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Anais XVI Encontro Nacional dos Geógrafos

Crise, práxis e autonomia: espaços de resistência e de esperanças


- Espaço de Socialização de Coletivos –

PROJETO: AMBULO ERGO SUM: TRABALHO E MOBILIDADE NA


PRODUÇÃO DO ESPAÇO BRASILEIRO.
Coordenador: Claudinei Lourenço
Sócio da AGB-SLBH – Prof. Dr. Do Departamento de Geografia da UFMG
claulouren@yahoo.com.br
Co-autores – sócios da AGB-SLBH – discentes de graduação em Geografia da UFMG
Adriane Aparecida dos Santos; Bruno Fernandes Magalhães de Oliveira; Camila
Ragonezi Gomes Lopes; Carla Maíza Ireno Freire; Clara Moreira Martins da Costa;
Daniel Gomes Batista de Oliveira; Diego Gontijo Lacerda; Diego Tadeu Castro da
Mata; Felipe Ricardo Borges Lopes; Gizelle Barbosa Telésforo; Helena Augusta da
Silva Gomes; Lucas Oliveira César; Luciana Dias Gontijo Soares; Marcos Paulo
Fernandes Alves; Marina da Silva Teixeira; Milton Carvalho Moreira Júnior; Paulo
Cabral Lage; Pedro Henrique de Mendonça Resende; Renato Frade da Costa; Rodrigo
da Cruz Quadros; Suellen Guimarães Alves; Thiago Viana de Azevedo.
Resumo
A centralidade do trabalho assume na sociedade contemporânea aspectos determinantes
na produção do espaço. As chamadas transformações no mundo do trabalho apontam
cada vez mais para a necessidade crítica de superação da forma fetiche e suas
conseqüências devastadoras. Neste contexto ganha destaque as formas da mobilidade do
trabalho, tanto aquelas sob a forma de precarização das relações quanto aquelas sob a
forma da mobilidade territorial. Pensar criticamente tal processo torna-se fundamental
para pensar o mundo contemporâneo e as possibilidades de emancipação humana.
I- Introdução:
Apresentamos no Espaço de Socialização de Coletivos a experiência de reflexão e
desenvolvimento empírico sobre a mobilidade do trabalho no Brasil. Trata-se, antes de
mais nada, de um processo didático-pedagógico em torno da questão. Resultado em
processo, pretende comunicar seu desenvolvimento. Apresentamos, em resumo, três
movimentos: aproximações teóricas, proposições empíricas e expectativas dialógicas.
Parte-se do pressuposto da produção da mercadoria força-de-trabalho. Não sendo um
produto simples nem uma mercadoria como outra qualquer, seja pela sua especificidade
de produtora de valor seja pela substância humana latente, torna-se núcleo teórico vital.
Especificamente como mercadoria reprodutora de mercadoria, a força-de-trabalho
desenvolve seu duplo na acumulação de capital no dispêndio abstrato de tempo. Torna-

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se, portanto, trabalho abstrato. Força-de-trabalho abstraída. Tal movimento, em seu


ideal, encontra-se com os pressupostos concretos não-abstraídos, requerendo novas
sínteses. Observamos tal mercadoria em seu processo de circulação. Nascimento, vida e
morte: circulação orgânica. Migração: circulação geográfica. Monetarização: circulação
social. Logo, entende-se mobilidade como conceito da circulação em geral e seu
desdobramento nesta proposição afeta basicamente o empírico, no caso, o corpo. Nestes
dois irredutíveis, a lógica e o humano, encontramos todos os liames. Trata-se de,
finalmente, confrontá-los. É a proposta didático-pedagógica em curso. De início, a
desconstrução do trabalho como forma sensível e espiritual do conhecimento portador
da força-de-trabalho, ou seja, a separação ontológica entre ser e trabalho: forma fundida
nas forjas de carvão. Pensamos, em seguida, a reconstituição teórica da mobilidade:
uma aproximação à interpretação marxiana de Gaudemar. Desdobraremos, logo a
seguir, elementos dessa aproximação, na interpretação crítica da contribuição
geográfica.
II- Objetivos:
O objetivo cognitivo central deste ESC é fornecer aos participantes informações e
elementos metodológicos que os capacitem analisar os fenômenos determinantes
presentes na mobilidade da sociedade contemporânea em suas diversas manifestações
espaciais. Pretende-se, também, que tal reflexão estenda-se, nos aspectos desta temática,
para sua realização no ensino de Geografia.
Espera-se que, enquanto construção de habilidades, o processo contribua para a
formação do profissional da Geografia quanto à sua autonomia e capacidade de levantar
questões e desenvolver respostas sobre as principais temáticas pertinentes à produção
espacial da sociedade contemporânea.
III- Metodologia
Além do aporte teórico sobre mobilidade da força-de-trabalho, são desenvolvidos
estudos de caso com o posterior detalhamento empírico a ser desenvolvido em
atividades de campo durante a viagem entre Belo Horizonte e Porto Alegre para a
participação no ENG com a respectiva comunicação de resultados na forma de ESC.
IV- Resultados Preliminares
O apresentado como resultados preliminares compreende a elaboração de grupos
temáticos recortados no empírico a partir da reflexão teórica e da viabilidade logística

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construída com os recursos coletivamente produzidos, logo, com a mobilidade


desenvolvida, infelizmente, na forma mercadoria do transporte.
A- Mobilidade sazonal do trabalho e reprodução do capital
O Programa nacional do Álcool tem importância fundamental no processo de
reestruturação produtiva do capital, e é ponto de partida para uma série de
transformações espaciais que até hoje se verifica no interior de São Paulo,
especialmente na região de maior produtividade de etanol e de açúcar do país e do
mundo – a região de Ribeirão Preto.
Após a fase inicial do Proálcool, marcada por forte intervenção estatal, passa, num
segundo momento - final da década de oitenta e início da década de 90 – a caracterizar-
se por um marcante processo de desregulamentação do setor (marcado por falências,
fusões, desmonte e transferências de velhas usinas etc) conseqüente à adesão no Brasil
às políticas econômicas de caráter neoliberal.
Esse é o movimento que conduziu a uma significativa reestruturação produtiva do
capital no interior de São Paulo e que apostou no cultivo e beneficiamento da cana-de-
açucar ao longo das últimas décadas, principalmente após a crescente demanda por
etanol a partir da produção dos carros flex-fuel, tanto nos mercados interno e externo.
Entretanto, o progresso econômico desse setor, altamente propagandeado atualmente,
como não poderia deixar de ser, é marcado pela concentração: tanto de lucros, como de
terras na região. Como fatores apontados que ajudam a entender tais concentrações,
temos, no âmbito do trabalho, um amplo processo de flexibilização que se traduz pro
trabalhador em precarização das suas relações de trabalho e da sua condição de vida.
Para melhor entendermos o que se quer dizer com flexibilização, devemos nos remeter
ao modelo de produção-flexível, incorporado pelos capitais agroindustriais e que
contribuiu para o que aqui estamos chamando de reestruturação produtiva. De que
forma essa produção foi modificada? No setor sucroalcooleiro, o que se verifica é uma
incorporação muito forte da automação microeletrônica, das máquinas nas colheitas,
além de novas formas de gestão na organização da cadeia produtiva. O que moderniza o
setor e ao mesmo tempo retoma formas de exploração do trabalho arcaicas, precárias e
desumanas.
Ainda sobre esses que representam o lado mais perverso da acumulação capitalista e da
exploração do trabalho, propomos uma leitura das formas com as quais, sindicatos e

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trabalhadores, vêm se organizando para uma possível resistência à mobilidade do capital


e do trabalho.
B- A mobilidade do trabalho e a modernização de São Paulo
Este estudo consiste na análise dos elementos da modernização de São Paulo - da região
da atual metrópole - a partir da elaboração de Gaudemar (1977) sobre a mobilidade da
força de trabalho e a acumulação do capital. A formação econômica e social de São
Paulo será apreendida como particularmente atrelada à mobilidade da força de trabalho,
em que a generalização da troca e das relações capitalistas de produção pressupõe para o
capital, simultaneamente, a demanda e a oferta de trabalho (GAUDERMAR, 1977).
Interpretam-se as mudanças na e da realidade de São Paulo em relação à maneira como
historicamente o mundo da mercadoria, em sua lógica reposta pela forma valor e seu
fundamento, o trabalho, determinou essa mesma realidade.
As elaborações de Alfredo (2004) acerca da mobilização do trabalho escravo indígena e
da formação da propriedade privada da terra no Planalto Paulista no século XVIII
indicam que a cidade, aparentemente restrita e intermediária à produção agrária,
gestava-se, contudo, a partir da formação da propriedade privada em São Paulo. Pois os
princípios da propriedade privada já se faziam presentes através dos aldeamentos
indígenas, ilusoriamente entendidos como de um passado colonial e, por isso, pré-
capitalista. Trata-se da contradição agrário-urbano referente à urbanização de São Paulo
(ALFREDO, 2004). A partir das análises de José de Souza Martins atenta-se à
reprodução de relações não-capitalistas de produção (escravistas, por exemplo) a fim de
se viabilizar as relações propriamente capitalistas no Brasil. A análise perpassa os
fundamentos da propriedade privada da terra e a viabilidade do trabalho “livre” no
Brasil. Com o surgimento da cidade de São Paulo propriamente dita no final do século
XIX, certas questões tidas como pretéritas, como a formação da propriedade privada,
entretanto, persistem (ALFREDO, 2004). Essa contradição é aprofundada e caracteriza
a urbanização e metropolização de São Paulo - configurando a simultaneidade do
moderno e do “atrasado”, sendo o segundo condição do primeiro. Por meio de
apontamentos sobre o desenvolvimento da indústria em São Paulo, traça-se o percurso
da mobilidade do trabalho em relação à acumulação do capital desde os anos 1930 até
os dias de hoje, atentando-se às mudanças e continuidades dessa relação (CARLOS &
OLIVEIRA org., 2004). A industrialização na periferia do capitalismo mundial é

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compreendida na sua determinação à urbanização crítica de São Paulo (DAMIANI,


2000).
Os principais deslocamentos da força de trabalho em direção a São Paulo para a
reprodução do capital são então interpretados, tomando-se como base os estudos de
Vainer (2000) e Silva (2008). Nesse sentido, aborda-se a “transição” do trabalho
escravo para o trabalho dos imigrantes em São Paulo e o posterior crescimento da
migração interna, principalmente dos nordestinos, a partir de 1930, como uma das
maiores expressões da mobilidade espacial da força de trabalho no Brasil. Às
metamorfoses da industrialização brasileira no fim do século XX, ligam-se as novas
formas de mobilidade da força de trabalho, como, por exemplo, a imigração dos
bolivianos para São Paulo.
Se a mobilidade do trabalho relaciona-se à modernização das relações sociais
(incompleta e, ao mesmo tempo, altamente excludente no caso), elas não se fazem sem
a colonização do cotidiano pelo mundo da mercadoria. Trata-se das constantes
alterações na vida cotidiana em São Paulo. Além da mobilidade stricto sensu da força
de trabalho, a cotidianidade também se modifica continuamente na medida em que a
reprodução de relações sociais de produção metamorfoseia o tempo e o espaço da vida
(CARLOS & OLIVEIRA org., 2004).
A mobilidade do trabalho, entendida como perfeita aos interesses da acumulação do
capital (GAUDEMAR, 1977), expressa, no momento atual, a contradição fundamental e
a crise estrutural de realização do valor para o capital. Posto que a força de trabalho seja
dispensada diante da elevada produtividade do trabalho morto (KRISIS, 2003), o capital
acaba por recusar seu fundamento (a força de trabalho, o capital variável) e não
consegue realizar seus pressupostos nem mesmo ao buscar abrigo na financeirização da
economia. A mobilidade do trabalho é verificada, portanto, nas formas atuais de
trabalho precário e de desemprego em São Paulo.
C- A Mobilidade do Trabalho nas Comunidades Faxinalenses: transformações na
produção comunal e nas relações de trabalho
O presente estudo analisa formas de uso comunal da terra e as relações de trabalho em
comunidades faxinalenses. O estudo de caso da Comunidade Faxinal Espigão das
Antas, no Município de Mandirituba (PR), proporcionará um entendimento acerca da
organização individual e coletiva de seus integrantes.

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As comunidades faxinalenses foram reconhecidas por suas especificidades apenas a


partir do ano de 2005 e somente em 2007 passam a ser reconhecidas por lei estadual.
Essas se caracterizam por terem produção animal e agrícola em terras de uso comum,
para subsistência e comercialização, realizarem extrativismo vegetal de baixo impacto e
possuírem aspectos e tradições culturais próprias. (Lei Estadual Paranaense 15.673 de
2007).
Na tese de doutorado “Campesinato e os faxinalenses do Paraná: as terras de uso
comum”, de Luís Almeida Tavares (2008), o autor enfatiza a importância dos sujeitos
históricos negro e indígena, esses como a base da formação dos faxinais, e considera
também a integração dos europeus imigrados, principalmente poloneses e ucranianos,
para a formação desse modo de vida.
A origem dos povos faxinalenses pertence a um processo dialético estabelecido pela
mobilidade do trabalho conseqüente da acumulação primitiva européia ocorrida no
século XIX que expropriava as terras dos pequenos produtores se contrapondo com a
ocupação de terras de difícil acesso por parte de povos já estabelecidos no território
brasileiro.
Os trabalhadores europeus que estavam submetidos à subsunção formal e real (Marx)
intrínseca à acumulação primitiva e ao movimento de formação de estados-nações
naquele continente formaram um contingente de trabalhadores em busca de novas terras
para a realização da própria existência, nesse contexto migraram para o Brasil
estabelecendo-se principalmente na Região Sul e é nessa movimentação que parte
desses trabalhadores se fixa no estado do Paraná trazendo suas especificidades culturais,
ressaltando-se as formas de uso da terra que proporcionaram sua interação na
composição dos povos faxinalenses.
A subsunção real passa a se impor nas relações sociais faxinalenses a partir da renda da
terra, ainda no modo pré-capitalista. Contudo, a consolidação do Capitalismo produz e
reproduz formas de uso da terra estabelecidas conforme a produção demandada,
presumindo até mesmo a dissolução das práticas comunais inerentes a esses povos.
As observações realizadas durante as atividades de campo apontam as discussões
conceituais fundamentadas, principalmente pelo trabalho de Jean Paul Gaudemar,
“Mobilidade do Trabalho e Acumulação do Capital”, no qual realiza uma interpretação
marxiana dos temas em questão, analisando e criticando a imposição capitalista das

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mobilidade forçada como estratégia na produção da força-de-trabalho e os


desdobramentos desde aspecto no processo de emancipação humana.

D - Mobilidade e reprodução das formas de vida


Faz jus a idéia de sobrevivência que aqueles sujeitos que estejam interessados a tal
necessidade orgânica de reprodução da vida sejam inseridos aos modos -
correspondentes a cada época e lógica - da acumulação econômica que o propicie
angariar alguma ou total parcela de sua produção. Também é de bom senso dizer que
naturalmente o homem não nasce proprietário de seus meios de produção, nem mesmo,
por outro lado, é de sua natureza se submeter a condições de proletariado.
Tal concepção só foi introduzida aos modos de vida da sociedade quando esta se
interessou: em parte, por acumular renda a partir da expropriação dos meios de
produção de uns e por outro lado, daqueles outros indivíduos quais foram tirados os
direitos e até mesmo sua autonomia de produção dos meios de vida e ao mesmo tempo,
foram-lhes naturalizada – por meio de instrumentos de coerção - a idéia de liberdade de
usufruir de seus atributos físicos, psíquicos e mentais como instrumentos de reprodução.
A partir do momento que lhes foi dada a possibilidade de venda de suas capacidades de
produção como força-de-trabalho a este novo modo de acumulação que vitalmente
depende desta condição para seus objetivos de apropriação de parte do tempo
empregado na produção não como custos, mas como lucro, cria-se então a melhor
mercadoria de angariação de renda: a mercadoria trabalho, aquela qual é uma
mercadoria produtiva, no qual o seu valor de uso é dissociado de seu valor de troca.
A mobilidade do trabalho surge então, para suprir tanto as condições de liberdade do
sujeito como mercadoria que tende então a se realocar no espaço para encontrar
melhores condições de trabalho, tanto como – e neste sentido será a verdadeira força
indutora da mobilidade – para suprir as demandas de circulação e de fluxos de capitais
que cada vez mais necessita desta realocação das forças produtivas em locais que
convergem centralidade produtiva, econômica e infra-estrutural para a realização da
acumulação financeira que tanto precisa de uma dinâmica de relações de expropriação
do trabalho produzido.
Os processos migratórios ocorrentes nos séculos XIX e XX que se referem à
mobilização de grandes levas populacionais européias à diferentes destinos nas
Américas foram motivados, a princípio, por eventos e processos que se desenrolaram

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numa perspectiva mais geral pelo continente europeu, como conflitos armados, crises
econômicas e agrárias, bem como as revoluções de 1848. Porém, como aponta Giralda
Seyferth, as principais causas da migração alemã estão associadas à rápida implantação
do meio de produção industrial que ocorreu em vários Estados Alemães; segundo a
autora milhares de trabalhadores rurais precisaram deixar as grandes propriedades da
nobreza agrária, ficando os artesãos - rurais e urbanos - e os pequenos produtores
camponeses independentes sem condições de competir numa economia capitalista que
se instalava de modo voraz, a partir de uma rápida e brusca transição. No entanto, o
específico estabelecimento de colônias alemãs no estado de Santa Catarina, e no sul do
Brasil em geral, está intimamente ligado às esclarecidas demandas e finalidades do
Estado brasileiro, e as conseqüentes ações e campanhas realizadas na época em prol do
seu projeto imigratório.
desse recorte territorial, incorporando a atuação dos imigrantes europeus nesse processo,
a partir não somente da categoria trabalho, mas também dos desdobramentos
decorrentes de uma nova dinâmica de circulação do capital que demandava outras
maneiras de relação entre trabalho e mão de obra, assim como a dissociação da força de
trabalho do trabalhador, que era a forma até então consolidada pelo escravismo vigente
no Brasil (Martins, 1973 em Vainer,2000, p.20).
Os motivos que geraram as ondas migratórias para a região, não giram entorno apenas
de uma simples realocação de um espaço a outro. Além do plano de consolidação da
política nacional, ao preencher os grandes “vazios demográficos” nas regiões de
fronteira ao sul, para assim assegurar a integridade geográfica do Império Brasileiro,
havia outro elemento determinante dos fluxos migratórios inseridos na conjuntura
brasileira na segunda metade do século XIX, atrelado a um novo momento da nossa
sociedade e dos novos sujeitos que ali se transmutavam: o escravo e a sua transformação
em homem livre, a demanda por uma transição rentável da forma de trabalho escravista
para uma nova forma de coerção e de domínio das forças produtivas pelas elites
agrárias.
E- Mobilidade do trabalho na produção vitivinícola da Serra Gaúcha
Segundo Santos (1978), desde a chegada de colonos italianos na região da Serra Gaúcha
observa-se a produção de vinhos. A imigração italiana ocorre em maior número a partir
de 1875, inscrevendo-se no quadro das tensões oriundas do processo de substituição do
trabalho escravo para o trabalho livre nas áreas de lavouras de exportação, assim como

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da criação da Lei de Terras de 1850, que cristalizou a terra como mercadoria. A


substituição do trabalho escravo configurou-se a partir de dois movimentos: da
desmobilização autônoma dos negros e da mobilização organizada dos imigrantes,
principalmente por ações do Estado. A política de implantação dos núcleos coloniais na
região serrana do Rio Grande do Sul teve como principais interesses: diversificar a
produção da região, anteriormente baseada na criação de gado; implantar o trabalho
livre nas colônias; ocupar as áreas menosprezadas geográfica e economicamente;
integrar a economia da Região Sul ao Sudeste, através de uma divisão inter-regional da
produção agrícola, na qual as colônias participariam como supridoras de gêneros
alimentícios para os núcleos urbanos e de matérias-primas para as indústrias. Através da
leitura desse contexto histórico, Santos (1978) coloca que certas peculiaridades fazem
do colono um personagem não especificamente capitalista, especialmente porque
proprietário dos instrumentos de trabalho e que detém a posse da terra, ainda que essa
seja para ele o equivalente de mercadoria. Embora no trabalho camponês não se
realizem todas as condições fundamentais da relação social de produção capitalista,
buscaremos expor uma análise da sua mobilização e determinação enquanto produtor de
mercadorias e criador de trabalho excedente.
Se no princípio o camponês cultivava a uva e produzia o vinho dentro da propriedade
rural, deixando a venda do produto a cargo de comerciantes, por volta da década de
1930, estes comerciantes haviam acumulado capital suficiente para dar os primeiros
passos na constituição da indústria vinícola, o que representou, a partir da criação de um
Regulamento do Vinho junto ao Estado, a expropriação do artesanato doméstico do
vinho, convertendo os camponeses em agricultores puros. Até fins da década de 1960, a
indústria vinícola gaúcha não apresentou alterações marcantes (SANTOS, 1978).
Porém, logo no início da década de 1970 começam a ocorrer fusões de capitais e a
penetração de empresas multinacionais no mercado gaúcho do vinho (empresas
associadas dos EUA, Japão, Inglaterra e Itália). Uma vez que o valor contido na
mercadoria produzida pelo camponês é superior ao preço de produção do mercado, visto
a maior utilização da força de trabalho - força criadora de valor -, o que ocorre desde a
constituição da indústria é a exploração por esta, através de uma série de mecanismos,
do trabalho excedente do camponês a partir da apropriação do valor extraordinário
cristalizado no seu produto, pois este sobre-valor não é integralmente pago. No contexto
da globalização monopolista, marcada por um alto grau de competição por mercados, a

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indústria vinícola da Serra Gaúcha passa por grandes transformações, sobretudo na


década de 1990 (SILVA, 2008). O processo de reconhecimento do selo de Indicação
Geográfica do “Vale dos Vinhedos” pela União Européia em 2007 é um fato recente
que marca definitivamente a inserção dos produtores da Serra Gaúcha no mercado
mundial dos vinhos.
V- Bibliografia
ALFREDO, Anselmo. Índio, Questão de Majestade. A ocupação produtiva e a
problemática indígena na ocupação produtiva do Planalto Paulista no Século XIII.
(Doutorado) DG-FFLCH-USP, 2004.
CARVALHAL, MARCELO. D., [dissertação] Comunicação sindical em Presidente
Prudente/SP: Elementos para uma leitura geográfica. FCT-UNESP Presidente Prudente
2000.
GAUDEMAR, J ;Mobilidade do Trabalho e Acumulação do Capital. Editorial Estampa.
Lisboa, 1977.
KRISIS. Manifesto contra o Trabalho. GEOUSP. LABUR, 1999.
HEIDEMANN, H. D.; Os Migrantes e a Crise da Sociedade do Trabalho: Humilhação
Secundária, Resistência e Emancipação. In. Migrações: discriminação e Alternativas.
SPM. Paulinas. SP, 2004.
MARTINS, J. S.; Imigração e Crise do Brasil Agrário. São Paulo. Pioneira. 1973
MARTINS, J. S.; Não há Terra para Plantar Neste Verão. Petrópolis. Vozes. 1987.
MARX, K; Formações Econômicas Pré-Capitalistas. Ed. Paz e Terra. Rio de Janeiro.
1975.
MARX, Karl; O Capital. Nova Cultural. São Paulo. 1985.
MATHEUS E SILVA, Luis Fernando. De celeiro à cenário: vitivinicultura e turismo na
Serra Gaúcha. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Faculdade de Filosofia, Letras e
OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista / O ornitorrinco. São Paulo:
Boitempo, 2003.
SAHR, D-W e SAHR, C L L: “A Problemática ‘Espaço/Território’ a partir de
Geograficidades Existenciais – As Comunidades Faxinalenses”.
http://egal2009.easyplanners.info/area02/2188_Wolf-Dietrich_Sahr.doc
SANTOS, José Vicente Tavares dos. Colonos do vinho: estudo sobre a subordinação do
trabalho camponês ao capital. São Paulo: Hucitec, 1978. 182 p.

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SILVA, I. C. A. A mobilidade do trabalho sob o impacto da reestruturação produtiva:


estudos das tendências migratórias de Santo André. (Mestrado) DG-FFLCH-USP, 2008.
TAVARES, L A; Campesinato e os faxinais do Paraná: as terras de uso comum. Tese de
Doutorado. USP – São Paulo. 2008. 756 p.
THOMAZ Jr. ANTÔNIO,. Por trás dos canaviais, os (nós) da cana (uma contribuição
ao entendimento da relação capital x trabalho e do movimento sindical dos
trabalhadores na agroindústria canavieira paulista). 1996, 439 f. tese (doutorado em
Geografia) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São
Paulo. São Paulo.
TRAVESSIA. Revista do Centro de Estudos Migratórios.. Vários Números.
VAINER, C B; Do Corpo Marcado ao Território Demarcado. CEM Cadernos de
Migração 7. São Paulo. 2000.

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