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Alexandre Teixeira

Decisões relativas a pessoas são as mais cruciais que os líderes têm de fazer. Elas têm impacto sobre todas
as atividades da companhia, estabelecem seus objetivos e determinam sua agenda. A regra se aplica a
todos os níveis de uma empresa, mas tem peso extra nos altos escalões. Quando escolhe um executivo
para comandar uma divisão de negócios, o CEO está elegendo um líder, cujo sucesso ou fracasso
dependerá da própria capacidade de tomar decisões – inclusive sobre pessoas. O chefe de divisão terá de
montar uma boa equipe, desenhar estratégias efetivas e enfrentar crises. Por isso, a escolha desse
hipotético chefe de divisão deve se basear numa avaliação sobre quão bem o executivo em questão tem
potencial para se sair em cada um desses desafios.

As avaliações não precisam ser explícitas, e, algumas vezes, são feitas de modo intuitivo, mas, para se
conseguir tomar uma sólida resolução sobre a probabilidade de sucesso de uma pessoa, o líder necessita
levar um amplo leque de aspectos em consideração. Tudo isso já seria complicado o bastante se
presidentes de empresas fossem máquinas de tomar decisões. E eles não. Não importa quão durões alguns
líderes possam parecer, todos eles têm emoções que interferem nos seus julgamentos. Como qualquer
indivíduo, CEOs adoram certas pessoas e detestam outras. E isso, naturalmente, dificulta a tomada de
decisões objetivas e justas.

Esta é uma discussão séria e foi tema de um estudo recentemente publicado pela MITSloan Management
Review. Por um lado, redes informais de tomada de decisões, sustenta o trio de autores encabeçado pelo
professor Rob Cross, podem enviesar sistematicamente os juízos feitos por uma empresa ou por uma
divisão dentro dela. Com frequência, os executivos em posição de tomar decisões enquadram os
problemas sobre os quais se debruçam sob a ótica de seus grupos de influência. Trocando em miúdos, se o
presidente tende sempre a decidir com base no que ele e seus dois ou três diretores mais chegados
pensam, o discernimento da empresa tende a estar prejudicado.

Por outro lado, os pesquisadores se surpreenderam ao notar que o processo de tomada de decisões
frequentemente é prejudicado não pela dificuldade de reunir as pessoas certas, mas por excesso de
colaboração. Talvez para evitar “panelinhas”, muitas empresas sacrificam a velocidade em busca de
complicados consensos. Resultado: as decisões “envolvem gente demais, demandam atenção demais da
cúpula da empresa e sofrem revisões demais”. O estudo do MIT cita o caso de uma indústria farmacêutica
que, para tomar uma decisão de compra avaliada em US$ 39 mil, gerou custos de US$ 17 mil em horas
trabalhadas neste processo.

Parece óbvio, mas uma das formas de se ter boa oferta de gente na empresa capacitada para decidir é
começar pelo recrutamento. A companhia área americana de baixo custo Southwest, por exemplo, tem
uma lista de sete critérios para admissão de funcionários. E uma delas é justamente “capacidade para
tomar decisões”. A partir daí, trata-se de treinar, estimular e promover os melhores. Napoleão Bonaparte é
apontado por Stuart Crainer, autor de As 75 Melhores Decisões Administrativas de Todos os Tempos,
como “o primeiro líder a criar uma meritocracia, reconhecendo que a competência era mais importante do
que a linhagem. Sua grande decisão foi promover as pessoas com base no mérito”. Oriundo da classe
média, Napoleão rompeu com o sistema de promoção hereditária de nobres, muitas vezes incapazes. Para
ele, as carreiras deveriam estar “abertas aos talentos, sem distinção de origem ou de posição social”.

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O conceito de meritocracia evoluiu através dos séculos e foi assim repaginado por Jack Welch no relatório
anual da GE para 1997: “A realidade é que devemos montar equipes constituídas apenas por jogadores do
tipo A”. Por “tipo A”, entenda-se “um homem ou uma mulher com visão e capacidade de articular essa
visão para a equipe. Um líder A possui enorme energia pessoal e, além disso, a capacidade de contagiar os
outros e extrair-lhes o máximo, habitualmente em uma base global. Um líder A também precisa ser ríspido:
ter instinto e coragem de fazer exigências desagradáveis – de modo decisivo, mas com imparcialidade e
absoluta integridade.”

Welch só pode ser tão exigente quanto aos líderes que queria na GE porque encontrou na companhia o
lendário Instituto de Desenvolvimento de Administração, criado em 1956 em Crotonville, Nova York.
Durante sua longa carreira de CEO, Welch visitou e lecionou regularmente no instituto. “O instituto em
Crotonville significa que o desenvolvimento do quadro funcional é uma tarefa muito importante para ser
delegada a escolas de administração ou a empresas de treinamento”, afirma Stuart Crainer no livro As
Melhores Decisões Administrativas de Todos os Tempos. Nos anos 90, o modelo de Crotonville virou
moda, e as universidades ligadas a empresas proliferaram. Mas nos anos 50 essa era uma ideia
revolucionária. “Olhar para o futuro e criar a próxima geração de executivos é um papel central da
liderança”, afirma Crainer. “Permitir um ‘vácuo’ no poder não denota uma liderança eficiente.”

Estudo de caso: Os acertos (e um erro) de A.G. Lafley na escolha de uma líder dentro da Procter &
Gamble

Na manhã de 6 de junho de 2000, A.G. Lafley estava em São Francisco. No momento em que o
diretor-geral da empresa mundial de cosméticos Procter & Gamble, com então 52 anos de idade, entrou
numa reunião marcada para as nove da manhã, o seu celular tocou. O telefonema vinha da matriz da P&G
em Cincinnati. Quem havia feito a chamada era John Pepper, um agora aposentado presidente da
companhia. A mensagem dada a Lafley era breve: venha para casa. Imediatamente.

No momento em que Lafley tomou as rédeas em suas mãos, a P&G havia se transformado em uma grande
confusão. Seu antecessor imediato, Durk Jager, fora forçado a renunciar depois que seus planos agressivos
de reinvenção da empresa por meio do lançamento de novos produtos e aquisição de novos negócios
fracassaram. A reorganização global proposta por ele havia confundido e desmotivado milhares e milhares
de funcionários. A empresa perdera o rumo, e suas ações haviam despencado cerca de 50% no primeiro
semestre de 2000. Jager, por sua vez, agira deste modo depois do pálido desempenho de seu antecessor,
John Pepper, que assistira impotente ao envelhecimento da carteira de produtos da Procter.

Lafley tinha de encontrar uma terceira via, que empurrasse a P&G de volta para o futuro sem, para isso,
submetê-la a uma turbulência incontrolável. Sua aposta, como se depreende do depoimento dado a Tichy,
foi em uma gestão focada em pessoas:

-- O que eu de fato estava pensando naquele longo voo de volta de São Francisco, quando tive quatro
horas para pensar só comigo mesmo, era que tínhamos uma equipe muito boa. Alguns eram indivíduos que
estavam desmotivados por várias razões. Mas eu honestamente pensava que a equipe tinha talento e muita
experiência. Mas, de repente, durante os meus primeiros 100 dias no cargo, caras que pareciam muito
bons como colegas não pareciam ser capazes de ter a mentalidade correta para assumir as difíceis escolhas
e decisões que necessitaríamos fazer e de passarem para outro nível, atuando cooperativamente numa
equipe. E ficou claro que tínhamos outros recém-chegados com mais apetite para realizar mudanças e
mais coragem para tomar difíceis decisões.

Nos dois anos seguintes, mais da metade dos 30 principais executivos da P&G deixaram a empresa ou
foram transferidos para outras funções.

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Uma das principais decisões tomadas pelo CEO naqueles primeiros meses foi escolher Deb Henretta para
comandar a linha de produtos para cuidados do bebê. Sua escolha surpreendeu muita gente, visto que ela
não tinha experiência nenhuma na área. Mas não era de experiência que a posição carecia.

A unidade de cuidados do bebê era a segunda maior da Procter, depois da de lavanderia, mas perdera a
liderança de mercado para a Kimberly-Clark devido a uma barbeiragem de marketing. A líder histórica do
segmento de fraldas descartáveis era a marca Pampers, da Procter, dona de aproximadamente 65% do
mercado. Graças a uma inovação tecnológica, a P&G foi a primeira a introduzir nos EUA as fraldas com
formato anatômico. Mas não com o nome Pampers e sim com uma nova marca, a Luvs – que se revelaria
algo como um sucesso desastroso. “Da noite para o dia, [a Luvs] tomou quase 30% do mercado. Mas
estávamos, é claro, cometendo um cruel ato de canibalismo”, relatou Lafley. A participação da Pampers
caiu para 25%. Entre as duas, entrou a marca Huggies, da Kimberly, a segunda a adotar as fraldas
anatômicas, seguida, a contragosto, pela própria Pampers. “Quando a poeira assentou, eles tinham a maior
marca. Nós tínhamos a maior empresa (no total), porém tínhamos dividido nossas forças. Enfraquecemos
a nossa posição.”

Ao estudar o ocorrido (e herdar o estrago feito), Lafley identificou o problema. “Percebi que éramos
tecnicamente competentes na linha de cuidados do bebê”, disse ele a Tichy. “Só que eram os caras das
máquinas, os caras da fábrica e os engenheiros que estavam dirigindo o espetáculo. E o nosso problema
era no nível do consumidor.” A unidade, portanto, precisava de uma nova estratégia e, para isso, carecia
de uma nova liderança. Mais precisamente, daquilo que se costuma chamar de líder transformacional.
Nada melhor, portanto, do que alguém de fora da divisão, capaz de ver o negócio com outros olhos.

Com ajuda do diretor de RH, Lafley elaborou uma lista de candidatos, rapidamente encabeçada por Deb
Henretta. Ela foi avaliada pelo seu desempenho anterior na companhia e por suas habilidades para tomar
decisões relativas a pessoas, estratégias e crises. Ao final do processo, o CEO concluiu: “Ela é uma pessoa
da divisão de produtos para lavagem e limpeza de roupa, mas sei o que ela realmente é. Uma líder rigorosa
e decidida. Ela é ótima para entender os consumidores e ótima para construir programas inovadores. E é
disso que precisamos”. Pronto, estava decidido. Mas não do modo certo.

Lafley não precisava de muita ajuda de seus colegas na cúpula da empresa para fazer a escolha. Mas ao
não consultá-los, perdeu a oportunidade de alinhá-los em torno da executiva. Que, ao contrário do CEO,
precisaria de todo o apoio que pudesse encontrar. Por excesso de auto-confiança, Lafley ignorou o
aspecto político das decisões que envolvem pessoas e melindrou os demais altos-executivos que
porventura tivessem suas preferências para o preenchimento do cargo. Resultado: no dia do anúncio do
nome de Deb, houve um princípio de rebelião na Procter.

Diante do descontentamento palpável, o presidente reuniu a diretoria e convidou cada um de seus


subordinados diretos a expor os motivos que os levavam a preferir outros candidatos. Ao final da lavagem
de roupa suja, o presidente expôs seus motivos. “Lafley não esperava mudar de idéia em função da
reunião e ele não mudou”, afirma Tichy. Fez apenas o que deveria ter feito antes do anúncio: ouviu seus
colaboradores mais diretos e lhes deu satisfações respeitosas.

“Eles achavam que ela era de outro mundo porque ela falava em consumidores. Ela estava falando sobre
a maneira de se criar um programa inovativo a fim de atrair o consumidor”, Lafley relataria mais tarde.
“Estávamos gerenciando uma operação que tinha uma máquina como chefe. Precisávamos de uma
operação onde o consumidor fosse o chefe.” Devido à resistência interna a Deb, o CEO se viu forçado a
lhe dar o suporte político necessário. “Eu tinha um pacto com ela no sentido de que, se ela necessitasse
tirar alguém, ela me falaria e nós o faríamos”, afirmou ele. Desse modo, Lafley evitou o erro, comum
entre presidentes de empresas, de ocupar-se da decisão mas não estar por perto na hora da execução.

No final, Deb venceu a resistência às mudanças, montou uma nova equipe e formulou uma nova estratégia
que deu novo ânimo à unidade de cuidados do bebê. Graças a seu desempenho, a executiva foi
promovida, primeiro, à chefia dos negócios da P&G no Sudeste Asiático e, em seguida, à direção-geral do
grupo em toda a Ásia.

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Graças a decisões como esta, Lafley entrou para a história como o líder por trás da reinvenção da Procter.
Em seis anos sob seu comando, a companhia viu suas ações valorizarem mais de 58%. Foi uma fase de
aquisições de alto impacto, como as da Clairol e da Wella, no mercado de produtos para cabelo, e
principalmente a da Gillette – uma transação de US$ 57 bilhões de dólares fechada em 2005. No fundo,
suas principais tacadas, incluindo a compra da Gillette, seguiram o rumo esboçado por Jager, seu
antecessor. A diferença se deu na capacidade de execução demonstrada por Lafley, e não por seu
antecessor. E tal capacidade foi conquistada, em boa medida, por meio de um melhor trabalho de seleção
de líderes para a companhia.

Duas qualidades são essenciais para o exercício do bom discernimento: o caráter e a coragem. O que
significa ter caráter? Significa ter valores. De forma bem crua, significa ter parâmetros claros quanto ao
que você está ou não está disposto a fazer em nome de seus objetivos. Mas não só isso. O caráter também
significa colocar o bem maior da organização, ou da sociedade, à frente dos interesses de ordem pessoal.
Do contrário, seria legítimo argumentar que CEOs como Andy Fastow, da Enron, e Bernie Ebbers, da
WorldCom, foram executivos bem-sucedidos, na medida em que acumularam dinheiro e poder antes de
caírem em desgraça. Mas não. Ter caráter como líder significa, no mínimo, aceitar a responsabilidade e
suas conseqüências. Sem um bom caráter, sem uma forte fibra moral e um sincero desejo de se colocar o
bem maior acima dos ganhos pessoais, o discernimento do líder irá se perder em meio àquilo que for mais
pragmático e vantajoso.

Se o caráter é o freio, a coragem é o acelerador necessário para superar obstáculos. E sempre haverá
obstáculos. Os recursos serão sempre limitados, o que exige coragem para tomar decisões orçamentárias
mais difíceis. E garantir que elas sejam cumpridas. Demitir funcionários, por exemplo. Como no caso
extremo de Lou Gerstner, que em seu primeiro ano como CEO da IBM, eliminou nada menos que 60 mil
empregos. Ou do brasileiro Ricardo Semler, que em seu primeiro diana presidência da Semco demitiu 60%
da diretoria executiva da empresa. Em qualquer decisão mais difícil, sempre haverá pessoas que irão
discordar. Cabe ao líder conhecer as posições das partes interessadas e trabalhar para manter a equipe
coesa. Mas não raro é necessário identificar e eliminar grupos rebeldes, que insistem em contestar
decisões depois delas serem tomadas.

Em resoluções mais importantes, sempre existe um certo perigo. Claro, se não houvesse risco a tomada de
decisão não seria relevante a ponto de ser confiada ao principal executivo. Mas é por temor ou
incapacidade de correr riscos que muitos líderes fracassam. Ao não decidir, eles permitem que a empresa
caia na imobilidade e, não raro, acabam atropelados pelas mudanças de cenário.

Às vezes, a paralisia é fruto de um estilo autoindulgente de crescimento. Isso acontece, por exemplo,
quando empresas que tiveram sucesso justamente por serem ágeis se permitem contratar pessoal extra,
tornam-se pesadas e lentas na tomada de decisão, sobretudo quando atingidas por mudanças no mercado.
É o que o ex-diretor de operações da Microsoft, Robert Herbold, chama de “armadilha do gerenciamento
excessivo” no livro Seduzido Pelo Sucesso. Outras vezes, o êxito obtido no passado transforma líderes
arrojados em burocratas conservadores, mais preocupados em preservar o modelo de negócios que os
tornou vitoriosos do que em preparar suas empresas para o futuro.

Estudo de caso: Como a Kodak perdeu o passo na evolução da fotografia e na transição para a era digital

“Encontrar o momento certo para desenvolver um modelo de negócio novo ou uma iniciativa nova

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importante pode ser bem difícil”, escreve Robert Herbold, em Seduzido Pelo Sucesso. “A Kodak é um
bom exemplo disso.”

Seus problemas começaram com a explosão da fotografia digital na segunda metade da década de
90. E o conseqüente ataque frontal à empresa líder do mercado de filmes. A primeira reação da Kodak foi
o lançamento de um sistema híbrido chamado Advantix, um fiasco, naturalmente punido com severidade
pelo mercado. Entre 1997 e 2003 – o ano em que a ficha da crise caiu –, o valor das ações da companhia
caiu de 80 para 30 dólares. Só então, junto com um corte de 72% nos dividendos, a Kodak anunciou um
investimento de US$ 3 bilhões em fotografia digital. Levando em conta o atraso de quase uma década na
tomada dessa decisão, os investidores penalizaram a empresa com uma queda de mais 14% depois do
anúncio. No final de 2005, suas ações valiam 24 dólares a unidade.

Não se pode dizer que a Kodak não viu a onda se aproximando. Dois anos antes, Dan Carp, um
executivo que fizera toda a sua carreira na empresa e ocupava então o posto de CEO, fez uma declaração
que se tornaria lendária: “Eu vi minha primeira câmera digital há 20 anos (...) e soube desde então que
essa empresa se transformaria”. O diagnóstico estava certo, evidentemente – mas àquela altura a
companhia já vinha sendo atropelada pela concorrência havia quase dez anos. Faltou o que Noel Tichy
chama de coragem para decidir.

Não estamos falando aqui de uma empresa qualquer. Entre os anos 80 e a primeira metade dos 90,
a Kodak foi líder mundial em vendas (e revelações) de filmes fotográficos. Naquela época, frequentava a
lista das 10 melhores empresas da Fortune. Seu infortúnio foi ser esmagada entre duas forças quase
simultâneas e opostas: a guerra de preços promovida pela Fuji, uma concorrente imbatível em custos, e a
revolução da imagem digital. Por outro lado, seu drama interno foi não ser capaz de reagir às ameaças,
como um sapo aquecido lentamente numa panela. Prensada entre a Fuji e novas concorrentes do mundo
da informática, a companhia, literalmente, encolheu. Seu faturamento, que na primeira (e distante) metade
da década de 90 chegara à casa dos US$ 19 bilhões anuais, fechou 2002 reduzido a US$ 13 bilhões.

Uma reportagem publicada pela Business Week em 2003 explicita os riscos da falta de coragem
para tomar decisões de caráter estratégico. Explicando a reação muito negativa ao anúncio de que a
Kodak finalmente ia investir alguns bilhões na revolução digital, a revista afirmou: “O problema é que,
após anos de decepções, os investidores têm pouca confiança na capacidade de Carp [o então CEO] e de
sua administração para gerar resultados (...) “O problema não é que Carp tenha a visão errada, mas, sim,
que ele esperou a situação se complicar demais para resolvê-la.”

Valeria acrescentar que a empresa que um dia simbolizou a fotografia subestimou a velocidade com que o
mercado mudaria do filme para o digital. E foi, de fato, uma transformação velocíssima. Só em 2001, as
vendas de câmeras digitais cresceram 30%. Mas a cúpula da Kodak não se convenceu de que não havia
tempo a perder – como fica claro neste comentário da revista The Economist: “Em 2003, Dan Carp supôs
que o setor de filmes cairia uns 10% ao ano nos EUA e 6% no mundo. Na realidade, é provável que recue
30% neste ano [2005] nos EUA e 20% no ano. Parece que o mundo está mudando mais rápido que a
Kodak.” E estava mesmo. “Diante desses problemas, não houve surpresa quando, em maio de 2005, Dan
Carp deixou o cargo de CEO”, escreve Herbold, em Seduzido Pelo Sucesso. A companhia fechara o
primeiro trimestre daquele ano no vermelho.

Para o lugar de Carp, a Kodak recrutou Antonio Perez, um veterano da HP. Assim que percebeu que o
ritmo de deterioração da Kodak estava subestimado, o novo presidente anunciou, publicamente, que a
reestruturação da empresa teria de ser maior do que a proposta por seu antecessor. Como quase sempre
acontece nesses casos, a gigantesca conta cobrada pelo erro foi dramaticamente cara. Vinte e sete mil
funcionários foram demitidos, quase metade da força de trabalho da companhia.

As consequências do atraso na virada estratégica perduram até hoje. No final de março, a Kodak cortou
300 empregos no Colorado, com o fechamento de duas linhas de produção (uma delas de embalagens para
filmes...) na cidade de Windsor. Ao mesmo tempo, surgiram notícias de que a Kodak está conversando
com a Sprint sobre um projeto não especificado envolvendo transmissão de dados por redes sem fio.

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Quando cruzadas, as duas informações indicam que a empresa – depois de todos estes anos – ainda está
trocando sua pele de celulose por outra digital. O marketing e a força de vendas da companhia se dedicam
hoje a diversos serviços interativos com fotos e produtos como o Kodak Picture Movie DVD, um meio
moderno e barato de se compartilhar álbuns digitais, ou câmeras de vídeo.

Mesmo assim, há quem veja a posição de Antonio Perez ameaçada, como os blogueiros do
WallStreet.com. Um deles, Jon Ogg, sugere que somente alguém com experiência em operar uma empresa
grande em um setor ameaçado de extinção – como um CEO de empresa de cigarros – poderia comandar a
Kodak com sucesso. As projeções indicam que o faturamento da companhia deve cair em 2009, pelo
quarto ano consecutivo. Analistas dizem que a Kodak precisa atingir consumidores mais jovens, que
respondem pela maior parte das vendas de artigos tecnológicos. Em um de seus últimos comentários
públicos, porém, Perez disse que está de olho em outro público: mães de crianças que jogam futebol. Elas,
supostamente, gastam muito dinheiro imprimindo as fotos de seus filhos em campo.

Ainda em março, a Kodak foi incluída na lista das empresas americanas com maior risco de dar default, ou
seja, de ficar insolvente. Mas negou, por meio de um porta-voz, que esteja ameaçada. “Qualquer
especulação, ainda que bem informada, sugerindo que a Kodak é menos que saudável financeiramente é
irresponsável”, disse David Lanzillo. “A Kodak é financeiramente sólida, e nós estamos tomando as
providências necessárias para continuar sendo um concorrente forte e resistente.” Não é o que pensa a
agência classificadora de risco de crédito Standard & Poor’s, que rebaixou a nota da Kodak de “B” para
“B-”. Para completar o inferno astral de março, a coreana Samsung acusa a Kodak, na justiça americana,
de violar patentes de câmeras digitais.

É irônico. A Kodak inventou a fotografia digital mas ignorou a inovação por medo de canibalizar o
negócio de filmes. Essa decisão assombra a companhia até hoje. Dan Carp, hoje presidente do conselho,
ofereceu recentemente uma explicação para tanta vacilação. “Quando você tem uma posição de liderança
em um negócio que cresce e é altamente rentável, mudar prematuramente deixa um monte de dinheiro
sobre a mesa”, disse ele no Clube de CEOs de Boston. A experiência da Kodak prova que mudar
tardiamente pode ser ainda pior.

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