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Gonçalo M. Tavares: Bem… Boa tarde. Agradeço o convite. É um prazer estar aqui e
estar junto de pessoas que eu admiro. Bem… Falar rapidamente sobre estes assuntos é
um pouco disparatado, mas tem que ser… Eu associo muito a escrita à ideia de
investigação, à ideia de que vou investigar algo. Logo, o ponto de partida é que eu não
sei aquilo que vou escrever. Não é? Esse é o ponto de partida. Aliás, eu distinguiria a
escrita, no meu caso apenas… a escrita literária da escrita não literária. Quando eu não
sei… quando eu estou a investigar, ou seja, eu não sei o que é que vai aparecer,
é escrita literária. Quando eu escrevo aquilo que eu já sei, é outra escrita. Se eu quero
reclamar, por exemplo, com o Metro, que funciona em Lisboa de uma forma
absolutamente ultrajante, nos últimos tempos, eu tenho de escrever uma carta e eu
sei o que é que quero dizer. Isto é uma escrita não literária. Portanto, a grande
distinção é essa… Eu acho que é… A escrita literária, de alguma maneira, vai-me fazer
escrever coisas que eu não sabia, mas eu não diria que é conhecimento. O Rui Zink já
falou um pouco disso. Eu acho que, muitas vezes, até é destruição de conhecimento,
destruição de lugares comuns do conhecimento.
Eu diria que há uma dupla faceta. Por um lado, eu acho que a literatura pode ser vista
quase como uma ciência social e humana. Nesse sentido, podia estar quase ao lado
das psicologias, das sociologias ou das antropologias, porque, por exemplo, quando
um romancista coloca personagens em movimento, de alguma maneira, faz uma
espécie de experiência social. Enfim, quem gosta de sociologia… A sociologia,
a psicologia… vivem muito de experiências sociais. Agora, por exemplo, há um filme à
volta de uma experiência de um cientista americano… que fez uma experiência depois
do Holocausto, em que convidava universitários americanos para ver até que ponto
eles, obedecendo a ordens, iriam fazendo um choque elétrico cada vez mais intenso.
E eu acho que a literatura é um pouco isso, com a vantagem de não ter, digamos, pelo
menos no imediato… de não matar ninguém, não pôr em risco ninguém, etc. Mas é
uma experiência social no sentido em que muitas vezes se pensa «E se?». E se esta
pessoa, com estas características, se cruzar com esta? O que é que pode acontecer?
É um pouco quase como um químico que junta sódio e cloreto e vê o que é que vai
resultar. Resulta cloreto de sódio, se for…
E de alguma maneira, por exemplo, estou a pensar no [meu] último… um livro recente,
que é Uma menina está perdida no seu século à procura do pai, que é sobre uma
menina com trissomia 21. Olhando agora posteriormente para aquilo, o que eu sinto
é… Não foi de uma forma voluntária nem consciente, mas era um pouco como: «E se
uma menina com trissomia 21, com 14 anos, estivesse perdida numa cidade onde não
conhece ninguém e estivesse à procura do pai? O que é que poderia acontecer?»
Portanto, esta questão do «e se?», de pôr uma hipótese, é quase um método científico
de alguma maneira. Depois, o que vem a seguir, eu acho que é talvez o mais
estimulante na literatura, é que realmente não se chega a uma conclusão, não se
chega a um resultado, não se chega ao cloreto de sódio, felizmente. Chega-se a
qualquer coisa que é estranha.
1
Que pode ocupar o mesmo patamar [termo do português do Brasil].