ou o partido do governo, mas mudar o regime político brasileiro através de um processo que
não envolvia a manifestação direta de vontade dos cidadãos brasileiros ou a construção de uma nova
legitimidade democrática. A ideia de que a justificativa do impeachment estava no “conjunto da obra”, ou na
“corrupção generalizada”, expunha como a insatisfação com os resultados eleitorais das eleições presidenciais
fomentava uma recusa radical à Nova República.
7
Em 8 de janeiro de 2023, ocorreu uma nova tentativa de golpe por extremistas bolsonaristas no Brasil. Milhares
deles invadiram e depredaram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e a sede do Supremo Tribunal
Federal (STF). Muitos dos invasores estavam equipados com máscaras de gás e capacetes, indicando que o
ataque foi planejado. A polícia não conseguiu conter os terroristas que invadiram os prédios dos três poderes.
A Lei da Anistia, promulgada em 1979, por João Baptista Figueiredo, em plena
ditadura militar, foi um elemento central para o fim do regime e parte do processo de abertura
política do país, fomentando uma política de perdão ao possibilitar a volta de todos os
exilados, além da soltura dos acusados de crimes políticos durante o regime ditatorial.
Entretanto, ela também impediu punições aos militares que cometeram inúmeros crimes
estatais. A Lei da Anistia foi fruto da pressão popular e do clima de redemocratização do país,
mas claramente também foi uma estratégia de recuo dos militares, iniciada pelo ditador Geisel
e continuada por Figueiredo. Portanto, essa lei trouxe benefícios principalmente aos militares,
criando uma antítese: por um lado, temos a inauguração do Estado democrático de direito pela
constituição de 1988, que se funda no princípio da igualdade jurídica, da proteção das
instituições e na inviolabilidade dos direitos fundamentais e humanos; por outro lado, temos a
anistia sendo utilizada para inviabilizar a busca por justiça e memória coletiva, permitindo
uma política negacionista com relação ao que realmente foi a ditadura.
O efeito dessa contradição é, justamente, a perpetuação da violência sentida até os dias
de hoje. Esquecer ou fingir que nada aconteceu no período da ditadura armou um cenário que
aos poucos foi se desvelando em atos antidemocráticos desde o golpe contra presidente Dilma
Rousseff, e que teve seu ápice durante e dias após o governo Bolsonaro, eclodindo no dia 8 de
janeiro de 2023. Ao anistiar nossos algozes, fomos privados do direito à verdade e seguimos,
consequentemente, sujeitos à repetição dos erros do passado. Do ponto de vista jurídico, não
ter anistia representa a necessidade de se revisar a lei e de se adotar punições aos agentes
dessa repressão durante a ditadura militar, tal qual na Argentina, em 19858. Além disso, do
ponto de vista histórico, não ter anistia representa a urgência de se criar uma memória coletiva
dos acontecimentos traumáticos, questionando-se dos valores dominantes da sociedade.
Somente assim, pode-se garantir a consolidação da democracia pulsante e a prevenção contra
novas violações dos direitos humanos no Brasil.
Para tanto, percebe-se as evidentes lacunas por justiça para aqueles que sofreram
crimes bárbaros cometidos pelos militares. Assim dizendo, durante o tempo em que
prevalecer a lei injusta – que perdoa os torturadores e os responsáveis pelos desaparecimentos
–, o país não vai revisitar seu passado e as raízes autoritárias ainda vão estar presentes.

8
Em 1985, a Argentina realizou um julgamento histórico que condenou os líderes das três primeiras juntas
militares que governaram o país após o golpe de Estado de 1976. Os crimes julgados variaram desde homicídio e
tortura até privação ilegítima de liberdade. Organizações de direitos humanos estimam que 30 mil pessoas
desapareceram durante aqueles anos. O ex-presidente Jorge Rafael Videla e o almirante Emílio Massera foram
condenados à prisão perpétua. O ex-presidente Roberto Viola (17 anos), o almirante Armando Lambruschini (8
anos) e o ex-chefe da Força Aérea Orlando Agosti (4 anos) também foram condenados. Outros quatro acusados
foram absolvidos.
Contudo, para fomento de uma política de memória, deve-se fazer um trajeto analítico não só
das violências cometidas pela ditadura militar, mas também todas as raízes de autoritarismo
que estão nas entranhas da histórica política do Brasil. Para além do meio jurídico, a literatura
torna-se esse instrumento de elaboração sobre os reais fatos que perpassam esse período
autoritário. Dessa maneira, Lara de Lemos, a poeta em estudo, efetua sua contribuição
veemente para a literatura de testemunho, transpondo suas perspectivas subjetivas sobre o
cárcere ditatorial no poema em análise a seguir, a fim de elaborar resistência em meio a uma
política de desmemória.

4 INQUIETUDE POÉTICA DE LARA DE LEMOS

A partir de agora emerge uma declaração, um atestado, sendo este parágrafo inicial um
alerta, em que Lara de Lemos instaura sua poética para embaralhar os horizontes de respostas.
Desse modo, a exposição poética a seguir é quase efêmera, irônica e levemente intimista,
quase em relação sugestiva, por isso, um poema, uma zona de estranheza e identificação.
Ademais, o verbete inquietante – contido no título do artigo — pode ser compreendido
através dos conceitos da psicanálise. Freud (1925), apresenta que o inquietante é um dos
domínios que se relacionam com o terrível, que pode despertar angústia e horror, equivalente
ao angustiante. Vale ressaltar também, que o inquietante está relacionado à ambiguidade e ao
duplo sentido, como se algo pudesse ser interpretado de duas maneiras diferentes: uma
benigna e outra ameaçadora, e esse conflito de interpretações gera uma inquietação (SOARES
apud FREUD, 2019, p. 9-25). Em virtude disso, a leitura do poema a seguir tem em seu eixo
fulcral a representação de uma inquietação poética. Segue o poema e, logo após, sua análise:

RECEITAS PARA MORRER

I
Vede cuidadosamente
as frestas.
Respire fundo a doçura
do gás. Feche os olhos
Tente sonhar.

II
Mergulhe no oceano azul
Nade sem pressa. Devagar.
Não olhe para trás.
Visite Netuno no fundo
no mar.

III
No galho mais verde
arme seu próprio laço.
Deixe que o corpo
vire balanço
no espaço.

IV
Suba no cimo mais alto.
Derreta suas asas
ao sol.
Como Ícaro
tente voar.

V
Ame sem ser amado.
Sempre, muito
até que o coração
sufoque. Pare
de trepidar.

(LEMOS, 2017 [1986], p. 232-233)

O poema “Receitas para morrer”, disposto no livro Palavravara (1986), de Lara de


Lemos, é uma composição multifacetada que oferece margens para diversas interpretações.
Ao abordar essa obra, é relevante destacar que o poema permite uma gama de significados,
mas é fundamental esclarecer que a análise proposta se concentrará na perspectiva que remete
à ditadura militar brasileira. Essa escolha é motivada pela proximidade temporal do poema
com o fim da ditadura militar, em 1985, destacando o contexto histórico específico, e pela
presença recorrente da temática da morte, uma associação frequentemente feita com esse
período. Contudo, um outro elemento interpretativo do poema será a tortura, que nesse
contexto provoca um acontecimento que ultrapassa um trauma subjetivo da vítima, ganhando
amplitude para um trauma coletivo que ecoa em todo aparato jurídico-estatal do regime
militar (MARTINELLI FILHO, 2022, p. 59). Lemos (1986), movida pela vontade de instigar
uma escrita de resistência contra essa tortura, desenvolve uma poesia testemunhal que,
ocasionalmente, se entrelaça entre a experiência da palavra dentro da elaboração de um
possível trauma, e que também se emprega em versos que despertam a sensação de cinco
momentos de proximidade com a morte. Nesse sentido, a poeta gaúcha configura sua
experiência-limite em artefatos poéticos, mesmo dentro de um contexto desumano, evitando
narrar os eventos descritivamente, mas por meio de uma elaboração pela linguagem.
Antes de discorrer sobre os aspectos que convergem entre literatura, psicanálise e
concepções sociais dentro do poema, faz-se necessário uma análise da estrutura poética e
textual do mesmo. Segundo Norma Goldstein (2006), deve-se ter grande zelo para não perder
a discussão sobre a unidade do poema, ou seja, voltar a atenção para os aspectos teóricos
linguísticos que a escrita de um poema pode proporcionar, não apenas em relação ao seu
contexto. Para um esclarecimento maior, a autora discorre que:
Como toda obra de arte, o poema tem uma unidade, fruto de características que lhe
são próprias. Ao analisar um poema, é possível isolar alguns de seus aspectos, em
um procedimento didático, artificial e provisório. Nunca se pode perder de vista a
unidade do texto a ser recuperada do momento de interpretação, quando o poema
terá sua unidade orgânica restabelecida (GOLDSTEIN, 2006, p. 10).

A importância em discorrer sobre as perspectivas abrangentes quanto à estrutura do


poema deve, então, proporcionar a possibilidade de análises sobre essa vertente literária
envolta sobre si. Desse modo, o poema de Lemos (1986) segue uma estrutura livre e que não
se enquadra em uma forma fixa, como um soneto, por exemplo. Porém, há algumas simetrias,
pois é composto por cinco estrofes, com cinco versos, podendo ser chamado de quinteto ou
quintilha. Ao analisar a métricas dos 5 versos de cada estrofe, percebe-se não haver uma
métrica fixa, porém que se dispõe da seguinte maneira: 7/2/7/5/4 // 8/8/5/8/2 // 5/6/4/4/2 //
7/4/2/3(2)/4 // 6/3/6/4/4 (cada número representando a localização da sílaba poética de cada
um dos 5 versos, das 5 estrofes). Sendo assim, mesmo não havendo uma métrica fixa, por
vezes a métrica varia de 2 a 8 sílabas, sem versos excedentes, ou seja, mesmo variando o
metro, os cortes dos versos obedecem uma limitação mais ou menos regular. Contudo, quanto
à sua musicalidade, o poema exibe uma sinfonia poética de ritmos variados, criando uma
coreografia verbal de suspense ao leitor, a fim de que ele adivinhe os próximos versos.
Portanto, a ausência de rimas regulares contribui para uma harmonia que convida o leitor a
dançar pelas metáforas e nas sensações do texto. Esse transcender se dá pela comunicação
direta, de indicações, por vezes, com a voz do poeta saindo de elementos que retratam uma
experiência de si para momentos que remetem uma indicação para quem o lê.
A leitura desse poema pode causar também um impacto melancólico ao leitor, sendo
difícil entender o porquê escrever sobre momentos poucos visitados pela memória. Uma
possível explicação se dá na abordagem psicanalítica baseada nas noções de luto e
melancolia, propostas por Freud (1915). Maria Rita Kehl (2013), em artigo, discorre sobre a
teoria freudiana disposta em análise na obra Luto e melancolia (1915), em que retrata que o
luto seria um processo normal e saudável de elaboração da perda, que permite ao sujeito se
desligar do objeto a partir de investimentos de novos objetos. Contudo, a melancolia seria
uma forma patológica de luto, na qual o sujeito se identifica com o objeto perdido e se culpa
por sua morte, desenvolvendo um sentimento de vazio e desvalorização. Ainda mais, segundo
Kehl (2010), os melancólicos têm um humor oscilante que remetem a traços de genialidade,
podendo ser poeta, criador, sempre destinado a levar os “sentimentos do mundo”, teoria essa
que desafia os preceitos da psiquiatria e faz uma abordagem psicanalítica para descrever uma
síndrome chamada psicose maníaco-depressiva (KEHL apud FREUD, 2013, p. 15). A partir
desses elementos teóricos, inicia-se uma compreensão poética que transita em versos satíricos
melancólicos, buscando escapar de uma situação insuportável, seja pela imaginação, seja pela
palavra, seja pela morte voluntária.
Para lume da discussão, a fim de entender os anseios sobre uma escrita que se
aproxima de relatos melancólicos sobre a vida, deve-se antes dimensionar em qual sistema de
violência fundamenta-se uma sociedade punitivista. Emerge então, o conceito de necropolítica
proposto por Mbembe (2003), em que explica quais as origens e consequências dessa política.
O autor camaronês discorre que a necropolítica seria uma forma de exercer o poder político
através do controle sobre a vida e a morte das populações, especialmente aquelas
consideradas descartáveis ou indesejáveis pelo sistema dominante, ou seja, na época da
ditadura militar, todos aqueles que eram considerados “indesejáveis” sofriam condições
similares ou piores que a dor da morte pelo regime repressivo. Desse modo, esta análise
concebe um paralelo entre os versos de cada uma das cinco estrofes, que contêm modo de
torturas, com resquícios de outros momentos da história que se assemelham à necropolítica
orquestrada pela ditadura militar brasileira.
No estudo "Autoritarismo e transição”, Paulo Sérgio Pinheiro (1993), aborda sobre a
perpetuação do autoritarismo no Brasil por meio da atuação da Polícia Militar. O autor destaca
como as forças de segurança, historicamente ligadas a regimes autoritários, desempenham um
papel significativo na manutenção de estruturas opressivas. Com isso, a presença marcante da
Polícia Militar, muitas vezes associada a práticas autoritárias, representa um desafio adicional
para a consolidação da democracia, indicando a necessidade de reformas profundas no
sistema de segurança e uma reflexão crítica sobre o papel das forças armadas, a fim de
promover uma cultura política mais democrática.
A partir das análises antecedentes, no âmbito da questão de segurança pública é
perceptível e constatável a limitação da autonomia civil nas áreas de gestão, planejamento e
ações estratégicas em segurança. Desse modo, esse legado autoritário – na Constituição
Federal e em algumas instituições do poder coercitivo, com destaque para a Polícia Militar –,
faz com que a democracia no Brasil não se consolide totalmente. Percebe-se então, que
mesmo depois de termos redemocratizado o país, a questão da segurança interna permanece
de forma bastante acentuada nas mãos dos militares, o que gera uma exclusão da sociedade
civil na discussão sobre o sistema de segurança ‘pública’, um atributo imprescindível para a
consolidação de uma democracia pulsante e coesa para de fato defender os direitos dos
cidadãos. Com isso, a não discussão leva a uma notável e persistente violência policial, que é
resultado dessa militarização da segurança pública, e as periferias são as áreas mais afetadas
por essa violência. Com isso, as análises a seguir vão revelar através do teor interpretativo dos
versos algumas similaridades e persistências de práticas de torturas que eram comuns na
ditadura militar e ainda são praticadas pelos militares.
Na primeira estrofe do poema “Vede cuidadosamente / as frestas. / Respire fundo a
doçura / do gás. Feche os olhos / Tente sonhar.”, há uma alusão à morte por asfixia, prática de
tortura comum no período da ditadura militar brasileira, que provavelmente tiveram
inspiração no momento mais nefasto sobre esse tema que foi a Shoah. Contudo, para ampliar
a percepção da continuidade desse tema até a atualidade, atenta-se essa análise para mais um
crime estatal que aconteceu em Belém, no estado do Pará, Brasil, o fato ficou conhecido como
o “Massacre do presídio em Altamira”9. Na ocasião, houve uma rebelião no Centro de
Recuperação Regional de Altamira, em 29 de julho de 2019, ocasionada por grupos de
detentos de facções rivais. O conflito foi fortemente repreendido pelos militares, sendo
utilizados principalmente gases tóxicos para a contenção dos presos. Esse episódio provocou
a morte de 68 pessoas, sendo que 58 dessas mortes foram por asfixia, além de outros 10
decapitados, sendo a maior tragédia carcerária do Pará e a segunda maior do Brasil. Como
função de memória, é preciso ao menos entender as condições precárias que as celas
brasileiras são mantidas, fruto de uma política carcerária que tem em suas entranhas
representativas os mesmos ideais da necropolítica dialogada anteriormente. Desse modo, o
“conselho” da voz poética do poema é para “fechar os olhos” e “tentar sonhar” em meio a
uma tortura ou massacre por asfixia, pois por vezes administrar a dor da morte para muitos
presos políticos é melhor do que ser torturado. A própria Lara de Lemos dimensiona essa
convicção, pois, ao ser questionada por Cinara Ferreira (2009) sobre os momentos de prisão e
tortura, relata o seguinte:
Havia um grupo de escritores que se dedicava a escrever, não contra, mas numa
posição oposta aos políticos. Esse grupo todo foi preso e eu fui junto. Essas prisões
eram horríveis, pela maneira que nos tratavam. Eles nos colocam um capuz no rosto
e empurravam numa escada abaixo. Eu não sabia em que ia pisar ou cair. Muito
desagradável. Um dia, eu perguntei para eles: “Por que vocês não me matam de uma
vez?” Eles riram de mim e perguntaram: “Como a senhora quer morrer?” Eu
respondi: “De uma vez só, da maneira mais rápida possível, pois eu estou muito
cansada desse tratamento.” E, depois que eles nos reduzem a nada praticamente, eles

9
O massacre de Altamira, ocorrido em julho de 2019, foi um evento violento que resultou na morte de dezenas
de detentos em um presídio localizado na região norte do Brasil. Durante o incidente, diversas vítimas foram
encontradas com sinais evidentes de asfixia, levantando preocupações sobre as condições precárias e a falta de
protocolos adequados de segurança e cuidado nos estabelecimentos prisionais do país. Este trágico episódio
ressalta as questões relacionadas à segurança e aos direitos humanos, além de chamar a atenção para a
necessidade de reformas no sistema penitenciário brasileiro.
nos deslocam para outra prisão, onde eles dão comida para engordar, para que as
pessoas não se deem conta do que eles fazem. É uma coisa tão esquisita isso. Eles te
fazem comer, compram revistas femininas, imagina. Quando eu saí, eu estava tão
diferente que as pessoas nem me conheciam, magérrima, horrível. Fui presa duas
vezes. Uma vez foi com esse grupo de escritores. Até a Ana Arruda estava comigo
(LEMOS apud FERREIRA, [2017], p. 52).

Novamente remetendo-se ao poema, a utilização de “fechar as frestas” dialoga com as


pequenas frestas de respiração que tem o ser humano, mas também com os grandes espaços
físicos, que sufocaram milhões na Shoah. Como instrumentos basilares dessa barbárie
orquestrada, estão as quatro câmaras de gás que continham o gás venenoso Zyklon B10,
localizadas em Auschwitz-Birkenau, Alemanha. Nos anos entre 1943 a 1945, essas câmaras
de gás mataram mais de 1 milhão de judeus, ciganos e prisioneiros de guerra. Com isso,
remete uma certa semelhança no modo de atuação nazista, com o modo de atuação da polícia
no massacre de Altamira, Pará. Outro resquício dessa prática é a morte por asfixia de
Genivaldo Jesus Santos, em Sergipe, Brasil, no ano de 2022, após uma abordagem criminosa
da Polícia Rodoviária Federal11. A brutalidade foi tanta que, mesmo depois de imobilizá-lo,
jogaram gás de pimenta em seu rosto e o trancaram no porta-malas de uma viatura, em
sequência jogaram um gás lacrimogêneo, sufocando-o, e causando sua morte imediata.
Novamente remetendo-se ao poema, na segunda estrofe: “Mergulhe no oceano azul /
Nade sem pressa. Devagar. / Não olhe para trás. / Visite Netuno no fundo / no mar.”, é
explicitado outro instrumento de tortura utilizado pela ditadura militar. Após os militares
realizarem choque elétrico e colocarem a pessoa no “pau de arara”, vinha o afogamento. Além
disso, o elemento “no fundo”, “no mar” faz um jogo que quebra a expectativa do leitor quanto
a um possível verso “no fundo ‘do’ mar”, deixando claro sobre um mar específico. Emerge-se
também, uma musicalidade para as sílabas iniciadas em ‘N’, como: “Nade”, “Não”, “Netuno”,
trazendo uma não linearidade para o verso, como uma ondulação do oceano. Desse modo, a
voz poética emerge a receita para sobreviver uma tortura por afogamento, como “nadar sem
pressa”, “não olhar para trás” e “visitar Netuno no fundo no mar” – Netuno, deus romano dos
mares, que vive nas profundezas. Tal “conselho”, envolto de ações específicas, é apresentado
de forma poética para dar contorno a uma linguagem difícil e dura de ser retratada, pois, de
forma literal, a prática de tortura que os versos remetem era da seguinte forma: os torturadores

10
Antes de chegar às câmaras de extermínio, o Zyklon B foi concebido originalmente como pesticida. Ao entrar
em contato com o ar, os grânulos do Zyklon B se transformavam em um gás mortal. O Zyklon B é conhecido por
seu uso pela Alemanha nazista durante o Holocausto para assassinar aproximadamente 1,1 milhão de pessoas em
câmaras de gás instaladas em Auschwitz-Birkenau, Majdanek e outros campos de extermínio.
11
Genivaldo de Jesus Santos foi torturado e morto pela Polícia Rodoviária Federal em Umbaúba, Sergipe, em 25
de maio de 2022. Os agentes envolvidos foram presos e o STF manteve a prisão preventiva de um ex-policial
envolvido. O caso repercutiu nacional e internacionalmente.
fechavam as narinas do preso e colocavam uma mangueira, toalha molhada ou tubo de
borracha dentro da boca do acusado para forçá-lo a engolir água, além de mergulhar sua
cabeça num balde de água, urina ou fezes, forçando sua nuca para baixo até o limite do
afogamento, ou seja, chegando próximo da morte.
Para tanto, as acepções acima dialogam com essa experiência de quase morte e o
porquê do desejo da morte direta. Com isso, o prisma fulcral da condição da sobrevida
torna-se o relato de si mesmo, ou seja, o testemunho. Nessa sobreposição, é, portanto, factível
identificar a formação de um novo espaço simbólico, ocorrendo o ressurgimento em
contraposição ao anseio pela morte. A morte, testemunhada de perto, capaz de afirmar
inequivocamente a terrível experiência de tortura, alterna-se com a quase-morte, ou seja, a
sobrevivência, bem como com o desejo latente presente nas figuras testemunhais (SOUZA
SILVA, 2022, p. 144-116). E ao conceber a terceira estrofe do poema, Lemos (1986) escreve
versos testemunhais que leva essa análise à uma interpretação que remete a terrível prática de
tortura chamada “pau de arara”. Apesar de conceber uma linguagem inflamada para ser
escrita, Lemos dispôs de algumas rimas como a convergência entre “laço” e “espaço”.
Ademais, versos como: “Subir do galho mais verde”, “deixar que o corpo vire balanço”, são
os possíveis conselhos para suportar a mais comum prática de tortura, que consistia em:
pendurar os punhos e as dobras dos joelhos da pessoa, amarrados a um pau ou uma barra de
ferro, deixando o corpo pendurado, como um balanço. Esse método deixava os presos
políticos pendurados por horas, e sempre era acompanhado dos eletrochoques, palmatória e os
afogamentos já citados. Semelhante às práticas de asfixia, pendurar uma pessoa ou arrastá-la à
força ainda são instrumentos utilizados pelas forças militares, por vezes acompanhadas de
preconceitos diversos, como o racismo. Um exemplo foi quando em março de 2023, na cidade
São Paulo, Brasil, um homem negro foi carregado por metros por policiais militares, com os
pés e as mãos amarrados, após ser detido por roubar produtos de uma unidade de mercado – o
que não foi provado12. Com a divulgação das imagens do homem sendo arrastado, grande
parte da sociedade as julgou perturbadoras com tamanha brutalidade, além de trazer a lume os
resquícios de uma política militar violenta e autoritária, com o agravante do racismo. Em
síntese, as mesmas torturas que foram realizadas com os presos políticos ainda são praticadas
nas favelas de diversos estados brasileiros, com um alvo específico, o povo preto.

12
Caso do homem negro amarrado e carregado pela Polícia Militar de São Paulo, em setembro de 2023, suscitou
indignação e debates acalorados em todo o país. As imagens chocantes do homem, com mãos e pés amarrados,
sendo transportado em uma posição semelhante ao "pau de arara" evocaram memórias dolorosas da repressão da
ditadura militar brasileira. O incidente destacou, mais uma vez, as preocupações contínuas em torno da
brutalidade policial e do racismo estrutural no Brasil, intensificando os apelos por reformas significativas no
sistema de segurança pública e uma abordagem mais enérgica na luta contra a discriminação racial.
A fim de dar continuidade às análises, a partir da quarta estrofe do poema, é notável
como se destaca um elemento central: o mito de Ícaro. A estrofe tem os seguintes versos:
“Suba no cimo mais alto. / Derreta suas asas / ao sol. / Como Ícaro / tente voar.”. Com isso, a
fim de compreender a fundo tais versos, apoia-se agora a análise nas teorias psicanalíticas,
que muitas vezes utilizam os mitos para compreender um pouco mais do funcionamento do
psiquismo humano dentro de uma perspectiva histórica e coletiva. Com isso, o mito perpassa
a história de Dédalo, pai de Ícaro, grande inventor grego, que criou o Labirinto de Creta —
local onde abrigava o Minotauro. Dédalo foi preso exatamente no labirinto que construiu,
junto de seu filho, pois foi condenado pelo rei Minos por tentativa de homicídio. A fim de
buscar um jeito de escapar da prisão, ele começou a juntar as penas dos pássaros que voavam
sobre a prisão, unindo-as com cera de abelha, a fim de criar asas para fugir voando do cárcere.
Quando as asas estavam prontas, Dédalo deu um par delas a seu filho, Ícaro, com instruções
precisas. Ele alertou Ícaro para não voar muito alto, pois o calor do sol faria a cera derreter,
nem muito baixo, pois a umidade do oceano faria as penas ficarem pesadas demais, o que o
faria cair. Dédalo seguiu suas próprias orientações durante o voo e conseguiu escapar da
prisão com sucesso. Por outro lado, Ícaro, fascinado pela ideia de voar, ignorou os avisos e
subiu cada vez mais alto até que a cera das asas derreteu e as asas se desintegraram,
resultando em sua trágica morte nas águas do oceano.
Ao conceber os versos da quarta estrofe do poema, Lemos indica em sua escrita uma
realidade de forma direta, mas com uma estética poética abrangente, atingindo profundidade
em tais referências. A convergência de sua vida com o mito se dá quando o olhar direciona-se
na perspectiva que Dédalo não queria que Ícaro sofresse as consequências de suas escolhas.
Sendo assim, a vida de Lara de Lemos e de várias presas políticas tem esse ponto em comum
com o mito. A escritora gaúcha afirmou em entrevista concedida à Professora Cinara Ferreira,
que escreveu o livro Inventário do medo (1997), escrito quase 20 anos após sua segunda
prisão pela ditadura, para elaborar a angústia em ver seus filhos na prisão. Na mesma
entrevista, quando indagada sobre como foram esses momentos, ela relata o seguinte:
Sim, isso foi uma coisa terrível. Eles me prenderam e falaram para o meu filho que
iam me torturar se ele não contasse o que eles tinham feito. Graças a Deus, o meu
filho não acreditou. Da primeira vez, eu fiquei desesperada, porque prenderam os
meus dois filhos. Eu ia muito lá, mas eu conversava com eles e eles não me levavam
a sério. Sabe, quando a pessoa tem todo o poder e você não tem nenhum. É assim,
eles te tratam mal. O meu filho mais velho ficou preso muito tempo. O meu filho
menor foi solto antes, porque ele só tinha dezesseis anos. Esse período foi horrível.
Eu tinha sonhos e pesadelos com eles, horríveis. E, por acaso, no edifício em que eu
morava, na porta seguinte, morava um americano que tinha vindo ensinar os
brasileiros a como tratar e torturar os presos políticos. Eu tinha que ver esse cara
todos os dias. Eu abria a porta e dava com ele (LEMOS apud FERREIRA, [2017], p.
52).
À luz dos conceitos explorados sobre tortura, o leitor do trabalho deve estar se
perguntando: mas qual seria o processo de tortura explorado pelo poema nessa estrofe? A
resposta se dá no relato acima, um relato de dor, de tortura psicológica realizada em uma mãe
que viu diariamente seus filhos presos e torturados. Sendo assim, entende-se a citação do
mito, pois o eu poético sentiu-se como Dédalo, que fracassou ao tentar salvar seu filho, como
uma frustração de ter por anos um filho torturado. O mito abre um ambiente para discutir
sobre os muitos jovens, adolescentes e crianças, filhas de militantes políticas(os)
sequestradas(os), que foram mantidas em cárceres clandestinos, nascidas em cativeiros,
torturadas ou ameaçadas de serem submetidas a torturas, algumas foram arrancadas dos
braços de suas mães, impedidas de serem amamentadas e afagadas, outras chegaram a ser
torturadas mesmo antes de nascer, ou assistiram às torturas em seus pais ou, então, viram os
pais serem assassinados.
Dentro do arcabouço teórico de Lacan (1901-1981), o inconsciente estruturado pela
linguagem introduz três pilares fundamentais que compõem a realidade humana: o real, o
simbólico e o imaginário. Esses elementos foram temas de revisões e debates ao longo de toda
a obra de Lacan. Dentre esses registros, o real se destaca como um dos mais debatidos, tanto
pelo próprio Lacan quanto por comentaristas e psicanalistas. É importante notar que o
conceito de real não deve ser confundido com a realidade em si; ele representa aquilo que é
excluído pelo simbólico quando este se estabelece, formando um espaço que escapa à própria
capacidade de simbolização (LACAN apud MARTINELLI FILHO [2022], p. 48). Desse
modo, um trauma ultrapassa ao simbólico, pela sua repetição e em sua caracterização pela
pulsão de morte13. Com isso, é possível identificar que Lemos e outros presos políticos podem
ter passado por traumas latentes quanto a esse período. Sendo assim, tal perspectiva teórica e
poética finalizam a quinta e última estrofe do poema em análise, um contorno na linguagem
direta, um trânsito entre o simbólico e um real particular para transpor as atrocidades sofridas
pelo regime.
Na última estrofe: “Ame sem ser amado / Sempre, muito / até que o coração / sufoque.
Pare / de trepidar”. Os dois primeiros versos trazem uma aliteração que cria ritmo à estrofe,
transitando entre as sílabas em “m” e “s”, que aos poucos ganha uma convergência entre
símbolo e ritmo, isto posto, as métricas e musicalidade vão perdendo o compasso, como um
13
A pulsão de morte é um conceito desenvolvido pelo psicanalista Sigmund Freud. É uma tendência ao zero, a
romper com resistências, romper com o exercício físico de existir. A pulsão de morte se opõe a Eros, a tendência
à sobrevivência, propagação, sexo e outras pulsões criativas e produtoras de vida. A pulsão de morte às vezes é
chamada de “Thanatos” no pensamento pós-freudiano. Para Freud, essas pulsões de vida e de morte, de Eros e
Tânatos, não são totalmente excludentes. Vivem numa tensão e, ao mesmo tempo, numa dinâmica de equilíbrio.
de fato um coração parando. Contudo, a tentativa de simbolizar a tortura e um possível trauma
se manifesta como conselhos, enquanto busca recriar o passado e oferecer uma orientação ou
receita para o futuro. Em “até que o coração sufoque”, dispõe-se de uma dinâmica psicológica
complexa, pois o coração sufocado ilustra vividamente a construção emocional imposta pelo
ambiente do cárcere. Contudo, quando o elemento “pare de trepidar” entra nos versos, abre-se
um leque interpretativo para compreender a resistência em meio à tortura física novamente.
Dentre as formas de tortura já dialogadas, tinha uma que detinha o teor que causava
“trepidações” nos militantes, a “Cadeira do Dragão”. A “Cadeira do Dragão” era um
dispositivo parecido com uma cadeira elétrica, na qual os detentos eram obrigados a se sentar
sem roupa, em uma estrutura revestida de zinco que estava conectada a terminais elétricos.
Quando o aparelho era ativado, a condução elétrica do zinco provocava choques que
espalhavam-se pelo corpo da pessoa. Em algumas situações, os torturadores utilizavam um
recipiente metálico na cabeça da vítima, também sujeito à aplicação de descargas elétricas.
A discussão sobre a elaboração de um possível trauma por meio da poesia é ampla,
mas através dessa análise é possível dimensionar até onde a literatura de testemunho pode
contribuir para a elaboração de uma experiência-limite. Com isso, dialogar em um trabalho
sobre as receitas de uma pessoa que anseia a morte é um tema por vezes angustiante, mas que
pode contribuir para entender sobre como esses sujeitos transformaram sua experiência-limite
em linguagem poética.
A psicanálise auxilia em uma compreensão da problemática, pois parte do pressuposto
fundamental de que o conhecimento pleno acerca da morte permanece inalcançável, o
empenho, então, consiste em decifrar as intrincadas complexidades subjacentes ao processo
de morrer. Dentro desse contexto, surge a possibilidade interpretativa de explorar, dentro dos
versos do poema, a sugestão de suicídio. Isso nos conduz a uma interrogação crucial: quando
uma pessoa opta por pôr fim à sua própria existência dentro de um poema, qual entidade ou
elemento está ele verdadeiramente ceifando? A discussão é ampla, mas uma possível
constatação feita através da análise do poema em estudo é que, ao almejar sua própria morte
através da voz poética, ela perpetua sua presença na ausência, transcendendo o âmbito da
morte física. Entretanto, as palavras do poema se tornam o receptáculo da dor que persiste
após experiências traumáticas, como as sessões de tortura dialogadas. Isto posto, cria-se então
uma tensão constante entre nosso corpo biológico, vulnerável ao término da vida, com a
criação de um corpo imaginário. Essa dualidade entre “ser” e “possuir” um corpo, é
meticulosamente explorada na temática subjacente às estrofes do poema.
Em síntese, esse poema emerge como uma nebulosa nas sendas sólidas que sustentam
a vida, desafiando a concepção comum de que os poetas que sofreram prisão política foram
impactados pela desconexão entre as palavras e a realidade. Portanto, ele (o poema) adentra
num mundo estranho no qual o significado convencional pode perder sua relevância após
vivenciar imageticamente através das palavras a desumanização. Hannah Arendt (2002)
percebe a reificação como uma metamorfose, transfiguração e materialização que ocorrem
sempre à custa da própria vida. Portanto, é na “letra morta” que o “espírito vivo” deve
persistir, um amortecimento do qual ele só pode escapar quando a “letra morta” é revivificada
pelo contato com uma vida disposta a ressuscitá-la. Contudo, essa ressurreição compartilha
com todas as coisas vivas o destino de eventualmente voltar a perecer (ARENDT, 2002, p.
182). Desse modo, a intensidade desse amortecimento nas artes varia, sendo a poesia
considerada por Arendt (2002) a forma mais humana e mundana da expressão artística, pois
está mais próxima do pensamento do autor. A memória transposta nos versos de um poema
pode transformar a recordação, e torna-se um elemento de “intimidade com a memória viva”,
fazendo com que a poesia tenha continuidade (ARENDT, 2008, p. 183). Em virtude do
explicitado, a poesia, apesar de sua transformação estética ao longo das eras, explora tanto as
universalidades quanto as particularidades da condição humana. Em acordo com todo estudo
efetuado até então, constata-se como a poesia é um meio de elaboração da memória social,
contribuindo para a construção de uma política de memória.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com uma literatura profundamente engajada, Lara de Lemos expressou, com toda a
intensidade, resistência e senso de justiça, denúncias e violências que afligiam as diversas
famílias durante a ditadura militar brasileira. No poema “Receitas para morrer”, elemento
fulcral do trabalho, ela abordou temas duros de serem escritos e falados de forma direta,
discorrendo sobre a realidade que foram as torturas na ditadura militar. Dessa maneira, a
palavra de Lemos se notabiliza como um símbolo de resistência. Todavia, apesar de não
haver garantias concretas de que ela tenha conseguido elaborar seu trauma por meio de sua
escrita, a poesia apresenta-se como esse caminho possível.
A seção final deste trabalho, que até então veio abordando sobre a literatura no papel
de resistência contra as atrocidades cometidas pela ditadura militar brasileira, constata que a
poesia também abarca arquivos testemunhais, de memórias, de possíveis traumas e de
recordações desse período brutal. A autora gaúcha não apenas revelou as angústias e os
tormentos infligidos pela ditadura, uma vez que ela própria foi perseguida, desrespeitada,
humilhada e torturada, mas também ressaltou a urgência de resistir e lutar contra
desigualdades e violências, seja por meio da militância, da literatura, da educação ou do
jornalismo. Lara de Lemos, por meio de sua escrita, registrou seu testemunho e a violência
que suportou. Portanto, a importância de divulgar tais eventos reside no resgate da memória
histórica, possibilitando que as vítimas sejam lembradas e homenageadas adequadamente. A
divulgação contribui para o reexame das circunstâncias que marcaram esse período sombrio,
evitando que a anistia seja interpretada como uma espécie de grande amnésia coletiva.
Entretanto, parece que falta um elemento crucial para a completa compreensão e preservação
desse legado doloroso. Essa divulgação não apenas ilumina o passado, mas também lança luz
sobre as questões atuais relacionadas à justiça, direitos humanos e preservação da democracia,
proporcionando uma base para reflexão e ação na construção de um futuro mais justo e
compassivo. Então, é crucial promover mais trabalhos engajados na análise da importante
obra da poeta gaúcha e de outros poetas que foram vítimas de prisão política. Isso implica em
reavaliar e aprofundar as discussões sobre o legado literário desses artistas, bem como os
impactos da repressão política em sua produção artística. Ao fazer isso, não apenas honramos
a memória desses escritores, mas também reconhecemos a resistência cultural e o papel
significativo que a expressão artística desempenha na narrativa histórica.
Explorar autorias como a de Lara de Lemos ressalta a necessidade de evidenciar a
poética brilhante de uma figura singular da sociedade brasileira. Além disso, instiga-se
reflexões sobre a maneira como a história, a cultura, a teoria e a crítica literária são
estruturadas, assim como quem desempenhou papéis centrais nesses campos. Além disso, a
invisibilidade de escritoras como Lemos, cuja obra é atemporal e de grande relevância, ainda
tem impactos duradouros nas aspirações de futuras autoras e de ensino, que continuam a lutar
por reconhecimento e espaço nos espaços públicos. Por fim, este trabalho trouxe à tona a vida
dessa grande poeta em convergência com a temática da literatura testemunho, que não se
finda aqui, mas que estabelece uma contribuição para um estudo que deve ser ampliado na
discussão acadêmica e social.

REFERÊNCIAS

ALVES, Branca Moreira. A luta das sufragistas. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (org.).
Pensamento feminista brasileiro: formação e contexto. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo,
2019. p. 49-64.
ARENDT, Hannah. A condição Humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008,
p. 183.

ARENDT, Hannah. O que é política? 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 182.

Carta Capital. Agentes da PRF alegam que morte de Genivaldo por asfixia foi uma
‘fatalidade’. Carta Capital. São Paulo, 2022. Disponível em:
<https://www.cartacapital.com.br/sociedade/agentes-da-pfr-alegam-que-morte-de-genivaldo-p
or-asfixia-foi-uma-fatalidade/amp/>. Acesso em 27/09/2023.

FARIAS, Eric Melo Fernandes; FREITAS, Nikaelly Lopes de. O massacre no presídio de
altamira: interseções entre racismo ambiental e necropolítica na região norte. Universidade
Federal Rural do Semi Árido. Revista Estudantil Manaus Iuris. Manaus, 2021.

FERREIRA, Cinara. O íntimo e o público na obra de Lara de Lemos. Orientadora: Luíza


Lobo. 2009. Tese (Pós-doutorado em Teoria Literária) - Programa de Pós-Graduação em
Ciência da Literatura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, 2009.

FIGUEIREDO, Eurídice. Literatura como arquivo da ditadura brasileira. Rio de Janeiro, 7


Letras, 2017. p. 13-20.

FREITAS, Karla Theonila Vidal Maciel. O uso da narrativa dos mitos gregos como um
instrumento terapêutico na psicanálise. Gerais, Rev. Interinst. Psicol. 2013, vol.6, n.1 [citado
2023-09-03], p. 90-101. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-82202013000100007&ln
g=pt&nrm=iso>. Acesso em 27/09/2023.

GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar escrever esquecer. São Paulo: Ed. 34, 2006.

GINZBURG, Jaime. Linguagem e trauma na escrita do testemunho. Universidade Federal de


São Paulo, São Paulo, 2021, p 1-6.

GOLDSTEIN, Norma Seltzer. Versos, sons e ritmos. 14 ed. São Paulo, Ática, 2006.

KEHL, Maria Rita. Tortura e sintoma social. In: TELLES, Edson; SAFATLE, Vladimir. O que
resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010. p. 123-132. _______.
Ressentimento. 3. ed. São Paulo: Boitempo, 2020.

KHEL, Maria Rita. Melancolia e criação.In: FREUD, Sigmund. Luto e Melancolia. Trad.
Marilene Carone.São Paulo: Cosac Naify, 2013, p. 3-12.

LEMOS, Lara de. Palavravara. In: FERREIRA, Cinara (Org). Lara de Lemos: Poesia
completa. Porto Alegre: Editora Universitária da PUCRS, 2017, p. 232-233.

MARTINELLI FILHO, Nelson. Formas de esquecer: O estatuto da memória em contos de


Bernardo Kucinski. São Carlos: Pedro & João Editores, 2022. p. 39-60.

NUNES, Juliana Cézar, Detentos mortos a caminho de Belém tinham sinais de sufocamento
Radio Agência Nacional. Brasília, 2019, Disponível:
<https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/acervo/geral/audio/2019-07/detentos-
mortos-caminho-de-belem-tinham-sinais-de-sufocamento-altamira/>. Acesso: 27/09/2023.

PINHEIRO, Paulo Sérgio. Autoritarismo e transição. Revista Brasileira de Ciências Sociais,


1993, v. 8, n. 22, p. 5-19.

SAKAMOTO, Leonardo. E se a PM fizesse pau de arara com branco rico como fez com
negro pobre?. Brasil de Fato. São Paulo, 2023. Disponível em:
<https://www.brasildefato.com.br/2023/06/07/sakamoto-e-se-a-pm-fizesse-pau-de-arara-com-
branco-rico-como-fez-com-negro-pobre>. Acesso em: 05/10/2023.

SANTOS, Daniela Miranda; TORRES, Gabriel Torres da Silva; MAIA, Tais Haywanon
Santos. O discurso como vitalizador na necropolítica à luz de Achille Mbembe. Revista de
direito da universidade de Brasília. Brasília: Universidade Federal de Brasília, 2022.

SANTOS, L. H. V. Silva. O lugar do testemunho traumático e sua representação em


documentários sobre Ditadura Militar no Brasil. Revista Avesso: Pensamento, Memória E
Sociedade, 2022, p.110-118.

SELIGMANN-SILVA, Márcio. Catástrofe, história e memória em Walter Benjamin e Chris


Marker: escritura da memória. In SELIGMANN- SILVA, Márcio (Org.). História, memória,
literatura. Campinas: Editora da Unicamp, 2003, p 387-413.

SOARES, Lenice Alves. Das Unheimlice ou “O estranho”, de Freud. Universidade Federal


do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 2019.

WALDMAN, B. Entre a lembrança e o esquecimento: a Shoá na literatura brasileira. Arquivo


Maaravi: Revista Digital De Estudos Judaicos Da UFMG, 2015, 53–62.

Você também pode gostar