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O Livro dos Amantes

I
Glorifiquei-te no eterno.
Eterno dentro de mim
fora de mim perecvel.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinvel.
Para que desses um nome
exactido do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
humidade onde fica.
E o que acontece durante
na rapidez da descida
a explicao da vida.
II
Harmonioso vulto que em mim se dilui.
Tu s o poema
e s a origem donde ele flui.
Intuito de ter. Intuito de amor
no compreendido.
Fica assim amor. Fica assim intuito.
Prometido.
III
Prncipe secreto da aventura
em meus olhos um dia comeada e finita.
Onda de amargura numa gua tranquila.
Flor insegura enlaada no vento que a suporta.
Pssaro esquivo em meus ombros de aragem
reacendendo em cadncia e em passagem
a lua que trazia e que apagou.
IV
D-me a tua mo por cima das horas.

Quero-te conciso.
Ado depois do paraso
errando mais ntido distncia
onde te exalto porque te demoras.
V
Toma o meu corpo transparente
no que ultrapassa tua exigncia taciturna
Dou-me arrepiando em tua face
uma aragem nocturna.
Vem contemplar nos meus olhos de vidente
a morte que procuras
nos braos que te possuem para alm de ter-te.
Toma-me nesta pureza com ngulos de tragdia.
Fica naquele gosto a sangue
que tem por vezes a boca da inocncia.
VI
Aumentmos a vida com palavras
gua a correr num fundo to vazio.
As vidas so histrias aumentadas.
H que ser rio.
Passmos tanta vez naquela estrada
talvez a curva onde se ilude o mundo.
O amor ser-se dono e no ter nada.
Mas pede tudo.
VII
Tu pedes-me a noo de ser concreta
num sorriso num gesto no que abstrai
a minha exactido em estar repleta
do que mais fica quando de mim vai.
Tu pedes-me uma parcela de certeza
um desmentido do meu ser virtual
livre no resultado de pureza
da soma do meu bem e do meu mal.

Deixa-me assim ficar. E tu comigo


sem tempo na viagem de entender
o que persigo quando te persigo.
Deixa-me assim ficar no que consente
a minha alma no gosto de reter-te
essencial. Onde quer que te invente.
VIII
Eis-me sem explicaes
crucificada em amor:
a boca o fruto e o sabor.
IX
Pusemos tanto azul nessa distncia
ancorada em incerta claridade
e ficamos nas paredes do vento
a escorrer para tudo o que ele invade.
Pusemos tantas flores nas horas breves
que secam folhas nas rvores dos dedos.
E ficmos cingidos nas esttuas
a morder-nos na carne dum segredo.
Natlia Correia, in "Poemas (1955)"

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