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CIENCIA HOJE Vol 37 N 217 Nano Ciencia e Nanotecnologia
CIENCIA HOJE Vol 37 N 217 Nano Ciencia e Nanotecnologia
NANOCIÊNCIA e
Nunca o tão pequeno se tornou tão grande. De fato, conforme vislumbrado, quase
meio século atrás, pelo físico norte-americano Richard Feynman (1918-1988),
em sua palestra de título inusitado – ‘Há muito mais espaço lá embaixo’ –, o impacto
da nanociência e da nanotecnologia nos setores acadêmico, empresarial e na própria
sociedade já é bastante marcante – para alguns, ele será maior que o causado por
outras revoluções tecnológicas, como a agricultura, a indústria e a microeletrônica.
Neste artigo, são apresentadas algumas das perspectivas que estão se abrindo
com essa grande onda inovadora e como elas se juntam
ao reconhecimento dos importantes avanços científicos que estão
tendo destaque neste Ano Mundial da Física.
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NANOCIÊNCIA E NANOTECNOLOGIA
NANOTECNOLOGIA
O gigantesco e promissor
mundo do muito pequeno
Nano – que significa ‘anão’, em grego – é o prefixo usado na Estamos, portanto, na era nano ou da nanotec-
notação científica para expressar um bilionésimo nologia. Entretanto, paradoxalmente, mantido o
(10-9). Um nanômetro (nm), por exemplo, equivale atual ritmo de evolução, o processo de miniaturi-
a 10-9 m, ou seja, um bilionésimo de metro. Nessa zação na eletrônica à base de silício (elemento
escala de tamanho, um minúsculo vírus, invisível químico mais usado na fabricação de micropro-
a olho nu, se apresenta como uma incrível entida- cessadores e chips) poderá chegar ao seu limite em
de com cerca de 200 nm. Apesar da dimensão menos de uma década, barrado por problemas que
ínfima, ele camufla, na realidade, uma complexa surgem quando se trabalha com a matéria sólida
máquina molecular aparelhada com todos os dis- em dimensões atômicas e moleculares.
positivos para invadir as células de organismos A lei de Moore, como ficou conhecida essa re-
superiores e utilizá-las em sua reprodução, pro- lação empírica sobre a capacidade de integração
porcionando um exemplo típico de tecnologia na eletrônica, perderá, então, seu sentido, mas a
nanométrica colocada em prática pela natureza. evolução não será interrompida. Com o crescimen-
É justamente para essa escala que estão conver- to da nanotecnologia molecular – na direção con-
gindo atualmente os processos de miniaturização trária à da miniaturização –, os nanossistemas e os
na eletrônica, conferindo crescente funcionalida- dispositivos passarão a ser montados a partir de
de, desempenho e portabilidade aos aparelhos átomos e moléculas. [...] Por sinal, vale dizer que,
modernos. Em 1965, o norte-americano Gordon até o início do século passado, em uma época em
Moore, co-fundador da empresa norte-americana que a quantização e a natureza da matéria ainda
de microprocessadores Intel, previu que a capaci- eram assuntos controversos, as idéias contidas em
dade de integração na eletrônica – ou seja, colocar dois artigos de 1905 do físico alemão Albert Einstein
vários componentes eletrônicos em uma determi- (1879-1955) e que seriam confirmadas experimen-
nada área – duplicaria a cada ano. Os atuais pro- talmente anos depois eliminariam as dúvidas so-
cessadores já incorporam dezenas de milhões de bre o comportamento dos elétrons nos átomos e
dispositivos integrados, de dimensões submicro- nas moléculas sob ação da luz (efeito fotoelétrico)
métricas. e a existência dessas espécies como partículas li-
vres, responsáveis pelo movimento browniano.
Assim, extrapolando a prospecção sobre nano-
tecnologia feita, ainda em 1994, nesta revista (ver
‘Dispositivos eletrônicos em escala atômica’ em
Em 2001, pesquisadores da empresa norte-americana Ciência Hoje no 106), veremos, nas próximas déca-
IBM conseguiram posicionar átomos de cobalto (azul) das, o surgimento de uma nova eletrônica e das
em uma superfície de cobre (vermelha), formando uma máquinas moleculares. Poderá ser, portanto, a era
espécie de ‘curral quântico’ elíptico, com cerca de 20 nm
da nanotecnologia molecular, na qual o homem
de largura. Essa ‘cerca’ atua como refletor dos elétrons
superficiais do cobre, confinando as ondas eletrônicas, estará projetando e construindo nanomáquinas ten-
que passam a emergir apenas nos focos da elipse. do como exemplo a própria natureza, dona de
A tecnologia atual ainda é incipiente para explorar tecnologias nanométricas aperfeiçoadas ao longo
esse fenômeno para fins práticos de bilhões de anos.
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Nano: partículas,
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De fato, enzimas e outras biomoléculas se com- rações inter e intramoleculares, que, por sua vez,
portam como máquinas moleculares bastante pró- irão sustentar as superestruturas e tornar espontâ-
ximas daquelas imaginadas por Drexler. Um bom neo o processo. Também será importante desven-
exemplo é a DNA-polimerase, enzima que executa dar a linguagem química que faz a comunicação
com perfeição todo o processo de replicação do entre as unidades constituintes, para que estas pos-
código genético no organismo. As enzimas, além sam trabalhar em conjunto, na direção dos resulta-
de realizarem transformações químicas com alto dos desejados. Através da química supramolecular,
desempenho em condições ambientes, muitas ve- já é possível pensar em mecanismos de auto-orga-
zes são capazes de regular a própria atividade, nização e automontagem e, quem sabe, algum dia,
intensificando ou diminuindo o ritmo de atuação até em auto-regulação, reparo e replicação.
segundo as necessidades. No outro extremo, está o
cérebro, com sua capacidade de realizar 100 mil
trilhões (1017) de processamentos paralelos por
segundo, superando, em mil vezes, o desempenho Incrível nanomáquina
do Blue Gene/L, recentemente anunciado pela IBM
como o melhor supercomputador existente. Assim, Nos sistemas biológicos, a organização também leva
se a nanotecnologia com moléculas é real, cabe a à compartimentalização e à concatenação dos pro-
pergunta: como a natureza teria conseguido supe- cessos, permitindo que as transformações ocorram
rar os problemas de montagem molecular para de forma seqüencial, sem interferências e com
gerar suas nanomáquinas e seus nanossistemas? alta eficiência. Um bom exemplo disso é a fotossín-
A resposta está na estratégia supramolecular. A tese. Esse processo, que sustenta a vida em nosso
química envolvida – na concepção do francês Jean- planeta, tem lugar nos cloroplastos (organelas re-
Marie Lehn, prêmio Nobel de Química de 1987 – pletas de membranas sanfonadas). Essa incrível
extrapola os limites das moléculas ao fazer uso das nanomáquina é responsável pela produção do ATP
interações com outras moléculas vizinhas, de for- (adenosina-trifosfato), o principal combustível dos
ma a gerar mecanismos sinérgicos ou cooperati- organismos vivos.
vos, mais seletivos e eficientes. Assim, para avan- Acoplado aos sistemas fotossintéticos, também
çar nessa direção, será necessário desenvolver téc- atuam outras máquinas moleculares que produ-
nicas de montagem, capazes de lidar com as inte- zem oxigênio através da decomposição da água.
Você, leitor, já pensou o que aconteceria se deixás-
semos de lado essa notável organização molecular
e colocássemos, em um tubo de ensaio, todos os
ingredientes químicos envolvidos na fotossíntese?
Nem é preciso tentar: a luz não provocaria a fotos-
síntese, pois as transformações seriam caóticas e
improdutivas. Percebeu o significado da química
supramolecular?
Por isso, a química supramolecular é vista
atualmente como a estratégia mais viável na mon-
tagem de nanoestruturas e nanomáquinas em lar-
ga escala. Para fazer isso no laboratório, bastaria
acoplar, às moléculas de interesse, grupos de re-
CRÉDITO: ADAPTADO DO ARTIGO DE H. FENNIRI ET AL. / PNAS, VOL. 99, N. 6487 (2002)
Figura 5.
Visão
prospectiva
dos diversos
setores da
nanotecnologia
na próxima
década (CNT:
nanotubos
de carbono;
PLEDs: diodos
de polímeros
emissores
de luz; NEMs:
dispositivos
eletromecânicos
nanométricos)
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