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COM
PREOCUPADO COM OS CALVINISTAS
WILLIAM LANE CRAIG

PERGUNTA

Dr. Craig,

Estou incomodado com a quantidade massiva de calvinistas que vejo que são
líderes cristãos incrivelmente inteligentes e confiáveis. O que quero dizer é que, muitos
parecem ser capazes de grandes análises (muito além de mim mesmo), mas parecem
enfiar sua cabeça na areia quando se trata do problema do mal. Se não o fazem, então
eles tendem a fazer de Deus um ser auto-contraditório. Porque você acha que isto é
assim?
Estou também pessoalmente incomodado em ver tão poucos líderes aderindo ao
Molinismo. Parece-me que ele responde a mais perguntas e cria menos problemas.
Compreendo que isso pode ser complexo, mas não acho que deveríamos descansar
sem lidar com o problema do mal. Eu não baseio o que acredito nas crenças dos outros,
mas não podemos ignorar a influência que os outros têm em nossas vidas, ou o desejo
de termos um lugar-comum com outras pessoas quando se trata desses pensamentos.
Enfim, gostaria de sua opinião... como sempre faço.

Obrigado,
Gordon.

DR. CRAIG RESPONDE

Eu acho que você está certo, Gordon, quando diz que uma grande quantidade de
líderes cristãos inteligentes e piedosos são reformados, ou seguidores de João Calvino,
em sua teologia. Atualmente estou participando de um livro com quatro pontos de
vista sobre a providência divina, junto com um par de teólogos reformados. É evidente
a partir de suas contribuições que, apesar dos enigmas intelectuais suscitados pela
visão Reformada, ambos a abraçam porque estão convencidos de que ela representa
mais fidedignamente o ensino da Escritura sobre o assunto, sendo a Escritura a única
regra autoritativa de fé.

Na verdade, eu não tenho nenhum problema com certas formulações clássicas da


visão Reformada. Por exemplo, a Confissão de Westminster (secção III) declara que...

Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua
própria vontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém
de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da
criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes
estabelecidas.

Agora, é precisamente nisso que o Molinismo acredita! A Confissão afirma tanto a


pré-ordenação de Deus de tudo o que vier a acontecer como a liberdade e a
contingência da vontade da criatura, de forma que Deus não é o autor do pecado. É
uma tragédia que, ao rejeitar o conhecimento médio, teólogos reformados têm se
isolado da explicação mais lúcida da coerência dessa confissão maravilhosa.

Ao rejeitar a doutrina da providência divina baseada no conhecimento médio de


Deus, os teólogos reformados são simplesmente auto-confessadamente deixados com
um mistério. O grande teólogo reformado do século 17 Francis Turretin considerou que
uma análise cuidadosa das Escrituras leva a duas conclusões indubitáveis, as quais
devem ser mantidas em tensão sem comprometerem-se mutuamente:

...que Deus, por um lado, pela sua providência, não só decretou, mas
certamente assegura todos os acontecimentos, sejam livres ou contingentes; por
outro lado, porém, o homem é sempre livre ao agir e muitos efeitos são
contingentes. Embora eu não possa entender como essas conclusões possam ser
mutuamente ligadas, mesmo assim (por conta da ignorância do modo), a coisa
em si (que é certa a partir de outra fonte, ou seja, a partir da Palavra) não deve
ser questionada ou totalmente negada (Institutes of Elenctic Theology, 1: 512;
Trad.: Institutas de Teologia Elênctica).

Aqui Turretin afirma, sem se comprometer, tanto a soberania de Deus quanto a


liberdade humana e a contingência; ele simplesmente não sabe como colocá-las juntas.
O Molinismo oferece uma solução. Ao rejeitar essa solução, o teólogo reformado fica
com um mistério.

Não há nada errado com o mistério em si mesmo (a interpretação correta da


mecânica quântica é um mistério!); o problema é que alguns teólogos reformados,
como os meus dois colaboradores no livro com quatro pontos de vista, tentam resolver
o mistério afirmando um determinismo divino universal e causal e uma visão
compatibilista da liberdade humana. Segundo essa visão, a maneira como que Deus
soberanamente controla tudo o que acontece é causando o seu acontecimento, e a
liberdade é re-interpretada, significando ser causalmente determinada por fatores fora
de si mesma.

É essa visão, a qual afirma o determinismo universal e o compatibilismo, que


corre para os problemas que você menciona. Fazer de Deus o autor do mal é apenas
um dos problemas que essa visão neo-reformada enfrenta. Pelo menos cinco vêm
imediatamente à mente:

1. O determinismo divino causal e universal não pode oferecer uma interpretação coerente
das Escrituras.
Os teólogos reformados clássicos reconheceram isso. Eles reconhecem que a
reconciliação dos textos das Escrituras afirmando a liberdade humana e a contingência
com os textos das Escrituras afirmando a soberania divina é inescrutável. D. A. Carson
identifica nove correntes de textos afirmando a liberdade humana: (1) As pessoas são
apresentadas a uma infinidade de apelos e mandamentos divinos, (2) as pessoas são
ordenadas que obedeçam, creiam e escolham a Deus, (3) as pessoas pecam e rebelam-se
contra Deus, (4) os pecados as pessoas são julgados por Deus, (5) as pessoas são
testadas por Deus, (6) as pessoas recebem recompensas divinas, (7) os eleitos são
responsáveis por responder à iniciativa de Deus, (8) as orações não são meros teatros
escritos por Deus e (9) Deus literalmente implora que os pecadores se arrependam e
sejam salvos (Divine Sovereignty and Human Responsibility: Biblical Perspectives in Tension,
pp. 18-22; Trad.: Soberania Divina e Responsabilidade Humana: Perspectivas bíblicas em
tensão).
Essas passagens excluem uma compreensão determinista da providência divina
que não admita a liberdade humana. Os deterministas reconciliam o determinismo
divino causal e universal com a liberdade humana re-interpretando a liberdade em
termos compatibilistas. O compatibilismo inclui determinismo, portanto não há
nenhum mistério aqui. O problema é que adotar o compatibilismo alcança a
reconciliação só à custa de negar o que vários textos bíblicos parecem claramente
afirmar: uma verdadeira indeterminação e contingência.

2. O determinismo causal e universal não pode ser racionalmente afirmado.


O determinismo possui um caráter de certa forma vertiginoso e
autodestrutivo. Pois, se uma pessoa chega a acreditar que o determinismo é
verdadeiro, ela precisa acreditar que a razão pela qual ela passou a acreditar nisso é
simplesmente por que ela estava determinada a fazê-lo. Ela não foi, de fato, capaz de
pesar os argumentos a favor e contra e livremente tomar uma posição com base
nisso. A diferença entre a pessoa que pesa os argumentos para o determinismo e os
rejeita e a pessoa que os pesa e aceita é totalmente que uma foi determinada por fatores
causais fora de si mesma para acreditar e a outra para não acreditar. Quando você
chega a perceber que sua própria decisão de acreditar no determinismo foi
determinada e que até mesmo a sua percepção desse fato agora mesmo foi igualmente
determinada, uma espécie de vertigem se estabelece, por que tudo o que você pensa,
inclusive esse próprio pensamento, está fora de seu controle. O determinismo poderia
ser verdade; mas é muito difícil ver como isso poderia ser racionalmente afirmado,
uma vez que a sua afirmação enfraquece a racionalidade de sua afirmação.

3. O determinismo causal e universal torna Deus o autor do pecado e impossibilita a


responsabilidade humana.
Em contraste com a visão Molinista, na visão determinista, até mesmo o
movimento da vontade humana é causada por Deus. Deus move as pessoas a escolher
o mal, e elas não podem fazer o contrário. Deus determina as suas escolhas e as faz
fazer o que é errado. Se é mal fazer outra pessoa fazer o que é errado, então nessa visão
Deus não é apenas a causa do pecado e do mal, mas torna-se o próprio Mal, o que é um
absurdo. Da mesma forma, toda a responsabilidade humana pelo pecado foi
removida, pois nossas escolhas não são realmente nossas: Deus nos leva a fazê-las. Nós
não podemos ser responsáveis por nossas ações, pois nada que pensemos ou façamos
depende de nós.

4. O determinismo causal e universal anula a ação humana.


Uma vez que nossas escolhas não dependem de nós, mas são causadas por Deus,
não pode ser dito que os seres humanos são agentes reais. Eles são meros instrumentos
através do qual Deus age para produzir algum efeito, como um homem usando uma
vara para mover uma pedra. É claro, as causas secundárias mantém todas as suas
propriedades e poderes como causas intermediárias, como os teólogos reformados nos
lembram, assim como um bastão conserva as suas propriedades e os poderes que o
tornam adequado para os fins de quem o utiliza. Pensadores reformados não precisam
ser ocasionalistas, como Nicholas Malebranche, que declarou que Deus é a única causa
que existe. Mas estas causas intermediárias não são agentes em si mesmas, mas meras
causas instrumentais, pois elas não têm poder para iniciar uma ação. Assim, é
duvidoso que no determinismo divino realmente exista mais que um agente no
mundo, ou seja, Deus. Esta conclusão não apenas salta aos olhos do nosso
conhecimento de nós mesmos como agentes, mas torna inexplicável por que então
Deus nos trata como agentes, considerando-nos responsáveis por aquilo que Ele nos
fez fazer e nos usou para fazer.

5. O determinismo causal e universal torna a realidade em uma farsa.


Na visão determinista, o mundo todo se torna um espetáculo vão e vazio. Não há
agentes livres em rebelião contra Deus, a quem Deus procura conquistar através do
Seu amor, e não há ninguém que livremente responda a esse amor e em troca
livremente dê o seu amor e louvor a Deus. O espetáculo todo é uma farsa, cujo único
real ator é o próprio Deus. Longe de glorificar a Deus, a visão determinista, estou
convencido, denigre a Deus por engajá-lo em uma charada tão farsante. É
profundamente ofensivo a Deus pensar que Ele criaria seres que estão em todos os
aspectos causalmente determinados por Ele e, em seguida, tratá-los como se fossem
agentes livres: puni-los pelas ações erradas que Ele os fez fazer ou amá-los como se
fossem agentes livremente responsivos. Deus seria como uma criança que cria seus
soldados de brinquedo e move-os sobre o seu mundo de brinquedo, fingindo que eles
são pessoas reais cujo cada movimento não é de fato do seu próprio fazer e fingindo
que elas merecem louvor ou culpa. Estou certo de que os deterministas Reformados,
em contraste com teólogos clássicos Reformados, vão se ofender com tal comparação.
Mas o porquê de ela ser inadequada para a doutrina do determinismo divino universal
e causal é um mistério para mim.

Então porque é que tantos líderes cristãos inteligentes e fiéis caem no


calvinismo? Eu acho que o tipo de calvinismo representado pela declaração da
Confissão de Westminster citada acima é um resumo justo do ensino da Escritura e
que, portanto, deve ser acreditado. É apenas quando se vai além dela para tentar
resolver o mistério abraçando o determinismo e o compatibilismo que as pessoas se
metem em encrenca. Então, na medida em que esses líderes cristãos estão contentes em
ficar com o mistério, eu acho que a deles é uma posição razoável. A grande maioria
deles provavelmente tem pouco entendimento do Molinismo e por isso são apenas
insuficientemente informados para tomar uma decisão. Alguns anos atrás eu falei no
Westminster Seminary em San Diego sobre conhecimento médio e, na metade da
sessão de perguntas e respostas após minha palestra, um dos professores disse: "Eu
estou envergonhado de dizer, Dr. Craig, que nós nem temos condições de discutir isso
com você, porque nós simplesmente não estamos familiarizados com o que você está
falando.” Ele estava constrangido, como um teólogo profissional, por ser tão ignorante
sobre esses debates. Em contrapartida, alguns teólogos que pertencem à tradição
reformada moveram-se para Molinismo. Quando dei as palestras Stob no Calvin
College and Seminary, fiquei chocado quando os teólogos do seminário me disseram
que eles eram todos Molinistas! Eu cada vez mais encontro pessoas que estão se
movendo na direção Molinista (tanto no lado calvinista e no lado teísta aberto do
espectro!).

Portanto, não seja muito duro com nossos irmãos calvinistas. Ofereça-lhes uma
coisa melhor, e espere que eles a adotem.

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