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Difração de raios X: uma introdução para iniciantes X-Ray diffraction: an


introduction for beginners

Method · January 2022

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2 authors, including:

Angelo Fernando Padilha


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Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN-CNEN/SP), 2022

Difração de raios X: uma introdução para iniciantes


Nelson Batista de Lima (1)

Angelo Fernando Padilha (2)

Resumo

A difração de raios X, nos seus mais de cem anos de existência, deu e continua dando uma
enorme contribuição para o entendimento dos materiais, embora neste período mais de uma
centena de novas técnicas de caracterização tenham sido implementadas. Nesta monografia,
inicialmente são discutidas a obtenção e a "monocromatização" de um feixe de raios X. Em
seguida, são discutidas a direção e a intensidade do feixe difratado. Finalmente, são
abordados os principais métodos e algumas aplicações típicas da difração de raios X.
Finalmente, o método de Rietveld é apresentado sucintamente.

X-Ray diffraction: an introduction for beginners

Abstract

X-ray diffraction, in its more than one hundred years of existence, has made and continues
to make an enormous contribution to the understanding of materials, although in this period
more than a hundred new characterization techniques have been implemented. In this
monograph, the acquisition and "monochromatization" of an X-ray beam are initially
discussed. Then, the direction and intensity of the diffracted beam are discussed. Finally,
the main methods and some typical applications of X-ray diffraction are discussed. Finally,
the Rietveld method is briefly presented.

(1)
Pesquisador Sênior do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN-CNEN/SP),
nblima@ipen.br

(2)
Professor Titular do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da EPUSP,
padilha@usp.br

Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola Politécnica da USP


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1 Introdução

O conteúdo desta monografia é frequentemente tratado em disciplinas e cursos


denominados cristalografia e difração. Enquanto a difração desenvolveu-se no primeiro
quarto do século XX no campo da física experimental, a cristalografia nasceu cerca de
trezentos anos antes, predominantemente no âmbito da matemática e tendo como principais
interessados os mineralogistas. Embora as contribuições iniciais do alemão Johannes
Kepler (1571-1630), que publicou em 1611 um trabalho sobre a simetria hexagonal dos
flocos de neve, e do inglês Robert Hooke (1635-1703), que em 1665 publicou trabalho
sobre a morfologia dos cristais, sejam frequentemente mencionadas, um marco importante
da cristalografia deve ser atribuído à obra Essai d'une théorie sur la structure des crystaux,
do francês René J. Haüy (1743-1822), publicada em 1784. Dentre as várias contribuições
para o desenvolvimento da cristalografia ocorridas no século XIX, devem ser mencionadas
as do mineralogista galês William H. Miller (1801-1880), que apresentou a notação
atualmente utilizada para representar planos e direções cristalinas, publicada em seu livro A
treatise on crystallography, em 1839, e do físico francês Auguste Bravais (1811-1863), que
propôs em 1848 os hoje conhecidos 14 reticulados de Bravais. Já a realização experimental
da difração teve que esperar o descobrimento dos raios X em 1895 e os experimentos de
difração de raios X realizados em 1911 e publicados em 1912. Uma minuciosa e
interessante retrospectiva histórico-científica da cristalografia antes do descobrimento da
difração de raios X, de autoria da Professora Emérita do Instituto de Física de São Carlos –
IFSC/USP Yvonne Primerano Mascarenhas, foi publicada (publicação aberta) recentemente
e encontra-se à disposição do leitor [1].
Os raios X foram descobertos por Wilhelm Conrad Roentgen (1845-1923) em 1895, na
Universidade de Würzburg, na Alemanha [2]. Embora sua natureza não fosse ainda bem
conhecida (daí o nome de raios X), eles foram, devido à sua alta penetração, quase que
imediatamente utilizados para estudar a estrutura interna dos objetos opacos (radiografia).
Vários estudos da época permitiram concluir que os raios X:
 propagam-se em linhas retas;
 têm ação sobre as emulsões fotográficas;
 produzem fluorescência e fosforescência em certas substâncias;
 não são afetados por campos elétricos e magnéticos;
 possuem velocidade de propagação característica.
No Brasil, radiografias foram obtidas já em meados de março de 1896 na antiga Escola
Politécnica do Rio de Janeiro pelo Professor Henrique Charles Morize (1860-1930),
engenheiro industrial e catedrático de física experimental e meteorologia da Escola
Politécnica. Ele foi também o primeiro presidente da Academia Brasileira de Ciências [3].
Todavia, Morize não foi o único a fazer radiografias no Brasil no final do século XIX.
Pouco mais de dois anos após a descoberta dos raios-X por Roentgen, o médico José Carlos
Ferreira Pires já produzia, em Formiga (MG), as primeiras radiografias com finalidade
diagnóstica da América do Sul [4].

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Em 1912, Max von Laue (1879-1960), utilizando a teoria eletromagnética da luz, previu
teoricamente e mostrou experimentalmente que os raios X podiam ser difratados pelos
cristais [5,6]. Na Figura 1 é apresentada uma figura de difração de um monocristal de ZnS
[7]. Logo em seguida, o físico inglês William H. Bragg (1862-1942) e seu filho, o
matemático nascido na Austrália William L. Bragg, determinaram experimentalmente o
reticulado cristalino do NaCl, KC1, KBr e KI por difração de raios X. É interessante
mencionar que até então a estrutura cristalina de muitos metais, já extensivamente
utilizados, como ferro e cobre, era desconhecida. A difração de raios X possibilitou o
estudo de detalhes do reticulado cristalino, o qual tem dimensões da ordem de Angstrom (a
radiografia detecta defeitos da ordem de até 0,1 mm), colocando à disposição de
pesquisadores e engenheiros de materiais uma técnica muito poderosa.

Figura 1: Figura de difração do cristal ZnS atribuída a Max von Laue [7].

Os progressos no conhecimento sobre a natureza dos raios X e da difração de raios X,


ocorridos no final do século XIX e início do século XX, foram reconhecidos nos prêmios
Nobel concedidos a Röntgen (em 1901), von Laue (em 1914) e aos Bragg (em 1915),
enquanto os principais avanços na área de cristalografia são anteriores ao falecimento do
químico sueco Alfred B. Nobel (1833-1896). Os primórdios da difração de raios X estão
descritos detalhadamente em publicação (publicação aberta e em português) recente de
Yvonne Mascarenhas [8].

2 A obtenção de um feixe de raios X adequado para estudos de difração

Embora feixes de raios X sejam utilizados tanto para a obtenção de radiografias como em
experiências de difração, as características desejadas nos dois casos são bem diferentes.
Nos casos de radiografias, deseja-se analisar volumes maiores, frequentemente com
dimensões entre mm3 e cm3, o que é possível com comprimentos de onda mais curtos e
altas intensidades. Já nos casos de difração, o feixe difratado que é captado pelo detector é

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proveniente dos primeiros micrometros de profundidade. Neste item trataremos apenas da


obtenção de um feixe de raios X adequado para a difração de raios X.
Quando um feixe de elétrons é acelerado contra um alvo pode ocorrer a emissão de raios X
com vários comprimentos de onda. A Figura 2 apresenta o esquema de um tubo gerador de
raios X.

Figura 2: Esquema de um tubo gerador de raios X [9].

O espectro (curva de intensidade versus comprimento de onda) representa a superposição


de dois espectros: o espectro contínuo (radiação branca), gerado pela desaceleração dos
elétrons (em alemão Bremsstrahlung) e o espectro característico, gerado pelas transições
eletrônicas. Na Figura 3 é apresentado o espectro do molibdênio para uma voltagem de
aceleração de elétrons de 35 kV. Para a maioria das aplicações de difração deseja-se um
feixe monocromático e para obtê-lo, pode-se eliminar grande parte da radiação branca e o
pico K por meio de filtragem lâminas finas de metais. O metal do filtro deve apresentar
aresta ou borda de absorção em um comprimento de onda maior que K e menor que K.
Por exemplo, para a radiação de molibdênio o filtro adequado deve ser de zircônio. A
eliminação de K2, deixando passar K1, é feito com auxílio de um cristal monocromador,
em circunstâncias muito especiais e fazendo uso da lei de Bragg, que será apresentada no
próximo item. Equipamentos comerciais que utilizam monocromadores na saída do feixe
difratado, não separam K1 e K2. As radiações mais utilizadas em difração são
apresentadas na Tabela 1.

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Tabela 1: Comprimentos de onda das radiações mais utilizadas em difração (em Å) [9].

Como se pode notar na Tabela 1, os comprimentos de onda mais utilizados estão na faixa
de entre 0,5 e 3 Å.
Os raios X de frenagem são muito mais abundantes que os característicos e, portanto, têm
maior importância em aplicações médicas e odontológicas [10].

Figura 3: Espectro de raios X do molibdênio (35 kV) mostrando a radiação branca


(contínua) de frenagem e as radiações características: K e o dubleto K1 e K2 [9].

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Quando se deseja um feixe de maior intensidade e penetração (mais fótons por unidade de
tempo) e melhor “monocromatização” pode-se utilizar fontes de radiação síncroton ou
sincrotrônica. A obtenção de radiação síncroton é bem mais recente que os raios X. Ela foi
obtida pela primeira vez em 1946 nos EUA, nos laboratórios da empresa General Electric,
no estado de Nova Iorque.
As fontes de radiação síncroton são disponíveis em poucos países, dentre eles o Brasil, no
Laboratório Nacional de Luz Síncroton (LNLS), em Campinas (SP). A primeira fonte
brasileira de radiação sincrotrônica entrou em operação em 1997 e a mais recente (Sirius)
em 2021. De maneira concisa, a radiação síncroton é emitida quando elétrons com a
velocidades próximas da velocidade da luz são desviados de suas trajetórias por campos
magnéticos. Na Figura 4 são apresentadas as principais partes do acelerador Sirius,
inaugurado recentemente.

Figura 4: As principais partes ou etapas do acelerador de partículas Sirius inaugurado em


2021 no LNLS, em Campinas (SP). Vide breve descrição no texto. (Fonte: CNPEM)

Na etapa 1, os elétrons extraídos de um metal aquecido sob alto vácuo são acelerados com
velocidades próximas à da luz e em seguida conduzidos ao acelerador injetor (etapa 2), são
então transportados para o anel de armazenamento (etapa 3), defletidos e focalizados (etapa
4), dando origem às linhas de luz síncroton (etapa 5).

3 Direção do feixe difratado: lei de Bragg e esfera de Ewald

Se um feixe de raios X com uma dada freqüência incidir sobre um átomo isolado, elétrons
deste átomo serão excitados e vibrarão com a freqüência do feixe incidente. Estes elétrons

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vibrando emitirão raios X em todas as direções com a mesma freqüência do feixe incidente.
Em outras palavras, o átomo isolado espalha o feixe incidente de raios X em todas as
direções. Por outro lado, quando os átomos estão regularmente espaçados em um reticulado
cristalino e a radiação incidente tem comprimento de onda da ordem do espaçamento entre
planos cristalinos, ocorrerá interferência construtiva em certas direções e interferência
destrutiva em outras.
A Figura 5 mostra um feixe monocromático de raios X, com comprimento de onda ,
incidindo com um ângulo  em um conjunto de planos cristalinos com espaçamento d.
Só ocorrerá reflexão, isto é, interferência construtiva, se a distância adicional percorrida por
cada feixe for um múltiplo inteiro de . Por exemplo, o feixe difratado pelo segundo plano
de átomos percorre uma distância PO + OQ a mais do que o feixe difratado pelo primeiro
plano de átomos. A condição para que ocorra interferência construtiva é dada por:

PO + OQ = n = 2d sen  (Equação 1)
onde n = 1,2,3,4......

Figura 5: Difração de raios X por um cristal e a lei de Bragg.

Com auxílio apenas da lei de Bragg é possível determinar a distância entre os planos
cristalinos, mas não a posição destes planos no cristal e o ângulo formado entre eles [11].
Para poder fazer esta determinação, deve-se definir para cada plano (hkl) um vetor g(hkl)
com as seguintes propriedades, conforme proposto em 1921 por Ewald (Vide Figura 6):
 O módulo do vetor g(hkl) corresponde ao recíproco da distância entre os planos cristalinos
dn, ou seja 1/dn;
 O vetor g(hkl) é perpendicular ao plano (hkl).

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Figura 6: Lei de Bragg descrita de forma vetorial [11].

Esta definição permite escrever (Vide equação 2) a lei de Bragg como uma soma vetorial:

s-s0=g     Equação 2)

onde s0 e s são os vetores dos feixes de raios X incidente e difratado, respectivamente. Se


ambos têm módulo unitário pode-se concluir que:
n
 g  2sen  (Equação 3)
d
n 1
g  (Equação 4)
d dn
Com auxílio das equações 3 e 4 é possível determinar não só a distância entre planos, mas
também a sua localização. A localização de diferentes planos cristalinos pode ser dada pelo
ângulo que os seus vetores g(hkl) formam com a superfície da amostra ou entre si. O
primeiro dado descreve qual é a orientação cristalina e o segundo é utilizado para
determinar a estrutura cristalina.
Se forem ordenados todos os vetores g(hkl) de um cristal e alocados todos com a mesma
origem, os pontos finais destes vetores formam uma rede tridimensional que é a rede
recíproca. Os pontos da rede recíproca correspondem aos planos com índice de Miller (hkl)
e àqueles nh, nk, nl onde n=1,2,3,... que também contribuem para a difração. Assim, planos
que sofrem interferência destrutiva pela lei de Bragg também não aparecem na rede
recíproca.
A rede recíproca pode ser descrita (vide equação 5) por um sistema de coordenadas b 1, b2 e
b3 que se correlaciona com as coordenadas a1, a2 e a3 do cristal original da seguinte forma:

b1 
a 2
 a3  a  a 1  e b  a 2  a 1 
, b2  3 (Equação 5)
3
V V V

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onde V é o volume da célula unitária.

Se um monocristal for irradiado por um feixe de raios X monocromático e paralelo, a


difração pode ser interpretada geometricamente pela equação 6.

s  s0
g (Equação 6)

Os vetores s e s0 tem uma origem comum e formam um ângulo de 2 entre si e os módulos


são iguais a 1/. Suponha que a rede recíproca tem sua origem no ponto em que o feixe
incide no cristal. Para descrever todas as difrações possíveis entre 0 e 90º é necessário
traçar um círculo de raio R= |s/| rodando o vetor do feixe incidente. Se o mesmo for feito
em todo o espaço, se obtém uma esfera, que é a esfera de Ewald (vide Figura 7). Para que a
difração causada por um plano (hkl) ocorra, ela deve estar no espaço descrito pela esfera de
Ewald. Este conceito é muito útil na interpretação dos pontos de difração obtidos pelo
método de Laue. O uso da esfera de Ewald é indispensável para o entendimento e
interpretação da figura de difração de elétrons obtida no microscópio eletrônico de
transmissão (Consulte a monografia sobre MET, no ResearchGate).

Figura 7: Construção de Ewald ou esfera de Ewald [11].

Paul Peter Ewald (1888-1985) foi um importante físico e cristalógrafo alemão, um dos
criadores da teoria de difração [8]. Ele foi eleito reitor da Universidade de Stuttgart em
1932, mas teve que renunciar ao cargo devido à ascensão do nazismo, emigrou mais tarde
para os EUA e em 1952 foi eleito presidente da American Crystallographic Association.

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4 A intensidade do feixe difratado de raios X

A intensidade do feixe difratado depende de vários fatores, conforme mostra a equação 7


apresentada em seguida, para o caso de um difratômetro.

A3   0  e 4  1   2  1  cos 2 2   e 2 M
2

I  I0   2  2   F p  
 


32r  4  m      sen  cos    2 
2

(Equação 7)
Onde:
I = intensidade do feixe difratado (J/ m2 s);
I0 = intensidade do feixe incidente (J/ m2 s);
A = área da secção do feixe incidente (m2);
 = comprimento de onda (m);
r = raio do círculo do difratômetro;
2
0 = 4 × 10-7 (m Kg/C );
e = carga do elétron (C);
m = massa do elétron (Kg);
F = fator de estrutura;
p = fator de multiplicidade;
 = ângulo de difração;
e-2M = fator de temperatura;
 = coeficiente de absorção linear (1/m);
V = volume da célula unitária.

Dentre os fatores listados acima, o único que pode ser igual a zero é o fator estrutura.
A lei de Bragg é em certo sentido uma lei negativa, ou seja, se ela não for satisfeita, a
difração não ocorre. Entretanto, a lei de Bragg pode ser satisfeita para um determinado
plano de átomos e, a despeito disto, a interferência ser destrutiva (F = 0) e a difração não
ocorrer.
O fator estrutura de um plano (hkl) contendo 1, 2, 3,..N átomos, respectivamente nas
posições u1,v1,w1; u2,v2,w2;...; un,vn,wn; é dado pela equação 8:

N 2 i( hun  kv n  lw n )

Fhkl   fn e
1 (Equação 8)

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Onde f1, f2,...,fn são fatores de espalhamento atômico, que por sua vez dependem de  e .
A partir da expressão acima, é possível deduzir as reflexões necessariamente ausentes e
presentes (vide Tabela 2), assim como calcular as intensidades relativas. f é usado para
descrever a eficiência de espalhamento de um átomo em uma dada direção. Ele é definido
como uma razão de amplitudes.
amplitude da onda espalhada por um átomo
f
amplitude da onda espalhada por um elétron

Onde f é função de ,  e da natureza do átomo.

Os valores de f em função de sen/λ para elementos químicos e respectivos íons podem ser
encontrados em tabelas disponíveis nos livros sobre difração de raios X (Vide lista ao final
deste texto). É interessante notar que sen/λ=1/2d e que, portanto, mudar o comprimento de
onda do feixe incidente em um experimento de difração de raios X não altera o fator de
espalhamento para cada plano cristalino.

Tabela 2: Reflexões possivelmente presentes e as necessariamente ausentes nos diversos


reticulados cúbicos [9,12].

Reticulado de Bravais Reflexões possivelmente Reflexões necessariamente


ausentes (proibidas)
Presentes

Simples Todas Nenhuma

base centrada h, k todos os pares ou todos h, k mistos


ímpares (não-mistos)

corpo centrado (h + k + 1) par (h + k + 1) ímpar

face centrada h, k, 1 todos pares ou todos h, k, 1 mistos


ímpares (não-mistos)

O fator multiplicidade de planos (p) leva em conta a proporção relativa de planos


contribuindo para a difração. Ele pode ser definido como o número de planos tendo o
mesmo espaçamento d. Planos paralelos com diferentes índices de Miller, tais como (001) e
(100) são contados separadamente. A Tabela 3 apresenta o fator multiplicidade de planos
para as diversas estruturas cristalinas.

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Tabela 3: Fator multiplicidade de planos para as diversas estruturas cristalinas.

O fator polarização (P) leva em conta o espalhamento do feixe de raios X por um elétron.
Embora os raios X sejam espalhados por um elétron em todas as direções, a intensidade do
feixe espalhado depende do ângulo de espalhamento.
1
P (Equação 9)
 cos 
4 sen 2

O fator de Lorentz (L) é, na realidade, a combinação de três fatores relacionados com a


geometria da difração.
1
L 1  cos 2 2 (Equação 10)
2
O efeito global destes dois fatores (LP) é decrescer a intensidade dos máximos de difração
(picos) que ocorrem em ângulos intermediários, conforme ilustra a Figura 8.

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Figura 8: Variação do fator Lorenz-polarização com o ângulo de Bragg [9].

-2M
O fator temperatura (e ) leva em conta o aumento de vibração térmica com o aumento de
temperatura. O aumento de vibração térmica, além de causar expansão das células unitárias,
alterando, portanto, os valores de d, causa diminuição das intensidades dos máximos de
difração e aumento na radiação de fundo. O fator temperatura depende do material, de  e
de . O valor de M é função de várias constantes facilmente encontráveis e da temperatura
de Debye, que por sua vez, não é facilmente encontrável para ligas e outros materiais
polifásicos comerciais. A Figura 9 apresenta a variação do fator temperatura com (sen)/λ
para o ferro puro a 20 ºC.

Figura 9: Fator de temperatura do ferro puro a 20 °C [9].

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O fator absorção leva em conta a absorção dos raios X que ocorre na amostra. Ele é
dependente da substancia considerada, sua densidade e o comprimento de onda dos raios X.
Para uma sustância pura:

 k3 Z 3
 (Equação 11)
onde k é uma constante; Z é o número atômico e λ é o comprimento de onda. Para uma
sustância que contem mais de um elemento, soluções, compostos químicos e misturas
mecânicas:

   


 w1    w 2    w 3    ... (Equação 12)
   1   2   3
onde Wi é fração em massa do elemento.
O valor de A (vide equação 7) depende da geometria da difração em cada método. Por
exemplo, para a câmara de Debye-Scherrer, A é função de  e no caso do difratômetro é
independente de . Esta independência de  é resultado do balanço exato de dois efeitos
opostos: i) quando  é pequeno, a área da amostra iluminada por um feixe de secção fixa é
grande; ii) quando  é pequeno, a penetração é pequena.

5 Principais métodos de difração de raios X

A Tabela 4 sumariza as principais características dos métodos experimentais de difração de


raios X mais utilizados na análise de monocristais. No primeiro caso (método de Laue), a
radiação incidente é branca do espectro contínuo, contendo, portanto, os diversos
comprimentos de onda e sendo fixo o ângulo de incidência. Duas montagens podem ser
utilizadas no método de Laue para análise de monocristais: transmissão e reflexão.

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Tabela 4: Características dos principais métodos experimentais de difração de raios X


utilizados nos nas análises de monocristais [9].

Método de Arranjo experimental Figura de difração


difração

Método de
Laue para
monocristais,
feixe
policromático:
(a)Transmissão
(b) Reflexão

Método da
rotação de
monocristal,
com fonte
monocromática
de raios X.

Os pontos (ou manchas de difração estão arranjados em elipses no método de transmissão e


em hipérboles no método de reflexão. Todos os pontos de uma elipse ou de uma hipérbole
são causados por planos que são paralelos a uma mesma direção cristalina.
Consequentemente, os padrões de Laue indicam a simetria do cristal. Caso o cristal esteja

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deformado ou contenha defeitos de crescimento, os pontos se tornam traços, e este aspecto


pode servir para determinar o grau de perfeição do cristal.
O método de rotação de cristal utiliza um monocristal que é rodado ou oscilado e um feixe
monocromático de raios X. A rotação do cristal permite que a lei de Bragg seja satisfeita e
possibilita que diferentes planos (hkl) sejam postos em condição de difratar. Os pontos de
difração aparecem arranjados em uma grade. Todos os planos paralelos ao eixo de rotação
refletem na linha zero de tal forma que um padrão obtido com o eixo c do cristal paralelo ao
eixo de rotação tem a linha zero formada pelos planos (hk0), na linha 1 abaixo e acima da
linha 0 os planos (hk1) e assim por diante. Nesta configuração o valor de c pode ser obtido
a partir da distância entre as linhas.
Nos métodos utilizados para a análise de policristais, também conhecido como método do
pó, a radiação incidente é monocromática (vide Tabela 1) e o ângulo  variável. O
equipamento mais utilizado para analisar policristais (método do pó) é o difratômetro. A
câmara de Debye-Scherrer foi a precursora desse método e a compreensão de seu
funcionamento é importante muito para entender o funcionamento da técnica do método do
pó.
A câmara de Debye-Scherrer (vide Figura 10) é uma das técnicas de difração de raios X
mais tradicionais, embora pouco empregada hoje na análise de policristais. A amostra é
utilizada normalmente na forma de pó. Neste caso cerca de 1 mg de pó já é suficiente.
Arames muito finos, com tamanho de grão pequeno, também podem ser utilizados. Um
feixe monocromático de raios X incide na amostra, que contém milhares ou até milhões de
grãos orientados ao acaso e que deve ser rotacionada para que um número maior de planos
cristalinos contribua para a difração. Cada conjunto de planos dá origem a um cone de
difração. Esses cones interceptam e impressionam um filme fotográfico, posicionado ao
redor da superfície interna, que tem o formato de uma lata de goiabada [12]. Diversas
montagens do filme e as respectivas medições do ângulo 2 são possíveis. Uma das mais
utilizadas é ilustrada na Figura 10c. Nesse arranjo tem-se:

(2  ) = (S/2  W) (Equação 13)

Depois de realizadas as determinações dos diferentes ângulos de difração (2), determina-


se com auxílio da lei de Bragg (Equação 1) os respectivos valores de espaçamento (d) entre
planos cristalinos. A partir desses dados é possível indexar os planos, ou seja, associar cada
máximo de difração ao respectivo plano ou família de planos (hkl) que causou o máximo
ou pico de difração. Para simetria cúbica (vide Tabela 2) e muito simples indexar os planos.
Para outras simetrias a indexação se torna muito complexa e geralmente utilizamos o banco
de dados PDF (Powder Diffraction File) que simplifica muito o trabalho.
Além da câmara de Debye-Scherrer, existem outras câmaras de maior precisão, porém mais
raras, como é o caso da câmara de Guinier-Jagodzinski [13]. Nesta câmara é possivel
separar K1 de K2.
A Figura 11 mostra de maneira esquemática o funcionamento de um difratômetro. O feixe
de raios X é gerado pela fonte S, passa por um colimador e incide na amostra S, a qual está

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sobre o suporte. A amostra sofre movimento de rotação em torno do eixo O, perpendicular


ao plano da figura. O feixe difratado passa pelos colimadores e incide no detector C, o qual
está sobre um suporte. Os suportes da amostra e do detector são acoplados mecanicamente
de modo que o movimento de 2 x graus do detector é acompanhado pela rotação de x graus
da amostra. Este acoplamento assegura que o ângulo de incidência e o de reflexão serão
iguais à metade do ângulo de difração. O detector pode varrer toda a faixa de ângulos com
velocidade constante ou ser posicionado passo a passo em uma posição desejada. A
intensidade do feixe difratado é medida pelo detector, o qual pode ser um contador
proporcional, Geiger, de cintilação ou ainda um semicondutor. A amostra deve ter uma
superfície plana. Nessa configuração, no caso de pós deve-se utilizar um aglomerante
amorfo. A área da amostra iluminada pelo feixe depende das fendas retangulares de
divergência, recepção e espalhamento e tem em geral aproximadamente de 10 a 20 mm2. A
espessura da amostra, determinada pela penetração do feixe, é muito pequena. Por exemplo,
se examinarmos, em um difratômetro, uma amostra de aço (vide Figura 12) com radiação
CuK, 95% da intensidade do pico do ângulo mais baixo da ferrita (110), provém dos
primeiros 2 m de profundidade. É importante ressaltar que atualmente as empresas que
fabricam difratômetros estão optando pela configuração teta-teta, isto é, a amostra fica
imóvel e tanto o tubo de raios X quanto o detetor se movimentam sincronizadamente no
mesmo ângulo. Nessa situação não é necessário o uso de aglomerante na amostra.

Figura 10: Método do pó de Debye-Scherrer: (a) Montagem mostrando as posições do


feixe de raios X, do filme e da amostra; (b) Filme após exposição e revelação; (c) Modo de
posicionar o filme [14].

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Tabela 4: Relações entre os espaçamentos (d) entre planos (hkl) e os respectivos


parâmetros (a, b, c, ,  e ) dos sete reticulados cristalinos.

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Figura 11: Desenho esquemático de um difratômetro de raios X. (Vide descrição no texto)

Figura 12: Difratograma do aço inoxidável austenítico AISI 301 deformado a frio,
mostrando a presença de picos de austenita (; CFC) e de martensita induzida por
deformação (; CCC). Radiação Cuk. (Fonte: Paola Lazari de Aguiar, PMT-
EPUSP/Insper-São Paulo)

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6 Identificação e quantificação de fases por difração de raios X

A difração de raios X permitiu a identificação inequívoca de centenas de milhares de fases


cristalinas, além de possibilitar também o estudo de fases amorfas e líquidas. A sua
principal característica positiva é a excelente precisão; com ela é possível detectar variações
da ordem de milésimo de Angstrom nos parâmetros de rede. A sua principal característica
negativa é o pobre limite de detecção; fases presentes em uma mistura em uma
concentração de 1% em volume já são dificilmente detectadas. O limite de detecção varia
muito em função da diferença de numero atômico e da estrutura cristalina das fases
envolvidas. Portanto, a determinação de frações volumétricas muito baixas com esta técnica
não é possível. Por outro lado, a identificação de fases difíceis de serem identificadas e
quantificadas, seja pelo tamanho pequeno (por exemplo, precipitados muito finos) seja pela
morfologia complexa (por exemplo, austenita retida em aços temperados de alto teor de
carbono), é possível por difração de raios X.
Algumas aplicações clássicas da difração de raios X são: identificação de fases pelas suas
características cristalográficas, determinação da quantidade das fases, determinação da
tensão residual, determinação da granulometria (tamanho) das fases, estudos de ordenação,
estudos de decomposição espinodal e determinação da textura cristalográfica.
A identificação de uma fase é em geral feita inicialmente por comparação com fichas que
contém a posição (espaçamento interplanar) e a intensidade relativas dos picos de difração,
além de muitas outras informações sobre a fase (Vide Figura 13). O ICDD (International
Centre for Diffraction Data) criado em 1941 mantém um arquivo com mais de um milhão
fichas.

Figura 13: Ficha cristalográfica 4-0850 referente ao níquel puro (Fonte: ICDD).
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Depois da identificação inicial por comparação, pode-se determinar os parâmetros do


reticulado e refinar a identificação, eliminando-se dúvidas remanescentes. Caso a fase ainda
não tenha tido sua estrutura determinada e não exista uma ficha para ela, então esta tarefa
pode ser resolvida por um bom laboratório de cristalografia e difração. O procedimento é
aproximadamente o seguinte: é suposto que a fase tenha uma determinada estrutura
cristalina, com os átomos em determinadas posições, calcula-se a posição e a intensidade
dos picos possíveis (e dos proibidos) e estas informações de posição e intensidade de cada
pico são comparadas com valores determinados experimentalmente por difração. Este
procedimento é repetido até que haja concordância dos valores calculados com os valores
medidos. Outra situação complicada muito freqüente é quando a amostra analisada contém
duas ou mais fases. Neste caso, são necessários bom senso e meticulosidade para conseguir
associar cada pico de difração ao seu plano cristalino correto da respectiva fase
(indexação).
A determinação da quantidade das fases (frações volumétricas) em uma mistura pode ser
feita com auxílio da equação de intensidades (vide Equação 7). Depois da identificação
(indexação) de todos os picos do difratograma, escolhe-se um pico de cada fase, determina-
se a área abaixo de cada pico escolhido e calcula-se as intensidades relativas. Usa-se o fato
de que a intensidade de cada pico é diretamente proporcional à sua fração volumétrica na
mistura e monta-se um sistema de equações, cujo número de equações é igual ao número de
fases da mistura. A presença de textura cristalográfica altera as intensidades e uma maneira
de contornar esta dificuldade é escolher mais de um pico de cada fase e montar então vários
sistemas de equações. À medida que se amplia o número de picos considerados, torna-se
menor o efeito da textura. Para ilustrar a abordagem, tomemos como exemplo, o
difratograma da Figura 12. Inicialmente, vamos escolher um pico de cada fase, por
exemplo, (211) da fase alfa e (311) da fase gama, e reescrever para os dois picos a equação
7. A equação 7 pode ser decomposta no produto de dois fatores, o primeiro fator, que
chamaremos de C, constituído de constantes que independem da fase e do pico escolhidos e
o segundo dependente do pico escolhido, que denominaremos de R:
R = (1/V2) F2 p [(1+Cos22)(Sen2 Cos)] e-2M/2
Considerando ainda as frações volumétricas das duas fases (f e f), podemos escrever:
I(211) = C [R(211)  2] f
I(311) = C [R(311)  2] f
f + f = 1
Levando-se em conta que as duas fases têm a mesma composição química e, portanto, o
mesmo coeficiente de absorção (), o quociente entre as duas equações acima resulta em:
I(211)  I(311) = [R(211)  R(311)] [f  (1-f)]
Onde I(211) e I(311) são diretamente proporcionais às áreas abaixo dos respectivos picos.

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Resolvendo o sistema de duas equações com duas incógnitas (f e f), determina-se as
frações volumétricas das duas fases.

7 O método de Rietveld

O estudante holandês Hugo M. Rietveld (1932-2016) realizou sua tese de doutorado em


física (defendida em 1964) na University of Western Australia e entre 1961 e 1964 ele
trabalhou com técnicas de difração de Raios X e de nêutrons no High Flux Australian
Reactor (HIFAR) em Lucas Heights New South Wales (NSW). Naquela época, o
Departamento de Física de sua universidade instalou um moderno computador IBM 1620
(milhares de vezes mais lento que o PC do leitor!!!) e os usuários utilizavam a linguagem
de programação Fortran II e cartões perfurados. O método desenvolvido por Rietveld foi
divulgado em 1966 em um congresso em Moscou e não teve inicialmente muita
repercussão. Resumidamente, o procedimento proposto faz uso do método matemático de
mínimos quadrados para refinar os perfis teóricos dos picos de difração até que esses perfis
se tornem muito próximos dos perfis medidos. O método de Rietveld (MR) considera todos
os picos presentes no difratograma e também as contribuições de picos superpostos. A
versão final de seu programa computacional foi escrita na linguagem Algol e mais tarde,
em 1972, foi convertida para Fortran IV e generosamente distribuída gratuitamente para
vários centros de pesquisas ao redor do mundo [15].
O padrão de difração é calculado ponto a ponto, de acordo com o modelo estrutural e
comparado com padrão de difração medido. O padrão calculado é obtido pela introdução
direta dos dados cristalográficos, tais como:
a) simetria do grupo espacial;
b) posições atômicas;
c) vibração térmica;
d) posições de ocupação atômicas;
e) parâmetros de rede;
f) fator de ocupação atômica.

Os parâmetros, específicos de cada fase, que variam durante o refinamento são:


a) estruturais: posições atômicas, parâmetros da célula unitária, fatores de ocupação, fator
de escala, parâmetros de vibração térmica (isotrópicos e anisotrópicos), parâmetro térmico
isotrópico geral, orientação preferencial e parâmetros da largura à meia altura devido a
tamanho médio de cristalito e microtensões.
b) não estruturais: parâmetros da largura à meia altura instrumental, assimetria, 2 zero,
coeficientes da radiação de fundo, rugosidade e posicionamento da amostra.

Os requisitos básicos para o refinamento pelo método de Rietveld são:


a) medidas precisas de intensidades dadas em intervalos 2;

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b) um modelo inicial próximo à estrutura real do cristal. É fundamental pontuar que é


necessário, antes de iniciar o refinamento, a identificação precisa do modelo estrutural das
fases presentes no padrão de difração;
c) um modelo que descreva a forma, largura e erros sistemáticos nas posições dos picos de
Bragg.
O método de Rietveld fornece:
análise quantitativa de fases, sendo esta metodologia a mais precisa [16];
ajuste de parâmetros de célula;
determinação de tamanho de cristalitos;
determinação de microtensão;
formação de lacunas, posições atômicas e fator de ocupação;
determinação do parâmetro de rede.

O termo refinar o padrão de difração significa alterar o modelo teórico realizando pequenas
mudanças nos parâmetros estruturais e não estruturais, de acordo com estratégia definida
pelo usuário do método, que define quais parâmetros devem ser refinados. Para cada
variação dos parâmetros, o programa computacional calcula ponto a ponto o padrão de
difração teórico. O padrão calculado é comparado ao padrão observado experimentalmente
e as diferenças nas intensidades são minimizadas pelo método de mínimos quadrados,
conforme equação 14:

Qy =  wi ( yicalc - yiobs)2 (Equação 14)


i

yi = intensidade da i-ésima posição 2


wi = 1/yiobs
A intensidade calculada ponto a ponto yicalc é combinada com as possíveis reflexões hkl
com base no modelo estrutural, constantes físicas e variáveis instrumentais é descrita na
equação 15. Essa equação é a mesma apresentada na equação 7, mas foi introduzindo o
fator de textura cristalográfica Phkl e o fator de escala S:

yicalc = S  Lhkl Fhkl2  (2i -2hkl) Phkl A + y ib (Equação 15)


hkl

onde:
S é o fator de escala de Rietveld;
Lhkl é um fator que contém os fatores de Lorentz-polarização e multiplicidade;
 é a intensidade analítica da função de perfil escolhida;
Phkl é a função de orientação preferencial;
A é o fator de absorção instrumental;
yb é a intensidade da radiação de fundo no i-ésimo passo.

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O método parte de um modelo estrutural que descreve o espalhamento pelo fator de


estrutura combinado com o fator de temperatura conforme descrito na equação 16.

Fhkl =  Njfj exp [ 2i ( hxj + kyi + lzj)] exp [ -Bj (sen2 / 2) (Equação 16)

Nj é o fator de ocupação do j-ésimo átomo


fj é fator de espalhamento
h,k e l são os índices de Miller
xj,yj e zj são as coordenadas atômicas
Bj é o fator de temperatura isotrópico
 é o ângulo de difração
 é o comprimento de onda utilizado na difração de raios X.
A função de perfil  pode ser escolhida entre varia opções como: gaussiana, lorentziana,
lorentziana modificada 1 e 2 e pseudo-voigt.

A função do perfil de reflexão inclui os efeitos das características instrumentais e das


características da amostra que causam aberrações absorção (transparência), deslocamento
da amostra, alargamento dos perfis de reflexão devido a tamanho de cristalitos e
microdeformação, que gera microtensões.

7.1 Resíduos

As quantidades utilizadas para avaliar o progresso do refinamento e a concordância entre o


perfil observado e o calculado são os resíduos obtidos a partir das diferenças das
intensidades observadas e calculadas.
O resíduo RWP considera o erro associado a cada valor da intensidade uma função do
número de contagens, utilizando (vide equação 17) o fator de ponderação w (2):

1 /2
 i w i( 2  i ) ( y io - y ic )2
R W P =
 i w ( 2  i) y io 2

(Equação 17)

onde w(2i) = 1/ [variança de yio ] = 1/ yio

O resíduo Rexp reflete o menor valor esperado de resíduo no refinamento (vide equação 18),
baseado no número de observações N, parâmetros estimados P, radiação de fundo W e
intensidade observada y.

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1 /2
( N - P )
R EXP =
 i w ( 2  i) y io
2

(Equacão 18)

Para se avaliar a qualidade do ajuste utiliza-se o fator Rwp/Rexp, conhecido com GOF
(goodness of fit) ou chi2.
Um ciclo de refinamento libera o software para promover pequenas variações nos
parâmetros definidos pelo usuário como refináveis, calcular o padrão de difração nessa
configuração, compará-lo com o padrão medido e gerar os resíduos. O número de ciclos é
definido pelo usuário. Existe uma lógica interna de programação para a variação dos
parâmetros para cada ciclo que procura reduzir o valor de chi 2.
Existem vários softwares disponíveis no mercado e uma rápida pesquisa no google fornece
uma gama interessante de alternativas. A Figura 14 mostra o resultado gráfico de um
refinamento por Rietveld de uma amostra de fluorapatita, obtida do manual do software
GSAS [17]. Em laranja está representado os dados experimentais, em verde o padrão
calculado e em lilás a diferença da intensidade calculada da medida.

Figura 14: Difratograma experimental em laranja, padrão calculado em verde e diferença


da intensidade entre a calculada e a medida em lilás [17].
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Um conjunto de diretrizes gerais para o refinamento da estrutura usando o método Rietveld


foi formulado pela União Internacional de Cristalografia, Comissão de Difração de Pó. Os
aspectos práticos e não teóricos de cada passo em um refinamento típico de Rietveld são
discutidos para orientar os recém-chegados no campo. O foco está em dados de difração de
pó de raios X coletados em equipamentos de laboratório, mas apresenta recursos
específicos para dados de nêutrons (comprimento de onda constante e tempo de vôo) e
fontes de radiação síncrotron também são abordadas. Os tópicos abordados incluem (i)
coleta de dados, (ii) contribuição da radiação de fundo, (iii) função de forma de pico, (iv)
refinamento de parâmetros de perfil, (v) análise de Fourie com dados de difração de pó, (vi)
refinamento de parâmetros estruturais, (vii) uso de restrições geométricas (viii) cálculo de
estimativas de erros estatísticos, (ix) interpretação dos valores de R e (x) alguns problemas
comuns e possíveis soluções [18].

Agradecimentos

Agradecemos ao Laboratório de Difração de Raios X do Instituto de Pesquisas Energéticas


e Nucleares (IPEN-CNEN/SP) pelas inúmeras e preciosas oportunidades de aprendizado,
em especial ao cientista e poeta Stephenson Caticha Ellis (1930-2003), fundador (1968) do
Laboratório, com o qual, infelizmente, não tivemos a oportunidade de conviver, e ao seu
sucessor na chefia do Laboratório Kengo Imakuma, que muito nos ensinou. Agradecemos
também os colaboradores e monitores nas nossas disciplinas, especialmente os estudantes
de mestrado e de doutorado, pelo apoio e numerosas contribuições.

Referências bibliográficas

[1] Y. P. MASCARENHAS: Crystallography before the discovery of X-ray diffraction.


Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 42, e20190336 (2020)
[2] F. C. FRANCISCO: Radiologia: 110 anos de história. Revista Imagem, Vol. 27, nº 4,
pp. 281-286, 2005.
[3] I. de CASTRO MOREIRA: Henrique Morize, os raios-X e os raios catódicos. Física na
Escola, Vol. 4, n. 1, pp. 33-34, 2003.
[4] S. S. FENELON: José Carlos Ferreira Pires e a história da radiologia. Revista Médica
de Minas Gerais, Vol. 11, nº 3, pp. 160-162, 2001.
[5] W. FRIEDRICH, P. KNIPPING und M. LAUE: Interferenz-Erschneigungen bei
Röntgenstrahlen. Sitzungsberichte der matematisch-physikalischen Klasse der Königlich
Bayerischen Akademie der Wissenschaften zu München, pp. 303-322, 1912
[6] M. LAUE: Eine quantitative Prüfung der Theorie für die Interferenz-Erscheinungen bei
Röntgenstrahlen. Sitzungsberichte der matematisch-physikalischen Klasse der Königlich
Bayerischen Akademie der Wissenschaften zu München, pp. 363-373, 1912

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[7] J. M. THOMAS: The birth of X-ray crystallography. Nature, Vol. 491, pp. 186–187,
2012.
[8] Y. P. MASCARENHAS: O problema da fase em cristalografia. JETI-Journal of
Experimental and Technique Instrumentation, Vol. 4, nº 3, pp. 1-19, 2021.
[9] B. D. CULLITY: Elements of X-ray diffraction. Second Edition, Prentice Hall, New
Jersey, 1978.
[10] J. C. A. C. R. SOARES: Princípios de física em radiodiagnóstico. 2ª Edição revisada,
São Paulo, Colégio Brasileiro de Radiologia, 2008. (Apostila)
[11] B. KÄMPFE und H-J. HUNGER: 4. Röntgenfeinstrukturanalyse. In: Ausgewählte
Untersuchungsverfahren in der Metallkunde. Federführung: H-J. HUNGER, pp. 80-121,
VEB Deutscher Verlag, Leipzig, 1983.
[12] A. F. PADILHA e F. AMBRÓZIO FILHO: Técnicas de análise microestrutural.
Hemus Editora Limitada, São Paulo (SP), 1985.
[13] E. G. HOFMANN und H. JAGODZINSKI: Eine neue, hochafösende
Röntgenfeinstruktur-Anlage mit verbesserten, fokussierenden Monochromator und
Feinfokusröhre. Zeitschrift für Metalkunde, Vol, 46, nº 9, pp. 601-610, 1955.
[14] E. C. SUBBARAO e co-autores: Experiências de ciências dos materiais. Tradução de
José Roberto Gonçalves da Silva (UFSCar) e revisão de Luiz Paulo de Camargo Ferrão
(EPUSP), Editora Edgard Blücher Ltda/Editora da USP, São Paulo, pp. 5-17, 1973.
[15] H. M. RIETVELD: The Rietveld method. Physica Scripta (IOP Publishing/Royal
Swedish Academy of Sciences), Vol. 89, 098002 (6pp), 2014.
[16] C. H. J. FRANCO, W. B. do CARMO: Introdução à quantificação de fases cristalinas:
Um exemplo prático e ilustrativo sobre os fundamentos. JETI-Journal of Experimental and
Technique Instrumentation, Vol. 4, nº 3, pp. 20-34, 2021.
[17] A. C. LARSON and R. B. VON DREELE: General Structure Analysis System
(GSAS), LANSCE, MS-H805, Los Alamos National Laboratory, New Mexico, USA. 1994.

[18] L. B. MCCUSKER, R. B. VON DREELE, D. E. COX, D. LOUËR and P. SCARDI:


Rietveld refinement guidelines. Journal of Applied Crystallography, Vol. 32, pp. 36-50,
1999.

Bibliografia recomendada sobre cristalografia e difração

Mais de uma centena de bons livros já foram publicados sobre o tema desta monografia, em
dezenas de línguas, infelizmente, pouquíssimos em língua portuguesa. O presente texto não
tem como objetivo preencher esta lacuna e sim servir como alternativa de leitura

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introdutória para o estudante que está se iniciando nesta poderosa e indispensável técnica
experimental, que é a difração de raios X.

Livros clássicos em línguas estrangeiras:

D. E. SANDS: Introduction to crystallography. Dover Publications, Inc., New York, 1993.


165 páginas. (ISBN 0-486-67839-3)

B. D. CULLITY and S. R. STOCK: Elements of X-ray diffraction. 3rd Edition, Prentice


Hall, New Jersey, 2001. 696 páginas (ISBN 0-201-61091-4)

H. P. KLUG and L. E. ALEXANDER: X-Ray diffraction procedures, 2nd Edition, Wiley,


New York, 1974. 992 páginas. (ISBN ISBN 978-0471493686)

L. H. SCHWARTZ and J. B. COHEN: Diffraction from materials. 2 nd Edition, Springer-


Verlag, Berlin, 1987. (ISBN 3-540-17114-2)

B. E. WARREN: X-Ray diffraction., Dover Publications, 1990. Cerca de 400 páginas


(ISBN-13-978-0486663173)

A. GUINIER: X-Ray diffraction: in crystals, imperfect crystals, and amorphous bodies,


Cerca de 400 páginas, Dover Publications, 1994. (ISBN-10- 0486680118)

R. GUINEBRETIÈRE: Diffraction des rayons X sur échantillons polycristallins, 2ème


edition, Hermès / Lavoisier, France, 2006. 360 páginas. (ISBN 13-9782746212381)

H. KRISCHNER: Einführung in die Röntgen-Feinstruktur-Analyse, 4. Auflage, Vieweg,


Braunschweig, BRD, 1990. 193 páginas. (ISBN 3-528-38324-0)

Livros em português:

J. de ANCHIETA RODRIGUES: Raios X, Difração e espectroscopia. Editora da UFSCar


(EdUFSCar), São Carlos (SP), 2005. 53 páginas. (ISBN: 978-85-7600-061-7)

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Livro introdutório, bem editado, bastante sucinto, mas bem escrito por um experiente
professor do Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar. Leitura muito útil para
quem está se iniciando na área.

R. J. D. TILLEY: Cristalografia; cristais e estruturas cristalinas. Tradução: Fábio R. D. de


Andrade. Oficina de Textos, São Paulo, 2014. 272 páginas. (ISBN 978-85-7975-154-7)
Tradução competente e edição cuidadosa de um livro clássico (Crystal and crystal
structures). Os cinco capítulos iniciais tratam da cristalografia de maneira detalhada,
enquanto o capítulo 6 aborda de maneira consistente a difração (cerca de 20% do texto
contempla a difração), o capítulo 7 trata da representação de estruturas cristalinas e o oitavo
e último trata de maneira breve defeitos cristalinos e quasicristais. Todos os capítulos
apresentam problemas, exercícios e testes com respostas.

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