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ÍNDICE:

Capítulo 01 - Férias em Maricá ....................................................................... 2


Capítulo 02 - A conquista .............................................................................. 3
Capítulo 03 - Atividade Perigosa ..................................................................... 5
Capítulo 04 - O Perigo se Aproxima ................................................................ 6
Capítulo 05 - As Grutas do Spar ..................................................................... 7
Capítulo 06 - Buscas e Perseguições ............................................................... 9
Capítulo 07 - Quem procura, acha! ............................................................... 12
Capítulo 08 – O passado faz diferença........................................................... 14
Capítulo 09 - O alarme foi dado.................................................................... 17
Capítulo 10 - Madrugada Agitada.................................................................. 21
Capítulo 11 - Voltando à normalidade ........................................................... 24
Capítulo 12 - A intriga ................................................................................. 26
Capítulo 13 - O perigo se anuncia ................................................................. 29
Capítulo 14 - O confronto ............................................................................ 31
Capítulo 15 - A vingança de Bia.................................................................... 34
Capítulo 16 - Quem é Marisa? ...................................................................... 37
Capítulo 17 - A chantagem .......................................................................... 41
Capítulo 18 - O Roubo Internacional ............................................................. 44
Capítulo 19 - Bia se rende à chantagem ........................................................ 47
Capítulo 20 - Na névoa da paixão ................................................................. 49
Capítulo 21 - O seqüestro ............................................................................ 51
Capítulo 22 - Investigando um sequestro ...................................................... 53
Capítulo 23 - Caçando a Seqüestradora......................................................... 58

Capítulo 01 - Férias em Maricá


A alegria de Andréia contagiava a todos por onde passava. Os colegas de praia acenavam,
mas ela seguia quase saltitante sempre em frente. Estava com pressa. Queria chegar
imediatamente na casa verde que ficava bem na curva da praia. Lúcia finalmente chegara.
Agora sim as feriam iriam começar.
Assim que seu pai anunciou que conseguira as férias para janeiro começou uma grande
disputa para definir para onde iriam. Paulo e Bia, abraçados no sofá se divertiam com as mais
diversas sugestões, afinal ainda faltavam nove meses, era cedo para decidir qualquer viagem.
Andréia e André se engalfinhavam por qualquer coisa. A irmã cuidadosa usava seu
tamanho e esperteza para irritar o irmão sem que ele conseguisse revidar. André aos 14 anos
estava enorme e continuava crescendo, longo passaria a irmã, mas aos 16 anos ela era muito
mais madura e esperta do que ele.
Passadas as festas de final de ano o casal imediatamente fez as malas e partiram para
Maricá. Depois de muitas e muitas brigas a cidade fora decisão de consenso entre todos e Paulo
conseguiu alugar uma casinha linda, de frente para a praia, com sala, dois quartos, uma suíte e
cozinha. A existência de dois banheiros dentro de casa era ótima, pois evitava brigas fraternas.
O quintal era grande, tinha garagem e varanda com redes, banheiro e chuveiro externos
evitando que a criançada entrasse cheia de areia na casa.
Bia ainda arrumava as malas e seus filhos já haviam debandado. André logo voltou com
os gêmeos Afonso e Marcelo, um ano mais velho que ele, mas bons amigos. Andréia foi procurar
por Lúcia, mas voltou cabisbaixa, a amiga não chegara. Logo soube que ela chegaria na sexta-
feira, restavam três longos dias na companhia do irmão e dos chatos amigos deles.
Afinal era sexta-feira e a alegria tomou conta de Andréia quando a amiga ligou dizendo
que já chegara.
Lúcia era um pouco mais nova que ela, mas ainda em janeiro completaria seus 16 anos.
Telma foi uma das que se contagiaram com a alegria de Andréia e ao saber do motivo
acompanhou a amiga até a casa de Lúcia e logo a casa parecia estar em festa. Música em alto
volume, risos, gritarias... Elas estavam trocando novidades e colocando as notícias em dia.
Enquanto isso, da varanda da casa, André e seus amigos estavam atentos as manobras
radicais do único surfista em toda praia. Mas não resistiram muito tempo, depois de uma série
de ondas maravilhosas correram para a praia para observar as manobras e peripécias que o
“brother” inventava sobre as ondas.
As horas boas passam rápidas e a fome logo apertou. Logo estavam todos, meninas e
meninos, reunidos tentando dominar um prato de macarrão que Bia preparara para se livrar
mais cedo da cozinha. Ela queria curtir um pouquinho o sol, mesmo sendo o da tarde.
Bia, depois de atender a tropa que acampara em sua casa e terminar sua briga com
pratos e talheres na cozinha foi se vestir. Logo encontrou seu biquíni verde claro brilhante, que
combinavam com a cor de seus olhos. Avaliou o que o espelho lhe mostrava. Estava um
pouquinho acima do peso, mas seu marido adorava isso.
Perguntou-se mentalmente se ainda tinha idade para usar um biquíni tão pequeno e após
dar uma volta em torno de si mesma, avaliando sua imagem aos 38 anos, concluiu que estava
deliciosamente bem vestida para enfrentar, à tarde, a praia de Maricá.
Paulo não resistiu e ela nem precisou ficar chamando, em segundos estava pronto e ao
seu lado seguiu para a areia de mãos dadas com ela. Mas uma nuvem sombreou seus olhos,
verdes como os de Bia, ao cruzar com o surfista que saia da praia. Aquele rosto lembrava
alguém que ele não atinava, mas sabia que não gostara da lembrança.
O surfista seguiu seu caminho e logo que chegou em casa foi questionado pelo seu pai:
- E então, a casa, como está?
- Ocupada por uma família com gente prá todo lado. Consegui contar um casal, 3 moças e
3 rapazes, ainda novos. Mas não acredito que as 8 pessoas sejam da casa, alguns deviam estar
lá como visitas.
- Assim não adianta Luis, tenho que saber dos riscos com detalhes.
- Pai, pode deixar, eu volto lá amanhã. Sou surfista e não vou levantar qualquer suspeita.
Logo, logo, Ferreirinha, terei a sua informação completa, detalhada e com todo esquema de
horários.
- Por que tanta certeza?
- Acho que conheço uma das meninas. Se não me engano ela se chama Telma e é amiga
de alguns amigos. Logo estaremos juntos em um mesmo ambiente e ai vai ficar tudo mais fácil.
- Cuidado. Você tem que passar despercebido.
Capítulo 02 - A conquista
O casal, mesmo sem querer, chamava a atenção de toda a praia. Por onde passavam
eram seguidos pelos olhares dos que estavam na areia. Não era para menos.
Paulo, aos 40 anos, do alto de seus 1,85m, mantinha seu corpo muito bem cuidado. A
camiseta branca de malha com mangas cobria parte de sua sunga azul. Os braços, presos nas
mangas, realçavam seus músculos bem delineados. Se a barriga não era um “tanquinho”
também não tinha qualquer excesso. Ele se mantinha em forma não apenas por vaidade. A sua
vida dependia disso. Era policial federal apesar de sempre se apresentar como bancário, mas
isso é outra história.
A pele bem morena de Paulo, que dava, durante todo o ano, a impressão de que se
bronzeara recentemente e contrastava com seus olhos verdes. O cavanhaque com bigodes
chamava atenção para o “tridente”, era assim que ele chamava sua cicatriz.
A cicatriz, provocada por uma queda de bicicleta na infância, lhe emprestava um ar
másculo, cafajeste e certo ar de coragem. Parecia uma letra “E” maiúscula onde o traço do meio

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foi puxado para trás formando assim o tridente bem na maçã do rosto. Isso em conjunto com
uma pronunciada sobrancelha serrada e bem aparada que quase se juntavam.
As misturas destas características, de forma harmoniosa, ofereciam ao mesmo tempo um
ar sério e compenetrado a Paulo e, principalmente quando sorria de leve, um charme de
cafajeste que atraia as mulheres. Todavia, desde o casamento Paulo sempre foi fiel a Bia. Talvez
por isso o casal desfilasse transmitindo no semblante uma felicidade incomum.
Bia, loiríssima, com 1,65m e um bronzeado recente, estava um pouco acima do peso e
isso lhe emprestava mais coxas, mais bunda e mais seios. Passeava com naturalidade naquele
biquíni verde que mais realçava suas curvas do que tapava sua pele. Os homens ficavam
impressionados com seu corpo de violão, de raras estrias e celulites quase invisíveis. Mas o que
mais chamava a atenção era o brilho natural de seus olhos verdes claros, pareciam ter luz
própria.
Os olhos brilhantes ajudavam a iluminar seu rosto ao mais leve sorriso, mas, diferente de
seu marido que raramente ria, Bia estava sempre rindo e se divertindo em qualquer situação.
Era professora, de matemática, e sempre que podia aproveitava para ensinar a seus filhos a
colocar em prática os conhecimentos já acumulados.
Apesar de tantos atributos para causar inveja o que as amigas mais invejavam nela era a
felicidade conjugal, ainda mais com um marido sensual como aquele. Eles discutiam exatamente
isso, os amigos em comum e se convidariam alguns para vir à Maricá.
Na casa, enquanto o casal passeava, se desenrolava uma cena digna de registro. Marcelo,
com o violão na mão e com apoio vocal de André e Afonso, se esforçava em dar uma
interpretação apaixonada a uma antiga música de Roberto Carlos (embora ele não soubesse)
regravada por diversos artistas.
A canção escolhida foi “Esqueça” e a intenção de Marcelo era confessar seu amor por
Lúcia. A notícia do rompimento do namoro de Lúcia a precedera, mas ela não sabia disso. A
insistência naquela música, que eles cantavam cada vez mais entusiasmados deixando a parte
falada ao Marcelo, que a repetia sempre olhando diretamente os olhos de Lúcia, já estava
incomodando e elas, para não reclamar (e poderem rir) saíram do quintal da casa para a areia
da praia indo para grande sombra da amendoeira.
Marcelo ficou doido, não sabia o que fazer, mas tinha que fazer alguma coisa. Levantou,
violão na mão, seguiu os passos de Lúcia enquanto atacava as cordas e apelava para
“Conquista”, de Claudinho & Bochecha.
Ele chegou até a fazer sucesso e as meninas acabaram contando junto e até ensaiaram
uns passinhos. Mas cadê que Lúcia entendia que ele estava tentando declarar o seu amor.
Ele tinha treinado noites a fio e não podia falhar agora. Tinha que fazer algo para ela
entender o quanto ele estava apaixonado. Mudou mais uma vez de música. Agora foi a vez de
“Eu te quero só pra mim”, do Grupo Revelação. Ele então atacou com tudo e quando chegou a
hora parou de tocar seu violão, ajoelhou-se de frente para ela, abriu os braços... Foram tão
inusitados seus gestos e atitudes que todos se calaram e só a voz dele se fez ouvir quase
gritando num desabafo: “O que fazer pra te conquistar?”
Foi só gargalhada. Ele ainda tentou retomar a música, mas não adiantou. Agora o grupo
ria e tirava sarro tanto dele como de Lúcia que de tão acanhada estava com o rosto vermelho.
Era um rubor tão forte que ela sentia a face queimar.
Tudo isso teve suas conseqüências. O coração de Lúcia disparara e ela nem estava
entendendo o porquê até que Marcelo se afastou do grupo voltando apressado para casa.
No meio do caminho seu corpo inteiro se arrepiou ao ouvir entre todos os risos uma única
e deliciosa voz chamando seu nome quase que em súplica. Era Lúcia que o chamava, mas ele
não estava preparado para tanto, agora era o seu coração que explodia e perdido, sem saber o
que fazer, correu para a casa.
Ele fechou a porta da sala e ficou ali, parado, olhando para porta pensando na besteira
que fizera. Lúcia o chamara e ele ao invés de buscar seus braços fugira dela, dela e de todo
mundo. Agora, até ela devia estar rindo dele.
As lágrimas se anunciavam, mas ele era homem e não podia se permitir chorar. Enquanto
tentava conter-se a porta abriu, Lúcia entrou, fechou a porta sem desviar seu olhar do dele. Ele
não ouvia mais nada, ele não respirava, o tempo parou. Ela deu mais um passo. Ele ali, parado,
inerte, em desespero e querendo, sem conseguir, reagir. Ela deu outro passo. Como em câmera

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lenta ele percebeu os braços dela se erguendo, as mãos se aproximando e tocando seu rosto, os
lábios dela crescendo em direção a ele e, finalmente, vencendo o torpor, ele abraça aquele
corpo, beija aquela boca pela primeira vez e nem liga quando as lágrimas vencem e descem por
seu rosto. Chorava agora de alegria, de satisfação, pela vitória, pela conquista, por sua paixão.
Sem palavras, após o beijo e ainda ouvindo as gargalhadas, deram-se as mãos como se
tudo tivesse sido combinado, saem para a varanda e, para espanto geral e provocando grande
silêncio, se beijam mais uma vez!
Ele jamais conseguiria traduzir em palavras, mesmo que poeta fosse, as sensações que
experimentava nem as trocas de energia que acontecia entre todo o corpo do casal.
Lúcia, por sua vez, não estava entendo nem sua coragem, nem sua reação. Era só seu
corpo que estava no comando e a sensação que ela agora sentia no fundo de seu ventre fazia
suas pernas estremecerem e seu coração saltitar por puro prazer de estar ali com aquele garoto
bobo que conseguira conquistá-la de um instante para outro com sua demonstração de coragem
e paixão por ela.
Capítulo 03 - Atividade Perigosa
Com a chegada da noite veio um frio inesperado. Paulo aproveitou e seguiu para a praia
com uma pá na mão. A curiosidade juvenil é uma armadilha. Logo eles se aproximaram e
quietos ficaram vendo Paulo abrir um buraco raso e redondo na areia sob a amendoeira.
- Seu Paulo; podemos ajudar? – Marcelo vencendo o silêncio geral aventurou. Paulo
sorriu, era a deixa que ele estava esperando.
- Estou pensando em fazer uma fogueira e assar umas batatas doces para mim e para
Bia. Se vocês quiserem se juntar a nós o ingresso é de apenas mato e galhos secos. Se vocês
me derem a fogueira eu dou a batata doce.
Foi uma correria. Todo o grupo se espalhou pela praia procurando combustível para a
fogueira. Em menos de meia hora tinha fogueira acesa e lenha de reserva para longas horas.
Paulo e Bia, com bolsas, esteiras e toalhas, se encaminharam para a amendoeira. O grupo
foi se organizando e logo tinha um violão, uma lata e uma frigideira enferrujada na percussão e
a cantoria voava longe com o vento.
Alguns colegas que passavam foram se juntando ao grupo. Logo um carro estacionou e o
pagode profissional venceu o improviso. Aos poucos foi virando uma festa. Já tinha cerveja,
refrigerante, milho cozido, batata doce assada na fogueira, gente dançando.
Paulo e Bia se levantaram – era preciso dar mais liberdade aos jovens – e Paulo anunciou
que tinha programado uma ida às Grutas do Spar na manhã seguinte e que o horário de
encontro era às 06h30minh e a saída pontualmente às 07h00minh da manhã.
Foi um alvoroço, os planos, os encontros, os sonhos, as fantasias, as expectativas
tomaram conta do grupo e, rindo e abraçadinhos, o casal se retirou.
Mais uma vez o olhar de Paulo cruzou com o de Luis e mais uma vez a sensação de
lembrar alguém. Quem? Paulo não atinava, não lembrava e novamente deixou passar.
No grupo de jovens as trocas de informações aconteciam.
Maricá começou a ser povoada quando das sesmarias no século XVI. O padre José de
Anchieta passeou por aquelas terras. As grutas de Spar já fora uma mina, era enorme, tinha um
lago.
Havia no ar uma expectativa de aventura para o dia seguinte. O que ninguém sabia era
do risco que todos corriam e as conseqüências daquele passeio. Nem mesmo Luis, nem seu pai,
poderiam imaginar o que estava para acontecer.
Aos poucos o bando foi se reduzindo e logo a fogueira foi abandonada. Luis chegou em
casa entusiasmado. Conseguira se aproximar de Telma, e depois de serem formalmente
apresentados e conversarem rapidamente, chegaram a trocarem olhares e sorrisos numa
discreta paquera.
Ainda assim, informava ele a Ferreira. Não iriam precisar dela para informar detalhes do
comportamento da casa e da família de Paulo. A casa estaria vazia durante todo o dia seguinte.
Ferreira poderia entrar e ficar à vontade enquanto procurava o mapa.
Luis, ao mesmo tempo em que achava que devia ajudar ao pai estava, como os outros
jovens, entusiasmado com a idéia de explorar as grutas. Ainda assim se ofereceu.
- Pai, eu vou pela manhã, me despeço do grupo que vai para as grutas e aguardo você
chegar para ajudá-lo.

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- Não quero você envolvido diretamente nisso. Apesar de eu estar indo na casa pegar algo
totalmente sem valor para ninguém se eu for pego lá dentro vou ser preso como ladrão. Como
já tenho antecedente não terei como me livrar e se você estiver comigo será preso como meu
filho e comparsa. Não quero você nessa vida.
- Melhor mesmo, continuou Ferreira, é você ir com o grupo e se houver algum problema,
se alguém resolver voltar mais cedo, você me avisa pelo celular.
- Ótimo! – Luiz não conseguiu disfarçar a alegria. O pai sorriu.
Ferreira era uma figura exótica, tipo antigo malandro, gostava de roupas bem coloridas,
fumava com o cigarro preso todo o tempo no canto da boca. Quando não estava fumando tinha
um palito de dentes ou de fósforo, ou mesmo um cigarro apagado preso naquele canto da boca.
Andava como quem dança, balançava exageradamente os braços, vivia de piadas e era
muito conhecido nas rodinhas de cerveja. Onde ele passava lhe ofereciam um copo para rir de
suas piadas.
Tinha sido preso, passou quase cinco anos na prisão por conta de um assalto a mão
armada. Aprendera a lição, estava quieto, mas não esquecia o boato que escutara na
penitenciaria.
“Um grande roubo internacional fora levado para uma casinha em Maricá. Era uma bonita
casa branca bem na curva de frente para a praia. Tinha uma amendoeira nova no jardim bem
em frente a uma velha amendoeira na praia. Ali o cabeça do grupo foi descoberto e preso,
dizem que foi até deportado. Mas nunca mais se ouviu falar do dinheiro.”
Um amigo de cela de Ferreirinha, quando soube que ele era de Maricá contara toda
história. Disse ter convivido alguns poucos meses com o estrangeiro e havia ajudado a ele na
dificuldade de comunicação. Antes de ir embora o estrangeiro disse a ele alguma coisa sobre a
casa, um mapa desenhado como um desenho infantil. Pelo menos foi isso que ele entendeu.
Ferreirinha identificara a casa. Nela ficava um vigia com dois cachorrões enormes. O vigia
até saia, mas os cachorrões lá ficavam e não deixavam ninguém chegar perto. A casa fora
alugada, mas só na véspera o vigia tirou os cachorros e uma mulher foi para lá, limparam tudo
e dormiram juntos aquela noite. Não houve qualquer chance. E, pelo que tudo indicava, sua
melhor oportunidade estava por acontecer.
Ele entraria na casa, abriria ela toda demonstrando normalidade e procuraria um mapa
feito por criança, se achasse ele estaria a um passo de uma grande fortuna em dinheiro
estrangeiro. Trocar por real era um problema para depois de a bolada estar em suas mãos. Não
conseguiu dormir.
Capítulo 04 - O Perigo se Aproxima
Paulo e Bia acordaram bem cedo, por volta das 05h30, e logo estavam engajados no
preparo de sanduíches, refrescos e o cheiro de café já dominava a casa.
Antes das 6h tocam a campainha os irmãos Afonso e Marcelo já acompanhados de Lúcia.
Bia organiza imediatamente tudo: Lúcia acorde Andréia, Marcelo acorde o André, Afonso compra
20 pães. – disse já estendendo o dinheiro ao rapaz que saiu à contra gosto.
Uma algazarra ia tomando conta da casa com a chegada dos “aventureiros”. Além de
Telma e Luis eram mais duas moças e três rapazes. Todos prontos para sair e Bia ficou na porta
contando cada um que passava. Era um grupo de 14 pessoas contando com ela mesma. Oito
homens e seis mulheres, ela anotou mentalmente.
Paulo olhou para o relógio uma última vez, consultou o entorno e deu voz de partida. Era
exatamente 07h00 como o combinado. A caminhada era longa até a trilha, depois uma subida
leve até as minas abandonadas.
Estavam quase chegando. A paisagem começa a mudar e logo nenhum vestígio de cidade
será contemplado a não ser a grande distância. Mas eles chegam ao acesso só por volta das
10h.
Neste mesmo horário, no aeroporto internacional do Rio de Janeiro, proveniente de
Berlim, desembarcam dois alemães acompanhados de um latino alto, louro e de olhos azuis.
Eles parecem perdidos e muito estressados. A viagem fora longa. Já em Berlim o atraso fora de
mais de 30 minutos e o vôo previsto para 14h55 só saíra depois das 15h30. Chegando à
primeira escala, em Monique, ainda eram 16h30, mas seu vôo para São Paulo só saia às 21h45.
Esse vôo atrasou 1h15 e eles só saíram de lá às 23h chegando a São Paulo às 07h00. Alguém
informou que o vôo para o Rio de Janeiro estava em sua última chamada e lá foram eles

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correndo entre corredores, sem noção exata do rumo, até onde ocorria o embarque para o Rio,
mas aquele não era o avião deles. O deles só saiu de São Paulo meia hora depois e sem
perceber eles estavam no Rio no horário correto.
Só quem mantinha a calma era o carioca Lothar. Filho de Maria Silva, nascida na Baixada
Fluminense e Portelense. Sua mãe casara com um alemão de quem ele herdara o nome, que se
apaixonou pela mulata à primeira vista. Ela, passista, deixou o mundo do samba e foi para as
terras frias da Alemanha. De lá voltou para ter seu filho, aqui no Brasil e Lothar José depois
disso viera ao Brasil apenas três vezes, essa era a quarta vez e ele acreditava que já conhecia
tudo. Típico carioca.
Perambulando pelos corredores foram orientados por um funcionário para sair da área de
desembarque indo para os corredores externos. Só então é que puderam vislumbram uma placa
com seus nomes: Franz Becker, Jürgen Bayer, Lothar José da Silva Walter.
Seguiram o rapaz e quem melhor “arranhava” o português era Lothar José, ainda assim
misturando, sem qualquer lógica, femininos e masculinos. Entraram numa grande van e quase 2
horas depois estavam hospedados no Real Park Hotel em Itaipuaçu. No caminho o motorista ia
lhes falando dos detalhes do plano.
Hans estivera na prisão com ele e dissera que para encontrar a grana roubada teriam que
ir às Grutas do Spar. O dinheiro continuava intacto no mesmo malote utilizado na viagem. Ele só
não disse onde estavam as chaves do malote. Franz e Bayer se olharam. Falavam mal o
português, mas entendiam bastante. Cada um puxou seu cordão e mostraram praticamente
juntos a chave ao motorista.
Lothar José, rindo muito, perguntou se eles se preocupavam mesmo com ter ou não ter a
chave e puxou do canivete expondo a lâmina numa insinuação clara que elas eram
desnecessárias.
Onze horas em ponto o telefone tocou. Lúcio, o motorista, atendeu e depois de alguns
monossílabos desligou o celular.
- Trouxeram a grama? – seus olhos brilhavam e Lothar José já prevenido preparou o
esquema.
- Tem a grana. Já em real. Eu vou com você. Frank e Bayer vão alugar e passear de
carro. Eu ligo dando ok. Fico lá e você traz encomenda enquanto Frank leva pagamento.
- Você tá louco cara? Assim eles não entregam o bagulho.
- Sem problema, já tem grupo querendo vender. – mentiu Lothar José.
- Eles estão vigiando querendo o errado. – voltou a mentir e Lúcio acreditou.
- “Vamu” lá. “Vamu” ver.
Os estrangeiros se entreolharam. Nenhum deles entendeu o significado de “vamuve”
“vamula”, na certa era alguma gíria.
Tudo correu bem. Eles receberam armas, munição, dois passaportes e um jogo de
documentos (para Lothar José), mapas detalhados da área, fotos de uma casa branca na beira
da praia e das Grutas do Spar.
Com o mapa na mão o trio rumou para a casa branca, na beira da praia, em pleno sol de
meio dia, e nem com o ar-condicionado do gol alugado ligado no máximo eles se sentiam
confortáveis.
Ferreira, por sua vez, já fizera reconhecimento da área, verificara que só tinha gente na
casa da direita e que com o muro e planta eles não tinham muita visão da casa em si.
Por volta das 11h00 entrou na casa e abriu tudo que foi janela passando a passear
livremente pela casa enquanto procurava o mapa desenhado por criança. Não tinha muito onde
procurar, mas pela segunda vez ele passara tudo sem encontrar nada que fosse infantil.
A van para em frente à casa e Ferreira se assusta. Olhou de uma janela, foi até a outra
que dava uma visão melhor e viu os homens armados soltando da van. Bem nesta hora é que
ele notou um quadro infantil na parede. Não um mapa, um desenho que havia sido emoldurado.
Pegou o quadro e correu para buscar um esconderijo qualquer naquela minúscula casa.
Os homens entraram sem qualquer dificuldade. A casa estava toda aberta. E começaram a
vasculhar toda sala. Ouviram um barulho vindo da cozinha e de armas em punho se dirigiram
para lá.
Capítulo 05 - As Grutas do Spar

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Todos estavam cansados. Andavam, quase sem parar, desde as 07h00 e nada de
chegarem as Grutas. A solução que encontraram foi a implicância e a concorrência. Qualquer
fato era motivo de encarnação. Lúcia e Marcelo já estavam caminhando afastados, pois foram os
primeiros alvos. Estavam tão entretidos uns com os outros que nem perceberam a grande pedra
que surgira após a curva do caminho. Era a primeira gruta e teve que ser anunciada por Paulo
para, só então, atrair o grupo que se revitalizara com aquela visão.
Os primeiros a chegarem à boca da Gruta foram Lúcia e Marcelo, estavam encantados
com a grande entrada da gruta e ao mesmo tempo assustados o suficiente com a escuridão que
se anunciava para esperar os demais chegarem e juntos passaram a explorar aquela gruta que
para eles era pura novidade.
Naquele momento Ferreira se via entrando na mesma escuridão que o grupo. Ele correra
para a cozinha, mas ele que abrira toda a casa não tirou a tranca da porta da cozinha, tão mais
simples e agora ele não tinha mais tempo. Olhou ao redor. Onde se esconder? Como se
esconder daqueles homens armados que já estavam na sala.
Verificou que o armário com frutas, legumes e outros alimentos, entre o fogão e a
geladeira possuía rodas. Imediatamente o empurrou para a parede em frente e entrou no vão
deixado mesmo sabendo que ali ele não estaria oculto de nada nem de ninguém. O barulho que
ele fez ao arrastar o móvel com rodinhas chamou a atenção do grupo que, agora, de armas em
punho, caminhava cuidadoso para a cozinha.
Ferreira na prisão, por uma questão de sobrevivência, aprendera a lutar muito bem. Mas,
também lá, teve a certeza que contra armas de fogo nada se pode fazer. Ainda assim quando
viu a arma se antecipar a seu dono usou o quadro que estava consigo e atingiu fortemente o
braço de Franz com quem se atracou com toda a vantagem que sua prática e a surpresa lhe
davam. Já estava montado sobre o adversário e pronto para dominá-lo definitivamente que a
escuridão lhe alcançou. Ela veio na forma de uma forte coronhada que, deferida por Bayer,
rachou-lhe a cabeça e enquanto ele desmaiava seu sangue se espalhava por toda parte.
Franz levantou-se e ainda deu um forte chute no desacordado Ferreira. Eles tinham que
sair dali imediatamente. Fizeram muito barulho, derrubaram o armário de rodinhas, alguns
copos e talheres que estavam sobre a pia caíram ao chão que ficara cheio de cacos. Com poucas
palavras decidiram levar Ferreira consigo, poderia seu um bom refém para trocar, mais tarde,
pelo que realmente lhes interessava.
No carro já achavam que tinham conseguido mais um estorvo do que um refém. O que
fazer com ele? Onde esconder um homem sangrando com a cabeça quebrada? Lembraram de
Lúcio, o motorista que os levara até ali, conseguira documentos e armas. Ele era, sem dúvida,
uma boa opção, talvez a única.
Uma simples ligação e pouco depois estavam pegando Lúcio próximo ao hotel. Por
sugestão dele seguiram o caminho das grutas. No caminho pararam para comprar alguns
apetrechos como corda, lanterna e mais algumas coisas para não chamar atenção. Lúcio
comprou até algumas tangerinas apresentando-as aos alemães. A fruta não era estranha para
eles, mas eles confessaram nunca ter chupado nenhuma tão deliciosa quanto aquelas.
No caminho pararam nas ruínas do que parecia ser um dos acessos à antiga mina.
Fizeram um curativo desajeitado em Ferreirinha, amordaçaram o homem e deixaram ele
amarrado nas ruínas, afinal ele seria útil de alguma forma.
Se Ferreira recobrasse o sentido reconheceria em Lúcio um ex-companheiro de prisão.
Mas isso só daria a ele a certeza de que estaria em breve diante de uma posição extrema. Ele
conhecia Lúcio o suficiente para não saber qual a sua decisão, mas ou ele o soltaria e se
utilizaria dele para ter algum benefício futuro ou o mataria imediatamente.
Lúcio certamente o reconheceu e preferiu manter-se calado, aquilo poderia ser um bom
trunfo. Ferreira certamente sabia muito mais que ele sobre o dinheiro roubado. O que ele
estaria fazendo naquela casa? Ele sabia de alguma coisa. Mais tarde Lúcio voltaria sozinho para
alimentá-lo, ou não!
Seguiram, então, para as Grutas de Spar para fazerem um reconhecimento do local.
Poderia ser um local de fácil acesso que permitisse fazer uma busca rápida. Passaram direto da
primeira gruta e junto com o grupo chegaram à segunda gruta.

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Diante da entrada da segunda gruta os dois grupos pararam estupefatos. Não tinham
palavras para descrever a sensação de se sentirem mínimos diante da imponente entrada da
gruta. Aos poucos foram se aproximando e passaram, todos, a explorar o local.
Os alemães e Lúcio deixaram as armas no veículo e pareciam turistas normais. Só
chamavam atenção por suas próprias características e pelo idioma ou sotaque quando tentavam
falar o português. Assim preferiram se misturar ao grupo e agir com naturalidade.
Logo os marginais descobriram que sem o mapa seria muito difícil adivinhar onde o
comparsa escondera a fortuna roubada. O interesse pelo local ficou ainda menor diante do
grande lago que se apresentava diante deles. Eles não contavam com mais aquele fator, mas
trocaram olhares e, em alemão, concordaram que se eles tivessem escondido o dinheiro naquela
gruta seria depois daquele lago certamente. Mas onde? Era tudo tão grande. Tão maior do que
tudo que imaginaram.
Paulo, por sua vez, viera bem equipado e trouxera uma grande bóia redonda, tipo cama,
e logo, de dois em dois, o grupo passeava pelo lago de águas límpidas e transparentes no
interior escuro da gruta. Só mesmo com lanternas se enxergava alguma coisa.
Enquanto o grupo se distrai na lagoa da gruta Paulo se afasta e sai da gruta pouco antes
dos alemães. Estava verificando pela janela o interior do furgão quando percebeu a saída do
grupo. Pensou rápido e a solução foi urinar como se estivesse usando o carro para se ocultar.
Franz, rindo, fez questão de dizer um “oi” e entrar no carro pensando em acanhar o
homem. Com isso permitiu a entrada de claridade suficiente para que Paulo percebesse diversas
armas.
Pedindo humildes e gaguejadas desculpas e sob as gargalhadas do grupo Paulo se afasta
fingindo grande constrangimento. Enquanto se afastava examinava todas as hipóteses. Seguir o
grupo estava fora de questão, ele estava a pé e o grupo de carro. Não tinha nem motivo, nem
oportunidade de buscar o confronto. Eles não fizeram nada de errado além de portar armas e a
dele estava dentro da gruta na bolsa ao lado de Bia. Só lhe restava deixá-los ir e ficar atento
para aquele carro e aqueles homens que seu instinto policial avisava-lhe que tornaria a
encontrar.
Teve que esquecer o grupo. Bia alarmada lhe chamava da grande entrada da gruta quase
que em desespero. Afonso, um dos gêmeos, sumira e ninguém sabe quando foi visto pela última
vez. Ela mesma só percebeu sua falta quando ao final do passeio de bóia sobrou apenas seu
filho, André. O número de pessoas era par, então tinha que ter um acompanhante para passear
na bóia com ele.
Capítulo 06 - Buscas e Perseguições
Assim que o alarme foi dado saíram todos à procura do gêmeo que desaparecera como
por encanto. Marcelo não se perdoava. Ficara entretido em seu namoro e não dera a devida
atenção ao irmão. Lúcia também se sentia culpada. De alguma forma ela afastara dois irmãos
sempre tão unidos. Ela estava aos prantos quando Andréia se aproximou abraçando a amiga e,
sem nem tentar consolá-la, incitou-a a chorar depois e começar a procurar seu cunhado
imediatamente. Era esse sentido de urgência que ocupava todo o grupo. Logo ia escurecer. Se
em plena luz do dia era uma busca dificílima, a noite tornaria impraticável qualquer iniciativa.
Paulo já mobilizara a polícia, a defesa civil da cidade e o corpo de bombeiros. Cada vez
chegava mais gente e mais recursos. A ordem era buscar em grupo de pessoas, todas bem
próximas e marcando com adesivos fosforescentes os caminhos trilhados.
Luis, sem dar atenção às recomendações, como era da sua rebelde natureza, foi seguindo
uma subida natural de pedra e se viu entre duas pedras. Aquela abertura no alto era
imperceptível ao mais atento observador. A inclinação da abertura entre as pedras a tornava
realmente invisível. A subida continuava e repentinamente o solo falta abaixo de seus pés e ele
se desequilibra caído sentado sobre uma pedra lisa e úmida de onde vai escorregando sempre
mais para baixo e em alta velocidade. Ele gritou o mais alto que pode. Na gruta todos ouviram
seu grito e os ecos dele. A acústica da gruta não permitiu a identificação de onde partira o grito.
Apitos foram ouvidos em toda parte e as pessoas se reagruparam num ponto combinado.
Só então perceberam que Luis também sumira. Já eram dois os jovens desaparecidos sem que
ninguém soubesse onde, como ou por que.
Em outro ponto da cidade, livre da companhia dos alemães, Lúcio decide voltar ao
cativeiro de Ferreira. Decidiu tentar inicialmente a persuasão para só depois arrancar as

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informações de qualquer forma. Assim procedeu. Passou num restaurante e comprou um galeto
com batatas fritas e seguiu para as ruínas das minas.
No início da colonização desta região fora a existência de ouro e pedras preciosas que
atraíra muita gente para aquele lindo pedaço de terra com grande lagos, praia deliciosa e ouro,
muito ouro.
As grutas foram exploradas e seus caminhos ampliados na busca do veio, do filão. Poucos
conseguiram fazer fortuna naquelas minas e aos poucos os mineiros foram mais para o interior
em busca do verdadeiro eldorado abandonando aquelas paragens.
Era nas ruínas de um destes acessos externos às grutas que Ferreirinha tinha sido
abandonado à própria sorte com a cabeça quebrada por uma coronhada.
Ele tinha recobrado os sentidos, mas não conseguia atinar com onde estava. Era tudo
muito escuro e pouquíssima luz chegava até ale. Ainda assim ela clareava, mas não iluminava.
Ele sabia que provavelmente estava nas Grutas de Spar. Afinal tudo que ele podia sentir ou
tocar era só pedra e aqueles homens certamente estavam em busca do mesmo que ele. O
dinheiro de um assalto ocorrido fora do Brasil há muitos anos atrás.
Seu sentido de perigo alertou-se e ele percebeu um foco de luz diferente naquela
claridade. Logo ouviu o barulho do que parecia uma porta ou portão... Algo feito com ferro e
madeira. Ele mesmo se impressionou com a capacidade de distinguir sons e identificá-los, mas
agora era melhor parecer, no mínimo, atordoado.
Na curva da parede de pedra surgiu uma lanterna no formato de lampião. A luz chegou a
doer cegando-lhe momentaneamente. A pessoa estava por trás da luz e estava difícil distinguir-
lhe as feições. Quando ele depositou a lanterna no chão o sentido de alerta de Ferreira recebeu
um choque de adrenalina. Ele não saberia dizer se sentia medo, pavor, insegurança por saber
que estava a sós e imobilizado, preso numa caverna, com um assassino frio e calculista.
Quem cruzasse com Lúcio normalmente não seria atraído por aquela figura miúda, frágil,
de fala mansa e lenta. Seria certamente um operário medíocre, um serviçal desqualificado.
Nordestino, pele curtida de sol, sotaque ainda forte. Responde a tudo por monossílabos: sim
senhor, não senhor, por aqui senhora, sempre respeitoso e usando pronomes de tratamento.
Habilidoso com uma faca, até mesmo na cadeia, com uma faca artesanal, feita de gelo,
fez sangrar até a morte seu companheiro de cela por um simples desafeto sem que ninguém
descobrisse nada sobre o crime. O gelo derreteu em meio ao sangue quente e ele, detido e
revistado minuciosamente, não possuía qualquer arma nem com ele, nem na cela.
Cara a cara, frente a frente com o perigo é claro que o espanto de Ferreira foi medonho
ao ser desamarrado e lhe ser oferecido um galeto ainda embalado pelo restaurante. Comeu,
sem medos ou remoço, afinal se a vontade e Lúcio fosse matá-lo, com ou sem veneno, ele
estaria morto.
Conversaram durante a refeição uma conversa cuidadosa. Cada ato e palavra eram muito
bem colocados por cada um deles como se num jogo de xadrez.
- Ferreira o seu nome, não é isso? – perguntou Lúcio com sua fala mansa e lenta.
- Isso mesmo, Ferreira. Nós nos conhecemos? – Ferreira precisava ganhar tempo para
entender o que ali se desenrolava.
- Estivemos na penitenciária juntos homem, não finja que já se esqueceu dos amigos de
presídio. – os olhos de Lúcio investigavam cada reação.
- Sim, é isso! – terminou a exclamação com um grande sorriso.
- Minha cabeça ainda dói, levei uma forte pancada nela. Reconheci você, sabia que lhe
conhecia. Mas estou tão atordoado que não conseguia localizá-lo. Lúcio Feroz! É esse seu nome,
não é?
- Não, apenas Lúcio. O feroz era um apelido da cadeia. Nunca gostei dele, mas lá era útil.
- O que você está fazendo aqui? – ele perguntou com um sorriso sarcástico iluminando
seu rosto.
- Pensei, sinceramente, que você pudesse me dizer algo sobre isso. Eu estava em casa,
uns caras estrangeiros foram me roubar e me atraquei com um deles, mesmo eles estando
armados. Devo ter levado uma forte coronhada. Só sei que acordei aqui, cabeça quebrada e
doendo muito e todo amarrado e amordaçado.
- Desta vez eu consegui te salvar. Nem sei como. Mas vou ficar muito enrolado com isso.
Os caras são da barra pesada. São estrangeiros. Dirigi para eles. Vieram do aeroporto do Rio

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direto para cá e já conseguiram armamento e estão bem equipados e parecem ter muitos
contatos. Pegaram você, enfiaram no carro e me procuraram para te guardar em algum lugar
até você dizer para eles onde está o dinheiro. – ele falava sério e olhava fixamente para
Ferreira.
Ferreira tentou ganhar tempo e fingir não saber do que ele estava falando. No instante
seguinte abriu uma sonora gargalhada e num quase resmungo:
- Dinheiro. Como um ex-presidiário vai conseguir dinheiro? Esses caras são é maluco! –
fez o seu melhor, tentou liberar ao máximo seus atos representando como se fora um ator.
Lúcio deu-lhe, imediatamente, uma forte bofetada.
- Tá pensando o quê. Quer me fazer de trouxa. Você sabe o quanto estou me arriscando
vindo aqui trazer comidinha pra você? Estou aqui para fazer um acordo e te livrar destes caras.
Mas quero ganhar uma bolada com isso, é claro. E se você insistir que não tem “bolada” largo
você à sua própria sorte e só garanto que se os caras não te matarem eu mesmo mato. – Lúcio
era outro homem quando se revelava.
- Não existe bolada nenhuma. O que existe é um boato de que um estrangeiro que
morreu no presídio tinha se dado bem num grande assalto e tinha trazido todo dinheiro para o
Brasil. – ele tomou fôlego e continuou antes de levar outra bofetada que já se desenhava no
rosto de Lúcio. Afinal ele estava totalmente em desvantagem.
- Acontece que ninguém sabia mais nada. Eu consegui descobrir a casa que o cara
morava antes de ser preso. Hoje invadi a casa e estava vasculhando tudo quando estes loucos
entraram ostensivamente na casa, me encontraram e o resto... O resto você sabe melhor do
que eu. – respirou fundo. Escapara da bofetada.
- Você acha mesmo que só isso vale a sua vida e o meu risco? Você ainda está brincando
comigo. Se for só isso você pode começar a rezar que logo logo vai estar morto.
O filho de Ferreira não estava em uma situação muito melhor que ele. Pelo contrário. A
única fonte de luz vinha da lanterna. Só que na queda ele parou numa barreira natural e no
impacto a lanterna saiu de sua mão se projetando para frente e caindo bem mais abaixo de
onde ele estava e iluminava apenas uma parede de pedra mais abaixo ainda deixando apenas
uma penumbra para cima.
Luis gritou o mais alto que pôde um palavrão como desabafo. O palavrão ecoou por toda
caverna e chegou ao grande salão superior como se viesse, ao mesmo tempo, de todos os
lados. Pelo menos se sabia que ele estava vivo e dentro da caverna, enquanto de Afonso nada
se sabia até aquele momento.
Um sussurro chegou aos ouvidos de Luis.
- Luis, é você? Por favor, não grita! Pode ter algum animal morando aqui.
- Afonso? Que bom ter te encontrado, você está bem? Cadê você?
Luis sente algo tocando suas costas e solta um grito.
- Calma, sou eu, estou bem atrás de você. Como você chegou aqui?
- Encontrei uma subida que passava por trás da pedra.
- Foi por aí mesmo que eu acabei caindo aqui. Já tentei subir, mas é íngreme, muito liso e
escorregadio. Eu perdi minha lanterna, ela rolou para o lado esquerdo, mas na escuridão total
preferi ficar parado até a vista acostumar. Só que é tão escuro que não adiantou. Agora, pelo
menos, tem a claridade de sua lanterna e já consigo ver minha mão e o seu vulto.
Enquanto falava ele foi se aproximando de Luis e agora estavam os dois juntos. Eles
foram tateando lentamente tentando descobrir, sem sucesso, onde estava a lanterna e parecia
que tudo levava mais para baixo, eles estavam em um patamar que descia em frente pela
direita e lateralmente pela esquerda. Mas eles não tinham como saber até onde era a descida.
Não dava para perceber nenhum ponto onde pudessem se segurar até que tateando o teto
Afonso descobriu um buraco onde eles poderiam subir. Pelo menos ali o piso não parecia ser
nem tão liso, nem tão úmido.
Com a ajuda de Luis ele conseguiu subir. Percebeu que podia ficar de pé e com muito
cuidado foi indo um pouco mais para frente. O chão acabava um passo depois, mas tinha espaço
suficiente para os dois. Agora foi ele quem ajudou ao Luis. Uma vez juntos Luis tentou descobrir
o quanto fundo era o buraco abaixo de seus pés e se não era apenas um buraco com o piso
continuando à frente. Sentou-se e foi, cuidadosa e lentamente, se aproximando da beira e

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abaixando o pé. O pé tocou numa pedra e logo abaixo em outra. Parecia ser uma escada de
altos degraus.
Era uma escada, sem dúvida. Era estreita, ia dando a volta na pedra, só cabia um em
cada degrau e eles foram juntos, encostados na pedra, descendo os degraus, uma a um, até
chegarem a um patamar.
Viram então uma luz. Mas ela não era fixa. Parecia flutuar distante e ia se aproximando
lentamente deles, mas era um foco e iluminava o que parecia ser uma grande ponte de pedra.
Eles ficaram assustados. Como explicar uma luz voando reta sobre uma ponte de pedra? Seria o
espírito de algum mineiro? Alguma espécie de vaga-lume gigante? Ficaram em silêncio,
agarrados, juntos, mas a respiração estava ofegante e impossível de controlar. Se fosse algum
animal iria sentir o cheiro deles, ouvir o respirar e os acharia com facilidade.
Capítulo 07 - Quem procura, acha!
Ferreira tinha o corpo dolorido. A cabeça latejava. Um assassino frio estava à sua frente e
o mataria sem qualquer remorso. Ele ganhava tempo comendo o frango que Lúcio lhe trouxera.
Tinha que pensar rápido, mas aquilo tudo desestabilizara Ferreira a tal ponto que ele sentia-se
claustrofóbico como se a montanha inteira fosse desmoronar sobre ele. Por tudo isso desistiu.
Restava-lhe apenas abrir o jogo e ele sabia que não poderia usar de meias verdades sob pena
de ser abandonado ali.
Imaginar-se ali, mais uma vez abandonado, novamente amordaçado e amarrado, cercado
de trevas, ainda mais sentindo agora todo o peso da montanha sobre si, ouvir os ruídos que
vinham do interior da gruta de onde dois gritos de pavor já ecoaram. Não, ele não ia resistir,
mas não podia se entregar assim, de graça. Tinha que conseguir negociar com Lúcio, pensou
enquanto comia.
- A bolada é bem grande, embora eu não saiba de quanto estamos falando. Mas, antes de
te contar qualquer coisa, quero ter certeza de que tenho chances de ficar vivo. – Ferreirinha
renascera das cinzas, voltava a ser o malandro, o marginal e estava novamente no jogo. Ele
sentiu isso na hesitação de Lúcio.
- Estou, até agora, sozinho nisso. – continuou Ferreira – Sei que sem apoio e sem equipe
não vou ter sucesso. Podemos formar uma dupla e contratar pessoal. Assim a bolada fica
dividida apenas entre nós dois e os outros vão ganhar o valor combinado. – calou-se torcendo
para que Lúcio cedesse à curiosidade e aceitasse uma parceria.
O silêncio foi sepulcral. Ferreirinha já estava desanimando e se vendo morto ali e agora
quando, sem palavras, Lúcio levantou-se e estendeu a mão para o lampião. Será que ele
cometera algum erro sem perceber?
Uma trovoada se fez ouvir e Ferreira sentiu que o teto ia desmoronar. Em outra parte das
minas o grupo de busca chegou a estancar por momentos. O ruído amplificado e ecoando no
interior da gruta fora fenomenal. Mas assustados mesmo ficaram Afonso e Luis que
instintivamente se agarraram ainda mais, um no outro, e quase caíram do patamar.
A luz misteriosa agora dançava iluminando as pedras. Ia da esquerda para direita, subia e
descia, voltava à direita num bailado assustador. Aos poucos a claridade se aproximava deles e
eles não tinham, naquele patamar, como se esconder. Luis sugeriu ao amigo:
- Vamos subir os degraus e nos esconder no corredor de onde viemos. – ao sussurrar com
o amigo descobriu que a voz humana sussurrada é bastante audível e logo a claridade iluminava
os dois.
A luz assustadora passou a ser o anjo da guarda dos dois jovens. Afastando-se deles ela
foi mostrando o caminho para uma descida segura movendo-se e parando em cada ponto de
apoio. Eles perceberam que a escada continuava só que muito irregular onde só um de cada vez
poderia seguir e teriam que descer literalmente sentados.
Eles estavam com medo, suavam, estavam realmente assustados. A iluminação focal não
permitia descobrir o iluminador que a guiava. Certamente não era ninguém do grupo, pois já
teria se identificado. Todavia a luz iluminava um caminho seguro de descida. Logo, sem
palavras, estavam se posicionando e desta vez foi Luis que assumiu a dianteira.
Ao tocar o primeiro degrau uma voz ecoou no enorme salão onde se encontravam. Ao
notarem uma voz feminina por traz da iluminação sentiram um enorme alívio e grande parte da
tensão se desfez como que por encanto.

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- Desçam devagar, sem qualquer pressa, passo a passo. Os degraus são firmes, mas tão
pequenos e afastados que não permitem o menor erro.
Aliviado também ficou Ferreira ao ver Lúcio estendendo-lhe a mão e num resmungo que
lhe era peculiar informar:
- Vamos sair daqui. Afinal posso lhe matar em qualquer lugar! – Lúcio divertiu-se com a
própria observação e rindo repetiu – Passo dar cabo de você em qualquer lugar mesmo! – desta
vez riu franca e divertidamente como se tivesse contado a mais hilária das piadas.
Ferreira aceitou o apoio de Lúcio e ao ficar de pé foi acometido de grande tonteira. A
coronhada havia feito um grande estrago. Recompôs-se a tempo de seguir Lúcio rumo à saída.
Respirou fundo e aliviado ao se sentir ao ar livre. O peso da montanha já não estava em suas
costas. Logo, porém, ficou sem entender nada.
Lúcio pegou no bolso um par de algemas e entregou a Ferreira.
- Usa isso que eu não confio nem um pouco em você. Vamos para Ponta Negra e você vai
dirigindo no banco da frente e saiba sempre que minha arma e eu estaremos no banco de traz.
– mais uma vez soltou um riso franco sem que Ferreira entendesse a graça da situação.
- No caminho trate de ir abrindo o jogo. Você tem o trajeto inteiro para salvar sua vida...
Ou não – riu mais uma vez sem qualquer outro motivo.
Dirigir algemado, com dor de cabeça, uma leve tonteira e cheio de dores não ia ser fácil,
mas era bem melhor do que qualquer outra perspectiva que o momento anunciasse. Ferreirinha
tomou acento como motorista e Lúcio sentou-se atrás dele, encostou o frio cano de sua arma
em sua cabeça e ordenou que partisse sem correrias e respeitando todas as leis de trânsito para
não chamar a atenção de ninguém.
Assim que o carro foi posto em movimento, ainda durante a manobra, veio a ordem:
- Vai cantando logo. Quero saber de tudo.
Estavam descendo para estrada quando ouviram sirenes e logo cruzavam com carros da
polícia civil e da federal. Lúcio, que se assustara sem saber por que tanto carro, estava agora
agachado no piso traseiro do veículo com o cano da arma encostado ao peito de Ferreirinha que
se viu morto. Felizmente os carros seguiram e em grande velocidade.
Nas grutas os rapazes chegaram ao mesmo patamar de sua guia, mas tinham pela frente
um grande buraco que ia de parede a parede de pedra e era esse o único caminho. Ou pulavam
ou subiam aquela escada louca. O melhor lugar para pular tinha um vão de mais de dois metros
e aumentava quanto mais próximo das paredes que tinham fendas como se o buraco subisse
por elas.
O pior de tudo é que eles não tinham espaço atrás de si para dar impulso. A mulher
recomendou que corressem lateralmente e pulassem. Afonso quis demonstrar toda sua
coragem, que andava bastante abalada, e se propôs a ser o primeiro.
Luis encostou-se na parede de pedra abrindo espaço para o companheiro. Ele só tinha
três ou quatro passos de distância para o pulo. Correu, pulou e...
Errou o pulo e a ponta de seu pé chegou a tocar na ponta da pedra do outro lado. O
desequilíbrio foi total e seu corpo pendia para trás. Vendo que ele ia cair de costas pelo vão,
lançando-se no abismo, a mulher tenta, desesperadamente, pegar-lhe as mãos.
Ele, num reflexo também estende a mão para ela e chegam a se tocar, mas o corpo dele
já está caindo pelo vão. Ele não vai conseguir escapar do abismo nem com a ajuda da mulher.
Lançando-se da pedra, sem espaço para qualquer impulso, Luis lança-se no ar como um
goleiro que tenta agarrar um pênalti. Ele não tentou vencer o vão, ele pulou em arco e no
caminho pegou a camisa de Afonso.
Luis só conseguiu colocar parte de seu corpo caído no chão do outro lado do vão ficando
com as pernas no ar, sem local de apoio. Afonso, que já estava caindo ficou em situação pior do
que Luis. Seus braços alcançaram o outro lado, mas ele escorregava para a morte sem
conseguir qualquer ponto de apoio.
Como se fosse um gato a mulher abaixa seu corpo pegando a camisa de Afonso e a calça
jeans de Luis e jogando-se para trás. Mas todo esse esforço só retarda a queda iminente, o
corpo de Afonso continua escorregando sem ter onde se apoiar.
Só que Luis consegue ficar de pé e pega um dos braços de Afonso. Nesse meio tempo,
mesmo caída no chão, a mulher gira e pega o outro braço. A luta agora é intensa. Resgatar

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Afonso da queda se mostra como tarefa mais árdua do que eles pudesse imaginar. Afonso está
desesperado, tenta se erguer, mas seu corpo continua lentamente escorregando para o abismo.
- Fique calmo, Afonso. Não lute. Procure um apoio para seus pés e deixe que nós
puxemos você. – estimulou Luis
- Isso mesmo, garoto. Procura com calma um apoio para seus pés. Mas mantenha a
calma. O desespero não vai salvá-lo. – veio em seu apoio a mulher.
Afonso não consegue se livrar do desespero, mas, mesmo desesperado, busca um apoio
para seus pés.
Como que por milagre o corpo estanca em sua queda. Afonso consegue por um pé numa
rachadura da parede de pedra e logo o outro na mesma rachadura. Se isso não traz
tranqüilidade ao grupo ameniza o desespero exacerbado.
Agora, mais calmos, eles procuram uma forma de salvar Afonso definitivamente. Rita, a
mulher que os encontrou, segura ambos os braços mantendo-os esticado e apoiando-se num
minúsculo ressalto do piso com um dos pés. Deitado no chão Luis se aproxima da borda e
consegue pegar o cinto de Afonso.
Afonso sente-se agora mais seguro. Suas mãos prendem os braços de Rita e as mãos de
Rita prendem seus braços, seus pés estão apoiados numa rachadura. Com o apoio de Luis que
lhe segura pelo cinto ele se atreve a buscar um apoio mais acima com seu pé direito, mas era
querer muito. Desanimado ele busca no outro lado apoio para o pé esquerdo e só encontra uma
pequena fresta afastada demais.
Eles combinam entre si. Afonso irá ao máximo para a esquerda de forma a manter o pé
direito na rachadura. Assim vai se aproximar da fenda e conseguir apoiar melhor o pé esquerdo.
Assim que ele apóia o pé Rita conta até três e todos fazem um último esforço conseguindo
trazer o corpo de Afonso para o patamar ficando agora só as pernas no espaço vazio. Logo,
fazendo seu corpo escorregar para o patamar, Afonso está a salvo.
Quando Luis aliviado olha em volta percebe Rita se afastando.
- Moça, moça, não nos deixe, não nos abandone, estou com medo, muito medo.
A sinceridade daquele jovem faz com que ela volte e eles se apresentam.
Capítulo 08 – O passado faz diferença
Eles estavam exaustos, a salvo, mas exaustos. Rita ainda estava impressionada pela sua
facilidade de comunicação após tantos anos de isolamento voluntário. Cedera ao apelo dos
jovens e agora era seguida por eles no emaranhado de corredores, túneis e passagens daquele
verdadeiro labirinto.
Ela parou de frente para uma escada antiga de madeira.
- Aqui sobe apenas um de cada vez. A escada pode não suportar tanto peso.
Luis foi o primeiro a subir e se deparou com a plena escuridão ao seu redor. Subiu e
parou na borda iluminada. Logo Afonso juntou-se a ele e também parou na borda. Rita riu ao
encontrar a subida quase obstruída. Assim que seu capacete passou pelo buraco no teto os
rapazes perceberam que estavam em um grande e plano salão cheio de pilastras de pedras.
Nenhum deles sabia que ali, no passado, havia grande concentração de ouro e pedras
preciosas e semipreciosas. Da pedra bruta restaram apenas as pilastras a curta distância uma
da outra. O teto irregular ia de dois a três metros de altura. O piso era quase regular.
Se não fosse noite eles poderiam perceber que havia três cavidades no teto que levavam
luz solar e ar puro para aquela área e deveriam ter mais de dez metros de altura.
Rita contornou a parede próxima ao buraco por onde subiram e os rapazes se
espantaram, estavam “na casa” de Rita e ali tinha de tudo.
Quando ela acedeu dois lampiões eles puderam reparar uma poltrona sem braços que
ficava a uns 60 cm do chão, feita totalmente de papelão, com o encosto e assento de espuma.
Uma mesa de pedra com o tampo quase liso com muita madeira e capim seco ao seu lado. Logo
eles descobririam que ali era a cozinha. A mesa, na realidade, era um misto de lareira e fogão.
Nas cavidades das paredes de pedra Rita guardava algumas panelas. Noutro lado alguns
panos dobrados. Numa curva da parede estava um antigo barril de madeira cheio de líquido até
a borda que transbordava.
Querem água? Eles queriam, mas não imaginaram que ali houvesse água. Agora que se
aproximavam do barril viam um fluxo constante abastecendo o barril e a poça formada sob ele

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escoava por um caminho de pedra até um buraco. Eles podiam ouvir o barulho da água caindo
muito abaixo de onde estavam.
Rita estava, talvez pela adrenalina que minutos atrás se espalhara por seu corpo, muito
receptiva e explicava que ela encontrara ali um verdadeiro abrigo. Tinha água pura inesgotável.
Uma fonte que ela acreditava ser de água filtrada das chuvas. Este, como outros pequenos
cursos de água abasteciam as lagoas das grutas de Spar.
Ela estendeu, para cada um, um copo de vidro cheio daquela água. Ela estava bem gelada
e deliciosa. Eles beberam e repetiram acompanhados por ela. Só então começam a conversar.
- Desculpe moça, mas nem sabemos seu nome. Não queríamos dar tanto trabalho assim,
mas estamos perdidos. - Falou Luis e, ainda agitado com os acontecimentos, prosseguiu: - Eu
fui subindo numa pedra na entrada da gruta e me vi num corredor que de repente acabou sob
meus pés.
- Eu sei, disse Rita, o escorregador. Quando não tem ninguém nas grutas eu brinco ali.
- Brinca! Mas é tão escuro.
- Eu sempre uso o capacete, tenho lanternas e lampiões nos lugares que freqüento.
- Mas se cada vez que se for lá tiver que descer aquela escada e pular aquele precipício...
Rita, pela primeira vez em muitos anos deixou o riso lhe contagiar. Ainda rindo explicou:
- Se você virar a esquerda na descida tem outro escorregador, virando à direita você sai
quase no lago e então é só dar a volta e ir novamente para a entrada. E não esqueça que aqui
eu tenho todo tempo do mundo.
- Mas... Você mora aqui mesmo?
- Vou confiar em vocês, afinal vocês já me viram mesmo. Só peço que não contem a
ninguém sobre a minha existência, eles iam achar que sou louca e iriam querer me tirar de
minha casa.
- Eu sabia; você mora aqui.
- Vim morar aqui depois que fiquei órfã. Eu já perdi um pouco a noção de tempo, mas
deve ter uns três anos no mínimo.
- Você é órfã. – perguntou Luis – E veio morar nesta escuridão sozinha? Eu acho que você
é louca mesmo. – disse rindo.
- Não é bem assim. Eu praticamente já morava aqui. Minha mãe namorou um gringo e
vinham aqui quase todo dia. Logo estávamos conhecendo bem as grutas. Era comum ficarmos
nas grutas e dormir nelas.
- Do outro lado o cheiro é muito ruim e não dá para ficar. Não sei por que, mas deste lado
a gruta tem muito pouco morcego e praticamente não fede. Acho que é porque do outro lado
tem muita árvore frutífera.
- O único acesso para este salão é aquela escada e ela nunca está ali. Só estava hoje
porque ouvi os gritos de desespero vocês e fui resolvi acudir. Como essa parede envolve quase
toda a entrada eu posso deixar a luz acesa e os morcegos não gostam de claridade. Isso sem
falar do próprio sol que entra aqui por três túneis naturais no teto.
- Quando o namorado dela foi preso minha mãe ficou com medo de voltar para nossa
casa e ser presa também. Passamos a morar aqui. Um dia ela saiu para fazer compras e não
voltou. Senti muito medo. Pela primeira vez dormi aqui sozinha.
- No dia seguinte fui à cidade e soube que uma mulher tinha sido assassinada num
assalto. Aos poucos, apurando mais e mais detalhes da notícia, tive certeza que era minha mãe.
- Como você soube que era ela? – agora foi Afonso que pela primeira vez falou.
- Os homens que a mataram eram estrangeiros e queriam roubar dela um mapa, só podia
ser os capangas do namorado dela. Eles estiveram hoje aqui, eu os vi e me escondi. Eles são
muito perigosos.
- Mas por que eles acharam que ela teria um mapa e que valor um mapa pode ter?
- É uma longa história. O namorado da minha mãe chegou ao Brasil com muito, muito
dinheiro. Diziam que ele era ladrão, mas minha mãe nunca acreditou até que ele mesmo contou
pouco antes de ser preso.
- Ele guardou o dinheiro aqui nas grutas. Aos poucos ele foi vendendo esse dinheiro pela
metade do seu valor para um tal de Errobert, ele falava muito mal o português. Logo o Errobert
pagava só um terço do valor e o Hans começou a procurar outra pessoa para trocar seu

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dinheiro. No dia que ele ia vender o restante todo pela metade do valor é que ele foi preso, em
casa, pela polícia federal, mas ninguém encontrou o dinheiro, eu não sei onde ele escondeu.
- Minha mãe foi escondida muitas vezes até a casa, vasculhou tudo e não encontrou nada.
Ela pediu a um primo para tomar conta do imóvel e alugá-lo. Com a morte dela ele herdou o
imóvel, eu preferi não o deixar saber onde eu estou.
- Dona...
- Rita, meu nome é Rita, Afonso.
- Ué, como você sabe meu nome?
- Você é Afonso e ele é Luis. Pelo menos é com esses nomes que um vem chamando o
outro.
Os três riram da inocência deles.
Rita pegou a folhagem seca e pôs sob a “mesa”, em seguida arrumou algumas madeiras.
Os garotos perceberam as cinzas sob a “mesa”, e ela acendeu o fogo que logo aqueceu e
iluminou o ambiente.
Eles ficaram ali conversando e agora eram eles que falavam de si e num dado momento
Afonso se deu conta que não estavam mais perdidos. Rita conhecia as grutas e seus caminhos.
Todo pessoal devia estar muito preocupado e eles ali conversando como velhos amigos.
- Rita, você pode nos levar até onde está nosso grupo?
- Claro que posso. Pensei que vocês estavam aqui curtindo a aventura.
- Estamos, mas eles não. Eles devem estar desesperados com o nosso sumiço.
- Vocês querem ir ao encontro deles?
- Queremos. – respondeu Luis.
- Só não comentem a minha presença. Por favor. De qualquer forma eu hoje à noite
tenho mesmo que sair. Vamos até eles.
No carro Ferreirinha, depois de passar pela polícia viu-se mais aliviado. Logo chegaram à
estrada. Lúcio o mandou parar. Ferreira chegou a se preocupar, mas Lúcio soltou do carro, deu
a volta, sentou na frente ao seu lado, colocou o cinto de segurança, soltou as algemas e disse:
- Vamos para Ponta Negra pela Avenida Central e nada de gracinhas.
Ferreirinha logo entendeu. Apesar de o caminho ser bem mais longo e lento pelo estado
da pista é também mais discreto e com menos risco de esbarrar com a polícia.
No caminho, sem alternativas, Ferreirinha foi detalhando tudo que já contara. Só uma
coisa não fez, dar a localização da casa e nem detalhou muito bem sobre o mapa falando
apenas que o mapa parecia um desenho infantil.
Chegaram à casa de Rosa, irmã de Lúcio, e Ferreirinha foi apresentado como um amigo
que devia a ele uma grana e que ia ficar aquela noite na casa dela de castigo para aprender a
não enganar os amigos. Rosa fingiu acreditar, ela amava, mas também temia o irmão por sua
violência gratuita.
Ferreira viu-se sentado um sofá e com a mão algemada na grade interna da janela não
teria qualquer conforto, mas era muito melhor do que aquela gruta, isso era.
Lúcio, com a delicadeza que lhe era peculiar, praticamente mandou a irmã cuidar dos
ferimentos de Ferreirinha. Disse que voltaria na madrugada e que ela não se preocupasse.
Ele já estava no carro quando Rosa o alcançou. Ela pediu as chaves da algema. Irritado
ele quis saber por que e ela disse que não queria ter seu sofá mijado nem manchado de
medicamentos e sangue. Ele concordou, mas preveniu que se ela deixasse o homem escapar
sofreria as conseqüências.
Lúcio partiu e nunca mais voltou. Mataram-no em pleno centro da cidade, bem em frente
à igreja. O assassino fora um motoqueiro e estava sozinho.
Rosa estava no banho quando a polícia chegou. Sirene ligada. Apavorada com a sirene e
as batidas na porta ela enrolou-se na toalha, soltou Ferreirinha da janela, escondeu as algemas
e atendeu a porta.
- A senhora é a irmã de Lúcio dos Santos, vulgo Feroz? – perguntou o policial entrando na
casa e olhando tudo ao redor.
- Sou a irmã dele sim. Por que, ele fez outra besteira? – perguntou Rosa preocupada.
- Não senhora. Desta vez fizeram uma besteira com ele.
Rosa não entendeu no primeiro momento e perguntou diretamente:
- O que aconteceu com ele?

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- Foi morto no centro da cidade e a senhora e seu marido vão ter que ir lá para
reconhecer o corpo.
Ela ia dizer que Ferreirinha não era seu marido, mas olhou para ele e percebeu ele
balançar discreta e negativamente a cabeça. Entendeu. Acatou.
- Vou me arrumar rapidamente.
- O que aconteceu na sua cabeça? – perguntou diretamente a Ferreirinha o policial já
mudando de atitude e empostando a voz.
- Bebi demais na noite passada e cai na porta do bar. Para meu azar a cabeça foi direto
no meio fio. O médico lá da emergência disse que eu dei sorte. Veja só! Sorte.
- Ainda quando cheguei em casa quase que apanhei da Rosinha. Ela é ciumenta que dói e
como gosta de bater em mim. Não agüenta uma tapa. Mas eu não bato em mulher e fico só me
defendendo. O senhor é casado e sabe como é.
- Mas, chefe, passado o primeiro instante, - continuou como uma matraca Ferreirinha -
quando ela me viu, machucado e sujo de sangue, ai sim eu acreditei que dei sorte. Foi só
carinho. – e falando baixinho para Rosa não ouvir: - Por isso que ela já fez de tudo e eu não
troquei a roupa. Cada vez que ela olha para mim vem pro meu lado, cheia de dengo. Tá me
mimando e muito.
- Parece que o senhor nem ligou para a morte de seu cunhado.
Ferreirinha cortou de pronto e, ainda baixinho: - Não liguei mesmo! Ele era o cão em
pessoa. Sabe, ele batia na irmã. Eu me sentia impotente. Ele nunca bateu na minha frente, mas
quando eu chegava em casa e via ela machucada era uma briga para eu não ir tomar satisfação.
- Rosa sempre me lembrava que ele vivia armado. Ele estava armado, não estava?
- Isso não lhe interessa. O senhor e sua esposa vão ter que prestar depoimento na
delegacia. Vamos logo dona. Eu não tenho a noite toda.
Rosa estava chegando à sala amarrando um lenço à cabeça.
Capítulo 09 - O alarme foi dado
Enquanto Lúcio levava Ferreirinha para a casa de sua irmã as viaturas policiais chegavam
à grande entrada das Grutas de Spar.
As sirenes alertaram Paulo que acompanhado por Bia saíram da gruta abandonando
momentaneamente as buscas para verificar quem chegava e que notícias traziam.
Na trilha, estacionados, estavam um carro da polícia civil seguido por outro da polícia
federal. Dois homens estavam próximos as viaturas e outros três acompanhados de uma
menina já estavam praticamente na entrada e foram de encontro ao casal. Paulo reconheceu de
imediato Roberto que se dirigiu diretamente para ele.
- Como vai parceiro. Estes são João e Alfredo. A menina, acho que você até já conhece, é
a Marisa.
- Tudo bem João? E ai Alfredo? Paulo as suas ordens. E você Marisa, já faz tempo, não?
Marisa, talvez por ser mais baixa, pendurou-se no pescoço de Paulo ensaiando um abraço
que viria depois dos dois beijinhos, um em cada face e não correspondido. Paulo afastou o corpo
da menina de seu corpo e para desconforto e embaraço dela foi logo apresentando aos seus
colegas de profissão a esposa Bia.
- Já soubemos do desaparecimento dos rapazes – disse Roberto rindo da situação
constrangedora que se desenhava - mas o que nos traz aqui é fato mais ainda mais grave.
- Não sabia que você estava no interior. Como vão as coisas por aqui? – retrucou Paulo
mantendo o foco de sua atenção exclusivamente em Roberto e ainda assim percebendo o rubor
nas faces de Marisa.
- Soubemos da presença de um grupo de três homens estrangeiros sem acompanhantes
femininas em Maricá, fato raríssimo, e procedemos. Conclusão: são do bando do Hans, aquele
alemão que praticou um grande roubo e, todos acreditam, trouxe o resultado da operação para
o Brasil. Ele foi preso aqui em Maricá e depois de alguns anos foi deportado. Mas o dinheiro do
assalto nunca foi encontrado.
- Roberto, você tem algum documento ou foto deles. Acho que estiveram aqui hoje. –
retrucou Paulo.
Alfredo pegou na sua bolsa uma pasta e passou a folhear seu conteúdo acompanhado
pelo olhar atento de Paulo. Quando começaram as fotos Paulo estendeu a mão para o policial
que lhe entregou todo o volume.

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Cada folha trazia uma foto no canto superior esquerdo, à direita os dados de cadastro da
pessoa e abaixo todo um histórico pessoal e policial de cada um. O formulário era da Interpol e
tinha muitos detalhes. Assim Paulo foi reconhecendo e passando a conhecer um pouco de cada
um deles: Franz Becker, Jügem Bayer e Lotar Walter, o brasileiro do grupo que possuía dupla
nacionalidade, apenas isso já o preocupou
Em seguida tinha um grupo de páginas amarelas que ele sabia ser de dados confidenciais
da polícia federal. Ali tinham dados de detentos brasileiros que tiveram contato direto ou
indireto com Hans. Entre eles estava o Lúcio que estivera pela manhã com o grupo naquela
mesma gruta.
A página seguinte fez Paulo ficar piscando seguidas vezes, um hábito que denunciava
grande preocupação. Ali estava uma foto do Luis, que estava desaparecido no interior das
grutas. Ao ler as informações se deu conta que não era a foto de Luis e sim de seu pai,
conhecido como Ferreirinha. Agora se lembrava de tudo. Ele prendera há alguns anos o
Ferreirinha, pela semelhança ele provavelmente era um parente bem próximo de Luis, talvez até
mesmo o pai dele.
Ele guardou esta informação e sua grande preocupação apenas para si. Bia percebera a
momentânea reação do marido, mas ali não era hora nem lugar para falar do assunto. Voltou a
reparar em Marisa daquela forma que só mulher desconfiada sabe fazer.
Marisa aparentava ter dezoitos anos apesar de Bia poder jurar que ela tinha bem mais
que isso, sua saia rodada e quadriculada era tão curta que realçava escandalosamente suas
grossas coxas até a altura dos joelhos. Logo abaixo um par de meias três quartos brancas
desciam-lhe pelas pernas acabando num tênis de grife.
Da cintura para cima Marisa também esbanjava sensualidade. A grossa malha branca
sobre o corpo sem sutiã desenhava todo o contorno de seus seios fartos e rijos forçando o
tecido a tal ponto que permitia perceber a auréola escura dos seios contrastando com a
brancura de uma pele quase transparente e cabelos ruivos quase aloirados. O frio do inicio da
noite intumescia os bicos das mamas e eles se pronunciavam apontando para cima.
As atitudes irrequietas da menina davam aos fartos seios um balouçar que atraia a
atenção dos policiais ao seu redor apesar da presença de Bia. O único que se manteve distante,
quieto e quando olhava para a menina mantinha seu olhar exclusivamente em seu rosto, foi
Paulo, para a sorte dele.
A menina, depois de enrubescer e se mostrar desconcertada manteve-se calada e exposta
ao atento exame de Bia que, é claro, não passava despercebido. Só depois de Paulo examinar
todo o conteúdo da pasta ela se pronunciou:
- Como você pode ver, Paulo, o grupo é perigoso. Nossas investigações indicam que eles
já possuem alguns contatos aqui em Maricá. Vou ter que me misturar a um grupo insuspeito
para vigiar a casa que o Hans morava quando foi preso. Você reconhece a casa da fotografia?
- Casa? Que casa? – retrucou Paulo ainda com a pasta na mão e voltando a folheá-la.
Logo encontrou a foto que estava logo no início da pasta, nas folhas que Alfredo passara
buscando as fotos dos estrangeiros. Rompendo com tudo que os colegas podiam esperar dele
ele estende para Bia a pasta aberta na folha que mostrava a casa branca, numa curva da praia,
em Maricá, com uma amendoeira nova no quintal bem em frente a uma antiga amendoeira já na
areia da praia.
Logo os colegas assustados compreenderam seu gesto.
- Eu aluguei esta casa e estou passando as férias ali com a família.
Antes de qualquer outro pronunciamento Marisa se antecipou: - Ótimo, vou ser sua
hospede. – depois de breve instante de um silêncio sepulcral completou – se a sua esposa
concordar, é claro.
Agora Bia já sabia que Marisa era uma agente federal, colega de trabalho de seu marido.
Ela confiava plenamente em Paulo e, para alívio de todos, aquiesceu com um simpático sorriso.
Paulo, todavia, fez questão de registrar. Só que você, nesta investigação, não vai ser
nada minha. Será apenas uma amiguinha de minha filha, compreendeu?
Todos riram e a situação desanuviou-se de vez.
João, que até o momento ficara calado, pronunciou-se já se despedindo em nome do
grupo:

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- Lamentamos não poder ajudar nas buscas aos rapazes, mas ainda hoje estaremos
recebendo um agente da Interpol e temos que passar todo o caso para ele. Só a Marisa foi
dispensada para, desde já, ir se juntando ao grupo jovem e iniciar suas investigações.
Paulo, Bia e Marisa cumprimentaram aos agentes e enquanto eles desciam até a viatura
eles já sumiam na escuridão da “boca” da gruta.
Paulo, já no interior da gruta, interrompeu seus passos fazendo com que as duas também
parassem.
- Como vamos introduzir a Marisa, Bia?
Depois de um breve silencia Bia responde:
- Converse com André, que é muito mais reservado do que a Andréia e peça a ajuda dele.
Ela pode ser uma colega de escola, uma vizinha...
- Excelente idéia! Esperem-me aqui mesmo. – Paulo falou e saiu descendo em direção ao
local onde sabia estariam todos procedendo às buscas.
Pouco depois André estava retornando ao grupo com Paulo. A aventura de participar de
uma investigação oficial mexera com ele e Bia podia perceber sua indisfarçável alegria.
Marisa se manteve calada enquanto a família decidia como introduzi-la. A conversa se
alongava e parecia não ter fim. Subitamente ela se aproxima de André, pega o braço dele e põe
sobre seus ombros e sua mão passa em redor da cintura do rapaz. Ela então decreta:
- Já sei. Eu sou a mais nova namorada dele e vim, de surpresa, conhecer a família dele.
Você tem namorada André?
André, BV como seus colegas da escola o chamavam durante as encarnações, louco para
deixar de ser “Boca Virgem”, se abraçou àquela oportunidade com unhas e dentes.
- Excelente! Não podia ser melhor! Isso mesmo, somos namorados! Claro que eu nunca
tive namorada...
Falou demais e calou-se diante da confissão indesejável e sua atitude deu tal relevo à sua
última assertiva que todos sorriram e concordaram que isso podia dar certo. Na verdade Paulo
não gostou nem um pouco da idéia. Bia, embora dando força, também não gostara. Mas André
estava regozijando e eles assentiram para não decepcionar o rapaz. Paulo resolveu que mais
tarde imporia algumas regras.
- Bem, vocês ficam combinando algumas coisas: onde se conheceram, onde ela estuda,
há quanto tempo namoram, como ela veio parar aqui nas grutas... E depois se juntem ao grupo
de buscas.
Os pais se afastaram ainda rindo das reações de André. Certamente aquele dia seria
inesquecível para ele. Estava inserido numa investigação, ganhara uma “namorada” linda e
tantas outras coisas deviam estar passando por aquela cabecinha que ele parecia não caber
dentro de seu corpo.
Marisa, por sua vez, pensava consigo mesmo: “Desta vez vou me vingar do Paulo.
Sempre me esnobou, me evitou e agora me entrega o filhinho dele. Esse pirralho vai é ficar
apaixonado por mim!”
Enquanto conversavam Marisa se manteve abraçada ao menino, aos poucos foi rodando
seu corpo e conversava bem pertinho dele, quase colada. Em sua perna a presença do jovem se
anunciava. Ele já não conseguia articular perfeitamente suas frases perdendo-se em meio a
elas. Os olhares iam dos olhos para os lábios. Marisa já acariciava a mexa de cabelo que caia
sobre o rosto do embevecido André.
Ela foi aos poucos mudando de assunto:
- Você sabe beijar gostoso. Espero que saiba por que vamos ter que nos beijar quando os
outros estiverem junto de nós. – André não podia responder a esta pergunta sem contar a ela
que nunca beijara, ficou calado.
- Deve beijar muito bem. Você é muito bonito e atraente. As meninas não devem lhe
resistir. – Ele sorriu querendo muito que isso fosse verdade.
- Você deve ser um homem delicioso, pelo menos pelo que posso sentir. – Ela falou e
colando-se ainda mais ao corpo de André que ficou palpitando ainda mais e mais forte.
- Sabe, estou louquinha para ser beijada. – Ela falou, afastou apenas o colo colando ainda
mais o resto do corpo nele que desajeitado já acariciava suas costas. Ato contínuo puxou sua
cabeça para baixo aproximando-a de seus lábios.

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Ela, como golpe de misericórdia, falou sussurrando e soprando no ouvido dele: - Me
abraça forte, quero sentir seus carinhos... – ela buscou a palavra mais propícia para aquele
momento – você está deliciosamente me enlouquecendo.
Ela continuava sussurrando e soprando no ouvido dele, que já estava totalmente
arrepiado, enquanto ela seguia insinuando-se.
Enquanto ele, desajeitado, tentava corresponder aos estímulos recebidos ela veio
descendo com beijinhos desde a orelha, pela face, até ao redor dos lábios dele que ela beijava e
lambia o contorno.
Quando finalmente ele lhe aperta e puxa para si a cabeça dela dando seu primeiro passo
por iniciativa própria ela toma seu lábio inferior, mordisca e logo em seguida beija-lhe a boca
com maestria até chegar à sofreguidão.
André não resiste. Ela percebe seu embaraço e beija-lhe realizada. Enquanto ele recebe
carícias inusitadas e tem sua boca beijada das mais diversas formas, sente a língua daquela
deliciosa mulher brigando com a sua e novamente é tomado por intenso desejo. Ela toma a mão
que ele usa para acariciar seu rosto e passa a beijá-la. Logo cada um de seus dedos está sendo
sugado e ele experimenta novas sensações. Eles voltam a beijar-se e ela passa a digladiar com
a língua dele num furioso e ardente beijo.
Enquanto estes fatos se desenrolavam Rita seguia à frente dos rapazes pelos labirintos de
corredores, subidas e descidas. Afonso agora percebia que Rita deveria ter pouco mais idade
que eles. Era forte. Estava vestida com malhas largas e novas. Apesar da malha e ela própria
estarem sujas ele percebia que ela era asseada, cabelos lisos e negros, tipo de índia, bem
tratados, pele hidratada, mas muito bronzeada. Deu-se conta que ela possuía um bom
vocabulário e se expressava muito bem. Lembrou que entre outras coisas viu revistas e livros na
“casa” de Rita. Para mulher ela era bem alta, beirando 1,70m, pouco menos. Dentes brancos e
perfeitos. Apesar das largas malhas ele podia adivinhar-lhe um corpo bem feito e ela tinha uma
beleza exótica, talvez pelos grandes e expressivos olhos negros.
Rita podia morar nas grutas, mas não vivia exclusivamente nelas. Seus cabelos eram
cortados, sua roupa era nova como seu tênis. Era uma figura bastante interessante e muito
atraente e inteligente. Além de tudo isso ela era especial. Salvara-lhe a vida!
Foi neste instante que Rita interrompeu seus pensamentos informando aos dois que eles
iam descer por um buraco no teto o máximo que pudessem e depois deixar o corpo cair nas
águas do grande lago mantendo as mãos erguidas para não molhar a lanterna. Eles estariam
bem próximos das margens do grande lago e não precisavam temer nenhum monstro, pois ali
só havia peixes deliciosos.
Recomendou que tão logo caíssem na água chamassem o grupo informando que estavam
no lago para terem a exata noção de para onde deviam ir.
- E você – perguntou Afonso que já estava envolvido com aquela mulher sentindo por ela
um grande carinho e muita gratidão – não vem conosco?
- Lembre-se – retrucou sério Rita – eu não existo. Não contem a ninguém da minha
presença aqui. Quando um de vocês quiser me ver, volte e na grande entrada grite bem alto seu
próprio nome e esperem o canto de um pássaro assim (assoviou imitando com perfeição um
canário). Sem deixar ninguém perceber e com a lanterna amarrada desçam pelo escorregador
que eu estarei lá para recebê-lo.
Um sentido de urgência tomou conta dos dois jovens. Temerosos, primeiro Luis e depois
Afonso que abraçou e beijou carinhosamente as faces de Rita em inesperada despedida,
lançaram-se pela fenda no piso e deixaram, confiando totalmente nela, o corpo cair para o lago
que ficava poucos centímetros abaixo deles.
Passaram a chamar pelo grupo informando que estavam no lago e logo uma claridade
crescente foi surgindo e eles passaram a nadar naquela direção.
Foi uma grande euforia que envolveu até os bombeiros encarregados de promover e
orientar as buscas.
Eles tinham muito a contar. Todos estavam curiosos. Mas a noite ia longe e eles estavam
a pé e ainda tinham uma longa caminhada até suas casas.
Enquanto eles, entre abraços e alegres, discutiam como ir embora dali, Rosa saia trêmula
de sua casa, acompanhada de seu “marido” Ferreirinha que ela duvidava poder realmente

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confiar, e entrava no banco de trás da viatura policial que viera lhe buscar para identificar o
corpo do irmão assassinado.
Aos poucos Rosa foi se dando conta de dois fatos distintos:
Um que lhe deixava deprimida demais. Perdera seu irmão, seu arrimo, seu apoio e de
certa forma seu sustento;
Outro que lhe trazia a tranqüilidade de nunca mais ser assustada no meio da noite com a
chegada do irmão embriagado, ou de seus amigos abusados e violentos, ou de seus desafetos.
Nunca mais apanharia calada e submissa. Nunca mais assistiria as orgias promovidas pelo irmão
e sua casa. Nunca mais receberia a notícia que Lúcio fora preso.
Durante todo trajeto seu choro foi manso e contido, quase imperceptível, mas ao se
deparar com o corpo do irmão estendido no chão frio da praça, sobre uma poça de sangue,
ajoelhou-se, olhou para a cruz na torre da igreja já sem fôlego, respiração suspensa e num
suspiro que engolia seu grito de agonia desabou num dolorido pranto. As lembranças da infância
alegre ao lado do irmão se sucediam e rasgavam em chagas seu peito machucando-a com uma
dor que parecia física.
O silêncio foi contagiante. Todos se calaram em respeito àquela sofrida dor.
Ferreirinha? Este sumiu entre os muitos curiosos, desaparecendo totalmente. Quem
quisesse encontrá-lo teria que ir para sua casa e esperar por longo tempo. Ele seguiu
lentamente, a pé, e mantendo-se bem longe das principais ruas e estradas.
Capítulo 10 - Madrugada Agitada
O grupo estava saído da gruta alvoroçado com o sucesso das buscas e o reencontro com
os amigos. A emoção tomara conta do grupo com tal intensidade que ninguém, na escuridão
iluminada por lanternas, notara a presença de Marisa.
Esta, por sua vez, pediu a lanterna de André emprestada e iluminando sua bermuda entre
as pernas sugeriu a ele que desse um mergulho no lago antes de saírem. Ao ver-se exposto,
com a mancha denunciando o prazer que Marisa lhe proporcionara ficou mais do que acanhado
na presença da menina, mas teve que concordar com ela e correu para a água mergulhando
para disfarçar a maldita mancha.
Cabisbaixo foi seguindo para fora da gruta sem se juntar a Marisa. Ela queria conquistá-lo
e com esse objetivo em mente fez questão de alcançá-lo e se abraçar a ele. Percebendo seu
acanhamento dissimulou abaixando a cabeça e levantando os olhos para fitar os olhos dele e
confessou:
- Você foi o único homem que conseguiu me desconcertar só me beijando. Não queria,
mas vou confessar que eu também cheguei ao orgasmo com suas carícias. Você é maravilhoso,
por favor, não me evite, não me abandone, deixe-me seguir ao seu lado.
Na inocência de seus quase quinze anos, André sentiu seu ego massageado, sentiu-se
homem, na verdade estava experimentando uma instantânea, maravilhosa e deliciosa excitação.
Quando ela se abraçou a ele, mesmo com seu corpo molhado, foi ele, que cheio de coragem,
buscou seus lábios, ainda desajeitado, mas transbordando emoção. E, claro, foi correspondido e
ela “apaixonou-se”. Como são tolos os homens...
Quando o grupo chegou à “boca” das grutas viram aproximando-se uma grande van.
Paulo imediatamente busca a bolsa de Bia imaginando que provavelmente os marginais
estrangeiros voltara. Bia também se mostrou assustada. Quando o farol passou por eles
permitindo que recuperassem a visão perceberam que o carro era totalmente diferente e nele só
tinha o motorista, mais ninguém.
O motorista saltou da van e chamou por Paulo. Notava-se que ele não sabia quem era.
Paulo se anunciou e se aproximou dele com a mão dentro da bolsa de Bia que ia pendurada em
seu ombro. Logo tudo se esclareceu. Roberto havia pedido a um amigo para dar apoio ao grupo
e ele trouxera sanduíches, café quente, refrigerantes, copos descartáveis, tudo já pago por
Roberto.
Aquilo foi dádiva divina. Paulo anotou que tinha que retribuir logo que possível o imenso
favor de Roberto e como todos do grupo atacou um dos muitos sanduíches. Enquanto comia ele
estimou que devessem ter uns 100 sanduíches, metade de queijo minas e metade com queijo
prato e presunto. Iam sobrar muitos.

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Os dez minutos que se seguiram fez com que ele descobrisse que a fome do grupo era
maior do que ele podia avaliar. Os sanduíches acabaram e alguns ainda buscavam com o canto
dos olhos para ver se não tinha algum perdido.
Estava na hora de ir embora e Paulo pediu uma carona ao motorista da van, pelo menos
até a estrada. Mas também isso já estava acertado, ele levaria todo o grupo até a casa da praia.
O grupo se despedia alegre dos bombeiros, que foram próximos e incansáveis durante
toda busca, e logo estavam todos acomodados na van a caminho de casa.
Ferreirinha, cansado de tanto andar, estava já próximo de casa quando percebeu um
movimento suspeito. Parou na esquina encostado ao muro e abaixado passou a observar sua
rua. Tinha um grande carro estranho ao local com uma pessoa ao volante. Dali não dava para
saber mais que isso.
Decidiu dar a volta no quarteirão e quando chegava à última curva percebeu um homem
escondido atrás do muro da casa de esquina espreitando a rua. Atravessou a rua e pode ver, no
outro lado da calçada, outro homem. Eram os estrangeiros que o tinham atacado na casa de
Hans. Ele não podia ir para casa e tinha que se afastar dali o mais rápido possível.
Voltando por aonde veio viu numa varanda uma bicicleta. Pulou o muro, pegou-a com
cuidado e logo estava se afastando em largas pedaladas, a que ponto chegara, agora roubava
até bicicleta de vizinhos. Só lhe restava ir para a casa de Rosa, era o local onde provavelmente
não seria procurado, a não ser pela polícia. Mas com “os homens” ele já estava acostumado e
não tinha risco de morte.
Ele, de repente, se assusta. Um som agudo e alto junto com uma vibração tocou em seu
bolso. Era o escandaloso celular, tinha que aprender a mexer naquilo. Olhou o painel iluminado
e viu o nome de seu filho. Atendeu preocupado, será que os estrangeiros tinham pegado seu
filho.
O grupo chegara a casa e logo Paulo percebeu que ela estava aberta: portas e janelas
escancaradas. Mais uma vez mão dentro da bolsa de Bia que colocou no ombro e antes de
entrar pediu silêncio a todos. Se ouvissem algum barulho se abaixassem e abaixados seguissem
para a praia.
Enquanto ele falava com o grupo percebeu, afastado de todos, Luis fazendo uma ligação
do celular. Paulo anotou e com muita cautela se aproximou e entrou na casa, agora já com a
arma em punho.
Só depois de ter absoluta certeza de que não havia ninguém na casa nem escondido no
quintal ele chamou o grupo e todos se assustaram. A casa tinha sido roubada e estava tudo
remexido e espalhado pelo chão. Tinha gotas de sangue na sala e uma pequena poça, já
marrom, na cozinha.
Luis, ao perceber, como Paulo, a casa aberta, preocupou imediatamente com o pai. Agora
uma sensação de culpa, por estar até aquele momento se divertindo, lhe assaltou. Enquanto o
grupo se aproximava da casa ele se afastava do grupo, discretamente, em direção à praia.
Assim que atingiu uma distância segura ligou apressado para Ferreirinha torcendo para
que estivesse tudo bem. Enquanto o telefone chamava, ele se perguntava se durante o período
que esteve afastado do grupo alguém não havia voltado à casa. Sentindo um imenso alívio ao
ouvir a voz do pai ele também descartou a hipótese de terem vindo até ali. A surpresa estava
estampada em todos.
Ferreirinha fez um breve resumo do que tinha ocorrido com ele até aquele momento,
omitindo muitos detalhes para não preocupar o filho desnecessariamente e logo recebeu de
volta um resumo semelhante. Tal pai, tal filho. Orientou Luis a não voltar para casa informando
a ele da vigilância que o grupo “concorrente” mantinha por lá.
Luis, enquanto falava com seu pai, sentiu o peso do olhar de Paulo sobre ele, assim que
desligou o telefone buscou Paulo e vendo todos do lado de fora e, agora, todas as luzes da casa
acessas, rapidamente se aproximou do grupo permanecendo próximo ao muro até todos serem
chamados.
Nenhum dos grandes aparelhos (televisão, geladeira, aparelho de som, ar-condicionado)
fora roubado. Logo os pequenos aparelhos de valor iam surgindo em meio ao caos que estava a
casa. Ou não eram ladrões ou saíram apressados deduzia Paulo pela manchas de sangue no
chão.

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Na cabeça do policial formavam-se as mais diversas hipóteses, algumas imediatamente
descartadas por conta de algum detalhe, nem mesmo ele sabia como seu raciocínio nestas
horas era tão seletivo. Conclusão: uma ou mais pessoas entrou na casa. Não, era apenas uma,
a desarrumação fora metódica em todos os aposentos. Para não levantar suspeita abriu tudo.
Foi surpreendida e atacou quem lhe surpreendeu ou foi atacado por ele ou eles.
Algumas gotas de sangue foram pisadas e eram sapatos diferentes... Então alguém
entrou, abriu tudo e passou a vasculhar a casa. Foi surpreendido por duas ou mais pessoas,
teve luta na cozinha, alguém ficou ferido, ou o invasor ou um dos que lhe surpreendeu e todos
foram embora ao mesmo tempo.
Até ai tudo bem. Paulo acreditava que, se os fatos diferentes fossem, o seria muito pouco
e não alteraria muito seu raciocínio investigativo. O que agora lhe perturbava era o motivo. O
que um e outros poderiam querer na casa. Só mesmo um amador ia achar que o Hans
escondera o dinheiro aqui. O que poderiam estar querendo?
Paulo saiu, foi até a varanda e voltou a entrar na casa observando todos os detalhes. Bia
e Andréia já começavam a arrumar as coisas espalhadas e ele pediu que parassem e desse um
tempinho a ele, ele precisava entender o ocorrido. André veio da cozinha com um quadro
quebrado na mão. Na mente de Paulo um alerta surgiu. Pegou o quadro da mão do filho, pediu
que ele fizesse companhia a mãe e irmã lá fora e ficou examinando o quadro sem entender o
que aquilo podia significar.
Olhou ao redor, percebeu o lugar daquele quadro na sala. Pela diferença na cor da tinta
ele estava naquele local há muito tempo. A moldura era artesanal e infantil, feita de palitos de
sorvete. O quadro em si era uma folha de papel com desenho nos dois lados riscados e pintados
com lápis de cor, parecia ter sido feito por uma criança nos primeiros anos de escola. Aquilo não
ia levá-lo a lugar nenhum, jogou o quadro pela janela irritado.
Meia hora depois, diante do olhar raivoso da esposa, desistiu, liberou totalmente “a cena
do crime” e disse que ia andar um pouco.
- É sempre assim! – Disse brincando Bia. - Na hora que aparece trabalho você dá sempre
um jeitinho para fugir. Vai, vai passear bancário de merda metido a detetive de bosta! – Bia
falou e riu da cara que Paulo fez. Mas ela estava certa, não era hora de perder seu disfarce que
já estava bastante ameaçado.
Durante este intervalo alguns jovens permaneceram por ali num burburinho agonizante
para Paulo que insistia em raciocinar, agora eles estavam se despedindo e Luis parecia um peixe
fora d’água. Paulo percebeu, mas ficou calado e foi dar sua caminhada na praia. Voltou logo,
deitou na rede e ficou apenas observando Luis fingindo que ajudava sem ter como ajudar. Ele
não conhecia a casa e não sabia onde guardar nada.
De repente o jovem foi ao jardim, pegou o quadro e ficou olhando perdido para ele.
Quebrando o silêncio ele se aproximou de Paulo:
- Seu Paulo, posso levar esse quadro?
Para que um jovem surfista iria querer um quadro com desenho infantil emoldurado com
palitos de sorvetes colados?
- Lamento Luis, mas a casa não é minha nem este quadro quebrado. Estou vendo a hora
de ter que recuperar essa moldura de merda para pendurar o quadro novamente na parede, no
mesmo preguinho.
- Eu levo pra casa e conserto para o senhor.
- Besteira, isso vai ser uma das minhas distrações, não estou acostumado a ficar sem
atividade e, de férias, é bom ter onde se ocupar. Não se preocupe, vai ser a minha diversão. –
falou e estendeu a mão para o rapaz que, relutante e indeciso, devolveu o quadro mantendo o
olhar preso nele ainda por longo intervalo.
Telma já tinha ido, certamente todos em sua casa estavam preocupados e mais uma vez
restavam os gêmeos, que já tinham ido até em casa, Lúcia que já ligara para os pais e Marisa.
Os pais de Lúcia foram até a casa ver se estava tudo bem com a desculpa de que estavam
passeando ao luar. E restava também Luis.
Paulo agora deduzia que Luis era provavelmente filho de Ferreirinha e aquela ligação que
o jovem fez do celular, antes mesmo de saber o que acontecia, deixara Paulo de sobreaviso,
mas mesmo sem ambiente Luis insistia em ir ficando e finalmente pediu para dormir, pois
estava tarde e ele não tinha condução para sua casa.

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As coisas estavam arrumadas com Marisa indo dormir com Andréia, o que não agradara a
Paulo e Luis iria dormir com André e Paulo ressabiado impôs nova arrumação. Mulheres em um
quarto e homens no outro.
Marisa riu da nova arrumação e forçou para falar a sós com Paulo e imediatamente
perguntou:
- Quem é esse carinha intrometido. Você também não achou que ele parecido demais com
uma das fotos do arquivo.
- Achei e é bom ficarmos atentos sem deixar que percebam o que somos na realidade.
Ferreirinha, cansado, chegou à casa de Rosa, mas ela não estava lá, ainda não havia
chegado e ele ficou afastado o suficiente para não ser visto e próximo o bastante para ver
quando Rosa chegasse e se aproximar antes que ela entrasse. Sentou no meio fio. Logo dormiu.
Tinha sido um longo dia.
Capítulo 11 - Voltando à normalidade
A manhã invade a casa. Os moradores resistem, dormem um pouco mais. Logo o calor
acorda um dos rapazes e logo todos estão acordados e tomando café feito por Paulo.
O cheirinho do café acaba por tirar Bia da cama, logo seguida por Marisa e Lúcia.
Conversam na cozinha e Bia vai se arrumar para as inevitáveis compras. Sendo domingo era
melhor ir logo antes que o mercadinho fechasse.
Paulo, a contragosto, também se arrumou. Quando estavam saindo Lúcia pediu uma
carona e os meninos resolveram ir para a praia.
Marisa, sozinha, preparou o café da manhã e levou para Andréia no quarto. Quando
Andréia viu o café fumegante numa bandeja sentou-se na cama de um pulo adivinhando ser
para ela a regalia.
Enquanto Andréia saciava sua fome matinal também saciava sua curiosidade. Marisa
contou tudo que era possível ocultando qualquer detalhe mais profundo e Andréia entendeu bem
sua estada ali. Curiosa quis saber a idade da menina, era tão difícil determinar. Às vezes parecia
ter uns 17 ou 18 anos, outras quase 20, mas ela já era policial federal, como?
Marisa, sem confessar sua idade, contou que no primeiro grau teve muitas dificuldades já
que era considerada "um gênio", uma sumidade. Isso trouxera uma grande exposição e com ela
um grande acanhamento. Também a afastara de seus colegas.
Seu desempenho matemático e nas matérias científicas fizeram com que seu tio,
delegado da polícia federal, recorresse a ela em algumas oportunidades levando-a para
delegacia, normalmente para decifrar o conteúdo real de mensagens anônimas que pareciam ser
cifradas. Ela acabou desenvolvendo um sistema para o setor de informática e, ainda no segundo
grau foi levada a uma universidade federal onde seus conhecimentos matemáticos foram
testados exaustivamente e depois dos testes ela foi considerada graduada em matemática.
Ia ser contratada sem concurso público tendo em vista sua especialização pessoal, mas
preferiu ser apenas mais uma e submeteu-se ao concurso sendo a terceira colocada nacional.
Desde então era, além dos problemas matemáticos, designada para os casos que envolviam
jovens adolescentes e dependiam de infiltração.
Só então aprendi a me relacionar com pessoas, a trocar afetos, a ser mulher. Imagina
que eu não sabia escovar um cabelo e hoje sou mestra, deixe-me mostrar.
Rindo como qualquer adolescente foi “aos pulos” até o banheiro e trouxe consigo duas
escovas e um pente. Nos próximos minutos e por meia hora dedicou-se exclusivamente a isso.
Andréia, quando se viu no espelho, sentiu-se tão maravilhosa que correu para abraçar e
beijar a nova amiga. Realmente seu cabelo dera uma nova moldura e realçara seu rosto.
O telefone tocou. Andréia sentou-se no sofá e atendeu. Márcia deitou em suas pernas e
ficou atenta. Era Roberto. Perguntava pela Bia.
- Ela não está? – sua pergunta soava com certo espanto.
- Você pode me dar o celular dela? Já liguei diversas vezes para o do seu pai e só dá fora
de serviço. – Andréia nem resistiu, Marisa confirmara tudo o que ela repetira e sussurrou que
ele era policial e amigo de seu pai. Assim ele logo estava com o telefone de Bia e ligava para
ela.
- Bia, que prazer falar com você, perdoe a pressa de ontem. É Roberto falando. – falou
apenas isso e calou-se ficando um longo silêncio entre os dois até que Bia ligou a voz e o nome
à pessoa.

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- Roberto, sim! Colega de trabalho do Paulo.
- Isso. Perdoe estar ligando para o seu celular, mas o Paulo esta ai consigo?
- Está sim. Estamos fazendo compras. Quer falar com ele?
- Quero sim, tentei o celular dele, mas só dava fora de área.
- Só um momento. – esticou a mão passando o celular para Paulo que acompanhara a
conversa até ali.
- Diga Roberto.
- Temos algumas novidades sobre o caso. O agente da Interpol trouxe novas informações.
Só não posso levar até você embora esteja pensando em passar na casa. Você podia dar um
pulo na delegacia.
- Estarei ai em uma hora.
- Procure o João, está tudo com ele. Mais tarde nos falamos pessoalmente em sua casa.
- Ok, um abraço. - Paulo falou já desligando.
- Estranho...
- O que foi? - perguntou Bia já aflita.
- O Roberto... Ele me liga se convidando para ir lá em casa para conversar pessoalmente
comigo, mas pede que eu vá na delegacia para ler o dossiê que o agente da Interpol atualizou
com novas informações. Não entendi.
- Vocês policiais, levam tudo que falamos ao pé da letra. É de se esperar que ele queira
visitar a casa.
- Mas isso pode chamar a atenção e estragar meu habitual disfarce.
- Só se ele for com aparato, colete e carro oficial, senão será apenas um amigo visitando-
lhe durante as férias.
Continuaram a fazer as compras.
Ferreirinha, sob o sol da manhã, também acorda. Dormira sentado na calçada. Em poucos
segundos já está atento e seu foco permanece. Ficar escondido algum tempo na casa de Rosa.
Olha com atenção e vê que a lâmpada da varanda está apagada. Ela já chegou e ele
estava, certamente, dormindo.
Levantou-se num ímpeto e sentiu tudo rodar e a cabeça latejar. Esquecera da coronhada.
Preferiu nem tocar na bicicleta roubada e seguiu a pé para a casa de Rosa.
Chegou e foi entrando como se de casa fosse. Quando Rosa deu com ele foi num susto
percebendo um homem em sua cozinha. Na reação quase lhe joga a xícara com café fumegante.
- Não estraga esse café delicioso, me dá pelo menos um golinho dele.
Resmungando muito e refeita do susto ela parece aceitar sua presença informando que
ainda tem café no bule.
A conversa que se seguiu foi cheia de farpas. Ela fora abandonada pelo pseudo marido
que não podia nem negar ter. Ela era suspeita de ser cúmplice dele na morte do irmão, quase
não sai da delegacia e só saiu porque o defensor público que já a conhecia por defender seu
irmão interveio. Ele não podia, é claro, fica ali, a casa era dela. Não adiantava implorar.
Ferreirinha, durante a discussão passou a mão pelo bolso e percebeu que ainda tinha
dinheiro. Assim que o clima melhorou pediu licença e saiu. Até Rosa se espantou com a
facilidade de expurgar aquele gaiato que, sem mais nem menos, tinha resolvido se esconder na
casa dela.
Ela já estava com o espírito desarmado quando Ferreirinha adentrou sua sala com um
ramo de flores e algumas bolsas.
- O que é isso Ferreirinha? Pode me explicar?
- Trouxe algumas frutas, legumes e verduras. Não deu para trazer carne, porque o
mercado já fechou, e não resisti ao deparar com esse ramo de flores que me lembraram você,
uma flor com muitos espinhos para me arranhar.
Rosa não sabia o que era receber flores desde a adolescência quando uma única vez
recebera um lindo buquê e em troca entregara sua virgindade. Nunca mais vira aquele rapaz.
Ele era rico, tinha carro do ano e se interessara por ela. Descobriu tarde demais, por um amigo
dele, que ele apostara com seu grupo que em menos de um mês conquistaria sua virgindade.
Nunca mais confiou em homem nenhum.

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O gesto de Ferreirinha, todavia, mexeu com a mulher que há muito se escondera dentro
dela. Arrancou dela um sorriso. Quebrou sua resistência e ela permitiu que ele ficasse ali até a
noite, depois tinha que procurar seu rumo em outra freguesia.
Logo Rosa estava feliz, cantarolando um forró que tocava no rádio, enquanto cozinhava,
com prazer, para dois. Ferreirinha arrancou-a do fogão e levou seu corpo bailando para sala
onde demonstrou ser um pé de valsa, leve como um felino e tão ousado quanto qualquer deles.
Logo estava miando no ouvido dela e ela aos poucos ia derretendo o gelo e deixando a mulher
reprimida se anunciar mais e mais.
Paulo termina suas compras e vai para casa. Quando chega fica alarmado. Tem um carro
da polícia militar sob a grande amendoeira e dois policiais conversando ao lado dela. Ele para o
carro ainda distante e liga para Roberto que atende prontamente.
- Tem um carro da polícia militar no meu portão, o que está havendo?
- Nada, é apenas precaução para com a sua família. Os policiais nem sabem o porquê
deste ponto base, estão aí cumprindo ordem de ficar visível, com presença ostensiva para os
turistas sentirem-se seguros. Tivemos informação de que carros “filmados” estavam rondando
essa região.
- Então posso ignorá-los, fingir que eles não estão ali?
- Claro que pode.
- Tudo bem, logo estaremos juntos.
Paulo pôs o carro em movimento e estacionou no quintal da casa com a ajuda de Andréia
que lhes abriu o portão.
- Moça, a senhora pode nos conseguir uma garrafa de água geladinha? – a pergunta vinha
de um dos policiais que já estava encostado no muro.
- Estamos aqui para a sua segurança. – Paulo estava saindo do carro e aquilo não
condizia com o que Roberto lhe informara. Já estava certo de que fora enganado quando o
policial completou.
- Para sua família e todas as famílias de turista desta região, ordens diretas do
comandante, cuidar dos turistas.
Paulo levou as compras para dentro, voltou, pegou o carro e tornou a sair. Tinha, mesmo
de férias, que ir ao “escritório”, como ele chamava a delegacia.
Assim que o carro de Paulo virou a curva seguindo para a estrada um carro se pôs em
movimento. Era um carro novo, prata, sem placas, sem nenhum adesivo ou cromado lhe
indicando a marca. Parou diante do portão da garagem, mas ninguém desceu.
Capítulo 12 - A intriga
Bia chegou com as compras, achou a casa muito silenciosa e correu os cômodos. Andréia
agradecia a Marisa pelos cabelos e foi convocada a arrumar as compras e ajudar no almoço.
Marisa acompanhou e as três foram para a cozinha.
Paulo vendo Bia tão bem assessorada deixou as compras em um canto, beijou a esposa e
avisou que ia dar um pulo no escritório local. Puro hábito, todos sabiam para onde estava indo.
Enquanto arrumava as compras Marisa tentava descobrir o segredo de Bia para estar tão
jovem e tão em forma. Estavam no meio desta conversa e Bia estava confessando estar acima
de seu peso simplesmente para agradar a Paulo que, como ele mesmo dizia, “gostava dela com
bastante carne nos lugares certos”. E parecia não ser só ele que gostava disso...
Um carro prata, todo filmado, parou na porta da garagem e lá ficou, como quem aguarda
que se abra o portão. Bia tentou fazer as meninas buscarem um abrigo, mas de nada adiantou.
Logo, Andréia estava com um facão na porta externa da cozinha; Marisa com sua pistola no
corredor e Bia, com prudência e desarmada, foi até a varanda.
Assim que chegou à varanda percebeu a janela do motorista se abrindo e tremeu. O susto
se transformou em raiva contida. Dentro do carro Roberto sorria para ela e perguntava se podia
entrar. Marisa se antecipa, deixa a arma na estante da sala e, avisando a Bia que ia abrir o
portão, corre ao encontro de Roberto.
Roberto estaciona na grama deixando o espaço cimentado entre seu carro e a parede
para se o carro da família chegasse, desce do carro sorrindo, isopor na mão, e já pergunta pelo
Paulo.
Vai entrando casa a dentro, cumprimenta Andréia, beija o rosto de Marisa, se aproxima
de Bia e a convida para ficar na varanda tomando cerveja e conversando até Paulo chegar. Ela

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ia dar a desculpa do almoço, mas Marisa antecipou-se e disse para ela deixar a comida por
conta delas, indo para a cozinha acompanhada de Andréia.
Na varanda Bia aceita a cerveja e se desenvolve uma conversa que começa muito
estranha para Bia.
- Me perdoe estar aqui tão cedo – introduziu Roberto uma conversa que parecia ser difícil
para ele – é que estou preocupado com Paulo nesta casa. Ainda mais agora com a presença da
Marisa. Você sabe que nunca houve nada entre eles, só muito boato.
Bia não estava entendendo, nem gostando do rumo daquela prosa, ainda estava com
raiva do susto que Roberto dera em todas e resolveu ser pragmática:
- Diz logo o que você tem a dizer. Não enrola.
- Calma Bia, nós sempre te apreciamos, gostamos do casal, até por isso muita gente ficou
contra o Paulo. Era tudo boato, mas eles não sabiam. Eu, em especial, sempre tive em você o
modelo de mulher, de esposa e de amante. Você parece ser uma mulher completa,
companheira. Não é o tipo de esposa que mereça ser traída.
- Se você está querendo dizer que o Paulo me trai não perca seu tempo. Confio muito no
Paulo. Somos felizes e sei que ele jamais faria isso comigo, nem eu com ele. – ela frisou o “nem
eu com ele”, aquilo tudo cheirava a cantada barata.
- Como eu disse, Paulo é fiel. O que aconteceu foi muita inveja deles, Paulo e Marisa,
estarem trabalhando juntos, fingindo ser amantes. Afinal quantos homens resistiriam fingir
namorar o dia inteiro, trocando carícias e beijos e dormindo na mesma cama com uma mulher
tão assim... mais jovem? Só mesmo o Paulo.
Bia tinha confiança plena em Paulo, mas aquela conversa começava a despertar certa
desconfiança. Afinal, Paulo nunca dissera que trabalhou com Marisa, nem que fingira ser seu
namorado, nem que dormira com ela numa mesma cama.
- Me explica isso direito, Roberto. – os olhos dela já denunciavam uma mistura da raiva
que ele sentira antes com um algo mais, um tempero de desconfiança que quebrava a
personalidade sempre confiante e distante de Bia.
Roberto ganhava terreno e investia nisso.
- Não, não deixe a tristeza se alojar nesse lindo olhar. Eu garanto que foi só trabalho. Eles
tinham, por força do disfarce, que passar muito tempo juntos. Foi pouco mais de quinze dias.
Daí tantos boatos.
- Do que você está falando, seja mais claro Roberto.
- Eu vim conversar com você porque senti que a presença da Marisa não lhe agradou. Eu
sei que isso tem origem nos boatos de que o Paulo estava perdidamente apaixonado pela
garotinha, que esquecendo ser disfarce dançavam horas a fio, mesmo sem a presença de
nenhum dos investigados e ainda assim continuavam a trocar beijos escandalosos e
apaixonados. Até mesmo carícias íntimas eles faziam em público, disfarçadamente, é claro.
Bia acusou o golpe. Aquele era bem o perfil de Paulo quando namorado apaixonado. Ele a
envolvia, dançava horas com ela, beijava-lhe todo o tempo, fazia-lhe carícias íntimas muito
discretas, mas que incendiavam seu corpo. Ainda hoje ele age assim quando saem para
“namorar”. Ele sempre diz que nestes dias ela fica ainda mais gotosa. Safado!
- Mas, se é só boato, porque você agora teve esta preocupação de vir aqui me contar.
- Eu sei que você já sabia. Eu só vim aqui garantir que eles acabaram tudo.
- Acabaram o quê, Roberto?
- Desculpe, terminaram as investigações e nunca mais se cruzaram até ontem. Que
nenhum dos encontros furtivos que dizem que tiveram foi constatado, apenas intriga da
oposição.
Bia sentiu no ar que teve muito mais coisa e muito mais significativa do que Roberto
estava ousando contar. Mas ele não perdia por esperar. Ela ia tirar essa conversa à limpo e a
vingança era certa.
Roberto lhe estendia a terceira cerveja daquela conversa junto com um lenço. Só então
ela percebeu que, a sua revelia, lágrimas de ódio, de indignação, lhe corriam pelo rosto. Ela
pegou a cerveja.
Estavam próximos e Roberto, olhando em volta e percebendo a privacidade do momento,
enxugou-lhe o rosto e beijou-lhe a testa puxando-a para si. Fragilizada, Bia deixou o pranto

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vencer, mas conteve seus soluços para não assustar sua filha que estava com aquela infeliz na
cozinha.
Na verdade Bia percebera, desde o princípio, que algo acontecera entre os dois. Paulo
deve ter pedido a Roberto para “limpar sua barra”, e o idiota acabou, sem perceber, entregando
todo o jogo.
Aos poucos ela recuperou sua tranqüilidade, ainda estava trêmula quando se afastou do
carinhoso e solidário abraço. Pensou em Roberto como homem. Ele lhe agradava, era forte, pele
bronzeada, corpo um pouco mais malhado que o de Paulo, um pouco mais alto. Sua voz era
máscula e suave. Mas devia ser um galinha... Resolveu testar.
Olhando Roberto nos olhos foi se aproximando como quem se entrega para um beijo e ele
a afastou arrematando:
- Te adoro. Você é a mulher dos meus sonhos. Vivo buscando você em outras mulheres.
Mas você é a esposa de um amigo. Como eu queria beijar carinhosamente sua boca e lhe
confortar, mas, antes, devo respeitar meu amigo e a sua casa. Se você quer uma vingança
escolha outro. Eu me apaixonaria por você e sofreria depois, quando você voltasse para ele.
Roberto, que até aquele momento era apenas um amigo de seu marido, passou a ser um
homem desejável, respeitoso, mas desejável. Sincero, honesto, fiel aos seus amigos, um
verdadeiro homem. Bia estranhou o desejo que nascia dentro dela. Não de amá-lo, mas de tê-
lo, de se vingar justamente com ele. Afinal fora traída por uma amiga de trabalho. Nada mais
justo do que traí-lo com um.
Mas tinha que ser cautelosa. Será que era só boato? Roberto garantia que sim. Ela não
acreditava. Ia observar.
Roberto, dizendo que voltaria mais tarde quando Paulo estivesse, porque não era certo
visitar um amigo sem ele estar em casa, levantou-se e resoluto abriu o portão da garagem e
saiu com o carro. Marisa, vendo-o ir embora correu até ele. Ele disse a ela a mesma coisa. Não
devia estar ali sem Paulo. Saiu. Marisa fechou o portão.
Nunca tão pouco tempo doera tanto. Roberto, em menos de meia hora, destruíra toda a
confiança que Bia, como uma tola, depositava em Paulo.
Ferreirinha se revelava na casa de Rose. Fora até a praia e conseguira um peixe grande,
limpara sozinho todo o peixe deixando a cozinha limpinha ao final. Temperara e agora
depositava a forma no forno com um peixe decorado dentro dela.
Logo o cheirinho delicioso do peixe tomava conta da casa e Rosa sentia-se feliz como
nunca enquanto preparava a salada. O almoço estava praticamente pronto, dependendo apenas
do forno.
O telefone de Ferreira toca. Ele verifica que é Luis chamando e atende prontamente.
- Como você se virou ontem?
- Dormi na casa branca e o quadro está lá.
- Eu sei. Quando achei o quadro os homens chegaram e eu "usei ele" para derrubar o
primeiro que entrou na cozinha onde eu estava escondido.
- E você, pai, como se virou?
- Acabei dormindo na calçada da praia em Ponta Negra. Mas ainda não é seguro ir para
casa. Você tem como se virar por ai?
- Aqui não. Seu Paulo está desconfiado de alguma coisa. Vou tentar dormir na casa de um
dos meus colegas. Liga-me se houver novidades.
- Por mim pode ficar tranqüilo, eu estou em boas mãos. – Ferreirinha falou sorrindo para
Rosa que... Também sorriu, é claro!
Os meninos famintos voltam da praia e, mais uma vez, acampam na casa de Paulo.
André é recebido por Marisa como um deus. Ela corre até o portão, pula em seu colo e se
abraça a ele com braços e pernas e enchendo seu rosto de beijos é levada até a varanda.
Ela corre até a cozinha e traz, exclusivamente para ele, três rodelas da lingüiça do
macarrão que está recebendo molho para ser servido.
Estão todos, menos Andréia e Bia, na varanda brincando e conversando. Paulo chega,
deixa o carro na rua e entra sendo recebido por Marisa que corre até ele e, abraçada nele, vem
contando da breve visita de Roberto. Na porta da sala Marisa, como uma menininha, dá um
pulinho e beija a face de Paulo, voltando aos braços de André.
- O que o Roberto queria, Bia?

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- Ué, você já adivinha ou tem espião aqui em casa?
- Marisa me contou que ele esteve aqui.
- Esteve. Uns dez minutos, como você não chegava ele se foi para voltar “apenas” quando
você “estiver presente”. Saiba que ele “respeita" seus amigos? Ele é “FIEL”! – ela falava frisando
palavras chaves e passando na voz toda sua indignação.
Paulo suspeitou que algo não estivesse indo bem. Avaliou que não era o melhor momento
para discutir o assunto. Para mudar totalmente de assunto perguntou:
- E o almoço, está pronto?
- Embora você não tenha empregada, graças a sua filha e a sua amadinha está tudo
pronto. Eu estou com dor de cabeça e vou me deitar. Deixe-me só por enquanto.
Paulo sentava e ela estava se levantando já seguindo para o quarto quando Marisa, ainda
“menininha”, pula no colo de Paulo dizendo que está muito feliz com o novo namorado.
Bia bate a porta do quarto, tranca por dentro, deixando de ver que Paulo jogou a
“menininha” no chão se levantando sem lhe dar a mínima atenção. Marisa sorriu, levantou e
correu para ajudar Andréia na cozinha.
Chegando à cozinha Marisa encheu Andréia de beijos agradecendo a ela a bela
macarronada, agarrou-se em suas costas e empurrou-a até a sala pedindo atenção a todos que
a Andréia queria dar uma notícia.
Enquanto Andréia avisava que a bóia estava pronta Paulo entrava no carro e saia
cantando pneus. Logo um carro prata, discretamente, perseguia seu rumo.
Capítulo 13 - O perigo se anuncia
Paulo sabia que algo estava acontecendo, mas não atinava o que poderia ser. Bia nunca
fora ciumenta. Não podia ser ciúmes, mas parecia ser.
Perturbado seguiu para o Peixe Frito, tradicional restaurante de frutos do mar em Maricá,
resolvera comer fora para ter tempo para pensar em tudo. Em Bia, principalmente, mas também
nesse misterioso assalto à casa, na presença destes estrangeiros, no assassinato de Lúcio, nos
últimos acontecimentos – eles não se encaixavam logicamente.
Pediu uma cerveja, precisava relaxar, e o cardápio, estava sozinho e não sabia o que
pedir.
Junto com a cerveja acontece a presença de Roberto.
- Paulo! O que você está fazendo aqui?
- Vim almoçar sozinho para pensar melhor. E você, porque está aqui?
- Por dois motivos. Por hábito. É normal nos fins de semana buscar um lugar melhor para
almoçar. E por ter visto um carro parecido com o seu lá fora. Eu já vinha para cá mesmo e seu
carro só fez confirmar minha opção.
- Você esteve lá em casa? – Paulo perguntou e ficou observando a reação de Roberto.
- Rapidamente. Assim que soube que você não estava resolvi não esperar e voltar mais
tarde. Bia me reteve, ela estava estranha. Ela sabe alguma coisa de seu caso com a Marisa?
- Caso? Que caso? Você também! Vocês são loucos. Eu não misturo trabalho com
relacionamentos.
- Mas a Marisa ficou apaixonada, chorava pelos cantos, só falava em você.
- Vamos mudar de assunto. Essa conversa me irrita profundamente.
O garçom chegou com a cerveja e com o cardápio interrompendo o que podia virar uma
discussão. Com a ajuda de Roberto, Paulo escolheu o Bobó de Camarão e passaram a discutir o
caso dos estrangeiros.
Na casa de Paulo o grupo acabava de almoçar. Telma chegava para se juntar a eles sendo
recepcionada por Luís com um delicioso beijo. Logo se afastaram da turma indo passear pela
praia. Telma ainda não estava refeita do grande susto da noite passada. Estava se perguntando
se toda ansiedade e apreensão experimentada eram por culpa ou por paixão.
Na casa André leva Marisa para seu quarto e juntos, na mesma cama, vão descansar o
almoço entre beijos e afagos.
Andréia, preocupada, insiste na porta até sua mãe deixá-la entrar. Ela encontra a mãe de
olhos inchados de chorar. Bia foge de qualquer explicação mais complexa e põe a culpa em tudo
que acontecera na noite e madrugada anterior, estava nervosa...

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Andréia sabia que era muito mais que isso. Preferiu não comentar a brusca saída do pai.
Era a primeira vez que ela via um estremecimento mais sério entre os dois e preocupada ficou
ao lado da mãe, calada, mas apoiando-a.
Ferreirinha? Este esta nas nuvens. Depois do delicioso almoço deitou no sofá da sala,
cabeça apoiada no colo de Rosa, televisão ligada, um gostoso cafuné e o sono lhe envolvendo
calma e silenciosamente.
Em outro lado da cidade as coisas não estavam assim tão calmas. A fuga de Ferreira e o
assassinato de Lúcio se desenhavam ao estranho grupo de estrangeiros como ação de um grupo
rival. Sem saber do cerco policial eles acreditavam que mais alguém estava à procura do mesmo
dinheiro que eles e que Ferreira fazia parte desta quadrilha. Tinham que achá-lo de qualquer
forma.
Mantinham a casa de Ferreira sob vigilância com dois homens, foto e celular prontos para
comunicar caso ele aparecesse, estavam se envolvendo com os marginais locais, o custo estava
sendo alto. Entre eles planejavam uma ação para aquela noite. Iam invadir a casa branca com
ou sem moradores nela.
Para planejar melhor a ação foram fazer o levantamento do local. Só não esperavam uma
casa tão cheia e movimentada e uma viatura policial na sua porta. Estranharam os fatos que
verificavam e aquilo demandava um planejamento maior e mais custos.
Primeira providência seria trocar as armas. Conseguiram no mercado negro do Rio de
Janeiro, através de um agente, a troca das armas de assalto por armas táticas. A melhor
disponível era a premiada pistola Taurus 24/7, apesar de brasileira era mundialmente famosa.
Estava disponível, apesar ser de uso reservado no Brasil, no modelo pro tactical de munição .40.
Lothar, apaixonado por armas, explicou a seus companheiros que a arma era bem leve, entre
800 e 900 gramas, de alta tecnologia, inovadora, confiável e segura.
Compraram três destas pistolas e um total de 9 carregadores de 15 cápsulas cada e 200
munições .40. Compraram também um lote de 4 pistolas Walther PPK, 350 munições e 4
cartucheiras de tornozelo. A brincadeira ficou em R$ 22.000,00 já com as despesas e comissão
do “agente”. Na troca sairiam por R$ 15.000,00. Lothar reclamava que isso no exterior não
chegava ao equivalente a R$ 10.000,00, estavam pagando mais que o dobro, mas fazer o que?
Pelo menos além de armas pesadas e de grande impacto eles estavam com uma pistola quase
imperceptível e muito famosa por ter sido utilizada por James Bond, o espião 007.
Novo problema se anunciou. Eles não poderiam usar as armas no peito porque chamaria
atenção demais três caras com pinta de estrangeiros e ainda por cima de terno numa cidade
praiana de veraneio.
Foram ao centro da cidade, compraram camisões largos, estampados e de cores
berrantes. Bayer defendia que o melhor meio de passar despercebido é mostrando que não quer
se esconder, turista tem que parecer turista. Chama-se a atenção no início, mas logo a novidade
passa e eles passam a ser mais um.
A noite começava a cair e nenhum plano executável surgia. Eles estavam ansiosos e não
podiam deixar se estender muito, tinham prazos, tinham vistos de turistas e sabiam que quanto
mais tempo mais atenções eles iriam despertar.
O grupo que vinha apoiando as ações dos estrangeiros garantiu que a viatura policial
sairia da praia por volta das 19hs. E se permanecesse um pouco mais não passariam das 21hs.
Eles, então, mesmo sem um plano, resolveram ir para as proximidades e enquanto aguardavam
o desenrolar dos fatos decidiriam o que e como fazer.
Paulo só chegou em casa por volta das 18hs. A companhia de Roberto fez com que eles
decidissem por algumas investigações complementares.
Sabiam que os estrangeiros iam precisar de contatos. Buscaram com a polícia militar e
com a polícia civil alguma informação. Logo um detetive fez contato com eles. Marcaram na casa
onde montaram a base das ações, a casa escolhida não ficava nem na Rua Abreu Rangel, nem
na Abreu Sodré, muito menos na Av. Roberto Silveira, como a Delegacia de Macaé. Ficava bem
na Rua Ribeiro Almeida, próximo ao Banco do Brasil, no centro de Maricá. A casa era grande e
discreta, tinha um bom jardim e ficava no alto, com dois andares e 4 quartos.
Na casa fizeram contato por teleconferência com o delegado federal. Eles estavam afetos
à Delegacia de Macaé e o delegado autorizou uma ação mais contundente se necessário e o uso

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de escutas e vigilância eletrônica. Assim que tivessem provas mais consistentes de ação
criminosa ele legalizaria as investigações requerendo-as ao juiz daquela comarca.
O detetive informou que, através de informantes, soube que os estrangeiros estavam se
armando com armas de grande poder de fogo, mas discretas – pistolas certamente. Seguiram o
homem de contato e levantaram que as armas vinham da favela de Acari, no Rio de Janeiro.
Prepararam-se para prendê-lo na entrada de Inhoã. Ele soltara do ônibus antes daquele ponto
e, segundo o motorista, tinha um gol branco, modelo novo, esperando por ele.
Ao final tinham a possibilidade de infiltrar alguém e um informante no grupo, mas isso
pouco adiantaria já que eles não discutiam com o grupo, contratavam homens. Souberam que
dois homens estavam monitorando a casa de Ferreira. Sabiam, também, que os estrangeiros
estavam com pistolas e que queriam saber como funcionavam as bases de viaturas da polícia
militar. Parece que tinha uma base próxima a onde eles pretendiam ir.
Roberto sabia da urgência de Paulo depois daquelas notícias. Tudo indicava que os
homens pretendiam ir para a sua casa. Dispensou Paulo e ficou de mais tarde ir com os outros
dois colegas “fazer uma visita de apoio” a Paulo.
Assim que chegou em casa atiçou todo mundo para se arrumar e irem à cidade. Estavam
homenageando a cantora Maísa que tinha uma casa em Maricá e os barzinhos estavam
prometendo, cada um, um programa melhor que os outros.
Deixou o carro, a contra gosto, com Luís, só ele tinha carteira e no carro só cabiam 5
pessoas. Logo chegaram mais dois carros e muitos jovens. O telefone estava funcionando. As
20hs, com os policiais militares animados com tantas meninas, saiu um grupo de 4 ou 5 carros
em direção ao centro de Maricá, a noite seria maravilhosa para todos menos para André que se
viu dispensado por Marisa que estava com muita dor de cabeça e não permitiu que ele ficasse
com ela.
Os homens já pensavam em desistir. Era muita gente e ainda tinham os policiais bem em
frente à casa. Logo se animaram quando perceberam que a casa ficou praticamente vazia,
apenas um homem e duas ou três mulheres.
Paulo já ligara para Roberto que estava nas cercanias e chegou em poucos minutos no
seu carro prata filmado, entrou no terreno e os estrangeiros não conseguiram ver quantas
pessoas tinham nele. Se vissem talvez desistissem e fossem embora. Roberto chegou com João,
Alfredo e com o detetive que estivera com Paulo à tarde. Trouxe ainda duas espingardas de
cartucho 12, um fuzil de grande calibre e precisão com mira laser e cada um trouxe pelo menos
duas armas de uso pessoal e caixas de munição. Espalharam armas e munição pelos cômodos
da casa cobrindo com as espingardas a frente da casa e com o fuzil a cozinha.
Os estrangeiros, deitados na areia da praia, estavam ultimando detalhes de um plano
mirabolante. Iam contratar dois marginais para formar um grupo de ataque com cinco homens
bem armados. Eles dariam cobertura do lado de fora da casa.
A princípio agiriam juntos para dominar os moradores, o que seria muito fácil, cinco
pessoas mais ou menos, desprevenidas, pegas de surpresa e desarmadas. Depois o grupo de
ataque ficaria vigiando enquanto eles vasculhavam em busca de algo, não sabiam o que, mas
que indicava onde todo dinheiro estava escondido.
Lothar foi em busca do grupo de assalto, resmungando que aquela investida estava cada
vez mais cara. O grupo ia pedir R$ 500,00 para cada um e ele só ia dar R$ 400,00.
Becker e Bayer ficaram observando e aguardando a saída da viatura que deveria sair
logo, já eram quase 21hs.
Capítulo 14 - O confronto
Olhando em volta tudo parecia normal. Digo mais, tudo ia muito bem. No centro de
Maricá eram muitos grupos de jovens espalhados nos barzinhos que homenageavam a cantora
Maísa com muitos shows ao vivo de cantores locais. Na casa de Rosa nem Ferreirinha cogitava
em ir embora, nem Rosa pensava em expulsá-lo, há muito ela não tinha um domingo tão
divertido e interessante.
Na rua onde Ferreirinha mora um par de marginais vem render os que estavam de
“serviço” vigiando a casa que, é claro, não tinha qualquer movimento. Só que para o serviço
noturno vieram em dois carros, cada um com um, trouxeram lanche e iam fazer um piquenique
automobilístico com as respectivas namoradas, por isso se atrasaram tanto. Mas bandido tem

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suas responsabilidades e quando estão de serviço só abandonam o posto após a chegada da
rendição.
Na verdade trabalho de bandido é pior do que o de qualquer profissional. “Patrão de
Marginal” é tão rígido que cobra os deslizes com surras homéricas ou com a vida de quem falha.
Tem que cumprir com os rituais do grupo senão é expurgado a tiros. E mesmo o pior matador
ou o líder do grupo não tem amigos, qualquer deles pode matá-lo por poder ou grana.
Alguns pensam que têm poder sobre as pessoas que se subjugam a força das armas, mas
diante do “chefe” ou da polícia tremem e choram como crianças. A grande maioria é tão covarde
que precisa da arma para se sentir respeitável.
Bem, a noite parecia maravilhosa, mas na casa branca, na curva da praia, a viatura
policial está se retirando. São quase 22hs e os policiais iam completar 12hs de serviço
ininterrupto. O grupo ainda esperou por mais de uma hora até estarem certos de que não viria
outra viatura para render a que se fora e para que a praia se aquietasse totalmente.
Lothar voltara com mais dois homens e estes traziam, no total, 4 revolveres 38 e um rifle
ou carabina, Lothar não sabia classificar direito, calibre .22 com capacidade para 15 tiros. Mas a
potência desta arma é muito pequena e se esquecer o dedo no gatilho a munição desaparece e
municiá-lo é um processo lento durante um confronto. Para o plano do grupo o rifle estava
ótimo, o modelo da Imbel imita um fal e intimida bastante. Como não haveria confronto este
rifle já estava além da conta.
O grupo combinou tudo certinho. Como num filme, sincronizaram os relógios, fazendo
Zezinho, um dos marginais contratados, perder o controle e acabar numa gargalhada. Era cinco
e cada um cobriria uma lateral da casa e pela frente um tomaria conta das janelas enquanto um
invadiria a casa pela porta da frente exatamente às 23h45 quando simultaneamente os outros
se anunciariam nas janelas e o da lateral direita entraria pela porta da cozinha.
Por uma questão de confiança a janela da frente, a porta principal e a porta da cozinha
seriam cobertas pelos estrangeiros restando aos outros dois o apoio pelas janelas. O grupo se
espalhou, dois entraram na casa que ficava à direita, Zezinho iria para os fundos e Jürgen Bayer
para a porta da cozinha. Pela casa da esquerda foi o Jorjão, também contratado. Franz Becker e
Lothar da Silva Walter esperariam até as 23h44 minutos invadindo a casa pela frente.
Estão todos se posicionando e então, quando menos se esperava, Jorjão, aos gritos, pula
o muro da casa vizinha acompanhado por 2 dobermanns que também pulam o muro e se põem
no encalço dos três marginais.
O grande alarido faz com que Bayer e Zezinho saiam rapidamente da casa da direita.
Zezinho vendo a cena não resiste e corre para a praia para poder cair deitado às gargalhadas.
Nem Bayer, sempre tão sério, resiste e também senta na areia para rir da grotesca cena.
Quando o grupo mais uma vez se reúne já são quase uma hora da manhã. Decidem
abandonar qualquer plano mais elaborado. Zezinho, o mais franzina do grupo, foi dar uma volta
de reconhecimento e voltou anunciando tudo como calmo e silencioso. Agora os cinco entrarão
pela frente da casa e tomarão de assalto os moradores.
Lothar comunica aos contratados que devem ser dois casais e que eles vão tomar conta
dos quatro depois de estarem amarrados e amordaçados. Zezinho já estava abrindo o sorriso
quando Bayer o interrompeu:
- Vai rir do que agora?
- Amarrar com que corda? Isso está virando palhaçada. Afinal o que vocês querem?
Talvez se vocês dividirem os objetivos eu possa ajudar de fato. Cada vez que recebo uma ordem
sempre acho mais absurda do que a anterior.
- Dividir como? O que? – pergunta Bayer que ainda não entende bem o português.
- Queremos simplesmente entrar e dominar os moradores para vasculhar a casa em
busca de uma informação. Não sabemos como é nem onde está, por isso vamos precisar de
tempo, no mínimo meia hora. – explicou Lothar.
- Vocês são loucos! – disse, já exaltado, Zezinho – Quanto menos tempo se fica no
flagrante menor o risco de sermos pegos, o máximo aceitável de duração de uma ação dessas é
de 10 minutos. Para mais que isso tinha que ter um plano bom, bem pensado e executado bem
discretamente, talvez rendendo um dos moradores longe daqui e já chegar com ele dominado.
- Não vamos mais perder tempo. Vamos ao ataque. Esse cara tá é com medo. – Jorjão já
estava preocupado de perder o serviço e a grana estava curta.

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Zezinho, sem apoio do amigo, calou-se, preparou o rifle e o revolver inclusive retirando as
travas, e, praticamente ao final da fala de Jorjão, se ouviu:
- Estou pronto e entrando na casa.
O bando correu acompanhando Zezinho. Ele e Franz entraram pelo portão, que rangeu, e
os outros três pularam com facilidade o muro baixo. Foram, cautelosa e silenciosamente se
aproximando da casa e, como se tivessem ensaiado, foram se aproximando um do outro, indo
todos, a um só tempo, em direção à porta.
Na casa cada um estava em seu posto. Mas percebendo que o grupo não tinha qualquer
estratégia Paulo chamou a todos para a sala deixando Bia no quarto do meio, onde ele sabia que
a ação não chegaria, e Marisa com Alfredo permaneceram na cozinha.
Na sala concentraram-se Paulo, Roberto, Jorge e o detetive. Seriam quatro pistolas e
duas espingardas calibre 12 no ataque. Quando o grupo de assalto passou do meio do terreno
Paulo já estava de volta na sala e acendeu todas as luzes externas.
Do grupo externo, pelo susto ou para intimidar, partiu um e em seguida outro tiro que foi
respondido pelos dois primeiros cartuchos da 12. Foi o suficiente para o grupo, tão unido,
dispersar-se, cada um para seu lado, atirando a esmo.
Zezinho nem pensou, correu para o muro e pulou de qualquer jeito para se abrigar atrás
dele. Não teve sorte. Ouviu-se um grito agudo que até parecia mais uma gaiatice do bandido:
- Aiiii!!!! Minha bunda! Minha bunda não! Aiiiii!!!!!! – Um tiro da espingarda calibre 12 lhe
atingira em cheio. Como a munição espalha centenas de esferas de chumbo a bunda de Zezinho
ficou furada como se fosse uma peneira.
Jorjão, como o nome sugere, um negão enorme, de quase 2 metros, largo como uma
porta, abrigou-se deitado no chão atrás do fino caule da amendoeira. Atirava sem parar e logo
as balas dos dois revólveres 38 acabaram e, enquanto ele municiava a arma foi ferido no ombro
direito e urrou de dor. Este também estava fora de combate.
Franz correra para a direita e ficou fora do ângulo de visão dos policiais. Cauteloso, sem
dar qualquer tiro para não entregar sua posição, foi-se arrastando até o muro. Foi localizado
quando, como um gato, abaixado próximo ao portão de garagem, pulou sobre o portão sem
qualquer dificuldade. Mas ficou sem área de escape tendo que se esconder atrás do muro,
deitado rente ao chão já que alguns projéteis conseguiam atravessar o velho muro.
Bayer e Lothar não recuaram, correram para a direita e para o interior do terreno. Dali,
com a visão ofuscada pelo refletor na lateral da casa, tentaram se aproximar da porta da
cozinha, dando continuidade ao plano de invadir o imóvel. A imediata resposta com tiros da
pistola e com o estrondoso tiro do fuzil os fez correr como leopardos e pular o muro alto dos
fundos. Lothar escapara ileso, mas Hans foi ferido de raspão pelas costas e o tiro do fuzil chegou
a alcançar sua costela, quebrando-a.
Nenhum dos dois teve tempo de se recompor, os cachorros do vizinho dos fundos
estavam alucinados com os tiros e atacaram imediatamente os dois homens que mordidos
fugiram como puderam.
Em meio a esse tiroteio a chegada da polícia foi instantânea. As viaturas estavam de
sobreaviso e haviam cercado a área. Zezinho, com a bunda ferida; Jorjão, com o ombro
esfacelado e Franz, sem qualquer ferimento, foram presos.
Ninguém sabe dizer como os outros dois conseguiram escapar. Agora a vigilância se
concentrava nas clínicas e hospitais da região. Eles estavam, pelo que a polícia sabia, pelo
menos mordidos.
Os jovens estavam chegando quando Paulo já seguia, com seus companheiros, para a 82ª
Delegacia Policial para registrar, junto à delegada, as ocorrências.
No paraíso estava Ferreirinha. Rosa preparou o sofá para que ele dormisse
confortavelmente, vendo televisão.
Enquanto ele se acomodava ela tomou seu banho e passou por ele, com a toalha enrolada
pelo corpo, a caminho de seu quarto. Quando já estava chegando ao quarto Ferreirinha gritou
de dor, sentando-se no sofá e pondo as mãos na cabeça.
Rosa se assustou, inicialmente, com o grito. Depois a expressão de dor no rosto de
Ferreirinha que segurava com as duas mãos a cabeça emprestou a ela um sentido de urgência
que ela veio acudi-lo imediatamente, já quase chorando.

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Ela se aproximou e ficou atônita. Não sabia o que fazer, como proceder. Abaixou-se para
falar com ele. Sentiu seu corpo inteiro se desequilibrar e cair lentamente. Durante a queda seu
corpo foi guiado e ela caiu sentada no colo de Ferreirinha que já lhe beijava a boca.
Irritada, Rosa começa a dar tapas em Ferreirinha e a toalha se solta. Buscando cobrir o
corpo foi abraçada e mais uma vez beijada. Ela não resiste, corresponde ao beijo que logo se
interrompe pelo riso dos dois que assumem a brincadeira e a entrega mútua.
Rosa viu mais um de seus sonhos realizar-se naquela madrugada: foi conduzida, de colo,
por Ferreirinha, até sua cama e, a partir dali, tratada como princesa, foi recebendo e retribuindo
aos inúmeros carinhos.
Ferreirinha foi, aos poucos, descobrindo as reações de cada parte do corpo de Rosa a seus
beijos. Ela ora ria, ora se arrepiava e finalmente, nos últimos trechos pesquisados, ela entregou-
se total e plenamente. Sem reservas ou pudores ela experimentava através dos beijos de
Ferreirinha, de sua língua ágil, prazeres indescritíveis que provocavam, dentro dela, um enorme
vazio e uma urgência intensa de se sentir preenchida, tomada, amada.
Surpresa, ela foi aos poucos levada a dominar aquele momento. Ferreirinha se entregara
inteiro, inerte, deitado de costas na cama, em plena prontidão para acatar seus caprichos, seus
devaneios.
Ela sorri ao ver passar pela sua mente a figura de um carrossel de parque. Como no
carrossel ela monta e num sobe e desce constante vai se sentindo invadida pelo prazer que vai
se anunciando e aos poucos crescendo dentro dela. Ela já estava em pleno galope quando é
interrompida e apoiada passando a receber uma frenética e profunda fricção que vai
desencadear logo em espasmos.
Quando ela se solta para permitir o total relaxamento é mais uma vez surpreendida.
Ferreirinha a gira na cama, a domina, prende seus braços com suas fortes mãos. Entre suas
penas brinca de invadi-la lenta e gradualmente. Ela precisa, ela quer, ela almeja, ela anseia o
prazer prometido. Uma urgência cresce nela em forma de agonia que não estanca. Ele lhe pede
beijos e não se deixa beijar, lhe pede abraços, mas não libera seus braços, lhe pede prazer, mas
não fomenta seu acontecimento.
Nessa lentidão ela passa a perceber o todo, cada parte, o atrito, as contrações. Ele vence
as resistências que ela involuntariamente impõe. Seu corpo inteiro vibra, quica na cama, seus
quadris estão em convulsão buscando acelerar aquele idílio que lhe atormenta de prazer sem lhe
dar prazer.
Ele, então, suga sua boca, libera seus braços e passa a se fazer sentir total e plenamente.
Seus movimentos são tão rápidos que fica a impressão de permanente e total preenchimento
até que nada mais ela pode sentir ou descrever. E retribui abraçando-lhe com os braços, com as
pernas, com o corpo, com a alma.
Pela primeira vez na vida Rosa vê uma de suas relações terminarem como nas descrições
literárias. Uma luz explode em seu cérebro cegando-a para a realidade. A luz se espalha e com
ela um choque percorre todo seu corpo concentrando-se no centro dele que se contraí
intensamente e sempre mais até que nova explosão parte do seu âmago, de seu ventre e se
espalha tranqüilizando todo seu corpo, relaxando seus músculos, liberando sua mente.
Ela não consegue respirar, não consegue pensar, não consegue mover-se, mas sente-se
em paz, leve, feliz, realizada.
Aos poucos percebe que está deitada em sua cama, no seu quarto, onde as paredes
voltam a ter uma única cor e que ao seu lado está um homem. Sim um homem. Seu primeiro
homem que merece ser assim chamado.
Ela sorri para Ferreirinha, deita em seu braço, se aconchega, se acomoda e enquanto ela
ainda sonha, ele vai se entregando a um sono merecido e reparador. A claridade celeste anuncia
que logo vai amanhecer um novo dia.
Capítulo 15 - A vingança de Bia
A agradável manhã de verão não é reflexo do que o dia promete. Na manchete dos
jornais desagradável e inexplicável surpresa. Franz Becker, o único dos estrangeiros capturado,
está morto.
Paulo, perplexo, lê com atenção todas as matérias publicadas pelos diversos jornais.
Lamenta a oportunidade perdida. Tantas eram as perguntas sem respostas. Agora restara
apenas novas e mais perturbadoras perguntas.

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Quem teria tentado resgatar Becker? Por que estava ele sendo transferido para a
delegacia da polícia federal em Macaé em plena madrugada, no mesmo dia em que foi preso? O
que justifica a pressa na transferência? O que significavam as idênticas marcas vermelhas nos
antebraços do morto, fotografada por um dos jornais? Por que os jornais dizem que Becker foi
baleado e não que houve tiroteio na madrugada? Ninguém comentou qualquer dano em
veículos, como pararam a viatura policial? Como o grupo que tentou o resgate teve acesso a
informações sigilosas como a transferência, o veículo utilizado, o itinerário, o horário?
Ainda na mesa do café, depois do tiroteio da madrugada anterior, do efeito desta notícia
em sua mente policial Paulo ainda percebe que Bia está fria, distante e lhe evitando. Ele sente
necessidade de ter um tempo consigo mesmo, precisa colocar a cabeça em ordem, cuidar da
família já que está de férias deixando a polícia fazer seu trabalho sem a sua interferência.
- Vamos passear na praia? – convida a Bia na esperança dela aceitar e as coisas
começarem a melhorar.
- Faça bom proveito. Se eu fosse você convidaria outra pessoa por que “euzinha”, nunca
mais! – enquanto Bia falava seu rosto se transtornava e as lágrimas se anunciaram.
- Bia, por favor, me explica o que está acontecendo, eu... – não adiantava terminar a
frase. Bia, como na noite passada, se trancara no quarto e ele dormira na sala pensando que a
tensão do tiroteio havia provocado aquela reação, só agora via que havia algo mais e que era
sério.
Já na praia, depois da curva, Paulo é alcançado por Marisa.
- Espera Paulo! Precisamos conversar. – respirando com dificuldade Marisa fizera um
grande esforço para chamá-lo.
Paulo para, espera Marisa se aproximar.
- O que foi, Bia está me chamando? – ele já mostrava um largo sorriso que logo se
desfez.
- Não, nem via a Bia. Foi a matéria do jornal. O que você acha que pode ter acontecido? –
Marisa respirava fundo para recuperar o fôlego, percebia agora que estava bastante fora de
forma, tinha que voltar a malhar.
Paulo queria realmente ficar sozinho, mas por vezes é melhor pensar externando suas
opiniões e ouvindo a opinião alheia. Seguiram, então, conversando. Ela só de biquíni expondo
um corpo magnífico e ele apenas de short. O casal chamava atenção de todos.
Ferreirinha ao se deparar com a notícia da morte de Becker temeu por sua vida. Tinha
alguém nesse meio de caminho. Lúcio estava morto. Ele esteve toda a noite ao lado de Rosa.
Como os alemães conseguiram fazer um tiroteio no fim do dia anterior e imediatamente
preparar um resgate de um preso em transporte na mesma madrugada?
Tinha mais alguma coisa no meio daquela notícia. O Becker deveria estar algemado e no
banco de trás de uma viatura que só abre por fora... como ele fugiu? Nas fotos não existe
nenhuma algema. Será que o bando que tentou resgatar o alemão era composto por policiais?
Era a explicação mais lógica para Ferreirinha. Ainda assim, sendo policiais, como permitiram que
o alvo de seu resgate fosse fatalmente baleado?
Na casa branca encosta um carro prata e Roberto já sai dele perguntado pelo Paulo. Os
rapazes estão comendo pão na varanda e um deles vai chamá-lo no quarto. Informam a Bia que
era o Roberto quem chamava.
Menos de cinco minutos depois bia está despontando na varanda com o seu diminuto
biquíni verde, uma canga muito transparente, um chapelão de palha, na mão uma bolsa com
seus apetrechos: toalha, bronzeador, short, escova de cabelo, batom hidratante e... quem mais
sabe o que uma mulher pode botar numa única bolsa?
- Roberto, Paulo saiu para andar pela praia, você me dá uma carona?
Roberto estava literalmente embasbacado olhando aquela mulher loira, olhos verdes,
biquíni verde e mínimo que lhe revelava tudo de belo que ela possuía. Levou um tempo tão
grande para sair do transe que todos na varanda, menos André, já riam dele.
- Vamos, vamos, levo você onde você quiser! – pegou Bia pelo braço e guiou, como quem
guia um cego, seguindo à sua frente, mas olhando para trás até que tropeçou provocando
gargalhadas do público na varanda.

35
Abriu a porta do carona, observou cada detalhe do corpo que sentava em seu carro e,
agora acordado, em instantes já estava ao lado dela e seguindo com o carro sem saber para
onde.
- Onde você quer que eu lhe leve?
- Ia deixar isso por sua conta, mas você está muito aturdido e trôpego hoje. Me leve para
as areias de Ponta Negra que preciso me bronzear. – responde Bia com um sorriso maravilhoso
e com o olhar fixo no dele.
- Olha para frente! – ela completou fazendo ele mais uma vez acordar de seus devaneios.
- Onde da praia de Ponta Grossa? É... digo... Ponta Negra? – Roberto estava realmente
nervoso, exaltado e excitado com a presença da esposa de seu amigo no carro.
- Você escolhe um lugar bem deserto. Não queremos ser incomodados, não é mesmo?
Ele parou o mais próximo que pode da areia branca e fina de Ponta Negra. Fez questão de
abrir a porta do carro para ela.
- Você não vem? – a pergunta deixou Roberto aflito.
- Tenho um short no carro, mas aonde vou me trocar? – enquanto falava ele abria a mala
e pegava seu short de banho.
Bia olha em volta e rindo retruca: - Não estou vendo ninguém que possa reclamar por
aqui. Ela percebeu que Roberto, por incrível que pareça, estava acanhado e constrangido.
- Anda logo que eu fico de costa para você. – falou e virou-se. Esperou perceber
movimentos e virou-se. Ele estava totalmente nu. Ela riu e completou: - Mas não se demore
como uma dama, por favor. - ela sorria, parecia aprovar o que viu.
Acabou de falar e ouviu a mala se fechando e, ainda rindo perguntou: - AGORA, já posso
olhar? – Roberto estava tomando seu braço para seguirem até a areia convidativa.
Bia levantou com os pés um monte de areia, jogou sobre ele sua toalha e sentou-se
usando o monte como um grande travesseiro.
- Essa brisa engana muito, o sol está escaldante, melhor me proteger.
Pegou a bolsa. Mexeu. Futucou. Em suas mãos surgiu um bronzeador com filtro solar. Ela
agitou o frasco vigorosamente. Roberto estava encantado com o balouçar rítmico daquele corpo
a sua frente e ficou surpreso quando viu Bia estender para ele o frasco.
- Seja cavaleiro. Comece pelas minhas costas. – ela falou, dobrou os joelhos, abraçou as
penas e deitou a cabeça nos joelhos dobrados. As costas ficaram esticadas e à disposição de
Roberto.
Não era mais o momento de fazer charme ou fingir surpresa. Agora o predador tinha que
se anunciar. Ele deixou gotinhas de bronzeador pingar nas costas quentes dela e o líquido fresco
fez surgir pontos de arrepio provocando algumas contrações.
Mãos espalmadas dominam as costas de Bia. O bronzeador vai-se espalhando e ela nem
percebe que os laços do sutiã do biquíni foram retirados. Estava relaxada e entregue. As mãos
agora passeavam nas laterais, nas suas costelas, nas laterais de seus seios. Ela já percebia o
grande intumescimento que experimentava.
Ele sentou atrás dela, com as pernas ao seu redor, e contorcendo-se começou a espalhar
o bronzeador em seus pés, subindo pelas pernas. Afastou as pernas para frente e para os lados.
Da panturrilha segui para o joelho, subiu para frente das coxas, contornou externamente cada
uma. E, com as duas mãos simultaneamente, espalhou o líquido na parte interna das coxas,
cada vez mais próximo do biquíni verde e só parou de se aproximar quando percebeu os
arrepios na pele da mulher.
Só quando as mãos dele invadem seu abdômen e que Bia percebe que o sutiã está
apenas apoiado em seus seios. No afã de tapá-los faz cair o pano e fica na dúvida entre pegar o
sutiã ou tapar os seios.
As mãos carinhosas e quentes de Roberto cobrem todo cada um dos seios e ele, com voz
rouca, diz que é melhor ela pegar o sutiã e deixar que ele cubra a sua nudez.
Ao sentir as carícias daquelas mãos em seus seios, Bia deixa, a contragosto, sua cabeça
pender para trás por conta do prazer que experimenta.
Solta, indefesa, excitada... não esboça qualquer reação ao ser beijada, mas, aos poucos,
começa a corresponder àqueles beijos deliciosos que estão mexendo profundamente com ela.

36
Uma das ousadas e deliciosas mãos escapa do seio e segue direto para aprisionar entre os
dedos o clitóris de Bia. Surpreendida e extremamente excitada ela afasta os joelhos ficando
literalmente arreganhada e totalmente entregue a um beijo apaixonante.
O desejo se avoluma, cresce, o orgasmo é iminente. É a primeira vez que ela vai ter
prazer com outro homem. Mas Paulo, e Paulo. Não. Ela não pode traí-lo assim! Não vai se
igualar a ele.
Lembrar de Paulo faz nascer uma resistência incomum nela e ela se levanta e se joga nua
nas águas. Roberto soltara também os laços da parte de baixo do biquíni.
Nem o choque da água fria arrefece o desejo de Bia que se toca e continua se tocando,
olhando para Roberto que se deixou ficar na areia, imaginando ele lhe penetrando e se tocando
até completar o orgasmo que ele fizera nascer.
Inocente Bia. Achou realmente que ele não percebera nada. Ele pega a toalha e leva até a
beira da água. Ela se ergue e corre até a toalha se enrolando. Ele a abraça e em seu ouvido
pergunta:
- Vou bom gozar pensando em mim?
Canalha. Que audácia. Como ele podia dizer isso para esposa de seu amigo. Sentiu um
calor subir por seu corpo e se instalar na sua face.
- Obrigado. – insiste Paulo em seu ouvido arrepiando-a. – Foi um prazer conseguir
enrubescer uma mulher segura e maravilhosa como você. – para completar ele passa a língua
na orelha arrancando arrepios e quebra as defesas de Bia ao confessar: - Eu te amo!
Bia voltou para onde estava e se recompôs sem ligar para Roberto lhe observando. Estava
mais uma vez ficando excitada, mas não podia deixar que ele percebesse. Pegou todas as suas
coisas.
- Você abusou da minha amizade, da amizade de meu marido. É melhor me levar embora
daqui.
- O melhor disso tudo é que você gostou e gozou plenamente pensando em mim.
- Gozei sim, não me envergonho por isso, sou uma mulher normal atravessando
problemas conjugais e você sabe disso, estou frágil.
- Mas confessa, você gozou pensando em mim e gostou disso - sussurrou ele baixinho em
seu ouvido deixando-a ainda mais arrepiada.
- Eu gozei sentindo você me penetrar em pensamento, seu babaca! Nunca mais! Nunca
mais! Me leve embora daqui.
Roberto levou Bia para casa e se foi antes que Paulo voltasse de seu passeio com Marisa.
Bia deixou-se ficar na varanda, deitada numa rede, por longo tempo. Quando decide se
levantar dá de cara com Paulo e Marisa voltando, lado a lado, para casa.
Bia chora, não consegue se conter. Corre para o quarto já arrependida de não ter se
vingado quando teve oportunidade. Como Paulo mudou. Na minha frente ele continua com essa
mulherzinha, enfia ela na minha casa... E foi só pranto.
Capítulo 16 - Quem é Marisa?
Que havia algo errado todos sabiam. Evitavam comentar em especial quando André ou
Andréia estavam por perto. Mas o grupo estava tentando entender tudo que estava
acontecendo, sem que ninguém conseguisse chegar à conclusão alguma.
Afonso, aproveitando a ausência dos irmãos e como estava em ambiente bastante
amigável, comentou com Marcelo e Lúcia sobre a repentina presença de Marisa.
- O André já tinha contado a vocês que estava namorando? Porque a mim ele não tinha
contado nada.
- Não, Afonso. Fiquei tão surpreso quanto você. Até porque nós comentamos tudo com
ele. - respondeu Marcelo, para em seguida perguntar num tom que parecia mais estar falando
consigo mesmo-Por que será que ele estava guardando segredo?
- O que é isso meninos? Acho que ele apenas quis surpreendê-los mesmo, por isso deixou
para contar só quando ela chegasse. Afinal todos nós andávamos de gozação com ele por ser BV
(boca virgem) e nunca ter namorado, não é?
- Eu não resistiria tanto tempo sem contar. Já estávamos juntos há dias quando você
chegou a Maricá e todo esse tempo sem qualquer comentário. Pelo menos alguma insinuação
ele deveria ter feito – insistiu Afonso.

37
- Então o que aconteceu. A namorada caiu do céu? Vocês estão procurando chifres em...
– Lúcia não chegou a completar sua frase sendo cortada por Marcelo.
- Tudo bem! Tudo bem! Ele estava namorando e quis fazer surpresa. Mas não foi muito
estranho a Marisa ir encontrar com o grupo lá nas Grutas do Spar, já no fim do dia? Estou
falando isso por que se o Afonso e o Luís não tivessem dado uma de aventureiros
provavelmente já estaríamos em casa.
- Ora... – retalhou Lúcia – Ela deve ter vindo aqui e como não tinha ninguém, perguntou
por ai. O sumiço do Afonso com o Luis é que está mal explicado.
- É verdade Lucinha. – desdenhou Afonso – Mal explicado está o meu sumiço e não a tal
Marisa chegar até aqui, encontrar a casa toda aberta, tudo espalhado. - e prosseguiu evitando
que o assunto mudasse para seu sumiço - Ela chegou aqui, o vizinho disse onde estávamos
"mesmo sem ter sido comunicado". Nenhum dos dois percebeu nada de errado?
- Você tem razão Afonso. – agora era Luis, chegando ao grupo, abraçado com Telma e já
entrando na conversa – Digo mais, essa Marisa é muita areia para o caminhãozinho dele. – e
completou num pulo exagerado e por conta do beliscão que Telma fingiu dar, com um “Aiiiii!”
que fez todos rirem.
Lúcia aproveitou o bem colocado “beliscão” e atacou deixando claro que havia uma ponta
de ciúmes naquela conversa.
- Agora sim. Está claro que vocês estão é de olho na namorada do André, principalmente
seu Marcelo que vive esticando os olhos para os decotes e mini-saias escandalosas que ela usa.
Marcelo ia contra-argumentar se colocando na defensiva quando Luis foi mais além.
- Qual a idade dessa menina? Ela é tão atirada, tão carinhosa, tão exibida! Vocês já
notaram que ela trata os dois irmãos como se ambos fossem seus namorados?
- Você "viu ela" beijando a boca da Andréia? – cortou Lúcia mostrando grande
preocupação.
- Calma Lúcia, não é tanto assim. Mas quando ela não está acariciando ou deitada no colo
do André pode procurar que ela vai estar acariciando e deitada no colo da Andréia. – comentou
Afonso que todos sabiam que gostava de Andréia, era mais um ciumento. E ele continuou
empolgado.
- Já fez escova no cabelo de Andréia, já maquiou, já passou hidratante e só troca de
roupa com assessoria da cunhadinha. Parece que quer conquistar a família toda!
- Toda? – era Lúcia que já não sabia se defendia ou atacava a Marisa que vinha sendo
massacrada sem direito de defesa.
- É! Todos. Ou você ainda não percebeu ela se jogando para o seu Paulo. Ela até pula no
colo dele, se pendura em seu pescoço. Dona Bia não está gostando disso não. Acho até que eles
estão brigados.
- Brigados? – era André que chegava e interrompia aquela conversa que prometia se
prolongar muito – Como assim brigados? – ele perguntou olhando atentamente para Afonso.
- Hoje seu pai saiu para passear na praia e foi logo seguido pela sua namorada – Afonso
frisou bem as palavras.
- Seu pai deve estar querendo conhecer melhor a namorada do filho - diz Lucia tentando
salvar uma situação que estava ficando desagradável.
- E quando eles voltavam tive a impressão que sua mãe correu para o quarto chorando. -
Afonso falou em tom acanhado e logo completou - Desculpe amigo. Eu ia comentar isso só com
você.
- Eu notei. – completou seco André.
O silêncio se impôs longo e incomodativo e Telma, curiosa, não se conteve.
- André, você já está namorando a Marisa há muito tempo?
- Não. Esbarramos pela primeira vez somente há algumas semanas e ficamos. Até pensei
que não era nada sério, por isso até não comentei. Ai ela chegou de surpresa... – André
respondeu ainda seco – Vou entrar que Marisa está me esperando. – cortou e se afastou do
grupo.
André estava preocupado. Sabia que isso ia acontecer mais cedo ou mais tarde. Mesmo
preocupado ele ia aproveitar para mostrar a todo mundo que Marisa era mesmo sua namorada.
Essa era a parte que ele mais estava gostando. Marisa fingia tão bem que ele vivia extasiado.

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No grupo agora se comentava que essa tal de Marisa era é muito oferecida. Queria o pai e
os dois irmãos sem saber com quem ficar. Lúcia ainda alfinetou que ela já dera umas olhadas
para o Marcelo e ele que se cuidasse, ia sobrar para ele.
Enquanto isso, na casa de Rosa, Ferreirinha ajuda a preparar o ambiente para o velório
do Lúcio. Rosa fora ao centro da cidade para providenciar o sepultamento de seu irmão já que o
IML liberara o corpo. Enquanto o velório acontecia com uns poucos vizinhos Ferreirinha saiu de
cena com a desculpa de ir até sua casa pegar algumas roupas. Evitava assim qualquer encontro
indesejável com alguém do grupo de Lúcio ou mesmo com policiais que certamente surgiriam
disfarçados.
Em menos de uma hora chegou ao seu bairro, atento e ressabiado. Ele foi pelo outro
quarteirão e não viu nenhum dos estrangeiros por perto. Tranqüilizou-se e entrou em casa
normalmente.
A equipe contratada por Lothar e seus amigos permanecia atenta e como era da região
não chegou a chamar a atenção de Ferreirinha. Assim que ele entrou em casa, ligaram pelo
celular e avisaram a quem atendeu que o Ferreira estava em casa e pediram instruções.
- Quantos vocês são? – perguntou o interlocutor.
- Ora, neste horário somos só dois. Na troca de turno é que ficamos os quatro por algum
tempo conversando.
– O que você quer que agente façamos? – perguntou já chateado o olheiro.
- Fiquem próximo ao portão e peguem o homem assim que ele sair; e mantenham-no na
casa. – respondeu a voz do outro lado acrescentando num português perfeito – Estamos a
caminho, sejam discretos e nos aguardem.
Minutos depois três viaturas da polícia militar paravam em frente à casa de Ferreirinha
rendendo os olheiros. É claro que eles não foram discretos. Chegaram pelos dois lados com a
sirene ligada e com estardalhaço medonho algemaram e recolheram os dois homens.
Ferreirinha, alertado pelas sirenes, mesmo antes de toda movimentação tentou sair pelos
fundos da casa que dava pra outra residência, já na outra rua. Mas percebeu a tempo que
outras duas viaturas estavam cercando o local.
Pensou rápido, jogou algumas de suas roupas na casa sem pular para ela, apenas para
despistar e correu para o vizinho da direita, pulou o muro e subiu numa mangueira antiga e
nesta época com muita folhagem. Lá permaneceu o mais quieto possível assistindo a grande
busca que os policiais militares deram na casa e nas imediações. Logo estavam com apoio de
uma viatura da polícia civil e para seu espanto uma da polícia federal.
Ele lembrou que quando descia das ruínas da mina havia cruzado com duas viaturas, uma
da polícia civil e outra da polícia federal. O que a polícia federal podia estar querendo com ele?
Rosa deu ao irmão o sepultamento possível. Não era o mais barato, mas não tinha
qualquer luxo, era apenas digno. Ela seguiu sozinha com o corpo para o cemitério, surpreendeu-
se com os inúmeros amigos presentes. Eram poucos, além de alguns repórteres que foram logo
embora. Nem aos noticiários o irmão interessava.
As pessoas lhe cumprimentavam e ela não conseguia reconhecer nenhuma. Apenas dois
policiais ela reconheceu por ter tido contato nos últimos dias. O que estariam fazendo ali?
Certamente estavam de olho nos amigos de Lúcio. Afinal: “Diga-me com quem andas que eu te
direi quem és!”
A única pessoa que Rosa acreditava já ter tido contato nem se aproximou dela para
cumprimentá-la. Usava uma camiseta de malha preta que quase deixava de fora os seios que
esmagavam. A saia jeans azul era tão curta que mal cabia o zíper. Certamente era uma das
“negas” de Lúcio, e bem “vagaba”.
Marisa não se aproximara para não despertar qualquer suspeita em Rosa. Mantivera-se
sozinha e também distante de Roberto que fora buscar os companheiros, mas se mantinha,
como se parceiro fosse, ao lado de Paulo. Eles verificavam apenas se mais alguém ligado ao
Lúcio deveria ser incluído no dossiê da Interpol completado pela própria polícia federal. Sem
qualquer sucesso retiraram-se assim que o corpo seguiu para sepultamento.
Rosa estava ansiosa. Ferreirinha não aparecia e logo aconteceria o enterro. Mas não teve
jeito: Lúcio foi enterrado sem que Ferreirinha chegasse a tempo.
Roberto, ao sair do cemitério, levou Paulo e Marisa até a porta de casa, mas não entrou.
Entregou a Marisa um jornal pedindo que ela entregasse a Bia.

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- Ela queria a notícia da morte do Lúcio. Mórbido, não? Só pede a ela para riscar o meu
telefone antes de jogar fora. – ele apontou no alto da primeira folha um número de celular
escrito à caneta.
Enquanto Marisa entrava Roberto aproveitou para falar a sós com Paulo: - Bia está com
muitos ciúmes da Marisa. É melhor você consertar logo isso. Conte a ela toda história.
- Que história, Roberto? Lá vem você novamente...
- Conta da investigação. Já acabou e não existe mais necessidade de qualquer segredo.
- Ta. Ta. Vou pensar no assunto. Um abraço. – Paulo virou de costas dispensando o chato
do Roberto.
Ferreirinha se deixou ficar na árvore, mesmo depois que todas as viaturas se foram, até
anoitecer. Com o corpo dolorido de ficar tanto tempo num mesmo galho para não chamar
qualquer atenção ele desce com dificuldade da árvore. Num grande esforço pula o muro dos
fundos para não sair em sua rua e segue com calma e todo o cuidado para que a vizinhança não
percebesse nada.
Agora estava a pé, com pouco dinheiro no bolso, apenas algumas roupas e seu talão de
cheques.
- Pelo menos isso eu salvei dos policiais - pensou ele.
Decidiu então ir direto para Ponta Grossa sem passar pelo Centro para pegar Rosa. Era
noite e ela já devia ter desistido dele. Andou muito para pegar um único ônibus e em meia hora
estava saltando em Ponta Grossa, distante da casa de Rosa. Tinha que ser cuidadoso. Ali
poderiam estar a polícia, os estrangeiros e, pelo que tudo indicava, outro grupo também
interessado no maldito dinheiro. Só depois de muito perambular e estar certo de que não fora
seguido e de que não tem ninguém suspeito por perto da casa, ele se atreve a entrar pelo
portão da frente. Chegou a cogitar em pular o muro, mas poderia ser notado deixando vizinhos
curiosos e atentos a sua presença.
Na polícia federal, o interrogatório dos homens presos, graças ao celular do falecido
Becker, não levou a lugar nenhum. Não havia qualquer novidade a não ser a confirmação de que
Ferreirinha estava, de alguma forma, envolvido com os estrangeiros, só que agora já não eram
comparsas e sim inimigos.
Restavam sem maiores esclarecimentos ou pistas o dinheiro do roubo internacional, as
mortes de Lúcio e de Becker. Ferreirinha estava se tornando figurinha importante.

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Capítulo 17 - A chantagem
Algo estava diferente. Não apenas por não encontrarem a sua espera a equipe anterior.
Existia no ar um burburinho, uma agitação. Eles tinham ido render a equipe que fora presa
naquela tarde, mas só tomaram ciência dos fatos, na íntegra, pelo caixa da padaria onde
normalmente lanchavam. Sentindo o perigo por perto saíram dali imediatamente e no caminho
comunicaram os fatos ao chefe da quadrilha.
Logo depois chegava à delegacia um advogado e libertava os olheiros, afinal, como nem
armas portavam, não haviam cometido nenhum crime. Mas a contratação do advogado onerou
um pouco mais a operação e Lothar estava cada vez mais preocupado. Haviam ele e Becker
decidido ficar quietos no hotel até a poeira baixar. Esta nova ocorrência, além dos honorários e
outras pequenas despesas, também fez com que eles procurassem uma casa para alugar por
temporada. Assim estariam mais seguros e os gastos seriam menores.
Na casa de Paulo o clima estava bastante tenso. Bia, trancada em seu quarto, passava
aos jovens certo desconforto apesar deles, vendo Paulo agir com toda naturalidade, apenas
desconfiarem que o casal estava brigado.
André, por sua vez, depois dos comentários que ouvira e mesmo sabendo que seu
namoro com Marisa era apenas uma simulação não conseguia superar um ciúme da relação dela
com sua irmã. Ele estava percebendo que Marisa cercava sua irmã cada vez com mais atenção e
carinho, esquecendo-se dele freqüentemente para ficar ao lado de Andréia.
Marisa estava insatisfeita por não conseguir atingir a Paulo com os carinhos que dedicava
a seus filhos. Para piorar ele fingia não entender quaisquer de suas insinuações, parecendo não
saber a forte atração que exercia sobre ela e sua antiga paixão por ele.
Ainda assim era preciso manter todos felizes e Marisa voltou a envolver André em suas
carícias. Começou por beijar-lhe a boca sem permitir que ele retribuísse. Aos poucos ela foi
estendendo a área de seus beijos sem deixar que ele tocasse nela. André estava ofegante e
ansioso sem poder corresponder às carícias que atiçavam toda a sua libido.
Ajoelhando-se, de frente para ele, ela deu o golpe de misericórdia e o jovem menino
explodiu de prazer. Aproveitando o relaxamento após intenso prazer, o convenceu que era
importante tirar do foco dos amigos a relação com ele e por isso era necessária a presença de
Andréia entre eles. Mandou-o tomar um banho, trocar a bermuda para não ficar manchada,
comer qualquer coisa e ir para sala para assistir, comportado, um filme com ela.
Telma? Esta estava feliz e satisfeita. Luis era atencioso, carinhoso e lhe cercava de
mimos. Desde quando ele se perdera nas grutas não mais a abandonara. Ele deixou claro que
não queria tocar naquele assunto mas, em contrapartida, parecia mais apaixonado depois
daquele fato.
Luis realmente estava feliz ao lado de Telma. Embora não conseguisse esquecer de Rita.
Aquela mulher, cercada de sua aura de mistério, havia exercido sobre ele tal fascínio que ele
estava sempre cogitando uma forma de revê-la. Mas estava com um sério problema: Ferreirinha
recomendara que Luis evitasse voltar a casa por alguns dias, quando lhe contara sua última
aventura. Paulo não vinha mostrando-se hospitaleiro exclusivamente em relação a ele sem que
Luis atinasse o porquê. Ele estava agora contando com uma das outras casas, a de Telma, onde
por seu namoro seria mais difícil, a de Lúcia, que por ser menina também não seria tão fácil e a
mais promissora era a casa dos gêmeos. Ele tinha que aproveitar a afinidade criada com Alfredo
nas grutas.
Para aumentar esta afinidade Luis trouxe Alfredo para perto de si e, com a participação de
Telma, passou a conversar com ele sobre o assunto preferido de Alfredo: Andréia. Mas ao falar
de Andréia o grupo não conseguiu escapar de questionar o comportamento de Marisa em
relação à menina.
Agora mesmo, no sofá da sala, onde Andréia sentara-se num canto para ver o filme
daquela noite na televisão, Marisa se aproximara enquanto André comia alguma coisa na
cozinha, deitara em suas pernas, de costas para a tv, dividira o cabelo de Andréia em duas
metades e o trouxera para frente por sobre os ombros. Deitada sobre o braço esquerdo passou
então a acariciá-los com a mão direita desde o alto, onde introduzia as pontas dos dedos e ia
descendo, como que os desembaraçando, até as pontas, que terminavam logo abaixo dos seios.
Estava patente, na expressão de Andréia, que aquelas carícias lhe eram prazerosas.
Ciumento, Alfredo se aproximou bastante e se posicionou melhor sem que nenhuma das duas

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percebesse, já que Andréia parecia cochilar e a outra estava de costa para ele. André chega e
pega Alfredo bisbilhotando e sem dar tempo a qualquer reação volta-se contra o amigo:
- O que você está olhando aí, seu Alfredo? - Alfredo estanca mantendo-se na mesma
posição que lhe denunciava - Pode me explicar? - continuou André agora já obtendo a atenção
de todos para a cena.
Marcelo e Lúcia estavam namorando na varanda, mas o volume e o timbre daquelas
palavras também atraíram o casal. Estavam todos olhando diretamente para a dupla Alfredo e
André esperando as conseqüências daquele diálogo e ninguém notou a vermelhidão no rosto de
Andréia que se condenava pelo rubor.
- Estava vendo se a Marisa já estava dormindo. Porque a Andréia já cochilava. Eu só
acenderia as luzes para poder encarnar nas duas. Só isso! - nem Alfredo sabia de onde tirara
tão esfarrapada desculpa, mas interessava a todos acreditar nela e André foi o primeiro a rir,
logo acompanhado pelos outros e o ambiente desanuviou-se.
Paulo, que também acabara de comer, passou pelos jovens sem lhes prestar atenção e
seguiu diretamente para a praia sentando "à sombra" da amendoeira, mesmo sendo noite. E ali
se deixaria ficar por longas horas. Era nestes momentos que a cabeça do policial tentava
organizar fatos, idéias, indícios e informações à luz de sua experiência, para tentar antecipar-se
a seus opositores. Bia tentava ocupar parte de seus pensamentos, mas ele preferia sempre
expurgar tudo que se referia a ela naquele momento. Só uma coisa estava muito clara para ele,
Roberto passara o celular para Bia, mas Bia já o possuía uma vez que ele havia ligado para ela
em outra ocasião. Perturbava-lhe o fato de Roberto tentar deixar isso tão evidente para ele. Ele
tornava a expurgar aqueles pensamentos e tentava se concentrar mais uma vez no perigo que
lhes cercava.
Marisa continuou deitada no colo de Andréia e pôs seus pés no colo de André que sentara
na outra ponta da poltrona para, também, assistir o filme. Para surpresa de Alfredo, Luis e
Telma, tudo continuou como antes sendo que André foi compensado com carícias
proporcionadas pelos pés de Marisa. Os dois irmãos estavam sob o feitiço daquela mulher e já
nem ligavam se alguém notava.
Andréia, na realidade, vivia um conflito interior. A simples idéia de estar com outra
mulher a repugnava. A sua experiência sexual se limitava aos pouquíssimos filmes pornôs que
assistira e embora estes não lhe agradassem – faltava a eles romantismo e enredo – quando
muito acabavam por lhe provocar mais uma masturbação, sempre rápida e cercada de culpas.
Agora, lá estava ela, envolvida nos carinhos da amiga e aqueles carinhos lhe “acendiam”
e ela, acanhada e sem coragem para desvencilhar-se, havia sucumbido ao prazer que isso lhe
proporcionava. Aos poucos foi sentindo o prazer lhe invadir todo o corpo e passara, mesmo sem
perceber, a facilitar o envolvimento com esse prazer.
Ela nem tentara interromper aquele ciclo prazeroso apesar de sua consciência lhe acusar
de pecadora – como confessaria ao padre o que sentia naquele momento? Foi castigo. Justo
quando pensava em sua confissão Alfredo promovera aquela gracinha que lhe fizera desejar ser
uma avestruz e esconder a cabeça dentro da terra para não ver nem ser vista por ninguém.
Mesmo sabendo que essa história sobre o avestruz é apenas mito foi esta a vontade que teve:
esconder a cabeça.
Sua primeira reação foi levantar dali. Os fortes braços de Marisa, o esquerdo lhe
abraçando o corpo por baixo e o direito contendo-lhe pelo ombro, mantiveram-na sentada. Ela
estava decidida a levantar e fugir daquele carinhoso e delicioso assédio assim que isso não
chamasse a atenção de ninguém, mas foi-se, mais uma vez, deixando-se ficar presa à isca de
seu próprio prazer.
Marcelo já havia voltado com Lúcia para a varanda e ali trocavam beijos apaixonados que
lhes enchiam de um puro e delicioso prazer. Ele tinha o poder de envolver Lúcia em devaneios
românticos e estava sempre olhando profundamente em seus olhos ou para seu rosto com
expressão de desejo. Seus lábios tocavam de leve a pele do rosto de Lúcia e seguia distribuindo
carícias em sua testa, seu nariz e quando ela já esperava colar seus lábios aos dele ele fugia
com a boca para seu pescoço, suas orelhas e isso lhe arrepiava toda a pele.
Encantado com os arrepios que arrancava de sua amada ele sucumbia e se permitia ser
beijado por ela, mas mantinha a boca fechada, roçando na dela, sugando-lhe os lábios, até que
ela conseguisse conquistar sua boca com uma língua ávida por carícias. Só então ele a

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arrebatava, conseguindo abraçar apenas com seus dois braços todo o corpo de Lúcia que se
sentia totalmente envolvida e segura. Colada ao corpo dele ela se sentia dominada por seus
beijos. Os corpos grudados permitiam que ela tivesse a certeza de que ele pulsava no prazer
que ela lhe proporcionava e nada era mais importante para ela naquele momento do que saber
que excitava e satisfazia seu amado.
Ela, então, via seu príncipe encantado surgir no sorriso que ele dava ao afastar seu rosto
para olhar profundamente em seus olhos tentando conhecer-lhe a alma. Nesta hora, os seios
amassados contra o peito dele, permitiam perceber que os dois agitados corações ainda assim
batiam juntos e compassados num mesmo ritmo intenso.
A harmonia dos pequenos grupos foi totalmente quebrada com a saída de Bia de seu
quarto. Ela havia tomado banho e estava com uma toalha enrolada sobre seu biquíni azul.
Arrastou todos para a praia sem deixar ninguém sossegado em casa. Foi por terra a teoria da
briga do casal. Quando encontrou com Paulo sob a amendoeira, ela se abaixou e beijou-lhe a
boca para em seguida, jogando para o alto o pano que cobria seu biquíni, correr e se atirar na
água que estava bastante morna naquela noite típica de verão.
Logo foi uma correria. As meninas foram colocar seus biquínis e os rapazes se livravam
das bermudas que estavam sobre seus calções de banho. Só Marcelo teve que ir colocar seu
calção sendo mais uma vez alvo das gozações que em coro repetiam o jargão improvisado por
André: "Tá sem cueca! Tá sem cueca! Tá sem cueca!"
Lúcia foi a primeira a chegar na praia. Estava muito acanhada para esperar por Marcelo.
Depois que todos, menos Paulo, já estão na água, sai da casa, desfilando com em uma
passarela, Marisa com seu fio dental cinza e sem a parte de cima. O topless, acompanhado do
fio dental, dava a nítida impressão ao grupo que já estava na água, na penumbra do anoitecer,
de estar ela totalmente nua. Os rapazes fizeram a algazarra com aplausos, assovios e gritos de
elogio.
Paulo nem se volta para trás para saber o que provocava tal reação dos rapazes mas
Marisa, ao passar por ele, faz questão de dar uma voltinha e depois dela seguir dançando até a
água. Ela provocava fazendo seus seios balançarem ainda mais quando de frente e sua bunda
rebolar mais intensamente quando de costas para Paulo. Desta vez não foi só Bia que anotou a
provocação. Só quem não viu nada demais foi justamente o André que já estava sonhando com
o que lhe estava reservado durante aquele banho de mar noturno.
Quem observasse Bia com atenção perceberia que por trás de seus sorrisos e de sua
alegria durante aquele banho de mar existia um manto de tristeza profunda. Ela estava
deprimida no quarto se permitindo chorar a cada pensamento que, como masoquista, fazia
questão de ter. Ela já fantasiara a relação de Paulo com Marisa. Marisa já virara diversas outras
mulheres. Ela se sentia traída, não na sua relação conjugal, isso ela talvez até aceitasse,
ninguém é perfeito, mas em sua confiança naquele homem com quem trilhara até agora uma
história de felicidade.
Nas longas horas que esteve consigo mesmo perguntara-se diversas vezes como não
notara nada, sentia-se uma verdadeira idiota. Mas também se sentia suja. Suja ao permitir, por
vingança, ser tocada por outro homem. Suja por ter tido prazer com estes toques. Suja por ter
permitido que um amigo de Paulo se transformasse em homem para ela. Suja por ter traído a si
mesma deixando-se envolver numa aventura. Suja por ter atingido o orgasmo, por suas
próprias mãos, pensando em outro homem. Ela se igualara a seu marido. Fora promíscua. Já
não se sentia no direito de olhar para seu marido com a superioridade e dignidade que devia ter
mantido.
Pensou também em seus filhos, nas férias tão esperadas, nas descobertas que aquele
verão prometia para eles. A mesma mulher que lhe jogara no fundo de um poço escuro e
lamacento estava introduzindo seu filho nos prazeres da vida adolescente. Logo também a filha
estaria namorando. Ela ficou feliz que não tivesse sido com Luis, provável filho de um marginal,
apesar de educado, respeitoso e encantador.
Procurou Marisa com olhos e encontrou André abraçando-a pelas costas com um olhar
safado no rosto enquanto ela, com grande naturalidade, conversava com Andréia a curta
distância. Hipócrita. Roberto, também, era outro hipócrita. Hipócrita em sua relação de amizade
com Paulo. Hipócrita na forma de contar os segredos do amigo para esposa. Hipócrita em sua
relação com ela mesma. E nesta fora também um canalha. O pior que bastava ela lembrar-se

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dele para se sentir excitada, com vontade de se tocar e repetir aquele intenso orgasmo. Tinha
sido assim por toda tarde e mesmo ali, frente a frente com seu marido, a excitação permanece
sem que ela consiga entendê-la ou afastá-la. Deve ser efeito da presença de Marisa torturando-
a.
Até aquele dia fora fiel por opção, por não ter tido jamais atração por outro homem. Já
conhecia Roberto socialmente, já estivera em ambientes onde ele também estava e ele nunca
chamara sua atenção em nenhum aspecto. Agora surge este homem desprezível, canalha,
hipócrita e a enche de desejos. Loucura.
Paulo entra na água, beija-lhe mecanicamente a boca com um estalinho, nada um pouco
e, como sempre gostou de fazer, se põe a boiar como quem vai dormir no mar
impressionantemente calmo aquele dia.
Bia chegou a pensar em evitar-lhe o beijo, mas cedeu à praxe. Olhando para Paulo só
lembrava de Roberto e sem qualquer remorso. Pelo contrário. Paulo boiando em sua frente e ela
recordando como as mãos de Roberto espalharam o prazer pelo seu corpo. Como seus seios
foram arrebatados por aquelas experientes mãos. Como ela cedeu, seduzida pelos beijos de
Roberto que queriam arrancar-lhe a alma e fazer estourar seu descompassado coração.
Mergulha para conter o grito de desespero que lhe brota no fundo da garganta. Afasta-se
do marido. Corpo excitado e sua mente, seus pensamentos, seu ego em frangalhos. Ela nada
chorando usando a água do mar para esconder-lhe as lágrimas. Está louca, perdida e sem o
apoio de seu maior, ou melhor, seu único verdadeiro amigo. Paulo.
Ela para um pouco mais distante do grupo, fica de costa para eles e respira fundo
buscando encontrar-se consigo própria, encontrar seu eixo, recuperar sua dignidade. Ela se
perde em seus pensamentos e reflexões que lhe condenam e não percebe a aproximação de
Paulo que lhe abraça por trás dizendo-lhe ao ouvido.
- Te amo tanto! Você é meu refúgio e meu abrigo. Estou com saudades de você.
O pranto se apresenta forte e inevitável. Soluçando ela se desvencilha das mãos do
marido e corre para casa. Entra no quarto, bate a porta, vai trancá-la... Desiste no último
instante. Eles precisam conversar. Ela deita e fica aguardando seu marido.
O celular toca. Ela atende mesmo percebendo que é Roberto. Está decidida a acabar com
tudo aquilo. Ele quer saber por que ela não ligou. Ela desdenha, esnoba aquele homem que lhe
excita até por telefone. Ele diz que quer um encontro com ela no dia seguinte. Que vai fazê-la
explodir de prazer. Ela informa com convicção que está tudo já acabado, mesmo antes de
começar. Ele diz que se ela não for ele vai buscá-la em casa e que se Paulo estiver em casa e
tentar impedir ele vai contar, com detalhes, tudo que aconteceu entre os dois. Inclusive
provando tudo o que disser com fotos.
É uma Bia apática, impassível e insensível que desliga o celular. Levanta-se. Tranca a
porta do quarto. Letárgica, com olhar perdido no teto e mente vazia, Bia deixa-se ficar deitada
até que Paulo bate à porta.
Capítulo 18 - O Roubo Internacional
Paulo, nos tormentosos momentos de reflexão, passara a limpo tudo que sabia
levantando diversas posições e hipóteses. Acreditava que já antecipara todos os próximos
passos dos marginais estrangeiros. Recebe, por telefone, a notícia da futura chegada de Hans ao
Brasil, pelo menos era isso que a Interpol acreditava estar por acontecer. O novo fato jogou por
terra todo seu raciocínio e ele agora retomava tudo, que já sabia e concluíra, reavaliando todo o
quadro.
Hans nem sempre fora marginal. Todo policial sabe que o homem é honesto apenas até
deixar de sê-lo. Hans era a prova disso. Profissional dedicado trabalhara numa grande empresa
de segurança. Casado e sem filhos tinha na esposa a grande incentivadora de seu sucesso
profissional.
Com incentivo da esposa dedicara-se totalmente a empresa, fizera os mais diversos
cursos e as promoções aconteciam dando-lhe, em poucos anos, um cargo de grande destaque.
Era o Gerente de Logística Financeira.
A empresa funcionava em diversos países da Europa e vira sua atuação facilitada com a
criação do euro. Além dos serviços de segurança para empresas e bancos vinha, nos últimos
anos, desenvolvendo como principal produto o transporte de valores. A eficiência, com a

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participação de Hans chegara a tal ponto que os bancos que utilizavam seus serviços tinham
reduzido significativamente seus custos com transferência e seguro de numerários.
A estratégia montada pela diretoria de transporte, onde Hans era o principal e
fundamental assessor, mantinha cada unidade bancária com estoque mínimo estatisticamente
calculado por Hans e ao final de cada dia era eletronicamente calculados recebimentos e
distribuição de numerários para que no dia seguinte as agências tivessem recuperados seus
limites da moeda do país ou de euros em espécie.
O desafio da equipe era, agora, conseguir reduzir o volume de dinheiro transportado às
sextas-feiras já que as agências, para reduzir os custos de seguros, reduziam ao máximo seus
estoques de dinheiro nos fins de semana. Assim a empresa de transporte tinha que assimilar
este custo de seguro e guarda de numerário. Tal prática ainda prejudicava os serviços nas
manhãs de segunda-feira quando toda a estrutura instalada funcionava em capacidade máxima
para reabastecer os bancos.
Dias antes do grande roubo a reunião na empresa prometia se estender até a madrugada
e Hans até preveniu a esposa que iria chegar bem mais tarde. Foi surpreendido pelo diretor de
transportes com sua imediata demissão e pagamento do que lhe cabia logo no início da
reunião.
Acontece que naquela semana haviam conseguido descobrir um desvio de grande volume
de notas de pequeno valor, impossíveis de serem rastreadas. Mesmo antes de se apurar onde os
desvios aconteciam o diretor decidiu demiti-lo.
Foi um Hans arrasado, cabisbaixo, com orgulho extremamente ferido, que foi para casa
buscar algum consolo, se é que isso fosse possível, nos braços da apaixonada esposa. A casa
apagada, só seu quarto ainda acesso. Resolve não incomodar. Entra produzindo um mínimo de
barulho, mas não resiste e sobe as escadas aos pulos, ansioso para jogar-se nos braços da
mulher amada.
Ao abrir a porta do quarto sente-se atropelado por uma locomotiva em alta velocidade.
Seu estômago revira-se como se um coice violento sobre ele se abatesse. Seus olhos se turvam
e as cenas aparecem durante rápidos flashes. Desnorteado vai voltando ao normal e assimilando
a grotesca e impossível cena.
Sua esposa, tão recatada e discreta durante suas relações sexuais, está nua na cama.
Olhos arregalados, fixos nele. Não emite nenhuma palavra, pois amordaçada. Os sons que emite
se confundem com os que estivera emitindo até aquele momento. Suas pernas estão totalmente
arreganhadas e, como suas mãos, amarradas por tiras de couro aos pés e cabeceira da cama.
Sobre ela, sem notar a inesperada presença, um homem enorme em todas as suas
dimensões. Hans o vê ainda maior do que realmente é diante da surpresa e do inusitado. O
homem soca-se contra sua esposa que se agita sobre ele, desesperada, olhos arregalados, mas
seu parceiro confunde suas reações.
O homem parece cansado de tão ofegante e ainda assim persiste, grunhindo alto,
aumentando vertiginosamente a velocidade de seus movimentos pendulares até que estanca
caído sobre o corpo dela e deixando-lhe a virilha dela inundada de suas secreções.
Nauseado, enojado, falecido apesar de ainda vivo, vira-se, dá as costas àquela cena, e a
passos curtos vai saindo de seu quarto, cabeça baixa, ainda mais deprimido do que quando
entrou. A velocidade de seus passos vai aumentando na proporção em que escuta vozes,
burburinho e confusão atrás de si, mas segue silencioso e quieto seu caminho até a entrada
onde deixa a porta escancarada e segue a passos largos e já ligeiros para o carro.
Mecanicamente entra no carro, dá a partida e segue sem rumo até que o alarme eletrônico lhe
avisa que o combustível está se acabando. Parece que só então volta à realidade.
Era o fim de uma quarta-feira. Na quinta-feira Hans descobre pelos jornais detalhes do
rombo financeiro. Conhecedor da empresa deduz imediatamente do que se trata o desfalque e
pelo volume e forma só poderia ter sido executado pelo seu diretor. O mesmo jornal lhe dá a
notícia que um gerente já afastado da empresa está sendo procurado em três países como
provável autor do golpe. É a corda estourando do lado mais fraco. Enfurna-se num motel e
dorme por todo o dia.
Acorda e já é noite de quinta-feira. Hans já está consciente que fora traído pela mulher
que tanto amava. Por sua apaixonada esposa. Está consciente que fora traído pelo diretor que
ajudara a promover com o seu saber técnico. Está ciente de que mesmo sem qualquer indício

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concreto ou qualquer outra prova vai ser preso para acalmar o clamor público promovido pelos
jornais em torno do caso. Sua foto já está publicada em todos os jornais.
Seu celular toca pela primeira vez desde a madrugada passada quando a esposa tentou
ser atendida por diversas vezes. Desta vez é Lothar José inconformado com as notícias que vê
circulando. Ele e alguns poucos amigos sabem que isso tudo é balela e que Hans jamais teria
feito isso. Marcam um encontro. Hans, que precisa desabafar e beber suas mágoas, aceita e vai
ao encontro dos amigos na casa de Lothar.
Lá estão, além de Lothar, Franz Becker e Jürgen Bayer. Como o grupo só voltaria a
trabalhar na sexta-feira à noite todos bebem muito e no auge da bebedeira começam a planejar
o que fariam se resolvessem assaltar a empresa, o que roubar, onde roubar e como roubar para
terem os melhores resultados. É desta bebedeira, destes planos mirabolantes, que nasce uma
visão concreta de possibilidade de realizar-se um roubo volumoso e só detectável na manhã de
segunda-feira quando os relatórios das agências fossem consolidados. Bêbados, logo estão
dormindo. Mas o assunto volta ainda na manhã de sexta-feira.
Quanto mais brincam com a possibilidade de um roubo na empresa mais a idéia vai se
consolidando. Na verdade o que seria praticamente impossível é razoavelmente viável uma vez
que os três estavam escalados para a sexta-feira à noite. O grande problema seria sair com o
dinheiro do país. Concluíram que tinha que ser de avião. Concluíram que o melhor destino
deveria ser o Brasil por ter grandes florestas, índios e onde poderiam facilmente se esconder.
Franz Becker, apaixonado por aviões e pelo mundo aeronáutico, viciado em simuladores
de vôo, chegou a comentar sobre um taxi aéreo da OceanAir, um tal de Global 5000, que em
outubro tinha feito a viagem de Berlin à Washington em um pouco mais de 8 horas com uma
velocidade superior a 900 km/h.
Na brincadeira Lothar ligou para a empresa e aventou a possibilidade de fretar um vôo
para o Brasil na madrugada seguinte para 4 homens e suas bagagens. Que cidade? Na hora
alguém sugeriu: Rio de Janeiro. Lothar repetiu e repetiu também, assustado, o preço da
brincadeira. Uma pequena fortuna. Por acaso, com o que havia recebido por anos e anos de
serviços, Hans podia pagar. Deixaram a “ligação cair” (desligaram) rindo muito.
Não se sabe em que momento aquilo foi ficando mais sério e cada passo foi sendo
estudado e estabelecido e seria tão simples que não tinha porque não fazê-lo. Estava em jogo
milhões de euros. Era dinheiro para sustentar até a quarta geração de todo o grupo. As notícias
que tinham davam conta de que milionário no Brasil era rei e jamais seria preso.
O planejamento foi colocado em prática. Franz, com o dinheiro de Hans foi reservar o vôo.
Hans escondido no banco de trás do carro seguiu com Jürgen e Lothar para a empresa. Logo
Franz juntava-se ao grupo.
Os carros fortes chegavam. Os malotes eram descarregados para um carrinho. Um
apontador anotava o número de cada lacre, conferia com a ordem de serviço entregue pelo
motorista e liberava a guarda. Lothar ou Jürgen levavam o carrinho para o interior da empresa e
no ponto cego da câmera trocavam o malote cheio de dinheiro por um cheio de bolas de jornal
preparado por Franz. Enquanto eles colocavam o falso malote no cofre, Franz levava o malote
para entrada lateral e jogava o malote para Hans que ia arrumando os volumes nas malas dos
dois carros.
O turno terminava às 7hs da manhã. Mas todo sábado, terminado o trabalho, os homens
eram liberados e naquele dia não foi diferente. Ainda não eram 5hs e todos estavam
dispensados. No cofre um monte de malotes cheio de bolas de jornais.
Seguiram para o aeroporto, mas na “hora H” só Hans, que sempre estava viajando pela
empresa, tinha passaporte e só ele embarcou. Os outros seguiriam por vôo de carreira assim
que a poeira baixasse.
Hans, já na aeronave, conversou com a tripulação e informando-se melhor sobre o Brasil.
Pediu então uma pequena mudança no plano de vôo decidindo-se pelo mais recente aeroporto
internacional inaugurado. O de Cabo Frio, no Rio de Janeiro. Ainda era dia quando o taxi aéreo
deixou Hans às voltas com suas bagagens e documentos. Tudo foi mais simples do que
imaginara. Pediu ao taxista um Hotel barato na região – não podia chamar a atenção. O esperto
motorista ofereceu um em Maricá. Ficava distante, mas era excelente e baratinho. Hans, que
nada conhecia, aceitou. Mais um turista enganado foi se hospedar em Maricá pagando uma

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fortuna de taxi. Quando chegou ao hotel já era noite e tudo parecia normal ao turista alemão
que só arranhava o inglês.
Em pouco tempo Hans estava “em casa”. Já conhecia toda a região. Comprara uma
casinha pequena de frente para a praia que colocara em nome de sua amante brasileira. Seus
colegas de “quadrilha” estavam ainda na Europa, escondidos da polícia sem poder entrar em
qualquer aeroporto, pois que procurados. O roubo ganhara as primeiras páginas nos jornais
europeus e tal fora a repercussão que até alguns jornais brasileiros noticiaram o evento nas
páginas internacionais, mas tudo já era passado.
Hans, todavia, logo estava as voltas com a polícia federal. Conseguira escapar por duas
vezes, mas na última acabou preso. Acreditavasse que antes de ser preso escondera parte do
dinheiro já convertido em real e todos os euros, assinalando em um mapa o local onde estava a
fortuna escondida.
Preso no Brasil, logo foi deportado. Agora, por absoluta falta de provas de sua
participação no roubo, como provara que o fretamento do taxi aéreo fora pago por ele antes da
ocorrência do roubo na empresa e com o dinheiro de sua demissão. E uma vez que sua esposa
lhe dera suficiente justificativa para ter saído repentinamente do país, fora absolvido no
julgamento e a notícia de seu provável retorno ao Brasil chegara a Paulo pela Interpol.
Capítulo 19 - Bia se rende à chantagem
Arnaldo, o chefe da quadrilha de Maricá, não combinava nem com seu nome, nem com
seu apelido, nem com sua profissão. Conhecido como bazuca teve sua fama de matador
consolidada quando estava ainda no Rio e estourara, com uma bazuca, um camburão da Polícia
Militar.
Quem olhava aquele garoto que parecia ter menos de 20 anos, magricelo, baixinho,
cabelo alourado (de um amarelo quase branco) de tanta oxigenada exposta ao sol da lage dos
barracos onde ficava soltando pipa, não podia imaginar quantos já haviam morrido por suas
mãos ou as suas ordens. Dele dizia-se que soltar pipas era a sua segunda paixão em alusão a
sua fama de matador. Matava rindo e à toa.
O pequeno corpo lhe dava uma excelente velocidade e a vida lhe ensinara a ser astuto.
Só por isso, acreditava, ele ainda estava vivo e rico. Quando a polícia fechou o cerco sobre ele
conseguiu simular a própria morte e fugiu para Maricá com todo o dinheiro que a quadrilha
acumulara na favela de Acari.
Sua quadrilha fora dizimada naquele dia e outro grupo assumira o comando do local.
Quem sobrou vivo, como ele, fugiu dispersando-se!
Escolheu a cidade de Maricá, no início da Região dos Lagos, bem próxima do Rio de
Janeiro, onde sabia que seu amigo Alexandre Felipinho, filho de Nandinho Beira Rio, vinha
atuando junto a Rosinha, seu antigo contato sexual e marginal. Ali, com capital e apoio, logo se
estabeleceu. Aos poucos e com os amigos conquistou a favela Saco da Lama, no bairro Amizade,
logo já comandava o Saco das Flores. Rosinha foi presa, logo depois Felipinho também foi. Sem
os amigos e concorrentes, Arnaldo, o Bazuca, passou a comandar também a Cocadinha,
Pedreiras, Risca Faca e Vale da Penha, ficando absoluto na região.
Quando os estrangeiros chegaram a Maricá foi seu braço direito, Lúcio, que os levou até
ele. A história era estranha, muito dinheiro roubado no exterior e escondido em Maricá. Um
mapa indicando onde estava escondido... essas coisas. O melhor é que os caras queriam armas,
documentos e apoio. Assim ficaram tão próximos que foi mais fácil vigiá-los. Bazuca nunca
pretendeu deixar os estrangeiros saírem do Brasil com todo aquele dinheiro. Para ele os
estrangeiros já estavam mortos. Só não sabiam.
Logo Bazuca ficava preocupado com a participação da Polícia Federal no caso. Com ela
não se brinca nem dá para matar policial federal sem esperar ação contundente contra o grupo
de autoria desta loucura. Mas quando soube que os agentes Roberto e Marisa estavam no
enterro de Lúcio, por incrível que pareça, tranqüilizou. Ele dizia saber que todo o foco dos
policiais estaria concentrado exclusivamente nos estrangeiros.
Só uma coisa vinha escapando de seu controle. A presença e participação de tal de
Ferreirinha que ele não conseguia localizar. Quem seria esse cara? Bandido? Policial disfarçado?
O que ele estaria querendo no meio desta história? Será que foi ele e sua equipe que apoiara os
moradores durante a tentativa de invasão da casa branca, naquela louca investida? Seria ele o
Motoqueiro Negro?

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Motoqueiro Negro já se tornara um justiceiro temido pelos bandidos. Vestido totalmente
de preto, com capacete preto e usando uma potente moto preta surgia ocasionalmente pela
cidade. Até onde ele sabia pelo menos três marginais foram mortos por esse motoqueiro
misterioso. Os três não tinham nada em comum que se soubesse. Um era ex-detento e seu
braço direito: o Lúcio. O outro era um informante da polícia federal e, ao mesmo tempo, um tipo
faz tudo, que agia como testa de ferro coagindo e corrompendo cidadãos que estavam, por
qualquer motivo, sendo investigados. Ainda tinha o Paulo, ligado ao Hans, que morreu tão logo
o alemão foi preso.
Agora, com a notícia da futura vinda de Hans ao Brasil, ele via complicar-se ainda mais
aquele emaranhado de interesses policiais e marginais girando em torno do que chamavam de
fortuna estrangeira.
Como ele lamentava não poder andar pelas ruas como qualquer pessoa. Estava
condenado a viver recluso em seu reino, seus domínios. Mesmo para se deslocar de uma para
outra favela era necessário um grande aparato com carros e motoqueiros para evitar ser presa
fácil das polícias civil ou militar. Embora extremamente rico ele também se via coagido e
obrigado a enviar vultuosas somas mensalmente para os que se auto-intitulavam autoridades.
Mas você deve estar se perguntando por que venho falando tanto de Arnaldo Bazuca? É
simples. Esta noite um de seus capangas lhe falou a respeito de Luís afirmando ser ele o filho de
Ferreirinha. Como Ferreira era um de seus alvos no meio daquela tosca história, seu filho seria
um excelente troféu e eficiente moeda de troca.
Outra pessoa também vem ocupando parte das conversas com BBB (Big Brother do
Bazuca que ocupou o lugar deixado pela morte de Lúcio). Bia. Desde que a viu o segundo na
quadrilha vem sonhando com aquela mulher em seus braços tendo que satisfazer seus caprichos
na marra.
Por falar em Bia... naquela noite, sem qualquer resistência, ela destrancou a porta assim
que Paulo bateu querendo entrar. O marido fingiu não estar percebendo nada, tomou um banho,
deitou e fingiu dormir. Mas como dormir ouvindo sua eterna namorada chorando baixinho?
Paulo estava numa sinuca. A presença do filho de Ferreirinha entre os jovens que
freqüentam a casa recomendava a manutenção de Marisa entre eles. Conviver com a agente
feminina da polícia federal estava afetando toda sua família, mas ela era também mais uma
arma na casa que ele sabia estar sob risco. Com André ele não se preocupava tanto. Naquela
idade paixões vem e vão como se fossem ondas do mar. Agora, estava impossível suportar ver
abalada sua Bia, companheira, parceira e esposa. Ele não poderia intervir, não sem antes Bia
dar um sinal, qualquer que fosse, que estava pronta para ouvir e acreditar. Falar antes do
momento oportuno iria soar como justificativa ao injustificável. Ao que tudo indicava, ela estava
envenenada contra ele e o protagonista desta revolta era seu colega Roberto.
Roberto? Por que estaria ele tentando desestabilizar sua estrutura familiar? Era no que
Paulo estava pensando quando num fio de voz Bia resolve informá-lo:
- Paulo. Amanhã vou sair pela manhã e não tenho hora para voltar. Estou precisando ficar
um pouco comigo mesma.
- Sem problemas. - retruca Paulo - Como somos “um”: estarei, calado, ao seu lado para
caso você precise ouvir respostas às suas perguntas.
Paulo forçou um riso ao falar com Bia de forma que sua voz demonstrasse certa alegria.
- A sua companhia é a última coisa que eu quero. Preciso estar só!
Dali em diante, mesmo tendo Paulo questionado sobre seu pranto, sobre o que
acontecera, e até mesmo insistindo; tudo que se ouvia de Bia eram os soluços que ela por mais
que tentasse não conseguia disfarçar.
O sono não vinha para Bia. Sua mente estava sobre diversos focos de ataque
simultâneos. Seus pensamentos se sobrepunham uns sobre os outros.
Por que Paulo conseguira enganá-la por tanto tempo?
Por que estava temendo tanto encontrar com Roberto?
Como não notara que Paulo tivera uma ou mais amantes?
Por que Roberto estava, agora, excitando-a?
Como Paulo permitia que sua amante ficasse sob o mesmo teto que ela e ainda fingindo
namorar seu filho?
Como iria ceder a uma ameaça tão tola e vulgar?

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Por que Paulo insistira em dormir com ela se já não a ama?
Será que Roberto realmente cumpriria alguma de suas ameaças?
Exausta e ainda chorando baixinho, Bia nem percebeu quando o sono venceu seu corpo.
Paulo? Este não conseguiu conciliar o sono. Só depois de Bia levantar em torno das 08h00,
tomar banho, se arrumar e sair sem lhe dirigir qualquer palavra é que ele se forçou a dormir.
Dormiu para não pensar. Ele também esteve se torturando e misturando pensamentos por toda
noite. Chegou a pensar em segui-la, mas isso romperia os elos de confiança que deviam
permanecer intactos se ele quisesse realmente preservar sua relação.
Bia seguiu para a estrada. Não sabia como proceder. O louco do Roberto não marcara
local ou hora para encontrá-la. Será que ele apareceria em sua casa e falaria realmente com
Paulo. Melhor não pagar para ver. Enquanto seguia pela rua lateral para a estrada principal
resolver ligar para Roberto.
Roberto acordou sobressaltado com o toque do telefone, olhou a tela e atendeu sorrindo.
Confiante ordenou em poucas palavras que Bia fosse para o centro da cidade. Ele a pegaria em
frente a agência do Banco do Brasil em menos de meia hora.
Roberto pulou da cama, deixou para tomar banho no Motel Fazendinha, isso já estava
decidido para ele. Iria passar o dia com Bia num dos quartos do Motel Fazendinha. Lá teria
muito tempo para bons banhos...
Capítulo 20 - Na névoa da paixão
A paixão não tem lógica nem agenda. A de Luís foi lenta como semente, lançando raízes
profundas na alma e desabrochando em encantos como sonhos. Em pouco tempo, sem que ele
percebesse, a falta de Rita transformara-se em agonia que só estancaria com ela conquistada e
sorrindo entre beijos e abraços.
Naquela manhã, movido por esta paixão, acordara cedo, fora até sua casa, entrou com
cuidado, aguardou por algum tempo próximo à janela dos fundos por onde poderia escapar
rapidamente. Só depois que se sentiu seguro e tranqüilo foi que escolheu algumas roupas e pôs
na mochila. Separou a melhor bermuda e sua mais nova camiseta e tomou um demorado
banho, barbeou-se, vestiu-se, aprovou a figura que o espelho devolvia e, tão cuidadoso como
entrara, aguardou a rua ficar sem qualquer movimento e saiu.
O caminho até as Grutas de Spar era longo e ele preferiu pegar um ônibus e saltar já na
subida. Ainda caminhou por longo tempo sempre embalado por aquela inexplicável paixão.
Conforme a proximidade com a grande entrada acontecia ia crescendo uma dolorida
insegurança. Lembrou-se que ele estar apaixonado não significava que Rita se interessaria por
ele. Na verdade não percebeu na menina qualquer sinal que lhe permitisse crer que ele ao
menos lhe atraia. Como deveria proceder.
O coração agora, diante da grande entrada da gruta, se acelerava a cada passo e isso não
ajudava a vencer a insegurança, pelo contrário. A boca estava seca, faltavam palavras para
traduzir o que sentia. Mas ele tinha que ir em frente, isso era mais forte que ele. Quem visse a
decisão com que ele adentrou a gruta, lanterna já na mão e subindo pela pedra que ocultava
uma fenda não imaginaria o quanto a ansiedade e a insegurança o dominavam.
Fez tudo conforme fora combinado. Rita não apareceu. Ele foi-se apagando e entristecido
lembrou que não tinha como voltar por aonde viera. Era uma pedra muito lisa e escorregadia e
ele jamais conseguiria subir por ela. Agora também o desespero começava a tomar conta dele.
Lembrava da última vez que ali estivera, Afonso quase despencando na fenda e ele sem pensar
dando um pulo suicida para salvá-lo. Fosse um pouco diferente o resultado e os dois teriam...
Como se saísse de dentro da pedra uma forte luz o alcançou provocando um imenso susto
que logo se transformou numa estonteante alegria ao reconhecer, por trás da luz, Rita - a
mulher amada!
Ficou mudo, imóvel, surpreso e surpreendido, mas a felicidade se estampava não apenas
em seu rosto. Seu corpo inteiro parecia vibrar na freqüência daquela súbita alegria.
Rita, também alegre por revê-lo e contagiada por tanta alegria o abraça forte enquanto
exprime sua saudade. Nenhum dos dois sabe por quanto tempo ali ficaram presos naquele
abraço.
Enquanto isso, no centro da cidade, Bia ingressava no carro de Roberto. Assim que fechou
a porta do carro filmado sentiu Roberto puxá-la para si desejando beijar-lhe a boca. Escapou.

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Ajeitou-se na poltrona, prendeu o cinto de segurança e permaneceu calada. Os
pensamentos que já lhe agitavam a alma desde a noite anterior tomavam, na presença daquele
homem, novos relevos e dimensões. Seu coração batia forte e descompassado, ela sentia um
leve tremor por todo o corpo, pensamentos anuviados e entorpecidos não deixavam de acusá-
la, condená-la por estar ali. Ela precisava recuperar o autocontrole, reagir.
- Por que você quer acabar com meu casamento? - a voz saíra trêmula, ela precisava se
controlar se não acabaria chorando.
- Eu? Acabar com seu casamento? Quem lhe pôs na cabeça essa idéia ridícula?
- Suas ameaças. Ou você se esquece que me forçou a estar aqui se não entregaria fotos
comprometedoras ao Paulo? Fotos que nem sei se existem nem quais são.
- Nem se preocupe com isso. Eu quero apenas você. Sei que nosso relacionamento ainda
nem existe e não poderia exigir que você abandonasse toda sua vida para viver intensamente
comigo uma história de amor.
Ela olhava para ele incrédula e continuou calada o que deu a Roberto fôlego para se abrir
ainda mais.
- Você é uma antiga paixão que fiz de tudo para abandonar, esquecer, repudiar. Afinal
você nem me via, não me olhava, não me notava. Você sempre só teve olhos para o Paulo. Por
isso as atitudes dele com Marisa e com tantas outras me repugnavam. Mas era a sua felicidade
que estava em jogo e eu não poderia ser o agente de seus sofrimentos contando-lhe o canalha
que seu marido era.
- Mas foi você quem contou. - arrematou Bia.
- Não, não contei. Confirmei suas dúvidas. Dúvidas que eu jamais vira em seu olhar, na
sua alma. Era uma paixão cega, uma entrega total. Eu só fiz certas revelações porque você, de
certa forma, já as conhecia. Isso foi mais forte que eu. Vi surgir na minha frente um caminho de
acesso ao seu coração. Uma chance de viver minha paixão. E, por vezes, ainda me questiono se
agi bem e até me arrependo de meus passos. Mas logo em seguida vibro com a possibilidade de
ver retribuído, pelo menos em parte, este meu amor.
- De que amor você está falando. Do amor que ameaça e força a pessoa amada a ceder
aos seus caprichos?
- Bia... Eu sei que dentro do seu coraçãozinho está havendo uma revolução entre uma
história de longos anos, embora boa parte seja falsa, e o que o futuro lhe propõe. Não estou
pedindo que abandone sua casa, seus filhos, nem mesmo seu marido. Por agora peço que se
permita me conhecer. Se permita envolver-se comigo. Permita-me amá-la e conquistar seu
amor. E usarei todas as armas que eu tiver disponível para isso.
- E as fotos? Que fotos são estas?
- Estão ai no porta-luvas, num envelope branco.
Ela abre o porta-luvas, levanta a arma de Roberto e libera o envelope. Dentro dele umas
cinco fotos apenas. A seqüência é bastante comprometedora e sugere que as fotos que faltam
ainda podem ser mais reveladoras.
Bia, enquanto avalia cada foto, uma delas até fora de foco, percebe que não sofreram
qualquer retoque digital, fato que Paulo certamente repararia. Recorda-se de cada instante
daquele dia e estanca alarmada.
- Quem tirou estas fotos Roberto? - sem dar tempo para ele responder ela complementa:
- Certamente não foi você já que você está ao meu lado nas fotos. Nem é uma câmera
automática já que as fotos estão em diversos ângulos. Você não sabia para onde eu ia e eu não
lhe deixei só um instante que fosse. Havia uma terceira pessoa? Quem?
Bia estava desconcertada. Havia praticado certos atos com Roberto que foram
presenciados por terceiros... Ela, enquanto ele não responde, num curtíssimo lapso de tempo
pensa mil coisas diferentes até que percebe outro envelope no porta-luvas. Pega o outro
envelope e tira dele quase uma dezena de fotos.
Roberto tenta, mas não consegue impedir. Esta dirigindo na estrada e não pode se
distrair. Enquanto ela olha as fotos, ele explica sem convencer.
- Estamos sob risco constante e um colega resolveu me seguir para me dar proteção.
Ficou afastado quando fui a sua casa e só soube que você estava no carro quando chegamos à
praia. Curioso ele pegou sua câmera pensando que talvez tivesse que usar o zoom da máquina
para nos acompanhar à distância e manteria assim a proteção que julgava necessária.

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Enquanto ele falava Bia observava os closes em partes de seus corpos em fotos perfeitas
onde os mínimos detalhes podiam ser percebidos. Mesmo a foto menos comprometedora, que
focaram apenas seus olhos, transmitiam o intenso desejo que havia tomado conta dela naqueles
momentos. Recordar o episódio só piorava as coisas para Bia que a cada instante se via mais
excitada. Ela estava espantada consigo mesma. A existência de alguém observando suas
intimidades com Roberto ainda mais a excitavam.
- Porém pode ficar tranqüila. - completou Roberto - Ele é muito discreto e apesar de
apaixonado pelas fotos não ficou com nenhuma nem com a matriz digital. Se você visse o
encantamento dele com cada uma destas fotos você se sentiria diante de um artista apaixonado
por sua obra. A cada vez que ele reviu as fotos teve uma significativa ereção.
- Deixe de ser vulgar. Precisava fazer esse comentário?
Num ato desesperado, com os dois envelopes de fotos na mão esquerda ela pega com a
direita a arma de Roberto e manda-o parar o carro. Ele ri sem levá-la em consideração. Mostra
a ela que estão entre o nada e lugar nenhum, que tudo está muito deserto. Ele está confiante.
Não vai parar o carro. Bia olha para frente e para trás, certifica-se que não tem ninguém muito
próximo e puxa o gatilho quase ensurdecendo com o estampido dentro do carro.
O carro se desgoverna e quando a direção é restabelecida ele para bruscamente. Roberto
está indignado. Ainda olha incrédulo o vidro de sua janela quebrado pela bala. Volta-se para Bia.
Parecia que ia revidar a ousadia com uma bofetada. Mas ela fora mais rápida e já estava
saltando do carro com a arma sempre apontada para ele. Ela ainda pensou em jogar a arma
dentro do carro quando ele arrancasse. Sua dúvida foi suficiente para o carro se afastar sem ela
esboçar qualquer reação.
Ela estava agora em prantos, abaixada e abraçada aos seus joelhos. Pareceria um
embrulho a quem a visse de longe. Só depois de alguns minutos é que se recompôs, guardou as
fotos e a arma na bolsa e começou a caminhar de volta.
Pensava em seu marido, seus filhos, sua família, sua história de amor que sempre achou
ser perfeita. Em meio a esses pensamentos vinha a atração temperada de vingança que Roberto
exercia sobre ela. Estava experimentando novas e inexplicáveis sensações. Ela sabia não haver
amor naquela relação. Era puramente sexual, mas com tal apelo, com tal sabor que vinha se
tornando irresistível.
Aquele canalha, por ser canalha, cafajeste, a ponto de chantageá-la, talvez por isso ainda
mais lhe atraísse. Ela temia ir até o fim com ele, embora quisesse muito. Ele não tinha
escrúpulos e ficar à mercê dele poderia ser muito perigoso.
Seu marido era sexualmente maravilhoso, sempre soubera satisfazê-la, era carinhoso,
terno, próximo, preocupado com seu prazer, com a sua satisfação. Enquanto Roberto, ela sabia,
não respeitaria qualquer limite nem se preocuparia com ela e seus sentimentos.
Poucos metros adiante, para diante dela um carro prata com o vidro do motorista
estilhaçado e, sorrindo para ela, o motorista oferece uma carona.
Capítulo 21 - O seqüestro
Cego de amor: quem acredita na expressão? Assim Luís em seu amor por Rita. Senão
perceberia o grupo de rapazes que viera seqüestrá-lo. Abraço interrompido! Cabeças atingidas.
Luís e Rita “apagados”.
Arnaldo Bazuca precisava saber mais e há muito planejara seqüestrar o filho de
Ferreirinha que se mantinha indefinido para ele no meio de toda aquela história.
A insistente tocaia na casa abandonada pela família deu resultado. O vigia comunicou por
celular a entrada e saída de Luís. Dando uma volta para não ser notado arriscou-se a pegar o
mesmo ônibus. Saltara um ponto depois e ali uma van com seis homens o resgatara e seguiram
para a entrada principal das Grutas de Spar chegando a tempo de ver Luís sendo engolido por
suas entranhas.
Talvez Luís, crendo que mais ninguém conhecia aquelas grutas, tenha relaxado. O certo é
que entre os homens que vieram seqüestrá-lo havia quem, como Rita, conhecesse muito bem os
labirintos das grutas. Assim fizeram um cerco simples e antes do casal trocar qualquer palavra
caíram sobre eles dominando-os e, com pancadas na cabeça, os fizeram desmaiar.
Luís já era um peso excessivo para ser transportado naqueles escuros corredores. Aquela
mulher não tinha nenhum significado para eles e era tão frágil que eles nem se deram ao

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trabalho de amarrá-la ou amordaçá-la. Eles sabiam que ela denunciaria o seqüestro e isso
facilitaria o aparecimento do escorregadio Ferreirinha.
Jogaram Luís na van e só então amarraram, vendaram os olhos e amordaçaram o seu
corpo inerte. Nem verificaram, sabiam que ainda estava vivo. O sangramento na cabeça fora
pequeno e já estancara.
Só quando já chegavam aos limites da favela se deram conta de que estavam sendo
seguidos. Amedrontados comunicaram ao chefe que o Motoqueiro Negro os seguia.
Sem demonstrar qualquer preocupação ou temor Bazuca mandou que eles, antes de
seguirem para o esconderijo, girassem nas ruas principais no entorno da favela que ele
prepararia uma urgente tocaia com todos os homens disponíveis.
Minutos depois, com a moto se aproximando perigosamente da van, o chefe retorna a
ligação mandando eles voltarem para a estrada seguindo como se fosse voltar para as grutas.
Em menos de um quilômetro uma barricada com três carros e uns dez homens fechavam
a estrada nos dois sentidos. A van tentou reduzir a velocidade reconhecendo seus comparsas.
O primeiro tiro se fez ouvir e a van, com a cabeça do motorista atingida e seu sangue
manchando o pára-brisa furado, ganhou velocidade, atropelou dois comparsas, bateu contra o
corsa atravessado a barreira e abrindo na beira da pista abrindo um largo caminho para a moto.
O Motoqueiro Negro, de pé sobre o banco, uma pistola em cada mão, troca tiros com os
marginais. Foram mais 31 tiros por ele disparados para em seguida se deixar cair sobre o banco
da moto e agachado seguir em frente em alta velocidade.
Da nuvem de tiros disparados contra ele só um o atingiu de raspão no alto da coxa
esquerda. Em contrapartida, do grupo que fizera a barricada seis homens estavam mortos ou
mortalmente feridos, dois atropelados pela van e um atingido também de raspão. Na van só o
motorista morreu e nela não havia nenhuma outra marca de tiro a não ser o que, para matar o
motorista, entrou pelo vidro traseiro e saiu pelo pára-brisa.
Arnaldo Bazuca distribuiu crack para comemorar sua grande vitória. O filho de Ferreirinha
estava seqüestrado. A morte de comparsas incompetentes, que se deixaram matar por um
único homem, para ele, pouco importava. E isso foi motivo para uma grande festa entre
traficantes e viciados que por ali estavam.
Vitória de uns provoca irritação em outros.
Bia havia cedido. Entrou, vencida, no carro de Roberto. Estava resignada e disposta a
ceder àquela nojenta chantagem. Ela só não sabia se iria ceder porque seu corpo assim exigia –
estava excitada diante da possibilidade de ser possuída “contra sua vontade” e ter seu corpo
usado apenas para satisfazer o apetite sexual de seu dominador – ou se cedia para salvar seu
casamento e seu imenso amor pelo marido. Puta, traidora e ninfomaníaca! Era assim que se
sentia ao entrar naquele carro.
Seu corpo inteiro estremeceu quando a mão que estava por tocar sua intimidade se afasta
para atender a insistente chamada do celular que pela terceira vez tocava. Pensou consigo
mesma, frustrada em sua ânsia sexual de sentir-se sujamente tocada, que ela e seu corpo nada
valiam para aquele homem safado – fora trocada por um simples telefonema. Pode ler no visor:
“Paulo da Bia”. E outro tipo de estremecimento tomou conta dela e as lágrimas já desciam pela
face enquanto Roberto, indignado, retornava com seu carro mantendo o seguinte diálogo com
Paulo.
- ... Mas Paulo, como a notícia chegou até você?
- Que amiga?
- E o fato já pode ser verificado, Paulo?
- Tiroteio?
- Cinco mortos a tiro, dois mortos por atropelamento e dois em estado gravíssimo por
PAF?
- Onde você está?
- Modesto Leal?
- Paulo, estou indo ao seu encontro.
Ao desligar o telefone resolveu atender a urgência por informação que o olhar de Bia,
encharcado de lágrimas, exigia:
- Parece que o Luís, namorado da Telma, foi seqüestrado. Uma mulher ligou dizendo que
apesar de intenso tiroteio ele nem ficou ferido. Só foi seqüestrado e passa bem. Pediu que ela

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comunicasse à polícia. A Telma buscou apoio em sua casa e o Paulo tomou a frente, você sabe
como ele é.
- Ele já levantou que, ao que tudo indica, o Luís estava numa van que passou por um
“arrastão” onde homens armados fechavam a estrada. Houve intensa troca de tiros. O motorista
da van foi atingido e morreu. Ele foi atirado na pista e os passageiros da van foram
seqüestrados e levados para uma favela. Mas a polícia só confirma o tiroteio e ainda não tem
maiores informações sobre o fato.
- E essa história de feridos e quem é esse tal de Modesto Leal? – perguntou aflita Bia.
- O tiroteio resultou em alguns mortos por PAF e por atropelamento e alguns feridos. Os
feridos foram levados para o Hospital Municipal Conde Modesto Leal, lá no centro de Maricá. –
arrematou Roberto.
- PAF? – quis saber Bia.
- PAF, no vocabulário policial significa projétil de arma de fogo, tiro.
- E como eu vou explicar ao Paulo estarmos juntos? – a voz dela apresentava certo
desespero.
- Vou deixá-la no Centro de Maricá, você compra um biquíni bem pequeno e transparente
e liga para o Paulo ir te buscar. Assim ele te dá as notícias em primeira mão e depois eu curto
seu corpo num lindo e delicioso biquíni. – ele falou passando a mão na coxa ainda exposta.
Bia respondeu à insinuação com um forte tapa naquela incomoda mão enquanto pensava:
- Como pode ele ainda pensar, falar e tentar me excitar sexualmente diante de tantas notícias
perturbadoras? É mesmo um louco, um maníaco... – e dando vazão a seu choro – Como eu...! –
perdendo-se, a partir dali, sempre calada, em seus pensamentos e conflitos de personalidade e
pessoais.
Quando o olhar de Bia não estava distante e perdido na estrada a sua frente ele estava
fitando e examinando aquele homem pensativo ao seu lado. As lágrimas já não lhe
abandonavam e Roberto demonstrava claramente não se importar. Quando percebia o olhar de
Bia sorria confiante.
Bia divagava e, mesmo chorando, sentia que aquele homem exercia sobre ela uma forte
atração, um sentimento de insatisfação que urgia em ser sanado. Ela se forçava a pensar em
Paulo, seu maravilhoso marido. Pensava nas suas relações sexuais percebendo-as deliciosas,
plenas e satisfatórias. Percebia, entretanto que Paulo jamais poderia dar a ela o que Roberto
prometia: sexo descomprometido, pelo próprio sexo, animalesco, instintivo. Seu amor por Paulo
impedia esta possibilidade. Como podia seu amor estar trazendo-lhe uma insatisfação que
acabaria por comprometer seu próprio amor?
Chegaram à Maricá e ela perdida, enxugando os olhos, saiu do carro displicente seguindo
em frente perdida em seus pensamentos e sem ao menos olhar para Roberto. Quando deu por
si estava olhando na vitrine os diversos modelos de biquínis e eliminava os que estavam fora
das especificações dadas por Roberto. Mais uma vez se viu menosprezada por si própria:
depravada! Esta palavra era gritada seguida vezes em sua mente enquanto, olhando os biquínis,
seu sexo se umedecia a sua revelia. Depravada!
Capítulo 22 - Investigando um sequestro
O feriado prolongado já se faz notar na sexta-feira. Fileiras de carros, casas se abrindo,
burburinho na areia e uma revoada de jovens indo e voltando sem qualquer direção. Os
veranistas mantinham seu ponto, na curva da praia pela ampla visibilidade, atraindo os turistas
habituais. O grupo tomava a sobra da amendoeira logo pela manhã não deixando espaço para o
pessoal dos piqueniques, das excursões e outros semelhantes. E o assunto predileto já era o
seqüestro de Luiz.
Enquanto isso Luiz se verá obrigado a se adequar a uma nova rotina. A manhã de sexta-
feira não terminara quando, encapuzado, foi levado a um quarto. Mandaram que ele tirasse toda
a roupa mantendo-se apenas de short. Prenderam um metal em seu tornozelo, o colocaram
sentado e orientaram a ele para ao ouvir três batidas na porta colocar o capuz e avisar que
estava pronto e que o capuz só poderia ser retirado depois que ele ouvisse a porta ser trancada.
Porta trancada, capuz retirado, Luiz tremeu. Percebeu imediatamente que grupo era
profissional em seqüestros o que poderia significar muito tempo em cativeiro. Fez um rápido
reconhecimento do local construído pelo que parecia em concreto armado, talvez até

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subterrâneo. Poeira e teias de aranhas não retiradas na limpeza feita para recebê-lo o levou a
deduzir que o local estava há algum tempo sem uso.
Da direita para a esquerda, partindo da porta de ferro, no quadrado sem janelas ou
frestas de 3x4m onde estava confinado, existia uma mesa na quina com duas cadeiras, uma em
cada lado. Na parede em frente 3 camas, uma em cada quina e outra no meio. Tudo isso em
concreto sendo os colchões de espuma. Na quina à direita da porta ficava um banheiro feito com
divisórias com área de banho, vaso sanitário e pia.
No teto, com 3m de altura, ficava o chuveiro e um exaustor com sensor de presença na
quina do banheiro; no centro, uma luminária embutida com 2 lâmpadas fluorescente de 40W,
comandada por um dos interruptores próximo às camas. E na direção da porta a saída de teto
de um ar condicionado split mantinha a temperatura sempre constante.
Tudo era claro, em um tom de “cinza cimento”, inclusive o feio porcelanato que cobria
todo o piso e as paredes da parte molhada do banheiro. No centro do piso, surgiam 3 correntes
finas e leves, uma delas presa ao tornozelo de Luiz pelo anel de metal. O serralheiro havia sido
caprichoso e detalhista e devia ter calculado a menor espessura de corrente capaz de resistir à
força humana.
Quebrando o monocromático monótono existia, como distração, a tela de uma televisão
incrustada na parede, logo acima da porta, onde passava exclusivamente filmes. A TV também
poderia ser ligada e desligada por interruptor ao lado da cama, onde ainda havia um controle de
volume e só. Luiz se deu conta que não havia nada que lhe permitisse tomar conhecimento de
fatos nem da passagem de dias, noites ou clima. O silêncio era total. Só seria quebrado
ocasionalmente pela chegada da comida e roupas de cama e banho que eram postas no chão do
quarto por uma portinhola na reforçada parte de baixo da porta.
O desespero começou a tomar conta de Luiz que sabia que se não se precavesse
possivelmente ficaria louco. Não havia qualquer possibilidade de fuga. Retiram tudo dele:
roupas, celular, dinheiro – tudo! Planejou uma rotina: entre um filme e outro havia um
intervalo, acreditava ele ser de 15 minutos. Resolveu contar o tempo. Quando começou o filme
estabeleceu ser meio dia. Estipulou que cada filme duraria 01h45minh. Para não perder a
contagem ao fim de cada filme marcaria com a unha a divisória em 3 grupos de 8 horas.
Nos intervalos faria exercícios até as 22h pela sua contagem. Apagaria a luz, tentaria
dormir, mas deixaria a TV permanentemente ligada e tentaria acompanhar as noites permitindo-
se dormir por 4 filmes, ou seja, oito horas.
Desta forma acordaria às 6hs, a manhã, para ele, seria das 6 às 14h, a noite seria das 14
às 22h, não haveria tarde, das 22 às 6h ele chamaria de madrugada fazendo 3 ciclos distintos.
Tentaria decorar a ordem dos filmes e se forçaria a prestar atenção a todos, mesmo os
que não lhe agradassem. O que ele não podia era se deixar enlouquecer!
Foi fácil para Bazuca começar as negociações. O celular de Luiz, como quase todos,
facilitou a descoberta do telefone de Ferreirinha assinalado simplesmente como PAI.
Luiz anotava assim, pela denominação, seus parentes e amigos permitindo a Arnaldo
(Bazuca) descobrir que eram seus primos, tias, namorada... Logo, com algumas poucas ligações
ele descobriu que Ferreirinha era um ex-detento, sem dinheiro, e com informações sobre a
grana roubada. Mas era pouco. Luiz estava gerando um grande custo e era Ferreirinha quem
tinha que dar um jeito de reembolsar com lucro estas despesas.
No fim da tarde de sexta já ficou claramente estabelecido que o resgate fosse a entrega
do mapa e de R$ 30.000,00 até as 24h de domingo, acrescido de R$ 1.000,00 por dia de
demora em liquidar a conta. Prazo máximo dado por Bazuca e improrrogável: 7 dias. A
promessa era que no final do domingo seguinte Luiz seria executado se não tivesse sido
resgatado.
Quando Roberto chega ao escritório da Polícia Federal em Maricá encontra todo ambiente
agitado por um volume aumentado de agentes e pela presença de policiais civis.
Sentando-se com os membros de sua equipe e ao lado de Paulo passa a ser informado de
tudo que até aquele momento fora apurado:
- Vamos por partes Roberto. Acreditamos que Luiz foi até a casa dele, o que evitava há alguns
dias, e passou a ser seguido. Até o momento não se tem qualquer certeza destes fatos ou dos
motivos. – Paulo falava com base em suas anotações que só ele mesmo seria capaz de entender
pela caligrafia e pela disposição aleatória no papel cheio de desenhos.

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- A partir desta etapa o que se tem está baseado nas informações passadas para Telma por uma
mulher que não se identificou. – continuou Paulo.
- Estas informações são atualizadas pelos resultados de investigações.
- Já providenciamos a interceptação dos celulares de Luiz, Ferreira, Telma e alguns outros.
Inclusive estamos rastreando alguns telefones fixos, celulares e orelhões da favela. De um dos
orelhões ligaram para parentes do Luiz. – cortou Alfredo para informar sobre procedimentos
técnicos.
- Telma foi informada – retomou Paulo – que Luiz foi nocauteado nas Grutas de Spar por um
grupo de homens que o levou para uma van.
- A van seguia para a favela da Cocadinha quando cruzou com um tal de Motoqueiro Negro que
dizem ser um herói justiceiro. Claro que não é nenhum herói. Deve ser apenas mais um
marginalzinho metido a esperto.
- Depois eu te falo mais sobre o Motoqueiro Negro. O fato é que a van tentou escapar do
justiceiro e já na estrada encontrou uma barricada. Tínhamos dúvida quanto à origem da
barricada se ligada a algum grupo marginal, se são da equipe do motoqueiro...
- O Motoqueiro Negro não tem equipe. Estamos investigando ele e a notícia que se tem é que
ele é um justiceiro solitário que atua sozinho sem ajudas ou apoios. E já se sabe que é o bando
do Bazuca que está por trás do seqüestro. – cortou inspetor da delegacia local, atrapalhando o
relatório de Paulo.
- Ferreirinha descobriu bem cedo – retomou Paulo - que não tinha qualquer opção e assim que
recebeu a primeira ligação seguiu direto para a delegacia. Ele está sendo acompanhado e
orientado por equipe técnica mista. E, por enquanto, é só.
- Ainda tenho algumas perguntas: - posicionou-se Roberto demonstrando realmente querer
mais informações sem qualquer pretensão de ser importante ou tomar para si o comando das
operações.
- 1. Já temos equipes externas tentando localizar os seqüestradores, mandante e o cativeiro?
2. Qual vai ser o papel estratégico da Polícia Militar neste evento?
3. Já fizemos contato com toda nossa rede de informantes?
4. O valor do resgate já foi estabelecido?

Paulo respondeu deixando claro que estava saindo de cena:


- Eu não podia ir além de onde fui sem expor a mim, meu disfarce de bancário e a meus
familiares. Vou tentar fazer contato com Bia e vou manter todo mundo pertinho de casa.
- Marisa já é um apoio – continuou Paulo – mas gostaria de contar com mais armas e pelo
menos mais um homem, se possível você Roberto.

Roberto foi pego desprevenido e não teve tempo de raciocinar em relação à cartada que
Paulo lançara sobre a mesa. Logo o assessor do delegado assumiu a palavra e determinando
que Roberto ficasse na casa de Paulo durante todo episódio esclareceu:
- João está coordenando todas as consultas à rede de informantes de forma que não se deixe
vazar qualquer informação desnecessária para as ruas.
- A Polícia Militar já começou uma operação asfixia nas demais áreas sob o comando do Bazuca
de forma a atrair a atenção dele e criar um clima de stress. Isso, inclusive, vai aumentar o fluxo
de compradores na favela da Cocadinha facilitando a infiltração de agentes.
- O valor do resgate, segundo Ferreirinha, é de R$ 30.000,00. Mas tem uma exigência que já
existia e até o momento não conseguimos identificar – um mapa do tesouro. – antes de ser
interrompido concluiu – E temos duas novidades: multa diária de R$ 1.000,00 como faz o mais
eficiente dos credores. E prazo máximo de uma semana.
- E quanto a minha primeira pergunta: Já temos equipes nas ruas? – reforçou Roberto.
- Isso já estava acontecendo. Muitos agentes estaduais e federais nas ruas sem qualquer
coordenação ou controle. Isso acabava por abrir possibilidades e informações para Bazuca e seu
bando. Todos foram recolhidos e estão reunidos com o nosso delegado lá na prefeitura
disfarçado de reunião de urgência da defesa civil de Maricá. Como você pode ver, Roberto, nada
prende você aqui. Vocês vão levar este rádio israelense para podermos trocar informações sem
ouvintes ou rastreamentos. Devem seguir em carros e momentos diferentes.

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- Roberto! – Paulo retomou a palavra dando ênfase a seu pedido de apoio – Vá na frente e já
conversa com Marisa. Ela vai ser fundamental na formação de um intercâmbio com os jovens da
praia.
- E você? – quis saber Roberto.
- Chego em uma hora. – respondeu Paulo sem satisfazer as curiosidades de Roberto.
Paulo levantou-se, entrou em uma das salas e utilizou um dos computadores vagos. Saiu
para a rua com alguns papéis impressos na mão. Colocou sua insígnia de policial federal no
cinto, colocou a arma no estilo caubói deixando-a também bem visível e com este traje tão
diferente de seu cotidiano entrou numa loja e com documentos totalmente falsos adquiriu um
celular pré-pago.
O vendedor estava impressionado com o policial que rudemente lhe abordara. Quando
solicitou os originais uma simples pergunta o fez calar.
- Você está duvidando de mim? – voz firme, cenho fechado, olhos nos olhos e Paulo percebeu o
tremor e temor que provocara. Ele detestava isso...
Como se isso valesse alguma coisa, o vendedor anotou no verso dos papeis que recebeu:
“Policial Federal”. Passou o número do aparelho para Rafael (nome que Paulo adotara para fazer
aquela compra) e pegou de volta o celular para colocar o crédito de R$ 200,00 solicitado. Estava
visivelmente ávido para dar fim àquele atendimento.
Paulo, telefone no bolso do paletó, enquanto se recompõe segue para a praça e escolhe
um banco com bastante sombra sentando de forma a ocupá-lo totalmente.
Olhou em volta. Nada chamou sua atenção. Pegou seu telefone normal e ligou para casa
de Telma.
- Por gentileza, a Telma. É o pai da Andréia.
Quando Telma atendeu foi imediatamente interrompida:
-Alô...
- Sou eu. Não diga meu nome. Fique longe de qualquer pessoa e atenda a próxima ligação de
seu celular e me chame de Rafael. Não posso explicar agora, obedeça-me, por favor. – sem dar
tempo para qualquer resposta desligou.
Telma, preocupada com o olhar da mãe sobre ela continuou falando sozinha:
- Ela não está aqui. Disse que ia a Maricá comprar um esmalte especial e voltava logo...
- Isso...
- Peço sim!...
- Um abraço!
Só então desligou comentando com a mãe: - Andréia nem pode namorar. Dá uma
saidinha e já está todo mundo procurando por ela.
- E isso lá são horas de namorar?
- “Mãmi”, desde quando para namorar tem hora? No fim de tarde vocês redobram a vigilância,
tá!
Ela falou e foi saindo de casa.
- Vou procurar a Andréia! – respondeu antes de a mãe conseguir lhe perguntar aonde ia.
O celular tocou. O número era desconhecido. Pela segunda vez naquele dia atendia um
número que não conhecia.
- Alô seu... – ela quase estragou tudo, mas Paulo já esperava por isso e foi atravessando a
conversa interrompendo as palavras de Telma.
- Telminha, sou eu, Rafa. Ficamos sábado passado no lual, lembra? Deu saudade. – ele deu um
riso bobo e aguardou o retorno que não veio.
- Já “esqueceu de mim”, menina? Você disse que eu devia ser seu gato e se esqueceu de mim?
- Rafael? – do outro lado da linha, sem entender nada e acanhada com aquela conversa, quase
resmungou Telma.
- Sou eu mesmo, menina! Soube que teu carinha desapareceu. Queria consolar esse coração,
esse peito dolorido. Me encontra na amendoeira em meia hora. Não se atrase senão eu morro.
Leva tua colega, a Andréia. Vou levar um carinha que tá vesgo por ela. Fiquem tranqüilas, vocês
vão achar que ele é um gatinho manso. – Paulo fez questão de frisar o “morro” tentando passar
sua urgência para a amiga de sua filha.
- Eu também tô com saudade. Vou me produzir um pouco prá você e chego lá com a Andréia. –
responde Telma entendendo o recado.

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Para ter certeza Paulo avisa:
- Só não deixa ninguém saber que eu detesto urubu por perto. – desliga em seguida.
Nova ligação do seu celular.
- Oi Bia. Dei teu telefone para o decorador e ele vai te ligar em seguida. Beijo. – desligou
imediatamente não permitindo qualquer pergunta.
Depois de uns três minutos Paulo estava certo de que Bia já entendera seu recado e ligou
do pré-pago para ela assumindo uma voz arrastada e quase afeminada, apesar disso ser quase
impossível para ele. De qualquer forma se o telefonema fosse interceptado daria a impressão de
que ela falava com um decorador que era ou fingia profissionalmente ser afetado ou afeminado,
isso pouco importava. Não podia ser reconhecido.
- Alô!?
- Oi Biazinha querida. É Rafa! Estou com uma tremenda saudadinha de você. Queria te mostrar
meus traços pessoalmente e os orçamentos que já estão prontos. Você pode ir à Maricá.
- Estou em Maricá, Rafa. Bem no centro. Onde podemos conversar. – a voz de Bia soou
preocupada e Paulo tentou dissimular.
- Queridinha, já sei que o maridão andou puxando orelhas. Se preocupe não. Vamos falar com
ele “juntas”. A missa está terminando. Te espero na porta da igreja. Vou esperar sentada que o
salto está me matando. Beijinhos.
Nova ligação. Agora para a delegacia de Maricá. Paulo aproveitou a afetação da ligação
anterior.
- Oi garotão, é Rafinha falando. Queria denunciar que o Motoqueiro Negro está vindo matar um
bandido junto à igreja de Maricá.
Do outro lado pediram um momento, mas foi a mesma pessoa que novamente falou ao
telefone.
- Pode repetir.
- O Motoqueiro Negro tá vindo matar um bandido, um tal de Bazuca, aqui junto à igreja de
Maricá e eu tenho que desligar. Eu não posso estar aqui quando ele chegar. Fui garotão.
Nova ligação, agora para o batalhão da polícia militar.
- Por favor, seu guarda. É urgente! O comandante pode me atender. É Rafinha falando. – a
ligação é passada para outro ramal e do gabinete do comandante atendem:
- Sargento da Silva falando. Quem deseja falar com o comandante?
- Sargento! Da Silva! É Rafinha, mas não vai dar tempo. Diga a ele que um tal de Bazuca está a
caminho da igreja de Maricá para matar o Motoqueiro Negro. Alguém tem que salvar o
Motoqueiro Negro. Aquele homem é tudo. Não pode morrer, da Silvinha. Beijos... – Paulo
desligou a ligação.
Para não ser triangulado e encontrado Paulo desmontou o celular retirando sua bateria.
Mas o seu celular oficial permaneceu ligado e ele aproveitou sua câmera e o poderoso zoom e
passou a tirar foto de tudo que ele considerava ”fora do lugar” a partir daquele instante.
Em menos de cinco minutos a praça começou a receber visitantes ilustres. Cada um deles
era fotografado com data e hora por Paulo. Bia chegou e ele se abraçou a ela.
- Preciso de cobertura. Somos um casal de namorados. Ajude-me a esconder nossos rostos o
quanto for possível. Estou tirando fotos maravilhosas.
Ficaram abraçados e calados. Ambos estavam com o pensamento distante dali. Paulo
tinha que se manter alerta e concentrado, mas isso era quase impossível.
Quase dez minutos depois sirenes eram ouvidas de todos os lados e convergiam para a
praça. Surpreso Paulo fotografou Roberto e o detetive da polícia civil que ajudara no confronto
com os estrangeiros. Paulo era péssimo disso... Como era o nome dele? Por que Roberto, que
deveria estar a caminho da casa na praia estava ali? O que os dois podem ter em comum?
Foi um atropelo. Um choque entre as forças civis e militares, cada uma com um pedaço
de informação semelhante e distinto. Os ânimos estavam começando a se exaltar. Só quando o
delegado da polícia federal chega é que a cooperação se estabelece e as três equipes passam a
tentar trabalhar juntas. Mas falta um verdadeiro líder aglutinando-as.
A última foto de Paulo registrou a chegada de Ferreirinha. Ele veio no carro da polícia
civil, algemado, e só foi liberto com a intervenção do delgado federal. Paulo ainda se
questionava: Quem e por que teria comunicado ao delegado federal? Por que Ferreinha foi
trazido, algemado ainda por cima? Ele estava preso ou era uma vítima?

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Algumas peças até se encaixavam. A intuição de Paulo aceitava a presença e até a
proximidade entre alguns personagens. Mas por mais que insistisse Paulo não conseguia
formular qualquer história, qualquer laço lógico, qualquer ilação mais elaborada que justificasse
a aceitação intuitiva que experimentava. Na praça o que mais lhe chamava a atenção era a
presença de toda equipe de Roberto, de quem ele tentava se aproximar eficientemente.
Em poucos minutos acontecia a debandada e com a praça praticamente vazia Paulo
simulou um encontro “ocasional” com Roberto e o detetive (como era o nome dele?) da polícia
civil. O clima ficou mais estranho do que poderia supor Paulo.
Roberto não entendia o que Paulo fazia ali e a proximidade, o carinho e os beijos do casal,
que Paulo forçava e Bia não se atrevia a evitar, estavam lhe incomodando mais do que devia.
Ainda tinha a presença do seu xará. Para ele foi constrangedor Roberto estar ali naquele
momento, diante daquele trio.
O detetive Roberto fitava Bia com um sorriso maroto no olhar sem se incomodar com o
duro olhar que ela lhe devolvia. Ele estava se divertindo vendo ela entre Roberto e Paulo, para
ele, seus dois homens, seus machos.
Paulo ora olhava desconfiado para o detetive, ainda sem lembrar seu nome e sem atinar
seu comportamento em relação à Bia. Mas distribuía sarcasmo de todas as formas para seu
companheiro Roberto.
Bia sentia o clima tão inexplicável se transformar em urgente quebra de silêncio, mas se
arrependeu de suas inesperadas palavras:
- Soube que é um excelente fotógrafo, quase profissional, daqueles que registram o cotidiano
alheio sem pedir licença. Deve ser um trabalho muito interessante e deve gerar fotos
conflitantes. Gostaria de conhecer de perto sua obra. – ela terminou seu texto olhando
desafiadoramente para o outro Roberto. Esquecera que não se deve provocar manifestação
quando não se sabe o que pode surgir.
- Agradeço seus elogios. Não esperava que Roberto fosse divulgar tão rápido e tão bem o meu
trabalho. Mas, normalmente, guardo as melhores e mais detalhadas fotos para mim, para minha
coleção e terei prazer em compartilhar consigo minha obra.
- Roberto, gostaria de saber por que você ainda está aqui? Contávamos, eu e toda nossa
equipe, com você oferecendo proteção a todos que ficaram na casa. E que história é essa de
fotos, de trabalho de arte que você está divulgando para minha esposa, gostaria de saber
detalhadamente o que está acontecendo a minha revelia.
Justo nesta hora, aliviando as tensões de Bia, em alta velocidade cruza a praça um
motoqueiro com roupas de couro preto, moto preta e capacete preto. O restante da força policial
que estava na praça partiu, sirenes abertas, ao seu encalço. Neste momento Paulo arrematou:
- Conversaremos melhor em casa. Meus pressentimentos são os piores.
Antes de estacionar em frente à casa branca rostos chorosos e desesperados cercam o
carro de Paulo e Bia. André, Marisa e Afonso haviam sumido. Ninguém sabia de nada e não
havia qualquer notícia.
Capítulo 23 - Caçando a Seqüestradora
Paulo se viu impedido de sair imediatamente em busca dos jovens desaparecidos e
preocupado avaliou a hipótese de solicitar apoio a Roberto pelo rádio. Neste momento deu-se
conta que nenhum contato fora feito via rádio. Nem mesmo sobre as denúncias de presença de
Bazuca e do Motoqueiro Negro na Praça.
Preferiu manter o rádio sem uso e enquanto avaliava o súbito desaparecimento de
Afonso, Marisa e André. Bia, totalmente descontrolada, saía do carro. Sua mente tentava, em
vão, deduzir onde poderiam ter ido. Mas só com dons especiais seria possível adivinhar que os
jovens estavam nas Grutas de Spar.
Acontece que Afonso, aflito com o desaparecimento de Luiz, resolvera abrir mão do
segredo em torno de Rita e pediu apoio a André e Marisa para chegar às Grutas de Spar.
Chegando lá procedera como combinado e não obteve qualquer resposta. Explicou ao
casal amigo o que acontecera durante seu desaparecimento na visita anterior. Optaram por
esperar.
Enquanto esperavam Afonso contou ao casal amigo a história resumida de Rita tentando
deixar claro que ela, apesar da excentricidade, era uma pessoa normal, não possuía qualquer

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distúrbio mental. Ele preferiu não entrar em detalhes, pois achariam que ela era totalmente
louca.
Rita devia ter ido fazer compras ou passear, defendia o aflito Afonso, e não tardaria. Mas
o tempo foi passando e, sem abrir mão de suas esperanças, resolve abrir mão da companhia de
André e Marisa. Eles precisavam voltar, pois na casa todos deviam estar muito preocupados. Ele
só recomendou, quase implorando, que mantivesse em segredo a existência de Rita.
Pelo celular requisitaram um taxi e, deixando dinheiro com Afonso, que nem com isso se
preocupara, seguiram para a casa branca na curva da praia.
A chegada do taxi causou verdadeiro alvoroço. A esta altura Roberto já havia alertado
toda sua equipe, mas decidiram não divulgar o desaparecimento à Polícia Estadual.
Marisa e André foram recebidos com uma brutal chuva de reclamos e perguntas. Só
quando Bia se aproximou correndo do grupo, abraçou e beijou André demonstrando sua
felicidade por ele estar ali são e salvo é que o clima melhorou. Só então foi possível esclarecer
que Afonso pedira para ser levado às Grutas para procuram por Luiz, inconformado com a
versão de seqüestro.
André e Marisa combinaram ainda no taxi esta versão e a estavam mantendo. Todavia,
passados os primeiros instantes, Roberto pede a Marisa que o leve aos pontos onde Luiz
costumava surfar.
André, levantando do sofá, abraça Marisa seguindo com ela os passos de Roberto. Na
porta de casa sofre uma decepção que, mesmo sem ele saber por que, o desnorteou. Marisa
pediu para ir sozinha com Roberto até a praia sem nem tentar explicar.
André, é claro, não esquecia a condição de Marisa como investigadora da polícia federal,
mas, ainda assim, sentiu-se machucado com a forma e o procedimento dela. Seria ciúme?
Na praia nem se lembraram de fingir procurar o local onde Luis surfava, sentam-se sob a
sombra da amendoeira e ficam por poucos minutos simplesmente observando o mar.
Logo Marisa passa a ser atualizada dos fatos e dos riscos que todos corriam na casa. A
narrativa de Roberto é detalhada. Entretidos nos diálogos nem percebem a aproximação de
Paulo.
Na sua vez de se pronunciar, Marisa tinha novidades:
- Roberto, você sabia que a enteada do Hans ainda está viva e que está morando nas Grutas de
Spar?
Ao ouvir estas palavras Paulo estanca. Mais cuidadoso aproxima-se e se encosta-se à
amendoeira de forma a ficar quase invisível ao casal e, concentrando-se, passa a participar da
conversa.
- Como? - Roberto acusara o golpe e a notícia não parecia ser boa.
- Como assim, viva? Era Rita o nome dela, não era? - completou Roberto estupefato.
- Afonso contou que a conhecera quando ele e Luiz se perderam nas grutas e que foi ela quem
"heroicamente" - falou ironicamente - os salvou da morte em um "precipício"
- desdenhou mais uma vez.
- Ele sabe de mais alguma coisa?
- Eu puxei tudo que podia com tato para não levantar suspeitas, mas Afonso está desesperado
com o seqüestro de Luiz. Está muito difícil manter qualquer tipo de conversa com ele. Ele
sempre volta a falar do amigo e de seu desaparecimento repentino.
Pelo rádio Roberto sinaliza para alguém que lhe retorna:
- Na escuta. Câmbio.
- Desculpe-me, é Roberto, chamei sem querer.
Era o Policial Civil, xará de Roberto, supôs Paulo. Este devia ser o código combinado entre
eles para falarem com discrição. Os fones só chegariam na tarde seguinte e, até lá, todos os
contatos eram em viva voz.
Roberto, diminuindo ao máximo o volume do alto-falante de seu rádio olha em direção a
casa sem perceber a presença de Paulo oculto pelo troco da árvore.
- Na escuta xará? Pode falar? - Agora Paulo tinha certeza.
- Estou só no meu carro federal, pode falar à vontade.
- Você não me disse que todos da casa, exceto o Hans, haviam morrido civil?
- Como assim? Não estou entendendo nada federal.

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Estavam usando outro código. Assim se chamavam de federal e civil pela freqüência da
polícia quando não pretendiam partilhar informações com suas origens.
- A mulher do Hans e sua filha não estavam mortas, civil?
- Estavam não. Estão. A mãe foi morta na praça e a filha desapareceu. Ora, pequena como era,
deve ter ficado trancada num barraco de uma favela qualquer. O certo é que nem seu tio sabe
de seu paradeiro. Ele é seu único parente. Se viva estivesse teria procurado por ele pelo menos
uma vez, concorda federal?
- Concordo porra nenhuma! É tudo uma cambada de imbecil? Sem corpo não existe morte! E
sabe por quê? Sabe por quê? - repetiu ele a pergunta enraivecido.
- Vai me dizer que ela apareceu na casa?
- Não, espertinho, ela está morando lá nas grutas! E... Quem sabe? Com todo nosso dinheiro!
- E tem mais?
- Cala essa boca civil. Esse rádio pode até ser seguro, mas isso se discute pessoalmente. Hoje,
18h, no local de sempre.
Nisso Roberto tinha razão. E, neste caso, estava presente o experiente ouvido de Paulo.
Paulo que agora desenhava toda a trama em seu cérebro de policial. Paulo que estava revoltado
e buscava autocontrole para poder ir além. Ele só não sabia até onde Marisa estava com
Roberto naquela trama.
Quase já desistindo, Afonso tenta ainda mais uma vez. Desta vez, para sua alegria, Rita
vem ao seu encontro.
- Desculpe a demora, mas fiz uma distensão nas pernas enquanto me exercitava. Mancando
demora-se mais um pouco para chegar até aqui.
- Onde você estava? Estou chamando há mais de duas horas. Luiz foi seqüestrado. Estou
desesperado.
- Eu sei. Estava com ele. Como ele eu também levei uma coronhada que me nocauteou. Ele foi
seqüestrado pelo grupo do Bazuca. Espero que a coronhada não tenha feito muito estrago. -
comentou Rita com um triste sorriso nos lábios.
- E você? Como está? - quis saber Afonso
- Assim que recobrei os sentidos desci o monte e liguei para Telma. Anonimamente contei tudo
que sabia a ela. Depois, eu já estava aqui de volta, mas a cabeça doía demais e fui até o
hospital. Na volta a polícia ainda me parou e ficou desconfiada da coronhada. Disse que foi uma
tentativa de assalto quando eu estacionava e que os bandidos, ao me verem no chão, deviam
ter pensado que eu morrera e fugiram. Colou.
- Eu não poderia contar a verdade sem me expor demais. - encerrou Rita que calada ficou
olhando assustada para a entrada da gruta de onde vinham sirenes diversas.
No instante seguinte, recuperada da surpresa, pega Afonso pela mão e vai capengando e
puxando o amigo para o interior da gruta. Por onde passava ia recolhendo lanternas e lampiões.
Cada escada que usava era levada até um ponto afastado de sua área de uso. Por final desceu
por uma corda dupla orientando a Afonso para se apoiar apenas em uma delas. Depois de
descerem praticamente juntos mais de seis metros chegaram a uma grande laje de pedra.
Rita, sentindo-se segura, puxa a outra ponta da corda e se afasta para que a corda não
caísse sobre ela.
- Agora - explicou ela - o único acesso que existia era por corda grande e de difícil fixação ou
com uma escada muito alta no meio do escuro lago das grutas.
- E como eu faço para ir embora?
- Simples. Você não vai! Vamos passar a noite aqui. Mais tarde nos preocuparemos com a saída.
- E os morcegos. - resmungou apavorado Afonso.
- São pouquíssimos aqui e nada querem com você, eles só gostam de frutas.
Lá em cima policiais civis e militares promoviam uma grande busca. Caçavam a
articuladora do seqüestro de Luiz que fontes seguras informaram à polícia federal que se
escondia ali.
..:: continua::..

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