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RICARDO A M MAZZEO

WORLD VALUES SURVEY E A


IDEIA DE SECULARIZAÇÃO
NO CONTEXTO CHINÊS
PROPOSTA DE TRABALHO
DISCIPLINA: THE SOCIOLOGY OF CONTEMPORARY CHINA - CS216B
PROF. TOM DWYER

Ricardo Alves Moreira Mazzeo, graduado em História pela Universidade Federal do estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, mestre em Ciência da Religião pela
Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, Bolsista CAPES, doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.
WVS - WORLD VALUES SURVEY

 Um projeto de pesquisa global que propõe compreender as noções relacionadas aos valores e crenças
em diversos países.

 A proposta inicial seria usar WVS para comparação entre o perfil dos BRICS a partir dos dados do WVS
e comparação com dados dos handbooks

 Nessa proposta inicial, especificamente, a busca estaria na procura por dados que possam colaborar para
análise sobre sentido religioso dessas sociedades.
CULTURAL MAPS

1996 2008 2017 2020


1996
1996
CULTURAL MAPS

1996 2008 2017 2020


2008
2008
CULTURAL MAPS

1996 2008 2017 2020


2017
2017
CULTURAL MAPS

1996 2008 2017 2020


2020
2020
ANÁLISE PRELIMINAR DOS CULTURAL MAPS
 Os países BRICS transitaram muito pouco dentro do quadro, mesmo frente ao desenvolvimento
econômico das ultimas décadas;
 A transição brasileira caminharia no sentido de se aproximar quase do centro com quadro,
partindo de um perfil que ainda tradicional/religioso (1996) para um perfil mais secularizado
(2020);
 No caso chinês, a transição segue para uma queda do perfil secularizado (1996) caminhando
para uma perfil mais tradicional/central no quadro (2020);
 O fator preliminar que se destaca no perfil desses países é que mesmo com grande crescimento
econômico das últimas décadas, não se observa uma transição gritante em direção a um perfil de
self-expression values ou quando há essa transição é vista em grau ainda pequeno.
QUESTÕES PRELIMINARES

 No caso dos BRICS o desenvolvimento econômico das ultimas décadas sinalizou alguma uma
mudança significativa nessas sociedades?;
 O perfil brasileiro de transição para um cenário mais secularizado se confirma
comparativamente em relação a dados e análises do censo?;
 O perfil majoritariamente secular se confirma em relação as descrições da sociedade chinesa?
 As questões formuladas pelo WVS traduziriam com efetividade expressões ou práticas de
religiosidade não Ocidental, como no caso chinês ou indiano?
SECULARIZAÇÃO E A CHINA
A PARTIR DOS DADOS A
PERGUNTA É SE PODERÍAMOS
PENSAR NA CHINA COMO UMA
SOCIEDADE SECULAR?
A SECULARIZAÇÃO

 O ponto inicial é discutir sobre qual conceito de secularização deve-se firmar para
construir uma interpretação sobre a China:

 a) secularização como ausência ou queda de religião;

 b) secularização como formação de religiosidades individualizadas


ou de um mercado religioso;
 c) secularização como a retirada do poder religioso da esfera de
poder decisório nas sociedade.
 a) secularização como ausência ou queda de religião;

 Autores como Steve Bruce (2006) vão pontuar nesse sentido:


“A combinação de igualitarismo, individualismo e pluralismo tem sido crucial para a
marginalização da religião. Qualquer sistema de crença fica mais plausível quando é
inteiramente consensual. Se todos acreditam nas mesmas coisas, elas não são crenças, são
apenas um relato exato de como as coisas são. (...) Nas sociedades industriais em modernização
do final século XVIII e XIX na Europa, tomou-se cada vez mais aceito que, apesar das
diferenças óbvias de nascimento, status e talentos, estávamos todos de alguma maneira no
mesmo patamar. As pessoas tomaram-se relutantes em forçar a conformidade religiosa, e as
classes dominantes passaram a considerar a harmonia social mais importante do que a
ortodoxia religiosa. A insistência da Reforma sobre as responsabilidades do indivíduo tomou-se
gradualmente uma demanda pelos direitos dos indivíduo, e os direitos separaram-se
gradualmente das identidades religiosas.” (BRUCE, 2006, p. 180)
 b) secularização como formação de religiosidades individualizadas
ou de um mercado religioso;
 Portella (2008) por sua vez discute o tema da seguinte forma:
“Entendo que religião, na contemporaneidade de sua vivência pelo indivíduo racionalizado da
modernidade, não é tanto uma substância que depende de formulação e fidelidade
institucional, nem mesmo de uma apreensão do sagrado como algo extra nos, existente por si
e apreensível pelo viés de certos ritos e mitos disseminados pelas religiões institucionais.
Prefiro falar da religião como um “fundo mágico-religioso”, daquilo que fornece sentido e
eficácia simbólica para as pessoas, para indivíduos em suas subjetividades. Aquilo que opera
significativamente na vida das pessoas, dando-lhes sentido, nomos, seja pelo viés da ética ou
obediência a um ser divino, de uma incorporação a mitos e ritos que ordenem o seu cosmos
particular, seja através de manipulações que constranjam o sagrado à eficácia simbólica que a
pessoa deseja. Léa Perez prefere falar de “sensibilidade religiosa, ou mais apropriadamente
ainda, sensibilidade mágico-religiosa”. Entrementes, numa ação nomizadora ou de eficácia
para a vida, aí se inscreve isto que chamo de religião, um “empreendimento humano pelo qual
se estabelece um cosmos sagrado”. Sendo que, na modernidade, esse “cosmo sagrado” tende a
ser cada vez mais pessoal – “micro-cosmos”(?) - ou mesmo não convencionalmente sacro.
Sínteses pessoais.” (PORTELLA, 2008, p. 38)
 c) secularização como a retirada do poder religioso da esfera de
poder decisório nas sociedade.

 Ao analisar a secularização a partir de Weber, Pierucci (1998) vai propor:


“Entendo que a primeira vez que a palavra secularização foi enunciada fora dos muros e
dos textos da igreja católica, apontam os pesquisadores em lexicografia, foi para nomear o
processo jurídico-político de desapropriação dos bens eclesiásticos em favor dos poderes
seculares. Uma volta às fontes do conceito de secularização pode ser de grande ajuda no
debate atual em torno da contemporânea fermentação de religiosidades. A meu ver, ajuda
bastante. Antes de mais nada, pela simples razão de que, colocada a questão na esfera
jurídico-política, comme il faut, não há como tergiversar quanto à factualidade do
processo: nem quanto aos fatos passados (isto é, aos casos de secularização ocorridos e ao
desenvolvimento efetivo de processos de secularização, gerais e específicos, sucedidos no
bojo do processo geral de formação de todo e qualquer Estado nacional moderno) e nem
mesmo quanto aos fatos presentes, de progressiva secularização das instituições públicas
em sociedades cada vez mais pluralistas em matéria de religiosidade.” (PIERUCCI, 1998,
p. 23)
POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES
 Compreender a secularização a partir da ideia de ausência da religião como defende
Bruce ou da noção mercado religioso, para o caso chinês implicaria a absorção ou
adesão de uma individualidade ou de uma noção de self-expression, que em certo
sentido estaria indo contra os dados de WVS sinaliza.
 No caso, há ainda o aspecto relacional sob o qual se constitui a sociedade chinesa, no
qual a cosmovisão ou visão de mundo não está estruturada na ideia de um indivíduo
atomizado ou em uma lógica linear, mas sim em uma rede de relações interpessoais
(guanxi), e modos associação diferentes (chaxugeju), além de construção do pensar a
partir de uma lógica relacional (FEI, 1992; FLORENTINO, S/L).
 Pensar na ideia de mercado religioso (Berger, 2017) ou mesmo de campo religioso
(Bourdieu, 1974) para discutir as tradições soteriologias chinesas esbarra
primeiramente na limitação que essas considerações, para além do contexto para qual
essas foram elaboradas, se constroem a partir de formulações de uma lógica linear,
marcantemente ocidental, alicerçada a partir do pensamento aristotélico.
POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES

 Como mostra Pierucci (1998) a secularização em Weber estaria relacionada ao


processo e transição das formas de poder decisório e do direito nas sociedades antigas,
retirando do sentido ou poder mágica centralidade decisória e construindo uma
lógica/racionalidade própria do direito ali construído, isenta da força da religião nesse
âmbito decisório.
 No caso chinês, esse argumento poderia ser fazer sentido historicamente com o fim do
Império e a Revolução que teriam tornado, em um sentido jurídico, aquela sociedade
secularizada. No caso comunista, a base da força, a partir da revolução, com
desconstrução das denominações religiosas pelo estado, nas décadas de 1950 e 1960.
Assim, a revolução seria o elemento chave na construção de um novo paradigma
relativo ao direito decisório secularizado.
POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES
 O outro problema é que mesmo com uma sociedade secularizada, se formariam
expressões e experimentação de religiosidade descentralizada, paralelas ou fora do
controle do estado, marcadamente locais, e em alguns casos sincrética, como ocorre com
algumas expressões do protestantismo chinês.

 Assim, na China, mesmo frente a uma centralidade e uma racionalidade estatal, haveria
espaço para construção de uma religiosidade que é local, popular e sincrética (ainda que
não atomizada ou individualizada). O ponto central a partir de Weber que Pierucci
aponta é que a ideia de secularização não é conflituosa com a construção ou crescimento
da religiosidade. A secularização seria a construção de um estado não regido pela norma
da lógica religiosa, seja ela mágica (mago) ou dogmática (sacerdote).
CONCLUSÕES

 No contexto chines, a dimensão local formularia essa nova dinâmica entre o local e central,
entre a vila e o imperador, que a partir da descrição de Fei Xiaotong (1992), não seguiria a
risca a formalizações do estado, mas sinalizaria para formação de forças de organização e
de direito locais (clãs), ligadas com elementos que não seguiriam a mesma racionalização
imposta/elaborada pelo estado, mas sim uma racionalidade ligada as tradições, a
hereditariedade e a rede relações locais.

 Assim na esfera da religião ou das tradições, a discussão a frente seria sobre a construção
de duas esferas de religiosidade, uma estatal/erudita e uma popular/descentralizada. E se
essa hipótese for válida também para o contexto do Império, haveria esferas onde essas
expressões dialogariam, formulando movimentos de resistência e sincretismos.
REFERÊNCIAS:
BERGER, Peter L. Os múltiplos altares da modernidade: rumo a um paradigma da religião numa época pluralista. Editora Vozes
Limitada, 2017.
BOURDIEU, Pierre. Gênese e estrutura do campo religioso. In.: BOURDIEU, Pierre. A economia das formas simbólicas. São Paulo:
Perspectiva, 1974.
BRUCE, Steve. Secularização e a impotência da religião individualizada. Religião & Sociedade, v. 36, p. 178-190, 2016.
CAMURÇA, Marcelo Ayres. Secularização e reencantamento: a emergência dos novos movimentos religiosos. BIB, São Paulo, v. 56, n. 2,
p. 55-69, 2003.
FEI, Xiaotong. From the soil. university of California Press, 1992.
FLORENTINO, Antonio Neto. Predicação e relação como fundamentos da Filosofia da Escola de Kyoto. S/L, S/D. Disponível em:
<https://www.academia.edu/36808349/Predica%C3%A7%C3%A3o_e_rela
%C3%A7%C3%A3o_como_fundamentos_da_Filosofia_da_Escola_de_Kyoto> acesso em 18/11/2021.
NISBETT, Richard. The geography of thought: How Asians and Westerners think differently... and why. Simon and Schuster, 2004.
PIERUCCI, Antônio Flávio. Secularização em Max Weber: da contemporânea serventia de voltarmos a acessar aquele velho sentido. Revista
brasileira de ciências sociais, v. 13, p. 43-73, 1998.
PORTELLA, Rodrigo. A religião na sociedade secularizada: urdindo as tramas de um debate. Numen, v. 11, n. 1 e 2, 2008.
Weber, Max. Religião da China: Confucionismo e Taoísmo . Edição do Kindle.
WVS, World Values Survey. Disponivel em: <https://www.worldvaluessurvey.org/wvs.jsp> acesso em 18/11/2021 .

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