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Prof.

Ricardo Feijó
 O largo período que vai da queda do Império
Romano, entre os séculos V e VI (o último imperador
romano morre em 476), ao final do século XV,
época do início das grandes navegações, delimita o
que se conhece como Idade Média.
 É vantajoso estudar-se o período dividindo-o em
duas épocas. A primeira preside às mudanças
radicais no estilo de vida europeu com o
desaparecimento de cidades e a acentuada
ruralização.
 Muitas das práticas romanas são esquecidas e a
Europa entra em período de menor fervor cultural.
O poder político pulveriza-se ao mesmo tempo em
que, lentamente, vão-se consolidando as instituições
medievais. Essa etapa vai até o ano de 1200 e
corresponde também ao apogeu da civilização
islâmica.
 Enquanto a Europa mergulha na Idade das Trevas, os povos
árabes conquistam um grande império, que em 730 incorpora
desde a Espanha e o sudoeste da França, passando pelo norte da
África e o Oriente Médio, até as longínquas fronteiras da Índia e
da China
 O Império Islâmico destaca-se pelo seu refinado padrão de vida e
pela sua cultura, onde se valorizavam a literatura, a ciência, a
medicina e a filosofia. Sabemos que os árabes travaram contato
com diversos povos, conheceram a sabedoria hindu, preservaram
e desenvolveram o conhecimento grego em Matemática, Física,
Química e Astronomia.
 É possível que eles tenham tido um papel no
desenvolvimento do pensamento econômico, mas
pouco se sabe a esse respeito. Há, de fato, uma
carência de estudo neste assunto.
 A relevância dos árabes nas idéias econômicas
começa com a grande contribuição que foi o sistema
de números inventado por eles. Os números
arábicos facilitaram as tarefas aritméticas e
certamente impulsionaram os processos de
contabilização econômica e o desenvolvimento de
uma primitiva Econometria.
 ... embora eles soubessem das reflexões de Aristóteles
sobre o valor dos bens.
 O mais importante, para nossos propósitos, foi os árabes
terem preservado e traduzido os clássicos remanescentes
da filosofia grega. Quando em 1085 os europeus
retomam Toledo, na Espanha, e para lá afluem os
acadêmicos em busca dos clássicos antigos, a Europa
desperta de seu sono e recupera novamente o gosto pela
filosofia. O que viria a ter uma importância muito
grande no desenvolvimento do pensamento econômico
pelos padres escolásticos nos próximos quatro séculos
que se seguiram.
 A segunda etapa da Idade Média, tal como estamos
caracterizando, vai de 1200 a 1500. O grande
divisor de águas foi o renascimento filosófico
impulsionado pelo resgate da filosofia grega. Tomás
de Aquino (1225-1274) destaca-se então como o
pensador mais influente do período.
 É nesse segundo período medieval que a análise
econômica terá um significativo avanço.
 Antes de discuti-lo, vejamos algo mais da etapa
anterior.
 No feudalismo constata-se a divisão do poder
político. Não há um Estado centralizador forte e sim
um imenso conjunto de pequenos feudos cuja base
do poder está na propriedade da terra.
 Os proprietários são os senhores que estão inseridos
numa malha de relações políticas com outros
senhores. No topo dela está o rei, um antigo chefe
da tribo primitiva que invadiu a Europa, e o poder
da Igreja.
 Os senhores possuem direitos e obrigações entre eles e cada
qual cuida de seus camponeses, homens ligados a terra e
inteiramente submetidos aos desígnios do seu senhor.
 Os camponeses não podem ser escravizados ou expulsos da
terra.
 Os camponeses cumprem uma série de obrigações, como
transferir uma parte da produção agrícola, pagar impostos
e trabalhar alguns dias da semana nas terras de uso do seu
senhor.
 Em troca, os senhores dão proteção a eles, resolvem as
disputas jurídicas entre eles, oficializam casamentos e
garantem alguns benefícios paternalistas.
 Há, portanto, um sistema de obrigações e serviços
mútuos regulado pelos costumes do feudo, já que
não existem leis escritas como na época do Império
Romano.
 A produção artesanal regrediu por essa época.
 Predomina então a atividade agrícola, em pequena
escala, usando-se técnicas agrícolas primitivas.
 A atividade comercial é, de início, bastante
limitada, embora ela venha a crescer a partir do
século XI.
 A base da organização não está no contrato, mas
nas relações de status. A palavra empenhada, a
promessa verbal e a defesa da honra valem mais
do que a lei escrita.
 A sociedade medieval espelhou a hierarquia social de
Platão em A República. Na base, uma classe de
trabalhadores camponeses, acima delas os senhores
seculares, com sua rede de lealdades transferíveis de um
senhor para outro, e no topo os senhores eclesiásticos:
padres e bispos que deviam lealdade permanente à
Igreja de Roma.
 Como no modelo social platônico, a classe superior era a
repositória e guardiã do conhecimento. Seus
representantes contemplavam o mundo natural de olho
no plano espiritual e desenvolviam idéias teológicas
imbricadas em alguma filosofia.
 A organização da vida social refletia as crenças religiosas e, como
o ensino religioso era monopólio da Igreja, existiu de fato uma
certa centralização de poder em Roma, mas não nos moldes de
um império.
 Além de canalizar para si o poder e a riqueza, a principal
preocupação da Igreja era fazer prevalecer os preceitos éticos
cristãos. A ética cristã ditava a organização da vida medieval e ela
serviu como cimento ideológico capaz de manter coesa a Europa
Medieval e proteger seus governantes contra a insurreição da
maioria de camponeses pobres.
 A ética paternalista na medida em que difundia o comportamento
altruístico entre os ricos contribuía para acalmar as tensões
sociais.
 A vida econômica na sociedade medieval era sustentada pela
atividade agrícola.
 Os feudos eram auto-suficientes e quase nunca produziam
um excedente exportável.
 A partir do século XI, mudanças tecnológicas aumentaram
significativamente a produtividade na agricultura e com isso
pôde-se gerar crescentemente um excesso de produção
destinado ao comércio.
 A atividade comercial dá origem a uma nova classe de
homens enriquecidos sem vínculos fortes com a antiga ordem
social. São os portadores do elemento que iria dissolver
lentamente as relações feudais: a substituição dos vínculos
medievais que existiam entre as pessoas, legitimados pela fé,
por relações de mercado.
 A transição para o capitalismo comercial não
foi linear; muitas guerras, revoltas e
retrocessos ocorreriam até que o capitalismo
comercial substituísse o feudalismo nos países
mais adiantados da Europa.
 O início das transformações sociais ocorre com as inovações
tecnológicas que ocorreram no século XI. Verifica-se
primeiramente uma mudança no sistema de rodízio das culturas.
 A repercussão desta prática na produtividade agrícola foi um
aumento de 50% no rendimento das lavouras.
 O aumento na produção de aveias e outras forragens permitiu a
expansão da pecuária, pois mais animais poderiam ser
alimentados.
 Soma-se a isto a utilização do cavalo em substituição ao boi que se
generaliza tanto na aragem da terra como no transporte.
 A maior agilidade do cavalo impulsionou a produtividade
agrícola.
 Outras tecnologias também se desenvolveram.
 Os arados de osso foram substituídos por equipamentos de
madeira e depois se passou a reforçá-los com pontas
metálicas pelo desenvolvimento da metalurgia.
 Novos tipos de adubos são inventados aproveitando-se os
excrementos e restos orgânicos dos animais.
 A construção de carroças fora melhorando gradualmente
até se chegar no século XIII aos modelos de quatro rodas
com pivô no eixo dianteiro.
 A Primeira Revolução Agrícola corresponde ao período de
intensas inovações tecnológicas na agricultura européia nos
séculos XI a XIII.
 Antes a gleba era dividida em duas áreas.
 Ao longo do ano, cultivava-se apenas a metade da
terra enquanto a outra permanecia em repouso para
a recuperação de sua fertilidade.
 No ano seguinte, a terra em pousio era explorada
deixando-se a outra, que tinha sido cultivada
anteriormente, em descanso.
 Começa então, por essa época, a plena difusão entre
os agricultores da nova técnica de duas culturas por
ano.
 A terra é dividida agora em três campos.
 No primeiro há uma cultura de outono, com colheita na
primavera, em geral plantando-se centeio ou trigo.
 O segundo campo é cultivado na primavera com sementes de
aveia, feijão e ervilha, para coleta no próximo outono.
 O terceiro campo permanece em pousio ao longo do ano.
 No ano seguinte utiliza-se a terra que estava parada, uma das
terras anteriormente cultivadas fica em repouso e assim por
diante, alternando-se os campos.
 Com isso, apenas um terço do terreno fica incultivado sem
perda da qualidade do solo.
 O excedente de produção permitiu a expansão
demográfica na Europa cuja população cresceu cerca de
três vezes no período, gerando-se assim um excedente
de mão-de-obra.
 O enriquecimento de parte da população possibilitou
mercado consumidor para as manufaturas, cuja
produção estabeleceu-se em núcleos urbanos em torno
dos feudos ou que se formaram nas feiras ao longo de
rotas comerciais pelo interior do continente.
 Tais aglomerações eram os burgos que viviam à mercê
dos senhores feudais.
 Em breve, alguns destes centros transformam-se em
cidades que pouco a pouco foram se livrando da
tutela dos senhores.
 O fluxo de manufaturas deu um impulso adicional
ao comércio que vinha se desenvolvendo para os
produtos agropecuários.
 O aperfeiçoamento das carroças, a melhoria das
estradas e a navegação costeira e dos rios
permitiram o comércio de longa distância.
 No século XI, o fato político das Cruzadas, leva de
europeus que se deslocavam a pé até a Terra Santa
com o fito de expulsar dela os mulçumanos, também
contribuiu para impulsionar o comércio.
 A ampliação do comércio foi um fator de desintegração
da sociedade medieval.
 Muitas das obrigações mútuas entre o camponês e o
senhor ou mesmo entre os senhores, ditadas pela
tradição medieval, foram sendo substituídas pelo
pagamento em dinheiro de aluguéis e taxas.
 Com o aumento da renda dos camponeses, algumas das
obrigações em trabalho são substituídas por pagamentos
em dinheiro.
 Outros deveres, como destinar parte da produção ao
senhor, também são transformados em pagamentos.
 Com isso, camponeses viram simples arrendatários e
senhores feudais tornam-se meros proprietários de
terra.
 Tal processo, no entanto, só se completa ao final da
Idade Média e nos países europeus mais atrasados ele
prossegue até o século XIX.
 A transição de um modelo social a outro conheceu
inúmeros sobressaltos.
 No fim da Idade Média, a ocorrência de catástrofes era
acompanhada por tentativas de reintroduzir as antigas
obrigações feudais.
 A reação dos camponeses, por vezes, resultava em
rebeliões que proliferaram pela Europa. A Guerra dos
Cem Anos (1337-1453) e a Peste Negra dizimaram a
população, aumentando com isso os salários e reduzindo
a renda.
 Isso forçava os senhores a buscarem recuperar os direitos
antigos como forma de compensar o prejuízo. O que
tendia a agravar o quadro de conflitos sociais.
 As grandes feiras comerciais até o século XIV
permaneceram sob a tutela do senhor feudal.
 No último século do período medieval, muitas delas
tinham se transformado em verdadeiras cidades comer-
ciais que conseguiram se libertar do senhor feudal.
 Na ausência do poder externo, as cidades buscaram
criar suas próprias instituições. A mais importante eram
as Guildas, corporações que regulamentavam a
produção de manufaturas e as atividades financeiras e
comerciais. Tal instituição também intervia nas questões
sociais e religiosas.
 A atividade financeira também se desenvolveu no fim da
Idade Média.
 A doutrina cristã era contrária ao empréstimo a juros,
mas a posição oficial da Igreja foi se tornando mais
flexível.
 Há passagens bíblicas, no “Deuteronômio”, em que se
condena o juro e, com base na Bíblia, no século IV o
Concílio de Nicea baniu a prática dos juros entre os
clérigos.
 No reino de Carlos Magno, a proibição é estendida a
todos os cristãos. A alegação é a de que é injusta a
prática da usura, onde se recebe mais do que é dado.
 As leis contra a usura permaneceram por séculos. Nos séculos
XII e XIII, o desenvolvimento econômico estimulou a atividade
financeira.
 Aparecem os primeiros banqueiros que recebem depósitos
pagando juros por eles.
 A doutrina econômica de cunho moral ia cedendo à prática
econômica e a Igreja passava a influenciar os reis para que
permitissem os juros, mas regulassem o valor cobrado.
 Os limites legais variavam de 10% ao ano na Itália a 300% em
Provença. Os reis também passaram a receber fundos
mediante pagamento de juros. Frederico II pagava aos credores
juros de 30 a 40% ao ano, mais do que comerciantes pagavam
pelos empréstimos recebidos dos banqueiros, algo entre 10 e
25%, dependendo do tipo de crédito.
 À medida que as cidades comerciais foram adquirindo
autonomia, seus dirigentes procuravam estabelecer um
código legal preciso em substituição ao direito consuetu-
dinário e paternalista do feudalismo.
 As transações comerciais e financeiras foram então regu-
lamentadas por uma legislação comercial específica. Tal
legislação permitiu incrementar o comércio, pelas leis de
contrato, legalização das representações comerciais e das
vendas em leilão, e criar novos instrumentos e operações
financeiras, tais como letras de câmbio e outros papéis
negociáveis, câmaras de liquidação de dívidas etc.
 É de se esperar que todo esse desenvolvimento da
vida econômica tenha de alguma forma contribuído
para uma melhor compreensão do processo econô-
mico e do funcionamento dos mercados.
 De fato, na etapa final da Idade Média (de 1200 a
1500) um avanço não desprezível da análise econô-
mica aparecerá nas reflexões dos padres escolásticos
do período.
 O pensamento econômico na Idade Média, no seu
período avançado a partir do século XIII, será de-
senvolvido no interior dos mosteiros onde padres
cultos irão explorar e estender as reflexões econô-
micas preexistentes inspirando-se nas traduções das
obras de Aristóteles.
 A mescla da filosofia peripatética com o pensamento
bíblico deu origem à escola escolástica que contri-
bui significativamente para o avanço da reflexão
econômica à época.
 Embora ainda envoltos com falácias e precon-
ceitos antieconômicos, os escolásticos alcan-
çam um melhor entendimento dos mercados e
dos fenômenos relacionados de preço, valor e
juro.
 Nas questões econômicas, como de fato em to-
dos os aspectos da cultura e da teologia, so-
bressaiu-se o nome de Tomás de Aquino, o
mais importante pensador escolástico do século
XIII, que marcaria com suas idéias todo o
período restante da Idade Média.
 Aquino pode ser visto como um divisor de águas entre os
dois períodos medievais que estamos considerando.
 A sombra de sua autoridade em filosofia e religião ainda
hoje se faz presente.
 Interessa-nos diretamente a geração de grandes mestres
escolásticos entre os séculos XIII e XIV que no bojo de seus
pensamentos disseram algo sobre a economia.
 Entre eles destacamos Alberto Magno, Henry de Friemar,
John Duns Scotus, Jean Buridan e Geraldo Odonis.
 A estratégia de exposição de idéias dos escolásticos
resulta numa construção teórica edificada por um
método peculiar.
 Dela faziam parte argumentos estruturados em ca-
deia dedutiva de raciocínios que procuravam refu-
tar uma posição contrária inicialmente estabelecida,
mais pela lógica, pela fé e com base na autoridade
do que buscando sustentação na experiência.
 Os escolásticos preocupavam-se com a questão
moral e ao tratarem de Economia irão se interessar
pelo aspecto da justiça, mais especificamente pela
justiça das trocas ou justiça comutativa.
 Como vimos, esta era também a preocupação de
Aristóteles e assim os padres tomam dele o conceito
de reciprocidade nas trocas como ponto de partida a
partir do qual irão se aprofundar, esclarecendo
certos pontos e corrigindo ambigüidades.
 O primeiro aspecto a ser ressaltado da reflexão
econômica dos padres medievais é a distinção entre
“ordem natural” e “ordem econômica”.
 Isto já se fazia presente séculos antes em Santo
Agostinho.
 Aristóteles não separa a economia da ordem natural.
 Em analogia, Agostinho acredita que moralmente a
economia não se distingue da ordem natural.
 Aceita, entretanto, que por vezes os homens são
levados a valorizar as coisas e ordená-las em impor-
tância não pelo uso do critério legítimo das neces-
sidades naturais, mas pela consideração do prazer
gerado pela posse e usufruto delas.
 Na esfera natural, os bens são ordenados pela im-
portância que eles possuem no atendimento de ne-
cessidades fisiológicas naturais, enquanto que no
âmbito das trocas econômicas prevalece o critério
da busca do prazer sensual que não tem diretamente
uma base natural.
 Há assim a distinção entre necessidade e prazer em
Santo Agostinho, que terá uma importância no desen-
volvimento do pensamento econômico no século XIX.
 Santo Agostinho forneceu também uma interpretação
subjetivista do valor econômico como sendo gerado a
partir das necessidades humanas.
 É base de toda reflexão medieval sobre o valor e a
maneira como determinado pensador concebe esta
distinção matiza as posições particulares de cada qual.
 Agostinho separa as duas ordens associando-as res-
pectivamente ao atendimento de necessidades naturais
ou, como algo distinto, prazer sensual.
Alberto Magno (1206-1280)
 O grande latinista professor de Tomás de Aquino,
também considera que as necessidades humanas diante
da escassez dos bens, a que chama de indigentia, sejam
a medida do valor na ordem natural.
 Entretanto, reconhecendo a separação do econômico
em relação ao natural, ele considera que na ordem
econômica as coisas são avaliadas de outra maneira.
 Os bens são vendidos em relação ao trabalho (em latim
opus) desprendido na sua obtenção e, sendo assim, o
valor de troca deve corresponder ao custo de produção
(em trabalho e em outras despesas).
 Se o preço de mercado de um bem não cobre os
seus custos de produção ele cessa de ser produzido e
se o preço está abaixo desse custo não haverá mer-
cadoria disponível para atender a todos os que a
desejam.
 Com isso, Alberto Magno acrescenta uma idéia de
equilíbrio de mercado à noção primitiva de valor em
Aristóteles, enfatizando o lado do custo em detri-
mento do papel da demanda.
 A partir do século XIII, os preços começam a ser
tratados como valores de equilíbrio.
 Os pensadores identificam uma variável econômi-
ca, no caso de Magno os custos, como sendo a fonte
reguladora do valor.
 No entanto, muito tempo restaria até uma clara
compreensão do processo de determinação dos
preços a partir de um modelo sistemático que inte-
grasse as considerações de oferta e demanda.
Tomás de Aquino
 Ele rompe com seu mentor ao enfatizar as
necessidades ou desejos humanos em face da
escassez dos bens, ou seja, o conceito de
indigentia em Magno, como sendo o ponto de
partida do valor.
 Aquino desconsiderou as diferenças entre
necessidade e prazer, enfatizada para separar a
ordem natural da econômica, e ao negligenciar
essas diferenças ofuscou a análise anterior do
fenômeno das trocas.
 A noção tomista de indigentia como fundamento
do valor significa, indiscriminadamente, neces-
sidade humana ou prazer.
 Alguma idéia do papel da escassez dos bens
também é importante na determinação do valor.
 Pode-se dizer que em Aquino o valor depende da
necessidade ou prazer diante da escassez.
 A ordem natural dos bens corresponde ao plano
do criador e discutir a importância relativa que
eles adquirem nessa ordem é prerrogativa da
teologia.
 A Economia discute o modo como os homens
avaliam a importância dos bens e Aquino afirma
que o fazem comparando as utilidades atendidas
por cada bem nos respectivos montantes em que
estão disponíveis.
 Na esfera econômica, e não na natural como em
Magno, os preços são determinados pela
indigentia.
 Magno e Aquino posicionam-se, portanto, em dife-
rentes linhas interpretativas do legado de Aristóteles
 Mas as diferenças entre eles devem ser consideradas
apenas uma questão de ênfase.
 Ambos interpretam os preços como um processo de
equilibração e encontram uma variável básica regu-
ladora do valor, custos em Magno e indigentia em
Aquino, mas também consideram o papel, embora
secundária, da outra variável em foco.
 Mesmo aceitando as similaridades entre eles, é impor-
tante reconhecer que suas nuanças interpretativas da
Ética a Nicômaco, ponto de partida de toda análise do
valor no ocidente, deram origem a diferentes tradições
 A introdução do elemento “necessidade” na fórmula
dos preços por Aquino foi um primeiro passo para o
desenvolvimento de uma análise da demanda.
 Mas ele ainda estava longe de compreender o meca-
nismo de mercado.
 Aquino considerava a economia como estando sub-
metida ao fato moral, mas ele já percebia que as for-
ças de mercado não poderiam ser analisadas exclu-
sivamente pela consideração da noção de justiça.
 Começa a aparecer por essa época uma consciência
crescente da autonomia da esfera econômica.
 Os padres escolásticos, que sucederam e deram
seqüência ao tomismo, irão trabalhar as considerações
de Aquino até alcançarem um melhor entendimento
da demanda efetiva e do papel dos desejos humanos.
 Aquino oscila entre uma compreensão da vida
econômica como um sistema e uma posição moralis
-ta, conservadora e preconceituosa da Economia.
 Embora tenda a acreditar que o preço de mercado é
um resultado objetivo de forças impessoais, ele des-
prezava o espírito comercial e acreditava que o
Estado deveria controlar a atividade do comércio
pela imposição de sanções.
 A base normativa para o estabelecimento de sanções
era o conceito de preço justo.
 Os escolásticos subseqüentes irão interpretar o preço
de equilíbrio no modelo tomista como sendo resultan-
te de um designo divino e equivalente ao preço justo.
 O preço justo deve remunerar apenas o suficien
-te para reproduzir a condição tradicional e cos-
tumeira da vida do comerciante, pagando pelo
custo usual de produção, pela distância e tempo
de deslocamento do bem, pelo risco de transpor-
te, bem como pelo tempo e esforço requeridos
na busca do comprador.
 Toda prática de preços acima ou abaixo do valor
justo seria uma iniqüidade, uma prática ilícita
que deveria ser combatida a qualquer custo.
 O valor impessoal de mercado, determinado pelo
balanço das indigentia, deveria de alguma manei-
ra corresponder ao preço justo.
 Mas a relação entre um conceito e outro não é
bem esclarecida por Tomás de Aquino.
 O preço justo era definido com base nos custos,
enquanto que o preço teórico, em Aquino, fun-
damentava-se no lado da demanda.
 Isto não quer dizer que a análise do preço justo
seja objetiva, pois tal noção enfatiza os sacrifícios
do vendedor pensados também em termos subjeti-
vos, como significando os sacrifícios que o produ-
tor avalia estar incorrendo.
 As considerações econômicas tomistas não se limi-
tam à questão teórica do valor. Aquino teceu inú-
meros comentários éticos sobre a vida em sociedade
 Todas as relações econômicas e sociais para ele
emanam da providência divina.
 A divisão social de trabalho e papéis individuais é
necessária e para tanto se tornam indispensáveis as
distinções socioeconômicas, que todos os homens
devem aceitar.
 Os que são agraciados pela riqueza devem usá-la para
prestar serviços à sociedade.
 A riqueza e a instituição da propriedade privada são justi-
ficadas como uma condição para a assistência aos pobres.
 O homem rico que não presta serviços à sociedade deve ser
nivelado ao ladrão comum.
 Para inibir a acumulação desenfreada de riquezas, a usura
deve ser proibida, pois o juro é o ganho à custa dos seme-
lhantes.
 Assim, Aquino mistura uma ética conservadora e antieco-
nômica com uma percepção da impessoalidade da esfera
econômica, o que gera tensões em seu pensamento e ele-
mentos de difícil reconciliação.
 Um passo importante no aprimoramento das idéias de
Aquino para uma melhor compreensão da demanda de
mercado foi dado por Henry de Friemar (1245-1274).
 Sabemos que a moderna noção econômica de demanda é
agregativa, no sentido de que considera o desejo de todos
os compradores que participam do mercado.
 No entanto, o conceito tomista de indigentia refere-se ao
indivíduo isolado. Friemar estendeu tal conceito ao
concebê-lo como uma medida agregada que engloba a
somatória das quantidades desejadas por muitos
indivíduos.
 Indo além na análise, ele diz que o valor depende dessas
quantidades em relação ao que está disponível no mercado,
ou seja, depende da demanda em face da escassez.
 Um bem pode apresentar um preço baixo mesmo diante de
forte demanda se houver abundância dele.
 Friemar percebe, com clareza, que o preço é um fenômeno
que depende também da oferta e de certa forma ele incorpo-
ra esse lado quando diz que o valor é determinado pelas
“necessidades comuns de algo escasso”.
 No entanto, ainda está longe de um modelo satisfatório dos
mercados, por não possuir as ferramentas desenvolvidas
pelos marginalistas do século XIX.
 A associação entre indigentia e preço justo ensejou
numerosas controvérsias na Idade Média que procu-
raram reconciliar o modelo teórico tomista de deter-
minação do valor pelo balanço das indigentia com a
norma moral do preço justo
Johannes Duns Scotus (1265?-1308)
 Tentativas de revisão do conceito, no sentido de melhor
adaptá-lo como preceito moral, apareceram em
Johannes Duns Scotus.
 A crítica de Scotus começa por questionar se o desejo
deve sempre ser o determinante fundamental do valor.
Diz que algo não é precioso em si mesmo só porque a
preferência do comprador é forte.
 Haveria nesta concepção um elemento de imoralidade,
pois, é errado querer tirar vantagem dos desejos intensos
do comprador, como quem negocia drogas a preços
elevados explorando o desejo intenso do viciado.
 O conceito de preço justo leva em conta os custos e
os sacrifícios do vendedor e uma parte desses sacrifí-
cios é avaliada subjetivamente por ele.
 Ora, é justo que quem incorra em maiores sacrifí-
cios, ou que assim pensa fazê-lo, possa receber mais
pela mercadoria.
 Se o preço justo levasse em conta apenas um nível
ordinário de sacrifício, os mais eficientes (menos sa-
crifício) não poderiam cobrar um preço abaixo da
concorrência; os mais ineficientes teriam que rece-
ber abaixo do sacrificío, o que não seria justo.
 O que dizer de quem produz a sacrifícios acima ou abaixo
da média?
 A noção de preço justo seria determinada caso a caso e um
a lei que controlasse os preços com base nesse critério de-
veria ser bastante flexível e observar cada contexto, o que
de fato não ocorria na época.
 Há ainda uma outra questão, se concordamos com Scotus,
que o vendedor não pode repassar aos preços o desejo ar-
dente do consumidor por não ser justo, então por que é
justo que ele repasse aos preços o seu próprio desejo de ser
remunerado pelo sacrifício?
 As questões levantadas por Scotus levaram Jean Buridan,
reitor da Universidade de Paris, a dar um grande passo na
evolução da teoria escolástica do valor.
 Pensador escolástico que teceu um grande núme-
ro de comentários à obra de Aristóteles, contri-
buiu para o avanço da reflexão econômica com
algumas revisões de conceitos.
 Ele percebeu que a solução dos problemas levan-
tados por Scotus demandava uma nova interpre-
tação da noção de desejo.
 Como Friemar, ele formulou a idéia de desejo
agregado como o determinante da demanda efe-
tiva e, em última instância, do valor econômico,
levando–se em conta também o poder de compra
dos consumidores.
 Diferentemente dele, entretanto, o conceito de
indigentia em Buridan também se aplica à luxúria
e não apenas às necessidades naturais.
 A somatória dos desejos, qualquer que seja a sua
natureza, o poder de compra dos demandantes e a
situação de oferta determinam simultaneamente o
estabelecimento de um estado de negócios justo ou
normal.
 “O mercado é o melhor juiz do valor” e quando
para lá acorremos consideramos a avaliação do
mercado sem intervir nele.
 Buridan aproxima sua análise do modelo moderno do
mercado de concorrência e sua visão viria a afetar o pen-
samento econômico na Europa continental, mais que na
Inglaterra.
 A pobreza é a condição de quem não tem o que deseja,
mas uma vez provido de recursos financeiros o pobre
consegue sancionar a sua demanda, que irá depender
também da utilidade que atribua ao bem.
 Buridan diz que a utilidade é uma experiência psicológica,
mas ele enfatiza também as propriedades que os bens pos-
suem e que nos levam a desejá-los.
 A sua análise conduziu, seis séculos depois, ao moderno
conceito de utilidade marginal.
 Há um entendimento crescente ao longo da Idade
Média de que o valor é um conceito que depende
tanto dos custos de produção, destacadamente do
trabalho, quanto de fatores de demanda, tais como
necessidades, desejos, indigentia e renda dos consu-
midores.
 Friemar e Buridan já caminharam em direção a uma
síntese entre os dois lados da oferta e demanda.
 No começo do século XIV, passos importantes em
direção à síntese, que só seria completada muito
depois, foram dados pelo escritos do monge francês
da ordem franciscana Geraldo Odonis (1290-1349).
 Ele percebeu que o trabalho humano é um compo-
nente importante para o valor, mas que essencial-
mente o valor dos bens é conferido pela sua rarida-
de (em latim raritas).
 A raritas mede o grau de escassez do bem em face
das necessidades.
 É o inverso do conceito de indigentia que avalia as
necessidades diante da escassez e essa inversão tem
como conseqüência deslocar a atenção teórica dos
desejos humanos para a disponibilidade do bem.
 Para Odonis, a teoria de Alberto Magno, que via
o valor na quantidade de trabalho, é unilateral,
pois não enfatiza a relação do trabalho com a
escassez, este sim o verdadeiro fundamento do
valor.
 Primeiramente, é preciso notar que os trabalhos
diferem entre si no que tange à sua qualidade.
 O que determina as nuanças de qualidade no
trabalho é o grau de eficiência a depender das
diferentes habilidades produtivas dos homens.
 Odonis cria uma teoria também para explicar as
diferenças de salários.
 Munidos de diferentes habilidades, os homens se
situam dentro de um espectro de eficácias relativas,
adquiridas a um custo diferenciado.
 Como todo tipo de trabalho é escasso, dada a escas-
sez de habilidades, os produtos obtidos por ele tam-
bém o são.
 O trabalho escasso, ao restringir a produção de
bens, gera a escassez. É por isso que o trabalho re-
gula o valor.
 Tanto a teoria dos custos quanto a da demanda são
componentes de um princípio único no modelo de
Odonis.
 Embora falte uma maior articulação analítica de c
onceitos, a solução de Odonis destaca-se por procu-
rar uma síntese de conceitos que incorpora deman-
da e custos na questão do valor.
 Modelos como esse, que integram os dois enfoques,
cairão em certo esquecimento no século XVIII pela
ênfase unilateral dos economistas ingleses na teoria
do valor-trabalho.
Lado dos custos Aristóteles Lado da demanda
Reciprocidade

Tomás de Aquino
Alberto Magno
Indigentia e preço
Trabalho e despesas
justo

John Duns Scotus


Henry de Friemar
Crítica à teoria do Demanda agregada e
preço justo escassez

Jean Buridan
Demanda efetiva,
utilidade e mercado

Geraldo Odonis
Raritas e
habilidades do trabalho

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