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O mundo do trabalho na era da globalização

Ana Paula Freitas de Albuquerque

Resumo: O mundo do trabalho vem sofrendo profundas transformações nas últimas


décadas impulsionadas pelo fenômeno da globalização. Exacerba-se, como jamais visto,
a exploração do trabalho pelo capital materializada nas diversas formas de precarização
das relações de trabalho. Torna-se necessário desvelar esta realidade para possibilitar
uma reflexão crítica da lógica perversa do capitalismo.

Palavras-chave: globalização – trabalho – neoliberalismo – capitalismo – exclusão


social

Sumário: Introdução; 1 O Fenômeno da Globalização: breves comentários; 2 As


Transformações no Mundo do Trabalho na Sociedade Contemporânea; 3 Precarização
do Trabalho e Exclusão Social: a nova realidade; Conclusão; Referências Bibliográficas

INTRODUÇÃO

O presente estudo parte de um enfoque interdisciplinar necessário à análise do tema


proposto e imprescindível para atingir o seu objetivo que é a reflexão crítica da
realidade contemporânea do mundo do trabalho. Percorrem-se os campos da Economia,
Sociologia, Ciência Política, Direito, Relações Internacionais para possibilitar o estudo
abrangente que o tema requer, embora de forma extremamente sucinta. As linhas que
seguem, portanto, não se aterão ao aspecto jurídico-normativo das tendências do Direito
do Trabalho e Processo do Trabalho, mas são extremamente importantes para a
compreensão das mudanças normativas que vem sofrendo este ramo jurídico nas
últimas décadas.

A abordagem do tema, como não poderia deixar de ser, parte do trabalho como
categoria social central, ainda que esta categoria tenha sofrido mutações ao longo dos
tempos.

O trabalho, nessa perspectiva, sempre figurou como condição da existência do ser


humano: o trabalhador reproduz sua própria vida ao produzir os meios de subsistência.
Essas afirmativas fundamentam-se no pensamento marxista:

O trabalho, como criador de valor-de-uso, como trabalho útil, é indispensável à


existência do homem – quaisquer que sejam as formas de sociedade –, é necessidade
natural e eterna de efetivar o intercâmbio material entre o homem e a natureza e,
portanto, de manter a vida humana.[1]

O estudo das metamorfoses do mundo do trabalho na sociedade contemporânea não


pode prescindir à análise do fenômeno da globalização, responsável por grande parte
dos acontecimentos políticos, econômicos, sociais e jurídicos a partir da década de
1980. Assim, inicialmente, faz-se uma breve abordagem do fenômeno da globalização
para, na seqüência, analisar as transformações no universo do trabalho e a realidade
atual das relações.

1 O Fenômeno da Globalização: breves comentários

O fenômeno da globalização é um processo em curso, complexo e desafiador, no qual


estamos imersos e, que, portanto, torna árdua a tarefa de delimitá-lo. Não caberia neste
trabalho o enfoque que a temática merece: apenas serão pontuados os aspectos
essenciais e necessários para que se compreenda o fenômeno, a fim de utilizá-lo como
variável para desvendar as transformações do mundo do trabalho.

A globalização confere novos significados ao cenário mundial. Está intimamente ligada


ao neoliberalismo e tem sido utilizada para ocultar a implementação de políticas
neoliberais em âmbito mundial.

O discurso da globalização, nessa esteira, promete romper fronteiras em prol do


desenvolvimento de todos os povos com base na auto-regulação do mercado. Todavia, a
realidade empírica demonstra uma outra face do fenômeno: seletividade, polarização,
desigualdade, exclusão social são apenas algumas das conseqüências perceptíveis deste
processo.

A delimitação da origem da globalização remete a datas distintas e períodos históricos


diversos. É um tema que gera controvérsias e está diretamente relacionado com a
delimitação de seu próprio objeto. O que parece consenso, todavia, entre os diversos
autores que a admitem como fenômeno autônomo e peculiar é a sua ligação com o
desenvolvimento intensivo e extensivo do capitalismo, em escala mundial – a uma
transformação quantitativa e qualitativa do capitalismo como modo de produção e
processo civilizatório.

Na perspectiva de Faria, a crise do padrão monetário mundial e os choques do petróleo


na década de 1970 levaram ao esgotamento do potencial de expansão do modelo
produtivo, industrial e comercial até então vigente, exigindo respostas extremamente
rápidas e eficazes para contorná-la e que definem hoje as peculiaridades da
globalização[2].

Dentre as respostas está a desregulamentação dos mercados financeiros, a revogação


dos monopólios estatais, a abertura do comércio mundial de serviços e informações que
acarretou a rápida integração mundial do sistema financeiro; a ênfase à racionalização
das organizações produtivas, criando as corporações transnacionais; e, por fim, a
conversão das ciências em técnicas produtivas. Mas a globalização não é fruto imediato
de um fato isolado, e sim o resultado de uma longa evolução da sociedade capitalista
moderna. Todas estas respostas em conjunto e seus desdobramentos nas diversas áreas –
política, cultural, jurídica e social – formam o quadro identificado como de
globalização[3]. O fenômeno, portanto, não é estanque: é um processo dinâmico e
multidimensional.

A globalização não encerra um conceito unívoco. As diversas linhas teóricas procuram


explicá-la sob perspectivas distintas, o que acarreta a insuficiência de conceitos mais
abrangentes. Além disso, por ser um fenômeno multifacetário, a sua conceituação
guarda relação com a dimensão priorizada.
Beck expressa bem a complexidade do fenômeno e a dificuldade de sua apreensão
quando refere que globalização é, com certeza, a palavra mais usada e a menos definida
nos últimos tempos[4].

Na visão de Faria, que destaca a dimensão econômica, relevante para o


desenvolvimento do tema, a globalização tem sido utilizada para designar um conjunto
de processos interligados, dentre os quais destacam-se como mais importantes,

a crescente autonomia adquirida pela economia em relação à política; a emergência de


novas estruturas decisórias operando em tempo real e com alcance planetário; as
alterações em andamento nas condições de competitividade de empresas, setores,
regiões, países e continentes; a transformação do padrão de comércio internacional,
deixando de ser basicamente inter-setorial e entre firmas e passando a ser
eminentemente intra-setorial e intrafirmas; a “desnacionalização” dos direitos, a
desterritorialização das formas institucionais e a descentralização das formas políticas
do capitalismo; a uniformização e a padronização das práticas comerciais no plano
mundial, a desregulamentação dos mercados de capitais, a interconexão dos sistemas
financeiro e securitário em escala global, a realocação geográfica dos investimentos
produtivos e a volatilidade dos investimentos especulativos; a unificação dos espaços de
reprodução social, a proliferação dos movimentos imigratórios e as mudanças radicais
ocorridas na divisão internacional do trabalho; e, por fim, o aparecimento de uma
estrutura político-econômica multipolar incorporando novas fontes de cooperação e
conflito tanto no movimento do capital quanto no desenvolvimento do sistema mundial.
[5]

Feitas essas breves considerações sobre a globalização abre-se caminho para a


abordagem das transformações no universo do mundo do trabalho.

2 As Transformações no Mundo do Trabalho na Sociedade Contemporânea

Desde o advento do capitalismo, com a separação da propriedade dos meios de


produção e da força de trabalho, que engendrou uma verdadeira revolução
econômica[6], o processo de acumulação do capital vem forjando novas técnicas cada
vez mais eficientes, a fim de maximizar os lucros e minimizar os custos.

A criação e consolidação do modo de produção capitalista e toda a transformação social


que acarretou resulta do desmonte do feudalismo que se desenvolveu, ao longo do
tempo, a partir da infra-estrutura (estrutura econômica da sociedade – relações de
produção). Todavia, como marco da mudança da superestrutura jurídica e política
(Estado) pode ser indicada a Revolução Francesa, através da qual foi institucionalizado,
em oposição ao absolutismo, o liberalismo – suporte ideológico do qual necessitava o
capitalismo para promover a transformação social[7].

Essa ideologização do liberalismo transforma o trabalho em categoria social central, em


razão da reestruturação levada a efeito na sociedade com este novo modo de produção.
O liberalismo fundamenta o direito de propriedade no trabalho. Nos modos de produção
anteriores, o trabalho possuía uma carga negativa – na antiguidade era relacionado à
escravidão, no medievo, ao castigo. Agora, assume um caráter positivo, porque todos os
indivíduos deveriam trabalhar para serem remunerados e prover sua subsistência.
Alguns anos após a Revolução Francesa, formam-se as condições necessárias para a
Primeira Revolução Industrial[8], que incorpora ao processo produtivo as primeiras
máquinas capazes de executar tarefas antes atribuídas exclusivamente ao homem,
acarretando, como conseqüência, o aumento da produtividade.

Com esta revolução a apropriação da força de trabalho se completa com a transferência


do domínio humano sobre os processos produtivos para as máquinas.

A utilização da ciência como técnica produtiva sustentou a Segunda Revolução


Industrial, no início do século XX. Ao contrário da primeira – caracterizada pela adoção
da máquina a vapor –, desta vez não houve a adoção de uma nova tecnologia, mas um
conjunto de alterações técnico-científicas decorrentes da cooptação do conhecimento
científico pelo capital.

Nesse contexto, Frederick Taylor, no final do século XIX, concebeu a denominada


organização científica do trabalho, ou seja, a racionalização do trabalho baseada na
separação entre concepção – engenheiros e técnicos – e execução – operários.

Taylor propunha a racionalização das tarefas dos operários, combatendo o desperdício


de tempo. Uma das formas de racionalização, com o objetivo de eliminar os
movimentos inúteis e diminuir o tempo na execução das tarefas, é o parcelamento das
tarefas: cada operário faz apenas um determinado número, diga-se limitado, de gestos
iguais, repetidos durante sua jornada de trabalho. Com isso torna-se responsável apenas
por uma pequena parte do processo produtivo, não necessitando de qualificação
específica.

Henry Ford, por sua vez, proprietário da indústria automobilística que leva seu nome,
criou uma nova estratégia de organização da produção utilizando os métodos tayloristas
de gerenciamento.

O fordismo – nova organização da produção concebida por Ford – para responder ao


aumento da demanda, utiliza a produção em massa, o que reduz o custo de produção e,
em decorrência, o preço de venda do automóvel. Enquanto o taylorismo decompõe as
tarefas o fordismo as recompõe através da linha de montagem. Ford, ainda, padroniza as
peças, com a intenção de reduzir o tempo de adaptação dos componentes ao automóvel,
combatendo o desperdício. Para que fosse possível a estandartização dos componentes,
ele adquire as empresas que fabricam as peças, criando uma integração vertical, que
nada mais é do que o controle direto de um processo de produção[9].

Feitas estas transformações no plano organizacional, Ford introduz novas tecnologias.


Com as linhas automatizadas o tempo de produção do veículo é reduzido ainda mais,
obtendo ganhos inimagináveis com os novos métodos de produção.

Nesse contexto, as empresas concorrentes são obrigadas a seguir o novo modelo, sob
pena de serem expulsas do mercado. O fordismo torna-se dominante. Mas quando todas
as empresas o adotam já não há vantagens essenciais no nível da organização. A
competição torna-se mais acirrada e as empresas já não podem destinar recursos à
melhoria das condições de trabalho. Ao contrário, conquista maiores fatias do mercado
quem impõe custos mais baixos de produção, incluindo, a remuneração dos
trabalhadores. Os operários, destarte, são submetidos a condições degradantes,
desencadeando, nos anos 70, a crise do fordismo.

A partir da década de 80 alguns fatores, de ordem política e econômica, alteraram a


cena mundial: o advento da “sociedade informacional”, como decorrência dos avanços
na microeletrônica, na robótica, na telemática; a globalização econômica; a
disseminação do neoliberalismo, impulsionado pelas mudanças políticas internacionais
desencadeadas com o desaparecimento, no final dos anos 80, do bloco comunista,
solapando a ameaça socialista. Tais fatores contribuíram para desencadear a Terceira
Revolução Industrial que, novamente, acarretará mudanças no mundo do trabalho. Esta,
sob diversos aspectos, difere das anteriores.

Ela traz consigo acelerado aumento da produtividade do trabalho, tanto da indústria


como em numerosos serviços, sobretudo dos que recolhem, processam, transmitem e
arquivam informações. [...] Além da substituição do trabalho humano pelo computador,
parece provável a crescente transferência de uma série de operações das mãos de
funcionários que atendem ao público para o próprio usuário.[...] muitas atividades
desconectadas do grande capital monopolista passam a ser exercidas por pequenos
empresários, trabalhadores autônomos, cooperativas de produção etc.; o que transforma
um certo número de postos de trabalho de ‘empregos’ formais em ocupações que
deixam de oferecer as garantias e os direitos habituais e de carregar os custos
correspondentes.[...] O que dá para admitir com razoável segurança é que ela afeta
profundamente os processos de trabalho e, com toda certeza, expulsa do emprego
milhões de pessoas que cumprem tarefas rotineiras, que exigem um repertório limitado
de conhecimentos e, sobretudo, nenhuma necessidade de improvisar em face de
situações imprevistas.[10]

Todas essas mudanças tecnológicas “invadiram o universo fabril, inserindo-se e


desenvolvendo-se nas relações de trabalho e de produção do capital.”[11]

Com o emprego da ciência como técnica produtiva, novas formas de organização


produtiva surgem. Dentre as experiências mais expressivas, pode-se citar o “toyotismo”
ou “modelo japonês” ou “pós-fordismo”.

O toyotismo, modelo forjado no Japão, foi implantado progressivamente na Toyota nas


décadas de 1950 a 1970 e se disseminou pelo mundo na década de 1980. Neste novo
modelo produtivo, a “produção é puxada pela demanda e o crescimento, pelo
fluxo.”[12] Nessa esteira, a “empresa só produz o que é vendido e o consumo
condiciona toda a organização da produção.”[13] Em razão disso, os estoques são
mínimos. Todo o desperdício é combatido na Toyota. Nesse contexto, a flexibilidade do
aparato produtivo, de forma a atender às exigências mais individualizadas do mercado,
no menor tempo e com maior qualidade possíveis, acarreta a flexibilização da
organização do trabalho. Os trabalhadores atuam em equipe e esta substitui o
parcelamento das tarefas, típico do fordismo. A relação um homem/uma máquina é
rompida: em média, um trabalhador na Toyota opera cinco máquinas. Para poder operar
várias máquinas diferentes, o trabalhador tem de tornar-se polivalente, que mais do que
maior qualificação, significa a execução de várias tarefas simplificadas no decorrer de
sua jornada, ensejando maior exploração do trabalho. A equipe de operários, por outro
lado, substitui a figura da autoridade típica da hierarquia vertical fordista. Agora, a falha
de um membro prejudica toda a equipe, que controla, portanto, a atuação de seus
membros, criando uma forma de controle invisível e extremamente eficiente.

Diferentemente do modelo fordista, onde ocorre uma integração vertical na linha de


produção, com a aquisição das empresas que fabricam as peças, no toyotismo há uma
integração horizontal, com redução do âmbito de produção da montadora, repassando às
subcontratadas a produção das peças necessárias à confecção do produto final.

No novo sistema de organização da produção intensifica a exploração do trabalho: ele


exige bem mais do trabalhador que o sistema fordista. Além da exigência de que os
operários trabalhem simultaneamente com várias máquinas, há o “gerenciamento por
tensão”, através do sistema de luzes. Os sinais luminosos são implantados em toda a
cadeia de produção: o verde indica que está tudo em ordem; o laranja aponta intensidade
máxima; e o vermelho indica que há um problema e é necessário parar a produção para
resolvê-lo. As luzes devem alternar sempre entre o verde e o laranja para atingir uma
elevação constante do ritmo de produção, pois oscilando os sinais entre o verde e o
laranja a direção pode, antecipadamente, descobrir os problemas e acelerar o ritmo até
que o próximo apareça[14].

Além disso, assim como o aparato produtivo, as relações de trabalho também precisam
ser flexibilizadas. A força de trabalho é explorada em razão da demanda. Evita-se, a
todo custo, a ociosidade da força de trabalho. Há um número mínimo de empregados
“estáveis”. Se o mercado melhora, contratam-se trabalhadores temporários ou os
operários são obrigados a fazer horas extras. Todavia, “a política básica é usar o mínimo
de operários e o máximo de horas extras.”[15]

Como conseqüência de todas estas metamorfoses do universo do trabalho, assiste-se,


hoje, à crescente precarização das relações de trabalho que culmina, muitas vezes, com
a exclusão social do trabalhador, o que será objeto de análise a seguir.

3 Precarização do Trabalho e Exclusão Social: a nova realidade

No modo de produção capitalista, o objetivo das empresas é acumular e o mais depressa


possível. Para tanto, é preciso extrair o máximo de mais-valia da produção de suas
fábricas em um ciclo menor. A acumulação é realizada por meio da competição entre as
empresas, pois a demanda é limitada pela renda da população. As empresas que, nesse
contexto, ganham fatias do mercado, fixam as regras da acumulação[16]. As empresas
automobilísticas, “que adquiriram uma sólida liderança no setor, impulsionaram esse
formidável aceleramento da rotação de capital graças a uma reestruturação completa da
organização da produção.”[17] Não resta alternativa às empresas concorrentes, nesse
contexto, senão adotar os métodos de produção da empresa líder.

Todavia, a busca de acumulação individual acaba com o confronto de umas contra as


outras. E a concorrência por fatias cada vez mais finas do mercado impulsiona
investimentos maiores e menos rentáveis, cuja conseqüência é a tendência à queda da
taxa de lucro, o que levaria à conclusão de que o modo capitalista de produção estaria
historicamente condenado[18].

Não obstante, há outras maneiras de contornar essa lei. É o que acontece com as
empresas, como a Ford e a Toyota, que criam uma nova organização da produção de
forma a aumentar a mais-valia e reduzir o capital investido, acelerando a rotação do
capital, reduzindo o tempo de cada ciclo[19]. Daí a explicação para a rápida expansão
desses métodos de produção para outros setores da economia. No entanto, ao invés de
assegurar o crescimento do bem-estar coletivo, essa lógica enriquece uma minoria – os
capitalistas –, intensificando a exploração dos trabalhadores.

Como bem expõe Gounet, “o sistema de acumulação na indústria automobilística


aparece como um fantástico processo de marginalização, de exclusão, estratificação
social.”[20]

Estas novas formas de organização do trabalho, não se pode deixar de enfatizar, estão
plenamente ligadas ao neoliberalismo e à globalização. Demonstram, destarte, o intento
capitalista de perpetuar a exploração da classe operária, em intensidade cada vez maior,
tudo em nome da maximização do lucro. Por outro lado, pretendem acabar com o
conflito de classes – iludindo os trabalhadores, que, agora, são designados de
“colaboradores”, de que há identidade de interesses entre o capital e o trabalho em
busca do incremento da produtividade – assim como os benefícios que a relação
dialética entre elas poderia trazer para os trabalhadores.

A Terceira Revolução Industrial, nesse contexto, provocou drásticas mudanças no


universo do trabalho. Todas as revoluções industriais desencadearam o aumento da
produtividade, trazendo, como conseqüência, o desemprego tecnológico[21]. Todavia, a
Terceira Revolução Industrial foi mais além: desencadeou, além do desemprego
tecnológico, o que Singer denomina de “descentralização do capital”[22]. Com os
avanços na telemática, as grandes empresas verticalmente integradas, têm sido forçadas
pelo mercado, em nome da diminuição dos custos e aumento da produtividade, a
desintegrarem-se, terceirizando diversos setores produtivos, formando uma espécie de
rede. Com isso, atividades antes desempenhadas por empregados dessas empresas,
agora passam a ser exercidas por trabalhadores autônomos, temporários, pequenos
empresários, sem as garantias e os direitos sociais e trabalhistas que antes possuíam,
diminuindo os postos de emprego formais[23].

E, aliada ao neoliberalismo, que propõe, com a não-intervenção do Estado, o


encolhimento dos mecanismos de efetivação dos direitos sociais, a Terceira Revolução
Industrial também opera mudanças, protagonizadas pelo Estado, no sentido de
flexibilizar direitos, desregulamentar a economia, privatizar empresas estatais.

O que se verifica, pois, no capitalismo contemporâneo, é a precarização das relações de


trabalho. Os novos postos de trabalho que surgem em virtude da divisão internacional
do trabalho e das inovações tecnológicas não mais oferecem, na sua grande maioria, as
garantias sociais e trabalhistas, conquistadas pelos trabalhadores ao longo de anos de
luta operária.

Isto porque, decorrente da estratégia empresarial de eliminar o ócio do trabalhador,


introduziu-se a flexibilidade da organização produtiva e, por conseqüência, do próprio
trabalhador. Outrora, a empresa contratava o empregado. Hoje, ela contrata a prestação
de serviços, forçando os antigos operários a jogarem-se na arriscada tarefa de
constituírem pequenas empresas prestadoras de serviços. Com esta estratégia, as
empresas diminuem o custo do trabalho, porquanto não têm de pagar o tempo morto e,
ao mesmo tempo, aumentam a produtividade, pois os prestadores de serviço, em razão
da competitividade, trabalham à exaustão para atrair a clientela. Os ex-empregadores,
nesse contexto, só obtêm vantagens, enquanto que o ex-empregado perde a segurança
que antes possuía.

Como revela Offe, as vantagens dos ex-empregadores são obtidas em diversos níveis.
Ao nível do comportamento, a iminente possibilidade de serem despedidos ocasiona
uma melhoria nos níveis de produtividade, disciplina e desempenho. Ao nível das
negociações salariais, há “uma tendência declinante dos aumentos, que de modo geral
encontram-se atualmente abaixo do índice de inflação: isto significa que quaisquer
aumentos possíveis na produtividade podem ser apropriados pelos empregadores sem
custos adicionais (de salários).”[24] E, por fim, ao nível político, o desemprego exerce
uma pressão sobre o governo no sentido de implementar políticas que beneficiam, em
geral, a capacidade de investimento do capital[25]. Todas essas vantagens, portanto,
fazem crer que não há um efetivo interesse por parte do capital em combater o
desemprego.

Antunes, observando as metamorfoses no mundo do trabalho no capitalismo


contemporâneo, revela a existência de uma “múltipla processualidade”: de um lado,
verifica-se uma desproletarização do trabalho industrial, ou seja, “uma diminuição da
classe operária industrial tradicional.”[26] Paralelamente, houve ampliação do trabalho
assalariado a partir do crescimento do setor de serviços; heterogeneização do trabalho,
visível através da crescente incorporação do trabalho feminino; subproletarização
expressa na expansão do trabalho temporário, precário, parcial, subcontratado,
terceirizado, vinculado à economia informal[27].

Todas estas transformações afetam a “forma de ser” da classe trabalhadora. A


desconcentração da classe operária, com o abismo existente entre o núcleo “estável” e a
periferia precarizada e descartável, reduz drasticamente o poder sindical, historicamente
ligado aos empregados estáveis e, hoje, incapaz de aglutinar o exército de trabalhadores
a tempo parcial temporários, subcontratados, precários, pertencentes à economia
informal[28].

Desencadeia-se um processo de esvaziamento da luta de classes. Os trabalhadores já


não se identificam mais como classe. Perdem a sua consciência de classe, dada a
extrema heterogeneidade e fragmentação existente no mundo do trabalho.

Essa massa de trabalhadores precários, na era da globalização, do neoliberalismo, das


organizações produtivas flexíveis, é descartada com facilidade, desprovida do gozo de
seus direitos legais, ampliando o nível de pobreza – tanto o número de pobres quanto o
aumento da miséria.

Surge uma nova pobreza, a new poor, formada por indivíduos que pertenciam à classe
média e que perderam seus empregos em razão da automação ou da divisão
internacional do trabalho[29]. E, como refere Faria, “existe um importante aspecto
dinâmico na relação entre desemprego e divisão social”[30], já que ser um
desempregado é estar excluído da economia e da sociedade normal[31].

Como decorrência desse quadro, emerge uma crescente desigualdade e polarização


social levando um número cada vez maior de indivíduos à exclusão social. Postos de
trabalho foram destruídos com a Terceira Revolução industrial, em decorrência do
desemprego tecnológico que incrementou a produtividade. Esta mão-de-obra excedente
não foi reabsorvida porque os novos empregos exigem uma qualificação maior e são em
menor número se comparados com os que desapareceram. Estes indivíduos descartados
formam as vítimas da pobreza e da exclusão social.

Há um perverso círculo vicioso entre integração econômica e exclusão social, como


afirma Faria. As condições de vida e trabalho são determinadas pelos processos de
apropriação econômica e quem não consegue incluir-se nesse ciclo está,
automaticamente, excluído da vida social, mas exclusivamente com relação à fruição de
direitos, pois esta situação não implica liberação de deveres e obrigações jurídicas[32].

Ainda na esteira do pensamento de Faria,

a ampliação dos coeficientes de desigualdade; a crescente vulnerabilização de mulheres,


jovens, velhos e minorias provocada pelo desemprego aberto; a segregação e a corrosão
dos mecanismos de integração e coesão sociais; a degradação ambiental, os problemas
crônicos de espaço urbano e a multiplicação dos bolsões de miséria nas regiões
metropolitanas dos países desenvolvidos e em desenvolvimento; a subseqüente
fragmentação física, econômica e cultural dessas regiões em comunidades locais; os
asfixiantes e opressivos sistemas de auto-enclausuramento (sob a forma de mecanismos
de vigilância, estratégias privadas de proteção e condomínios fechados ao ambientes
externo, com suas lógicas e valores próprios exponenciados pelo uso de tecnologias
domésticas de auto-serviço etc.) cada vez mais presentes nas cidades grandes e médias;
as condições hobbesianas nos guetos, nas favelas e nos cortiços; a violação sistemática
dos direitos humanos; o aparecimento de zonas controladas pelo crime organizado; a
explosão das taxas de violência, a elevação dos níveis de marginalidade e os crescentes
índices de desobediência – estas são apenas algumas das conseqüências mais visíveis
dessa ‘seleção biológica’ feita pelo mercado de trabalho no âmbito da economia
globalizada. Trata-se de uma seleção responsável por uma profunda e perversa
dualização internacional tanto na repartição da atividade econômica quanto no mercado
de trabalho. Uma dualização não mais configurada nos moldes prevalecentes até o final
da década de 70, com pobres e pouco qualificados no Sul e ricos e muito qualificados
no Norte, porém agora com poucos ricos e muito qualificados no Norte, pouquíssimos
qualificados no Sul e, principalmente, muito pobres e pouco qualificados em todo o
mundo.[33]

CONCLUSÃO

A sociedade atual vive um momento de crise, diante da degradação das condições de


vida desencadeadas pelas contradições inerentes ao capitalismo.

A Terceira Revolução Industrial, com a introdução de novas tecnologias e a adoção de


novas técnicas produtivas mais flexíveis, aliada à globalização e ao neoliberalismo
contribuíram para a queda nos níveis de emprego formal, elevando os níveis de trabalho
precário e informal. E o indivíduo que é afastado do mercado de trabalho formal não
consegue mais reinserir-se.

Essa, portanto, é a realidade do mundo do trabalho, hoje: intensificação da exploração


do trabalhador, desemprego, precarização das relações de trabalho, flexibilização das
relações de trabalho, desregulamentação dos direitos trabalhistas, entre tantas outros
aspectos nefastos dessa dura realidade que assola a classe operária e que acaba por
provocar a exclusão social de uma crescente massa de trabalhadores.

Considerando-se a lógica capitalista perversa de maximização da acumulação, a


tendência, na tentativa de aumento da produtividade, de forma a obter maior produção
ao menor custo, parece ser a elevação da taxa de desemprego e a acentuação da
precarização das condições de trabalho, levando ao limite a exploração da classe
trabalhadora.

Elucidativa, neste aspecto, a explanação de Singer:

O importante é que a exclusão de uma parte intensifica a exploração de outra. Na


maioria dos países, e certamente no Brasil, existe uma sobreoferta de trabalho
desqualificado ou escassamente qualificado. A pressão do grande número de excluídos
conserva o padrão salarial desses trabalhadores num nível baixo, limitado apenas pela
legislação do salário mínimo. [...] a crescente informalização das relações de trabalho
está agora golpeando também trabalhadores qualificados e antigos empregados com
grau universitário. As longas jornadas de trabalho praticadas por trabalhadores
informais resulta em mais demissões e crescimento do número de desempregados,
avolumando as fileiras dos trabalhadores informais. Não há dúvida de que a exclusão
alimenta a exploração e a exploração (particularmente do trabalhador informal) alimenta
a exclusão.[34]

Torna-se necessário à classe trabalhadora, para construir uma alternativa a este quadro
desolador, reconhecer a “possibilidade de emancipação do e pelo trabalho, como ponto
de partida decisivo”[35] para a melhoria das condições de trabalho na sociedade atual.

No contexto da ordem capitalista contemporânea, o não-trabalho traz como


conseqüência a pobreza, a desigualdade e a exclusão socioeconômica. O trabalho,
destarte, é fator de acesso à dignidade da pessoa humana e, portanto, de emancipação
social, negadas diante da exclusão de milhões de pessoas dos postos de trabalho formais
e de condições dignas de trabalho.

O acesso ao trabalho (em condições dignas), nessa perspectiva, é condicionante dos


demais direitos, visto que é capaz de assegurar ao trabalhador a manutenção do vínculo
social, principalmente, pelo acesso à rede de proteção social. E o trabalho formal se
coloca como uma das principais formas de emancipação social.

Assim, nesse contexto de fragmentação, polarização, degradação e exclusão social


decorrentes da crescente exploração do trabalho pelo capital é necessário buscar
alternativas ao trabalho humano como forma de inclusão social e efetivação da
dignidade da pessoa humana.

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diferencial primário e secundário de poder. In: OFFE, Claus (Org.). Trabalho &
Sociedade: problemas estruturais e perspectiva para o futuro da sociedade do trabalho.
Tradução Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.
OLSSON, Giovanni. Relações Internacionais e seus Atores na Era da Globalização.
Curitiba: Juruá, 2003.
SINGER, P. Globalização e Desemprego: diagnósticos e alternativas. São Paulo:
Contexto, 1998.
Notas:
[1] MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I, v.1. Tradução
Reginaldo Sant’Anna. 16. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. p. 211.
[2] FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros,
2000. p. 64.
[3] OLSSON, Giovanni. Relações Internacionais e seus Atores da Era da
Globalização. Curitiba: Juruá, 2003. p. 97.
[4] BECK, Ulrich. O que é globalização? Equívocos do globalismo: respostas à
globalização. Tradução André Carone. São Paulo:Paz e Terra, 1999. p. 44.
[5] Idem, ibidem.
[6] CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 13. ed.. São Paulo: Ática, 2003.
[7] Idem, p. 16.
[8] É utilizada neste trabalho, no que tange à Revolução Industrial, a classificação
adotada por Singer, para quem a Primeira Revolução Industrial corresponde à
introdução da maquinaria à vapor, no início do século XIX; a Segunda, iniciada no final
do século XIX e consolidada no início do século XX, à cientificação da produção com a
implementação do fordismo e taylorismo; a Terceira, iniciada na década de 70, com o
avanço da tecnologia de informação.
[9] GOUNET, Thomas. Fordismo e Toyotismo na Civilização do Automóvel. São
Paulo: Boitempo, 1999. p. 19.
[10] SINGER, Paul. Globalização e Desemprego: diagnóstico e alternativas. São
Paulo: Contexto, 1998. p. 17-18.
[11]ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a
centralidade do mundo do trabalho. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1999. p. 15.
[12] Idem, ibidem.
[13] Idem, ibidem.
[14] GOUNET, Thomas. Fordismo e Toyotismo na Civilização do Automóvel. São
Paulo: Boitempo, 1999. p. 30-66.
[15] Idem, p. 30.
[16] Idem, p. 42.
[17] Idem, p. 45.
[18]GOUNET, Thomas. Fordismo e Toyotismo na Civilização do Automóvel. São
Paulo: Boitempo, 1999, p. 44.
[19] Idem, p. 45.
[20] Idem, p. 52.
[21]SINGER, Paul. Globalização e Desemprego: diagnóstico e alternativas. São Paulo:
Contexto, 1998. p. 16.
[22] SINGER, Paul. Globalização e Desemprego: diagnóstico e alternativas. São
Paulo: Contexto, 1998. p.17.
[23] Idem, p. 17/18.
[24] SINGER, Paul. Globalização e Desemprego: diagnóstico e alternativas. São
Paulo: Contexto, 1998, p. 17/18.
[25] Idem, ibidem.
[26] ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a
centralidade do mundo do trabalho. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1999. p. 41.
[27] Idem, ibidem.
[28] Idem, p. 62.
[29]SINGER, Paul. Globalização e Desemprego: diagnóstico e alternativas. São Paulo:
Contexto, 1998. p. 31.
[30] FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo:
Malheiros, 2000. p. 240.
[31] Idem, p. 241.
[32] Idem, p. 248.
[33] FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo:
Malheiros, 2000. p. 240, p. 250/251.
[34] SINGER, Paul. Globalização e Desemprego: diagnóstico e alternativas. São
Paulo: Contexto, 1998. p. 73.
[35] ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a
centralidade do mundo do trabalho. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1999. p. 88.

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