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Conservação da tartaruga-da-amazônia Podocnemis expansa


(SCHWEIGGER, 1812) no Estado de Goiás
Rafael Antônio Machado Balestra¹, Ana Paula Gomes Lustosa1, Lilian Freitas Bastos2, Natália Yoshimura Lopes3
1 - Pesquisadores do RAN/ICMBio (rbalestra@gmail.com / Anaplustosa@gmail.com) ; 2 – Biólogas /PUC-GO (lilifbastos@yahoo.com.br / naty_lopes@terra.com.br )

INTRODUÇÃO

As populações da tartaruga-da-amazônia (P. expansa) (figura 1) vêm sendo histórica e sistematicamente reduzidas
principalmente em razão da sua sobrexploração pelo consumo e comércio ilegal (IBAMA, 1989). Em avaliação recente foi considerada
como quase ameaçada de extinção (NT) no território brasileiro e para a região amazônica como um todo, e categoriza-se como
criticamente ameaçada segundo a lista de especialistas em quelônios de água-doce (Dijk et al., 2011).

Em Goiás, ações de proteção e o manejo conservacionista para a tartaruga-da-amazônia foram iniciadas em 1985, em sítios de
reprodução da espécie nos rios Araguaia e Crixás-açu (figura 2), em razão da suspeita de declínio populacional dessa espécie na região
devido à intensa pressão de consumo e comércio ilegais. Essas ações foram iniciadas pelo extinto IBDF, assumidas pelo
CENAQUA/IBAMA na década de 1990, que sua vez originou o RAN/ICMBio em 2001, atual responsável pelo projeto (IBAMA, 1989; PQA-
GO, 1985 a 1991, 1993 a 1996, 2001 a 2011).

Fig. 1 - Exemplar de P. expansa em postura (fotografia de


Neste trabalho objetivou-se traçar um perfil da conservação de P. expansa no Estado, notadamente da região do médio Araguaia,
Ana Paula Gomes Lustosa). na confluência entre Goiás, Mato Grosso e Tocantins (figura 2).

METODOLOGIA

Desde o início do “Projeto Quelônios” em Goiás utilizou-se a mesma metodologia de proteção e manejo de ovos e
filhotes nos nove sítios de nidificação monitorados. Nesse período foram confeccionados relatórios técnicos anuais das ações
de manejo conservacionista e monitoramento reprodutivo em 22 estações reprodutivas da tartaruga-da-amazônia, que
serviram de fonte de informações para este trabalho (PQA-GO, 1985 a 1991, 1993 a 1996, 2001 a 2011).

Esses relatórios gerenciais de atividades foram cadastrados no Sistema de Gestão e Informação dos Quelônios
Amazônicos – SisQuelônios, web system de gestão da informação, desenvolvido e administrado pelo RAN, especializado no
Fig. 02 – Região do médio Araguaia, destacando os sítio processamento de dados obtidos em programas/projetos de monitoramento populacional e/ou manejo para conservação de
reprodutivos de P. expansa monitorados. quelônios amazônicos. As informações quantitativas obtidas foram avaliadas por estatística descritiva.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ao logo dos 22 anos de monitoramento foram protegidos 75.393 ninhos da


espécie, que resultou no manejo in situ de 3.963.644 filhotes, sendo uma média de Tabela 01. Monitoramento da reprodução da tartaruga-da-amazônia (P. expansa), no rio
2.705 ninhos monitorados e 146.875 filhotes manejados por ano, com taxas de eclosão Araguaia, Estado de Goiás.
de 87,6%, mortalidade de 2,9% e de ovos inviáveis de 9,1% (tabelas 1 e 2; figuras 3, 4, Ano Ninhos Ovos
Filhotes
manejados
Filhotes
mortos
Ovos
inviáveis
Taxa
eclosão (%)
Taxa
mortalidade (%)
Taxa
ovos inviáveis (%)
5) (PQA-GO, 1985 a 1991, 1993 a 1996, 2001 a 2011). Constatou-se uma grande 1985 595 22.112 17.461 817 3.834 79,0 4,7 17,3
1986 803 42.571 38.531 4.040 2.489 90,5 10,5 5,8
variação entre os dados analisados, chegando a apresentar coeficientes de variação de 1987 2.099 161.550 145.820 1.903 13.427 90,3 1,3 8,3
1988 3.496 245.754 219.467 4.124 22.163 89,3 1,9 9,0
97,5%, 117,9% e 116,9% para número de ninhos, de ovos e de filhotes nascidos, 1989 1.418 132.864 121.994 1.481 9.389 91,8 1,2 7,1

respectivamente (tabela 1). 1990


1991
3.766
1.635
356.786
153.181
316.532
138.571
5.786
......
34.468
......
88,7
90,5
1,8
......
9,7
......
1992 3.601 ...... 221.114 ...... ...... ...... ...... ......
1993 6.045 ...... 62.308 ...... ...... ...... ...... ......
A despeito dos esforços conservacionistas, constata-se um declínio populacional 1994 5.286 ...... 363.779 ...... ...... ...... ...... ......
1995 8.285 ...... 549.121 ...... ...... ...... ...... ......
acentuado da espécie, especialmente na última década, em que o nº de ninhos 1996 1.938 ...... 76.246 ...... ...... ...... ...... ......

(matrizes) reduziu de cerca de 8.500, em 2001, para aproximadamente 1.000, em 2011 1997
1998
8.000
2.267
......
......
500.000
36.862
......
......
......
......
......
......
......
......
......
......
(tabela 1; figura 3). 1999
2000
5.887
8.567
......
......
290.372
506.966
......
......
......
......
......
......
......
......
......
......
2001 1.496 ...... 12.367 ...... ...... ...... ...... ......
2002 939 61.528 55.184 505 5.829 89,7 0,9 9,5
As razões para a constatada redução populacional da espécie nessa região, 2003 154 15.942 14.857 36 1.049 93,2 0,2 6,6
2004 177 16.371 13.986 128 2257 85,4 0,9 13,8
notadamente de fêmeas reprodutoras nos últimos 10 anos, ainda não são bem 2005 90 3.527 3.047 76 404 86,4 2,5 11,5
caracterizadas, mas infere-se que estejam relacionadas à intensa influência antrópica 2006
2007
995
520
8.970
36.560
6.359
33.668
145
934
136
1.958
70,9
92,1
2,3
2,8
1,5
5,4
nas alterações dos ambientes dessa região, em consequência dos grandes 2008
2009
514
455
......
9.979
35.505
8.629
......
......
......
......
......
86,5
......
......
......
......
empreendimentos agropastoris em franca expansão; e pela alta coleta de animais e 2010 3000 ...... 30.000 ...... ...... ...... ...... ......
2011 1000 ...... ...... ...... ...... ...... ......
ovos por residentes e pessoas de fora, impulsionados por forte turismo local, Total 73.028 1.257.716 3.818.746 ...... ...... ...... ...... ......
principalmente, em temporadas de praia (IBAMA, 1989). Média
DP
2.704,7
2.637,9
90.549,6
106.790,9
146.874,8
171.673,7
......
......
......
......
......
......
......
......
......
......
CV 97,5 117,9 116,9 ...... ...... ...... ...... ......

A falta de padronização na coleta e sistematização dos dados prejudicou e


inviabilizou a realização de cálculos e avaliações importantes, como, por exemplo, a Tabela 02. Monitoramento da reprodução da tartaruga-da-amazônia (P. expansa), no rio
produção de ovos e de filhotes por fêmea. Crixás-Açu, Estado de Goiás.
Filhotes Filhotes Ovos Taxa Taxa Taxa
Ano Ninhos Ovos
Houve recorrentes interrupções na coleta de dados relevantes, ressalvando-se o manejados mortos inviáveis eclosão (%) mortalidade (%) ovos inviáveis (%)
registro da quantidade de ovos produzidos, ovos inviáveis e filhotes mortos, 1994 ...... ...... 12.796 ...... ...... ...... ...... 641,7
impossibilitando uma determinação precisa das taxas de eclosão, de mortalidade dos 1995 965 ...... 23.005 ...... ...... 48,4 ...... 1153,1
filhotes e de ovos inviáveis em vários períodos. Outra informação relevante, remete aos 1996 156 ...... 3.750 ...... ...... 7,8 ...... 187,9
períodos entre 1987 e 1990, e de 2009 a 2011, em que o tempo de incubação dos 1998 353 34.604 31.801 450 2.353 17,7 1731,9 1591,6
ovos, em média, foi de 55 dias (tabela 1). 1999 400 42.976 39.869 380 2.732 20,0 2149,9 1994,4
2001 254 18.684 15.907 172 2.605 12,7 933,7 795,0
2002 200 16.098 14.850 112 1.138 10,0 804,1 741,8
CONCLUSÃO 2003 37 3.255 2.920 132 203 1,8 162,5 145,8
Total 2.365 115.617 144.898 1.246 ...... ...... ...... ......
Média 337,9 23.123,4 18.112,3 249,2 ...... ...... ...... ......
Com base neste trabalho, conclui-se que, considerando que os DP 301,9 15.730,1 12.903,6 154,9 ...... ...... ...... ......
procedimentos metodológicos foram mantidos ao longo dos anos de execução do CV 89,4 68,0 71,2 62,2 ...... ...... ...... ......
monitoramento e manejo empregados na região pesquisada, ressalvando a
manutenção do mesmo esforço amostral, a constatada redução do número de Figura 03 – Evolução da quantidade de ninhos (fêmeas) de P. expansa no rio Araguaia,
matrizes de P. expansa indica a redução da população dessa espécie na área Estado de Goiás, com a linha de tendência indicando o declínio da população de matrizes em
monitorada e, por consequência, a ineficiência das medidas de desovas nos sítios monitorados dessa região.
recuperação/conservação da mesma.

Figura 04 – Evolução da quantidade de ovos e de filhotes vivos de P. expansa no rio


Araguaia, Estado de Goiás.

1985 1986 1987 1988 1989 1990 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Taxa ovos inviáveis (%) 17,3 5,8 8,3 9,0 7,1 9,7 9,5 6,6 13,8 11,5 1,5 5,4
Taxa mortalidade (%) 4,7 10,5 1,3 1,9 1,2 1,8 0,9 0,2 0,9 2,5 2,3 2,8
Taxa eclosão (%) 79,0 90,5 90,3 89,3 91,8 88,7 89,7 93,2 85,4 86,4 70,9 92,1

1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2009
Ovos 22.112 42.571 161.550 245.754 132.864 356.786 153.181 61.528 15.942 16.371 3.527 8.970 36.560 9.979
Filhotes 17.461 38.531 145.820 219.467 121.994 316.532 138.571 55.184 14.857 13.986 3.047 6.359 33.668 8.629

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Figura 05 – Taxas de eclosão, de ovos inviáveis e de mortalidade de filhotes de P. expansa no
rio Araguaia, Estado de Goiás. Dijk, P.P.V.; Iverson, J. B.; Shaffer, H. B.; Bour, R.; Rhodin, A. G. J. 2011. Turtles of the
World, 2011 Update: Annotated Checklist of Taxonomy, Synonymy, Distribution, and
Conservation Status. Chelonian Research Monographs, 5: 165 – 242.
Ibama. Projeto quelônios da Amazônia 10 anos. Brasília: Instituto Brasileiro do Meio
y = -81,776x + 3849,6 Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, 1989. 119 p.
R² = 0,0605
Relatórios técnicos do Projeto Quelônios da Amazônia no Estado de Goiás (PQA-GO) dos
anos de 1985 a 1991, 1993 a 1996, 2001 a 2011.
Subirá, R.J.; de Souza, E.C.F.; Guidorizzi, C.E.; M.P.; de Almeida, J.B.; Martins, D.S., 2012.
Avaliação Científica do Risco de Extinção da Fauna Brasileira – Resultados Alcançados em
2012. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade/ICMBio, Coordenação de
Avaliação do Estado de Conservação da Biodiversidade/COABIO. Biodiversidade Brasileira,
2(2), 17-24, 2012.

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