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Chove Sobre Minha Infância

, de Miguel Sanches Neto


Gênero literário: Romance
Estilo da época: Contemporâneo
Tempo: Entre 1950 e 1980 (Infância de Miguel Sanches Neto)
Espaço: Noroeste do Paraná (Peabiru e Bela Vista do Paraíso)
Narrador: 1ª pessoa (Narrador-Personagem)
Características: Ficcional (Apesar do caráter memorialista e autobiográfico)(Autoficção), questionamento da veracidade das memórias
infantis, a guerra entre Destino (Ser lavrador) e Sonho (ser escritor), Miguel não pertence ao mundo agrícola
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O romance Chove sobre minha infância, é narrado em primeira pessoa pelo personagem principal Miguel Sanches Neto. Apesar do tom
memorialista e autobiográfico, por causa do uso de nomes reais, é um texto de ficção, que busca sua verossimilhança na realidade
existencial, psicológica e histórica do próprio autor. É um livro escrito para comover o leitor. Quanto à construção, temos um romance
montado a partir de uma linguagem simbólica que assimila as linguagens da crônica, da poesia e do conto – o que confere à leitura do
texto uma leveza e um ritmo alucinante – contrariando as fórmulas narrativas inventadas pelo pós-modernismo.
O livro inicia com o protagonista adulto lançando seu olhar sobre o passado, sua infância: “Chovia demais naquela manhã, uma chuva
que molhava o piso de vermelhão da varanda da casa onde morávamos, naquela época já de aluguel. Uma casa velha de madeira, a
varanda circundada pela mureta de alvenaria. A chuva alagando o território onde aquele que fui brincava de escorregar no piso. (…)
Sozinho na varanda, a chuva a me isolar dos amigos e da família, a sensação de abandono me punha a escrever nas paredes, náufrago do
tempo lutando para estabelecer contatos. Quem seria esse interlocutor que o menino procurava? Um amigo? Alguém da família? (…)
Talvez todos, mas principalmente o adulto que a criança se tornaria.
A partir daí a narração assume o ponto de vista do menino, com uma linguagem simples, lírica, confessional, própria da idade, que vai
contar os fatos que marcaram sua vida dos três aos dezessete anos. Fatos estes que se transformam em símbolos, pela força das
metáforas, que vão moldar o caráter e a formação moral do personagem.
Primeiro, o fato que divide sua história em pré-história e história propriamente dita: a morte do pai analfabeto, de quem herdou os
cadernos em branco e a missão de preenchê-los. Pois é a partir daí que se delineia sua vocação de homem das letras, que passa do papel
passivo do leitor para o papel ativo do escritor. Leitor de sua realidade, escritor de seu próprio destino.
O segundo fato marcante é a chegada do padrasto. De repente, o menino vai até o quarto da mãe e descobre na cama, ao lado dela, um
homem. É Sebastião, que consigo traz mais dois irmãos para o pequeno Miguel. É o início de sua via-crucis, pois os valores ortodoxos e
anacrônicos do padrasto vão construir uma barreira intransponível entre eles.
Já na escola fica marcada a diferença entre os meninos. Zé Carlos e Luís tiram notas menores que Miguel, porém trabalham melhor do
que ele e por isso recebem mais elogios do pai, que só recebe recriminações. As surras parecem sempre mais doloridas para ele do que
Miguel encontra nos livros o sossego e o mundo que o ajuda a suportar a realidade. Para o padrasto, ele é um caso perdido. O hábito da
leitura o acompanha quando ingressa no Colégio Agrícola, lugar onde, na contramão do senso-comum, envereda pelos livros que vão
consolidar sua consciência crítica: de Augusto dos Anjos a Marx, passando por Kafka e Eduardo Galeano. A partir daí, Miguel vai
transformando seu gosto pela literatura em vocação. Já escreve seus primeiros poemas.
Porém, antes de se tornar escritor, torna-se professor. Faz mestrado, doutorado. Enfim, vence na vida seguindo o caminho que escolheu. É
sua vingança contra um padrasto que encarnou todos os percalços enfrentados por um menino-adolescente na sua descoberta da vida, nos
seus ritos de passagem, na sua história social, que de resto se parece com a história de muitos meninos brasileiros pobres do interior.
É a formação, o amadurecimento psicológico de um indivíduo dentro de condições sociais e afetivas díspares.
Um terceiro fato marcante para o entendimento da obra é a reprodução de uma carta escrita por sua irmã Carmen (na verdade, um truque
narrativo), que no final do livro vem para desmitificar o pai e apresentar o discurso do padrasto, discurso este de apaziguamento entre os
dois. O livro acaba sendo uma espécie de acerto de contas com a vida. Lutou contra uma destinação (ser lavrador) e cumpriu, assim, o seu
destino (ser escritor):
“Vindo de um povo basicamente iletrado, recebi a tarefa de ser seu porta-voz. Escrevo por isso, para fazer com que falem estes entes sem
discurso. Pode até ser uma justificativa tola, mas como ela pesa para mim. Se você não a compreende, é porque sua história é outra, você
não sente o travo amargo de um silêncio centenário.
(…)
Daí esta minha vontade de habitar folhas em branco para gastar este extenso estoque de silêncio, para dissipar esta herança de desejos.
Aprender a escrever foi a única saída para dar uma condição letrada à extensa ignorância de meus antepassados.”
O romance se encerra com o protagonista já adulto voltando à sua cidade, para perceber que já ele não pertence mais a ela, nem ela
pertence mais às lembranças de seu passado:
“A mulher se aproxima do balcão para perguntar se sou daqui. Respondo seco:
— Fui.
— Muita gente que partiu tem voltado, mas não conheço ninguém. Sou nova na cidade.
Não digo nada, apenas olho as árvores do outro lado da rua, a velha praça e o local onde havia uma televisão. Ali, nós, crianças pobres,
assistíamos velhas novelas.
— Onde o senhor mora?
— Numa cidadezinha chamada memória.
— Não sei onde fica – diz a mulher enquanto me vira as costas para atender um jovem.”

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