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O ano mais perigoso do Presidente que está

obrigado a ser excepcional


Por Jorge Almeida Fernandes

http://www.publico.clix.pt/Mundo/o-ano-mais-perigoso-do-presidente-que-esta-
obrigado-a-ser-excepcional_1418736

Obama entra no segundo ano na Casa Branca com a sua desmesurada


agenda interna em risco e os principais objectivos externos por realizar

O segundo e crítico ano da presidência de Barack Obama começa sob o signo de pressões
contraditórias, no plano doméstico e no internacional. Depois das elevadas expectativas, todos
lhe exigem "resultados". Se ao longo de 2009 foi a agenda doméstica que mais o ocupou, será
ainda ela a marcar os grandes momentos do ano político americano, que culmina nas eleições
intercalares de Novembro.
No topo das prioridades está a economia que, além de condicionar a política interna, pesará na
sua margem de manobra na cena internacional. Mais do que o pagamento das promessas, e
da "esperança", o que hoje a América lhe impõe não é ser um bom Presidente, mas um
"Presidente excepcional".
O problema mais sensível é o desemprego. Obama foi confrontado, para lá de duas guerras,
com a pior crise económica desde os anos 30. À custa de um plano de apoio maciço aos
bancos e a sectores industriais, como o automóvel, foi evitada a derrocada do sistema
financeiro. A economia recomeça a crescer mas o emprego não acompanha. A taxa de
desemprego permanece na casa dos 10 por cento. Serão talvez necessários dois anos para
que a reestruturação crie empregos em escala razoável.
"Toda a política é local", dizia Tip O"Neil, antigo speaker democrata da Câmara dos
Representantes. Os democratas arriscam-se a pagar o preço do mal-estar nas eleições de
Novembro, perdendo a decisiva barreira dos 60 senadores que hoje têm e que impede a
obstrução. Ela já estava ontem em jogo na eleição do Massachusetts para designar o sucessor
de Ted Kennedy.
A quebra da popularidade de Obama nos EUA leva analistas neoconservadores a anunciar a
sua "queda" e "a vingança do sistema". No entanto, os republicanos não são de momento uma
ameaça à supremacia democrata nem têm uma alternativa a Obama.
O seu esforço concentra-se na obstrução da iniciativa emblemática do Presidente: o primeiro
projecto ambicioso de reforma da saúde em mais de 40 anos. Obama quer vê-lo aprovado até
ao fim da Primavera, os republicanos querem o contrário: depois de Novembro, ele seria
provavelmente enterrado.
Um movimento basista antifiscal, os tea-party2, difundiu-se surpreendentemente, repercutindo
as acusações de Obama ter premiado os banqueiros, de aumentar o défice com o plano de
saúde e de alargar a esfera de intervenção do Estado. Serão uma ajuda ímpar aos candidatos
republicanos.
A agenda doméstica vai mais fundo. O frustrado atentado contra um avião no dia de Natal
reacendeu a frente da segurança. Republicanos acusam Obama e os democratas de serem
laxistas em matéria de segurança nacional, enquanto à esquerda se denuncia o incumprimento
da promessa do total encerramento de Guantánamo. E falta a abertura de outras frentes
conflituais, como o ambiente ou a imigração, prometidas para este ano.
Resultados?
Uma das marcas do sistema constitucional americano é a fraqueza do Presidente perante o
Congresso na política interna e a larga extensão dos seu poderes na política externa.
No primeiro ano do mandato, Obama "repensou de alto a baixo a diplomacia americana",
escreve na Foreign Affairs Zbigniew Brzezinski. Encerrou o ciclo da "guerra ao terrorismo" e
estendeu a mão aos inimigos que aceitem dialogar: não é com os amigos que se faz a paz,
explicou Hillary Clinton.
Tentou pôr termo à longa hostilidade do mundo árabe. Restabelecer as relações com a Rússia.
Desenvolver uma parceria estratégica com a China. Confirmar as alianças tradicionais com
europeus e japoneses.
E, sobretudo, procurou explorar um quadro multilateral, tirando as consequências da
emergência de novas potências, como a China, a Rússia, o Brasil e a Índia.
"Os Estados Unidos não podem resolver todos os problemas do mundo", disse em Copenhaga.
Não é uma afirmação ideológica, é uma constatação da realidade que a própria Administração
Bush começou a fazer a partir de 2006.
Resultados? Não são ainda vistosos, da Coreia do Norte ao Irão. No entanto, no caso iraniano,
a iniciativa teve um resultado que ultrapassou todas as expectativas, abrindo uma crise no
regime dos mullah. Mas bloqueou também, por efeito dessa mesma crise, a negociação sobre
o nuclear.
Na frente israelo-palestiniana é patente a impotência americana. E as guerras - ou as retiradas
- do Iraque e do Afeganistão são uma perigosa incógnita. A opinião pública americana está a
cansar-se muito rapidamente.
Que significou para os EUA este primeiro ano? "Obama recolocou Washington no circuito das
negociações internacionais" e "dissipou muito do antiamericanismo que estava no ar", resume
Leslie Gelb, antigo presidente do Council on Foreign Relations, em The American Interest.
"Preparou o terreno para o relançamento da potência americana, o problema é que ainda não
carregou no acelerador."
Ou, como reconhece Brzezinski, "até agora, a política externa do Presidente suscitou mais
expectativas do que avanços estratégicos". Ou seja, ainda não resolveu nenhum dos grandes
problemas que encontrou.
O teste dos próximos anos
A América "talvez não possa", escreve ironicamente o correspondente do Financial Times em
Washington. A desmedida ambição da agenda doméstica de Obama é cada vez mais
problemática. E a economia não é apenas o desemprego, é "o coração do nosso poderio militar
e diplomático, e da nossa democracia", disse Obama no discurso sobre o Afeganistão. A China
e a Rússia, que não farão favores à América, observam atentamente.
O "Yes, we can" de Obama e os discursos de abertura ao mundo criaram expectativas que hoje
se reflectem na avaliação da sua liderança. É o teste dos próximos anos, ou até meses. Será
capaz de "fazer os adversários temerem-no?" É o que se insinua na repetida comparação que
analistas estabelecem entre ele e Jimmy Carter.
Obama está em apuros e chega ao fim do primeiro ano sem álibis. A herança de Bush passou
à História. O papel do homem de Estado é responder às crises do tempo, às herdadas e às
novas, e as de Obama são desmesuradas.
Por isso - conclui Gelb -, não lhe basta ser um bom Presidente, é obrigado a ser "excepcional".

Popularidade de Obama caiu da estratosfera


Estado da economia é decisivo na avaliação dos eleitores norte-americanos

Barack Obama, iniciou o seu mandato demarcando-se do seu antecessor, George W. Bush. E
a uma semana de assinalar o seu primeiro aniversário na Casa Branca, vincou uma vez mais
essa diferença: perante o violento terramoto no Haiti, ordenou imediatamente uma vasta
operação de auxílio de emergência, num contraste com a resposta de Bush às vítimas do
tsunami do oceano Índico, em 2004, ou às populações afectadas pelo furacão Katrina, em
2005.
Pouco tempo antes, no Natal, Obama demorara três dias a reagir à ameaça de ataque
terrorista a bordo de um avião da Northwest Airlines com destino a Detroit. Porém, de acordo
com as sondagens, a maioria dos americanos (57 por cento) considerou que a resposta de
Obama foi eficaz. Uma maioria também concorda com a forma como têm sido geridas as
guerras no Iraque no Afeganistão.
Mas os números provam que a opinião pública está substancialmente menos bem
impressionada com o desempenho de Obama na economia, seriamente debilitada pela
recessão, ou com o seu papel durante o interminável debate sobre a reforma do sistema de
saúde do país, a principal prioridade legislativa para o primeiro ano de mandato.
Os últimos números da CBS News/New York Times apontam o descontentamento da opinião
pública: 50 por cento dos inquiridos dizem-se satisfeitos com o trabalho do Presidente contra
41 por cento que desaprovam a sua actuação. Só 41 por cento concordam com os seus
esforços para combater a recessão e reanimar o mercado laboral; o apoio à condução da
reforma do sistema de saúde é ainda mais baixo (36 por cento).
Um inquérito da ABC News/Washington Post revela que a onda de optimismo que embalou
Barack Obama até à Casa Branca se esfumou completamente. Cerca de 50 por cento dos
americanos consideram que Obama não está a conseguir concretizar as suas principais
promessas eleitorais, enquanto 47 por cento dizem que o Presidente executou uma "boa
quantidade" de medidas no seu primeiro ano de mandato.
A Administração cumpre o primeiro aniversário quebrando uma das promessas feitas por
Obama logo no seu primeiro dia na Casa Branca: o polémico campo militar de Guantánamo,
onde permanecem detidos cerca de 200 homens suspeitos de envolvimento em actividades
terroristas, não estará encerrado no final deste mês, como fora anunciado em Janeiro de 2009.
Um terço dos inquiridos da ABC News/Washington Post diz que o desempenho de Obama no
primeiro ano de mandato ficou aquém das expectativas e uma escassa maioria diz ter pouca
confiança em que o Presidente tome as decisões correctas para o futuro do país.
"Ele herdou a presidência numa das conjunturas mais problemáticas da história americana. O
âmbito e o grau dos problemas com que ele foi confrontado não se podiam resolver em seis
meses ou um ano. Por isso não admira que a sua popularidade estratosférica tenha caído [69
por cento depois da tomada de posse]. Na verdade, era inevitável que caísse, à medida que os
americanos pusessem os pés na terra", comenta Tom Baldino, professor da Wilkes University.
"Obama encontra-se na mesma posição em que todos os Presidentes se vêem quando a
economia corre mal: as pessoas atribuem-lhe a culpa. Enquanto a situação económica não
melhorar, a sua taxa de aprovação vai continuar a declinar", antecipa o professor de Ciência
Política da Universidade de New Hampshire, Andy Smith.
A situação não é inédita. Ronald Reagan, um dos Presidentes mais populares de sempre,
iniciou o seu segundo ano de mandato com uma taxa de aprovação abaixo dos 40 por cento.
Ultrapassada a crise, ganhou confortavelmente a reeleição. O mesmo não aconteceu com
George H. Bush. A sua popularidade bateu nos 89 por cento depois da invasão do Kuwait, em
1991, mas despencou para os 29 por cento em Julho de 92, vítima da recessão. Bill Clinton
ganhou as eleições e celebrizou a máxima "É a economia, estúpido".
"Se a economia melhorar, e o país não estiver atolado na guerra do Afeganistão, a opinião
pública vai recuperar o sentimento de optimismo e previsivelmente Obama terá a releição
garantida em 2012", diz Thomas Mann da Brookings Institution.
Rita Siza, Washington
Da economia ao Haiti, os caminhos cruzados da
política interna e externa dos EUA
Eleições intercalares para o Capitólio condicionam objectivos domésticos da
Casa Branca

Economia domina atenções


Com o desemprego a bater nos dez por cento, a Administração Obama quer começar o ano a
ensaiar novas medidas para a criação de postos de trabalho e estímulo à actividade
económica. De acordo com fontes da Casa Branca, a economia será o principal tópico no
primeiro discurso sobre o Estado da União de Barack Obama, a 27 de Janeiro.
O Presidente não deixará de reclamar os créditos pelos efeitos do seu pacote de estímulo
económico, no valor de quase 800 mil milhões de dólares. E não se prevê que Obama diga ser
necessário voltar a injectar dinheiro público na economia - a tónica irá para o emprego.
No entanto, a Casa Branca sabe que muitas das medidas tomadas para "prevenir uma
segunda Grande Depressão" foram muito impopulares, nomeadamente o resgate do sistema
bancário ou as ajudas aos grandes construtores automóveis à beira da falência.
"O problema desta Administração é o seguinte: para travar a recessão e inverter a queda dos
mercados, eles tomaram medidas vigorosas e até bastante abrangentes, mas a escala do
problema é tão grande que só isso não permitiu a recuperação do mercado de trabalho",
comenta o presidente do Economic Policy Institute, Lawrence Mishel.
Além de mostrar que está determinado em resolver a difícil situação da classe média, o
Presidente terá ainda de demonstrar a sua preocupação relativamente ao astronómico défice
das contas públicas e ao nível do consumo do Governo.
R. S.
O teste das eleições intercalares
As políticas democratas do Congresso e da Casa Branca vão estar em jogo nas eleições
intercalares de Novembro, para os 435 lugares da Câmara dos Representantes e um terço do
Senado. A ansiedade tomou conta da bancada maioritária, que nas votações extraordinárias de
2009 para os governos de Nova Jérsia e Virgínia viu um primeiro sinal do descontentamento do
eleitorado.
O Partido Republicano animou-se com essas duas importantes vitórias - e mantém esperanças
que a população deseje castigar os chamados "incumbentes" pelo estado da economia e pelo
crescimento do défice público.
Só que nem tudo são facilidades para os republicanos. O partido não tem uma mensagem
clara nem uma estratégia definida que não a mera oposição a todas as propostas provenientes
da Casa Branca, o que não passa desapercebido ao eleitorado: de acordo com a Quinnipiac
University, 58 por cento desaprova a actuação dos republicanos e 31 por cento apoiam. As
sondagens revelam a insatisfação do eleitorado, mas também mostram que a população
acredita que o Partido Democrata é o mais bem preparado para resolver os problemas do país.
Um estudo do Congressional Quaterly revelou que Obama obteve o que queria do Congresso
mais do que qualquer outro Presidente dos últimos 60 anos - e os conselheiros da Casa
Branca sabem que muitas das suas propostas não sobreviverão num Congresso hostil. Os
conservadores precisam de recuperar 41 lugares na Câmara dos Representantes para retirar a
maioria aos democratas. A tarefa, no Senado, é conseguir recuperar dois ou três lugares.
R. S.
Clima, a prioridade legislativa
Provavelmente mais difícil do que aprovar a lei de reforma do funcionamento do sistema de
saúde vai ser acertar um novo mercado de créditos de carbono nos Estados Unidos. Esse é o
grande objectivo legislativo da Administração Obama para 2010, mas poucos acreditam que o
Presidente consiga convencer os membros do Senado a estabelecer cortes e limites para as
emissões que contribuem para o aquecimento global. Em Julho de 2009, a Câmara dos
Representantes votou a sua versão da chamada "lei do clima", mas idêntico procedimento
parece condenado ao fracasso no Senado. Vários senadores democratas conservadores já
fizeram saber que aprovar uma lei polémica, em ano de eleições, não lhes agrada. Mas a
equipa de Obama continua a pressionar, alegando que esta é uma responsabilidade moral e
uma oportunidade para criar empregos e fazer a reconversão energética do país. A
Administração conta com o apoio de ambientalistas, de associações de investidores e dos
grupos de lobby do sector energético. Empresas como a Starbucks ou a Nike defendem os
planos do Presidente.
Porém, Obama não vai tão longe quanto desejaria a comunidade internacional. Após a cimeira
de Copenhaga, a Administração insistiu que só avançará com uma redução das emissões de
17 por cento dos níveis de 2005 até ao ano de 2020.
R. S.
Terrorismo e segurança
Antes de Barack Obama tomar posse já se sabia que a expressão "guerra ao terrorismo"
estava morta. Mas Guantánamo ainda lá está e será mais difícil de fechar depois do ataque
falhado do dia de Natal. Um jovem nigeriano rico decidiu ir para Londres e depois para o Iémen
em busca de orientação jihadista. África voltou a ser palco público de um problema do qual há
muito faz parte. Há estados falhados e há recrutas jihadista em países cheios de jovens sem
perspectivas. Nada de novo. Os EUA vão dar mais dinheiro ao Iémen. Os líderes religiosos de
Sanaa repetem apelos à jihad. O Iémen deverá explodir, mas vai demorar. O avião não chegou
a explodir, mas, por causa do nigeriano de 23 anos, o mundo da segurança aérea voltou a
entrar em histeria e Obama foi criticado pela sua abordagem à ameaça terrorista. Críticas que
já ouvira depois do major Nidal Hassan, psiquiatra norte-americano, ter morto 13 pessoas na
base de Fort Hood, em Novembro. Depois do Natal, Obama respondeu assumindo a culpa de
"um erro sistémico", que permitiu falhar todos os avisos que apontavam para Abdul Muttallab.
"Não entrem em pânico. O medo é o verdadeiro objectivo da Al-Qaeda", escreveu Fareed
Zakaria. O ataque falhado é prova da sua fraqueza. Os sustos vão continuar, a ameaça
também.
S. L.
China, o maior desafio estratégico
Barack Obama resumiu numa frase o essencial: "As relações entre os Estados Unidos e a
China vão moldar o século XXI. (...) Esta realidade deve estar na base da nossa parceria. É
esta a nossa responsabilidade comum". Foi com ela que inaugurou o Diálogo Estratégico e
Económico entre os dois países, em Julho passado. "Bastou um mês à equipa de Obama para
estabelecer a sua orientação para a China: mais cooperação em mais domínios, de forma mais
frequente", escreve Elizabeth Economy do Council on Foreign Relations. O que Obama oferece
à China é uma parceria geopolítica entre a (ainda) única superpotência mundial e a potência
que pode ambicionar a um estatuto semelhante. O Presidente tem insistido em que nenhum
problema global - das alterações climáticas à segurança e à economia, passando pela não-
proliferação - pode dispensar o concurso da China. A resposta da China é ambígua. Pequim
compreende a importância vital da cooperação económica. Mas esconde-se atrás do seu
estatuto de "grande potência ainda em desenvolvimento" para descartar responsabilidades
mundiais. Em Washington, há duas teorias sobre a melhor forma de lidar com a China.
Zbigniew Brzezinski, o patrono de Obama, defende a ideia de um G2. Outros entendem que a
melhor maneira de os EUA garantirem a integração pacífica da China é por via. multilateral. A
virtude está algures no meio. Entretanto, 2010 será um ano de teste.
A administração prepara-se para vender mais armamento a Taiwan e Obama tenciona receber
o Dalai Lama - são as duas linhas vermelhas em que Pequim é irredutível. Os analistas
esperam alguma turbulência. Nada que faça descarrilar o comboio, mas que poderá ajudar a
esfriar algum "triunfalismo" de Pequim, ditado pela crise mundial.
T.deS.
Irão, um dossier imprevisível
O nuclear iraniano é um dos mais imprevisíveis dossiers que Washington tem de tratar em
2010. O regime teocrático de Teerão perdeu legitimidade e está dividido. É contestado na rua.
Não parece próximo da queda mas num processo de declínio que pode durar anos. Perdida a
legitimidade, tenderá a usar cada vez mais a força. Por isso, em lugar de previsões, os
analistas começam a traçar cenários extremos. A política de abertura de Obama começou por
subverter os dados do jogo, reforçando o isolamento de Teerão e retirando à teocracia o
inimigo externo, o "Grande Satã", que a ajudava a manter a coesão interna. A abertura não
falhou, foi prejudicada pelo "excesso de êxito". A crise aberta pelas eleições de Junho paralisou
o Governo de Teerão e reduziu a sua margem de negociação do nuclear. O resultado foi a
anulação do compromisso de Viena para tratar o urânio iraniano na Rússia e em França.
Ahmadinejad desejava um sucesso internacional, mas tanto os "reformistas pragmáticos" como
os Guardas da Revolução se lhe opuseram, por razões de política doméstica. Os EUA
enfrentam um vasto problema. Não têm interlocutor fiável. Não desejam negociar no momento
em que ocorre uma vaga de repressão. A única saída é impor novas sanções, muito selectivas,
que atinjam directamente os Guardas da Revolução e não as classes médias. Obama parece
hoje em melhores condições para pressionar Pequim e Moscovo. É de prever uma tentativa de
"cerco diplomático", envolvendo os vizinhos árabes. Continua longínqua a perspectiva de uma
acção militar israelita.
J.A.F.
Afpak: estratégia de saída
Talvez os interesses dos afegãos e da Administração norte-americana já tenham coincidido.
Hoje, não. É uma questão de tempo e é em Washington que o tempo se acaba. A palavra na
boca de todos é "reconciliação". Já ninguém diz "vitória" (só os taliban), paz, democracia. O
Afeganistão será o que tiver de ser, se possível sem guerra civil permanente e sem líderes que
protejam homens com vontade de planear atentados na Europa, nos Estados Unidos ou na
Índia. É tudo uma questão de tempo e Barack Obama já mostrou as cartas. 2010 será o ano da
guerra, mas, mesmo com o reforço que o levará a ter no terreno quase 110 mil soldados, a
guerra é para ser cada vez mais travada entre afegãos. Seja como for. "Estratégia de saída."
Foi isso que Obama anunciou, será essa a palavra de ordem. Com baixas e pressões internas.
Se possível, contendo os taliban, quando chegar a Primavera e os atentados se transformarem
em combates. Os EUA gostariam de assistir a uma "reconciliação nacional". Mas sairão sem
ela, a partir de Julho de 2011. Sabem que os afegãos mudam de lados. Os taliban também e,
por isso, dizem que estão a ganhar - os afegãos tendem a escolher quem vai vencer. Os EUA
anunciaram quando vão começar a sair e os afegãos sentem que já têm um pé fora. Depois,
temem, ficarão os taliban, não os milhares que combatem por quem lhes paga, mas a liderança
que está em Quetta, no Paquistão, e que gostaria de voltar a Cabul. Os EUA vão tentar matá-
los no Paquistão. Vai ouvir-se falar muito do Paquistão em 2010. Mas com os taliban a
demonstrar o seu poder nas ruas de Cabul, os afegãos vão saber quem está a ganhar e quem
vai ficar.
S.L.
Desapontamento na Palestina
O primeiro ano de Barack Obama começou com grandes expectativas em relação ao conflito
israelo-palestiniano: rapidamente o Presidente designou um enviado especial para a região
(George Mitchell) e deu sinais de querer uma abordagem mais equilibrada do que o seu
predecessor, diz o presidente do US Middle East Project (que começou no âmbito do think-tank
Council on Foreign Relations e entretanto se autonomizou), Henry Siegman.
Mas as grandes expectativas deram lugar a um "profundo desapontamento", diz Siegman.
"Apesar deste início promissor, nada mais aconteceu". O ponto de viragem foi o recuo na
exigência de que Israel levasse a cabo um congelamento completo na construção dos
colonatos. Obama exigiu o congelamento em Maio. Em Novembro, a sua secretária de Estado,
Hillary Clinton, ia a Jerusalém elogiar como uma concessão "sem precedentes" um
congelamento parcial anunciado por Netanyahu. Este é, no entanto, parcial: durará dez meses,
exclui Jerusalém Oriental e construções que já tenham sido autorizadas.
Aparece assim aqui um vazio de iniciativas, diz Siegman. "Obama está basicamente a
continuar a política Bush, deixando aos próprios a resolução das suas diferenças sem uma
intervenção que estabeleça os parâmetros", comenta. "A recusa dos EUA em liderar faz com
que a janela de oportunidade desapareça, se é que não desapareceu já". A melhor hipótese
para uma solução de dois Estados, diz Siegman, é que a Autoridade Palestiniana faça uma
declaração unilateral de independência que seja apoiada pela União Europeia.
M. J. G.
À procura de um papel no Haiti
Depois de ultrapassado o pesadelo logístico para a distribuição da ajuda humanitária de
emergência para as vítimas do terramoto de Port au Prince, Obama precisa de se dedicar ao
imbróglio político que resultou do desastre e decidir qual o papel que os Estados Unidos vão
assumir na reconstrução do Haiti.
Para já, as forças americanas dividem-se entre operações de busca e salvamento, trabalhos de
recuperação de infra-estruturas e distribuição e missões limitadas de policiamento. Em estudo
está a possibilidade de alargar a vertente de segurança, perante a óbvia incapacidade das
forças da missão de estabilização da ONU responderem sozinhas ao caos.
O desafio imediato é evitar que a crise de refugiados "transborde" das fronteiras do Haiti para o
seu próprio território. Há mais de um milhão de haitianos a residir nos EUA, e a intenção
dessas famílias é acolher os seus familiares desalojados.
A resposta de Obama no Haiti será ainda um sinal importante em termos do proclamado
compromisso da sua Administração com a América Latina e as Caraíbas (leia-se Cuba).
R.S.

"Seria surpreendente grandes resultados em


apenas um ano"
Por Teresa de Sousa

Este especialista da Brookings Institution considera que Obama teve uma


"abordagem correcta, pragmática e moderada dos problemas" e que mostrou
"maturidade" ao seguir algumas políticas de George W. Bush

Michael O"Hanlon, da Brookings InstitutionFoi consultor e apoiante de Hillary Clinton durante as


primárias do Partido Democrata - um dos muitos "falcões democratas" que viam em Obama
demasiada inexperiência para enfrentar os pesados desafios internacionais da América.
Continua a ser um pragmático, pouco interessado na retórica do Presidente e mais nos
resultados da sua política. Dá a Obama, no entanto, uma boa nota. E lembra que ele é, acima
de tudo, o Presidente da América. Michael O"Hanlon é um dos principais investigadores da
Brookings Institution para as questões de segurança e defesa. O PÚBLICO entrevistou-o por
telefone.
Algum desapontamento em relação ao Presidente Obama era inevitável, dadas as enormes
expectativas que a sua eleição gerou no mundo. Mas hoje muita gente está a dizer que Obama
é "só boa vontade e nenhum resultado". Qual é a sua avaliação?
Penso que ele está a fazer um bom trabalho. Seria surpreendente que alguém conseguisse
produzir grandes resultados na frente internacional em apenas um ano. Quase todos os
grandes problemas da política externa exigem muito mais tempo do que isso para serem
resolvidos. Penso que temos de avaliar o Presidente Obama com justiça e com equilíbrio -
avaliando sobretudo as suas decisões em função das escolhas que tinha à sua disposição e
levando também em conta a qualidade do próprio processo de decisão.
A partir destes dois critérios, creio que estamos perante um sólido primeiro ano. Por exemplo,
nas guerras no Iraque e no Afeganistão, ele não hesitou em usar o tempo de que necessitava,
dada a enorme importância das decisões que tinha de tomar. Estabeleceu prioridades claras.
Também elevou a importância do Paquistão, considerando, e bem, que esse país é
extremamente importante por causa da sua dimensão e das suas armas nucleares. Se
juntarmos tudo isto que lhe estou a dizer, verificamos que se tratou de uma forma muito
consistente de rever as orientações políticas em relação às duas guerras. E penso que foi
também muito pragmático na forma como lidou com a crise diplomática maior da Coreia do
Norte.
Não houve, de facto, resultados espectaculares, mas sim uma abordagem correcta, pragmática
e moderada dos problemas.
O que está a dizer aplica-se também à forma como lidou com as grandes potências que são
hoje os novos actores internacionais?
Também aí me parece que merece aprovação. E refiro-me tanto aos aliados europeus da
NATO e ao Japão, como aos chamados poderes em transição - a Rússia, a China e a Índia.
Mesmo que não tenha havido resultados espectaculares, começou a estabelecer os
fundamentos para o futuro. E isso é muito para apenas um ano.
Pensa que, com o que fez até agora, já mudou efectivamente a agenda internacional? Muita
gente diz que, em muitas desses domínios, Obama se limitou a dar continuidade às políticas do
seu antecessor?
Eu avalio-o por critérios realistas. Práticos. Nunca fui um grande entusiasta da sua presidência,
mas não sou hoje tão crítico como outros precisamente porque uso esses critérios realistas e
plausíveis e não espero mais do que isso.
E isso também quer dizer que algumas das políticas de Bush não eram assim tão más e que a
sua herança não era assim tão pesada. Depende das questões em causa. Por exemplo, na
forma de lidar com o Iraque, creio que a política de Bush se tornou bastante boa no final. E
penso, por isso, que é um sinal de grande maturidade política por parte do Presidente Obama
ser capaz de seguir essas políticas, nos casos em que elas eram consistentes, mesmo quando
está a tentar estabelecer um caminho diferente para a política externa americana. Dou-lhe
crédito por isso, mesmo que esteja de acordo com o que disse - que, em alguns casos, ele
continua a lógica de Bush.
Devemos olhar para as coisas que fez também em termos de uma visão de longo prazo?
Pensa que está a construir as bases para uma diferente relação dos EUA com o mundo?
Realisticamente, não sei se isso é possível ou se as coisas devem pôr-se desse modo. Se
olhar para as políticas de George W. Bush em relação à Ásia, elas eram bastante populares
nos principais países da região.
O simples facto de Bush já não estar na Casa Branca já é uma mudança importante. De algum
modo, o estilo de Obama é mais próximo do de Bill Clinton e do primeiro Presidente Bush.
George W. Bush foi muito controverso sobretudo por três ou quatro decisões que tomou: no
Iraque, em Guantánamo e nalguns aspectos da guerra ao terror. Não quer dizer que tenha feito
tudo mal. E seria um erro tentar mudar cada um dos aspectos da sua política externa - tal como
o próprio Bush fez em relação ao seu antecessor, passando de um extremo para o outro.
Houve casos em que a sua política esteve certa. E a melhor maneira de lidar com isso é ir
fazendo mudanças graduais.
Também é importante reconhecer que um Presidente não pode fazer tudo ao mesmo tempo.
Obama já é criticado por tentar fazer demasiado. Se ele sentisse a necessidade de deitar
imediatamente pela borda fora tudo o que Bush fez, isso tornaria a sua tarefa ainda mais difícil
porque teria ainda mais questões para lidar ao mesmo tempo.
De uma forma geral, a noção de que ele devia pôr de lado tudo o que herdou nem sequer faz
sentido.
O Economist dizia recentemente que chegou para Obama o momento de "vestir as luvas de
boxe". O seu estilo racional e mais conciliador pode estar a dar o sinal errado, como dizem
alguns dos seus críticos?
Não. Já lhe falei da forma como ele encarou as duas guerras com enorme determinação -
mantendo basicamente aquilo que Bush estava a fazer no Iraque, triplicando as forças de
combate americanas no Afeganistão, duplicando em vários domínios o nosso compromisso
com o Paquistão - duplicou a ajuda americana, apoiou a democracia, manteve e intensificou os
ataques com os drones (aviões telecomandados) que Bush tinha iniciado. Se olhar à sua volta,
claro que há áreas em que tentou ser mais construtivo e conciliatório - por exemplo, com a
Rússia. Mas, de uma maneira geral, tem sido baste determinado. Posso acrescentar a forma
como está a lidar com o Irão e a Coreia do Norte, embora, nestes dois casos, seja ainda muito
cedo para lhe dar crédito por ter conseguido verdadeiros avanços. Mas houve em todos eles
uma abordagem muito pragmática e muito consistente.
Se olharmos para as políticas, e não apenas para a retórica, penso que é muito claro que ele
se tem mostrado bastante resoluto. Triplicar as forças de combate no Afeganistão é um sinal
muito significativo de que este Presidente não tem medo de tomar decisões.
As grandes democracias emergentes - o Brasil, a Índia, a Turquia -, que saudaram a sua
eleição, não se têm mostrado muito cooperativas quando ele tenta construir algo de novo na
ordem internacional. Como é que interpreta este facto?
Não tenho a certeza do que quer dizer com isso. O Presidente Obama não está a concorrer a
um concurso de popularidade. Está a tentar enfrentar os grandes problemas mundiais. Se o
Brasil tem um problema específico para resolver com ele e acha que ele não lhe está a dar a
devida atenção - tudo bem. Mas a noção de que Obama deve a cada país do mundo ou a cada
grande democracia emergente uma atenção permanente e especial não faz qualquer sentido.
Prestar atenção a esses países apenas para que se sintam bem não é a forma de um
Presidente americano fazer política externa.
Ele tem de concentrar-se nas grandes questões - nos grandes desafios e nos grandes
problemas. Que não são poucos. Mas a verdade é que, nas questões-chave com as quais
esses países estão preocupados, creio que Obama está a tentar mostrar-lhes a sua atenção.
Na Europa, por exemplo, há esse sentimento de que o Presidente Obama não presta a devida
atenção aos aliados. Que se preocupa sobretudo com a Ásia. Trata-se de um complexo dos
europeus ou há de facto uma forma diferente de olhar para o mundo?
A função de Obama não é fazer as pessoas sentirem-se bem. A sua função é resolver os
problemas. A Europa queria sentir-se mais importante do que era antes? Não é essa a forma
como Obama deve conduzir a sua política externa. Deve concentra-se em tornar o mundo mais
seguro e mais próspero, em restaurar o crescimento económico mundial, em conduzir as
guerras e as crises que temos diante de nós e em lançar os fundamentos para um futuro mais
sólido. Claro que isso requer alguma atenção aos aliados. Creio que os aliados têm de ser um
pouco mais justos. Obama tem uma agenda carregada. Prestar-lhes mais atenção? Não é
assim que o mundo funciona.

Balanço
52% dos americanos aprovam a acção de Obama em Janeiro 2010. Em Fevereiro 09, a taxa
de aprovação estava nos 69%
114.000 tropas no Iraque em Dez. 09. Um ano antes eram 145.000. No Afeganistão é o
inverso: 70.000 em Dez. 09, 31.000 um ano antes
10% de taxa de desemprego em Dezembro 09 (últimos dados disponíveis). Em Janeiro 09, a
taxa estava nos 7,4%
Obama, primeiro aniversário
Ainda não há razões que cheguem para deixarmos de acreditar em Barack
Obama

As expectativas eram tão altas e o mundo estava em tamanha desordem que a desilusão era
inevitável. Um ano depois de nos ter prometido uma nova era, Barack Obama desceu à terra. A
dura realidade, doméstica e internacional, encarregou-se de comprovar que não fazia milagres.
Desfizeram-se alguns dos equívocos da sua eleição. Para os que acreditavam que seria o
"Presidente da Amnistia Internacional", Guantánamo continua a ser uma afronta. Para os que
viam nele um pacifista, ele é o Presidente da guerra no Afeganistão. Para os que apostavam
em que não seria muito diferente de Bush, a prova está feita - em Cabul ou em Bagdad. Os
"neocons" já o podem acusar de apaziguador - parece que ninguém quis aceitar a sua mão
estendida.
Começou o tempo de cobrança sobre o que fez e o que não fez e o que conseguiu fazer
apenas em parte. E, no entanto, ninguém lhe poderia exigir que mudasse a América e que
mudasse o mundo em 12 meses. Internamente, Obama escolheu o combate mais difícil. Fez
aquilo que nenhum Presidente conseguira fazer até agora: alargar o direito à saúde a quase
todos os americanos. E seria injusto dizer que o mundo não é hoje outra coisa. A sua eleição e
a promessa de uma nova forma de liderança americana, anunciada em palavras e em actos,
fizeram maravilhas à imagem da América. Os EUA passaram a ser de novo a nação mais
admirada do mundo. Faltam resultados? Precisa de luvas de boxe? Não passa de um Carter?
Ainda pode ser um Kennedy? O mais avisado é evitar os julgamentos definitivos. E levar em
conta que ele é o Presidente dos Estados Unidos, cuja missão é garantir o regresso da
liderança americana. Se o conseguir nos termos em que prometeu, então o mundo será um
lugar melhor. Mesmo que só depois de amanhã. Ainda não há razões que cheguem para
deixarmos de acreditar.

Feliz aniversário, Sr. Presidente


Por Teresa de Sousa?

Há um teste interessante ao impacte extraordinário da sua eleição. Quem se


lembra hoje do mundo segundo George W.?

1.Cumpre-se hoje o primeiro aniversário daquele dia magnífico em que o mundo contemplou a
chegada de Obama à Casa Branca. E, no entanto, parece que já passou uma década. A
esperança "extravagante", como lhe chama Jean-Marie Colombani, que a sua eleição suscitou
nos quatro cantos do mundo resiste mal à dura realidade das coisas e da vida. A montanha de
problemas que tinha à sua espera - poucos presidentes, desde a II Guerra, receberam uma
agenda tão pesada - apenas se moveu ligeiramente. A sua capacidade de inspirar e de
mobilizar dilui-se contra os números tremendos do desemprego na América ou contra a
resistência taliban nas montanhas do Hindu Kush, exigindo-lhe uma frieza e uma ponderação
que puseram em maior evidência o seu lado racional. Por vezes, até a sua retórica parece que
perdeu o brilho. Os apoiantes impacientam-se com a falta de resultados. Os adversários abrem
garrafas de champanhe pela mesmíssima razão. Milhares de artigos escritos por milhares de
analistas procuram fixar o retrato do momento, oferecendo as teses mais contraditórias.
Sucedem-se os paralelismos históricos. E os veredictos. Nestes dias, o mundo parece girar
num turbilhão à volta do Presidente americano. Como se tudo dependesse dele. Como se tudo
lhe fosse exigido. Neste nosso mundo informatizado e globalizado, o imediatismo baralha por
vezes a compreensão e o raciocínio.
Mas há um teste interessante ao impacte extraordinário da sua eleição. Quem se lembra hoje
do mundo segundo George W.? Se colocarmos as coisas nesta perspectiva, seguramente que
o balanço do que fez e do que não fez será mais equilibrado e mais justo.
2.Barack Obama será provavelmente avaliado pela História pela forma como conseguir levar a
cabo a tarefa ciclópica de conduzir a América através de uma das mais profundas mutações
geopolíticas mundiais. Não basta dizer que esta é a maior crise mundial desde a Grande
Depressão. É preciso dizer que esta é uma crise estrutural do Ocidente, que desafia a sua
hegemonia política e a sua hegemonia económica e, por essa razão, também o modo de viver
dos seus cidadãos. Não basta dizer que o mundo assiste a uma gigantesca transferência de
riqueza e de poder do Ocidente para o Oriente. É preciso acrescentar que isso desafia a
América e as democracias ocidentais a reinventarem uma ordem mundial em que a vontade e
o poder dos outros têm de ser levados em conta. É preciso acrescentar também que isso
significa o fim da garantia de eterno progresso para os cidadãos ocidentais e o começo de uma
era de repartição mais equilibrada do bem-estar.
Seria errado e seria injusto avaliar Obama apenas pelo que conseguir fazer nas três ou quatro
zonas de conflito de resolução mais urgente. No Irão ou no Afeganistão, no Médio Oriente ou
na Coreia do Norte. Ou pelos empregos que salvou ou não salvou na América. O que importa
perceber é até que ponto ele começou a colocar as primeiras pedras de uma nova "grande
estratégia" que reconduza a América à liderança desta complexa e incerta transição. "Não se
trata só de resolver os problemas", escreve Joseph Nye. "O que ele está a fazer é a alterar o
contexto da resolução desses problemas."
Ouvimos o discurso do Cairo. Ouvimos o discurso de Praga. Não faz sentido tentar opor
"palavras" a "realizações". Faz sentido juntá-las.
3.Vale a pena prestar atenção ao que escreveu Zbigniew Brzezinski no último número
da Foreign Affairs, num artigo intitulado "From Hope to Audacity". "Ele repensou de alto a baixo
os objectivos da diplomacia americana", escreve o velho peso-pesado da política americana.
Inscreveu o curto prazo numa nova visão estratégica, mudando os parâmetros da não
proliferação com a sua opção pelo desarmamento nuclear, afirmando a sua vontade de fazer
da China um parceiro geopolítico, apresentando-se como um "mediador equilibrado" no Médio
Oriente, anunciando que o islão não é o inimigo e que a "guerra ao terror" não define o papel
dos EUA no mundo.
John Ikenberry, numa brevíssima prosa publicada num vasto dossier da American
Interest sobre o primeiro aniversário do Presidente, apresenta a mesma perspectiva. "A
questão é saber se a equipa de Obama está a conseguir articular uma "grande estratégia" que
responda aos grandes problemas globais". O professor de Princeton entende que sim,
definindo-a simultaneamente como "liberal e realista". Liberal, "na sua vocação com o
compromisso, o multilateralismo e o progresso". Realista, "na sua orientação para a contenção
do grande poder americano e a acomodação à nova realidade."
4.Quando tomou posse, o Presidente disse que a capacidade de liderança da América
dependia fundamentalmente de duas coisas. Da recuperação da sua boa imagem e da sua
credibilidade no mundo. Os Estados Unidos recuperaram o primeiro lugar entre as nações mais
admiradas do mundo, depois de terem caído para 8.º em 2008. Da sua capacidade "para
mostrar contenção" no uso do seu (ainda) imenso poder. Pode ser que alguns amigos e
inimigos interpretem isto como um sinal de fraqueza, antes talvez de perceberem que se
enganaram. Uma das coisas mais extraordinárias que Obama conseguiu fazer foi precisamente
estender a mão, desfazer a imagem de arrogância da América, sem pôr em causa a sua
determinação de liderar nem a confiança no seu imenso poder. Não faz mal nenhum que
queira pô-lo também ao serviço da humanidade. Foi sempre esse o lado luminoso da América.
Obama tem um longo caminho pela frente. Precisa de aliados que, até agora, não se têm
mostrado particularmente disponíveis. É esta, porventura, uma das maiores perplexidades
suscitadas pelo primeiro ano do seu mandato. Mas restam poucas dúvidas de que não seja
esse o caminho.
Muitas felicidades, pois, Sr. Presidente. Mesmo que não goste muito de falar nisso, o seu país
continua a ser a nação "indispensável". Como estamos de novo a ver no Haiti.Jornalista
Na América a ficção não supera a realidade
A sociedade mais rica do mundo exibe hoje recordes que nada têm a ver com a
prosperidade do passado. Barack Obama começa hoje o segundo ano de
mandato com uma taxa de desemprego de dez por cento e um cenário
estranho a uma superpotência - hoje, um em cada oito americanos recebe
dinheiro do Governo para comprar comida.

Por Simone Duarte, em Nova Iorque

George Clooney só entra em cena para demitir. Passa a vida a voar pelos Estados Unidos para
dar a funcionários de empresas a notícia que chefes menos corajosos preferem evitar. No ecrã,
fechado numa sala com cada um dos demitidos, Clooney ou Ryan Bingham, a personagem
que interpreta em Up in the Air (Nas Nuvens, que se estreia amanhã em Portugal), ouve a
reacção dos despedidos. É precisamente nesse momento que ficção e realidade se
confundem, tudo porque o realizador Jason Reitman resolveu contratar desempregados "reais"
da crise que abalou os mercados financeiros e a economia em todo o mundo para interpretar o
momento em que se é demitido. Cem foram entrevistados, 25 estão no filme, o primeiro a tratar
um tema que os americanos preferiam que fosse apenas uma ficção de Hollywood.
"O que George Clooney fez no cinema é o que eu faço todos os dias", diz ao P2 a directora de
recursos humanos de um dos cinco maiores bancos dos Estados Unidos, que prefere ser
identificada como Sara (não quer ter o seu nome verdadeiro publicado, nem mesmo num jornal
estrangeiro). Diz temer perder o emprego e, sorri, ter o George Clooney a demiti-la.
Neste último ano, por causa de uma reestruturação e da crise financeira, foram despedidos
quase dez mil funcionários no banco onde Sara trabalha. "Em geral, temos por regra despedir
uma pessoa de cada vez, mas houve dias em que entrava numa sala com 35 funcionários,
dava a notícia e marcava encontros individuais para depois. Não foi fácil." Mas o pior para
Sara, que trabalha há 15 anos em instituições financeiras, é saber que de Janeiro a Março os
bancos vão pagar os prémios aos seus empregados, prémios que baterão os valores recorde
de 2007. "Não faz qualquer sentido", diz. "Não tenho coragem de chegar a casa e dizer à
minha família que, um ano depois da queda e fim dos bancos de investimento Lehman
Brothers e Bear Stearns, do caso [Bernard] Madoff, vamos recompensar o mesmo
comportamento responsável pela crise que estamos a passar. E não são só os CEO
[presidentes dos conselhos de administração] que vão ganhar, são todos. Dá-me arrepios
pensar em tudo isto. Está na hora de Wall Street acordar e rever este esquema de
compensações."
Uma refeição por dia
Estamos a apenas três quilómetros de Wall Street. É sábado e chove no Lower East Side, em
Manhattan. A fila que aumenta apesar da chuva forte é de pobres, sem-abrigo,
desempregados. Estão à espera de uma refeição completa, de meatloaf (rolo de carne). "A
procura de um prato de comida aumentou em média 15 por cento desde que a crise estoirou,
no ano passado", explica ao P2 Steve Sakson, que chefia os voluntários que servem cerca de
300 refeições completas por dia, sempre à hora do almoço. Sakson chama a atenção para a
presença de mulheres e crianças na imensa sala lotada. "Quando elas aparecem é sinal de
que a situação é mesmo grave." Mas a principal diferença que Steve Sakson sente,
comparando este com outros períodos de crise, é a impaciência de quem vem à procura de
uma refeição: "As pessoas estão mais irritadas, frustradas e com raiva, à beira de um ataque
de nervos."
Quase 38 milhões de americanos, um em cada oito, recebem hoje os food stamps, as senhas
do governo para comprar alimentos. Um recorde desde que o programa começou em 1939. As
estatísticas oficiais apontam para uma taxa de desemprego de dez por cento, mais de 15
milhões de americanos. Em Novembro, chegou a atingir os 10,8 por cento - a mais alta taxa em
26 anos. Se somarmos os que desistiram de procurar emprego, os que foram forçados a
reformar-se e os subempregados (os que, como os vendedores ambulantes, têm uma
ocupação que escapa aos números da economia formal), o índice sobe para 17 por cento. As
estatísticas também mostram que os empregos que estão a crescer são os temporários.
Em Novembro de 2008, no início da crise financeira, Seth Megalaner, que chefiava a produção
de um canal desportivo de televisão, soube que ia perder o emprego, tal como 300 dos seus
colegas. Ficou quase um ano sem trabalhar até desistir da televisão e candidatar-se a um
emprego na Universidade da Pensilvânia. "Tive sorte porque a minha mulher conseguiu um
emprego antes de mim e deu para sustentar a casa e os nossos dois filhos", diz. Das pessoas
que trabalhavam na equipa de Seth nenhuma conseguiu arranjar um emprego a tempo inteiro.
"É tudo part-time", o que significa, noutras palavras, que não têm qualquer segurança laboral
ou benefícios, como o direito a um seguro de saúde.
A dupla recessão
Sara, a directora de recursos humanos, confirma a tendência. Quem perdeu o emprego no
banco está a demorar um ano ou mais a conseguir um novo trabalho. Antes da crise, demorava
em média dois meses. Há também os que não foram despedidos, só que, em vez de ganharem
dois milhões de dólares por ano (1,4 milhões de euros), passaram a receber 45 mil (pouco
mais de 31 mil euros). No banco onde trabalha, a maioria das novas contratações é de
temporários. "Contratamos uma agência e ela fornece os empregados", explica Sara. "Não há
qualquer vínculo e são mais fáceis de demitir."
O sindicalista Miguel de la Rosa está há um mês a protestar na Terceira Avenida, em
Manhattan, em frente ao prédio de uma empresa de restauração que mudou de donos e
imediatamente cortou os benefícios de oito empregados, todos hispânicos e negros (o índice
de desemprego na comunidade hispânica nos EUA é de 13 por cento e entre os negros sobe
para 16, acima da média nacional de dez por cento). "Eles cortam tudo para depois contratar
novos funcionários temporários sem qualquer benefício. Vamos ficar aqui até resolveremos a
situação", garante, mas a convicção de De la Rosa e dos oito colegas que tentam fazer barulho
no meio de Manhattan não parece preocupar os patrões.
A crise também afecta quem trabalha com imigrantes. O advogado Paul Feldman conta ao P2
que, pela primeira vez, a quota de vistos que os serviços de imigração disponibilizam todos os
anos para empregar estrangeiros, principalmente da área de tecnologia, não foi preenchida."Há
dois anos, em dois dias, em Abril, estava tudo completo. Pela primeira vez vejo que em
Dezembro temos vistos (os H1B) a sobrar. Não há emprego."
"A recuperação vai ser lenta e demorada", acredita o economista David Gold, professor da New
School University, em Nova Iorque. "Já estamos a falar no double dip, [cenário] depois da
recessão em que, quando achamos que já estamos a recuperar, caímos de novo na recessão."
Para o professor Gold, "o pacote de estímulos do governo (787 mil milhões de dólares,
qualquer coisa como 550 mil milhões de euros), que termina daqui a seis meses, não
conseguiu reactivar a economia nem encorajar a iniciativa privada". Lembra que economistas
como Paul Krugman já defendem mais um pacote e que isso, muito provavelmente, não vai
acontecer."O sistema financeiro está a abarrotar de dinheiro. Não se pode dar mais dinheiro
aos bancos porque eles vão segurá-lo. A única maneira de fazer com que eles dêem acesso ao
crédito é as pessoas comuns e os empresários começarem a pedir empréstimos para investir,
criar negócios, gerar empregos - assim as pessoas compram mais e movimentam a economia [
2/3 da economia dos Estados Unidos dependem do consumo]. Mas isso não está a acontecer
porque os americanos "comuns" estão com mais receio e sem dinheiro. Vivemos um ciclo
vicioso. Obama devia ter feito mais. Não fez o suficiente. Ficou preso à política bipartidária, aos
republicanos."
Sara, a directora de recursos humanos que trabalha para a banca, concorda com Gold no que
respeita aos receios do americano médio: "Não é que os americanos tenham perdido o
optimismo, mas estão mais hesitantes."
Uma pesquisa do diário TheNew York Times e da cadeia de televisão CBS divulgada no mês
passado mostrou os efeitos traumáticos que o desemprego começa a ter numa sociedade que
até há pouco tempo parecia viver numa bolha de prosperidade. Metade dos desempregados já
pediu dinheiro emprestado a amigos ou familiares e parou de ir ao médico (perdeu o seguro de
saúde associado ao emprego). Quarenta por cento garantem ter-se apercebido de que os filhos
começaram a ter menos aproveitamento escolar.
De volta ao ecrã, a personagem de George Clooney em Nas Nuvens revolta-se quando a
empresa decide usar a Internet para despedir trabalhadores (e cortar custos), uma tragédia
para Ryan Bingham, que almeja bater o recorde de milhas aéreas. No cinema, tudo não passa
de um fenómeno passageiro, não necessariamente com final feliz. Na realidade, o economista
David Gold acha que os americanos estão também longe de um happy end: "As pessoas que
perdem o emprego vêem as suas capacidades profissionais deteriorar-se e quanto mais tempo
passam sem emprego pior. As crianças que crescem com pais que não trabalham tendem a ter
problemas na escola, a ser mais violentas, e a transformar-se em adultos problemáticos." É por
isso que o economista defende que o custo da actual taxa de desemprego nos Estados Unidos
e do lento crescimento económico vai ser sentido durante décadas. "Não é um fenómeno
passageiro."

O que não aconteceu


por Paul Krugman, Publicado em 20 de Janeiro de 2010 | Actualizado há 11 horas

http://www.ionline.pt/conteudo/42744-o-que-nao-aconteceu

Um ano depois de ter tomado posse, Obama pode mostrar obra feita.
Provavelmente podia ter feito mais, podia ter ido mais longe, mas o
que não poderá nunca fazer é desistir

Ultimamente, há muita gente a dedicar-se a avaliar a estratégia política da administração


Obama. A opinião geral dos gurus parece ser que o presidente Barack Obama tentou fazer
de mais - e, especificamente, que devia ter posto a reforma da saúde de lado para se
concentrar na economia.

Não concordo. As dificuldades da administração Obama não resultam de ambição


excessiva, mas de erros de cálculo políticos. O estímulo foi demasiado fraco; a acção política
relativa à banca não foi suficientemente dura; e Obama, ao contrário de Ronald Reagan,
que também encontrou uma má situação económica no início da sua governação, não se
escudou das críticas com um discurso tendente a atirar a culpa para executivos anteriores.
Quanto ao estímulo, não há dúvida que ajudou. Sem ele, o desemprego estaria a níveis
muito superiores aos actuais. Mas o programa da administração não foi, claramente,
suficientemente forte para produzir aumentos da taxa de emprego em 2009.
Por que razão foi o estímulo insuficiente? Vários economistas (entre os quais me incluo)
apelaram a um estímulo substancialmente maior que aquele que a administração acabou
por propor. No entanto, segundo Ryan Lizza, da "New Yorker", os principais conselheiros
económicos e políticos de Obama concluíram, em Dezembro de 2008, que um estímulo
maior não era nem necessário em termos económicos, nem possível em termos políticos.

A análise política que fizeram pode ou não ter sido correcta, mas não há dúvida de que a
análise económica não o foi. Porém, o que os levou a essa conclusão não foi com certeza a
falta de atenção ao tema: nos finais de 2008 e princípios de 2009, era de longe a principal
preocupação da equipa de Obama. A administração não estava distraída; estava,
simplesmente, errada.

O mesmo se pode dizer da abordagem à banca. Alguns economistas defendem a decisão da


administração de não adoptar uma linha mais dura em relação à banca, argumentando que
os bancos estão a subir a pulso em direcção à saúde financeira. Mas a abordagem com luvas
de pelica ao sector financeiro veio reforçar o poder das mesmíssimas instituições que
provocaram a crise, sem conseguir revitalizar os empréstimos: os bancos intervencionados
têm estado a reduzir, e não a aumentar, os montantes de crédito concedidos. O que tem tido
consequências políticas desastrosas: a administração posicionou-se do lado errado da ira
popular, motivada pelas injecções salvadoras e pelos bónus.

Finalmente, quanto ao discurso, é instrutivo comparar o discurso de Obama sobre a


economia com o de Ronald Reagan. Muita gente já se terá esquecido, mas a verdade é que o
desemprego subiu em flecha durante a baixa de impostos de 1981 de iniciativa de Reagan.
Este, todavia, tinha uma resposta pronta para os críticos: tudo o que está a correr mal se
deve às más políticas anteriores. De facto, Reagan passou os primeiros cinco anos da sua
presidência em campanha contra Jimmy Carter.

Obama podia ter feito o mesmo - e, a meu ver, com bastante mais justificação. Podia ter
assinalado, por exemplo, que as dificuldades que a economia dos Estados Unidos continua
a enfrentar resultam da recusa da administração Bush de regulamentar a banca. Mas não o
fez. Talvez ainda sonhe colmatar o fosso que divide os dois partidos; talvez receie a ira dos
gurus que acham impróprio culpar o antecessor pelos problemas. Seja qual for a razão,
Obama deixou que o público esquecesse, com surpreendente rapidez, que as dificuldades
económicas não começaram na sua presidência. Um dos argumentos-chave dos que
pugnaram por um plano de estímulo de maiores dimensões era que não haveria uma
segunda oportunidade: se o desemprego se mantiver alto, avisaram, as pessoas chegarão
sempre à conclusão de que o estímulo não funcionou, nunca de que ele devia ter sido maior.
O que veio a comprovar-se. Para os eleitores democratas, a reforma da saúde foi de grande
importância. Alguns activistas ficaram desapontados com os compromissos necessários
para fazer passar a legislação no Senado, mas teriam ficado ainda mais desiludidos se os
democratas tivessem simplesmente falhado.

E agora? Neste momento, é provável que Obama não consiga fazer muito pela criação de
emprego. Mas pode bater-se duramente pela reforma financeira e procurar pôr-se do lado
certo da ira popular, descrevendo os republicanos como inimigos da reforma - e eles são-no.
Entretanto, os democratas têm de fazer todos os possíveis para conseguirem aprovar uma
lei sobre cuidados de saúde. Aprová-la não constituirá, para eles, uma tábua de salvação
política, mas não a ver aprovada constituiria certamente o seu ocaso político.

Economista Nobel 2008

Exclusivo i/The New York Times

Barack Obama 365 dias depois. Afinal o


Messias não desceu à terra
por Gonçalo Venâncio e Patrícia Silva Alves, Publicado em 20 de Janeiro de 2010 | Actualizado há 29
minutos

http://www.ionline.pt/conteudo/42751-barack-obama-365-dias-depois-afinal-o-
messias-nao-desceu--terra

Presidente completa primeiro ano na Casa Branca com uma das


mais baixas taxas de aprovação. Será que os americanos perderam a
fé?

Nas últimas semanas, Barack Obama tem sido bombardeado com a mesma pergunta:
"Senhor presidente, como avalia a sua prestação até ao momento?" Na auto-avaliação,
Obama mostrou não ser um homem de falsas modéstias: "Acho que mereço um sólido B+",
disse em entrevista à sua celebre apoiante, Oprah Winfrey. Muito perto da excelência,
portanto. Obama marca hoje o primeiro aniversário da sua Administração, mas terá razões
para comemorar? Há precisamente um ano, dois milhões de pessoas acotovelaram-se no
Mall, do Capitólio ao obelisco, para ouvir as dissertações sobre esperança e mudança do
novo presidente americano. Obama acabava de herdar duas frentes de guerra, uma
economia em colapso e o prestígio de um país pelas ruas da amargura. De Washington a
Nairobi, era tido como um novo Messias. Mas, como então sublinhou um dos seus
assessores mais próximos, Obama seria incapaz de "multiplicar pão ou peixes". 365 dias
passados desde a investidura, Obama desce à terra e os americanos brindam-no com uma
das mais baixas taxas de aprovação na história dos presidentes no final do seu primeiro ano
na Casa Branca: 50%.

Será que os americanos, e o mundo, estão a perder a fé em Obama? Não necessariamente,


diz Miguel Monjardino. "Durante a campanha eleitoral, o único presidente com que Obama
se comparou expressamente foi Ronald Reagan e isso mostra bem como Obama se via no
cargo: um transformador. É curioso que, no final do primeiro ano, Reagan estava
precisamente na mesma posição nas sondagens." Reagan acabaria por ser reeleito para um
segundo mandato e colocaria o seu nome na galeria dos mais influentes presidentes
americanos. Talvez por isso, assinala o especialista em Relações Internacionais do Instituto
de Estudos Políticos da Universidade Católica, "o primeiro ano de uma Administração não
seja o ponto ideal para antecipar o seu lugar na história."

Bernardo Pires de Lima, investigador universitário no campo das Relações Internacionais,


acredita que há duas maneiras de olhar para o primeiro ano de Obama: "Para os idealistas -
aqueles que pensavam que Obama ia defender os interesses do mundo - é uma decepção.
Para os realistas, e embora ainda seja cedo para aferir o impacto das suas medidas, Obama
conseguiu estabilizar a economia norte-americana e extinguir o pânico nos mercados."

Pânico é, por estes dias, uma palavra que paira no espírito de muitos democratas. 2010 traz
eleições intercalares para o Senado e o Partido Democrata pode perder a "super maioria
liberal". E se os americanos podem até nem ter perdido a fé no seu presidente, este, pelo
menos, já perdeu parte dos votos que o elegeram. Mas afinal, de onde vêm os problemas de
Obama? Como diria Clinton: It's the economy stupid.

Desemprego e Défice Em valores estratosféricos para os padrões americanos (10% de


desempregados; um défice recorde de 1,42 biliões de dólares, e a aumentar
consecutivamente nos últimos 15 meses), continuam a ser a maior dor de cabeça da
Administração. Ainda assim, justificáveis na opinião de Ricardo Reis. "Não se pode acusar
Obama de falta de coragem. É verdade que o défice público escalou como consequência do
combate à crise, parece-me uma opção razoável, embora preocupante", assinala o
economista da Universidade de Columbia para quem a prestação de Obama "não é
extraordinariamente positiva."

A reacção dos mercados tem sido "razoável" aos pacotes de salvamento da Administração,
embora Ricardo Reis critique a política seguida no último ano no sector financeiro: "Tem
sido uma postura de cruzar as pernas e esperar que as coisas acabem por melhorar. Todos
os problemas de há dois anos continuam a estar lá. As medidas aplicadas são arbitrárias."

A debilidade das contas públicas americanas ajuda a explicar porque um dos cavalos de
batalha de campanha se tornou impopular. "A reforma do sistema de saúde é muito pesada
do ponto de vista fiscal e não está no topo da agenda dos americanos, mais preocupados
com o desemprego e impostos. A coincidência dos custos desse sistema com a explosão do
défice fragilizaram ainda mais a Administração", diz Monjardino. "Obama precisa da
maioria dos votos do congresso para fazer passar os seus polémicos pacotes legislativos. E o
que parecia uma facilidade, devido à maioria democrata, revelou-se precisamente o
contrário" acrescenta Pires de Lima. A fé em Obama morreu dentro do seu próprio partido.

Força à oposição Para Monjardino, o grande problema de Obama - do ponto de vista


doméstico - é o défice de entusiasmo no Partido Democrata: Obama deu margem de
manobra política a senadores altamente impopulares e as reformas polémicas fizeram o
resto. Alienaram os independentes - a sua grande base eleitoral. Adivinham-se problemas
para o presidente em 2012, especialmente porque o ânimo cresce no chamado tea party
movement: um movimento tradicionalmente republicano, populista, céptico em relação a
Washington e que abomina impostos elevados. "Obama não foi suficientemente duro com
os seus adversários e abriu um espaço que foi ocupado ou por democratas muito à esquerda
ou por populistas conservadores" resume Monjardino.

Clark Kent ou Super-Homem Na arena internacional, Obama herdou os pesados custos


estratégicos da Administração W. Bush. Tentou reposicionar os Estados Unidos e fê-lo,
primeiro, do ponto de vista simbólico, anunciando o encerramento de Guantánamo. Nas
grandes opções estratégicas, salienta-se a abertura a Teerão que não teve efeitos práticos no
nuclear mas vai, para Monjardino, "continuar a provocar rupturas internas no Irão". O
Iraque desapareceu do mapa, a "Guerra Justa" no Afeganistão foi intensificada e tentou
acomodar as grandes potências. "Está a tentar comprar tempo e quer baixar a
temperatura." Por tudo isso ganhou um prémio Nobel da Paz. Mas para Bernardo Pires de
Lima, Obama tem mais de Kent do que de super-homem: "Porque um super--homem
nunca se enganaria num discurso de tomada de posse."

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