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Baixa Pombalina bases para uma intervençao de salvaguarda
Baixa Pombalina bases para uma intervençao de salvaguarda
Baixa Pombalina:
bases para uma intervenção
de salvaguarda
Câmara Municipal de Lisboa
Licenciamento Urbanístico e Reabilitação Urbana
COORDENAÇÃO DA EDIÇÃO
João Mascarenhas Mateus (ed.)
TEXTOS
João Mascarenhas Mateus
Vítor Cóias e Silva
Rui Melo
Jorge Mascarenhas
Tiago Luís
João Seixas
Margarida Pereira
José Afonso Teixeira
Maria Fernanda Cruzeiro
António Sérgio de Carvalho
Maria Clara Vieira
Carla Ferreira Brito
Cristina Alves Pereira
Isabel Amaro
João Couceiro
Vítor Lopes
José Manuel Viegas
Luís Malheiro da Silva
Isabel Pereira
Carlos Andrade
Rita Mégre
Hélia Silva
Ana Gonçalves
Rolando Borges Martins
Rui Leitão
COORDENAÇÃO DA PRODUÇÃO
Helena Caria
EQUIPA TÉCNICA
Cristiana Afonso
Ana Gracindo
Conceição Peixoto
Leonor Martins
Sandra Veiga
DESIGN GRÁFICO
Silva! Designers
REVISÃO
Helena Soares
IMPRESSÃO
Euro-Scanner
A reabilitação urbana tem constituído uma das linhas O terramoto de 1755 e a reconstrução pombalina
prioritárias da nossa actuação desde o início do man- recriaram esta centralidade do universo português
dato autárquico em 2002. Atrair novos residentes e num plano urbanístico único no Mundo. Com o
fixar as populações dos bairros históricos da Cidade tempo, a Baixa foi sendo enriquecida com elementos
serviu para criar dinâmicas sociais e económicas fortes da “modernidade” e hoje constitui um exemplo
e geradoras de desenvolvimento nas zonas de Lisboa excepcional da associação contínua de vários séculos,
cuja alma deve ser conservada. gerações, vontades e estilos.
Temos centenas de edifícios reabilitados, uma nova Encontrámos a Baixa Pombalina mais ou menos
consciência da importância e da riqueza do nosso patri- mal tratada e deixada à sua sorte. Por isso, desde a
mónio e uma nova cultura de cidade. Os resultados são primeira hora, trabalhámos no sentido de actuar
visíveis para quem se desloca ao longo das colinas de rapidamente nas situações de urgência.
Lisboa: conjuntos de edifícios, libertos dos sinais de Criámos a Unidade de Projecto da Baixa-Chiado
abandono e da degradação lenta a que tinham sido dei- para operacionalizar as intervenções de reabilitação.
xados. Acções que nos permitem apreciar e redescobrir Recuperámos os fundos destinados à zona sinistrada
os elementos que fazem de Lisboa uma cidade de pelo incêndio de 1988, estabelecendo o Fundo
História e com monumentos e construções menos eru- Remanescente da Reconstrução do Chiado como ins-
ditos combinados num equilíbrio único, irrepetível. A trumento de intervenção numa àrea mais alargada.
Baixa Pombalina faz parte integrante e central desta Estabelecemos uma sociedade de reabilitação urbana
Lisboa histórica que se deve projectar no futuro e que específica para a zona da Baixa.
deve ser reconhecida internacionalmente. Iniciámos o processo para a libertação da Praça do
Desde os tempos remotos da fundação da cidade, a Comércio de parte das repartições ministeriais para
zona da Baixa foi ocupando uma centralidade cres- poder introduzir novas valências e equipamentos
cente da capital de país. Nela estavam implantados, para uma reabilitação sustentável. A Praça do Comércio
entre outros edifícios emblemáticos, o Arsenal, a deve deixar de ser um simples local de atravessamen-
Casa da Índia, a Alfândega, o Paço da Ribeira, a to entre a comutação de transportes ou um lugar
Patriarcal e o Palácio da Inquisição. Símbolos de uma cego de representação do poder sem uma alma dialo-
Nação que se projectava no comércio com África, a gante com o resto da Cidade.
Índia e o Brasil. Passámos depois ao sinal forte da mega-empreita-
5
teiras do património da cidade. Neste âmbito foi Neste ano de 2005, a evocação dos 250 anos do
organizada a exposição “Baixa Pombalina: 250 anos Terramoto de 1755, organizada pela Vereação da
em imagens”, no dealbar da evocação do Terramoto Cultura, traduzir-se-á em mais uma série de iniciativas
de 1755, que atraiu um número superior a 5000 visi- que aprofundarão os estudos olisiponeneses relativa-
tantes e chamou a atenção do público em geral para mente à Baixa Pombalina e atrairão a atenção do públi-
a importância da memória histórica da Baixa, contri- co em geral e dos estudiosos para os aspectos plurais
buindo certamente para identificar os lisboetas e os envolvidos na sua génese urbanística e científica: cir-
portugueses com este projecto de reconhecimento cuitos temáticos distribuídos por toda a zona e uma
internacional do nosso património. grande exposição multidisciplinar num local especial-
Esta procura da excelência na protecção e na con- mente libertado na Praça do Comércio para poder
servação da Baixa Pombalina foi acompanhada pela constituir o futuro centro interpretativo deste centro
criação da Unidade de Projecto da Baixa-Chiado, do histórico. Iniciativas complementadas com a publicação
Fundo Remanescente de Reconstrução do Chiado e de um conjunto de novas monografias e de reedições
de vários Programas como o “Chiado com Cor”. A fac-similadas de obras fundamentais para a compreen-
mega-empreitada lançada para a Rua da Madalena são do fenómeno Baixa Pombalina.
permitiu, com carácter de urgência, conter a degra- Uma política coordenada, pois de integração, das
dação numa zona da Baixa particularmente abando- componentes fundamentais: Urbanismo, Reabilitação
nada e reabilitar um total de 27 de edifícios. Fechar a Urbana e Cultura, na qual se insere no momento
totalidade de um eixo viário tão importante signifi- justo, a presente publicação.
cou uma iniciativa inédita da Câmara Municipal pela Uma publicação que nos ajudará a todos a reflectir,
amplitude dos meios utilizados e permitiu dar um decidir e intervir na Baixa Pombalina de forma a
sinal forte para o início de um novo marco na histó- transmitir este sítio histórico e monumental, herança
ria da Baixa Pombalina. de Lisboa e de Portugal, na sua forma mais íntegra e
A criação destas estruturas e a implementação de autêntica às futuras gerações e a todo o Mundo.
medidas claras de intervenção permitiram efectivar
no terreno uma política mais precisa e afinada de
gestão que foi necessário testar e para a qual é neces-
sária uma avaliação contínua de eficácia por parte do
Pelouro da Reabilitação Urbana.
Depois desta primeira fase de experiências é final-
mente possível passar a uma segunda fase na imple-
mentação de um modelo de gestão para a Baixa
Pombalina. Com o estabelecimento da Sociedade de
Reabilitação Urbana (SRU) da Baixa Pombalina pre-
tende-se agora que os cuidados na salvaguarda da
integridade e da autenticidade no conjunto histórico
sejam compatibilizados com as acções de dinamização MARIA EDUARDA NAPOLEÃO
do seu imobiliário e com a sua promoção como zona Vereadora dos Pelouros da Reabilitação Urbana,
dinâmica onde será possível investir segundo regras Licenciamento Urbanístico,
de excelência e qualidade. Planeamento Estratégico e Espaços Verdes
8 Prólogo
A presente recolha inédita de textos reflecte o traba- arquivística e no registo fotográfico documental,
lho multidisciplinar de várias equipas que nos últi- segue-se um capítulo dedicado à análise scio-econó-
mos anos se têm dedicado ao estudo e à prática quo- mica da Baixa Pombalina, enquanto sítio histórico
tidiana da gestão e da reabilitação da Baixa monumental a proteger.
Pombalina. Num centro histórico vivo como a Baixa, o
Os textos foram organizados de forma a tratar os levantamento do estado da situação actual deve
momentos fundamentais de qualquer acção de abordar a complexidade não só da conservação
Conservação Arquitectónica: o estudo, o levantamen- arquitectónica como também o estado de dinamis-
to do estado da situação actual, o diagnóstico, a deci- mo e de “saúde” do seu tecido sócio-económico. Na
são e a intervenção propriamente dita. realidade, é impossível dissociar qualquer intenção
O primeiro capítulo aborda sucessivamente os ins- de conservação arquitectónica do estabelecimento
trumentos e os métodos que têm vindo a ser aplica- de condições de sustentabilidade que permitam que
dos pela Câmara Municipal de Lisboa no levan- essa conservação seja garantida ao longo do tempo.
tamento de todos os indicadores necessários ao Essas condições passam não só por conservar as
diagnóstico e à decisão de intervenção. São sucessi- variadas actividades comerciais tradicionais que
vamente tratados os temas do livrete do edifício, que fazem da Baixa um “empório” único no Mundo
de forma experimental tem vindo a ser aplicado pela como também por dinamizá-las. Uma dinâmica que
Unidade de Projecto da Baixa-Chiado; as técnicas de deve permitir – pela qualidade, pela excelência e
levantamento, inspecção e ensaio necessárias à reabi- pela localização estratégica e interdependente dos
litação estrutural; a monitorização dos níveis freáti- vários estabelecimentos comerciais – manter um
cos e dos assentamentos no acompanhamento das tecido comercial são, competitivo e mais indepen-
condições geotécnicas e de segurança das fundações dente das convulsões e estratégicas cíclicas de
dos edifícios. Este primeiro capítulo é finalizado com “merchandising”.
dois artigos dedicados a sectores indispensáveis para O primeiro texto a abordar este aspecto oferece
um levantamento completo e ajustado às caracterís- um retrato da relação entre a demografia residencial
ticas próprias da Baixa Pombalina: a importância da e a economicamente activa e apresenta uma estraté-
integração da investigação dos arquivos do processo gia para a sua optimização. Tudo baseado no census
da reconstrução e a necessidade da inventariação da de 2001 e nos dados actualizados recolhidos pela
riqueza dos interiores dos edifícios, como instrumen- Câmara Municipal de Lisboa. O segundo texto
to de base para a sua salvaguarda. reflecte as inciativas levadas a cabo pelos últimos
Tratados os aspectos do levantamento arquitec- mandatos da Câmara Municipal de Lisboa para a
tónico, estrutural e patrimonial através da integra- revitalização do comércio tradicional e para os aspec-
ção de métodos baseados em inquéritos, em testes e tos positivos e negativos da sua coexistência com os
ensaios in situ e em laboratório, na investigação novos comércios.
9
O capítulo termina com o relato do trabalho de que aqui apresentam um resumo da sua experiência e
acompanhamento destinado a assegurar a exigência dos resultados obtidos até à data. No futuro, a dina-
da máxima qualidade possível na conservação dos mização do mercado imobiliário competirá à
interiores de lojas tradicionais durante intervenções Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) da Baixa
de reabilitação. Intervenções que sejam respeitadoras Pombalina, depois de os seus planos e documentos
do valor patrimonial do mobiliário, dos revestimen- estratégicos serem aprovados. Por essa razão, é tam-
tos, dos elementos ornamentais e decorativos e que bém apresentado um texto sintético sobre a estraté-
salvaguardem a memória das actividades comerciais gia desta empresa municipal.
precedentes e características de cada um dos quartei- A partir da leitura de todo este conjunto variado
rões da Baixa Pombalina. de relatórios e relatos será possível compreender
Segue-se um cápítulo dedicado ao trabalho que a como se pode dar por terminada uma primeira fase
Câmara Municipal de Lisboa tem desenvolvido no de consolidação de conhecimentos e de avaliação
campo da uniformização de critérios de intervenção geral da situação da Baixa Pombalina. Uma primeira
de salvaguarda nesta zona histórica da cidade. São fase dedicada ao levantamento, ao diagnóstico e às
assim apresentados os estudos realizados para o esta- primeiras intervenções de urgência. Destinada a
belecimento de um regulamento, de um plano de obter uma visão abrangente que permitiu identificar
cores, de normas de boa prática para a conservação a complexidade dos componentes e dos valores patri-
dos revestimentos das fachadas, do controlo faseado moniais a conservar na Baixa Pombalina. Como o
do tráfego rodoviário e para as estratégias de melho- título da obra o indica, estudos indispensáveis que
ria das condições ambientais locais. constituem as bases de uma intervenção de salva-
Apresentados os resultados dos estudos multidis- guarda que deve ser necessariamente constante, con-
ciplinares de levantamento de diagnóstico e de meto- tínua, quotidiana e objecto de melhoramentos pro-
dologias de intervenção, são descritas de forma sin- gressivos.
tética as actuações dos departamentos da Câmara
Municipal de Lisboa e dos organismos que directa-
mente têm responsabilidades na Gestão Urbanística
e na Reabilitação Urbana da Baixa Pombalina.
A Gestão Urbanística é abordada a partir das
perspectivas do licenciamento urbanístico e do ponto
de vista da integração dos resultados das vistorias
patrimoniais no processo de decisão. A visão da prá-
tica da Reabilitação Urbana é dada a partir dos rela-
tos da Unidade de Projecto da Baixa-Chiado e do JOÃO MASCARENHAS MATEUS
Fundo Remanescente de Reconstrução do Chiado, Coordenador da edição
Índice 11
completa e de complexidade dos factores que é neces- titucional do edifício, através de uma análise pro-
sário avaliar na sua conservação como centro histórico. cessual. Em particular o registo cadastral, as li-
cenças de habitação, as licenças existentes para o
Foi assim tomando forma a ideia de um “Bilhete de projecto inicial, para as variantes e para as alte-
Identidade do edifício”, em que fosse registada a sua rações e a identificação de servidões;
origem, evolução e características actuais, e que permi- ● Fascículo 2 – analisa a situação económica do
tisse posteriores actualizações, acompanhando a vida edifício, sobretudo no que respeita às fracções
de cada edifício. Um Bilhete de Identidade que, com o devolutas e ao tipo de propriedade das mesmas;
tempo, passasse a constituir uma base de dados útil ● Fascículo 3 – é dedicado à análise do estado de con-
documentos estratégicos elaborados pela Socie- incêndio, em especial o número e a localização das
dade de Reabilitação Urbana Baixa Pombalina; escadas e das bocas de incêndio, o plano de eva-
cuação em caso de emergência e a identificação que se refere à classificação de “mau”, “médio” e “bom” 15
das fracções com problemas de segurança no que na avaliação do estado de conservação do edifício, está
respeita à presença de equipamentos e materiais implícita a utilização dos diversos níveis de reabilita-
facilmente inflamáveis ou à inexistência de saídas ção (profunda, média ou ligeira). Estes níveis são ba-
e de sinalética de alarme e emergência, bem como seados na percentagem de determinadas classes de
a condição das chaminés e dos sistemas de com- obras (envelope exterior e interior das habitações) em
bustão e aquecimento; relação ao volume total das obras de que o edifício
● Fascículo 6 – reflecte a funcionalidade a nível dos necessita, à semelhança das que foram simuladas nos
acessos, em particular a localização, a capacidade estudos do Instituto dos Mercados de Obras Públicas
dos elevadores, a presença de barreiras arquitec- e Particulares e do Imobiliário (IMOPII)3.
tónicas para deficientes, a existência de parques de O livrete termina com uma relação técnica sintética em
estacionamento no interior do edifício ou o núme- que é possível resumir as principais classes de deficiências
ro de lugares disponíveis na via pública; encontradas e, se necessário, o tipo de acções imediatas a
● Fascículo 7 – analisa a funcionalidade a nível dos tomar de forma a garantir a segurança dos ocupantes do
equipamentos. Neste fascículo são registados os edifício ou as condições sanitárias e de salubridade.
dados relativos à localização e ao estado de conser-
vação das redes de abastecimento de água, de esgo-
tos, das instalações eléctricas, de gás, das telecomu- Teste e implementação
nicações, dos elevadores. Nele são também regista-
dos dados que permitem a avaliação do nível de con- Nasceu assim um instrumento capaz de assegurar 3 PONTES, J.
forto térmico e acústico de cada fracção; a monitorização não só de uma fracção habitacional Pereira (2003)
Fórmulas de revisão
● Fascículo 8 – recolhe a informação relativa às ou comercial, mas também de um edifício singular e de preços para
trabalhos de
condições higiénico-sanitárias dos edifícios, em de um quarteirão no seu todo. reabilitação de
particular a situação dos certificados de inspec- Para a implementação do Livrete do Edifício na edifícios de habitação.
Actas do 3º Encore
ção sanitária das fracções comerciais, das instala- Baixa Pombalina, para a qual foi estimada uma “popula- sobre conservação
e reabilitação de
ções sanitárias e da exaustão de fumos. ção total” de 897 edifícios, foram propostas duas fases. edifícios, Lisboa,
Laboratório
Parte da avaliação efectuada ao longo dos oito fas- Uma primeira fase, iniciada em 2002 com as vis- Nacional de
cículos é feita por confronto com o exigido no Regu- torias efectuadas pela Unidade de Projecto da Baixa- Engenharia Civil,
26-30 Maio de 2003,
lamento Geral de Edificações Urbanas (RGEU). No Chiado (UPBC) (fig. 1 e 2). pp. 1341-1346.
Fig.1-
Zonamento
preliminar usado
pela Unidade
de Projecto da
Baixa-Chiado
durante a
primeira fase
de implementação
do livrete
do edifício.
16 Desde o início da concepção do livrete que foi pre- aplicação experimental do livrete e serviu sobretudo
vista a sua informatização, em duas versões: uma ver- para utilizar o protótipo como check-list ou matriz
são mais completa para estações desktop e outra, para a elaboração de fichas simplificadas. Estas fichas,
mais leve, de possível utilização em computadores destinadas a recolher essencialmente os dados fora do
palmares, a empregar pelas várias equipas das visto- gabinete, durante as vistorias, limitaram-se a abordar
rias. Também, desde a primeira hora, houve a preo- os aspectos que se revelaram prioritários para as
cupação de permitir o intercâmbio de informação de intervenções que têm vindo a ser realizadas na zona,
e para os sistemas de bases de dados suportados por entre as quais a mega-empreitada para a Rua da
sistemas de informação geográfica (SIG), já usados Madalena. As fichas permitiram recolher a informa-
pela Câmara Municipal de Lisboa. ção relativa sobretudo ao fascículo 3 e ao fascículo 6.
4 PINA Susana, A primeira versão do Livrete do Edifício, em que Para o preenchimento dos restantes fascículos
SEABRA Ana Luísa já foi considerada a denominação dos campos usados será agora necessária a contribuição de técnicos dos
(2000) Manual de
utilização do SIG da
pelo SIG4 implementado pela CML, é a que se apre- domínios da engenharia estrutural, geotécnica, elec-
reabilitação urbana, senta em anexo a este texto, depois de trabalhada trotécnica e mecânica, assim como de técnicos dos
Câmara Municipal de
Lisboa, Direcção pela Unidade de Projecto da Baixa-Chiado, em parti- Bombeiros e de técnicos especializados na inspecção
Municipal de
Reabilitação Urbana, cular pelo topógrafo Luís de Sousa Martins e pela sanitária de imóveis.
Divisão de
Planeamento
arquitecta Patrícia Lago. Presentemente, com os dados recolhidos noutras
Urbano da Tendo em conta estes critérios de pragmatismo e campanha de vistorias realizadas pela Unidade de
Reabilitação Urbana,
Lisboa. de utilidade, esta primeira fase foi dedicada a uma Projecto da Baixa Pombalina, será já possível preen-
Fig. 2 – Primeira fase das vistorias efectuadas pela Unidade de Projecto da Baixa-Chiado, até Maio de 2004.
cher parte dos fascículos 1, 2, 4, 7 e 8 e grande parte Referências 17
dos fascículos 3 e 6 do Livrete do Edifício. Uma nova
MATEUS João Mascarenhas Il libretto del fabbricato:
inspecção sistemática levada a cabo pelo Serviço de
uno strumento per la conservazione della Baixa
Bombeiros permitirá o preenchimento do fascículo 5.
Pombalina a Lisbona. Revista Arkos: scienza e restauro
Para a segunda fase de desenvolvimento do livrete
dell’architettura, Milano, Nardini Editori, Nuova
é necessário também simplificar as perguntas de serie, 2003, Anno 4, Nº 2, p. 68-69.
forma a obter um leque limitado de respostas possí- A.A.V.V. Levantamento do conjunto edificado da UPBC,
veis. A base de dados será assim composta essencial- relatório nº 01/2004 (2004), Câmara Municipal de
mente de campos fechados e de mais fácil gestão. Lisboa, Unidade de Projecto da Baixa-Chiado, Divisão
Com o processo de candidatura da Baixa Pom- de Estudos, Planeamento e Informação.
balina a Património da Humanidade, o livrete deverá
ser completado com campos que integrem a recolha
de indicadores capazes de avaliar a integridade e a
autenticidade deste sítio histórico e monumental.
Esta classe de indicadores deverá incluir, entre ou-
tros aspectos, a observação da conservação:
● da cornija do 3º piso;
● das escadas originais dos edifícios;
● da percentagem dos vãos em relação à superfície
total das fachadas;
● da percentagem de áreas com interiores originais.
Quadro 1 Classificação dos danos causados por ensaios não totalmente não destrutivos
Validação do modelo.
IV) Durante a intervenção. 5. Ensaio das técnicas e materiais Validação das técnicas e materiais
a adoptar. a adoptar.
6. I&E de controlo da qualidade.
LEVANTAMENTO DA GEOM.E
VALIDAÇÃO DO MODELO
E ENSAIOS,
CARACTERIZAÇÃO DAS
CARACTERIZAÇÃO DA
TÉCNICAS
I&E DE CONTROLO
I&E DE TÉCNICAS
MONITORIZAÇÃO
E DISPOSITIVOS I&E PRELIMINAR
DAS ANOMALIAS
DA QUALIDADE
ENVOLVENTE
E MATERIAIS
I&E FINAIS
Alongâmetro mecânico X X
Boroscopia e videoscopia X X X X
Célula de carga X X
Corte semi-destrutivo X
Ensaio de carga X X X
Ensaio sónico e ultra-sónico X X X
Extensómetro de corda vibrante X X
Extensómetro eléctrico X X
Extracção de uma hélice X X
Fissurómetro de corda vibrante X X
Fissurómetro “telltale” X
Higrómetro X X X X X
Identificação expedita de sais X X
Impulso mecânico X X X
Inclinómetro X X
Inspecção visual por especialista X
Levantamento visual de anomalias X X X X
Macaco plano X X X
Martelo de Schmidt pendular X X
Medição expedita da porosidade X
Medição de vibrações X X X
Medidor óptico de fissuras X
Pêndulo e telecoordinómetro X X
Penetração X X
Penetrómetro e SPT X
Percussão X
Radar X X
Resistografia X
Teodolito automático X X
Termografia X
Termopar e termómetro X X X
Topografia e fotogrametria X
Vibração forçada X X X
24 Alguns estudos apresentadas, quer do ponto de vista da modela-
na Baixa Pombalina ção da estrutura;
d) Realização de ensaios complementares de
Introdução validação da modelação estrutural adoptada.
A partir de 1993 foi levado a cabo, por iniciativa de A recolha de informação nos edifícios estudados foi
proprietários, de promotores ou da própria autar- feita ao longo de várias intervenções de levantamento
quia, um conjunto de levantamentos, inspecções e e diagnóstico de situações concretas. Exceptuando os
ensaios de caracterização dos edifícios da Baixa e das edifícios cujo interior se destinava a ser demolido, foi
anomalias por eles apresentadas, que, geralmente, dada preferência, na medida do possível, a métodos
foram precedidos e acompanhados da recolha docu- não destrutivos de observação e ensaio.
mental sobre os edifícios. Os ensaios destrutivos Paralelamente, foram efectuados levantamentos
seguidamente mencionados foram realizados em ele- fotográficos exaustivos, e, em edifícios demolidos, um
mentos construtivos e estruturais cuja demolição levantamento sob a forma de desenhos esquemáticos
havia sido autorizada pela autarquia. cotados, acompanhado da recolha de amostras dos
Os estudos em apreço podem ser úteis para ajudar principais elementos. O conjunto de informação
a definir estratégias de intervenção construtiva e recolhida e os vários ensaios in situ realizados, junta-
estrutural. O estabelecimento dessas estratégias pres- mente com os ensaios laboratoriais sobre amostras,
supõe uma avaliação, com base em modelos de análise, permitiram, por outro lado, ter uma ideia razoavel-
da aptidão estrutural actual dos edifícios, tendo em mente aproximada das propriedades relevantes para
conta o decaimento, natural ou provocado, das pro- uma avaliação genérica do desempenho estrutural
priedades dos materiais estruturais originais e as alte- previsível dos edifícios.
rações estruturais neles efectuadas ao longo do tempo.
Com a introdução de critérios de natureza cons- Recolha documental
trutiva e estrutural na estratégia de intervenção nos
edifícios da Baixa Pombalina, torna-se possível asse- Nos casos em que foi possível uma análise mais
gurar a preservação da sua autenticidade enquanto profunda, os trabalhos partiram da recolha do máxi-
património histórico e, ao mesmo tempo, melhorar as mo de informação documental sobre os edifícios.
suas condições de segurança. Nesse sentido, recorreu-se, por um lado, à documen-
Concretizando, teve-se em vista recolher e sistema- tação bibliográfica e iconográfica existente sobre a
tizar a informação destinada a servir de suporte à cons- construção pombalina e, por outro lado, à documen-
trução e à validação dos modelos a utilizar na avaliação tação disponível no arquivo municipal.
da aptidão estrutural atrás referida, designadamente:
Levantamento geométrico
a) Recolha documental sobre os edifícios; da arquitectura
a) Levantamento geométrico da arquitectura
dos edifícios, corrigindo discrepâncias resultan- Os elementos de projecto existentes foram trans-
tes, por exemplo, de alterações não documentadas postos para suporte digital vectorizado e compara-
ou incorrectamente documentadas e preenchendo dos com a geometria real. Foram introduzidas as
eventuais lacunas; alterações e também assinaladas e caracterizadas
b) Levantamento geométrico da estrutura, ou outras discrepâncias encontradas. Para além das téc-
confirmação dos elementos de definição geomé- nicas de levantamento tradicionais, recorreu-se,
trica existentes, no sentido, também, de corrigir nesta fase, de forma supletiva, a uma ou mais das
discrepâncias e preencher lacunas de informação, seguintes técnicas:
no que se refere, por exemplo, às fundações; ● Observação visual, directa ou por tecnoscopia,
c) Realização de ensaios de caracterização do por processos semi-destrutivos;
comportamento da estrutura e das propriedades ● Detecção de metais;
dos elementos estruturais e dos materiais que os ● Termografia;
constituem, quer do ponto de vista do decaimen- ● Ultra-sons.
to dessas propriedades e das anomalias por eles
Foi feito um levantamento e uma sistematização da tadas utilizando os meios tradicionais, com apoio de 25
tipologia das paredes e dos pavimentos e recolhidos da- fotografia isométrica.
dos geométricos de pormenor quanto à sua constituição. Foram recolhidos dados referentes às fundações,
Foram recolhidos dados referentes às fundações, através de realização de furos ou de poços de sonda-
através de realização de furos ou de poços de sonda- gem que permitiram, por amostragem, definir a geo-
gem que permitiram definir com suficiente rigor a metria dos respectivos maciços.
geometria dos respectivos maciços.
Foi feito um levantamento e uma sistematização
da tipologia das alterações encontradas, tendo em
conta, particularmente, a presença de:
● Vãos não previstos no projecto original;
● Estruturas de aço;
● Estruturas de betão armado;
● Acréscimo de pisos.
Levantamento geométrico
da estrutura
Fig. 1 – Observação termográfica de paredes pombalinas.
LEGENDA
Humidade
destacamento de tinta
fissura com
fungos como
os da parede
fissura reparada
e reaberta
Fig. 3.a – Plantas do terceiro andar do mesmo edifício, mostrando as deformações dos pavimentos e as vistas para a análise
das deformações das paredes.
marca muito deteriorada
Fig. 3.b – Vistas do terceiro andar do mesmo edifício, mostrando as deformações das paredes.
A figura 4 mostra o levantamento das zonas com Resistografia; 29
presença de humidade. Ensaios laboratoriais sobre amostras;
Alvenaria:
Ensaios in situ e sobre amostras de grandes
dimensões;
Ensaios sobre argamassas de assentamento,
enchimento e reboco.
Betão:
Ensaios esclerométricos e ensaios laboratoriais
sobre carotes.
Ferro e aço:
Ensaios laboratoriais sobre amostras.
Solos de fundação:
Análise granulométrica;
Densidade aparente;
Teor em água natural;
Limites de consistência de Atterberg (LL,LP);
Corte em compressão triaxial do tipo não drena-
do com consolidação.
Caracterização estrutural
Referências bibliográficas
Fig. 2 – Perfis esquemáticos ilustrando a distribuição de unidades hidrogeológicas presentes na zona da Baixa.
36
Fig. 2.b – Perfis esquemáticos ilustrando a distribuição de unidades hidrogeológicas presentes na zona da Baixa.
38 Sistemas instalados contínua de amostra, e efectuados também ensaios in
e trabalhos realizados situ de permeabilidade e SPT. Sobre as amostras col-
hidas de solo e água foram realizados ensaios granu-
3.1 Piezómetros lométricos dos diferentes tipos litológicos encontra-
dos e determinações físicas e químicas da água.
Para a observação dos níveis freáticos foram insta- No final de Dezembro de 2003 e no início de
lados 16 piezómetros de tubo aberto, com câmaras Janeiro de 2004, procedeu-se à leitura dos níveis fre-
piezométricas (zona de afluência de água ao piezóme- áticos, com uma campanha de zeragem. A partir de
tro) localizadas quer nas aluviões (materiais lodosos, Março de 2004 passaram a ser realizadas campanhas
arenosos, argilosos ou misturas deste tipos litológi- de leituras mensais. Antecedendo estas campanhas
cos), quer nos terrenos miocénicos (essencialmente foram obtidas topograficamente as cotas altimétricas
argilosos ou areno-argilosos, por vezes com passa- das bocas dos piezómetros, para que os valores da
gens calcárias). Para a sua instalação foram executa- posição do nível freático fossem cotados em cada um
dos furos de sondagem, acompanhados de recolha deles permitindo a sua posterior comparação.
LEGENDA
Fig. 6 – Planta de localização da instrumentação, MARCA PROFUNDA (“BENCHMARK”)
P2 – Praça do Comércio
Variação do nível freático
0,4 3200
0,3 3000
2800
0,2
2600
0,1
2400
0
2200
-0,1 2000
-0,2 1800
-0,3 1600
-0,4 1400
1200
-0,5
1000
-0,6
800
-0,7 600
-0,8 400
Fig. 8 – Variação do nível freático no substrato miocénico entre Fig. 9 – Variação da condutividade eléctrica em
Março e Fevereiro de 2005. Fevereiro de 2005.
Na planta da figura 9 apresenta-se a distribuição do período de observação ocorreu nas áreas mais a 45
da condutividade medida no conjunto dos piezóme- norte e mais a sul da zona monitorizada, ou seja, res-
tros instalados. pectivamente nas marcas instaladas na Praça dos
A influência das marés em termos de salinidade e Restauradores e nas marcas da Praça do Comércio.
piezometria (com oscilações centimétricas) parece A zona observada onde se consideram como con-
fazer sentir-se sem dúvida até à Rua da Vitória, firmados assentamentos mantém sensivelmente uma
podendo no entanto existir ainda a possibilidade de área equivalente à observada desde Setembro de
esta se fazer sentir até ao Rossio. 2004 (área Sul – limitada pelas ruas da Vitória, Ouro,
Prata, rio Tejo; área Norte – Praça dos Restaura-
dores), encontrando-se os valores ligeiramente ate-
Assentamentos nuados em relação a períodos anteriores na zona sul
e mais significativos no topo norte da área estudada.
Da análise dos resultados obtidos durante este As marcas instaladas sobre materiais do Mio-
primeiro ano de observações verifica-se que ocorre- cénico registaram um comportamento semelhante ao
ram de uma forma geral, na maioria dos locais ins- registado nas marcas instaladas na zona aluvionar,
trumentados, oscilações entre leituras quer no que se como tem sido observado desde o início das leituras,
refere às marcas de superfície, quer no que diz res- encontrando-se acumulados deslocamentos que
peito às réguas de nivelamento em edifícios. variam entre -2,4mm e +1,7mm.
Em relação às observações realizadas nas marcas No controlo dos edifícios verificou-se que, neste
de superfície (ver figura 10), verificou-se que, neste período de observação, ocorreram deslocamentos
primeiro ano, a distribuição dos locais onde foram positivos na quase generalidade dos edifícios instru-
registados ligeiros assentamentos regulares ao longo mentados, encontrando-se, de Janeiro 2004 a Janeiro
2005, os valores acumulados entre -1,7mm e +1,6mm,
com os valores ao nível do solo e dos edifícios na
mesma ordem de grandeza.
Apesar de este ser apenas o primeiro ano de obser-
vações topográficas, da análise que tem vindo a ser
feita aos resultados obtidos nas leituras das marcas de
superfície e réguas de nivelamento em edifícios tem
sido possível verificar que os valores de deformação
entre leituras e de deformação acumulada possuem
1,2 taxas de evolução muito reduzidas, mantendo-se a
1 generalidade da zona observada estabilizada.
0,8
0,6
0,4
0,2
0
-0,2
-0,4
-0,6
-0,8
-1
-1,2
-1,4
-1,6
-1,8
-2,4
Rua Augusta › Paróquia de São Julião › Lado direito a partir da Praça do Comércio
1762/63 1769
1.91 1.91 Ambrósio Araújo de Sá
2.193 2.193 Dr. João Tavares Almeida
3.191 Ordem Gregoriana de São Francisco 3.191 Ordem Terceira de São Francisco
4.101 Irmandade do Santíssimo Sacramento 4.101 Irmandade do Santíssimo Sacramento de São Julião
5.30 5.30 Manuel Guimarães
6.187 6.187 D. Brás Baltazar da Silveira
7.184 Irmandade da Doutrina 7.184 Irmandade da Doutrina
8.29 Francisco Gl. Marques 8.29 João Rodrigues Caldaz
9.180 Luís Sequeira (?) 9.180 José Ferreira Dias
10.178 Propriedade da Igreja Patriarcal 10.178 Santa Igreja da Patriarcal
11.174 Francisca Teresa, viúva de Eugénio dos Santos 11.174 João Gonçalves Rebello
12.171 António Groyamo Rapozo 12.171 Padre António Rapozo
1780 1790
1.91 Ambrósio Araújo de Sá 1.91 D. Joaquim de Menezes
2.193 Herdeiros do Dr. João Tavares Almeida 2.193 Herdeiros do Dr. João Tavares Almeida
3.191 Ordem da Luz Branca 3.191 Ordem Terceira de São Francisco
4.101 Irmandade do Santíssimo Sacramento de São Julião 4.101 Irmandade do Santíssimo Sacramento de São Julião
5.30 Manuel Guimarães 5.30 Manuel António da Silva Bravo
6.187 D. Brás Baltazar da Silveira 6.187 D. Brás Baltazar da Silveira
7.184 Misericórdia 7.184 Hospital Real de Todos os Santos
8.29 João Rodrigues Caldaz 8.29 João Rodrigues Caldaz
9.180 José Ferreira Dias 9.180 António Nunes Galvão
10.178 Santa Igreja da Patriarcal 10.178 Santa Igreja da Patriarcal
11.174 João Gonçalves Rebello 11.174 Herdeiros de João Gonçalves Rebello
12.171 Padre António Rapozo 12.171 Herdeiros do Padre António Rapozo
1799 1810
1.91 Doutor Xavier Araújo 1.91 Francisco Correia Borges
2.193 Herdeiros do Dr. João Tavares Almeida 2.193 António José da Fonte
3.191 Ordem Terceira de São Francisco 3.191 Ordem Terceira de São Francisco
4.101 Irmandade do Santíssimo Sacramento de São Julião 4.101 Irmandade do Santíssimo Sacramento de São Julião
5.30 Manuel António da Silva Bravo 5.30 Manuel António da Silva Bravo
6.187 D. Brás Baltazar da Silveira 6.187 D. Nuno José Baltazar Piedade da Silveira
7.184 Hospital Real de São José 7.184 Hospital Real de São José
8.29 João Rodrigues Caldaz 8.29 João Rodrigues Caldaz
49
9.180 António Gonçalves 9.180 António Gonçalves
10.178 Santa Igreja da Patriarcal 10.178 Francisco Pereira Lima
11.174 João Gonçalves Rebello 11.174 Herdeiros de João Gonçalves Rebello
12.171 José Gonçalves Marques 12.171 Manuel José Marques
1820 1830
1.91 Francisco Correia Borges 1.91 Francisco Correia Borges
2.193 António José da Fonte 2.193 António José da Fonte
3.191 Ordem Terceira de São Francisco 3.191 Ordem Terceira de São Francisco
4.101 Irmandade do Santíssimo Sacramento de São Julião 4.101 Irmandade do Santíssimo Sacramento de São Julião
5.30 Francisco Saraiva 5.30 Francisco Saraiva
6.187 D. Nuno José Baltazar Piedade da Silveira 6.187 D. Nuno José Baltazar Piedade da Silveira
7.184 Hospital Real de São José 7.184 Hospital Real de São José
8.29 João Rodrigues Caldaz 8.29 João Rodrigues Caldaz
9.180 António Gonçalves 9.180 António Gonçalves
10.178 Francisco Pereira Lima 10.178 Francisco Pereira Lima
11.174 Herdeiros de João Gonçalves Rebello 11.174 Herdeiros de João Gonçalves Rebello
12.171 Manuel José Marques 12.171 Manuel José Marques
1820 1830
1.91 Francisco Correia Borges 1.91 Francisco Correia Borges
2.193 António José da Fonte 2.193 António José da Fonte
3.191 Ordem Terceira de São Francisco 3.191 Ordem Terceira de São Francisco
4.101 Irmandade do Santíssimo Sacramento de São Julião 4.101 Irmandade do Santíssimo Sacramento de São Julião
5.30 Francisco Saraiva 5.30 Francisco Saraiva
6.187 D. Nuno José Baltazar Piedade da Silveira 6.187 D. Nuno José Baltazar Piedade da Silveira
7.184 Hospital Real de S. José 7.184 Hospital Real de S. José
8.29 João Rodrigues Caldaz 8.29 João Rodrigues Caldaz
9.180 António Gonçalves 9.180 António Gonçalves
10.178 Francisco Pereira Lima 10.178 Francisco Pereira Lima
11.174 Herdeiros de João Gonçalves Rebello 11.174 Herdeiros de João Gonçalves Rebello
12.171 Manuel José Marques 12.171 Manuel José Marques
Período Pombalino
Antes do cataclismo de 1755, Lisboa era uma cida-
de insalubre, confusa, fruto de várias camadas urbanís-
ticas orgânicas de raiz medieval. As suas ruas estreitas
com edifícios amontoados estrangulavam a capital, que
se apresentava desactualizada face às restantes congé-
neres europeias. O terramoto apresentou-se como uma
oportunidade única para a renovação da cidade.
Na reconstrução, novas técnicas de construção Edifício na Rua de São Paulo, 55
foram empregues, respondendo aos medos e às neces- Este espaço doméstico, “descoberto” no decorrer
sidades que surgiam. A técnica da “gaiola pombalina”, de uma vistoria da Unidade de Projecto da Baixa-
método anti-sísmico inovador, tentava afastar o receio -Chiado, e agora propriedade da Sociedade de Reabi-
de uma nova catástrofe, enquanto que a produção em litação Urbana da Baixa Pombalina, apresenta-se
série procurava minimizar os custos e acelerar o pro- como um dos melhores exemplos de um interior
cesso de construção. As novas vias, mais largas e pombalino, com todas as suas características origi-
regulares, permitiam à cidade “respirar”. nais: compartimentação (salas, alcovas, corredor,
Os interiores da segunda metade de setecentos cozinha), madeiramentos (portas, janelas de guilhoti-
reflectem o gosto da época, onde os principais elemen- na, portadas, tectos, pavimentos), cantarias (dos vãos
tos decorativos são os lambris de azulejos (geralmente exteriores e da chaminé de cozinha) e azulejos (lam-
de padrão, mas também figurativos, em casos particu- bris de vários modelos e dimensões, consoante a
lares), as guarnições dos vãos (recortadas ao nível da importância da sala).
54
Palácio do Conde de Penafiel – Rua de São lados os Correios-Mores do reino assim como os res-
Mamede, 21 pectivos serviços, extintos em 1797. Posteriormente,
Sede do Ministério das Obras Públicas, Trans- o palácio foi alvo de profundas obras de redecoração
portes e Habitação, o palácio situado na encosta do (c. 1865), incluindo a alteração do seu acesso princi-
Castelo de São Jorge deve o seu nome ao último pal e o arranjo do largo fronteiro.
Correio-Mor, Manuel José da Mata de Sousa Em 1891, com a morte do Conde-Marquês de
Coutinho, primeiro Conde de Penafiel. Penafiel, o edifício foi parcialmente alugado, até ser
O actual edifício resulta da reconstrução do palá- adquirido pelo Estado, em 1919, para aí ser instalado
cio, em 1776, após o terramoto. Nele estavam insta- o Conselho Superior de Obras Públicas.
cas e das guerras liberais. A instabilidade que se vivia 55
reflectiu-se na economia e, consequentemente, numa
arquitectura empobrecida.
Ao nível das artes decorativas, a azulejaria
empregue nos interiores passou a representar
padrões mais delicados e os painéis figurativos a
ilustrar paisagens dentro de cartelas, rodeadas por
fitas, festões, aves e chinoiseries, num estilo associa-
do ao reinado de Dona Maria I.
Os tectos acompanharam a mudança, utilizando
o estuque em detrimento da madeira. Este novo
suporte permitiu não só a utilização do estuque
como elemento decorativo relevado, como também
uma maior liberdade no emprego da pintura deco-
rativa. Os melhores exemplos desta arte podem ser
encontrados nos salões nobres onde, entre outras
composições, é possível encontrar cartelas, troféus,
Sala de Despacho da Irmandade da Igreja de puttis, florões e, muitas vezes, cenas alegóricas.
Nossa Senhora da Oliveira – Rua de São Nestes espaços as paredes eram frequentemente
Julião, 140 decoradas, embora de forma mais simples, com mol-
Integrada num típico prédio de rendimento pom- duras geométricas ou florais.
balino, a Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, apenas O Romantismo continuou a utilizar os estuques e
denunciada pelo seu simples pórtico, revela-se como a pintura decorativa como técnicas ornamentais de
um espaço de destaque pela qualidade dos seus ele- eleição, adaptando a estética ao gosto revivalista e
mentos decorativos. historicista que se fazia sentir. Lisboa vivia um movi-
Inicialmente dedicada a funções administrativas da mento de expansão promovido por Fontes Pereira de
Irmandade dos Confeiteiros, a Sala de Despacho (loca- Melo, então Ministro das Obras Públicas.
lizada sobre a nave da igreja) integra os característicos
elementos decorativos setecentistas. No entanto, neste
espaço assumem uma qualidade e variedade decorativa
superior. Os lambris de azulejos retratam cenas de caça
e pesca a azul e branco, o trabalho de talha recorta os
vãos e emoldura a sala, enquanto o tecto apresenta as
pranchas de madeira decoradas com elementos vegeta-
listas em torno de símbolos marianos.
Neoclassicismo e Romantismo
A viragem do século traz consigo uma nova forma
de ver a arquitectura, assim como os elementos deco-
rativos a ela aplicados. Apesar da linguagem rocaille
não ter atingido o seu auge em Lisboa devido à crise
instaurada pelo terramoto, o neoclassicismo surgiu
como uma tendência ocidental que empregava os
modelos formais do classicismo europeu – nomeada-
mente a antiguidade greco-romana – em oposição Teatro Nacional de São Carlos – Largo de São
aos elementos decorativos excessivos impostos pelo Carlos
barroco. Em Lisboa, tratou-se também duma época Emblema neoclássico de Lisboa, com projecto de
conturbada, com a passagem das invasões napoleóni- José da Costa e Silva, foi inaugurado em 1793 em
honra de Dona Carlota Joaquina, princesa do Brasil, Para além de se destinar à corte, foi o primeiro
após apenas seis meses de construção. teatro público, possibilitando também o acesso da
A sóbria fachada do teatro da ópera busca a sua burguesia.
inspiração no “alla Scala” de Milão (1778), num clas-
sicismo de influência italiana. Os interiores foram Palácio Convento da Trindade – Rua Nova da
concebidos por conceituados artistas da época, como Trindade, 16
Cirilo Volkmar Machado (tecto do vestíbulo e pano Trata-se de um dos interiores mais significativos
da boca de cena), Appiani (tribuna) e Manuel da de meados de Oitocentos, num edifício erguido, em
Costa (tecto do salão). parte, sobre o antigo Convento da Trindade, extin-
Cinatti projectou (c. 1860) para Iglésias Viana, capi- 57
talista de origem galega.
O local de implantação do edifício corresponde
sensivelmente à área da primitiva igreja dos
Mártires, fundada em 1147 por D. Afonso
Henriques, após a conquista de Lisboa. A igreja foi
arrasada pelo terramoto. Anexo a ela, o Convento
de São Francisco (fundado em 1217) afirmava-se
como uma das mais imponentes construções da
cidade. Com a extinção das ordens religiosas em
1834 e a destruição da sua igreja em 1839, o con-
vento sofreu várias adaptações, incluindo o lotea-
mento de parte da área que ocupava.
Casa Havaneza – Largo do Chiado, 25 Em 1960 viu a sua área reduzida com a instalação de
Marco histórico da vida social do Chiado e uma das uma agência bancária em parte do espaço, sendo nova-
melhores tabacarias lisboetas, a Casa Havaneza, funda- mente remodelada com projecto de António Azevedo
da em 1865 por Ernesto Empis (da firma Henry Gomes e Francis Jules Léon. Nessa ocasião foram colo-
Burnay & Cia.), sofreu várias intervenções ao longo cados dois painéis decorativos de Bartolomeu Cid dos
dos anos. A casa, que inicialmente utilizava apenas uma Santos e uma grade ornamental de Jorge Vieira. O
porta, passou a ocupar os números 24 a 29 do Largo do actual projecto data de 1970-71 sendo da autoria dos
Chiado e os números 2 a 8 da Rua Nova da Trindade. arquitectos Alexandre Carvalho e Nuno Corte-Real.
Lisboa Contemporânea
A década de 1980 foi marcada pelo movimento
pós-moderno, que se afirmou através de uma lingua-
gem eclética e pluralista, rompendo com a unidade
programática do modernismo. Este termo, aplicado
essencialmente à arquitectura e ao design, englobou
também o conceito do historicismo, rejeitado pelo
movimento moderno.
A Lisboa actual ensaia novos conceitos e propos-
tas, ligando-se a materiais e tecnologias inovadores
numa arquitectura high tech, procurando também for-
mas de expressão em soluções tão radicais como o
desconstrutivismo.
Vários são os factores que se devem ter em consi-
deração, principalmente no que respeita ao património
integrado e envolvente, desde a preservação e recupe-
ração à integração no espaço. Várias são também as
opções formais defendidas, desde a intervenção histo-
ricista (em que o novo imita o antigo) à opção con-
temporânea (em que o novo se assume como reflexo da
época da sua construção). A cidade do século XXI
deve ser aquela em que o novo coexista harmoniosa-
mente com o antigo e em que este se adapte natural-
mente às necessidades dos seus ocupantes, sem detri-
mento da autenticidade do património integrado.
Terraços de Bragança – Rua do Alecrim / Rua das pela sobriedade e integração na métrica
António Maria Cardoso pombalina vizinha. O logradouro mantém o
Marco da arquitectura no Chiado do século XXI, declive topográfico assim como os vestígios de
o empreendimento denominado Terraços de um dos elementos urbanísticos mais significati-
Bragança tem a assinatura do arquitecto Álvaro vos do século XIV: a Cerca Fernandina. Ainda
Siza Vieira. também visível é a base da torre do Conde de
O grupo de cinco edifícios encontra-se separa- Vimioso. De forma a melhor preservar estes ves-
do por um logradouro para o qual dão as facha- tígios, os dois edifícios com a frente para a rua
das mais dinâmicas do conjunto, sendo as que António Maria Cardoso assentam em pilares,
acompanham o desenvolvimento da rua marca- integrando a cerca no conjunto.
Fotografias: Humberto Mouco – Divisão de Comu- DGEMN (2004) Edifício na Praça D. Pedro IV, n.ºs 21 67
nicação e Imagem; Artur Oliveira – TNSC (Tribuna e a 27 / Tabacaria Mónaco / Livraria Diário de
Salão Nobre do Teatro Nacional de São Carlos) Notícias / Café Nicola.
DGEMN (1996) Palácio Penafiel / Palácio do Correio-
Agradecimentos: Mor, Lisboa.
O autor agradece a colaboração das várias instituições DGEMN (2003) Teatro Nacional de São Carlos,
e empresas que permitiram o acesso aos espaços aqui retra- Lisboa.
tados, assim como a cedência de informações várias que DGEMN (2002) Teatro São Luís, Lisboa.
vieram enriquecer o presente estudo. FRANÇA José-Augusto (1999) 28 – Crónica de um
Percurso, Lisboa, (2ª ed.).
FRANÇA José-Augusto (1990) A Arte em Portugal no
Bibliografia Século XIX, vol. 1 e 2, Lisboa, (3ª ed.);
FRANÇA José-Augusto (1983) Lisboa Pombalina e o
AAVV (1994) Guia de Arquitectura Lisboa 94, Lisboa. Iluminismo, Lisboa.
AAVV (1987) Guia Urbanístico e Arquitectónico de FRANÇA José-Augusto, (1997) Lisboa: urbanismo e
Lisboa, Lisboa, AAP. arquitectura, Lisboa, (3ª ed.).
ALÇADA Margarida (2004), Ficha de Inventário, MIRANDA Sara (coord. de) (2002), Grupo Totta – Os
Monumentos n.º 21, Lisboa. Edifícios A Colecção Os Artistas, s.l.
ALMEIDA D. Fernando de (1975) Monumentos e MOITA Irisalva (coord. de) (1994), O livro de Lisboa,
Edifícios Notáveis do Distrito de Lisboa, vol. II, Lisboa.
Lisboa. PEREIRA Paulo (dir. de) (1997), História da Arte
ARAÚJO Norberto de, (s.d.) Peregrinações em Lisboa, Portuguesa, vol. III, s.l.
livro VI, XII e XIII, Lisboa, SANTANA Francisco, SUCENA Eduardo (dir. de)
CALADO Maria, FERREIRA Vítor Matias (1991) (1994) Dicionário da História de Lisboa, Lisboa.
Lisboa Freguesia dos Mártires, Lisboa. SEQUEIRA Gustavo Matos (1941) O Carmo
COSTA Mário (1987 ) O Chiado Pitoresco e Elegante, e a Trindade, vol. I, II e III, Lisboa.
Lisboa, (reedição). SILVA A. Vieira da (1987) A Cerca Fernandina
DGEMN (2004) Banco Totta & Açores, Lisboa. de Lisboa, vol. I e II, Lisboa (2ª ed.).
DGEMN (2001) Casa Havaneza, Lisboa.
2
A avaliação económica
e as perspectivas
de dinamização
das actividades comerciais
A Baixa Pombalina por sua vez, e três séculos mais tarde, a uma conju- 69
gação desta cidade mercantil e política, com a cidade
Análise sócio-económica industrial, burguesa – e liberal. Sem dúvida, a lisbo-
de um centro mercantil eta Baixa Pombalina, assim como o seu vizinho
Chiado, alicerçaram-se como excelente personifica-
europeu no início ção deste processo histórico, em grande medida
do século XXI europeu. Tal como a maioria das suas congéneres
João Seixas europeias, é no final do século XIX e na primeira
Centro de Estudos Territoriais – ISCTE
metade do século XX que a Baixa revela as suas mais
fortes dinâmicas, assumindo plenamente o seu lugar
de centro identitário, económico e cultural – afirma-
ção que se materializa sob múltiplas formas, desde a
presença dos níveis mais elevados da administração
pública e do empreendedorismo privado, até às mais
íntimas deambulações dos heterónimos pessoanos.
No entanto, e por alturas da década de 1950, base-
O lugar da Baixa ada não só no frágil processo português de indus-
trialização e de desenvolvimento económico, mas
Alcandorada, por séculos de afirmação histórica, a também num comércio ultramarino já com sinais de
um lugar cimeiro de representação política, social e regressão, a Baixa, dependente da sua própria socie-
de identidade, a Baixa de Lisboa representa-se hoje, dade, começará a sentir os primeiros tremores de
em múltiplos sentidos, numa posição central dos sen- decadência. Em 1970, Lefébvre referiria que o mundo
tires e das energias – da cidade, mas também, na ver- se encontrava num forte processo de “revolução
dade, de todo um país. urbana”, identificável numa mudança histórica,
Múltiplas razões estão na base dessa força polari- estrutural, afectando não só a configuração das cida-
zadora: em primeiro lugar, pela consolidação estru- des, como os seus próprios padrões e dinâmicas de
tural de um activo e pujante centro urbano político, evolução e de interdependências – internas e exter-
social e mercantil – o que revela, efectivamente, a nas. A “globalização do urbano”, conjugada com uma
condição essencialmente mediterrânica da cidade de manifesta falta de planeamento e estratégia (não só
Lisboa; em segundo lugar, pela grande projecção em termos da cidade de Lisboa, mas sobretudo, à sua
imaginária da resposta política e urbanística ao escala metropolitana), levará a pelo menos cinco
terramoto, resposta que se assume (não obstante a décadas de desestruturação territorial num “policen-
relativa escala portuguesa na inscrição histórica trismo orgânico”, não planeado, e conducente ao que
mundial) como um marco na afirmação iluminista hoje em dia tem sido comummente referido como “a
europeia do século XVIII, não só pelo arrojo do pro- metrópole difusa”.
jecto urbanístico, mas também pela sua forte interli- Com tais mudanças, e como é óbvio, a própria ima-
gação com uma vontade política e com os círculos gem e identidade da cidade surge alterada – incluin-
esclarecidos da época (França, 1962); em terceiro do os seus mais nobres lugares centrais. Esforçando-
lugar, enfim, pela própria (e fortíssima) significância -se com algum vigor, a Baixa deixou de ser, no entan-
do sentido de centro (como bem nos mostra to, o Central Business District (CBD) da cidade, não
Salgueiro, 2004), e a interligação desse sentido (uma para dar lugar a uma outra marcada zona (que, a
interligação centrípeta) com as dinâmicas espaciais, suceder, seria logicamente o lugar central da afirma-
temporais e afectivas de um território e de um povo. ção burguesa dos séculos XIX e XX – as Avenidas
A base histórica da cidade política, que convive Novas e o Saldanha), mas para assistir, sem reacção,
com a afirmação da cidade mercantil (para a Europa, a uma desconcentração múltipla das forças urbanas –
muito especialmente a partir do período de expansão muito nomeadamente nas últimas duas décadas do
da civilização europeia, desde o final da Idade Média século XX. O incêndio do Chiado, de 1988, torna-se
e o início dos impérios coloniais e da Renascença – o numa parábola real de tal declínio histórico.
que, para a Baixa, coincide com a instalação, na No entanto, e de uma forma aparentemente para-
Ribeira, do Paço Real de D. Manuel I), dará lugar, doxal perante a voragem dos tempos, neste início do
70 novo século, a Baixa e o Chiado, pelas suas caracte- período de maior crise – assumindo-se com esta
rísticas inerentes (incluindo, apesar do declínio, uma ideia, ao mesmo tempo – e sobretudo – uma postura
estrutura com forte impacto económico e identidade de evidente confiança na sua reafirmação próxima.
cultural), parecem deter excelentes condições para
uma reafirmação como centro urbano pleno de vigor.
Na verdade, e para além das suas características pró- Retrato sócio-demográfico
prias arquitecturais e urbanísticas – e de centro de
nível superior – de elevada qualidade, parecem con- No território urbano da Baixa/Chiado residiam, à
solidar-se outras motivações de cunho mais social, data de Março de 20011, 3269 indivíduos – ou seja,
tais como o próprio processo cultural e político de aproximadamente 0,6% da população total da cidade
revalorização dos centros históricos, para além do de Lisboa. Para uma área de cerca de 64 hectares,
entendimento progressivo (embora lento) da profun- situava-se assim numa densidade residencial de 51
da relevância dos valores da compacticidade, da pro- indivíduos por hectare – um nível abaixo da média da
ximidade – e da identidade. cidade de Lisboa (que, para a mesma época, se situa-
Este pequeno texto, ao efectuar uma breve análise va em 67 indivíduos por hectare). Estes simples
de alguns indicadores de base sócio-demográfica e dados mostram, em primeiro lugar, a vocação histó-
económica da Baixa/Chiado à data de 2001, apresen- rica da Baixa essencialmente associada a espaços de
ta o seu estado da arte num momento que poderá ter afirmação pública, económica e mercantil – e não
correspondido, grosso modo, à cristalização do seu tanto residencial.
Variação de residentes
População residente na área (em 2001): 3269 Indivíduos Taxa de variação da população residente (entre 1991 e 2001)
População residente na área (em 1991): 4272 Indivíduos Menos de 50% -15% a 0
-50% a -40% 0 a 15%
Taxa de variação da população residente (entre 1991 e 2001): -23,5% -40% a -30% Mais de 15%
-30% a -15%
Fonte: INE (Census 2001), tratamento CML
72 Com efeito, e pela análise da carta de variação de data do recenseamento, se 66% dos alojamentos de
residentes, não se descobre um padrão de cariz mar- residência permanente da Baixa/Chiado eram arren-
cadamente territorial, em relação à perda de residen- dados (um valor consideravelmente mais alto do que
tes – embora se começasse a verificar, de uma forma a média de Lisboa, de 48%), praticamente um terço
ténue, alguma nova ocupação na zona do Chiado. A destes apresentava uma renda mensal inferior a 60
perda de residentes esteve, assim, e para além da euros por mês.
perda de dinâmicas demográficas familiares, muito A constatação desta realidade é alicerçada numa
ligada aos processos de degradação do edificado e às simples análise das zonas com ganhos populacionais –
lógicas das expectativas imobiliárias, num mercado ligadas a alguns processos de reabilitação do edificado,
pautado por significativas perversões em relação às com respectiva correspondência em nova ocupação
cadeias de mais-valias a ele ligadas. Numa convivên- familiar. Não obstante estas zonas de ganho, no início
cia estranhamente próxima entre os espaços devolu- da nova década não se tinha ainda (de todo) atingido
tos e os espaços arrendados por antigos contratos, à uma dinâmica de efectiva revitalização residencial.
Novos lisboetas
População residente na área (em 2001): 3269 Indivíduos Impacto dos novos residentes
Novos residentes (indivíduos que em 31.12.1995 não residiam no Até 5% 25% a 40%
concelho de Lisboa): 408 indivíduos 5% a 9,42% Mais de 40%
9,42% a 15%
Impacto dos novos residentes: 12,5%
15% a 25%
População residente na área (em 2001): 3269 indivíduos Proporção de residentes com ensino superior
Alojamentos vagos
Total de alojamentos (em 2001): 2588 Proporção de alojamentos vagos (face ao total de alojamentos)
Total de alojamentos familiares vagos (em 2001): 966 Até 13,8% 50% - 65%
13,8 a 20% Mais de 65%
Proporção de alojamentos vagos: 37,2%
20% a 35%
35% - 50%
3 O Índice
de Vitalidade
Residencial
subdivide-se em dois
grupos: a
componente
demográfica (ou
humana), que inclui
indicadores como os
níveis de densidade
populacional, os
níveis de
rejuvenescimento, a
qualificação escolar e
a atractibilidade de
novos residentes;
e a componente do
edificado, que inclui
os níveis de
ocupação do parque
habitacional,
os níveis de
infra-estruturação
dos alojamentos,
o estado de
conservação dos
edifícios residenciais
e os níveis de renda
– efectivamente
passíveis de
responsabilizar
Score da componente humana (ranking) financeiramente os
proprietários para
os trabalhos
de conservação
Fonte: CML (2004) e manutenção.
76 Seria, evidentemente, bastante incorrecto anali- sas como do emprego. De referir que, por falta de
sar a Baixa como qualquer outro bairro da cidade – dados fiáveis, não se pôde, neste citado estudo, efectuar
profundamente distinto, pelas suas características a análise em sede dos empregos da Administração
tão marcadas de centro. Na verdade, será bem mais Pública o que, para o caso da Baixa, retira uma impor-
prioritária a análise em termos das mais distintas tante (mesmo vital) dimensão de diagnóstico. Ao
características que marcam um grande centro urba- mesmo tempo, este estudo, na sua subdivisão das áreas
no – ou seja, as dinâmicas económicas, comerciais, da cidade para diagnóstico prospectivo, considerou
culturais e da administração política e pública. No uma “mezzo-scala” (as chamadas “zonas de aglomera-
entanto, na reflexão – e correspondente acção – ção”), o que, para o caso da Baixa, a incluiu num terri-
sobre as formas de revitalização urbana necessárias, tório mais alargado, que vai, a Oriente, da colina do
surgem cada vez mais desenvolvidos e consolidados Castelo até São Bento, a Ocidente.
alguns novos paradigmas – nomeadamente o para- Não obstante isso (e tomando estas ressalvas em
digma da multifuncionalidade. Neste sentido, a pro- consideração), pela análise das duas próximas cartas,
jecção da Baixa/Chiado como também uma área podem retirar-se importantes ilações:
urbana de residencialidade (o que implica determi- ● que esta zona histórica alargada (onde a Baixa
nadas opções, bem distintas de uma visão mais e o Chiado estão incluídos) continuava a ser
monofuncionalista) surge-nos como essencial para a (no ano de 2001) uma das principais áreas
sua efectiva afirmação. polarizadoras das dinâmicas económicas da
cidade (juntamente com as zonas das Avenidas
Novas e do Areeiro/Alvalade, apresentando
Retrato económico cada um destes territórios mais de 10% dos
estabelecimentos de toda a cidade);
Para a Baixa, dadas as suas características estrutu- ● mas que, porém, se apresentava como a zona
rais, e não obstante os objectivos de uma relativa mul- com maior perda de postos de emprego duran-
tifuncionalidade, será ao nível das dinâmicas económi- te a década de 1990 (aproximadamente 25% de
cas e administrativas que se deve ter um olhar mais perda, face a 1991). Na verdade, como ainda
atento. Na verdade, e de acordo com um dos recentes recentemente referiu Salgueiro (2004), “o cen-
estudos editados pela Câmara Municipal (CML, tro empresarial e financeiro já não está nesta
2004b), as características de desconcentração da Baixa área e, mesmo em termos comerciais, ela dei-
têm-se também feito sentir tanto ao nível das empre- xou de ser o centro de Lisboa”.
Fonte: CML (2004) – proveniente dos dados dos Quadros de Pessoal (MTSS).
Fonte: CML (2004) – proveniente dos dados dos Quadros de Pessoal (MTSS).
78 Apesar desta evolução – que espelha, mais uma emprego ligado à economia de base de conhecimento
vez, o forte carácter descentralizador das dinâmicas avançado5. Na verdade, e listando todas as 20 dife-
de ocupação espacial dos anos 1990, a Baixa conti- rentes zonas da cidade de Lisboa analisadas no cita-
nuava a deter (em 2001) um importante pendor nas do estudo, a Baixa apresentava o penúltimo lugar ao
áreas dos serviços financeiros, dos seguros e das nível do emprego na EBC avançada – indicador que
comunicações, estatuto que a colocava a um bom demonstra liminarmente a perigosa obsolescência
nível no respeitante aos postos de emprego ligados à dos sectores económicos do ex-CBD. Claramente, é
economia baseada no conhecimento (EBC)4. No por esta vertente, da qualificação do emprego e das
entanto, e apesar desta ligação aos sectores mais ter- dinâmicas económicas, que passa uma das dimensões
ciários, não seria na Baixa que se encontravam sede- de reflexão e de actuação mais profunda, perante os
ados muitos empregos com as mais elevadas qualifi- objectivos de reestruturação das dinâmicas de alto
cações – como se pode verificar na percentagem de valor e de qualificação elevada desejados.
4 O conceito de
‘Economia Baseada
no Conhecimento’
(EBC) foi
desenvolvido a
partir dos finais da
década de 1980, e
inspirou a chamada
‘Estratégia de
Lisboa’, em termos
dos objectivos da
União Europeia no
desenvolvimento das
suas estratégias de
médio e longo prazo.
Neste sentido, o
emprego da EBC
refere-se ao emprego
nas indústrias de
maior intensidade
tecnológica e nos
serviços intensivos Fonte: CML (2004) – proveniente dos dados dos Quadros de Pessoal (MTSS).
em informação e no
conhecimento
(CML, 2004b).
5 A EBC
avançada
refere-se,
nomeadamente,
às indústrias de alta
tecnologia e aos
serviços
avançados
prestados às
empresas – como
nas áreas da
investigação e
desenvolvimento,
dos serviços
informáticos
e conexos, da
engenharia
(projectos
e qualidade),
da gestão
(consultoria)
e do marketing
(CML, 2004b).
No estudo foi também desenvolvido um indicador considerada positiva). Em segundo lugar, surge aqui 79
composto de competitividade urbana, que se subdivi- bem patente a “provável” posição da Baixa6 perante
diu em duas vertentes de base: a vertente de popula- as diferentes zonas da cidade. Se, como vimos, em
ção/consumo e a vertente de emprego/valor – cada termos de alguns sectores, a Baixa mantém um vigor
uma delas constituída por diversos indicadores de e um dinamismo próximo do topo, noutros indicado-
performance sócio-económica. O comportamento das res (como os ligados às cadeias de valor de maior
diferentes zonas de aglomeração da cidade pode ser futuro) a situação apresenta-se bem mais frágil.
observado no gráfico espectral junto. Assim, se no emprego e na criação de valor, a Baixa
Em primeiro lugar, observa-se que a Baixa (na se situava num quinto nível; ao nível da população,
configuração mais larga que aqui lhe foi dada, repeti- mas muito especialmente devido aos níveis de consu-
mos) demonstra um interessante equilíbrio nas duas mo, colocava-se num nível só ultrapassado pela zona
componentes da competitividade urbana considera- da Avenida da Liberdade – onde, efectivamente, se
das (característica que, em termos gerais, e num sen- têm instalado a maioria dos estabelecimentos comer-
tido da tão procurada multifuncionalidade, pode ser ciais de classe superior.
6 Provável
porque, como acima
referido, não se
puderam incluir,
nomeadamente,
os dados estatísticos
referentes
à administração
pública – que, pela
seu relevância na
Baixa, poderiam ter,
eventualmente, um
nível acima da média
da cidade, mas que
por outro lado,
poderiam levar a
valores mais baixos
dos índices globais,
devido a prováveis
níveis de formação
Fonte: CML (2004) – Proveniente dos censos 2001 (INE) e dos dados dos Quadros de Pessoal (MTSS) e de EBC, abaixo da
média lisboeta.
80 Algumas considerações finais Uma efectiva (e permanente) dinâmica de reabilita-
ção e conservação urbana para a Baixa-Chiado, pressu-
A afirmação da Baixa Pombalina e do Chiado como põe um grande e directo empenho pelos seus valores
um grande centro dinâmico e identitário da cidade de de centralidade sócio-económica e identitária. Tal
Lisboa deve tomar como base as suas especificidades motivação, podendo ser apelidada de cultural, sê-lo-á
próprias, como centro urbano de primeira relevância, verdadeiramente num sentido weberiano (mais ligado
e deve ser integrada numa estratégia global baseada aos dinamismos sociais), e só crescerá mediante uma
num policentrismo planeado e activo – quer em ter- efectiva ocupação funcional dos múltiplos espaços exis-
mos da cidade, quer em termos da metrópole. tentes – incluindo a apropriação dos espaços públicos.
Tal afirmação deverá ser projectada, no nosso Uma ocupação funcional que gere as mais-valias pró-
entender, por três grandes vectores de valorização: prias de um grande centro – e que, suportando com
● em primeiro lugar, por um activo trabalho na desafogo os seus encargos, gere postos de trabalho de
atracção de dinâmicas económicas e criativas de exigência, qualificando assim, por sua vez, as próprias
alta qualificação – matéria sob a qual, provavel- dinâmicas comerciais das áreas envolventes.
mente, se instala o maior paradoxo da Baixa: Tais mais-valias, sendo tanto económicas como
com excelentes condições para um activo centro sociais, culturais e identitárias, referem-se quer às
de saber e de futuro mas com um ranking (em dinâmicas privadas, quer às estruturas públicas e de
2001) de penúltimo lugar em termos do empre- governo, tanto para os distintos proprietários como
go baseado nas economias avançadas e do para os múltiplos “consumidores”, tanto para um
conhecimento. Refira-se, a este propósito, que a nível colectivo como individual. Daí a extrema rele-
reabilitação e a promoção dos espaços urbanos, vância de se pensarem os processos de reabilitação
em termos das desejadas actividades quali- num contexto mais alargado de revitalização urbana,
ficadas, devem incluir, como é evidente, institui- incluindo a económica, e, no caso dos espaços dedica-
ções de qualidade da administração pública e dos às actividades, com base numa estratégia de inte-
política do Estado, reforçando assim o carácter gração da ocupação espacial por dinâmicas que façam
mais nobre e identitário do lugar; parte das cadeias de valor acrescentado mais contem-
● em segundo lugar, por um trabalho na promoção porâneas, nestes novos cenários de globalização eco-
da multifuncionalidade a escalas mais pequenas – nómica, de sociedade de conhecimento e de valoriza-
o que implica uma mais próxima coexistência das ção da qualidade de vida e do ambiente urbano. Isto é,
actividades económicas com as actividades cul- valorizar a ocupação por sectores da chamada econo-
turais e com os novos espaços de residencia- mia baseada no conhecimento – de onde provêm
lidade. Na verdade, se os maiores riscos surgem seguras e estruturais mais-valias, e onde, curiosamen-
representados pelo contínuo esvaziamento das te, se tocam valores tradicionais e históricos da Baixa,
dinâmicas económicas e administrativas, é tam- em termos dos órgãos de Governo e da Administra-
bém na área da residencialidade que se deve pro- ção Pública, nas instituições bancárias e financeiras,
mover a qualificação e efectiva ocupação. nas empresas comerciais e mercantis, nas dinâmicas
● finalmente, por uma efectiva acção no sentido de conhecimento, de formação e de cultura.
da reabilitação do edificado, o que inclui tam- É neste sentido, mais estrutural, que afirmamos
bém a requalificação das dimensões envolven- que a reabilitação urbana deste início do século deve
tes da valorização da qualidade de vida (os ser entendida como uma parte, apenas, de um pro-
espaços públicos e o estacionamento, nomea- cesso bem mais amplo, onde as maiores tónicas se
damente). Qualidade de vida, leia-se, para os irão situar, certamente, nas negociações e nos esfor-
distintos grupos sociais “apropriadores” da ços conjuntos dos distintos actores envolventes nos
Baixa: os empregados, os empresários, os resi- mais diferentes projectos (como já sugeria Guerra
dentes, os consumidores, os turistas. Será vital em 1999). Alicerçando, de novo, aquela que sempre
a capacidade de resolução processual eficaz foi a mais nobre característica das grandes cidades de
das questões do foro fundiário – matéria sobre cariz mercantil e mediterrânico: a promoção da troca
a qual a recém-criada Sociedade de Reabi- de saberes e de ideias e o dinamismo da negociação e
litação Urbana (SRU) deverá actuar activa- da concertação entre os mais diferentes intervenien-
mente; tes – para, no fundo, o bem de todos.
Referências bibliográficas GUERRA I. (1999) A Baixa Pombalina – Diagnóstico, 81
Prospectiva e Estratégia de Actores, Celta Editora,
CML (2004a) Diagnóstico Sócio-urbanístico da Cidade Oeiras.
de Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa. LEFÉBVRE H. (1970) La Révolution Urbaine,
CML (2004b) Desenvolvimento Económico e Editions Gallimard, Paris.
Competitividade Urbana de Lisboa, Câmara Municipal SALGUEIRO T. (2004) Da Baixa aos Centros
de Lisboa. Comerciais: in Monumentos – Revista Semestral
FRANÇA J. (1962) Lisboa Pombalina e o Iluminismo, de Edifícios e Monumentos, Nº. 21 – Direcção Geral
Bertrand, Lisboa (edição de 1987). dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Lisboa.
Revitalização do A modernização prosseguiu nos anos 1960 83
(alguns dos primeiros supermercados surgiram na
comércio tradicional Baixa) e, na década seguinte, com os centros comer-
e coexistência com ciais (de dimensões modestas e privilegiando a pro-
novas actividades ximidade das estações de metropolitano). No entan-
to, estes, sem capacidade para competir com a Baixa,
comerciais na Baixa não estimularam alterações físicas e funcionais nos
Pombalina seus estabelecimentos, começando a ser perceptíveis
Margarida Pereira, eGeo sinais de clivagem entre a oferta proporcionada e as
Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional, expectativas da procura.
Universidade Nova de Lisboa, Consultora da DMAE A tímida mudança do aparelho comercial, inter-
José Afonso Teixeira, eGeo rompida em 1974, foi retomada com consistência na
Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional, segunda metade dos anos 1980, diversificando-se a
Universidade Nova de Lisboa, Consultor da DMAE oferta e acentuando-se a concorrência entre espaços
Maria Fernanda Cruzeiro, de comércio. Primeiro surgiram os hipermercados
Consultora da DMAE
com galerias de comércio especializado, sem reper-
cussão na Baixa; depois ocorreu um período de maior
dinamismo, indutor de transformações estruturais da
rede comercial da cidade e da área metropolitana:
● em Lisboa emergiram e/ou consolidaram-se
rio metropolitano, retirou progressivamente clien- inerente ao carácter residual da função resi-
tela ao centro tradicional de comércio. O comércio dencial;
da Baixa atravessou, então, um período de declínio, ● domínio do sector não alimentar (96,8%), com
com efeitos negativos na própria animação do cen- os artigos de vestuário em primeiro plano, seja
tro da cidade. Esta circunstância alertou os vários em número de unidades (29,9%), superfície de
actores – autarquia, associações comerciais e exposição e venda (39,2%) ou pessoal ao servi-
empresários – para a necessidade premente de de- ço (33,0%); o conjunto dos artigos de uso pes-
sencadear estratégias de recuperação. É neste qua- soal, com cerca de 45% nas três variáveis consi-
dro de competitividade crescente que a Baixa deradas, evidencia a forte especialização;
começa a procurar caminhos de requalificação e de ● importância da cultura e lazer, com 17,5% das
Artigos de vestuário 248 28,8 26216 39,2 105,7 1534 33,3 6,2
Sapatarias/malas/artigos de pele 83 9,6 3791 5,7 45,7 431 9,3 5,2
Outros artigos de uso pessoal 46 5,3 1305 1,9 28,4 168 3,6 3,7
Equipamento para o lar 66 7,7 8789 13,1 133,2 433 9,4 6,6
Saúde e higiene 76 8,8 4259 6,4 56,0 418 9,1 5,5
Cultura e lazer 151 17,5 9926 14,8 65,7 751 16,3 5,0
Ourivesaria/relojoaria 68 7,9 1922 2,9 28,3 247 5,4 3,6
Outros diversos 85 9,9 3805 5,7 44,8 299 6,5 3,5
Não especializado 12 1,4 4782 7,1 398,5 133 2,9 11,1
Subtotal não alimentar 835 97,0 64795 96,8 77,6 4414 95,7 5,3
passa o quadro numérico quer pela capacidade de sapataria (48), bijutaria (24), artigos de via-
atracção que a caracteriza, quer pelas sinergias gem/marroquinaria (22);
decorrentes da coexistência e interacção com as ● cultura/lazer – tabacaria (49), papelaria (18),
taurantes e cafés/pastelarias – verifica-se a prepon- ● saúde e higiene – perfumaria (23), óptica (17),
derância dos primeiros, com cerca de 2/3 dos estabe- farmácia (13);
lecimentos, da superfície ocupada e do pessoal. Em ● restauração – restaurante (132), café/ pastela-
Fonte: CML/DMAE, Recenseamento dos Estabelecimentos Similares dos Hoteleiros, Dez. 2004.
86 número de estabelecimentos de comércio e restaura- ● nível IV (10 a 19 unidades) – ruas do Crucifixo
ção por ruas, distinguem-se diferentes níveis que (18), da Assunção (17), do Arco do Marquês de
integram por ordem decrescente os seguintes eixos Alegrete (17), Calçada do Carmo (14) e Rua
(Quadro 3): João das Regras (11).
● nível I (mais de 80 unidades) – ruas dos
Fanqueiros (107), Prata (102), Augusta (86) e Da análise por ramos de actividade, ainda na ver-
Carmo (84); tente espacial, a tendência quase generalizada para a
● nível II (40 a 80 unidades) – ruas da Madalena dispersão coexiste com concentrações que potenciam
(66), do Ouro (65), de Santa Justa (45), dos a visibilidade da Baixa e a sua especificidade no con-
Correeiros (44) e praças D. Pedro IV (53) e da texto da cidade. Entre estas, destacam-se:
Figueira (49); ● artigos de vestuário – ruas dos Fanqueiros
● nível III (20 a 40 unidades) – ruas Nova do (52), Augusta (40), da Prata (30) e do Carmo
Almada (32), da Conceição (31), 1º de (26);
Dezembro (28), dos Douradores (25), dos ● sapatarias e artigos de pele – ruas Augusta
Sapateiros (25), de São Nicolau (25), da Vitória (15), do Carmo (13) e de Santa Justa (11);
( 21), do Arsenal (20); ● retrosarias – Rua da Conceição (11);
1º DEZEMBRO
R. JOÃO REGRAS
R. DOURADORES
R. CORREEIROS
R. FANQUEIROS
P. D. PEDRO IV
R. SAPATEIROS
R. CONCEIÇÃO
R. S. NICOLAU
R. STA. JUSTA
R. MADALENA
OUTRAS RUAS
R. CRUXIFIXO
R. ASSUNÇÃO
R. AUGUSTA
P. FIGUEIRA
R. ARSENAL
CÇ. CARMO
R. VITÓRIA
R. CARMO
R. PRATA
R. OURO
TOTAL
R.
SECTOR ALIMENTAR
Especializado 1 – 1 – 3 – 1 – 1 – – – – – – – – 1 – – – – – 2 10
Não especializado – 1 1 – 1 – – 2 – 2 – – 1 – 1 – – 4 1 – – – – 2 16
Subtotal 1 1 2 – 4 – 1 2 1 2 – – 1 – 1 – – 5 1 – – – – 4 26
SECTOR NÃO ALIMENTAR
Pronto-a-vestir 52 30 40 26 3 15 14 16 9 1 10 2 1 1 - 5 6 1 2 – 4 1 1 8 248
Cultura e lazer 4 8 8 9 8 13 14 8 6 6 11 2 4 4 2 7 6 2 4 1 3 4 3 14 151
Saúde e higiene 4 11 4 8 14 5 3 3 6 – 1 1 4 - – 2 2 2 – 1 1 1 1 2 76
Sapatos/malas/peles 5 8 15 13 – 3 – 4 11 1 2 7 – – – – 1 – 2 2 1 2 6 83
Equipamento do lar 15 6 1 5 4 2 1 3 1 2 3 - – 2 1 3 3 1 – 2 2 – 1 8 66
Ourivesaria/relojoaria 2 14 4 2 1 20 2 3 1 1 – - – 1 3 2 – – – 4 – – 1 7 68
Outros artigos pessoais 4 6 2 4 1 1 3 2 2 – – 12 3 – 1 – – – 1 2 – – 2 46
Outros diversos 5 5 5 4 16 2 7 3 2 3 2 1 2 3 2 4 1 2 1 1 1 2 2 9 85
Não especializado 7 – – – 1 – – – – – – – - – – – – 1 – 2 1 – – – 12
Subtotal 98 88 79 71 48 61 44 42 38 14 27 20 21 11 9 23 18 10 7 14 16 9 11 56 835
Reparações 2 – – – – – – – 1 1 – 1 – 2 – – – – 1 – – – – – 8
Subtotal 2 – – – – – – – 1 1 – 1 – 2 – – – – 1 – – – – – 8
Restaurantes 2 6 3 11 8 – 3 3 3 26 2 5 4 10 12 1 3 3 4 3 1 4 – 15 132
Cafés/pastelarias 4 7 2 2 5 4 5 2 2 1 3 5 2 2 3 1 - 2 5 – – 1 – 10 68
Subtotal 6 13 5 13 13 4 8 5 5 27 5 10 6 12 15 2 3 5 9 3 1 5 – 25 200
TOTAL 107 102 86 84 65 65 53 49 45 44 32 31 28 25 25 25 21 20 18 17 17 14 11 85 1069
Praça Figueira 43 44 13 6 -
Rua dos Correeiros 25 16 14 4 -
Rua de Santa Justa 41 39 26 13 -
Rua Nova do Almada 16 27 8 13 9 Warehouse; Fotocolor; Pepejeans; Gas; Looking for Love;
Diesel; Yorn; Roof; Coimbra Editora
Rua da Vitória 18 18 11 6 -
Rua do Arsenal 14 15 7 2 1 Farmarosa
Rua do Crucifixo 10 8 5 3 -
Rua do Arco
do Marquês de Alegrete 4 14 1 11 -
Rua da Assunção 21 16 10 3 1 Lune Blue
Calçada do Carmo 15 9 12 4
Rua João das Regras 15 11 6 1 -
Outras 115 58 79 8 4 Godiva; Dinlar: Geoshop; Instanta
Duas zonas... duas reflexões. ção dos interiores da Farmácia Liberal in situ (agora
Rossio e Chiado transladados para o Museu da Farmácia e transfor-
mados em memória estática) ou o desaparecimento
Comecemos pelo Rossio. Isto porque o Rossio, dos interiores da última mercearia da Avenida, que
além de ser um dos núcleos de vivência quotidiana da tinha sobrevivido com qualidade renovada até há
Baixa, o seu verdadeiro forum (o outro sendo o pouco tempo, transformada em loja de artigos turís-
Chiado), constitui também o espaço de transição ticos com critério – a Avenida de Liberdade tem
axial entre a Avenida da Liberdade e a Rua Augusta. assistido à abertura de estabelecimentos de qualida-
A Avenida da Liberdade, apesar da destruição sis- de internacional, que confirmam a sua vocação natu-
temática do edificado a que foi sujeita nas últimas ral. Depois da passagem por esse espaço intermediá-
décadas, deixando-nos um aglomerado de híbridos rio a que se chama Restauradores, e onde já resta
que convivem com os últimos testemunhos arquitec- muito pouco a não ser memórias residuais, como o
tónicos da cultura boulevard, mantém o seu carácter Éden ou o Palladium, chegamos ao Rossio.
precisamente pela qualidade do traço de Ressano Claro que o primeiro tema que nos vem à mente é
Garcia, do arvoredo que a confirma e que insere a sua o dos cafés do Rossio, mas, se formos por essa linha
variedade de fachadas e qualidades num todo. de reflexão, passando por nomes como o Martinho
Poderemos afirmar que, o seu preenchimento especu- do Rossio, do Café do Gelo, da Brasileira do Rossio,
lativo por Rosa Araújo e pela sua época, apesar da o Chave de Ouro, etc., a história será novamente de
escala e da visão urbanística concebida e tratada por destruição. Teremos de nos consolar com a excelen-
Ressano Garcia, nos deixou, desde o início, uma qua- te reconstituição do Nicola, que continua a ser o
lidade sofrível (muito longe da visão unificada de ícone de qualidade do Rossio, visitado por nacionais
Haussmann) e de uma variedade facilmente penetrá- e estrangeiros e contribuindo, como poucos, para o
vel pelos especuladores posteriores. Mas, apesar turismo cultural. É neste momento que convém
disto tudo, a Avenida da Liberdade tem conhecido, no comentar um profundo mistério. Por que é que num
que respeita ao comércio, uma evolução positiva. momento em que a Europa recria de raiz ou preser-
Pondo de parte os erros evitáveis – como a destrui- va apaixonadamente o conceito do grand café cosmo-
95
polita, nós por cá continuamos empenhados em des- ção da Confeitaria Nacional, agora alargada ao pri-
truir o autêntico que nos resta? Por que é que o espa- meiro andar, na Praça da Figueira. Terminamos as
ço do Café Portugal (modernista-Estado Novo), que observações sobre o Rossio com outro bom exemplo
ainda lá se encontra, foi transformado num armazém de recuperação, o caso da Joalharia Ferreira
de sapatos “baratuchos”? Por que é que a antiga mai- Marques, notável estabelecimento de época.
son de couture Ramiro Leão, que seria, com todo o seu Todos estes três casos positivos se devem à visão
interior Deuxième Empire, possivelmente contrastan- dos proprietários. Quando ela não existe, é possível
do-o com mobiliário contemporâneo, o grand café assistir-se à destruição, num ápice, de todo um inte-
ideal, confirmando a Bénard e obrigando finalmente rior, como no caso da Casa Chinesa (Rua do Ouro),
a Brasileira a qualificar o seu serviço, foi totalmente onde apenas resta a fachada para nos lembrar das
destruída? Voltando ao Rossio, é nele que se encon- glórias das rotas do comércio do chá e do café, ou no
tra um dos grandes interiores de Lisboa dos finais do caso da Antiga Casa Viana, na Rua da Prata, que fun-
século XIX, inícios do século XX. Grande na sua cionava no mesmo ramo. De relembrar a existência
qualidade e integridade da unidade patrimonial e ainda da Casa Pereira da Conceição, na Rua Augusta,
artística, pois na realidade trata-se de um pequeno último sobrevivente do ramo num país que ensinou a
espaço, para não dizer um corredor. Refiro-me à Inglaterra a beber chá na pessoa de Catarina de
Tabacaria Mónaco, completamente preservada mas a Bragança nas suas aventuras matrimoniais... Falando
necessitar de obras de conservação urgentes, nomea- de Londres, por que é que uma visita ao Fortnum &
damente no seu notável tecto. Merece reconhecimen- Mason ou ao food departament do Harrod’s constitui
to imediato... Duas outras histórias bastante positi- um must e é vista como um acontecimento cultural?
vas são a recuperação com critério das duas depen- Passemos agora ao Chiado. A grande tomada de
dências da Chapelaria Azevedo Rua e a boa recupera- consciência em relação ao Chiado surgiu através de
96
O problema da preservação
sintonizadas com a gestão urbana e a reabilitação
patrimonial e da manutenção urbana? Quantas “lojas dos trezentos“, com produtos
ou alteração da função medíocres, de origem asiática ou não, poderão ainda
Muitos dos estabelecimentos que temos vindo a surgir antes que o equilíbrio dessa imagem seja defi-
descrever devem a sua coerência e a sua preservação nitivamente afectado? O que procura o turista cultu-
ao facto de o estabelecimento ter transitado de gera- ral numa cidade, numa capital europeia com história?
ção em geração dentro da mesma família. Também, A resposta é: autenticidade. Aquilo que é único e
em muitos casos de aluguer, as quantias ainda não genuíno, oscilando entre tradições vernáculas/arte-
foram actualizadas em relação aos valores do merca- sanais e civilizacionais cosmopolitas.
do, o que viabiliza de forma frágil um ténue equilí- Portanto, a situação ideal é a de uma loja tradicio-
brio entre fracas receitas, crise generalizada e encar- nal onde o décor e a arquitectura estejam ainda em
gos em pessoal e impostos, temendo-se, nalguns unidade coerente com o ofício exercido. Um exem-
casos, o pior, com a actualização das rendas. plo: a Casa Vitorino de Sousa (fundada em 1921), que
Tudo isto fez instalar um clima de apreensão e constitui um verdadeiro exemplo do exercício de
profunda preocupação em relação ao futuro. Com uma grande arte e ofício de Portugal, ou seja a de
estas perspectivas sombrias, é caso para perguntar- correeiro e fabricante de selas, produtos portanto
mos: qual o futuro do comércio tradicional da Baixa, ligados a um outro produto (tal como o vinho) em
neste momento decisivo de transição entre avultados franco progresso de prestígio internacional e contri-
investimentos e desenvolvimento de estratégias nas buindo para contactos exteriores ao mais alto nível:
áreas da reabilitação urbana e repovoamento, numa o cavalo Lusitano e a arte portuguesa da equitação,
Baixa ainda desertificada no plano residencial e em cuja Alta Escola “Graciosa” constitui um digno
parte paralisada durante a noite, mas funcionando exemplo. Além disso, esta loja foi alvo de uma recu-
normalmente como city durante o dia? Qual a impor- peração coerente dos interiores e encontra-se na Rua
tância da presença de um comércio tradicional de dos Correeiros, mantendo-se fiel à tradição do local
qualidade, capaz de confirmar a sua imagem de capi- estipulado pelo Marquês.
tal europeia, com passado histórico, na perspectiva de Mas o grande desafio surge precisamente quando
um turismo de qualidade e cultural? Não terá o pla- esta unidade entre décor e actividade é rompida pelas
neamento comercial de definir estratégias comuns e circunstâncias, e a loja é adquirida para outra activi-
98
Fig.s 12 e 13 – Dois pormenores dos gabinetes de prova da Antiga Alfaiataria Rosado & Pires, Rua Augusta, 154 a 156.
Fig.s 14 – Interior da Antiga Alfaiataria Rosado & Pires, Rua Augusta, 154 a 156.
dade. Aí a preservação do património impõe-se com Benetton de instalar uma loja desta marca, desenvol-
uma estratégia sensível de adaptação da actividade às vendo simultaneamente um espaço cultural. Do
exigências determinadas pela riqueza e unidade pre- espaço cultural nunca mais se soube nada... Ficou-
sentes no local. -nos o resultado da alienação total de um dos mais
interessantes interiores de época criado para uma
Três exemplos função, através de um projecto redutor cheio de “áli-
bis” culturais que, pretendendo deixar “citações”, dei-
I – O estabelecimento Ramiro Leão, depois de ter xou apenas resíduos-referência completamente des-
sido desactivado como pequeno armazém de alta contextualizados, criando no espectador consciente
qualidade, especializado em artigos femininos (pou- uma estupefacção magoada, para não lhe chamar uma
cos se lembram da perfumaria), características para profunda indignação.
as quais a denominação internacional mais adequada
será a de maison de couture, passou por um período II – Na mesma zona, um pouco mais longe, entre
onde o seu espaço (então ainda) de alta qualidade o Chiado e as duas igrejas, encontrava-se a antiga
decorativa foi utilizado pelos armazéns do Conde Casa Leitão, joalheiro e ourives, fornecedor da Casa
Barão, num contraste doloroso. Depois de um perío- Real. O estabelecimento transitou para a Casa
do de decadência, o espaço ficou intacto nas suas Custódio Cardoso Pereira, especializada em instru-
características de base, mas suspenso, à espera de mentos musicais, mantendo intacto, na íntegra, o seu
uma solução ou de uma nova utilização. A solução notável interior. Mesmo ao lado encontrava-se um
parecia ter surgido, pelo menos para o anterior exe- pavilhão de vendas da firma Vista Alegre. Quando a
cutivo da CML, através da proposta da firma Casa Custódio Cardoso Pereira fechou as portas, a
Vista Alegre tomou o espaço e desenvolveu um pro- dos interiores e sucumbiu à visão do promotor, neste 99
jecto global. Considero o resultado obtido um dos caso má e errada. Os resultados estão à vista.
mais interessantes e conseguidos espaços comerciais Situação irreversível e perda irreparável.
de Lisboa. A fachada original, além de mantida, foi No segundo caso (Vista Alegre) a visão do pro-
“confirmada“, com a inserção de novos elementos motor era boa e garantida por um bom projecto de
completamente contextualizados, placas de mármore arquitectura de interiores. Como tudo se passou na
com lettering, nunca se afirmando pela ruptura. A mesma época e período, parece-nos que o mérito deve
fachada foi assim, de forma coerente e em unité de ser atribuído ao promotor e ao seu projecto de arqui-
style, prolongada até ao antigo pavilhão de vendas. No tectura.
espaço do antigo Custódio Cardoso Pereira proce- No terceiro caso (Irmãos David) o promotor foi
deu-se ao restauro dos tectos, de todos os móveis, “estimulado” pelo acto legal do decreto de embargo
aproveitando-se também alguns elementos da ilumi- emitido pela CML. Esta “pedagogia” foi confirmada
nação original, sendo eles tratados apenas como ele- pelo tribunal.
mentos decorativos pois as técnicas contemporâneas Mas será possível um verdadeiro diálogo, constru-
oferecem soluções muito interessantes, capazes de tivo desde o início, que vá ao encontro da necessida-
valorizar ainda mais a base patrimonial. No espaço de imperativa de preservar e conservar interiores
central que serve de transição para o novo espaço do históricos (os poucos que restam) quando, ou preci-
antigo pavilhão de vendas, manteve-se o magnífico samente quando, há mudança de ramo e de função?
antigo ladrilho – mosaico neopompeiano –, além de
elementos da arquitectura de interiores e tecto. No
novo espaço do antigo pavilhão de vendas desenvol- Um exemplo no presente.
veu-se uma arquitectura de interiores que embora Rumo a um futuro
nitidamente contemporânea nunca se afirma pelo conservacionista para
contraste em ruptura, mas que, pelo contrário, o comércio tradicional?
garante um equilíbrio simbiótico entre as duas lin-
guagens, afirmando o carácter de um espaço único. Passo a relatar um caso que decorre no preciso
Merecedor, sem dúvida, da atribuição de um prémio! momento em que escrevo...
A alfaiataria Rosado Pires, na Rua Augusta, man-
III – O terceiro caso passa-se precisamente nesta teve até hoje, miraculosamente, os seus interiores,
zona, ou seja ao lado da Brasileira e em frente do mobiliário e fachada intactos... Os seus deliciosos
Ramiro Leão. Trata-se do antigo estabelecimento gabinetes de prova no primeiro andar, dois em estilos
Irmãos David. Este espaço era ocupado por uma loja de revivalistas, império e neo-rococó, e os outros dois,
venda de tecidos antes de ter cessado a sua actividade. seguindo as características da época, algo à volta de
O interior encontrava-se intacto, tanto na perspectiva um estilo Liberty/Arts & Crafts, ainda lá estão, com
da sua arquitectura de interiores, como do mobiliário e tectos coerentes e tudo. Até o escondido espaço do
da fachada. Encontrava-se e encontra-se, devido à inter- escritório mantém o seu ambiente original, incluindo
venção imediata através do decreto de um embargo que o seu cofre neogótico. Ora sendo eu morador da
impediu a sua destruição, logo no início do actual man- Baixa, logo que me apercebi da possível mudança de
dato deste executivo da CML. Entretanto, este acto foi ramo, desenvolvi contactos com a Unidade de
confirmado por sentença do tribunal. Projecto Baixa-Chiado, que procedeu ao levantamen-
to exaustivo dos interiores, documentando em ima-
Antes de passarmos a algumas considerações gem todos os pormenores. Entretanto, e noutro pro-
finais convém reflectirmos sobre as circunstâncias jecto que está a ser desenvolvido com o Núcleo de
ilustradas por estes três casos. Estudos do Património da CML, já existia também
No primeiro caso (Ramiro Leão) existiu diálogo um dossier completo dos interiores deste estabeleci-
construtivo entre a CML e a entidade promotora, mento, quando ele ainda se encontrava em funciona-
mas a CML abdicou de exercer, através dos seus ins- mento. Existia portanto informação detalhada, capaz
trumentos legais (classificação da Baixa como Imóvel de fazer estabelecer um diálogo exigente de conser-
de Interesse Público, Inventário Municipal, protec- vação (Inventário Municipal, PDM) mas construtivo
ção garantida pelo PDM), a garantia da preservação com a entidade promotora. Houve desde o início, da
100 parte da CML, contactos com o IPPAR e reuniões truição de uma importante e insubstituível riqueza
em conjunto com a entidade promotora. Depois de de interiores, mas que também é necessário desen-
alguma hesitação apreensiva por parte dos novos volver um diálogo pedagógico e, com perseverança,
proprietários, que representam uma empresa de encontrar soluções em diálogo, onde ambas as partes,
renome internacional com actividade multinacional, sem abdicar do rigor, saem satisfeitas e convictas.
e de algum esforço retórico, passou-se rapidamente a A chave reside no desenvolvimento, e o ambiente e
outra fase de aceitação e entendimento onde a ideia o contexto da candidatura a Património Mundial da
da conservação passou a ser vista precisamente como Baixa Pombalina proporcionam essa oportunidade, de
uma mais-valia prestigiante para a própria imagem uma estratégia totalmente integrada entre a reabilita-
comercial, integrando a função e o produto neste ção urbana, a gestão urbana e o planeamento comer-
contexto. Todos os móveis originais vão ser manti- cial, conseguidos por um mediador com formação aca-
dos e as pequenas alterações exigidas vão ser com- démica histórica e qualidades retóricas e de diplomacia,
pletamente reversíveis. Além disso, o projecto de aliadas a uma convicção de que é possível fazer renas-
arquitectura de interiores prevê também, além do cer a Baixa e restaurar a sua função original. Uma city
restauro e grande cuidado com os materiais, um estu- completa e equilibrada entre actividades de trabalho e
do cromático detalhado, o restauro dos papéis de lazer, sustentada por uma forte função residencial e por
parede e o restauro da fachada. Este exemplo ilustra uma presença humana 24 horas por dia.
que uma mudança de função não implica uma des-
3 Estudos para
uma regulamentação
de salvaguarda
Uma proposta de verso de 530 edifícios, no qual se desprezaram 28 por 103
corresponderem a edifícios singulares ou por não
regulamento para estarem acessíveis.
a Baixa Pombalina Como acima se afirmou, o levantamento incidiu
Carla Ferreira Brito, Maria Clara Vieira, no fundamental sobre a fachada:
Cristina Alves Pereira, Isabel Amaro, ● a morfologia dos vãos, que contribui para a
cos considerados relevantes, e tentou-se identificar pava a zona do vale de confluência de duas ribeiras, 4 CUNHA LEAL
Joana (2004).
as actividades presentes e contabilizar a ocupação foi objecto de um planeamento urbanístico inovador Legitimação artística
e patrimonial da
dos fogos. (...) Todos os dados recolhidos foram desenvolvido por Manuel da Maia, no seguimento Baixa Pombalina.
introduzidos numa base de dados em Access, geo- do Plano de Reconstrução elaborado por Eugénio Um percurso pela
crítica e pel história
-referenciada, utilizando o código SIG adoptado pelo dos Santos. da arte portugueses,
Monumentos, 21;
INE e pela CML.”2 Para evitar as frequentes inundações a que até Direcção Geral dos
Edifícios e
A área de estudo foi a equivalente à definida no então a área estava sujeita, bem como para melhorar Monumentos
PDM em vigor como Área Histórica da Baixa, a articulação com as colinas marginais, reduzindo as Nacionais; Setembro
de 2004.
tendo-se excluído os prédios já abrangidos pelo pendentes, o nível do solo foi alteado em cerca de três
5 MOITINHO DE
Plano de Pormenor do Chiado, e constitui apenas metros5, com recurso ao entulho proveniente da ALMEIDA Isabel;
Caracterização
uma parte da área proposta para classificação pelo demolição das próprias ruínas. Este facto explica a Geológica da Baixa;
Comité Mundial do Património. Apresenta um uni- inexistência à superfície de construções anteriores ao ibidem, p. 155.
104 O processo construtivo adoptado foi eficaz.
Pretendia-se proceder rapidamente à reconstrução
desta área da cidade, mas tinha-se também como
objectivo conseguir níveis de conforto e de higiene
anteriormente inexistentes, pondo em prática as teo-
rias higienistas de Boerhave, difundidas por Ribeiro
Sanches. Mais do que isso: pretendia-se democratizar
esses níveis de conforto, estendendo a todas as casas
o que até então só existia nas mais ricas e modernas.
Para conseguir cumprir estes pressupostos, recor-
reu-se à produção seriada dos elementos de constru-
ção, particularmente relevante nos elementos de can-
taria e na azulejaria.
volanteiros.
terramoto de 1755, ressalvando situações pontuais, ● Rua Bela da Rainha (Rua da Prata) – ourives da
O traçado urbano das novas ruas e praças foi latoeiros, tendas e tabernas.
definido com base numa malha ortogonal hierarqui- ● Rua dos Correeiros – correeiros, seleiros e tor-
lização urbana. As ruas secundárias, que fazem a ● Rua da Conceição – mercadores de retrós.
nível, correm paralelas entre as principais como ● Rua da Assumpção – serigueiros de chapéus e
7 Ibidem, p. 39.
8 Onde actualmente
se encontra
o edifício da Pollux,
obra de renovação
construída sobre
o projecto de Keil
do Amaral.
106
Nº %
Planta 2 –
Localização de hotéis,
residenciais, pensões
e casas de hóspedes.
Lisboa 190311 240740 300964 351210 431738 484664 591939 694389 783226 802230 760150 807937 663394 556797
S. Nicolau 9903 8771 9153 8831 10428 6298 8305 5690 4244 3961 2165 2535 1448 1175
Planta 3
Tipologias de caixa de escadas.
15 Para efeitos
de uniformidade na
terminologia usada Fig. 14 – Exemplos
no inquérito foram
consideradas as de escada de tiro (Rua da
seguintes Conceição 51-61/Rua
características da Prata 52-66); escada
das diferentes
tipologias pombalina (Praça da
de caixas de Figueira, 12-12D; escada
escada : neoclássica (Rua da
Escada
pombalina – a Mdalena, 102-108/Rua das
caixa de escada Pedras Negras, 34-38); e
articula-se com o escada gaioleira (Rua da
átrio através de dois
arcos de cantaria Madalena, 146A-156).
lavrada. A escada é
de dois lanços, sem
bomba, com guarda Objectivos e metodologia
14,9% de gaioleiras, e 27,1% de escadas alteradas,
de alvenaria capeada
a madeira, na parte para a elaboração de um
sendo as restantes não visitadas ou de outras tipolo-
superior. É iluminada
por vãos praticados
Projecto de Regulamento gias15 (ver Planta 3).
nas fachadas. Não há
clarabóia. Escada Só 26,9% dos 141 edifícios com fachada e escada
neoclássica – a caixa
de escada é iluminada O objectivo deste Projecto de Regulamento con- pombalinas, na zona estudada, têm cobertura de
por clarabóia e tem
bomba com planta sistiu em propor normas destinadas a balizarem e acordo com os modelos constantes do Cartulário
quadrangular. As
escadas têm guarda
enformarem as intervenções no espaço público e no Pombalino ou não têm aproveitamento do desvão do
ainda de alvenaria tecido edificado, criando regras que permitam telhado. Os outros 103 edifícios que têm fachada e
ou em ferro forjado.
Escada gaioleira introduzir as imprescindíveis condições de confor- escada pombalinas, apresentam características exte-
– a caixa de escada é
precedida por um to e de segurança, mas que salvaguardem e conser- riores muito diversas ao nível dos últimos pisos e da
átrio amplo, dela
separado através de
vem os valores patrimoniais ou obriguem à sua cobertura, verificando-se em todos eles, o aproveita-
um único arco em reposição. mento do piso acima da cornija, com a introdução de
cantaria ou madeira
pintada. Existe uma A partir do universo analisado com o inquérito, pelo menos um piso de varanda corrida.
bomba de escada
com planta elíptica. concluiu-se que 83,7% das fachadas são pombalinas Os restantes edifícios foram classificados quanto à
A guarda, com
desenho
(este valor não contabiliza os edifícios da Praça do tipologia da fachada como neoclássicos, gaioleiros,
característico, é Comércio). Para o mesmo universo encontraram-se eclécticos, art-déco/modernistas e neopombalinos
quase sempre de
ferro fundido pintado. 27,3% de escadas pombalinas, 18,8% de neoclássicas, (Ver Planta 4).
115
Planta 4
Tipologias de fachadas.
Fig. 16 – Rua dos Fanqueiros, 243-249/Rua de Santa Justa, Fig. 17 – Rua da Assunção 34-40/Rua da Prata, 209-219.
48. Exemplo de edifício com fachada pombalina, cobertura e Exemplo de edifício de fachada pombalina,
caixa de escada neoclássicas. cobertura e escada gaioleira.
Fig. 18 – Exemplo de edifício com fachada ecléctica. Fig. 19 – Rua Augusta, 233-241/Rua dos Sapateiros, 174-178.
Exemplo de edifício com fachada modernista.
117
Fig. 21 – Exemplos
de azulejos de revestimento
de fachada. Rua dos
Douradores, 171-173;
Rua da Assunção, 34-40/
Rua da Prata, 209-219;
Rua da Conceição,
26-36/Rua dos
Fanqueiros, 73-85.
grandes e racionais escritórios e serviços e a necessi- a criação de amplos espaços interiores, bem como a
dade de inovar e de dotar os alçados de singularida- abertura de grandes vãos. A este período correspon-
de levaram ao aparecimento de novas tipologias dem os edifícios classificados como tipologias
arquitectónicas. A estrutura destes novos edifícios Ecléctica (15), Art Déco e Modernista (5).
recorreu à utilização dos novos materiais de constru- Já no final dos anos 1940, retomou-se a linguagem
ção, primeiro o aço e depois o betão, que permitiram pombalina, muitas vezes tão mal entendida, dando
118 Fig. 23 - Exemplos
de registo de azulejos
e de elementos decorativos:
Rua Nova do Almada n.º
45-57/Largo da Boa-Hora
n.º 5-11;
Rua do Comércio n.º 32-38;
Rua dos Fanqueiros n.º
142-150; Rua da Madalena
n.º 63-71/Rua de São
Julião n.º 24-36.
azo a alterações que descaracterizaram ou pontual- de aplicação. Inclui um artigo relativo a definições.
mente agrediram o conjunto (como por exemplo, Também se pretendeu assegurar a protecção dos
vários edifícios públicos junto à Rua do Comércio). valores patrimoniais existentes constituindo um pro-
Todas estas intervenções, algumas muito recentes, cesso de inventariação e de registo patrimonial de
foram classificadas como neopombalinas (22). inventário abertos, onde figurem todos os bens patri-
Foram igualmente dignos de registo os azulejos moniais conhecidos e onde se possam registar os que
quer de revestimento de fachada, quer os localizados posteriormente vierem a ser conhecidos16.
no átrio e caixa de escada, os arcos em pedra do átrio O Capítulo II, que trata do regime processual,
e as guardas das escadas. designadamente da instrução, apreciação, despacho
Foi cartografada a localização dos modelos das de processos e da fiscalização das obras, tendo em
molduras dos vãos do piso térreo de todos os edifí- vista um maior controlo das obras a efectuar e simul-
cios, bem como dos edifícios em que se observa pelo taneamente uma maior transparência no processo de
menos a alteração da moldura de um dos vãos relati- decisão.
vamente aos desenhos do Cartulário. Estes dados O Capítulo III, onde se expõem os princípios de
também foram contabilizados em quadros, o que intervenção no espaço público e no edificado
permite obter uma percepção das modas das oco- comuns a todas as situações, independentemente
rrências por arruamento (ver Plantas 5 e 6). das tipologias arquitectónicas e construtivas em
O arrastamento no tempo do processo de reconstru- presença. Propõem-se prescrições sobre o modo de
ção da Baixa, levou à coexistência de tipologias pomba- reabilitação de materiais antigos, tendo como objec-
linas e não pombalinas quer em construções feitas de tivo manter o que pode ser mantido e substituir por
raiz quer nas diferentes partes de um mesmo edifício. materiais idênticos o que não pode ser recuperado.
É ainda de realçar que este reconhecimento do Aborda-se ainda a compatibilidade dos usos com as
edificado permitiu alargar e dar coerência à proposta características físicas dos edifícios e dos espaços
de integração de novos itens no Inventário Municipal públicos.
16 Em anexo, do Património, actualmente em processo de revisão. No Capítulo IV enunciam-se as prescrições gerais
apresenta-se o
Inventário sobre as intervenções em elementos estruturais em
Municipal do
Património da Baixa,
coberturas, em vãos exteriores, nos acabamentos e
constituído
pela listagem,
Estrutura, conteúdos revestimentos exteriores e nas infra-estruturas e
descrição, registo
fotográfico e
e modos de aplicação redes. Tem como objectivo preservar os materiais
cartográfico dos
valores que, no
do Projecto de Regulamento primitivos e assegurar que os novos materiais e os
presente estado de
novos elementos estruturais sejam compatíveis com
conhecimento do os pré-existentes.
tecido da Baixa,
foram considerados Baseando-se nos resultados do inquérito, o No Capítulo V são enunciadas prescrições espe-
merecedores de o
integrarem e de que, Projecto de Regulamento foi organizado em cinco ciais para cada tipologia arquitectónica e construtiva:
ao longo de todo
o articulado do
capítulos: tipologia pombalina, tipologia neoclássica, tipologia
Projecto de O Capítulo I, que contém as disposições prelimi- gaioleira, tipologia ecléctica, tipologia Art Déco e
Regulamento, há
normativo relativo nares que estabelecem o enquadramento legal, o tipo modernista. Como se verificou a existência de ele-
às intervenções
nestes bens. de obras permitido, a delimitação da área e o método mentos de diversas tipologias num mesmo edifício,
Escada não visitada Escada em obra Escada não visitada Escada em obra
Edifício singular Tipologia Prç. do Comércio Edifício singular Tipologia Prç. do Comércio
Arco Arco/Recto Polígono/Recto Fachada alterada Arco Arco/Recto Polígono/Recto Fachada alterada
Arco/Polígono Polígono Recto Alteração total/parcial Arco/Polígono Polígono Recto Alteração total/parcial
Planta 5 – Caracterização da cantaria dos vãos do piso térreo. Planta 6 – Caracterização da cantaria dos vãos do piso térreo
(cont.). Alteração total ou parcial da cantaria dos vãos do piso
térreo.
técnicos militares em construções de paióis e de for- de 93 edifícios de habitação colectiva agrupada, 3 Surge o nome de
Amador Patricio de
tificações assentes em terrenos situados nas mar- construídos primitivamente com o Sistema Lisboa como
gens de rios. Pombalino, (15 dos quais durante intervenções de pseudónimo de
Cândido Lusitano,
A prática de séculos de construção naval em demolição interior), procurou-se obter dados que que por sua vez seria
o nome de baptismo
Portugal proporcionou um saber indispensável à arte permitissem: iniciático do Padre
Francisco José
de carpintaria deliciosamente evidenciado nos ele- ● desenhos de conjunto e de pormenorização
Freire.
mentos de madeira que compõem o Sistema. construtiva de reconstituição do Sistema ori- 4 Regia Officina
Não existem elementos escritos ou desenhados, à ginal; Sylviana e da
Academia Real, 1757
semelhança do verificado para o interior dos fogos, ● elaborar um quadro de elementos construtivos - Lisboa.
que de maneira rigorosa descrevam os diferentes ele- principais existentes, não apenas dos primiti- 5 PEREIRA de
mentos e processos utilizados para a construção dos vos, mas também dos elementos e sistemas SOUSA Francisco
Luis, O terramoto
edifícios pombalinos. executados posteriormente, permitindo esta- do 1º de Novembro de
1755 em Portugal e
Para além das descrições muito gerais efectua- belecer uma cronologia das intervenções. um estudo
Demográfico, Lisboa,
das no decurso das dissertações de Manuel da Serviços Geológicos,
Maia, no texto do Plano de 1758 1 , ou nas O número final total de levantamentos foi de 152, Tipografia do
Comercio, 1919, p.
“Memórias”2 de Amador Patrício de Lisboa3 não executados ao longo de 8 anos, tornando possível a 783 v III.
são conhecidas normas, publicadas na época, que observação evolutiva de algumas alterações. 6 VIEIRA DA
SILVA, Dispersos
pudessem iniciar os agentes de construção ao Todavia, e para o trabalho em apreço, apenas se n.p., p. 315.
Sistema. apresentam as conclusões relativas a paredes.
122 As paredes resistentes As madeiras identificadas foram as de Quercus
(de frontal) pedunculata (carvalho pedunculado), Castanea sativa
(castanheiro), Quercus suber (sobreiro) e Quercus ilex
As paredes de frontal são elementos verticais (azinho), em prumos de secção 13x15 cm e travessas
resistentes, em taipa de saibro argiloso, cal e inertes com 10x13 (medidas aproximadas).
(pedra e tijolo), cofrados com taipais de madeira dos Todavia também foram detectadas madeiras não
dois lados, incluindo junto ao paramento interior, no introduzidas nessa época na mata portuguesa, como é o
caso de paredes exteriores, e a meio, no caso de pare- caso da Larix decidua (Láride da Europa), ou do Pinus
des interiores, uma estrutura de madeira autoportan- sylvestris nórdico (pinheiro bravo do Norte da Europa).
te e solidária com os restantes elementos estruturais A massa da taipa de cal utilizada era preparada
do mesmo tipo. Distribuem as cargas que colectam previamente em obra em caldeiras. Sobrepondo cama-
da restante estrutura de madeira do edifício a fre- das alternadas (20 a 30 cm de espessura) de saibro
chais, que melhor as uniformizam, transmitindo-as a (areia argilosa amarela-avermelhada) e de cal em
elementos mais rígidos em pedra que, por sua vez, as pedra adicionada de pequenas barras de sebo, passa-
encaminham até às fundações. va-se à rega por cima de cada camada de saibro com a
O madeiramento de frontal é travado horizon- água necessária à extinção da cal por fusão. Obtinha-
talmente pela própria alvenaria, evitando a sua se, passados 3-4 dias, uma massa que, após curada,
flambagem. possuía propriedades hidrófugas consideráveis.
ras. Eram dispostos os prumos, as travessas (traves- oblíquos (escoras), da estrutura intersectante
sanhos), as escoras, as vergas (auxiliadas com bone- descarregavam nos prumos já existentes na
cas quando o vão excedia 1,5 m) e os pendurais. A fim estrutura intersectada.
Os paramentos
das paredes interiores
Fig. 14 – Exemplos de cornijas. O revestimento dos tabiques era frequentemente
executado com um tabuado de forro de madeira
macheada, ou emboçada, depois esboçada e rebocada.
Os revestimentos e acabamentos Noutros casos, era aplicado um revestimento final de
de paramentos interiores estuque de gesso, ou de estuque de pó de pedra12.
em paredes exteriores Em cozinhas, caixas de escadas, ou em outros lam-
bris interiores, era utilizado o azulejo policromático
Estes paramentos seriam simplesmente reboca- em painéis decorativos ou simplesmente branco. Em
dos. Como já referido, a estrutura de madeira ficaria rodapés e guarda-chapins era comum o recurso a
o mais próximo possível da face interior da parede. chacotas esponjadas não vidradas.
Contra o que seria de esperar, não se detectaram fas-
quiados que permitissem uma melhor aderência das
massas de revestimento às superfícies de madeira.
A espessura deste recobrimento pelo interior da
estrutura de madeira foi aumentando com a evolução
do Sistema.
Na ocorrência de um sismo, a alvenaria deveria 11 É frequente
constatar que nos
destacar-se da estrutura de madeira, sem a arras- edifícios pombalinos
tar, permitindo aos utentes que ficassem no seu a alvenaria
ultrapassa o plano
interior sofrer o mínimo com o colapso das alve- definido pela face da
estrutura de madeira
narias. Tal situação seria dificultada caso a estrutu- voltada para
o interior
ra de madeira ficasse recoberta com grande espes- do compartimento.
sura de argamassa. 12 O gesso, não
Por outro lado, conhecia-se empiricamente que a muito corrente, teria
sido substituído no
madeira tem capacidade calorífica e índices de higros- início por pó de
pedra, ao qual se
copidade diferentes das massas envolventes. As águas adicionava
de infiltração de origem superficial que por fenómenos Fig. 15 – Exemplo de lambril de caixa de escada. um elemento
colóide, tal como
de condensação, ou por tensões diferenciais de vapor de cola de peixe.
128 As madeiras, quando empregues como revesti- do pela sua instabilidade e pouca durabilidade não foi
mento, seriam sempre pintadas com tintas longas detectado em nenhum dos edifícios estudados.16
de base oleosa. O acabamento em madeiras, para As massas de recobrimento das estruturas de
além do aspecto estético, assumia o papel de pro- suporte do tabique eram, massas brandas. O fasquia-
tecção. do desempenhava uma função de travamento do des-
A madeira empregue era convenientemente seca. lizamento destas massas. Quase sempre com secção
Embora já se usassem estufas, a tecnologia da época em meia cana, as fasquias eram pregadas com a face
não permitia ainda os processos de autoclave. Por de corte voltada para o exterior.
13 Embora a isso, a madeira desfiada era secada naturalmente ao A primeira camada de espessura de recobrimento
estratificação de ar, para evitar empenos posteriores. do fasquiado era o denominado emboço pardo, cons-
elementos mais
antigos corresponda Os elementos de revestimento em madeira mais tituído por “areia branca, e viva17, que ha de ter o
à sequência
betumagem-aparelho-
antigos que foram detectados pelo levantamento graõ gordo da Penha de França ou do Alfeite, tirada
-tinta, é difícil, pelos eram invariavelmente do cerne e praticamente sem da veia e naõ da praya falgadiça, mifturada com
meios de análise
disponibilizados, nós visíveis, sinal evidente do cuidado na selecção do rolão do pó de pedra, péga bem na madeira, e faz boa
recusar a possibilida-
de mais correcta, que material empregue. maça com baftante cortimento, e cal baftante: he
seria uma demão
diluída de aparelho,
A madeira seria preparada com betumes de cré e muito forte, e duravel18”. Sobre a superfície irregu-
para puxar os veios óleo de linhaça13 e depois aparelhada com as chama- lar assim obtida, era aplicada uma nova camada
da madeira, antes da
betumagem. das fezes de ouro14. Depois de seca, seria acabada menos espessa, com percentagem superior de pó de
14 Acetato de zinco com tinta de base oleosa15. pedra e melhor sarrafada, permitindo, devido à finu-
e/ou protóxido de
chumbo (quando
Na época, a madeira em interiores era acabada a ra dos seus inertes, uma superfície mais lisa. Em
serve de base cola. No entanto, como este acabamento era conheci- situações mais requintadas poderia haver uma outra
a tintas claras)
fervido com óleo de
linhaça.
15A tinta de óleo
mais corrente seria
com base de óleo de
linhaça fervido com
litargírio, alvaiade e
talco em proporções
variáveis, ao qual se
adicionava o secante
(borato, sulfato, ou
acetato de manganés)
antes da aplicação.
A essência de
terebintina
(água-raz) apenas é
vulgarizada
no séc. XIX.
16 A título de
curiosidade apenas
se indicam alguns
tipos de cola
mencionados em
orçamentos da época
que, face à
tecnologia existente,
seriam de origem
animal.
Dependendo do tipo
de superfície
de acabamento
pretendida podia ser
empregue a cola de
raspa, a cola forte ou
a cola inglesa.
17Areia de esboço.
18 OLIVEIRA
Valério Martins,
Advertências aos
Modernos que apren-
dem o Officio de
Pedreiro, Lisboa,
Regia Officina
Sylviana e da
Academia Real,
1757, pp.79-80. Fig. 16 – Exemplo de tabique simples (revestimento).
variante, permitindo acabamento liso, com aparência podiam apresentar movimentação mecânica não 129
quase polida19. absorvida pelo material de revestimento. Por esta
Após a aplicação do esboço era aplicado à colher razão, é provável que os revestimentos em madeira
um barramento bastante apertado com cal em pasta, ou os rebocados com massas de cal tenham sido os
à qual se adicionava cal em pó, para aumentar a sua mais difundidos na época.
consistência. Ainda levemente húmida, a superfície
era passada com uma boneca de trapo humedecida
com aguada de cal. Síntese dos resultados
A superfície final, depois de seca, era por fim, nal- obtidos com o levantamento
guns casos, passada com pedra de jaspe até se obter e úteis à fase de proposta
uma superfície muito lisa.
Este tipo revestimento permitia a caiação, sem ● Paredes de frontal são elementos verticais
risco de manchas, como ocorre normalmente com as resistentes, em taipa de saibro argiloso, cal e
superfícies estucadas a gesso. inertes (pedra calcária e tijolo), cofrados com
Nos tabiques com silhares de azulejos, as massas taipais de madeira dos dois lados, incluindo
de emboço usadas eram mais fortes e integravam junto ao paramento interior, no caso de pare-
sebo animal durante a extinção da cal. A massa de des exteriores, e a meio, no caso de paredes
assentamento era aplicada ainda com o pardo húmi- interiores, uma estrutura de madeira autopor-
do, a fim de não provocar clivagens.20 tante e solidária com os restantes elementos
estruturais do mesmo tipo.
Outro revestimento corrente em tabiques de ● O reboco era executado em várias camadas.
madeira seria o estuque de gesso. Tal como já ● As paredes exteriores eram acabadas a pintura
referido, o gesso não abundava, no século XVIII, com cal, com incorporação de sebo durante a
em Portugal. Todavia, e independentemente dos sua extinção, à qual se adicionavam as terras
19 Este tipo
estuques observados serem quase sempre de quando se pretendia cor.
de acabamento foi
aplicação em intervenções posteriores à obra pri- ● Não é de admitir que fossem empregues cores detectado em
estratos de
mitiva, é muito provável que se tenha usado este facilmente alteráveis, ou que produzissem revestimento
primitivo de paredes
material desde o início da reconstrução pomba- manchas inestéticas, por exposições solares no decurso da obra
lina. diferenciadas nos paramentos dos edifícios. de restauro do Solar
dos Zagalos, na
Depois do fasquiado ter sido colocado, seria apli- ● As cores primitivas terão sido claras e por con- Sobreda da
Caparica-Almada, no
cado o emboço, constituído por gesso grosseiro sequência pouco alteráveis com a radiação solar. corpo anexo à
capela, datado de
(gesso pardo) com areia branca traçada, de forma a 1765.
recobrir o fasquiado em 1 cm. 20 Contra a opinião
Caso a superfície ficasse irregular, era executado Princípios para uma de alguns técnicos,
os tabiques de
um reboco fino superior com maior percentagem de intervenção sobre os suportes madeira, para
suportarem alisares
areia fina. de azulejo, não
A superfície a estucar era esboçada seguidamente A maioria das paredes da Baixa Pombalina são devem ser revestidos
com massa à base
com uma massa, constituída por areia calcária fina e constituídas por alvenarias a taipal de pedra calcá- de gesso. O gesso é
constituído por
branca não traçada, à qual se juntaria cal em pasta e ria, argamassas de cal aérea e inertes também calcá- sulfato de cálcio
hidratado, não sendo
gesso em pó em iguais proporções. rios misturados com argilas. A função das argilas por isso
O estuque propriamente dito seria, à imagem do era a de reagir com o carbonato de cálcio em fase de quimicamente
inactivo. Em
que ainda hoje se pratica, constituído por um extinção, proporcionando elementos resistentes a algumas situações
verificou-se a perca
barramento de partes iguais de cal em pasta e humidades quer líquidas, quer sob a forma de vapor. de vidrado e o
esfarelamento de
gesso. Para que se reduzam os factores de degradação chacotas em azulejos
Este tipo de acabamento dificilmente podia ser destas alvenarias é essencial que se continuem a ga- da época que
confinavam com
caiado, em virtude das manchas que originaria à rantir as condições de respirabilidade originais. massas de gesso.
As chacotas eram
superfície, conferindo-lhe um aspecto um pouco A introdução de novos revestimentos hidráulicos muito porosas e, por
capilaridade, os sais
irregular. ou de de tintas (por exemplo de membrana) que do sulfato não só
O estuque, muito pouco elástico, não terá sido constituem barreiras à transmissão de vapor de água reagem com a argila
como com o chumbo
aplicado com frequência em tabiques ligeiros, que tem provocado inúmeros casos de infiltrações de vidrado.
130
Fig. 17 – Exemplos de intervenções em revestimentos com recurso pontual a argamassas com ligantes cimentícios.
Fig. 18 – Exemplos de intervenções em revestimentos com recurso pontual a argamassas com ligantes cimentícios.
água do exterior para o interior, com consequente vapor que restringem a quantidade de trocas gasosas
perda da coesão das próprias alvenarias. necessárias à “transpirabilidade” dos suportes.
Outro factor de degradação dos materiais pré-exis- A aplicação correcta de rebocos de cal aérea per-
tentes foi a introdução de materiais cimentícios, desde mite essa necessária “transpirabilidade”. Por estas
o final da década de 1960, dada a incompatibilidade do razões, é vantajosa a aplicação de tintas de silicato
pH dos materiais novos e pré-existentes. de potássio, que reagindo com o carbonato de cálcio
O endurecimento e coesão das argamassas de cal do suporte, com o anidrido carbónico e com a água
obtém-se por carbonatação, processo que degrada produzem carbonato de potássio e silicato de potás-
rapidamente as argamassas cimentícias. sio. Estes compostos contribuem para uma maior
Ao contrário das argamassas de cal aérea, que coesão dos suportes, por mineralização, e incremen-
mesmo hidrofugadas com pozolanas artificiais conse- tam a libertação do excesso de vapor de água resul-
guem ser impermeáveis à água líquida e ao vapor de tante de tensões diferenciais entre paramentos e as
água, as argamassas cimentícias criam barreiras de águas de infiltração.
131
A adopção deste tipo de tinta implica limitações à Para reduzir os efeitos deste processo danoso,
aplicação de cores conseguidas apenas por pigmentos deve recorrer-se a sistemas de climatização colecti-
orgânicos. No entanto, se forem aplicadas cores de vos, instalados em locais comuns e com sistemas de
baixa saturação, situadas na Escala S0502 e S0505 condensação a água. No que se refere aos cabos das
do Atlas NCS (Natural Colour System), não haverá concessionárias, estes deverão ser enterrados nos
constrangimentos de maior. passeios e munidos de ramais de distribuição domi-
Constitui também factor de degradação de supor- ciliários em calhas a colocar à vista nas caixas de
tes e de revestimentos, o recurso indiscriminado a escada e nos saguões. Os projectos de iluminação
sistemas de aparelhos de climatização ambiente e à pública devem atender à especificidade do sistema
fixação de cabos pelas concessionárias nos paramen- construtivo e minimamente alterados de modo a
tos exteriores. evitar a colocação de candeeiros chumbados em
132
Fig. 24 – Vegetação.
Alguns dos paramentos de azulejo em alçados das paredes exteriores com esquemas de repintu-
encontram-se a nosso ver irrecuperáveis dentro de ra baseados em acrílico de alta espessura (30+30
parâmetros de razoabilidade económica e de avalia- mícrones em seco). Estes sistemas são impermeá-
ção qualitativa da sua expressão iconográfica. veis à água mas permeáveis às tensões de vapor,
A sua reabilitação implicaria a remoção temporá- protegendo a carbonatação da argamassa hidráu-
ria dos mesmos, a consolidação dos suportes, a lim- lica e apresentado um comportamento antifungo,
peza, consolidação e restauro de elementos e, por fim, depois de prévia aplicação de primário selante
o fabrico de novos elementos de modo a colmatar as opaco compatível.
muitas falhas já existentes. Em edifícios que ainda não foram sujeitos a inter-
venção mais profunda, ou que apresentem sinais de fis-
suração ou de microfissuração do tipo aranha, e cujas
Sinopse para uma intervenção tintas de acabamento sejam constituídas por filmes
peliculados, ou texturados por areia, recomenda-se o
emprego de rebocos de cal aérea hidrofugada admitin-
Para edifícios que já se encontram rebocados e do-se secantes à base de óxidos de alumínio, de cálcio
que não apresentem sinais de fissuração ou de e sílica, após picagem pontual, se necessária, de rebo-
microfissuração do tipo aranha, cujas tintas de cos ou esboços antigos descolados até ser atingido um
acabamento não sejam constituídas por filmes subestrato de cal, que poderá ser consolidado através
peliculados ou texturados por areia, propõe-se de silicatos de potássio. Para estes edifícios recomen-
depois de realizado o tratamento de suportes e da-se a aplicação de tintas de silicato.
descontaminação de fungos e bolores e de even- Em termos de carpintarias é proposto um sistema
tuais cristalizações superficiais – um acabamento baseado em subcapa alquídica como primário e com
Fig. 27 – Aplicação de revestimentos aéreos.
acabamento a tinta de esmalte uretanada, resistente das com tinta de esmalte à base de resinas sinté-
à intempérie, com boa estabilidade de cor e de brilho ticas, de pigmentos de óxidos de ferro e cargas
levemente acetinado. Nenhum elemento de madeira micácias.
deve ficar encastrado nas alvenarias ou embebido nos Os betumes a aplicar devem ser do tipo acrílico.
rebocos. Quando se opte pela substituição de serralharias
No caso das serralharias, devem estas ser lim- exteriores, devem ser seguidos esquemas de revesti-
pas por sistema de abrasão ao grau SA 3 da mento e acabamento do tipo uretanado. No caso de
Norma Sueca e protegidas com primário promo- serralharias novas, e sem prejuízo do acabamento do
tor de aderência, mordente, flexível, resistente ao tipo uretanado, devem estas ser decapadas ao grau
impacto e à abrasão. Por fim, deverão ser acaba- SA 2 e protegidas por sistema baseado em primário
monocomponente de éster epoxídico após execução da fachada com o plano do pavimento exterior. O
de soldaduras. protector de graffiti deverá ser do tipo não perma-
Propõe-se também o tratamento antigraffiti em nente, sem brilho e incolor, e que possa ser elimina-
paramentos exteriores (paredes e cantarias), pelo do por lavagem com jacto de água, contendo amónia
menos até à altura correspondente à cota definida dissolvida, a pressão controlada.
pela intersecção da bacia de sacada do primeiro piso
com o plano da fachada. Na ausência de bacia de saca-
da no primeiro piso de elevação, o tratamento anti-
grafiti deverá ser aplicado até ao arranque do frontal
de alvenaria de taipal, desde a intersecção do plano
Directivas para transportes, ainda que se reconheça que a desejada 139
revitalização só possa ocorrer desde que estejam
um Plano de Pormenor asseguradas condições muito competitivas de acessi-
para o controlo bilidade a esta área da cidade. O destaque das ques-
de tráfego rodoviário tões relacionadas com os transportes é, no entanto,
completamente diferente quando se abordam os
na Baixa Pombalina vários problemas a resolver.
José Manuel Viegas
CESUR – Instituto Superior Técnico; e TISpt,
Consultores em Transportes, Inovação e Sistemas, S.A
Problemas
De facto, um dos problemas mais frequentemente
citados quando se discute a situação da Baixa
Pombalina é o excesso de tráfego automóvel que o
seu espaço viário suporta.
A orografia acidentada da cidade levou natural-
mente a que esta área quase plana e próxima do rio
Objectivos fosse uma área privilegiada de ocupação urbana, para
a qual convergiam as vias de acesso, num sistema de
Sendo genericamente reconhecida a excepcional lógica radial, implantadas ao longo dos vales. A
qualidade urbanística e arquitectónica da Baixa Baixa não sofre por isso de problemas de acessibili-
Pombalina, os objectivos de uma intervenção sobre dade. As próprias redes de transportes colectivos
este território não deverão limitar-se à recuperação foram seguindo as redes de infra-estruturas viárias à
dos elementos geométricos e edificados, tendo certa- superfície, sendo ainda hoje esta a área mais bem ser-
mente de conter elementos relacionados com o atin- vida em toda a cidade.
gir de níveis semelhantes de qualidade de vida e de Quando começou o forte crescimento da motori-
fruição do espaço público naquela área da cidade, o zação individual (anos 70 do século XX) foi na Baixa
que implica um processo de revitalização do seu qua- que começaram as medidas de gestão do estaciona-
dro de actividades e a recuperação de um protago- mento, com a introdução da “zona azul”, com que se
nismo forte no quadro da cidade e do país. Essa revi- pretendia limitar as estadias dos veículos a um máxi-
talização deve ter uma agenda que preserve o carác- mo de uma hora e meia. No presente, e apesar da
ter essencial que fez a força da Baixa, com uma mis- qualidade do acesso em transporte colectivo, dos pro-
tura rica de actividade comercial, de serviços e de blemas de perda de protagonismo na actividade da
atracção turística, ainda que os tipos de comércio e de cidade e da redução do número de habitantes, a pres-
serviços, e os horários de funcionamento, devam ser são sobre o sistema de estacionamento continua ele-
no futuro próximo bem diferentes do que eram no vada. Não houve, no entanto, qualquer estudo inte-
passado e ainda em boa parte no presente. grado que permitisse apontar para os valores desejá-
Trata-se portanto de intervir sobre o espaço físi- veis de quantidade e mistura de regimes de oferta de
co e sobre as suas ocupações para recuperar o lugar estacionamento para a Baixa, face à sua ocupação de
destes no espaço mental dos habitantes e dos visitan- solos e à capacidade de acesso e de circulação interna
tes. Por isso mesmo, a concepção e a gestão dos pro- do sistema viário.
gramas de intervenção terão de ser desenvolvidos a É importante referir que, graças à gestão das
níveis elevados de complexidade, harmonizando admissões de tráfego automóvel nas células em que o
interesses parcialmente divergentes e caminhando Sistema de Controle de Tráfego Urbano (Gertrude)
para soluções em que cada uma das partes interessa- divide o território, não há problemas significativos de
das reconheça um forte ganho de conjunto, susceptí- congestionamento de tráfego na Baixa.
vel de compensar eventuais perdas relativas das suas Para a qualidade de vida e modernidade da Baixa
parcelas. o principal problema do sistema de transportes é,
Nestes objectivos não figura qualquer elemento sem dúvida, o excesso do tráfego automóvel de atra-
explicitamente relacionado com a mobilidade e os vessamento, que usa o espaço da Baixa sem qualquer
140 ligação com as actividades que aí decorrem mas ape- servir por esse sistema. Por outro lado, tem que se
nas porque por aí passa o caminho mais conveniente. assegurar que, ao atacar o problema do excesso de
Essa escolha dos viajantes é naturalmente baseada tráfego de atravessamento, não se reduza de forma
no traçado e atributos físicos das componentes da significativa a acessibilidade à Baixa (enquanto desti-
rede viária da cidade, as quais por sua vez são larga- no das deslocações), com o risco de comprometer o
mente decorrentes da orografia. Não é por isso fácil objectivo da sua revitalização.
apontar soluções que permitam reduzir as cargas de Assim, a principal proposta de curto-médio prazo
tráfego de atravessamento da Baixa sem prejudicar contida na revisão do PDM é a de conjugação da
seriamente a eficiência do funcionamento da cidade implantação de uma “circular das colinas” com a defi-
no seu todo, face ao forte aumento de tempo que mui- nição de sentidos únicos nas ruas da Baixa que impe-
tas deslocações sofreriam. çam o seu atravessamento (excepto aos transportes
A maior parte do tráfego de atravessamento colectivos), continuando a garantir o acesso em auto-
corresponde a fluxos Norte-Sul (e vice-versa), em móvel individual à totalidade dos parques de estacio-
movimentos que percorrem as principais avenidas namento e à maior parte das residências e dos esta-
longitudinais de aproximação à Baixa (Avenida da belecimentos comerciais (ainda que neste último caso
Liberdade e Avenida Almirante Reis) em direcção às apenas em horários limitados).
áreas situadas a nascente e poente da Baixa e mais
facilmente acedidas a partir da circular ribeirinha A circular das colinas é constituída por um con-
(Avenida 24 de Julho; Avenida da Índia; Avenida junto de vias já existentes – a completar por um
Ribeira das Naus; Avenida Infante D. Henrique). pequeno conjunto de trechos em túnel – e que fun-
Estes fluxos atravessam a Baixa pelas ruas do Ouro e cionaria em articulação com a circular ribeirinha
Fanqueiros no sentido descendente e pelas ruas da como forma privilegiada de acesso aos bairros situa-
Prata e da Madalena no sentido ascendente. dos nas colinas envolventes da Baixa, e envolvidas
Mas há também fluxos Poente-Nascente, ainda por esse conjunto de duas circulares. As principais
que com muito menor expressão, cujo percurso se faz vias dessa circular das colinas são, a menos de ajus-
no essencial pelas ruas do Comércio e de São Julião. tes pontuais, as seguintes, de Poente para Nascente:
A carga excessiva de tráfego de atravessamento, Avenida Infante Santo, túnel da Estrela (a construir),
bem como a permanência de uma oferta significati- Avenida Álvares Cabral, Largo do Rato, Rua
va de estacionamento na via pública em ruas secun- Alexandre Herculano, Rua do Conde de Redondo,
dárias, conduzem ainda a uma manifesta insuficiên- Rua Joaquim Bonifácio, Rua Jacinta Marto, Rua de
cia de espaço dedicado à mobilidade pedonal. Angola, túnel do Miradouro (a construir), Rua
Apesar da afectação exclusiva da Rua Augusta a Coronel Eduardo Galhardo e Avenida Mouzinho de
esse modo de deslocação e dos níveis elevados de Albuquerque.
ocupação que apresenta, as densidades de peões nos Para além da eventual construção dos dois túneis
passeios das outras ruas longitudinais, sobretudo as referidos – requerendo estudo detalhado dos pontos
do Ouro e da Prata, são muitas vezes excessivas, de inserção na circular – a plena funcionalidade desta
levando a níveis inaceitáveis de proximidade entre circular só será atingida com um conjunto significa-
os peões e os veículos. tivo de intervenções de ordenamento do espaço viá-
rio e suas utilizações ao longo de todo o itinerário.
Não se pretende uma via circular de grande veloci-
As propostas contidas dade, mas é indispensável assegurar capacidade e
na revisão fluidez por forma a absorver com boa qualidade de
do Plano Director Municipal serviço, além dos tráfegos que já a solicitam, os que
hoje atravessam a Baixa e que se pretende que pas-
Um dos princípios fundamentais da abordagem ao sem a usar sobretudo esta circular. Os principais
sistema de mobilidade e transportes na revisão do tipos de medidas de ordenamento terão a ver com o
PDM, recentemente concluída, é o da promoção da estacionamento ao longo da via e com a revisão inte-
qualidade em todos os vectores da mobilidade gral dos movimentos permitidos e dos graus de prio-
(modos de transporte ou suas combinações), o que ridade desses movimentos em todas as intersecções.
implica a contenção da quantidade de automóveis a Trata-se de um trabalho que exige não só um
141
LEGENDA
estudo rigoroso das situações ao longo do itinerário, Este tipo de solução, com um anel e bolsas de
mas sobretudo uma visão de conjunto que tem de território não atravessáveis pelo tráfego individual,
estar associada ao cumprimento do objectivo funcio- já foi aplicado em muitas cidades europeias, a primei-
nal desta circular, tal como acima descrito. Ou seja, ra das quais Gotemburgo, nos anos 1960, e tem con-
as condições particulares de cada trecho da circular duzido sistematicamente a uma valorização da ima-
têm de ser estudadas com profundidade, mas o objec- gem da zona protegida e à consequente maior dispo-
tivo global tem de se sobrepor aos objectivos locais nibilidade para investimentos públicos e privados na
de cada trecho. Daqui decorrerá certamente a neces- sua valorização.
sidade de proceder a modificações significativas de Com este tipo de solução, consegue-se, a nível da
sentidos únicos de tráfego em várias áreas margi- ocupação do território um aumento muito significa-
nantes desta circular. tivo das áreas destinadas à mobilidade e à estadia
142 pedonal, bem como das condições de tranquilidade e poderiam situar próximos dos Restauradores, Praça
segurança com que essas actividades se podem exer- D. Luís, Campo das Cebolas e Martim Moniz, e que
cer. Induz-se ainda o reforço do papel do transporte teria ao longo do seu traçado um conjunto de peque-
colectivo nas viagens com início ou destino na Baixa, nos parques de estacionamento, também subterrâne-
pela melhoria de condições que esses modos ofere- os, tirando partido da elevação das colinas do
cem para o respectivo acesso. Carmo/Chiado e da Rua da Madalena. Esse anel
A revisão do PDM aponta ainda para a possibili- poderia, ou não, incluir o trecho de túnel já proposto
dade de uma solução viária mais radical, cujos custos nos anos 1990 (e depois abandonado) entre a Praça
mais elevados apenas se tornariam justificáveis num D. Luís e o Campo das Cebolas.
quadro de valorização e requalificação muito forte da Nestas circunstâncias seria possível dedicar a totali-
Baixa, com significativo aumento dos tráfegos atraí- dade do espaço público da Baixa à mobilidade e esta-
dos pelas actividades aí desenvolvidas, quadro de que dias pedonais, com pequenos transportes públicos para
ainda estamos muito longe. a distribuição interna e direitos de acesso em horários
Nessa solução mais longínqua preconiza-se um limitados para operações de cargas e descargas.
anel viário subterrâneo cujos acessos à superfície se
Identificação
das questões principais
A observação do existente permite detectar inter-
venções que, ao longo dos séculos, serviram para
adaptar sucessivamente o plano original às novas
formas de utilização dos espaços e, sobretudo nas
Introdução últimas décadas, para integrar desordenada e não
controladamente instalações técnicas de fornecimen-
No contexto de uma intervenção mais alargada de to de energia e de fluidos, de comunicações, de clima-
reabilitação e requalificação da Baixa-Chiado e no tização, etc., na esmagadora maioria das vezes, de
respeito pelas suas características físicas, históricas e forma não regulamentar e excessiva do ponto de
culturais, abre-se uma oportunidade única de o fazer vista do dimensionamento.
integrando uma perspectiva de requalificação am- Tais intervenções, associadas muitas vezes a altera-
biental que a um tempo se inscreva nas exigências de ções da estrutura e à ocupação de logradouros, têm
eficiência energética e de qualidade do ar, hoje incon- vindo, para além do desregramento que constituem
tornáveis, e, por outro, seja factor convergente na em si próprias, a induzir a destruição dos sistemas ori-
optimização das condições de conforto e modernida- ginais de ventilação natural cruzada e a limitar cada
de na fruição do ambiente construído. vez mais a penetração da luz solar, tornando a salu-
Constituem actualmente exigências da cidadania bridade dos espaços interiores um dos problemas mais
inteira a preocupação pela preservação dos recursos significativos, fortemente potenciada pela existência
finitos (energia e água), bem como o acesso a pata- de compartimentações no interior que integram espa-
mares acrescidos de conforto térmico, luminotécnico ços habitados desprovidos de iluminação natural e
e acústico e a condições de segurança e qualidade do ventilação. Por outro lado, a ocupação de espaços exte-
ar que, devidamente coordenadas e disciplinadas, riores, nomeadamente das fachadas (e mesmo das
garantam a coerência com aqueles objectivos. coberturas, no melhor dos casos), por unidades de
Coexistem na Baixa-Chiado disfunções urbanísti- condensação de sistemas de ar condicionado de expan-
cas e ao nível do edificado, bem como um conjunto de são directa do tipo autónomo (ou, na melhor das hipó-
problemas decorrentes quer da utilização de padrões teses, por unidades de produção de água arrefecida/
dimensionais, construtivos e de concepção desajusta- /aquecida) transformam aqueles espaços em verdadei-
dos da realidade contemporânea, quer da degradação ros esgotos térmicos e de produção de ruído.
dos níveis de desempenho inicialmente propostos Do mesmo modo, a ventilação deficiente e sem
devida à não-manutenção, a alterações sobre o edifi- qualquer exigência de qualidade das cozinhas da
cado e a distorções do seu uso. maioria dos restaurantes constitui também um pro-
A integração de soluções passivas de protecção da blema acrescido de ruído e qualidade do ar.
envolvente, a maximização da penetração da luz solar, A disponibilidade da energia eléctrica e a sua cres-
a utilização de sistemas de ventilação natural ou híbri- cente utilização têm vindo a fazer proliferar instala-
da, a consideração de soluções de free-cooling e de uti- ções, na maioria das vezes subdimensionadas e irre-
lização de recursos endógenos, bem como a adopção gulamentares, não assegurando a protecção dos uti-
de soluções de protecção contra incêndios, são algu- lizadores e elevando drasticamente o risco de incên-
mas das estratégias cuja utilização deve ser incentiva- dio. Há mesmo casos de alimentações eléctricas de
da como medidas que, no seu conjunto, contribuem edifícios para edifícios em lados opostos da mesma
fortemente para a melhoria das condições ambientais. rua, num total caos em termos de segurança.
Assim se optimizará a atractividade da ocupação Acompanhando as instalações eléctricas, as redes
da Baixa-Chiado pelas novas gerações e se estimula- de comunicações e de televisão, se bem que não indu-
148
zindo o mesmo tipo de riscos, apresentam um aspec- vados de combinações de factores, potenciando os ris-
to igualmente caótico. cos e apontando decididamente para a adopção de
A distribuição de água, se bem que mais sedimen- soluções que integrem respostas pluridisciplinares.
tada e menos sujeita a grandes alterações ao longo
dos anos, necessita de revisão urgente, nomeadamen-
te quanto ao tipo de materiais utilizados e à discipli- A estratégia da intervenção
na da sua utilização e contagem.
A construção de instalações sanitárias ao longo Face à dimensão da área a intervencionar, bem
dos anos e as redes de esgotos associadas apresen- como à variedade e profundidade dos problemas
tam, em muitos casos, sinais avançados de degrada- identificados, sugere-se uma intervenção faseada no
ção e exigem também uma revisão urgente, discipli- tempo, estabelecendo unidades de intervenção ao
nando a drenagem de esgotos residuais, bem como nível de quarteirões e/ou edifícios que as viabilizem
obrigando a sistemas de separação de gorduras em técnica e economicamente.
estabelecimentos comerciais de restauração. Devem, no entanto, anteriormente a qualquer
A alimentação de gás combustível é também fre- intervenção, ser estabelecidos Termos de Referência,
quentemente descoordenada e não regulamentar, cuja consideração deve ser obrigatória em todos os
constituindo por si própria o mais importante risco projectos de intervenção e que devem ser obviamen-
de incêndio em caso de colapso por acção sísmica. te levados à prática quando da construção e na pos-
O risco de incêndio é, no seu conjunto, elevado, terior manutenção, ao longo do ciclo de vida.
prevendo-se em caso de ocorrência, consequências Após o estabelecimento e aprovação dos Termos de
desastrosas quer ao nível do número de vítimas mor- Referência, deve, em nossa opinião, seleccionar-se um (ou
tais, quer quanto à destruição de património, verifi- mais) projectos piloto ou “locomotiva” que permitam pôr
cando-se a inexistência quase total de meios de eva- em prática a aplicação daqueles documentos, corrigindo-
cuação, detecção e combate a incêndios. -os e melhorando-os, detalhando as soluções preconiza-
No seu conjunto, os problemas e disfunções das e adaptando-as às condicionantes reais no terreno.
ambientais identificados geram efeitos colaterais deri- Estes projectos piloto serão também, enquanto
149
Objecto da intervenção
Qualidade térmica da envolvente
Discriminam-se de seguida, de forma não exausti-
va, os vectores de intervenção que consideramos Assegurando-se mais uma vez o respeito pelas
indispensáveis e cuja enumeração e conteúdo evolui- pré-existências, devem melhorar-se os coeficientes
rá naturalmente face às condicionantes e pré-exis- de transmissão térmica da envolvente, pela consi-
tências encontradas no terreno. deração de isolamentos adicionais sempre que pos-
sível, nomeadamente em operações de conservação
de coberturas, por forma a, por um lado reduzir as
perdas de energia e, por outro, fundamental, elimi-
150
151
nar as condensações pelo interior, nos paramentos veículo potenciador em termos de conservação de
da envolvente exterior, assegurando uma qualidade energia, melhoria das condições de salubridade, remo-
higrométrica elevada, cuja inexistência é, em ção de humidades e durabilidade da construção, consi-
Portugal, a razão principal pelo desconforto no derando-se no entanto que a sua não total controlabi-
Inverno. Deve, nesta linha de raciocínio, incenti- lidade pode justificar a existência de sistemas híbridos.
var-se a utilização de soluções solares passivas de Devem assim assegurar-se níveis baixos de infiltra-
ganho directo e indirecto, embora reconhecendo ção por forma a melhorar a controlabilidade da venti-
que a possibilidade desses ganhos está bastante lação natural, investindo na localização e constituição
condicionada pela conservação dos sistemas e for- optimizada de aberturas para o exterior em função do
mas de cobertura tradicionais. campo de pressões e dos fenómenos de convecção.
Paralelamente, a adopção de protecções contra a
radiação solar é um factor decisivo na optimização
das condições interiores e um contributo importante Condicionamento acústico
na redução dos consumos de energia.
Para edifícios recuperados que mantenham a física Importa garantir, tanto quanto possível, e mais
original, devem considerar-se excepções ao cumpri- uma vez sem prejuízo da integridade das pré-exis-
mento da regulamentação térmica (RCCTE), em tências, a consideração de isolamentos mínimos con-
particular no que se refere aos paramentos verticais tra ruídos de condução aérea (fundamentalmente
e à resolução dos vãos. resultantes do tráfego automóvel) e por percussão
(nomeadamente entre fogos diferentes), bem como a
qualidade sonora dos ambientes interiores em ter-
Ventilação natural mos dos tempos de reverberação.
Devem considerar-se também, e sempre que seja
A ventilação natural é um factor determinante na mantida a física original, excepções à regulamenta-
obtenção de condições de higiene e conforto, sendo um ção existente, definindo-se no entanto exemplos de
152 boa prática e pormenores de execução reversíveis Obviamente, em paralelo, deve considerar-se a
que aumentem a massa dos elementos de separação e selecção de aparelhos de iluminação de elevada eficiên-
garantam a atenuação de ruído através das condutas cia e de sistemas de controlo relacionados com a dispo-
de ventilação e outros espaços técnicos. nibilidade de luz natural e a ocupação dos espaços.
Sempre que seja possível conservar as caixilharias
da época em madeira, estas deverão ser reforçadas,
para permitirem o aumento da massa dos elementos Insolação
de separação.
No que se refere ao isolamento acústico entre A tipologia dos arruamentos na malha regular da
pisos quando se verifiquem operações de renova- Baixa guarda virtualidades insuspeitadas quanto à
ção, os soalhos deverão ser levantados e repostos insolação, à imagem das tipologias urbanas perimedi-
depois de intercalada uma membrana absorvente terrânicas, assegurando alguma protecção contra o
de ruídos de percussão. A esta operação deve ser excesso de Sol no Verão, numa época em que os
associada, sempre que necessário, a diminuição da meios de climatização eram extremamente limitados.
interdistância dos tarugos de modo a reduzir a A orientação das ruas principais assegura, por outro
vibração dos pavimentos. Quando for possível lado, que a maior parte do espaço público receba pelo
apear os tectos, deverão ser introduzidas camadas menos algumas horas de sol durante o Inverno,
de lã mineral de peso específico adequado a redu- numa lógica microclimática coerente face à época da
zir os níveis de intensidade de ruído de transmis- sua concepção.
são aérea. A carência de sol nas habitações localizadas nos
No ordenamento urbanístico dever-se-ão consi- andares inferiores é no entanto hoje inaceitável. Não
derar meios de reduzir a reverberação nos arrua- havendo soluções próprias para este problema, reco-
mentos de menor largura. Esta é uma meta de difí- menda-se que, a exemplo do que já hoje se verifica
cil prossecução dado haver poucos elementos em grande parte dos edifícios, os pisos inferiores
urbanos aptos a contribuir para a absorção sonora. sejam destinados a usos não-residenciais.
No entanto, a arborização, quando possível e não Assim, consagrando apenas os dois ou três
incompatível com a conservação da imagem urba- pisos superiores a habitação – conforme seja possí-
na, a selecção de mobiliário urbano e mesmo a vel ampliar em planta ou não as dimensões dos
intervenção sobre alguns elementos das constru- logradouros interiores – e votando os pisos infe-
ções poderiam ser eventuais pistas de intervenção riores a comércio, serviços e espaços de cultura,
a considerar. permitir-se-ia a o recurso ao volume dos actuais
saguões, entre o rés-do-chão e o terceiro ou quar-
to piso, para a integração pouco intrusiva de ele-
Iluminação natural vadores, caminhos de evacuação alternativos, com-
partimentos para o armazenamento de resíduos
Uma parcela significativa de consumo de energia (permitindo a prática de soluções de separação e
eléctrica decorre da iluminação artificial. reciclagem), numa palavra, toda a infra-estrutura
Por outro lado, o conforto luminotécnico desem- de que estes edifícios estão carenciados, sem a
penha hoje um papel fundamental, pelo que a maxi- necessidade de esventrar as estruturas em gaiola
mização da penetração da luz natural deve ser esti- pombalina.
mulada, relativamente às suas componentes directa e
difusa.
Não sendo viável interferir na profundidade Uso da água
dos espaços ou na escolha e dimensionamento das
fenestrações, pode no entanto optar-se por níveis O objectivo fundamental é reduzir o consumo. A
superiores de reflectividade das superfícies inte- adequada selecção de aparelhos sanitários com maior
riores e/ou considerar dispositivos de penetração eficiência hidráulica é o factor mais determinante
da luz (prateleiras de luz, clarabóias e tubos de para a moderação do consumo.
luz, reflectores anidólicos e filtros difractores
holográficos).
Climatização Utilização de recursos endógenos 153
A proliferação das instalações de ar condiciona- Para além da utilização de água do rio já referi-
do de forma não regrada e com recurso a soluções da no âmbito da climatização e das medidas de con-
de baixa eficiência, para além de configurar um servação de energia e eficiência energética integra-
desperdício energético, transformando o espaço das nas propostas para o melhoramento da quali-
público num esgoto térmico, constitui, como já dade térmica, luminotécnica e de ventilação, o
referido, um elemento de poluição visual e sonora potencial solar para o aquecimento de água sanitá-
não compatível com a qualidade urbana que se pre- ria e para a conversão fotovoltaica não deverá ser
tende estabelecer. desprezado. Diversos exemplos felizes de integra-
De referir que com a crescente redução de preços ção destas soluções em áreas históricas podem ser
destes sistemas e com a ocupação terciária dos espa- fonte de inspiração.
ços, esta situação tenderá certamente a tornar-se
cada vez mais significativa.
Assim, sugere-se a consideração da produção cen- Clima urbano, qualidade e conforto
tralizada e distribuição de fluidos térmicos, que apre- em espaços exteriores
senta vantagens significativas quer em termos de
poluição visual e sonora, quer em termos de consu- Para além das estratégias já recomendadas anterior-
mos e eficiência energética, dada a obtenção de facto- mente, deve equacionar-se de forma abrangente a me-
res de utilização mais próximos do perfil de cargas lhoria das condições ambientais nos espaços exteriores,
global, permitindo igualmente a incorporação de que têm a ver fundamentalmente com a qualidade do ar
energias endógenas ou renováveis. e com a acústica urbana (ambos fortemente relacionados
Propõe-se a toma de água do rio Tejo (dados os com a densidade de tráfego e com o controlo/fiscaliza-
caudais envolvidos, o impacto térmico é irrelevan- ção do nível de ruído proveniente de bares e máquinas
te), a permuta com caudais secundários de água de de apoio às actividades comerciais). Esta melhoria está
arrefecimento que constituem o fluido térmico a obviamente relacionada com a disponibilização, ao nível
ser distribuído (em regime de caudal variável) para dos pisos inferiores, de espaços públicos estreitamente
alimentação de bombas de calor a instalar em cada relacionados com actividades terciárias.
unidade (edifício ou quarteirão) como um serviço
disponibilizado pela autarquia e objecto de conta-
gem de entalpia. Protecção contra incêndio
A rede associada, não isolada, seguiria a malha urba-
na terminando em postos de permuta e contagem a Considerando como objectivo fundamental a sal-
serem instalados em cada uma das unidades referidas. vaguarda de vidas humanas e tendo em conta os
fenómenos de propagação horizontal, devem ser
repostas as medidas de compartimentação corta-fogo
Instalações de gás entre edifícios (características do Plano Pombalino) e
sempre que possível usados retardantes da combus-
No enquadramento referido no parágrafo anterior tão nas estruturas originais.
(distribuição centralizada de fluido térmico), consi- A criação de caminhos de evacuação alternativos é
dera-se como solução mais adequada a eliminação também fundamental, sugerindo-se a utilização de
faseada da rede de distribuição de gás (pelo risco soluções já aplicadas noutras áreas de Lisboa.
potencial de incêndio já referido), dado que, quer o Finalmente, a instalação de sistemas de detecção e
aquecimento (e o arrefecimento), quer a produção de extinção, fixa e portátil, de incêndio deverá ser obri-
água quente sanitária, podem ser equacionados a gatória.
partir das bombas de calor previstas. Tendo em conta os regulamentos existentes e em
De qualquer modo, o aquecimento ambiente e de fase de profunda revisão, devem considerar-se excep-
água sanitária, bem como a confecção de alimentos, ções para esta zona de intervenção que flexibilizem
poderá sempre ser resolvido através de sistemas alguns aspectos relacionados com a resistência ao
eléctricos. fogo compensando esta fragilidade com o reforço dos
154 meios de evacuação, detecção e intervenção em caso Conclusões
de incêndio.
PÓS-LICENCIAMENTO
CLASSE DE ESPAÇO FREGUESIAS EDIFICAÇÃO
Sub-Total 31 6 1 1
Santa Justa 13 0 2 3
Mártires 14 0 13 2
Área Histórica Sacramento 6 0 0 14
Habitacional Encarnação 16 4 2 8
Sub-Total 49 4 17 27
Total 80 10 18 28
S. Nicolau 16 6 10
Área Histórica da Baixa Madalena 15 5 10
Subtotal 31 11 20
Santa Justa 13 3 10
Mártires 14 6 8
Área Histórica Sacramento 6 3 3
Habitacional Encarnação 16 9 7
Subtotal 49 21 28
Total 80 32 48
licenciamento (licenças de utilização). Deste facto, a CML tem dedicado à reabilitação urbana, através
conclui-se existir maior pressão e dinamismo por da operação da Rua da Madalena. Esta iniciativa, que
parte dos agentes sobre as Áreas Históricas teve o apoio do IPPAR, centrou-se exclusivamente
Habitacionais. Os pedidos de arrendamento urbano, naquela artéria, tendo sido objecto de um estudo
que na sua maioria incidem sobre a habitação, são exaustivo, através do levantamento das patologias de
também mais preponderantes naquela zona, em todos os edifícios. Na sequência das vistorias realiza-
resultado das suas características habitacionais. das, os proprietários foram intimados a realizarem
Porém, no que respeita à alteração do uso de terciá- obras de manutenção e conservação, tendo o empenho
rio para habitação, salienta-se que este valor, apesar do IPPAR, numa área que é imóvel classificado, con-
de ser baixo, é maior na Área da Histórica da Baixa tribuído não só para aligeirar os procedimentos de
do que na zona envolvente, o que vem confirmar a consulta daquela entidade, como para dinamizar a
tendência para o retorno à habitação daquele territó- concretização dos objectivos lançados pela CML.
rio com características terciárias, enquanto se conti- Convém frisar, no entanto, que em muitos dos pro-
nua a registar um propagar do comércio ao nível dos cessos de Ocupação da Via Puública para beneficiação
pisos térreos nas áreas habitacionais envolventes. dos edifícios, se verifica um extravasar da operação
Numa análise mais detalhada do Quadro 2, e ape- urbanística para obras de alteração sujeitas a licencia-
sar da freguesia da Madalena ter uma área territorial mento, levando a procedimentos de contra-ordenação
que corresponde a cerca de metade da área da fre- e embargo. Estas situações tornam-se mais difíceis de
guesia de São Nicolau, ambas apresentam o mesmo legalizar na Área Histórica da Baixa do que nas Áreas
número de pedidos para licenciamento, sendo tam- Históricas Habitacionais, devido à rigidez do articula-
bém idêntica a relação entre processos deferidos e do do RPDML e à exigência de apresentação de rela-
indeferidos. Este facto prende-se com o empenho que tórios das intervenções por parte do IPPAR.
No que respeita aos resultados obtidos, verifica-se quear a revitalização económica como acentuar a 163
que o número de processos indeferidos na Área depressão deste tecido. A inexistência de regras que
Histórica da Baixa é de cerca de 65%, diminuindo orientem a intervenção dos particulares provoca, por
para 57% na área envolvente. Também os processos parte destes, uma reacção que, explorando as debili-
deferidos são superiores nas Áreas Históricas dades e condicionantes das administrações da CML e
Habitacionais, representando 43% dos processos IPPAR, resulta num somatório de intervenções casu-
entrados, enquanto que na restante área o valor ísticas que desvirtuam e afectam negativamente os
desce para 35%. Este facto demonstra a menor con- valores estéticos e construtivos e descaracterizam a
cretização dos projectos na Área Histórica da Baixa, imagem urbana.
na sequência da restrita amplitude das regras suple- A revisão do Plano Director Municipal e os estu-
tivas aplicadas àquele território. dos efectuados sobre a Baixa Pombalina, com o
A maior flexibilidade do articulado nas Áreas objectivo de lançar a candidatura a Património
Históricas Habitacionais, permitindo uma maior Mundial, são uma oportunidade para alterar os ins-
diversidade de operações urbanísticas, aumenta o trumentos urbanísticos de uma forma concertada
índice de aceitação e concretização dos projectos e, entre as entidades responsáveis por aquele território.
consequentemente, leva a uma maior dinâmica da Torna-se necessário projectar para a Baixa Pom-
intervenção no território, com resultados visíveis na balina modelos estratégicos mais “finos” ou conceber
reabilitação do tecido histórico. normas de reabilitação que possam e devam ser um
A continuada aplicação das regras supletivas do estímulo para a qualificação e o desenvolvimento de
PDM (art. 40º) para a Área Histórica da Baixa, pelo novas dinâmicas na área da revitalização do centro
controlo apertado que impõem, poderá não só blo- histórico terciário.
A gestão urbanística vo devem ser objecto duma abordagem pluridiscipli- 165
nar, por forma a definir, com rigor, em que moldes
e a salvaguarda pode ser feita a sua reabilitação.
do património. Isso assume particular importância no caso dos
A Baixa Pombalina – edifícios da área da Baixa, cujo valor intrínseco lhes
é conferido por um conjunto de características que os
tendências e práticas tornam absolutamente singulares. Falamos não só do
Hélia Silva seu sistema construtivo, do rigor de desenho dos
Rita Mégre
seus alçados mas também da acumulação de valores
Direcção Municipal de Gestão Urbanística, Departamento de
acrescidos que foram sendo introduzidos ao longo de
Monitorização e Difusão de Informação Urbana – CML
mais de dois séculos.
Embora o RPDML seja o instrumento fundamen-
tal na análise dos licenciamentos, é a situação parti- 1 O IMP, que
cular de cada edifício que vai determinar com rigor o constitui o anexo 1
do Regulamento do
tipo de intervenção possível. Plano Director
Municipal, assinala
Daí que seja fundamental ter um conhecimento os imóveis e
profundo da realidade, por forma a avaliar a razoabi- conjuntos edificados
com interesse
lidade das propostas e fundamentar a apreciação dos histórico,
arquitectónico e/ou
Introdução processos na sua globalidade – urbanística e patri- ambiental (RPDML
art. 13º, nº 1).
monial. É que, embora se deva privilegiar a reabilita-
2 As Áreas
A equipa do Núcleo de Estudos do Património ção dos edifícios, há situações em que, como iremos
Históricas são uma
(NEP) dá o seu apoio, desde Janeiro de 2001, ao ver um pouco mais à frente, tal é impossível ou des- das classes de espaço
do PDM para as
Planeamento e Licenciamento Urbanísticos na salva- tituído de sentido. quais se pretende
que sejam
guarda do património edificado. Por isso, para cada processo em análise é feita uma “preservadas as suas
No âmbito da gestão urbanística, mais precisa- visita pormenorizada ao edifício para avaliar o seu características
morfológicas e de
mente no licenciamento de obras particulares, a estado de conservação, as alterações a que foi sujeito, ambiente e de
imagem urbana, mas
acção do NEP centra-se na análise de propostas de o seu valor patrimonial intrínseco e identificar os ele- simultaneamente
sujeitas a um
intervenção para edifícios e conjuntos do Inventário mentos decorativos existentes – azulejos, estuques, processo de
Municipal do Património (IMP)1 ou que impliquem pinturas, mobiliário (no caso de estabelecimentos revitalização social e
funcional. (...)
alterações profundas ou a demolição de edifícios comerciais). Dá-se também particular atenção ao Pretende-se também
defender e valorizar
situados em Área Histórica2. enquadramento urbano, para que se possa avaliar o o espaço público, os
elementos edificados
Com este texto pretende dar-se uma ideia geral impacto das alterações exteriores no próprio imóvel e os conjuntos de
dos problemas com que se confronta o Licen- e sua inserção na respectiva frente de rua4. especial valor
arquitectónico ou
ciamento Urbanístico na área da Baixa Pombalina3, Pela parte do NEP, e tendo como fundamento teó- urbanístico, evitando
a sua alteração
face aos instrumentos urbanísticos em vigor, às pre- rico os princípios emanados das cartas, recomenda- casuística e a
descaracterização
tensões dos requerentes e ao estado de conservação ções e convenções internacionais sobre a salvaguar- urbanística das
do edificado. da do património arquitectónico e arqueológico5, zonas em que se
integram”.
Os casos com que a nossa equipa se tem deparado houve a preocupação em definir critérios de inter- (RPDML,
Preâmbulo, p. 8).
constituem uma amostragem significativa das ten- venção muito rigorosos e equitativos, mas adaptados
3 Área definida no
dências de transformação dos usos e dos edifícios, a cada situação particular, para evitar uma eventual Pedido de Inclusão
podendo servir como contributo para a definição do dualidade de critérios na apreciação dos processos. na Lista Indicativa
Nacional para a
Plano de Gestão da Baixa, um dos instrumentos que Para o NEP, são pontos fundamentais para garan- Candidatura a
Património Mundial
a candidatura a apresentar à UNESCO deverá incluir. tir a qualidade das intervenções na área da Baixa: (Boletim Municipal
● integridade estrutural dos edifícios, incluindo
nº 538, 3º
Suplemento, 11 de
o sistema de estacarias que os suporta e os Junho de 2004).
dos espaços de habitação, assim como de intacta, incluindo portas e portadas de madeira,
outros elementos decorativos existentes; chaminés das cozinhas, pavimentos de madeira
● preservação das chaminés das cozinhas, assim corrida e com silhares de azulejo na maioria das
como de pavimentos, tectos de saia e camisa ou dependências (fig. 2);
de masseira, portas, aduelas, portadas e rodapés; ● fogos onde ainda é perceptível a compartimen-
● reposição, sempre que possível, da métrica tação original mas que foram objecto de al-
pombalina nas fachadas, ao nível do piso tér- terações consideráveis: demolição de paredes e
reo; silhares de azulejo removidos (muitos deles
● integridade morfológica das coberturas, roubados) ou ocultos sob camadas de tinta ou
excepto em casos de descaracterização ou papel de parede;
existência de dissonâncias; ● por último, com particular incidência nos pri-
Fig. 1 – Edifícios vistoriados no âmbito do licenciamento de obras particulares (Jan. 2001 a Dez. 2004).
Fig. 2 – Interior de um fogo ainda com as suas características construtivas e decorativas originais, Rua de São Paulo.
Fig. 3 – Interior de um fogo alterado por uma grande campanha de obras em 1960, Praça do Município.
Fig. 4 – Sistema de suporte com pilares e abóbadas de tijolo a cutelo, Rua Ivens.
Fig. 5 – Silhar de azulejos pombalinos, Rua Garret.
Fig. 6 – Silhar de azulejos pombalinos, Rua de São Paulo.
10 Teve uma caixilharia de madeira por alumínio ou PVC, com sentação de levantamento fotográfico rigoroso
intervenção
de reestruturação ao
janelas de duas folhas sem quadrícula. dos diferentes padrões, com a indicação da res-
nível do 1º andar, com A abertura de caves é, por agora, uma situação pectiva localização;
maior profundidade
no 1º Esq. pontual para a qual a Câmara tem exigido a realiza- ● possibilidade de ampliação do edifício depen-
171
11 Estabelecimento
de retrosaria
e perfumaria
localizado da Rua
Garrett, que foi
durante largas
décadas um dos
espaços comerciais
mais emblemáticos do
Chiado.
A retrosaria dos
Irmãos David foi
inaugurada em 1882
na Rua Nova do
Almada, tendo-se
mudado para o topo
do Chiado em 1907.
O negócio
alargou-se ao ramo da
perfumaria, sendo os
perfumes e outros
produtos de beleza
feitos artesanalmente
no laboratório
situado na Rua
Anchieta.
12 Informação
1670/INT/DMGU/
DMDIU/DMU/
20o4, de 16 de Julho
13 Isto deve-se ao
facto de o pé direito
Fig. 10 – Saguão, zona de S. Paulo. deste piso ser muito
inferior ao dos outros
andares.
14 Esta exigência
justifica-se não só pela
necessidade de se ter
uma noção
do tipo de estrutura
que se pretende
introduzir e a forma
como esta se vai
dente da utilização de estrutura leve, por for- PVC ficaria dependente da entrega de desenho articular com as
ma a não comprometer a manutenção de todos pormenorizado do perfil a utilizar; pré-existências, mas
também porque
os elementos atrás referidos, pelo que se julgou ● apresentação de levantamento rigoroso e de é frequente, aquando
da entrega das
aconselhável a entrega de um estudo prévio de um programa de intenções para o espaço do especialidades,
estrutura a acompanhar a nova proposta14; antigo laboratório da firma David & David, constatar-se que
a estrutura proposta
● manutenção do actual desenho da caixilharia. que contemplasse a manutenção in situ do não respeita
a arquitectura
A possibilidade de substituir a madeira por mobiliário e do espólio ainda existente. aprovada.
Fig.11 – Interior
de quarteirão
(Rua Ivens, Rua
Capelo, Rua
Anchieta e Rua
Garrett).
Fig. 12 – Perspectiva
da 5ª fachada, zona da
Rua da Conceição.
173
Fig. 2 – Área Crítica de Reconstrução do Chiado (a azul), incluída na actual zona de intervenção da Unidade de Projecto da
Baixa-Chiado.
2. Princípios de intervenção. esta primeira análise, foram definidos quatro níveis 181
O conhecimento do território de conservação para a classificação dos edifícios:
● Muito Mau;
Obras concluídas
Fig. 5 – Planta da zona de maior número de edifícios em pro-
Obras particulares a decorrer
priedade horizontal (Freguesia do Sacramento).
CML, da Banca/Seguros, das entidades religiosas, da na Freguesia do Sacramento (32,1%) e a menor inci- 185
Misericórdia, das fundações e dos particulares indi- dência de PH na Freguesia de Santa Justa (13%).
viduais para os vários edifícios. Se estes dados forem cruzados com o levantamen-
Constatou-se assim que a Câmara Municipal é to dos edifícios em obra, é já possível concluir que é
proprietária de unicamente 1,6% do edificado e o no Bairro do Duque (Freguesia do Sacramento) que
Estado de 5,9%. À Banca/Seguros corresponde uma se verifica a maioria de PHs, coincidindo estas com a
fatia de 15,3% e aos privados, indiferenciados, per- maior predominância das intervenções em curso. A
tence a maior parte do edificado, 70,4%. habitação própria é, na verdade, só por si, factor
Da análise da titularidade foi também possível obter impulsionador de reabilitação.
os dados relativos à propriedade vertical/horizontal. Todos estes dados foram introduzidos numa base
Verificou-se, assim, que unicamente 21% dos edi- de dados Access relacionados através do número do
fícios se encontram em propriedade horizontal (PH). SIG porque a sua recolha decorreu simultaneamente
Se integrados nas suas áreas de influência, estes com a implementação do sistema SIG da Câmara
dados permitem demostrar a maior incidência de PH Municipal de Lisboa.
LEGENDA
Limite UPBC
Edifícios em propriedade horizontal
PROPRIEDADE (% EDIFÍCIOS)
70,4%
15,3%
CML Fundações
Estado Santa Casa da Misericórdia
1,6% Banca/Seguradoras Entidades Religiosas
Outros Particulares
3,2%
5,9%
1,9%
1,7%
reposição das condições de segurança e estabilidade lha e carregamento de todos os dados necessá-
dos seus imóveis. Na sequência deste trabalho, foram rios, como também na distribuição posterior
Nº TOTAL DE EDiFÍCIOS..............................................................62
LEGENDA
Empreitada em preparação......................................3
Em obra particular
na sequência da intimação......................................5
Em obra municipal ajuste directo............................1
Edifício vistoriado.....................................................52
LEGENDA
Ponto de situação
Zona da UPAB
Edifício vistoriado............................................. 20
Estado de Conservação
Bom............................................10 Empreitada em preparação..............................2
Fig. 9 – Mapa para a acção prioritária no eixo Obra particular embargada......2 Candidato ao FRRC aprovado...........................1
Obra concluída...........................1 Edifício adquirido pela EPUL.....3
Alecrim/Misericórdia. 29 Março 05
LEGENDA
Estado de Conservação Ponto de Situação
Bom...............................................5 Edifício vistoriado...............................................20
LEGENDA
Obra embargada............................1
190 da informação a todos os potenciais utiliza- Nacionais) e o IPPAR (Instituto Português de
dores através de cartas temáticas, de fichas Património Arquitectónico e Arqueológico). Simul-
personalizadas, ou em qualquer outro taneamente deveria ser assegurada a compatibilidade
suporte; e a integração com o sistema que estava a ser desen-
● Rigor, associado a uma recolha permanente de volvido pela Divisão de Informação Urbana Geo-
dados constantemente aferida, mantendo a referenciada da Direcção Municipal de Gestão
base permanentemente actualizada; Urbanística.
● Ambição, que permitisse o acréscimo de novos Para acompanhar os trabalhos em curso, foram
campos que possibilitem análises sempre mais criados campos na base de dados que possibilitaram,
completas, obtidas em colaboração com um em qualquer momento, geo-referenciar e controlar as
maior número de serviços e instutuições. situações que iam surgindo, relacionadas com o esta-
do de conservação, com as vistorias efectuadas e com
Associada a estes factores, esteve desde o início, a as obras em preparação e em curso.
preocupação de garantir que a base de dados consti- Deu-se também início ao levantamento do edifica-
tuísse um instrumento ao serviço não só da nossa do do seu ponto de vista construtivo, identificando,
Unidade, mas também de toda a Câmara Municipal, entre outros, os elementos valorativos de carácter
do Conselho Científico para a Candidatura a patrimonial e os dissonantes.
Património Mundial da Baixa Pombalina, do FRRC Foram criadas tabelas com vista à execução de
(Fundo Remanescente de Reconstrução do Chiado) e pareceres técnicos referentes às candidaturas ao
de outras entidades externas, como a DGEMN Fundo Remanescente para a Reconstrução do Chiado
(Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos e de apoio ao programa Chiado com Cor.
Fig. 12 – Representação esquemática do Sistema de Informação Geográfica e a sua aplicação ao território da Baixa Chiado.
Do trabalho efectuado com a DGEMN foi possí- novamente compilada e o intercâmbio de informação 191
vel obter os dados referentes à datação da construção permitirá enriquecer e aprofundar o SIG, tornando-o,
da Baixa Pombalina. Presentemente, com a entrada cada vez mais, numa importante ferramenta de tra-
em funcionamento da Sociedade de Reabilitação balho para ambas as estruturas e para os respectivos
Urbana da Baixa Pombalina, a base de dados será trabalhos de planeamento.
Legenda
Limite UPBC
Limite FRRC
te a que importa realizar em zonas urbanas históri- legislação obriga as SRU a uma verdadeira redução
cas ou em áreas críticas de recuperação e reconver- dos prazos e das tramitações administrativas no
são urbanísticas. que respeita ao licenciamento de obras, num qua-
A especial urgência do interesse público na bene- dro que visa, globalmente, estabelecer um maior
ficiação urbanística destas zonas históricas e áreas equilíbrio entre o particular/proprietário e a enti-
críticas de recuperação e reconversão urbanística, dade pública licenciadora.
por um lado, e a convicção, por outro, de que a inter-
venção pública directa e sistemática deve ser exem- Numa primeira fase, caberá às sociedades de rea-
plar e indutora da acção voluntária dos proprietários bilitação urbana elaborarem documentos para as
ou dos inquilinos, ainda que subsidiada por progra- zonas de intervenção que foram delimitadas – os
mas financeiros de apoio à reabilitação, levaram o denominados “documentos estratégicos” –, consub-
poder político a considerar a criação de um regime stanciando nesses documentos um pensamento inte-
específico para a reabilitação de edifícios e espaços grado sobre a realidade patrimonial, urbana, ambien-
urbanos nestas áreas, confiando a sociedades de capi- tal, social e económica encontrada, documentos que
tais públicos o papel de promover estas intervenções. devem preferencialmente ser desenvolvidos de modo
Reconhecendo o Estado, gradualmente, uma cres- participativo, envolvendo as populações e os agentes
cente responsabilidade na degradação das condições económicos da zona de intervenção.
de habitabilidade, de salubridade, de estética e de Privilegiando a percepção da intervenção no seu
segurança de significativas áreas urbanas do País, o conjunto, pela maior valorização urbana que daí
que lhe impõe uma actuação, como verdadeiro impe- resulta, permite-se um “salto” qualitativo importan-
rativo, para inverter, com carácter de urgência, a te: passar da recuperação estrita dos edifícios à revi-
actual situação, propôs-se criar uma moldura jurídi- talização funcional, dos usos, das acessibilidades, do
ca de excepção. Este enquadramento teve ainda, na espaço público. Permite-se ainda o salto das preocu-
sua génese, a particular preocupação de definir um pações, legítimas e prementes, de segurança, estabili-
regime dotado de grande pragmatismo, pautado por dade e salubridade, para uma visão integrada e estra-
critérios objectivos de operacionalidade. tegicamente pró-activa, que reflicta sensibilidades
196 culturais e ambientais, a defesa dos residentes tradi- para os promotores privados que se interessem e
cionais e dos comerciantes e incorpore factores de empenhem na reabilitação.
correcção no mercado. Motivam esta nova orientação estratégica de
Os documentos estratégicos, tal como definidos desenvolvimento urbano três vectores fundamentais:
neste regime jurídico, serão obrigatoriamente comu- o combate ao crescimento desequilibrado das cida-
nicados aos proprietários, e com estes participativa- des; a implementação da noção de reabilitação urba-
mente ajustados, antes de se proceder ao seu registo. na em detrimento da nova construção como modelo
Tal constituirá o fundamento da intervenção futura principal de desenvolvimento futuro, e a simplifica-
no terreno, em modalidade a acordar entre o(s) pro- ção dos procedimentos administrativos. Nos últimos
prietário(s) ou conjunto destes e a sociedade de rea- anos, combater o evidente crescimento desequilibra-
bilitação, doravante entidade licenciadora no territó- do que várias cidades portuguesas têm vindo a apre-
rio objecto de documento estratégico. sentar tornou-se uma necessidade premente. Este
Entre as modalidades de intervenção destacare- crescimento levou à desertificação dos seus centros
mos as situações extremas: desde aquela em que o urbanos tradicionais, com todas as nefastas conse-
proprietário, revendo-se na proposta de intervenção quências que daí advêm, como sejam a degradação
para a sua fracção ou imóvel, executa obras median- física acentuada dos edifícios e dos espaços públicos,
te contrato celebrado com a SRU, à situação em que bem como o aumento das deficientes condições de
o proprietário não expressa qualquer intenção de habitabilidade, a perda de actividades terciárias e de
execução da obra de reabilitação, o que permite à equipamentos, aliados muitas vezes à estagnação do
sociedade de reabilitação urbana iniciar um processo comércio tradicional. Simultaneamente, urge imple-
expropriativo. mentar a necessária ideia de reabilitação em contra-
Pelo meio ficam modalidades mistas, modalidades ponto com a ideia de construção nova, uma das prin-
que potenciam efectivamente o papel mediador e cipais causas dos desequilíbrios da situação actual.
dinamizador das sociedades de reabilitação urbana e Por último, pretende-se progredir numa lógica de
lhes determinam o carácter interventor destes novos simplificação legislativa e processual, característica
agentes na qualificação urbana das cidades portugue- do moderno direito administrativo, que visa, em últi-
sas. Modalidades em que as SRU aparecem como ma instância, reduzir a complexidade de procedimen-
facilitadoras técnicas ou financeiras junto dos propri- tos e subprocedimentos administrativos, que tanto
etários, proporcionando condições de financiamento contribuem para a existência de uma burocracia
favoráveis entretanto negociadas, ou propondo sub- morosa e que, na prática, conduzem à retracção da
stituir-se aos proprietários na execução dos projectos iniciativa dos particulares.
de reabilitação, ou, ainda, propondo-se como project Com a publicação do Decreto-Lei n.º 104/2004, de
managers de um conjunto de intervenções que a cada 7 de Maio, visou-se, precisamente, conferir aos muni-
proprietário caberia executar individualmente. cípios – ou, em casos excepcionais, aos municípios em
parceria com o Estado e outras pessoas colectivas de
administração indirecta do Estado – meios reforça-
dos de intervenção, possibilitando que as operações
Princípios de reabilitação de reabilitação sejam promovidas por empresas
urbana e enquadramento legal públicas criadas para o efeito – as designadas “socie-
dades de reabilitação urbana” –, às quais foram con-
cedidos poderes especiais de autoridade, relevando
É do próprio documento legal que podem ser reti- dentre eles os de expropriação por utilidade pública,
rados os princípios orientadores deste regime excep- de licenciamento e autorização de operações urbanís-
cional: o reconhecimento da responsabilidade prima- ticas e de fiscalização.
cial dos municípios nas tarefas de reabilitação; a Assim, na esteira da Lei de Bases da Política de
necessidade de conceder aos poderes públicos meios Ordenamento do Território e de Urbanismo (Lei n.º
efectivos de intervenção e controlo dos processos de 48/98, de 11 de Agosto), que determinou que um dos
reabilitação; a procura do equilíbrio de direitos e fins destas políticas consiste em “racionalizar, reabi-
obrigações dos proprietários e arrendatários, e, litar e modernizar os centros urbanos e promover a
ainda, a preocupação com a motivação económica coerência dos sistemas em que se inserem “ [cf. alí-
nea f) do artigo 3.º], o regime jurídico excepcional da etários urbanos, promotores, construtores, investido- 197
reabilitação urbana, consagrado no referido diploma, res, financiadores, moradores, quer outros agentes
pretendeu favorecer outro tipo de intervenções, económicos com intervenção local.
nomeadamente aquelas que estimulem a reconstru- Com o processo de recuperação urbana em curso,
ção e a manutenção das habitações, potenciando um importa identificar, compreender e resolver adequa-
aproveitamento adequado do património existente e damente as questões de natureza urbana, social,
facultando instrumentos ajustados à concretização ambiental e económica que os centros históricos em
de acções que restituam à utilização o património desertificação colocam, para que os objectivos da
subaproveitado, valorizando-o e integrando-o na melhoria da qualidade de vida e da competitividade
oferta de habitação, nomeadamente através do mer- da zona da Baixa Pombalina possam ser atingidos.
cado de arrendamento. A acção da Baixa Pombalina, SRU deverá ter
O Município de Lisboa não ficou alheio a esta reali- como escopo final um processo de reabilitação arqui-
dade, o que levou o executivo camarário a tomar como tectónica que possibilite um uso eficiente e compatí-
objectivo prioritário a reabilitação do património edifi- vel de uma propriedade, através de reparações, alte-
cado. Face a esta urgente missão e de acordo com o rações e acrescentos, preservando ao mesmo tempo
enquadramento legislativo atrás referido, bem como as partes ou características que transmitem o seu
com a Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, foi constituída – valor histórico, cultural e arquitectónico. No fundo,
por escritura pública outorgada em 23 de Agosto de que lhe acrescentem qualificação social, vitalidade
2004 – na sequência das deliberações da Câmara económica e consciência ambiental.
Municipal e da Assembleia Municipal de Lisboa, toma- Com uma permanente preocupação de envolvi-
das, respectivamente, nas suas reuniões de 21 de Maio e mento das populações residentes ou com actividade
1 É limitada a norte
de 22 de Junho de 2004, sobre a proposta n.º 307/2004, profissional nas áreas envolvidas, deve a Baixa por Largo Trindade
Coelho, Calçada do
a empresa pública designada Baixa Pombalina, SRU – Pombalina, SRU iniciar de imediato a realização dos Duque, Largo
Sociedade de Reabilitação Urbana, E. M. documentos estratégicos, num dinamismo, necessa- Duque do Cadaval,
Largo do Regedor,
A grande dimensão e os esforços financeiro, econó- riamente participativo, que à sociedade caberá pro- Praça
D. João da Câmara,
mico e de gestão de tal tarefa aconselharam a partici- mover e incentivar. Assim, serão estes documentos Largo de São
Domingos, Rua
pação, nesta SRU, de outra entidade, a EPUL, estratégicos, nos seus diversos níveis de elaboração, Barros Queirós, Rua
Empresa Pública de Urbanização de Lisboa, E. P., que comunicados aos proprietários directamente envolvi- D. Duarte e Rua
João das Regras;
se considerou reunir as condições e os requisitos indis- dos, para que com eles, posteriormente, sejam encon- a sul por troço da
Av. 24 de Julho (de
pensáveis a uma colaboração com este município na trados mecanismos de intervenção célere e eficaz. São Paulo ao
Mercado da Ribeira),
prossecução dos objectivos delineados para a reabilita- Praça Duque da
ção da cidade de Lisboa, detendo necessariamente este Terceira, Cais do
Sodré, Avenida
último a totalidade do capital social e o controlo da Ribeira das Naus,
Praça do Comércio
empresa, tanto ao nível da constituição como ao nível A zona de intervenção da Baixa e pequeno troço da
das orientações e estratégias a serem prosseguidas. Pombalina, SRU Av. Infante D.
Henrique (até ao
Largo do Terreiro
do Trigo); a poente
A determinação da zona de intervenção (ZI) para pela Rua do
Boqueirão, Rua da
a promoção da reabilitação urbana da Baixa Boavista, Rua de São
A missão da Baixa Pombalina, Pombalina, SRU teve por base os resultados do estu- Paulo, Rua do
Alecrim e Rua da
SRU do, da responsabilidade técnica da Universidade Misericórdia, e a
nascente pela Rua do
Católica, “O mercado da reabilitação urbana na uni- Arco do Marquês do
Alegrete, Poço de
Poder-se-á assim fixar, neste quadro, a missão da dade agregada Centro Litoral”. A zona de interven- Borratém, Rua da
Baixa Pombalina, SRU como a promoção da reabili- ção1 abrange a área de 77,83 ha, onde se incluem as Madalena, Rua de
São Mamede,
tação urbana das zonas históricas e das áreas de recu- freguesias Sacramento, Mártires e São Nicolau e Calçada do
Correio-Velho,
peração e reconversão urbanística da cidade de parte das freguesias Madalena, São Paulo, Encarna- Largo de Santo
António da Sé,
Lisboa situadas nas áreas urbanas da Baixa, de São ção e Santa Justa. Largo da Sé, Cruzes
da Sé, Rua de São
Paulo e de Alfama, numa nova forma de abordar e A zona de intervenção da Baixa Pombalina, SRU, João da Praça,
gerir a intervenção sobre a cidade consolidada, com que abrange a quase totalidade da área que se propõe Travessa de São
João da Praça, Rua
reflexos tanto na esfera da Administração e das suas candidatar a Património Mundial, integra um conjun- do Cais de Santarém
e Largo do Terreiro
práticas como na esfera dos particulares, quer propri- to urbano de particular relevância na história da cida- do Trigo.
198 de e na sua actual organização urbana e administrati- te diferenciados em relação ao eixo da Rua Augusta,
va. A Baixa-Chiado, produto da reconstrução da área notando-se a influência das colinas do Castelo e do
mais afectada pelo terramoto de 1755, tem na sua Bairro Alto nesta diferenciação. Assim, a nascente da
génese uma organização urbana estruturada por usos Rua Augusta predomina ainda o uso habitacional e
e por tipologias de uso que a própria toponímia ainda um comércio de cariz mais local/tradicional mas já
hoje reflecte mas que o tempo alterou consideravel- com alguns serviços, concentrados na Rua da Prata.
mente. Hoje identifica-se o local como um conjunto A poente predominam o sector terciário e o comércio
coeso e coerente mais pelas características arquitectó- mais qualificados, sobretudo nas ruas do Ouro e
nicas e construtivas predominantes no seu património Augusta.
edificado e pelas relações e compatibilidades dos espa- No Chiado identificam-se duas áreas morfologica-
ços públicos do que pela organização social e adminis- mente distintas, que se encontram na Rua Garrett. A
trativa que norteou o seu planeamento. norte, a malha medieval da zona da Calçada do
Na extensão da zona de intervenção identificam-se Duque condiciona o desenho urbano para sul, até à
áreas com características comuns, quer pela homoge- Rua da Trindade, para se encontrar aqui com a
neidade que apresentam em si mesmas, quer pelas suas malha ortogonal que envolve a Rua Garrett. A sul
tipologias de malha urbana e/ou morfologia urbana, desta, a malha urbana apresenta-se mais regular, ape-
quer até pelos actuais usos predominantes por lugar. sar de integrar o Convento de São Francisco e parte
Na zona baixa de Alfama, a malha urbana irregu- da Muralha Fernandina. Esta malha regular e longi-
lar, predominantemente medieval, faz a compatibili- tudinal (Norte-Sul) é interrompida na crista da coli-
zação da encosta do Castelo com a malha ortogonal na, nas ruas Victor Cordon e do Ferragial, ambas de
delimitada pela Rua da Madalena, a poente, e pela transição para a zona ribeirinha.
frente ribeirinha, a sul. Apresenta ainda um cariz Por último, no extremo norte da ZI, as praças
fundamentalmente habitacional e de comércio local. D. Pedro IV (o Rossio) e da Figueira, integradas na
O Terreiro do Paço e os edifícios que o envolvem malha ortogonal da Baixa, têm uma função de “rótu-
constituem-se, também pelo seu significado histórico la” do tecido urbano. As duas praças são o remate
e simbólico, como um dos conjuntos urbanos mais natural da Baixa Pombalina: o Rossio, que recebe, a
proeminentes da ZI, rematando a sul a malha ortogo- noroeste, o eixo da Av. da Liberdade e é enquadrado
nal da Baixa. O uso terciário, administrativo, man- pela Rua do Ouro e pela Rua Augusta, tem um carác-
tém-se desde a sua construção, após o terramoto. ter mais cosmopolita e de maior apetência turística, e
Em São Paulo, a estrutura urbana pombalina, que a Praça da Figueira, no topo da Rua dos Correeiros e
se estende de nascente, harmoniza-se com o sopé do da Rua dos Fanqueiros, com um cariz mais local, faz
morro de Santa Catarina/Bica e cede lugar à malha a ligação, a nordeste, ao eixo da Av. Almirante Reis.
de carácter e escala industrial do aterro da Boavista.
Aqui os usos habitacional e de comércio local predo-
minantes no troço poente da Rua do Arsenal, da Rua
e do Largo de São Paulo e da área norte da Praça Os documentos estratégicos
Duque da Terceira convivem com o uso industrial
remanescente na área poente da ZI, a partir do O processo de reabilitação da zona de intervenção
Mercado da Ribeira e da Praça D. Luís I, tornando pressupõe o conhecimento prévio do território, a par-
esta a área mais expectante e propícia a significativos tir da análise multifuncional de uma área de estudo
desenvolvimentos urbanos. mais vasta, de modo a apreender as relações de inter-
A zona ortogonal da Baixa, entre a Rua da ligação e interdependência desta área com a cidade.
Betesga e a Rua do Comércio, a norte e a sul respec- As conclusões decorrentes deste processo de aná-
tivamente, a Rua do Carmo e Rua Nova do Almada, lise aprofundarão o conhecimento das macropatolo-
a poente, e a Rua da Madalena, a nascente, constitui gias do tecido urbano e serão particularmente rele-
o núcleo mais interessante daquilo a que tradicional- vantes para as estratégias de intervenção a definir.
mente chamamos “Baixa Pombalina”. Apesar de a Relevam, desde já, as carências e os desequilíbrios
malha urbana e as características formais e constru- funcionais ao nível dos usos dos espaços (habitação,
tivas dos edifícios serem comuns em toda a área, as comércio, serviços, equipamentos, etc.) e dos fluxos
vivências e os usos predominantes são marcadamen- pedonais e viários, trânsito e estacionamentos.
Assim, a estratégia de reabilitação vinculará, Internamente, na Baixa Pombalina, SRU, prevê-se 199
num primeiro nível, propostas concretas e quan- a estruturação dos referidos documentos estratégi-
tificadas de reequilíbrio das funções urbanas fun- cos em três níveis de planeamento:
damentais, sustentadas no conhecimento da zona ● nível 1: zona de intervenção global. Tem como
Em Portugal, o D.L. n.º 104/2004 de 7 de Maio, tectónico, com abundante aplicação de ma-
que aprovou um regime excepcional de reabilitação teriais de grande qualidade;
urbana para zonas históricas e áreas críticas de recu- ● o Chiado tem um passado relevante nos domí-
peração e reconversão urbanística e que legaliza a nios comercial, social e cultural, que importa
institucionalização de Sociedades de Reabilitação preservar e recuperar.
Urbana (SRUs) é um instrumento fundamental que
dá consistência aos programas de reabilitação que se Tendo presente a especificidade da zona, o FRRC
estão a perspectivar por todo o país, designadamente estabeleceu um quadro de cooperação e parceria alar-
nos domínios jurisdicional e normativo. gadas com as entidades responsáveis e com tutela no
Lisboa dispõe já de várias SRUs instituídas, con- domínio da recuperação urbanística, designadamente
solidando assim a base de apoio operacional ao vasto a Câmara Municipal de Lisboa, através das Unidades
programa de reabilitação urbana da cidade previsto de Projecto Baixa-Chiado e Bairro Alto e Bica, Ins-
no programa eleitoral da coligação vencedora das tituto Português do Património Arquitectónico,
últimas eleições autárquicas e que consta das Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacio-
Grandes Opções do Plano que orientam a acção do nais e arquitecto Siza Vieira, responsável pelo pro-
actual executivo camarário. jecto de recuperação da área sinistrada.
204
Fig. 1 e 2 – Grémio Literário, Rua Ivens, 37, antes das obras de reabilitação.
Fig. 4 – Edifício do Grémio Literário, Rua Ivens, 37, após a realização de obras.
Fig. 5 – Obras de reabilitação do edifício 1 a 7, no Largo do Carmo.
mentos dissonantes a retirar e dos materiais a uti- A recuperação e a conservação apoiadas pelo FRRC
lizar, numa perspectiva de exigência, qualidade e podem sistematizar-se em dois grandes padrões:
genuinidade, sempre de acordo com as orientações ● obras estruturantes de reconstrução e recupe-
emanadas das tutelas técnicas e jurisdicionais que ração, de grande volume material e financeiro;
procedem à respectiva aprovação. Nesta perspecti- ● obras ligeiras de beneficiação e conservação,
va, são preferencialmente propostos os materiais de integradas no Projecto Chiado Com Cor.
melhor qualidade, coevos da construção inicial, e a Durante os dois anos de actividade efectiva, o
aplicação de técnicas tradicionais de carácter arte- FRRC admitiu 60 candidaturas para reconstrução e
sanal para garantir a excelência da intervenção. recuperação de imóveis das quais foram já aprovadas
Estabelecido o quadro de actuação, foram ampla- 32, cuja maioria já deu lugar a obra.
mente divulgados, junto de proprietários e equipara- No plano da reabilitação e conservação foram
dos, os incentivos financeiros a conceder pelo fundo, identificados 90 imóveis com condições de interven-
estimulando a adesão voluntária destes ao programa ção, aprovadas 21 candidaturas já em obra, estando
de recuperação e conservação. 10 candidaturas em fase de aprovação.
Esta filosofia de adesão voluntária e contratualiza- O investimento aprovado do FRRC orça já os 10 mi-
da deu os seus frutos, criando sinergias financeiras lhões de euros, correspondendo a um investimento glo-
com expressão muito significativa. bal da parceria público/privado de 24 milhões de euros.
Fig. 11 – Hotel Poeta, no Chiado, em obra de reabilitação.
ISBN 972-8877-04-8
9 789728 877040