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http://www.publico.clix.pt/Mundo/o-ano-mais-perigoso-do-presidente-que-esta-
obrigado-a-ser-excepcional_1418736
O segundo e crítico ano da presidência de Barack Obama começa sob o signo de pressões
contraditórias, no plano doméstico e no internacional. Depois das elevadas expectativas, todos
lhe exigem "resultados". Se ao longo de 2009 foi a agenda doméstica que mais o ocupou, será
ainda ela a marcar os grandes momentos do ano político americano, que culmina nas eleições
intercalares de Novembro.
No topo das prioridades está a economia que, além de condicionar a política interna, pesará na
sua margem de manobra na cena internacional. Mais do que o pagamento das promessas, e
da "esperança", o que hoje a América lhe impõe não é ser um bom Presidente, mas um
"Presidente excepcional".
O problema mais sensível é o desemprego. Obama foi confrontado, para lá de duas guerras,
com a pior crise económica desde os anos 30. À custa de um plano de apoio maciço aos
bancos e a sectores industriais, como o automóvel, foi evitada a derrocada do sistema
financeiro. A economia recomeça a crescer mas o emprego não acompanha. A taxa de
desemprego permanece na casa dos 10 por cento. Serão talvez necessários dois anos para
que a reestruturação crie empregos em escala razoável.
"Toda a política é local", dizia Tip O"Neil, antigo speaker democrata da Câmara dos
Representantes. Os democratas arriscam-se a pagar o preço do mal-estar nas eleições de
Novembro, perdendo a decisiva barreira dos 60 senadores que hoje têm e que impede a
obstrução. Ela já estava ontem em jogo na eleição do Massachusetts para designar o sucessor
de Ted Kennedy.
A quebra da popularidade de Obama nos EUA leva analistas neoconservadores a anunciar a
sua "queda" e "a vingança do sistema". No entanto, os republicanos não são de momento uma
ameaça à supremacia democrata nem têm uma alternativa a Obama.
O seu esforço concentra-se na obstrução da iniciativa emblemática do Presidente: o primeiro
projecto ambicioso de reforma da saúde em mais de 40 anos. Obama quer vê-lo aprovado até
ao fim da Primavera, os republicanos querem o contrário: depois de Novembro, ele seria
provavelmente enterrado.
Um movimento basista antifiscal, os tea-party2, difundiu-se surpreendentemente, repercutindo
as acusações de Obama ter premiado os banqueiros, de aumentar o défice com o plano de
saúde e de alargar a esfera de intervenção do Estado. Serão uma ajuda ímpar aos candidatos
republicanos.
A agenda doméstica vai mais fundo. O frustrado atentado contra um avião no dia de Natal
reacendeu a frente da segurança. Republicanos acusam Obama e os democratas de serem
laxistas em matéria de segurança nacional, enquanto à esquerda se denuncia o incumprimento
da promessa do total encerramento de Guantánamo. E falta a abertura de outras frentes
conflituais, como o ambiente ou a imigração, prometidas para este ano.
Resultados?
Uma das marcas do sistema constitucional americano é a fraqueza do Presidente perante o
Congresso na política interna e a larga extensão dos seu poderes na política externa.
No primeiro ano do mandato, Obama "repensou de alto a baixo a diplomacia americana",
escreve na Foreign Affairs Zbigniew Brzezinski. Encerrou o ciclo da "guerra ao terrorismo" e
estendeu a mão aos inimigos que aceitem dialogar: não é com os amigos que se faz a paz,
explicou Hillary Clinton.
Tentou pôr termo à longa hostilidade do mundo árabe. Restabelecer as relações com a Rússia.
Desenvolver uma parceria estratégica com a China. Confirmar as alianças tradicionais com
europeus e japoneses.
E, sobretudo, procurou explorar um quadro multilateral, tirando as consequências da
emergência de novas potências, como a China, a Rússia, o Brasil e a Índia.
"Os Estados Unidos não podem resolver todos os problemas do mundo", disse em Copenhaga.
Não é uma afirmação ideológica, é uma constatação da realidade que a própria Administração
Bush começou a fazer a partir de 2006.
Resultados? Não são ainda vistosos, da Coreia do Norte ao Irão. No entanto, no caso iraniano,
a iniciativa teve um resultado que ultrapassou todas as expectativas, abrindo uma crise no
regime dos mullah. Mas bloqueou também, por efeito dessa mesma crise, a negociação sobre
o nuclear.
Na frente israelo-palestiniana é patente a impotência americana. E as guerras - ou as retiradas
- do Iraque e do Afeganistão são uma perigosa incógnita. A opinião pública americana está a
cansar-se muito rapidamente.
Que significou para os EUA este primeiro ano? "Obama recolocou Washington no circuito das
negociações internacionais" e "dissipou muito do antiamericanismo que estava no ar", resume
Leslie Gelb, antigo presidente do Council on Foreign Relations, em The American Interest.
"Preparou o terreno para o relançamento da potência americana, o problema é que ainda não
carregou no acelerador."
Ou, como reconhece Brzezinski, "até agora, a política externa do Presidente suscitou mais
expectativas do que avanços estratégicos". Ou seja, ainda não resolveu nenhum dos grandes
problemas que encontrou.
O teste dos próximos anos
A América "talvez não possa", escreve ironicamente o correspondente do Financial Times em
Washington. A desmedida ambição da agenda doméstica de Obama é cada vez mais
problemática. E a economia não é apenas o desemprego, é "o coração do nosso poderio militar
e diplomático, e da nossa democracia", disse Obama no discurso sobre o Afeganistão. A China
e a Rússia, que não farão favores à América, observam atentamente.
O "Yes, we can" de Obama e os discursos de abertura ao mundo criaram expectativas que hoje
se reflectem na avaliação da sua liderança. É o teste dos próximos anos, ou até meses. Será
capaz de "fazer os adversários temerem-no?" É o que se insinua na repetida comparação que
analistas estabelecem entre ele e Jimmy Carter.
Obama está em apuros e chega ao fim do primeiro ano sem álibis. A herança de Bush passou
à História. O papel do homem de Estado é responder às crises do tempo, às herdadas e às
novas, e as de Obama são desmesuradas.
Por isso - conclui Gelb -, não lhe basta ser um bom Presidente, é obrigado a ser "excepcional".
Barack Obama, iniciou o seu mandato demarcando-se do seu antecessor, George W. Bush. E
a uma semana de assinalar o seu primeiro aniversário na Casa Branca, vincou uma vez mais
essa diferença: perante o violento terramoto no Haiti, ordenou imediatamente uma vasta
operação de auxílio de emergência, num contraste com a resposta de Bush às vítimas do
tsunami do oceano Índico, em 2004, ou às populações afectadas pelo furacão Katrina, em
2005.
Pouco tempo antes, no Natal, Obama demorara três dias a reagir à ameaça de ataque
terrorista a bordo de um avião da Northwest Airlines com destino a Detroit. Porém, de acordo
com as sondagens, a maioria dos americanos (57 por cento) considerou que a resposta de
Obama foi eficaz. Uma maioria também concorda com a forma como têm sido geridas as
guerras no Iraque no Afeganistão.
Mas os números provam que a opinião pública está substancialmente menos bem
impressionada com o desempenho de Obama na economia, seriamente debilitada pela
recessão, ou com o seu papel durante o interminável debate sobre a reforma do sistema de
saúde do país, a principal prioridade legislativa para o primeiro ano de mandato.
Os últimos números da CBS News/New York Times apontam o descontentamento da opinião
pública: 50 por cento dos inquiridos dizem-se satisfeitos com o trabalho do Presidente contra
41 por cento que desaprovam a sua actuação. Só 41 por cento concordam com os seus
esforços para combater a recessão e reanimar o mercado laboral; o apoio à condução da
reforma do sistema de saúde é ainda mais baixo (36 por cento).
Um inquérito da ABC News/Washington Post revela que a onda de optimismo que embalou
Barack Obama até à Casa Branca se esfumou completamente. Cerca de 50 por cento dos
americanos consideram que Obama não está a conseguir concretizar as suas principais
promessas eleitorais, enquanto 47 por cento dizem que o Presidente executou uma "boa
quantidade" de medidas no seu primeiro ano de mandato.
A Administração cumpre o primeiro aniversário quebrando uma das promessas feitas por
Obama logo no seu primeiro dia na Casa Branca: o polémico campo militar de Guantánamo,
onde permanecem detidos cerca de 200 homens suspeitos de envolvimento em actividades
terroristas, não estará encerrado no final deste mês, como fora anunciado em Janeiro de 2009.
Um terço dos inquiridos da ABC News/Washington Post diz que o desempenho de Obama no
primeiro ano de mandato ficou aquém das expectativas e uma escassa maioria diz ter pouca
confiança em que o Presidente tome as decisões correctas para o futuro do país.
"Ele herdou a presidência numa das conjunturas mais problemáticas da história americana. O
âmbito e o grau dos problemas com que ele foi confrontado não se podiam resolver em seis
meses ou um ano. Por isso não admira que a sua popularidade estratosférica tenha caído [69
por cento depois da tomada de posse]. Na verdade, era inevitável que caísse, à medida que os
americanos pusessem os pés na terra", comenta Tom Baldino, professor da Wilkes University.
"Obama encontra-se na mesma posição em que todos os Presidentes se vêem quando a
economia corre mal: as pessoas atribuem-lhe a culpa. Enquanto a situação económica não
melhorar, a sua taxa de aprovação vai continuar a declinar", antecipa o professor de Ciência
Política da Universidade de New Hampshire, Andy Smith.
A situação não é inédita. Ronald Reagan, um dos Presidentes mais populares de sempre,
iniciou o seu segundo ano de mandato com uma taxa de aprovação abaixo dos 40 por cento.
Ultrapassada a crise, ganhou confortavelmente a reeleição. O mesmo não aconteceu com
George H. Bush. A sua popularidade bateu nos 89 por cento depois da invasão do Kuwait, em
1991, mas despencou para os 29 por cento em Julho de 92, vítima da recessão. Bill Clinton
ganhou as eleições e celebrizou a máxima "É a economia, estúpido".
"Se a economia melhorar, e o país não estiver atolado na guerra do Afeganistão, a opinião
pública vai recuperar o sentimento de optimismo e previsivelmente Obama terá a releição
garantida em 2012", diz Thomas Mann da Brookings Institution.
Rita Siza, Washington
Da economia ao Haiti, os caminhos cruzados da
política interna e externa dos EUA
Eleições intercalares para o Capitólio condicionam objectivos domésticos da
Casa Branca
Balanço
52% dos americanos aprovam a acção de Obama em Janeiro 2010. Em Fevereiro 09, a taxa
de aprovação estava nos 69%
114.000 tropas no Iraque em Dez. 09. Um ano antes eram 145.000. No Afeganistão é o
inverso: 70.000 em Dez. 09, 31.000 um ano antes
10% de taxa de desemprego em Dezembro 09 (últimos dados disponíveis). Em Janeiro 09, a
taxa estava nos 7,4%
Obama, primeiro aniversário
Ainda não há razões que cheguem para deixarmos de acreditar em Barack
Obama
As expectativas eram tão altas e o mundo estava em tamanha desordem que a desilusão era
inevitável. Um ano depois de nos ter prometido uma nova era, Barack Obama desceu à terra. A
dura realidade, doméstica e internacional, encarregou-se de comprovar que não fazia milagres.
Desfizeram-se alguns dos equívocos da sua eleição. Para os que acreditavam que seria o
"Presidente da Amnistia Internacional", Guantánamo continua a ser uma afronta. Para os que
viam nele um pacifista, ele é o Presidente da guerra no Afeganistão. Para os que apostavam
em que não seria muito diferente de Bush, a prova está feita - em Cabul ou em Bagdad. Os
"neocons" já o podem acusar de apaziguador - parece que ninguém quis aceitar a sua mão
estendida.
Começou o tempo de cobrança sobre o que fez e o que não fez e o que conseguiu fazer
apenas em parte. E, no entanto, ninguém lhe poderia exigir que mudasse a América e que
mudasse o mundo em 12 meses. Internamente, Obama escolheu o combate mais difícil. Fez
aquilo que nenhum Presidente conseguira fazer até agora: alargar o direito à saúde a quase
todos os americanos. E seria injusto dizer que o mundo não é hoje outra coisa. A sua eleição e
a promessa de uma nova forma de liderança americana, anunciada em palavras e em actos,
fizeram maravilhas à imagem da América. Os EUA passaram a ser de novo a nação mais
admirada do mundo. Faltam resultados? Precisa de luvas de boxe? Não passa de um Carter?
Ainda pode ser um Kennedy? O mais avisado é evitar os julgamentos definitivos. E levar em
conta que ele é o Presidente dos Estados Unidos, cuja missão é garantir o regresso da
liderança americana. Se o conseguir nos termos em que prometeu, então o mundo será um
lugar melhor. Mesmo que só depois de amanhã. Ainda não há razões que cheguem para
deixarmos de acreditar.
1.Cumpre-se hoje o primeiro aniversário daquele dia magnífico em que o mundo contemplou a
chegada de Obama à Casa Branca. E, no entanto, parece que já passou uma década. A
esperança "extravagante", como lhe chama Jean-Marie Colombani, que a sua eleição suscitou
nos quatro cantos do mundo resiste mal à dura realidade das coisas e da vida. A montanha de
problemas que tinha à sua espera - poucos presidentes, desde a II Guerra, receberam uma
agenda tão pesada - apenas se moveu ligeiramente. A sua capacidade de inspirar e de
mobilizar dilui-se contra os números tremendos do desemprego na América ou contra a
resistência taliban nas montanhas do Hindu Kush, exigindo-lhe uma frieza e uma ponderação
que puseram em maior evidência o seu lado racional. Por vezes, até a sua retórica parece que
perdeu o brilho. Os apoiantes impacientam-se com a falta de resultados. Os adversários abrem
garrafas de champanhe pela mesmíssima razão. Milhares de artigos escritos por milhares de
analistas procuram fixar o retrato do momento, oferecendo as teses mais contraditórias.
Sucedem-se os paralelismos históricos. E os veredictos. Nestes dias, o mundo parece girar
num turbilhão à volta do Presidente americano. Como se tudo dependesse dele. Como se tudo
lhe fosse exigido. Neste nosso mundo informatizado e globalizado, o imediatismo baralha por
vezes a compreensão e o raciocínio.
Mas há um teste interessante ao impacte extraordinário da sua eleição. Quem se lembra hoje
do mundo segundo George W.? Se colocarmos as coisas nesta perspectiva, seguramente que
o balanço do que fez e do que não fez será mais equilibrado e mais justo.
2.Barack Obama será provavelmente avaliado pela História pela forma como conseguir levar a
cabo a tarefa ciclópica de conduzir a América através de uma das mais profundas mutações
geopolíticas mundiais. Não basta dizer que esta é a maior crise mundial desde a Grande
Depressão. É preciso dizer que esta é uma crise estrutural do Ocidente, que desafia a sua
hegemonia política e a sua hegemonia económica e, por essa razão, também o modo de viver
dos seus cidadãos. Não basta dizer que o mundo assiste a uma gigantesca transferência de
riqueza e de poder do Ocidente para o Oriente. É preciso acrescentar que isso desafia a
América e as democracias ocidentais a reinventarem uma ordem mundial em que a vontade e
o poder dos outros têm de ser levados em conta. É preciso acrescentar também que isso
significa o fim da garantia de eterno progresso para os cidadãos ocidentais e o começo de uma
era de repartição mais equilibrada do bem-estar.
Seria errado e seria injusto avaliar Obama apenas pelo que conseguir fazer nas três ou quatro
zonas de conflito de resolução mais urgente. No Irão ou no Afeganistão, no Médio Oriente ou
na Coreia do Norte. Ou pelos empregos que salvou ou não salvou na América. O que importa
perceber é até que ponto ele começou a colocar as primeiras pedras de uma nova "grande
estratégia" que reconduza a América à liderança desta complexa e incerta transição. "Não se
trata só de resolver os problemas", escreve Joseph Nye. "O que ele está a fazer é a alterar o
contexto da resolução desses problemas."
Ouvimos o discurso do Cairo. Ouvimos o discurso de Praga. Não faz sentido tentar opor
"palavras" a "realizações". Faz sentido juntá-las.
3.Vale a pena prestar atenção ao que escreveu Zbigniew Brzezinski no último número
da Foreign Affairs, num artigo intitulado "From Hope to Audacity". "Ele repensou de alto a baixo
os objectivos da diplomacia americana", escreve o velho peso-pesado da política americana.
Inscreveu o curto prazo numa nova visão estratégica, mudando os parâmetros da não
proliferação com a sua opção pelo desarmamento nuclear, afirmando a sua vontade de fazer
da China um parceiro geopolítico, apresentando-se como um "mediador equilibrado" no Médio
Oriente, anunciando que o islão não é o inimigo e que a "guerra ao terror" não define o papel
dos EUA no mundo.
John Ikenberry, numa brevíssima prosa publicada num vasto dossier da American
Interest sobre o primeiro aniversário do Presidente, apresenta a mesma perspectiva. "A
questão é saber se a equipa de Obama está a conseguir articular uma "grande estratégia" que
responda aos grandes problemas globais". O professor de Princeton entende que sim,
definindo-a simultaneamente como "liberal e realista". Liberal, "na sua vocação com o
compromisso, o multilateralismo e o progresso". Realista, "na sua orientação para a contenção
do grande poder americano e a acomodação à nova realidade."
4.Quando tomou posse, o Presidente disse que a capacidade de liderança da América
dependia fundamentalmente de duas coisas. Da recuperação da sua boa imagem e da sua
credibilidade no mundo. Os Estados Unidos recuperaram o primeiro lugar entre as nações mais
admiradas do mundo, depois de terem caído para 8.º em 2008. Da sua capacidade "para
mostrar contenção" no uso do seu (ainda) imenso poder. Pode ser que alguns amigos e
inimigos interpretem isto como um sinal de fraqueza, antes talvez de perceberem que se
enganaram. Uma das coisas mais extraordinárias que Obama conseguiu fazer foi precisamente
estender a mão, desfazer a imagem de arrogância da América, sem pôr em causa a sua
determinação de liderar nem a confiança no seu imenso poder. Não faz mal nenhum que
queira pô-lo também ao serviço da humanidade. Foi sempre esse o lado luminoso da América.
Obama tem um longo caminho pela frente. Precisa de aliados que, até agora, não se têm
mostrado particularmente disponíveis. É esta, porventura, uma das maiores perplexidades
suscitadas pelo primeiro ano do seu mandato. Mas restam poucas dúvidas de que não seja
esse o caminho.
Muitas felicidades, pois, Sr. Presidente. Mesmo que não goste muito de falar nisso, o seu país
continua a ser a nação "indispensável". Como estamos de novo a ver no Haiti.Jornalista
Na América a ficção não supera a realidade
A sociedade mais rica do mundo exibe hoje recordes que nada têm a ver com a
prosperidade do passado. Barack Obama começa hoje o segundo ano de
mandato com uma taxa de desemprego de dez por cento e um cenário
estranho a uma superpotência - hoje, um em cada oito americanos recebe
dinheiro do Governo para comprar comida.
George Clooney só entra em cena para demitir. Passa a vida a voar pelos Estados Unidos para
dar a funcionários de empresas a notícia que chefes menos corajosos preferem evitar. No ecrã,
fechado numa sala com cada um dos demitidos, Clooney ou Ryan Bingham, a personagem
que interpreta em Up in the Air (Nas Nuvens, que se estreia amanhã em Portugal), ouve a
reacção dos despedidos. É precisamente nesse momento que ficção e realidade se
confundem, tudo porque o realizador Jason Reitman resolveu contratar desempregados "reais"
da crise que abalou os mercados financeiros e a economia em todo o mundo para interpretar o
momento em que se é demitido. Cem foram entrevistados, 25 estão no filme, o primeiro a tratar
um tema que os americanos preferiam que fosse apenas uma ficção de Hollywood.
"O que George Clooney fez no cinema é o que eu faço todos os dias", diz ao P2 a directora de
recursos humanos de um dos cinco maiores bancos dos Estados Unidos, que prefere ser
identificada como Sara (não quer ter o seu nome verdadeiro publicado, nem mesmo num jornal
estrangeiro). Diz temer perder o emprego e, sorri, ter o George Clooney a demiti-la.
Neste último ano, por causa de uma reestruturação e da crise financeira, foram despedidos
quase dez mil funcionários no banco onde Sara trabalha. "Em geral, temos por regra despedir
uma pessoa de cada vez, mas houve dias em que entrava numa sala com 35 funcionários,
dava a notícia e marcava encontros individuais para depois. Não foi fácil." Mas o pior para
Sara, que trabalha há 15 anos em instituições financeiras, é saber que de Janeiro a Março os
bancos vão pagar os prémios aos seus empregados, prémios que baterão os valores recorde
de 2007. "Não faz qualquer sentido", diz. "Não tenho coragem de chegar a casa e dizer à
minha família que, um ano depois da queda e fim dos bancos de investimento Lehman
Brothers e Bear Stearns, do caso [Bernard] Madoff, vamos recompensar o mesmo
comportamento responsável pela crise que estamos a passar. E não são só os CEO
[presidentes dos conselhos de administração] que vão ganhar, são todos. Dá-me arrepios
pensar em tudo isto. Está na hora de Wall Street acordar e rever este esquema de
compensações."
Uma refeição por dia
Estamos a apenas três quilómetros de Wall Street. É sábado e chove no Lower East Side, em
Manhattan. A fila que aumenta apesar da chuva forte é de pobres, sem-abrigo,
desempregados. Estão à espera de uma refeição completa, de meatloaf (rolo de carne). "A
procura de um prato de comida aumentou em média 15 por cento desde que a crise estoirou,
no ano passado", explica ao P2 Steve Sakson, que chefia os voluntários que servem cerca de
300 refeições completas por dia, sempre à hora do almoço. Sakson chama a atenção para a
presença de mulheres e crianças na imensa sala lotada. "Quando elas aparecem é sinal de
que a situação é mesmo grave." Mas a principal diferença que Steve Sakson sente,
comparando este com outros períodos de crise, é a impaciência de quem vem à procura de
uma refeição: "As pessoas estão mais irritadas, frustradas e com raiva, à beira de um ataque
de nervos."
Quase 38 milhões de americanos, um em cada oito, recebem hoje os food stamps, as senhas
do governo para comprar alimentos. Um recorde desde que o programa começou em 1939. As
estatísticas oficiais apontam para uma taxa de desemprego de dez por cento, mais de 15
milhões de americanos. Em Novembro, chegou a atingir os 10,8 por cento - a mais alta taxa em
26 anos. Se somarmos os que desistiram de procurar emprego, os que foram forçados a
reformar-se e os subempregados (os que, como os vendedores ambulantes, têm uma
ocupação que escapa aos números da economia formal), o índice sobe para 17 por cento. As
estatísticas também mostram que os empregos que estão a crescer são os temporários.
Em Novembro de 2008, no início da crise financeira, Seth Megalaner, que chefiava a produção
de um canal desportivo de televisão, soube que ia perder o emprego, tal como 300 dos seus
colegas. Ficou quase um ano sem trabalhar até desistir da televisão e candidatar-se a um
emprego na Universidade da Pensilvânia. "Tive sorte porque a minha mulher conseguiu um
emprego antes de mim e deu para sustentar a casa e os nossos dois filhos", diz. Das pessoas
que trabalhavam na equipa de Seth nenhuma conseguiu arranjar um emprego a tempo inteiro.
"É tudo part-time", o que significa, noutras palavras, que não têm qualquer segurança laboral
ou benefícios, como o direito a um seguro de saúde.
A dupla recessão
Sara, a directora de recursos humanos, confirma a tendência. Quem perdeu o emprego no
banco está a demorar um ano ou mais a conseguir um novo trabalho. Antes da crise, demorava
em média dois meses. Há também os que não foram despedidos, só que, em vez de ganharem
dois milhões de dólares por ano (1,4 milhões de euros), passaram a receber 45 mil (pouco
mais de 31 mil euros). No banco onde trabalha, a maioria das novas contratações é de
temporários. "Contratamos uma agência e ela fornece os empregados", explica Sara. "Não há
qualquer vínculo e são mais fáceis de demitir."
O sindicalista Miguel de la Rosa está há um mês a protestar na Terceira Avenida, em
Manhattan, em frente ao prédio de uma empresa de restauração que mudou de donos e
imediatamente cortou os benefícios de oito empregados, todos hispânicos e negros (o índice
de desemprego na comunidade hispânica nos EUA é de 13 por cento e entre os negros sobe
para 16, acima da média nacional de dez por cento). "Eles cortam tudo para depois contratar
novos funcionários temporários sem qualquer benefício. Vamos ficar aqui até resolveremos a
situação", garante, mas a convicção de De la Rosa e dos oito colegas que tentam fazer barulho
no meio de Manhattan não parece preocupar os patrões.
A crise também afecta quem trabalha com imigrantes. O advogado Paul Feldman conta ao P2
que, pela primeira vez, a quota de vistos que os serviços de imigração disponibilizam todos os
anos para empregar estrangeiros, principalmente da área de tecnologia, não foi preenchida."Há
dois anos, em dois dias, em Abril, estava tudo completo. Pela primeira vez vejo que em
Dezembro temos vistos (os H1B) a sobrar. Não há emprego."
"A recuperação vai ser lenta e demorada", acredita o economista David Gold, professor da New
School University, em Nova Iorque. "Já estamos a falar no double dip, [cenário] depois da
recessão em que, quando achamos que já estamos a recuperar, caímos de novo na recessão."
Para o professor Gold, "o pacote de estímulos do governo (787 mil milhões de dólares,
qualquer coisa como 550 mil milhões de euros), que termina daqui a seis meses, não
conseguiu reactivar a economia nem encorajar a iniciativa privada". Lembra que economistas
como Paul Krugman já defendem mais um pacote e que isso, muito provavelmente, não vai
acontecer."O sistema financeiro está a abarrotar de dinheiro. Não se pode dar mais dinheiro
aos bancos porque eles vão segurá-lo. A única maneira de fazer com que eles dêem acesso ao
crédito é as pessoas comuns e os empresários começarem a pedir empréstimos para investir,
criar negócios, gerar empregos - assim as pessoas compram mais e movimentam a economia [
2/3 da economia dos Estados Unidos dependem do consumo]. Mas isso não está a acontecer
porque os americanos "comuns" estão com mais receio e sem dinheiro. Vivemos um ciclo
vicioso. Obama devia ter feito mais. Não fez o suficiente. Ficou preso à política bipartidária, aos
republicanos."
Sara, a directora de recursos humanos que trabalha para a banca, concorda com Gold no que
respeita aos receios do americano médio: "Não é que os americanos tenham perdido o
optimismo, mas estão mais hesitantes."
Uma pesquisa do diário TheNew York Times e da cadeia de televisão CBS divulgada no mês
passado mostrou os efeitos traumáticos que o desemprego começa a ter numa sociedade que
até há pouco tempo parecia viver numa bolha de prosperidade. Metade dos desempregados já
pediu dinheiro emprestado a amigos ou familiares e parou de ir ao médico (perdeu o seguro de
saúde associado ao emprego). Quarenta por cento garantem ter-se apercebido de que os filhos
começaram a ter menos aproveitamento escolar.
De volta ao ecrã, a personagem de George Clooney em Nas Nuvens revolta-se quando a
empresa decide usar a Internet para despedir trabalhadores (e cortar custos), uma tragédia
para Ryan Bingham, que almeja bater o recorde de milhas aéreas. No cinema, tudo não passa
de um fenómeno passageiro, não necessariamente com final feliz. Na realidade, o economista
David Gold acha que os americanos estão também longe de um happy end: "As pessoas que
perdem o emprego vêem as suas capacidades profissionais deteriorar-se e quanto mais tempo
passam sem emprego pior. As crianças que crescem com pais que não trabalham tendem a ter
problemas na escola, a ser mais violentas, e a transformar-se em adultos problemáticos." É por
isso que o economista defende que o custo da actual taxa de desemprego nos Estados Unidos
e do lento crescimento económico vai ser sentido durante décadas. "Não é um fenómeno
passageiro."
http://www.ionline.pt/conteudo/42744-o-que-nao-aconteceu
Um ano depois de ter tomado posse, Obama pode mostrar obra feita.
Provavelmente podia ter feito mais, podia ter ido mais longe, mas o
que não poderá nunca fazer é desistir
A análise política que fizeram pode ou não ter sido correcta, mas não há dúvida de que a
análise económica não o foi. Porém, o que os levou a essa conclusão não foi com certeza a
falta de atenção ao tema: nos finais de 2008 e princípios de 2009, era de longe a principal
preocupação da equipa de Obama. A administração não estava distraída; estava,
simplesmente, errada.
Obama podia ter feito o mesmo - e, a meu ver, com bastante mais justificação. Podia ter
assinalado, por exemplo, que as dificuldades que a economia dos Estados Unidos continua
a enfrentar resultam da recusa da administração Bush de regulamentar a banca. Mas não o
fez. Talvez ainda sonhe colmatar o fosso que divide os dois partidos; talvez receie a ira dos
gurus que acham impróprio culpar o antecessor pelos problemas. Seja qual for a razão,
Obama deixou que o público esquecesse, com surpreendente rapidez, que as dificuldades
económicas não começaram na sua presidência. Um dos argumentos-chave dos que
pugnaram por um plano de estímulo de maiores dimensões era que não haveria uma
segunda oportunidade: se o desemprego se mantiver alto, avisaram, as pessoas chegarão
sempre à conclusão de que o estímulo não funcionou, nunca de que ele devia ter sido maior.
O que veio a comprovar-se. Para os eleitores democratas, a reforma da saúde foi de grande
importância. Alguns activistas ficaram desapontados com os compromissos necessários
para fazer passar a legislação no Senado, mas teriam ficado ainda mais desiludidos se os
democratas tivessem simplesmente falhado.
E agora? Neste momento, é provável que Obama não consiga fazer muito pela criação de
emprego. Mas pode bater-se duramente pela reforma financeira e procurar pôr-se do lado
certo da ira popular, descrevendo os republicanos como inimigos da reforma - e eles são-no.
Entretanto, os democratas têm de fazer todos os possíveis para conseguirem aprovar uma
lei sobre cuidados de saúde. Aprová-la não constituirá, para eles, uma tábua de salvação
política, mas não a ver aprovada constituiria certamente o seu ocaso político.
http://www.ionline.pt/conteudo/42751-barack-obama-365-dias-depois-afinal-o-
messias-nao-desceu--terra
Nas últimas semanas, Barack Obama tem sido bombardeado com a mesma pergunta:
"Senhor presidente, como avalia a sua prestação até ao momento?" Na auto-avaliação,
Obama mostrou não ser um homem de falsas modéstias: "Acho que mereço um sólido B+",
disse em entrevista à sua celebre apoiante, Oprah Winfrey. Muito perto da excelência,
portanto. Obama marca hoje o primeiro aniversário da sua Administração, mas terá razões
para comemorar? Há precisamente um ano, dois milhões de pessoas acotovelaram-se no
Mall, do Capitólio ao obelisco, para ouvir as dissertações sobre esperança e mudança do
novo presidente americano. Obama acabava de herdar duas frentes de guerra, uma
economia em colapso e o prestígio de um país pelas ruas da amargura. De Washington a
Nairobi, era tido como um novo Messias. Mas, como então sublinhou um dos seus
assessores mais próximos, Obama seria incapaz de "multiplicar pão ou peixes". 365 dias
passados desde a investidura, Obama desce à terra e os americanos brindam-no com uma
das mais baixas taxas de aprovação na história dos presidentes no final do seu primeiro ano
na Casa Branca: 50%.
Pânico é, por estes dias, uma palavra que paira no espírito de muitos democratas. 2010 traz
eleições intercalares para o Senado e o Partido Democrata pode perder a "super maioria
liberal". E se os americanos podem até nem ter perdido a fé no seu presidente, este, pelo
menos, já perdeu parte dos votos que o elegeram. Mas afinal, de onde vêm os problemas de
Obama? Como diria Clinton: It's the economy stupid.
A reacção dos mercados tem sido "razoável" aos pacotes de salvamento da Administração,
embora Ricardo Reis critique a política seguida no último ano no sector financeiro: "Tem
sido uma postura de cruzar as pernas e esperar que as coisas acabem por melhorar. Todos
os problemas de há dois anos continuam a estar lá. As medidas aplicadas são arbitrárias."
A debilidade das contas públicas americanas ajuda a explicar porque um dos cavalos de
batalha de campanha se tornou impopular. "A reforma do sistema de saúde é muito pesada
do ponto de vista fiscal e não está no topo da agenda dos americanos, mais preocupados
com o desemprego e impostos. A coincidência dos custos desse sistema com a explosão do
défice fragilizaram ainda mais a Administração", diz Monjardino. "Obama precisa da
maioria dos votos do congresso para fazer passar os seus polémicos pacotes legislativos. E o
que parecia uma facilidade, devido à maioria democrata, revelou-se precisamente o
contrário" acrescenta Pires de Lima. A fé em Obama morreu dentro do seu próprio partido.