Este resumo descreve os três momentos-chave no desenvolvimento dos intelectuais franceses no século 18 de acordo com o livro de Elisabeth Badinter: 1) Desejo de glória (1735-1751), quando buscavam fama nos salões sem uma distinção clara entre ciência e letras; 2) Exigência de dignidade (1751-1762), quando buscavam reconhecimento público e independência; 3) Vontade de poder (1762-1778), quando almejavam influenciar debates políticos e a opinião pública at
Descrição original:
Review of Elisabeth Badinter's As paixões intelectuais: desejo de glória, 1735-1751. Translated for portuguese by Clóvis Marques. (Brazilian edition).
Este resumo descreve os três momentos-chave no desenvolvimento dos intelectuais franceses no século 18 de acordo com o livro de Elisabeth Badinter: 1) Desejo de glória (1735-1751), quando buscavam fama nos salões sem uma distinção clara entre ciência e letras; 2) Exigência de dignidade (1751-1762), quando buscavam reconhecimento público e independência; 3) Vontade de poder (1762-1778), quando almejavam influenciar debates políticos e a opinião pública at
Este resumo descreve os três momentos-chave no desenvolvimento dos intelectuais franceses no século 18 de acordo com o livro de Elisabeth Badinter: 1) Desejo de glória (1735-1751), quando buscavam fama nos salões sem uma distinção clara entre ciência e letras; 2) Exigência de dignidade (1751-1762), quando buscavam reconhecimento público e independência; 3) Vontade de poder (1762-1778), quando almejavam influenciar debates políticos e a opinião pública at
Histria ISSN: 1415-9945 rev-dialogos@uem.br Universidade Estadual de Maring Brasil
da Silva Roiz, Diogo
BADINTER, E. As paixes intelectuais: desejo de glria, 1735-1751. Traduo de Clvis Marques. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2007, 530p., v1.; As paixes intelectuais: exigncia de dignidade, 1751-1762. Traduo de Clvis Marques. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2007, 460p., v2.; y As paixes intelectuais: vontade de poder, 1762-1778. Traduo de Clvis Marques. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2009, 389p., v3. Dilogos - Revista do Departamento de Histria e do Programa de Ps-Graduao em Histria, vol. 14, nm. 1, 2010, pp. 205-211 Universidade Estadual de Maring Maring, Brasil
Nmero completo Sistema de Informao Cientfica Mais artigos Rede de Revistas Cientficas da Amrica Latina, Caribe , Espanha e Portugal Home da revista no Redalyc Projeto acadmico sem fins lucrativos desenvolvido no mbito da iniciativa Acesso Aberto Dilogos, DHI/PPH/UEM, v. 14, n. 1, p. 205-211, 2010.
BADINTER, E. As paixes intelectuais: desejo de glria, 1735-1751.
Traduo de Clvis Marques. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2007, 530p., v1. _____________. As paixes intelectuais: exigncia de dignidade, 1751-1762. Traduo de Clvis Marques. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2007, 460p., v2. _____________. As paixes intelectuais: vontade de poder, 1762-1778. Traduo de Clvis Marques. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2009, 389p., v3. * Diogo da Silva Roiz **
A questo do poder e da eficincia dos intelectuais europeus ,
sem dvida, um ponto de controvrsia na historiografia internacional. Questes como quando surgiram, como se organizam, o que pensam, como agem e o que fazem os intelectuais so fundamentais no apenas para entend-los adequadamente, mas tambm para pensar e inquirir a histria que foi e escrita por eles e sobre eles. Sem deixar de lado esses questionamentos, mas detendo-se num momento que marcou a Frana e a Europa do sculo XVIII, Elisabeth Badinter nos ofereceu em sua obra As paixes intelectuais, publicada em trs volumes, uma verdadeira radiografia de como surgiram e se organizaram os intelectuais franceses em torno do grande pblico, por meio do projeto aglutinador da Enciclopdia, tendo por base o espao pblico, ento em formao, com a imprensa peridica. Para empreender tal anlise, a autora j de incio esclarece que, embora a palavra no fosse muito utilizada na poca, podemos falar de intelectuais no sculo XVIII, e mesmo, apesar do anacronismo, de uma verdadeira intelligentsia. No obstante, impem-se certas precises vocabulares, pois at meados do sculo XVIII no h distino entre o homem de cincias e o homem de letras, como duas culturas diferentes, a cientfica e a literria, mas uma nica, que constitui a Repblica das letras (2007, v.1, p. 12). Mas ao fim daquele sculo, com efeito, pouco
* Texto recebido em 25 de maio de 2010 e aprovado em 25 de julho de 2010.
** Doutorando em Histria pela UFPR, bolsista do CNPq. 206 Roiz
a pouco vai-se operando a ciso entre as duas culturas, e a gerao
seguinte v surgir a especializao do saber cientfico e o filsofo passa a distinguir-se do erudito, aproximando-se do letrado (2007, v.1, p. 13). Com isso, passa a haver a oportunidade de organizao de uma nova categoria profissional, pautada em questes polticas e culturais, cujos integrantes tinham objetivos comuns na ordem do saber: a categoria dos intelectuais. No obstante, mais que nos efeitos do movimento iluminista para os sculos XIX e XX, a autora ir se deter na forma como este esteve organizado e como se desenvolveu ao longo do sculo XVIII, na Frana. Para alcanar esses objetivos Badinter se ateve em trs momentos que, para ela, foram fundamentais para o desenvolvimento dos intelectuais enquanto categoria profissional e grupo culturalmente organizado na sociedade. O primeiro momento seria o que ela definiu como o desejo de glria, entre 1735 e 1751, no qual no havia ainda nenhuma ntida distino entre o homem de cincia e o homem de letras, tampouco se cogitava da organizao de uma nova categoria profissional, mediada por questes polticas e culturais, cuja funo bsica seria a de servir de canal de divulgao, atravs dos meios de comunicao, em especial, pela imprensa peridica, dos fatos e acontecimentos marcantes na sociedade. Desse modo, alm de mediarem as discusses e as divulgarem, os intelectuais tambm seriam responsveis pela formao da opinio pblica na sociedade. Falamos aqui de uma categoria profissional que naquela poca no estava totalmente organizada, mas, quando muito, no incio de um processo de gestao. Por isso buscava-se corriqueiramente sair dos laboratrios e dos gabinetes e se apresentar nos sales, de modo a alterar o espao de ao (do privado para o pblico) e formar novas redes de organizao para fundar a opinio pblica (no somente entre os pares, mas, principalmente, entre o grande pblico na sociedade). Num segundo momento, denominado de exigncia de dignidade, entre 1751 e 1762, os intelectuais, reunidos em torno do movimento da ilustrao, buscavam um reconhecimento pblico de suas aes perante a sociedade europeia do sculo XVIII, com vistas a reivindicar independncia econmica e autoridade moral. Em funo das redes de dependncia construdas a partir do reinado de Lus XIV, pelas quais o monarca concedia penses e propiciava o alcance do renome em troca da submisso a suas regras e lisonja a sua pessoa (2007, v. 2, p. 11), tornava-se consideravelmente difcil alcanar a liberdade de
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expresso, buscar a verdade e a defesa da pobreza, numa poca em que
tais valores haviam se expandido no apenas pela monarquia, mas para vrios setores e lugares da sociedade. Em resumo, o intelectual ainda no encontrava os instrumentos necessrios para o livre exerccio de uma funo profissional que tambm no estava ela prpria - consolidada naquela sociedade europeia do sculo XVIII. Para ela: O prestgio do intelectual no ultrapassa o crculo da burguesia culta. Em muitos sales da aristocracia, at ento, ele s est presente para divertir com seus talentos e seus ditos inteligentes. Situao que se revela insuportvel para esta nova gerao de homens que forma a aristocracia da inteligncia e se julga muito superior outra (2007, v. 1, p. 18).
O terceiro momento foi o de vontade de poder, entre 1762 e 1778,
no qual os homens de letras almejavam ganhar postos na imprensa peridica, mediar s discusses polticas e formar a opinio pblica, e ao mesmo tempo ter o reconhecimento pblico de suas aes e de seu papel perante a sociedade, como uma nova categoria profissional, a dos intelectuais, em pleno processo de consolidao. De acordo com a autora: A morte de Voltaire encerra a histria do surgimento dessas grandes paixes. No que elas tivessem sido totalmente ignoradas antes do sculo XVIII. Mas o desejo de glria, a exigncia de dignidade e a vontade de poder so estreitamente dependentes do nascimento de uma opinio pblica. Quanto mais esta ganhou fora, mais se pde assistir exacerbao da primeira e da terceira paixes. O desejo de glria e a vontade de poder parecem ter-se desenvolvido em detrimento da exigncia de dignidade. No sculo XVIII, esta dizia respeito independncia do filsofo em relao aos grandes. Em outras palavras, recusa da cortesania. Hoje, a maior fora a opinio pblica. ela, e somente ela, que autorga glria e poder, por obra e graa dos meios de comunicao. Os intelectuais mudaram de senhor, mas no de escravido. Sero capazes, para se libertar, de abrir mo de to doces paixes? (2009, v. 3, p. 275)
em meio a esses dilemas que, segundo ela, ir desenvolver-se a
organizao dos intelectuais enquanto uma nova categoria profissional no interior da sociedade, com a funo primordial de mediar a formao da opinio pblica. Neste sentido:
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No sculo XVIII, as rivalidades intelectuais so alteradas pelo
surgimento de uma nova fora, desconhecida nos sculos anteriores: a opinio pblica. Inicialmente limitado aos crculos restritos dos sales, dos leitores de peridicos, dos professores, o nmero dos amadores esclarecidos no pra de aumentar ao longo das dcadas, de tal modo que o conhecimento se torna sinnimo de prestgio e liberao aos olhos da burguesia ascendente. Pouco a pouco, os intelectuais entendem a necessidade de convencer este outro juiz, a opinio pblica, do fundamento de seu trabalho. A partir de ento, o jogo a trs: o intelectual, seus pares e o pblico, que ser chamado com freqncia cada vez maior a servir de rbitro entre o primeiro e os segundos. A democratizao do conhecimento tem todas as vantagens que se conhecem, inclusive a de impedir uma comunidade cientfica de funcionar como seita. Mas a opinio pblica, mesmo esclarecida, no deixa de ser o que : uma opinio [...], no um saber [...]. E os eruditos no gostam que os amadores lhes venham ditar seu julgamento (2007, v. 1, p. 15).
Destarte, a principal hiptese da autora a de que durante o
perodo do Iluminismo francs de 1735 a 1778 houve as condies bsicas necessrias para o aparecimento de uma nova categoria profissional, a dos intelectuais, na medida em que o conhecimento passou a ter um carter cada vez mais pblico (deixando de estar confinado aos lugares privados, at ento assegurados pelos clrigos), e este se formaria, necessariamente, a partir de uma relao complexa entre os intelectuais, seus pares e a opinio pblica. Por isso, durante este perodo houve diferentes tipos de anseios entre os intelectuais, que refletiram, por sua vez, tambm diferentes paixes a serem alcanadas. Para reconstitu-las, a autora toma como base no tanto a obra destes diferentes autores que fizeram parte do movimento da Ilustrao na Frana do sculo XVIII, mas principalmente as suas missivas, as cartas que foram trocadas entre eles, e de forma mais direta expressavam seus anseios, desejos e paixes. Segundo ela: Esta busca dos elementos mais subjetivos de seus percursos no se confunde com a busca da verdade. a histria das ambies pessoais a serem decifradas por trs das polmicas e frmulas convencionais. Histria que pe em cena todas as paixes humanas que se tenta dissimular, por medo de manchar a prpria reputao. Histria que, no entanto, se revela nas
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conversas privadas reproduzidas nas correspondncias dos
protagonistas, de seus amigos e inimigos (2007, v. 1, p. 16-7).
Em sua incurso pela trajetria da formao desta nova categoria
profissional, a dos intelectuais, a autora tomou como base no apenas personagens conhecidos como Franois-Marie Arouet (1694-1778), mais conhecido como Voltaire (que foi um de seus principais protagonistas e cujas diferentes redes e relaes pessoais a autora rastreou), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Charles-Louis de Secondat, mais conhecido como baro de Montesquieu (1689-1755), Jean le Rond dAlembert (1717-1783), Denis Diderot (1713-1784), os principais representantes do iluminismo francs, alguns dos quais foram responsveis pelo projeto da nova Enciclopdia para a organizao do conhecimento humano - mas tambm atores menos conhecidos, como Maupertius (1698-1759), Alexis Claude de Clairaut (1713-1765), Claude-Adrien Helvtius (1715-1771), Louis Marie Stanislas Frron (1754-1802), entre outros. Desse modo, ao estudar o desejo de glria, a autora buscou reconstituir a ao de Maupertius, que, segundo ela, foi o homem que desafiou seus pares, entre 1735 e 1741, diante das academias. Por conseguinte, aqueles homens de letras lhe opuseram a vingana dos pares entre 1741 e 1746. Durante o perodo de 1746 a 1751, longe dos pares, deu-se lugar a diferentes atitudes dos personagens da poca e favoreceu a busca pela glria do homem de letras. Na sequncia, a exigncia de dignidade passou a ocorrer uma busca constante entre tais personagens, entre 1751 e 1753, atravessando um momento de difcil evoluo das mentalidades, entre 1753 e 1756 e indo do descrdito recuperao da honra entre 1757 e 1762. Embora o perodo que, segundo ela, foi marcado pela vontade de poder, entre 1762 e 1778, fosse o de consolidao desta nova categoria profissional, nem por isso foi menos controvertido. Ao se debruar sobre seus principais aspectos, a autora demonstra como o reconhecimento pblico ainda era uma meta difcil a ser alcanada por esses homens de letras, e a busca de um filsofo rei (1762-1770) tornava-se uma questo cada vez mais utpica e pouco realista. Nesse caminho, o gosto do poder (1771-1776) e o seu inevitvel recuo (1776-1778) descortinaram os desencantos, as mgoas e as frustraes destes filsofos, e a consequente separao do pensador, homem de letras, com os reis.
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Por suas qualidades, essa obra traa, de forma inovadora e, em
certos momentos, surpreendente, a trajetria dos principais representantes do movimento iluminista francs do sculo XVIII, demarcando suas ideias e sua ao, bem como as relaes que mantiveram com personagens menos conhecidos, mas que foram fundamentais, segundo ela, para o nascimento desta nova categoria profissional: os intelectuais. Apesar dos mritos evidentes, no h como negar algumas pequenas fragilidades que a obra tambm carrega. De incio, a mais flagrante a de enfatizar a importncia do movimento iluminista francs do sculo XVIII, sem com isso demonstrar a importncia que tiveram para o seu sucesso outros movimentos, seja da Frana seja de outros pases (TODOROV, 2008; HUNT, 2009). Evidentemente, o Iluminismo no esteve limitado Frana e seus desdobramentos no foram simplesmente franceses (ISRAEL, 2009). Por outro lado, possvel questionar at que ponto aqueles filsofos tinham (ou no) conscincia de estarem organizando uma nova categoria profissional, a dos intelectuais, num sculo (XVIII) que a prpria autora indica ter sido permeado de relaes profissionais ainda pouco especializadas na ordem do saber, e no qual ainda havia pouca distino entre o homem de cincia e o homem de letras, no apenas entre os cientistas e os filsofos do perodo, mas, principalmente, entre a sociedade de ento, em que se iniciava a formao de uma opinio pblica. No h como negar os paralelos entre o que se entender por intelectual e por intelligentsia nos sculos XIX e XX e as suas profundas relaes com os filsofos e os cientistas do sculo XVIII, que repensaram a organizao e a diviso dos conhecimentos humanos. Por outro lado, tambm no h como deixar de lado as profundas diferenas histricas, conceituais, profissionais e organizacionais de um momento para o outro. O que, sem dvida alguma, o estudo de Elisabeth Badinter traz de novo so questionamentos e indagaes sobre uma poca que muito pesquisada (por ser fundamental para conhecermos nossa sociedade, que tem suas razes naquele perodo histrico), mas ainda consideravelmente desconhecida e distante para ns, no sculo XXI (DARNTON, 2005).
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REFERNCIAS
DARNTON, R. Os dentes falsos de George Washington: um guia no
convencional para o sculo XVIII. Traduo de Jos Geraldo Couto. So Paulo: Companhia das Letras, 2005. HUNT, L. A inveno dos direitos humanos: uma histria. Traduo de Rosaura Eichenberg. So Paulo: Companhia das Letras, 2009. ISRAEL, J. I. Iluminismo Radical. A filosofia e a construo da modernidade, 1650-1750. Traduo de Claudio Blanc. So Paulo: Editora Madras, 2009. TODOROV, T. O esprito das Luzes. Traduo de Mnica Cristina Corra. So Paulo: Editora Barcarolla, 2008.
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