Você está na página 1de 14

UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA

Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas

Boaventura Sousa Santos – “Um discurso sobre as


Ciências”
Reflexão crítica sobre a obra.

Cristina Emília Oliveira Lopes Pereira

Curso de Mestrado em Sociologia das Organizações e do Trabalho

Cadeira: Investigação Sociológica em Portugal

Ano lectivo: 2008/2009


UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA

Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas

Abstract
O presente trabalho é baseado na obra de Boaventura Sousa Santos ”Um discurso sobre as
Ciências”. Pretende fazer uma análise crítica dessa obra compreendendo as críticas que lhe estão
associadas e a problemática relacionada com a emergência, consolidação, manutenção e o
afastamento de paradigmas na epistemologia da Sociologia.
Suportado por uma estrutura que insere “Um discurso sobre as Ciências” no seu tempo
histórico, na comunidade científica e profissional e na vida do autor, o trabalho apresenta uma
resenha da obra, bem como as principais críticas que lhe são feitas e o contributo prestado à
epistemologia e à investigação sociológica em Portugal.

Palavras chave: epistemologia, paradigma dominante, paradigma emergente, metodologia das


ciências, sociologia.

Introdução
Numa época em que a Sociologia em Portugal se tinha começado a institucionalizar, em
que surgiram licenciaturas em vários ramos da sociologia1, em que nas conferências se
versavam temas como a Sociologia Militar, a Sociologia da Informação e a Etnografia entre
outros, Boaventura Sousa Santos, publica “Um discurso sobre a ciência”. É sobre esta obra que
o presente trabalho pretende reflectir, até porque estão passados 21 anos sobre a sua publicação
e continua a ser polémica no seio da comunidade científica.
Pela sua especificidade, antes de a abordar, é necessário que o leitor possua uma
consciência de que haverá sempre necessidade de observar, criticar, comparar, introduzir
inovação e rever os métodos e os paradigmas que os suportam, bem como ter á priori a noção de
que ambos possuem um ciclo de vida que lhes é inerente. Estes são os limites que lhe estão
subjacentes inicialmente.

1- Década de 1980 – Estado da Sociologia em Portugal


Tinham passado alguns anos sobre o 25 de Abril. Muitos intelectuais, regressados da
diáspora, trouxeram consigo as influências dos movimentos teóricos dos países francófonos e

1
Recordemos aqui que a Licenciatura em Sociologia do Trabalho, leccionada durante anos no ISCSP-
UTL, foi criada em 1989. Após a reestruturação a que foi sujeito o ensino superior, por força do Processo
de Bolonha, esta Licenciatura deixou de ser leccionada.

Pág. 2
UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA

Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas

anglo-saxónicos2, ajudando a desenvolver e a abrir-se ao mundo a nossa comunidade científica.


A eclosão e proliferação de licenciaturas em Sociologia e a criação de centros de investigação
universitários foi notável, o mesmo se passou com o número de publicações científicas e
traduções de obras de grande importância para a Sociologia3
A Sociologia passou da fase de expansão à fase da consolidação e do amadurecimento.
Assim, em Maio de 1985, fruto do desejo de (…) de melhor conhecer a nossa sociedade, com
todas as consequências positivas que esse melhor conhecimento traria. Sem prescindir da
independência que é condição de vida de toda a produção científica (…)4 nasce nas
instalações da Universidade Clássica de Lisboa a Associação Portuguesa de Sociologia
contando desde o inicio com cerca de 30 sócios5
A consciência do isolamento político em que o país foi deixado durante décadas por parte
dos países europeus, motivado pela opção e defesa do colonialismo, a pouca abertura às
questões e problemas sociais por parte do regime ditatorial, traduzem-se na condição de “jovem
sociologia”.
Os elevados custos e a insuficiência do investimento que permitiriam a execução de
estudos sobre as grandes estruturas do país, conduziram à delimitação de objectos de estudo e
ditaram um surto de pesquisas sobre a realidade portuguesa, uma grande diversidade de
instrumentos metodológicos e teóricos que apelavam por si só ao carácter pluriparadigmático6
da Sociologia.

1.1- Produção sociológica escrita na década de 1980


Com o 25 de Abril de 1974 e a instauração da democracia, o pouco investimento
financeiro para suportar a investigação e o entusiasmo de toda uma classe de investigadores
sociais, verificou-se que uma grande diversidade de temas foi objecto de estudo dos sociólogos
portugueses, como: o Estado e as forças armadas, o sistema educativo, a cultura e a etnografia,

2
PINTO, José Madureira (Set 2004). - Formação, tendências recentes e perspectivas de
desenvolvimento da Sociologia em Portugal. Sociologia. [online]. no.46 [12Nov08], p.11-31.
Disponível na WWW; http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0873-
65292004000300002&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 0873-6529.
3
PINTO, José Madureira. (2004), ob. cit.
4
ALMEIDA, João Ferreira (2005); Vinte anos da APS em Portugal - Sessão Comemorativa dos 20
anos da APS; [online] [12Nov08] . Disponível na WWW;
http://www.aps.pt/cms/docs_prv/docs/DPR462c7cc25cc76_1.pdf
5
Site da Associação portuguesa de sociologia, disponível na WWW; http://www.aps.pt/ [online],
[12Nov08]
6
ALMEIDA, João Ferreira (2005), ob. cit.

Pág. 3
UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA

Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas

(…) rituais e outras práticas simbólicas no seio de grupos sociais marginais (de emigrantes,
artesãos, camponeses…, as estratégias de sobrevivência na agricultura e noutros sectores
“subterrâneos” da economia, (…)7
Em 1988, durante o 4º. Congresso anual da APS, foram apresentadas 73 comunicações e
abordaram–se temas como: a “Sociologia da informação, do conhecimento e da cultura”,
“Sociologia das questões urbanas e rurais”, “Sociologia da família” e “Sociologia industrial, das
organizações e do trabalho”. Em plenário, no referido congresso, foi também discutido o tema
“Condições de exercício e perspectivas profissionais da sociologia”, demonstrando que os
sociólogos portugueses já olhavam para si próprios enquanto grupo socioprofissional.

2- O autor: breve referência à vida e obra


Boaventura Sousa Santos, nasceu em Coimbra a 15 Novembro de 1940. Fez
doutoramento em Sociologia do Direito na Universidade de Yale.
Em 2008, aos 68 anos, pode dizer-se que fez um percurso a par da Sociologia Portuguesa.
Esteve presente quando se fundou a Associação Portuguesa de Sociologia8 em 1985. Foi o
primeiro director do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. A sua obra reflecte
um pouco daquilo que foram as preocupações desta Ciência após o 25 de Abril e as opções
políticas que se foram fazendo e as suas consequências no tecido social do país.
Mantém-se ligado às Ciências Sociais quer através do ensino, é Professor catedrático da
Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra é também Professor visitante de outras
Universidades nos EUA, Inglaterra, Brasil e Venezuela, (Wisconsin-Madison, London School
of Ecomics, Universidade de São Paulo e Universidade de Los Andes), também ligado à
produção de conhecimento nessa área do Saber, quer através dos cargos desempenhados como
Director do Centro de Documentação 25 de Abril e do Centro de Estudos Sociais da
Universidade de Coimbra, e do de Director da Revista Critica de Ciências Sociais, quer ainda

7
PINTO, José Madureira. (Set. 2004) Formação, tendências recentes e perspectivas de
desenvolvimento da Sociologia em Portugal”. Sociologia. [online], no.46, [12Nov08], p.11-31.
Disponível na WWW; htpp:// www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php? Script=sci_arttext&pid=S0873-
65292004000300002&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 0873-6529.
8
Site da APS, disponível na WWW; http://www.aps.pt/?area=001&marea=001&sarea=001;
[online]¸Lisboa, [12Nov08]

Pág. 4
UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA

Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas

como autor de um vasto n.º de obras9 (algumas delas foram várias vezes editadas e publicadas
em Inglês e Espanhol) e de artigos publicados em revistas científicas10.
A comunidade científica reconhece-lhe a obra, distinguida e premiada11 mas é nessa
comunidade que a sua personalidade e obra foram colocadas no epicentro da maior polémica
desta década da Sociologia portuguesa12, em que também são intervenientes: António Manuel
Baptista e Maria Filomena Mónica (seus principais opositores) e dois grupos de intelectuais, que
se caracterizam por serem apoiantes de uns e do outro. Sobre esta discussão, que se pretendia
sobre o pensamento e obra, tem de dizer-se que deixou o campo da epistemologia e da
investigação sociológicas para se estender à crítica mordaz e à ofensa pessoais.
Boaventura Sousa Santos tem o mérito de ser um sociólogo que deu o seu contributo
para a consolidação da Sociologia no nosso país.

3- “Um discurso sobre as ciências”


“Um discurso sobre as ciências” é uma obra de reflexão sobre o denominado “Estado da
Arte”, no que diz respeito à sua epistemologia, numa altura em que as “ciências naturais”, mais
antigas e exactas tratavam sobranceiramente as “ciências sociais”.
A obra afirma que o quadro epistémico das ciências da actualidade13 emergiu apoiado nas
descobertas científicas feitas a partir do séc. XVI, foi-se desenvolvendo durante os séculos
seguintes, veio a consolidar-se durante o séc. XIX . No entanto, começou a entrar em declínio

9
Um Discurso sobre as Ciências (1988); Introdução a uma Ciência Pós-Moderna (1989); Estado e
Sociedade em Portugal - 1974-1988- (1990); Pela Mão de Alice: O Social e o Político na Pós-
Modernidade (1994); Reinventar a democracia (1998); A Crítica da Razão Indolente: Contra o
Desperdício da Experiência (2000); A Cor do Tempo Quando Foge (2001); Democracia e Participação: O
Caso do Orçamento Participativo de Porto Alegre (2002); A Universidade no Séc. XXI: Para uma
Reforma Democrática e Emancipatória da Universidade (2004); Fórum Social Mundial: Manual de Uso
(2005); A gramática do tempo. Para uma nova cultura política (2006); Para uma revolução democrática
da justiça (2007).
10
Ver a página disponível na WWW; http://www.boaventuradesousasantos.pt/pages/pt/artigos-em-
revistas-cientificas.php; Lisboa [19Nov08]
11
Prémio Ensaio Pen Club (1994); Prémio Gulbenkian de Ciência (1996) e Prémio Bordado da Imprensa
– Ciências (1997)
12
Foram reunidos documentos da polémica no blog de Nuno Crato, disponível na WWW:
http://pascal.iseg.utl.pt/~ncrato/Recortes/JNSilva_JL_20040121.htm, Lisboa [12Nov08]
13
1ª edição de “Um discurso sobre a ciência” data de Julho de 1987.

Pág. 5
UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA

Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas

com descoberta por Einstein da teoria da relatividade no séc. XX14. Explica o porquê da
hegemonia desta ordem científica e analisa os seus efeitos na construção da Ciência.
O ciclo de vida do paradigma é defendido15, existindo semelhanças de pensamento
com Bourdon: (…) O caminho do progresso na teoria faz-se muitas vezes pela crítica de
paradigmas existentes e pela formulação de novos paradigmas (…) 16
, com o objectivo de
referir que nos encontramos numa fase de transição entre o paradigma dominante e o paradigma
emergente17.

3.1- Paradigma dominante e a sua crise


Para Boaventura Sousa Santos, o paradigma dominante sucedeu ao modelo do
conhecimento aristotélico e medieval. É totalitário porque não admite outras formas de
epistemologia que não se pautem pelos seus princípios.
Baseia-se na teoria heliocêntrica de Copérnico, nas leis das órbitas dos planetas de Kepler,
nas leis sobre a gravidade de Galileu e em tantas outras, incluindo a da dúvida metódica de
Descartes. Consideradas o” Novum Organum18 do conhecimento científico, utilizam a
matemática como linguagem da análise, baseando deste modo, o conhecimento na
quantificação.
É este o modelo de inteligibilidade do real que confina o que é ou deixa de ser
considerado ciência e conhecimento científico.19
O conhecimento adquirido assim, tem como fundamento metateórico a repetição do
passado no futuro20, i.é., formula leis.
No entanto, também defende, segundo os argumentos de Ernest Nagel, que (…) as ciências
sociais não podem estabelecer leis universais porque os fenómenos sociais são historicamente
condicionados e culturalmente determinados; as ciências sociais não podem produzir previsões

14
SANTOS, Boaventura Sousa; (2006), Um discurso sobre as ciências, Edições Afrontamento, 15ª
Edição, Porto, , pág. 10.
15
SANTOS, Boaventura Sousa (2006); ob. cit., pág. 23.
16
Citado por BARATA, Óscar Soares (1994); Introdução às Ciências Sociais; Volume I, Bertrand
Editora, 8ª edição, Venda Nova, págs.43 e seg .
17
SANTOS, Boaventura Sousa (2006); ob. cit., idem.
18
BACON, Francis; Novum Organum ou Verdadeiras Indicações Acerca da Interpretação da
Natureza”, disponível na WWW; http://br.egroups.com/group/acropolis/; Lisboa; [22Nov08]
19
FONSECA, M.J.M , (Fev1996); Em Torno do conceito de Ciência, in Millenium Online; n.º 1,
disponível na WWW, http://www.ipv.pt/millenium/Fonseca_ect1.htm, Lisboa [12Nov08]
20
SANTOS, Boaventura Sousa (2006); idem, pág. 17.

Pág. 6
UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA

Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas

porque os seres humanos modificam o seu comportamento em função do conhecimento que


sobre ele adquirem; os fenómenos sociais são de natureza subjectiva e, como tal, não se deixam
captar pela objectividade do comportamento; as ciências sociais não são objectivas porque o
cientista social não pode libertar-se, no acto da observação, dos valores que informam a sua
prática em geral, e portanto, também a sua prática de cientista (…)21.
Para Boaventura Sousa Santos, é já mais do evidente de que o paradigma dominante se
encontra em crise e que estamos a viver numa fase de transição entre paradigmas.

3.2- Paradigma emergente - Os 4 postulados do paradigma


O paradigma emergente caracterizar-se-ia pelo início da ruptura com o paradigma
dominante. Este autor, em 1987, reparou que as afirmações das ciências naturais tinham vindo a
tornar-se menos peremptórias e admitir a relatividade no seu conhecimento.
Na base das suas constatações encontravam-se as teorias das ciências sociais aplicadas á
Biologia e também a outras ciências.
O novo paradigma seria suportado por 4 postulados essenciais que já se começavam a
observar no panorama científico.

3.2.1- Toda a ciência natural é ciência social


Este postulado revela que (…) A distinção dicotómica entre ciências naturais e ciências
sociais deixou de fazer sentido.22 Porque a alguns sistemas nas ciências naturais (…)
reconhecem-se propriedades e comportamentos considerados específicos dos seres humanos e
das relações sociais. (…) 23. A apologia deste princípio de atribuição de características humanas
vai mais longe e defende que se introduziu na mecânica quântica a consciência no acto do
conhecimento e que se torna necessário transpô-la para o próprio objecto do conhecimento. Ao
fazê-lo, a distinção sujeito/objecto será radicalmente transformada24.
Boaventura Sousa Santos considera que este postulado já se manifesta no paradigma
emergente, como o demonstram as muitas expressões com essas características, cada vez mais
comuns nas ciências naturais. Concretamente, refere as expressões “dimensão psíquica da

21
SANTOS, Boaventura Sousa (2006); ob. cit, pág. 20
22
SANTOS, Boaventura Sousa (2006), idem, pág. 38
23
SANTOS, Boaventura Sousa (2006) ibidem, pág. 38
24
SANTOS, Boaventura Sousa (2006), idem, ibidem, pág. 38

Pág. 7
UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA

Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas

natureza”; ”Encontro entre a física contemporânea e o misticismo oriental, “ Inconsciente


colectivo”.
Para este autor, a epistemologia das ciências está a sofrer grandes alterações, de entre elas o
(…) colapso da dicotomia25: (…) natureza/cultura, natural/artificial, vivo/inanimado,
mente/matéria, observador/observado, subjectivo/objectivo, colectivo/individual, animal/pessoa
(…) donde emergirá a (…) inteligibilidade das ciências naturais presidida por conceitos,
teorias e analogias das ciências sociais. (…) à medida que as ciências naturais se aproximam
das ciências sociais estas aproximam-se das humanidades (…).
Assim, ao contrário do que aconteceu durante o período em que se constituía como ciência,
a Sociologia começa a ceder os seus modelos e paradigmas às ciências naturais, que os integra
conjuntamente com a sua racionalidade.26.

3.2.2- Toda a ciência local é total


No seio da ciência moderna, o conhecimento é divido em disciplinas e por isso
fragmentado. Também é tanto mais rigoroso quanto menor é o objecto de estudo do fragmento.
No entanto, começa a notar-se a preocupação com os impactos noutras áreas. Um bom
exemplo disso é a preocupação das ciências tecnológicas com o impacto e a protecção dos
ecossistemas.
No novo paradigma a noção de tema é também diferente, (…) os temas são galerias por
onde os conhecimentos progridem ao encontro uns dos outros (…)27. Caracteriza-se pelo
conhecimento temático, adoptado pelos grupos sociais concretos com projectos de vida locais,
num dado momento, quer pretendam manter um jardim, construir um computador, ou baixar a
mortalidade infantil, caracteriza-se também pelo facto do conhecimento ser total, na medida em
que reconstituindo os projectos cognitivos locais eles podem servir de exemplo. Todavia, não é
determinístico, é antes sobre condições de possibilidade no espaço-tempo local.
A metodologia é vista como uma constelação de métodos, em que cada método
corresponde a uma linguagem. Na fase de transição, essa pluralidade metodológica não existe;
razão pela qual se faz a transgressão metodológica, que se repercute no estilo e género literário
da escrita científica.

25
SANTOS, Boaventura Sousa (2006); idem, pág. 41
26
FONSECA, M.J.M (1996); Em torno do conceito de ciência, in Millenium Online; n.º 1; disponível na
WWW; http://www.ipv.pt/millenium/Fonseca_ect1.htm, Lisboa [12Nov.2008]
27
SANTOS, Boaventura Sousa (2006); idem, pág. 48

Pág. 8
UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA

Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas

3.2.3- Todo o conhecimento é autoconhecimento


O 3º postulado é baseado na “inexistência de fronteiras” entre o objecto e do sujeito, quer
pela proximidade e as consequentes influências bidireccionais entre ambos entre quer pelo facto
do investigador poder ser ele próprio o objecto. Nele defende-se que todo o conhecimento é
autoconhecimento. Porém, distancia-se da visão de funcionalista em que (…) A sociologia pode
proporcionar auto-esclarecimento - um incremento do autoconhecimento aos grupos da
sociedade. Quanto mais as pessoas sabem das condições das próprias acções e como funciona
no seu todo, a sociedade onde vivem, tanto mais poderão verosimilmente influenciar as
circunstâncias das suas vidas (…)28. Não se trata do tipo de autoconhecimento “com função
utilitária” a grupos de uma sociedade mas de um autoconhecimento que advém do facto do
conhecimento ser o prolongamento do sujeito.

3.2.4- Todo o conhecimento científico visa constituir-se senso comum


Por fim, o 4º postulado que suporta o paradigma emergente, vem defender que todo o
conhecimento visa constituir-se senso comum. A ideia muito aproximada é partilhada por
Giddens: (…) as descobertas sociológicas perturbam mas também contribuem para as
convicções do senso comum sobre nós e sobre os outros (…)29.
Durante anos, o método científico rompeu com o senso comum. No novo paradigma, na
aproximação de ambos os discursos, a ciência aproveitar-lhe-á as virtudes30, deixando-se
interpenetrar e influenciando-o. O que se pretende é, por um lado enriquecer a ciência com esta
ligação e por outro, com os resultados apurados pela ciência “fazer-se senso comum”.
Boaventura Sousa Santos afirma que é necessária uma segunda ruptura epistemológica que
implica o reencontro entre da ciência com o senso comum.

4- Principais críticas
Passados 21 anos sobre a data em que foi publicada a obra “Um discurso sobre as
Ciências”, pode constatar-se que ela ainda continua a ser alvo de críticas que se podem agrupar
em dois grandes grupos: um, em que as críticas são provenientes de outros ramos das ciências e
outro, em que a crítica é pessoal, virada contra a personalidade e a esfera privada, não

28
GIDDENS, Anthony (1997); Sociologia; Tradução de Pedro Silva Pereira e José Manuel Sobral,
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, pág. 37
29
GIDDENS, Anthony (1997); Ob. cit. págs. 26/28
30
SANTOS, Boaventura Sousa (2006); idem, pág. 55/56

Pág. 9
UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA

Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas

fundamentada na sua obra, que por ser cientificamente acrítica não nos merece maior atenção do
que a constatação da sua existência.
No seio da crítica feita por outros ramos da ciência há a considerar a que se pauta pela
defesa da diferença entre o senso comum e ciência: (…) os cientistas acreditam que existe um
mundo exterior ao pensamento. Portanto, existe uma parte lógica, racional, e outra derivada da
observação e experiência. Metaforicamente, acho que podemos até falar de uma dialéctica
entre teoria e experiência. Os objectos, os acontecimentos, da investigação científica assim
como os resultados por ela alcançados são independentes dos caprichos, das emoções, da
vontade ou arbítrio dos investigadores (…)31.
A crítica que versa sobre a diferença entre ciências naturais e ciências sociais (…) Nisto
parece estar de acordo BSS que considera os obstáculos... intransponíveis (pp. 21-22). Para alguns, é
a própria ideia da ciência da sociedade que está em causa, para outros, trata-se tão só de empreender
uma ciência diferente (sic) [...] A ciência social será sempre uma ciência subjectiva e não objectiva como
as ciências naturais; tem de compreender os fenómenos sociais a partir das atitudes mentais, e do
sentido em que os agentes conferem às suas acções, para o que é necessário utilizar métodos de
investigação e mesmo critérios epistemológicos diferentes dos correntes nas ciências naturais, métodos
qualitativos em vez de métodos quantitativos, com vista à obtenção de um conhecimento intersubjectivo,
descritivo e compreensivo, em vez de um conhecimento objectivo e nomotéctico (…)32.
A crítica sobre o deficiente aproveitamento do conhecimento científico, defende que foi
feita uma má interpretação das premissas científicas, e delas se retiraram conclusões erradas;
(…) pois este teorema não demonstra de forma alguma que até a matemática é incerta, mas sim
que, num sistema formal, há proposições verdadeiras que não se conseguem demonstrar dentro
desse mesmo sistema (…)33.
As duas últimas críticas formuladas, dizem respeito a questões relativas à perfilhação dos
ideais políticos de Boaventura Sousa Santos e à sua metodologia, indo mesmo ao ponto de
considerarem que os estudos realizados segundo a sua égide estarão feridos de nulidade,
englobando neste caso os estudos realizados pelo CES da Universidade de Coimbra: (…)
Dizem-se "cientistas" mas o que concebem e praticam como "ciência" (e temos de acreditar no
que escreveu o Director) nem caricatura é. Claro que os estudos sociológicos são importantes.

31
Entrevista de António Manuel Baptista in Jornal de Letras [online]; disponível na WWW;
http://pascal.iseg.utl.pt/~ncrato/Recortes/baptista52-60.pdf; [online], Lisboa, [12Nov08]
32
Entrevista de António Manuel Baptista in Jornal de Letras, [online], idem.
33
Referência crítica ao teorema de Gödel, disponível na WWW; http://pt.livra.com/item/um-discurso-
sobre-as-ciencias/8722559/; 2004; Lisboa [12Nov08]

Pág. 10
UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA

Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas

Ninguém discute isso. Mas uma "ciência"que está concebida e se pratica para só alcançar
certos resultados desejáveis para a sociedade, é uma potencial fonte de fraudes e charlatanices
(…) Não podemos permitir que se desvie dinheiro para quaisquer grupos que reclamem ser
formados por "cientistas" e que têm novas concepções de ciência e a sua prática que levam só a
resultados política e socialmente desejáveis porque os investigadores a isso estão determinados
(…)34.

5- “Um discurso sobre as ciências” no centro da polémica35


Mais de 20 anos depois da primeira publicação de “Um discurso sobre as ciências”, pode
constatar-se que a obra, especialmente a partir do ano 2000, foi alvo de duras críticas, por parte
de alguns investigadores (físicos e sociólogos).
António Manuel Baptista, publicou “Um Discurso Pós-Moderno Contra a Ciência -
Obscurantismo e irresponsabilidade ”36 , obra esta que teve como principal objectivo, segundo
o próprio autor, dar resposta a algumas partes do trabalho de BSS acima referido, tendo-lhe sido
acrescida uma contextualização e respectiva análise para situar o leitor.
Em que resposta, BSS publicou então, uma outro título: Conhecimento Prudente para uma
Vida Decente.
António Manuel Baptista manteve acesa a polémica fazendo publicar um novo livro
intitulado Crítica da Razão Ausente. Entretanto, este último foi “meio-surpreendido”37 com
essa resposta colectiva a esse meu primeiro livro organizada pelo professor Sousa Santos.
As críticas extravasaram da epistemologia das ciências para as páginas dos Jornais. As
respostas, ou por estratégia ou por manifesta falta de tempo, raramente foram dadas por BSS.
Isso é normalmente feito por um dos seus apoiantes nesta quezília: Eduardo Prado Coelho.
Porque tivemos acesso ao email profissional do Professor Sousa Santos enviámos-lhe uma
mensagem em que lhe colocavam algumas questões para as quais não obtivemos resposta. No
entanto, durante o processo de investigação, descobrimos que BSS tinha na “forja” uma nova
obra:

34
Entrevista de António Manuel Baptista in Jornal de Letras, [online], idem.
35
Toda a polémica se encontra profusamente documentada, na secção Recortes, disponível no site
disponível na WWW; http://pascal.iseg.utl.pt/~ncrato, Lisboa, (12Nov08)
36
BAPTISTA, António Manuel (2002); O discurso pós-moderno contra a Ciência - Obscurantismo e
irresponsabilidade, Gradiva, Lisboa
37
Termo usado por António Manuel Baptista, em entrevista Disponível em WWW;
http://pascal.iseg.utl.pt/~ncrato/Recortes/EPC_Publico_20031106.htm; (12Nov08)

Pág. 11
UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA

Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas

(…) Estou a preparar o Segundo Discurso Sobre as Ciências e aí proporei uma outra
designação. A minha concepção de um tal paradigma tem pouco a ver com a concepção mais
corrente (tanto francesa como norte-americana). Enquanto esta parte da ideia de que os
problemas epistemológicos modernos (verdade ou verdades; representação ou construção;
objectividade ou subjectividade; autonomia do saber ou determinação social; racionalidade ou
irracionalidade; etc) deixaram de ter consistência, importância ou mesmo validade, eu parto da
ideia de que tais problemas continuam válidos e importantes, só que as soluções modernas para
eles não nos servem. Daí que, em textos posteriores, tenha chamado à minha concepção
“paradigma pós-moderno de oposição”. Com que outras novidades nos surpreenderá?

Conclusões:
Boaventura Sousa Santos é um dos pioneiros da institucionalização da Sociologia em
Portugal.
“Um discurso sobre as ciências”, é uma obra polémica que versa o tema da epistemologia
das ciências sociais, é nesse campo que nos demonstra que nos encontramos numa fase de
transição, uma vez que face à existência de um paradigma dominante, já é possível
encontrarem-se vestígios um paradigma emergente.
Nesta sua teoria, o paradigma emergente tem 4 postulados (são eles a fonte da maior
polémica da Sociologia portuguesa do início deste século):
Toda a ciência natural é ciência social,
Todo a ciência local é ciência total,
To conhecimento é autoconhecimento,
Toda a ciência visa constituir-se senso comum
Entre as principais críticas apontadas a esta obra em particular encontram-se as que lhe
vêm de outros ramos da ciência e da própria sociologia, tais como a diferença entre senso
comum e ciência, a diferença entre ciências naturais e ciências sociais, deficiências de
interpretação do conhecimento matemático, metodologia científica com deficiente
aplicabilidade. Uma outra crítica que lhe é feita é que o seu trabalho, bem como os trabalhos por
ele dirigidos, estão feridos de idealismo político, falando-se mesmo em resultados pretendidos.
A obra está no centro da discussão sociológica e há que lhe reconhecer a qualidade de
21anos depois da sua primeira edição ainda despertar o interesse do público académico, tendo
dado origem a outras obras, quer como resposta, quer como defesa de teoria.

Pág. 12
UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA

Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas

Bibliografia:
ALMEIDA, João Ferreira; Vinte anos da APS em Portugal - Sessão Comemorativa dos 20 anos da
APS, 08Set05; [online] [12Nov08] . Disponível na WWW: http://www.aps.pt/cms/docs_prv/docs/
DPR462c7cc25cc76_1.pdf
BARATA, Óscar Soares (1994); Introdução às Ciências Sociais; Volume I, Bertrand Editora, 8ª edição,
Venda Nova, ISBN 972-25-0067-8
DURKEIM, Émile; As Regras do Método Sociológico, traduzida por Eduardo lúcio Vieira;
Editorial Presença, 6ª edição, Lisboa, 1995, ISBN 972-23-1429-7
GIDDENS, Anthony; Sociologia; Tradução de Pedro Silva Pereira e José Manuel Sobral,
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1997, ISBN 972-31-0758-9
NUNES, A. Sedas; Questões Preliminares Sobre as Ciências Sociais, Editorial Presença,
Lisboa, 12ª edição, 1996, ISBN 972-23-1350-9
PEREIRA, Alexandre; POUPA, Carlos; Como escrever uma Tese monografia ou livro
científico usando o Word, Edições Sílabo, 3ª edição revista, Lisboa, 2006, ISBN 972-618-
350-2
PINTO, José Madureira. - Formação, tendências recentes e perspectivas de desenvolvimento
da Sociologia em Portugal. Sociologia. [online]. Set04, no.46 [12Nov08], p.11-31.
Disponível na WWW; http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0873-65292004000300002&lng=pt&nrm=iso>.. ISBN 0873-6529
SANTOS, Boaventura Sousa; Um Discurso Sobre as Ciências, Edições Afrontamento”, 15ª
Edição, Porto, 2006; ISBN 978-972-36-0174-9

Sites disponíveis na WWW;


http://www.aps.pt/?area=001&marea=001&sarea=001; [online]¸Lisboa, [12Nov08]
http://www.boaventuradesousasantos.pt/pages/pt/artigos-em-revistas-cientificas.php; Lisboa [19Nov08]
http://pascal.iseg.utl.pt/~ncrato/Recortes/JNSilva_JL_20040121.htm, Lisboa [12Nov08]
http://pt.livra.com/item/um-discurso-sobre-as-ciencias/8722559/; 2004; Lisboa, [12Nov08]

Pág. 13
UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA

Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas

Índice
Abstract ......................................................................................................................................... 2
Introdução ..................................................................................................................................... 2
1- Década de 1980 – Estado da Sociologia em Portugal ............................................................... 2
1.1- Produção sociológica escrita na década de 1980........................................................... 3
2- O autor: breve referência à vida e obra ..................................................................................... 4
3- “Um discurso sobre as ciências” ............................................................................................... 5
3.1- Paradigma dominante e a sua crise................................................................................ 6
3.2- Paradigma emergente - Os 4 postulados do paradigma................................................. 7
3.2.1- Toda a Ciência natural é ciência social ................................................................. 7
3.2.2- Toda a ciência local é total .................................................................................... 8
3.2.3- Todo o conhecimento é autoconhecimento ........................................................... 9
3.2.4- Todo o conhecimento científico visa constituir-se senso comum ......................... 9
4- Principais críticas ...................................................................................................................... 9
5- “Um discurso sobre as ciências” no centro da polémica........................................................ 11
Conclusões: ................................................................................................................................. 12
Bibliografia: ................................................................................................................................ 13

Pág. 14

Você também pode gostar