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BH, 04/08/2002

Cibermentira - Trotes infernizam internautas

Luciana Rezende
Repórter

Em tempos de Internet talvez esteja na hora de rever o ditado de que "Mentira tem
perna curta". Na rede mundial de computadores, ela pode não durar muito, mas vai
longe e as conseqüências podem ser desastrosas para quem a propaga sem más
intenções.
O envio de correntes em busca de soluções para determinadas causas, como
encontrar pessoas desaparecidas ou contribuir com a preservação de um animal,
por exemplo, e a retransmissão de alertas sobre vírus através do e-mail são muito
comuns na Internet, envolvendo um número enorme de pessoas. O que muita gente
não sabe é que muitas dessas mensagens são boatos ou trotes, e o que parece um
ato beneficente, uma colaboração com os amigos ou até uma brincadeira pode virar
um transtorno na vida de muitas pessoas ou mesmo ser caracterizado como crime,
passível de diversas penas, determinadas pelas leis.
O supervisor de Rede da Telefônica, operadora de telefonia de São Paulo,
Humberto Alves de Almeida Santos, é uma das vítimas. Ele literalmente perdeu o
sossego no trabalho, após repassar, para amigos, um e-mail, há cerca de quatro
meses, tentando ajudar a encontrar uma garota supostamente desaparecida. Na
mensagem havia dados como os contatos da mãe, por telefone e correio eletrônico,
o que fez com que ele desse maior credibilidade ao texto. Entretanto, um detalhe, a
princípio pequeno, mudou toda a sua rotina na empresa e fez com que ele passasse
há receber, durante todo o mês de julho, telefonemas de todos os lugares do país,
perguntando se ele tinha conseguido encontrar a menina: ele repassou a
mensagem com sua assinatura automática, em que constam número de telefone,
local de trabalho e endereço eletrônico.
Seu cartão profissional, então, incorporou-se ao conteúdo do e-mail, sendo
multiplicado por toda a Rede por quem o recebia. "Minha vida virou um inferno.
Recebia de 10 a 20 ligações por dia e inúmeros e-mails, até de fora do País. Até
hoje ainda me telefonam para falar sobre o assunto, porém com menor freqüência",
relata, acrescentando que já se acostumou a explicar a mesma história dezenas de
vezes. No caso de Humberto, uma coincidência agravou a situação, pois o nome da
garota que teria desaparecido é Karina dos Santos Alves e da mãe, Cleodete S.
Alves, ou seja, dois sobrenomes iguais aos dele. "Muita gente achou que eu era pai
da menina e me telefonava ou escrevia tentando obter informações. E os colegas
ficaram me gozando", conta, agora, achando graça da situação.
Para completar, Humberto Santos lembra que a empresa lhe chamou a atenção por
ter utilizado o e-mail institucional com o cartão de trabalho - que são para assuntos
restritos à sua profissão - para outra finalidade. "Tive problemas, porque isso
caracteriza como se fosse o envio de spam, mas expliquei a situação e tudo acabou

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sendo resolvido", destaca. Ele diz que, hoje, aprendeu a lição e sabe que, além
desse erro, cometeu outros, entre eles, o de não checar, anteriormente, a
veracidade das informações as quais estava retransmitindo. Como é funcionário da
Telefônica de São Paulo, resolveu averiguar o telefone contido no e-mail e
descobriu que o número nunca existiu nos arquivos da operadora, além de não
haver nenhum outro associado ao nome da suposta mãe.
Ainda, as mensagens eletrônicas que enviou para o endereço citado no e-mail
retornam com o aviso de "usuário desconhecido". "Agora nem leio esse tipo de
mensagem. Deleto imediatamente. Sinto muito, mas não vou ajudar, porque a gente
não tem segurança para saber o que é verdade. Esses falsos e-mails ou são para
espalhar vírus ou para colecionar os endereços de quem revende mailings",
lamenta, observando que isso acaba negando chances a quem realmente precisa
de amparo. "Tentei consertar o problema fazendo uma corrente ao contrário,
pedindo para que as pessoas novamente mandassem e-mails para a mesma lista
de endereços, dizendo que a mensagem era falsa e também alertando para que
fiquem atentas a esses boatos", concluiu.

Modelo de trote

"Por favor me ajude!


Eu estava na estação Sé do metrô em São Paulo, quando percebi que minha filha
não estava perto de mim. Segundo pessoas que estavam ali na mesma estação que
eu, uma senhora aparentando 35 anos, loira, de cabelos encaracolados, estava de
mãos dadas com a minha filha. Para o meu maior desespero a segurança do metrô
disse não ter registrado em seu circuito interno essa senhora raptando a minha
filha.
Agora peço que se você viu a minha filha que entre em contato comigo, pois estou
desesperada, perdendo sono e dias de serviço. Caso não tenha visto, peço-lhe que
passe para seus amigos, quem sabe eles não tenham visto. Abaixo está a foto e os
dados dela: Karina dos Santos Alves 5 anos, olhos pretos, estava trajando uma
blusa cinza da marca 'Tigor T.', calça cinza e tênis branco. Se você tiver alguma
informação, por favor entre em contato comigo,
Cleodete (0xx11) 3746-8620
cleodetealves@zipmail.com.br
Mas por favor, não passe trote, ou mande e-mail com brincadeira, pois você não
imagina o desespero de uma mãe que tem a sua filha raptada. Grata .
Cleodete S. Alves"

Cada um é responsável pelo e-mail que envia

O técnico em telecomunicações Humberto Alves de Almeida Santos é apenas um


exemplo das vítimas dos chamados hoaxes (boatos e trotes) que circulam pela
Internet. Mas, por ingenuidade ou solidariedade, milhares de internautas tornam-se
cúmplices, ainda que involuntariamente, de ações que, muitas vezes, são
enquadradas em crimes, de acordo com as leis brasileiras. Segundo o delegado
titular da Delegacia de Repressão ao Crime de Informática e Fraude Eletrônica,
William Leroy, quem utiliza o e-mail para gerar qualquer tipo de informação tem
responsabilidade sobre ele e pode ter que responder criminalmente sobre algum
dano causado em função de seu conteúdo.
Ele explica que esses boatos e trotes se dividem em uma grande variedade, como
apologia ao crime (divulgação de site de pedofilia, por exemplo), calúnia, injúria e
difamação, entre outros, havendo uma série de penalidades - que variam conforme
o tipo, grau e amplitude da ação - para quem incorrer em algum deles.

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O presidente da Comissão de Direito de Informática da Ordem dos Advogados do


Brasil em Minas Gerais (OAB/MG), Alexandre Atheniense, acrescenta que todos os
cidadãos precisam tomar cuidado com essas mensagens que são disseminadas
através de listas, uma vez que existe um dispositivo na lei que diz que cada pessoa
concorrerá à prática do crime na medida em que participa dele em determinadas
proporções, ou seja, quem propaga esses textos também será responsabilizado por
possíveis prejuízos por eles causados. 'É igual a emprestar o carro. Você pode
estar concorrendo para algo ilícito', compara Leroy.
Atheniense aconselha que qualquer pessoa que receber uma mensagem de
terceiro, sem confiar na fonte, abordando um conteúdo duvidoso ou que possa
causar algum tipo de problema a alguém, sendo virtual ou não, deve se recusar a
repassar ou endossar o texto, porque pode sofrer consequências sérias em função
disso. O delegado William Leroy complementa que esse casos podem ser
encaixados em dois tipos de processos: de responsabilidade cível, quando há
prejuízos à imagem de um indivíduo ou empresa, sendo que este pode entrar com
um processo de danos e receber uma indenização. O segundo trata-se de
responsabilidade criminal perante a Justiça local. 'É cabível de pena e pode
inclusive resultar na retirada da liberdade de quem gerou o trote, mediante sentença
criminal', destaca.
No entanto, o advogado Alexandre Atheniense ressalta que a descoberta do agente
do delito (criador e primeiro disseminador do hoax) é determinante para o
andamento da ação criminal, além de ser necessário que a pessoa lesada configure
o dano para conseguir receber a indenização. 'A primeira etapa é identificar o
agente, através de indícios, como através de IP do provedor onde foi realizada a
conexão. Depois há a imputação da indenização por dano e/ou enquadramento em
algum tipo de crime segundo o Código Penal. É um processo técnico-jurídico',
argumenta.

Spams ajudam a propagar vírus

Sabe-se que quem envia spam, essas mensagens não solicitadas, utiliza técnicas
das mais diversas para fazer o e-mail chegar ao destino e se divulgado pelo maior
número de pessoas possível. Um dos sócios da agência de publicidade DPZ,
Roberto Duailibi, por exemplo, recentemente, teve seu nome utilizado
indevidamente na Internet, por meio de um endereço falso,
robertoduailibi@yahoo.com.br. Segundo sua assessoria, que informou que ele não
quer mais falar sobre o assunto, o texto, enviado a colegas de ofício, dizia que ele
solicitava estágio para uma determinada pessoa nas suas agências, o que causou
uma grande confusão.
No caso dos hoaxes, porém, o spammer ainda conta com o auxílio involuntário de
um volume maior de internautas para espalhar todo o tipo de mensagens, inclusive
vírus, pois a maioria das pessoas repassa de forma mecânica os e-mails, sem
sequer verificar as informações. O diretor de produtos do portal Terra, Fabiano
Ferreira, explica que existem inúmeros danos que podem ser causados por essas
mensagens. 'Cerca de 90% dos vírus que atingem os computadores chegam
através do e-mail, sem contar que muitos desses textos que contém fotos, como os
que dizem procurar alguém, possuem um mecanismo que consegue copiar toda a
lista de endereços da pessoa', alerta.
Ele lembra ainda que há um e-mail, que circula há vários anos na Internet, chamado
'Cavalo de Tróia', que pede ajuda, porém, quando o usuário clica em um link no
meio do texto, inúmeros arquivos são destruídos em seu computador. Pensando
nesse tipo de problema, os provedores de acesso estão, frequentemente, buscando
formas de minimizá-lo. O portal Terra, por exemplo, lançou, em junho, o serviço 'E-

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mail Protegido', que oferece dupla proteção: contra e-mails indesejáveis (spam) e
vírus, antes mesmo de a mensagem chegar à máquina do usuário.
Fabiano Ferreira esclarece que o sistema atua, removendo e destruindo o arquivo
infectado por vírus e impede o recebimento de spam, independente do programa
usado pelo assinante. A proteção é válida tanto nos softwares gerenciadores de e-
mail, por exemplo o Outlook Express, quanto no sistema webmail. Segundo o diretor
de produtos, trata-se de uma parceria entre o Terra e a McAfee, líder mundial em
soluções antivírus corporativos. Ele ressalta que uma das principais vantagens do
E-mail Protegido é que o usuário não perde a mensagem. Se algum vírus for
detectado, o sistema remove o arquivo anexado e envia uma notificação ao
assinante e outra ao destinatário.
Além disso, o serviço oferece atualização automática e permanente diretamente nos
servidores do Terra, de modo que o internauta não precisa se preocupar com esse
aspecto. Já o sistema bloqueador de spam impede a chegada de mensagens com
campos em branco no remetente, destinatário ou cópia (bloqueio básico), além de
permitir que o assinante barre o recebimento de e-mails de remetentes por ele
determinados. 'Não dá para bloquear todas essas listas, mas a maioria vem com
esses campos em branco. Já reduz bastante os riscos, sem contar que a
atualização do antivírus é mais rápida', ressalta. O serviço está disponível apenas
para assinantes do Terra, por R$ 2,65 por mês.

Como identificar os 'hoaxes'

Além da fácil disseminação pela Internet, os hoaxes apresentam outras


características comuns, que podem ser importantes para que o usuário consiga
identificar que a mensagem se trata realmente de um trote, apesar de o bom senso
e a experiência serem as melhores maneiras. De acordo com o jornalista Giordani
Rodrigues, fundador e editor do site InfoGuerra, uma das fontes de informações
online sobre o tema, é comum, nos casos de falsos alertas, a frase 'envie para todos
de sua lista', ou algo equivalente, é a característica mais marcante. Normalmente,
essas mensagens também chegam acompanhadas de muitos 'replys' anteriores,
sem que ninguém tenha acrescentado nenhuma informação relevante sobre o
assunto.
As letras em maiúsculo e as mensagens cheias de exclamações e alertas de perigo,
em geral, são outras características dos hoaxes sobre falsos vírus. É comum, ainda,
segundo Rodrigues, o uso de nomes de grandes empresas, para dar credibilidade à
mentira. A recomendação, segundo Rodrigues, é nunca repassar mensagens
duvidosas, por mais importantes ou urgentes que possam parecer os assuntos e
simplesmente apagá-las da caixa de correio, pois elas desperdiçam tempo e
recursos. 'Se a tentação for irresistível, pelo menos, retire eventuais assinaturas
automáticas do e-mail. Caso contrário, o dia-a-dia de uma pessoa comum poderá
sofrer uma reviravolta', orienta.
Ele acrescenta que a maioria das pessoas repassa as mensagens com todos os
endereços no campo 'cc' (chamado de 'cópia carbono'), de modo que os destinos
ficam visíveis para todos os destinatários. Assim, o spammer, do outro lado, recolhe
esses endereços e os adiciona a um banco de dados, que, provavelmente, será
usado para envio de lixo eletrônico. O conselho do editor, nos casos em que a
pessoa realmente decidir encaminhar o e-mail, é, pelo menos, colocar os endereços
dos amigos no campo 'cco' (ou 'bcc), que esconde as informações do destinatário,
preservando a privacidade dessas pessoas.
Mas ele alerta que, mesmo assim, os dados do remetente ainda estarão visíveis. 'O
ideal é evitar reenviar mensagens em massa para amigos, por mais que o objetivo
pareça nobre. Companhias e organizações sérias não usam esse tipo de estratégia

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e não pedem para que se envie mensagens em troca de ajuda aos outros. E
ninguém distribui dinheiro pela Web através de quantidade de cópias enviadas. Isso
somente congestiona a Rede', argumenta, complementando que, havendo dados
mais concretos no e-mail, checar se as informações são verdadeiras também é uma
forma de se resguardar.

Empresas pode colaborar com redução de trotes

Assim como toda pessoa deve evitar a disseminação dos hoaxes, também as
empresas podem colaborar para a sua redução, tomando uma atitude pró-ativa,
principalmente para resguardar a sua imagem, evitando que esse tipo de
mensagem saia de dentro dos seus domínios. Quando uma organização é envolvida
nesse tipo de boato, de acordo com o analista de sistemas Rommel Vieira Carneiro,
que também é consultor de empresas, o nome da corporação é divulgado de forma
negativa no mercado. 'Qualquer tema que não seja condizente com a realidade da
empresa pode trazer inúmeros e graves prejuízos à ela', enfatiza ele.
Ele explica que o conteúdo desses textos pode ser de cunho racista, piadas de mal
gosto, denegrindo a imagem de uma pessoa, outra empresa, além dos próprios
vírus. E isso pode ser divulgado pela Rede, contendo a marca de organização (no
caso em que o funcionário se esquece de retirar a assinatura automática, ou no
próprio endereço do e-mail), trazendo grande dor de cabeça para a corporação.
Rommel Carneiro argumenta que, certamente, essa mensagem chegará às mãos de
clientes, dificultando negociações, vendas e, claro, causando a demissão de
funcionários.
Na avaliação do consultor de empresas, também pode haver a degradação do canal
de comunicação on line, que passa a ser usado fora de seu objetivo inicial, de
contato com clientes e pessoas importantes, de alguma forma, para a empresa. 'O
e-mail é um recurso fundamental para muita gente e precisa ser tratado com
seriedade. Tem que ter um tom de formalidade, como é o papel timbrado com a
marca da organização. É importante se adotar critérios para a sua utilização',
analisa.
O editor do site InfoGuerra, Giordani Rodrigues, especializado em notícias e
segurança na Internet, acrescenta que a grande divulgação desses hoaxes pode
congestionar servidores e retirar sites do ar, como ocorreu com o de uma
universidade e com uma página das Nações Unidas, por causa de um boato sobre
previsões de Nostradamus e uma corrente para assinatura de um falso abaixo-
assinado, logo depois dos atentados de 11 de setembro. Ele garante que, a longo
prazo, há o efeito de se diminuir a credibilidade que as pessoas depositam na Web
e sua qualidade como fonte de informações variadas.
Para tentar solucionar essa questão, Rommel Carneiro acredita que um trabalho de
conscientização com os funcionários é o melhor caminho para se evitar que os
hoaxes se espalhem em ambiente corporativo. Uma boa política também é nomear
um responsável pela segurança das empresas e elaborar um comunicado que deve
ser enviado a todos os profissionais, frisando que nenhum alerta sobre vírus,
qualquer que seja, deve ser repassado para ninguém, a não ser para o responsável
pela segurança. 'Existem ferramentas que filtram mensagens vindas de
determinadas origens, mas podem bloquear algo que não tem nada a ver. Têm
poder limitado', frisa, complementando que o acesso ao envio de e-mails somente
deve ser permitido a quem realmente precisa dele, com a definição de que tipo de
conteúdo pode estar contido nele.

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