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A utilização de armadilhas fotográficas para o estudo de mamíferos de médio e


grande porte.

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Rosane Vera Marques


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Métodos de Estudo em Biologia 219

A UTILIZAÇÃO DE ARMADILHAS FOTOGRÁFICAS


PARA O ESTUDO DE MAMÍFEROS
DE MÉDIO E GRANDE PORTE

Rosane Vera Marques


Laboratório de Mastozoologia do Museu de
Ciências e Tecnologia da PUCRS
rosanbat@pucrs.br
Serviço Agro-silvo-pastoril,
Fundação Estadual de Proteção Ambiental/FEPAM
Fábio Dias Mazim
Rua Padre Anchieta, 1277 ap. 201 Centro, Pelotas, RS CEP 96.015-420

RESUMO INTRODUÇÃO

Armadilhas fotográficas são instru- Existem várias espécies de mamíferos


mentos muito úteis para o estudo de mamí- ameaçadas de extinção, especialmente devi-
feros silvestres de médio e grande porte, do à perda de habitat. Por isso, é imprescindí-
pois permitem a detecção de espécies que vel que estudos científicos sejam feitos o mais
dificilmente são observadas na natureza rapidamente possível com o objetivo de pro-
porcionar diretrizes para planos de manejo que
devido a seus hábitos crípticos. Existem di-
visem à sua conservação.
ferentes modelos de equipamentos que
apresentam vantagens e desvantagens con- Conforme Feinsinger (2001), a esco-
forme o tipo de animal ou ambiente a ser lha de espécies alvo de estudo com objeti-
estudado. A utilização de armadilhas foto- vos conservacionistas deveria estar baseada
gráficas é um método de estudo não invasi- nos seguintes critérios: importância para a
política conservacionista e prioridades de
vo, pois os animais não são capturados fisi-
conservação e bioindicação de qualidade
camente, tendo somente suas imagens re-
ambiental. Em geral, as políticas conservaci-
gistradas, sem causar estresse de cativeiro.
onistas utilizam espécies carismáticas (espé-
Alguns resultados de capturas fotográficas
cies com um apelo estético como olhos gran-
de mamíferos silvestres na Floresta Nacio-
des e corpo coberto de pêlos, penas ou es-
nal de São Francisco de Paula/IBAMA no
camas coloridas); espécies bandeira (espé-
município de mesmo nome e na Reserva Bi-
cies carismáticas que provocam um esforço
ológica da Serra Geral em Maquiné, Estação
para conservação ou plano de manejo para
Ecológica do Taim/IBAMA, praia do Laranjal
um ambiente em particular, por exemplo,
em Pelotas, bem como áreas particulares na panda-gigante, mico-leão-dourado) e espéci-
região sul do estado do Rio Grande do Sul es guarda-chuva (espécies com limite geo-
são apresentados. gráfico extenso cujas medidas de conserva-
ção irão manter um grande número de ou-
PALAVRAS-CHAVE: Mamíferos, armadilhas fo- tras espécies ou processos ecológicos, por
tográficas, levantamento de espécies exemplo, onça-pintada). Normalmente, as
prioridades para conservação estão voltadas

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para espécies ameaçadas de extinção ou


para espécies chave (aquelas que influenci-
am grandemente os processos ecológicos
numa comunidade ou ecossistema, como os
predadores de topo de cadeia alimentar).
Existem várias espécies de mamíferos nes-
sas categorias que precisam ser estudadas
urgentemente.
De acordo com o mesmo autor cita-
do acima, as características necessárias para
que uma espécie possa ser utilizada como
bioindicadora são amostragem objetiva e efi-
Figura 1. Mazama gouazoupira (veado-virá) com man-
ciente; tamanho possível de obtenção de cha branca em um dos membros na FLONA de São Fran-
amostras; equipamento necessário para cisco de Paula/IBAMA, RS, fotografado com equipamen-
to acionado por sensores ativos (Foto de Rosane V. Mar-
amostragem; conhecimento disponível so- ques e Fernando Ramos).
bre a biologia da espécie; sensibilidade a
impactos ambientais, como poluição e frag-
mentação do habitat; presença no ambien-
te amostrado em todos os períodos do ano
e interesse que desperta na população hu-
mana. Essas exigências têm tornado difícil a
utilização de mamíferos como bioindicado-
res na maioria dos ambientes naturais, pois
o estudo desses animais nesses ambientes
exige um grande investimento em termos de
tempo, esforço e paciência do pesquisador.
Conhecer os hábitos dos mamíferos é um
desafio, pois muitas espécies não são ob-
Figura 2. Oncifelis geoffroyi (gato-do-mato-grande) na
servadas com facilidade, visto que são no- Praia do Laranjal, município de Pelotas, RS, fotografado
turnas, extremamente esquivas ou ocorrem com equipamento acionado por sensores passivos (Foto
de Fábio D. Mazim).
em densidades populacionais muito baixas
(Parera, 2002).
Com o uso de equipamentos fotográfi-
Estudos tradicionais, especialmente cos automáticos ou armadilhas fotográficas,
inventários mastofaunísticos, costumavam estudos que envolvem espécies de hábitos
ser realizados com base na identificação de crepusculares e noturnos, geralmente de difí-
pegadas, na coleta de fezes e em restos de cil observação na natureza, podem ser otimi-
alimento. Porém, estas técnicas indiretas zados, pois a obtenção da fotografia de um
nem sempre garantem a identificação e a determinado animal pode ser equivalente a
individualização segura do animal que as uma observação direta, ou pode ser conside-
produziu, resultando, em determinados ca- rada como uma captura, substituindo méto-
sos, somente na identificação taxonômica dos cuja aquisição dos resultados é difícil, de-
em nível de Família, como, por exemplo, as morada e estressante para os animais. Gran-
espécies de cervídeos (Fig. 1) e pequenos des áreas podem ser supervisionadas por
felinos (Fig. 2), cuja diferenciação através de poucas pessoas que não precisam permane-
vestígios (pegadas e fezes) pode estar su- cer em constante prontidão (Wemmer et al.,
jeita a erro. 1996).

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Métodos de estudo que não sejam in-


vasivos, ou seja, não causem transtorno físico
ou comportamental aos animais são extrema-
mente úteis, pois podem ser utilizados em pes-
quisas com animais ameaçados, sem riscos
para seu bem-estar.
As desvantagens do método são os
custos do equipamento, filmes e revelações,
relativamente altos; riscos de roubo do equi-
pamento deixado em campo; dificuldade de
reparação do equipamento em campo, caso Figura 4. Leopardus pardalis (jaguatirica) na FLONA de
haja algum problema de mal funcionamento; São Francisco de Paula/IBAMA, RS, fotografada com equi-
pamento acionado por sensores ativos (Foto de Rosane
impossibilidade de obtenção de dados como V. Marques e Fernando Ramos).
massa corporal, estado reprodutivo ou amos-
tras de sangue, método comum em animais
capturados fisicamente; dúvidas na identifi- DESCRIÇÃO DA METODOLOGIA
cação de indivíduos que não apresentem
marcas naturais ou padrão de pelagem dife- Armadilhas fotográficas são dispositivos
renciada (Fig. 3) e registro fotográfico de so- que fazem com que uma ou mais máquinas
mente um dos lados do animal, pois um mes- fotográficas sejam acionadas sem a necessi-
mo espécime pode apresentar marcas natu- dade da presença de uma pessoa no local de
rais (Fig. 1) ou padrões de pelagem (Fig. 2 e estudo. A passagem de um ou mais animais
4) diferentes entre seus lados direito e es- em frente ao dispositivo que serve como sen-
querdo. Esse último problema pode ser mi- sor provoca o funcionamento de todo o equi-
nimizado com o uso de dois equipamentos pamento fotográfico acoplado ao sistema. Ou
por estação de captura fotográfica, um em seja, o próprio animal provoca a obtenção da
cada lado da trilha para obtenção de imagens fotografia e esse evento é denominado de cap-
dos dois lados de um mesmo animal, simul- tura fotográfica.
taneamente. Os primeiros registros fotográficos de
espécies silvestres obtidos de forma remota,
ou seja, sem a presença de um observador
humano, ocorreram no início do século XX
(Wemmer et al., 1996). A partir do advento de
máquinas fotográficas com avanço de filme
automático e “flash” embutido, houve um acrés-
cimo significativo na aplicabilidade dessa téc-
nica para estudos de fauna mais complexos.
Uma armadilha fotográfica deve ser
constituída por, basicamente, uma máquina
Figura 3. Dasypus novemcinctus (tatu-galinha) na FLO-
fotográfica com avanço de filme automático e
NA de São Francisco de Paula/IBAMA, RS, fotografa-
do com equipamento acionado por sensores ativos “flash”, mecanismo sensor ou de gatilho e
(Foto de Rosane V. Marques e Fernando Ramos). bateria(s) para o funcionamento do sistema.
As câmaras fotográficas com datador
A utilização de armadilhas fotográficas para impressão do horário ou data na foto per-
para o estudo de mamíferos de médio e gran- mitem o registro automático dessas informa-
de porte tem-se mostrado de extrema utilida- ções. Infelizmente, a maioria das câmaras foto-
de em diversos países e no Brasil. gráficas não registra as duas informações ao
mesmo tempo. Uma alternativa é posicionar um

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relógio grande no plano focal da câmara para ente, como os sensores utilizados em alar-
registrar o horário em que a foto foi obtida e mes contra roubo de residências. Os apare-
deixar o datador marcando a data. Outra alter- lhos com sensores passivos utilizados nesse
nativa é marcar o horário na câmara e revisar o estudo funcionam da seguinte maneira: o
equipamento todos os dias no campo para sensor infravermelho é acionado todas as
contar quantas fotos foram obtidas no período vezes que o animal passar em seu raio de
anterior. ação, que se estende a mais ou menos 8m
As câmaras fotográficas devem perma- de distância. O sensor faz funcionar o circui-
necer protegidas da chuva no interior de cai- to acionador de solenóide e o circuito tem-
xas que impeçam a penetração de água. Evi- porizador, que pode ser programado para
dentemente, há a necessidade de aberturas intervalos de um a 30 segundos entre uma
fechadas com vidro transparente para o local fotografia e outra. O solenóide, por sua vez,
da lente e do “flash” da máquina. aciona o botão de disparo da câmara foto-
gráfica, obtendo um registro fotográfico.
O som do disparador da câmara e da
A função da bateria 12 volts é fornecer ener-
movimentação do filme, bem como a luz do
gia para o sensor infravermelho, para o adap-
“flash”, pode assustar ou atrair um animal, afe-
tador e para o solenóide. O consumo de ener-
tando a amostragem. Por exemplo, um único
gia do equipamento é de 1,20 ampéres em
graxaim pode ser fotografado diversas vezes,
24 horas. Podem ser utilizadas baterias de 7,
enquanto permanece na frente do equipamen-
36 ou 45 ampéres, conforme o tempo dese-
to cheirando-o.
jado de funcionamento. Para as duas últimas,
Os mecanismos sensores ou de gatilho os cabos de ligação são externos. Baterias
podem ser de diversos tipos: mecanismo de de 7 ampéres e 12 volts têm durabilidade de
tropeço, sensores infravermelhos passivos e cerca de 1,5 dia, e a de 45 ampéres e de 12
sensores infravermelhos ativos. volts mais de 15 dias, sendo necessária a tro-
Mecanismo de tropeço: o sistema é acio- ca por uma outra recarregada após estes pe-
nado mecanicamente por uma linha com uma ríodos (Vidolin, P. com. pess., 2000). A van-
isca amarrada que se conecta ao disparador. tagem da longa duração da bateria é a possi-
Quando o animal puxa a isca, o sistema entra bilidade de permanência do equipamento em
em funcionamento. Esse é um método seleti- campo durante muito tempo sem a necessi-
vo, pois nem todos os animais vão demonstrar dade da presença do pesquisador. A desvan-
interesse pelas iscas. Um arame flexível ou um tagem da utilização de uma bateria pesada é
pedaço de taquara podem ser usados como a dificuldade de transporte de grande núme-
obstáculos a serem movimentados pela passa- ro de aparelhos no campo.
gem de um animal por uma trilha para provo- Se o calor do Sol atinge esses senso-
car o disparo do sistema. Placas de tropeço res, o equipamento é acionado. Esse proble-
podem ser construídas com a utilização de duas ma pode ser minimizado colocando-se o apa-
peças de madeira que, quando pressionadas relho em local sombreado ou utilizando-se
uma sobre a outra com o peso do animal, com- um comutador fotoelétrico que ativa a câma-
pletam um circuito elétrico que dispara o siste- ra somente durante a noite. Com estes pro-
ma. O terreno, nesse caso, deve estar drenado cedimentos, ambientes abertos não são
e o mecanismo protegido da umidade com amostrados, no primeiro caso, ou animais
plástico (Wemmer et al., 1996). Santos-Filho e com atividade diurna não são fotografados,
Silva (2002), utilizaram mecanismo de tropeço no segundo caso. Dentro dessas limitações,
em áreas abertas de Cerrado onde a alta tem- qualquer animal endotérmico (mamíferos e
peratura do dia alterava a percepção de sen- aves) pode ser detectado. A vantagem no uso
sores de calor. de aparelhos com sensores passivos é que o
Sensores infravermelhos passivos: são aparelho somente é acionado pela tempera-
utilizados sensores de calor que são sensí- tura emitida pelos espécimes que adentram
veis a mudanças repentinas no calor ambi- seu raio de ação. Conseqüentemente, somen-

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te fotografias de interesse para as pesquisas


são obtidas, desde que tomados os cuida-
dos mencionados acima. Em ocasiões cujo
objetivo é fotografar animais durante as visi-
tas às suas tocas, ou seja, entrando ou sain-
do de seus refúgios (Fig. 5 e 6), este tipo de
armadilha fotográfica, em termos de logísti-
ca, torna-se mais aconselhado, pois o seu
funcionamento não depende de receptores
externos. Ainda abordando o mesmo contex-
to, em momentos em que o aparelho deve
ser focado para pontos onde não existe es-
paço suficiente para a instalação de apare- Figura 6. Agouti paca (paca) na entrada do abrigo no
lhos emissores e receptores (como o interior Cerro das Almas, município de Capão do Leão, RS,
fotografadas com equipamento acionado por senso-
de tocas), ou ocorrem determinados riscos
res passivos (Foto de Fábio D. Mazim).
para tal ação, como, por exemplo, bordas de
encostas ou margens de recursos hídricos
(Fig. 7), os aparelhos com sensores passivos
tornam-se a opção mais adequada. A Fig. 7
retrata a facilidade de se instalar aparelhos
com receptores passivos em pontos de difí-
cil acesso, que podem ocasionar danos aos
receptores, no caso de um aumento no volu-
me hídrico. Nesse caso, o aparelho foi insta-
lado em uma elevação segura em relação a
possíveis inundações. A desvantagem da uti-
lização de receptores passivos é a possibili-
dade de o equipamento ser disparado quan-
do o animal está relativamente longe da má- Figura 7. Lontra longicaudis (lontra) nadando em um
quina fotográfica - não é possível uma ilumi- pequeno curso d’água com 10cm de profundidade, no
nação de qualidade com o “flash” - , ou quan- Cerro das Almas, município de Capão do Leão, RS,
do o animal está muito próximo da máquina fotografada com equipamento acionado por sensores
passivos (Foto de Fábio D. Mazim).
- imagem fica sem foco.

O equipamento deve ser colocado em


trilhas, na entrada de tocas e refúgios, ou em
lugares onde se observa a presença de ani-
mais. No local escolhido para colocar o equi-
pamento, faz-se um buraco no chão onde se
fixa a haste. A máquina é regulada para o pon-
to desejado. A distância entre a máquina e o
ponto focado é variável de acordo com o por-
te do animal que se deseja amostrar. Aconse-
lha-se uma distância a partir de 2,0m para ani-
mais de grande porte (e.g., veados, antas e gran-
des felinos), e para animais de médio porte,
Figura 5. Lontra longicaudis (lontra) com filhote sain- como marsupiais, pacas, cutias, pequenos feli-
do do abrigo na Reserva Biológica da Serra Geral, Ma- nos (Fig. 2) e canídeos (Fig. 8), a partir de 1,0m.
quiné, RS, fotografada com equipamento acionado por Após, liga-se a bateria, fecha-se a caixa de pro-
sensores passivos (Foto de Fábio D. Mazim). teção e liga-se o equipamento. Espera-se, en-

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tão, aproximadamente, um minuto até que o mal nunca seja fotografado longe ou perto de-
sensor infravermelho se estabilize com a tem- mais da máquina, permitindo iluminação e foco
peratura do ambiente. Após este tempo, a adequados.
máquina fotográfica pode ser destravada.

Figura 9. Puma concolor (puma) na FLONA de São


Figura 8. Pseudalopex gymnocercus (graxaim-do-cam- Francisco de Paula/IBAMA, RS, fotografado com equi-
po) na Estação Ecológica do Taim/IBAMA, fotografa- pamento acionado por sensores ativos (Foto de Rosa-
do com equipamento acionado por sensores passivos ne V. Marques e Fernando Ramos).
(Foto de Fábio D. Mazim).

Sensores infravermelhos ativos: são uti-


lizados emissor e sensor (ou receptor) de raios
infravermelhos que devem permanecer bem
alinhados. Quando um animal fica interposto
entre o emissor e o receptor, o sistema é acio-
nado e a máquina fotográfica entra em funcio-
namento. Qualquer animal pode ser fotografa-
do, inclusive insetos que se interponham entre
o emissor e o receptor. Folhas ou galhos que
Figura 10. Cavia sp (preá) na FLONA de São Francis-
caiam cortando o feixe infravermelho também co de Paula/IBAMA, RS, fotografada com equipamen-
acionam o sistema, assim como fortes nebli- to acionado por sensores ativos (Foto de Rosane V.
nas e chuvas, fazendo com que algumas foto- Marques e Fernando Ramos).
grafias sejam obtidas em vão. Para minimizar
este problema, a sensibilidade do sistema nun-
A escolha do local para o posicionamen-
ca deve ser a máxima. Com o ajustamento da
to do equipamento é muito importante. Trilhas
altura do feixe em relação ao solo, podem ser
naturais feitas pela passagem constante de
selecionados animais com base em seu tama-
animais encontradas no meio da vegetação, ou
nho, caso o interesse do estudo envolva so-
mesmo trilhas ou caminhos feitos pelo homem,
mente espécies de grande porte (Fig. 9). Con-
são locais apropriados para a instalação das
tudo, o posicionamento dos sensores próximo
armadilhas fotográficas acionadas por senso-
ao solo permite a detecção de animais de pe-
res ativos. Vários animais utilizam esses tipos
queno porte também (Fig. 10). Visto que o custo
das revelações e ampliações fotográficas é re- de trilha para seu deslocamento e o equipa-
lativamente alto, é aconselhável solicitar somen- mento pode ser montado de forma que o ani-
te a revelação do filme e encomendar a ampli- mal fotografado fique sempre bem posiciona-
ação em papel fotográfico somente das foto- do e dentro do campo focal da câmara foto-
grafias de interesse, barateando o processo gráfica, evitando fotografias desfocadas ou so-
sensivelmente. Uma vantagem é a qualidade mente de partes do animal.
das fotografias, pois o emissor e o sensor po- Trilhas utilizadas por várias espécies po-
dem ser posicionados de maneira que o ani- dem ter seu caminho canalizado por rochas ou

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vegetação para estimular a passagem dos ani- das Araras no Mato Grosso (Santos-Filho; Silva,
mais para o ponto coberto pelo campo focal da 2002); em diversos tipos de hábitats na Ama-
câmara fotográfica, permitindo a visualização do zônia (Peres et al., 2003); Parque Nacional dos
corpo inteiro do espécime. Tripé, estaca ou cin- Aparados da Serra no Rio Grande do Sul (Car-
ta com velcro para prender em árvores podem doso; Vieira, 2003).
ser utilizados para sustentar a máquina fotográ- Os exemplos de fotografias apresenta-
fica. No caso de estudos sendo realizados em das nesse trabalho foram obtidas com a utiliza-
ambientes abertos, essa última opção de sus- ção de armadilhas fotográficas nas seguintes
tentação não pode ser utilizada pela falta de áreas:
substrato para prender a câmara. Floresta Nacional de São Francisco de
Locais naturalmente procurados pelos Paula/IBAMA, RS, com seu ecossistema cons-
animais como fontes de água, locais com sal, tituído por Floresta Ombrófila Mista e planta-
tocas, locais utilizados como latrinas e árvores ções de araucárias, desde 1999. Cerro das
florescendo ou frutificando, bem como ninhos, Almas, município de Capão do Leão, fragmen-
são excelentes para a obtenção de um núme- to de Floresta Estacional Submontana de en-
ro elevado de registros fotográficos. Evidente- costa inserida na região fitoecológica da Sava-
mente, podem ser obtidas várias fotografias de na – Serra do Sudeste; Praia do Laranjal, no
uma só espécie ou de um único indivíduo. município de Pelotas, com biótopos caracteri-
Iscas podem ser utilizadas para atrair zados por dunas fixas, matas ciliares, matas de
predadores (carne), frugívoros (frutos), cervíde- restinga paludosa e banhados; Estação Ecoló-
os (sal) ou roedores como pacas (milho com gica do Taim/IBAMA, com dunas e matas de
pasta de amendoim). Estações de cheiro tam- restinga paludosa e Reserva Biológica da Serra
bém são utilizadas para atrair os animais, po- Geral, no município de Maquiné, com Floresta
dendo ser utilizados desde ovos estragados, Ombrófila Densa (mata atlântica de encosta),
urina ou fezes de animais coletadas em zooló- desde 2000.
gicos, até produtos industrializados como aque- As figuras 2 e 5 a 8 representam uma
les comercializados em lojas de animais para amostra dos resultados obtidos com equipa-
induzir a utilização de determinados locais es- mento com sensores passivos. As figuras
pecíficos para defecar ou urinar. As iscas ou 1,3,4,9 e 10 demonstram algumas capturas fo-
outros tipos de atrativos devem ser utilizados tográficas obtidas com equipamento com sen-
quando o tempo disponível para o levantamen- sores ativos. Ambos tipos de equipamentos
to de espécies é restrito, sendo necessário pro- apresentaram vantagens e desvantagens, de-
vocar a passagem dos animais na frente das pendendo dos objetivos de obtenção de infor-
armadilhas fotográficas. mações, local de estudo e/ou qualidade de ima-
Estudos envolvendo armadilhas fotográ- gens dos animais.
ficas foram ou vêm sendo realizados no Brasil
por diversos pesquisadores. Podem ser cita-
das as realizações de trabalhos nas seguintes APLICAÇÕES DA METODOLOGIA
áreas, dentre outras: Parque Estadual “Carlos
Botelho” e Parque Estadual Morro do Diabo no Essa técnica tem as seguintes aplica-
Pontal do Paranapanema no estado de São ções: identificação de espécies ocorrentes em
Paulo (Parque, 2003 e Cullen Jr, 2000); Par- uma área (Wemmer et al., 1996 e Marques e
que Estadual do Ibitipoca em Minas Gerais (An- Ramos, 2001); estudo de padrões de ativida-
driolo, 2003); fazendas de criação de gado no de, pois cada fotografia pode registrar data e/
Pantanal da Nhecolândia (Ataque, 2003) e Ba- ou hora em que o animal foi fotografado, sen-
cia do Rio Negro no sudeste do Pantanal do possível obter dados sobre padrões de
(Trolle; Kéry, 2003) ambos no Mato Grosso do movimento e horários de maior atividade
Sul; Parque Nacional das Emas em Goiás (Sil- (Cullen Jr., 2000); uso de hábitats (Santos-
veira; Jácomo, 2003); Estação Ecológica Serra Filho; Silva, 2002); registro de comportamen-

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tos sociais (Lynam, 1999); abundância relativa servação. Houve casos de pessoas que para-
de animais de difícil observação e/ou captura ram de caçar após terem recebido fotografias
(Mohd, 2003); estimativa de densidade popu- de animais vivos em seu ambiente natural e
lacional (Wallace et al., 2003 e Trolle; Kéry, que têm contribuído para a preservação da fau-
2003), quando a análise minuciosa da fotogra- na em suas propriedades. As pessoas têm a
fia torna possível a individualização dos animais oportunidade de ver que um animal vivo é muito
através da identificação de sinais externos mais bonito do que um morto e passam a ter
como cicatrizes, sinais (Fig. 9) ou padrão de orgulho por estarem contribuindo para a ma-
pelagem que sejam bem definidas e específi- nutenção de suas vidas.
cas para cada indivíduo, servindo como exem- As armadilhas fotográficas não devem
plos típicos os felinos com pelagem “mancha- ser utilizadas como único recurso para levan-
da ou pintada” (Fig. 6 e 5); estimativa da faixa tamento de mastofauna, visto que há um limite
etária e sexo, bem como tamanho aproximado de tamanho para a detecção dos animais e nem
do animal, especialmente, se houver a instala- todos os tipos de ambientes podem ser moni-
ção de uma referência métrica no campo focal torados da mesma maneira. Quando são feitos
da câmara fotográfica (Wemmer et al., 1996); inventários rápidos de mastofauna com dura-
monitoramento de animais que atravessam ro- ção de poucos dias em cada localidade, é im-
dovias e que podem sofrer atropelamento (Par- portante otimizar a obtenção de resultados com
que, 2003). Além dos estudos científicos men- o conhecimento sobre pegadas e fezes dos
cionados acima, há o uso educativo e promo- animais. As técnicas tradicionais de estudo de
cional da obtenção de fotografias de animais vestígios não podem ser descartadas, pois, em
que não são tão bem conhecidos pelas popu- geral, as espécies mais comuns são fotografa-
lações humanas, como no caso do bay cat das em detrimento das espécies cujas densi-
Catopuma badia em Borneo (Mohd, 2003) ou dades populacionais são baixas, necessitando-
de animais símbolo, também conhecidos como se de um esforço amostral muito maior.
espécies-bandeira, como anta da Malásia A montagem de estações de captura
Tapirus indicus na Tailândia (Lynam, 1999), ti- fotográfica em locais que atraem os animais não
gre, Panthera tigris, na Índia (Karanth, 1995) pode ser utilizada em estudos que necessitem
ou onça-pintada Panthera onca, na Bolívia de capturas ao acaso. O uso de iscas provoca
(Wallace et al., 2003). Tanto os estudos pura- interferência diferenciada sobre as espécies,
mente científicos quanto os trabalhos educati- alterando os números de capturas fotográficas.
vos contribuem diretamente para os esforços As armadilhas fotográficas devem ser monta-
de conservação de espécies e de seus respec- das por um período fixo que dependerá da fre-
tivos hábitats. Na FLONA de São Francisco de qüência de visitação do local e/ou trilha pelo(s)
Paula/IBAMA, há cartazes com fotografias de animal(is) estudado(s). Uma averiguação da re-
mamíferos obtidas naquela Unidade de Con- lação entre a amostragem por armadilhas foto-
servação que ficam expostos no pequeno mu- gráficas e o emprego de rádio-colares para o
seu. Quando há excursões de escolas ou gru- estudo de movimento e tamanho de área de
pos de turistas, essas informações e imagens vida de uma determinada espécie é de extre-
podem ser mostradas para as pessoas, auxili- ma utilidade. Animais com ciclo de vida longo
ando na tarefa dos funcionários e contribuindo podem ser estudados combinando um perío-
para a atividade de educação ambiental reali- do de captura e marcação com censos men-
zada por eles. No trabalho realizado no sul do sais de capturas fotográficas para obtenção de
Rio Grande do Sul, os proprietários rurais que maiores informações.
permitem a utilização de suas propriedades Na medida em que um maior número
para as amostragens recebem cópias de foto- de pesquisadores começar a utilizar essa téc-
grafias dos animais. Em algumas ocasiões, até nica para o estudo de mamíferos silvestres, será
as comunidades rurais são presenteadas com mais fácil a obtenção de informações que ve-
fotografias dos animais e essa técnica tem des- nham a contribuir para a conservação desses
pertado o interesse das pessoas sobre a con- animais e de seus ecossistemas.

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AGRADECIMENTOS LYNAM, T. Camera-trapping reveals the status of


Malayan tapirs in southern Thailand rainforest re-
mnants. Tapir Conservation, The Newsletter of
Nossos sinceros agradecimentos aos
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