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as figuras de linguagem e os

textos.

A linguagem não tem uma existência em si,


desvinculada de seu uso. Ela é uma atividade humana. Por
esse motivo, podemos manipulá-la em função de objetivos
específicos: comunicar-nos, expressar emoções,
impressionar, persuadir, etc. Para que esses objetivos
possam ser alcançados, precisamos aprender a utilizar
recursos que criem efeitos de sentidos variados. Para
produzir certos efeitos, utilizamos as figuras de linguagem
(ou recursos estilísticos).
As contradições do amor.
Ainda que eu falasse É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
A língua dos homens É um não contentar-se de contente;
E falasse a língua dos anjos, É cuidar que se ganha em se perder.
Sem amor eu nada seria. É um estar-se preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É só o amor! É só o amor É um ter com quem nos mata a lealdade.
Que conhece o que é verdade. Tão contrário a si é o mesmo amor.
O amor é bom, não quer o mal, Estou acordado e todos dormem.
Todos dormem. Todos dormem.
Não sente inveja ou se envaidece. Agora vejo em parte,
O amor é o fogo que arde sem se ver; Mas então veremos face a face.
É ferida que dói e não se sente; É só o amor! É só o amor
Que conhece o que é verdade.
É um contentamento descontente; Ainda que eu falasse
É dor que desatina sem doer. A língua dos homens
Ainda que eu falasse E falasse a língua dos anjos,
Sem amor eu nada seria.
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor eu nada seria.
 MONTE CASTELO. Renato Russo (recortes do Apóstolo
Paulo e de Camões)

 paradoxo
A associação de ideias contrárias.
Certas Coisas Eu te amo calado,
Lulu Santos/Nelson Motta Como quem ouve uma sinfonia
De silêncios e de luz.
Não existiria som
Nós somos medo e desejo,
Se não houvesse o silêncio
Somos feitos de silêncio e som,
Não haveria luz
Tem certas coisas que eu não sei
Se não fosse a escuridão
dizer...
A vida é mesmo assim,
Dia e noite, não e sim... A vida é mesmo assim,
Cada voz que canta o amor não diz Dia e noite, não e sim...
Tudo o que quer dizer, Cada voz que canta o amor não diz
Tudo o que cala fala Tudo o que quer dizer,
Mais alto ao coração. Tudo o que cala fala
Silenciosamente eu te falo com paixão... Mais alto ao coração.
Silenciosamente eu te falo com
paixão...

• antítese
O transporte de um termo para um contexto de
significação que não lhe é próprio.

 MEIO AMBIENTE
O semeador de oceanos. Fabien Cousteau, neto do lendário
explorador francês Jacques Cousteau, cria ONG para
“plantar” espécies marítimas no mundo inteiro.
 SAÚDE
Prédios doentes. Ar-condicionado sem manutenção,
poeira, goteiras e infiltrações. Atenção aos sintomas. Pois
nesse mal quem sente as dores é você.
Revista Galileu, ago.2010.
 metáfora
A utilização de um termo em lugar de outro para
designar algo que mantém uma relação de
proximidade/contiguidade com o referente do termo
substituído.

OBS.: A ANTONOMÁSIA pode ser entendida como um tipo de metonímia


que consiste na identificação de uma pessoa não por seu nome, mas por
uma característica ou atributo que a distingue das demais. Castro Alves, o
famoso poeta romântico, costuma ser chamado de Poeta dos Escravos;
Xuxa, a Rainha dos baixinhos; Pelé, o Rei do futebol; Ronaldo, o fenômeno...
A mistura de percepções.
Adorável voz torta
Elza Soares mistura ritmos e traz parcerias inusitadas em seu
novo disco.
[...] UMA: E a história de que você tem uma corda vocal a mais, é
verdade?
ELZA: Não tenho uma corda a mais, tenho uma corda meio
torrrrta [risos].
Revista Uma. n. 23. Ano 3. Ago. 2002.

• sinestesia
A utilização de termos que atenuam a ideia original
(considerada desagradável).

• Leia estes versos do poema “Antologia”, de Manuel Bandeira:


“Quando a Indesejada das gentes chegar
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar”.
• Na coletiva, os ministros disseram ter mantido "diálogo
franco e cordial", eufemismo diplomático geralmente usado
para descrever conversas marcadas por divergências. Folha
de São Paulo, 23/07/2009 .
• eufemismo
Inversões, omissões e repetições.
Alterações intencionais na estrutura sintática:
1.Omissões sintáticas
2.Inversões sintáticas
3.Repetições sintáticas
1. Omissões sintáticas.
• Como estávamos com pressa, preferi não entrar.
Nessa frase, houve a omissão dos pronomes nós e eu, sujeitos, respectivamente, de
“estávamos” e “preferi”. Essa omissão não dificulta a compreensão da frase, já
que os verbos flexionados indicam as pessoas a que se referem .
• Sobre a mesa, apenas um copo d' água e uma maçã .
Neste exemplo, há a omissão do verbo haver. Completa, a oração ficaria:
"Sobre a mesa, havia apenas um copo d' água e uma maçã" .
A elipse do verbo em nada altera o conteúdo da oração, que se torna por
sua vez mais sintética e econômica.

• “Tão bom se ela estivesse viva me ver assim.”(Antônio Olavo Pereira)


(Tão bom seria se ela estivesse viva para me ver assim.)

• elipse
• “Foi saqueada a vila, e assassinados os partidários dos Filipes.” (Camilo Castelo
Branco)
Se formos expressar o que foi omitido, teremos que utilizar a forma verbal
“foram” – “e foram assassinados os partidários do rei" .

• Precisarei de vários ajudantes., De um que seja capaz de fazer a instalação


elétrica e de outro para parte hidráulica pelo menos.
Houve a omissão do termo "ajudante" - "De um (ajudante) que
seja capaz .. e de outro (ajudante) para a parte hidráulica . Observe que
anteriormente havia a forma plural “ajudantes“.

• zeugma
• “Fomos ver o rio. E pouco andamos, porque já estava entrando pelas
estrebarias. O marizeiro que ficava embaixo, a correnteza corria por cima
dele. Era um mar d’água roncando.”
José Lins do Rego. Menino do engenho.

O narrador do livro, neste trecho, fala sobre a enchente do rio


Paraíba. No início do terceiro período, depois de definir o tópico – o
marizeiro – o texto muda de direção, criando a sensação de uma “frase
quebrada”, de algo que ficou solto na estrutura. As estruturas sintáticas
da oração se reorganizam em torno de um novo sujeito – a correnteza – e
tudo o que é dito desse momento em diante (ocorria por cima dele) liga-
se a esse sujeito, na mesma oração.
• anacoluto
Topicalização - Anacoluto
Os anacolutos são muito comuns na fala. Isso ocorre porque
os falantes tendem a criar topicalizações, ou seja, destacam o
que será o assunto da conversa (tópico) e, em seguida,
passam a fazer comentários sobre esse assunto, usando uma
nova construção sintática.
• O filme que eu vi ontem, eu achei que você ia adorar.
Muitos provérbios, típicos da linguagem oral, também
fazem uso desse recurso sintático:
• Muito malandro junto, um atrapalha o outro.
• Quem ama o feio, bonito lhe parece.
2. Inversões sintáticas.
• Um DVD, Paulo comprou ontem.
A ordem típica das orações em Língua Portuguesa é: S (sujeito) + V (verbo) +
O (objeto) + AA (adjunto adverbial).
Na frase acima, observa-se a inversão dessa ordem: O (um DVD) + S (Paulo) +
V (comprou) + AA (ontem).
*ANÁSTROFE (uma simples inversão).
• “O coração que no peito estremece
De quem os olha, se alvoroça e treme” (Camões)
Embora pareça referir-se ao peito, a oração “que estremece” refere-se a
“coração”: O coração que estremece no peito/ De quem os olha, se
alvoroça e treme.
*HIPÉRBATO (um maior número de possibilidades de inversão do que a anástrofe,
como a inversão completa dos termos na oração ou das orações no período;
recurso muito usado por poetas a fim de obter flexibilidade e desenvoltura,
marcando ritmos, melodias, ambiguidades).
A Sínquise – uma inversão radical
• Sínquises
Ridículo raparigo, que eu me vendo lotado um dia em ônibus da linha S, por
tração talvez o esticado pescoço, no chapéu cordão eu um percebi. Arrogante e em
lacrimejante tom, que contra o senhor ele ao seu lado protesta, encontra-se.
Encontrões lhe pois daria este, vez gente cada que desce. Vago senta sobre e se se
um lugar dito precipita, isto. Paço no de Roma, dou mais com ele ouvindo tarde,
duas horas que no seu sobretudo outro botar, aconselha-o um amigo botão.
QUENEAU, Raymond. Exercícios de estilo.

Algumas inversões são tão radicais que chegam a provocar ambiguidades e


obscurecimento de sentido, dificultando a compreensão do que está sendo dito. O
escrito do texto acima, em um de seus exercícios de estilo, escreve um texto
inteiramente constituído por sínquises.
Os poetas barrocos levaram este tipo de construção até os limites de compreensão.
Veja esta sínquise de Gregório de Matos:
• “Tu de amante o teu fim hás encontrado”.
HINO NACIONAL DO BRASIL
I.
Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
(As margens pacíficas do Ipiranga ouviram)
De um povo heroico o brado retumbante,
(O grito de um povo heroico que, ao longe, pôde ser ouvido)
E o sol da liberdade, em raios fúlgidos,
(E o sol da liberdade, com raios que brilhavam muito)
Brilhou no céu da pátria nesse instante.
(Brilhou no céu do Brasil naquele momento.)
E o penhor desta igualdade
(Se a garantia dessa igualdade)
Conseguimos conquistar com braço forte.
(Conseguimos conquistar com nossas próprias mãos,)
Em teu seio, ó liberdade,
(Por você, que nos deu a liberdade,)
Desafia o nosso peito a própria morte!
(Nosso peito desafia a própria morte!)
Ó pátria amada, (Ó, país amado,) Idolatrada, (Idolatrado,) Salve! Salve! (Que você seja abençoado)
Brasil, um sonho intenso, um raio vívido
(Brasil, se a imagem do Cruzeiro do Sul)
De amor e de esperança à terra desce,
(Brilha tanto no teu céu transparente e alegre,)
Se em teu formoso céu, risonho e límpido
(Um sonho intenso, um raio maravilhoso de amor e de esperança)
A imagem do cruzeiro resplandece.
(Desce até a Terra.)
Gigante pela própria natureza,
(A própria natureza te fez tão grande,)
És belo, és forte, impávido colosso,
(Você é belo, é forte, gigante sem medo)
E o teu futuro espelha essa grandeza.
(E no teu futuro continuará a ser grande.)
Terra adorada,
(Terra que amamos,)
Entre outras mil,
(Entre tantos outros,)
És tu Brasil
(Você, Brasil,)
Ó pátria amada!
(É o país que amamos.)
Dos filhos deste solo és mãe gentil,
(Você é a bondosa mãe dos que nascem aqui,)
Pátria amada,
(Amada terra natal,)
Brasil!
(Brasil!)
II.
Deitado eternamente em berço esplêndido
(Deitado para sempre em um berço grandioso,)
Ao som do mar, e à luz do céu profundo,
(Banhado pelo som do mar e pela luz do céu, que só aqui brilha tanto assim,)
Fulguras, ó Brasil, florão da América,
(Se destaca, ó Brasil, "preciosidade"da América",)
Iluminado ao sol do novo mundo!
(Banhado pelo sol que ilumina os novos continentes.)
Do que a terra mais garrida,
(Teus alegres e lindos campos,)
Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;
(Têm mais flores do que a terra mais produtiva;)
"Nossos bosques tem mais vida,"
(Assim como nossas florestas são mais belas)
"Nossa vida" no teu seio "mais amores".
(Nossa vida, quando estamos aqui, tem mais felicidade.)
Ó pátria amada,
(Ó, país amado,)
Idolatrada,
(Idolatrado,)
Salve! Salve!
(Que você seja abençoado)
Brasil, de amor eterno seja símbolo
(Brasil, que para sempre tua bandeira cheia de estrelas,)
O lábaro que ostentas estrelado
(Seja símbolo de amor eterno)
E diga o verde-louro dessa flâmula
(E que o verde-amarelo da bandeira diga)
- Paz no futuro e glória no passado.
(- Paz no futuro e honra e brilho no passado,)
Mas, se ergues da justiça a clava forte,
(Mas, se um dia você erguer sua arma da justiça em uma guerra,)
Verás que um filho teu não foge à luta,
(Vai ver que um filho teu jamais foge a uma luta,)
Nem teme, quem te adora, a própria morte.
(E quem te adora, não teme nem a própria morte)
Terra adorada,
(Terra que amamos,)
Entre outras mil,
(Entre tantos outros,)
És tu Brasil
(Você, Brasil,)
Ó pátria amada!
(É o país que amamos.)
Dos filhos deste solo és mãe gentil,
(Você é a bondosa mãe dos que nascem aqui,)
Pátria amada,
(País que amamos,)
Brasil!
(Brasil!)
3. Repetições sintáticas.
Sermão da Planície (para não ser escutado)
Crônica de Carlos Drummond de Andrade publicada no Jornal do Brasil, em 18/06/1974.
Bem-aventurados os que não entendem nem aspiram a entender de futebol, pois
deles é o reino da tranqüilidade.
Bem-aventurados os que, por entenderem de futebol, não se expõem ao risco de assistir
às partidas, pois não voltam com decepção ou enfarte.
Bem-aventurados os que não têm a paixão clubista, pois não sofrem de janeiro a janeiro,
com apenas umas colherinhas de alegria a título de bálsamo, ou nem isto.
Bem-aventurados os que não escalam, pois não terão suas mães agravadas, seu sexo
contestado e sua integridade física ameaçada, ao saírem do estádio. [...]
Bem-aventurados os que, depois de escutarem este sermão, aplicarem todo o ardor
infantil no peito maduro para desejar a vitória do selecionado brasileiro nesta e em
todas as futuras copas do mundo, como faz o velho sermoneiro desencantado, mas
torcedor assim mesmo, pois para o diabo vá a razão quando o futebol invade o
coração.
 anáfora
“Vi, claramente visto, o lume vivo”
Vi, claramente visto, o lume vivo
Que a marítima gente tem por Santo
Em tempo de tormenta e vento esquivo,
De tempestade escura e triste pranto.
Verso do poeta português Luís Vaz de Camões. Faz parte
de uma passagem quem Vasco da Gama relata ao rei de
Melinde a visão de um fenômeno natural produzido pela
eletricidade da atmosfera: uma pequena chama aparece
na extremidade dos mastros dos navios ou nos filamentos
dos cabos. Seu espanto é traduzido pela utilização
pleonástica do particípio do verbo ver (visto).
 pleonasmo
E, E, E / Nem, Nem, Nem
[...]Em nome de nada era hora de comer. Em nome de
ninguém, era bom. Sem nenhum sonho. E nós pouco
a pouco a par do dia, pouco a pouco anonimizados,
crescendo, maiores, à altura da vida possível. Então,
como fidalgos camponeses, aceitamos a mesa.
[...]Comíamos. Como uma horda de seres vivos,
cobríamos gradualmente a terra. Ocupados como
quem lavra a existência, e planta, e colhe, e mata, e
vive, e morre, e come. Comi com a honestidade de
quem não engana o que come: comi aquela comida e
não o seu nome.
LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina.
 polissíndeto

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