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(1) INTRODUÇÃO À GEOGRAFIA DO TURISMO

Conceitos gerais do turismo


Origens e difusão socioespacial do turismo
Características gerais da Geografia do Turismo
AS RAÍZES ARISTOCRÁTICAS DO TURISMO

 De acordo com Knafou e Stock (2003, p. 932), o turismo nasceu na Europa Ocidental da
Revolução Industrial, de uma dupla filiação: do “veraneio aristocrático” e da prática,
também aristocrática, do “tour” (ou Grand Tour, a “volta”), um tipo de percurso
“iniciático” pelo continente europeu, rapidamente codificado por guias de viagem.

 A “estabilidade” do veraneio e a “itinerância” do tour caracterizavam essas práticas


originais, que encontram similitudes com práticas atuais, como passar a semana num
resort ou viajar por etapas, respectivamente.

 Entretanto, lembram Knafou e Stocks (2003, p. 932), se trata de uma similaridade


relativa, na medida em que a sociedade que produz as práticas atuais, não tem mais
nada a ver com aquela que inventou o “turismo aristocrático”. Typical young aristocrat Francis Basset painted by
Pompeo Batoni, 1778 – whilst on the Grand Tour

https://educated-traveller.com/2017/11/23/history-of-the-grand-tour/
 Nos séculos 18 e 19 era comum, para famílias britânicas
ricas, enviar seu filho e herdeiro em uma viagem pela
Europa Continental.  Grand Tour – historic map showing a possible route from England through
France across the Alps and down into Italy (marked in red).
 Uma viagem planejada para apresentar arte, história e
cultura da Itália ao jovem herdeiro.
 O sistema educacional britânico baseava-se na literatura e
na filosofia latina e grega, ou seja, uma pessoa “educada”
aprendia os clássicos desde muito cedo. 
 Embora os Grandes Turistas originais fossem em sua
maioria homens, algumas famílias enviaram suas filhas
para "o continente" também. 
 As famílias aristocráticas viam esta viagem à Europa como
uma oportunidade para completar sua educação. 
 A viagem ficou conhecida como 'Grand Tour’. 
 Os jovens cavalheiros e algumas senhoritas eram
frequentemente acompanhados por um "guia erudito",
uma pessoa que poderia atuar como tutor e
acompanhante. 
 Esses guias, geralmente altamente educados, eram
conhecidos em italiano como ' cicerone'  e era seu trabalho
explicar a história, arte e literatura da Itália aos seus
jovens pupilos.
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“Caminhante Sobre o Mar de Névoa”
de Caspar David Friedrich - 1818
A IMPORTÂNCIA DO GRAND TOUR PARA A DIFUSÃO DO TURISMO

 no fim do século 17, o Grand Tour se apresenta como instituição consolidada


para os filhos da aristocracia e dos proprietários de terras, no século 18, se
torna um hábito também para os profissionais da burguesia em ascensão.

 Segundo Cassou (1967, p. 25), a viagem, não ainda o turismo, se


desenvolveu no século 18 durante o “Pré-Romantismo” e o “Romantismo”,
1818de paisagens e monumentos.
com os viajantes partindo em busca

 O Romantismo foi uma grande época de viagens, que tornou Veneza, os


Alpes e muitos outros lugares legendários graças a anos de peregrinação e
às diversas aventuras amorosas de poetas, mulheres célebres e músicos.

A pintura encarna a essência dos princípios da estética romântica de paisagem, mostrando uma figura solitária
confrontando a natureza em reverência. Em primeiro plano vemos a silhueta escura de um promontório rochoso,
onde um viajante olha sobre denso nevoeiro e pináculos de rocha do vale, para as montanhas e picos distantes. O
trecho cênico é dominado pelo espaço profundo de uma vista, levando-nos a querer saber o que está além.
https://www.arteeblog.com/2016/06/analise-de-caminhante-sobre-o-mar-de.html
AS DESCRIÇÕES DOS LUGARES POR “GRANDTURISTAS”

 A descrição de um lugar por parte de um viajante que, ao retornar ao seu país,


escrevia um relato e consagrava assim a reputação de um lugar, tornou-se um
processo clássico de “descoberta” no século 19 (Knafou, 1991, p. 13).

 O “Journal de voyage” de Montaigne, que empreendeu uma viagem à Itália


em 1581, foi descoberto em 1774 e sua divulgação tornou a Itália o “grande
destino cultural”.

 Goethe, que também realizou uma viagem à Itália, entre 1786 e 1788, em uma
carta escrita em Roma, três meses depois de ter iniciado sua jornada, declara:

“Nada há, de fato, que se compare à nova vida que a contemplação de uma terra
estranha descortina ao homem afeito à reflexão. Embora eu siga sendo sempre a
mesma pessoa, creio ter mudado até os ossos” (Goethe, 1999, p. 173).
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RAÍZES PRÉ-INDUSTRIAIS DO TURISMO

 É possível identificar raízes pré-industriais nas práticas


de viagens ao “campo” (visto como lugar de repouso e
“refrigério”) realizadas por citadinos já no século 12,
como informou Thomas (1988, p. 295).

 Segundo Thomas, era costume de ricos moradores de


grandes cidades manterem uma propriedade rural nas
cercanias e, já ao final da Idade Média, a ideia de uma
“casa de verão” no campo se tornou cada vez mais
familiar para alguns habitantes prósperos das cidades.

 Foi na Itália renascentista, onde a vida urbana se


desenvolveu primeiro, que nasceu o gosto pela
Casa de campo Cordellina Lombardi, construído no século XVIII
“vilegiatura”, o retiro para uma elegante vila campestre
Vêneto, Itália
durante a estação de verão (Thomas, 1988, p. 298).
O IMPULSO PROPULSOR DA ARISTOCRACIA

 Segundo Gemini (2008, p. 44), por todo o séc. 19, o desenvolvimento do


turismo se caracterizou pelo impulso propulsor da aristocracia decadente, bem
como pelo comportamento imitativo da burguesia do capitalismo industrial.

 De acordo com Gemini (2008, p. 44), até o último quartel do século 19, os
turistas eram os proprietários de terra e os capitalistas, que seguiam o modelo
do século 18, ou seja, viagens com disponibilidade praticamente ilimitada de
tempo, como fazia a aristocracia.

 Estadias de inverno aconteciam em cidades mediterrâneas, estadias de verão em


estações termais e balneárias, períodos de férias na montanha (mais breves) para
um número menor de turistas aventurosos, bem como residências rurais para os
proprietários de terra que se dedicavam à caça e à recuperação de uma “vida de
castelo”.
https://osaldahistoria.blogs.sapo.pt/alcacerense
s-ricos-iam-em-vilegiatura-19692
A ORIGEM DA PALAVRA “TURISMO”

 A origem da palavra “turismo” está muito provavelmente ligada ao Grand


Tour britânico, pois, segundo Moesch (2000, p. 10), a raiz tour de “tourisme”
aparece documentada em 1760, na Inglaterra, e tem origem nas palavras
latinas tornus, como substantivo, e tornare, como verbo, sugerindo-nos a
ideia de giro, de viagem circular, de volta ao ponto de partida.

 De acordo com Moesch, a primeira utilização da palavra “tour” como título


em uma obra sobre viagens foi também em Londres, em 1810, no livro de
Henry Swinburne, “Picturesque Tour Spain”.

 Aí mesmo, na raiz do turismo, o desejo de formação cultural e de status já


conferia uma produção estética do turismo, pois segundo Boyer (2003, p.
40), ao retornar do Grand Tour, o jovem inglês era considerado um cavalheiro
(“gentleman”), um tipo de indivíduo que tinha a reputação de ser
cosmopolita e desprovido de preconceitos.
A ORIGEM DA PALAVRA “TURISTA”

 Scattarregia (1986, p. 17) chama a atenção para o fato de que, na


primeira metade do século 19, a palavra “tourist” (turista) não se
referia aos seguidores do nascente fenômeno turístico, mas sim aos
“grands touristes”, aos seguidores do “Grand Tour”.

 Somente a partir dos anos 1850, é que o substantivo inglês “tourist”


(turista) não indicava mais um aristocrático, um cavalheiro em
viagem, começando a se referir a quem viaja por diversão.

 Segundo Lozato-Giotart (1988, p. 17), a edição de 1899 do


dicionário Littrè definiu “turismo” como uma “viagem”, um “far
niente”, um desejo de curiosidade.

https://www.abebooks.fr/
Referências bibliográficas

BOYER, Marc. História do turismo de massa. Tradução de Viviane Ribeiro. Bauru, SP: EDUSC, 2003. 170 p.

CASSOU, Jean. Du voyage au tourisme. Communications. Nº 10. Paris, France: Centre Edgard-Morin, 1967. pp. 25-34.

GEMINI, Laura. In viaggio: immaginario, comunicazione e pratiche del turismo contemporâneo. Milano, Italia:
Franco Angeli, 2008. 174 p.

GOETHE, Johann Wolfgang von. Viagem à Itália: 1776-1778. Tradução de Sérgio Tellaroli. São Paulo, SP: Companhia
das Letras, 1999. 436 p.

KNAFOU, Rémy. L’invention du lieu touristique : la passation d’un contrat et le surgissement simultané d’un nouveu
territoire. Revue de Géographie Alpine. Nº 4, 1991. pp. 11-19.

KNAFOU, Rémy; STOCK, Mathis. Tourisme. Dictionnaire de la Géographie et de l’espace des sociétes. LÉVY, Jacques;
LUSSAULT, Michel (Org.). Paris, France: Éditions Belin, 2003. pp. 931-933.

LOZATO-GIOTART, Jean Pierre. Geografia del turismo: dallo spazio visitato allo spazio consumato. Milano, Italia:
Franco Angeli, 1988.

MOESCH, Marutschka. A produção do saber turístico. SP, São Paulo, Contexto, 2000.

THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500-
1800). Tradução de João Roberto Martins Filho. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1988. 454 p.

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