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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

1 – Jorge, amante de bom vinho, faz publicar num jornal de


28 de Fevereiro o seguinte anúncio: «vendo até 6 garrafas de
vinho do Porto D. Antonieta ®, safra de 1992, por 100 euros
cada. Responder até dia 9 de Março para a morada x».
No dia 1 à noite, Jónatas, a quem Jorge se tinha
comprometido a dar preferência1 se decidisse vender o vinho,
envia-lhe uma carta onde escreve simplesmente: «Aceito
comprar as 6 garrafas, por 50 euros cada. Se não disseres nada
vou a tua casa buscá-las dia 1 de Abril».
No dia seguinte, Ermelinda vai até à casa de Jorge para
dizer que aceita comprar duas garrafas, mas como este não
estava, deixa um bilhete sobre o tapete, bilhete esse que Jorge
nunca chega a ler, porque o cão da vizinha do 1º andar, o
apanha primeiro desfazendo-o em mil bocados.
Dia 6, chega a carta de Jónatas, que não recebe qualquer
resposta; nesse mesmo dia, Jorge faz publicar um anúncio no
mesmo jornal dando conta que desistira do negócio. Mas o
director daquele, que considera o assunto pouco importante, só
publica o anúncio dia 8. Porém, na véspera, Olímpio, que lera
o primeiro anúncio, envia por seu turno uma carta a Jorge, a
qual, em virtude de uma greve dos correios, este só recebe uma
semana depois. Nessa carta remete um cheque de 600 euros e
um bilhete telegráfico onde se diz apenas: «é favor enviar-me o
vinho pelo correio». Jorge percebe que a carta foi expedida
atempadamente.
Dia 9 pela manhã, sentindo-se desvinculado, Jorge vende o
vinho a Zeferino, que fora a sua casa e levou logo as 6
garrafas.
Todos os intervenientes nesta história acreditam ter
celebrado um contrato com Jorge: Jónatas e Ermelinda afirmam
que aceitaram a proposta atempadamente e Olímpio considera
que não teve culpa, nem da greve dos correios, nem da
“incompetência do director do jornal”. Todos acreditam que a
venda a Zeferino não foi válida, por força do art. 892 CC. Quid
iuris?
1
Cf. art. 414 do Código Civil.

OBS – caso necessite aplicá-las, as regras relativas aos contratos em especial


encontram-se nos arts. 874 ss.
2 – Henrique, milionário exuberante, tem um affaire com
Sofia, sua secretária particular. Num jantar da empresa,
sussurra-lhe discretamente ao ouvido: «dou-te o colar de
esmeraldas que me pediste. Daqui a uma semana vai ter ao
sítio do costume para o ires buscar». Esta, logo de seguida
responde: «está feito». No dia ajustado, Sofia vai ter ao local
combinado mas, em vez do amante, encontra uma filha que lhe
afirma que o que Henrique disse não a vincula porque ele já
morreu e, mesmo que assim não fosse, o colar lhe pertencia a
ela própria e não ao pai. Quid iuris?

Correcção do Exercício nº 1 de TGDC – 03.04.09

Caso 1

• Qualificação do contrato: CV, arts. 874 ss. 1


• Tipo de bem em causa: bem móvel, art. 205. Contrato
não necessita de forma especial pelo que vale o princípio
geral de liberdade forma (art. 219).
• Contrato real apenas quanto ao efeito;
• Jorge faz oferta ao público, que pode qualificar-se como 2
uma proposta por estarem reunidos todos os requisitos
necessários; bastaria a aceitação para fazer surgir o
contrato;
• Declaração de Jónatas não vale como aceitação porque 3
contem modificações. Porém, por parecer
suficientemente clara, deve valer como contra-proposta
(art. 233);
• Valor declarativo do silêncio: não tinha valor negocial,
não há qualquer convenção mas mera proposta de
convenção (art. 218);
• A existência do pacto de preferência não dispensa a
emissão das declarações negociais que consubstanciam
o contrato de compra e venda das garrafas de vinho.
Pacto de preferência como mero contrato preparatório;
• Declaração de Ermelinda vale como aceitação; 3
inexistência de dados para qualificar se seria expressa ou
tácita.
• A aceitação não se torna eficaz porque nunca chega ao
poder do proponente, nem dele é conhecida (art. 224/1 a
contrario). Mais impropriamente, poderá igualmente
dizer-se que a declaração é recebida mas em condições
de não poder ser conhecida (art. 224/3);
• Olímpio emite também uma aceitação. Nesse momento a 4
proposta era válida, porque, não sendo a revogação da
proposta pública (ainda que por facto não imputável ao
proponente), não poderá ser oposta a terceiros (art.
230/3).
• A aceitação é tácita (art. 217);
• Recepção tardia: a aceitação é emitida tardiamente mas
chega fora do prazo, sendo que, quando chega, a
proposta já tinha caducado;
• O art. 229 está pensado para os casos em que a
caducidade da proposta se deve ao decurso do prazo ;
porém, é sustentável que, pelo menos o dever de
informação a que alude a 2ª parte do seu número 1, deva
ser acatado, mesmo que seja outra a causa da
caducidade;
• Não tendo Jorge acatado tal dever, poderia discutir-se
uma eventual responsabilização do mesmo a título de
culpa in contrahendo (arts. 229/1 2ª parte e art. 227), por
violação de dever de informação;
• Poderia discutir-se a possibilidade de Jorge
responsabilizar o Director do jornal (arts. 483 ss) ou o
próprio jornal (art. 500), dado que, se o anúncio de
revogação tivesse sido publicado atempadamente,
Olímpio nunca teria aceite um contrato que já não era da
“vontade do proponente”;
• Declaração de Olímpio é uma declaração tácita (art.
217/1) válida (art. 217/2);
• A venda a Zeferino é válida e não venda de bens alheios 3
porque no momento em que é celebrada a proposta
pública já tinha sido revogada. Mesmo que não tivesse, o
proponente continuaria a ter a faculdade de dispor da
coisa (art. 1305), respondendo, quando muito, a título de
culpa in contrahendo pelos danos a que desse causa;

TOTAL ………………………………………………………………………… 16
……………………………………..
Caso 2
• Qualificação do contrato: doação, arts. 940 ss. 0.5
• Tipo de bem em causa: bem móvel, art. 205;
• Não houve tradição da coisa pelo que, para ser válido, o 1
contrato teria que ter sido celebrado por escrito (art.
947/2);
• Como as respectivas declarações foram apenas verbais,
o mesmo é nulo (art. 220);
• Quando não feito por escrito, a doação de bens móveis
só é válida com imediata tradição da coisa, valendo
como contrato real quanto à constituição;
A filha de Henrique tem por isso razão: o que o pai disse não a
vincula porque o negócio em causa não foi formalmente válido.
• Mesmo que se tivesse respeitado a forma escrita, ou 0.5
houvesse tradição da coisa, a ser verdade que o colar lhe
pertencia a ela e não ao pai, o negócio seria sempre nulo
(art. 956);
TOTAL ………………………………………………………………………… 2
……………………………………..
PONDERAÇÃO GLOBAL …………………………………………………… 2
………………………………..

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