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Caeiro dizia-se «o único poeta da Natureza», mas a sua visão da natureza era
idealizada, a apreciação que dela fazia abstrata e a sua poesia quase pura
filosofia. Falar de ver coisas diretamente implica já não estar a vê-las diretamente.
Caeiro foi um instante de nirvana1 poético, uma impossibilidade consubstanciada
em versos transparentes, belos e precisos como cristal. O próprio Pessoa ficou
deslumbrado. Numa carta escrita a Côrtes-Rodrigues, em 2 de setembro de 1914,
garantiu: «Se há parte da minha obra que tenha um “cunho de sinceridade”, essa
parte é... a obra de Caeiro.» Dezanove anos depois, numa carta a João Gaspar
Simões, classificou O Guardador de Rebanhos como a sua melhor obra, que não
poderia «jamais igualar, porque procede de um grau e tipo de inspiração [...] que
excede o que eu racionalmente poderia gerar dentro de mim».
1
Nirvana: estado de plenitude e paz interiores, imune a influências externas.
Ficha informativa 1
FERNANDO PESSOA – Poesia dos heterónimos
Ao «fingir» em Caeiro um homem instintivo que vive só para fora, levado pela
mão das Estações, Pessoa obedecia ao anseio profundo de fugir à viscosidade
interior, de forçar as portas do «cárcere do Ser» em que se debatia, apelando para
o remédio radical: suprimir o eu, mero intervalo entre incoercíveis 2, abolir o
pensamento, dissonância trágica do Universo, reintegrando o homem no seio da
Natureza.
2
Incoercíveis: realidades que não se podem apreender na totalidade.
Ficha informativa 1
FERNANDO PESSOA – Poesia dos heterónimos
CONSOLIDA