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All content following this page was uploaded by Angelo Fernando Padilha on 16 January 2022.
Resumo
A difração de raios X, nos seus mais de cem anos de existência, deu e continua dando uma
enorme contribuição para o entendimento dos materiais, embora neste período mais de uma
centena de novas técnicas de caracterização tenham sido implementadas. Nesta monografia,
inicialmente são discutidas a obtenção e a "monocromatização" de um feixe de raios X. Em
seguida, são discutidas a direção e a intensidade do feixe difratado. Finalmente, são
abordados os principais métodos e algumas aplicações típicas da difração de raios X.
Finalmente, o método de Rietveld é apresentado sucintamente.
Abstract
X-ray diffraction, in its more than one hundred years of existence, has made and continues
to make an enormous contribution to the understanding of materials, although in this period
more than a hundred new characterization techniques have been implemented. In this
monograph, the acquisition and "monochromatization" of an X-ray beam are initially
discussed. Then, the direction and intensity of the diffracted beam are discussed. Finally,
the main methods and some typical applications of X-ray diffraction are discussed. Finally,
the Rietveld method is briefly presented.
(1)
Pesquisador Sênior do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN-CNEN/SP),
nblima@ipen.br
(2)
Professor Titular do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da EPUSP,
padilha@usp.br
1 Introdução
Em 1912, Max von Laue (1879-1960), utilizando a teoria eletromagnética da luz, previu
teoricamente e mostrou experimentalmente que os raios X podiam ser difratados pelos
cristais [5,6]. Na Figura 1 é apresentada uma figura de difração de um monocristal de ZnS
[7]. Logo em seguida, o físico inglês William H. Bragg (1862-1942) e seu filho, o
matemático nascido na Austrália William L. Bragg, determinaram experimentalmente o
reticulado cristalino do NaCl, KC1, KBr e KI por difração de raios X. É interessante
mencionar que até então a estrutura cristalina de muitos metais, já extensivamente
utilizados, como ferro e cobre, era desconhecida. A difração de raios X possibilitou o
estudo de detalhes do reticulado cristalino, o qual tem dimensões da ordem de Angstrom (a
radiografia detecta defeitos da ordem de até 0,1 mm), colocando à disposição de
pesquisadores e engenheiros de materiais uma técnica muito poderosa.
Figura 1: Figura de difração do cristal ZnS atribuída a Max von Laue [7].
Embora feixes de raios X sejam utilizados tanto para a obtenção de radiografias como em
experiências de difração, as características desejadas nos dois casos são bem diferentes.
Nos casos de radiografias, deseja-se analisar volumes maiores, frequentemente com
dimensões entre mm3 e cm3, o que é possível com comprimentos de onda mais curtos e
altas intensidades. Já nos casos de difração, o feixe difratado que é captado pelo detector é
Tabela 1: Comprimentos de onda das radiações mais utilizadas em difração (em Å) [9].
Como se pode notar na Tabela 1, os comprimentos de onda mais utilizados estão na faixa
de entre 0,5 e 3 Å.
Os raios X de frenagem são muito mais abundantes que os característicos e, portanto, têm
maior importância em aplicações médicas e odontológicas [10].
Quando se deseja um feixe de maior intensidade e penetração (mais fótons por unidade de
tempo) e melhor “monocromatização” pode-se utilizar fontes de radiação síncroton ou
sincrotrônica. A obtenção de radiação síncroton é bem mais recente que os raios X. Ela foi
obtida pela primeira vez em 1946 nos EUA, nos laboratórios da empresa General Electric,
no estado de Nova Iorque.
As fontes de radiação síncroton são disponíveis em poucos países, dentre eles o Brasil, no
Laboratório Nacional de Luz Síncroton (LNLS), em Campinas (SP). A primeira fonte
brasileira de radiação sincrotrônica entrou em operação em 1997 e a mais recente (Sirius)
em 2021. De maneira concisa, a radiação síncroton é emitida quando elétrons com a
velocidades próximas da velocidade da luz são desviados de suas trajetórias por campos
magnéticos. Na Figura 4 são apresentadas as principais partes do acelerador Sirius,
inaugurado recentemente.
Na etapa 1, os elétrons extraídos de um metal aquecido sob alto vácuo são acelerados com
velocidades próximas à da luz e em seguida conduzidos ao acelerador injetor (etapa 2), são
então transportados para o anel de armazenamento (etapa 3), defletidos e focalizados (etapa
4), dando origem às linhas de luz síncroton (etapa 5).
Se um feixe de raios X com uma dada freqüência incidir sobre um átomo isolado, elétrons
deste átomo serão excitados e vibrarão com a freqüência do feixe incidente. Estes elétrons
vibrando emitirão raios X em todas as direções com a mesma freqüência do feixe incidente.
Em outras palavras, o átomo isolado espalha o feixe incidente de raios X em todas as
direções. Por outro lado, quando os átomos estão regularmente espaçados em um reticulado
cristalino e a radiação incidente tem comprimento de onda da ordem do espaçamento entre
planos cristalinos, ocorrerá interferência construtiva em certas direções e interferência
destrutiva em outras.
A Figura 5 mostra um feixe monocromático de raios X, com comprimento de onda ,
incidindo com um ângulo em um conjunto de planos cristalinos com espaçamento d.
Só ocorrerá reflexão, isto é, interferência construtiva, se a distância adicional percorrida por
cada feixe for um múltiplo inteiro de . Por exemplo, o feixe difratado pelo segundo plano
de átomos percorre uma distância PO + OQ a mais do que o feixe difratado pelo primeiro
plano de átomos. A condição para que ocorra interferência construtiva é dada por:
PO + OQ = n = 2d sen (Equação 1)
onde n = 1,2,3,4......
Com auxílio apenas da lei de Bragg é possível determinar a distância entre os planos
cristalinos, mas não a posição destes planos no cristal e o ângulo formado entre eles [11].
Para poder fazer esta determinação, deve-se definir para cada plano (hkl) um vetor g(hkl)
com as seguintes propriedades, conforme proposto em 1921 por Ewald (Vide Figura 6):
O módulo do vetor g(hkl) corresponde ao recíproco da distância entre os planos cristalinos
dn, ou seja 1/dn;
O vetor g(hkl) é perpendicular ao plano (hkl).
Esta definição permite escrever (Vide equação 2) a lei de Bragg como uma soma vetorial:
s-s0=g Equação 2)
b1
a 2
a3 a a 1 e b a 2 a 1
, b2 3 (Equação 5)
3
V V V
s s0
g (Equação 6)
Paul Peter Ewald (1888-1985) foi um importante físico e cristalógrafo alemão, um dos
criadores da teoria de difração [8]. Ele foi eleito reitor da Universidade de Stuttgart em
1932, mas teve que renunciar ao cargo devido à ascensão do nazismo, emigrou mais tarde
para os EUA e em 1952 foi eleito presidente da American Crystallographic Association.
A3 0 e 4 1 2 1 cos 2 2 e 2 M
2
I I0 2 2 F p
32r 4 m sen cos 2
2
(Equação 7)
Onde:
I = intensidade do feixe difratado (J/ m2 s);
I0 = intensidade do feixe incidente (J/ m2 s);
A = área da secção do feixe incidente (m2);
= comprimento de onda (m);
r = raio do círculo do difratômetro;
2
0 = 4 × 10-7 (m Kg/C );
e = carga do elétron (C);
m = massa do elétron (Kg);
F = fator de estrutura;
p = fator de multiplicidade;
= ângulo de difração;
e-2M = fator de temperatura;
= coeficiente de absorção linear (1/m);
V = volume da célula unitária.
Dentre os fatores listados acima, o único que pode ser igual a zero é o fator estrutura.
A lei de Bragg é em certo sentido uma lei negativa, ou seja, se ela não for satisfeita, a
difração não ocorre. Entretanto, a lei de Bragg pode ser satisfeita para um determinado
plano de átomos e, a despeito disto, a interferência ser destrutiva (F = 0) e a difração não
ocorrer.
O fator estrutura de um plano (hkl) contendo 1, 2, 3,..N átomos, respectivamente nas
posições u1,v1,w1; u2,v2,w2;...; un,vn,wn; é dado pela equação 8:
N 2 i( hun kv n lw n )
Fhkl fn e
1 (Equação 8)
Onde f1, f2,...,fn são fatores de espalhamento atômico, que por sua vez dependem de e .
A partir da expressão acima, é possível deduzir as reflexões necessariamente ausentes e
presentes (vide Tabela 2), assim como calcular as intensidades relativas. f é usado para
descrever a eficiência de espalhamento de um átomo em uma dada direção. Ele é definido
como uma razão de amplitudes.
amplitude da onda espalhada por um átomo
f
amplitude da onda espalhada por um elétron
Os valores de f em função de sen/λ para elementos químicos e respectivos íons podem ser
encontrados em tabelas disponíveis nos livros sobre difração de raios X (Vide lista ao final
deste texto). É interessante notar que sen/λ=1/2d e que, portanto, mudar o comprimento de
onda do feixe incidente em um experimento de difração de raios X não altera o fator de
espalhamento para cada plano cristalino.
O fator polarização (P) leva em conta o espalhamento do feixe de raios X por um elétron.
Embora os raios X sejam espalhados por um elétron em todas as direções, a intensidade do
feixe espalhado depende do ângulo de espalhamento.
1
P (Equação 9)
cos
4 sen 2
-2M
O fator temperatura (e ) leva em conta o aumento de vibração térmica com o aumento de
temperatura. O aumento de vibração térmica, além de causar expansão das células unitárias,
alterando, portanto, os valores de d, causa diminuição das intensidades dos máximos de
difração e aumento na radiação de fundo. O fator temperatura depende do material, de e
de . O valor de M é função de várias constantes facilmente encontráveis e da temperatura
de Debye, que por sua vez, não é facilmente encontrável para ligas e outros materiais
polifásicos comerciais. A Figura 9 apresenta a variação do fator temperatura com (sen)/λ
para o ferro puro a 20 ºC.
O fator absorção leva em conta a absorção dos raios X que ocorre na amostra. Ele é
dependente da substancia considerada, sua densidade e o comprimento de onda dos raios X.
Para uma sustância pura:
k3 Z 3
(Equação 11)
onde k é uma constante; Z é o número atômico e λ é o comprimento de onda. Para uma
sustância que contem mais de um elemento, soluções, compostos químicos e misturas
mecânicas:
Método de
Laue para
monocristais,
feixe
policromático:
(a)Transmissão
(b) Reflexão
Método da
rotação de
monocristal,
com fonte
monocromática
de raios X.
Figura 12: Difratograma do aço inoxidável austenítico AISI 301 deformado a frio,
mostrando a presença de picos de austenita (; CFC) e de martensita induzida por
deformação (; CCC). Radiação Cuk. (Fonte: Paola Lazari de Aguiar, PMT-
EPUSP/Insper-São Paulo)
Figura 13: Ficha cristalográfica 4-0850 referente ao níquel puro (Fonte: ICDD).
Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola Politécnica da USP
Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN-CNEN/SP), 2022
Resolvendo o sistema de duas equações com duas incógnitas (f e f), determina-se as
frações volumétricas das duas fases.
7 O método de Rietveld
O termo refinar o padrão de difração significa alterar o modelo teórico realizando pequenas
mudanças nos parâmetros estruturais e não estruturais, de acordo com estratégia definida
pelo usuário do método, que define quais parâmetros devem ser refinados. Para cada
variação dos parâmetros, o programa computacional calcula ponto a ponto o padrão de
difração teórico. O padrão calculado é comparado ao padrão observado experimentalmente
e as diferenças nas intensidades são minimizadas pelo método de mínimos quadrados,
conforme equação 14:
onde:
S é o fator de escala de Rietveld;
Lhkl é um fator que contém os fatores de Lorentz-polarização e multiplicidade;
é a intensidade analítica da função de perfil escolhida;
Phkl é a função de orientação preferencial;
A é o fator de absorção instrumental;
yb é a intensidade da radiação de fundo no i-ésimo passo.
Fhkl = Njfj exp [ 2i ( hxj + kyi + lzj)] exp [ -Bj (sen2 / 2) (Equação 16)
7.1 Resíduos
1 /2
i w i( 2 i ) ( y io - y ic )2
R W P =
i w ( 2 i) y io 2
(Equação 17)
O resíduo Rexp reflete o menor valor esperado de resíduo no refinamento (vide equação 18),
baseado no número de observações N, parâmetros estimados P, radiação de fundo W e
intensidade observada y.
1 /2
( N - P )
R EXP =
i w ( 2 i) y io
2
(Equacão 18)
Para se avaliar a qualidade do ajuste utiliza-se o fator Rwp/Rexp, conhecido com GOF
(goodness of fit) ou chi2.
Um ciclo de refinamento libera o software para promover pequenas variações nos
parâmetros definidos pelo usuário como refináveis, calcular o padrão de difração nessa
configuração, compará-lo com o padrão medido e gerar os resíduos. O número de ciclos é
definido pelo usuário. Existe uma lógica interna de programação para a variação dos
parâmetros para cada ciclo que procura reduzir o valor de chi 2.
Existem vários softwares disponíveis no mercado e uma rápida pesquisa no google fornece
uma gama interessante de alternativas. A Figura 14 mostra o resultado gráfico de um
refinamento por Rietveld de uma amostra de fluorapatita, obtida do manual do software
GSAS [17]. Em laranja está representado os dados experimentais, em verde o padrão
calculado e em lilás a diferença da intensidade calculada da medida.
Agradecimentos
Referências bibliográficas
[7] J. M. THOMAS: The birth of X-ray crystallography. Nature, Vol. 491, pp. 186–187,
2012.
[8] Y. P. MASCARENHAS: O problema da fase em cristalografia. JETI-Journal of
Experimental and Technique Instrumentation, Vol. 4, nº 3, pp. 1-19, 2021.
[9] B. D. CULLITY: Elements of X-ray diffraction. Second Edition, Prentice Hall, New
Jersey, 1978.
[10] J. C. A. C. R. SOARES: Princípios de física em radiodiagnóstico. 2ª Edição revisada,
São Paulo, Colégio Brasileiro de Radiologia, 2008. (Apostila)
[11] B. KÄMPFE und H-J. HUNGER: 4. Röntgenfeinstrukturanalyse. In: Ausgewählte
Untersuchungsverfahren in der Metallkunde. Federführung: H-J. HUNGER, pp. 80-121,
VEB Deutscher Verlag, Leipzig, 1983.
[12] A. F. PADILHA e F. AMBRÓZIO FILHO: Técnicas de análise microestrutural.
Hemus Editora Limitada, São Paulo (SP), 1985.
[13] E. G. HOFMANN und H. JAGODZINSKI: Eine neue, hochafösende
Röntgenfeinstruktur-Anlage mit verbesserten, fokussierenden Monochromator und
Feinfokusröhre. Zeitschrift für Metalkunde, Vol, 46, nº 9, pp. 601-610, 1955.
[14] E. C. SUBBARAO e co-autores: Experiências de ciências dos materiais. Tradução de
José Roberto Gonçalves da Silva (UFSCar) e revisão de Luiz Paulo de Camargo Ferrão
(EPUSP), Editora Edgard Blücher Ltda/Editora da USP, São Paulo, pp. 5-17, 1973.
[15] H. M. RIETVELD: The Rietveld method. Physica Scripta (IOP Publishing/Royal
Swedish Academy of Sciences), Vol. 89, 098002 (6pp), 2014.
[16] C. H. J. FRANCO, W. B. do CARMO: Introdução à quantificação de fases cristalinas:
Um exemplo prático e ilustrativo sobre os fundamentos. JETI-Journal of Experimental and
Technique Instrumentation, Vol. 4, nº 3, pp. 20-34, 2021.
[17] A. C. LARSON and R. B. VON DREELE: General Structure Analysis System
(GSAS), LANSCE, MS-H805, Los Alamos National Laboratory, New Mexico, USA. 1994.
Mais de uma centena de bons livros já foram publicados sobre o tema desta monografia, em
dezenas de línguas, infelizmente, pouquíssimos em língua portuguesa. O presente texto não
tem como objetivo preencher esta lacuna e sim servir como alternativa de leitura
introdutória para o estudante que está se iniciando nesta poderosa e indispensável técnica
experimental, que é a difração de raios X.
Livros em português:
Livro introdutório, bem editado, bastante sucinto, mas bem escrito por um experiente
professor do Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar. Leitura muito útil para
quem está se iniciando na área.