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Reabilitação Urbana

Baixa Pombalina:
bases para uma intervenção
de salvaguarda
Câmara Municipal de Lisboa
Licenciamento Urbanístico e Reabilitação Urbana

Colecção de Estudos Urbanos – Lisboa XXI – 6


TITULO
Ficha técnica Baixa Pombalina:
bases para uma intervenção de salvaguarda

COORDENAÇÃO DA EDIÇÃO
João Mascarenhas Mateus (ed.)

TEXTOS
João Mascarenhas Mateus
Vítor Cóias e Silva
Rui Melo
Jorge Mascarenhas
Tiago Luís
João Seixas
Margarida Pereira
José Afonso Teixeira
Maria Fernanda Cruzeiro
António Sérgio de Carvalho
Maria Clara Vieira
Carla Ferreira Brito
Cristina Alves Pereira
Isabel Amaro
João Couceiro
Vítor Lopes
José Manuel Viegas
Luís Malheiro da Silva
Isabel Pereira
Carlos Andrade
Rita Mégre
Hélia Silva
Ana Gonçalves
Rolando Borges Martins
Rui Leitão

COORDENAÇÃO DA PRODUÇÃO
Helena Caria

EQUIPA TÉCNICA
Cristiana Afonso

Ana Gracindo
Conceição Peixoto
Leonor Martins
Sandra Veiga

DESIGN GRÁFICO
Silva! Designers
REVISÃO
Helena Soares
IMPRESSÃO
Euro-Scanner

Direcção Municipal de Gestão Urbanística


Departamento de Monitorização e Difusão de
Informação Urbana
EDIÇÃO Divisão de Difusão de Informação Urbana
Câmara Municipal de Lisboa – Pelouros Campo Grande, n.º 25 – 4.º C, 1749-099 Lisboa
Tel. 21 798 89 96 / Fax 21 798 80 34
do Licenciamento Urbanístico, Reabilitação Urbana,
Planeamento Urbano, Planeamento Estratégico Tiragem: 1000 exemplares
e Espaços Verdes ISBN: 972-8877-04-8
Depósito legal 229235/05
PRESIDENTE Lisboa, Junho 2005
Pedro Santana Lopes Todos os direitos reservados, em todos os idiomas. Proibida
VEREADORA a reprodução total ou parcial, por qualquer forma ou meio,
de textos e imagens, sem prévia autorização da Câmara
Maria Eduarda Napoleão
Municipal de Lisboa. Qualquer transgressão será passível
de penalização, prevista na legislação portuguesa em vigor.
Reabilitação Urbana
Baixa Pombalina:
bases para uma intervenção
de salvaguarda

Colecção de Estudos Urbanos – Lisboa XXI – 6


4 Prefácio

A reabilitação urbana tem constituído uma das linhas O terramoto de 1755 e a reconstrução pombalina
prioritárias da nossa actuação desde o início do man- recriaram esta centralidade do universo português
dato autárquico em 2002. Atrair novos residentes e num plano urbanístico único no Mundo. Com o
fixar as populações dos bairros históricos da Cidade tempo, a Baixa foi sendo enriquecida com elementos
serviu para criar dinâmicas sociais e económicas fortes da “modernidade” e hoje constitui um exemplo
e geradoras de desenvolvimento nas zonas de Lisboa excepcional da associação contínua de vários séculos,
cuja alma deve ser conservada. gerações, vontades e estilos.
Temos centenas de edifícios reabilitados, uma nova Encontrámos a Baixa Pombalina mais ou menos
consciência da importância e da riqueza do nosso patri- mal tratada e deixada à sua sorte. Por isso, desde a
mónio e uma nova cultura de cidade. Os resultados são primeira hora, trabalhámos no sentido de actuar
visíveis para quem se desloca ao longo das colinas de rapidamente nas situações de urgência.
Lisboa: conjuntos de edifícios, libertos dos sinais de Criámos a Unidade de Projecto da Baixa-Chiado
abandono e da degradação lenta a que tinham sido dei- para operacionalizar as intervenções de reabilitação.
xados. Acções que nos permitem apreciar e redescobrir Recuperámos os fundos destinados à zona sinistrada
os elementos que fazem de Lisboa uma cidade de pelo incêndio de 1988, estabelecendo o Fundo
História e com monumentos e construções menos eru- Remanescente da Reconstrução do Chiado como ins-
ditos combinados num equilíbrio único, irrepetível. A trumento de intervenção numa àrea mais alargada.
Baixa Pombalina faz parte integrante e central desta Estabelecemos uma sociedade de reabilitação urbana
Lisboa histórica que se deve projectar no futuro e que específica para a zona da Baixa.
deve ser reconhecida internacionalmente. Iniciámos o processo para a libertação da Praça do
Desde os tempos remotos da fundação da cidade, a Comércio de parte das repartições ministeriais para
zona da Baixa foi ocupando uma centralidade cres- poder introduzir novas valências e equipamentos
cente da capital de país. Nela estavam implantados, para uma reabilitação sustentável. A Praça do Comércio
entre outros edifícios emblemáticos, o Arsenal, a deve deixar de ser um simples local de atravessamen-
Casa da Índia, a Alfândega, o Paço da Ribeira, a to entre a comutação de transportes ou um lugar
Patriarcal e o Palácio da Inquisição. Símbolos de uma cego de representação do poder sem uma alma dialo-
Nação que se projectava no comércio com África, a gante com o resto da Cidade.
Índia e o Brasil. Passámos depois ao sinal forte da mega-empreita-
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tos da Câmara Municipal de Lisboa. Para todos os


da lançada para Rua da Madalena, marcando um
que contribuíram na elaboração dos textos, na coor-
momento de viragem e retoma da vitalidade da
denação do livro e para todos os que nele colabo-
Baixa. Pusémos em marcha o processo da raram, vai a minha palavra de apreço e de felicitação
Candidatura deste conjunto à Lista do Património por uma obra que, estou certo, enriquece os estudos
Mundial depois de termos discutido publicamente a olisiponenses.
sua excepcionalidade. Atraímos a atenção dos lisboe- Na Baixa devem ser conservadas todas as activi-
tas e dos portugueses para a sua importância como dades e ofícios que sempre fizeram dela a sua alma.
lugar de memória. Os seus valores patrimoniais, artísticos e de paisa-
Paralelamente, fomos trabalhando no sentido de gem urbana histórica precisam de ser preservados.
conhecer melhor as qualidades, os defeitos, as limita- Uma acção de salvaguarda que necessita ainda de
ções e os problemas com que a Baixa se debate, com vários anos, na senda dos resultados que alcançámos.
o objectivo de estabelecer um diagnóstico capaz de A gestão de um sítio histórico como a Baixa
Pombalina, que já conheceu tantos séculos de vonta-
fundamentar uma intervenção sustentada de salva-
des, deve continuar no caminho da sua conservação,
guarda.
protecção e revitalização para poder ser transmitida
A presente obra reflecte o esforço desenvolvido na
às gerações futuras. Lisboa merece!
abordagem multidisciplinar necessária para compre-
ender a complexidade de um centro histórico tão
importante para Lisboa e para Portugal.
Reunimos os melhores estudos que têm vindo a ser
desenvolvidos sobre a Baixa Pombalina: levantamen-
to do estado de conservação, monitorização dos indi-
cadores para a sua protecção, análise socio-económi-
ca dos residentes e das actividades comerciais e estu-
dos de regulamentação. Estudos que são acompanha-
dos pelas reflexões de quem tem responsabilidades
directas na gestão urbanística, no licenciamento e na
reabilitação.
PEDRO SANTANA LOPES
Um documento que nos enche de orgulho pelo
Presidente da Câmara Municipal de Lisboa
enorme trabalho realizado pelos vários departamen-
6 Apresentação

A presente obra, integrada na Colecção de Estudos ● a problemática da regulamentação;


Urbanos – Lisboa XXI, destina-se a divulgar uma ● o relato de experiências recentes por parte
vez mais os estudos que a Câmara Municipal de dos protagonistas com responsabilidades di-
Lisboa tem desenvolvido em áreas específicas relaci- rectas na gestão urbanística e na reabilitação
onadas com o Urbanismo. Constitui o primeiro volu- urbana.
me da colecção que integra textos dedicados exclusi-
vamente ao âmbito do Pelouro da Reabilitação Muito do trabalho que aqui é apresentado dá a
Urbana, e como tal, apresenta-se com uma capa de conhecer estudos e análises que podem parecer não
cor diferente da dos estudos já publicados no âmbito ter tido consequências directas na operacionalidade
dos pelouros da Gestão Urbanística e do Planea- das intervenções e, como tal, aparentemente pouco
mento Urbanístico. É, no entanto, já a segunda obra visíveis. Intervir de forma fundamentada, e não
publicada pela presente Edilidade no campo da reabi- segundo os impulsos e as exigências do momento,
litação urbana e a terceira dedicada exclusivamente à tem constituído o critério que tem norteado a elabo-
conservação da Baixa Pombalina, centro histórico ração dos presentes estudos, que certamente passa-
emblemático da cidade de Lisboa. rão a constituir uma referência incontornável para a
O primeiro livro no sector da Reabilitação, inti- futura gestão da Baixa Pombalina – porque se tratam
tulado “Obras de Conservação e Restauro Arqui- dos primeiros estudos e porque se trata dos primei-
tectónico” e publicada em 2003, serviu para col- ros elaborados de forma a integrar as múltiplas pro-
matar a lacuna importante da falta de um texto blemáticas que devem ser abordadas na complexida-
modelo para as condições técnicas especiais deste de apresentada pela Baixa como sítio histórico
tipo de obras e para colocar a Câmara Municipal monumental excepcional.
de Lisboa como a primeira do País a munir-se de Nunca se falou tanto da Baixa Pombalina. O inte-
um texto tão inovador no sector da uniformização resse profundo levantado pela expectativa da sua
e da regulamentação das boas práticas de inter- candidatura à Lista do Património Mundial serviu
venção. como um potente instrumento para desencadear uma
O texto que aqui é dado à estampa surge também série de sinergias nunca antes dedicadas a uma área
com objectivos ambiciosos e abrangentes e destina- tão vasta e com um significado histórico e patrimoni-
-se a servir de instrumento técnico para melhor al tão importante para a nossa cidade.
intervir na Baixa Pombalina, para a qual se tem tra- As jornadas de Outubro de 2003 dedicadas ao
balhado esforçadamente no sentido da sua protecção debate público sobre a importância da Baixa
como sítio histórico monumental. Pombalina para o Património Mundial permitiram
Pela primeira vez, a Câmara Municipal de Lisboa uma vez por todas afirmar a vontade de a Autarquia
publica os estudos e trabalhos recentes que tem assumir a sua salvaguarda e impedir intervenções
desenvolvido para avaliar de forma integrada os atentatórias da sua integridade e autenticidade.
vários componentes que deverão justificar e basear as A aprovação desta iniciativa, por unanimidade das
intervenções de salvaguarda de que a Baixa Pom- forças políticas representadas na reunião da Câmara
balina necessita. Estas análises foram classificadas Municipal, e a constituição de um Conselho
segundo os seguintes temas principais: Científico para acompanhamento do dossier final de
● o levantamento do estado de conservação; candidatura permitiram inserir este centro histórico
● a avaliação económica; num projecto nacional de reconhecimento além-fron-
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teiras do património da cidade. Neste âmbito foi Neste ano de 2005, a evocação dos 250 anos do
organizada a exposição “Baixa Pombalina: 250 anos Terramoto de 1755, organizada pela Vereação da
em imagens”, no dealbar da evocação do Terramoto Cultura, traduzir-se-á em mais uma série de iniciativas
de 1755, que atraiu um número superior a 5000 visi- que aprofundarão os estudos olisiponeneses relativa-
tantes e chamou a atenção do público em geral para mente à Baixa Pombalina e atrairão a atenção do públi-
a importância da memória histórica da Baixa, contri- co em geral e dos estudiosos para os aspectos plurais
buindo certamente para identificar os lisboetas e os envolvidos na sua génese urbanística e científica: cir-
portugueses com este projecto de reconhecimento cuitos temáticos distribuídos por toda a zona e uma
internacional do nosso património. grande exposição multidisciplinar num local especial-
Esta procura da excelência na protecção e na con- mente libertado na Praça do Comércio para poder
servação da Baixa Pombalina foi acompanhada pela constituir o futuro centro interpretativo deste centro
criação da Unidade de Projecto da Baixa-Chiado, do histórico. Iniciativas complementadas com a publicação
Fundo Remanescente de Reconstrução do Chiado e de um conjunto de novas monografias e de reedições
de vários Programas como o “Chiado com Cor”. A fac-similadas de obras fundamentais para a compreen-
mega-empreitada lançada para a Rua da Madalena são do fenómeno Baixa Pombalina.
permitiu, com carácter de urgência, conter a degra- Uma política coordenada, pois de integração, das
dação numa zona da Baixa particularmente abando- componentes fundamentais: Urbanismo, Reabilitação
nada e reabilitar um total de 27 de edifícios. Fechar a Urbana e Cultura, na qual se insere no momento
totalidade de um eixo viário tão importante signifi- justo, a presente publicação.
cou uma iniciativa inédita da Câmara Municipal pela Uma publicação que nos ajudará a todos a reflectir,
amplitude dos meios utilizados e permitiu dar um decidir e intervir na Baixa Pombalina de forma a
sinal forte para o início de um novo marco na histó- transmitir este sítio histórico e monumental, herança
ria da Baixa Pombalina. de Lisboa e de Portugal, na sua forma mais íntegra e
A criação destas estruturas e a implementação de autêntica às futuras gerações e a todo o Mundo.
medidas claras de intervenção permitiram efectivar
no terreno uma política mais precisa e afinada de
gestão que foi necessário testar e para a qual é neces-
sária uma avaliação contínua de eficácia por parte do
Pelouro da Reabilitação Urbana.
Depois desta primeira fase de experiências é final-
mente possível passar a uma segunda fase na imple-
mentação de um modelo de gestão para a Baixa
Pombalina. Com o estabelecimento da Sociedade de
Reabilitação Urbana (SRU) da Baixa Pombalina pre-
tende-se agora que os cuidados na salvaguarda da
integridade e da autenticidade no conjunto histórico
sejam compatibilizados com as acções de dinamização MARIA EDUARDA NAPOLEÃO
do seu imobiliário e com a sua promoção como zona Vereadora dos Pelouros da Reabilitação Urbana,
dinâmica onde será possível investir segundo regras Licenciamento Urbanístico,
de excelência e qualidade. Planeamento Estratégico e Espaços Verdes
8 Prólogo

A presente recolha inédita de textos reflecte o traba- arquivística e no registo fotográfico documental,
lho multidisciplinar de várias equipas que nos últi- segue-se um capítulo dedicado à análise scio-econó-
mos anos se têm dedicado ao estudo e à prática quo- mica da Baixa Pombalina, enquanto sítio histórico
tidiana da gestão e da reabilitação da Baixa monumental a proteger.
Pombalina. Num centro histórico vivo como a Baixa, o
Os textos foram organizados de forma a tratar os levantamento do estado da situação actual deve
momentos fundamentais de qualquer acção de abordar a complexidade não só da conservação
Conservação Arquitectónica: o estudo, o levantamen- arquitectónica como também o estado de dinamis-
to do estado da situação actual, o diagnóstico, a deci- mo e de “saúde” do seu tecido sócio-económico. Na
são e a intervenção propriamente dita. realidade, é impossível dissociar qualquer intenção
O primeiro capítulo aborda sucessivamente os ins- de conservação arquitectónica do estabelecimento
trumentos e os métodos que têm vindo a ser aplica- de condições de sustentabilidade que permitam que
dos pela Câmara Municipal de Lisboa no levan- essa conservação seja garantida ao longo do tempo.
tamento de todos os indicadores necessários ao Essas condições passam não só por conservar as
diagnóstico e à decisão de intervenção. São sucessi- variadas actividades comerciais tradicionais que
vamente tratados os temas do livrete do edifício, que fazem da Baixa um “empório” único no Mundo
de forma experimental tem vindo a ser aplicado pela como também por dinamizá-las. Uma dinâmica que
Unidade de Projecto da Baixa-Chiado; as técnicas de deve permitir – pela qualidade, pela excelência e
levantamento, inspecção e ensaio necessárias à reabi- pela localização estratégica e interdependente dos
litação estrutural; a monitorização dos níveis freáti- vários estabelecimentos comerciais – manter um
cos e dos assentamentos no acompanhamento das tecido comercial são, competitivo e mais indepen-
condições geotécnicas e de segurança das fundações dente das convulsões e estratégicas cíclicas de
dos edifícios. Este primeiro capítulo é finalizado com “merchandising”.
dois artigos dedicados a sectores indispensáveis para O primeiro texto a abordar este aspecto oferece
um levantamento completo e ajustado às caracterís- um retrato da relação entre a demografia residencial
ticas próprias da Baixa Pombalina: a importância da e a economicamente activa e apresenta uma estraté-
integração da investigação dos arquivos do processo gia para a sua optimização. Tudo baseado no census
da reconstrução e a necessidade da inventariação da de 2001 e nos dados actualizados recolhidos pela
riqueza dos interiores dos edifícios, como instrumen- Câmara Municipal de Lisboa. O segundo texto
to de base para a sua salvaguarda. reflecte as inciativas levadas a cabo pelos últimos
Tratados os aspectos do levantamento arquitec- mandatos da Câmara Municipal de Lisboa para a
tónico, estrutural e patrimonial através da integra- revitalização do comércio tradicional e para os aspec-
ção de métodos baseados em inquéritos, em testes e tos positivos e negativos da sua coexistência com os
ensaios in situ e em laboratório, na investigação novos comércios.
9

O capítulo termina com o relato do trabalho de que aqui apresentam um resumo da sua experiência e
acompanhamento destinado a assegurar a exigência dos resultados obtidos até à data. No futuro, a dina-
da máxima qualidade possível na conservação dos mização do mercado imobiliário competirá à
interiores de lojas tradicionais durante intervenções Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) da Baixa
de reabilitação. Intervenções que sejam respeitadoras Pombalina, depois de os seus planos e documentos
do valor patrimonial do mobiliário, dos revestimen- estratégicos serem aprovados. Por essa razão, é tam-
tos, dos elementos ornamentais e decorativos e que bém apresentado um texto sintético sobre a estraté-
salvaguardem a memória das actividades comerciais gia desta empresa municipal.
precedentes e características de cada um dos quartei- A partir da leitura de todo este conjunto variado
rões da Baixa Pombalina. de relatórios e relatos será possível compreender
Segue-se um cápítulo dedicado ao trabalho que a como se pode dar por terminada uma primeira fase
Câmara Municipal de Lisboa tem desenvolvido no de consolidação de conhecimentos e de avaliação
campo da uniformização de critérios de intervenção geral da situação da Baixa Pombalina. Uma primeira
de salvaguarda nesta zona histórica da cidade. São fase dedicada ao levantamento, ao diagnóstico e às
assim apresentados os estudos realizados para o esta- primeiras intervenções de urgência. Destinada a
belecimento de um regulamento, de um plano de obter uma visão abrangente que permitiu identificar
cores, de normas de boa prática para a conservação a complexidade dos componentes e dos valores patri-
dos revestimentos das fachadas, do controlo faseado moniais a conservar na Baixa Pombalina. Como o
do tráfego rodoviário e para as estratégias de melho- título da obra o indica, estudos indispensáveis que
ria das condições ambientais locais. constituem as bases de uma intervenção de salva-
Apresentados os resultados dos estudos multidis- guarda que deve ser necessariamente constante, con-
ciplinares de levantamento de diagnóstico e de meto- tínua, quotidiana e objecto de melhoramentos pro-
dologias de intervenção, são descritas de forma sin- gressivos.
tética as actuações dos departamentos da Câmara
Municipal de Lisboa e dos organismos que directa-
mente têm responsabilidades na Gestão Urbanística
e na Reabilitação Urbana da Baixa Pombalina.
A Gestão Urbanística é abordada a partir das
perspectivas do licenciamento urbanístico e do ponto
de vista da integração dos resultados das vistorias
patrimoniais no processo de decisão. A visão da prá-
tica da Reabilitação Urbana é dada a partir dos rela-
tos da Unidade de Projecto da Baixa-Chiado e do JOÃO MASCARENHAS MATEUS
Fundo Remanescente de Reconstrução do Chiado, Coordenador da edição
Índice 11

O levantamento do estado da conservação O Plano de Cores para o território da Baixa e as


e a monitorização de indicadores argamassas para uma conservação das fachadas
Vítor Lopes (UTL, FRRC – CML) 121
O livrete do edifício: um instrumento para
o diagnóstico e a conservação da Baixa
Directivas para um Plano de Pormenor
Pombalina
de controlo do tráfego rodoviário na Baixa
João Mascarenhas Mateus (GVEN – CML) 13
Pombalina
Técnicas de levantamento, inspecção e ensaio José Manuel Viegas (IST – UTL) 139
de edifícios antigos com vista à sua reabilitação
A melhoria das condições ambientais
estrutural. Aplicação ao caso dos edifícios
Luís Malheiro da Silva (LMSA) 147
pombalinos
Vítor Cóias e Silva (OZ) 19
A experiência da gestão urbanística
Um ano de monitorização dos níveis freáticos
e dos assentamentos na Baixa Pombalina O licenciamento na Baixa Pombalina
Isabel Pereira, Carlos Andrade (DMGU1 – CML) 157
Rui Melo (DORS – CML) 33
Importância da Décima da Cidade de Lisboa A gestão urbanística e a salvaguarda
para o entendimento do longo processo do património. A Baixa Pombalina – tendências
de construção e evolução dos edifícios e práticas
Hélia Silva, Rita Mégre (DMGU – DMDIU – CML) 165
de rendimento da Baixa Pombalina
Jorge Mascarenhas (Instituto Politécnico de Tomar) 47
A actuação da Reabilitação Urbana
A importância da conservação dos interiores
da Baixa Pombalina A Unidade de Projecto da Baixa-Chiado
Tiago Luís (UPBC – CML) 53 e a defesa do seu património
Ana Gonçalves (UPBC – CML) 179
A avaliação económica e as perspectivas A SRU da Baixa Pombalina
de dinamização das actividades comerciais Rolando Borges Martins
(SRU Baixa Pombalina) 195
A Baixa Pombalina: análise sócio-económica
de um centro mercantil europeu no início Reabilitação Urbana do Chiado
do século XXI Rui Leitão(FRRC – CML) 203
João Seixas (CET – ISCTE) 69
Revitalização do comércio tradicional
Anexo 211
e coexistência com novas actividades comerciais Siglas 239
na Baixa Pombalina Agradecimentos 241
Margarida Pereira, José Afonso Teixeira,
Maria Fernanda Cruzeiro (UNL e DMAE – CML) 83
As lojas tradicionais da Baixa. Desafios
presentes e futuros
António Sérgio de Carvalho (GVEN – CML) 93

Estudos para uma regulamentação


de salvaguarda
Uma proposta de regulamento para a Baixa
Pombalina
Maria Clara Vieira, Carla Ferreira Brito,
Cristina Alves Pereira, Isabel Amaro,
João Couceiro (DMCRU – CML) 103
1
O levantamento do estado
de conservação
e a monitorização
de indicadores
O livrete do edifício: Esta inspecção, obrigatória para edifícios com 13
mais de 30 anos, baseia-se numa análise visual mas
um instrumento para que prevê a realização de todos os testes e sondagens
o diagnóstico complementares que se considerem necessários para
e a conservação avaliar o estado de segurança construtiva de cada um
dos elementos. O Município de Madrid tem o poder
da Baixa Pombalina de definir quais os edifícios que devem ser sujeitos à
João Mascarenhas Mateus ITE, procedendo, para o efeito, ao envio de uma carta
GVEN – CML
registada ao proprietário em que é fixado o prazo
para cumprir esta obrigação.
Paralelamente, o caso italiano, que tive a ocasião
de acompanhar desde a publicação do primeiro diplo-
ma legal em 1999, teve a ver com a instituição do
denominado Fascicolo del Fabbricato, ou Fascículo do
Edifício. Uma iniciativa que, na época, esteve muito
associada à necessidade urgente de responder legal-
Produzir um instrumento que permitisse avaliar o mente a uma série de numerosos casos de colapso de
estado de conservação da Baixa Pombalina de forma edifícios, cujas obras de alteração não tinham sido
completa e sistemática constituiu o enunciado da licenciadas e que foram responsáveis por um elevado
solicitação que me foi feita, em 2002, pela Sra. número de vítimas mortais.
Vereadora Maria Eduarda Napoleão. O Fascicolo del Fabbricato nasceu assim em Roma
Pretendia-se, antes de mais, obter os indicadores como uma ficha, a preencher por diversos especialistas
necessários para compreender os problemas com que (engenheiros civis, geotécnicos, arquitectos), para os
a Baixa Pombalina se debate quotidianamente e esta- quais foram publicadas tabelas de honorários em função
belecer uma visão o mais geral e completa possível de cada especialidade e das características de cada frac-
do seu estado de conservação. ção, da sua área, da sua antiguidade e da sua situação
geográfica. Destinava-se a registar e manter actualiza-
da uma base de dados em que todos os edifícios fossem
Modelos e experiências inventariados relativamente à sua situação estrutural.
antecedentes Na última página do documento era possível certificar
a integridade estrutural do edifício ou a necessidade da
No momento em que deveriam ser iniciadas as realização urgente de obras de consolidação ou reforço.
primeiras campanhas de vistorias sistemáticas da A adopção do modelo inicial deu origem noutras
zona, revelou-se pertinente conhecer experiên- regiões italianas a outros instrumentos legais directa-
cias equivalentes mais próximas não só geográfi- mente ligados ao cadastro dos edifícios, uma espécie
ca como tipologicamente. Daí ter sido efectuada de “Conservatória do Registo da Incolumidade dos
uma análise prévia do caso espanhol e do caso Edifícios”2, como a instituída na região da Campânia.
italiano. O preenchimento do Fascicolo del Fabbricato passou 1 A “Inspección
Foi assim possível constatar que em Espanha, e a ser obrigatório em função da data da construção de Técnica de Edifícios,
Ordenanza del
em particular em Madrid, é desde 1999 obrigatória a cada edifício, segundo a seguinte calendarização: Ayuntamiento de
Inspecção Técnica dos Edifícios1 (ITE), que certifica ● até 31de Março de 2005, para os edifícios cons- Madrid”, de
29.1.1999 faz parte
o seu estado de conservação relativamente a quatro truídos antes de 1939; da “Ordenanza sobre
Conservación,
aspectos: ● até 31 de Março de 2006, para os edifícios cons- Rehabilitación y
Estado ruinosos de
1. estado geral da estrutura e das fundações; truídos entre 1940 e 1971; las edificaciones”.
2. estado geral das fachadas exteriores, do tardoz ● até 31 Março de 2008, para os edifícios construí-
2 Istituzione del
e das paredes meeiras dos edifícios; dos de 1972 em diante. Registro Storico-
Tecnico-Urbanistico
3. estado geral da conservação das coberturas e dei fabbricati ai fini
della tutela della
do sistema de drenagem; Para os edifícios em construção e para os construí- Pubblica e Privata
4. estado geral das canalizações e da rede de dos depois da data de aprovação deste diploma legal Incolumità – Legge
Regione Campania
saneamento do edifício. (4 de Novembro de 1999), passou a ser obrigatória a 22 ottobre 2002.
14 apresentação do fascículo devidamente preenchido ● na monitorização, após as intervenções estra-
para a obtenção da licença de habitação ou de uso. tégicas de reabilitação;
● na gestão corrente do sítio histórico monu-
A partir da análise destas duas experiências, foi mental, que se prevê venha a ser classificado
possível então equacionar o tipo de instrumento que como Património Mundial.
seria mais apropriado para a Baixa Pombalina.
O método italiano dava sobretudo ênfase ao esta- Foi com o objectivo de responder a estas várias
do de conservação estrutural, à segurança do edifica- exigências que elaborei então, em 2002, um protótipo
do, possivelmente induzido pela realidade dos casos de um documento que foi denominado “Livrete do
de desastre recentes. edifício”. Um livrete porque se compõe de vários fas-
O exemplo espanhol apontava para a necessidade cículos, cada um deles dedicado a uma classe de infor-
de constituir um observatório das condições prioritá- mações indispensáveis à avaliação do estado de con-
rias para a manutenção da integridade do edificado: a servação do edifício. Inspirado sobretudo no Fascicolo
segurança estrutural, a envolvente ou envelope físico del Fabbricato italiano, este documento é mais amplo e
do edifício (as paredes portantes exteriores, interio- tenta abraçar a complexidade das várias perspectivas
res e as coberturas) e as infra-estruturas cuja menor de avaliação do património arquitectónico.
conservação pode implicar o aumento considerável O livrete é iniciado pelo preenchimento de um con-
do factor “água”, responsável pelos principais fenó- junto de dados de carácter geral relativos à localização,
menos de deterioração. uso, idade, morfologia geral, condições de habitabilidade
Na Baixa Pombalina, toda esta informação era ne- relativa a cada fracção, níveis de classificação e protecção
cessária para um diagnóstico da situação actual, mas patrimonial. Segue-se um conjunto de oito fascículos:
revelava-se insuficiente para obter a já referida visão ● Fascículo 1 – aprofunda a situação jurídica e ins-

completa e de complexidade dos factores que é neces- titucional do edifício, através de uma análise pro-
sário avaliar na sua conservação como centro histórico. cessual. Em particular o registo cadastral, as li-
cenças de habitação, as licenças existentes para o
Foi assim tomando forma a ideia de um “Bilhete de projecto inicial, para as variantes e para as alte-
Identidade do edifício”, em que fosse registada a sua rações e a identificação de servidões;
origem, evolução e características actuais, e que permi- ● Fascículo 2 – analisa a situação económica do

tisse posteriores actualizações, acompanhando a vida edifício, sobretudo no que respeita às fracções
de cada edifício. Um Bilhete de Identidade que, com o devolutas e ao tipo de propriedade das mesmas;
tempo, passasse a constituir uma base de dados útil ● Fascículo 3 – é dedicado à análise do estado de con-

para o inventário arquitectónico da Baixa Pombalina. servação arquitectónica, em particular às condições


Uma fonte de informação actualizável constantemente dos revestimentos das fachadas, à existência de ele-
que em qualquer momento permitisse fornecer infor- mentos dissonantes, de elementos arquitectónicos
mações diversas, segundo “filtros” diferentes, consoan- acrescentados ou demolidos, à conservação das
te a “imagem instantânea”, relativa a um determinado coberturas e dos sistemas de drenagem pluvial e
aspecto, que fosse exigida para cada momento. também à ocupação abusiva de saguões e fachadas;
● Fascículo 4 – recolhe a informação relativa à segu-

rança estrutural do edifício, no que se refere a pro-


A ideia de um “Bilhete de jectos e a estudos estruturais e geotécnicos exis-
Identidade” para cada edifício tentes, à orografia do terreno de implantação, à
tipologia e ao estado de conservação das estrutu-
A reabilitação da Baixa Pombalina necessita de ras portantes, das estruturas horizontais, das
dispor em tempo real de indicadores operativos de coberturas, dos terraços e das escadas, permitindo
naturezas muito diversas. Estes indicadores perma- também o registo das patologias e lesões estrutu-
nentemente actualizados permitirão definir as priori- rais mais importantes e a sua relação com altera-
dades das intervenções a todos os níveis e momentos: ções introduzidas ao longo do tempo;
● na implementação das operações a prever nos ● Fascículo 5 – avalia a segurança contra o risco de

documentos estratégicos elaborados pela Socie- incêndio, em especial o número e a localização das
dade de Reabilitação Urbana Baixa Pombalina; escadas e das bocas de incêndio, o plano de eva-
cuação em caso de emergência e a identificação que se refere à classificação de “mau”, “médio” e “bom” 15
das fracções com problemas de segurança no que na avaliação do estado de conservação do edifício, está
respeita à presença de equipamentos e materiais implícita a utilização dos diversos níveis de reabilita-
facilmente inflamáveis ou à inexistência de saídas ção (profunda, média ou ligeira). Estes níveis são ba-
e de sinalética de alarme e emergência, bem como seados na percentagem de determinadas classes de
a condição das chaminés e dos sistemas de com- obras (envelope exterior e interior das habitações) em
bustão e aquecimento; relação ao volume total das obras de que o edifício
● Fascículo 6 – reflecte a funcionalidade a nível dos necessita, à semelhança das que foram simuladas nos
acessos, em particular a localização, a capacidade estudos do Instituto dos Mercados de Obras Públicas
dos elevadores, a presença de barreiras arquitec- e Particulares e do Imobiliário (IMOPII)3.
tónicas para deficientes, a existência de parques de O livrete termina com uma relação técnica sintética em
estacionamento no interior do edifício ou o núme- que é possível resumir as principais classes de deficiências
ro de lugares disponíveis na via pública; encontradas e, se necessário, o tipo de acções imediatas a
● Fascículo 7 – analisa a funcionalidade a nível dos tomar de forma a garantir a segurança dos ocupantes do
equipamentos. Neste fascículo são registados os edifício ou as condições sanitárias e de salubridade.
dados relativos à localização e ao estado de conser-
vação das redes de abastecimento de água, de esgo-
tos, das instalações eléctricas, de gás, das telecomu- Teste e implementação
nicações, dos elevadores. Nele são também regista-
dos dados que permitem a avaliação do nível de con- Nasceu assim um instrumento capaz de assegurar 3 PONTES, J.
forto térmico e acústico de cada fracção; a monitorização não só de uma fracção habitacional Pereira (2003)
Fórmulas de revisão
● Fascículo 8 – recolhe a informação relativa às ou comercial, mas também de um edifício singular e de preços para
trabalhos de
condições higiénico-sanitárias dos edifícios, em de um quarteirão no seu todo. reabilitação de
particular a situação dos certificados de inspec- Para a implementação do Livrete do Edifício na edifícios de habitação.
Actas do 3º Encore
ção sanitária das fracções comerciais, das instala- Baixa Pombalina, para a qual foi estimada uma “popula- sobre conservação
e reabilitação de
ções sanitárias e da exaustão de fumos. ção total” de 897 edifícios, foram propostas duas fases. edifícios, Lisboa,
Laboratório
Parte da avaliação efectuada ao longo dos oito fas- Uma primeira fase, iniciada em 2002 com as vis- Nacional de
cículos é feita por confronto com o exigido no Regu- torias efectuadas pela Unidade de Projecto da Baixa- Engenharia Civil,
26-30 Maio de 2003,
lamento Geral de Edificações Urbanas (RGEU). No Chiado (UPBC) (fig. 1 e 2). pp. 1341-1346.

Fig.1-
Zonamento
preliminar usado
pela Unidade
de Projecto da
Baixa-Chiado
durante a
primeira fase
de implementação
do livrete
do edifício.
16 Desde o início da concepção do livrete que foi pre- aplicação experimental do livrete e serviu sobretudo
vista a sua informatização, em duas versões: uma ver- para utilizar o protótipo como check-list ou matriz
são mais completa para estações desktop e outra, para a elaboração de fichas simplificadas. Estas fichas,
mais leve, de possível utilização em computadores destinadas a recolher essencialmente os dados fora do
palmares, a empregar pelas várias equipas das visto- gabinete, durante as vistorias, limitaram-se a abordar
rias. Também, desde a primeira hora, houve a preo- os aspectos que se revelaram prioritários para as
cupação de permitir o intercâmbio de informação de intervenções que têm vindo a ser realizadas na zona,
e para os sistemas de bases de dados suportados por entre as quais a mega-empreitada para a Rua da
sistemas de informação geográfica (SIG), já usados Madalena. As fichas permitiram recolher a informa-
pela Câmara Municipal de Lisboa. ção relativa sobretudo ao fascículo 3 e ao fascículo 6.
4 PINA Susana, A primeira versão do Livrete do Edifício, em que Para o preenchimento dos restantes fascículos
SEABRA Ana Luísa já foi considerada a denominação dos campos usados será agora necessária a contribuição de técnicos dos
(2000) Manual de
utilização do SIG da
pelo SIG4 implementado pela CML, é a que se apre- domínios da engenharia estrutural, geotécnica, elec-
reabilitação urbana, senta em anexo a este texto, depois de trabalhada trotécnica e mecânica, assim como de técnicos dos
Câmara Municipal de
Lisboa, Direcção pela Unidade de Projecto da Baixa-Chiado, em parti- Bombeiros e de técnicos especializados na inspecção
Municipal de
Reabilitação Urbana, cular pelo topógrafo Luís de Sousa Martins e pela sanitária de imóveis.
Divisão de
Planeamento
arquitecta Patrícia Lago. Presentemente, com os dados recolhidos noutras
Urbano da Tendo em conta estes critérios de pragmatismo e campanha de vistorias realizadas pela Unidade de
Reabilitação Urbana,
Lisboa. de utilidade, esta primeira fase foi dedicada a uma Projecto da Baixa Pombalina, será já possível preen-

Fig. 2 – Primeira fase das vistorias efectuadas pela Unidade de Projecto da Baixa-Chiado, até Maio de 2004.
cher parte dos fascículos 1, 2, 4, 7 e 8 e grande parte Referências 17
dos fascículos 3 e 6 do Livrete do Edifício. Uma nova
MATEUS João Mascarenhas Il libretto del fabbricato:
inspecção sistemática levada a cabo pelo Serviço de
uno strumento per la conservazione della Baixa
Bombeiros permitirá o preenchimento do fascículo 5.
Pombalina a Lisbona. Revista Arkos: scienza e restauro
Para a segunda fase de desenvolvimento do livrete
dell’architettura, Milano, Nardini Editori, Nuova
é necessário também simplificar as perguntas de serie, 2003, Anno 4, Nº 2, p. 68-69.
forma a obter um leque limitado de respostas possí- A.A.V.V. Levantamento do conjunto edificado da UPBC,
veis. A base de dados será assim composta essencial- relatório nº 01/2004 (2004), Câmara Municipal de
mente de campos fechados e de mais fácil gestão. Lisboa, Unidade de Projecto da Baixa-Chiado, Divisão
Com o processo de candidatura da Baixa Pom- de Estudos, Planeamento e Informação.
balina a Património da Humanidade, o livrete deverá
ser completado com campos que integrem a recolha
de indicadores capazes de avaliar a integridade e a
autenticidade deste sítio histórico e monumental.
Esta classe de indicadores deverá incluir, entre ou-
tros aspectos, a observação da conservação:

● da cornija do 3º piso;
● das escadas originais dos edifícios;
● da percentagem dos vãos em relação à superfície
total das fachadas;
● da percentagem de áreas com interiores originais.

Mais recentemente, em Portugal, também foi ela-


borada, durante o ano de 2003-2004, pela Secretaria
de Estado da Habitação, uma ficha de avaliação dos
edifícios, para validar a proposta da nova Lei do
Arrendamento.
Espera-se com o presente estudo contribuir para
que a Baixa Pombalina, pioneira no urbanismo por-
tuguês, o seja agora nos métodos aplicados ao seu
diagnóstico, à sua monitorização e à sua conservação.

Em anexo no final do livro:


Uma cópia do livrete na sua versão mais recente depois de o
layout do protótipo ter sido tratado pelos técnicos da UPBC.
Técnicas intervenção de inspecção ou monitorização, pode ser 19
ditada por várias razões, entre as quais sobressaem:
de levantamento, a) Inspecções regulamentares ou de rotina;
inspecção e ensaio b) Existência de sintomas, de deteriorações ou
de edifícios antigos com defeitos visíveis ou suspeitos;
c) Ocorrência de danificações;
vista à sua reabilitação d) Alteração da geometria, do uso da estrutura ou
estrutural. Aplicação das acções que sobre ela actuam;
e) Exigências de maior capacidade resistente.
ao caso dos edifícios
pombalinos O estudo do comportamento de uma estrutura exis-
Vítor Cóias e Silva tente e a avaliação da sua capacidade de desempenho
Oz, Lda. passa pela construção de um modelo que a descreva (e
à sua envolvente física), com o necessário rigor, no todo
ou em parte, em termos dos conhecimentos teóricos
actualmente disponíveis. A recolha de informação
sobre uma construção ou estrutura e a sua envolvente
é, portanto, ditada pela necessidade de construir e
explorar esse modelo. Tal recolha pode iniciar-se pelo
levantamento da própria definição geométrica da
Introdução estrutura, não raro inexistente ou desprovida da neces-
Referem-se as principais técnicas não destrutivas, sária fiabilidade, e das características dos materiais que
semi-destrutivas e destrutivas de levantamento, ins- a constituem. Essa recolha tanto pode ser feita sobre
pecção e ensaio tendo em vista intervenções de rea- uma estrutura sã e intacta, tendo em vista o estudo de
bilitação estrutural e construtiva. Apresenta-se a eventuais alterações da sua própria constituição ou das
metodologia e os procedimentos a adoptar com vista acções a que está sujeita, como sobre uma estrutura
à recolha de informação que é necessário fazer antes afectada na sua capacidade de desempenho por modifi-
de intervir, nesse âmbito, num edifício existente. cações, acidentes ou outras formas de deterioração.
Descreve-se, sumariamente, um conjunto de levanta- Existem muitas técnicas para obter a informação
mentos, inspecções e ensaios levados a cabo em necessária para uma avaliação do estado de uma cons-
vários edifícios da Baixa Pombalina, visando os trução, desde a simples (mas fundamental) inspecção
aspectos construtivos e estruturais, e a caracteriza- visual, até aos ensaios, em laboratórios especializados,
ção dos materiais e das suas anomalias. sobre amostras de materiais ou partes da construção
recolhidas em obra. Esta última opção tem sido a tra-
dicionalmente adoptada1. Os ensaios laboratoriais
Metodologia e tecnologia permitem, usando métodos consagrados pela expe-
riência, obter valores para a resistência à compressão,
Generalidades à flexão e ao corte, bem como das características elás-
ticas dos materiais. Esta abordagem “destrutiva” não
Ao contrário da construção nova, em que, para é, no entanto, viável, no caso de:
além da recolha documental, a informação a obter
localmente visa apenas a topografia e as caracte- ● a construção possuir um elevado valor histórico,
rísticas do terreno, as intervenções de reabilitação não sendo aceitável a remoção de amostra de
ou de simples manutenção fazem apelo ao conhe- grandes dimensões;
1 Pode
cimento da geometria, das propriedades, do esta- ● as características do material a estudar serem tais
considerar-se que
do de conservação das construções, dos materiais que não é fácil a remoção de amostras: caso, por constituem uma
“inspecção
que as constituem e das acções a que estão sub- exemplo, das argamassas; tecnológica” por
oposição a uma
metidas. ● a grandeza em estudo não poder ser medida em simples (mas
No caso mais geral, a avaliação do estado ou do amostras: por exemplo, a tensão. imprescindível)
“inspecção visual”
comportamento de uma estrutura, através de uma (Luca Uzielli).
20 Nestes casos recorre-se a determinações indirectas calibração dos instrumentos. A adequada garantia de
que permitem estimar as propriedades em causa, conformidade com tais requisitos só é possível no
baseando-se, sobretudo, na inspecção e ensaio do pró- seio de uma organização dotada de um sistema de
prio objecto de estudo: a estrutura propriamente dita, gestão da qualidade suficientemente eficaz. Existem
as suas fundações e as acções a que está sujeita em normas internacionais que definem quais os requisi-
função da sua utilização e do ambiente que a envolve. tos a que, neste sentido, devem obedecer as entidades
A inspecção mais simples é a feita visualmente, a e o respectivo pessoal4.
olho nu ou com o auxílio de dispositivos ópticos que
potenciem a capacidade visual. Este tipo de inspecção
aplica-se, sobretudo, à avaliação das características geo- Áreas de inspecção
métricas da estrutura e à identificação genérica dos
materiais que a constituem e dos sintomas patológicos Podem distinguir-se três grandes áreas de recolha de
eventualmente presentes. No entanto, dada a intensifi- informação, tendo em vista o estudo e a caracterização:
cação do esforço de investigação a que se tem assistido
nos últimos anos para ampliar o alcance e a eficácia das I) Da construção, seus elementos e materiais;
técnicas não-destrutivas ou semi-destrutivas de inspec- II) Da envolvente e das acções sobre a construção;
ção e ensaio das construções, é hoje possível recorrer a III) Do comportamento da construção face a essas
toda uma panóplia de técnicas e instrumentos, da mais acções.
variada natureza, que facilitam as observações ou mul-
tiplicam o seu alcance e rigor. Estas técnicas e instru- O estudo e caracterização da construção envolve:
mentos proporcionam aos responsáveis pela concepção ● O levantamento da sua geometria, dos materiais
das intervenções de conservação, reparação e recupera- constituintes e das suas anomalias;
ção de construções, os dados indispensáveis para: ● A caracterização desses mesmos materiais cons-
tituintes, o que pressupõe a avaliação das suas
● Avaliar a capacidade de desempenho da construção; propriedades e a detecção e caracterização das
● No caso de existirem danos, deficiências ou ano- suas alterações e anomalias.
malias, determinar as suas causas, possibilitando,
assim, uma intervenção mais adequada; O estudo e caracterização da envolvente da constru-
● Avaliar correctamente a importância e a extensão ção visa o conhecimento da acções físicas e químicas
das degradações existentes; que se exercem sobre a construção e que determinam a
● Adoptar medidas correctivas menos intrusivas e sua resposta, instantaneamente ou ao longo do tempo.
melhor adaptadas; O estudo e caracterização do comportamento da
● Definir e planear atempadamente as intervenções; construção tem por objecto conhecer a forma como
● Monitorizar o comportamento dessas intervenções. ela interaje com a envolvente, em particular, do
ponto de vista estrutural, quando submetida a forças
A norma italiana de 19812 recomenda expressa- e acelerações.
mente a realização de ensaios de caracterização das O Eurocódigo 85 descreve qual a informação que,
propriedades dos materiais em presença. A norma da em princípio, é necessário recolher para a avaliação
ASCE3 recomenda-o igualmente, definindo quais os estrutural de um edifício existente.
tipos de ensaios e as quantidades a realizar, em fun-
ção das áreas dos diferentes elementos e componen- Técnicas não destrutivas, semi-
tes. Esta norma especifica, igualmente, os ensaios a -destrutivas e destrutivas
realizar sobre os elementos de ligação entre a alve-
naria e os pavimentos chamados a desempenhar a Embora as técnicas em estudo sejam agrupadas
função de diafragma, com vista a avaliar a sua capa- sob a designação geral de “ensaios não destrutivos”,
cidade de resistência ao arrancamento. na realidade muito poucas o são completamente. A
Para possuírem a necessária fiablidade, as inspec- maior parte pode, com mais propriedade, ser desig-
ções, ensaios ou outras actividades devem obedecer a nada por “ensaios reduzidamente destrutivos”, pois
um conjunto de requisitos, em particular no que con- provocam na construção alguns danos localizados,
cerne à qualificação dos operadores e à manutenção e em geral facilmente reparáveis.
O Quadro 1 apresenta uma proposta de classificação as características mecânicas das alvenarias que as 21
dos danos que podem ser causados através de ensaios constituem através de ensaios semi-destrutivos
não totalmente não destrutivos, com exemplos1. ou destrutivos, levados a cabo quer in situ, quer
A noção do carácter destrutivo dos métodos de sobre provetes retirados do edifício e ensaiados
ensaio é notória no caso das construções antigas, em laboratório6 .
só se podendo obter informação fidedigna sobre

Quadro 1 Classificação dos danos causados por ensaios não totalmente não destrutivos

CLASSIFICAÇÃO DESCRIÇÃO EXEMPLOS MEDIDAS CONSTRUÇÕES


DOS DANOS DE REPARAÇÃO EM QUE É ACEITÁVEL

Irrelevantes=1 Visíveis apenas se Marcas de martelo, Nenhumas. Todas.


procurados, não riscos, manchas de Escovagem.
visíveis às distâncias água.
normais de
observação.

Ligeiros=2 Visíveis de perto, Furos de pequeno Reparação com Todas, excepto em


mas geralmente diâmetro, danos argamassa edifícios classificados,
imperceptíveis. de pequenos da mesma cor. em zonas próximas
penetrómetros. dos utentes.

Médios=3 Óbvios, mas sem Remoção de material Substituição Todas, excepto em


relevância estrutural de juntas, remoção da unidade e edifícios classificados,
ou para de pequenas unidades reparação da junta em zonas próximas
a durabilidade, de alvenaria, carotes com argamassa dos utentes.
a curto prazo. de pequeno diâmetro. expansiva.

Significativos=4 Muito óbvios. Podem Remoção de pequenas Reconstrução com Aceitável


exigir medidas de áreas de alvenaria. materiais idênticos temporariamente em
segurança se não Carotes de grande ou costura sobre a edifícios recentes
forem reparados diâmetro. carotagem. e estruturas
(por exemplo, classificadas não
preenchimento, acessíveis.
provisório, barreiras
para o público).

Sérios=5 Muito óbvios. Extensas áreas de Reconstrução com Aceitável apenas


Exigem alvenaria removidas materiais idênticos. se impedido o acesso
necessariamnete ou realização de do público.
medidas de segurança ensaios pesados.
se não forem reparados
(por ex., escoramentos,
barreiras). Podem
requerer estudo de
redistribuição
temporária das cargas.
22 As inspecções e ensaios ao longo I) Entre a detecção da necessidade de intervir e a
da intervenção decisão de intervir;
II) Entre a decisão de intervir e a selecção da
A caracterização de uma construção antiga para estratégia de intervenção;
avaliar o seu actual estado e prever o seu comporta- III) Da selecção da estratégia até à intervenção;
mento é uma tarefa muito complexa que requer IV) Durante a intervenção;
engenheiros experientes e conhecedores desta área, V) Depois da intervenção.
dotados de modernas ferramentas de análise e de um
conhecimento adequado das características relevan- Excluindo a fase III – que além da decisão quanto
tes do protótipo. à estratégia a seguir, consiste na elaboração do pro-
Os métodos não destrutivos ou reduzidamente jecto de execução da intervenção desenvolvido em
intrusivos podem ser utilizados não só na preparação gabinete e num conjunto de procedimentos adminis-
de uma intervenção de reabilitação, mas também trativos que conduzem à selecção da empresa execu-
durante e após essa intervenção. Podem ser identifi- tante – todas as outras fases recorrem, em maior ou
cadas cinco fases, com objectivos bem definidos: menor grau, aos métodos em análise (Quadro 2):

Quadro 2 Fases da intervenção em que os métodos de inspecção e observação


são aplicáveis
FASE ACTIVIDADES OBJECTIVOS

I) Da detecção da necessidade de Recolha documental. Caracterização preliminar


intervir até à decisão de intervir. Inquérito aos utentes. da construção, incluindo
Análise da regulamentação aplicável: as eventuais anomalias.
1. I&E preliminares. Caracterização preliminar
2. Monitorização preliminar. das propriedades dos materiais,
incluindo as eventuais anomalias.
Caracterização preliminar
da envolvente.

II) Da decisão de intervir até 3. Levantamento da geometria Caracterização da geometria


à selecção da estratégia e das anomalias. da construção e das suas
de intervenção. componentes, incluindo
4. I&E complementares. o mapeamento
das anomalias.
Modelação do comportamento. Caracterização das propriedades
dos materiais, incluindo
as anomalias.
Caracterização da envolvente.

Validação do modelo.

III) De selecção da estratégia Modelação das medidas correctivas


até à intervenção. Elaboração do projecto.

IV) Durante a intervenção. 5. Ensaio das técnicas e materiais Validação das técnicas e materiais
a adoptar. a adoptar.
6. I&E de controlo da qualidade.

V) Depois da intervenção. 7. I&E finais. Avaliação dos efeitos


da intervenção.
8. Monitorização permanente.
O Quadro 3 sintetiza os campos de aplicação dos amostras dos elementos da construção e submetê- 23
principais métodos actualmente disponíveis para las a uma gama adicional de ensaios realizados em
edifícios antigos. Não se consideraram, nesse qua- laboratório, ampliando a informação disponível
dro, os ensaios laboratoriais. Podem, no entanto, sobre as propriedades dos materiais e elementos
durante os trabalhos de campo, ser recolhidas constituintes.

Quadro 3 Principais inspecções e ensaios para intervenções estruturais em edifícios


antigos, com referência às técnicas e aos dispositivos utilizados
I&E COMPLEMENTARES

LEVANTAMENTO DA GEOM.E

PROPRIED. DOS MATERIAIS


INSPECÇÕES

VALIDAÇÃO DO MODELO
E ENSAIOS,

CARACTERIZAÇÃO DAS

CARACTERIZAÇÃO DA
TÉCNICAS

I&E DE CONTROLO
I&E DE TÉCNICAS

MONITORIZAÇÃO
E DISPOSITIVOS I&E PRELIMINAR

DAS ANOMALIAS

DA QUALIDADE
ENVOLVENTE

E MATERIAIS

I&E FINAIS
Alongâmetro mecânico X X
Boroscopia e videoscopia X X X X
Célula de carga X X
Corte semi-destrutivo X
Ensaio de carga X X X
Ensaio sónico e ultra-sónico X X X
Extensómetro de corda vibrante X X
Extensómetro eléctrico X X
Extracção de uma hélice X X
Fissurómetro de corda vibrante X X
Fissurómetro “telltale” X
Higrómetro X X X X X
Identificação expedita de sais X X
Impulso mecânico X X X
Inclinómetro X X
Inspecção visual por especialista X
Levantamento visual de anomalias X X X X
Macaco plano X X X
Martelo de Schmidt pendular X X
Medição expedita da porosidade X
Medição de vibrações X X X
Medidor óptico de fissuras X
Pêndulo e telecoordinómetro X X
Penetração X X
Penetrómetro e SPT X
Percussão X
Radar X X
Resistografia X
Teodolito automático X X
Termografia X
Termopar e termómetro X X X
Topografia e fotogrametria X
Vibração forçada X X X
24 Alguns estudos apresentadas, quer do ponto de vista da modela-
na Baixa Pombalina ção da estrutura;
d) Realização de ensaios complementares de
Introdução validação da modelação estrutural adoptada.

A partir de 1993 foi levado a cabo, por iniciativa de A recolha de informação nos edifícios estudados foi
proprietários, de promotores ou da própria autar- feita ao longo de várias intervenções de levantamento
quia, um conjunto de levantamentos, inspecções e e diagnóstico de situações concretas. Exceptuando os
ensaios de caracterização dos edifícios da Baixa e das edifícios cujo interior se destinava a ser demolido, foi
anomalias por eles apresentadas, que, geralmente, dada preferência, na medida do possível, a métodos
foram precedidos e acompanhados da recolha docu- não destrutivos de observação e ensaio.
mental sobre os edifícios. Os ensaios destrutivos Paralelamente, foram efectuados levantamentos
seguidamente mencionados foram realizados em ele- fotográficos exaustivos, e, em edifícios demolidos, um
mentos construtivos e estruturais cuja demolição levantamento sob a forma de desenhos esquemáticos
havia sido autorizada pela autarquia. cotados, acompanhado da recolha de amostras dos
Os estudos em apreço podem ser úteis para ajudar principais elementos. O conjunto de informação
a definir estratégias de intervenção construtiva e recolhida e os vários ensaios in situ realizados, junta-
estrutural. O estabelecimento dessas estratégias pres- mente com os ensaios laboratoriais sobre amostras,
supõe uma avaliação, com base em modelos de análise, permitiram, por outro lado, ter uma ideia razoavel-
da aptidão estrutural actual dos edifícios, tendo em mente aproximada das propriedades relevantes para
conta o decaimento, natural ou provocado, das pro- uma avaliação genérica do desempenho estrutural
priedades dos materiais estruturais originais e as alte- previsível dos edifícios.
rações estruturais neles efectuadas ao longo do tempo.
Com a introdução de critérios de natureza cons- Recolha documental
trutiva e estrutural na estratégia de intervenção nos
edifícios da Baixa Pombalina, torna-se possível asse- Nos casos em que foi possível uma análise mais
gurar a preservação da sua autenticidade enquanto profunda, os trabalhos partiram da recolha do máxi-
património histórico e, ao mesmo tempo, melhorar as mo de informação documental sobre os edifícios.
suas condições de segurança. Nesse sentido, recorreu-se, por um lado, à documen-
Concretizando, teve-se em vista recolher e sistema- tação bibliográfica e iconográfica existente sobre a
tizar a informação destinada a servir de suporte à cons- construção pombalina e, por outro lado, à documen-
trução e à validação dos modelos a utilizar na avaliação tação disponível no arquivo municipal.
da aptidão estrutural atrás referida, designadamente:
Levantamento geométrico
a) Recolha documental sobre os edifícios; da arquitectura
a) Levantamento geométrico da arquitectura
dos edifícios, corrigindo discrepâncias resultan- Os elementos de projecto existentes foram trans-
tes, por exemplo, de alterações não documentadas postos para suporte digital vectorizado e compara-
ou incorrectamente documentadas e preenchendo dos com a geometria real. Foram introduzidas as
eventuais lacunas; alterações e também assinaladas e caracterizadas
b) Levantamento geométrico da estrutura, ou outras discrepâncias encontradas. Para além das téc-
confirmação dos elementos de definição geomé- nicas de levantamento tradicionais, recorreu-se,
trica existentes, no sentido, também, de corrigir nesta fase, de forma supletiva, a uma ou mais das
discrepâncias e preencher lacunas de informação, seguintes técnicas:
no que se refere, por exemplo, às fundações; ● Observação visual, directa ou por tecnoscopia,
c) Realização de ensaios de caracterização do por processos semi-destrutivos;
comportamento da estrutura e das propriedades ● Detecção de metais;
dos elementos estruturais e dos materiais que os ● Termografia;
constituem, quer do ponto de vista do decaimen- ● Ultra-sons.
to dessas propriedades e das anomalias por eles
Foi feito um levantamento e uma sistematização da tadas utilizando os meios tradicionais, com apoio de 25
tipologia das paredes e dos pavimentos e recolhidos da- fotografia isométrica.
dos geométricos de pormenor quanto à sua constituição. Foram recolhidos dados referentes às fundações,
Foram recolhidos dados referentes às fundações, através de realização de furos ou de poços de sonda-
através de realização de furos ou de poços de sonda- gem que permitiram, por amostragem, definir a geo-
gem que permitiram definir com suficiente rigor a metria dos respectivos maciços.
geometria dos respectivos maciços.
Foi feito um levantamento e uma sistematização
da tipologia das alterações encontradas, tendo em
conta, particularmente, a presença de:
● Vãos não previstos no projecto original;
● Estruturas de aço;
● Estruturas de betão armado;
● Acréscimo de pisos.

Com base nesta recolha foram produzidos os


seguintes elementos:
● Plantas de localização na Baixa;
● Plantas de localização no quarteirão;
● Plantas dos pisos e da cobertura;
● Alçados frontais, laterais e tardoz;
● Alçados das paredes interiores.

Neste levantamento não foram considerados as


deformações. Tomaram-se cotas de referência bem defi-
nidas, por forma a obter a geometria “ideal” do edifício.
Por amostragem, foram recolhidos dados geomé-
tricos de pormenor quanto à constituição dos dife-
rentes tipos de parede (alvenaria, gaiola, tabique,
tijolo, etc.) e dos pavimentos encontrados, produzin-
do-se os respectivos desenhos de pormenor.
Com base nestes elementos, foi produzido um
modelo tridimensional de um edifício idealizado, em
suporte informático7.

Levantamento geométrico
da estrutura
Fig. 1 – Observação termográfica de paredes pombalinas.

Utilizando o mesmo suporte digital do levanta- Vista da parede em observação.


mento da arquitectura, foi feito o levantamento da Imagens termográficas da estrutura das paredes em frontal.
estrutura de:
● Paredes;
● Pavimentos; Levantamento das anomalias
● Caixas de escada; estruturais e construtivas
● Coberturas.
Seguiu-se o levantamento e a sistematização das
As estruturas das paredes, dado que se encontra- principais anomalias apresentadas pelas estruturas,
vam ocultas por rebocos, foram levantadas recorren- com relevância para o seu desempenho, em particular
do a termovisão (fig. 1), tecnoscopia, ultra-sons, etc.. a sua resistência e durabilidade.
As estruturas dos restantes elementos foram levan- Utilizando suporte digital, foram produzidos:
26 > Alçados de paredes, representando: A simples representação gráfica das anomalias
● Deformações de pavimentos e tectos; observadas pode ser de grande utilidade, dada a
● Deformações de paredes (assentamentos dife- possibilidade de serem detectados padrões que,
renciais, desaprumos, empenos, enfolamentos, em si, contêm, informação preciosa para a com-
desligamentos); preensão dos mecanismos de deterioração em
● Fissuras, incluindo localização e abertura; presença. É o caso do padrão da fendilhação numa
● Zonas afectadas por humidade, ascendente ou parede de fachada, que pode mostrar uma orien-
infiltrada; tação dominante, por exemplo, paralela às com-
● Zonas com a estrutura de madeira degradada pressões, ou o padrão de distribuição da humida-
por agentes biológicos. de, cuja concentração pode ajudar a referenciar a
respectiva origem.
> Plantas dos pavimentos e tectos, representando: As figuras 2 e 3 mostram um exemplo de levanta-
● Zonas afectadas por humidade; mento das anomalias de um edifício pombalino. O
● Zonas com a estrutura de madeira degradada padrão das anomalias pode constituir um elemento
por agentes biológicos; precioso de interpretação e diagnóstico.
● Altimetria das deformações.

LEGENDA

Humidade

fissura com abertura de 1 mm

destacamento de tinta

formações salinas sob a camada de tinta

Fig. 2 – Levantamento das anomalias de um edifício pombalino.


27

fissura com
fungos como
os da parede

fissura reparada
e reaberta

Fig. 3.a – Plantas do terceiro andar do mesmo edifício, mostrando as deformações dos pavimentos e as vistas para a análise
das deformações das paredes.
marca muito deteriorada

do outro lado da parede


existem as mesmas fissuras,
também com fungos

Fig. 3.b – Vistas do terceiro andar do mesmo edifício, mostrando as deformações das paredes.
A figura 4 mostra o levantamento das zonas com Resistografia; 29
presença de humidade. Ensaios laboratoriais sobre amostras;
Alvenaria:
Ensaios in situ e sobre amostras de grandes
dimensões;
Ensaios sobre argamassas de assentamento,
enchimento e reboco.
Betão:
Ensaios esclerométricos e ensaios laboratoriais
sobre carotes.
Ferro e aço:
Ensaios laboratoriais sobre amostras.
Solos de fundação:
Análise granulométrica;
Densidade aparente;
Teor em água natural;
Limites de consistência de Atterberg (LL,LP);
Corte em compressão triaxial do tipo não drena-
do com consolidação.

Ensaios não destrutivos


ou reduzidamente destrutivos

Recorreu-se, sempre que possível, a ensaios não


destrutivos ou reduzidamente destrutivos. Do ponto
Fig. 4 – Avaliação qualitativa do teor de humidade em paredes. de vista da caracterização das alvenarias em presen-
ça, assumiram particular importância os resultados
obtidos com os ensaios de macacos planos (fig. 5).
As anomalias estruturais mais frequentes nos edi- Estes ensaios permitiram, também, aferir as ten-
fícios pombalinos foram, mais tarde, objecto de uma sões instaladas nas paredes de alguns edifícios.
sistematização8.

Caracterização estrutural

A caracterização estrutural incidiu sobre os mate-


rais e os elementos estruturais dos edifícios. Para tal,
recorreu-se, sobretudo, a ensaios não destrutivos ou
reduzidamente invasivos realizados in situ. Nalguns
edifícios onde tinham sido autorizadas demolições,
foram, também, realizados ensaios destrutivos, local-
mente e em laboratório, a partir de amostras de
grandes dimensões.

Caracterização dos materiais

Os estudos com vista à caracterização das proprieda-


des relevantes para o comportamento estrutural incidi-
ram sobre os vários materiais estruturais em presença:
Fig. 5 – Edifício da Baixa Pombalina.
Madeira: Ensaio de macaco plano duplo para avaliação das propriedades
Identificação das espécies; mecânicas da alvenaria.
30 Ensaios destrutivos in situ Caracterização do comportamento
dos elementos estruturais
Aproveitando a demolição de alguns edifícios,
autorizada pela CML, foram realizados alguns Para elém dos ensaios in situ com macacos planos, e
ensaios destrutivos sobre elementos de alvenaria e destrutivos, de corte, realizados nas paredes mestras,
sobre elementos de madeira. Alguns desses ensaios foram realizados ensaios sobre as paredes de frontal.
foram realizados in situ (fig. 6), outros foram realiza- Tratou-se de ensaios de tracção in situ e de ensaios em
dos sobre amostras de grandes dimensões retiradas laboratório sobre painéis de dimensão suficiente.
quer de paredes principais de alvenaria, quer de pare- Adicionalmente, sobre os elementos de betão
des em frontal pombalino. Descrevem-se, em segui- armado resultantes das várias modificações encon-
da, sumariamente esses ensaios e apresentam-se os tradas, foram realizados ensaios ultra-sónicos; proce-
resultados. deu-se à detecção não destrutiva de armaduras com
medição do seu recobrimento e a ensaios laborato-
riais sobre carotes.

2.8.1 Ensaios destrutivos sobre elementos de


frontal pombalina

Fig. 7 – Ensaios destrutivos de arrancamento, realizados in


Fig. 6 – Ensaio de corte destrutivo. situ. (a) Sistema de carga; (b) Célula de carga.

Ensaios laboratoriais sobre amostras A figura 7 mostra a realização de um conjunto de


de paredes de alvenaria ensaios de arrancamento de peças de madeira de
reforço das paredes, tendo em vista a avaliação da
Estes ensaios foram realizados sobre provetes resistência das respectivas ligações.
prismáticos com cerca de 1,5 m de altura e 0,75 m de
lado. Permitiram estabelecer curvas tensão/defor-
mação para este material, a partir das quais foi possí-
vel definir valores para o módulo de elasticidade e a
tensão de rotura à compressão.
Ensaios laboratoriais sobre painéis de parede 31
em frontal pombalino

Os provetes foram ensaiados através da aplicação


de uma força horizontal cíclica actuando ao longo da
aresta superior do painel (fig. 9).
Estes ensaios permitiram detectar uma deforma-
bilidade apreciável dos painéis. Constatou-se que
essa deformabilidade dos painéis aumentou de ciclo
para ciclo, em resultado da cedência dos pregos de
fixação das peças de madeira nos nós9.

Referências bibliográficas

1 VEKEY B. – In-situ evaluation of the physical and


Fig. 8 – Ensaio de carga de uma estaca curta de madeira.
chemical state of masonry structures. Proceedings of
Sistemas de carga e de leitura.
the international RILEM worsKhop “On-site
control and evaluation of masonry strutctures”.
Ensaios destrutivos sobre estacas curtas Mântua, Nov. 2001.
2 Decreto Ministeriale 2/7/1981 – Normativa per la
Fora realizados ensaios expeditos de carga e de riparazioni ed il rafforzamento degli edifici danneggiati
arrancamento sobre três estacas curtas de madeira. dal sisma nelle regioni Basilicata, Campania e Puglia.
3 ASCE/SEF 31-03 – Seismic Evaluation of existing
A figura 8 mostra o dispositivo utilizado nos ensaios
de carga. buildings. American Society of Civil Engineers, 2003.
4 ISO 9712: Non-destructive testing – Qualification
and certification of personnel E 1359-99. Standard
Guide for Evaluation Capabilities of Nondestructive
Testing Agencies.
5 ENV 1998 Part 1-4 Regras Gerais – Reforço
e reparação de edifícios.
6 TOMAZEVIC M. – Structural assessment, monito-
ring and evaluation of existing masonry buildings in
seismic regions. Proceedings of the international
RILEM Worskhop “On-site control and evaluation of
masonry strutctures”. Mântua, Nov. 2001.
7 Baixa Pombalina: Modelo descritivo tridimensional
da estrutura de um quarteirão. Edição em DVD.
Gecorpa, 2004.
8 SILVA V.C. – Patologia estrutural dos edifícios
pombalinos. “Monumentos”, n.º 21, Lisboa, DGEMN,
Fig. 9 – Painel de frontal pombalino pronto para ensaio Setembro de 2004.
e sistema de carga utilizado. 9 SANTOS S.P. – Ensaio de paredes pombalinas. Nota
técnica n.º 15/97-NCE, Lisboa, LNEC, Julho de 1997.
Um ano de O sistema instalado destina-se à observação, ao 33
longo de um período alargado, das variações do nível
monitorização freático e da existência ou não de interacções com as
dos níveis freáticos marés sentidas no estuário do Tejo, bem como à defi-
e dos assentamentos nição da área de influência das marés.
Este tipo de observação permitirá posteriormente
na Baixa Pombalina desenvolver um modelo matemático de circulação
Rui Melo das águas subterrâneas nos terrenos da Baixa de
Chefe de Divisão de Ordenamento de Rede de Subsolo - CML
Lisboa quer ao nível dos materiais aluvionares
(essencialmente lodos, areias e misturas de ambos os
tipos litológicos), quer dos materiais in situ de idade
miocénica (essencialmente argilas, areias e misturas
entre elas).
Complementarmente ao sistema de observação
dos níveis freáticos, e porque existe uma relação
directa entre a diminuição das tensões neutras no
Introdução solo (ou seja, a diminuição da água no solo) e a ocor-
rência de assentamentos ao longo do tempo, a
A área de Lisboa hoje conhecida como Baixa Câmara Municipal de Lisboa instalou um outro dis-
Pombalina foi alvo de ocupação por diversas civi- positivo para monitorização de possíveis assenta-
lizações ao longo do tempo, tendo tomado a sua mentos não só ao nível do solo (marcas de superfície),
forma actual após o terramoto de 1755. Da ocupa- mas também num conjunto de edificações escolhidas
ção continuada desta área da cidade resultaram em função da sua importância e tipo de fundação
algumas alterações na sua morfologia, bem como (réguas de nivelamento).
nos materiais que hoje encontramos à superfície.
Estas modificações, em particular as ocorridas
durante os séculos XIX e XX, levaram a uma mu- Geologia local
dança no sistema de circulação das águas superficiais
e subterrâneas, resultado da impermeabilização dos A Baixa Pombalina caracteriza-se por uma zona
terrenos, devido à pavimentação e asfaltagem das aplanada central, “encaixada” entre as colinas do
artérias da cidade, da canalização de linhas de água, Castelo de S. Jorge e do Carmo, correspondendo a
da construção de caves e parques subterrâneos, da uma faixa situada entre as ruas dos Fanqueiros e
rede do Metropolitano, etc. as do Crucifixo/Ouro (aproximadamente 200 m de
Este conjunto de acções poderá ter originado algu- largura) e entre o rio Tejo e a Praça D. Pedro IV
mas alterações ambientais, nomeadamente ao nível da (Rossio).
circulação e dos caudais das águas subterrâneas. As linhas de água actualmente aterradas ou
Como não existia em Lisboa um conhecimento canalizadas estavam inicialmente entalhadas em
do comportamento da circulação da água subter- terrenos miocénicos. Na zona do Rossio confluíam
rânea, e em particular nesta área nobre da cidade, os caudais que circulavam nas agora Avenidas da
decidiu a Câmara Municipal de Lisboa dar início, Liberdade e Almirante Reis.
durante o ano de 2003, à implementação de um Na totalidade da área estudada é possível encon-
sistema de monitorização dos níveis freáticos, trar um conjunto de depósitos de aterro de idades
composto por um conjunto de piezómetros, insta- variadas, que foram sendo aqui instalados com a ocu-
lados ao longo dos diversos arruamentos da Baixa pação desta área da cidade, nas diferentes épocas his-
Pombalina, numa faixa que poderemos considerar tóricas. A espessura é variável, muito embora não
ser delimitada, a norte pela Praça dos Res- ultrapasse geralmente cerca de 3 m.
tauradores – Praça da Figueira – Praça do Subjacente aos aterros encontra-se uma cobertura
Martim Moniz, a sul pelo rio Tejo, a este pela Rua de materiais de origem aluvionar de espessura variá-
dos Fanqueiros e a oeste pela Rua do Carmo/ Rua vel, que atinge um máximo de cerca de 50 m no estei-
Nova do Almada. ro da Baixa e menos de 10 m na zona do Rossio, onde
34

Fig. 1- Extracto da Folha


4 da Carta Geológica
do Concelho de Lisboa,
Escala 1/10.000,
Serviços Geológicos
de Portugal.
se encontra a confluência da ribeira do Rossio e da 1. Aterros (materiais recentes); 35
ribeira de Arroios. Estes materiais são de natureza 2. Complexo aluvionar (Holocénico);
diversa, sendo possível encontrar lodos, areias, argi- 3. Substrato miocénico.
las e misturas destes três tipos litológicos.
O substrato miocénico onde se encontravam De forma muito simplificada, estruturalmente a
encaixadas as linhas de água, que ocorre sob os mate- região poderá ser considerada como um monoclinal,
riais aluvionares, possui uma natureza igualmente com inclinação de 6º a 10º para SE, dominado funda-
diversa. É composto de diferentes formações, como mentalmente pelas formações tabulares do Miocénico,
as “Areias da Quinta do Bacalhau”, as “Argilas do que assentam sobre terrenos variados com idades
Forno do Tijolo”, os “Calcários de Entrecampos”, as desde o Paleogénico, o Neocretácico até ao Cretácico.
“Areólas da Estefânia” e as “Argilas e Calcários dos Na figura que se segue podem observar-se as suas
Prazeres”. distribuições espaciais nos perfis geológicos inter-
Poderemos, por isso, definir para esta área da cida- pretativos, incluindo-se igualmente a localização dos
de, três constituintes fundamentais da geologia local: piezómetros instalados.

Fig. 2 – Perfis esquemáticos ilustrando a distribuição de unidades hidrogeológicas presentes na zona da Baixa.
36

Fig. 2.a – Perfis esquemáticos ilustrando a distribuição


de unidades hidrogeológicas presentes na Zona da Baixa.
37

Fig. 2.b – Perfis esquemáticos ilustrando a distribuição de unidades hidrogeológicas presentes na zona da Baixa.
38 Sistemas instalados contínua de amostra, e efectuados também ensaios in
e trabalhos realizados situ de permeabilidade e SPT. Sobre as amostras col-
hidas de solo e água foram realizados ensaios granu-
3.1 Piezómetros lométricos dos diferentes tipos litológicos encontra-
dos e determinações físicas e químicas da água.
Para a observação dos níveis freáticos foram insta- No final de Dezembro de 2003 e no início de
lados 16 piezómetros de tubo aberto, com câmaras Janeiro de 2004, procedeu-se à leitura dos níveis fre-
piezométricas (zona de afluência de água ao piezóme- áticos, com uma campanha de zeragem. A partir de
tro) localizadas quer nas aluviões (materiais lodosos, Março de 2004 passaram a ser realizadas campanhas
arenosos, argilosos ou misturas deste tipos litológi- de leituras mensais. Antecedendo estas campanhas
cos), quer nos terrenos miocénicos (essencialmente foram obtidas topograficamente as cotas altimétricas
argilosos ou areno-argilosos, por vezes com passa- das bocas dos piezómetros, para que os valores da
gens calcárias). Para a sua instalação foram executa- posição do nível freático fossem cotados em cada um
dos furos de sondagem, acompanhados de recolha deles permitindo a sua posterior comparação.

Fig. 3 – Esquema de instalação de piezómetro de tubo aberto.


Marcas de superfície de diâmetro e 0,5 m de altura, provido de uma base 39
em chapa rígida, quadrangular de 0,3 x 0,3 m.
O sistema de observação de assentamentos, ins- Todo este conjunto foi assente no solo, no fundo
talado em simultâneo com o sistema de observação de um pequeno poço aberto manualmente, com cerca
dos níveis freáticos, é composto por 54 marcas de de 0,6 m de profundidade e com 0,5 m de lado. No
superfície e por 15 réguas de nivelamento em edi- topo do varão foi instalada uma cabeça esférica em
fícios. É complementado por um conjunto de 3 latão, de modo a que a mira topográfica se possa
marcas de referência (benchmark), com 15 m de apoiar num só ponto. Ao nível da calçada foi coloca-
comprimento, para apoio topográfico. da uma tampa de protecção.
As marcas de superfície são aquelas que proporcio- Estas marcas encontram-se essencialmente distri-
nam a detecção de eventuais deslocamentos ao nível do buídas na área aluvionar, existindo no entanto algu-
solo, se forem observadas variações das cotas altimé- mas marcas de superfície instaladas nas áreas margi-
tricas ao longo dos diversos períodos de observação. nais, ou seja já em terrenos do Miocénico.
As marcas superficiais instaladas, são generica-
mente constituídas por um varão em aço com 25 mm

Fig. 4 – Esquema de instalação das marcas de superfície.


40 Réguas de nivelamento A selecção dos edifícios que integram esta amos-
tragem foi efectuada após observação no local, em fun-
As réguas de nivelamento destinam-se à detecção ção da idade do edifício, da sua localização, do estado
de eventuais deslocamentos verticais em edifícios. de conservação, e, obviamente, do tipo de fundação.
Estes podem apresentar fundação directa, serem fun- A materialização destas marcas foi efectuada através
dados em estacas de madeira, e outros, mais moder- de uma pequena chapa em aço inox, fixado às fachadas,
nos, assentarem sobre estacas de betão. por aparafusamento. Esta chapa é munida de um
Foram instaladas 15 marcas deste tipo permitindo pequeno gancho de suspensão, para aí aplicar uma
fazer uma amostragem do comportamento da gene- régua graduada amovível, também em inox. Depois de
ralidade dos edifícios, por comparação com aqueles cada campanha de leitura, a régua é removida, per-
que forem instrumentados. manecendo simplesmente o esquadro instalado.

Fig. 5 – Esquema de instalação de


régua de nivelamento num edifício.
BAIXA DE LISBOA
MONITORIZAÇÃO TOPOGRÁFICA E PIEZOMÉTRICA
LOCALIZAÇÃO DA INSTRUMENTAÇÃO
(SEM ESCALA)

LEGENDA
Fig. 6 – Planta de localização da instrumentação, MARCA PROFUNDA (“BENCHMARK”)

no território da Baixa Pombalina. MARCAS DE SUPERFÍCIE


PIEZÓMETRO
RÉGUAS DE NIVELAMENTO
LIMITES APROXIMADOS DA BAIXA ALUVIONAR
05.01.2004 – rectificação da localização de algumas marcas
42 Conclusões obtidas
Níveis freáticos

Analisando os níveis piezométricos após um ano de


observações mensais, e adoptando-se como referência
as medições efectuadas a 30 de Março de 2004, verifi-
ca-se que em 10 piezómetros continuam a registar-se
decréscimos do nível piezométrico (ver quadro abaixo).

PIEZÓMETRO NÍVEL PÍEZ. NÍVEL PÍEZ. VARIAÇÃO VARIAÇÃO FORMAÇÃO


6 JAN. 05 12 FEV. 05 JAN. - FEV. 05 MAR. 04 - FEV. 05 GEOLÓGICA
(M) (M) (M) (M)

P2 1,89 1,94 0,05 0,19 Aluviões


P3 1,95 2,06 0,11 0,35 Aluviões
P4 1,7 1,71 0,01 -0,13 Aluviões
P5 1,84 1,94 0,1 -0,03 Miocénico
P6 4,28 4,28 0 -0,16 Miocénico
P7 2,48 2,41 -0,07 -0,21 Aluviões
P8 2,25 2,25 0 -0,12 Aluviões
P9 2,25 2,23 -0,02 -0,54 Miocénico
P10 4,07 4,01 -0,06 -0,53 Miocénico
P11 4,21 3,98 -0,23 -0,49 Aluviões
P12 4,07 3,95 -0,12 -0,32 Aluviões
P13 5,57 5,39 -0,18 -0,53 Aluviões
P14 5,48 5,44 -0,04 -0,74 Aluviões
P15 5,57 5,47 -0,1 -0,48 Miocénico
P16 9,16 9,09 -0,07 -0,31 Miocénico
P17 7,26 7,37 0,11 -0,07 Miocénico

As condições de pluviosidade anormalmente baixas


que se observaram durante todo este período de leituras
são provavelmente responsáveis pelo decréscimo de pie-
zometria em toda a zona a norte da Rua de S. Nicolau.
Desta forma, a diminuição de recarga directa e dos 0,4
caudais provenientes de zonas a montante da área em 0,3
estudo reflectem a reduzida pluviosidade, sendo res- 0,2
ponsáveis pelo decréscimo dos níveis de água subter- 0,1
rânea. Dada a sazonalidade da recarga é de esperar 0
que os níveis recuperem rapidamente assim que se -0,1
verificar um aumento da precipitação.
-0,2
A figura 7 representa a variação de piezometria
-0,3
em relação a 30 de Março de 2004 nos níveis aluvio-
-0,4
nares, sendo notório que o nível piezométrico se
-0,5
-0,6
-0,7
Fig. 7 – Variação do nível freático
-0,8
nas aluviões entre Março de 2004 e Fevereiro de 2005.
situa actualmente a níveis inferiores aos registados igual ou superior ao de Março de 2004, traduzindo a 43
na data inicial, na maior parte da área abrangida pela influência da fronteira de potencial constante que é o
monitorização. Tejo. Aqui o decréscimo acumulado da piezometria
Exceptua-se a zona mais próxima do rio Tejo aumenta com o afastamento do rio Tejo.
(Praça do Comércio), em que o nível piezométrico é

P2 – Praça do Comércio
Variação do nível freático

P13 – Praça D. Pedro IV


Variação do nível freático
44 Importa ainda salientar que na zona do piezóme- Nos restantes piezómetros a informação recolhida
tro P14, situado na Praça da Figueira, se registaram ainda não é conclusiva, embora seja possível constatar
decréscimos da ordem dos 74 cm na piezometria, o a existência de variação da piezometria ao longo do dia.
que traduz já um valor considerável. Dada a nature- Existe uma relação hidráulica entre aluviões e
za atípica do ano hidrológico, com precipitação muito substrato miocénico, ou seja, as trocas de água entre
reduzida, não é possível verificar se o decréscimo o sistema aluvionar e o miocénico parecem sofrer
registado é apenas resultado da escassez de precipi- alguma influência do regime de marés, pois o subs-
tação ou se existirá uma diminuição irreversível de trato miocénico parece ser mais sensível ao efeito de
afluxos subterrâneos provenientes da zona da antiga marés, criando-se situações de imposição de um gra-
ribeira de Arroios. diente hidráulico vertical indutor de fluxo do mio-
A figura 8, referente à variação de piezometria no cénico para as aluviões, isto é, recarga de água do
substrato miocénico, apresenta em todos os piezóme- miocénico para as aluviões.
tros um nível de água inferior ao registado em Março Os dados do quimismo das águas recolhidas mos-
de 2004. Na zona dos piezómetros P9, P10 e P15 os tram que as águas têm uma mineralização que não
níveis são inferiores aos de Março de 2004 em 54 cm, ultrapassa, geralmente, 1800 mg/l. Geralmente o
53 cm e 48 cm, respectivamente. quimismo é do tipo bicarbonato cálcico, como seria
É possível verificar que nos piezómetros implan- de esperar em formações deste tipo.
tados em mais próximo do rio Tejo (P2, P3, P5, P6, As influências antrópicas são importantes mas o
P7 e P8) parece evidente a variação nos níveis piezo- facto de haver numerosas amostras sem nitrato e
métricos imposta pelo ciclo das marés. nitrito pode indiciar recarga preferencial por perdas
da rede de distribuição de água potável.

0,4 3200
0,3 3000
2800
0,2
2600
0,1
2400
0
2200
-0,1 2000
-0,2 1800
-0,3 1600

-0,4 1400
1200
-0,5
1000
-0,6
800
-0,7 600
-0,8 400

Fig. 8 – Variação do nível freático no substrato miocénico entre Fig. 9 – Variação da condutividade eléctrica em
Março e Fevereiro de 2005. Fevereiro de 2005.
Na planta da figura 9 apresenta-se a distribuição do período de observação ocorreu nas áreas mais a 45
da condutividade medida no conjunto dos piezóme- norte e mais a sul da zona monitorizada, ou seja, res-
tros instalados. pectivamente nas marcas instaladas na Praça dos
A influência das marés em termos de salinidade e Restauradores e nas marcas da Praça do Comércio.
piezometria (com oscilações centimétricas) parece A zona observada onde se consideram como con-
fazer sentir-se sem dúvida até à Rua da Vitória, firmados assentamentos mantém sensivelmente uma
podendo no entanto existir ainda a possibilidade de área equivalente à observada desde Setembro de
esta se fazer sentir até ao Rossio. 2004 (área Sul – limitada pelas ruas da Vitória, Ouro,
Prata, rio Tejo; área Norte – Praça dos Restaura-
dores), encontrando-se os valores ligeiramente ate-
Assentamentos nuados em relação a períodos anteriores na zona sul
e mais significativos no topo norte da área estudada.
Da análise dos resultados obtidos durante este As marcas instaladas sobre materiais do Mio-
primeiro ano de observações verifica-se que ocorre- cénico registaram um comportamento semelhante ao
ram de uma forma geral, na maioria dos locais ins- registado nas marcas instaladas na zona aluvionar,
trumentados, oscilações entre leituras quer no que se como tem sido observado desde o início das leituras,
refere às marcas de superfície, quer no que diz res- encontrando-se acumulados deslocamentos que
peito às réguas de nivelamento em edifícios. variam entre -2,4mm e +1,7mm.
Em relação às observações realizadas nas marcas No controlo dos edifícios verificou-se que, neste
de superfície (ver figura 10), verificou-se que, neste período de observação, ocorreram deslocamentos
primeiro ano, a distribuição dos locais onde foram positivos na quase generalidade dos edifícios instru-
registados ligeiros assentamentos regulares ao longo mentados, encontrando-se, de Janeiro 2004 a Janeiro
2005, os valores acumulados entre -1,7mm e +1,6mm,
com os valores ao nível do solo e dos edifícios na
mesma ordem de grandeza.
Apesar de este ser apenas o primeiro ano de obser-
vações topográficas, da análise que tem vindo a ser
feita aos resultados obtidos nas leituras das marcas de
superfície e réguas de nivelamento em edifícios tem
sido possível verificar que os valores de deformação
entre leituras e de deformação acumulada possuem
1,2 taxas de evolução muito reduzidas, mantendo-se a
1 generalidade da zona observada estabilizada.
0,8
0,6
0,4
0,2
0
-0,2
-0,4
-0,6
-0,8
-1
-1,2
-1,4
-1,6
-1,8
-2,4

Fig. 10 – Mapa de isolinhas de deformação


acumulada em Janeiro de 2005.
Importância da Décima interior dos edifícios, no estudo efectuado entre 47
1987 e 1997, A Study of the Design and Construction
da Cidade de Lisboa of Buildings in the Pombaline Quarter of Lisbon2,
para o entendimento permite observar que certos tipos de escadas (12
do longo processo tipos), e respectiva localização, aparecem de forma
indiferenciada tanto em ruas principais como em
de construção ruas secundárias, não só nos lotes de maior como
e evolução dos edifícios também nos de menor dimensão. Os tipos de escadas
estão relacionados com formas de distribuição inter-
de rendimento da Baixa na e ocupação dos espaços próprios, alguns em tudo
Pombalina de Lisboa semelhantes a edifícios localizados em zonas mais
Jorge Mascarenhas antigas da cidade e outros em zonas mais recentes.
Instituto Politécnico de Tomar Também algumas características construtivas e aca-
bamentos surgem claramente associados a determi-
nados tipos de escadas.
De uma forma sintética, poderei dizer que, nos
primeiros edifícios, alguns tipos de escadas de acesso
às habitações se desenvolvem à volta de uma parede
(mais fácil de se construir) e localizam-se junto às
fachadas da rua para serem iluminadas pelas janelas.
Nestes edifícios, os fogos apresentam uma circulação
Introdução interna caracterizada pelo atravessamento central
das divisões e uma forma de construção das escadas
Os trabalhos de reconstrução iniciados em 1759 muito elementar, tal como acontece nos edifícios em
na parte baixa da cidade de Lisboa arrastaram-se por zonas mais antigas da cidade. Nos modelos mais tar-
um longo período de tempo, muito para além do regi- dios, a escada aparece localizada no centro do edifício
me de Pombal. possuindo uma clarabóia de iluminação (de complexa
Nesta parte da cidade, por detrás das fachadas contí- e onerosa construção dada a raridade do vidro) e de-
nuas e repetitivas dos quarteirões, encerra-se a evolução senvolve-se com uma bomba (mais difícil de cons-
das tipologias do edifício de rendimento. Encontram-se truir por ter lances e patamares em consola). Nestes
desde modelos idênticos aos existentes em partes medie- casos, a distribuição interna dos fogos é feita por um
vais da cidade, com um fogo por piso, até modelos seme- corredor bem definido1.
lhantes aos que existem em zonas mais tardias, do sécu- A deslocação das escadas, inicialmente adossadas às
lo XIX, com dois fogos por piso. fachadas, para o centro do edifício teve em conta diver-
Através do fundo da Décima da Cidade de Lisboa1 sas condicionantes, como o rigoroso alinhamento dos
é possível estimar a data de construção dos edifícios, vãos das fachadas das ruas, a iluminação das escadas, a
conhecer quais os edifícios mais genuínos, entender divisão da loja do piso térreo, o facto de os patamares
como decorreu o processo de reconstrução e a sua de acesso aos fogos não ficarem simultaneamente
relação com aspectos sócio-económicos, tratando-se longe das salas de visitas e das cozinhas, etc.
por isso de um instrumento importante para a estru- Também certas características estruturais estão 1 No estudo
turação de um processo de salvaguarda desta zona da associadas a determinados tipos de escadas, pois indicado em (2)
estabeleci uma
cidade. sofreram uma evolução com o tempo. Foi o que acon- possível evolução
para o edifício de
teceu com a gaiola, que nos primeiros edifícios apre- rendimento, tendo
em conta diversos
sentava uma estrutura com cruzes de Santo André, factores. Este
Importância da Décima mais cuidada. Numa fase intermédia, à medida que se trabalho foi
recentemente
iam esquecendo os efeitos nefastos do terramoto, a publicado de forma
detalhada no livro
A partir do exterior, os edifícios de rendimento da estrutura tornou-se simplificada, surgindo apenas Sistemas de
Construção, Vol. V –
parte baixa da cidade apresentam pequenas variações nas paredes que têm a orientação dos sismos (Norte- O Edifício de
que os distinguem pela hierarquia das ruas a que per- Sul). Numa fase mais tardia foi substituída nas pare- Rendimento da Baixa
Pombalina de Lisboa
tencem. No entanto uma análise mais cuidada do des interiores por paredes de painel de costaneiras. (3).
48 Após ter estabelecido uma possível evolução para das ruas principais e secundárias, da dimensão das
o edifício de rendimento2 passei à confirmação docu- suas propriedades e da resposta imediata à recons-
mental. Devido à escassez de documentos sobre a trução, com aquisições posteriores sucessivas.
construção dos edifícios de rendimento, tal só foi
possível através do fundo da Décima. Só então con-
segui entender que a simplicidade ou elaboração dos O fundo da Décima da Cidade
acabamentos variava em função de diversos factores de Lisboa e o seu Termo
sócio-económicos que foi possível identificar com
base na dotação. Neste aspecto, o fundo da Décima O registo de pagamentos do fundo da Décima está
pode revelar também qual foi o verdadeiro peso da organizado em vários volumes anuais por freguesias que
presença das ordens religiosas e dos nobres em rela- englobam partes de ruas. A título de exemplo descre-
ção à burguesia ascendente protegida por Pombal. vem-se os nomes dos proprietários em períodos aproxi-
Uma análise só possível pela apreciação da localiza- mados de dez anos para uma parte da Rua Augusta.
ção desta burguesia na nova malha urbana ao longo

Rua Augusta › Paróquia de São Julião › Lado direito a partir da Praça do Comércio
1762/63 1769
1.91 1.91 Ambrósio Araújo de Sá
2.193 2.193 Dr. João Tavares Almeida
3.191 Ordem Gregoriana de São Francisco 3.191 Ordem Terceira de São Francisco
4.101 Irmandade do Santíssimo Sacramento 4.101 Irmandade do Santíssimo Sacramento de São Julião
5.30 5.30 Manuel Guimarães
6.187 6.187 D. Brás Baltazar da Silveira
7.184 Irmandade da Doutrina 7.184 Irmandade da Doutrina
8.29 Francisco Gl. Marques 8.29 João Rodrigues Caldaz
9.180 Luís Sequeira (?) 9.180 José Ferreira Dias
10.178 Propriedade da Igreja Patriarcal 10.178 Santa Igreja da Patriarcal
11.174 Francisca Teresa, viúva de Eugénio dos Santos 11.174 João Gonçalves Rebello
12.171 António Groyamo Rapozo 12.171 Padre António Rapozo

1780 1790
1.91 Ambrósio Araújo de Sá 1.91 D. Joaquim de Menezes
2.193 Herdeiros do Dr. João Tavares Almeida 2.193 Herdeiros do Dr. João Tavares Almeida
3.191 Ordem da Luz Branca 3.191 Ordem Terceira de São Francisco
4.101 Irmandade do Santíssimo Sacramento de São Julião 4.101 Irmandade do Santíssimo Sacramento de São Julião
5.30 Manuel Guimarães 5.30 Manuel António da Silva Bravo
6.187 D. Brás Baltazar da Silveira 6.187 D. Brás Baltazar da Silveira
7.184 Misericórdia 7.184 Hospital Real de Todos os Santos
8.29 João Rodrigues Caldaz 8.29 João Rodrigues Caldaz
9.180 José Ferreira Dias 9.180 António Nunes Galvão
10.178 Santa Igreja da Patriarcal 10.178 Santa Igreja da Patriarcal
11.174 João Gonçalves Rebello 11.174 Herdeiros de João Gonçalves Rebello
12.171 Padre António Rapozo 12.171 Herdeiros do Padre António Rapozo

1799 1810
1.91 Doutor Xavier Araújo 1.91 Francisco Correia Borges
2.193 Herdeiros do Dr. João Tavares Almeida 2.193 António José da Fonte
3.191 Ordem Terceira de São Francisco 3.191 Ordem Terceira de São Francisco
4.101 Irmandade do Santíssimo Sacramento de São Julião 4.101 Irmandade do Santíssimo Sacramento de São Julião
5.30 Manuel António da Silva Bravo 5.30 Manuel António da Silva Bravo
6.187 D. Brás Baltazar da Silveira 6.187 D. Nuno José Baltazar Piedade da Silveira
7.184 Hospital Real de São José 7.184 Hospital Real de São José
8.29 João Rodrigues Caldaz 8.29 João Rodrigues Caldaz
49
9.180 António Gonçalves 9.180 António Gonçalves
10.178 Santa Igreja da Patriarcal 10.178 Francisco Pereira Lima
11.174 João Gonçalves Rebello 11.174 Herdeiros de João Gonçalves Rebello
12.171 José Gonçalves Marques 12.171 Manuel José Marques

1820 1830
1.91 Francisco Correia Borges 1.91 Francisco Correia Borges
2.193 António José da Fonte 2.193 António José da Fonte
3.191 Ordem Terceira de São Francisco 3.191 Ordem Terceira de São Francisco
4.101 Irmandade do Santíssimo Sacramento de São Julião 4.101 Irmandade do Santíssimo Sacramento de São Julião
5.30 Francisco Saraiva 5.30 Francisco Saraiva
6.187 D. Nuno José Baltazar Piedade da Silveira 6.187 D. Nuno José Baltazar Piedade da Silveira
7.184 Hospital Real de São José 7.184 Hospital Real de São José
8.29 João Rodrigues Caldaz 8.29 João Rodrigues Caldaz
9.180 António Gonçalves 9.180 António Gonçalves
10.178 Francisco Pereira Lima 10.178 Francisco Pereira Lima
11.174 Herdeiros de João Gonçalves Rebello 11.174 Herdeiros de João Gonçalves Rebello
12.171 Manuel José Marques 12.171 Manuel José Marques

1820 1830
1.91 Francisco Correia Borges 1.91 Francisco Correia Borges
2.193 António José da Fonte 2.193 António José da Fonte
3.191 Ordem Terceira de São Francisco 3.191 Ordem Terceira de São Francisco
4.101 Irmandade do Santíssimo Sacramento de São Julião 4.101 Irmandade do Santíssimo Sacramento de São Julião
5.30 Francisco Saraiva 5.30 Francisco Saraiva
6.187 D. Nuno José Baltazar Piedade da Silveira 6.187 D. Nuno José Baltazar Piedade da Silveira
7.184 Hospital Real de S. José 7.184 Hospital Real de S. José
8.29 João Rodrigues Caldaz 8.29 João Rodrigues Caldaz
9.180 António Gonçalves 9.180 António Gonçalves
10.178 Francisco Pereira Lima 10.178 Francisco Pereira Lima
11.174 Herdeiros de João Gonçalves Rebello 11.174 Herdeiros de João Gonçalves Rebello
12.171 Manuel José Marques 12.171 Manuel José Marques

Alguns aspectos limitativos


nos cunhais ou junto à intersecção de limites de fregue-
do fundo
sia. Veja-se por exemplo como eram descritos os limites
A datação dos prédios não é, no entanto, uma tare- da paróquia de São Julião: “Rua Augusta, lado direito a
fa simples. Quando da tentativa de datação dos pré- partir da Praça do Comércio; Rua do Ouro, lados
dios, em 1991, encontrei diversas dificuldades, de que esquerdo e direito a partir da Praça do Comércio; Rua
são exemplo as seguintes: de São Julião, lados esquerdo e direito a partir da Boa
i – o registo do pagamento era efectuado por fre- Hora; Rua da Conceição, lados esquerdo e direito a par-
guesias sem a localização exacta do edifício; tir da Boa Hora; Rua Nova do Almada, lados esquerdo
ii – a maioria das ruas pertencia a duas, senão mesmo, e direito; Arruamento da Ribeira das Naus; Rua Nova
a três freguesias (como é o caso da Rua da Conceição); d’El Rei e Travessa de Santa Justa”;
iii – o conjunto de prédios abarcado por uma fregue- iv – curiosamente, alguns limites de freguesia
sia era pouco preciso em relação aos prédios localizados passavam subitamente para o outro lado da rua,
50 para abarcar apenas um só prédio a meio de um trar contratos de construção entre proprietários e cons-
quarteirão; trutores que conferem aos construtores alguns direitos
v – os prédios localizados nos cunhais perto dos parciais de propriedade, ou de aluguer limitado no
limites de freguesia apareciam registados em mais de tempo, para fazer face aos encargos de reconstrução;
uma freguesia; xv – antes dos actuais números de polícia (estabe-
vi – os prédios localizados nos cunhais, embora lecidos em 1804) já existira outra numeração;
pudessem ter uma maior extensão para uma rua xvi – com o tempo houve alterações das designa-
principal ou secundária, tinham acesso pela travessa; ções iniciais das ruas (estas mais fáceis de identificar);
no entanto, por vezes, apareciam registados pela rua xvii – por fim, há registos efectuados com uma
por onde não tinham qualquer acesso; caligrafia de difícil leitura, aspecto que Pombal pro-
vii – os limites das freguesias foram objecto de curou melhorar com as reformas que implementou.
sucessivas alterações (como a remodelação paroquial
de 1770); As dificuldades descritas podem ser ultrapassadas
viii – os registos não estão efectuados de forma com uma rigorosa comparação dos registos de cada
uniforme e contínua; em alguns anos não existem ano e considerando devidamente a evolução das tipo-
registos e não são raras as omissões de contribuintes; logias no terreno.
ix – por vezes, o registo refere-se ao pagamento de
contribuição de locatários de partes do edifício e não
dos proprietários; Conclusão
x – o registo do pagamento era efectuado aquando
da ocupação do edifício e não no início ou final dos tra- A reconstrução física da parte baixa da cidade de
balhos de construção do mesmo. Além disso, a cons- Lisboa, associada ao estudo dos registos da Décima,
trução de um prédio constituía um processo moroso. pode ajudar a compreender como evoluíu a tipologia
Alguns prédios tiveram os seus trabalhos de recons- do edifício de rendimento (esquerdo/direito), muito
trução retardados durante as três Invasões Francesas; comum em Portugal. Paralelamente permite explicar
xi – existem indícios de alguns prédios terem sido a variação do poder económico e do gosto dos pro-
parcialmente ocupados ainda em construção, talvez prietários ao longo das mudanças sociais ocorridas
por falta de meios para financiar as obras, aparecen- entre 1762 e 1850.
do a indicação “a propriedade se está edificando”; O estudo da Décima, associado e comparado com
xii – algumas ruas, ainda que com os mesmos limi- o processo de construção de outros núcleos pombali-
tes de freguesia, apresentam por vezes um número nos, como Vila Real de Santo António ou o Porto dos
total de proprietários diferente, o que se pode dever à Almadas, pode ajudar a perceber o impacto e o alcan-
partilha da escada por dois proprietários nas tipolo- ce das reformas económicas iluministas em Portugal,
gias esquerdo/direito ou ainda à permuta de proprie- caracterizadas, tal como em outros países da Europa,
dade, ou ainda ao facto de alguns lotes terem sido ape- pela construção de núcleos urbanos onde predomina-
nas construídos parcialmente, erguendo-se posterior- vam os edifícios de rendimento.
mente um prédio na parte restante (existem paredes
mestras semelhantes a separação de propriedades 1 A Décima da Cidade de Lisboa e o Seu Termo
junto às caixas de escadas de esquerdos/direitos); existente no Arquivo Histórico do Tribunal de
xiii – quando um proprietário falecia, o registo Contas.
2 MASCARENHAS Jorge A Study of the design and
aparecia frequentemente em nome da viúva e mais
Construction of Buildings in the Pombaline Quarter of
tarde dos herdeiros, sendo nestas situações fácil de
Lisbon, Trabalho de Tese de Doutoramento
identificar. No entanto, por não existir uma numera-
elaborado entre 1987 e 1996
ção uniforme e contínua dos prédios (a referência era
e defendido na Universidade de Glamorgan para
feita por proprietários), o processo de registo podia o Degree of Doctor Of Philosophy, (PhD).
complicar-se quando vários prédios eram vendidos 2 MASCARENHAS Jorge (2004) Sistemas
no mesmo ano ou quando não havia herdeiros; de Construção, vol. V – O Edifício de Rendimento
xiv – em alguns casos é difícil distinguir se o registo da Baixa Pombalina de Lisboa, Processo evolutivo
se refere a um proprietário ou a um inquilino com direi- dos edifícios; inovações técnicas; sistema construtivo
tos estabelecidos. Na Torre do Tombo é possível encon- ed. Livros Horizonte, Lisboa.
A importância verga), as pinturas murais e os tectos de madeira (com 53
pranchas sobrepostas cercadas por moldura). São apre-
da conservação sentados aqui alguns exemplos destes interiores, per-
dos interiores tencentes a edifícios de variadas naturezas e funções.
da Baixa Pombalina
Tiago Costa Luís
U.P. Baixa-Chiado - CML

A cidade é um organismo vivo, que cresce e se


transforma consoante as necessidades dos seus habi-
tantes. O centro de Lisboa, nomeadamente a área da
Baixa e do Chiado, reflecte esta realidade desde a fun-
dação da urbe pelos romanos.
Este texto centra-se nessa mesma área, do cata-
clismo de 1755 ao início do século XXI, dando a co-
nhecer alguns dos espaços integrados no espírito da
época em que foram concebidos, mostrando 250 anos
de interiores na Baixa e Chiado que importa conser-
var e proteger na sua integridade.

Período Pombalino
Antes do cataclismo de 1755, Lisboa era uma cida-
de insalubre, confusa, fruto de várias camadas urbanís-
ticas orgânicas de raiz medieval. As suas ruas estreitas
com edifícios amontoados estrangulavam a capital, que
se apresentava desactualizada face às restantes congé-
neres europeias. O terramoto apresentou-se como uma
oportunidade única para a renovação da cidade.
Na reconstrução, novas técnicas de construção Edifício na Rua de São Paulo, 55
foram empregues, respondendo aos medos e às neces- Este espaço doméstico, “descoberto” no decorrer
sidades que surgiam. A técnica da “gaiola pombalina”, de uma vistoria da Unidade de Projecto da Baixa-
método anti-sísmico inovador, tentava afastar o receio -Chiado, e agora propriedade da Sociedade de Reabi-
de uma nova catástrofe, enquanto que a produção em litação Urbana da Baixa Pombalina, apresenta-se
série procurava minimizar os custos e acelerar o pro- como um dos melhores exemplos de um interior
cesso de construção. As novas vias, mais largas e pombalino, com todas as suas características origi-
regulares, permitiam à cidade “respirar”. nais: compartimentação (salas, alcovas, corredor,
Os interiores da segunda metade de setecentos cozinha), madeiramentos (portas, janelas de guilhoti-
reflectem o gosto da época, onde os principais elemen- na, portadas, tectos, pavimentos), cantarias (dos vãos
tos decorativos são os lambris de azulejos (geralmente exteriores e da chaminé de cozinha) e azulejos (lam-
de padrão, mas também figurativos, em casos particu- bris de vários modelos e dimensões, consoante a
lares), as guarnições dos vãos (recortadas ao nível da importância da sala).
54

Palácio do Conde de Penafiel – Rua de São lados os Correios-Mores do reino assim como os res-
Mamede, 21 pectivos serviços, extintos em 1797. Posteriormente,
Sede do Ministério das Obras Públicas, Trans- o palácio foi alvo de profundas obras de redecoração
portes e Habitação, o palácio situado na encosta do (c. 1865), incluindo a alteração do seu acesso princi-
Castelo de São Jorge deve o seu nome ao último pal e o arranjo do largo fronteiro.
Correio-Mor, Manuel José da Mata de Sousa Em 1891, com a morte do Conde-Marquês de
Coutinho, primeiro Conde de Penafiel. Penafiel, o edifício foi parcialmente alugado, até ser
O actual edifício resulta da reconstrução do palá- adquirido pelo Estado, em 1919, para aí ser instalado
cio, em 1776, após o terramoto. Nele estavam insta- o Conselho Superior de Obras Públicas.
cas e das guerras liberais. A instabilidade que se vivia 55
reflectiu-se na economia e, consequentemente, numa
arquitectura empobrecida.
Ao nível das artes decorativas, a azulejaria
empregue nos interiores passou a representar
padrões mais delicados e os painéis figurativos a
ilustrar paisagens dentro de cartelas, rodeadas por
fitas, festões, aves e chinoiseries, num estilo associa-
do ao reinado de Dona Maria I.
Os tectos acompanharam a mudança, utilizando
o estuque em detrimento da madeira. Este novo
suporte permitiu não só a utilização do estuque
como elemento decorativo relevado, como também
uma maior liberdade no emprego da pintura deco-
rativa. Os melhores exemplos desta arte podem ser
encontrados nos salões nobres onde, entre outras
composições, é possível encontrar cartelas, troféus,
Sala de Despacho da Irmandade da Igreja de puttis, florões e, muitas vezes, cenas alegóricas.
Nossa Senhora da Oliveira – Rua de São Nestes espaços as paredes eram frequentemente
Julião, 140 decoradas, embora de forma mais simples, com mol-
Integrada num típico prédio de rendimento pom- duras geométricas ou florais.
balino, a Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, apenas O Romantismo continuou a utilizar os estuques e
denunciada pelo seu simples pórtico, revela-se como a pintura decorativa como técnicas ornamentais de
um espaço de destaque pela qualidade dos seus ele- eleição, adaptando a estética ao gosto revivalista e
mentos decorativos. historicista que se fazia sentir. Lisboa vivia um movi-
Inicialmente dedicada a funções administrativas da mento de expansão promovido por Fontes Pereira de
Irmandade dos Confeiteiros, a Sala de Despacho (loca- Melo, então Ministro das Obras Públicas.
lizada sobre a nave da igreja) integra os característicos
elementos decorativos setecentistas. No entanto, neste
espaço assumem uma qualidade e variedade decorativa
superior. Os lambris de azulejos retratam cenas de caça
e pesca a azul e branco, o trabalho de talha recorta os
vãos e emoldura a sala, enquanto o tecto apresenta as
pranchas de madeira decoradas com elementos vegeta-
listas em torno de símbolos marianos.

Neoclassicismo e Romantismo
A viragem do século traz consigo uma nova forma
de ver a arquitectura, assim como os elementos deco-
rativos a ela aplicados. Apesar da linguagem rocaille
não ter atingido o seu auge em Lisboa devido à crise
instaurada pelo terramoto, o neoclassicismo surgiu
como uma tendência ocidental que empregava os
modelos formais do classicismo europeu – nomeada-
mente a antiguidade greco-romana – em oposição Teatro Nacional de São Carlos – Largo de São
aos elementos decorativos excessivos impostos pelo Carlos
barroco. Em Lisboa, tratou-se também duma época Emblema neoclássico de Lisboa, com projecto de
conturbada, com a passagem das invasões napoleóni- José da Costa e Silva, foi inaugurado em 1793 em
honra de Dona Carlota Joaquina, princesa do Brasil, Para além de se destinar à corte, foi o primeiro
após apenas seis meses de construção. teatro público, possibilitando também o acesso da
A sóbria fachada do teatro da ópera busca a sua burguesia.
inspiração no “alla Scala” de Milão (1778), num clas-
sicismo de influência italiana. Os interiores foram Palácio Convento da Trindade – Rua Nova da
concebidos por conceituados artistas da época, como Trindade, 16
Cirilo Volkmar Machado (tecto do vestíbulo e pano Trata-se de um dos interiores mais significativos
da boca de cena), Appiani (tribuna) e Manuel da de meados de Oitocentos, num edifício erguido, em
Costa (tecto do salão). parte, sobre o antigo Convento da Trindade, extin-
Cinatti projectou (c. 1860) para Iglésias Viana, capi- 57
talista de origem galega.
O local de implantação do edifício corresponde
sensivelmente à área da primitiva igreja dos
Mártires, fundada em 1147 por D. Afonso
Henriques, após a conquista de Lisboa. A igreja foi
arrasada pelo terramoto. Anexo a ela, o Convento
de São Francisco (fundado em 1217) afirmava-se
como uma das mais imponentes construções da
cidade. Com a extinção das ordens religiosas em
1834 e a destruição da sua igreja em 1839, o con-
vento sofreu várias adaptações, incluindo o lotea-
mento de parte da área que ocupava.

to em 1834. Após a parcial demolição do edifício reli-


gioso, alguns dos lotes então estabelecidos foram
adquiridos por Joaquim Peres, que os vendeu poste-
riormente a Manuel Moreira Garcia, cidadão galego.
Este último ergueu aqui vários edifícios, entre os quais
o número 16, destinado à sua residência. No piso
nobre, a pintura decorativa de inspiração pompeiana
assume novamente a sua verdadeira riqueza, total-
mente restaurada pelo actual proprietário.

Palácio Iglésias – Largo da Academia


Nacional de Belas-Artes, 2
A actual Direcção-Geral de Veterinária encontra-
-se instalada no antigo palácio que o cenógrafo
58 Tabacaria Mónaco – Praça D. Pedro IV, 6
Fundada em 1875 por João César Vieira da
Cruz, a Tabacaria Mónaco era um dos locais de
eleição das personalidades da época. O interior que
se preserva actualmente data de 1894, ano em que
a tabacaria foi ampliada, passando de um cubículo
inicial para o espaço profundo actual, da autoria do
arquitecto Rosendo Carvalheira. Por esta ocasião
foram também instalados os vários painéis de azu-
lejos que ladeiam a porta de entrada e revestem
parte do interior, da autoria do famoso pintor e
caricaturista Rafael Bordalo Pinheiro. Destaque
para os painéis figurativos com cegonhas e rãs
retratando hábitos humanos (a fumar cigarros e
cachimbo, a cheirar rapé, a ler O Século e o Diário
de Notícias) e para os azulejos de relevo com padrão
de rãs e nenúfares no interior dos nichos. A deco-
ração realista afirma-se nos cabos telefónicos onde
poisam andorinhas e repete-se na pintura decorati-
va da abóbada de berço, da autoria de António
Ramalho. Frederico Augusto Ribeiro concebeu o
mobiliário e Pedro dos Reis, a escultura.

Antiga Alfaiataria Rosado & Pires, Lda – Rua


Augusta, 154 -156
Espaço revivalista, a antiga alfaiataria (actual-
mente uma nova loja “Intimissimi” que respeita o
legado do espaço onde se encontra instalada) foi
fundada nos anos 1930. A fachada, exemplar da
arquitectura do ferro, deixa transparecer o interior.
Aqui destacam-se os diversos balcões e exposito-
res, com especial incidência para o elaborado letrei-
ro “Preço Fixo” pintado sobre vidro.
59

Entre os anos 1920 e 1970, Lisboa desenvolve-se


para norte, a partir da Avenida da Liberdade (aprova-
da em 1904), das Avenidas Novas e bairros adjacentes
e do Bairro de Alvalade (projecto de 1946), entre
outros eixos de expansão que permitiram a aplicação
prática dos modelos modernistas na malha urbana.
Os anos 1920 e 1930 foram marcados pelo estilo
Art Déco, de origem francesa, caracterizado pelas
suas formas geométricas. A generalização da energia
eléctrica permitia inovadoras aplicações decorativas.
Em 1932, a Grande Exposição Industrial Portuguesa
oficializou o gosto modernista numa decoração des-
pojada e racionalista.
Em 1933, com o Estado Novo, a arte passa a assu-
mir um papel fundamental na propaganda do Estado,
confirmando-se na Exposição do Mundo Português
em 1940, que aplicou aos modelos modernistas uma
simbólica de carácter historicista. Os anos 1940
No piso da sobreloja, quatro cabinas de provas foram também marcados por um gosto popular e tra-
caracterizam-se pelos seus diferentes estilos decora- dicionalista, assim como pela reutilização de mate-
tivos: Império, Luís XV, Arte Nova e Arts & Crafts. riais esquecidos, como o azulejo e o ferro forjado,
entre outros.
Só no final da década de 50 se começou a pôr de
Modernismo parte a decoração historicista e tradicionalista
estilizada, para finalmente se impor um estilo ver-
Surgindo como oposição aos elaborados motivos dadeiramente moderno, despojado de ornato.
decorativos oitocentistas e de início do século XX, o Os anos 1960 e 1970 foram marcados pelo design
movimento moderno prende-se ao conceito de pro- industrial, mais funcional, que procurava optimizar
gresso e inovação. as peças em detrimento da decoração.
Café Nicola – Praça D. Pedro IV, 24-26 Integrando elementos decorativos caracterís-
O actual interior do famoso Café Nicola, fundado ticos de uma Art Déco tardia, mais geométrica
em 1929 no local do antigo botequim frequentado (painéis de vidro e espelho, lustres e apliques em
pelo poeta Bocage, data de 1935. Com projecto do aço, balcões em cantaria), assim como as telas
arquitecto Raul Tojal, constitui um dos espaços Art assinadas por Fernando Santos (1935), o café
Déco mais marcantes desta área da cidade. Do antigo mantém a estátua de Bocage, da autoria de
Nicola de 1929 apenas resta a entrada principal, ris- Marcelino Norte d’Almeida (1929), bem como o
cada por Norte Júnior. mobiliário de 1935.
Ministério das Finanças – Praça do Comércio
Ocupando parte do conjunto monumental da
Praça do Comércio, o edifício do Ministério das
Finanças foi alvo, na década de 1940, de intervenções
bastante significativas que o dotaram de um átrio e
de uma escadaria triunfal, ligadas a uma política de
promoção do poder do Estado. Este projecto de li-
nhas classicizantes deve-se ao arquitecto Porfírio
Pardal Monteiro. Aqui é também possível observar o
tríptico de João Rebocho (alegorias ao Trabalho, à
Família e à Fé), duas esculturas de Álvaro de Brée e
baixos relevos de Leopoldo de Almeida.
Outro espaço de destaque é o antigo Tribunal de
Contas, obra do mesmo arquitecto, hoje Salão Nobre

Banco Totta & Açores – Rua Áurea, 75


Projectada por Ventura Terra, a sede do Banco Totta
& Açores foi inaugurada em 1907. O edifício, anterior-
mente composto por três módulos de fachada, foi
ampliado com mais dois em 1950, mantendo no entanto
a mesma linguagem, apesar da assimetria da entrada.
do Ministério. O projecto, concluído em 1960, ocupa Em 1954, o interior foi alvo de uma profunda interven-
todo o piso nobre do torreão oriental e inclui decora- ção, da qual resultam os baixos relevos de Soares Branco,
ção alusiva à sua antiga função, como os vitrais de no átrio. Estes constituem alegorias ao Comércio e
Guilherme Camarinha e as telas de Almada Negrei- Indústria, à Pesca e à Agricultura, assim como outras
ros, Martins Barata e João Rebocho. oito composições em torno do relógio-calendário.
62

Casa Havaneza – Largo do Chiado, 25 Em 1960 viu a sua área reduzida com a instalação de
Marco histórico da vida social do Chiado e uma das uma agência bancária em parte do espaço, sendo nova-
melhores tabacarias lisboetas, a Casa Havaneza, funda- mente remodelada com projecto de António Azevedo
da em 1865 por Ernesto Empis (da firma Henry Gomes e Francis Jules Léon. Nessa ocasião foram colo-
Burnay & Cia.), sofreu várias intervenções ao longo cados dois painéis decorativos de Bartolomeu Cid dos
dos anos. A casa, que inicialmente utilizava apenas uma Santos e uma grade ornamental de Jorge Vieira. O
porta, passou a ocupar os números 24 a 29 do Largo do actual projecto data de 1970-71 sendo da autoria dos
Chiado e os números 2 a 8 da Rua Nova da Trindade. arquitectos Alexandre Carvalho e Nuno Corte-Real.
Lisboa Contemporânea
A década de 1980 foi marcada pelo movimento
pós-moderno, que se afirmou através de uma lingua-
gem eclética e pluralista, rompendo com a unidade
programática do modernismo. Este termo, aplicado
essencialmente à arquitectura e ao design, englobou
também o conceito do historicismo, rejeitado pelo
movimento moderno.
A Lisboa actual ensaia novos conceitos e propos-
tas, ligando-se a materiais e tecnologias inovadores
numa arquitectura high tech, procurando também for-
mas de expressão em soluções tão radicais como o
desconstrutivismo.
Vários são os factores que se devem ter em consi-
deração, principalmente no que respeita ao património
integrado e envolvente, desde a preservação e recupe-
ração à integração no espaço. Várias são também as
opções formais defendidas, desde a intervenção histo-
ricista (em que o novo imita o antigo) à opção con-
temporânea (em que o novo se assume como reflexo da
época da sua construção). A cidade do século XXI
deve ser aquela em que o novo coexista harmoniosa-
mente com o antigo e em que este se adapte natural-
mente às necessidades dos seus ocupantes, sem detri-
mento da autenticidade do património integrado.

Sapataria e Chapelaria Lord – Rua Augusta, 201


Abrindo as suas portas em 1941 como chapelaria de
homem, a Lord foi alargando a sua área de actividade,
confeccionando os seus próprios chapéus. Hoje são
expostas várias ferramentas que comprovam a existên-
cia da oficina de chapelaria encerrada há alguns anos.
Com os seus alçados originais, integrados na lin-
guagem dos anos 1940, o interior foi várias vezes
remodelado. O actual projecto data de 2003, utilizan-
do uma linguagem neomodernista.
Armazéns do Chiado – Rua do Carmo, 2
Um dos símbolos mais marcantes do Chiado de
todos os tempos, o edifício dos Armazéns do Chiado
teve a sua fundação cerca de 1279 como Convento do
Santo Espírito da Pedreira. Com a extinção das
ordens religiosas passou a Palácio Barcelinhos, altu-
ra em que sofreu avultadas obras de adaptação. Foi
sendo sucessivamente arrendado, recebendo vários
hotéis e espaços comerciais, até à instalação dos
Grandes Armazéns do Chiado em 1894.
Na madrugada de 25 de Agosto de 1988, nos
vizinhos Armazéns Grandella, teve início o incêndio
que veio alterar para sempre o coração do Chiado,
destruindo dezoito edifícios. Com ele desapareceram
totalmente os interiores dos grandes armazéns.
Passados onze anos, o novo espaço abre as suas por-
tas, respeitando a métrica e a volumetria da antiga
fachada, reconstruindo por completo o interior do vasto
edifício, mantendo a memória dos dois pátios interiores,
num projecto do arquitecto Eduardo Souto de Moura
com esculturas em néon de José de Guimarães.
Teatro Municipal São Luiz – Rua António 65
Maria Cardoso, 38-56
O antigo Teatro Rainha Dona Amélia foi constru-
ído em 1894 com projecto de Luiz Ernesto Reynaud
e decorações de Manini e Rossi. Com a queda da
Monarquia, perdeu o nome da antiga rainha, adop-
tando o de República. Em 1914 sofreu um violento
incêndio, tendo apenas sobrevivido o Jardim de In-
verno, decorado com pinturas de Manini. Reedi-
ficado entre 1915-1916, com projecto do arquitecto
Tertuliano Marques e pinturas decorativas do espa-
nhol Marin, sofreu alterações, que adulteraram o
Jardim de Inverno. Junto a este foi criado um novo
foyer em estilo pompeiano. Em 1917 mudou nova-
mente de nome, desta vez em homenagem ao seu
director, São Luiz Braga. Em 1971, foi comprado
pela Câmara Municipal de Lisboa. O velho teatro
recebeu novas obras de conservação e redecoração,
abrindo novamente as suas portas em 2002.
66

Terraços de Bragança – Rua do Alecrim / Rua das pela sobriedade e integração na métrica
António Maria Cardoso pombalina vizinha. O logradouro mantém o
Marco da arquitectura no Chiado do século XXI, declive topográfico assim como os vestígios de
o empreendimento denominado Terraços de um dos elementos urbanísticos mais significati-
Bragança tem a assinatura do arquitecto Álvaro vos do século XIV: a Cerca Fernandina. Ainda
Siza Vieira. também visível é a base da torre do Conde de
O grupo de cinco edifícios encontra-se separa- Vimioso. De forma a melhor preservar estes ves-
do por um logradouro para o qual dão as facha- tígios, os dois edifícios com a frente para a rua
das mais dinâmicas do conjunto, sendo as que António Maria Cardoso assentam em pilares,
acompanham o desenvolvimento da rua marca- integrando a cerca no conjunto.
Fotografias: Humberto Mouco – Divisão de Comu- DGEMN (2004) Edifício na Praça D. Pedro IV, n.ºs 21 67
nicação e Imagem; Artur Oliveira – TNSC (Tribuna e a 27 / Tabacaria Mónaco / Livraria Diário de
Salão Nobre do Teatro Nacional de São Carlos) Notícias / Café Nicola.
DGEMN (1996) Palácio Penafiel / Palácio do Correio-
Agradecimentos: Mor, Lisboa.
O autor agradece a colaboração das várias instituições DGEMN (2003) Teatro Nacional de São Carlos,
e empresas que permitiram o acesso aos espaços aqui retra- Lisboa.
tados, assim como a cedência de informações várias que DGEMN (2002) Teatro São Luís, Lisboa.
vieram enriquecer o presente estudo. FRANÇA José-Augusto (1999) 28 – Crónica de um
Percurso, Lisboa, (2ª ed.).
FRANÇA José-Augusto (1990) A Arte em Portugal no
Bibliografia Século XIX, vol. 1 e 2, Lisboa, (3ª ed.);
FRANÇA José-Augusto (1983) Lisboa Pombalina e o
AAVV (1994) Guia de Arquitectura Lisboa 94, Lisboa. Iluminismo, Lisboa.
AAVV (1987) Guia Urbanístico e Arquitectónico de FRANÇA José-Augusto, (1997) Lisboa: urbanismo e
Lisboa, Lisboa, AAP. arquitectura, Lisboa, (3ª ed.).
ALÇADA Margarida (2004), Ficha de Inventário, MIRANDA Sara (coord. de) (2002), Grupo Totta – Os
Monumentos n.º 21, Lisboa. Edifícios A Colecção Os Artistas, s.l.
ALMEIDA D. Fernando de (1975) Monumentos e MOITA Irisalva (coord. de) (1994), O livro de Lisboa,
Edifícios Notáveis do Distrito de Lisboa, vol. II, Lisboa.
Lisboa. PEREIRA Paulo (dir. de) (1997), História da Arte
ARAÚJO Norberto de, (s.d.) Peregrinações em Lisboa, Portuguesa, vol. III, s.l.
livro VI, XII e XIII, Lisboa, SANTANA Francisco, SUCENA Eduardo (dir. de)
CALADO Maria, FERREIRA Vítor Matias (1991) (1994) Dicionário da História de Lisboa, Lisboa.
Lisboa Freguesia dos Mártires, Lisboa. SEQUEIRA Gustavo Matos (1941) O Carmo
COSTA Mário (1987 ) O Chiado Pitoresco e Elegante, e a Trindade, vol. I, II e III, Lisboa.
Lisboa, (reedição). SILVA A. Vieira da (1987) A Cerca Fernandina
DGEMN (2004) Banco Totta & Açores, Lisboa. de Lisboa, vol. I e II, Lisboa (2ª ed.).
DGEMN (2001) Casa Havaneza, Lisboa.
2
A avaliação económica
e as perspectivas
de dinamização
das actividades comerciais
A Baixa Pombalina por sua vez, e três séculos mais tarde, a uma conju- 69
gação desta cidade mercantil e política, com a cidade
Análise sócio-económica industrial, burguesa – e liberal. Sem dúvida, a lisbo-
de um centro mercantil eta Baixa Pombalina, assim como o seu vizinho
Chiado, alicerçaram-se como excelente personifica-
europeu no início ção deste processo histórico, em grande medida
do século XXI europeu. Tal como a maioria das suas congéneres
João Seixas europeias, é no final do século XIX e na primeira
Centro de Estudos Territoriais – ISCTE
metade do século XX que a Baixa revela as suas mais
fortes dinâmicas, assumindo plenamente o seu lugar
de centro identitário, económico e cultural – afirma-
ção que se materializa sob múltiplas formas, desde a
presença dos níveis mais elevados da administração
pública e do empreendedorismo privado, até às mais
íntimas deambulações dos heterónimos pessoanos.
No entanto, e por alturas da década de 1950, base-
O lugar da Baixa ada não só no frágil processo português de indus-
trialização e de desenvolvimento económico, mas
Alcandorada, por séculos de afirmação histórica, a também num comércio ultramarino já com sinais de
um lugar cimeiro de representação política, social e regressão, a Baixa, dependente da sua própria socie-
de identidade, a Baixa de Lisboa representa-se hoje, dade, começará a sentir os primeiros tremores de
em múltiplos sentidos, numa posição central dos sen- decadência. Em 1970, Lefébvre referiria que o mundo
tires e das energias – da cidade, mas também, na ver- se encontrava num forte processo de “revolução
dade, de todo um país. urbana”, identificável numa mudança histórica,
Múltiplas razões estão na base dessa força polari- estrutural, afectando não só a configuração das cida-
zadora: em primeiro lugar, pela consolidação estru- des, como os seus próprios padrões e dinâmicas de
tural de um activo e pujante centro urbano político, evolução e de interdependências – internas e exter-
social e mercantil – o que revela, efectivamente, a nas. A “globalização do urbano”, conjugada com uma
condição essencialmente mediterrânica da cidade de manifesta falta de planeamento e estratégia (não só
Lisboa; em segundo lugar, pela grande projecção em termos da cidade de Lisboa, mas sobretudo, à sua
imaginária da resposta política e urbanística ao escala metropolitana), levará a pelo menos cinco
terramoto, resposta que se assume (não obstante a décadas de desestruturação territorial num “policen-
relativa escala portuguesa na inscrição histórica trismo orgânico”, não planeado, e conducente ao que
mundial) como um marco na afirmação iluminista hoje em dia tem sido comummente referido como “a
europeia do século XVIII, não só pelo arrojo do pro- metrópole difusa”.
jecto urbanístico, mas também pela sua forte interli- Com tais mudanças, e como é óbvio, a própria ima-
gação com uma vontade política e com os círculos gem e identidade da cidade surge alterada – incluin-
esclarecidos da época (França, 1962); em terceiro do os seus mais nobres lugares centrais. Esforçando-
lugar, enfim, pela própria (e fortíssima) significância -se com algum vigor, a Baixa deixou de ser, no entan-
do sentido de centro (como bem nos mostra to, o Central Business District (CBD) da cidade, não
Salgueiro, 2004), e a interligação desse sentido (uma para dar lugar a uma outra marcada zona (que, a
interligação centrípeta) com as dinâmicas espaciais, suceder, seria logicamente o lugar central da afirma-
temporais e afectivas de um território e de um povo. ção burguesa dos séculos XIX e XX – as Avenidas
A base histórica da cidade política, que convive Novas e o Saldanha), mas para assistir, sem reacção,
com a afirmação da cidade mercantil (para a Europa, a uma desconcentração múltipla das forças urbanas –
muito especialmente a partir do período de expansão muito nomeadamente nas últimas duas décadas do
da civilização europeia, desde o final da Idade Média século XX. O incêndio do Chiado, de 1988, torna-se
e o início dos impérios coloniais e da Renascença – o numa parábola real de tal declínio histórico.
que, para a Baixa, coincide com a instalação, na No entanto, e de uma forma aparentemente para-
Ribeira, do Paço Real de D. Manuel I), dará lugar, doxal perante a voragem dos tempos, neste início do
70 novo século, a Baixa e o Chiado, pelas suas caracte- período de maior crise – assumindo-se com esta
rísticas inerentes (incluindo, apesar do declínio, uma ideia, ao mesmo tempo – e sobretudo – uma postura
estrutura com forte impacto económico e identidade de evidente confiança na sua reafirmação próxima.
cultural), parecem deter excelentes condições para
uma reafirmação como centro urbano pleno de vigor.
Na verdade, e para além das suas características pró- Retrato sócio-demográfico
prias arquitecturais e urbanísticas – e de centro de
nível superior – de elevada qualidade, parecem con- No território urbano da Baixa/Chiado residiam, à
solidar-se outras motivações de cunho mais social, data de Março de 20011, 3269 indivíduos – ou seja,
tais como o próprio processo cultural e político de aproximadamente 0,6% da população total da cidade
revalorização dos centros históricos, para além do de Lisboa. Para uma área de cerca de 64 hectares,
entendimento progressivo (embora lento) da profun- situava-se assim numa densidade residencial de 51
da relevância dos valores da compacticidade, da pro- indivíduos por hectare – um nível abaixo da média da
ximidade – e da identidade. cidade de Lisboa (que, para a mesma época, se situa-
Este pequeno texto, ao efectuar uma breve análise va em 67 indivíduos por hectare). Estes simples
de alguns indicadores de base sócio-demográfica e dados mostram, em primeiro lugar, a vocação histó-
económica da Baixa/Chiado à data de 2001, apresen- rica da Baixa essencialmente associada a espaços de
ta o seu estado da arte num momento que poderá ter afirmação pública, económica e mercantil – e não
correspondido, grosso modo, à cristalização do seu tanto residencial.

Distribuição dos residentes

Densidade (Residentes por ha)

1 De acordo com Menos de 67


o Census 2001,
67 a 250
o recenseamento
geral da população 250 a 500
efectuado pelo INE. Fonte: INE (Census 2001), tratamento CML. Mais de 500
Mesmo assim, podem ler-se três zonas onde a resi- quarto do universo total da área, à data de 1991 (perda 71
dencialidade se manifestava com maior vigor: numa populacional de 23,5%), o que, entre outros efeitos, fez
primeira ordem de importância, a zona norte do aumentar significativamente a percentagem de idosos
Carmo, na colina junto à Calçada do Duque – regis- residentes (quase um terço da população terá 65 ou
tando esta área elevados níveis de densidade, dadas as mais anos). Em termos dos modelos explicativos da
suas distintas características urbanísticas; em segundo variação populacional na cidade, desenvolvidos nos
lugar, e com um padrão de ocupação mais disperso, a recentes estudos editados pela Câmara Municipal de
zona nascente da Baixa, entre a Rua dos Correeiros e a Lisboa (CML, 2004), verifica-se que a parte mais signi-
Rua dos Fanqueiros – espaços habitacionais estes que, ficativa da explicação da perda de população prende-
conforme têm referido diversos levantamentos, se -se com a variação do número de indivíduos por família
situam nos andares mais elevados e nas mansardas dos – que, no território da Baixa, terá sido das mais eleva-
edifícios pombalinos; em terceiro lugar, as áreas envol- das da cidade, passando de uma média de 2,5 pessoas
ventes do Cais do Sodré. por família, para aproximadamente 2,1. Na verdade, a
Não obstante a sua vocação primordial para funções ocupação demográfica da zona interliga-se muito com
não residenciais, as fortes tendências de variação nega- situações de vivência idosa, muitas vezes em solidão por
tiva da população residente na cidade, como um todo condição de viuvez. Ao mesmo tempo, ainda não se
(durante a década de 90) também afectaram a Baixa assistia (em 2001, repetimos) a fenómenos minimamen-
Pombalina e o Chiado. No global, a perda de população te consolidados de revitalização residencial – fossem
ao longo da última década do século atinge quase um estes por efeito de processos de reabilitação, ou não.

Variação de residentes

População residente na área (em 2001): 3269 Indivíduos Taxa de variação da população residente (entre 1991 e 2001)

População residente na área (em 1991): 4272 Indivíduos Menos de 50% -15% a 0
-50% a -40% 0 a 15%
Taxa de variação da população residente (entre 1991 e 2001): -23,5% -40% a -30% Mais de 15%
-30% a -15%
Fonte: INE (Census 2001), tratamento CML
72 Com efeito, e pela análise da carta de variação de data do recenseamento, se 66% dos alojamentos de
residentes, não se descobre um padrão de cariz mar- residência permanente da Baixa/Chiado eram arren-
cadamente territorial, em relação à perda de residen- dados (um valor consideravelmente mais alto do que
tes – embora se começasse a verificar, de uma forma a média de Lisboa, de 48%), praticamente um terço
ténue, alguma nova ocupação na zona do Chiado. A destes apresentava uma renda mensal inferior a 60
perda de residentes esteve, assim, e para além da euros por mês.
perda de dinâmicas demográficas familiares, muito A constatação desta realidade é alicerçada numa
ligada aos processos de degradação do edificado e às simples análise das zonas com ganhos populacionais –
lógicas das expectativas imobiliárias, num mercado ligadas a alguns processos de reabilitação do edificado,
pautado por significativas perversões em relação às com respectiva correspondência em nova ocupação
cadeias de mais-valias a ele ligadas. Numa convivên- familiar. Não obstante estas zonas de ganho, no início
cia estranhamente próxima entre os espaços devolu- da nova década não se tinha ainda (de todo) atingido
tos e os espaços arrendados por antigos contratos, à uma dinâmica de efectiva revitalização residencial.

Novos lisboetas

População residente na área (em 2001): 3269 Indivíduos Impacto dos novos residentes

Novos residentes (indivíduos que em 31.12.1995 não residiam no Até 5% 25% a 40%
concelho de Lisboa): 408 indivíduos 5% a 9,42% Mais de 40%
9,42% a 15%
Impacto dos novos residentes: 12,5%
15% a 25%

Fonte: INE (Census 2001), tratamento CML


A dispersão dos efeitos demográficos e residen- sucederam ao longo das últimas décadas, não surpre- 73
ciais também se confirma em relação ao padrão de ende que a Baixa/Chiado apresentasse, em 2001, um
distribuição dos novos residentes na Baixa – corres- estatuto social dominante baixo e com níveis de for-
2 E, como tal,
pondendo estes aos indivíduos que vieram residir mação consideravelmente inferiores às médias da
representando
para a cidade (provenientes de fora do concelho) no cidade (Lisboa detinha aproximadamente 20% dos apenas uma parte
da atractividade do
período de 1996 a 20012. seus residentes com formação superior, enquanto a território em
questão –
Já a análise do estatuto social e dos graus de for- Baixa se situava próximo dos 14%). De realçar, tam- a atractividade
mação dos residentes apresenta mais interessantes bém, a notória diferença entre as duas grandes subá- exógena ao
Concelho de Lisboa.
considerações. Na compreensão dos contínuos pro- reas do Chiado e da Baixa – como se pode verificar na Não estão disponí-
veis dados para a
cessos de desvitalização e de despovoamento que carta referente aos residentes com ensino superior. verificação da atrac-
tividade total, i.e. os
indivíduos que vie-
ram residir para
a Baixa/Chiado,
provenientes de
qualquer outro
território, fora ou
dentro de Lisboa.
Não obstante, estes
dados ‘parciais’ não
deixam de ser um
interessante
indicador (ou proxy)
da actractividade
residencial.

Residentes com ensino superior

População residente na área (em 2001): 3269 indivíduos Proporção de residentes com ensino superior

Residentes com formação académica superior: 413 indivíduos Até 10%


10% a 20%
Proporção de residentes com curso superior: 12.6%
20% a 30%
Mais de 30%

Fonte: INE (Censos 2001), tratamento CML


74 As problemáticas associadas ao encarecimento com o elevado valor, como um todo, de alojamentos
das dinâmicas da Baixa são, enfim, bastante visíveis vagos – que atinge, para a zona, em termos médios,
na carta de distribuição dos alojamentos vagos. quase 40% dos alojamentos. Na verdade, a leitura
Como seria de esperar, a distribuição dos alojamen- desta carta deve ser interligada com a de uma outra,
tos vagos acompanha, essencialmente, as zonas de referente à condição de ocupação dos espaços fun-
maior ocupação edificada para residencialidade – ou cionalmente adstritos às actividades administrati-
seja, as zonas do Carmo, de Nascente/Sul da Baixa e vas, económicas e mesmo culturais – que, certamen-
do Cais do Sodré. Como tal, não se podem retirar te, e dados os fenómenos de desconcentração tam-
profundas considerações em relação a eventuais bém nestes domínios (como iremos verificar no
diferenças de natureza territorial, na distribuição ponto seguinte) registam, também, índices de deso-
desta variável. A grande questão prende-se, sim, cupação elevados.

Alojamentos vagos

Total de alojamentos (em 2001): 2588 Proporção de alojamentos vagos (face ao total de alojamentos)

Total de alojamentos familiares vagos (em 2001): 966 Até 13,8% 50% - 65%
13,8 a 20% Mais de 65%
Proporção de alojamentos vagos: 37,2%
20% a 35%
35% - 50%

Fonte: INE (Census 2001), tratamento CML


Marcadamente, a Baixa e o Chiado, pelo menos até efeito, e analisando o índice de vitalidade residencial 75
à data de 2001, não se situavam, de todo, como um (de acordo com CML, 2004a), um índice composto
território urbano com as mínimas dinâmicas residen- que congrega algumas características residenciais
ciais – não obstante pequenas bolsas com algum das distintas áreas de Lisboa3, a Baixa/Chiado sur-
dinamismo, como por exemplo no Chiado central, ge, claramente, num nível de baixa qualificação –
por processos de reabilitação decorrentes do incên- tanto em termos dos indicadores demográficos, como
dio, ou no norte do Carmo, por níveis de densidade em termos dos indicadores referentes às característi-
muito elevados – apesar da perda populacional. Com cas do edificado.

Índice de vitalidade residencial


Score da componente edificado (ranking)

3 O Índice
de Vitalidade
Residencial
subdivide-se em dois
grupos: a
componente
demográfica (ou
humana), que inclui
indicadores como os
níveis de densidade
populacional, os
níveis de
rejuvenescimento, a
qualificação escolar e
a atractibilidade de
novos residentes;
e a componente do
edificado, que inclui
os níveis de
ocupação do parque
habitacional,
os níveis de
infra-estruturação
dos alojamentos,
o estado de
conservação dos
edifícios residenciais
e os níveis de renda
– efectivamente
passíveis de
responsabilizar
Score da componente humana (ranking) financeiramente os
proprietários para
os trabalhos
de conservação
Fonte: CML (2004) e manutenção.
76 Seria, evidentemente, bastante incorrecto anali- sas como do emprego. De referir que, por falta de
sar a Baixa como qualquer outro bairro da cidade – dados fiáveis, não se pôde, neste citado estudo, efectuar
profundamente distinto, pelas suas características a análise em sede dos empregos da Administração
tão marcadas de centro. Na verdade, será bem mais Pública o que, para o caso da Baixa, retira uma impor-
prioritária a análise em termos das mais distintas tante (mesmo vital) dimensão de diagnóstico. Ao
características que marcam um grande centro urba- mesmo tempo, este estudo, na sua subdivisão das áreas
no – ou seja, as dinâmicas económicas, comerciais, da cidade para diagnóstico prospectivo, considerou
culturais e da administração política e pública. No uma “mezzo-scala” (as chamadas “zonas de aglomera-
entanto, na reflexão – e correspondente acção – ção”), o que, para o caso da Baixa, a incluiu num terri-
sobre as formas de revitalização urbana necessárias, tório mais alargado, que vai, a Oriente, da colina do
surgem cada vez mais desenvolvidos e consolidados Castelo até São Bento, a Ocidente.
alguns novos paradigmas – nomeadamente o para- Não obstante isso (e tomando estas ressalvas em
digma da multifuncionalidade. Neste sentido, a pro- consideração), pela análise das duas próximas cartas,
jecção da Baixa/Chiado como também uma área podem retirar-se importantes ilações:
urbana de residencialidade (o que implica determi- ● que esta zona histórica alargada (onde a Baixa

nadas opções, bem distintas de uma visão mais e o Chiado estão incluídos) continuava a ser
monofuncionalista) surge-nos como essencial para a (no ano de 2001) uma das principais áreas
sua efectiva afirmação. polarizadoras das dinâmicas económicas da
cidade (juntamente com as zonas das Avenidas
Novas e do Areeiro/Alvalade, apresentando
Retrato económico cada um destes territórios mais de 10% dos
estabelecimentos de toda a cidade);
Para a Baixa, dadas as suas características estrutu- ● mas que, porém, se apresentava como a zona

rais, e não obstante os objectivos de uma relativa mul- com maior perda de postos de emprego duran-
tifuncionalidade, será ao nível das dinâmicas económi- te a década de 1990 (aproximadamente 25% de
cas e administrativas que se deve ter um olhar mais perda, face a 1991). Na verdade, como ainda
atento. Na verdade, e de acordo com um dos recentes recentemente referiu Salgueiro (2004), “o cen-
estudos editados pela Câmara Municipal (CML, tro empresarial e financeiro já não está nesta
2004b), as características de desconcentração da Baixa área e, mesmo em termos comerciais, ela dei-
têm-se também feito sentir tanto ao nível das empre- xou de ser o centro de Lisboa”.

Distribuição Variação do peso de cada


dos estabelecimentos zona no total do emprego
por zona em 2000 (%) 1991-2001

Fonte: CML (2004)


Esta realidade surge confirmada, inclusivamente, da construção (tornando-se a cidade bastante mais 77
pela análise dos níveis de especialização do emprego terciária e quaternária), surpreende de facto a gran-
– como se pode verificar, os próprios níveis percen- de quebra ao nível do emprego no comércio – uma
tuais de ocupação do emprego no comércio registam quebra de aproximadamente 40%. Em termos glo-
um peso abaixo do peso médio da cidade como um bais, a Baixa perde postos de emprego em todos os
todo. Ao longo da década de 90, e para além do acom- diferentes sectores – incluindo no sector dos serviços
panhamento, na evolução da cidade, na forte redução às empresas.
de dinâmicas nos sectores da indústria, da logística e

Especialização do emprego (2001)

Fonte: CML (2004) – proveniente dos dados dos Quadros de Pessoal (MTSS).

Variação da especialização do emprego (década de 1990)

Fonte: CML (2004) – proveniente dos dados dos Quadros de Pessoal (MTSS).
78 Apesar desta evolução – que espelha, mais uma emprego ligado à economia de base de conhecimento
vez, o forte carácter descentralizador das dinâmicas avançado5. Na verdade, e listando todas as 20 dife-
de ocupação espacial dos anos 1990, a Baixa conti- rentes zonas da cidade de Lisboa analisadas no cita-
nuava a deter (em 2001) um importante pendor nas do estudo, a Baixa apresentava o penúltimo lugar ao
áreas dos serviços financeiros, dos seguros e das nível do emprego na EBC avançada – indicador que
comunicações, estatuto que a colocava a um bom demonstra liminarmente a perigosa obsolescência
nível no respeitante aos postos de emprego ligados à dos sectores económicos do ex-CBD. Claramente, é
economia baseada no conhecimento (EBC)4. No por esta vertente, da qualificação do emprego e das
entanto, e apesar desta ligação aos sectores mais ter- dinâmicas económicas, que passa uma das dimensões
ciários, não seria na Baixa que se encontravam sede- de reflexão e de actuação mais profunda, perante os
ados muitos empregos com as mais elevadas qualifi- objectivos de reestruturação das dinâmicas de alto
cações – como se pode verificar na percentagem de valor e de qualificação elevada desejados.

Algumas características do emprego (2001)

4 O conceito de
‘Economia Baseada
no Conhecimento’
(EBC) foi
desenvolvido a
partir dos finais da
década de 1980, e
inspirou a chamada
‘Estratégia de
Lisboa’, em termos
dos objectivos da
União Europeia no
desenvolvimento das
suas estratégias de
médio e longo prazo.
Neste sentido, o
emprego da EBC
refere-se ao emprego
nas indústrias de
maior intensidade
tecnológica e nos
serviços intensivos Fonte: CML (2004) – proveniente dos dados dos Quadros de Pessoal (MTSS).
em informação e no
conhecimento
(CML, 2004b).
5 A EBC
avançada
refere-se,
nomeadamente,
às indústrias de alta
tecnologia e aos
serviços
avançados
prestados às
empresas – como
nas áreas da
investigação e
desenvolvimento,
dos serviços
informáticos
e conexos, da
engenharia
(projectos
e qualidade),
da gestão
(consultoria)
e do marketing
(CML, 2004b).
No estudo foi também desenvolvido um indicador considerada positiva). Em segundo lugar, surge aqui 79
composto de competitividade urbana, que se subdivi- bem patente a “provável” posição da Baixa6 perante
diu em duas vertentes de base: a vertente de popula- as diferentes zonas da cidade. Se, como vimos, em
ção/consumo e a vertente de emprego/valor – cada termos de alguns sectores, a Baixa mantém um vigor
uma delas constituída por diversos indicadores de e um dinamismo próximo do topo, noutros indicado-
performance sócio-económica. O comportamento das res (como os ligados às cadeias de valor de maior
diferentes zonas de aglomeração da cidade pode ser futuro) a situação apresenta-se bem mais frágil.
observado no gráfico espectral junto. Assim, se no emprego e na criação de valor, a Baixa
Em primeiro lugar, observa-se que a Baixa (na se situava num quinto nível; ao nível da população,
configuração mais larga que aqui lhe foi dada, repeti- mas muito especialmente devido aos níveis de consu-
mos) demonstra um interessante equilíbrio nas duas mo, colocava-se num nível só ultrapassado pela zona
componentes da competitividade urbana considera- da Avenida da Liberdade – onde, efectivamente, se
das (característica que, em termos gerais, e num sen- têm instalado a maioria dos estabelecimentos comer-
tido da tão procurada multifuncionalidade, pode ser ciais de classe superior.

6 Provável
porque, como acima
referido, não se
puderam incluir,
nomeadamente,
os dados estatísticos
referentes
à administração
pública – que, pela
seu relevância na
Baixa, poderiam ter,
eventualmente, um
nível acima da média
da cidade, mas que
por outro lado,
poderiam levar a
valores mais baixos
dos índices globais,
devido a prováveis
níveis de formação
Fonte: CML (2004) – Proveniente dos censos 2001 (INE) e dos dados dos Quadros de Pessoal (MTSS) e de EBC, abaixo da
média lisboeta.
80 Algumas considerações finais Uma efectiva (e permanente) dinâmica de reabilita-
ção e conservação urbana para a Baixa-Chiado, pressu-
A afirmação da Baixa Pombalina e do Chiado como põe um grande e directo empenho pelos seus valores
um grande centro dinâmico e identitário da cidade de de centralidade sócio-económica e identitária. Tal
Lisboa deve tomar como base as suas especificidades motivação, podendo ser apelidada de cultural, sê-lo-á
próprias, como centro urbano de primeira relevância, verdadeiramente num sentido weberiano (mais ligado
e deve ser integrada numa estratégia global baseada aos dinamismos sociais), e só crescerá mediante uma
num policentrismo planeado e activo – quer em ter- efectiva ocupação funcional dos múltiplos espaços exis-
mos da cidade, quer em termos da metrópole. tentes – incluindo a apropriação dos espaços públicos.
Tal afirmação deverá ser projectada, no nosso Uma ocupação funcional que gere as mais-valias pró-
entender, por três grandes vectores de valorização: prias de um grande centro – e que, suportando com
● em primeiro lugar, por um activo trabalho na desafogo os seus encargos, gere postos de trabalho de
atracção de dinâmicas económicas e criativas de exigência, qualificando assim, por sua vez, as próprias
alta qualificação – matéria sob a qual, provavel- dinâmicas comerciais das áreas envolventes.
mente, se instala o maior paradoxo da Baixa: Tais mais-valias, sendo tanto económicas como
com excelentes condições para um activo centro sociais, culturais e identitárias, referem-se quer às
de saber e de futuro mas com um ranking (em dinâmicas privadas, quer às estruturas públicas e de
2001) de penúltimo lugar em termos do empre- governo, tanto para os distintos proprietários como
go baseado nas economias avançadas e do para os múltiplos “consumidores”, tanto para um
conhecimento. Refira-se, a este propósito, que a nível colectivo como individual. Daí a extrema rele-
reabilitação e a promoção dos espaços urbanos, vância de se pensarem os processos de reabilitação
em termos das desejadas actividades quali- num contexto mais alargado de revitalização urbana,
ficadas, devem incluir, como é evidente, institui- incluindo a económica, e, no caso dos espaços dedica-
ções de qualidade da administração pública e dos às actividades, com base numa estratégia de inte-
política do Estado, reforçando assim o carácter gração da ocupação espacial por dinâmicas que façam
mais nobre e identitário do lugar; parte das cadeias de valor acrescentado mais contem-
● em segundo lugar, por um trabalho na promoção porâneas, nestes novos cenários de globalização eco-
da multifuncionalidade a escalas mais pequenas – nómica, de sociedade de conhecimento e de valoriza-
o que implica uma mais próxima coexistência das ção da qualidade de vida e do ambiente urbano. Isto é,
actividades económicas com as actividades cul- valorizar a ocupação por sectores da chamada econo-
turais e com os novos espaços de residencia- mia baseada no conhecimento – de onde provêm
lidade. Na verdade, se os maiores riscos surgem seguras e estruturais mais-valias, e onde, curiosamen-
representados pelo contínuo esvaziamento das te, se tocam valores tradicionais e históricos da Baixa,
dinâmicas económicas e administrativas, é tam- em termos dos órgãos de Governo e da Administra-
bém na área da residencialidade que se deve pro- ção Pública, nas instituições bancárias e financeiras,
mover a qualificação e efectiva ocupação. nas empresas comerciais e mercantis, nas dinâmicas
● finalmente, por uma efectiva acção no sentido de conhecimento, de formação e de cultura.
da reabilitação do edificado, o que inclui tam- É neste sentido, mais estrutural, que afirmamos
bém a requalificação das dimensões envolven- que a reabilitação urbana deste início do século deve
tes da valorização da qualidade de vida (os ser entendida como uma parte, apenas, de um pro-
espaços públicos e o estacionamento, nomea- cesso bem mais amplo, onde as maiores tónicas se
damente). Qualidade de vida, leia-se, para os irão situar, certamente, nas negociações e nos esfor-
distintos grupos sociais “apropriadores” da ços conjuntos dos distintos actores envolventes nos
Baixa: os empregados, os empresários, os resi- mais diferentes projectos (como já sugeria Guerra
dentes, os consumidores, os turistas. Será vital em 1999). Alicerçando, de novo, aquela que sempre
a capacidade de resolução processual eficaz foi a mais nobre característica das grandes cidades de
das questões do foro fundiário – matéria sobre cariz mercantil e mediterrânico: a promoção da troca
a qual a recém-criada Sociedade de Reabi- de saberes e de ideias e o dinamismo da negociação e
litação Urbana (SRU) deverá actuar activa- da concertação entre os mais diferentes intervenien-
mente; tes – para, no fundo, o bem de todos.
Referências bibliográficas GUERRA I. (1999) A Baixa Pombalina – Diagnóstico, 81
Prospectiva e Estratégia de Actores, Celta Editora,
CML (2004a) Diagnóstico Sócio-urbanístico da Cidade Oeiras.
de Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa. LEFÉBVRE H. (1970) La Révolution Urbaine,
CML (2004b) Desenvolvimento Económico e Editions Gallimard, Paris.
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de Lisboa. Comerciais: in Monumentos – Revista Semestral
FRANÇA J. (1962) Lisboa Pombalina e o Iluminismo, de Edifícios e Monumentos, Nº. 21 – Direcção Geral
Bertrand, Lisboa (edição de 1987). dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Lisboa.
Revitalização do A modernização prosseguiu nos anos 1960 83
(alguns dos primeiros supermercados surgiram na
comércio tradicional Baixa) e, na década seguinte, com os centros comer-
e coexistência com ciais (de dimensões modestas e privilegiando a pro-
novas actividades ximidade das estações de metropolitano). No entan-
to, estes, sem capacidade para competir com a Baixa,
comerciais na Baixa não estimularam alterações físicas e funcionais nos
Pombalina seus estabelecimentos, começando a ser perceptíveis
Margarida Pereira, eGeo sinais de clivagem entre a oferta proporcionada e as
Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional, expectativas da procura.
Universidade Nova de Lisboa, Consultora da DMAE A tímida mudança do aparelho comercial, inter-
José Afonso Teixeira, eGeo rompida em 1974, foi retomada com consistência na
Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional, segunda metade dos anos 1980, diversificando-se a
Universidade Nova de Lisboa, Consultor da DMAE oferta e acentuando-se a concorrência entre espaços
Maria Fernanda Cruzeiro, de comércio. Primeiro surgiram os hipermercados
Consultora da DMAE
com galerias de comércio especializado, sem reper-
cussão na Baixa; depois ocorreu um período de maior
dinamismo, indutor de transformações estruturais da
rede comercial da cidade e da área metropolitana:
● em Lisboa emergiram e/ou consolidaram-se

centros secundários alternativos para a oferta


mais qualificada: o Amoreiras Shopping
Center e o eixo Avenida de Roma-Guerra Jun-
A Baixa como centro tradicional queiro foram os primeiros a destacar-se, mas
de comércio perderam relevância na sequência da recon-
figuração do tecido comercial nos anos 1990,
com a multiplicação de centralidades de hie-
Retrospectiva – hegemonia, declínio rarquia diversa;
e recuperação ● na periferia, durante a década de 1990, ocorreu

a proliferação dos centros regionais ou sub-


A intervenção urbanística ligada à reconstrução da -regionais e dos outlet, comprometendo em
Baixa, na sequência do terramoto de 1755, criou o definitivo a supremacia da Baixa no contexto
suporte do principal centro de comércio de Lisboa1, metropolitano.
então estruturado segundo as orientações do Decreto
Real de 5 de Novembro de 1760 (Marrou, 1989). A desqualificação de parte do comércio tradicio-
Na transição para o século XX, o aparecimento nal, a fraca capacidade de adaptação dos empresá-
dos Grandes Armazéns, conceito importado das rios às novas condições de concorrência, a desloca-
maiores capitais europeias, representou um impor- lização de serviços e o quase desaparecimento da
tante salto qualitativo pois proporcionou num habitação contribuíram para enfraquecer a atracti-
amplo espaço uma oferta diversificada. A integra- vidade de pessoas e de actividades. Mas outros fac-
ção deste formato inovador, a singularidade de tores endógenos foram determinantes no agrava-
algumas lojas emblemáticas e a multiplicação de mento da situação: degradação do edificado, con-
unidades especializadas conferiram à Baixa um gestionamento do tráfego, escassez e custo do esta-
1 Embora o centro
carácter de modernidade. cionamento, disfunções induzidas pelo mercado de tradicional de
A partir de meados do século XX, o intenso pro- arrendamento comercial e até a morosidade da comércio de Lisboa,
seja constituído pela
cesso de suburbanização não foi acompanhado pelo reconstrução do Chiado na sequência do incêndio Baixa/Chiado, o
objectivo específico
desenvolvimento das estruturas comerciais, tendo o (1988). Ao invés, a coroa exterior da cidade e os do presente artigo
justifica que
comércio da Baixa, marcado por uma forte diferen- concelhos da periferia esbateram o seu subequipa- a análise se
ciação espacial e heterogeneidade qualitativa e fun- mento comercial com o desenvolvimento e/ou con- circunscreva à área
plana da retícula da
cional (Gaspar, 1972), consolidado a sua hegemonia. solidação de centros de comércio e o aparecimento Baixa Pombalina.
84 de conjuntos comerciais integrados. Esta mudança (Quadro 1) destaca-se:
nas estruturas comerciais, benéfica para o territó- ● reduzida expressão da oferta alimentar (3,0%),

rio metropolitano, retirou progressivamente clien- inerente ao carácter residual da função resi-
tela ao centro tradicional de comércio. O comércio dencial;
da Baixa atravessou, então, um período de declínio, ● domínio do sector não alimentar (96,8%), com

com efeitos negativos na própria animação do cen- os artigos de vestuário em primeiro plano, seja
tro da cidade. Esta circunstância alertou os vários em número de unidades (29,9%), superfície de
actores – autarquia, associações comerciais e exposição e venda (39,2%) ou pessoal ao servi-
empresários – para a necessidade premente de de- ço (33,0%); o conjunto dos artigos de uso pes-
sencadear estratégias de recuperação. É neste qua- soal, com cerca de 45% nas três variáveis consi-
dro de competitividade crescente que a Baixa deradas, evidencia a forte especialização;
começa a procurar caminhos de requalificação e de ● importância da cultura e lazer, com 17,5% das

diferenciação para se reposicionar na rede de cen- unidades;


tros da cidade e da área metropolitana. ● presença ainda relevante (entre 8 e 9%) da

saúde/higiene, do equipamento para o lar e da


ourivesaria/relojoaria.
Organização sectorial e espacial
do comércio e da restauração Os indicadores de dimensão apontam para super-
fícies médias reduzidas em quase todos os ramos
A relevância comercial da Baixa é traduzida pelos (entre 28 e 65 m2 por estabelecimento). As excepções
cerca de 860 estabelecimentos retalhistas, uma encontram-se no não alimentar generalista (398,5
superfície de exposição e venda próxima dos 67 000 m2), no equipamento para o lar (133 m2) e artigos de
m2 e 4610 pessoas ao serviço. Da estrutura sectorial vestuário (105). O pessoal ao serviço por estabeleci-

Quadro 1 Comércio a retalho da Baixa (2004)

Nº Superfície de exposição e venda Pessoal

COMÉRCIO ALIMENTAR Nº % m2 % Superfície Nº % Nºmédio


média pessoas/
(m2) estabelecimento

Especializado 10 1,2 466 0,7 46,6 40 0,9 4,0


Não especializado 16 1,9 1668 2,5 104,3 156 3,4 9,8
Subtotal alimentar 26 3,0 2134 3,2 82,1 196 4,3 7,5

COMÉRCIO NÃO ALIMENTAR

Artigos de vestuário 248 28,8 26216 39,2 105,7 1534 33,3 6,2
Sapatarias/malas/artigos de pele 83 9,6 3791 5,7 45,7 431 9,3 5,2
Outros artigos de uso pessoal 46 5,3 1305 1,9 28,4 168 3,6 3,7
Equipamento para o lar 66 7,7 8789 13,1 133,2 433 9,4 6,6
Saúde e higiene 76 8,8 4259 6,4 56,0 418 9,1 5,5
Cultura e lazer 151 17,5 9926 14,8 65,7 751 16,3 5,0
Ourivesaria/relojoaria 68 7,9 1922 2,9 28,3 247 5,4 3,6
Outros diversos 85 9,9 3805 5,7 44,8 299 6,5 3,5
Não especializado 12 1,4 4782 7,1 398,5 133 2,9 11,1
Subtotal não alimentar 835 97,0 64795 96,8 77,6 4414 95,7 5,3

TOTAL 861 100 66929 100 77,7 4610 100 5,4

Fonte: CML/DMAE, Recenseamento dos Estabelecimentos de Comércio a Retalho, Dez. 2004.


mento confirma o predomínio da pequena dimensão. cidade), em certos casos reflectindo ainda a afectação 85
A restauração tem também forte expressão na definida pelo Plano do Marquês de Pombal (Marrou,
Baixa, traduzida pelas 200 unidades, 12 000 m2 de 1989). Assim, a partir do número de estabelecimen-
área destinada a clientes e 1800 pessoas ao serviço tos por ramo de actividade destacam-se (Quadro 3):
(Quadro 2). No entanto, a sua importância real ultra- ● artigos de uso pessoal – pronto-a-vestir (248),

passa o quadro numérico quer pela capacidade de sapataria (48), bijutaria (24), artigos de via-
atracção que a caracteriza, quer pelas sinergias gem/marroquinaria (22);
decorrentes da coexistência e interacção com as ● cultura/lazer – tabacaria (49), papelaria (18),

outras funções. livraria (17), alfarrabista (12);


Considerando as duas principais categorias – res- ● ourivesarias/relojoarias – ourivesaria (63);

taurantes e cafés/pastelarias – verifica-se a prepon- ● saúde e higiene – perfumaria (23), óptica (17),

derância dos primeiros, com cerca de 2/3 dos estabe- farmácia (13);
lecimentos, da superfície ocupada e do pessoal. Em ● restauração – restaurante (132), café/ pastela-

termos de dimensão, o número médio de pessoas ao ria (68)


serviço por estabelecimentos (9), é superior ao do
comércio a retalho. A concentração é a característica mais marcante da
A leitura do mix comercial permite individualizar Baixa enquanto centro de comércio. No entanto, uma
subsectores que têm na Baixa as principais concen- observação mais detalhada identifica uma organiza-
trações ou nichos de especialização (alguns únicos na ção espacial mais complexa. Assim, considerando o

Quadro 2 Restaurantes e similares na Baixa (2004)


Estabelecimentos Área reservada Dimensão Pessoal
a clientes média
Nº % m2 % m2 Nº % Nºmédio

Restaurantes/snaks 132 66,0 8278 68,4 62,7 1091 61,3 8


Cafés/pastelarias 68 34,0 3832 31,6 56,4 688 38,7 10

TOTAL 200 100,0 12.110 100,0 60,6 1779 100,0 9

Fonte: CML/DMAE, Recenseamento dos Estabelecimentos Similares dos Hoteleiros, Dez. 2004.
86 número de estabelecimentos de comércio e restaura- ● nível IV (10 a 19 unidades) – ruas do Crucifixo
ção por ruas, distinguem-se diferentes níveis que (18), da Assunção (17), do Arco do Marquês de
integram por ordem decrescente os seguintes eixos Alegrete (17), Calçada do Carmo (14) e Rua
(Quadro 3): João das Regras (11).
● nível I (mais de 80 unidades) – ruas dos

Fanqueiros (107), Prata (102), Augusta (86) e Da análise por ramos de actividade, ainda na ver-
Carmo (84); tente espacial, a tendência quase generalizada para a
● nível II (40 a 80 unidades) – ruas da Madalena dispersão coexiste com concentrações que potenciam
(66), do Ouro (65), de Santa Justa (45), dos a visibilidade da Baixa e a sua especificidade no con-
Correeiros (44) e praças D. Pedro IV (53) e da texto da cidade. Entre estas, destacam-se:
Figueira (49); ● artigos de vestuário – ruas dos Fanqueiros

● nível III (20 a 40 unidades) – ruas Nova do (52), Augusta (40), da Prata (30) e do Carmo
Almada (32), da Conceição (31), 1º de (26);
Dezembro (28), dos Douradores (25), dos ● sapatarias e artigos de pele – ruas Augusta

Sapateiros (25), de São Nicolau (25), da Vitória (15), do Carmo (13) e de Santa Justa (11);
( 21), do Arsenal (20); ● retrosarias – Rua da Conceição (11);

Quadro 3 Hierarquização dos eixos comerciais segundo o número e a natureza


das unidades funcionais (2004)
NÍVEL 1 NÍVEL 2 NÍVEL 3 NÍVEL 4

ARCO MARQ. ALEGRETE


R. NOVA ALMADA

1º DEZEMBRO

R. JOÃO REGRAS
R. DOURADORES
R. CORREEIROS
R. FANQUEIROS

P. D. PEDRO IV

R. SAPATEIROS
R. CONCEIÇÃO

R. S. NICOLAU
R. STA. JUSTA
R. MADALENA

OUTRAS RUAS
R. CRUXIFIXO

R. ASSUNÇÃO
R. AUGUSTA

P. FIGUEIRA

R. ARSENAL

CÇ. CARMO
R. VITÓRIA
R. CARMO
R. PRATA

R. OURO

TOTAL
R.

SECTOR ALIMENTAR
Especializado 1 – 1 – 3 – 1 – 1 – – – – – – – – 1 – – – – – 2 10
Não especializado – 1 1 – 1 – – 2 – 2 – – 1 – 1 – – 4 1 – – – – 2 16
Subtotal 1 1 2 – 4 – 1 2 1 2 – – 1 – 1 – – 5 1 – – – – 4 26
SECTOR NÃO ALIMENTAR
Pronto-a-vestir 52 30 40 26 3 15 14 16 9 1 10 2 1 1 - 5 6 1 2 – 4 1 1 8 248
Cultura e lazer 4 8 8 9 8 13 14 8 6 6 11 2 4 4 2 7 6 2 4 1 3 4 3 14 151
Saúde e higiene 4 11 4 8 14 5 3 3 6 – 1 1 4 - – 2 2 2 – 1 1 1 1 2 76
Sapatos/malas/peles 5 8 15 13 – 3 – 4 11 1 2 7 – – – – 1 – 2 2 1 2 6 83
Equipamento do lar 15 6 1 5 4 2 1 3 1 2 3 - – 2 1 3 3 1 – 2 2 – 1 8 66
Ourivesaria/relojoaria 2 14 4 2 1 20 2 3 1 1 – - – 1 3 2 – – – 4 – – 1 7 68
Outros artigos pessoais 4 6 2 4 1 1 3 2 2 – – 12 3 – 1 – – – 1 2 – – 2 46
Outros diversos 5 5 5 4 16 2 7 3 2 3 2 1 2 3 2 4 1 2 1 1 1 2 2 9 85
Não especializado 7 – – – 1 – – – – – – – - – – – – 1 – 2 1 – – – 12
Subtotal 98 88 79 71 48 61 44 42 38 14 27 20 21 11 9 23 18 10 7 14 16 9 11 56 835
Reparações 2 – – – – – – – 1 1 – 1 – 2 – – – – 1 – – – – – 8
Subtotal 2 – – – – – – – 1 1 – 1 – 2 – – – – 1 – – – – – 8
Restaurantes 2 6 3 11 8 – 3 3 3 26 2 5 4 10 12 1 3 3 4 3 1 4 – 15 132
Cafés/pastelarias 4 7 2 2 5 4 5 2 2 1 3 5 2 2 3 1 - 2 5 – – 1 – 10 68
Subtotal 6 13 5 13 13 4 8 5 5 27 5 10 6 12 15 2 3 5 9 3 1 5 – 25 200
TOTAL 107 102 86 84 65 65 53 49 45 44 32 31 28 25 25 25 21 20 18 17 17 14 11 85 1069

Fonte: CML/DMAE, Recenseamento dos Estabelecimentos de Comércio a Retalho, Dez. 2004.


Fonte: CML/DMAE, Recenseamento dos Estabelecimentos Similares dos Hoteleiros, Dez. 2004.
● ourivesaria/relojoaria – ruas do Ouro (20) e da O sentido das mudanças (1995-2004) 87
Prata (14);
● equipamento para o lar – ruas dos Fanqueiros A recente dinâmica comercial da Baixa pode ser
(15) e da Prata (6); avaliada a partir da evolução do número de estabele-
● cultura e lazer – Praça D. Pedro IV (14), Rua cimentos, das mudanças ocorridas nas designações
Nova do Almada (11), Rua do Carmo (9); comerciais (correspondendo ou não a alterações fun-
● saúde e higiene – Rua da Madalena (14) e Rua cionais) e da instalação de novos formatos e insígnias
da Prata (11); (Quadro 4).
● restaurantes – Rua dos Correeiros (26). Entre 1995 e 2004 ocorreu uma estabilização do

Quadro 4 Mudanças funcionais no Comércio da Baixa Pombalina, por ruas (1995-2004)


Nº unidades 1995-2004 Insígnias de cadeias surgidas após 1995

1995 2004 Mudança/ Mudança Nº Insígnias


desaparecimento de função/
da designação nova função
comercial
Rua dos Fanqueiros 111 99 61 16 -
Rua da Prata 104 89 56 17 5 Casa; Pier Import; Super Decor; Saint Trop; Cottonwoll
Rua do Carmo 39 71 28 43 43 Multiópticas; Aerosoles; Loja do Gato Preto; Charles;
Women’Secret; Parfois; Massimo Dutti; Intimissimi;
Misako; Lanidor; Boutique dos Relógios; Ana Sousa;
Augustus; Avenue of the Stars; The Body Shop; Casa
Batalha; Immaginarium; Sun Planet; Rockport; Q.E. Saúde;
Foreva; Cortefiel; Biju Chiado; Chamaquito; Sportzone;
Moldura na Hora; Optimus, Fnac, Calzedonia, Mil Folhas,
Vodafone, Adolfo Dominguez, Blue Classic, Arraw,
Perfumes & Ciª, Springfield, Stradivarius, H&M, Tommy
Lacoste, Chevignon, Rifka, Paco Martinez, Promod
Rua Augusta 92 81 41 15 13 Charles; H&M; Bershka; Stradivarius, Acetato;
Calzedonnia; Tezenis; Parli; La Perla; Solaris, The Phone
House; Seaside; Mango
Rua da Madalena 55 53 20 4 -
Rua Áurea 75 61 26 4 3 Giovanni Galli; Ardézia; Aigle

Praça D. Pedro IV 41 45 19 12 1 Parfois

Praça Figueira 43 44 13 6 -
Rua dos Correeiros 25 16 14 4 -
Rua de Santa Justa 41 39 26 13 -
Rua Nova do Almada 16 27 8 13 9 Warehouse; Fotocolor; Pepejeans; Gas; Looking for Love;
Diesel; Yorn; Roof; Coimbra Editora

Rua 1º Dezembro 28 22 13 2 1 Pingo Doce

Rua dos Douradores 17 11 10 7 -


Rua dos Sapateiros 20 10 15 5 -
Rua de São Nicolau 22 23 10 5 3 Lacoste; Geoshop; Romaia

Rua da Conceição 24 20 7 2 1 Parfois

Rua da Vitória 18 18 11 6 -
Rua do Arsenal 14 15 7 2 1 Farmarosa

Rua do Crucifixo 10 8 5 3 -
Rua do Arco
do Marquês de Alegrete 4 14 1 11 -
Rua da Assunção 21 16 10 3 1 Lune Blue

Calçada do Carmo 15 9 12 4
Rua João das Regras 15 11 6 1 -
Outras 115 58 79 8 4 Godiva; Dinlar: Geoshop; Instanta

965 860 498 206 85

Fonte: CML/DMAE, Recenseamento dos Estabelecimentos de Comércio a Retalho, Dez. 2004.


88 número de estabelecimentos2 que, mais do que imo- “Agência para a Promoção da Baixa/Chiado”, cuja
bilismo, pode traduzir o início de um processo de actividade se encontra em reformulação.
selecção, caracterizado pelo desaparecimento de uni- Os investimentos públicos estimularam a iniciati-
dades obsoletas e desajustadas das novas exigências va dos empresários, assistindo-se progressivamente
do mercado. Ao mesmo tempo, o dinamismo da acti- a mudanças de propriedade, de ramo de actividade, à
vidade é revelado pelo elevado número de alterações reconversão de lojas (incluindo fachadas e sinalética),
na designação comercial (cuja explicação exige um à beneficiação e harmonização das fachadas e à ins-
moroso trabalho de campo) e sobretudo pelo facto de, talação de insígnias, muitas vezes envolvendo novos
em mais de 200 casos, ter ocorrido mudança de fun- investidores.
ção comercial ou introdução de unidades funcionais A actuação da autarquia tem sido enquadrada por
(85 ligadas a cadeias), concentradas nas ruas do estratégias definidas quer no Projecto Especial de
Carmo, Augusta, Nova do Almada e da Prata. Urbanismo Comercial para a Baixa (1999), quer em
A abertura do Centro Comercial Armazéns do documentos de carácter indicativo – Modelo de Orga-
Chiado, com a integração de uma âncora cultural nização Comercial (1995) e Carta Estratégica de Co-
emblemática e diversas insígnias, foi determinante mércio (2003) – da responsabilidade da Direcção Mu-
para fortalecer esta dinâmica. A entrada de marcas nicipal das Actividades Económicas (DMAE), sin-
de elevada notoriedade, operando com pequenos tetizando-se de seguida as principais linhas de orienta-
ou médios formatos (megastores), deu também um ção que daí decorrem.
contributo importante para dinamizar a Baixa
(modernidade dos estabelecimentos, efeito miméti-
co nas unidades instaladas, captação de novos con- O Projecto Especial de Urbanismo
sumidores). Comercial

No âmbito do Programa de Apoio à Moder-


A revitalização do centro nização do Comércio (PROCOM)4, a Câmara
2 A perda de uma tradicional de comércio Municipal de Lisboa/DMAC e a União dos
centena de
estabelecimentos não Comerciantes de Lisboa apresentaram à Direcção-
é relevante, pois em
gande parte
Nos anos 1990 os sinais de reacção às transforma- -Geral do Comércio a candidatura a um Projecto
é consequência ções funcionais da cidade começam a ser visíveis na Especial de Urbanismo Comercial, designado por
da desactivação
da pouca qualificada Baixa, através de investimentos públicos e privados. “Baixa Pombalina de Lisboa”5. A estratégia de inter-
galeria comercial
da Estação do A abertura da estação do metropolitano Baixa- venção baseou-se na dinamização integrada da acti-
Rossio.
-Chiado reforça as condições de acessibilidade ao vidade comercial (estímulo ao investimento nos esta-
3 que disponibiliza, centro. Das intervenções da autarquia relevam-se a belecimentos), na beneficiação do espaço público para
sem custos para os
empresários, pedonalização de alguns eixos (a Rua Augusta e a melhorar as suas condições de utilização/fruição e no
informação sobre os
estabelecimentos de Rua do Carmo foram as pioneiras), a requalificação apoio a acções de promoção e animação urbana.
comércio
e restauração
urbanística das praças do Rossio, da Figueira, do Apesar da diminuta área intervencionada, o projecto
aí localizados, Comércio, do Município e Martim Moniz, a retirada deu visibilidade aos problemas do comércio e as pro-
constituindo um
instrumento do estacionamento do Terreiro do Paço e medidas postas implementadas geraram sinergias com reper-
importante e
inovador para pontuais para a sua animação, a beneficiação do espa- cussões para lá daqueles eixos.
a promoção destas
actividades.
ço público e do mobiliário urbano, o ordenamento do
4 Decreto-lei estacionamento à superfície e a construção de par-
nº 184/94 de 21 ques subterrâneos, a abertura de residências para Do Modelo de Organização Comercial
de Julho.
estudantes, etc. A par, a autarquia elege a Baixa como à Carta Estratégica de Comércio
5 defendia-se
a integração de toda
a primeira área comercial a integrar o site da
a Baixa no Projecto, CML/DMAE – Lisboacomercial3 e promove dois O Modelo de Organização Comercial para a
mas a área
de intervenção ficou estudos sobre a gestão integrada dos centros de Cidade de Lisboa (Cruzeiro et al. 1997) aponta entre
circunscrita a quatro
eixos (ruas Augusta, comércio. Estes estudos apoiaram a concepção e cria- os seus objectivos “reposicionar a Baixa como centro
de Sta. Justa, dos
Correeiros e dos
ção, em estreita ligação com as associações sectoriais de nível metropolitano”.
Sapateiros), por e outras entidades, de uma estrutura vocacionada A estrutura e a configuração espacial do comércio
razões exteriores à
autarquia. para a gestão integrada da Baixa-Chiado, designada aí proposta assenta em polaridades, apoios locais e
áreas especiais, as primeiras organizadas em três tão, Rua do Jardim do Regedor, conferindo-lhe 89
níveis hierárquicos. O mais elevado integra apenas o a identidade de “placa de restauração da Baixa”;
centro tradicional de comércio (Baixa/Chiado), com ● operacionalização da unidade de gestão criada
prolongamento natural pela Avenida da Liberdade. A na sequência do PEUC da Baixa.
reafirmação do estatuto de centro metropolitano
deverá ocorrer através da requalificação da oferta, do
favorecimento da concentração e diversidade de fun- A importância do comércio
ções, da capacidade de captação de insígnias únicas e na classificação da Baixa
da valorização do património histórico-cultural. como Património Mundial
No âmbito da revisão do Plano Director Muni-
cipal, a Carta Estratégica do Comércio de Lisboa A reconstrução pombalina da Baixa apontou direc-
actualiza e aprofunda o anterior Modelo. Trata-se de trizes de ocupação comercial cujos efeitos chegaram
um documento com carácter indicativo, que tem subja- até ao presente, fazendo do comércio parte integrante
cente uma visão integrada e prospectiva da actividade da sua componente patrimonial. Esta é ainda reforça-
comercial, em articulação com a evolução sócio-demo- da pela presença de estabelecimentos simbólicos (do
gráfica e urbanística da cidade e da área metropolitana. ponto de vista cultural, funcional e arquitectónico).
Assume como principais objectivos: Todavia, persistem dissonâncias decorrentes da insta-
● travar a perda de protagonismo do comércio lação de actividades comerciais sem respeito pelo
de Lisboa no contexto da área metropolitana; carácter histórico e pela estética do lugar (alteração de
● reposicionar o centro tradicional de comércio fachadas, introdução de elementos acessórios inade-
– Baixa-Chiado-Avenida da Liberdade – como quados), com prejuízo para a imagem do conjunto.
centro de nível metropolitano. A necessária consciencialização colectiva da
importância simbólica do lugar (pelos empresários,
A estratégia defendida – afectação controlada e clientes, gestores urbanos) permitirá que a Baixa tire
espacialmente diferenciada do uso comercial – pre- partido da singularidade conferida pelo valor patri-
tende garantir a requalificação dos centros de comér- monial, ancorando aí a diferenciação face aos seus
cio, disciplinar a instalação de unidades e salvaguar- principais concorrentes. A sua (re)integração na
dar o equipamento de áreas deficitárias. vivência quotidiana dos cidadãos, passa não só pela
Para a Baixa-Chiado, que perde a situação hege- recuperação do edificado mas sobretudo pela afirma-
mónica enquanto centralidade de nível 1 (agora par- ção do “centro de comércio” como elemento de dife-
tilhada com um grande centro comercial em renciação e animação urbana.
Benfica), são propostas várias medidas de consolida- A recuperação do espírito de modernidade intrín-
ção e de qualificação, de que se destaca: seco ao projecto pombalino só é exequível nos tem-
● densificação, qualificação da oferta e integra- pos actuais repondo a harmonização entre a forma e
ção de novos conceitos e insígnias; a função (que alguns estabelecimentos emblemáticos
● favorecimento da instalação de âncoras comer- souberam preservar), mas também não impedindo a
ciais; instalação de conceitos, formatos e estabelecimentos
● promoção de uma âncora cultural e/ou lúdico- inovadores que nas suas práticas incorporem e valo-
recreativa com carácter “único”; rizem a memória do lugar.
● valorização das lojas de “tradição”;

● recuperação do rés-do-chão dos edifícios no

Terreiro do Paço para actividade comercial,


cultural e de restauração;
● reconversão funcional dos espaços ocupados
Bibliografia
por armazéns e indústrias;
● fomento da preservação, qualificação e desen-
BARATA SALGUEIRO Teresa (coord.) (2004)
volvimento de especializações;
● reforço e qualificação da restauração organiza-
Declínio e Revalorização do Centro de Lisboa,

da ao longo da Rua dos Correeiros, Praça da Relatório do Projecto de Investigação da FCT,


Figueira, Rossio, Rua das Portas de Santo An- Lisboa, Policopiado.
90 CML/UACDL (1998) PEUC Baixa Pombalina de GASPAR Jorge (1972) Aspectos da dinâmica funcional
Lisboa – Estudo Global – Relatório Final, Policopiado do centro de Lisboa, Lisboa, CEG.
CRUZEIRO Mª Fernanda; PEREIRA Margarida; MARROU Louis (1989) Especialização e comércio de
TEIXEIRA José Afonso (1997) O comércio na Baixa especialidade na Baixa Pombalina: sua evolução
Pombalina de Lisboa, Lisboa, CML/DMAC. histórica Comércio de Especialidade. Actas das
CRUZEIRO Mª Fernanda; TEIXEIRA José Afonso, Jornadas Lisboa na Rota do Comércio, Lisboa, CML,
PEREIRA Margarida; SANTOS Brígida (1997): pp. 9-24.
Modelo de Organização comercial para Lisboa. Um PEREIRA Margarida (1989): Comércio em Lisboa: os
Projecto em discussão Lisboa – Que Fronteiras para o ventos da mudança Sociedade e Território, nºs 10/11,
Urbanismo Comercial?, Lisboa, CML/DMAC, pp. 14-52. pp. 31-42.
DMAE (2003) Carta Estratégica do Comércio de
Lisboa, Policopiado.
As lojas tradicionais vamente funcionalista. Cartesiana no risco, mas man- 93
tendo um potencial simbólico na composição dos
da Baixa. Desafios seus espaços, na pontuação das suas praças fiéis à
presentes e futuros memória do passado e na criação das suas perspecti-
António Sérgio Rosa de Carvalho vas e pontos focais.
GVEN- CML Embora a notável estandardização dos elementos
derivados dos métodos da engenharia militar levas-
se, por vezes, a uma acusação de monotonia repeti-
tiva, as surpresas no ritmo do edificado eram garan-
tidas pela inserção pontual, por exemplo, das igre-
jas paroquiais na malha urbana e pela qualidade
verdadeiramente internacional da Praça do Comér-
cio e da sua relação com o rio. Desde o início, o
A importância da Baixa Pombalina na perspectiva Marquês quis conceber uma metrópole verdadeira-
da história do urbanismo ocidental e das ideias arqui- mente internacional, que constituísse verdadeira-
tectónicas não precisa de ser reafirmada, mas sim mente uma city... com a qualidade das suas residên-
confirmada. Confirmada através de um estatuto ofi- cias, os métodos higiénicos dos seus hábitos quoti-
cial de classificação patrimonial de cariz mundial, dianos, o conforto da largura dos seus passeios, o
afim de poder usufruir do conjunto de direitos e avanço técnico da sua rede de esgotos e da famosa
deveres que essa classificação trará. A necessária for- estrutura anti-sísmica da gaiola. Isto serviria de
mulação de uma visão para o futuro, concretizada em cenário para as dinâmicas interactivas de uma
medidas presentes numa estratégia integrada e glo- Bolsa, transformando a antiga simbologia do local
bal, obrigará a um crescente estado de auto-respon- onde se encontrava o Paço Real com um novo pro-
sabilização. Os sucessos visíveis na área da reabilita- jecto ilustrador da modernização de Portugal – a
ção urbana e o consequente repovoamento da área própria nova denominação, Praça de Comércio, é
levarão a um efeito de bola de neve estimulante e aliás exemplo disso. Esta dinâmica interactiva iria
renovador. estender-se às artes e ofícios, estrategicamente
Com efeito, a evolução ao longo do século XIX da colocados nas ruas com os nomes correspondentes...
unidade coerente e planeada da reconstrução pós- dos Correeiros, dos Douradores, dos Sapateiros, da
-terramoto da Baixa a partir dos arquétipos definidos Prata, do Ouro...
por Mardel e Eugénio dos Santos trouxe-nos uma Este projecto de city confirmou-se e realizou-se
variedade de volumetrias aos modelos impostos, uma ao longo do século XIX e foi largamente enriqueci-
variedade nos revestimentos e, mais tardia e pontual- do no que respeita aos estabelecimentos comerciais
mente, a inserção de outras linguagens arquitectóni- pela variedade ecléctica da cultura bon chic, bon
cas. Essa evolução é ilustrada ao compararmos os genre do boulevard parisiense nos finais do século
arquétipos iniciais que constituem o Largo de São XIX e inícios do XX. É precisamente neste perío-
Paulo e o Rossio com as dimensões residenciais “se- do que são desenvolvidos e criados muitos dos
nhoriais” dos prédios de rendimento no “período” estabelecimentos de qualidade a que iremos chamar
Farrobo, na Rua da Madalena, destinados à tal bur- de Lojas de Tradição e Excelência, denominação
guesia mercantilista e iluminada que teria que ser esta já tocada por uma consciência histórica e patri-
inventada na visão modernizante da sociedade pom- monial que só a distância permite. Ela refere-se a
balina. Uma evolução de “erudições” de uma burgue- estabelecimentos que sobreviveram, alguns na
sia em processo de afirmação cultural e social dei- íntegra, quase miraculosamente… uns por passa-
xou-nos testemunhos nas zonas do Alecrim, da gem do testemunho entre gerações da mesma famí-
Emenda, à volta do Pátio do Pimenta, mais acima do lia, outros por perseverança e consciência dos
Camões, na fronteira com a Bica, na Victor Cordon, novos proprietários. Mas são estabelecimentos que
etc., etc. nos deixam, por comparação ao grande número dos
O Marquês e a sua Casa do Risco tinham concebi- já desaparecidos, uma consciência da ameaça que,
do uma cidade moderna, funcional (a inserção das nas circunstâncias actuais, paira sobre eles. Urge
paróquias na malha urbana) sem nunca ser exclusi- portanto reflectir, conhecer e agir.
94

Fig. 1 e 2 – Interior da Ourivesaria Aliança, Rua Garrett, 50 e 52.

Fig. 3 e 4 – Interior da Pompadour, Rua Garrett, 30.

Duas zonas... duas reflexões. ção dos interiores da Farmácia Liberal in situ (agora
Rossio e Chiado transladados para o Museu da Farmácia e transfor-
mados em memória estática) ou o desaparecimento
Comecemos pelo Rossio. Isto porque o Rossio, dos interiores da última mercearia da Avenida, que
além de ser um dos núcleos de vivência quotidiana da tinha sobrevivido com qualidade renovada até há
Baixa, o seu verdadeiro forum (o outro sendo o pouco tempo, transformada em loja de artigos turís-
Chiado), constitui também o espaço de transição ticos com critério – a Avenida de Liberdade tem
axial entre a Avenida da Liberdade e a Rua Augusta. assistido à abertura de estabelecimentos de qualida-
A Avenida da Liberdade, apesar da destruição sis- de internacional, que confirmam a sua vocação natu-
temática do edificado a que foi sujeita nas últimas ral. Depois da passagem por esse espaço intermediá-
décadas, deixando-nos um aglomerado de híbridos rio a que se chama Restauradores, e onde já resta
que convivem com os últimos testemunhos arquitec- muito pouco a não ser memórias residuais, como o
tónicos da cultura boulevard, mantém o seu carácter Éden ou o Palladium, chegamos ao Rossio.
precisamente pela qualidade do traço de Ressano Claro que o primeiro tema que nos vem à mente é
Garcia, do arvoredo que a confirma e que insere a sua o dos cafés do Rossio, mas, se formos por essa linha
variedade de fachadas e qualidades num todo. de reflexão, passando por nomes como o Martinho
Poderemos afirmar que, o seu preenchimento especu- do Rossio, do Café do Gelo, da Brasileira do Rossio,
lativo por Rosa Araújo e pela sua época, apesar da o Chave de Ouro, etc., a história será novamente de
escala e da visão urbanística concebida e tratada por destruição. Teremos de nos consolar com a excelen-
Ressano Garcia, nos deixou, desde o início, uma qua- te reconstituição do Nicola, que continua a ser o
lidade sofrível (muito longe da visão unificada de ícone de qualidade do Rossio, visitado por nacionais
Haussmann) e de uma variedade facilmente penetrá- e estrangeiros e contribuindo, como poucos, para o
vel pelos especuladores posteriores. Mas, apesar turismo cultural. É neste momento que convém
disto tudo, a Avenida da Liberdade tem conhecido, no comentar um profundo mistério. Por que é que num
que respeita ao comércio, uma evolução positiva. momento em que a Europa recria de raiz ou preser-
Pondo de parte os erros evitáveis – como a destrui- va apaixonadamente o conceito do grand café cosmo-
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Fig. 5 – Interior da ourivesaria Aliança, Rua Garrett, 50 a 52.


Fig. 6 – Antiga alfaiataria Rosado & Pires, Rua Augusta, 154 a 156.
Fig. 7 – Fachada da Luvaria Ulisses, Rua do Carmo, 87 – A.

Fig. 8 – Interior da Luvaria Ulisses, Rua do Carmo, 87 – A.

polita, nós por cá continuamos empenhados em des- ção da Confeitaria Nacional, agora alargada ao pri-
truir o autêntico que nos resta? Por que é que o espa- meiro andar, na Praça da Figueira. Terminamos as
ço do Café Portugal (modernista-Estado Novo), que observações sobre o Rossio com outro bom exemplo
ainda lá se encontra, foi transformado num armazém de recuperação, o caso da Joalharia Ferreira
de sapatos “baratuchos”? Por que é que a antiga mai- Marques, notável estabelecimento de época.
son de couture Ramiro Leão, que seria, com todo o seu Todos estes três casos positivos se devem à visão
interior Deuxième Empire, possivelmente contrastan- dos proprietários. Quando ela não existe, é possível
do-o com mobiliário contemporâneo, o grand café assistir-se à destruição, num ápice, de todo um inte-
ideal, confirmando a Bénard e obrigando finalmente rior, como no caso da Casa Chinesa (Rua do Ouro),
a Brasileira a qualificar o seu serviço, foi totalmente onde apenas resta a fachada para nos lembrar das
destruída? Voltando ao Rossio, é nele que se encon- glórias das rotas do comércio do chá e do café, ou no
tra um dos grandes interiores de Lisboa dos finais do caso da Antiga Casa Viana, na Rua da Prata, que fun-
século XIX, inícios do século XX. Grande na sua cionava no mesmo ramo. De relembrar a existência
qualidade e integridade da unidade patrimonial e ainda da Casa Pereira da Conceição, na Rua Augusta,
artística, pois na realidade trata-se de um pequeno último sobrevivente do ramo num país que ensinou a
espaço, para não dizer um corredor. Refiro-me à Inglaterra a beber chá na pessoa de Catarina de
Tabacaria Mónaco, completamente preservada mas a Bragança nas suas aventuras matrimoniais... Falando
necessitar de obras de conservação urgentes, nomea- de Londres, por que é que uma visita ao Fortnum &
damente no seu notável tecto. Merece reconhecimen- Mason ou ao food departament do Harrod’s constitui
to imediato... Duas outras histórias bastante positi- um must e é vista como um acontecimento cultural?
vas são a recuperação com critério das duas depen- Passemos agora ao Chiado. A grande tomada de
dências da Chapelaria Azevedo Rua e a boa recupera- consciência em relação ao Chiado surgiu através de
96

Fig. 9 – Fachada da Ourivesaria Aliança, Rua Garrett, 50 a 52.

uma ruptura e de um desastre. Enquanto o século Contornando a questão da destruição de todos os


XIX criou as aspirações literárias e políticas do interiores na loja de Ana Salazar, convém sublinhar a
Chiado, o século XX confirmou-as através das suas existência da deliciosa Luvaria Ulisses, da Joalharia
tertúlias literárias, artísticas e académicas. O pres- do Carmo, da fachada e lettering déco-modernista da
tígio, agora muito abalado, de locais como a livraria Aillaud & Lello e, antes de passarmos à Rua
Brasileira e a Bénard emana ainda destas memó- Nova do Almada, da reconstrução da fachada do Au
rias. Foi no contexto destas memórias e com um Bonheur des Dames por Álvaro Siza.
brilho já esbatido que o incêndio apanhou o Chiado. Na Rua Nova do Almada encontramos dois casos
O desafio do momento residia na escolha do mode- de relevo. O primeiro é o da boa recuperação do esta-
lo a desenvolver para a reconstrução da área. belecimento de Teresa Alecrim. O segundo, de um
Optou-se, com bom senso, por Siza, único na altu- dos mais notáveis interiores fin de siècle (século XIX)
ra pelo peso dos seus prémios internacionais, com de Lisboa: a Livraria Férin, muito conservada e com
autoridade e visão para impor um modelo de alto critério na escolha de livros. Até quando?
reconstrução e reposição integral da área destruí- Passemos agora a um caso ilustrativo de uma
da, não se afirmando pela ruptura. Seguiram-se os situação preocupante... A joalharia Aliança, na Rua
desafios das decisões, dos ritmos de reconstrução Garrett, constitui um dos verdadeiros templos das
ou dos atrasos nesses ritmos. lojas tradicionais da Baixa. A riqueza da fachada em
Curiosamente, depois destas vicissitudes e do ferro é só ultrapassada pela riqueza dos interiores
longo compasso de espera, o Chiado acabou por eclécticos em simbioses revivalistas entre neo-Luís
renascer socialmente através da força magnética de XV e neo-Luís XVI, em combinações com outros ele-
um sóbrio centro comercial, instalado no edifício mentos Beaux-Arts que denunciam a sua época. Em
reconstruído por Siza a partir dos antigos Armazéns termos culturais e revivalistas corresponde na sua
do Chiado, e do fenómeno Fnac. Nas ruas do Carmo, pequena escala e temática comercial ao fenómeno
Nova do Almada e Garret encontram-se notáveis ecléctico “afrancesado” do Palácio Foz. Ora este esta-
estabelecimentos comerciais que importa referir, belecimento abre irregularmente e não apresenta
depois do desaparecimento da Pasteleira Ferrari, da grande dinâmica, deixando-nos apreensivos em rela-
Casa Batalha, da Casa José Alexandre, etc., com o ção ao seu futuro em geral e à sua preservação patri-
incêndio. monial em particular.
97

Fig. 10 – Interior da Luvria Ulisses, Rua do Carmo, 87 – A.


Fig. 11 – Entrada da Antiga Alfaiataria Rosado & Pires, Rua Augusta, 154 a 156.

O problema da preservação
sintonizadas com a gestão urbana e a reabilitação
patrimonial e da manutenção urbana? Quantas “lojas dos trezentos“, com produtos
ou alteração da função medíocres, de origem asiática ou não, poderão ainda
Muitos dos estabelecimentos que temos vindo a surgir antes que o equilíbrio dessa imagem seja defi-
descrever devem a sua coerência e a sua preservação nitivamente afectado? O que procura o turista cultu-
ao facto de o estabelecimento ter transitado de gera- ral numa cidade, numa capital europeia com história?
ção em geração dentro da mesma família. Também, A resposta é: autenticidade. Aquilo que é único e
em muitos casos de aluguer, as quantias ainda não genuíno, oscilando entre tradições vernáculas/arte-
foram actualizadas em relação aos valores do merca- sanais e civilizacionais cosmopolitas.
do, o que viabiliza de forma frágil um ténue equilí- Portanto, a situação ideal é a de uma loja tradicio-
brio entre fracas receitas, crise generalizada e encar- nal onde o décor e a arquitectura estejam ainda em
gos em pessoal e impostos, temendo-se, nalguns unidade coerente com o ofício exercido. Um exem-
casos, o pior, com a actualização das rendas. plo: a Casa Vitorino de Sousa (fundada em 1921), que
Tudo isto fez instalar um clima de apreensão e constitui um verdadeiro exemplo do exercício de
profunda preocupação em relação ao futuro. Com uma grande arte e ofício de Portugal, ou seja a de
estas perspectivas sombrias, é caso para perguntar- correeiro e fabricante de selas, produtos portanto
mos: qual o futuro do comércio tradicional da Baixa, ligados a um outro produto (tal como o vinho) em
neste momento decisivo de transição entre avultados franco progresso de prestígio internacional e contri-
investimentos e desenvolvimento de estratégias nas buindo para contactos exteriores ao mais alto nível:
áreas da reabilitação urbana e repovoamento, numa o cavalo Lusitano e a arte portuguesa da equitação,
Baixa ainda desertificada no plano residencial e em cuja Alta Escola “Graciosa” constitui um digno
parte paralisada durante a noite, mas funcionando exemplo. Além disso, esta loja foi alvo de uma recu-
normalmente como city durante o dia? Qual a impor- peração coerente dos interiores e encontra-se na Rua
tância da presença de um comércio tradicional de dos Correeiros, mantendo-se fiel à tradição do local
qualidade, capaz de confirmar a sua imagem de capi- estipulado pelo Marquês.
tal europeia, com passado histórico, na perspectiva de Mas o grande desafio surge precisamente quando
um turismo de qualidade e cultural? Não terá o pla- esta unidade entre décor e actividade é rompida pelas
neamento comercial de definir estratégias comuns e circunstâncias, e a loja é adquirida para outra activi-
98

Fig.s 12 e 13 – Dois pormenores dos gabinetes de prova da Antiga Alfaiataria Rosado & Pires, Rua Augusta, 154 a 156.

Fig.s 14 – Interior da Antiga Alfaiataria Rosado & Pires, Rua Augusta, 154 a 156.

dade. Aí a preservação do património impõe-se com Benetton de instalar uma loja desta marca, desenvol-
uma estratégia sensível de adaptação da actividade às vendo simultaneamente um espaço cultural. Do
exigências determinadas pela riqueza e unidade pre- espaço cultural nunca mais se soube nada... Ficou-
sentes no local. -nos o resultado da alienação total de um dos mais
interessantes interiores de época criado para uma
Três exemplos função, através de um projecto redutor cheio de “áli-
bis” culturais que, pretendendo deixar “citações”, dei-
I – O estabelecimento Ramiro Leão, depois de ter xou apenas resíduos-referência completamente des-
sido desactivado como pequeno armazém de alta contextualizados, criando no espectador consciente
qualidade, especializado em artigos femininos (pou- uma estupefacção magoada, para não lhe chamar uma
cos se lembram da perfumaria), características para profunda indignação.
as quais a denominação internacional mais adequada
será a de maison de couture, passou por um período II – Na mesma zona, um pouco mais longe, entre
onde o seu espaço (então ainda) de alta qualidade o Chiado e as duas igrejas, encontrava-se a antiga
decorativa foi utilizado pelos armazéns do Conde Casa Leitão, joalheiro e ourives, fornecedor da Casa
Barão, num contraste doloroso. Depois de um perío- Real. O estabelecimento transitou para a Casa
do de decadência, o espaço ficou intacto nas suas Custódio Cardoso Pereira, especializada em instru-
características de base, mas suspenso, à espera de mentos musicais, mantendo intacto, na íntegra, o seu
uma solução ou de uma nova utilização. A solução notável interior. Mesmo ao lado encontrava-se um
parecia ter surgido, pelo menos para o anterior exe- pavilhão de vendas da firma Vista Alegre. Quando a
cutivo da CML, através da proposta da firma Casa Custódio Cardoso Pereira fechou as portas, a
Vista Alegre tomou o espaço e desenvolveu um pro- dos interiores e sucumbiu à visão do promotor, neste 99
jecto global. Considero o resultado obtido um dos caso má e errada. Os resultados estão à vista.
mais interessantes e conseguidos espaços comerciais Situação irreversível e perda irreparável.
de Lisboa. A fachada original, além de mantida, foi No segundo caso (Vista Alegre) a visão do pro-
“confirmada“, com a inserção de novos elementos motor era boa e garantida por um bom projecto de
completamente contextualizados, placas de mármore arquitectura de interiores. Como tudo se passou na
com lettering, nunca se afirmando pela ruptura. A mesma época e período, parece-nos que o mérito deve
fachada foi assim, de forma coerente e em unité de ser atribuído ao promotor e ao seu projecto de arqui-
style, prolongada até ao antigo pavilhão de vendas. No tectura.
espaço do antigo Custódio Cardoso Pereira proce- No terceiro caso (Irmãos David) o promotor foi
deu-se ao restauro dos tectos, de todos os móveis, “estimulado” pelo acto legal do decreto de embargo
aproveitando-se também alguns elementos da ilumi- emitido pela CML. Esta “pedagogia” foi confirmada
nação original, sendo eles tratados apenas como ele- pelo tribunal.
mentos decorativos pois as técnicas contemporâneas Mas será possível um verdadeiro diálogo, constru-
oferecem soluções muito interessantes, capazes de tivo desde o início, que vá ao encontro da necessida-
valorizar ainda mais a base patrimonial. No espaço de imperativa de preservar e conservar interiores
central que serve de transição para o novo espaço do históricos (os poucos que restam) quando, ou preci-
antigo pavilhão de vendas, manteve-se o magnífico samente quando, há mudança de ramo e de função?
antigo ladrilho – mosaico neopompeiano –, além de
elementos da arquitectura de interiores e tecto. No
novo espaço do antigo pavilhão de vendas desenvol- Um exemplo no presente.
veu-se uma arquitectura de interiores que embora Rumo a um futuro
nitidamente contemporânea nunca se afirma pelo conservacionista para
contraste em ruptura, mas que, pelo contrário, o comércio tradicional?
garante um equilíbrio simbiótico entre as duas lin-
guagens, afirmando o carácter de um espaço único. Passo a relatar um caso que decorre no preciso
Merecedor, sem dúvida, da atribuição de um prémio! momento em que escrevo...
A alfaiataria Rosado Pires, na Rua Augusta, man-
III – O terceiro caso passa-se precisamente nesta teve até hoje, miraculosamente, os seus interiores,
zona, ou seja ao lado da Brasileira e em frente do mobiliário e fachada intactos... Os seus deliciosos
Ramiro Leão. Trata-se do antigo estabelecimento gabinetes de prova no primeiro andar, dois em estilos
Irmãos David. Este espaço era ocupado por uma loja de revivalistas, império e neo-rococó, e os outros dois,
venda de tecidos antes de ter cessado a sua actividade. seguindo as características da época, algo à volta de
O interior encontrava-se intacto, tanto na perspectiva um estilo Liberty/Arts & Crafts, ainda lá estão, com
da sua arquitectura de interiores, como do mobiliário e tectos coerentes e tudo. Até o escondido espaço do
da fachada. Encontrava-se e encontra-se, devido à inter- escritório mantém o seu ambiente original, incluindo
venção imediata através do decreto de um embargo que o seu cofre neogótico. Ora sendo eu morador da
impediu a sua destruição, logo no início do actual man- Baixa, logo que me apercebi da possível mudança de
dato deste executivo da CML. Entretanto, este acto foi ramo, desenvolvi contactos com a Unidade de
confirmado por sentença do tribunal. Projecto Baixa-Chiado, que procedeu ao levantamen-
to exaustivo dos interiores, documentando em ima-
Antes de passarmos a algumas considerações gem todos os pormenores. Entretanto, e noutro pro-
finais convém reflectirmos sobre as circunstâncias jecto que está a ser desenvolvido com o Núcleo de
ilustradas por estes três casos. Estudos do Património da CML, já existia também
No primeiro caso (Ramiro Leão) existiu diálogo um dossier completo dos interiores deste estabeleci-
construtivo entre a CML e a entidade promotora, mento, quando ele ainda se encontrava em funciona-
mas a CML abdicou de exercer, através dos seus ins- mento. Existia portanto informação detalhada, capaz
trumentos legais (classificação da Baixa como Imóvel de fazer estabelecer um diálogo exigente de conser-
de Interesse Público, Inventário Municipal, protec- vação (Inventário Municipal, PDM) mas construtivo
ção garantida pelo PDM), a garantia da preservação com a entidade promotora. Houve desde o início, da
100 parte da CML, contactos com o IPPAR e reuniões truição de uma importante e insubstituível riqueza
em conjunto com a entidade promotora. Depois de de interiores, mas que também é necessário desen-
alguma hesitação apreensiva por parte dos novos volver um diálogo pedagógico e, com perseverança,
proprietários, que representam uma empresa de encontrar soluções em diálogo, onde ambas as partes,
renome internacional com actividade multinacional, sem abdicar do rigor, saem satisfeitas e convictas.
e de algum esforço retórico, passou-se rapidamente a A chave reside no desenvolvimento, e o ambiente e
outra fase de aceitação e entendimento onde a ideia o contexto da candidatura a Património Mundial da
da conservação passou a ser vista precisamente como Baixa Pombalina proporcionam essa oportunidade, de
uma mais-valia prestigiante para a própria imagem uma estratégia totalmente integrada entre a reabilita-
comercial, integrando a função e o produto neste ção urbana, a gestão urbana e o planeamento comer-
contexto. Todos os móveis originais vão ser manti- cial, conseguidos por um mediador com formação aca-
dos e as pequenas alterações exigidas vão ser com- démica histórica e qualidades retóricas e de diplomacia,
pletamente reversíveis. Além disso, o projecto de aliadas a uma convicção de que é possível fazer renas-
arquitectura de interiores prevê também, além do cer a Baixa e restaurar a sua função original. Uma city
restauro e grande cuidado com os materiais, um estu- completa e equilibrada entre actividades de trabalho e
do cromático detalhado, o restauro dos papéis de lazer, sustentada por uma forte função residencial e por
parede e o restauro da fachada. Este exemplo ilustra uma presença humana 24 horas por dia.
que uma mudança de função não implica uma des-
3 Estudos para
uma regulamentação
de salvaguarda
Uma proposta de verso de 530 edifícios, no qual se desprezaram 28 por 103
corresponderem a edifícios singulares ou por não
regulamento para estarem acessíveis.
a Baixa Pombalina Como acima se afirmou, o levantamento incidiu
Carla Ferreira Brito, Maria Clara Vieira, no fundamental sobre a fachada:
Cristina Alves Pereira, Isabel Amaro, ● a morfologia dos vãos, que contribui para a

João Couceiro (DMCRU – CML) afirmação da hierarquia tipológica do prédio;


● o desenho das cantarias dos diferentes vãos, o

número de módulos verticais, o número de pisos


acima da cornija, as características da cobertura;
● a tipologia dos guarnecimentos dos vãos, os

materiais de revestimento, os elementos apos- 1 Projecto de


Regulamento
tos à fachada. Municipal das
Medidas Preventivas
para a Área Histórica
Contexto No interior dos edifícios foi observada a tipologia da Baixa Pombalina
de Lisboa, p.2;
do átrio, da caixa de escada e da azulejaria. CML/Direcção
Municipal de
Reconhecendo a urgência da elaboração de regras Nas lojas, e sem carácter sistemático, foi observa- Conservação
para a intervenção no edificado e no espaço público, da a existência ou não de arcarias e abóbadas. e Reabilitação
Urbana; policopiado;
foi considerada a elaboração de um Regulamento das Analisados os elementos recolhidos, agruparam- 2004.
Medidas Preventivas para a Área Histórica da Baixa -se por modelos e organizaram-se por tipologias 2 BAIXA
POMBALINA DE
Pombalina de Lisboa que pretende “constituir um arquitectónicas, após o que foi possível elaborar os LISBOA –
instrumento operativo transitório de apoio à gestão quadros com as características dominantes de cada RELATÓRIO
PRELIMINAR
urbanística, balizado pelo disposto em sede de rua e as plantas com o cruzamento da informação, sobre o ponto
de situação dos
Regulamento do PDM e enquadrado pela preocupa- nas quais estão identificadas as características tipoló- trabalhos em curso,
p.11; CML/Direcção
ção com a implementação a curto prazo da regenera- gicas das diferentes partes do edifício: fachada, Municipal de
ção dos tecidos urbano, social e edificado em presen- cobertura e escada. Conservação
e Reabilitação
ça, acautelando a sua salvaguarda e valorização Urbana; policopiado;
2004.
enquanto património cultural insubstituível e de
3 O conjunto da
interesse internacional”.1 O Plano Pombalino Baixa, com
Tendo sido elaborado um primeiro esboço, delimitação
sensivelmente
depressa se concluiu que era imprescindível antece- O conjunto urbano da Baixa Pombalina, pela sua idêntica à do
território que se
dê-lo de “um inquérito preliminar e expedito ao edi- localização, história e características urbanísticas, analisa no presente
texto, encontra-se
ficado que permitisse caracterizá-lo minimamente, arquitectónicas e construtivas, assume indiscutível oficialmente
incidindo sobretudo na obtenção in loco de informa- importância na cidade de Lisboa e no País3 e “legiti- classificado como
Imóvel de Interesse
ção respeitante à sua imagem exterior, caixa de esca- midade”4 para poder vir a integrar o rol do Pa- Público e a Praça
do Comércio
da e caves. Concomitantemente, fotografaram-se as trimónio da Humanidade. mereceu
a classificação
fachadas, os átrios e as caixas de escadas dos edifícios Construído a partir da segunda metade do século de Monumento
observados, bem como os pormenores arquitectóni- XVIII sobre as ruínas da cidade medieval, que ocu- Nacional

cos considerados relevantes, e tentou-se identificar pava a zona do vale de confluência de duas ribeiras, 4 CUNHA LEAL
Joana (2004).
as actividades presentes e contabilizar a ocupação foi objecto de um planeamento urbanístico inovador Legitimação artística
e patrimonial da
dos fogos. (...) Todos os dados recolhidos foram desenvolvido por Manuel da Maia, no seguimento Baixa Pombalina.
introduzidos numa base de dados em Access, geo- do Plano de Reconstrução elaborado por Eugénio Um percurso pela
crítica e pel história
-referenciada, utilizando o código SIG adoptado pelo dos Santos. da arte portugueses,
Monumentos, 21;
INE e pela CML.”2 Para evitar as frequentes inundações a que até Direcção Geral dos
Edifícios e
A área de estudo foi a equivalente à definida no então a área estava sujeita, bem como para melhorar Monumentos
PDM em vigor como Área Histórica da Baixa, a articulação com as colinas marginais, reduzindo as Nacionais; Setembro
de 2004.
tendo-se excluído os prédios já abrangidos pelo pendentes, o nível do solo foi alteado em cerca de três
5 MOITINHO DE
Plano de Pormenor do Chiado, e constitui apenas metros5, com recurso ao entulho proveniente da ALMEIDA Isabel;
Caracterização
uma parte da área proposta para classificação pelo demolição das próprias ruínas. Este facto explica a Geológica da Baixa;
Comité Mundial do Património. Apresenta um uni- inexistência à superfície de construções anteriores ao ibidem, p. 155.
104 O processo construtivo adoptado foi eficaz.
Pretendia-se proceder rapidamente à reconstrução
desta área da cidade, mas tinha-se também como
objectivo conseguir níveis de conforto e de higiene
anteriormente inexistentes, pondo em prática as teo-
rias higienistas de Boerhave, difundidas por Ribeiro
Sanches. Mais do que isso: pretendia-se democratizar
esses níveis de conforto, estendendo a todas as casas
o que até então só existia nas mais ricas e modernas.
Para conseguir cumprir estes pressupostos, recor-
reu-se à produção seriada dos elementos de constru-
ção, particularmente relevante nos elementos de can-
taria e na azulejaria.

A evolução da ocupação da Baixa


A Baixa reunia diversas vertentes funcionais. Por
Alvará de 1760, a cada corporação fica destinada
determinada rua:
● “Rua Nova de El Rei (Rua do Comércio) – mer-

cadores de louça da Índia, chá e capelistas.


Fig 1 – Capitel da coluna pertencente à arcada do Hospital ● Rua Augusta – mercadores de lã e de seda.

de Todos os Santos ● Rua Áurea – ourives do ouro, relojoeiros e

volanteiros.
terramoto de 1755, ressalvando situações pontuais, ● Rua Bela da Rainha (Rua da Prata) – ourives da

como a do capitel que presumivelmente pertencia à prata.


arcaria do Hospital de Todos os Santos, que perma- ● Rua Nova da Princesa (Rua dos Fanqueiros) –

nece visível na loja do prédio com os números 84 a 89 mercadores de fancaria e livreiros.


da Praça D. Pedro IV. ● Rua dos Douradores – douradores, bate-folhas,

O traçado urbano das novas ruas e praças foi latoeiros, tendas e tabernas.
definido com base numa malha ortogonal hierarqui- ● Rua dos Correeiros – correeiros, seleiros e tor-

zada cujas três artérias principais são perpendicula- neiros.


res ao rio, ligando a Praça do Comércio, praça sím- ● Rua dos Sapateiros – sapateiros.

bolo do poder, ao Rossio, praça tradicional da socia- ● Rua de S. Julião – algibes.

lização urbana. As ruas secundárias, que fazem a ● Rua da Conceição – mercadores de retrós.

articulação entre as colinas e as ruas de terceiro ● Rua de S. Nicolau – lojas de quinquilharia.

nível, correm paralelas entre as principais como ● Rua da Assumpção – serigueiros de chapéus e

arruamentos de serviço – onde se situaram as da agulha.


cocheiras dos prédios. ● Rua de Santa Justa – mercadores de lã e de sedas.”6

O sistema construtivo foi concebido com o objectivo


de resistir a futuros sismos. Baseou-se na compactação Tal como previsto, os pisos térreos dos prédios
dos solos através da cravação de estacaria de madeira situados nas ruas principais destinaram-se ao comér-
onde era assente um criptopórtico em alvenaria de cio. No entanto, a rigidez na distribuição das activi-
pedra e abóbadas de lambaz de tijolo, formando um dades levou à inexistência de estabelecimentos
6 MADUREIRA embasamento sobre o qual se construía uma estrutura comerciais específicos para venda de produtos ali-
Nuno Luís (1992) de gaiola em madeira preenchida com alvenaria. mentares e à consequente proliferação de vendedores
Cidade, espaço e quoti-
diano: Lisboa 1740-
A arquitectura assenta no princípio da unidade, ambulantes, bem como à instalação de mercados de
1830, impondo modelos que em vez de darem relevo a cada levante nas praças: eram eles que forneciam os bens
p. 31; ed. Livros
Horizonte. edifício o tratam como parte de um todo. alimentares essenciais à sobrevivência da população.
Assim, na Praça da Figueira fixou-se o mercado da aos menos abonados. Esta distribuição permitia asse- 105
fruta e hortaliça, na Ribeira Velha, o mercado do gurar a convivência de uma burguesia de mercadores
peixe, e no Largo de Santa Justa, a venda do leite. de nível médio com artífices pobres ou com vendedo-
Mas os pisos superiores não foram sempre ocupa- res por conta de outrem. Contudo, as elites não habi-
dos com habitação. “A integração das profissões não se tavam na Baixa, preferindo-lhe a zona que se estende
limita à distribuição regular dos ofícios em lojas. Ela entre Santos e Pedrouços.
prolonga-se em altura e insinua-se nos andares dos Quanto aos equipamentos, o Plano de Eugénio
edifícios. O chamado prédio pombalino de rendimento dos Santos previu a reinstalação de algumas igrejas e
não chegará nunca a ter a utilização para que fora pre- conventos existentes antes de 1775 em terrenos pró-
visto por Manuel da Maia, a de albergue por excelên- ximos da localização primitiva, mas afeiçoados à
cia das gentes endinheiradas: comércio nas lojas, habi- malha e à volumetria do conjunto edificado.
tação distinta nos andares. A realidade é bem diferen- Associados às instituições religiosas surgiram
te. Os novos edifícios vão tornar-se pólos integradores alguns equipamentos de carácter assistencial, como
de actividades económicas, cooptando toda uma força foi o caso da instalação de um hospício para idosas
de trabalho complementar ao sistema de arruamentos. junto à Igreja de Nossa Senhora da Vitória.
Nas lojas, nos andares e até nas águas furtadas agre- Só em 1836 foi tomada a decisão de construir o
gam-se núcleos de actividades solidárias.”7 Teatro Nacional no lado norte do Rossio, no terreno
A Baixa de finais do século XVIII era em simultâ- onde ainda permaneciam as ruínas do Palácio da
neo um centro comercial e um centro de indústria Inquisição. E, por volta de 1840, foi instalado o Teatro
artesanal. Produzia-se nos andares e vendia-se na loja. de D. Fernando no local para onde estava inicialmen-
Esta situação não impediu a coexistência de habi- te prevista a reedificação da Igreja de Santa Justa8.
tação. O primeiro andar era o piso destinado aos mais Em 1907 instalou-se na Rua dos Sapateiros, junto
abastados, enquanto as águas furtadas se destinavam ao Arco do Bandeira, o Animatógrafo do Rossio.

Fig. 2 e 3 – Igreja Nossa Senhora da Oliveira.

7 Ibidem, p. 39.
8 Onde actualmente
se encontra
o edifício da Pollux,
obra de renovação
construída sobre
o projecto de Keil
do Amaral.
106

Fig. 4 e 5 – Igreja de São Nicolau.

De referir, também, as agremiações que desem-


penhavam funções culturais e de recreio, de que é
exemplo o Grémio Lisbonense, fundado em 1842.
Várias unidades hoteleiras foram sendo inaugura-
das na Baixa. Na Rua da Madalena, do lado sul, há
notícia da existência de várias pensões ocupando um
ou dois andares. De finais de oitocentos datam o
Hotel Francfort, com instalações na Rua Augusta e
no Rossio, o Hotel das Nações, na Rua da Madalena,
e o Hotel Portugal, na Praça do Município; e, já no
século XX, em 1909, o Hotel Internacional, na Rua
Augusta, e, em 1913, o Hotel Metrópole, no Rossio.
A instalação ou a ampliação de sedes de bancos
aumentou em meados do século XIX e nas primeiras
décadas do século XX, resultando na construção de
grandes edifícios de arquitectura ecléctica e, mais
tarde, Art Déco, que “quebram a monotonia pombali-
na”9. Localizam-se sobretudo a sul, nas imediações
da Praça do Comércio e da Praça do Município, junto
aos ministérios, aos tribunais e aos Paços do
Concelho da Cidade.
9 Araújo, Norberto
(1993) Peregrinações
Para lhe dar acesso, foi montada toda uma rede de
em Lisboa, XII transportes urbanos, essencialmente constituída por
volume, p. 57;
Ed. Assírio & Alvim. Fig. 6 – Rua dos Sapateiros, 226 – Grémio Lisbonense. carros eléctricos sobre carris e, posteriormente, por
niais, e contraria a diversidade e a originalidade do 107
comércio tradicional, uniformizando-o.
Com a apreciação do inquérito preliminar, consta-
tou-se a tendência de determinados ramos de activi-
dade se concentrarem em eixos, sendo clara a distin-
ção entre as ruas longitudinais e as transversais, as
principais e as secundárias e entre a vertente norte e
sul da Baixa.
Este facto é evidente ao nível das lojas de pronto-
-a-vestir, das sapatarias e das lojas de marroquinaria
que se concentram, preferencialmente, nos eixos
principais, designadamente na Rua Augusta, na Rua
da Prata e na Rua dos Fanqueiros.
Em conformidade com o sistema de arruamentos
de 1760, é ainda possível encontrar as ourivesarias e
as relojoarias maioritariamente instaladas nas ruas
do Ouro e Prata e as lojas de artigos pessoais essen-
cialmente concentradas na Rua Augusta, Rua dos
Fanqueiros e na Rua da Conceição, que permanece
especializada em retrosaria. O sector dos serviços
tem a sua localização preferencial na ala sul da Rua
do Ouro, Rua Augusta e Rua do Comércio.
O Quadro I traduz o peso de cada ramo de activi-
Fig. 7 – Rua da Betesga, 3 – Hotel Internacional. dade existente ao nível do piso térreo, bem como o
seu peso específico para uma parte da área em análi-
se (ver Planta 1).
autocarros. Na zona envolvente foram construídos
terminais de transportes suburbanos e regionais: nas
estações ferroviárias de Santa Apolónia, do Cais do
Sodré e do Rossio e na estação fluvial de Sul e Sueste.
Por todas estas razões, a zona da Baixa passou a
constituir o coração da Cidade.
Contudo, sobretudo a partir dos anos 1980, facto-
res vários – como o Regime do Arrendamento
Urbano, a concorrência dos grandes centros comer-
ciais e de áreas terciárias espalhadas pela cidade e
seus arredores, a melhoria do sistema de acessibilida-
de e a incapacidade de adequar correctamente os edi-
fícios e o próprio espaço público aos novos padrões
em uso – conduziram à drástica redução da popula-
ção, de actividades e ao abandono e degradação do
parque edificado. A actividade comercial foi perden-
do as suas características tradicionais, assistindo-se
actualmente à instalação de franchisings, em muitos
casos com a ocupação integral de edifícios e à insta-
lação de comércio de quinquilharia proveniente de
países asiáticos que, de forma diversa, contribuem
também para a desqualificação da zona. Esta tendên-
cia pressupõe a destruição do interior dos edifícios, o
consequente desaparecimento dos valores patrimo-

Planta 1 – Delimitação da área onde


se procedeu ao inquérito sobre o tipo
de actividades desenvolvidas ao nível do piso térreo.
108 Quadro 1 Actividades desenvolvidas ao nível do piso térreo na área delimitada
na planta 1
ACTIVIDADES VALORES

Nº %

Sector alimentar Sector alimentar 9 1,6


Sector não alimentar Pronto-a-vestir 112 19,4
Cultura, desporto e lazer 62 10,7
Saúde e higiene 13 2,2
Sapatarias, malas e peles 47 8,1
Equipamentos do lar 20 3,5
Ourivesaria e relojoarias 47 8,1
Outros artigos pessoais 49 8,5
Restaurantes e similares Restaurantes e similares 100 17,3
Armazéns Armazéns 1 0,2
Serviços Bancos e seguros 37 6,4
Administração pública 3 0,5
Serviços pessoais 20 3,5
Transportes e comunicações 13 2,2
Espaços encerrados 45 7,8

TOTAL 578 100

Verifica-se, assim, a predominância do sector não


alimentar10 em detrimento do sector alimentar, não
tendo este último quase expressão no contexto da
área analisada.
No sector não alimentar evidenciam-se as lojas de
pronto-a-vestir, de artigos de lazer, desporto e cultu-
ra, seguidas da venda de artigos pessoais, ourivesa-
rias/relojoarias, bem como sapatarias e lojas de
marroquinaria. Com menor expressão, encontram-se
lojas de equipamentos para o lar. Por último, e em
menor número, estabelecimentos com venda de arti-
gos de saúde e higiene.
Com uma apreciação mais pormenorizada, veri-
fica-se que permanecem no comércio tradicional da
Baixa áreas de especialização muito marcadas,
como retrosarias, ourivesarias, tecidos e lãs, reflec-
tindo a afectação original que lhes foi destinada
pelo sistema de arruamentos da Baixa constante no
alvará referido.
10 Optou-se pela Encontram-se também outras áreas especializa-
utilização das, designadamente algumas barbearias, sapateiros,
de designações
análogas às drogarias, carpintarias, espingardarias, gravado-
adoptadas pela
CML/DMAC in
res/carimbos, penhores e ferragens.
Levantamento Paralelamente, ao nível dos pisos superiores, con-
Funcional da Baixa;
Dezembro de 1995. servam-se algumas actividades de outrora que, Fig. 8 – Rua Aurea, 261 – Ourivesaria Araújos, Lda.
109

Fig. 9 – Prç. D. Pedro IV, 21 – Tabacaria Mónaco.

Fig. 10 – Rua dos Sapateiros, 68 – Sapateiro.

Fig. 11 – Rua da Prata, 171 – Quiosque Tivoli.


110 curiosamente, ainda persistem, como oficinas de cal- obstante a fraca qualidade da oferta que muitas delas
çado, oficinas de malas, ateliers de joalharia, ferra- registam. Estas unidades estão sobretudo situadas na
mentas para relojoeiros, costureiras/alfaiates, reven- parte Norte da Baixa, na proximidade do Rossio e da
dedores de botões e linhas e casas de penhores. Praça da Figueira.
Encontram-se frequentemente armazéns de apoio às
lojas do piso térreo ocupando fogos que inicialmente
teriam características habitacionais. Evolução populacional
O número de edifícios com uso ou parte de uso
afecto a unidades hoteleiras, residenciais, pensões e Das várias freguesias que integram a Baixa, só a
casas de hóspedes (ver Planta 2), é significativo, não de São Nicolau se encontra abrangida na sua totali-

Planta 2 –
Localização de hotéis,
residenciais, pensões
e casas de hóspedes.

Quadro 2 População residente em Lisboa e na freguesia de São Nicolau no período


de 1864 a 2001
ANOS
1864 1878 1890 1900 1911 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1981 1991 2001

Lisboa 190311 240740 300964 351210 431738 484664 591939 694389 783226 802230 760150 807937 663394 556797

S. Nicolau 9903 8771 9153 8831 10428 6298 8305 5690 4244 3961 2165 2535 1448 1175

Fonte: Recenseamentos Gerais da População, INE.


dade pela área em estudo. Daí, a apresentação dos Este abandono transparece na degradação visível 111
dados relativos à evolução da sua população. de alguns imóveis: caixilharias apodrecidas, madeira-
Esta tendência evolutiva pode generalizar-se às mentos das coberturas deformados, prumadas de
restantes freguesias em presença: Madalena, esgoto em rotura, redes eléctricas envelhecidas,
Mártires, Sacramento, Santa Justa e São Cristóvão e fachadas escalavradas.
São Lourenço. A esta situação acresce a alteração das coberturas,
Em 1864 a população da Freguesia de São Nicolau com alteamento de telhados e, por vezes, a ampliação
era de 9903 habitantes11, atingindo o seu valor mais do número de pisos e a introdução de materiais estra-
expressivo em 1911, com 10 428 habitantes. É a par- nhos aos utilizados na construção inicial, que tam-
tir dos anos 1930 que o número de população resi- bém contribuem para a desqualificação do conjunto.
dente desta freguesia começa a decair. No interior dos edifícios, a degradação provocada
Pelo contrário, constata-se que os ritmos de pela falta das obras periódicas de conservação e
crescimento da população de toda a cidade de beneficiação obrigatórias por lei conjuga-se com a
Lisboa variam ao longo dos anos num sentido que é resultante das obras desajustadas, com demoli-
ascendente. Só em 1970 é que se manifestou a pri- ção de estruturas portantes, introdução de materiais
meira redução no número de residentes na cidade, inadequados e destruição de elementos com valor
que se consolidou a partir da década de 80, até aos patrimonial, em particular pinturas murais, estuques,
nossos dias. Sublinhe-se que actualmente a cidade cantarias e azulejos.
apresenta um número de residentes próximo do Apurou-se, por exemplo que em 140 edifícios, as
existente em 1930. escadas de origem foram demolidas e substituídas
Curiosamente, observam-se tendências distintas por estruturas em betão armado. Em 81 edifícios
entre a cidade e a Baixa. Enquanto a cidade mante- foram introduzidos elevadores, na maior parte das
ve a sua tendência de crescimento até 1960, a Baixa vezes sem os cuidados necessários à preservação das
iniciou o seu processo regressivo em 1911, que se estruturas pombalinas. Em pelo menos 42 prédios
consolidou a partir de 1930, conforme referido. verificou-se a existência e a utilização de caves.
Factores como a própria expansão da cidade, o apa-
recimento de construção que passou a oferecer me-
lhores condições de habitabilidade, paralelamente O aumento do número de pisos foi também lesivo.
com o acentuado processo de terciarização da Baixa, Sendo muito provável que a regra de construção de
indicam que o movimento de expulsão da população rés-do-chão, três pisos corridos e águas furtadas não
residente na Baixa não deve ser analisado como um tenha sido sempre cumprida desde o início, certo é
fenómeno recente, mas como um fenómeno que se que a partir da segunda metade do século XX se
inicia nos anos 1920-1930. assistiu à construção de verdadeiros “edifícios sobre
Para além do fenómeno de redução demográfica, edifícios”, acrescentando por vezes, três novos pisos
assiste-se actualmente ao fenómeno de redução das aos cinco iniciais.
próprias actividades, com um crescente número de Com esta atitude, obteve-se em alguns casos uma
unidades comerciais encerradas/devolutas em simul- arquitectura híbrida, falha de arte e de proporção,
tâneo com o aparecimento do comércio de quinqui- que pretendeu através do mimetismo de alguns por-
lharia proveniente de países asiáticos, conforme se menores pombalinos, de resto mal compreendidos e
explicará no capítulo seguinte. mal reproduzidos, disfarçar a intervenção de mera
especulação.
No entanto, e contrariamente ao que tem sido refe-
O edificado rido na zona estudada, há ainda 161 edifícios com
cinco pisos, representando 30,4% do total. Os edifí-
A percepção que hoje se tem da ocupação dos edi- cios de 6 pisos são os mais frequentes. Curioso é cons-
fícios da Baixa é a de um piso térreo com comércio, tatar que muitos foram possivelmente assim construí-
um primeiro andar com o armazém ou a oficina da dos de raiz, já que os pisos de varanda corrida apare-
loja, o segundo andar eventualmente ocupado por cem sistematicamente associados a outros elementos
serviços, dois pisos desocupados e, nos últimos anda- de tipologia neoclássica, situando-se a sua construção 11 Recenseamento
Geral da População;
res, habitação. entre 1780 e a primeira metade do século XIX. INE.
112

Fig. 12 – Rua da Madalena, 166-180

Também é frequente constatar a alteração das


características da cobertura, que, com o objectivo de
ampliar a área útil do sótão, foi alteada e desfigurada.
Ao nível do piso térreo, as alterações das fachadas são
também importantes. De facto, na decoração dos estabe-
lecimentos comerciais há uma tendência para o acom-
panhamento dos modismos, que não atende às caracte-
rísticas da pré-existência nem à integração no contexto.

Como planear a reabilitação


da Baixa?
As razões da degradação, da desqualificação e da
desertificação a que temos vindo a assistir na Baixa
Pombalina são múltiplas. Tentar-se-á, de seguida,
sintetizar as que se afiguram mais evidentes:
● relocação do comércio e dos serviços, designa-

damente de inúmeros serviços públicos, resul-


tante da forte concorrência promovida pelas
novas áreas terciárias e pelos centros comer-
ciais espalhados pela cidade e pela sua área
Fig. 13 – Rua da Madalena, 89-93. metropolitana;
Exemplo de edifício com dois pisos de varanda corrida e trapeirão. ● redimensionamento da rede de acessibilidades,
com a criação de novos interfaces, que fizeram Reabilitar a Baixa, atendendo ao disposto em sede 113
com que o atravessamento pedonal da Baixa se de Regulamento do Plano Director Municipal14,
tenha transformado num acto voluntário; pressupõe, portanto, a prévia aquisição de conheci- 12 “Artigo 39º
● desactualização das condições de conforto e de mento em várias vertentes: (Plano ou
Regulamento
segurança oferecidas pelo parque edificado, ● reavaliação da “vocação” da zona em comple-
Municipal) – A Área
designadamente em termos de instalações sa- mentaridade com as zonas vizinhas, designa- Histórica da Baixa
deve ser objecto de
nitárias, redes e instalações de abastecimento e damente com o Chiado, a colina do Castelo e a Plano de Pormenor
ou de Regulamento
de acesso mecânico aos pisos; Avenida da Liberdade, numa lógica de sus- Municipal que tenha
por fim a preservação
● atitude expectante, a que a especulação imo- tentabilidade económica; e revitalização do
biliária não será alheia, por parte dos pro- ● elaboração da Carta Geológica e Geotécnica à conjunto
arquitectónico e
prietários dos imóveis, que não investem na con- escala 1:2000; urbanístico
e nomeadamente:
servação e beneficiação dos seus bens, preferindo ● avaliação do risco sísmico e do desempenho a) Preservar
os edifícios de traça
mantê-los devolutos e ao abandono, à espera de estrutural do edificado através de uma micro- e construção
melhores condições de arendamento; zonagem, atendendo à definição das regras setecentista, bem como
os de especial interesse
● ocupações indevidas e indesejáveis dos fogos para intervenção nos edifícios, com vista a pos- arquitectónico ou
urbanístico e definir as
originariamente destinados a habitação, por sibilitar a sua adequação às actuais exigências regras a que devem
obedecer as intervenções
exemplo, com armazéns; de conforto e de segurança, mas protegendo as sobre o edificado e o
● inexistência do instrumento de planeamento estruturas pombalinas e os valores patrimo- espaço público;
b) Definir as condições
de nível inferior previsto no Artigo 39º do niais existentes; específicas de integração
de usos de comércio,
Regulamento do Plano Director Municipal12, ● avaliação das carências de equipamentos de de serviços,
habitacionais e de
aliado a dificuldades na aplicação do Artigo nível local, de nível concelhio e de nível nacio- indústria compatível,
40º do mesmo Regulamento;13 nal e internacional, com eventual reforço da tendo em atenção
o disposto na legislação
● elevados graus de poluição sonora e atmosfé- valência cultural; aplicável e as
características dos
rica em certas zonas bem localizadas. ● elaboração de estudos de acessibilidade à cida- edifícios; c) Definir as
condições e regras para
de e à Área Metropolitana de Lisboa, conside- a identificação,
A estas, acresce o desconhecimento que ainda se rando o desvio a montante do trânsito auto- protecção
e integração dos valores
tem da realidade da Baixa, designadamente: móvel que não tem como destino a Baixa; históricos
e arqueológicos
● das características do desempenho da gaiola ● elaboração de estudos de circulação interna a de especial interesse;
d) Definir os
pombalina, da jangada e da estacaria. dois níveis: condicionamentos
– pedonal, no interior da zona, com vista a per- à construção de caves
e alteração do subsolo;
Não obstante alguns destes problemas, a Baixa mitir atravessamentos e ligações fáceis às coli- e) Definir disposições
especiais relativas à
reúne um conjunto enorme de potencialidades que nas envolventes, bem como, simultaneamente, envolvente dos
edifícios e aos
urge explorar, designadamente: à fruição do espaço público; equipamentos
● interesse paisagístico, patrimonial e cultural, – de transportes colectivos locais que permi- complementares, tendo
em vista a
nomeadamente em termos da referência que tam aos frequentadores deslocar-se facilmente conjugação da
conservação do
constitui para a memória colectiva nacional, dentro da zona da Baixa, entre os pontos de património histórico-
-arquitectónico com a
por exemplo, em termos de centro polí- parqueamento automóvel ou o terminal de conservação da energia e
tico/administrativo, de comércio e de cultura; transportes colectivos; as condições de conforto
e segurança.”
● concentração de serviços, nomeadamente de ● avaliação das necessidades de estacionamento
13 “Artigo 40º
serviços públicos e de comércio, equipamentos para moradores, utentes e visitantes, e vin- (Regras Supletivas) –
Na falta de Plano de
e bens culturais; culação dos espaços adequados a disponibilizar Pormenor ou de
Regulamento
● localização central privilegiada relativamente para este fim. Municipal,
à cidade e à sua área metropolitana; o licenciamento de
obras é limitado à
● óptima acessibilidade à cidade e à sua área Estes e outros estudos devem enquadrar a elabo- beneficiação, restauro
e conservação, ou
metropolitana; ração de um Plano para a Baixa, que terá como objec- alterações pontuais que
visem a reposição das
● alguma oferta de estacionamento para visitan- tivos a reabilitação, a requalificação e a revitalização características
tes em parques de estacionamento público; desta Área Histórica. Este Plano deveria entrar em primitivas dos edifícios
e que não impliquem a
● proximidade do rio; vigor dentro de um prazo de dois anos. demolição de elementos
estruturais,
● existência de milhares de metros quadrados de de fachadas, coberturas
ou abertura de caves.”
superfície de pavimento devolutos.
14 Cfr. Notas 6 e 7.
114

Escada não visitada Escada de tiro


Edifício singular Tipologia Prç. do Comércio

Escada pombalina Escada gaioleira Outra tipologia


Escada neoclássica Escada alterada

Planta 3
Tipologias de caixa de escadas.
15 Para efeitos
de uniformidade na
terminologia usada Fig. 14 – Exemplos
no inquérito foram
consideradas as de escada de tiro (Rua da
seguintes Conceição 51-61/Rua
características da Prata 52-66); escada
das diferentes
tipologias pombalina (Praça da
de caixas de Figueira, 12-12D; escada
escada : neoclássica (Rua da
Escada
pombalina – a Mdalena, 102-108/Rua das
caixa de escada Pedras Negras, 34-38); e
articula-se com o escada gaioleira (Rua da
átrio através de dois
arcos de cantaria Madalena, 146A-156).
lavrada. A escada é
de dois lanços, sem
bomba, com guarda Objectivos e metodologia
14,9% de gaioleiras, e 27,1% de escadas alteradas,
de alvenaria capeada
a madeira, na parte para a elaboração de um
sendo as restantes não visitadas ou de outras tipolo-
superior. É iluminada
por vãos praticados
Projecto de Regulamento gias15 (ver Planta 3).
nas fachadas. Não há
clarabóia. Escada Só 26,9% dos 141 edifícios com fachada e escada
neoclássica – a caixa
de escada é iluminada O objectivo deste Projecto de Regulamento con- pombalinas, na zona estudada, têm cobertura de
por clarabóia e tem
bomba com planta sistiu em propor normas destinadas a balizarem e acordo com os modelos constantes do Cartulário
quadrangular. As
escadas têm guarda
enformarem as intervenções no espaço público e no Pombalino ou não têm aproveitamento do desvão do
ainda de alvenaria tecido edificado, criando regras que permitam telhado. Os outros 103 edifícios que têm fachada e
ou em ferro forjado.
Escada gaioleira introduzir as imprescindíveis condições de confor- escada pombalinas, apresentam características exte-
– a caixa de escada é
precedida por um to e de segurança, mas que salvaguardem e conser- riores muito diversas ao nível dos últimos pisos e da
átrio amplo, dela
separado através de
vem os valores patrimoniais ou obriguem à sua cobertura, verificando-se em todos eles, o aproveita-
um único arco em reposição. mento do piso acima da cornija, com a introdução de
cantaria ou madeira
pintada. Existe uma A partir do universo analisado com o inquérito, pelo menos um piso de varanda corrida.
bomba de escada
com planta elíptica. concluiu-se que 83,7% das fachadas são pombalinas Os restantes edifícios foram classificados quanto à
A guarda, com
desenho
(este valor não contabiliza os edifícios da Praça do tipologia da fachada como neoclássicos, gaioleiros,
característico, é Comércio). Para o mesmo universo encontraram-se eclécticos, art-déco/modernistas e neopombalinos
quase sempre de
ferro fundido pintado. 27,3% de escadas pombalinas, 18,8% de neoclássicas, (Ver Planta 4).
115

Escada não visitada Escada em obra


Edifício singular Tipologia Prç. do Comércio

Fachada pombalina Fachada gaioleira Fachada modernista


Fachada neoclássica Fachada alterada Fachada neo-pombalina

Planta 4
Tipologias de fachadas.

Nos 93 edifícios que têm fachada pombalina e esca-


da neoclássica foi grande a diversidade encontrada
nas características exteriores dos pisos acima da cor-
nija. A situação dominante é a de dois pisos acima da
cornija, sendo mais frequente um ser de varanda
corrida e o outro com trapeirão no telhado (24,7%).
No entanto, não é de desprezar o número daque-
les cuja cobertura ainda está de acordo com os alça-
dos do Cartulário Pombalino (12,9%).
Dos 77 edifícios com fachada pombalina e escada
gaioleira é curioso referir que 50 têm na sua fachada
ou cobertura elementos ou materiais característicos
da tipologia gaioleira. São as fachadas revestidas a
azulejo, são as varandas do piso corrido apoiadas em
cachorros de pedra e não na cornija, são as platiban-
das e os balaústres a encimarem o edifício e ainda a
existência de mansardas e de trapeiras gaioleiras.
Esta análise foi feita para todos os edifícios de
fachada pombalina, cruzando-se a informação respei-
tante às escadas e aos pisos acima da cornija.
Constatou-se que as primeiras alterações de
fundo realizadas no edificado do Plano de Re-
construção da Baixa Pombalina datam do final do
século XIX e das primeiras décadas do século XX:
correspondem às grandes alterações de usos – banca,
Fig. 15 – Rua da Conceição, 51-61/Rua da Prata, 52-66
Exemplo de edifício com fachada pombalina, cobertura seguros, grandes armazéns e hotéis. A adaptação
e escada pombalinas. funcional do interior dos edifícios pombalinos para
116

Fig. 16 – Rua dos Fanqueiros, 243-249/Rua de Santa Justa, Fig. 17 – Rua da Assunção 34-40/Rua da Prata, 209-219.
48. Exemplo de edifício com fachada pombalina, cobertura e Exemplo de edifício de fachada pombalina,
caixa de escada neoclássicas. cobertura e escada gaioleira.

Fig. 18 – Exemplo de edifício com fachada ecléctica. Fig. 19 – Rua Augusta, 233-241/Rua dos Sapateiros, 174-178.
Exemplo de edifício com fachada modernista.
117

Fig. 20 – Rua Augusta, 24-32


Exemplo de edifício com fachada neopombalina.

Fig. 21 – Exemplos
de azulejos de revestimento
de fachada. Rua dos
Douradores, 171-173;
Rua da Assunção, 34-40/
Rua da Prata, 209-219;
Rua da Conceição,
26-36/Rua dos
Fanqueiros, 73-85.

Fig. 22- Exemplos de


azulejos de revestimento de
átrio e de caixa de escada:
tipologia pombalina – Rua
dos Fanqueiros, 202-210;
tipologia neoclássica – Rua
da Assunção, 71-77/Rua
dos Sapateiros, 130-144;
tipologia gaioleira –Rua
Augusta, 228-236.

grandes e racionais escritórios e serviços e a necessi- a criação de amplos espaços interiores, bem como a
dade de inovar e de dotar os alçados de singularida- abertura de grandes vãos. A este período correspon-
de levaram ao aparecimento de novas tipologias dem os edifícios classificados como tipologias
arquitectónicas. A estrutura destes novos edifícios Ecléctica (15), Art Déco e Modernista (5).
recorreu à utilização dos novos materiais de constru- Já no final dos anos 1940, retomou-se a linguagem
ção, primeiro o aço e depois o betão, que permitiram pombalina, muitas vezes tão mal entendida, dando
118 Fig. 23 - Exemplos
de registo de azulejos
e de elementos decorativos:
Rua Nova do Almada n.º
45-57/Largo da Boa-Hora
n.º 5-11;
Rua do Comércio n.º 32-38;
Rua dos Fanqueiros n.º
142-150; Rua da Madalena
n.º 63-71/Rua de São
Julião n.º 24-36.

azo a alterações que descaracterizaram ou pontual- de aplicação. Inclui um artigo relativo a definições.
mente agrediram o conjunto (como por exemplo, Também se pretendeu assegurar a protecção dos
vários edifícios públicos junto à Rua do Comércio). valores patrimoniais existentes constituindo um pro-
Todas estas intervenções, algumas muito recentes, cesso de inventariação e de registo patrimonial de
foram classificadas como neopombalinas (22). inventário abertos, onde figurem todos os bens patri-
Foram igualmente dignos de registo os azulejos moniais conhecidos e onde se possam registar os que
quer de revestimento de fachada, quer os localizados posteriormente vierem a ser conhecidos16.
no átrio e caixa de escada, os arcos em pedra do átrio O Capítulo II, que trata do regime processual,
e as guardas das escadas. designadamente da instrução, apreciação, despacho
Foi cartografada a localização dos modelos das de processos e da fiscalização das obras, tendo em
molduras dos vãos do piso térreo de todos os edifí- vista um maior controlo das obras a efectuar e simul-
cios, bem como dos edifícios em que se observa pelo taneamente uma maior transparência no processo de
menos a alteração da moldura de um dos vãos relati- decisão.
vamente aos desenhos do Cartulário. Estes dados O Capítulo III, onde se expõem os princípios de
também foram contabilizados em quadros, o que intervenção no espaço público e no edificado
permite obter uma percepção das modas das oco- comuns a todas as situações, independentemente
rrências por arruamento (ver Plantas 5 e 6). das tipologias arquitectónicas e construtivas em
O arrastamento no tempo do processo de reconstru- presença. Propõem-se prescrições sobre o modo de
ção da Baixa, levou à coexistência de tipologias pomba- reabilitação de materiais antigos, tendo como objec-
linas e não pombalinas quer em construções feitas de tivo manter o que pode ser mantido e substituir por
raiz quer nas diferentes partes de um mesmo edifício. materiais idênticos o que não pode ser recuperado.
É ainda de realçar que este reconhecimento do Aborda-se ainda a compatibilidade dos usos com as
edificado permitiu alargar e dar coerência à proposta características físicas dos edifícios e dos espaços
de integração de novos itens no Inventário Municipal públicos.
16 Em anexo, do Património, actualmente em processo de revisão. No Capítulo IV enunciam-se as prescrições gerais
apresenta-se o
Inventário sobre as intervenções em elementos estruturais em
Municipal do
Património da Baixa,
coberturas, em vãos exteriores, nos acabamentos e
constituído
pela listagem,
Estrutura, conteúdos revestimentos exteriores e nas infra-estruturas e
descrição, registo
fotográfico e
e modos de aplicação redes. Tem como objectivo preservar os materiais
cartográfico dos
valores que, no
do Projecto de Regulamento primitivos e assegurar que os novos materiais e os
presente estado de
novos elementos estruturais sejam compatíveis com
conhecimento do os pré-existentes.
tecido da Baixa,
foram considerados Baseando-se nos resultados do inquérito, o No Capítulo V são enunciadas prescrições espe-
merecedores de o
integrarem e de que, Projecto de Regulamento foi organizado em cinco ciais para cada tipologia arquitectónica e construtiva:
ao longo de todo
o articulado do
capítulos: tipologia pombalina, tipologia neoclássica, tipologia
Projecto de O Capítulo I, que contém as disposições prelimi- gaioleira, tipologia ecléctica, tipologia Art Déco e
Regulamento, há
normativo relativo nares que estabelecem o enquadramento legal, o tipo modernista. Como se verificou a existência de ele-
às intervenções
nestes bens. de obras permitido, a delimitação da área e o método mentos de diversas tipologias num mesmo edifício,
Escada não visitada Escada em obra Escada não visitada Escada em obra
Edifício singular Tipologia Prç. do Comércio Edifício singular Tipologia Prç. do Comércio

Arco Arco/Recto Polígono/Recto Fachada alterada Arco Arco/Recto Polígono/Recto Fachada alterada

Arco/Polígono Polígono Recto Alteração total/parcial Arco/Polígono Polígono Recto Alteração total/parcial

Planta 5 – Caracterização da cantaria dos vãos do piso térreo. Planta 6 – Caracterização da cantaria dos vãos do piso térreo
(cont.). Alteração total ou parcial da cantaria dos vãos do piso
térreo.

são especificamente regulamentados os modos de É ainda anexado um modelo para o Auto de


intervenção nas partes que caracterizam o todo: Vistoria de Valores Patrimoniais que permite identi-
coberturas, vãos exteriores, revestimentos e acaba- ficar, classificar e descrever os prédios e os conjuntos
mentos exteriores, revestimentos e acabamentos edificados, bem como inventariar o que deve ser man-
interiores, caixas de escada e caves. Assim, em plan- tido e conservado, assim como as dissonâncias que
tas anexas ao regulamento e dele fazendo parte inte- devem ser eliminadas.
grante, cartografam-se as tipologias dos edifícios, Com este projecto de regulamento, foram simula-
indicando para cada prédio, ou parte dele, o tipo de dos alguns dos princípios de possivel aplicação no
intervenção que nele pode ser executada. É abordada edificado e no espaço público na área da Baixa, clari-
a situação dos edifícios que sofreram obras desade- ficando algumas regras da gestão e incentivando as
quadas e que provocaram a sua adulteração, nos acções dos investidores imobiliários no sentido da
quais se incluem os da tipologia designada por neo- reabilitação dos edifícios e, consequentemente, da
pombalina. Nestes casos, enunciam-se as situações revitalização desta zona histórica da cidade.
em que se poderá exigir a correcção ou a substituição
das partes dos edifícios que conduziram à sua desca-
racterização.
Um plano de cores A única fonte menos generalista encontrada é a 121
publicação de Valério Martins de Oliveira – “Adver-
para o território da tências aos Modernos que aprendem o Officio de
Baixa e as argamassas Pedreiro”4. No entanto, este documento apresenta-se
para a conservação não como um manual de construção, mas mais como
um conjunto de conceitos para o traçado de elementos
de fachadas. espaciais e de normas a seguir para a orçamentação de
Vítor Lopes obras executadas exclusivamente pela arte do Pedreiro,
FA – UTL (consultor do FRRC)
o que deixa toda a parte de carpintaria de fora.
As descrições da época sobre construções pomba-
linas que se encontraram restringem-se a relatos
escritos baseados em obras de demolição, nomeada-
mente as dos edifícios que são presentemente ocupa-
dos pelo Banco Nacional Ultramarino5, ou pela anti-
ga sede do Crédito Predial Português6 (1922),
ambos na Rua Augusta.
Uma introdução ao sistema Houve necessidade de proceder a um trabalho de
construtivo levantamento, que decorreu entre 1987 e 1995. 1 Anexo 2 pp.
Foram escolhidos com este objectivo de estudo IV.A2.3-IV.A2.43.,
LOPES DOS
Os princípios construtivos adoptados na Baixa vários edifícios de habitação colectiva agrupada em SANTOS,
Vítor – Sistema
Pombalina obedeceram a normas resultantes sobre- Lisboa que se identificassem com o Sistema Cons- Construtivo
tudo da experiência. trutivo Pombalino. Pombalino F.A. UTL,
1995.
A verificação dos efeitos dos acidentes de No- Os edifícios seleccionados numa primeira aborda- 2 LISBOA Amador
vembro de 1755 nas construções, e anteriormente, gem foram aqueles que, em virtude do seu estado de Patricio de,
Memórias das
durante os sismos de 1356 e de 1531, contribuiu cer- conservação, permitissem a detecção do maior principaes
tamente para a determinação dos princípios funda- número possível de efeitos de patologias construti- providencias que se
derão no terramoto
mentais, ou Sistema, pelos quais se teriam de reger vas. Alguns edifícios encontravam-se devolutos ou que padeceo a corte
de Lisboa no ano
os construtores ao edificarem os novos edifícios em situação irregular, pelo que o acesso ao seu inte- de 1755 ordenadas
e offerecidas à
durante o período Pombalino. rior nem sempre foi facilitado. Através das informa- Magestade fidelíssima
Outro factor fundamental para a definição do ções registadas durante a observação directa e do de El Rei D. José I,
Nosso Senhor, s. l., s.
Sistema terá sido a experiência acumulada pelos levantamento geométrico e fotográfico de um total n., 1758.

técnicos militares em construções de paióis e de for- de 93 edifícios de habitação colectiva agrupada, 3 Surge o nome de
Amador Patricio de
tificações assentes em terrenos situados nas mar- construídos primitivamente com o Sistema Lisboa como
gens de rios. Pombalino, (15 dos quais durante intervenções de pseudónimo de
Cândido Lusitano,
A prática de séculos de construção naval em demolição interior), procurou-se obter dados que que por sua vez seria
o nome de baptismo
Portugal proporcionou um saber indispensável à arte permitissem: iniciático do Padre
Francisco José
de carpintaria deliciosamente evidenciado nos ele- ● desenhos de conjunto e de pormenorização
Freire.
mentos de madeira que compõem o Sistema. construtiva de reconstituição do Sistema ori- 4 Regia Officina
Não existem elementos escritos ou desenhados, à ginal; Sylviana e da
Academia Real, 1757
semelhança do verificado para o interior dos fogos, ● elaborar um quadro de elementos construtivos - Lisboa.
que de maneira rigorosa descrevam os diferentes ele- principais existentes, não apenas dos primiti- 5 PEREIRA de
mentos e processos utilizados para a construção dos vos, mas também dos elementos e sistemas SOUSA Francisco
Luis, O terramoto
edifícios pombalinos. executados posteriormente, permitindo esta- do 1º de Novembro de
1755 em Portugal e
Para além das descrições muito gerais efectua- belecer uma cronologia das intervenções. um estudo
Demográfico, Lisboa,
das no decurso das dissertações de Manuel da Serviços Geológicos,
Maia, no texto do Plano de 1758 1 , ou nas O número final total de levantamentos foi de 152, Tipografia do
Comercio, 1919, p.
“Memórias”2 de Amador Patrício de Lisboa3 não executados ao longo de 8 anos, tornando possível a 783 v III.

são conhecidas normas, publicadas na época, que observação evolutiva de algumas alterações. 6 VIEIRA DA
SILVA, Dispersos
pudessem iniciar os agentes de construção ao Todavia, e para o trabalho em apreço, apenas se n.p., p. 315.
Sistema. apresentam as conclusões relativas a paredes.
122 As paredes resistentes As madeiras identificadas foram as de Quercus
(de frontal) pedunculata (carvalho pedunculado), Castanea sativa
(castanheiro), Quercus suber (sobreiro) e Quercus ilex
As paredes de frontal são elementos verticais (azinho), em prumos de secção 13x15 cm e travessas
resistentes, em taipa de saibro argiloso, cal e inertes com 10x13 (medidas aproximadas).
(pedra e tijolo), cofrados com taipais de madeira dos Todavia também foram detectadas madeiras não
dois lados, incluindo junto ao paramento interior, no introduzidas nessa época na mata portuguesa, como é o
caso de paredes exteriores, e a meio, no caso de pare- caso da Larix decidua (Láride da Europa), ou do Pinus
des interiores, uma estrutura de madeira autoportan- sylvestris nórdico (pinheiro bravo do Norte da Europa).
te e solidária com os restantes elementos estruturais A massa da taipa de cal utilizada era preparada
do mesmo tipo. Distribuem as cargas que colectam previamente em obra em caldeiras. Sobrepondo cama-
da restante estrutura de madeira do edifício a fre- das alternadas (20 a 30 cm de espessura) de saibro
chais, que melhor as uniformizam, transmitindo-as a (areia argilosa amarela-avermelhada) e de cal em
elementos mais rígidos em pedra que, por sua vez, as pedra adicionada de pequenas barras de sebo, passa-
encaminham até às fundações. va-se à rega por cima de cada camada de saibro com a
O madeiramento de frontal é travado horizon- água necessária à extinção da cal por fusão. Obtinha-
talmente pela própria alvenaria, evitando a sua se, passados 3-4 dias, uma massa que, após curada,
flambagem. possuía propriedades hidrófugas consideráveis.

Fig. 1 – Ampliação da vista da estrutura de madeira do frontal exterior.


Fig. 2 – Vista da estrutura de madeira de frontal exterior.

Fig. 3 – Corte perspectivado de parede exterior.


Fig. 4 – Corte perspectivado de parede exterior.
123

Fig. 5 – Corte perspectivado pelo interior de parede exterior.

Fig. 6- Perspectiva interior de estrutura


de madeira da gaiola.

Fig. 7 – Perspectiva interior de estrutura


de madeira da gaiola.
124 Um aspecto que também poderá contribuir para a de evitar a mudança relativa de posição que este con-
tipificação do sistema é o da utilização dos escom- junto pudesse sofrer, aquando do enchimento dos tai-
bros dos edifícios como inertes da taipa. Terão sido pais, o sistema era travado provisoriamente com as
seleccionados grosseiramente e introduzidos dentro chamadas travadeiras costaneiras.
dos taipais, alternadamente com a argamassa. De- Os frontais, por sua vez, eram travados às restan-
vido ao elevado peso próprio desses inertes e à plas- tes paredes estruturais, por interpenetração de alve-
ticidade da massa, o trabalho de os “arrumar” seria narias e por assamblagem dos seus madeiramentos.
mais facilitado. Esta ligação de madeiramentos podia assumir dois
A estrutura de madeira da gaiola correspondente aspectos:
a estas paredes é constituída por unidades bidimen- ● colocação de mais um prumo na estrutura de

sionais, em modulação quadrada. Os seus elementos madeira da parede intersectada, independen-


eram assamblados por diversos sistemas e, depen- temente do posicionamento dos restantes ele-
dendo da função mecânica que exerciam, quase nunca mentos verticais;
recorrendo a cluagens ou a uniões com peças tercei- ● os elementos horizontais (travesanhos), ou

ras. Eram dispostos os prumos, as travessas (traves- oblíquos (escoras), da estrutura intersectante
sanhos), as escoras, as vergas (auxiliadas com bone- descarregavam nos prumos já existentes na
cas quando o vão excedia 1,5 m) e os pendurais. A fim estrutura intersectada.

Fig. 8 – Identificação de elementos da estrutura.


Fig. 9 – Identificação de elementos da estrutura.

Fig. 10 – Identificação de elementos da estrutura.


Os negativos dos vãos em paredes interiores sem O negativo na alvenaria era constituído na verga 125
estrutura de madeira eram constituídos por uma por um arco de ressalva, aprumado com a verga do
verga (archete recto) em ladrilho de barro e as aro de cantaria, e por um archete recto que garantia
ombreiras com pedra melhor aparelhada. o lintel do negativo na espessura da parede.
Quando em paredes de frontal, o negativo era As ombreiras do vão eram conseguidas por alve-
constituído por um pré-aro de madeira que funciona- naria ordinária, melhor aparelhada que a restante
va como uma cadeia aplicada à estrutura da parede. alvenaria a taipal, ou com recurso a ladrilhos ou a
Dependendo da espessura da parede, pode ocorrer blocos de tijolo.
um archete recto como lintel, não evitando a verga O pano de peito, quando existia, era executado por
do aro de madeira da cadeia. alvenaria de tijolo maciço aparelhado com junta alter-
Estes vãos eram na sua maioria rematados por ali- nada. Algumas situações foram detectadas em que os
zares de duas faces. No entanto, ao nível do primeiro panos de peito são construídos por alvenaria a taipal,
andar foram, nalguns casos, detectados alguns aros ficando com maior espessura. Os vãos são sempre
de pedraria de três ou duas faces, não constituindo rematados por aros de cantaria aparelhados só em
regra. três faces.
Em paredes exteriores, a largura do negativo para A estrutura de madeira das paredes exteriores era
o paramento interior coincidia com a distância entre caracterizada pela existência de umas peças, coloca-
prumos da estrutura e a altura correspondia à dis- das nos travessanhos e nos prumos, chamadas mãos,
tância na vertical entre o extradorso das vigas do com uma entrega de 1/3 da espessura da parede onde
pavimento assentes no frechal e a verga de madeira eram introduzidas. Estas peças destinavam-se a fazer
suportada por pendurais a partir do frechal do piso aderir a estrutura à alvenaria, evitando a sua defor-
superior. Esta cadeia aplicada à estrutura da parede mação continuada. Eram colocadas perpendicular-
exterior pode servir de suporte à pregagem de aliza- mente ao plano da parede; no entanto, as que se
res, sempre de duas faces. encontravam assambladas aos prumos eram coloca-
das obliquamente ao plano da vertical.

Fig. 11 – As mãos. Fig. 12 – As mãos, pormenor.


126 A espessura das paredes exteriores variava de piso A primeira, com as massas já utilizadas para a
para piso, em função das cargas que lhe eram trans- execução das alvenarias das paredes7. A segunda,
mitidas. menos espessa que a anterior, seria aplicada ainda
A fim de evitar que a estrutura de madeira deixas- com a primeira fresca. Com inertes mais finos, esta
se de ser equidistante do paramento interior, eram argamassa tornava-se menos rígida.
colocados chincharéus na entrega dos vigamentos do A última camada, com a antecedente ainda fresca,
piso à parede, onde os prumos descarregavam, man- já não teria argila e os inertes seriam traçados de
tendo assim uma continuidade estrutural. areia de esboço e areia fina do rio. O agregante seria
a cal caldada, sem ser no entanto extinta em presen-
7A massa da taipa ça dos inertes. A introdução do sebo animal durante
de cal utilizada era
preparada a extinção da cal era mantida. Esta camada era a
previamente em
obra, em caldeiras.
menos espessa de todas.
Sobrepondo camadas As paredes exteriores eram acabadas com pintura
alternadas (20 a 30
cm de espessura) de de cal, com incorporação de sebo durante a sua extin-
saibro (areia argilosa
amarela- ção (1 kg de sebo em barra para 30 kg de cal em
-avermelhada) e cal
em pedra adicionada
pedra), à qual se adicionavam as terras quando se
de pequenas barras pretendia cor. A função do sebo animal, sujeito a dis-
de sebo, regando por
cima de cada camada persão aquando da extinção do óxido de cálcio, era a
de saibro com a água
necessária à extinção de conferir maior durabilidade ao acabamento, impe-
da cal por fusão,
obtinha-se, passados
dindo fenómenos de desgaste (gizamentos) ao
3-4 dias, uma massa, mesmo tempo que permitia uma maior resistência à
que após curada, Fig. 13 – A estrutura de madeira assenta no embasamento de
possuía propriedades pedra. acção das águas pluviais. A gordura em dispersão
hidrófugas
consideráveis. não anulava as propriedades higiénicas da cal.
8 A pintura a cal A estrutura de madeira era assente no embasamen- Os pigmentos adicionados ao leite de cal, para colorir
tem um tempo de to de pedra do piso térreo, ou das fundações, através de os paramentos, pertenceriam a uma gama pouco variada.8
vida útil reduzido.
Os aditivos mais um frechal reforçado, com chumbadouros e cavilhas, Caso o Senado Municipal pretendesse que os edi-
utilizados não
se dissolvem permitindo uma melhor continuidade mecânica na dis- fícios estivessem sempre de “cara lavada” teria de
quimicamente em
meios aquosos.
tribuição das cargas. Era também travada aos cunhais, obrigar à caiação dos edifícios de dois em dois anos,
A finura dos seus de alvenaria de pedra aparelhada, por meio de ferro- o que se afiguraria difícil em termos económicos.
elementos é que
permite uma lhos, em chapa de ferro, na continuação dos frechais e A experiência resultante da aplicação de pigmen-
coloração distribuída.
São conhecidos os dos travessanhos com uma entrega de comprimento tos já seria considerável, à época. O emprego de clo-
efeitos fotoquímicos
e fotofísicos da
dependente do número do piso respectivo. retos e óxidos de metais, como os de chumbo, ferro,
radiação ultravioleta. As paredes de empena eram basicamente paredes cobre, crómio e bário, era corrente.9
Os paramentos que
pior reflectem a luz de frontal, variando raramente de espessura com o O hoje chamado verde pombalino, com a tecnologia
solar são os que
mais depressa per- piso. Estas paredes eram em geral comuns a dois edi- da época, seria conseguido com acetato neutro de
dem a sua coloração.
O índice de reflexão
fícios. A estrutura de madeira da gaiola era colocada, cobre ou com mistura de azul de cobalto (mistura de
varia com a “cor” da em espessura, mais próxima do paramento interior fosfato de alumínio e óxido de cobalto) com amarelo
superfície exposta. É
sabido que as cores da parede de alvenaria. As paredes de empena eram de Nápoles (antimoniato de chumbo), com base de
mais “escuras” são as
que menos reflectem constituídas com a mesma taipa de alvenaria empre- água de cal, eventualmente enriquecida com cré.
a radiação.
gue nos restantes frontais. Em qualquer dos casos estas cores ficariam alte-
9 Não será de
radas por enegrecimento e descoradas ao fim de
admitir que fossem
empregues cores muito pouco tempo.
facilmente alteráveis,
ou que produzissem Os revestimentos e acabamentos Pensa-se hoje que as cores primitivas tenham sido
manchas inestéticas,
por exposições
de paramentos exteriores claras e por consequência pouco alteráveis com a
solares diferenciadas
nos paramentos
em paredes exteriores radiação solar.
dos edifícios. O revestimento a gesso terá sido também utiliza-
10 Gesso Os paramentos eram rebocados após o desempeno do. Neste caso, a parede era esboçada com uma massa
desidratado
a 1000 ºC – solução
de eventuais irregularidades obtidas durante a cofra- de gesso, cal e areia e depois estucada, com uma pasta
sólida de óxido de gem da alvenaria a taipal. O reboco era executado em de gesso10, cola, cal em pasta com sebo e pó de pedra
cálcio em sulfato
de cálcio. várias camadas. (idêntico às escaiolas).
Apenas nos restam alguns vestígios deste barra- água, atingissem a madeira, seriam mais lentamente 127
mento em paredes que nunca foram picadas em pro- expulsas do que a água das massas ou das alvenarias,
fundidade. nos momentos de inversão higrotérmica ambiente.
As cornijas seriam revestidas com argamassa, A produção de um meio húmido diferencial no
aplicada com moldes, ou capeadas com elementos de paramento incrementaria condições de desenvolvi-
pedra, eventualmente reforçadas com pernes. mento de bolores e fungos na zona de projecção da
estrutura de madeira. Embora sem grande relevân-
cia em termos de conforto ambiental, o aparecimen-
to do negativo da estrutura sob forma de mancha
seria um pouco desagradável à vista.
Como caso limite, se se deixasse continuar o de-
senvolvimento do fenómeno, poderia ocorrer o des-
taque das massas de recobrimento.
Este problema foi solucionado com o tempo, com o
aumento da espessura da camada de revestimento, por
vezes da ordem dos 6 cm, contribuindo para a forma-
ção de uma barreira mecanicamente resistente.11

Os paramentos
das paredes interiores
Fig. 14 – Exemplos de cornijas. O revestimento dos tabiques era frequentemente
executado com um tabuado de forro de madeira
macheada, ou emboçada, depois esboçada e rebocada.
Os revestimentos e acabamentos Noutros casos, era aplicado um revestimento final de
de paramentos interiores estuque de gesso, ou de estuque de pó de pedra12.
em paredes exteriores Em cozinhas, caixas de escadas, ou em outros lam-
bris interiores, era utilizado o azulejo policromático
Estes paramentos seriam simplesmente reboca- em painéis decorativos ou simplesmente branco. Em
dos. Como já referido, a estrutura de madeira ficaria rodapés e guarda-chapins era comum o recurso a
o mais próximo possível da face interior da parede. chacotas esponjadas não vidradas.
Contra o que seria de esperar, não se detectaram fas-
quiados que permitissem uma melhor aderência das
massas de revestimento às superfícies de madeira.
A espessura deste recobrimento pelo interior da
estrutura de madeira foi aumentando com a evolução
do Sistema.
Na ocorrência de um sismo, a alvenaria deveria 11 É frequente
constatar que nos
destacar-se da estrutura de madeira, sem a arras- edifícios pombalinos
tar, permitindo aos utentes que ficassem no seu a alvenaria
ultrapassa o plano
interior sofrer o mínimo com o colapso das alve- definido pela face da
estrutura de madeira
narias. Tal situação seria dificultada caso a estrutu- voltada para
o interior
ra de madeira ficasse recoberta com grande espes- do compartimento.
sura de argamassa. 12 O gesso, não
Por outro lado, conhecia-se empiricamente que a muito corrente, teria
sido substituído no
madeira tem capacidade calorífica e índices de higros- início por pó de
pedra, ao qual se
copidade diferentes das massas envolventes. As águas adicionava
de infiltração de origem superficial que por fenómenos Fig. 15 – Exemplo de lambril de caixa de escada. um elemento
colóide, tal como
de condensação, ou por tensões diferenciais de vapor de cola de peixe.
128 As madeiras, quando empregues como revesti- do pela sua instabilidade e pouca durabilidade não foi
mento, seriam sempre pintadas com tintas longas detectado em nenhum dos edifícios estudados.16
de base oleosa. O acabamento em madeiras, para As massas de recobrimento das estruturas de
além do aspecto estético, assumia o papel de pro- suporte do tabique eram, massas brandas. O fasquia-
tecção. do desempenhava uma função de travamento do des-
A madeira empregue era convenientemente seca. lizamento destas massas. Quase sempre com secção
Embora já se usassem estufas, a tecnologia da época em meia cana, as fasquias eram pregadas com a face
não permitia ainda os processos de autoclave. Por de corte voltada para o exterior.
13 Embora a isso, a madeira desfiada era secada naturalmente ao A primeira camada de espessura de recobrimento
estratificação de ar, para evitar empenos posteriores. do fasquiado era o denominado emboço pardo, cons-
elementos mais
antigos corresponda Os elementos de revestimento em madeira mais tituído por “areia branca, e viva17, que ha de ter o
à sequência
betumagem-aparelho-
antigos que foram detectados pelo levantamento graõ gordo da Penha de França ou do Alfeite, tirada
-tinta, é difícil, pelos eram invariavelmente do cerne e praticamente sem da veia e naõ da praya falgadiça, mifturada com
meios de análise
disponibilizados, nós visíveis, sinal evidente do cuidado na selecção do rolão do pó de pedra, péga bem na madeira, e faz boa
recusar a possibilida-
de mais correcta, que material empregue. maça com baftante cortimento, e cal baftante: he
seria uma demão
diluída de aparelho,
A madeira seria preparada com betumes de cré e muito forte, e duravel18”. Sobre a superfície irregu-
para puxar os veios óleo de linhaça13 e depois aparelhada com as chama- lar assim obtida, era aplicada uma nova camada
da madeira, antes da
betumagem. das fezes de ouro14. Depois de seca, seria acabada menos espessa, com percentagem superior de pó de
14 Acetato de zinco com tinta de base oleosa15. pedra e melhor sarrafada, permitindo, devido à finu-
e/ou protóxido de
chumbo (quando
Na época, a madeira em interiores era acabada a ra dos seus inertes, uma superfície mais lisa. Em
serve de base cola. No entanto, como este acabamento era conheci- situações mais requintadas poderia haver uma outra
a tintas claras)
fervido com óleo de
linhaça.
15A tinta de óleo
mais corrente seria
com base de óleo de
linhaça fervido com
litargírio, alvaiade e
talco em proporções
variáveis, ao qual se
adicionava o secante
(borato, sulfato, ou
acetato de manganés)
antes da aplicação.
A essência de
terebintina
(água-raz) apenas é
vulgarizada
no séc. XIX.
16 A título de
curiosidade apenas
se indicam alguns
tipos de cola
mencionados em
orçamentos da época
que, face à
tecnologia existente,
seriam de origem
animal.
Dependendo do tipo
de superfície
de acabamento
pretendida podia ser
empregue a cola de
raspa, a cola forte ou
a cola inglesa.
17Areia de esboço.
18 OLIVEIRA
Valério Martins,
Advertências aos
Modernos que apren-
dem o Officio de
Pedreiro, Lisboa,
Regia Officina
Sylviana e da
Academia Real,
1757, pp.79-80. Fig. 16 – Exemplo de tabique simples (revestimento).
variante, permitindo acabamento liso, com aparência podiam apresentar movimentação mecânica não 129
quase polida19. absorvida pelo material de revestimento. Por esta
Após a aplicação do esboço era aplicado à colher razão, é provável que os revestimentos em madeira
um barramento bastante apertado com cal em pasta, ou os rebocados com massas de cal tenham sido os
à qual se adicionava cal em pó, para aumentar a sua mais difundidos na época.
consistência. Ainda levemente húmida, a superfície
era passada com uma boneca de trapo humedecida
com aguada de cal. Síntese dos resultados
A superfície final, depois de seca, era por fim, nal- obtidos com o levantamento
guns casos, passada com pedra de jaspe até se obter e úteis à fase de proposta
uma superfície muito lisa.
Este tipo revestimento permitia a caiação, sem ● Paredes de frontal são elementos verticais
risco de manchas, como ocorre normalmente com as resistentes, em taipa de saibro argiloso, cal e
superfícies estucadas a gesso. inertes (pedra calcária e tijolo), cofrados com
Nos tabiques com silhares de azulejos, as massas taipais de madeira dos dois lados, incluindo
de emboço usadas eram mais fortes e integravam junto ao paramento interior, no caso de pare-
sebo animal durante a extinção da cal. A massa de des exteriores, e a meio, no caso de paredes
assentamento era aplicada ainda com o pardo húmi- interiores, uma estrutura de madeira autopor-
do, a fim de não provocar clivagens.20 tante e solidária com os restantes elementos
estruturais do mesmo tipo.
Outro revestimento corrente em tabiques de ● O reboco era executado em várias camadas.
madeira seria o estuque de gesso. Tal como já ● As paredes exteriores eram acabadas a pintura
referido, o gesso não abundava, no século XVIII, com cal, com incorporação de sebo durante a
em Portugal. Todavia, e independentemente dos sua extinção, à qual se adicionavam as terras
19 Este tipo
estuques observados serem quase sempre de quando se pretendia cor.
de acabamento foi
aplicação em intervenções posteriores à obra pri- ● Não é de admitir que fossem empregues cores detectado em
estratos de
mitiva, é muito provável que se tenha usado este facilmente alteráveis, ou que produzissem revestimento
primitivo de paredes
material desde o início da reconstrução pomba- manchas inestéticas, por exposições solares no decurso da obra
lina. diferenciadas nos paramentos dos edifícios. de restauro do Solar
dos Zagalos, na
Depois do fasquiado ter sido colocado, seria apli- ● As cores primitivas terão sido claras e por con- Sobreda da
Caparica-Almada, no
cado o emboço, constituído por gesso grosseiro sequência pouco alteráveis com a radiação solar. corpo anexo à
capela, datado de
(gesso pardo) com areia branca traçada, de forma a 1765.
recobrir o fasquiado em 1 cm. 20 Contra a opinião
Caso a superfície ficasse irregular, era executado Princípios para uma de alguns técnicos,
os tabiques de
um reboco fino superior com maior percentagem de intervenção sobre os suportes madeira, para
suportarem alisares
areia fina. de azulejo, não
A superfície a estucar era esboçada seguidamente A maioria das paredes da Baixa Pombalina são devem ser revestidos
com massa à base
com uma massa, constituída por areia calcária fina e constituídas por alvenarias a taipal de pedra calcá- de gesso. O gesso é
constituído por
branca não traçada, à qual se juntaria cal em pasta e ria, argamassas de cal aérea e inertes também calcá- sulfato de cálcio
hidratado, não sendo
gesso em pó em iguais proporções. rios misturados com argilas. A função das argilas por isso
O estuque propriamente dito seria, à imagem do era a de reagir com o carbonato de cálcio em fase de quimicamente
inactivo. Em
que ainda hoje se pratica, constituído por um extinção, proporcionando elementos resistentes a algumas situações
verificou-se a perca
barramento de partes iguais de cal em pasta e humidades quer líquidas, quer sob a forma de vapor. de vidrado e o
esfarelamento de
gesso. Para que se reduzam os factores de degradação chacotas em azulejos
Este tipo de acabamento dificilmente podia ser destas alvenarias é essencial que se continuem a ga- da época que
confinavam com
caiado, em virtude das manchas que originaria à rantir as condições de respirabilidade originais. massas de gesso.
As chacotas eram
superfície, conferindo-lhe um aspecto um pouco A introdução de novos revestimentos hidráulicos muito porosas e, por
capilaridade, os sais
irregular. ou de de tintas (por exemplo de membrana) que do sulfato não só
O estuque, muito pouco elástico, não terá sido constituem barreiras à transmissão de vapor de água reagem com a argila
como com o chumbo
aplicado com frequência em tabiques ligeiros, que tem provocado inúmeros casos de infiltrações de vidrado.
130

Fig. 17 – Exemplos de intervenções em revestimentos com recurso pontual a argamassas com ligantes cimentícios.

Fig. 18 – Exemplos de intervenções em revestimentos com recurso pontual a argamassas com ligantes cimentícios.

água do exterior para o interior, com consequente vapor que restringem a quantidade de trocas gasosas
perda da coesão das próprias alvenarias. necessárias à “transpirabilidade” dos suportes.
Outro factor de degradação dos materiais pré-exis- A aplicação correcta de rebocos de cal aérea per-
tentes foi a introdução de materiais cimentícios, desde mite essa necessária “transpirabilidade”. Por estas
o final da década de 1960, dada a incompatibilidade do razões, é vantajosa a aplicação de tintas de silicato
pH dos materiais novos e pré-existentes. de potássio, que reagindo com o carbonato de cálcio
O endurecimento e coesão das argamassas de cal do suporte, com o anidrido carbónico e com a água
obtém-se por carbonatação, processo que degrada produzem carbonato de potássio e silicato de potás-
rapidamente as argamassas cimentícias. sio. Estes compostos contribuem para uma maior
Ao contrário das argamassas de cal aérea, que coesão dos suportes, por mineralização, e incremen-
mesmo hidrofugadas com pozolanas artificiais conse- tam a libertação do excesso de vapor de água resul-
guem ser impermeáveis à água líquida e ao vapor de tante de tensões diferenciais entre paramentos e as
água, as argamassas cimentícias criam barreiras de águas de infiltração.
131

Fig. 19 – Exemplos de aplicação de tintas texturadas.


Fig. 20 – Exemplos de microfissuração tipo “aranha”.

Fig. 21 – Exemplos de efeitos de destacamentos de tintas texturadas dos suportes.

A adopção deste tipo de tinta implica limitações à Para reduzir os efeitos deste processo danoso,
aplicação de cores conseguidas apenas por pigmentos deve recorrer-se a sistemas de climatização colecti-
orgânicos. No entanto, se forem aplicadas cores de vos, instalados em locais comuns e com sistemas de
baixa saturação, situadas na Escala S0502 e S0505 condensação a água. No que se refere aos cabos das
do Atlas NCS (Natural Colour System), não haverá concessionárias, estes deverão ser enterrados nos
constrangimentos de maior. passeios e munidos de ramais de distribuição domi-
Constitui também factor de degradação de supor- ciliários em calhas a colocar à vista nas caixas de
tes e de revestimentos, o recurso indiscriminado a escada e nos saguões. Os projectos de iluminação
sistemas de aparelhos de climatização ambiente e à pública devem atender à especificidade do sistema
fixação de cabos pelas concessionárias nos paramen- construtivo e minimamente alterados de modo a
tos exteriores. evitar a colocação de candeeiros chumbados em
132

Fig. 22 – Unidades de climatização (condensação).

Fig. 23 – Redes pelo exterior e unidades de climatização (condensação).

alvenarias e de caixas de derivação em dissonância Por último, é de referir a falta de preparação de


com o plano das fachadas. empreiteiros e de alguns técnicos que não se encon-
Para a degradação dos suportes e dos revestimen- tram habilitados ou preparados para intervirem
tos contribui ainda a falta de sensibilidade dos ocu- neste tipo de sistema construtivo.
pantes dos diferentes espaços, que não levam a cabo É necessário que os agentes de projecto das enti-
operações de simples manutenção periódica, tais dades públicas tutelares instrua o pessoal dos
como limpeza de vegetação parasitária das cobertu- empreiteiros de modo a capacitá-los na execução de
ras, ou o controlo do crescimento exagerado de plan- algumas operações sem o recurso a argamassas de
tas ornamentais em contentores. cimento. Esta acção de formação e mentalização é
difícil mas deve ser sistematicamente repetida.
133

Fig. 24 – Vegetação.

cará a exibição de valores por vezes de difícil assi-


O problema da cor milação por parte do todo social a quem se destina o
espaço público.
São vários os princípios a aplicar quando se fala da Existindo vários níveis de percepção, uns mais
cor como elemento de Arquitectura na iconografia imediatos do que outros, torna-se um desafio para o
de um determinado território urbano. arquitecto intervir de forma não imediatista, para
Seria redundante encarar esta questão como um que continue a ser apreciado para lá dos primeiros
elemento necessário ao estabelecimento da reconsti- tempos da intervenção. A intervenção do desenho e
tuição histórica da imagem de um determinado local, da aparência do objecto terá de ultrapassar o estádio
uma perspectiva estática que não atende à evolução do iconográfico e estender-se ao nível do fenomeno-
do modo de pensar, de encarar os factos e as coisas lógico.
criadas pelo Homem. A manifestação do pensamento A dinâmica urbana das cidades mais consolidadas,
através de um gesto de exibição é sempre condicio- se por um lado deve ser condicionada pela manuten-
nada por regras próprias do contexto social em que ção de pré-existências marcantes da sua identidade,
se pratica, em patamares evolutivos diferentes daque- deve permitir adaptações à contemporaneidade. Para
les que o vão observar. essas adaptações devem concorrer os técnicos que de
Todavia, podem existir teorias mais polémicas do forma mais avisada evitem a ocorrência de situações
que outras e que levam mais à exaltação dos valores irreversíveis em matéria de danos no edificado isola-
individuais de quem os pratica e menos à integração do e de conjunto.
por analogia expressa de um conjunto que se deseja Constituem exemplos elucidativos da ausência
homogéneo em termos de imagem. constante desta postura, a aplicação de rebocos
Existem excepções, que podem constituir bons hidráulicos, principalmente em suportes como o de
exemplos arrojados de objectos adaptáveis ao longo alvenaria gaioleira a taipal, ou a substituição de abó-
do tempo a um território consolidado. A cor por badas de alvenaria em tectos de pisos térreos por ele-
isso, não pode constituir um exercício de estilo. mentos de aço ou de betão armado, ou a fixação
Deve sobretudo resultar de uma profunda reflexão indiscriminada e aleatória de cabos em paramentos
intelectual num quadro de maturidade profissional. exteriores de edifícios.
Se assim não for, a efemeridade do gesto levará a O percurso efectuado pelo transeunte num deter-
“moda” a condicionar o gosto próprio de cada indi- minado espaço urbano é determinado por vários fac-
víduo e o respeito ou o desrespeito pelo objecto já tores, alguns deles influenciados por factores geo-
existente. Esta atitude de “seguidismo social” impli- gráficos, tal como a altura e o azimute solar, a decli-
134 vidade das vias, e ainda pela ocorrência de factores de Por seu lado, a exposição à radiação solar química
surpresa ou de continuidade. (ultravioletas) implica a utilização de tintas com pig-
Os limiares de adaptação à ocorrência da mentos estáveis.
inovação no espaço urbano por parte do tran- Para além do factor adulteração cromática, o fac-
seunte não são tão rápidos quanto seria esperado. tor poluição implica a aplicação de tintas cujo teor de
Todavia, de forma voluntária, a sensação de can- matérias orgânicas (mais atacáveis quimicamente)
saço, de rotina ou de irritabilidade pode ser ate- seja reduzido (até 5% – norma DIN 18363).
nuada se a harmonia entre a forma e a cor num Como os alçados têm visibilidade de outros pon-
determinado percurso for transmitida de forma tos de observação do território, a escolha do elemen-
não contrastante. to cor poderá traduzir-se na criação de uma mancha
Em termos sociais e a nível do indivíduo, o factor não integrável em termos urbanos num conjunto que
provocação suscita em geral respostas de sinal idêntico. se pretende homogéneo.
Durante o período de transição necessário à fina- A visibilidade destes alçados é aumentada pela
lização de um estudo mais global para o território, existência dos “acrescentos” que foram sendo execu-
que tenha em consideração outros critérios, como tados ao longo do tempo.
por exemplo o da função e o da alteração dos fluxos A orientação solar implica também a existência de
de tráfego geradores de perturbações ambientais gradientes térmicos importantes na fachada, o que
(poluição sonora e emissão de gases de combustão), proporciona dilatações diferenciais nos substratos do
considera-se que, para já, o tráfego automóvel irá ser mesmo plano, e de águas de condensação, embora
mantido. Este factor de perturbação implicará por atenuadas pelo efeito de ventilação decorrente dos
enquanto a aplicação de tintas facilmente laváveis, a ventos dominantes (Norte). Este fenómeno poderá
utilização de veículos que não sejam alterados por provocar o aparecimento de ácido carbónico que,
hidrocarbonetos e a obtenção de superfícies lisas, embora pouco estável, reagirá certamente com mate-
para evitar a acumulação de resíduos e poeiras. riais existentes.

Fig. 25 – Visibilidade de “acrescentos” efectuados ao longo do tempo.


Fig. 26 – Paramentos revestidos a azulejo de recuperação discutível.

Alguns dos paramentos de azulejo em alçados das paredes exteriores com esquemas de repintu-
encontram-se a nosso ver irrecuperáveis dentro de ra baseados em acrílico de alta espessura (30+30
parâmetros de razoabilidade económica e de avalia- mícrones em seco). Estes sistemas são impermeá-
ção qualitativa da sua expressão iconográfica. veis à água mas permeáveis às tensões de vapor,
A sua reabilitação implicaria a remoção temporá- protegendo a carbonatação da argamassa hidráu-
ria dos mesmos, a consolidação dos suportes, a lim- lica e apresentado um comportamento antifungo,
peza, consolidação e restauro de elementos e, por fim, depois de prévia aplicação de primário selante
o fabrico de novos elementos de modo a colmatar as opaco compatível.
muitas falhas já existentes. Em edifícios que ainda não foram sujeitos a inter-
venção mais profunda, ou que apresentem sinais de fis-
suração ou de microfissuração do tipo aranha, e cujas
Sinopse para uma intervenção tintas de acabamento sejam constituídas por filmes
peliculados, ou texturados por areia, recomenda-se o
emprego de rebocos de cal aérea hidrofugada admitin-
Para edifícios que já se encontram rebocados e do-se secantes à base de óxidos de alumínio, de cálcio
que não apresentem sinais de fissuração ou de e sílica, após picagem pontual, se necessária, de rebo-
microfissuração do tipo aranha, cujas tintas de cos ou esboços antigos descolados até ser atingido um
acabamento não sejam constituídas por filmes subestrato de cal, que poderá ser consolidado através
peliculados ou texturados por areia, propõe-se de silicatos de potássio. Para estes edifícios recomen-
depois de realizado o tratamento de suportes e da-se a aplicação de tintas de silicato.
descontaminação de fungos e bolores e de even- Em termos de carpintarias é proposto um sistema
tuais cristalizações superficiais – um acabamento baseado em subcapa alquídica como primário e com
Fig. 27 – Aplicação de revestimentos aéreos.

acabamento a tinta de esmalte uretanada, resistente das com tinta de esmalte à base de resinas sinté-
à intempérie, com boa estabilidade de cor e de brilho ticas, de pigmentos de óxidos de ferro e cargas
levemente acetinado. Nenhum elemento de madeira micácias.
deve ficar encastrado nas alvenarias ou embebido nos Os betumes a aplicar devem ser do tipo acrílico.
rebocos. Quando se opte pela substituição de serralharias
No caso das serralharias, devem estas ser lim- exteriores, devem ser seguidos esquemas de revesti-
pas por sistema de abrasão ao grau SA 3 da mento e acabamento do tipo uretanado. No caso de
Norma Sueca e protegidas com primário promo- serralharias novas, e sem prejuízo do acabamento do
tor de aderência, mordente, flexível, resistente ao tipo uretanado, devem estas ser decapadas ao grau
impacto e à abrasão. Por fim, deverão ser acaba- SA 2 e protegidas por sistema baseado em primário
monocomponente de éster epoxídico após execução da fachada com o plano do pavimento exterior. O
de soldaduras. protector de graffiti deverá ser do tipo não perma-
Propõe-se também o tratamento antigraffiti em nente, sem brilho e incolor, e que possa ser elimina-
paramentos exteriores (paredes e cantarias), pelo do por lavagem com jacto de água, contendo amónia
menos até à altura correspondente à cota definida dissolvida, a pressão controlada.
pela intersecção da bacia de sacada do primeiro piso
com o plano da fachada. Na ausência de bacia de saca-
da no primeiro piso de elevação, o tratamento anti-
grafiti deverá ser aplicado até ao arranque do frontal
de alvenaria de taipal, desde a intersecção do plano
Directivas para transportes, ainda que se reconheça que a desejada 139
revitalização só possa ocorrer desde que estejam
um Plano de Pormenor asseguradas condições muito competitivas de acessi-
para o controlo bilidade a esta área da cidade. O destaque das ques-
de tráfego rodoviário tões relacionadas com os transportes é, no entanto,
completamente diferente quando se abordam os
na Baixa Pombalina vários problemas a resolver.
José Manuel Viegas
CESUR – Instituto Superior Técnico; e TISpt,
Consultores em Transportes, Inovação e Sistemas, S.A
Problemas
De facto, um dos problemas mais frequentemente
citados quando se discute a situação da Baixa
Pombalina é o excesso de tráfego automóvel que o
seu espaço viário suporta.
A orografia acidentada da cidade levou natural-
mente a que esta área quase plana e próxima do rio
Objectivos fosse uma área privilegiada de ocupação urbana, para
a qual convergiam as vias de acesso, num sistema de
Sendo genericamente reconhecida a excepcional lógica radial, implantadas ao longo dos vales. A
qualidade urbanística e arquitectónica da Baixa Baixa não sofre por isso de problemas de acessibili-
Pombalina, os objectivos de uma intervenção sobre dade. As próprias redes de transportes colectivos
este território não deverão limitar-se à recuperação foram seguindo as redes de infra-estruturas viárias à
dos elementos geométricos e edificados, tendo certa- superfície, sendo ainda hoje esta a área mais bem ser-
mente de conter elementos relacionados com o atin- vida em toda a cidade.
gir de níveis semelhantes de qualidade de vida e de Quando começou o forte crescimento da motori-
fruição do espaço público naquela área da cidade, o zação individual (anos 70 do século XX) foi na Baixa
que implica um processo de revitalização do seu qua- que começaram as medidas de gestão do estaciona-
dro de actividades e a recuperação de um protago- mento, com a introdução da “zona azul”, com que se
nismo forte no quadro da cidade e do país. Essa revi- pretendia limitar as estadias dos veículos a um máxi-
talização deve ter uma agenda que preserve o carác- mo de uma hora e meia. No presente, e apesar da
ter essencial que fez a força da Baixa, com uma mis- qualidade do acesso em transporte colectivo, dos pro-
tura rica de actividade comercial, de serviços e de blemas de perda de protagonismo na actividade da
atracção turística, ainda que os tipos de comércio e de cidade e da redução do número de habitantes, a pres-
serviços, e os horários de funcionamento, devam ser são sobre o sistema de estacionamento continua ele-
no futuro próximo bem diferentes do que eram no vada. Não houve, no entanto, qualquer estudo inte-
passado e ainda em boa parte no presente. grado que permitisse apontar para os valores desejá-
Trata-se portanto de intervir sobre o espaço físi- veis de quantidade e mistura de regimes de oferta de
co e sobre as suas ocupações para recuperar o lugar estacionamento para a Baixa, face à sua ocupação de
destes no espaço mental dos habitantes e dos visitan- solos e à capacidade de acesso e de circulação interna
tes. Por isso mesmo, a concepção e a gestão dos pro- do sistema viário.
gramas de intervenção terão de ser desenvolvidos a É importante referir que, graças à gestão das
níveis elevados de complexidade, harmonizando admissões de tráfego automóvel nas células em que o
interesses parcialmente divergentes e caminhando Sistema de Controle de Tráfego Urbano (Gertrude)
para soluções em que cada uma das partes interessa- divide o território, não há problemas significativos de
das reconheça um forte ganho de conjunto, susceptí- congestionamento de tráfego na Baixa.
vel de compensar eventuais perdas relativas das suas Para a qualidade de vida e modernidade da Baixa
parcelas. o principal problema do sistema de transportes é,
Nestes objectivos não figura qualquer elemento sem dúvida, o excesso do tráfego automóvel de atra-
explicitamente relacionado com a mobilidade e os vessamento, que usa o espaço da Baixa sem qualquer
140 ligação com as actividades que aí decorrem mas ape- servir por esse sistema. Por outro lado, tem que se
nas porque por aí passa o caminho mais conveniente. assegurar que, ao atacar o problema do excesso de
Essa escolha dos viajantes é naturalmente baseada tráfego de atravessamento, não se reduza de forma
no traçado e atributos físicos das componentes da significativa a acessibilidade à Baixa (enquanto desti-
rede viária da cidade, as quais por sua vez são larga- no das deslocações), com o risco de comprometer o
mente decorrentes da orografia. Não é por isso fácil objectivo da sua revitalização.
apontar soluções que permitam reduzir as cargas de Assim, a principal proposta de curto-médio prazo
tráfego de atravessamento da Baixa sem prejudicar contida na revisão do PDM é a de conjugação da
seriamente a eficiência do funcionamento da cidade implantação de uma “circular das colinas” com a defi-
no seu todo, face ao forte aumento de tempo que mui- nição de sentidos únicos nas ruas da Baixa que impe-
tas deslocações sofreriam. çam o seu atravessamento (excepto aos transportes
A maior parte do tráfego de atravessamento colectivos), continuando a garantir o acesso em auto-
corresponde a fluxos Norte-Sul (e vice-versa), em móvel individual à totalidade dos parques de estacio-
movimentos que percorrem as principais avenidas namento e à maior parte das residências e dos esta-
longitudinais de aproximação à Baixa (Avenida da belecimentos comerciais (ainda que neste último caso
Liberdade e Avenida Almirante Reis) em direcção às apenas em horários limitados).
áreas situadas a nascente e poente da Baixa e mais
facilmente acedidas a partir da circular ribeirinha A circular das colinas é constituída por um con-
(Avenida 24 de Julho; Avenida da Índia; Avenida junto de vias já existentes – a completar por um
Ribeira das Naus; Avenida Infante D. Henrique). pequeno conjunto de trechos em túnel – e que fun-
Estes fluxos atravessam a Baixa pelas ruas do Ouro e cionaria em articulação com a circular ribeirinha
Fanqueiros no sentido descendente e pelas ruas da como forma privilegiada de acesso aos bairros situa-
Prata e da Madalena no sentido ascendente. dos nas colinas envolventes da Baixa, e envolvidas
Mas há também fluxos Poente-Nascente, ainda por esse conjunto de duas circulares. As principais
que com muito menor expressão, cujo percurso se faz vias dessa circular das colinas são, a menos de ajus-
no essencial pelas ruas do Comércio e de São Julião. tes pontuais, as seguintes, de Poente para Nascente:
A carga excessiva de tráfego de atravessamento, Avenida Infante Santo, túnel da Estrela (a construir),
bem como a permanência de uma oferta significati- Avenida Álvares Cabral, Largo do Rato, Rua
va de estacionamento na via pública em ruas secun- Alexandre Herculano, Rua do Conde de Redondo,
dárias, conduzem ainda a uma manifesta insuficiên- Rua Joaquim Bonifácio, Rua Jacinta Marto, Rua de
cia de espaço dedicado à mobilidade pedonal. Angola, túnel do Miradouro (a construir), Rua
Apesar da afectação exclusiva da Rua Augusta a Coronel Eduardo Galhardo e Avenida Mouzinho de
esse modo de deslocação e dos níveis elevados de Albuquerque.
ocupação que apresenta, as densidades de peões nos Para além da eventual construção dos dois túneis
passeios das outras ruas longitudinais, sobretudo as referidos – requerendo estudo detalhado dos pontos
do Ouro e da Prata, são muitas vezes excessivas, de inserção na circular – a plena funcionalidade desta
levando a níveis inaceitáveis de proximidade entre circular só será atingida com um conjunto significa-
os peões e os veículos. tivo de intervenções de ordenamento do espaço viá-
rio e suas utilizações ao longo de todo o itinerário.
Não se pretende uma via circular de grande veloci-
As propostas contidas dade, mas é indispensável assegurar capacidade e
na revisão fluidez por forma a absorver com boa qualidade de
do Plano Director Municipal serviço, além dos tráfegos que já a solicitam, os que
hoje atravessam a Baixa e que se pretende que pas-
Um dos princípios fundamentais da abordagem ao sem a usar sobretudo esta circular. Os principais
sistema de mobilidade e transportes na revisão do tipos de medidas de ordenamento terão a ver com o
PDM, recentemente concluída, é o da promoção da estacionamento ao longo da via e com a revisão inte-
qualidade em todos os vectores da mobilidade gral dos movimentos permitidos e dos graus de prio-
(modos de transporte ou suas combinações), o que ridade desses movimentos em todas as intersecções.
implica a contenção da quantidade de automóveis a Trata-se de um trabalho que exige não só um
141

LEGENDA

Circular Colinas Rede Estruturante

Circular Ribeirinha Rede de Distribuição Principal

Primeira Circular Exterior Rede de Distribuição Secundária

Primeira Circular Interior Baixa

estudo rigoroso das situações ao longo do itinerário, Este tipo de solução, com um anel e bolsas de
mas sobretudo uma visão de conjunto que tem de território não atravessáveis pelo tráfego individual,
estar associada ao cumprimento do objectivo funcio- já foi aplicado em muitas cidades europeias, a primei-
nal desta circular, tal como acima descrito. Ou seja, ra das quais Gotemburgo, nos anos 1960, e tem con-
as condições particulares de cada trecho da circular duzido sistematicamente a uma valorização da ima-
têm de ser estudadas com profundidade, mas o objec- gem da zona protegida e à consequente maior dispo-
tivo global tem de se sobrepor aos objectivos locais nibilidade para investimentos públicos e privados na
de cada trecho. Daqui decorrerá certamente a neces- sua valorização.
sidade de proceder a modificações significativas de Com este tipo de solução, consegue-se, a nível da
sentidos únicos de tráfego em várias áreas margi- ocupação do território um aumento muito significa-
nantes desta circular. tivo das áreas destinadas à mobilidade e à estadia
142 pedonal, bem como das condições de tranquilidade e poderiam situar próximos dos Restauradores, Praça
segurança com que essas actividades se podem exer- D. Luís, Campo das Cebolas e Martim Moniz, e que
cer. Induz-se ainda o reforço do papel do transporte teria ao longo do seu traçado um conjunto de peque-
colectivo nas viagens com início ou destino na Baixa, nos parques de estacionamento, também subterrâne-
pela melhoria de condições que esses modos ofere- os, tirando partido da elevação das colinas do
cem para o respectivo acesso. Carmo/Chiado e da Rua da Madalena. Esse anel
A revisão do PDM aponta ainda para a possibili- poderia, ou não, incluir o trecho de túnel já proposto
dade de uma solução viária mais radical, cujos custos nos anos 1990 (e depois abandonado) entre a Praça
mais elevados apenas se tornariam justificáveis num D. Luís e o Campo das Cebolas.
quadro de valorização e requalificação muito forte da Nestas circunstâncias seria possível dedicar a totali-
Baixa, com significativo aumento dos tráfegos atraí- dade do espaço público da Baixa à mobilidade e esta-
dos pelas actividades aí desenvolvidas, quadro de que dias pedonais, com pequenos transportes públicos para
ainda estamos muito longe. a distribuição interna e direitos de acesso em horários
Nessa solução mais longínqua preconiza-se um limitados para operações de cargas e descargas.
anel viário subterrâneo cujos acessos à superfície se

Rede de distribuição Traçado esquemático túnel


LEGENDA principal da Baixa

Rede de distribuição Baixa


secundária
Avaliação sumária da viabilidade e Almirante Reis se encontra em plenas condições de 143
duma implantação faseada operacionalidade (incluindo os nós de cruzamento da
circular com estes eixos, que terão de ser reformula-
Como se disse, a adopção de um programa de dos por forma a permitir todos os movimentos).
redução ou eliminação do tráfego de atravessamento Assim, os atravessamentos pelo par de vias a
na Baixa exige – para além das intervenções na pró- Nascente (ruas da Madalena e dos Fanqueiros)
pria Baixa, sem especial dificuldade técnica – um podem ser substituídos pelos percursos através da
conjunto de intervenções significativas noutras áreas semicircular nascente, entre a Avenida Almirante
da cidade, algumas das quais com custos e dificulda- Reis e a Avenida Infante D. Henrique, enquanto os
des técnicas que implicam alguns anos para a sua atravessamentos pelo par de vias a Poente (ruas do
concretização. Ouro e da Prata) podem ser substituídos pelos per-
Porque a adopção de um programa deste tipo cursos através da semicircular Poente, entre a
implica também a construção de compromissos Avenida da Liberdade e a Avenida 24 de Julho.
sociais, é importante definir e comunicar claramente Para cada um destes conjuntos (2 vias de atraves-
os objectivos e principais formas de os atingir, pas- samento e uma semicircular), o processo de criação
sando depois a um processo gradual de definição de de bolsas impeditivas do atravessamento da Baixa
pormenor e implantação de cada uma das fases desse pode ser activado desde que se encontrem condições
processo. satisfatórias de desempenho na semicircular e seu
Neste caso, vale a pena proceder a uma avaliação prolongamento até ao outro eixo radial. O problema
(aqui necessariamente sumária) da viabilidade de é que cada uma das semicirculares contém um túnel
aplicação faseada do programa de eliminação do trá- no traçado proposto, o que constitui, pelo custo e
fego de atravessamento na Baixa. pelas dificuldades técnicas associadas, factor de atra-
Dos três pares de vias acima identificados, aquele so na possibilidade de implantação.
em que parece mais fácil a eliminação do tráfego de Deve por isso explorar-se a possibilidade de adap-
atravessamento é o transversal (ruas do Comércio e tação do traçado proposto – ainda que provisória –
de São Julião) na medida em que se situam muito por forma a permitir o avanço do processo sem a
próximo da circular ribeirinha e com relativa facili- construção de um túnel.
dade de rebatimento sobre esta dos tráfegos que hoje Aparentemente há melhores condições do lado
utilizam aquelas duas vias. Deve notar-se, no entan- Nascente, onde a ligação entre a Avenida Almirante
to, que pode haver aqui dificuldades de encaixe desse Reis e a beira-rio se poderia fazer através de um per-
tráfego suplementar na circular ribeirinha, hoje já curso alternativo, pela Rua do Forno de Tijolo, Rua
bastante saturada a algumas horas do dia. Angelina Vidal, Largo de Sapadores, Rua dos
Por isso, à maior facilidade geométrica pode con- Sapadores, e finalmente, em sentidos opostos, pelo
trapor-se a dificuldade de encaixe dos volumes de eixo da Rua Diogo do Couto e Rua do Vale de Santo
tráfego nos canais alternativos e questionar a razoa- António, e pela Calçada dos Barbadinhos, até junto
bilidade de adopção deste par de vias como o primei- da estação de Santa Apolónia. Este percurso, ainda
ro a sofrer os arranjos que inviabilizariam o tráfego que de menor capacidade que o sugerido na revisão
de atravessamento. Numa fase mais tardia, essa do PDM, forma, no entanto, um anel mais curto e
intervenção não traria dificuldades de encaixe de trá- poderá servir provisoriamente. Os declives excessi-
fego, na medida em que a saturação de tráfego na cir- vos na parte entre a Rua dos Sapadores e a zona de
cular ribeirinha seria muito reduzida quando se Santa Apolónia recomendam, no entanto, que esta
impedissem os atravessamentos longitudinais da não seja a solução definitiva, face ao agravamento de
Baixa, a que corresponde uma parte importante do emissões poluentes e ruídos que suscita.
tráfego na circular riberinha na proximidade da Do lado Poente, não parece haver outros caminhos
Praça do Comércio. para ligação da Avenida Infante Santo à Avenida
Quanto aos atravessamentos longitudinais, cada Alexandre Herculano com qualidade comparável ao
par de vias usadas para o efeito pode ser considerada que se poderia obter com a passagem pela Estrela e
substituível por um trecho da circular das colinas, Rato. Na ausência do túnel, os níveis de saturação de
admitindo que em qualquer dos casos o trecho cen- tráfego nestes dois largos e na Avenida Álvares
tral daquela circular, entre as avenidas da Liberdade Cabral implicam que só se possa vir a conseguir atin-
144 gir níveis de fluidez aceitáveis na circular se se con- bolsas não atravessáveis para o tráfego individual,
seguir reduzir o conjunto dos movimentos de tráfe- mas se preserve a capacidade de acesso a todos os
go que são aceites naqueles dois largos. No entanto, parques de estacionamento e demais funções selec-
a intensidade de usos de solo com forte geração de cionadas.
tráfego nas proximidades desses largos, a orografia Parece ser possível proceder a uma implantação
muito acidentada e a exiguidade das redes viárias faseada, o que poderá permitir o ajuste operacional
envolventes sugerem ser este um exercício de espe- das regras de aplicação sem pôr em causa os objecti-
cial dificuldade. vos ou as regras fundamentais. Para o efeito é indis-
pensável proceder a cuidadosos estudos de tráfego
para cada uma das componentes em causa, mas a ava-
Conclusões liação sumária acima realizada sugere que se poderia
começar por abordar o atravessamento longitudinal
A resolução dos problemas de tráfego na Baixa, Nascente (ruas da Madalena e Fanqueiros), de segui-
que no essencial corresponde à supressão do tráfego da o atravessamento transversal (ruas do Comércio e
de atravessamento, implica um conjunto de interven- de São Julião) e finalmente o atravessamento longi-
ções com necessidade de estudos muito detalhados e tudinal Poente, para o qual parece ser indispensável
complexos em áreas da cidade fora da Baixa e da sua a construção de um túnel na zona da Estrela, even-
envolvente imediata, pelo que o seu enquadramento tualmente extensível ao Rato. Em função dos resul-
legal através de um Plano de Pormenor implica que tados obtidos, o processo poderia ser de seguida con-
a expressão territorial do mesmo seja estendida até cluído com a adopção do traçado definitivo da semi-
um pouco a Norte da circular das colinas, por forma circular nascente, com a construção do túnel do
a abranger também as adaptações do sistema de trá- Miradouro e ligação à Avenida Mouzinho de
fego nessa envolvente da circular. Albuquerque.
O objectivo de substituir atravessamentos da Baixa Deve em todo este processo ficar claro que, não
por movimentos que a contornam para chegar aos sendo as condições de saturação do sistema viário na
locais de destino pretendidos, muitas vezes situados Baixa especialmente más, este conjunto de interven-
nas áreas situadas entre a circular e as vias de atraves- ções sobre o sistema de tráfego da cidade só é plena-
samento da Baixa, implica especiais cuidados nas liga- mente justificado se for colocado ao serviço da quali-
ções da circular para esses tecidos “interiores”, aspec- dade do ambiente urbano na Baixa e da revitalização
to que não pode deixar de ser tido em conta nos estu- desta área nobre da cidade. Só com essa fundamenta-
dos de reordenamento viário ao longo de toda a circu- ção se poderá esperar uma boa aceitação por parte dos
lar. Como já referido acima, para além desse aspecto, a cidadãos em geral e dos condutores, que terão de vir a
função estratégica desta circular deve impor como modificar os seus percursos, adoptando outros que, em
objectivo dominante na execução desses estudos a muitos casos, não deixarão de ser penalizadores.
provisão prioritária de boas condições de fluidez para
os tráfegos no percurso ao longo da circular.
Em paralelo com esses estudos de reordenamento Referências
viário da circular e da sua articulação com as áreas
urbanas envolvidas entre a circular e a Baixa, é TISpt, S.A. (2003) – Proposta de Revisão do Plano
necessário proceder à definição de sentidos de circu- Director de Lisboa – Sector Mobilidade
lação na própria Baixa, por forma a que se obtenham e Transportes.
A Melhoria das rão os serviços e o comércio local, revitalizando o 147
tecido urbano e restabelecendo um desenvolvimento
Condições Ambientais sustentado.
Luís Malheiro da Silva
LMSA – Engenharia de edfícios, SA

Identificação
das questões principais
A observação do existente permite detectar inter-
venções que, ao longo dos séculos, serviram para
adaptar sucessivamente o plano original às novas
formas de utilização dos espaços e, sobretudo nas
Introdução últimas décadas, para integrar desordenada e não
controladamente instalações técnicas de fornecimen-
No contexto de uma intervenção mais alargada de to de energia e de fluidos, de comunicações, de clima-
reabilitação e requalificação da Baixa-Chiado e no tização, etc., na esmagadora maioria das vezes, de
respeito pelas suas características físicas, históricas e forma não regulamentar e excessiva do ponto de
culturais, abre-se uma oportunidade única de o fazer vista do dimensionamento.
integrando uma perspectiva de requalificação am- Tais intervenções, associadas muitas vezes a altera-
biental que a um tempo se inscreva nas exigências de ções da estrutura e à ocupação de logradouros, têm
eficiência energética e de qualidade do ar, hoje incon- vindo, para além do desregramento que constituem
tornáveis, e, por outro, seja factor convergente na em si próprias, a induzir a destruição dos sistemas ori-
optimização das condições de conforto e modernida- ginais de ventilação natural cruzada e a limitar cada
de na fruição do ambiente construído. vez mais a penetração da luz solar, tornando a salu-
Constituem actualmente exigências da cidadania bridade dos espaços interiores um dos problemas mais
inteira a preocupação pela preservação dos recursos significativos, fortemente potenciada pela existência
finitos (energia e água), bem como o acesso a pata- de compartimentações no interior que integram espa-
mares acrescidos de conforto térmico, luminotécnico ços habitados desprovidos de iluminação natural e
e acústico e a condições de segurança e qualidade do ventilação. Por outro lado, a ocupação de espaços exte-
ar que, devidamente coordenadas e disciplinadas, riores, nomeadamente das fachadas (e mesmo das
garantam a coerência com aqueles objectivos. coberturas, no melhor dos casos), por unidades de
Coexistem na Baixa-Chiado disfunções urbanísti- condensação de sistemas de ar condicionado de expan-
cas e ao nível do edificado, bem como um conjunto de são directa do tipo autónomo (ou, na melhor das hipó-
problemas decorrentes quer da utilização de padrões teses, por unidades de produção de água arrefecida/
dimensionais, construtivos e de concepção desajusta- /aquecida) transformam aqueles espaços em verdadei-
dos da realidade contemporânea, quer da degradação ros esgotos térmicos e de produção de ruído.
dos níveis de desempenho inicialmente propostos Do mesmo modo, a ventilação deficiente e sem
devida à não-manutenção, a alterações sobre o edifi- qualquer exigência de qualidade das cozinhas da
cado e a distorções do seu uso. maioria dos restaurantes constitui também um pro-
A integração de soluções passivas de protecção da blema acrescido de ruído e qualidade do ar.
envolvente, a maximização da penetração da luz solar, A disponibilidade da energia eléctrica e a sua cres-
a utilização de sistemas de ventilação natural ou híbri- cente utilização têm vindo a fazer proliferar instala-
da, a consideração de soluções de free-cooling e de uti- ções, na maioria das vezes subdimensionadas e irre-
lização de recursos endógenos, bem como a adopção gulamentares, não assegurando a protecção dos uti-
de soluções de protecção contra incêndios, são algu- lizadores e elevando drasticamente o risco de incên-
mas das estratégias cuja utilização deve ser incentiva- dio. Há mesmo casos de alimentações eléctricas de
da como medidas que, no seu conjunto, contribuem edifícios para edifícios em lados opostos da mesma
fortemente para a melhoria das condições ambientais. rua, num total caos em termos de segurança.
Assim se optimizará a atractividade da ocupação Acompanhando as instalações eléctricas, as redes
da Baixa-Chiado pelas novas gerações e se estimula- de comunicações e de televisão, se bem que não indu-
148

zindo o mesmo tipo de riscos, apresentam um aspec- vados de combinações de factores, potenciando os ris-
to igualmente caótico. cos e apontando decididamente para a adopção de
A distribuição de água, se bem que mais sedimen- soluções que integrem respostas pluridisciplinares.
tada e menos sujeita a grandes alterações ao longo
dos anos, necessita de revisão urgente, nomeadamen-
te quanto ao tipo de materiais utilizados e à discipli- A estratégia da intervenção
na da sua utilização e contagem.
A construção de instalações sanitárias ao longo Face à dimensão da área a intervencionar, bem
dos anos e as redes de esgotos associadas apresen- como à variedade e profundidade dos problemas
tam, em muitos casos, sinais avançados de degrada- identificados, sugere-se uma intervenção faseada no
ção e exigem também uma revisão urgente, discipli- tempo, estabelecendo unidades de intervenção ao
nando a drenagem de esgotos residuais, bem como nível de quarteirões e/ou edifícios que as viabilizem
obrigando a sistemas de separação de gorduras em técnica e economicamente.
estabelecimentos comerciais de restauração. Devem, no entanto, anteriormente a qualquer
A alimentação de gás combustível é também fre- intervenção, ser estabelecidos Termos de Referência,
quentemente descoordenada e não regulamentar, cuja consideração deve ser obrigatória em todos os
constituindo por si própria o mais importante risco projectos de intervenção e que devem ser obviamen-
de incêndio em caso de colapso por acção sísmica. te levados à prática quando da construção e na pos-
O risco de incêndio é, no seu conjunto, elevado, terior manutenção, ao longo do ciclo de vida.
prevendo-se em caso de ocorrência, consequências Após o estabelecimento e aprovação dos Termos de
desastrosas quer ao nível do número de vítimas mor- Referência, deve, em nossa opinião, seleccionar-se um (ou
tais, quer quanto à destruição de património, verifi- mais) projectos piloto ou “locomotiva” que permitam pôr
cando-se a inexistência quase total de meios de eva- em prática a aplicação daqueles documentos, corrigindo-
cuação, detecção e combate a incêndios. -os e melhorando-os, detalhando as soluções preconiza-
No seu conjunto, os problemas e disfunções das e adaptando-as às condicionantes reais no terreno.
ambientais identificados geram efeitos colaterais deri- Estes projectos piloto serão também, enquanto
149

projectos de demonstração, um exemplo para os pro- Materiais de construção e sua utilização


prietários e permitirão a aferição dos custos envolvi-
dos, criando um laboratório vivo de discussão. A situação existente, com conservação de muitos
Ao longo do todo o processo deve constituir-se uma dos materiais tradicionais originais, é já um contri-
Unidade de Observação, Controlo e Fiscalização que, buto de sinal positivo à sustentabilidade ambiental.
conjugando os esforços de levantamento e identificação já Neste enquadramento, a selecção de materiais de
levados a cabo e identificando os que ainda se tornarão construção e a forma de os integrar não deve entrar
necessários, se responsabilizará pela criação, promoção e em conflito com as pré-existências, mantendo como
controlo do “Livrete do edifício” e se constituirá como critério a adopção de materiais com menor energia
garantia da aplicação dos Termos de Referência, apre- incorporada no fabrico, transporte e aplicação, meno-
ciando os projectos submetidos para as intervenções e fis- res valores de emissões de CO2 e melhor desempe-
calizando no terreno a respectiva implementação, asse- nho ambiental, ponderando-se ainda o destino dos
gurando a monitorização do desempenho, da manuten- mesmos materiais em fase de demolição ou renova-
ção e do uso nas áreas intervencionadas. ção, em termos da sua reutilização (primária ou
secundária) ou eliminação (incineração ou aterro).

Objecto da intervenção
Qualidade térmica da envolvente
Discriminam-se de seguida, de forma não exausti-
va, os vectores de intervenção que consideramos Assegurando-se mais uma vez o respeito pelas
indispensáveis e cuja enumeração e conteúdo evolui- pré-existências, devem melhorar-se os coeficientes
rá naturalmente face às condicionantes e pré-exis- de transmissão térmica da envolvente, pela consi-
tências encontradas no terreno. deração de isolamentos adicionais sempre que pos-
sível, nomeadamente em operações de conservação
de coberturas, por forma a, por um lado reduzir as
perdas de energia e, por outro, fundamental, elimi-
150
151

nar as condensações pelo interior, nos paramentos veículo potenciador em termos de conservação de
da envolvente exterior, assegurando uma qualidade energia, melhoria das condições de salubridade, remo-
higrométrica elevada, cuja inexistência é, em ção de humidades e durabilidade da construção, consi-
Portugal, a razão principal pelo desconforto no derando-se no entanto que a sua não total controlabi-
Inverno. Deve, nesta linha de raciocínio, incenti- lidade pode justificar a existência de sistemas híbridos.
var-se a utilização de soluções solares passivas de Devem assim assegurar-se níveis baixos de infiltra-
ganho directo e indirecto, embora reconhecendo ção por forma a melhorar a controlabilidade da venti-
que a possibilidade desses ganhos está bastante lação natural, investindo na localização e constituição
condicionada pela conservação dos sistemas e for- optimizada de aberturas para o exterior em função do
mas de cobertura tradicionais. campo de pressões e dos fenómenos de convecção.
Paralelamente, a adopção de protecções contra a
radiação solar é um factor decisivo na optimização
das condições interiores e um contributo importante Condicionamento acústico
na redução dos consumos de energia.
Para edifícios recuperados que mantenham a física Importa garantir, tanto quanto possível, e mais
original, devem considerar-se excepções ao cumpri- uma vez sem prejuízo da integridade das pré-exis-
mento da regulamentação térmica (RCCTE), em tências, a consideração de isolamentos mínimos con-
particular no que se refere aos paramentos verticais tra ruídos de condução aérea (fundamentalmente
e à resolução dos vãos. resultantes do tráfego automóvel) e por percussão
(nomeadamente entre fogos diferentes), bem como a
qualidade sonora dos ambientes interiores em ter-
Ventilação natural mos dos tempos de reverberação.
Devem considerar-se também, e sempre que seja
A ventilação natural é um factor determinante na mantida a física original, excepções à regulamenta-
obtenção de condições de higiene e conforto, sendo um ção existente, definindo-se no entanto exemplos de
152 boa prática e pormenores de execução reversíveis Obviamente, em paralelo, deve considerar-se a
que aumentem a massa dos elementos de separação e selecção de aparelhos de iluminação de elevada eficiên-
garantam a atenuação de ruído através das condutas cia e de sistemas de controlo relacionados com a dispo-
de ventilação e outros espaços técnicos. nibilidade de luz natural e a ocupação dos espaços.
Sempre que seja possível conservar as caixilharias
da época em madeira, estas deverão ser reforçadas,
para permitirem o aumento da massa dos elementos Insolação
de separação.
No que se refere ao isolamento acústico entre A tipologia dos arruamentos na malha regular da
pisos quando se verifiquem operações de renova- Baixa guarda virtualidades insuspeitadas quanto à
ção, os soalhos deverão ser levantados e repostos insolação, à imagem das tipologias urbanas perimedi-
depois de intercalada uma membrana absorvente terrânicas, assegurando alguma protecção contra o
de ruídos de percussão. A esta operação deve ser excesso de Sol no Verão, numa época em que os
associada, sempre que necessário, a diminuição da meios de climatização eram extremamente limitados.
interdistância dos tarugos de modo a reduzir a A orientação das ruas principais assegura, por outro
vibração dos pavimentos. Quando for possível lado, que a maior parte do espaço público receba pelo
apear os tectos, deverão ser introduzidas camadas menos algumas horas de sol durante o Inverno,
de lã mineral de peso específico adequado a redu- numa lógica microclimática coerente face à época da
zir os níveis de intensidade de ruído de transmis- sua concepção.
são aérea. A carência de sol nas habitações localizadas nos
No ordenamento urbanístico dever-se-ão consi- andares inferiores é no entanto hoje inaceitável. Não
derar meios de reduzir a reverberação nos arrua- havendo soluções próprias para este problema, reco-
mentos de menor largura. Esta é uma meta de difí- menda-se que, a exemplo do que já hoje se verifica
cil prossecução dado haver poucos elementos em grande parte dos edifícios, os pisos inferiores
urbanos aptos a contribuir para a absorção sonora. sejam destinados a usos não-residenciais.
No entanto, a arborização, quando possível e não Assim, consagrando apenas os dois ou três
incompatível com a conservação da imagem urba- pisos superiores a habitação – conforme seja possí-
na, a selecção de mobiliário urbano e mesmo a vel ampliar em planta ou não as dimensões dos
intervenção sobre alguns elementos das constru- logradouros interiores – e votando os pisos infe-
ções poderiam ser eventuais pistas de intervenção riores a comércio, serviços e espaços de cultura,
a considerar. permitir-se-ia a o recurso ao volume dos actuais
saguões, entre o rés-do-chão e o terceiro ou quar-
to piso, para a integração pouco intrusiva de ele-
Iluminação natural vadores, caminhos de evacuação alternativos, com-
partimentos para o armazenamento de resíduos
Uma parcela significativa de consumo de energia (permitindo a prática de soluções de separação e
eléctrica decorre da iluminação artificial. reciclagem), numa palavra, toda a infra-estrutura
Por outro lado, o conforto luminotécnico desem- de que estes edifícios estão carenciados, sem a
penha hoje um papel fundamental, pelo que a maxi- necessidade de esventrar as estruturas em gaiola
mização da penetração da luz natural deve ser esti- pombalina.
mulada, relativamente às suas componentes directa e
difusa.
Não sendo viável interferir na profundidade Uso da água
dos espaços ou na escolha e dimensionamento das
fenestrações, pode no entanto optar-se por níveis O objectivo fundamental é reduzir o consumo. A
superiores de reflectividade das superfícies inte- adequada selecção de aparelhos sanitários com maior
riores e/ou considerar dispositivos de penetração eficiência hidráulica é o factor mais determinante
da luz (prateleiras de luz, clarabóias e tubos de para a moderação do consumo.
luz, reflectores anidólicos e filtros difractores
holográficos).
Climatização Utilização de recursos endógenos 153

A proliferação das instalações de ar condiciona- Para além da utilização de água do rio já referi-
do de forma não regrada e com recurso a soluções da no âmbito da climatização e das medidas de con-
de baixa eficiência, para além de configurar um servação de energia e eficiência energética integra-
desperdício energético, transformando o espaço das nas propostas para o melhoramento da quali-
público num esgoto térmico, constitui, como já dade térmica, luminotécnica e de ventilação, o
referido, um elemento de poluição visual e sonora potencial solar para o aquecimento de água sanitá-
não compatível com a qualidade urbana que se pre- ria e para a conversão fotovoltaica não deverá ser
tende estabelecer. desprezado. Diversos exemplos felizes de integra-
De referir que com a crescente redução de preços ção destas soluções em áreas históricas podem ser
destes sistemas e com a ocupação terciária dos espa- fonte de inspiração.
ços, esta situação tenderá certamente a tornar-se
cada vez mais significativa.
Assim, sugere-se a consideração da produção cen- Clima urbano, qualidade e conforto
tralizada e distribuição de fluidos térmicos, que apre- em espaços exteriores
senta vantagens significativas quer em termos de
poluição visual e sonora, quer em termos de consu- Para além das estratégias já recomendadas anterior-
mos e eficiência energética, dada a obtenção de facto- mente, deve equacionar-se de forma abrangente a me-
res de utilização mais próximos do perfil de cargas lhoria das condições ambientais nos espaços exteriores,
global, permitindo igualmente a incorporação de que têm a ver fundamentalmente com a qualidade do ar
energias endógenas ou renováveis. e com a acústica urbana (ambos fortemente relacionados
Propõe-se a toma de água do rio Tejo (dados os com a densidade de tráfego e com o controlo/fiscaliza-
caudais envolvidos, o impacto térmico é irrelevan- ção do nível de ruído proveniente de bares e máquinas
te), a permuta com caudais secundários de água de de apoio às actividades comerciais). Esta melhoria está
arrefecimento que constituem o fluido térmico a obviamente relacionada com a disponibilização, ao nível
ser distribuído (em regime de caudal variável) para dos pisos inferiores, de espaços públicos estreitamente
alimentação de bombas de calor a instalar em cada relacionados com actividades terciárias.
unidade (edifício ou quarteirão) como um serviço
disponibilizado pela autarquia e objecto de conta-
gem de entalpia. Protecção contra incêndio
A rede associada, não isolada, seguiria a malha urba-
na terminando em postos de permuta e contagem a Considerando como objectivo fundamental a sal-
serem instalados em cada uma das unidades referidas. vaguarda de vidas humanas e tendo em conta os
fenómenos de propagação horizontal, devem ser
repostas as medidas de compartimentação corta-fogo
Instalações de gás entre edifícios (características do Plano Pombalino) e
sempre que possível usados retardantes da combus-
No enquadramento referido no parágrafo anterior tão nas estruturas originais.
(distribuição centralizada de fluido térmico), consi- A criação de caminhos de evacuação alternativos é
dera-se como solução mais adequada a eliminação também fundamental, sugerindo-se a utilização de
faseada da rede de distribuição de gás (pelo risco soluções já aplicadas noutras áreas de Lisboa.
potencial de incêndio já referido), dado que, quer o Finalmente, a instalação de sistemas de detecção e
aquecimento (e o arrefecimento), quer a produção de extinção, fixa e portátil, de incêndio deverá ser obri-
água quente sanitária, podem ser equacionados a gatória.
partir das bombas de calor previstas. Tendo em conta os regulamentos existentes e em
De qualquer modo, o aquecimento ambiente e de fase de profunda revisão, devem considerar-se excep-
água sanitária, bem como a confecção de alimentos, ções para esta zona de intervenção que flexibilizem
poderá sempre ser resolvido através de sistemas alguns aspectos relacionados com a resistência ao
eléctricos. fogo compensando esta fragilidade com o reforço dos
154 meios de evacuação, detecção e intervenção em caso Conclusões
de incêndio.

O acima exposto confirma o carácter estruturante


Instalações eléctricas e de comunicações do projecto, eventualmente replicável, altamente
motivador e gerador de intervenções de grande qua-
Em harmonia com as entidades concessionárias lidade estética em sintonia com soluções técnicas
devem estabelecer-se soluções padronizadas adapta- inovadoras, tecnologicamente actualizadas e ambien-
das aos condicionamentos do espaço: deverão ser jus- talmente perspectivadas. Neste enquadramento, para
tapostas e exteriores às paredes, mas ordenadas e além da preservação de um património único, poderá
controladas, em espaços técnicos específicos com fácil demonstrar-se a viabilidade da coexistência de
acesso para manutenção e inspecção e devidamente padrões elevados de qualidade de vida neste casco
protegidas, não implicando a abertura de roços, evi- histórico e de práticas e estratégias de sustentabili-
tando mais destruição do material histórico dos edifí- dade num meio urbano que se quer conservar e
cios e tornando mais fácil a sua futura inspecção e transmitir às gerações futuras.
manutenção.
4 A experiência
da Gestão Urbanística
O Licenciamento A reconstrução da cidade, no século XVIII, foi 157
considerada um projecto inovador, pelo superdimen-
na área da Baixa sionamento da malha urbana e dos espaços arquitec-
Pombalina1 tónicos, pela separação das funções habitacional e
Carlos Andrade comercial e pela dotação de infra-estruturas. No
Chefe de Divisão da Zona Sul – DMGU/CML entanto, a intenção conceptual desse projecto foi
Isabel Pereira sendo alterada com o tempo, quer ao nível arquitec-
Directora de Departamento de Gestão Urbanística I/CML tónico, quer funcional. Este último facto resultou das
condições geofísicas favoráveis – localização central,
proximidade do rio e topografia acessível – e das
condições urbana e arquitectónica – dimensão espa-
cial externa e interna – que contribuíram para o
crescimento do sector terciário na área, mantendo a
Baixa no lugar cimeiro da hierarquia funcional da
cidade até aos anos 40 do século XX. Este facto levou
1. Planeamento no centro à realização de intervenções arquitectónicas que se
histórico de Lisboa desviaram do modelo original, prática que se tinha
iniciado aquando da implementação do Plano, na
Com a crise económica dos anos 70 do século XX, segunda metade do século XVIII, mas que muito
as políticas urbanas despertaram para o interesse da contribuiu para o enriquecimento patrimonial da
preservação dos centros das cidades, em especial das área. A pressão dos agentes sobre o edificado pomba-
malhas antigas, redescobrindo o protagonismo actual lino fez, pela primeira vez, os técnicos municipais
dos centros reabilitados. A estratégia de requalifica- reflectirem sobre a necessidade de lançar medidas
ção dos centros históricos vem no seguimento da para controlar a descaracterização existente. Estas
melhoria ambiental urbana, constituída por um con- normas, lançadas em 1949, foram muito permissivas,
junto de factores que integram o património nas ver- pois além do estabelecimento da cércea uniforme de
tentes natural e construída e que são cada vez mais 6 pisos e do desenho segundo a traça pombalina, per-
prementes no planeamento urbano. Do ponto de mitiram de forma indiscriminada qualquer interven-
vista cultural, a atitude de preservar os centros his- ção nos pisos, sem referência a materiais. A preocu-
tóricos associa-se à tomada de consciência da identi- pação municipal foi exclusivamente formal, ao esta-
dade histórica da cidade, dos valores artísticos e belecer a cércea limite dos arruamentos sem avaliar
arquitectónicos, e sobretudo à manutenção de um as consequências urbanísticas que tal medida causa-
ambiente urbano como elemento estruturador da ria naquele tecido urbano e nas estruturas do edifica-
memória colectiva e da estima pública. do. A aplicação destas normas permitiu a utilização
Em Lisboa, a topografia, a forma e a imagem do uso do betão como prática corrente, depois das
urbana determinaram a identificação e a delimita- primeiras experiências executadas no início da déca-
ção, no centro, de uma área – a Baixa Pombalina – da de 1920, nas alterações de alguns edifícios. Foi na
com uma grande unidade formal, que se destaca na sequência da abertura aos novos materiais que surgi-
cidade e se distingue do restante centro histórico. ram os “falsos Pombalinos” – edifícios de substituição
Este núcleo é, ainda hoje, um dos poucos conjun- – em estrutura de betão, cujos alçados embora con-
tos urbanos de referência na cultura europeia do tendo elementos do vocabulário pombalino, não res-
século XVIII. A intervenção pombalina, apoiada peitaram o modelo nem a hierarquia da rua – ver o
por uma forte ligação aos mecanismos políticos de caso do Edifício Pollux (Rua dos Fanqueiros, 216).
inspiração iluminista, é a expressão de uma Nos anos 1960, a Baixa encontrava-se congestio-
corrente arquitectónica e urbanística moderna, nada pela falta de acessibilidade interna e externa, o
conseguida através da aplicação de uma metodolo- que veio originar um processo de declínio, perdendo
gia conceptual, de regras de intervenção e de um progressivamente importância como principal cen- 1 Área definida no
Pedido de Inclusão
enquadramento jurídico eficazes, onde a relação tralidade da cidade. Este facto, associado ao alarga- na Lista Indicativa
entre o conjunto edificado e a estrutura espacial mento do conceito sobre preservação do património, Nacional para a
Candidatura a
são indissociáveis. alertou os responsáveis municipais para a desvalori- Património Mundial.
158 zação que estava a ocorrer e para a necessidade de um Regulamento Municipal que viesse substituir as
requalificar a Baixa, a fim de ser preservado o seu Regras Supletivas em vigor.
carácter histórico-cultural. Em certa medida, a perda Apresentada em 1995, esta primeira proposta de
da importância económica revelou a descaracteriza- Regulamento Municipal potenciou as características
ção dos signos patrimoniais ombalinos. primitivas do edificado, demonstrando ser pouco fle-
Nos anos seguintes, devido à ausência de planeamento xível à modernização. A rigidez das regras, que ten-
e de medidas eficazes para proteger física e economica- diam para a reposição do modelo original pombalino,
mente aquele núcleo histórico, verificou-se uma perda de ameaçava a revitalização do tecido funcional, o que
competividade em consequência do aparecimento de levou o município a recusar esta Normativa, deixan-
novas áreas terciárias. Paralelamente, com o alargamento do assim a área da Baixa Pombalina mergulhar mais
do conceito de património, durante a década de 1980 veri- uma vez na indefinição.
ficou-se a necessidade de salvaguardar o valor dos núcle-
os históricos residenciais em redor da Baixa Pombalina,
lançando-se programas de reabilitação e recuperação que, 2. Enquadramento legal
complementados com a operação de renovação do Chiado,
ocorrida após o incêndio de Agosto de 1988, acentuaram Face à inexistência de instrumentos municipais de
a ausência de estratégia para a área central do centro his- ordenamento do território de nível inferior, a gestão
tórico. Este desviar das atenções sobre o núcleo histórico urbanística desta zona da cidade tem-se fundamenta-
terciário acentuou a sua descaracterização, ao mesmo do nas disposições do Regulamento do Plano
tempo que o desvitalizou ao nível económico. A Baixa Director Municipal de Lisboa (RPDML). Assim, a
Pombalina chegou aos anos 1990 penalizada nas suas área da Baixa Pombalina está, segundo a Planta de
duas frentes (económica e patrimonial). Componentes Ambientais do PDM, integrada num
Em 1992, na sequência do Plano Estratégico e Núcleo de Interesse Histórico, logo sujeita ao dis-
com o desenvolvimento dos estudos preliminares do posto no art. 24º do regulamento, que especifica que
Plano Director Municipal, o conceito de centro his- devem ser especialmente tratadas e preservadas a
tórico foi alargado, tendo sido tomadas em conside- imagem e ambiente urbanos2. No que respeita à
ração as diferentes morfologias urbanas dos bairros Planta de Classificação do Espaço Urbano, a área
envolventes, o que originou diferentes políticas de está abrangida por duas classes de espaço:
intervenção. As áreas históricas centrais foram con-
sideradas como de uso predominantemente habita- ● Área Histórica da Baixa (art. 29º, 30º e 38º a
cional, com excepção da Baixa Pombalina que foi 40º), que corresponde ao perímetro da área
classificada como Área Histórica Terciária, devido à classificada como Imóvel de Interesse Público,
racionalidade e amplitude da malha, à qualidade do pelo Decreto 95/78, de 12 de Setembro, e que
conjunto urbano e às suas características funcionais. integra as freguesias de São Nicolau e
Com o objectivo de inverter o seu processo de deca- Madalena.
dência definiu-se para o centro histórico terciário a Por não ter sido desenvolvido o Regulamento
necessidade de repor o equilíbrio funcional, revitali- Municipal, a gestão urbanística da Área Histórica
zar o comércio e acentuar o valor histórico-patrimo- da Baixa, nomeadamente no licenciamento de
2 “Para os efeitos de nial, através de um Plano de Pormenor ou de um obras, ficou reduzido à distribuição de usos (art.º
definição Regulamento Municipal. À semelhança do que tinha 38º), correspondendo o terciário a 80% de ocupa-
dos
condicionamentos à acontecido em 1949, a CML decidiu novamente des- ção e a habitação de 20%, e ao articulado de
edificabilidade,
devem ser sempre envolver regras que disciplinassem as intervenções Regras Supletivas (art.º 40) que determina que até
considerados
cumulativamente os
no parque edificado e que fossem capazes de respon- à conclusão do Regulamento Municipal ou Plano
referentes à Planta der, em simultâneo, à conservação da imagem pom- de Pormenor “… o licenciamento de obras é limi-
de Classificação do
Espaço Urbano e à balina e à revitalização económica da área. Para tal, a tado à beneficiação, restauro e conservação ou alte-
Planta de
Componentes Câmara encomendou à Faculdade de Arquitectura da rações pontuais que visem a reposição das caracte-
Ambientais Urbanas,
prevalecendo estes
Universidade Técnica de Lisboa (FAUTL) um estu- rísticas primitivas dos edifícios e que não impli-
últimos” (RPDML, do do edificado da Baixa, que envolveu uma leitura quem a demolição de elementos estruturais, facha-
art. 16º:
Interpretação da histórica da zona e levantamentos exaustivos das das, coberturas ou abertura de caves”
Planta de
Ordenamento). fachadas do edificado, com o objectivo de desenvolver (RPDML,1994: 47).
159

Fig. 1 – PDML: Extracto da Planta de Classificação do Espaço Urbano.

Em virtude de se tratar de uma área classi- ser acompanhadas de relatório especializado,


ficada, a gestão urbanística é partilhada com o podendo “...ser condicionadas à prévia realização
Instituto Português do Património Arquitec- de trabalhos de arqueologia de acordo com o
tónico (IPPAR), com a emissão de parecer vin- parecer do IPPAR (Instituto Português do 3 Exceptuam-se
o antigo Convento
culativo, que solicita, sistematicamente, dois Património Arquitectónico) normas municipais de S. Francisco
e o quarteirão
relatórios – o do levantamento exaustivo das de protecção e valorização do património ou poente, e o edifício
anteriores intervenções e o do acompa- aprovação do relatório...”(rpdml, art. 15º, 1994: 35). da Santa Casa
da Misericórdia
nhamento de obra. ● Área Histórica Habitacional (art. 29º a 37º) – classificados
como Área de
Tendo em atenção os vestígios arqueológicos, a restante área da candidatura3, a que corres- Equipamentos
e Serviços Públicos
Área Histórica da Baixa está incluída na Área pondem as freguesias de Santa Justa, Mártires, (art. 87º a 89º), e o
de Valor Arqueológico de nível I, delimitada Sacramento, Encarnação e São Paulo. Quartel do Carmo,
classificado como
pela Muralha Fernandina, incluindo o bairro da Esta área apresenta um articulado mais flexí- Área de Usos
Especiais (art. 85º
Mouraria, pelo que as obras do subsolo devem vel, com regras para a preservação das carac- e 86º).
160 terísticas urbanas (art. 29º), demolição e cons- car o ambiente urbano foram as razões apontadas
trução nova (art. 31º), alteração e ampliação para justificar um desvio às regras urbanísticas. Pos-
dos edifícios (art. 32º), ocupação de logradou- teriormente, nas poucas operações de renovação que
ros (art. 33º), definição de usos (art. 34º), além têm surgido, na sequência de casos de incêndio ou de
do Capítulo III, Secção II, reservado ao esta- ruína iminente, têm vindo a ser utilizadas estruturas
cionamento. Esta área é, também, partilhada mistas de metal com madeira, mais compatíveis com
com o IPPAR nos edifícios classificados ou em a estrutura original. Em nenhuma destas operações o
vias de classificação e respectivas zonas de estacionamento esteve contemplado, devido não só à
protecção. O subsolo, por sua vez, está abran- interdição do articulado do RPDML de abertura de
gido por Área de Potencial Valor caves, como às características invulgares do subsolo.
Arqueológico 1 ou 2, consoante a localização As intervenções mais ligeiras estão localizadas
do edifício, nos termos do disposto do art. 15º nos pisos superiores e podem envolver um a dois
do RPDML. pisos, sendo obras de alteração pontual, reabilitação
ou beneficiação, associadas geralmente a alterações
do uso. Dentro desta tipologia há também casos de
3. O Licenciamento na área propostas de introdução de elevadores, que se reve-
da Baixa Pombalina lam de difícil integração face às obras de alteração
necessárias no edifício. Embora não se registem
Numa análise generalizada da aplicação do obras de ampliação de pisos, existem, no entanto,
RPDML nos últimos dez anos, verificou-se que a intervenções nas coberturas, onde é proposto o
diferença no articulado do Plano induziu uma dinâ- aumento de trapeiras ou mesmo a sua substituição
mica diferenciada ao nível do território urbano entre por outras, mais de acordo com o modelo pombalino,
o licenciamento da Área Histórica da Baixa e das contribuindo para regularizar a imagem urbana.
Áreas Históricas Habitacionais envolventes. No que respeita aos materiais a utilizar, tem havi-
Na Área Histórica da Baixa, que integra as fre- do o cuidado na preservação da gaiola pombalina e a
guesias de São Nicolau e Madalena, pode concluir- aplicação de materiais leves no interior dos edifícios.
-se que a actividade terciária é a maior responsável Paralelamente, tem sido exigida a utilização de
pelas intervenções, devido à diversidade de ramos madeira nos vãos e caixilharias dos pisos superiores,
e à capacidade de mudança do sector. O maior sendo que nos pisos comerciais tem sido admitido o
número de intervenções está localizado no piso uso do PVC e do alumínio com perfil idêntico ao da
térreo, o que faz do comércio e das instituições madeira. Para as coberturas, tem sido admitido ape-
bancárias o grande interveniente no que respeita a nas o uso da telha como revestimento.
pequenas intervenções interiores, sendo que a alte- Quanto ao licenciamento da publicidade, este é efec-
ração exterior predominante consiste na reposição tuado fora das competências da Direcção Municipal de
do ritmo e da métrica dos vãos pombalinos. Gestão Urbanística, o que não tem contribuído para
Inicialmente esta intervenção deve-se sobretudo uniformizar o desenho e a imagem da Baixa.
às instituições bancárias, tendo os comerciantes No que respeita aos usos, até ao final da década de
vindo a adoptá-la gradualmente. Apesar de se pro- 90 registou-se uma predominância de pedidos de
cessar a um ritmo muito lento, este facto tem con- mudança de utilização de habitação para serviços, nos
tribuído para a melhoria da imagem urbana da pisos superiores, numa tentativa de legalizar uma ocu-
Baixa. pação há muito existente. Porém, nos últimos anos
As intervenções mais profundas verificaram-se no esta tendência inverteu-se com a entrada de pedidos
início da aplicação do RPDML, tendo-se assistido à de retorno ao uso de habitação, que são geralmente
destruição de alguns interiores e ao uso do betão acompanhados de pequenas obras de alteração, onde
armado, com consequências ainda mal avaliadas os trabalhos de conservação e reabilitação são mais
quanto aos efeitos nas estruturas originais, devido ao preponderantes, associados à melhoria das condições
uso de materiais pesados na reconstrução dos edifí- de habitabilidade e funcionalidade dos fogos.
cios. O péssimo estado de conservação do edificado, a Nas Áreas Históricas Habitacionais, onde o regula-
voluntariedade e pressão dos agentes, maioritaria- mento do PDM permite uma maior amplitude de ope-
mente grupos financeiros, e a necessidade de qualifi- rações urbanísticas, verificou-se que o processo de rea-
bilitação urbana se tornou mais dinâmico. A maior fle- de metal com madeira e progressivamente evitado o 161
xibilidade do articulado do RPDML para as Áreas uso de betão. Paralelamente, o uso de caixilharias de
Históricas Habitacionais, nos casos das freguesias de alumínio ou de PVC com perfis idênticos à madeira,
Mártires, Sacramento e Santa Justa e do Regulamento têm sido admitidos, tanto nos pisos inferiores como
do Plano de Urbanização do Núcleo Histórico do nos superiores. Com coberturas predominantemente
Bairro Alto e Bica (RPUNHBAB) para a freguesia da revestidas a telha, têm surgido, em casos pontuais, e
Encarnação, tem proporcionado grandes intervenções, nas operações de renovação, propostas de utilização
que vão desde a preservação arqueológica à constru- do zinco, que têm merecido o acordo do IPPAR e da
ção nova, e pequenas intervenções que se limitam à CML. Quanto aos revestimentos dos paramentos, o
reabilitação de fogos habitacionais. Cerca de metade uso de rebocos afagados e aplicação de tintas de água
das intervenções propostas incidem sobre ampliações têm sido as orientações propostas.
de edifícios ou aproveitamentos de desvão da cobertu- Para demonstrar os efeitos da diferença de articulado,
ra, com a introdução de trapeiras ou mesmo de pisos no RPDML, entre as duas Áreas Históricas torna-se
amansardados, para o uso exclusivamente habitacio- necessário efectuar uma análise dos Quadro 1 e 2 que
nal. A construção de caves está bastante condicionada representam uma amostragem dos pedidos de licencia-
pelos níveis de arqueologia, pelo que aparecem quase mento concluídos em 2004. Estas classes de espaço são
sempre associadas às grandes intervenções. Existem sensivelmente idênticas em área territorial e encontram-
casos pontuais de aproveitamento do piso térreo para -se discriminadas pelas freguesias que as compõem.
estacionamento, mas são intervenções que colidem,
por vezes, com as morfologias arquitectónicas dos edi- Da análise do Quadro 1, verifica-se uma maior
fícios antigos. incidência de pedidos de edificação para Áreas Histó-
Quanto aos materiais usados, tem vindo a ser cada ricas Habitacionais do que para a Área Histórica da
vez mais frequente a utilização de estruturas mistas Baixa, o mesmo acontecendo com os pedidos pós-

Quadro I Número de processos de licenciamento concluídos na área da Baixa


Pombalina em 2004

PÓS-LICENCIAMENTO
CLASSE DE ESPAÇO FREGUESIAS EDIFICAÇÃO

HABITAÇÃO COMÉRCIO ARRENDAMENTO


URBANO
S. Nicolau 16 4 0 0
Área Histórica da Baixa Madalena 15 2 1 1

Sub-Total 31 6 1 1

Santa Justa 13 0 2 3
Mártires 14 0 13 2
Área Histórica Sacramento 6 0 0 14
Habitacional Encarnação 16 4 2 8

Sub-Total 49 4 17 27

Total 80 10 18 28

Fonte: DMGU/DGUI/DZS/CML, 2004.


162
Quadro 2 Número de processos de edificação concluídos na área da Baixa
Pombalina em 2004

CLASSE DE ESPAÇO FREGUESIAS EDIFICAÇÃO DEFERIDOS INDEFERIDOS

S. Nicolau 16 6 10
Área Histórica da Baixa Madalena 15 5 10

Subtotal 31 11 20

Santa Justa 13 3 10
Mártires 14 6 8
Área Histórica Sacramento 6 3 3
Habitacional Encarnação 16 9 7

Subtotal 49 21 28

Total 80 32 48

Fonte: DMGU/DGUI/DZS/CML, 2004.

licenciamento (licenças de utilização). Deste facto, a CML tem dedicado à reabilitação urbana, através
conclui-se existir maior pressão e dinamismo por da operação da Rua da Madalena. Esta iniciativa, que
parte dos agentes sobre as Áreas Históricas teve o apoio do IPPAR, centrou-se exclusivamente
Habitacionais. Os pedidos de arrendamento urbano, naquela artéria, tendo sido objecto de um estudo
que na sua maioria incidem sobre a habitação, são exaustivo, através do levantamento das patologias de
também mais preponderantes naquela zona, em todos os edifícios. Na sequência das vistorias realiza-
resultado das suas características habitacionais. das, os proprietários foram intimados a realizarem
Porém, no que respeita à alteração do uso de terciá- obras de manutenção e conservação, tendo o empenho
rio para habitação, salienta-se que este valor, apesar do IPPAR, numa área que é imóvel classificado, con-
de ser baixo, é maior na Área da Histórica da Baixa tribuído não só para aligeirar os procedimentos de
do que na zona envolvente, o que vem confirmar a consulta daquela entidade, como para dinamizar a
tendência para o retorno à habitação daquele territó- concretização dos objectivos lançados pela CML.
rio com características terciárias, enquanto se conti- Convém frisar, no entanto, que em muitos dos pro-
nua a registar um propagar do comércio ao nível dos cessos de Ocupação da Via Puública para beneficiação
pisos térreos nas áreas habitacionais envolventes. dos edifícios, se verifica um extravasar da operação
Numa análise mais detalhada do Quadro 2, e ape- urbanística para obras de alteração sujeitas a licencia-
sar da freguesia da Madalena ter uma área territorial mento, levando a procedimentos de contra-ordenação
que corresponde a cerca de metade da área da fre- e embargo. Estas situações tornam-se mais difíceis de
guesia de São Nicolau, ambas apresentam o mesmo legalizar na Área Histórica da Baixa do que nas Áreas
número de pedidos para licenciamento, sendo tam- Históricas Habitacionais, devido à rigidez do articula-
bém idêntica a relação entre processos deferidos e do do RPDML e à exigência de apresentação de rela-
indeferidos. Este facto prende-se com o empenho que tórios das intervenções por parte do IPPAR.
No que respeita aos resultados obtidos, verifica-se quear a revitalização económica como acentuar a 163
que o número de processos indeferidos na Área depressão deste tecido. A inexistência de regras que
Histórica da Baixa é de cerca de 65%, diminuindo orientem a intervenção dos particulares provoca, por
para 57% na área envolvente. Também os processos parte destes, uma reacção que, explorando as debili-
deferidos são superiores nas Áreas Históricas dades e condicionantes das administrações da CML e
Habitacionais, representando 43% dos processos IPPAR, resulta num somatório de intervenções casu-
entrados, enquanto que na restante área o valor ísticas que desvirtuam e afectam negativamente os
desce para 35%. Este facto demonstra a menor con- valores estéticos e construtivos e descaracterizam a
cretização dos projectos na Área Histórica da Baixa, imagem urbana.
na sequência da restrita amplitude das regras suple- A revisão do Plano Director Municipal e os estu-
tivas aplicadas àquele território. dos efectuados sobre a Baixa Pombalina, com o
A maior flexibilidade do articulado nas Áreas objectivo de lançar a candidatura a Património
Históricas Habitacionais, permitindo uma maior Mundial, são uma oportunidade para alterar os ins-
diversidade de operações urbanísticas, aumenta o trumentos urbanísticos de uma forma concertada
índice de aceitação e concretização dos projectos e, entre as entidades responsáveis por aquele território.
consequentemente, leva a uma maior dinâmica da Torna-se necessário projectar para a Baixa Pom-
intervenção no território, com resultados visíveis na balina modelos estratégicos mais “finos” ou conceber
reabilitação do tecido histórico. normas de reabilitação que possam e devam ser um
A continuada aplicação das regras supletivas do estímulo para a qualificação e o desenvolvimento de
PDM (art. 40º) para a Área Histórica da Baixa, pelo novas dinâmicas na área da revitalização do centro
controlo apertado que impõem, poderá não só blo- histórico terciário.
A gestão urbanística vo devem ser objecto duma abordagem pluridiscipli- 165
nar, por forma a definir, com rigor, em que moldes
e a salvaguarda pode ser feita a sua reabilitação.
do património. Isso assume particular importância no caso dos
A Baixa Pombalina – edifícios da área da Baixa, cujo valor intrínseco lhes
é conferido por um conjunto de características que os
tendências e práticas tornam absolutamente singulares. Falamos não só do
Hélia Silva seu sistema construtivo, do rigor de desenho dos
Rita Mégre
seus alçados mas também da acumulação de valores
Direcção Municipal de Gestão Urbanística, Departamento de
acrescidos que foram sendo introduzidos ao longo de
Monitorização e Difusão de Informação Urbana – CML
mais de dois séculos.
Embora o RPDML seja o instrumento fundamen-
tal na análise dos licenciamentos, é a situação parti- 1 O IMP, que
cular de cada edifício que vai determinar com rigor o constitui o anexo 1
do Regulamento do
tipo de intervenção possível. Plano Director
Municipal, assinala
Daí que seja fundamental ter um conhecimento os imóveis e
profundo da realidade, por forma a avaliar a razoabi- conjuntos edificados
com interesse
lidade das propostas e fundamentar a apreciação dos histórico,
arquitectónico e/ou
Introdução processos na sua globalidade – urbanística e patri- ambiental (RPDML
art. 13º, nº 1).
monial. É que, embora se deva privilegiar a reabilita-
2 As Áreas
A equipa do Núcleo de Estudos do Património ção dos edifícios, há situações em que, como iremos
Históricas são uma
(NEP) dá o seu apoio, desde Janeiro de 2001, ao ver um pouco mais à frente, tal é impossível ou des- das classes de espaço
do PDM para as
Planeamento e Licenciamento Urbanísticos na salva- tituído de sentido. quais se pretende
que sejam
guarda do património edificado. Por isso, para cada processo em análise é feita uma “preservadas as suas
No âmbito da gestão urbanística, mais precisa- visita pormenorizada ao edifício para avaliar o seu características
morfológicas e de
mente no licenciamento de obras particulares, a estado de conservação, as alterações a que foi sujeito, ambiente e de
imagem urbana, mas
acção do NEP centra-se na análise de propostas de o seu valor patrimonial intrínseco e identificar os ele- simultaneamente
sujeitas a um
intervenção para edifícios e conjuntos do Inventário mentos decorativos existentes – azulejos, estuques, processo de
Municipal do Património (IMP)1 ou que impliquem pinturas, mobiliário (no caso de estabelecimentos revitalização social e
funcional. (...)
alterações profundas ou a demolição de edifícios comerciais). Dá-se também particular atenção ao Pretende-se também
defender e valorizar
situados em Área Histórica2. enquadramento urbano, para que se possa avaliar o o espaço público, os
elementos edificados
Com este texto pretende dar-se uma ideia geral impacto das alterações exteriores no próprio imóvel e os conjuntos de
dos problemas com que se confronta o Licen- e sua inserção na respectiva frente de rua4. especial valor
arquitectónico ou
ciamento Urbanístico na área da Baixa Pombalina3, Pela parte do NEP, e tendo como fundamento teó- urbanístico, evitando
a sua alteração
face aos instrumentos urbanísticos em vigor, às pre- rico os princípios emanados das cartas, recomenda- casuística e a
descaracterização
tensões dos requerentes e ao estado de conservação ções e convenções internacionais sobre a salvaguar- urbanística das
do edificado. da do património arquitectónico e arqueológico5, zonas em que se
integram”.
Os casos com que a nossa equipa se tem deparado houve a preocupação em definir critérios de inter- (RPDML,
Preâmbulo, p. 8).
constituem uma amostragem significativa das ten- venção muito rigorosos e equitativos, mas adaptados
3 Área definida no
dências de transformação dos usos e dos edifícios, a cada situação particular, para evitar uma eventual Pedido de Inclusão
podendo servir como contributo para a definição do dualidade de critérios na apreciação dos processos. na Lista Indicativa
Nacional para a
Plano de Gestão da Baixa, um dos instrumentos que Para o NEP, são pontos fundamentais para garan- Candidatura a
Património Mundial
a candidatura a apresentar à UNESCO deverá incluir. tir a qualidade das intervenções na área da Baixa: (Boletim Municipal
● integridade estrutural dos edifícios, incluindo
nº 538, 3º
Suplemento, 11 de
o sistema de estacarias que os suporta e os Junho de 2004).

Práticas – critérios de pilares e abóbadas dos pisos térreos; 4 Trata-se de uma


metodologia que é
abordagem às intervenções ● manutenção na íntegra dos núcleos de escadas,
seguida pelo NEP
para toda a cidade,
dos átrios de entrada e dos saguões; embora no caso da
As intervenções em edifícios com assinalável valor ● respeito pela compartimentação original dos Baixa a equipa
integre sempre um
histórico, arquitectónico, construtivo e/ou decorati- fogos, com possibilidade de pequenas altera- engenheiro civil.
166 ções para melhoria das condições de habita- Nos pisos intermédios encontram-se generica-
bilidade; mente três tipos de situações:
● manutenção in situ dos azulejos das escadas e ● fogos com a compartimentação praticamente

dos espaços de habitação, assim como de intacta, incluindo portas e portadas de madeira,
outros elementos decorativos existentes; chaminés das cozinhas, pavimentos de madeira
● preservação das chaminés das cozinhas, assim corrida e com silhares de azulejo na maioria das
como de pavimentos, tectos de saia e camisa ou dependências (fig. 2);
de masseira, portas, aduelas, portadas e rodapés; ● fogos onde ainda é perceptível a compartimen-

● reposição, sempre que possível, da métrica tação original mas que foram objecto de al-
pombalina nas fachadas, ao nível do piso tér- terações consideráveis: demolição de paredes e
reo; silhares de azulejo removidos (muitos deles
● integridade morfológica das coberturas, roubados) ou ocultos sob camadas de tinta ou
excepto em casos de descaracterização ou papel de parede;
existência de dissonâncias; ● por último, com particular incidência nos pri-

● ampliações apenas em casos excepcionais; meiros andares, fogos já em sistema de open


● cuidados especiais ao nível dos acabamentos space como resultado da sua adaptação a fun-
exteriores, nomeadamente caixilharias – de- ções não habitacionais (fig. 3).
senho e material –, tipo de reboco, tipo de telha
e paleta cromática;
● reposição dos logradouros com demolição de Os vestíbulos comuns são muito idênticos: espa-
construções precárias, por forma a melhorar a ços rectangulares com dois arcos geminados em can-
salubridade e qualidade ambiental dos inte- taria, que dão acesso ao núcleo de escadas e a um
riores de quarteirão. compartimento para arrumos, com pavimento ainda
em lajedo de pedra ou já com mosaico hidráulico.
5 Nomeadamente, As escadas apresentam geralmente o primeiro
Declaração de
Amsterdão
Diagnóstico – lanço em pedra e os restantes em madeira (excepção
(Conselho da
Europa, 1975), Carta
situações encontradas para um prédio na Rua Nova do Carvalho, com lances
Internacional sobre
de pedra até ao segundo andar) e tectos saia e camisa.
a salvaguarda das Nos cerca de 45 edifícios visitados no âmbito do A existência de silhares ou rodapés de azulejo é cada
cidades históricas
(ICOMOS, licenciamento de obras particulares (fig. 1), encon- vez mais rara, sobretudo nos prédios devolutos.
Washington, 1987),
Recomendação sobre traram-se situações muito diversificadas, particular- A nível estrutural, e embora não se tenham encon-
a salvaguarda dos
conjuntos históricos
mente no que se refere ao “estado de autenticidade” trado muitos edifícios com o interior totalmente em
e da sua função na dos interiores. betão, há um número assinalável em que a estrutura
vida contemporânea
(Conselho da De facto, entre os casos mais extremos de interio- de gaiola dos últimos pisos coexiste com uma estru-
Europa, 1993), Carta
de Lisboa sobre a res já totalmente demolidos (dois na Rua da tura de betão armado nos pisos inferiores – espaços
reabilitação urbana
integrada (1995),
Madalena e dois na Rua da Misericórdia) ou em pré- comerciais6 e primeiros e segundos andares. Esta
Carta de Cracóvia -ruína (Calçada de São Francisco) e o de um único situação de “ambivalência estrutural” é preocupante,
2000 sobre
os princípios para a edifício na Rua da Madalena que apresenta ainda a não só porque fragiliza os edifícios mas também por-
conservação
e restauro sua compartimentação original intacta em todos os que condiciona muito o tipo de intervenção que é
do património
construído.
pisos, há um conjunto de situações intermédias que possível vir a realizar (fig. 4).
6 Alguns edifícios são difíceis de tipificar porque muito heterogéneas. Por último, observaram-se algumas situações em
ainda mantêm Começando pelos interiores, os últimos andares que a estrutura estava praticamente intacta mas
intacto o sistema
estrutural de (piso acima da cimalha e águas furtadas), embora muito deteriorada.
abóbadas e arcarias
que caracterizava
geralmente mais degradados devido ao mau estado Relativamente à vertente decorativa, tem-se veri-
estes espaços (fig. 5); das coberturas, são os que apresentam a comparti- ficado um predomínio da azulejaria de padrão pom-
noutros, devido a
intervenções mentação mais próxima do modelo original. No balino (figs. 5 a 6) e uma menor incidência dos padrõ-
sucessivas, estas
estruturas foram entanto, por serem os fogos de renda mais barata e es neoclássicos (fig. 7), quer em escadas quer em
integralmente
destruídas ou estão
de construção mais tardia, são também mais modes- habitações. Azulejos de figura avulsa apenas foram
camufladas por tos sob o ponto de vista construtivo, espacial e deco- encontrados nas escadas de um edifício (fig. 8) e no
tectos falsos, paredes
divisórias, etc. rativo. forro de algumas chaminés de cozinha.
167

Fig. 1 – Edifícios vistoriados no âmbito do licenciamento de obras particulares (Jan. 2001 a Dez. 2004).

Pinturas parietais a têmpera foram encontradas mento de varandas, abertura indiscriminada de


apenas em alguns fogos de dois edifícios, um dos novos vãos e a ocupação dos saguões ao nível do piso
quais com um belíssimo tromp l´oeil na clarabóia da térreo (fig. 10).
caixa de escadas (fig. 9). Os interiores de quarteirão, muitos dos quais se
No que se refere à imagem urbana, principalmente encontram pejados de construções precárias e imper-
ao nível dos alçados principais, os sinais negativos são meabilizados, apresentam, por isso, uma qualidade
bem visíveis: degradação de rebocos, uma paraferná- ambiental e condições de fruição muito inferiores ao
lia de materiais e desenhos de caixilharia, tubagens e que seria desejável (fig. 11).
aparelhos de ar condicionado e a quebra de modelação As coberturas, que mais do que em qualquer outra
dos vãos do rés-do-chão em muitos dos edifícios. zona da cidade funcionam como uma 5ª fachada, e que
Nos alçados de tardoz, também muito degradados, eram na sua origem elementos “geometricamente lim-
a situação mais gritante prende-se com o encerra- pos”, apresentam actualmente uma variedade de for-
168

Fig. 2 – Interior de um fogo ainda com as suas características construtivas e decorativas originais, Rua de São Paulo.
Fig. 3 – Interior de um fogo alterado por uma grande campanha de obras em 1960, Praça do Município.

Fig. 4 – Sistema de suporte com pilares e abóbadas de tijolo a cutelo, Rua Ivens.
Fig. 5 – Silhar de azulejos pombalinos, Rua Garret.
Fig. 6 – Silhar de azulejos pombalinos, Rua de São Paulo.

Fig. 7 – Silhar de azulejos neoclássicos, Rua de São Paulo.


Fig. 8 – Vestígios de azulejos de figura avulsa como revestimento de caixa de escadas, Rua de São Paulo.
170 mas e volumes que contribui em muito para a hetero- ção de sondagens arqueológicas prévias e relatório
geneidade da imagem urbana da Baixa (fig. 12). técnico com medidas de minimização9.
São todas estas variáveis que têm de ser ponderadas
pelos diversos agentes, para que as intervenções a rea-
lizar no edificado tenham coerência morfológica, esté- Estudo de caso –
tica, funcional, e também viabilidade financeira, e pos- edifício na Rua Anchieta
sam, assim, vir a constituir um elemento valorizador de
um património que se pretende da Humanidade. A escolha deste prédio para exemplificar as “con-
tradições“ entre a teoria e a prática, deve-se ao facto
de se tratar de um dos casos raros de edifícios de
Tendências – a abordagem génese pombalina que ainda funciona como uma uni-
das intenções por parte dade construtiva, arquitectónica e decorativa. Não só
dos particulares mantém a volumetria e traça originais – apenas 3
pisos, remate com cornija e beirado e trapeiras na
Embora o RPDML seja muito claro quanto ao cobertura – (figs.13 e 14) como o sistema construti-
tipo de intervenção possível no edificado da Baixa, o vo e os elementos caracterizadores do espaço interior
que se tem constatado é que a grande maioria das se apresentam quase intactos (fig. 15 a 18)10.
propostas analisadas raramente vai ao encontro das Por outro lado, tem a particularidade de num dos
7 Reabilitação de disposições do Plano. espaços do rés-do-chão se encontrar, ainda com todo
um edifício: “Obras
que têm por fim
Apesar do termo “reabilitação”7 ser o mais utili- o seu espólio, o antigo laboratório da firma David &
a recuperação zado pelos projectistas para caracterizar as suas David11 (fig. 19 a 22).
e beneficiação de
uma construção, intervenções, na realidade são poucas as propostas No projecto em licenciamento propõem-se altera-
resolvendo
as anomalias que se podem enquadrar neste conceito. ções nas fachadas (construção de mais um piso em
construtivas,
funcionais, higiénicas
De facto, o que predomina são propostas de rotu- varanda corrida, abertura de sete trapeiras a eixo dos
e de segurança ra: alteração profunda da fisionomia dos espaços vãos de fachada e alteração do desenho da caixilha-
acumuladas ao longo
dos anos, interiores – demolição de chaminés, ocupação de ria) e a reestruturação profunda dos interiores, com
procedendo a uma
modernização que saguões, alteração da compartimentação com subver- manutenção do núcleo de escadas.
melhore o seu
desempenho até
são de toda a lógica espacial, remoção dos silhares de As objecções levantadas pelo NEP12 prenderam-se
próximo dos actuais azulejos – com implicações na perda de autenticidade com o desenho proposto para a ampliação, a forma
níveis de exigência”.
(“Carta de Lisboa histórica e arquitectónica dos edifícios. como era efectuada a remodelação interior e a omissão
sobre a reabilitação
urbana integrada”, A nível exterior são raras as situações em que não quanto ao destino a dar ao espaço do antigo laboratório.
in Actas do 1º
Encontro Luso-
há proposta de ampliação, embora a maior parte dos Relativamente aos moldes em que era feita a
Brasileiro de edifícios já tenha atingido o seu limite de crescimen- ampliação, por exemplo, verificou-se uma subversão
Reabilitação Urbana,
Lisboa, 21 a 27 to8. E as coberturas assumem-se maioritariamente do modelo utilizado nos prédios pombalinos, pois a
Outubro de 1995).
como novos pisos preenchidos com baterias de tra- altura das novas janelas de sacada era de 2,10m e não
8 De facto, embora
na maioria dos casos,
peiras, em vez de serem volumes limpos. 2,86m como nos andares inferiores13. Esta situação
pela média das Se a isto acrescentarmos a colocação de equipa- de dissonância era agravada pelo número e dimensão,
cérceas, os edifícios
até possam subir mentos técnicos (elevadores, ar condicionado, etc.), a excessivos, das trapeiras propostas para a cobertura.
mais 1 piso, em
termos patrimoniais abertura de terraços panorâmicos ou a utilização de Por isso, considerou-se que uma nova proposta para
isso não é aceitável
uma vez que iria
zinco como material de revestimento dos telhados, o edifício deveria partir de pressupostos diferentes dos
quebrar a coerência assistir-se-ia, caso fossem permitidos estes projec- apresentados e ter em atenção as seguintes questões:
arquitectónica dos
edifícios, com tos, à subversão completa de um dos elementos mais ● reabilitação dos interiores, com possibilidade
consequente impacto
urbano negativo em marcantes na definição da imagem urbana da Baixa. de reestruturação desde que fossem mantidas
todo o conjunto
edificado.
Quanto aos materiais, para além da utilização de as paredes resistentes e todos os elementos
9 Cf. RPDML, art. zinco nas coberturas em detrimento da telha de caracterizadores do espaço;
15º. canudo, predominam as propostas de substituição da ● relativamente aos azulejos, solicitou-se a apre-

10 Teve uma caixilharia de madeira por alumínio ou PVC, com sentação de levantamento fotográfico rigoroso
intervenção
de reestruturação ao
janelas de duas folhas sem quadrícula. dos diferentes padrões, com a indicação da res-
nível do 1º andar, com A abertura de caves é, por agora, uma situação pectiva localização;
maior profundidade
no 1º Esq. pontual para a qual a Câmara tem exigido a realiza- ● possibilidade de ampliação do edifício depen-
171

Fig. 9 – Decoração em tromp l’oeil na


clarabóia da escada, Rua Victor Cordon.

11 Estabelecimento
de retrosaria
e perfumaria
localizado da Rua
Garrett, que foi
durante largas
décadas um dos
espaços comerciais
mais emblemáticos do
Chiado.
A retrosaria dos
Irmãos David foi
inaugurada em 1882
na Rua Nova do
Almada, tendo-se
mudado para o topo
do Chiado em 1907.
O negócio
alargou-se ao ramo da
perfumaria, sendo os
perfumes e outros
produtos de beleza
feitos artesanalmente
no laboratório
situado na Rua
Anchieta.
12 Informação
1670/INT/DMGU/
DMDIU/DMU/
20o4, de 16 de Julho
13 Isto deve-se ao
facto de o pé direito
Fig. 10 – Saguão, zona de S. Paulo. deste piso ser muito
inferior ao dos outros
andares.
14 Esta exigência
justifica-se não só pela
necessidade de se ter
uma noção
do tipo de estrutura
que se pretende
introduzir e a forma
como esta se vai
dente da utilização de estrutura leve, por for- PVC ficaria dependente da entrega de desenho articular com as
ma a não comprometer a manutenção de todos pormenorizado do perfil a utilizar; pré-existências, mas
também porque
os elementos atrás referidos, pelo que se julgou ● apresentação de levantamento rigoroso e de é frequente, aquando
da entrega das
aconselhável a entrega de um estudo prévio de um programa de intenções para o espaço do especialidades,
estrutura a acompanhar a nova proposta14; antigo laboratório da firma David & David, constatar-se que
a estrutura proposta
● manutenção do actual desenho da caixilharia. que contemplasse a manutenção in situ do não respeita
a arquitectura
A possibilidade de substituir a madeira por mobiliário e do espólio ainda existente. aprovada.
Fig.11 – Interior
de quarteirão
(Rua Ivens, Rua
Capelo, Rua
Anchieta e Rua
Garrett).

Fig. 12 – Perspectiva
da 5ª fachada, zona da
Rua da Conceição.
173

Fig. 13 – Alçado existente, Rua Anchieta

Fig.14 – Pormenor do alçado, Rua Anchieta.


174

Fig. 15 – Lance inicial da escada de distribuição, Rua Anchieta.


Fig. 16 – Pormenor do lance inicial da escada, ainda com o silhar de azulejos neoclássicos, Rua Anchieta.
175

Fig. 17 – Chaminé da cozinha de um dos fogos, Rua Anchieta.


Fig. 19 – Silhar de azulejos, Rua Anchieta.
176

Fig. 19 – Pormenor do antigo laboratório da David & David, Rua Anchieta.


Fig. 20 – Estantes com os frascos de essências, Rua Anchieta.
177

Fig. 21 – Pormenor do balcão, Rua Anchieta.


Fig. 22 – Exemplos de embalagens, Rua Anchieta.

Considerações finais Para que os projectos não ponham em causa a auten-


ticidade da Baixa Pombalina enquanto património
urbano e elemento de identidade cultural, mas possam
A intervenção no edificado constitui um dos facto- ser financeiramente viáveis, é fundamental desenvolver
res mais relevantes na valorização e revitalização da propostas em que a arquitectura, a engenharia, o res-
Baixa mas não deve ser dissociado de outras questões tauro e por vezes também a arqueologia, constituam
igualmente importantes, como a requalificação do um todo coerente. É igualmente importante estabelecer
espaço público, a diversidade funcional, a dinamiza- plataformas de diálogo com os requerentes e os seus
ção do comércio ou a preservação das lojas de tradi- projectistas no sentido de os ajudar a encontrar a me-
ção e prestígio. lhorar solução para o(s) seu(s) edifício(s).
Mas essas intervenções não podem ser encaradas A Baixa necessita sobretudo de um conjunto de
como meras operações de cosmética, nem tão pouco orientações estratégicas fundamentadas em estudos
numa perspectiva fundamentalista. Há edifícios que pluridisciplinares, que permita, a quem aqui pretende
necessitam apenas de pequenas obras para voltarem investir, direccionar da maneira mais correcta os seus
a ser utilizados, mas há muitos outros que necessitam projectos.
de obras mais profundas. A dificuldade reside em A revitalização da Baixa não é incompatível com a
encontrar um ponto de equilíbrio entre o que deve e salvaguarda do seu património, mas não será consegui-
o que pode ser preservado. da sem a conservação do seu edificado.
5 A actuação
da reabilitação urbana
A Baixa-Chiado Com o grande incêndio do Chiado de 1988 foi 179
definida uma área crítica para a qual se realizou um
e a defesa Plano de Reconstrução assinado pelo arquitecto Siza
do seu património Vieira. A esta iniciativa foram associadas grandes
Ana Gonçalves renovações comerciais (Armazéns do Chiado e
CML Grandella) e culturais (como o projecto do Museu do
Chiado do arquitecto francês Villemotte).
A recuperação desta área da cidade, através da
criação do Gabinete de Reconstrução do Chiado,
criou a oportunidade de a eleger como área prioritá-
ria de intervenção, sendo, no entanto, insuficiente o
impulso, e agravando-se a deterioração da mesma e
das áreas adjacentes.
1. Antecedentes de protecção e É deste e neste contexto que surge a Unidade de
criação da Unidade de Projecto Projecto da Baixa-Chiado, criada em Novembro de
2002, no seguimento da reestruturação da Câmara
Em 1978, o conjunto urbano da Baixa Pombalina Municipal de Lisboa. Uma unidade responsável pelo
foi classificado como Imóvel de Interesse Público. coração histórico da cidade, a Baixa e o Chiado –
Pelo Decreto Nº. 95/78 de 12-9, a Praça do áreas compreendidas entre os limites afectos aos
Comércio foi protegida como Monumento Nacional, gabinetes já existentes, de Alfama e Mouraria, a nas-
passando a restante área classificada, quase na sua cente, e do Bairro Alto e Bica, a poente. Uma unida-
totalidade, a Zona de Protecção de Imóveis Classifi- de de intervenção criada com o objectivo não só da
cados. Em 1994, o Plano Director Municipal atribu- reabilitação do conjunto edificado como da requalifi-
ía à Baixa a classificação de Área Histórica e ao cação do espaço público.
Chiado a classificação de Área Histórica Habitacional.

Fig. 1 – A zona de intervenção da


Unidade de Projecto da Baixa Chiado
(UPBC).
180 Nunca a Baixa e o Chiado tinham visto reconheci- Da Área Crítica de Reconstrução do Chiado que
da a sua importância através de um Gabinete próprio abrangia 25 edifícios, passou-se a um total de 882
– como acontecia com outras áreas da cidade, para as edifícios da zona de actuação da Unidade de Projecto
quais tinham sido criados gabinetes de apoio técnico. da Baixa-Chiado.

Fig. 2 – Área Crítica de Reconstrução do Chiado (a azul), incluída na actual zona de intervenção da Unidade de Projecto da
Baixa-Chiado.
2. Princípios de intervenção. esta primeira análise, foram definidos quatro níveis 181
O conhecimento do território de conservação para a classificação dos edifícios:
● Muito Mau;

De modo a optimizar a intervenção, houve que ● Mau;

definir estratégias, que passaram em primeiro lugar ● Razoável;

pelo conhecimento do território do ponto de vista do ● Bom.

estado de conservação do edificado. Paralelamente,


procedeu-se ao levantamento da titularidade dos O levantamento, efectuado de forma expedita,
imóveis e iniciou-se o levantamento socio-demográ- permitiu obter um primeiro estado da situação. Esta
fico dos mesmos. avaliação passou a ser completada sistematicamente
com uma visita integral aos edifícios, de modo a afe-
2.1 Do estado de conservação rir com precisão, e exaustivamente, as condições de
segurança e salubridade dos mesmos.
Para uma primeira avaliação do estado de conser- Para além deste trabalho, a actuação do departa-
vação dos edifícios, numa primeira etapa foram reali- mento foi sendo enriquecida com a recolha de infor-
zadas visitas técnicas ao exterior dos imóveis. Para mações, de denúncias ou de queixas referentes a imó-

Mau Muito Mau

Fig. 3 – Estado dos edifícios relativamente à conservação arquitectónica em 2002.


182 veis em mau estado de conservação. A informação foi das obras necessárias à conservação dos edifícios, ou,
sendo fornecida pelo Regimento de Sapadores caso se revelasse necessário, apresentar a Câmara
Bombeiros, pela Polícia Municipal, pela Protecção Municipal de Lisboa, em sua substituição.
Civil e pelos próprios munícipes de forma individual. Foram efectuadas 155 vistorias nos edifícios em
Ao longo de um ano e meio de trabalho foi possí- reconhecido mau estado de conservação e 52 visto-
vel constatar que em muitos casos as aparências ilu- rias em edifícios para os quais se receberam assinala-
dem. Assim, num primeiro olhar pelo exterior, edifí- ções várias.
cios que se afiguravam em bom estado de conserva- Com a reestruturação municipal que levou à cria-
ção revelaram um quadro patológico no seu interior, ção da Unidade de Projecto da Baixa Chiado foi alte-
que requer um aprofundamento da análise. rada a composição das comissões a integrar nas vis-
Por outro lado, também houve boas surpresas com torias. As comissões passaram assim a integrar um
edifícios cujas fachadas se apresentam aparentemente historiador, para além de um arquitecto e engenhei-
degradadas mas que, após uma visita ao interior, reve- ro, de modo a permitir uma visão global dos edifícios,
lam um bom estado de conservação geral. do ponto de vista estrutural, arquitectónico e histó-
rico-patrimonial.
Com esta medida, passou a ser possível reconhe-
2.2 Da importância das vistorias. cer verdadeiramente o valor do edificado e tornar
possível a sua identificação e o seu registo.
As vistorias, efectuadas sistematicamente, e os Relativamente ao património identificado no inte-
relatórios – Autos de Vistoria que com elas são obti- rior dos edifícios, é possível concluir que 46% dos
dos – permitiram intimar os proprietários à execução imóveis possuem elementos com valor patrimonial

Fig. 4 – A riqueza do valor


patrimonial dos interiores
dos edifícios da Baixa-Chiado.
em mais de 50% das fracções, que 48% dos imóveis nomeadamente, dos trabalhos produzidos pela 183
têm património em menos de 50% das suas fracções Direcção Municipal das Actividades Económicas e
e que em 6% não se reconhece qualquer elemento do estudo realizado pela CML em parceria com o
cultural valorativo.1 Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da
Verificou-se também que, da totalidade dos abran- Empresa.2 Estes e outros elementos – resultado dos
gidos pela Unidade de Projecto da Baixa-Chiado, 295 inúmeros estudos, debates e comunicações que têm
(33,4%) dos edifícios apresentava algum nível de vindo a ser realizados sobre esta área da cidade – têm
degradação. Uma degradação associada a elementos constituído um manancial de informação para a defi-
dissonantes nas fachadas, presentes na quase totali- nição das prioridades da UPBC e das suas estratégias
dade dos edifícios. de intervenção.
Dissonâncias de vários níveis, como caixas de esto- Paralelamente, e porque o trabalho no terreno
res colocadas em substituição das originais portadas exige, para além duma visão geral, um conhecimen-
de madeira, caixilharias em alumínio e PVC em subs- to detalhado à escala do edifício e à escala do fogo,
tituição das de madeira, caixas de ar-condicionado, foram realizados, em 2003-2004, levantamentos
cablagens sem qualquer racionalização ao longo das sócio-habitacionais nos eixos definidos como priori-
fachadas. A estes elementos devem ser adicionadas tários, nomeadamente para os edifícios da Rua da
alterações significativas de algumas estruturas – Madalena. Encontra-se, no entanto, em fase de
(como a demolição do sistema de gaiola pombalina e a implementação, um levantamento generalizado da
sua substituição por construções de betão armado, área de intervenção (ao nível das suas características
aumentando o número de pisos) que contribuíram sociais, habitacionais e funcionais) associado a uma
para a descaracterização pontual do conjunto. matriz cadastral, para que se possa obter uma leitura
O comércio, alma da Baixa e do Chiado, foi tam- geo-referenciada, integrada, multidimensional e em
bém por vezes responsável por profundas adultera- permanente actualização da área de intervenção.
ções dos edifícios ao nível do piso térreo, suprimin- Nesse sentido, foi elaborado um inquérito com-
do pilares, arcarias e planos de fachada entre os posto por quatro questionários – “Ficha de Edifício”,
vãos, com consequentes riscos estruturais para os “Ficha de Fracção”, “Ficha de Agregado” e “Ficha de 1 “Interiores da
edifícios. Actividade Económica” elaboradas a partir de parte Baixa-Chiado: 250
anos” é o título do
do protótipo do Livrete do Edifício, aplicado pela artigo escrito pelo
nosso historiador
Divisão de Estudos, Planeamento e Informação desta Dr. Tiago Luís
e que expõe
2.3 Do levantamento sócio-demográfico Unidade de Projecto. Os dados obtidos foram intro- inequivocamente
duzidos numa base de dados relacionada com o o fantástico
património “oculto”,
Para a caracterização sócio-demográfica do terri- Sistema de Informação Geográfica e Cadastro da descoberto nos
interiores do
tório, a Unidade de Projecto utilizou algumas fontes Câmara Municipal de Lisboa. pombalino
doméstico,
estatísticas e documentais relevantes, como os dados normalmente
do Instituto Nacional de Estatística (Census de 2001). associado a uma
arquitectura
Estes dados permitiram definir, à escala do quartei- 2.4 Da titularidade monótona mas de
grande rigor,
rão, o perfil das famílias residentes (estrutura etária, circunscrita ao
rígido plano de
características sócio-económicas, qualificação esco- Em Fevereiro de 2003 um protocolo entre a Eugénio dos Santos.
lar, situação profissional, local de trabalho ou estudo Câmara Municipal de Lisboa e a Faculdade de Um património que
antes era só
e tempo de deslocação, origens geográficas, trajectos Direito da Universidade de Lisboa permitiu a um associado
à ostentação e à
residenciais), as características do edificado e formas grupo de estudantes efectuar junto das Repartições monumentalidade.
de ocupação (condições habitacionais, valores do de Finanças o levantamento da titularidade de todos 2 GUERRA Isabel,
arrendamento, fogos devolutos) e a estrutura funcio- os edifícios abrangidos pelos limites territoriais da CALDAS José Maria
Castro, PERES-
nal da zona, com o recenseamento das actividades unidade. TRELO Margarida,
PINTO Teresa
económicas. Este trabalho permitiu obter, pela primeira vez na Costa, CARIA
Fernando, MOURA
Esta informação estatística foi complementada história da Câmara Municipal de Lisboa, um cadas- Dulce, A Baixa
com outros levantamentos que, embora de carácter tro da propriedade de uma vasta área urbana conso- Pombalina,
diagnóstico,
parcelar e com algum desfasamento temporal, ajuda- lidada – áreas cobertas e logradouros, proprietários e prospectiva
e estratégia
ram a interpretar esta área de intervenção numa respectivas moradas. Com ele foi possível analisar do de actores, Oeiras,
Celta Editora, 1999.
perspectiva sociológica e urbanística. Foi o caso, ponto de vista estatístico, a titularidade do Estado, da
184

Edifícios em propriedade horizontal

Obras concluídas
Fig. 5 – Planta da zona de maior número de edifícios em pro-
Obras particulares a decorrer
priedade horizontal (Freguesia do Sacramento).
CML, da Banca/Seguros, das entidades religiosas, da na Freguesia do Sacramento (32,1%) e a menor inci- 185
Misericórdia, das fundações e dos particulares indi- dência de PH na Freguesia de Santa Justa (13%).
viduais para os vários edifícios. Se estes dados forem cruzados com o levantamen-
Constatou-se assim que a Câmara Municipal é to dos edifícios em obra, é já possível concluir que é
proprietária de unicamente 1,6% do edificado e o no Bairro do Duque (Freguesia do Sacramento) que
Estado de 5,9%. À Banca/Seguros corresponde uma se verifica a maioria de PHs, coincidindo estas com a
fatia de 15,3% e aos privados, indiferenciados, per- maior predominância das intervenções em curso. A
tence a maior parte do edificado, 70,4%. habitação própria é, na verdade, só por si, factor
Da análise da titularidade foi também possível obter impulsionador de reabilitação.
os dados relativos à propriedade vertical/horizontal. Todos estes dados foram introduzidos numa base
Verificou-se, assim, que unicamente 21% dos edi- de dados Access relacionados através do número do
fícios se encontram em propriedade horizontal (PH). SIG porque a sua recolha decorreu simultaneamente
Se integrados nas suas áreas de influência, estes com a implementação do sistema SIG da Câmara
dados permitem demostrar a maior incidência de PH Municipal de Lisboa.

LEGENDA
Limite UPBC
Edifícios em propriedade horizontal

Fig. 6 – Identificação dos edifícios em propriedade horizontal em toda a zona da UPBC.


186

PROPRIEDADE (% EDIFÍCIOS)

70,4%
15,3%
CML Fundações
Estado Santa Casa da Misericórdia
1,6% Banca/Seguradoras Entidades Religiosas
Outros Particulares
3,2%

5,9%

1,9%

1,7%

Fig. 7 – Planta e gráfico relativos ao tipo


de proprietário na zona da Baixa-Chiado.
3. Os eixos prioritários iniciadas 33 obras particulares, das quais 28 se 187
de intervenção encontram actualmente já concluídas.
Em todo o processo é de referir a importante ade-
Com o mapa do estado de conservação arquitectó- são da sociedade civil a este estímulo criado pela
nica obtido com as vistorias foi possível demarcar Câmara Municipal de Lisboa porque, depois de fina-
primeiramente dois eixos prioritários que necessita- lizado o processo de intimação, 50% dos proprietá-
vam de uma intervenção urgente de reabilitação. rios deram início às obras necessárias.
Uma área inserida na Freguesia de São Paulo na qual A Câmara tomou posse administrativa dos edifí-
50% dos edifícios se apresentavam exteriormente em cios, em que os proprietários não executaram as
mau estado de conservação e a Rua da Madalena, obras sob intimação. Foram assim iniciadas 13 obras
com 30% de imóveis degradados. A estes dois eixos em sua substituição, e consignadas 11 obras através
foi adicionada uma das artérias de maior importância da Mega-Empreitada e três empreitadas por ajuste
na zona – a Rua do Alecrim/Rua da Misericórdia e o directo.
Largo do Corpo Santo. Foram definidas, assim, as Para o eixo da Rua da Madalena encontram-se na
seguintes áreas prioritárias: UPBC ainda três empreitadas em preparação.
Relativamente a dois edifícios cujo interior tinha sido
● Eixo da Rua da Madalena; destruído por um incêndio (n.º 33-39 e 219 – 231),
● Eixo da Rua do Alecrim/Misericórdia; encontram-se em apreciação os projectos de licencia-
● Largo do Corpo Santo; mento para a sua reconstrução.
● Largo de São Paulo.

3.1 – A intervenção no eixo 4 . O Sistema de Informação


da Rua da Madalena Geográfico (SIG)
Nunca se tinha fechado uma rua para reabilitar 19 Desde a sua criação, a Unidade de Projecto da
edifícios, um esforço bem assinalado nos cartazes que Baixa-Chiado assumiu como tarefa prioritária criar
no final de 2003 foram colocados na zona para anun- uma base de dados/SIG que permitisse concentrar
ciar uma acção de recuperação sistemática que se todas as informações disponíveis e aquelas que o pró-
desejava exemplar. prio gabinete fosse criando. Esta necessidade surgiu
Devido à degradação arquitectónica difusa encon- a partir da constatação, em Janeiro de 2003, no início
trada, esta área de intervenção teve um grande da recolha de informação disponível sobre as áreas de
impacto do ponto de vista da habitacional e comer- intervenção, de existirem vários estudos, dispersos e
cial. Uma degradação agravada por um incêndio não sistematizados.
recente num dos edifícios que se apresentava mais Os Sistemas de Informação Geográfica, surgidos
degradado (nºs 33 a 39). na última década do século XX, constituem uma
De modo a agilizar a tramitação da intervenção foi importante ferramenta para o planeamento e gestão
criada uma única Empreitada para todos os imóveis de recursos na área do Urbanismo e, no nosso caso,
– então designada de Mega-Empreitada. O da Reabilitação Urbana. A capacidade de conjugar
Departamento de Conservação de Edifícios dois tipos de dados diferentes – a representação físi-
Particulares começou por levar a cabo cerca de 62 ca do território (mapas, cartas, plantas) e a caracteri-
vistorias aos edificios existentes ao longo da rua. A zação numérica ou descritiva (base de dados alfanu-
Unidade de Projecto encarregou-se de dar continui- méricos), levou o departamento a encarar esta ferra-
dade aos processos de intimação para obras. menta como indispensável ao seu trabalho e ao res-
Dos edifícios vistoriados, 6 foram reconhecidos pectivo planeamento.
como estando em bom estado de conservação. A estrutura da base de dados deveria obedecer às
Passou-se então à intimação dos restantes pro- seguintes prioridades:
prietários para a execução das obras necessárias à ● Agilidade, não só no que diz respeito à reco-

reposição das condições de segurança e estabilidade lha e carregamento de todos os dados necessá-
dos seus imóveis. Na sequência deste trabalho, foram rios, como também na distribuição posterior
Nº TOTAL DE EDiFÍCIOS..............................................................62

LEGENDA

Bom estado de conservação...................................6

Mau estado de conservação...................................4

Só tem fachada em contenção...............................2

Empreitada em preparação......................................3

Em obra particular
na sequência da intimação......................................5
Em obra municipal ajuste directo............................1

Em obra coerciva ajuste directo.............................2

Em obra municipal pela Mega..................................1

Em obra coerciva Mega............................................9

Obra particular concluída.......................................27

Obra coerciva ajuste directo


concluída......................................................................1
Ponto de situação

Edifício vistoriado.....................................................52

Projecto de licenciamento em curso......................7


(dos quais 3 têm obra em curso)

Vai ser consignado para a semana pela Mega


Fig. 8 – Mapa relativo à acção prioritária Foi comprado pelos arquitectos tendo-se anulado
efectuada na Rua da Madalena. a posse administrativa

LEGENDA
Ponto de situação
Zona da UPAB
Edifício vistoriado............................................. 20
Estado de Conservação
Bom............................................10 Empreitada em preparação..............................2

Razoável....................................19 Empreitada de licenciamento em curso.........4

Mau..............................................9 Integração a Chiado com Cor.........................11

Muito mau...................................8 Chiado com Cor aprovado.............................. ...1

Obra particular em curso.........5 Candidatura ao FRRC.........................................3

Fig. 9 – Mapa para a acção prioritária no eixo Obra particular embargada......2 Candidato ao FRRC aprovado...........................1
Obra concluída...........................1 Edifício adquirido pela EPUL.....3
Alecrim/Misericórdia. 29 Março 05
LEGENDA
Estado de Conservação Ponto de Situação
Bom...............................................5 Edifício vistoriado...............................................20

Razoável.......................................6 Candidatura a Chiado com Cor.........................3

Mau...............................................6 Candidato do FRRC..............................................1


Muito mau....................................1
Fig. 10 – Acção prioritária programada Candidato do FRRC aprovado............................2

para o Largo do Corpo Santo. Obra particular em curso..........2


Edifício adquirido pela EPUL..............................2

LEGENDA

Fig. 11 – Acção prioritária programada Zona da UPBAB


Estado de Conservação Ponto de Situação
para o Largo de São Paulo.
Bom..................................................7 Edifício Vistoriado...................................12

Razoável..........................................1 Empreitada em preparação....................1


Mau..................................................5
Edifício adquirido pela SRU....................1
Muito mau.......................................5

Obra particular em curso.............2

Obra embargada............................1
190 da informação a todos os potenciais utiliza- Nacionais) e o IPPAR (Instituto Português de
dores através de cartas temáticas, de fichas Património Arquitectónico e Arqueológico). Simul-
personalizadas, ou em qualquer outro taneamente deveria ser assegurada a compatibilidade
suporte; e a integração com o sistema que estava a ser desen-
● Rigor, associado a uma recolha permanente de volvido pela Divisão de Informação Urbana Geo-
dados constantemente aferida, mantendo a referenciada da Direcção Municipal de Gestão
base permanentemente actualizada; Urbanística.
● Ambição, que permitisse o acréscimo de novos Para acompanhar os trabalhos em curso, foram
campos que possibilitem análises sempre mais criados campos na base de dados que possibilitaram,
completas, obtidas em colaboração com um em qualquer momento, geo-referenciar e controlar as
maior número de serviços e instutuições. situações que iam surgindo, relacionadas com o esta-
do de conservação, com as vistorias efectuadas e com
Associada a estes factores, esteve desde o início, a as obras em preparação e em curso.
preocupação de garantir que a base de dados consti- Deu-se também início ao levantamento do edifica-
tuísse um instrumento ao serviço não só da nossa do do seu ponto de vista construtivo, identificando,
Unidade, mas também de toda a Câmara Municipal, entre outros, os elementos valorativos de carácter
do Conselho Científico para a Candidatura a patrimonial e os dissonantes.
Património Mundial da Baixa Pombalina, do FRRC Foram criadas tabelas com vista à execução de
(Fundo Remanescente de Reconstrução do Chiado) e pareceres técnicos referentes às candidaturas ao
de outras entidades externas, como a DGEMN Fundo Remanescente para a Reconstrução do Chiado
(Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos e de apoio ao programa Chiado com Cor.

Fig. 12 – Representação esquemática do Sistema de Informação Geográfica e a sua aplicação ao território da Baixa Chiado.
Do trabalho efectuado com a DGEMN foi possí- novamente compilada e o intercâmbio de informação 191
vel obter os dados referentes à datação da construção permitirá enriquecer e aprofundar o SIG, tornando-o,
da Baixa Pombalina. Presentemente, com a entrada cada vez mais, numa importante ferramenta de tra-
em funcionamento da Sociedade de Reabilitação balho para ambas as estruturas e para os respectivos
Urbana da Baixa Pombalina, a base de dados será trabalhos de planeamento.

Legenda
Limite UPBC

Limite FRRC

Fig. 13 – Limites da zona de intervenção do Fundo Remanescente do Chiado.


192 Os apoios financeiros da, aliado ao consequente aumento dos fogos devolu-
tos, é factor que, só por si, contribui para a insegu-
A existência de fundos de financiamento, em par- rança do centro da cidade e para a degradação dos
ticular do Fundo Remanescente de Recuperação do seus imóveis. Nesta política importa envolver todos
Chiado (FRRC), tem-se revelado uma peça essencial os órgãos intervenientes no processo: autárquicos
para a dinamização da política de reabilitação que foi (Câmara e Juntas de Freguesia), IPPAR, DGEMN e
sendo implementada. privados, numa ideia de salvaguarda das nossas
O Fundo Remanescente de Reconstrução do memórias e identidades, como base de recuperação
Chiado, criado por Decreto-Lei nº321/02, de 31 de da nossa cultura. Num período em que se procede à
Dezembro, visou a aplicação do saldo remanescente revisão do PDM (Plano Director Municipal), há que
do extinto Fundo Extraordinário de Ajuda à defender a elaboração de planos de gestão dos cen-
Reconstrução do Chiado (FEARC) na reabilitação e tros históricos em estreita articulação com os Planos
na requalificação do Chiado e das áreas envolventes. de Pormenor (PPs) e com os Planos de Urbanização
Para esse fim, foi facultada a possibilidade de proce- (PUs). Em termos legislativos, não chega a referên-
der à elaboração de estudos, de projectos e de obras cia a Planos de Ordenamento da Cidade. A deficien-
depois de devidamente aprovadas e licenciadas. te Lei do Arrendamento em vigor, que há anos surge
Foram entretanto alargadas as suas competências a como a principal causa da degradação do património,
acções de dinamização artística e cultural, através do não permite uma relação sustentada entre o proprie-
Decreto-Lei nº 115/2004, de 15 de Maio. tário e o inquilino, de modo a inverter o ciclo de
Para além do Fundo Remanescente do Chiado, e degradação a que assistimos.
especialmente nos processos de intimação aos pro- A aprovação de um regime excepcional de reabili-
prietários para a realização de obras, foi sempre dada tação urbana para as zonas históricas e áreas críticas
informação sobre a existência de programas alterna- de recuperação e reconversão urbanística constituiu
tivos de financiamento como o Recria, ou o Recriph, uma iniciativa muito positiva para o reconhecimento
consoante a área de intervenção e/ou os requisitos da Reabilitação Urbana como área prioritária nacio-
elegíveis para a candidatura. nal de intervenção. O Decreto-Lei nº. 104/2004 de 7
Tem sido, no entanto, manifesta a maior populari- de Maio legalizou a criação das Sociedades de
dade do FRRC na área do Chiado, devido à menor Reabilitação Urbana (SRU), sendo a da Baixa
burocratização e à reduzida morosidade dos procedi- Pombalina um instrumento imprescindível para a
mentos. recuperação deste património e para dar sustentabi-
Para além do Fundo Remanescente do Chiado para lidade à candidatura desta área à Lista do Património
apoio às obras de reabilitação, foi desenvolvido um Mundial da Humanidade.
segundo programa, intitulado “Chiado com Cor”, que A revitalização dos núcleos antigos passa, inevita-
visa a recuperação das fachadas dos imóveis que se velmente pela dinamização do seu comércio. O caso
encontram em razoável ou bom estado de conservação. da Baixa, mais do que o do Chiado, é paradigmático.
O entusiasmo manifestado pelos proprietários e a A abertura de grandes superfícies comerciais tem
sua consequente adesão às iniciativas deste novo contribuído para a desertificação progressiva deste
fundo tem comprovado a sua eficácia e a sua impor- centro histórico. Esta situação, aliada ao evidente
tância como instrumento útil para a reabilitação declínio dos espaços comerciais tradicionais da
urbana. Baixa, com expositores ultrapassados e espaços inte-
riores mal iluminados, associou-se a uma geração de
comerciantes desmotivados, cujos descendentes
Conclusões abraçaram outras profissões. A fixação da grande
concentração de serviços de utilidade pública, como
Encontramo-nos numa época em que urge olhar o notários e repartições públicas, aliada à restauração
passado e o presente numa perspectiva reflexiva e de grande qualidade com esplanadas de rua, ao
propícia a novas dinâmicas de futuro. Como compo- pequeno comércio, aos monumentos, aos miradouros
nente estratégica da reabilitação urbana, a fixação da e às igrejas, deverá constituir um elemento catalisa-
população nos centros antigos é uma prioridade. dor de novas energias e tendências e de público. O
O despovoamento a que se assistiu na última déca- reconhecimento de um turismo cultural e comercial
como elemento de desenvolvimento e de sustentabi- É também necessária uma visão mais abrangente 193
lidade da Baixa Chiado deve também contribuir para do conceito de património, incluindo o espaço público,
a sua utilização. e vendo nele uma forma de auto-sustentação dos bair-
Têm-se desenvolvido esforços para: ros históricos. Nesta Unidade de Projecto foram exe-
● incentivar a competição entre lojistas, através cutados diversos projectos que visam a requalificação
de concursos; do espaço público, nomeadamente o do Largo da
● realizar eventos de rua, como forma de mini- Boa-Hora, do Largo Rafael Bordalo Pinheiro, do
mizar os riscos de segurança, incentivando o Largo do Corpo Santo e do Largo de São Paulo.
pequeno comércio a abrir aos fins-de-semana; Também foi feita a repavimentação de várias ruas
● implementar semanas temáticas; da UPBC, tais como a Rua Anchieta (já concluída),
● diversificar a oferta cultural e promover a ins- parte da Rua Serpa Pinto, Travessa da Trindade, Rua
talação de equipamentos de apoio (ATL), fora Ivens, Rua Capelo, Rua Nova da Trindade, Rua da
de horas; Trindade, Travessa do Carmo e a Rua do Duque, etc.
● promover acções de formação de comerciantes. Outro ponto que deve ainda ser referido é o das
acções de formação. Há que formar e informar todos
Todas estas acções permitirão certamente ani- os sectores intervenientes neste processo, autárqui-
mar a Baixa dando um novo fôlego à dinâmica cos e privados, agentes da construção (arquitectos,
comercial existente. Para além das dinâmicas engenheiros e empreiteiros), proprietários e inquili-
comerciais, interessa actuar noutros sectores. Por nos, no sentido de valorizar os métodos tradicionais
exemplo, o levantamento dos equipamentos sociais de construção, menos intrusivos e mais respeitadores
existentes na área revelou a escassa oferta de cen- das estruturas pré-existentes. É no âmbito de uma
tros de dia ou de convívio, de creches, de ATLs e de estratégia global que reconheça e valorize o nosso
centros de apoio aos jovens que motivem o retorno passado, combinando-o com as necessidades do pre-
ao centro, proporcionando uma vivência agradável sente e do futuro, que devemos enquadrar a reabili-
e integrada. tação urbana do centro histórico da Baixa Pombalina.
A sociedade O planeamento destas intervenções, que ora são 195
estudadas pelos instrumentos legais que o referido
de Reabilitação Urbana enquadramento criou – as sociedades de reabilitação
da Baixa Pombalina. urbana (SRU) –, terá como princípios orientadores:
A reabilitação urbana ● uma mudança da escala da intervenção, diferente

da tradicionalmente considerada na reabilitação.


numa perspectiva Se antes se visava apenas o imóvel isolado, passa-
operativa se agora a ter como objectivo o conjunto edifica-
Rolando Borges Martins do, em regra o quarteirão ou a frente de rua.
SRU Baixa Pombalina Entra-se assim numa lógica de visão integrada
da reabilitação urbana, pressupondo esta um
nível mais profundo de intervenção, traduzido
numa melhoria das infra-estruturas, na abertu-
ra dos bairros à cidade e na criação de equipa-
mentos que servirão os bairros e as zonas
envolventes;
● uma visão sistémica do objecto da reabilitação,

considerando não só a sua dimensão histórica,


A criação de um regime jurídico excepcional de patrimonial, técnica e construtiva, mas também a
reabilitação, como resultado da crescente impor- sua dimensão ambiental, social, financeira e eco-
tância que os poderes central e local atribuem a nómica. Cria-se, deste modo, uma visão verda-
estas matérias, traduz o reconhecimento da neces- deiramente global, ao invés de uma visão que,
sidade de criar instrumentos adequados para uma anteriormente, se revelava limitativa;
eficaz reabilitação das áreas urbanas, nomeadamen- ● uma real celeridade processual, uma vez que a nova

te a que importa realizar em zonas urbanas históri- legislação obriga as SRU a uma verdadeira redução
cas ou em áreas críticas de recuperação e reconver- dos prazos e das tramitações administrativas no
são urbanísticas. que respeita ao licenciamento de obras, num qua-
A especial urgência do interesse público na bene- dro que visa, globalmente, estabelecer um maior
ficiação urbanística destas zonas históricas e áreas equilíbrio entre o particular/proprietário e a enti-
críticas de recuperação e reconversão urbanística, dade pública licenciadora.
por um lado, e a convicção, por outro, de que a inter-
venção pública directa e sistemática deve ser exem- Numa primeira fase, caberá às sociedades de rea-
plar e indutora da acção voluntária dos proprietários bilitação urbana elaborarem documentos para as
ou dos inquilinos, ainda que subsidiada por progra- zonas de intervenção que foram delimitadas – os
mas financeiros de apoio à reabilitação, levaram o denominados “documentos estratégicos” –, consub-
poder político a considerar a criação de um regime stanciando nesses documentos um pensamento inte-
específico para a reabilitação de edifícios e espaços grado sobre a realidade patrimonial, urbana, ambien-
urbanos nestas áreas, confiando a sociedades de capi- tal, social e económica encontrada, documentos que
tais públicos o papel de promover estas intervenções. devem preferencialmente ser desenvolvidos de modo
Reconhecendo o Estado, gradualmente, uma cres- participativo, envolvendo as populações e os agentes
cente responsabilidade na degradação das condições económicos da zona de intervenção.
de habitabilidade, de salubridade, de estética e de Privilegiando a percepção da intervenção no seu
segurança de significativas áreas urbanas do País, o conjunto, pela maior valorização urbana que daí
que lhe impõe uma actuação, como verdadeiro impe- resulta, permite-se um “salto” qualitativo importan-
rativo, para inverter, com carácter de urgência, a te: passar da recuperação estrita dos edifícios à revi-
actual situação, propôs-se criar uma moldura jurídi- talização funcional, dos usos, das acessibilidades, do
ca de excepção. Este enquadramento teve ainda, na espaço público. Permite-se ainda o salto das preocu-
sua génese, a particular preocupação de definir um pações, legítimas e prementes, de segurança, estabili-
regime dotado de grande pragmatismo, pautado por dade e salubridade, para uma visão integrada e estra-
critérios objectivos de operacionalidade. tegicamente pró-activa, que reflicta sensibilidades
196 culturais e ambientais, a defesa dos residentes tradi- para os promotores privados que se interessem e
cionais e dos comerciantes e incorpore factores de empenhem na reabilitação.
correcção no mercado. Motivam esta nova orientação estratégica de
Os documentos estratégicos, tal como definidos desenvolvimento urbano três vectores fundamentais:
neste regime jurídico, serão obrigatoriamente comu- o combate ao crescimento desequilibrado das cida-
nicados aos proprietários, e com estes participativa- des; a implementação da noção de reabilitação urba-
mente ajustados, antes de se proceder ao seu registo. na em detrimento da nova construção como modelo
Tal constituirá o fundamento da intervenção futura principal de desenvolvimento futuro, e a simplifica-
no terreno, em modalidade a acordar entre o(s) pro- ção dos procedimentos administrativos. Nos últimos
prietário(s) ou conjunto destes e a sociedade de rea- anos, combater o evidente crescimento desequilibra-
bilitação, doravante entidade licenciadora no territó- do que várias cidades portuguesas têm vindo a apre-
rio objecto de documento estratégico. sentar tornou-se uma necessidade premente. Este
Entre as modalidades de intervenção destacare- crescimento levou à desertificação dos seus centros
mos as situações extremas: desde aquela em que o urbanos tradicionais, com todas as nefastas conse-
proprietário, revendo-se na proposta de intervenção quências que daí advêm, como sejam a degradação
para a sua fracção ou imóvel, executa obras median- física acentuada dos edifícios e dos espaços públicos,
te contrato celebrado com a SRU, à situação em que bem como o aumento das deficientes condições de
o proprietário não expressa qualquer intenção de habitabilidade, a perda de actividades terciárias e de
execução da obra de reabilitação, o que permite à equipamentos, aliados muitas vezes à estagnação do
sociedade de reabilitação urbana iniciar um processo comércio tradicional. Simultaneamente, urge imple-
expropriativo. mentar a necessária ideia de reabilitação em contra-
Pelo meio ficam modalidades mistas, modalidades ponto com a ideia de construção nova, uma das prin-
que potenciam efectivamente o papel mediador e cipais causas dos desequilíbrios da situação actual.
dinamizador das sociedades de reabilitação urbana e Por último, pretende-se progredir numa lógica de
lhes determinam o carácter interventor destes novos simplificação legislativa e processual, característica
agentes na qualificação urbana das cidades portugue- do moderno direito administrativo, que visa, em últi-
sas. Modalidades em que as SRU aparecem como ma instância, reduzir a complexidade de procedimen-
facilitadoras técnicas ou financeiras junto dos propri- tos e subprocedimentos administrativos, que tanto
etários, proporcionando condições de financiamento contribuem para a existência de uma burocracia
favoráveis entretanto negociadas, ou propondo sub- morosa e que, na prática, conduzem à retracção da
stituir-se aos proprietários na execução dos projectos iniciativa dos particulares.
de reabilitação, ou, ainda, propondo-se como project Com a publicação do Decreto-Lei n.º 104/2004, de
managers de um conjunto de intervenções que a cada 7 de Maio, visou-se, precisamente, conferir aos muni-
proprietário caberia executar individualmente. cípios – ou, em casos excepcionais, aos municípios em
parceria com o Estado e outras pessoas colectivas de
administração indirecta do Estado – meios reforça-
dos de intervenção, possibilitando que as operações
Princípios de reabilitação de reabilitação sejam promovidas por empresas
urbana e enquadramento legal públicas criadas para o efeito – as designadas “socie-
dades de reabilitação urbana” –, às quais foram con-
cedidos poderes especiais de autoridade, relevando
É do próprio documento legal que podem ser reti- dentre eles os de expropriação por utilidade pública,
rados os princípios orientadores deste regime excep- de licenciamento e autorização de operações urbanís-
cional: o reconhecimento da responsabilidade prima- ticas e de fiscalização.
cial dos municípios nas tarefas de reabilitação; a Assim, na esteira da Lei de Bases da Política de
necessidade de conceder aos poderes públicos meios Ordenamento do Território e de Urbanismo (Lei n.º
efectivos de intervenção e controlo dos processos de 48/98, de 11 de Agosto), que determinou que um dos
reabilitação; a procura do equilíbrio de direitos e fins destas políticas consiste em “racionalizar, reabi-
obrigações dos proprietários e arrendatários, e, litar e modernizar os centros urbanos e promover a
ainda, a preocupação com a motivação económica coerência dos sistemas em que se inserem “ [cf. alí-
nea f) do artigo 3.º], o regime jurídico excepcional da etários urbanos, promotores, construtores, investido- 197
reabilitação urbana, consagrado no referido diploma, res, financiadores, moradores, quer outros agentes
pretendeu favorecer outro tipo de intervenções, económicos com intervenção local.
nomeadamente aquelas que estimulem a reconstru- Com o processo de recuperação urbana em curso,
ção e a manutenção das habitações, potenciando um importa identificar, compreender e resolver adequa-
aproveitamento adequado do património existente e damente as questões de natureza urbana, social,
facultando instrumentos ajustados à concretização ambiental e económica que os centros históricos em
de acções que restituam à utilização o património desertificação colocam, para que os objectivos da
subaproveitado, valorizando-o e integrando-o na melhoria da qualidade de vida e da competitividade
oferta de habitação, nomeadamente através do mer- da zona da Baixa Pombalina possam ser atingidos.
cado de arrendamento. A acção da Baixa Pombalina, SRU deverá ter
O Município de Lisboa não ficou alheio a esta reali- como escopo final um processo de reabilitação arqui-
dade, o que levou o executivo camarário a tomar como tectónica que possibilite um uso eficiente e compatí-
objectivo prioritário a reabilitação do património edifi- vel de uma propriedade, através de reparações, alte-
cado. Face a esta urgente missão e de acordo com o rações e acrescentos, preservando ao mesmo tempo
enquadramento legislativo atrás referido, bem como as partes ou características que transmitem o seu
com a Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, foi constituída – valor histórico, cultural e arquitectónico. No fundo,
por escritura pública outorgada em 23 de Agosto de que lhe acrescentem qualificação social, vitalidade
2004 – na sequência das deliberações da Câmara económica e consciência ambiental.
Municipal e da Assembleia Municipal de Lisboa, toma- Com uma permanente preocupação de envolvi-
das, respectivamente, nas suas reuniões de 21 de Maio e mento das populações residentes ou com actividade
1 É limitada a norte
de 22 de Junho de 2004, sobre a proposta n.º 307/2004, profissional nas áreas envolvidas, deve a Baixa por Largo Trindade
Coelho, Calçada do
a empresa pública designada Baixa Pombalina, SRU – Pombalina, SRU iniciar de imediato a realização dos Duque, Largo
Sociedade de Reabilitação Urbana, E. M. documentos estratégicos, num dinamismo, necessa- Duque do Cadaval,
Largo do Regedor,
A grande dimensão e os esforços financeiro, econó- riamente participativo, que à sociedade caberá pro- Praça
D. João da Câmara,
mico e de gestão de tal tarefa aconselharam a partici- mover e incentivar. Assim, serão estes documentos Largo de São
Domingos, Rua
pação, nesta SRU, de outra entidade, a EPUL, estratégicos, nos seus diversos níveis de elaboração, Barros Queirós, Rua
Empresa Pública de Urbanização de Lisboa, E. P., que comunicados aos proprietários directamente envolvi- D. Duarte e Rua
João das Regras;
se considerou reunir as condições e os requisitos indis- dos, para que com eles, posteriormente, sejam encon- a sul por troço da
Av. 24 de Julho (de
pensáveis a uma colaboração com este município na trados mecanismos de intervenção célere e eficaz. São Paulo ao
Mercado da Ribeira),
prossecução dos objectivos delineados para a reabilita- Praça Duque da
ção da cidade de Lisboa, detendo necessariamente este Terceira, Cais do
Sodré, Avenida
último a totalidade do capital social e o controlo da Ribeira das Naus,
Praça do Comércio
empresa, tanto ao nível da constituição como ao nível A zona de intervenção da Baixa e pequeno troço da
das orientações e estratégias a serem prosseguidas. Pombalina, SRU Av. Infante D.
Henrique (até ao
Largo do Terreiro
do Trigo); a poente
A determinação da zona de intervenção (ZI) para pela Rua do
Boqueirão, Rua da
a promoção da reabilitação urbana da Baixa Boavista, Rua de São
A missão da Baixa Pombalina, Pombalina, SRU teve por base os resultados do estu- Paulo, Rua do
Alecrim e Rua da
SRU do, da responsabilidade técnica da Universidade Misericórdia, e a
nascente pela Rua do
Católica, “O mercado da reabilitação urbana na uni- Arco do Marquês do
Alegrete, Poço de
Poder-se-á assim fixar, neste quadro, a missão da dade agregada Centro Litoral”. A zona de interven- Borratém, Rua da
Baixa Pombalina, SRU como a promoção da reabili- ção1 abrange a área de 77,83 ha, onde se incluem as Madalena, Rua de
São Mamede,
tação urbana das zonas históricas e das áreas de recu- freguesias Sacramento, Mártires e São Nicolau e Calçada do
Correio-Velho,
peração e reconversão urbanística da cidade de parte das freguesias Madalena, São Paulo, Encarna- Largo de Santo
António da Sé,
Lisboa situadas nas áreas urbanas da Baixa, de São ção e Santa Justa. Largo da Sé, Cruzes
da Sé, Rua de São
Paulo e de Alfama, numa nova forma de abordar e A zona de intervenção da Baixa Pombalina, SRU, João da Praça,
gerir a intervenção sobre a cidade consolidada, com que abrange a quase totalidade da área que se propõe Travessa de São
João da Praça, Rua
reflexos tanto na esfera da Administração e das suas candidatar a Património Mundial, integra um conjun- do Cais de Santarém
e Largo do Terreiro
práticas como na esfera dos particulares, quer propri- to urbano de particular relevância na história da cida- do Trigo.
198 de e na sua actual organização urbana e administrati- te diferenciados em relação ao eixo da Rua Augusta,
va. A Baixa-Chiado, produto da reconstrução da área notando-se a influência das colinas do Castelo e do
mais afectada pelo terramoto de 1755, tem na sua Bairro Alto nesta diferenciação. Assim, a nascente da
génese uma organização urbana estruturada por usos Rua Augusta predomina ainda o uso habitacional e
e por tipologias de uso que a própria toponímia ainda um comércio de cariz mais local/tradicional mas já
hoje reflecte mas que o tempo alterou consideravel- com alguns serviços, concentrados na Rua da Prata.
mente. Hoje identifica-se o local como um conjunto A poente predominam o sector terciário e o comércio
coeso e coerente mais pelas características arquitectó- mais qualificados, sobretudo nas ruas do Ouro e
nicas e construtivas predominantes no seu património Augusta.
edificado e pelas relações e compatibilidades dos espa- No Chiado identificam-se duas áreas morfologica-
ços públicos do que pela organização social e adminis- mente distintas, que se encontram na Rua Garrett. A
trativa que norteou o seu planeamento. norte, a malha medieval da zona da Calçada do
Na extensão da zona de intervenção identificam-se Duque condiciona o desenho urbano para sul, até à
áreas com características comuns, quer pela homoge- Rua da Trindade, para se encontrar aqui com a
neidade que apresentam em si mesmas, quer pelas suas malha ortogonal que envolve a Rua Garrett. A sul
tipologias de malha urbana e/ou morfologia urbana, desta, a malha urbana apresenta-se mais regular, ape-
quer até pelos actuais usos predominantes por lugar. sar de integrar o Convento de São Francisco e parte
Na zona baixa de Alfama, a malha urbana irregu- da Muralha Fernandina. Esta malha regular e longi-
lar, predominantemente medieval, faz a compatibili- tudinal (Norte-Sul) é interrompida na crista da coli-
zação da encosta do Castelo com a malha ortogonal na, nas ruas Victor Cordon e do Ferragial, ambas de
delimitada pela Rua da Madalena, a poente, e pela transição para a zona ribeirinha.
frente ribeirinha, a sul. Apresenta ainda um cariz Por último, no extremo norte da ZI, as praças
fundamentalmente habitacional e de comércio local. D. Pedro IV (o Rossio) e da Figueira, integradas na
O Terreiro do Paço e os edifícios que o envolvem malha ortogonal da Baixa, têm uma função de “rótu-
constituem-se, também pelo seu significado histórico la” do tecido urbano. As duas praças são o remate
e simbólico, como um dos conjuntos urbanos mais natural da Baixa Pombalina: o Rossio, que recebe, a
proeminentes da ZI, rematando a sul a malha ortogo- noroeste, o eixo da Av. da Liberdade e é enquadrado
nal da Baixa. O uso terciário, administrativo, man- pela Rua do Ouro e pela Rua Augusta, tem um carác-
tém-se desde a sua construção, após o terramoto. ter mais cosmopolita e de maior apetência turística, e
Em São Paulo, a estrutura urbana pombalina, que a Praça da Figueira, no topo da Rua dos Correeiros e
se estende de nascente, harmoniza-se com o sopé do da Rua dos Fanqueiros, com um cariz mais local, faz
morro de Santa Catarina/Bica e cede lugar à malha a ligação, a nordeste, ao eixo da Av. Almirante Reis.
de carácter e escala industrial do aterro da Boavista.
Aqui os usos habitacional e de comércio local predo-
minantes no troço poente da Rua do Arsenal, da Rua
e do Largo de São Paulo e da área norte da Praça Os documentos estratégicos
Duque da Terceira convivem com o uso industrial
remanescente na área poente da ZI, a partir do O processo de reabilitação da zona de intervenção
Mercado da Ribeira e da Praça D. Luís I, tornando pressupõe o conhecimento prévio do território, a par-
esta a área mais expectante e propícia a significativos tir da análise multifuncional de uma área de estudo
desenvolvimentos urbanos. mais vasta, de modo a apreender as relações de inter-
A zona ortogonal da Baixa, entre a Rua da ligação e interdependência desta área com a cidade.
Betesga e a Rua do Comércio, a norte e a sul respec- As conclusões decorrentes deste processo de aná-
tivamente, a Rua do Carmo e Rua Nova do Almada, lise aprofundarão o conhecimento das macropatolo-
a poente, e a Rua da Madalena, a nascente, constitui gias do tecido urbano e serão particularmente rele-
o núcleo mais interessante daquilo a que tradicional- vantes para as estratégias de intervenção a definir.
mente chamamos “Baixa Pombalina”. Apesar de a Relevam, desde já, as carências e os desequilíbrios
malha urbana e as características formais e constru- funcionais ao nível dos usos dos espaços (habitação,
tivas dos edifícios serem comuns em toda a área, as comércio, serviços, equipamentos, etc.) e dos fluxos
vivências e os usos predominantes são marcadamen- pedonais e viários, trânsito e estacionamentos.
Assim, a estratégia de reabilitação vinculará, Internamente, na Baixa Pombalina, SRU, prevê-se 199
num primeiro nível, propostas concretas e quan- a estruturação dos referidos documentos estratégi-
tificadas de reequilíbrio das funções urbanas fun- cos em três níveis de planeamento:
damentais, sustentadas no conhecimento da zona ● nível 1: zona de intervenção global. Tem como

de intervenção e na sua compatibilização com as objecto de estudo a totalidade da zona de inter-


áreas envolventes. Os espaços públicos, e por ine- venção. Caracteriza o conjunto do ponto de
rência os edifícios que os definem e integram, vista funcional como parte integrante da cidade
apresentam uma hierarquia planeada que é parte (fase 1) e define os parâmetros urbanísticos glo-
integrante e indissociável do legado patrimonial bais de reabilitação urbana (fase 2);
do processo de reconstrução decorrente do terra- ● nível 2: unidade operativa de reabilitação

moto de 1755. (UOR)2. Neste nível são identificadas as


A reabilitação dos espaços públicos terá como unidades operativas de reabilitação. São carac-
objectivo vincar esta hierarquia e, em alguns casos, terizados o espaço público e os edifícios que o
restabelecê-la, além de melhorar as condições da sua definem (fase 1), aos quais são aplicáveis parâ-
fruição pela renovação dos pavimentos, infra-estru- metros urbanísticos próprios da respectiva
turas, mobiliário urbano e sinalética. Os elementos UOR bem como unidades de estudo de propos-
de arte urbana presentes, por vezes também com tas de reabilitação e/ou requalificação dos
carácter patrimonial, serão considerados neste con- espaços públicos. Estas propostas constituirão
texto da reabilitação dos espaços públicos, bem como os documentos estratégicos para a reabilitação
na vertente da recuperação do património edificado dos espaços públicos;
quando a este estiverem afectos. ● nível 3: quarteirão. No caso do conjunto edifi-

Os documentos estratégicos reunirão, pois, um cado, o quarteirão é definido como a unidade-


diagnóstico exaustivo do conjunto edificado e do base para a elaboração dos documentos estraté-
espaço público, na sua caracterização actual, bem gicos. No nível 3 são caracterizados os quartei-
como uma avaliação dos tecidos económico e social rões per se e através da agregação dos imóveis
vigente, e proporão modelos e processos de interven- que os compõem. O detalhe desta caracteri-
ção de reabilitação dos espaços urbanos e de revitali- zação deverá identificar todos os elementos
zação das actividades. fundamentais e patrimoniais presentes e as
Conforme previsto pelo Decreto-Lei n.º 104/2004, suas patologias, em termos formais e construti-
o documento estratégico é constituído pelos seguin- vos, bem como elementos administrativos,
tes elementos: como a titularidade, a utilização e usufruto, os
● definição dos edifícios a reabilitar e a extensão ónus e encargos e os procedimentos adminis-
das intervenções neles previstas; trativos em curso (fase 1). É neste nível que se
● indicação dos respectivos proprietários, demais apresentam os projectos-base da intervenção,
titulares de direitos reais e arrendatários; definindo as estratégias de reabilitação e pro-
● projecto-base de intervenção, no qual se des- pondo as medidas concretas de recuperação dos
crevem as opções estratégicas em matéria de imóveis.
reabilitação, designadamente no que concerne
a habitação, acessibilidades, equipamentos, Tem a Baixa Pombalina, SRU o privilégio de, atra-
infra-estruturas ou espaço público, quando a vés de uma estreita articulação com a Unidade de
intervenção inclua estas áreas, explicando Projecto da Baixa-Chiado, receber, já em estado
sumariamente as razões das opções tomadas de avançado, o levantamento e diagnóstico de parte sig-
modo a reflectir a ponderação entre os diversos nificativa da zona de intervenção. Ainda assim,
2 São oito as UOR
interesses públicos relevantes; prevê-se a necessidade de efectuar alguns estudos e identificadas: UOR 1
● planificação e estimativa orçamental das ope- levantamentos ao longo do ano de 2005, nomeada- – Alfama-Rio; UOR
2 – Terreiro do
rações a realizar; mente um estudo de caracterização das actividades Paço; UOR 3 – São
Paulo; UOR 4 –
● indicação dos eventuais interessados em cola- económicas presentes, levantamentos de campo rela- Baixa Nascente;
UOR 5 – Baixa
borar com os proprietários na recuperação dos tivos a redes de infra-estruturas no subsolo, topogra- Poente; UOR 6 –
imóveis; fia, conjunto edificado e espaço público. Chiado Sul; UOR 7
– Chiado Norte;
● Auto de Vistoria de cada uma das edificações. UOR 8 – Praças.
200 O modelo de funcionamento zação e protecção dos tapumes, limpeza e segurança
da Baixa Pombalina, SRU de estaleiros. Estas e outras iniciativas serão especi-
almente acompanhadas e supervisionadas pela Baixa
Logo que definidos os parâmetros globais de rea- Pombalina, SRU. Em breve estará igualmente dispo-
bilitação urbana da zona de intervenção e das diver- nível o website da Baixa Pombalina, SRU, ferramenta
sas áreas urbanas homogéneas identificadas, bem indispensável para a divulgação da actividade que,
como das suas relações com a zona envolvente, pró- através de uma página graficamente apelativa, infor-
xima e remota, estarão estabelecidas as condições de mativa e de fácil navegação, permita o acesso à infor-
enquadramento para a elaboração do projecto-base mação sobre a zona de intervenção em geral, a situa-
de intervenção previsto no documento estratégico ção do conjunto edificado, imóvel a imóvel, e a con-
para cada unidade de intervenção – em regra, o quar- sulta online de processos.
teirão, “no qual se descrevem as opções estratégicas Necessária será também uma estratégia de fixa-
em matéria de reabilitação, designadamente no que ção de população, equacionando devidamente os vec-
concerne a habitação, acessibilidades, equipamentos, tores associados à qualificação do espaço com quali-
infra-estruturas ou espaço público, quando a inter- dade urbana, mediante a criação de espaços de lazer,
venção inclua estas áreas, explicando sumariamente desportivos, culturais (bibliotecas e espaços lúdicos),
as razões das opções tomadas de modo a reflectir a equipamentos de apoio às famílias, qualidade do ar,
ponderação entre os diversos interesses públicos menores níveis de ruído, e inovando nos modelos de
relevantes” [cf. alínea c) do n.º 2 do artigo 15.º do ocupação (arrendamento) das habitações reabilita-
Decreto-Lei n.º 104/2004, de 7 de Maio]. das. O perfil dos residentes, com elevada percenta-
A Baixa Pombalina, SRU terá como principal acti- gem de idosos, aconselha que se promova, em con-
vidade durante 2005, como já foi dito, a elaboração junto com a elaboração dos documentos estratégi-
dos documentos estratégicos para as oito unidades cos, a discussão sobre os equipamentos e os modelos
operativas de reabilitação que compõem a sua zona de operação destes equipamentos a criar, nomeada-
de intervenção. mente centro(s) de dia ou centro(s) de dia e noite,
Nos anos subsequentes, com a sua finalização e o reconhecendo que é no momento do planeamento
registo dos documentos estratégicos efectuado, e em que se torna mais eficaz o envolvimento de entida-
concertação permanente com os proprietários, terá des privadas na comparticipação para a construção
sobretudo uma actividade licenciadora e apenas ou reabilitação dos espaços ou imóveis destinados a
como excepção, nos casos em que não seja possível equipamentos.
um acordo com estes, assumirá directamente a reali- Incentivar os comerciantes a renovarem as suas
zação dos projectos e das obras de reabilitação. lojas, facilitando apoio nos projectos de arquitectura
Este primeiro ano de actividade, centrado em tare- ou outras medidas dinamizadoras da actividade,
fas de planeamento, será, assim, atípico, relativamente como ajuda na montagem e renovação de montras, é
à sua actividade futura, o que aconselha a que na estru- outro dos exemplos de medidas a promover pela
tura de recursos humanos da sociedade esta situação Baixa Pombalina, SRU. Estas iniciativas, atrás descri-
seja tida em conta, limitando o recrutamento de cola- tas, serão levadas a efeito com a colaboração das jun-
boradores aos que a actividade da Baixa Pombalina, tas de freguesia envolvidas, da Associação de
SRU a prazo requeira, o que favorece em particular o Valorização do Chiado, da Associação de Dina-
recurso à figura da requisição (nomeadamente a estru- mização da Baixa Pombalina, do Centro Nacional de
turas municipais) e ao estabelecimento de protocolos e Cultura e de outras associações com representativi-
formas de colaboração profissional com diversos ser- dade local.
viços da Câmara Municipal de Lisboa. À guisa de conclusão, repete-se: comuns nas inter-
A Baixa Pombalina, SRU pretende ainda desen- venções que ora se planeiam nas três sociedades de
volver actividade exemplar em vertentes comple- reabilitação urbana criadas em Lisboa, serão os prin-
mentares da sua actuação, nomeadamente no que se cípios orientadores que motivaram este novo enqua-
refere à comunicação e à intervenção social associa- dramento legal e que sucintamente podemos resumir
das a processos de reabilitação de escala urbana, tais como uma escala de intervenção diferente da geral-
como, para apenas referenciar alguns exemplos, mente considerada em reabilitação: agora, o conjun-
medidas minimizadoras do impacte das obras, sinali- to edificado, em regra o quarteirão, em vez do imóvel
individualizado; uma visão sistémica do objecto da nado para os assumir, isto é, a iniciativa privada, com 201
reabilitação, considerando naturalmente as suas os apoios financeiros disponibilizados pelo Estado.
dimensões histórica e patrimonial, técnica e constru- As sociedades de reabilitação que Lisboa recente-
tiva, mas igualmente as dimensões ambiental e soci- mente criou serão, assim, num futuro próximo, ins-
al, financeira e económica, e uma acentuada redução trumentos determinantes no pensamento estratégico
das tramitações administrativas no que ao licencia- do urbanismo da cidade e agentes catalizadores de
mento da obra se refere, num quadro que visa, glo- conceitos e actuações inovadoras na reabilitação e
balmente, estabelecer um maior equilíbrio entre os revitalização das respectivas zonas de intervenção.
proprietários e a entidade pública licenciadora. Neste caso particular, numa parte de Lisboa que se
Não retirando aos municípios o controlo sobre os quer cosmopolita e contemporânea, ao mesmo tempo
processos de reabilitação, redireccionam-se, através que luta pela preservação de uma identidade patri-
do papel mediador das sociedades de reabilitação monial como garantia de uma solução sustentável do
urbana, o esforço financeiro e o risco inerente que seu centro histórico – reforçando assim a componen-
operações deste tipo acarretam a quem está vocacio- te “actividade” da candidatura a Património Mundial.
Reabilitação Urbana Não obstante, outros modelos poderão ser ensaia- 203
dos e desenvolvidos.
do Chiado Exemplo concreto de uma solução heterodoxa,
Rui Leitão
mas integrada no quadro das orientações de referên-
Fundo Remanescente de Reconstrução do Chiado
cia é a que foi desenhada para a zona sinistrada do
Chiado e áreas envolventes. Como é conhecido,o
Chiado viveu uma situação excepcional, originada
pelo incêndio que ocorreu em Agosto de 1988. De
imediato foram tomadas algumas decisões adequadas
à gravidade da situação, tendo sido convidado para
planear a reconstrução da área sinistrada o arquitec-
A reabilitação urbana das grandes metrópoles, to Siza Vieira e constituído o Fundo Extraordinário
com especial incidência nos núcleos históricos, tem de Apoio à Reconstrução do Chiado (FEARC) para
vindo a ser assumida com firmeza na última década, colaborar no financiamento da recuperação imobiliá-
um pouco por toda a Europa. ria.
Para a conceber e realizar importa, como ponto de Concluída a reconstrução da área sinistrada e
partida, a expressão de uma vontade política muito extinto o FEARC por força de lei, foi o saldo rema-
forte, com ideias claras quanto ao modelo de reabili- nescente deste fundo aplicado na constituição do
tação e aos correspondentes sistemas operacionais, Fundo Remanescente de Reconstrução do Chiado
dos quais é primordial a estrutura de financiamento. (FRRC), por sugestão do actual Presidente da
Toda a conceptualização normativa e instrumen- Câmara Municipal de Lisboa, prontamente acolhido
tal será necessariamente consolidada, sendo funda- pelo Governo vigente.
mental garantir a sua articulação coerente. O fundo Remanescente de Reconstrução do Chiado
Planos Directores, Planos de Pormenor, sistemas é um fundo autónomo da Administração Pública cuja
de informação geográfica e geológica, conjugados atribuição é o apoio a obras de reconstrução e reabili-
com a informação histórica e arqueológica e o conhe- tação urbanas do Chiado e zona envolvente.
cimento exaustivo do estado de conservação das O planeamento da reabilitação da zona de inter-
redes imobiliárias e de fruição colectiva das áreas a venção assenta em pressupostos específicos conside-
reabilitar, são ferramentas imprescindíveis para a rando que a área a intervencionar:
definição do quadro de intervenção. ● pertence ao núcleo central da zona histórica de

A grande complexidade da estrutura matricial dos Lisboa;


factores condicionantes invalida a unicidade de solu- ● é adjacente à Baixa Pombalina, candidata a

ções, para além da definição de grandes linhas pro- património mundial;


gramáticas. ● o tecido imobiliário é de bom nível arqui-

Em Portugal, o D.L. n.º 104/2004 de 7 de Maio, tectónico, com abundante aplicação de ma-
que aprovou um regime excepcional de reabilitação teriais de grande qualidade;
urbana para zonas históricas e áreas críticas de recu- ● o Chiado tem um passado relevante nos domí-

peração e reconversão urbanística e que legaliza a nios comercial, social e cultural, que importa
institucionalização de Sociedades de Reabilitação preservar e recuperar.
Urbana (SRUs) é um instrumento fundamental que
dá consistência aos programas de reabilitação que se Tendo presente a especificidade da zona, o FRRC
estão a perspectivar por todo o país, designadamente estabeleceu um quadro de cooperação e parceria alar-
nos domínios jurisdicional e normativo. gadas com as entidades responsáveis e com tutela no
Lisboa dispõe já de várias SRUs instituídas, con- domínio da recuperação urbanística, designadamente
solidando assim a base de apoio operacional ao vasto a Câmara Municipal de Lisboa, através das Unidades
programa de reabilitação urbana da cidade previsto de Projecto Baixa-Chiado e Bairro Alto e Bica, Ins-
no programa eleitoral da coligação vencedora das tituto Português do Património Arquitectónico,
últimas eleições autárquicas e que consta das Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacio-
Grandes Opções do Plano que orientam a acção do nais e arquitecto Siza Vieira, responsável pelo pro-
actual executivo camarário. jecto de recuperação da área sinistrada.
204

Fig. 1 e 2 – Grémio Literário, Rua Ivens, 37, antes das obras de reabilitação.

Fig. 3 – Grémio Literário, Rua Ivens, 37, duramte as obras de reabilitação.

Fig. 4 – Edifício do Grémio Literário, Rua Ivens, 37, após a realização de obras.
Fig. 5 – Obras de reabilitação do edifício 1 a 7, no Largo do Carmo.

Fig. 6 – Edifício reabilitado, na Rua do Ferragial, 32 a 34.

A cooperação com as Unidades de Projecto con-


substanciou-se essencialmente na inventariação
histórica e morfológica dos imóveis e zonas de frui-
ção colectiva. Com recurso a out sourcing e à con-
tratação de um prestigiado professor universitário,
Prof. Doutor Vítor Lopes dos Santos, da Univer-
sidade Nova de Lisboa, procedeu-se à identificação
do estado de conservação dos edifícios, elencagem
das patologias existentes e elaboração das sinopses
de correcção das patologias com indicação dos ele-
206

Fig. 7 – Igreja dos Mártires antes do início das obras de reabilitação.


Fig. 8 – Igreja dos Mártires durante as obras de reabilitação.
Fig. 9 – Igreja dos Mártires depois das obras de reabilitação.
207

Fig. 10 – Edifício reabilitado na Rua Ivens, 35 a 43 e pormenor da fachada do Grémio Literário.

mentos dissonantes a retirar e dos materiais a uti- A recuperação e a conservação apoiadas pelo FRRC
lizar, numa perspectiva de exigência, qualidade e podem sistematizar-se em dois grandes padrões:
genuinidade, sempre de acordo com as orientações ● obras estruturantes de reconstrução e recupe-

emanadas das tutelas técnicas e jurisdicionais que ração, de grande volume material e financeiro;
procedem à respectiva aprovação. Nesta perspecti- ● obras ligeiras de beneficiação e conservação,

va, são preferencialmente propostos os materiais de integradas no Projecto Chiado Com Cor.
melhor qualidade, coevos da construção inicial, e a Durante os dois anos de actividade efectiva, o
aplicação de técnicas tradicionais de carácter arte- FRRC admitiu 60 candidaturas para reconstrução e
sanal para garantir a excelência da intervenção. recuperação de imóveis das quais foram já aprovadas
Estabelecido o quadro de actuação, foram ampla- 32, cuja maioria já deu lugar a obra.
mente divulgados, junto de proprietários e equipara- No plano da reabilitação e conservação foram
dos, os incentivos financeiros a conceder pelo fundo, identificados 90 imóveis com condições de interven-
estimulando a adesão voluntária destes ao programa ção, aprovadas 21 candidaturas já em obra, estando
de recuperação e conservação. 10 candidaturas em fase de aprovação.
Esta filosofia de adesão voluntária e contratualiza- O investimento aprovado do FRRC orça já os 10 mi-
da deu os seus frutos, criando sinergias financeiras lhões de euros, correspondendo a um investimento glo-
com expressão muito significativa. bal da parceria público/privado de 24 milhões de euros.
Fig. 11 – Hotel Poeta, no Chiado, em obra de reabilitação.

Fig. 12 – Hotel Poeta, no Chiado, após a realização da obra.


O grande empenho e investimento do FRRC na Financiando selectivamente eventos de natureza 209
recuperação imobiliária do Chiado não significa que cultural de elevado nível e estudando com as entida-
sejam esquecidas as vertentes comercial, cultural e des competentes uma linha de apoio à requalificação
social, que urge revitalizar para que esta zona nobre de espaços comerciais, o Fundo Remanescente de
da cidade recupere a vivência de outrora, ajustada Reconstrução do Chiado procura assumir uma pro-
aos tempos modernos. posta de reabilitação urbana do Chiado global, inte-
Deste modo, o FRRC, para além de majorar os grada e participada, que se integra perfeitamente no
incentivos financeiros no caso dos imóveis recupera- vasto programa de reabilitação urbana e urbanística
dos serem destinados a habitação, visando assim que está a ser levado a cabo pela Câmara Municipal
repovoar a zona, tem procurado estabelecer com a de Lisboa.
Câmara Municipal de Lisboa parcerias que visem a
requalificação do espaço público e do mobiliário
urbano e a racionalização do tráfego.
*
anexo
211
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235
236
239
Siglas

ASCE – American Society of Civil Engineers


CBD – Central Business District
CESUR – Centro de Sistemas Urbanos e Regionais
CET – Centro de Estudos Territoriais
CML – Câmara Municipal de Lisboa
DMAC – Direcção Municipal de Abastecimento e Consumo, CML
DMAE – Direcção Municipal de Actividades Económicas, CML
DMCRU – Direcção Municipal de Conservação e Reabilitação Urbana, CML
DMDIU – Departamento de Monitorização e Difusão de Informação Urbana, CML
DMGU – Direcção Municipal de Gestão Urbanística, CML
DORS – Divisão de Ordenamento da Rede do Subsolo, CML
DZS – Divisão da Zona Sul, CML
EP – Empresa Pública
EPUL – Empresa Pública de Urbanização de Lisboa
EM – Empresa Municipal
FA - UTL – Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa
FEARC – Fundo Extraordinário de Apoio à Reconstrução do Chiado
FRRC – Fundo Remanescente de Reconstrução do Chiado
ICOMOS – Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios
IMOPPI – Instituto dos Mercados de Obras Públicas e Particulares do Imobiliário
IPPAR – Instituto Português do Património Arquitectónico
INE – Instituto Nacional de Estatística
IST – Instituto Superior Técnico
ISCTE – Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa
ITE – Inspecção Técnica dos Edifícios
MTSS – Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social
NEP – Núcleo de Estudos do Património, CML
NCS – Natural Colour System
PDM – Plano Director Municipal
PEUC – Plano Estratégico do Urbanismo Comercial
PU – Plano de Urbanização
PP – Plano de Pormenor
RGEU – Regime Geral das Edificações Urbanas
RPDML – Regulamento do Plano Director Municipal de Lisboa
240 RPUNHBAB – Regulamento do Plano de Urbanização do Núcleo Histórico do Bairro Alto e
Bica
SIG – Sistemas de Informação Geográfica
SRU – Sociedade de Reabilitação Urbana
SRU Baixa Pombalina – Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa Pombalina
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
UNL – Universidade Nova de Lisboa
UOR – Unidade Operativa de Planeamento
UPBC – Unidade de Projecto da Baixa-Chiado
UTL – Universidade Técnica de Lisboa
ZI – Zona de Intervenção
241
Agradecimentos

Eng. Vítor Cóias e Silva, OZ


Eng. Rui Melo, Chefe de Divisão de Ordenamento da Rede e Subsolo, CML
Prof. Jorge Mascarenhas, Instituto Politécnico de Tomar
Dr. Tiago Luís, Unidade de Projecto da Baixa Chiado, CML
Dr. João Seixas, Centro de Estudos Territoriais, ISCTE
Dra. Margarida Pereira, Consultora da Direcção Municipal das Actividades
Económicas, CML
Dr. José Afonso Teixeira, Consultor da Direcção Municipal das Actividades
Económicas, CML
Dra. Maria Fernanda Cruzeiro, Consultora da Direcção Municipal das Actividades
Económicas, CML
Dr. António Sérgio de Carvalho, Assessor da Sra. Vereadora do Licenciamento Urbanístico
e Reabilitação Urbana, CML
Arq.a Maria Clara Vieira, Direcção Municipal de Conservação e Reabilitação Urbana, CML
Dra. Carla Ferreira Brito, Direcção Municipal de Conservação e Reabilitação Urbana, CML
Dra. Cristina Alves Pereira, Direcção Municipal de Conservação e Reabilitação Urbana,
CML
Arq.a Isabel Amaro, Direcção Municipal de Conservação e Reabilitação Urbana, CML
Arq.to João Couceiro, Direcção Municipal de Conservação e Reabilitação Urbana, CML
Prof. Vítor Lopes, Faculdade de Arquitectura, UTL
Prof. José Manuel Viegas, Instituto Superior Técnico, UTL
Eng. Luís Malheiro da Silva, LMSA – Engenharia de Edifícios, SA
Eng.a Isabel Pereira, Directora de Departamento de Gestão Urbanística I, CML
Arq. Carlos Andrade, Chefe de Divisão da Zona Sul, DMGU, CML
Dra. Rita Mégre, Departamento de Monitorização e Difusão de Informação Urbana, CML
Arq.a Hélia Silva, Departamento de Monitorização e Difusão de Informação Urbana, CML
Arq.a Ana Gonçalves, CML
Dr. Rolando Borges Martins, Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa Pombalina
Dr. Rui Leitão, Fundo Remanescente de Reconstrução do Chiado, CML
Dr. José Menezes e Teles, Director Municipal de Gestão Urbanística, CML
Arq. António Pereira da Silva, Director do Departamento de Monitorização e Difusão de
Informação Urbana, CML
242 Dra. Mafalda Magalhães de Barros, Directora Municipal de Conservação e Reabilitação
Urbana, CML
Dra. Clara Santos, Directora Municipal de Actividades Económicas, CML
Dra. Anabela Carvalho, Chefe de Divisão de Comunicação e Imagem, CML
Dr. José Bastos, Director do Departamento de Apoio aos Órgãos do Município, CML
Dra. Irene Nunes Barata, Directora do Departamento de Apoio à Presidência, CML
Dr. Luís de Sousa Martins, Unidade de Projecto da Baixa-Chiado, CML
Dra. Ana Rita Reis, Redacção da Candidatura da Baixa Pombalina a Património Mundial
Dra. Susana Martins, Redacção da Candidatura da Baixa Pombalina a Património Mundial
Eng. Vasco Colaço, TIS. Pt
Eng.a Ana Cristina Costa, Divisão de Ordenamento da Rede e Subsolo, CML
Eng. Carlos Soares, LMSA – Engenharia de Edifícios SA
Dra. Júlia Teixeira, Assessora da Sra. Vereadora do Licenciamento Urbanístico e
Reabilitação Urbana, CML
Arq. Fernando Pinto Coelho, Director Municipal de Planeamento Urbano, CML
Arq. Pires Marques, Director do Departamento de Planeamento Urbano, CML
Eng.a Márcia Muñoz, Directora do Departamento de Informação Geográfica
e Cadastro, CML
Eng.a Margarida Pereira, Directora da Unidade de Projecto da Baixa Chiado, CML
Eng. Luís Vicente, Divisão de Ordenamento da Rede e Subsolo, CML
Dr. Pedro Olivença, Cêgê
Dr. Costa Pereira, Cêgê
Eng.a Hélia Marques, Directora do Departamento de Planeamento de Infra-estruturas, CML
Rui Vieira, Divisão de Difusão de Informação Urbana, CML
Sérgio Cipriano, Divisão de Difusão de Informação Urbana, CML
Graça Alves, Divisão de Difusão de Informação Urbana, CML
A presente publicação pretende dar a conhecer a Baixa Pombalina numa perspectiva multi-discipli-
nar através dos estudos integrados que a Câmara Municipal de Lisboa tem desenvolvido para justifi-
car da intervenção de salvaguarda deste sítio histórico e monumental. Apresentam-se textos que
abordam, entre outros temas, a problemática dos levantamentos, a monitorização de indicadores, os
estudos sócio-económicos e as propostas de regulamentação. No final, são transmitidos os relatos
e as experiências relativas à gestão deste bem cultural que se deseja reconhecido como Património
de toda a Humanidade.

ISBN 972-8877-04-8

9 789728 877040

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