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Aula9 Molloy Roteiro
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séculos de desassossego
Aula 9
Corpo e doença: Sylvia Molloy
História da Cultura 3
Primeiro semestre de 2023
Daniel Balderston, Sylvia Molloy, María Luisa Vásquez, Emily Geiger, 1991. (Arquivo pessoal: Daniel Balderston)
Sylvia Molloy (1938-2022)
Ficção:
Em breve cárcere (1981; edição brasileira: Iluminuras, 1995)
El común olvido (2002)
Vária imaginação (2003; edição brasileira: Editora 34, 2022)
Desarticulações (2010; edição brasileira: Editora 34, 2022)
Viver entre línguas (2016; edição brasileira: Relicário, 2018)
Sontag:
o entendimento psicológico mina a realidade da doença. [...]
Uma grande parcela da popularidade e da persuasão da psicologia
advém de ser um espiritualismo sublimado: um modo secular e
ostensivamente científico de assegurar a primazia do ‘espírito’ sobre
a matéria.
(Doença como metáfora, p. 51)
Alzheimer como representação
- preservação do corpo:
- correspondência com ideais de “normalidade”: formas, proporção,
aparência regular (Sant’Anna, Corpos de passagem, p. 44)
- “modelo corporal legível e legitimado” (Ostrov, p. 258)
- não-deformação do rosto
- Sontag: “por mais letais que sejam, as doenças que, como as do
coração ou a gripe, não danificam nem deformam o rosto jamais
provocam o terror mais profundo” (Aids como metáfora, p. 109)
Ostrov:
Uma série de perguntas percorrem o texto: no que consiste, onde reside a
subjetividade? O que permanece quando as lembranças e as palavras se apagam,
quando se perde a possibilidade de reconhecer(-se)? Até que ponto a categoria do
‘humano’ pode ser interpelada se humanidade e linguagem são pressupostos mútuos?
(p. 259)
Desarticulações: fragmentação
não escrevo para remendar buracos e fazer crer a alguém (a mim mesma) que não
houve nada, mas para atestar incoerências, hiatos, silêncios. Essa é a minha
continuidade, a do escriba. (Desarticulações, p. 18)
Desarticulações: fragmentação
Ricœur:
Conforme o relato [das ficções de perda de identidade] se aproxima do
ponto de anulação da personagem, o romance também perde suas qualidades
propriamente narrativas. À perda de identidade da personagem corresponde [...]
a perda de configuração do relato e, em particular, uma crise do fechamento do
relato. (p. 152)
Desarticulações: narradora e personagem
Como diz eu quem não lembra, qual é o lugar de sua enunciação quando a memória se desfiou?
(Desarticulações, p. 12)
Desarticulações: narradora e personagem
Tenho que escrever estes textos enquanto ela ainda está viva, enquanto não houver morte ou
encerramento, para tentar entender esse estar/não estar de uma pessoa que se desarticula
diante dos meus olhos. Tenho que fazer isso para seguir adiante, para fazer durar uma relação
que continua apesar da ruína, que subsiste, ainda que mal restem palavras. (p. 9)
- registro linguístico próprio: as palavras que ninguém mais usa (p. 29-30)
- “nomes secretos”: apelidos recíprocos que não voltam na desarticulação (“censura do despeito”, p. 20)
Desarticulações: narradora-personagem
-paralelos, diferenças:
- ambas quebram a perna: narradora não se lembra de nada
- listas que ambas elaboravam e nenhuma delas consultava
- destruição da subjetividade da personagem afeta a narradora
Eu me pergunto se a perda de memória de ML. tem algo a ver com a exacerbação da minha. Se de algum
modo estou compensando, provando a mim mesma que minha memória lembra, lembra mesmo quando não
quer lembrar. Eu me pergunto também se não terá acontecido isso com ML., se ela terá padecido também
dessa profusão de memória, dessa contaminação entre presente e passado, antes de começar a perdê-la.
(Desarticulações, p. 26)
Desarticulações: morte no umbral
- Simón & Raso: Desarticulaciones é o relato de um luto contínuo, de uma morte “no umbral”, da “morte não como
acontecimento”:
“[relato de] uma morte que ainda não aconteceu e de uma vida que, como narrativa, ainda não tem desenlace.” (p. 38)
Barthes:
Há um tempo em que a morte é um acontecimento, uma ad-ventura, e como tal mobiliza, interessa, tensiona, ativa,
tetaniza. E depois, um dia, já não é um acontecimento, é uma outra duração, comprimida, insignificante, inenarrada,
abatida, sem apelo: verdadeiro luto insuscetível de qualquer dialética narrativa.
(p. 48, entrada de 15.11.1977)
Inquietude
Barthes:
Meu espanto – e, por assim dizer, minha inquietude (meu mal-estar) vem do fato de que, na verdade, não é uma
falta (não posso descrever isso como uma falta, minha vida não está desorganizada), mas uma ferida, algo que dói no
coração do amor.
(p. 63, entrada de 24.11.1977)
Sem significação, sem interpretação
Barthes:
Agora, por vezes sobe em mim, inopinadamente, como uma bolha que estoura: a constatação: ela já não
existe, ela já não existe, para sempre e totalmente. É fosco, sem adjetivo – vertiginoso porque insignificante (sem
interpretação possível).
(p. 75, entrada de 7.12.1977)
Interrupção
Sinto que deixar este relato é deixá-la, que ao não registrar mais meus encontros estou negando algo a ela, uma
continuidade da qual só eu, nessas visitas, posso dar fé. Sinto que a estou abandonando. Mas, de algum modo, ela
mesma está se abandonando, então não me sinto culpada. Ou quase.
(Desarticulações, p. 31)