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LICENCIATURA EM ANTROPOLOGIA
ANTROPOLOGIA MARÍTIMA
2008
ANA CANHOTO
N.º 27685
TURMA AB2
A NAZARÉ Um monumento, uma paisagem humana, um verdadeiro museu, uma
bela praia de pescadores, sem portos de abrigo ou quebra-mar.»
Alves Redol1
A Nazaré “está a perder com o tempo a pesca, o turismo de pesca”, e cada vez
mais o pescador está a tornar-se um “gestor hoteleiro”. Constata que “o turismo
nazareno é muito mal vendido”, visto que não há divulgação de toda a riqueza
nazarena. A Nazaré está a perder a sua identidade, cada vez mais os “pexins”
estão a misturar-se com os “palecos”. (Rocha 2007)
Menciona Marta Caeiro, a autora de um estudo académico realizado em 2004 e referido neste
artigo, que os “pexins” eram os nazarenos, os quais se terão envolvido com os “palecos”,
indivíduos de fora, portugueses ou estrangeiros que não pertenciam à comunidade nazarena.
Com estes aprenderam a desenvolver as suas capacidades de negócio, afirmando esta autora
que sabem vender bem o seu produto. Contudo, este tem sido e cada vez menos o peixe e sua
indústria e mais o turismo hoteleiro (Rocha 2007). Ao que apurámos num documento da
Câmara Municipal da Nazaré, designado de Plano Estratégico 2015, apresentado em Abril de
2004 e cujo objectivo visa o desenvolvimento da Nazaré, existe da parte deste organismo uma
preocupação no que concerne ao investimento na vertente turística da Nazaré. No mesmo
referem:
…a Nazaré tem ao longo dos anos perdido algumas das suas características e
tradições mais marcantes e peculiares, de que a actividade da pesca é um
exemplo inquestionável … não tem conseguido afirmar-se como importante
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centro piscatório … A sistemática política de fomento ao abate de embarcações e
a ausência de recursos humanos com disponibilidade e vontade para ingressarem
na actividade, vão deteriorando esta situação no concelho. (CEDRU s.d.)
Parece querer manter-se no presente a lembrança da miséria que a pesca originava no passado.
Esta é uma situação detectável na elevada emigração e na escolha do turismo como meio de
subsistência. Quanto à primeira destacamos o facto de que os emigrantes são, essencialmente,
a juventude, cujo acesso ao ensino fomentou a procura de outras profissões, mas também os
pescadores. Com a actual conjuntura económica estes tendem a procurar pescar noutras
margens, em outros contextos onde o rendimento adquirido possa ser superior. E, tal como no
passado muitos foram os nazarenos que se deslocavam na pesca do bacalhau, no Mar do
Norte, o mesmo se constata hoje. Quem fica aspira a uma melhor vivência e acaba por
mostrar optar por aquilo que o mar ainda lhe oferece – a exploração da vertente turística da
praia. Citando Carlos Diogo Moreira quanto às estratégia adaptativas dos pescadores:
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hospedagem turística…» (Escallier 1999: 301), oferecendo um quarto das suas casas ou a
própria residência para aluguer durante estes meses. Sentadas nos degraus das portas ou na
marginal, junto à praia, estas mulheres tornaram-se uma imagem da Nazaré.
Predomina neste contexto o domínio da mulher, quer no âmbito da gestão do lar quer nos
negócios, sendo a responsável pela gestão da economia familiar. Segundo o antropólogo
norueguês Jan Brogger, a presente conjuntura poderá residir no facto de tradicionalmente o
homem passar uma boa parte do ano no mar. Por esta razão verificava-se o casamento
matrilocal, persistindo em algumas famílias da actualidade. E, muito embora a modernidade
tenha trazido aos nazarenos o aburguesamento destes, o papel da mulher continua a ser
preponderante (Brogger 1989).
Distinguindo-se pelo uso de um lenço na cabeça, um xaile nos ombros e as «sete saias»,
seguram um cartaz no qual se encontram, geralmente, escritas as palavras «rooms, chambres,
zimmer», concretamente quarto em inglês, francês e alemão. Esta é uma estratégia que parece
ter adquirido identidade na Nazaré e sobre a qual a Câmara Municipal procura criar regras.
Segundo o averiguado no Plano Estratégico 2015, nos anos 90 verificou-se um decréscimo no
número de hóspedes e hospedagens convencionais. Este é indicado como «… consequência
da proliferação de oferta paralela…» e do peso que esta tem na economia, considerada «…
uma tradição fortemente enraizada…» (CEDRU s.d.).
Refere Christine Escallier, no artigo «O papel das mulheres da Nazaré na economia
haliêutica», que frequentemente alugam as suas casas a preços elevados e sem garantia das
condições de salubridade mínimas. Com o intuito de recuperar o baixo orçamento anual das
famílias, as mulheres dos pescadores recorrem a todos os meios como fonte de rendimento,
circunstância reportada como preocupante para o Município, pois tem originado uma gradual
depreciação da imagem da Vila, bem como do turismo praticado (CEDRU s.d.).
Esta actividade das mulheres está, ainda, ligada a outro factor a contabilizar – a aquisição de
bens. Com o desenvolvimento do turismo e o acesso à escolaridade as fronteiras entre pé
calçado e gente da praia esfumaram-se. No entanto, esta separação de classes não se
extinguiu, apenas adquiriu uma nova nuance. A estratificação deixou de ser definida pelo
parentesco, mas sim pela quantidade de bens que se possui. Deixou de estar conectada com a
função do homem na companha e está hoje relacionada com a posse bens materiais ou por
funções associadas a níveis superiores de habilitações escolares (Trindade s.d.). Para esta
possessão tornou-se fundamental a capacidade das mulheres venderem o seu produto – o
aluguer das casas e o pequeno comércio. «Elas fazem da sua vila uma espécie de arena, onde
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a competição enraivece.» (Escallier 1999: 304), transformando a procura de uma escapatória à
miséria e à fome, que prevalece na memória de um passado, num desafio do presente.
Quaisquer que sejam as estratégias, no seu seio sobrevive um discurso identitário ligado ao
mar, quer pelo uso das tradicionais vestimentas por quem está ligado às actividades
piscatórias quer pelas imagens transmitidas pelos meios de divulgação turística. Parece
subsistir a ideia de resistência a um processo de globalização, a uma homogeneização das
culturas, pela utilização de representações de uma tradição única associada ao mar. Este é um
facto que ambos Município e pescadores procuram demonstrar. Quer no Plano Estratégico
2015, de 2004 quer no projecto Agenda 21 Local está bem patente a importância da
manutenção dessa identidade. Este último programa, aprovado em 2007, consta da
indispensabilidade de articular e integrar na comunidade local a noção e prática de um
desenvolvimento sustentável. Destaca-se, no que concerne à sociedade nazarena, o objectivo
operacional da recuperação de uma identidade urbana que «… está intrinsecamente ligada ao
Mar, pela positiva ou pela negativa, continuando à espera de uma reconstrução conciliada e
pacificada de imaginários.» (Câmara Municipal da Nazaré 2008a).
Misturam-se neste concelho e nesta Vila da Nazaré vários discursos: o do pescador que
mostra o seu barco colorido e da peixeira que usa as «sete saias»; o mesmo pescador que
acaba por emigrar por não ter meios de sobrevivência e cuja mulher já não é peixeira, é
comerciante e aluga a sua casa durante os meses de Verão. E por último uma geração mais
nova que não se identifica com a indústria pesqueira e são funcionários públicos ou
advogados ou médicos. Opõem-se aqui dois mundos: o do mar e da terra, à semelhança de um
passado, entre pés-calçados e gentes da praia.
Bibliografia:
8
CÂMARA MUNICIPAL DA NAZARÉ 2008a [2006] «Agenda 21 Local». Disponível em:
http://www.nazare.oestedigital.pt/_uploads/agenda21/04Visao_Objectiv_Operacionais.pdf
(Acedido em 2 de Junho de 2008).
9
CEDRU s.d. «Plano Estratégico Nazaré 2015». Disponível em:
http://www.nazare.oestedigital.pt/SEARCH/search.aspx?query=Plano%202015 (Acedido em
2 de Junho de 2008).
LABORINHO, Álvaro 2002 «Praia de banhos, 1938, inv. N.º 1950» in: Lúcio, Álvaro J.
Laborinho; David, Ana; Nabais, António O Mar da Nazaré. Álvaro Laborinho. Nazaré:
Câmara Municipal da Nazaré, IPM - Museu Etnográfico Arqueológico Dr. Joaquim Manso,
Conluz SA, Miramar DA e Carpilux LDA. pp. 29-37
ESCALLIER, Christine l999 «O papel das mulheres da Nazaré na economia haliêutica» in:
Etnográfica, Revista do Centro de Estudos de Antropologia Social, Vol. III (2). Lisboa:
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NABAIS, António 2002 «Contexto histórico e etnográfico» in: Lúcio, Álvaro J. Laborinho;
David, Ana; Nabais, António O Mar da Nazaré. Álvaro Laborinho. Nazaré: Câmara
Municipal da Nazaré, IPM - Museu Etnográfico Arqueológico Dr. Joaquim Manso, Conluz
SA, Miramar DA e Carpilux LDA. pp. 29-37
ROCHA, Tânia 2007 «Pesca com morte anunciada» Jornal da Região da Nazaré. Concelhos
de Nazaré e Alcobaça. Disponível em:
http://www.regiaodanazare.com/rn/index.php?
option=com_content&task=view&id=1368&Itemid=54 (acedido em 2 de Junho de 2008).
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