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História Trabalho indígena na Amazônia Colonial: diálogo com realidades

políticas diversas
A escravidão indígena no Brasil eram, ainda, responsáveis por legitimar ou
colonial iniciou em meados do século XVI não o aprisionamento dos nativos por meio
devido à intensificação das atividades de guerras justas (tema ao qual voltaremos a
econômicas no litoral. A utilização da mão- diante). Essas funções dos missionários
de-obra dos nativos foi predominante provocaram, no decorrer do tempo, embates
durante o período colonial em locais como a entre missionários e colonos. Estes últimos
Amazônia. A instituição do modo de desejavam ter maior controle sobre a mão-
produção escravista no Brasil foi de-obra indígena. Assim, para atenuar esses
responsável por profundas alterações nas conflitos a legislação indigenista sofreu, ao
formas de vida dos indígenas, em suas longo do tempo, modificações em relação à
culturas e suas relações sociais, tais como as liberdade e escravização indígena.
formas de trabalho, os hábitos de Primeiramente, é preciso ressaltar
alimentação e vestimenta, as crenças, os que o Regimento do Governador-Geral
casamentos, os rituais etc. Tomé de Sousa, de 1548 – primeiro
O contato entre as populações documento legal relativo ao Brasil –, já
indígenas e os europeus se deu de diferentes estabelecia a diferença entre índios aliados e
maneiras: através de relações de aliança, de índios inimigos, e os diferentes tratamentos
troca ou por meio de guerras. Para que o dispensados a esses grupos distintos. De
projeto colonial – que consistia no conjunto acordo com a legislação, apenas os índios
de intenções e práticas dos europeus no inimigos, denominados “gentios de corso”
sentido de colonizar o novo território – ou “gentios bravos”, podiam ser
funcionasse bem era necessária a utilização escravizados.
da mão-de-obra indígena. Entretanto, como Aos índios aliados e aldeados foi
nem todos os nativos aceitaram garantida a liberdade durante toda a
pacificamente trabalhar para os colonos, a colonização. Além disso, a legislação
legislação indigenista assumiu posições garantia também a posse de terras e o
diferenciadas dependendo das ações dos recebimento de salários pelas atividades
grupos indígenas. realizadas para os moradores. Eles deveriam
A fim de “civilizar” e re-socializar ser bem tratados, “descidos” (retirados) de
os nativos, os colonizadores incentivaram a suas comunidades tradicionais e
evangelização promovida pelos estabelecidos nos aldeamentos
missionários, que no início também era (comunidades dirigidas por portugueses,
responsável pela organização e distribuição onde os índios trabalhavam e eram
da mão-de-obra indígena. Os religiosos catequizaos) por vontade própria, sem
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nenhum tipo de violência. Os responsáveis vivenciavam. Dentre estas estratégias
pela realização dos descimentos – podemos destacar que eles: forneciam
missionários ou colonos – e a localização escravos cativos de grupos inimigos;
dos aldeamentos variaram ao longo do planejavam fugas coletivas; buscavam
período colonial. reconstituir parte da sociedade tradicional
A legislação permitia que os índios em territórios de difícil acesso;
inimigos fossem escravizados por meio da estabeleciam comércio paralelo ao
Guerra Justa, que podia acontecer devido à realizado pelos colonos; recorriam à Justiça
recusa dos nativos à conversão, ao Colonial em busca da liberdade.
impedimento da evangelização ou à Entretanto, como a legislação sofreu
hostilidade contra os colonos e seus aliados. alterações devido às demandas do diferentes
A violência, apesar de ser considerada interesses dos agentes coloniais, as leis ora
prejudicial à conversão, era utilizada para concediam liberdade a todos os indígenas
“civilizar” os nativos hostis. Outra forma de ora retornavam a permitir a escravidão dos
escravização permitida era aquela realizada índios inimigos. Como exemplo, há o
por meio dos resgates, que consistiam na Alvará de 28 de abril de 1688 que
libertação de índios prisioneiros de outras reintroduziu a escravização indígena através
tribos. dos resgates e das Guerras Justas, que
No entanto , o projeto colonial esteve, primeiramente, sobre o controle do
expresso nas leis nem sempre correspondia estado e, posteriormente, foi permitida a
à realidade. Os colonos cometeram diversos organização de expedições particulares.
abusos na conquista de terras e povos Esse alvará estabelecia que as
indígenas, promovendo Guerra Justa e Câmaras das cidades fossem responsáveis
“descimentos” ilegais. Tais práticas pela repartição dos indígenas. A
contribuíram para o despovoamento de escravização seria permitida em guerras
várias áreas, tanto devido ao aprisionamento defensivas contra índios inimigos e infiéis
de índios, quanto às epidemias que os deflagradas devido à invasão dos índios a
europeus trouxeram, contra as quais os aldeias e terras do Estado do Maranhão ou
índios não apresentavam nenhuma no caso de os nativos impedirem a
resistência natural. evangelização. A guerra ofensiva também
Os indígenas, buscando seus espaços era legalizada em caso de comprovação de
de sobrevivência, autonomia e liberdade, que os índios infiéis invadiriam as terras
recorreram a diferentes estratégias para coloniais. Essas guerras seriam legalizadas
reverter o quadro opressivo que pela apresentação de documentos e
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testemunhas que comprovem a necessidade Anais da Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro, vol. 66 (1948), pp. 97-101.
de se fazer guerra. ALMEIDA, Maria Regina.
“Trabalho compulsório na Amazônia:
O Alvará substitui a lei de 1º de séculos XVII-XVIII”. Revista Arrabaldes,
Abril de 1680 que proibiu todas as formas ano I, nº 2 (set.-dez. 1998), pp. 101-117.
DOMINGUES, Ângela. “Os
de cativeiro, de resgate e de guerra justa. conceitos de guerra justa e resgate e os
ameríndios do norte do Brasil”. In: SILVA,
Essa mudança ocorreu devido ao não Maira Beatriz da (org.). Brasil: colonização
cumprimento da referida lei, que ao invés e escravidão. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2000, pp. 45-56.
de impedir os abusos e a violência contra os MONTEIRO, John M. “O escravo
índio, esse desconhecido” In: GRUPIONI,
índios acabava promovendo maiores danos Luís Donisete Benzi (org.). Índios do
Brasil. São Paulo: Secretaria Municipal de
aos nativos, pois os colonos os matavam Cultura, 1992, pp. 105-120.
cruelmente, já que não podiam torná-los PERRONE-MOISÉS, Beatriz. “Para
conter a fereza dos contrários: guerras na
cativos. legislação indigenista colonial”. Cadernos
Cedes, nº30 (1993), pp. 57-64.
Assim, a questão do trabalho PERRONE-MOISÉS, Beatriz.
“Índios livres e índios escravos. Os
indígena na Amazônia foi definida não princípios da legislação indigenista colonial
somente pela imposição das ordens da (séculos XVI a XVIII)”. In: CUNHA,
Manuela Carneiro da (org.). História dos
colônia portuguesa, mas constitui-se num índios no Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 1992, pp. 115-132.
diálogo entre os agentes coloniais que
tinham objetivos diferentes para os
indígenas. Por isso, observa-se as alterações
que a legislação indigenista sofreu ao longo
do processo histórico de integração das
populações indígenas a nova realidade
colonial
- Glossário:
* Modo de produção escravista:
forma de trabalho no qual a principal mão-
de-obra são os escravos.
* Legislação indigenista: conjunto
de leis que regulavam as relações sociais e
de trabalho dos indígenas
* Índios aldeados: índios que viviam
nas aldeias missionárias

- Referências bibliográficas:
“Alvará em forma de ley expedido
pelo secretario de Estado que deroga as
demais leys que se hão passado sobre os
indios do Maranhão” 28 de abril de 1688.

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