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Ficha informativa 1

1.3 FERNANDO PESSOA


Poesia dos heterónimos
Ficha informativa 1
FERNANDO PESSOA – Poesia dos heterónimos

O fingimento artístico: Caeiro, o poeta «bucólico»


1. Caeiro, o poeta do campo

Alberto Caeiro, o primeiro do célebre trio de heterónimos a surgir, era um


poeta do campo, sem estudos. Reconhecido pelos outros como «Mestre», Caeiro
pregava a perceção direta das coisas, sem filosofias:

O essencial é saber ver,


Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.
(de O Guardador de Rebanhos, XXIV)
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FERNANDO PESSOA – Poesia dos heterónimos

Caeiro dizia-se «o único poeta da Natureza», mas a sua visão da natureza era
idealizada, a apreciação que dela fazia abstrata e a sua poesia quase pura
filosofia. Falar de ver coisas diretamente implica já não estar a vê-las diretamente.
Caeiro foi um instante de nirvana1 poético, uma impossibilidade consubstanciada
em versos transparentes, belos e precisos como cristal. O próprio Pessoa ficou
deslumbrado. Numa carta escrita a Côrtes-Rodrigues, em 2 de setembro de 1914,
garantiu: «Se há parte da minha obra que tenha um “cunho de sinceridade”, essa
parte é... a obra de Caeiro.» Dezanove anos depois, numa carta a João Gaspar
Simões, classificou O Guardador de Rebanhos como a sua melhor obra, que não
poderia «jamais igualar, porque procede de um grau e tipo de inspiração [...] que
excede o que eu racionalmente poderia gerar dentro de mim».

Richard Zenith, Fotobiografias do Século XX – Fernando Pessoa,


3.ª ed., Maia, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2013, pp. 99-100.

1
Nirvana: estado de plenitude e paz interiores, imune a influências externas.
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FERNANDO PESSOA – Poesia dos heterónimos

2. Caeiro, o homem instintivo

Ao «fingir» em Caeiro um homem instintivo que vive só para fora, levado pela
mão das Estações, Pessoa obedecia ao anseio profundo de fugir à viscosidade
interior, de forçar as portas do «cárcere do Ser» em que se debatia, apelando para
o remédio radical: suprimir o eu, mero intervalo entre incoercíveis 2, abolir o
pensamento, dissonância trágica do Universo, reintegrando o homem no seio da
Natureza.

Jacinto do Prado Coelho, Unidade e Diversidade em Fernando Pessoa,


8.ª ed., Lisboa, Editorial Verbo, 1985, p. 189.

2
Incoercíveis: realidades que não se podem apreender na totalidade.
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CONSOLIDA

1. Esclarece a razão pela qual Alberto Caeiro é considerado o poeta «bucólico».


Caeiro parece um poeta simples, que vive de um modo rústico, em pleno contacto com a
Natureza; espontâneo em termos de criação artística. No entanto, à luz do primeiro texto,
podemos compreender que esse bucolismo serve de máscara a «uma visão de Natureza
idealizada» e que a sua poesia é «quase pura filosofia».

2. Explica em que consiste o fingimento artístico de Caeiro e de que forma


«liberta» o seu criador.
O fingimento artístico de Caeiro consiste em (tentar) abolir o pensamento, ser parte da
harmonia universal da Natureza, viver tranquila e alegremente no seio da mãe Terra. Em
termos de criação artística, nega a intelectualização de emoções, optando pela verbalização
poética da sensação pura. Liberta, de certo modo, o seu «criador» da excessiva introspeção,
da dor de pensar, que tanto o angustia, permitindo-lhe, assim, «fugir à viscosidade interior» e
«abolir o pensamento, dissonância trágica do Universo».

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