A excelência ganhou foros de moscardo. A excelência zumbe-nos aos
ouvidos a propósito de tudo: educação de excelência, conteúdos de excelência, turismo de excelência, cuidados médicos de excelência. Mais do que sinónimo de alta qualidade, a excelência tornou-se um instrumento de marketing. Os políticos aderiram à onda e tornaram a excelência do engodo a mais evidente das excelências.
Nos últimos anos, os jovens estudantes e os jovens activos têm sido
fortemente incentivados a aprender mais e mais. Nenhum político antes de Sócrates, reconheçamo-lo, usou tanto a palavra excelência e tentou tanto convencer-nos de que a nossa competitividade está totalmente correlacionada com mais educação e com escolas de excelência. Ninguém como ele tentou tanto convencer-nos de que vivemos num mundo que recompensa sempre quem aprende mais, porque a posse de formações mais longas e de mais diplomas significa mais emprego e melhores empregos. Infelizmente para ele e para nós, a realidade não confirma a asserção. O número de diplomados com ensino superior tem crescido como nunca, como têm crescido todos os outros indicadores de escolarização. E não obstante, nunca como hoje se viu uma situação tão deplorável: uma taxa de desemprego que já ultrapassa os 10 por cento; 146.000 licenciados portugueses emigrados, a valorizar o produto de países estrangeiros com as formações que nós pagámos e que representam um investimento do Estado, perdido, da ordem dos 4.380 milhões de euros; 44.700 licenciados cá dentro, uns desempregados, outros a sobreviverem como funcionários de supermercados ou de centros de atendimento; 100 portugueses licenciados a abandonarem o país em cada mês que passa; 140.000 assalariados com menos de 310 euros mensais e quase metade dos trabalhadores por conta de outrem com menos de 600.
Os benefícios da educação são de natureza muito diversa. Entre outros, são
sociais, pessoais e económicos. No que respeita a estes últimos, quando a educação não acrescenta valor é, por definição, má educação. Torna-se por isso imperioso medir o valor acrescentado da formação maciça oferecida aos portugueses pelo actual governo. Porque o problema, pelo menos do ponto de vista em análise, o económico, não é só aprender mais. É, antes, aprender as coisas certas no tempo certo e por meios adequados. Mais não é palavra mágica. Mais exercício físico é por princípio bom lema para melhorar a saúde. Desde que saibamos que há exercício físico que a pode pôr em risco. Mais aprendizagem é por princípio bom lema de valorização. Desde que não esqueçamos que também podemos aprender a preguiça, a mentira, a batota e a ganância. Um estudo, mais um, da OCDE, recentemente vindo a lume, permite-nos questionar a linearidade da relação entre mais educação e melhor emprego e reconduz-nos ao decantado problema da excelência da educação, que eu prefiro designar por qualidade da educação. A constante exortação à excelência ou à qualidade resulta ambígua porque é muito usada mas nunca definida. E no contexto hoje em apreço, e sublinho que as presentes considerações são feitas apenas nesse contexto, o económico, a qualidade da nossa educação verifica-se conferindo a adequação daquilo que trata aos requisitos do mercado. Ora esse confronto é desolador. A decantada sociedade da informação e do conhecimento recompensa os países que inovam. Mas não reage a doses maciças de aprendizagem convencional em versão medíocre. Mais educação é decisiva para a competitividade nacional quando mais for também sinónimo de diferente e não for mais do mesmo. Um bom exemplo da ausência de critério para planear a educação neste campo encontramo-lo na evolução recente do ensino profissionalizante.
A nível superior, o ensino politécnico foi rapidamente desvirtuado e afastado
dos objectivos iniciais. O desígnio foi, desde cedo, igualizá-lo ao ensino universitário, com as consequências à vista. A nível secundário, com todas as vicissitudes, chegámos finalmente às chamadas escolas profissionais, de iniciativa privada (ligadas a empresas) e co-financiadas pelo Estado. Não tinham a generalização e a expressão do ensino técnico de outrora. Mas faziam trabalho sério e preparavam, eficazmente, para áreas profissionais, com forte valência prática. Com a chegada de Sócrates ao poder, estas escolas foram gradualmente sufocadas, retirando-lhes o financiamento. Porquê? Porque não eram escolas do Estado. Porque os seus alunos estavam contabilizados fora do ensino público. Quando foram apresentados os primeiros “êxitos”, dizendo que havia 20.000 novos alunos que aderiram ao novo ensino profissional, não foi dito que as escolas profissionais tinham deixado praticamente de existir. Em rigor, a iniciativa do PS não aumentou o número de estudantes da via profissionalizante. O que fez foi roubar alunos ao privado, trazendo-os para o público e enganando-os: nas profissionais chumbava-se e trabalhava- se, nas públicas pouco se pede e passa tudo; aos que abandonavam o ensino foi-lhes oferecida a equivalência ao 12º ano através de cursos de treinador de futebol; oficinas e laboratórios não existem; as ferramentas são papel e lápis; os diplomas são passados mesmo que os estudantes faltem sistematicamente às aulas; os professores são, na maioria, os que ensinavam em formações humanísticas. E a isto chamaram política de excelência.
* Professor do ensino superior. s.castilho@netcabo.pt