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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

DEPARTAMENTO DE EPIDEMIOLOGIA E BIOESTATÍSTICA

EPIDEMIOLOGIA ANALÍTICA:
ESTUDOS TRANSVERSAIS

2018 - I

www.epi.uff.br
Prof Cynthia Boschi
Epidemiologia analítica

Objetivos:
• Compreender os diferentes tipos de estudos
epidemiológicos;

• Aprender a interpretar os resultados dos estudos;

• Desenvolver consciência crítica sobre a qualidade dos


artigos;

• Entender o conceito de evidência científica.


O que são estudos epidemiológicos

• Estudos cuja finalidade é caracterizar o processo saúde-


doença

Indivíduo saudável doente


Epidemiologia
Principais conceitos
FREQUÊNCIA: Mensuração/quantificação da existência ou
ocorrência de um evento (exposição ou agravo/doença)

DISTRIBUIÇÃO: Quem adoece


(pessoa) Padrão de ocorrência
Onde adoece da doença /
(espaço) Epidemiologia
Quando adoece descritiva
(tempo)

Busca de explicações
DETERMINANTES: Teste de (“causas”) /
hipóteses causais Epidemiologia
analítica
Exemplo: Epidemiologia descritiva x
Epidemiologia analítica
Qual a prevalência de anemia em bebês?

Com Sem
aleitamento aleitamento
materno materno

8,7% 15,7%

O não aleitamento materno está associado com a anemia?

?
Estudos descritivos

Observação da frequência e distribuição de um evento


relacionado à saúde-doença

Ex.: Tabagismo, aleitamento materno

Qual a frequência de tabagismo em jovens / aleitamento?


Qual a sua distribuição? (idade, sexo, fatores SES)
Estudos analíticos
Observação da frequência e distribuição de um evento relacionado à saúde-
doença e de seus determinantes

Formulação de hipóteses :
Existe associação entre atividade física e tabagismo?
O tabagismo aumenta o risco de doença cardiovascular?

Estudos analíticos: estudos quantitativos com teste de hipóteses


EPIDEMIOLOGIA
DESCRITIVA

CONCLUSÕES FORMULAÇÃO
DE HIPÓTESES

EPIDEMIOLOGIA EPIDEMIOLOGIA
EXPERIMENTAL ANALÍTICA

TESTE DE HIPÓTESES
GERAÇÃO DE NOVAS HIPÓTESES
Como são classificados os estudos
analíticos
Classificação: Individual – dados primários
– Quanto à unidade em estudo
Ecológico – dados
secundários (populacionais)

– Quanto à temporalidade ou estratégia de observação

Transversal/Seccional – uma única observação no tempo

Longitudnal – pelo menos duas observações no tempo


Como são classificados os estudos
epidemiológicos analíticos
• Classificação:
– Quanto à intervenção do investigador
Como são classificados os estudos
epidemiológicos analíticos
• Classificação:
– Quanto à intervenção do investigador

Transversais
Tipos de estudo epidemiológico
(adaptado de Almeida Filho, 2003)
Investigador Temporalidade População Tipo de estudo

Observacional Transversal Individual Estudo transversal

Agregado Estudo ecológico

Longitudinal Individual Estudo de coorte


Estudo caso-
controle
Agregado Série temporal
(ecológico)
Experimental Longitudinal Individual Ensaio clínico
(ou Intervenção)
Agregado Ensaio comunitário
Associação
• Associação refere-se à dependência estatística entre duas variáveis.
É uma medida matemática

• Associação ideia de concomitância

• A ocorrência de uma doença em pessoas expostas a um fator


específico é maior (ou menor) do que em pessoas não expostas a
esse fator?

• Toda associação é avaliada por meio de um teste de hipóteses onde


comparam-se parâmetros (médias, proporções, etc.) entre dois ou
mais grupos
Associação x Causa
• A presença de uma associação estatística não significa necessariamente
uma associação causal
Estudos Observacionais Transversais
Estudo epidemiológico caracterizado pela observação direta da população em
estudo em uma única oportunidade

Estudo
transversal

ou

Estudo de prevalência
descritivo

ou

Inquérito

Exposição e desfecho
investigados em um só
momento
Vantagens e desvantagens

• Vantagens
– Rápido, barato, útil como estudo inicial, para
levantamento de hipóteses causais

• Desvantagens
– Não consegue estabelecer/demonstrar relação
temporal, inadequado para doenças raras
Vargas et al. Determinantes do consumo de tabaco por
estudantes. Revista de Saúde Pública 2017; 51:36.

Objetivo:
Estimar a prevalência e os fatores determinantes
do consumo de tabaco por estudantes.

Para refletir:
1. Qual é o desenho do estudo? Justifique

2. Descreva as seguintes variáveis encontradas na Tabela a seguir: idade, sexo,


cor da pele e pai ou mãe fumante
PARA REFLETIR
Considerando os dois grupos classificados de acordo com a presença ou ausência de
tabagismos paterno/materno (exposição), em qual deles o consumo regular de tabaco
(desfecho) foi mais frequente?
PARA REFLETIR
Considerando os dois grupos classificados de acordo com a presença ou ausência de
tabagismos paterno/materno (exposição), em qual deles o consumo regular de tabaco
(desfecho) foi mais frequente?

Pai ou mãe fumante:


40 estudantes
tabagistas regulares

419 total

Pais não fumantes:


6 estudantes
tabagistas regulares

271 total
Tabela de contingência 2 X 2

• Considerando «exposição» e «doença» eventos discretos e


dicotômicos, pode-se construir e apresentar todos os elementos em
uma tabela de contingência 2 x 2, onde:
Tabela de contingência 2 X 2

Doentes Não doentes (não Total


(fumantes) fumantes)

Expostos (pai ou 40 379 419


mãe fumantes)

Não expostos(pais 6 265 271


não fumantes)

Total 46 644 690


PARA REFLETIR
3. Qual medida de frequência foi utilizada no estudo? Por que?

Exposição Tabagismo Não Total Frequência


regular em tabagismo de
adolescentes tabagismo

Desfecho
Pai ou mãe
fumante 40 379 419

Pais não
fumantes 6 265 271
Medida de frequência em estudos
tranversais: PREVALÊNCIA
Exposição Tabagismo Não Total Prevalência
regular em tabagismo de
adolescentes tabagismo

Desfecho
Pai ou mãe
fumante 40 379 419 40/419 =
0,095

9,5%
Pais não
fumantes 6 265 271 6/271 = 0,022

2,2%

Prevalência X Incidência
Estudos transversais
• Para responder à pergunta se existe associação entre
exposição e desfecho:

– Comparamos a prevalência do desfecho nos dois


grupos: expostos e não expostos

Razão de prevalências =
Como medir associação entre exposição
e desfecho em estudos transversais?

Tabagismo em Razão de
adolescentes prevalências

Pai ou mãe 9,5


fumante 9,5 / 2,2=
Pais não 2,2
4,31
fumantes

Força da associação!!!
Qual é a força da associação entre pais fumantes e
consumo regular de tabaco em adolescentes?
Interpretando a Razão de Prevalência
(RP)
RP=1
• Indica que as prevalências da doença nos grupos de expostos e
não expostos são idênticas, indicando que não há associação
observada entre exposição e doença (hipótese nula)

RP>1
• Indica associação positiva entre o grupo de expostos ao fator
estudado e o desfecho, em relação ao grupo de não expostos

RP<1
• Indica que há uma associação inversa entre o grupo de expostos ao
fator estudado e o desfecho, em relação ao grupo de não expostos
Medida de associação – Razão de
prevalências (RP)
Prevalência de tabagismo
em adolescents com pais
Fumantes (exapostos)
Razão de prevalências (RP)=
Prevalência de tabagismo
em adolescents com pais
não fumantes (não
No caso, RP= 4,31 expostos)

Como interpreto?

E se a RP fosse = 1?
E se fosse = 0,5?
Associação x Causa
• A presença de uma associação estatística não significa necessariamente
uma associação causal
Associação

• Existem diferentes possibilidades para um determinado resultado:

1) Revela o verdadeiro efeito de uma exposição no desenvolvimento


de uma doença.

2) Explicações alternativas responsáveis pelos achados:


I. Erros sistemáticos;
II. Confundimento; e
III. Chance (acaso)
Causa x Associação

Quais são os critérios para julgar causalidade?


Critérios de Causalidade ou Critérios de Hill
Bradford-Hill, Austin (1965). "The Environment and Disease: Association or Causation?".
'Proceedings of the Royal Society of Medicine' 58: 295–300.

Quanto mais critérios forem preenchidos, maior a chance da associação em


questão ser causal
Critérios de Causalidade ou Critérios de Hill
.

• Força da associação: quanto mais forte uma associação, maior será a


possibilidade de se tratar de uma relação causal; é menos provável que
associações fortes sejam encontradas por acaso ou por viés (erros
sistemáticos)
Critérios de Causalidade ou Critérios de Hill
• Temporalidade: a causa deve sempre preceder o efeito

• Consistência ou replicação: mesmo resultado obtido


em diferentes circunstâncias hipótese causal
fortalecida;
– Relação condizente com achados de outros estudos. Em
diferentes tipos/desenhos de estudo, populações e
circunstâncias, os resultados são similares?

• Especificidade: causa leva a um só efeito e o efeito tem


apenas uma causa. Ou seja, uma causa, um efeito.
– Exemplo: poeira da sílica e formação de múltiplos nódulos
fibrosos no pulmão (silicose)
– Esse critério é atualmente questionável. Muitas exposições
causam diversas doenças (ex.: tabagismo causa várias
doenças como CA de pulmão, enfisema, etc.)
Critérios de Causalidade ou Critérios de Hill

• Gradiente biológico: efeito dose-resposta

Ex.: Estudos de Doll e Hill sobre Tabagismo e Câncer de Pulmão (CP)


Critérios de Causalidade ou Critérios de Hill
• Reversibilidade do efeito quando retirado o fator
Critérios de Causalidade ou Critérios de Hill

• Plausibilidade biológica: a associação deve ter uma


explicação plausível, concordante com o nível atual de
conhecimento do processo patológico.
– A associação é consistente com o conhecimento sobre a patogenia da
doença?
– Ex.: Associação entre fumo passivo e câncer de pulmão. Carcinógenos
do tabaco têm sido encontrados no sangue e na urina de não-fumantes
expostos ao fumo passivo. (Hirayama, 1981)
Critérios de Causalidade ou Critérios de Hill
• Coerência: os achados devem ser coerentes com o
paradigma da ciência atual; com o conhecimento sobre
a história natural da doença

• Evidência experimental: mudanças na exposição


mudam o padrão da doença

• Analogia: com outra doença ou com outra exposição.


– Se é sabido que uma certa droga causa malformação congênita, talvez
uma outra similar que se está estudando também possa, por analogia,
apresentar o mesmo efeito
PARA REFLETIR
4. Existe associação entre exposição e desfecho? Justifique
Podemos dizer que essa associação é causal? Justifique

5. Posso quantificar a associação entre o fato de ter pai ou mãe


fumantes e o tabagismo em adolescentes? Como?
Como interpretar?
Estudos transversais
Associação ou Causalidade?

Adolescentes que não praticam atividade física têm uma prevalência de tabagismo 20% maior
do que aqueles que praticam atividade física
A falta de atividade física “leva ao” tabagismo?
O tabagismo “leva à” falta de atividade física?
Estudos transversais

• Pode-se medir a associação entre exposição


e desfecho, mas há limitação para inferir
causalidade não há
temporalidade, um critério importante
para estabelecer causalidade
Causalidade reversa

Principais problemas do estudo transversal


• Para algumas variáveis, não se pode afirmar o que foi
causa ou consequência;

• Causalidade reversa - a exposição a um fator de risco pode


ser alterada como consequência da própria doença
Análise bruta e ajustada
Confundimento
Exposição (fator de Desfecho
risco ou proteção)
Idade Tabagismo

Fator de confundimento

Religião

É um outro fator que, de forma independente, é risco ou proteção para o


desfecho.
Este fator está relacionado com a exposição (maior ou menor frequência entre
os expostos)
Este fator não faz parte da cadeia causal entre a exposição e o desfecho
“Controle” do confundimento

• Análise estratificada
Estima-se a razão de prevalências de tabagismo em
cada grupo de idade separadamente entre aqueles que
praticam atividade física e entre aqueles que não a
praticam

• Regressão múltipla: Y=α+βx1+βx2+ε


Onde o efeito de cada x (x1=idade, x2=atividade física)
sobre Y (tabagismo em adolescentes) é estimado
independentemente um do outro!!!!
Intervalo de Confiança e P-valor
Intervalo de confiança (95%)

Qual é a faixa de valores que o resultado (RP)


pode assumir, numa probabilidade de 95%?

OU

Faixa de valores entre os quais podemos ter 95%


de confiança de que o resultado estará incluído
RPb (IC 95%) = 4,31 (1,85 – 10,00)
RPa (IC 95%) = 2,89 (1,23 – 6,83)
P-Valor ou valor de p

Qual é a probabilidade de encontrar um determinado


resultado (RP), ou mais extremo, em uma amostra
aleatória, sob a hipótese nula?

RPa=2,89
P = 0,015
• Interpretação - Significa que há apenas uma probabilidade de 1,5% de se
observar uma associação igual ou maior do que 2,89 vezes entre pai ou
mãe fumante e tabagismo em jovens caso não haja uma associação na
realidade.
Ou seja, em apenas 1,5% das vezes rejeitaremos a hipótese nula sendo
esta verdadeira. Como essa probabilidde é muito pequena, aceitamos que
há realmente uma associação entre fator de risco e desfecho.
P-Valor ou valor de p

Em termos gerais, um p-valor pequeno significa


que a probabilidade de obter um valor da
estatística de teste como o observado é muito
improvável, levando assim à rejeição da hipótese
nula
Principais características
- Exposição e desfecho medidos em um só momento

- Medida de frequência: Prevalência

- Medida de associação: Razão de prevalências

- Não é apropriado para estabelecer relação causal,


inadequado para estudar doenças raras

- Rápido, barato, útil para levantamento de hipóteses


causais

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