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DIREITO CIVIL

O ENRIQUECIMENTO SEM
CAUSA NO NOVO CÓDIGO
CIVIL BRASILEIRO*
Luís Manuel Teles de Menezes Leitão

RESUMO

Entende ser a cláusula do art. 884 do novo Código Civil – que trata do enriquecimento sem causa – demasiado genérica, o que possibilita sua aplicação
indiscriminada.
Aduz que a subsidiariedade consagrada no art. 886 do Código Civil não tem alcance absoluto e cita várias hipóteses em que pode a ação de
enriquecimento sem causa concorrer com outras ações, como a de reivindicação e a de responsabilidade civil.
Traz a lume, assim, uma tipologia de categorias a fim de efetuar a adequada subsunção do enriquecimento injustificado aos casos concretos. Adota,
para tanto, a doutrina da divisão do instituto, oriunda do estudo de juristas alemães, e avalia que tal tipologia destaca a insuficiência do enriquecimento
sem causa na resolução de certo tipo de questões. Não obstante tais limitações, porém, considera que o momento atual representa um desenvolvimento
desse instituto, cujo modelo vem sendo exportado a diversos países.

PALAVRAS-CHAVE
Enriquecimento; Direito Civil; novo Código Civil brasileiro – arts. 884 e 886; obrigações – fonte; ato unilateral; Código Civil alemão; Direito
português; Direito alemão.
__________________________________________________________________________________________________________________
* Conferência proferida na “II Jornada de Direito Civil”, realizada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, de 17 a
25 de novembro de 2003, nos auditórios do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Superior Tribunal de Justiça e Tribunal Regional Federal
da 4ª Região.

24 R. CEJ, Brasília, n. 25, p. 24-33, abr./jun. 2004


1 A COLOCAÇÃO DO samente, no art. 886, a denominada facilmente ultrapassado se fosse per-
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA “subsidiariedade do instituto do enri- mitido ao comprador recorrer à ação
ENTRE AS FONTES DAS quecimento sem causa”, determinan- de enriquecimento.
OBRIGAÇÕES do que não caberá a restituição por

A
enriquecimento, se a lei conferir ao 3 CONFIGURAÇÃO DOGMÁTICA DO
norma do art. 884 do novo Có- lesado outros meios de se ressarcir INSTITUTO
digo Civil brasileiro, que dis- do prejuízo sofrido. A referida norma
põe: aquele que, sem justa pretende estabelecer que a ação de A configuração dogmática do
causa, se enriquecer à custa de ou- enriquecimento seja o último recurso enriquecimento sem causa tem sus-
trem, será obrigado a restituir o a utilizar pelo empobrecido. Estar-lhe- citado, porém, certa controvérsia na
indevidamente auferido, feita a atuali- á, por isso, vedada a sua utilização doutrina, apontando-se as seguintes
zação dos valores monetários, inspi- no caso de possuir outro fundamento posições: a) teoria unitária da deslo-
rada na velha máxima de Pomponius para uma ação de restituição (como cação patrimonial; b) teoria da
de D.50.17.206, apresenta-se como um em caso de anulação do contrato por ilicitude; c) doutrina da divisão do ins-
princípio em forma de norma 1, por meio erro ou dolo – arts. 138 e ss.), no caso tituto.
do qual se institui uma fonte genérica de a lei pretender que a aquisição à
das obrigações, segundo a qual o custa de outrem seja definitiva (como 3.1 A TEORIA UNITÁRIA DA
enriquecido fica obrigado a restituir ao nas hipóteses de usucapião – arts. DESLOCAÇÃO PATRIMONIAL
empobrecido o benefício que injusti- 1.238 e ss. – e prescrição – arts. 189
ficadamente obteve à custa dele. A e ss.) ou quando a lei atribui outros De acordo com a tradicional
colocação do enriquecimento sem efeitos ao enriquecimento sem causa doutrina unitária da deslocação
causa entre as fontes das obrigações (como na modificação do contrato, em patrimonial, surgida quando da ela-
constitui uma das importantes inova- caso de lesão – arts. 157 e ss. ou por boração do Código Civil alemão, a
ções do Código Civil brasileiro, ainda onerosidade excessiva – arts. 478 e cláusula geral de enriquecimento sem
que seja a de criticar a sua inserção ss.)3. Essa exclusão ocorrerá mesmo causa institui uma pretensão de apli-
sistemática entre os atos unilaterais, que a ação concorrente não possa já cação direta, bastando para tal, úni-
dado que o enriquecimento sem cau- ser exercida por ter decorrido o prazo ca e simplesmente, a verificação de
sa não constitui um ato unilateral, mas respectivo, sob pena de perder senti- detenção injustificada de um enrique-
antes uma fonte das obrigações de do o estabelecimento desse prazo4. cimento à custa de outrem6.
cariz legal. Por outro lado, o Código, Uma análise mais cuidada do Essa concepção funda se es-
na sequência dos Códigos de raiz regime do enriquecimento sem cau- sencialmente na doutrina de Savigny,
francesa, autonomiza o pagamento sa permite, porém, concluir que a segundo a qual a pretensão de enri-
indevido em relação ao enriquecimen- denominada “regra da subsidia- quecimento se constitui sempre ao se
to sem causa, quando tal pagamento riedade” não tem um alcance absolu- verificar uma deslocação patrimonial
constitui manifestamente uma hipóte- to5. A ação de enriquecimento não sem causa, diretamente entre o enri-
se de enriquecimento sem causa. parece pressupor que o empobreci- quecido e o empobrecido, indepen-
do tenha perdido a propriedade so- dentemente da forma que se revista
2 A AMPLITUDE DA CLÁUSULA bre as coisas obtidas pelo enriqueci- essa deslocação. Exigir se ia conse-
GERAL DO ART. 884 E A do, pelo que ela pode concorrer com qüentemente que aquilo que produz
FORMULAÇÃO EXPRESSA DA a reivindicação. Também é manifes- o enriquecimento de uma pessoa ti-
SUBSIDIARIEDADE DO INSTITUTO to que a ação de enriquecimento po- vesse pertencido anteriormente ao
derá concorrer com a responsabilida- patrimônio de outra, só assim poden-
De acordo com a cláusula ge- de civil, sempre que esta não atribua do esta recorrer à ação de enriqueci-
ral do art. 884 do Código Civil brasi- uma proteção idêntica à da ação de mento7. Tal regra valeria para todas
leiro, teríamos então os seguintes enriquecimento. Não parece assim as categorias de enriquecimento sem
pressupostos constitutivos do enri- que a regra do art. 886 consagre uma causa, uma vez que o fundamento
quecimento sem causa: subsidiariedade geral da ação de comum a todas elas seria a restitui-
a) existência de um enriqueci- enriquecimento, mas antes uma in- ção de tudo o que saiu de determina-
mento; compatibilidade de pressupostos do patrimônio8. Para os partidários
b) obtenção desse enriqueci- entre as situações referidas e essa desta concepção, não haveria conse-
mento à custa de outrem; ação. Efetivamente, se a lei determina qüentemente base para a criação de
c) ausência de causa justifica- a subsistência do enriquecimento é uma tipologia de pretensões de enri-
tiva para o enriquecimento. porque lhe reconhece justa causa e, quecimento9.
Em face do art. 884, sempre se atribui algum direito ao empobreci- Assim, de acordo com essa
que se verificasse a reunião de todos do em conseqüência da situação ocor- teoria, o fundamento comum a todas
esses pressupostos, seria possível rida, fica excluída a obtenção de enri- as pretensões de enriquecimento re-
interpor uma ação a exigir a restitui- quecimento à custa de outrem. Não sidiria na oposição entre a aquisição
ção do enriquecimento sem causa. O parece existir, por isso, uma verdadei- de uma vantagem e a legitimidade
problema, no entanto, é serem tais ra subsidiariedade do enriquecimento da sua manutenção10. A pretensão de
pressupostos tão amplos e genéricos sem causa, funcionando muitas vezes enriquecimento dependeria sempre
que possibilitaria uma aplicação a invocação de tal regra como um da verificação de dois pressupostos:
indiscriminada dessa cláusula geral, “cripto argumento”, destinado a evitar uma deslocação patrimonial direta
colocando em causa a aplicação de uma utilização desproporcionada da entre duas pessoas, produzindo en-
uma série de outras regras de Direito cláusula geral do art. 884. riquecimento numa e correlativo em-
positivo2. A tutela do comprador se en- pobrecimento noutra; ausência de
Por esse motivo, o legislador contra condicionada pelo regime da causa jurídica para essa deslocação
brasileiro decidiu consagrar expres- anulação por erro ou usura, que seria patrimonial11.

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Segundo tal concepção, os
casos típicos de enriquecimento sem
causa, especialmente previstos na lei,
nada mais representariam do que
uma mera enumeração de exemplos
característicos12 . Fundamental em (...) o enriquecimento sem causa deve ser fundado em
matéria de enriquecimento sem cau- primeiro lugar, com base na desconformidade ao direito de
sa é antes o conceito unitário de
deslocação patrimonial, entendida
uma aquisição, a qual é indiciada em virtude da sua obtenção
como a transmissão de bem de uma a partir de um patrimônio alheio, indício esse que, da mesma
pessoa para outra, efetuada direta- forma que as causas de exclusão da ilicitude, só será afastado
mente mediante uma deslocação de
valor entre dois patrimônios 13. se for encontrado um fundamento de legitimação legal ou
Essa concepção continua a ser negocial dessa aquisição.
sustentada em Portugal por Galvão
Telles, para quem a restituição supõe
a deslocação de um valor entre patri-
mônios, havendo um patrimônio be-
neficiado e outro prejudicado14. As-
sim, só existe empobrecimento se o
lesado tiver sofrido a perda de um
valor que pertencia ao seu patri- tamentos ilícitos 21. Entre eles incluir- cido não tenha, em relação ao empo-
mônio15, correspondendo a ausência se-iam o enriquecimento por presta- brecido, uma causa jurídica33. Esses
de causa justificativa à descoberta da ção e o derivado de fato da natureza, pressupostos do enriquecimento sem
vontade profunda da lei, sendo o en- existindo, no primeiro caso, uma ilíci- causa necessitam de ser concretiza-
riquecimento sem causa, quando, ta aceitação ou detenção da coisa por dos em grupos de casos que, no en-
segundo os princípios legais, não haja parte do enriquecido22 e, no segundo tanto, apenas podem ser “casos de
razão para ele16. caso, uma intromissão equiparada a aplicação do princípio” já que a pre-
um comportamento ilícito23. tensão de enriquecimento tem como
3.2 A TEORIA DA ILICITUDE Na doutrina de Schulz, o enri- pressuposto unitário o incremento
quecimento sem causa deixa assim patrimonial, que o devedor obtém a
A tradicional doutrina unitária da de ser visto como fundado nas partir do património do seu credor, ou
deslocação patrimonial entra, porém, deslocações patrimoniais sem causa seja, que, de acordo com o direito ou
em crise após o surgimento da obra e passa a ser considerado com base com a posição jurídica desse credor,
de Fritz Schulz17, na qual o autor apre- na violação de um direito alheio. Essa pertence ao seu patrimônio, quando
senta a questão jurídica da aplicação concepção levou ao surgimento de a aquisição do devedor não é legiti-
do instituto ao problema da interven- uma corrente doutrinária, denomina- mada por um negócio jurídico ou
ção em bens ou direitos alheios. da “teoria da ilicitude”, na qual se in- directamente através de uma norma
No entender de Schulz, a base cluem as obras de Ernest Wolf24 , do direito objetivo34.
do instituto do enriquecimento não Kelln25, Wilhelm26, Batsch27, Kafhifr28,
reside na deslocação patrimonial sem Costede29 e Kupisch30 . 3.3 A DOUTRINA DA DIVISÃO DO
causa jurídica, mas antes numa ação De acordo com a referida teo- INSTITUTO
contrária ao direito, que o autor con- ria, o Tatbestand do enriquecimento
sidera ser o conceito central na sem causa é o mesmo em todas as Outra concepção corresponde
dogmática do instituto. A seu ver, situações, tendo como elemento de- à doutrina da divisão do instituto do
existiria um princípio de aplicação cisivo a aquisição em desconfor- enriquecimento em categorias autô-
geral de que ninguém deveria obter midade ao direito de um benefício a nomas e distintas entre si. Essa dou-
um ganho por intervenção ilícita num partir de um patrimônio alheio31. Da trina tem essencialmente a sua origem
direito alheio18, expresso em diversos mesma forma que a responsabilida- nos trabalhos de Walter Wilburg35 e
preceitos do Código19. Desse princí- de civil, o enriquecimento sem causa Ernst Von Caemmerer36. A tese prin-
pio resultaria que quem efetuasse uma deve ser fundado em primeiro lugar, cipal desses autores reside na divi-
intervenção objetivamente ilícita no com base na desconformidade ao são do instituto do enriquecimento
direito alheio deveria restituir o resul- direito de uma aquisição, a qual é sem causa em duas categorias prin-
tado dessa intervenção. A ingerência indiciada em virtude da sua obtenção cipais: uma relativa a situações de
no direito de outrem daria, portanto, a partir de um patrimônio alheio, indí- enriquecimento geradas com base
sempre lugar a uma pretensão à res- cio esse que, da mesma forma que numa prestação do empobrecido e
tituição do lucro por intervenção, en- as causas de exclusão da ilicitude, outra abrangendo as situações de
tendido como tudo o que se adquiriu só será afastado se for encontrado um enriquecimento não-fundadas na
mediante a intervenção nos direitos fundamento de legitimação legal ou prestação, atribuindo se, nesta últi-
alheios 20. negocial dessa aquisição32. A unida- ma, papel preponderante ao enrique-
Assim, pela referência a um de dos pressupostos do enriqueci- cimento por intervenção.
conceito de ilicitude delitual, dirigida mento reside na exigência, em primei- A doutrina da divisão do insti-
à ação, Schulz aproxima o enriqueci- ro lugar, de que ocorra o enriqueci- tuto rompe completamente com o tra-
mento sem causa da responsabilida- mento de alguém, o enriquecido; se- tamento dogmático unitário do enri-
de civil, qualificando a obrigação de gundo, que o enriquecimento prove- quecimento sem causa, que deixa
restituir o enriquecimento como uma nha do patrimônio de outrem, o em- inclusive de ser considerado como
sanção para todo o tipo de compor- pobrecido e, terceiro, que o enrique- sujeito a princípios comuns ou a uma

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mesma ordenação sistemática. Efeti- mento por prestação. Efetivamente, A teoria de Wilburg veio a ser
vamente, de acordo com essa nova a prestação, para considerar-se desenvolvida por Ernst Von
concepção, o enriquecimento por justificada, deveria ser fundada numa Caemmerer54, que parte do conceito
prestação passa a ser visto como um obrigação, sem a qual teria de ser central de “conteúdo da destinação”
anexo do Direito dos contratos, inse- restituída ao empobrecimento, sendo na sua construção da teoria do enri-
rido no regime da transmissão dos a realização da prestação sem causa quecimento sem causa. O autor en-
bens, enquanto o enriquecimento por jurídica que determina a aplicação do tende que a proibição do enriqueci-
intervenção é visto antes como ane- enriquecimento por prestação. No mento injustificado consiste apenas
xo a um prolongamento da eficácia enriquecimento não-baseado numa numa máxima de justiça comutativa
do direito de propriedade, inserindo- prestação, esse raciocínio já não te- que se encontra a um nível de abs-
se no âmbito da proteção jurídica dos ria, porém, aplicação. Aqui não se tração tal, que carece de preenchi-
bens 37. procuraria averiguar da justificação do mento pelo julgador55, efetuado pela
Na opinião de Wilburg, nunca enriquecimento, mas antes atingir a integração do caso numa categoria
fora demonstrado que as restituições razão do seu caráter injustificado, o específica de enriquecimento sem
fundadas na realização de uma pres- que leva à inutilidade do conceito de causa56 . Assim, apresenta uma
tação sem causa e as baseadas num causa jurídica nesta categoria de en- tipologia de hipóteses de enriqueci-
enriquecimento sem prestação tives- riquecimento45. mento sem causa distinguindo entre
sem o mesmo fundamento38, existin- Assim, segundo o referido au- o enriquecimento por prestação
do antes entre elas uma perfeita dife- tor, o caráter injustificado desse tipo (Leistungskondiktion), enriquecimento
renciação de pressupostos 39, pelo de enriquecimento, nos casos de con- por intervenção (Eingriffskondiktion),
que não haveria qualquer possibilida- sumo ou utilização de bens alheios, enriquecimento por liberação de uma
de de as reconduzir a um princípio reside no fim material do direito atin- dívida paga por terceiro
genérico comum40. O enriquecimento gido e na destinação da sua utilida- (Rückgriffskondiktion) e enriqueci-
por prestação seria baseado num ato de para o titular46. Como o fim econô- mento resultante de despesas
voluntário do seu autor, constituindo mico da propriedade inclui uma efetuadas em coisa alheia
uma forma de impugnação jurídica destinação das utilidades proporcio- (Verwendungskondiktion) . E s s a
desse ato, sendo a base de tal nadas pela coisa, o seu uso ou con- tipologia não é, porém, considerada
impugnação sobretudo o erro sobre sumo por terceiro atribui, com base como fechada, na medida em que
a causa jurídica da sua prestação. Já no conteúdo da destinação. posteriores concretizações permiti-
o enriquecimento não-fundado numa (Zuweisungsgehalt), uma pretensão de riam o surgimento de novas categori-
prestação teria como fim a recupera- enriquecimento contra quem se bene- as 57. Tal tipologia constituiria o ponto
ção de um direito afetado pela aqui- ficiou das utilidades da coisa47. A pre- de partida para a construção de di-
sição do enriquecido (normalmente a tensão de enriquecimento desenvolve- versas pretensões de enriquecimen-
propriedade), sendo, por isso, preten- se assim organicamente a partir da pro- to, que não apenas se distinguiriam
são a um prolongamento da eficácia priedade e configura-se como uma pre- no seu objeto, mas também no seu
desse direito41. tensão da “continuação da eficácia ju- conteúdo e extensão.
Conseqüentemente, para rídica” (Rechtsfortwirkungsanspruch) No enriquecimento por presta-
Wilburg, no enriquecimento por pres- desse direito48. Como tal, a pretensão ção, o objeto da restituição seria tudo
tação, a definição dos sujeitos da de enriquecimento dirigir-se-ia primor- o que o seu autor proporcionou ao
obrigação de restituir o enriquecimen- dialmente à restituição do resultado receptor, independentemente de ele
to, assim como do seu objeto e da da intervenção, abrangendo todas as ter disposto sobre um bem próprio ou
extensão da obrigação, resultaria di- vantagens do uso e fruição de bens alheio ou sobre uma prestação de ter-
retamente do objeto e conteúdo da alheios 49. ceiro, à qual tinha direito58.
prestação realizada, podendo, des- Qualificado como uma “preten- Já o enriquecimento por inter-
sa forma, renunciar-se aos requisitos são de continuação da atuação jurídi- venção seria uma categoria indepen-
da deslocação da imediação42. Tam- ca”, seriam dispensáveis no enrique- dente de enriquecimento sem causa,
bém o conceito de ausência de cau- cimento, por outra via, os requisitos em que se fundamentaria a sua
sa jurídica seria desenvolvido espe- da imediação e da deslocação desconformidade com o direito, por
cialmente para o enriquecimento por patrimonial50. Em lugar da imediação, meio da função de ordenação da pro-
prestação e apenas nele poderia ser a “pretensão da continuação da atua- priedade e dos outros direitos abso-
aplicado, sendo causa jurídica defi- ção jurídica” apenas pressuporia que lutos 59. Em contrariedade a Wilburg,
nida como ligação a uma relação o seu credor fosse, ao tempo da Von Caemmerer defende que tudo
obrigacional que a prestação visava destinação, o titular do direito funda- aquilo destinado ao titular de um di-
extinguir, verificando-se a ausência mento, a partir do qual se desenvol- reito absoluto e, conseqüentemente,
de causa jurídica quando esse efeito ve a pretensão5l. Já o requisito da objeto da pretensão de enriquecimen-
não fosse atingido43. Daí que o enri- deslocação patrimonial, que Wilburg to, não é o resultado da intervenção
quecimento por prestação constitua identifica como a necessidade de um derivado do uso e fruição não-autori-
uma forma de impugnação jurídico- dano, é completamente abandona- zados, mas antes esse mesmo uso e
negocial da prestação realizada44. do52. A pretensão de enriquecimento fruição. Tratando-se tal uso e fruição
Wilburg considera o enriqueci- resultante da destinação não-autori- de algo que já não pode ser restituí-
mento não-baseado em prestação zada de bens alheios não teria por do in natura, determina Von
como um instituto dogmático inde- base um dano do seu titular, mas Caemmerer que a restituição do enri-
pendente. Nessa categoria de enri- antes um direito subjacente, que é quecimento obtido a partir dos bens
quecimento sem causa seria inapli- lesado com o seu aproveitamento alheios consista numa dívida de va-
cável o conceito de ausência de cau- não-autorizado, sem que se tome em lor a qual deveria ter sempre por ob-
sa jurídica, que teria sido desenvolvi- consideração, se o próprio titular te- jeto a remuneração normalmente acor-
do expressamente para o enriqueci- ria obtido esse ganho ou não53. dada para esse uso e fruição60.

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O terceiro grupo importante de
pretensões de enriquecimento residiria
no pagamento de dívidas alheias ou de
dívidas próprias que o autor do cum-
primento não deva suportar integral-
mente ao final (Rückgriffskondiktion).
Nesse caso, o enriquecimento seria (...) a aplicação do enriquecimento por intervenção vem a
injustificado, em virtude de a liberação ser limitada a certas infrações, como os atos susceptíveis de
do devedor contrariar a repartição de
responsabilidades juridicamente
criar confusão com o estabelecimento ou os produtos
estabelecida61. concorrentes, as falsas afirmações realizadas com o fim de
Finalmente, o quarto grupo de desacreditar um concorrente, ou a utilização de segredos
casos residiria no enriquecimento por
benfeitorias efetuadas numa coisa negociais alheios.
alheia, onde Von Caemmerer admite
igualmente a restituição do enrique-
cimento sem causa, embora saliente
a necessidade de proteção contra
enriquecimentos não-desejados 62.
As obras de Wilburg e Von
Caemmerer influenciaram profunda-
mente a doutrina posterior, tendo sur- rios, apresenta-se como demasiado tido subjetivo, como a não-obtenção
gido uma grande avalanche de estu- genérica, não permitindo o tratamen- do fim visado com a prestação67. Ha-
dos na matéria do enriquecimento sem to dogmático unitário do enriqueci- verá, assim, lugar à restituição da
causa, em que a divisão do instituto mento sem causa uma adequada prestação, quando for realizada com
numa tipologia de condictiones apa- subsunção aos casos concretos. Ha- vista à obtenção de determinado fim,
recia como doutrina dominante, posi- verá de estabelecer uma tipologia de e tal fim não vier a ser obtido.
ção que se mantém até hoje63. A mai- categorias que efetue, pela inte- Há, porém, várias modalidades
oria da doutrina alemã sustenta hoje, gração do caso em uma delas, a re- possíveis de não-obtenção do fim vi-
por isso, que o § 812 BGB distingue ferida subsunção65. Defendemos, por sado com a prestação. Tradicional-
claramente, no âmbito do enriqueci- isso, a doutrina da divisão do institu- mente, na época pós-clássica do Di-
mento sem causa, entre o enriqueci- to. Por esse motivo, distinguimos no reito romano, estabelecia-se uma dis-
mento baseado numa prestação âmbito do enriquecimento sem cau- tinção entre a condictio indebiti, caso
(Leistungskondiktionen) e o enriqueci- sa as seguintes situações: o enrique- em que alguém realizava uma pres-
mento não-baseado numa prestação cimento por prestação; o enriqueci- tação na intenção de extinguir uma
(Nichtsleistungskondiktionen ou mento por intervenção; o enriqueci- obrigação, mas se verificava a
Bereicherung in sonstiger Weise). No mento por despesas realizadas em inexistência da dívida que o prestante
âmbito da primeira categoria, encon- benefício doutrem; e o enriquecimen- visava solver, o que permitia ao
trar-se-iam os casos tradicionais da to por desconsideração de um solvens exigir a sua restituição; a
condictio indebiti, condictio ob causam patrimônio intermédio. condictio ob rem, na qual alguém rea-
finitam, condictio ob rem e condictio ob lizava uma prestação em vista de
turpem vel iniustam causam. No âmbi- 4.1 ENRIQUECIMENTO POR determinado efeito futuro, pelo que a
to da segunda categoria, teríamos, além PRESTAÇÃO sua não-verificação lhe permitia exi-
do caso principal do enriquecimento gir a sua restituição posterior; a
por intervenção (Eingriffskondiktion), O enriquecimento por presta- condictio ob turpem vel iniustam cau-
outros casos de enriquecimento não- ção respeita as situações em que al- sa, caso em que alguém realizava
baseados numa prestação, como o en- guém efetua uma prestação a outrem, uma prestação por um fim torpe ou
riquecimento por despesas feitas mas se verifica uma ausência de cau- ilícito, o que permitia pedir a restitui-
(Aufwendungskondiktion), nas suas sa jurídica para que possa ocorrer, por ção mesmo que ele se verificasse; e
modalidades da condictio por ben- parte desse, a recepção dessa pres- a condictio sine causa, categoria re-
feitorias (Verwendungskondiktion) e da tação. Nessa categoria, o requisito sidual, que permitia pedir a restitui-
condictio para exercício do direito fundamental do enriquecimento sem ção nas outras hipóteses de realiza-
regresso (R ückgriffskondiktion) , e causa é a realização de uma presta- ção de uma prestação sem causa68 e
ainda o enriquecimento derivado de ção, que se deve entender como uma que, na evolução posterior do Direito,
fenômeno da natureza atribuição finalisticamente orientada, foi evoluindo até ser configurada ape-
(Naturvorgangeskondiktion)64. sendo, por isso, referida a uma de- nas como uma condictio ob causam
terminada causa jurídica, ou na defi- finitam, ou seja, como a hipótese em
4 POSIÇÃO ADOTADA nição corrente na doutrina alemã do- que a causa jurídica da prestação re-
minante como o incremento consci- alizada desaparece após sua realiza-
Entendemos, portanto, que a ente e finalisticamente orientado de ção.
cláusula do enriquecimento sem cau- um patrimônio alheio66 . O atual Direito português, à
sa, constante do art. 884 do Código Verifica-se, nesta sede, uma semelhança do Direito alemão, herdou
Civil brasileiro, ao referir que aquele situação de enriquecimento sem cau- esta tradicional sistematização das
que, sem justa causa, se enriquecer sa se ocorre a ausência de causa ju- condictiones, embora se abolisse a
à custa de outrem, será obrigado a rídica para a recepção da prestação condictio ob turpem vel iniustam cau-
restituir o indevidamente auferido, fei- que foi realizada. A ausência de cau- sam. O art. 473, n. 2o, do Código Ci-
ta a atualização dos valores monetá- sa jurídica deve ser definida em sen- vil português, ao referir que a obriga-

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ção de restituir por enriquecimento ção por outrem não-autorizados legi- se, haveria uma multiplicidade de pre-
sem causa tem tradicionalmente por timam sempre o titular a exigir a res- tensões de enriquecimento, sem pos-
objeto o que for indevidamente rece- tituição por enriquecimento71, embo- sibilidade de determinar a qual con-
bido, ou o que for recebido em virtu- ra não tenha sofrido qualquer prejuí- corrente deveria ser efetuada a resti-
de de uma causa que deixou de exis- zo efetivo72. No caso dos direitos au- tuição. No caso, porém, de a norma
tir, ou em vista de um efeito que não torais e da propriedade industrial, há violada se destinar a proteger ape-
se verificou, mantém, porém, a refe- igualmente uma atribuição exclusiva nas interesses individuais, de cuja
rência à condictio indebiti, à condictio de um bem imaterial ao titular do di- proteção o concorrente pudesse ab-
ob causam finitam e à condictio ob reito correspondente, pelo que a in- dicar contra remuneração, parece que
rem. No entanto, salvo uma breve re- gerência não-autorizada pelo titular a intervenção não-autorizada legitima
ferência à condictio ob rem, nos art. (publicação de uma obra alheia; utili- o recurso à ação de enriquecimento.
475 e 480, a disciplina do enriqueci- zação de patentes, modelos de utili- Assim, a aplicação do enriquecimen-
mento por prestação, constante dos dade ou marcas alheias) deverá per- to por intervenção vem a ser limitada
arts. 476 e ss., é praticamente referi- mitir-lhe o recurso à ação de enrique- a certas infrações, como os atos sus-
da apenas à concitio indebiti. cimento73. Finalmente, quanto aos di- ceptíveis de criar confusão com o
Já o novo Código Civil brasi- reitos de personalidade, o fato de, na estabelecimento ou os produtos con-
leiro apenas refere o pagamento do atual sociedade econômica, ter-se correntes, as falsas afirmações reali-
indevido, que corresponde à tradicio- vindo a verificar cada vez mais um zadas com o fim de desacreditar um
nal condictio indebiti, a qual trata se- aproveitamento comercial dos bens concorrente, ou a utilização de segre-
paradamente do enriquecimento sem de personalidade implica o reconhe- dos negociais alheios 76.
causa, nos arts. 876 e ss. Há, no en- cimento ao seu titular de um direito à Já em relação ao “direito à
tanto, referências à condictio ob restituição do enriquecimento obtido empresa”, não parece que as atua-
turpem vel iniustam causa, no art. 883 pela ingerência nesses bens sem ções lesivas desse direito possam
– que exclui a restituição e determina autorização do respectivo titular (uti- determinar a aplicação do enriqueci-
a atribuição do recebido a estabeleci- lização do nome, imagem, ou divul- mento por intervenção. Efetivamente
mento de beneficência – e a condictio gação de fatos relativos à vida priva- nesse caso existe apenas uma pro-
ob causam finitam, no art. 885. da doutrem com intuitos comerciais)74. teção da liberdade empresarial, na
Tal solução pode ser confirmada pelo qual se podem considerar estabe-
4.2 ENRIQUECIMENTO POR fato de o art. 12 do Código Civil bra- lecidas oportunidades definidas para
INTERVENÇÃO sileiro admitir que a violação dos di- a obtenção de ganhos, nem é possí-
reitos de personalidade não apenas vel delas abdicar contra remuneração,
Além do enriquecimento por desencadeie perdas e danos, mas não havendo assim qualquer circuns-
prestação, a cláusula geral da proibi- também outras sanções legais, entre tância que legitime o recurso à ação
ção do enriquecimento sem causa as quais naturalmente se incluirá a de enriquecimento77.
contempla ainda a situação de al- restituição por enriquecimento sem Outra hipótese em que se pode
guém obter um enriquecimento por causa. ponderar a aplicação do enriqueci-
uma ingerência não-autorizada no A aplicação do enriquecimen- mento por intervenção diz respeito à
patrimônio alheio, como sucederá nos to por intervenção não é, no entanto, oferta de prestações reservada ao
casos de uso, consumo, fruição ou restrita aos direitos absolutos, poden- pagamento de uma retribuição, mas
disposição de bens alheios. A doutri- do abranger posições jurídicas de que alguém consegue receber sem a
na alemã há muito tem qualificado o outra natureza, de que examinaremos pagar (v.g.: utilização de um trans-
caso como enriquecimento por inter- a posse, a proteção contra a concor- porte sem pagar o respectivo bilhe-
venção (Eingriffskondiktion)69. Assim, rência desleal, o denominado “direito te). Em tal caso, não se pode consi-
com base na cláusula geral do art. à empresa” e a oferta de prestações derar estar-se perante uma situação
884, deve ser atribuída, nessas hipó- contra retribuição. de contrato tácito – uma vez que há
teses, ao titular uma pretensão à res- Em relação à posse, se existir apenas uma apropriação da presta-
tituição do enriquecimento sem cau- um efetivo direito à posse (real ou ção – nem de um enriquecimento por
sa, sempre que essa pretensão não pessoal de gozo), a sua perturbação prestação – uma vez que falta a cons-
seja excluída pela aplicação de outro ou esbulho poderá dar lugar à aplica- ciência de realização da prestação.
regime jurídico70. O fim da pretensão ção do enriquecimento por interven- A solução estará, por isso, na aplica-
será a recuperação da vantagem ção. Em se tratando de simples pos- ção do enriquecimento por interven-
patrimonial obtida pelo interventor, o se formal, uma vez que a sua tutela é ção78.
que ocorrerá sempre que, de acordo provisória e visa apenas assegurar a Efetivamente, nessas situa-
com a repartição dos bens efetuada paz jurídica, não parece que se pos- ções, verifica-se uma intervenção na
pela ordem jurídica, essa vantagem sa admitir uma pretensão à restitui- esfera da liberdade econômica do
se considere como pertencente ao ti- ção do enriquecimento por interven- oferente de não realizar prestações a
tular do direito. ção75. outrem sem a adequada remunera-
As hipóteses mais comuns de É discutível se pode-se aplicar ção, pelo que se justifica plenamente
enriquecimento por intervenção o enriquecimento por intervenção em a aplicação do enriquecimento por
reconduzem-se às intervenções em caso de obtenção por um concorren- intervenção79.
direitos absolutos, como os direitos te de vantagens patrimoniais em re- Poderá ainda haver lugar à apli-
reais, os direitos autorais e da proprie- sultado da violação de uma norma cação do enriquecimento por interven-
dade industrial, e os direitos de per- relativa à proteção contra a concor- ção no caso de ocorrer uma disposi-
sonalidade. No caso dos direitos re- rência desleal. As normas destinadas ção de direitos alheios eficaz em re-
ais, o uti, frui, abuti sobre a coisa cabe à proteção da concorrência em geral lação ao respectivo titular80. Por exem-
exclusivamente ao proprietário (art. não permitirão a aplicação desse ins- plo, A vende sucessivamente o mes-
1.228), pelo que o gozo ou disposi- tituto, uma vez que, se tal aconteces- mo bem a B e a C, mas, por força

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das regras do registro, acaba por pre- na posse do benfeitorizante ou, mes- Essa fundamentação reside na
valecer a aquisição de C. Nesse mo não se encontrando na sua pos- existência de um incremento no
caso, não há dúvida de que A se se, ele acredita que a coisa lhe per- patrimônio do enriquecido, que não é
enriqueceu injustificadamente à cus- tence. Pode ainda considerar-se ocor- conscientemente nem finalisticamente
ta de B, pelo que haverá lugar à res- rer uma hipótese de enriquecimento orientado pelo empobrecido, mas é
tituição por enriquecimento sem cau- por incremento do valor de coisas suportado economicamente pelo seu
sa. A dúvida reside, porém, em deter- alheias, na situação de alguém, em- patrimônio. Esse sacrifício econômi-
minar se a restituição deve ser referi- bora conhecendo o caráter alheio da co determina a restituição do enrique-
da ao valor da coisa (commodum ex coisa, desconhece que se encontra a cimento. Assim, ao contrário do que
re) ou se deve antes tomar por referên- realizar as despesas com materiais se passa no enriquecimento por pres-
cia o preço obtido por A como con- seus e não com materiais alheios. No tação, no qual a frustração do fim vi-
trapartida da alienação (commodum caso de essas despesas determina- sado com a prestação dá lugar à res-
ex negotiatione cum re). Defendemos rem a aquisição de um benefício por tituição, nessa categoria de enrique-
que o objeto da restituição deverá outrem, o Código Civil brasileiro ad- cimento sem causa, determina a res-
corresponder ao valor da coisa, uma mite várias situações em que se veri- tituição o fato de o incremento
vez ser esse o objeto de que fora fica uma obrigação de restituir, limi- patrimonial do enriquecido ter origem
privado o empobrecido. Eventuais tada ao benefício obtido e, portanto, em despesas suportadas pelo em-
ganhos acima desse valor resultarão ao enriquecimento. Isso acontece nas pobrecido, sendo por esse motivo
da capacidade negocial do enrique- despesas para produção de frutos considerado tal enriquecimento “à
cido, pelo que não se podem consi- (arts. 1.214, parágrafo único e art. custa de outrem”. Não se põe por
derar que o empobrecido a eles te- 1.216); na restituição das benfeitorias isso um problema de frustração do
nha direito por força das regras do necessárias e úteis ao possuidor (arts. fim da prestação, inerente ao concei-
enriquecimento sem causa81. Essa 1.219 e ss.)84; e na confusão, comis- to de “ausência de causa jurídica”,
solução aparece expressamente con- são ou adjunção (arts. 1.272 e ss.). mas antes de sacrifício patrimonial,
sagrada no art. 879 do Código Civil No âmbito do enriquecimento inerente ao conceito “à custa de ou-
brasileiro. por pagamento de dívidas alheias, está trem”.
Finalmente, a última situação em causa o fato de alguém pagar uma No âmbito dessa categoria de
em que pode haver lugar à aplicação dívida alheia sem se enquadrar nas enriquecimento sem causa, coloca-se,
do enriquecimento por intervenção diz hipóteses em que se admite a trans- com especial acuidade, o problema
respeito à realização da prestação a missão do crédito, o reembolso da do enriquecimento imposto, uma vez
terceiro, que a lei considera eficaz em despesa ou a restituição com base no que, se, por um lado, o enriquecido
relação ao respectivo credor, por ra- enriquecimento por prestação. vem a se beneficiar das despesas
zões de tutela da aparência (art. 309). A categoria do enriquecimento realizadas pelo empobrecido, por
Em tal caso, o terceiro que recebe a por despesas aproxima-se bem mais outro, não tem normalmente possibi-
prestação acaba por usurpar o obje- do enriquecimento por prestação do lidade de impedir a sua realização, o
to de um direito de crédito alheio, efe- que do enriquecimento por interven- que leva a considerar a imposição de
tuando assim uma intervenção nesse ção, na medida em que o autor da um enriquecimento forçado. Tal impo-
mesmo direito, que o enriquece em despesa a realiza voluntariamente, sição coloca problemas valorativos
prejuízo do verdadeiro credor. Justi- não estando, portanto, em questão específicos, uma vez que a tutela do
fica-se, por isso, que o verdadeiro uma defesa contra uma intervenção enriquecido contra essa imposição do
credor tenha contra o terceiro recep- do enriquecido. Há, no entanto, es- enriquecimento pode justificar, no
tor o direito à restituição por enrique- pecialidades dogmáticas resultantes caso, um diferente entendimento dos
cimento por intervenção82. no fato de não ocorrer aqui uma defi- pressupostos e do objeto da obriga-
nição do fim da atribuição em relação ção de restituição.
4.3 O ENRIQUECIMENTO ao incremento do patrimônio alheio, No nosso entender, só em caso
RESULTANTE DE DESPESAS não podendo conseqüentemente a de boa-fé do enriquecido, fará senti-
EFETUADAS POR OUTREM ausência de causa jurídica ser encon- do estabelecer uma proteção contra
trada na frustração desse fim. Por a imposição do enriquecimento, pois
Outra categoria de enriqueci- outro lado, ao contrário do enriqueci- se o enriquecido tem conhecimento
mento sem causa, que se distingue, mento por prestação em que a pró- da ausência de causa jurídica daque-
quer do enriquecimento por presta- pria autoria da prestação dispensa a la aquisição, deverá proceder à sua
ção, quer do enriquecimento por in- aplicação do requisito “à custa de restituição em espécie ou em valor
tervenção, reside no enriquecimento outrem”, no âmbito do enriquecimen- objetivo, e não à restituição da pou-
resultante de despesas efetuadas por to por despesas, não se pode dis- pança de despesas ou do valor sub-
outrem (Aufwendungskondiktion), no pensar esse requisito. Quem efetua jetivo da aquisição. Já havendo boa-
âmbito do qual se pode distinguir um incremento de valor numa coisa fé do enriquecido, a aplicação do li-
entre o enriquecimento por incremen- alheia só pode recorrer à ação de en- mite do enriquecimento considerará
to de valor de coisas alheias riquecimento se as despesas tiverem a planificação subjetiva do enriqueci-
(Verwendungskondiktion) e aquele por sido suportadas pelo seu patrimônio, do, não havendo um enriquecido efe-
pagamento de dívidas alheias já não lhe devendo caber qualquer tivo se o incremento de valor não tem
(Rückgriffskondiktion)83. ação se, por exemplo, tiver utilizado para ele qualquer utilidade. Na deter-
No âmbito do enriquecimento materiais alheios ou força de trabalho minação dessa planificação subjeti-
por incremento de valor em coisas de outrem (art. 1.257, parágrafo úni- va, é especialmente relevante a pou-
alheias, encontram-se situações em co). Haverá, portanto, de encontrar pança de despesas, uma vez que o
que alguém efetua despesas (gastos outra fundamentação dogmática para enriquecimento subsiste se o enrique-
de dinheiro, trabalho ou materiais) em a restituição nestes casos do enrique- cido planejava efetuar despesas que,
determinada coisa, que se encontra cimento sem causa. desse modo, poupou.

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4.4 O ENRIQUECIMENTO POR ral da proibição do enriquecimento AAVV, Festgabe der juristischen Fakultät
DESCONSIDERAÇÃO DE injustificado, temperada com a invo- der vereinigten Friedrichs Universität Halle
PATRIMÔNIO cação do princípio da subsidiariedade, Wittenberg für Hermann Fitting zum 27.
Oktober 1902. Halle: Max Niemeyer, 1903
para assentar na construção de cate-
(reimp. Tübingen, Max Niemeyer, 1979), p.
Excepcionalmente, a lei admi- gorias típicas do instituto, que susci- 129-168 (154 e ss.).
te, em certas situações, a possibili- tam problemas jurídicos próprios. 10 HARTMANN, A. Der Bereicherungsanspruch
dade de ultrapassar o patrimônio de Com essa construção, chama- des Bürgerlichen Gesetzbuchs, zum Apr. 21.
alguém com quem o empobrecido se a atenção para a insuficiência do 1902. p. 224-243 (231) e HECK. Grundriss
entra em relação e demandar direta- enriquecimento sem causa para resol- des Schuldrechts. Tübingen: Mohr, 1929. p.
mente, com base no enriquecimento ver certo tipo de questões. Assim, por 417.
11 BATSCH, Karl Ludwing.
sem causa, um terceiro que obteve a exemplo, a restituição de lucros ilici- Vermögensverschiebung und
sua aquisição, não a partir do empo- tamente obtidos não pode assentar Bereicherungsherausgabe in den Füllen
brecido, mas a partir do patrimônio no enriquecimento sem causa, mas unbefugten Gebrauchens bzw. Nutzens
interposto. Essa situação tem sido antes na figura da gestão imprópria von Gegenständen (Eine Kritik der Lehre
denominada de “enriquecimento por de negócios. A figura dos punitive von der “Eingriffskondiktion”), Marburg:
desconsideração de patrimônio damages não pode fundar-se no en- Elwert, 1968. p. 24; WOLF, Joachim. Der
(Durchgriffskondiktion)85” e diz respei- riquecimento sem causa, sendo an- Stand der Bereicherungslehre und ihre
Neubegründung. Köln: Carl Heymanns,
to a casos em que, com prejuízo para tes uma nova construção da respon- 1980. p. 14 e ss.
o empobrecido, verifica-se uma aqui- sabilidade civil. Não obstante tais li- 12 HECK, op. cit., p. 423, o qual chega a
sição de terceiro a partir de um mitações, não há dúvida de que a hora referir que essa enumeração constitui
patrimônio que se interpõe entre ele atual representa um profundo desen- unicamente um fio, pelo qual se ligam
e o empobrecido. Tal situação ocor- volvimento do enriquecimento sem exemplos entre si.
re, por exemplo, no art. 879, parágra- causa, manifestado pela sua expor- 13 PLESSEN, op. cit., p. 25; KRAWIELICKI,
fo único (onde se prevê a restituição tação para os países anglo-saxônicos, op. cit., p. 4; JUNG, op. cit., p. 125 e ss.;
pelo adquirente por título gratuito, ou onde ainda há dezenas de anos apa- ID, Das Wesen des schuldrechtlichen
Grundes (§ 812 BGB.) und dessen
pelo adquirente de má-fé por título recia como totalmente desconhecido. Bedeutung für die Systematik des
oneroso, do imóvel que o enriqueci- Privatrechts. In: OTTO SCHREIBER (org).
do alienou). Nesse caso ocorre um NOTAS BIBLIOGRÁFICAS Die Reichsgerichtspraxis im deutschen
fenômeno de desconsideração de um Rechtsleben. Festgabe der juristischen
patrimônio intermédio, o patrimônio do Fakultäten zum 50 jährigen Bestehen des
alienante, com a conseqüente não- Reichsgerichts. Berlin; Leipzig: Walter de
1 LEITÃO, Menezes. O enriquecimento sem
sujeição do empobrecido às regras Gruyter, 1929. p. 143-179 (154), VON
causa no Direito Civil. Lisboa: CEF, 1996.
MAYR, op. cit., p. 192 e ss.; NEBENZAHL,
do concurso de credores nesse p. 27 e ss.
Ernst. Das Erfordernis der unmittelbaren
patrimônio. Efetivamente, o empobre- 2 Imaginemos, por exemplo, que alguém
Vermögensverschiebung in der Lehre von
cido pode agir diretamente contra um adquire uma casa por um preço excessivo
der um gerechtfertigten Bereicherung.
em relação ao preço de mercado. Seria
terceiro e exigir a restituição de pres- fácil argumentar que o vendedor se
Berlin: Ebering, 1930. p. 101.
tações conferidas pelo alienante por encontra enriquecido à custa do com-
14 TELLES, Galvão. Direito das Obrigações.
meio de um negócio em que não é 78. ed. Coimbra: Ed. Coimbra, 1997. p.
prador, sem causa justificativa.
199.
parte. Como pressuposto para o fe- 3 CAMPOS, de Leite. A subsidiariedade da
15 Idem, p. 199, que refere que não é possível
nômeno de desconsideração, exige- obrigação de restituir o enriquecimento.
pedir a restituição de um valor que não se
se apenas a existência de uma pre- Coimbra: Almedina, 1974, passim.
perdeu. Tem de se sofrer uma privação
tensão contra o alienante, a impossi- 4 LEITÃO, Menezes, op. cit., p. 946 e ss.
para se pretender a restituição de que a lei
5 Idem, p. 941 e ss.
bilidade de satisfação dessa presta- 6 Neste sentido, JUNG, Erich. Die
fala.
ção, em virtude da insolvência do Bereicherungsansprüche und der Mangel
16 Idem, p. 200.
devedor ou da extinção do enriqueci- 17 SCHULZ, Fritz. System der Rechte auf den
des rechtlichen Grundes. Leipzig:
Eingriffserwerb, em AcP 105 (1909), p. 1
mento, e que a alienação de bens Hirschfeld, 1902. p. 127 e ss.; MAYR Der
488.
para o terceiro constitua uma causa Bereicherungsanspruch des deutschen
18 SCHULZ, AcP 105 (1909), p. 443.
minor de aquisição, referindo a lei bürgerlichen Rechtes. Leipzig: Duncker &
19 Idem, p. 1-426.
como tais o negócio gratuito e o ne- Humblot, 1900. p. 420 e ss.;
20 Idem, p. 427: Recht auf den Eingriffserwerb
KRAWIELICKI, Robert. Grundlagen des
gócio oneroso celebrado de má-fé. Os Bereicherungsrechts. Breslau: Marcus;
ist ein Recht auf alles, was durch den Eingriff
requisitos fundamentais nesta cate- in ein fremdes Recht erworben worden ist.
Scientia Verlag Aalen,1936, 1964. p. 1-6;
goria de enriquecimento são assim o 21 Idem, p. 445.
PLESSEN, Richard. Die Grundlagen der
22 Idem, p. 310, 435, 447, 479 e ss.
dano do empobrecido e a ausência modernen condictio. Leipzig: Deichert,
23 Idem, p. 440.
de causa jurídica da aquisição do ter- 1904. p. 28; OERTMANN, Paul.
24 WOLF, Ernst. Lehrbuch des Schuldrechts,
ceiro. Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch
II Besonderer Teil. Köln: Carl Heymanns,
und seinen Nebengesetzen, II Recht der
Schuldverhältnisses. 4 tr . ed. Berlin: 1978. p. 412 e ss.
5 CONCLUSÃO Heymann, 1910. p. 1019 e ss. 25 KELLMANN, Christof. Grundsätze der
7 SAVIGNY, System des heutigen romischen Gewinnhaftung. Rechtsvergleichender
Hoje em dia, demonstra-se que Rechts. Berlin: Veit; Scientia Verlag Aaalen, Beitrag zum Recht der ungerechtfertigten
a mera referência ao caráter 1849, 1981. p. 526-527. O autor invoca Bereicherung. Berlin: Duncker &
injustificado do enriquecimento cons- como fundamento o texto de D.12/6/55. in Humblot, 1969. Esp. p. 97 e ss., e
fine. Bereicherungsausgleich bei Nutzung
titui uma conclusão que tem sido su-
8 SAVIGNY, op. cit., p. 567. fremder Rechtsgüter em NJW 1971, p.
portada com base em argumentos 862-865 (863).
9 KRAWIELICKI, op. cit., p. 2; VON MAYR,
normativos 86. A evolução dogmática op. cit., p. 422 e ss.; PLESSEN, op. cit., p. 26 WILHELM, Jan. Rechtsverletzung und
no enriquecimento sem causa tem 45 e ss; STAMMLER, Rudolf. Zur Lehre Vermögensentscheidung als Grundlagen
abandonado assim o modelo tradicio- von der ungerechtfertigten Bereicherung und Grenzen des Anspruch aus
nal da referência vaga à cláusula ge- nach dem Bürgerlichen Gesetzbuch, em ungerechtfertigter Bereicherung, Bonn:

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Rührscheid, 1973. Esp. p. 173 e ss., e Das Hansleo. Schuldrecht II- Besonderer Teil. (1981-1982), p. 207-212, 115 (1982-1983),
Merkmal auf Kosten als notwendiges 7. ed. Heidelberg: Müller, 1991, § 47, 3, p. p. 7-9, 37-40, 68-72, 196-201, 116 (1983-
Kriterium des Leistungskondiktion em JuS 422 e ss.; JAUERNIG; SCHLECHTRIEM; 1984), p. 140-146, 257-258, 289-293, 117
1973, p. 1-9 (1). STÜRNER; TEICHMANN; VOLLKOMMER. (1984-1985), p. 97-100, 133-136, 161-
27 BATSCH, op. cit., passim. Bürgerliches Gesetzbuch. München: Beck, 165, 196-200, 257-262, 353-357, 118
28 KAEHLER, Christian Michael. 1991. Vor § 812, n°s 1 e 2, a p. 907-909; (1985-1986), p. 262-267, 293-298, 321-
Bereicherungsausgleich und Vindikation, REEB, Hartmut. Grundprobleme des 324 e 119 (1986-1987), p. 197-200 (116,
Allgemeine Prinzipien der Restitution . Bereicherungsrechts, München: Beck, p. 145), CAMPOS, Leite de, op. cit., p.
Bielefeld: Gieseking, 1972, passim. 1975. p. 2; WEITNAUER, Hermann. Die 470-471, nota; e PINTO, Paulo Mota. O
29 COSTEDE, Jürgen. Dogmatische und Leistung. In: Festschrift für Ernst von direito à reserva sobre a intimidade da vida
methodologische Überlegungen zum Caemmerer zum 70. Geburtstag. privada BFD 69 (1993), p. 478-585 (582,
Verstandnis des Bereicherungsrechts. Tübingen: Mohr, 1978. p. 255-293 (255), nota (451)).
Bern: Stämpfli, 1977, passim. GERNHUBER, Joachim. Bürgerliches 75 LEITÃO, Menezes, op. cit., p. 751 e ss.
30 KUPISCH, Berthold. Gesetzespositivismus im Recht. 2. ed. München, 1983. p. 380 e ss. 76 Idem, p. 756 e ss.
Bereicherungsrecht, Zur Leistungskondiktion 64 KOPPENSTEINER, Hans Georg; 77 Idem, p. 761 e ss.
im Drei Personen Verhältnis. Berlin: Duncker KRAMER, Ersnt A. Ungerechtfertigte 78 Esta solução foi defendida na Alemanha,
& Humblot, 1978. p. 11 e ss.; 17 e ss., e Bereicherung. 2.ed. Berlin: De Gruyter, na Ent. BGH 18/4/1956 em BGHZ 20
Einheitliche Voraussetzungen des 1988. p. 67. (1956), p. 270-275, onde os réus tinham
Bereicherungsanspruchs ein Missgriff des 65 LEITÃO, Menezes, op. cit., p. 955 e ss. estacionado sem autorização um carro
Gesetzgebers? em HARDER, Manfred; 66 Idem, p. 654 e ss. e bibliografia citada. num local antes da estação, que pertencia
THIELMANN, Georg (org). De Iustitia et Iure. GOMES, Júlio. O conceito de enriqueci- à autora, tendo o Tribunal considerado que,
Festgabe für Ulrich von Lübtow zum 80. mento, enriquecimento forçado e os vários por via dessa utilização, os réus estariam
Geburtstag. Berlin: Duncker & Humblot, 1980. paradigmas do enriquecimento sem causa. enriquecidos à custa da autora.
p. 501-545. Porto: UCP, 1998. p. 675 e ss. 79 LEITÃO, Menezes, op. cit., p. 764 e ss.
31 WILHELM, op. cit., p. 98 e ss.; 173 e ss. 67 LEITÃO, Menezes, op. cit., p. 893 e ss. 80 Idem, p. 770 e ss.
32 Idem, p. 173, 191. 68 Idem, p. 96 e ss. 81 Poderá, porém, haver lugar à aplicação do
33 KUPISCH, FS von Lübtow, p. 503. 69 Idem, p. 688 e ss. regime da gestão de negócios imprópria,
34 WILHELM, op. cit., p. 173. 70 Tal acontecerá, nomeadamente, nas por aplicação do art. 868. Nosso O
35 WILBURG, Walter. Die Lehre von der hipóteses de atribuição de frutos ao enriquecimento, p. 774 e ss.
ungerechtfertigten Bereicherung nach possuidor de boa-fé (art. 1.214), acessão 82 LEITÃO, Menezes, op. cit., p. 785 e ss.
österreichischem und deutschem Recht. (1.248 e ss.), ou nos casos de tratamento 83 Idem, p. 820 e ss.
Kritik und Aufbau. Graz: Leuschner & da intervenção como gestão de negócios, 84 O atual regime da restituição de benfeitorias
Lubensky, 1934. por força do art. 868, parágrafo único. Já necessárias e úteis ao possuidor, no âmbito
36 CAEMMERER, Ernst von. Bereicherung não parece, porém, que a existência de do art. 1.219 do Código Civil, tem
und unerlaubte Handlung. In: DÜLLE, responsabilidade civil exclua liminarmente integralmente por fonte o enriquecimento
Hans; RHEINSTEIN, Max; ZWEIGERT, a aplicação do enriquecimento por sem causa. Efetivamente, em se tratando
Konrad (org.). Festschrift für Ernst Rabel, I intervenção, no caso de a proteção por de benfeitorias necessárias, uma vez que
Rechtsvergleichung und internationales ele conferida ser superior. Nosso O o proprietário teria sempre que as realizar,
Privatrecht. Tübingen: Mohr, 1954. p. 333 Enriquecimento, p. 689 e ss. ele fica enriquecido pela poupança da
401, depois recolhido em CAEMMERER, 71 LEITÃO, Menezes, op. cit., p. 710 e ss. despesa correspondente, pelo que se
Ernst von. Gesammelte Schriften , 1 72 Tal foi admitido em Portugal em obter justifica que restitua o seu montante. Em
Rechtsvergleichung und Schuldrecht. dictum no “Ac. STJ 3/4/1964” se tratando de benfeitorias úteis, o
Tübingen: Mohr, 1968. p. 210-278. (GONÇALVES PEREIRA), no BMJ 136 enriquecimento não consiste na poupança
37 WILBURG, op. cit., p. 27 e ss., 49 e ss., (1964), p. 317-322 = RLJ 97 (1965), p. da despesa pelo proprietário (pois este
112 e ss. e CAEMMERER, FS Rabel, I, p. 331-334, com anotação favorável de VAZ poderia não a realizar), mas antes no
337, 340 e ss., 352 e ss. Gesammelte, p. SERRA, a p. 334-336. Ac. RE 3/2/2003 correspondente incremento de valor da
213, 217 e ss., 228 e ss. (RIBEIRO CARDOSO), na CJ 27 (2003), 1, coisa, que pode ser restituído através do
38 WILBURG, op. cit., p. 23. p. 241-243. ius tollendi (que corresponde à restituição
39 Idem, p. 112 e ss. 73 LEITÃO, Menezes, op. cit., p. 720 e ss. em espécie) ou mediante restituição do
40 Idem, p. 22-23, 29 e ss. Quanto ao direito autoral, ASCENSÃO, valor correspondente, em caso de impos-
41 Idem, p. 7 e ss., 28 e ss., 49 e ss. Oliveira. Direito de Autor e Direitos Conexos. sibilidade.
42 Idem, p. 106, 113-114. Coimbra: Ed. Coimbra, 1992. p. 628 e ss. 85 LEITÃO, Menezes, op. cit., p. 245 e ss.
43 Idem, p. 11. e Direito Autoral, Lisboa: AAFDL, 1989. p. 86 JOHNSTON, David; ZIMMERMANN,
44 Idem, p. 49. 325-326. Quanto às patentes e modelos Reinhartd. Unjustified enrichment: surveying
45 Idem, p. 13-14. de utilidade, a aplicação do enriquecimento the lándscape. In: ID. Unjustified
46 Idem, p. 27. por intervenção é aceite por COELHO, enrichment. Key issues in Comparative
47 Idem, p. 27-28. A idéia de que existiria uma Pereira. O enriquecimento e o dano. Perspective. Cambridge: University Press,
destinação das utilidades da coisa ao seu Coimbra: Almedina, 1970, p. 59 e recusada 2001, p. 3-33.
titular, cuja afetação determinaria a por ASCENSÃO, Oliveira. Direito Comer- 87 Ainda que, conforme salientam
aplicação do instituto foi primeiramente cial, II-Direito industrial. Lisboa: polic., JOHNSTONIZ; MMERMANN, op. cit., p.
formulada por HECK, Grundriss des 1988. p. 374 e ss. 4, a evolução do enriquecimento sem
Schuldrechts, p. 421, a propósito do 74 Contra a aplicação do enriquecimento sem causa na common law se tenha verificado
esclarecimento do requisito à custa de causa nos direitos de personalidade, veja- em sentido completamente diferente do
outrem. HECK é assim o fundador da se COELHO, Pereira, op. cit., p. 55-56, que ocorreu na civil law, não se tendo
doutrina do conteúdo da destinação. que afirma não se pretender aí propriamen- procurado concretizar um princípio em
48 WILBURG, op. cit., p. 35 e ss. te atribuir ao titular do direito um objeto de casos específicos, mas antes em verificar
49 Idem, p. 122 e ss. domínio patrimonialmente utilizável, mas se da casuísitica existente se poderia retirar
50 Idem, p. 5. antes, e justamente mediante a concessão um princípio geral.
51 Idem, p. 114. do ius excludendi omnes alios corres-
52 Idem, p. 106 e ss. pondente ao respectivo direito, impor o ABSTRACT
60 CAEMMERER, FS Rabel, I, p. 356 e ss., respeito da dignidade do homem como
Gesammelte, p. 232 e ss. pessoa moral. Essa posição está, no
61 Idem, p. 360, Gesammelte, p. 237. entanto, isolada já que a maioria da The author understands that the
62 Idem, p. 365 e ss., Gesammelte, p. 241 e doutrina admite claramente a aplicação do clausula of the article 884 of the new Civil Code
ss. enriquecimento por intervenção neste – that deals with the enrichment without cause
63 STAUDINGER, LORENZ, § 812, Rdnr. 1, a âmbito. VARELA, Antunes. Alterações – is too generic, which makes its indiscriminate
p. 63 e ss., ESSER, Josef; WEYERS, legislativas no direito ao nome. RLJ 114 application possible.

32 R. CEJ, Brasília, n. 25, p. 24-33, abr./jun. 2004


He adduces that the subsidization
ratified in the article 886 of the Civil Code hasn’t
had a total extent. He quotes several hypotheses
in which the action of enrichment without cause
may run concurrently with other actions, such
as the reinvidication and the civil liability.
He shows, therefore, a typology of
categories in order to accomplish the proper
subsumption of the enrichment without cause
to the concrete cases. For that purpose, he
adopts the doctrine of the institute division,
deriving from the study by German jurists and
he assesses that such typology highlights the
insufficiency of the enrichment without cause
as to the resolution of certain kind of questions.
However, notwithstanding such limitations, the
author considers that the current moment
represents a development of this institute,
whose model has been exported to several
countries.

KEYWORDS – Enrichment; Civil Law;


new Brazilian Civil Code – articles 884 and 886;
obligations - source; unilateral act; German Civil
Code; Portuguese Law; German Law.

Luís Manuel Teles de Menezes Leitão é


Professor Doutor em Direito da
Universidade de Lisboa/Portugal.

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