Você está na página 1de 16

O PAPEL DOS DIREITOS HUMANOS NA

POLÍTICA DEMOCRÁTICA:
uma análise preliminar

Andrei Koerner

O objetivo desta comunicação é explorar as a partir de uma analogia com os direitos funda-
bases para uma formulação conceitual do papel mentais da Constituição. Apresentamos, pois,
dos direitos humanos na política democrática, algumas críticas a esses trabalhos e indicamos as
tomando como ponto de partida as mudanças dos bases para uma formulação alternativa.
direitos humanos nos anos de 1990 e a crítica à Acreditamos que analisar os direitos
abordagem dominante do assunto. Veremos que humanos com base em uma analogia com os dire-
os direitos humanos passaram por importantes itos constitucionais é pouco útil devido às trans-
mudanças ao longo da década de 1990, em termos formações ocorridas no Direito nas democracias
de sua estrutura conceitual e da ampliação do contemporâneas. Hoje, o modelo “piramidal” de
papel das instituições internacionais. No entanto, Direito, a partir do qual procura-se formular a
estudos jurídicos e políticos continuam a tratá-los unidade da ordem jurídica nacional e traçar as lin-
has divisórias entre o Direito e a política, é ques-
* Esta comunicação é resultado preliminar do Projeto tionado. Concepções de rede, sistema aberto ou
Desenvolvimento de uma Teoria Integrada dos de jogo entre estrutura normativa e orientações
Direitos Humanos, do Programa Cepid/Fapesp, em de ação abrem novas perspectivas de análise do
curso no núcleo de Estudos da Violência (NEV) da
Direito e de uma concepção que não seja jurídi-
Universidade de São Paulo. Agradeço a Paulo
Pinheiro, Guilherme de Almeida e demais partici- co-formal dos direitos humanos. A analogia con-
pantes do projeto as críticas e sugestões ao texto. stitucional também perde de vista a própria
Artigo recebido em outubro/2002 dinâmica dos direitos humanos nas sociedades
Aprovado em agosto/2003 democráticas. Entendemos, portanto, que uma

RBCS Vol. 18 nº. 53 outubro/2003


144 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 18 Nº. 53

abordagem construtivista permitirá tomar os dire- áreas específicas, cuja força normativa é mais efe-
itos humanos como forma de manifestação dos tiva que a de meras recomendações de caráter
movimentos e das condutas sociais e como parte moral, apesar de não serem acompanhadas de
de um processo político, mais do que o seu pres- sanção jurídica e, pois, não apresentarem o
suposto e seu objeto. caráter obrigatório das normas de direito.
No plano da sociedade mundial, observam-
se fenômenos transnacionais, processos que
Os direitos humanos na década de 1990: atravessam fronteiras e escapam à autoridade ou
mudanças conceituais e institucionais1 ao controle dos Estados. São fenômenos de segu-
rança – explosão demográfica, migrações interna-
No início dos anos de 1990, o cenário inter- cionais, desequilíbrios ecológicos, narcotráfico,
nacional pareceu favorável à adoção de esquemas concorrência econômico-tecnológica – que pro-
mais cooperativos e institucionalizados nas duzem efeitos independentemente da ação dos
relações internacionais. Ampliou-se o papel de atores.2
instâncias multilaterais, como a ONU, e de insti- As Nações Unidas adotaram uma agenda de
tuições supranacionais, com a formação de blocos tratamento das questões globais em foros multi-
políticos (União Européia) e econômicos (NAFTA, laterais, cujo objetivo principal é a adoção de
Mercosul). Nessas instâncias, os Estados aliam-se princípios e planos de ação que orientem a
voluntariamente a esquemas de integração, que solução daquelas questões. Dessa iniciativa resul-
significam a adoção de regimes jurídicos, com taram as conferências das Nações Unidas sobre
esquema normativo, instituições encarregadas da temas sociais da década de 1990.3
resolução de conflitos e políticas públicas Essas conferências tiveram em comum a par-
próprias. ticipação cada vez maior de Estados e de organi-
O processo de internacionalização da zações da sociedade civil, e o clima de cooper-
economia limitou a capacidade de regulação por ação permitiu a adoção de documentos
parte dos Estados e aprofundou as trocas consensuais tanto no que se refere às declarações
econômicas entre as sociedades nacionais, tor- de princípios como aos planos de ação. A abor-
nando mais candentes questões relativas à regu- dagem adotada foi bastante inovadora e pode ser
lamentação dos investimentos externos e do sintetizada nos seguintes pontos:
comércio, à regulação dos fluxos de capitais e à
adoção de salvaguardas e medidas compen- • Levar em consideração os múltiplos fatores
satórias em favor das sociedades mais empobreci- dos temas em suas interconexões.
das. Assim, nesse contexto tornaram-se decisivas • Fazer uma interação entre as diversas esferas
a organização de instâncias de coordenação de resolução de problemas (local, nacional,
econômica (OMC) e a atribuição de um papel regional e global).
ampliado para agências financeiras, como o • Enfatizar a participação não só de governos,
Banco Mundial. mas também de agentes sociais diversifica-
Por sua vez, as organizações da sociedade dos na formulação das propostas.
civil trouxeram para o primeiro plano questões já • Abordar os temas de forma interdisciplinar,
presentes nos fóruns internacionais, como políti- sistêmica, não compartimentada, de modo
cas ambientais para o desenvolvimento sustentáv- que as deliberações de uma conferência
el, contra a fome e em favor de setores sociais ou influencie e seja retomada pelas demais
minorias em situação de risco nas diversas partes (Alves, 2001, p. 34).
do mundo. Nas conferências das Nações Unidas
abriram-se espaços para a formação de uma Quanto aos direitos humanos, a Conferência
opinião pública mundial, onde são enunciadas de Viena, de 1993, reafirmou a universalidade, a
proposições sobre medidas de cooperação em indivisibilidade, a inter-relação e a interde-
O PAPEL DOS DIREITOS HUMANOS NA POLÍTICA DEMOCRÁTICA 145

pendência dos direitos humanos, e, ainda, a ores passaram a ocupar espaços de decisão con-
necessidade de vínculo entre os direitos sensual. Assim, o tema do relativismo cultural foi
humanos, a democracia e o desenvolvimento mobilizado pelos países “asiáticos” (como China,
humano, em que o sujeito central é a pessoa e Cingapura, Malásia) para contestar a universali-
não mais o Estado. Reconheceu também a legit- dade dos direitos humanos tal como expressa
imidade da preocupação internacional com a pro- pela Declaração da Conferência de Viena (Alves,
teção e a promoção dos direitos humanos, limi- 2001; Falk, 2000).5
tando, nesse ponto, o princípio da soberania Do ponto de vista do processo político,
estatal. Previu, ademais, a criação de programas prospectos otimistas de internacionalização e
de assistência técnica, promovidos pelas Nações consensualismo das decisões políticas foram
Unidas, para incrementar a capacidade dos duramente contrastados por acontecimentos que
Estados de proteger e promover os direitos resultaram em graves violações dos direitos
humanos, recomendando a criação do Alto humanos. Desde os eventos na China em 1989,
Comissariado das Nações Unidas para os Direitos passando pela guerra civil na Iugoslávia, em
Humanos.4 Ruanda, na Somália, na Tchechenia e em outros
As outras conferências das Nações Unidas países, a lógica de ação estatal permaneceu em
durante essa década também se deram no sentido primeiro plano, enquanto as Nações Unidas
da elaboração de planos de implementação, pro- enfrentaram muitas dificuldades de tornar efetiva
gramas de cooperação, procedimentos de moni- a proteção da ordem política externa ou, quando
toramento internacional e de responsabilidade no conseguiram intervir, fizeram-no com atraso, com
caso de violações. No plano institucional, criaram- meios inadequados ou, ainda, produzindo efeitos
se – ou foram instalados – órgãos supranacionais inesperados (Falk, 2000).
de fiscalização e responsabilização por violações Os atentados de 11 de setembro de 2001 nos
de direitos humanos. Essas mudanças impulsion- Estados Unidos constituíram uma importante
aram novas interações cooperativas entre os inflexão nessa situação. Embora seja cedo para
órgãos, os Estados e as organizações da sociedade avaliar seus efeitos para os direitos humanos,
civil (manter organizações da sociedade civil) parece certo que essa situação representa uma
para a formulação de normas e planos de imple- clara mudança em relação ao período anterior.
mentação dos direitos humanos. Além das conferências, observaram-se outras
Em suma, na primeira metade dos anos de ações no sentido de ampliar o papel dos instru-
1990 ocorreu um movimento de “maré montante”, mentos internacionais e das instituições multilat-
em que os foros das instituições multilaterais erais de proteção aos direitos humanos. Merecem
foram abertos às demandas de promoção dos referência a criação do Tribunal Penal
direitos humanos de grupos discriminados ou em Internacional, pelo Tratado de Roma de 1998, e a
situação de risco, formuladas por Estados, agên- instalação do Alto Comissariado das Nações
cias de cooperação e, sobretudo, organizações da Unidas para os Direitos Humanos. No âmbito
sociedade civil. Contudo, a partir da Conferência interamericano, a Convenção de Belém do Pará,
de Istambul, em 1996, observou-se uma regressão sobre prevenção, sanção e eliminação da violên-
nesse sentido. De um lado, as Nações Unidas pas- cia contra a mulher, e a Convenção sobre o desa-
saram a enfrentar problemas cada vez mais inten- parecimento forçado de pessoas, ambas de 1994.
sos, uma vez que suas agências sofreram Antes disso, haviam sido assinados, em 1988, o
restrições orçamentárias e críticas a supostas con- Protocolo Adicional ao Pacto de São José, sobre
cepções “socialistas”, as quais predominariam os direitos econômicos, sociais e culturais, e, em
suas ações. De outro, grupos que buscavam visi- 1990, o Protocolo referente à abolição da pena de
bilidade e respostas para seus problemas imedi- morte.
atos ou que procuravam revisar as formulações A partir do início da década, o Brasil adotou
adotadas por consenso nas conferências anteri- uma atitude que ampliou sua reputação coopera-
146 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 18 Nº. 53

tiva no plano dos direitos humanos, com a ratifi- Direitos humanos e direitos fundamen-
cação de tratados internacionais,6 a abertura de tais da Constituição
suas fronteiras a observadores internacionais e,
por vias diplomáticas, teve uma participação ativa Em estudo anterior (Koerner, 2002) abor-
nas conferências da ONU e em outras instâncias damos os trabalhos internacionais sobre os dire-
multilaterais de negociação para a busca formu- itos humanos, classificando-os a partir de dois
lações consensuais que tornaram esses encontros eixos: de ordem política (prevalência da ordem
bem-sucedidos (Lafer, 2001; Alves, 1994 e 2001). global ou da estatal) e de concepção do Direito
Embora no plano das relações internacionais (institucional ou sociológica). Do cruzamento
o contexto atual seja bastante negativo para a desses eixos resultou quatro tipos empíricos: glob-
expansão da institucionalidade internacional dos alistas (global, institucional), “estatalistas” (estatal,
direitos humanos, os anos de 1990 trouxeram institucional), contextualistas (estatal, sociológico)
algumas mudanças estáveis: e translocalistas (global e sociológico).
Apresentamos a seguir a perspectiva estatal-
• Nova concepção dos direitos humanos, cuja ista,8 que parece ser, ainda hoje, o mainstream
pauta incorporou as demandas de setores das abordagens sobre direitos humanos tanto no
sociais com características particulares, inte- campo das disciplinas jurídicas como das ciências
grou temas políticos e ambientais e adotou sociais.9
uma abordagem processual de sua pro- A perspectiva estatalista considera justificada
moção, para a qual atuam agentes de vários a pretensão de validade universal dos direitos
níveis e se adotam procedimentos diversifi- humanos, desde que seus enunciados sejam
cados.7 tomados como parâmetros morais para a con-
• Permeabilidade entre as ordens jurídicas vivência dos agentes nas relações internacionais.
externa e interna dos Estados, dados o Do ponto de vista interno, os direitos humanos
reconhecimento da preocupação interna- são traduzidos nos direitos fundamentais da
cional com os direitos humanos e o reforço Constituição e na estrutura institucional do Estado
dos mecanismos e dos organismos multilat- de Direito.
erais voltados à sua proteção e monitora- Ao contrário da globalista, não considera
mento. que as mudanças no cenário internacional ao
• Papel mais atuante da chamada sociedade longo dos anos de 1990 tenham sido tão acentu-
civil internacional na proteção e na pro- adas. Apesar do aumento da cooperação inter-
moção dos direitos humanos. estatal nas instituições multilaterais e dos proces-
sos econômicos, culturais e tecnológicos em
Em termos jurídicos, o resultado dessas curso, os Estados seriam ainda os atores determi-
mudanças no direito internacional é bastante var- nantes nas relações internacionais. A interação
iável, pois foram assinados alguns tratados, de estratégica de agentes estatais guiados pelo inter-
caráter obrigatório, e outros passaram a vigorar, esse nacional, definido em função do poder mili-
com a ratificação cada vez maior dos Estados. Ao tar, dos interesses econômicos, de sua posição
mesmo tempo, as conferências das Nações relativa e seu prestígio seria o esquema interpre-
Unidas criaram declarações de princípios, cuja tativo adequado para a análise dos atores e
obrigação seria de ordem moral, mas acompan- processos no âmbito internacional.
hadas de planos de ação, vinculados a um com- Tal como o direito internacional em geral, a
promisso político de cooperação internacional. natureza dos direitos humanos seria a mesma a de
common law, ou direito costumeiro, o qual é
entendido como um conjunto de princípios, nor-
mas e máximas de ação habitualmente seguidos
pelos participantes, uma vez que foram adotados
O PAPEL DOS DIREITOS HUMANOS NA POLÍTICA DEMOCRÁTICA 147

por acordos formais ou ajustes tácitos de condu- lato sensu e incluir os efeitos internacionais de
ta, e cuja observância é razoavelmente esperada graves violações dos direitos humanos ocorridas
por eles. Esse direito costumeiro não teria um no interior dos Estados, como, por exemplo, as
caráter obrigatório, pois as instituições multilat- migrações em massa geradas por conflitos inter-
erais não dispõem de poder efetivo para aplicar nos e que afetam Estados vizinhos.
sanções em caso de inobservância de seus dis- Em outra formulação reconhece-se a legit-
postivos pelos Estados, em particular os mais imidade da enunciação de normas internacionais
poderosos, os quais determinam as relações inter- dos direitos humanos, as quais funcionam como
nacionais. Por essa razão, considera-se que os padrões internacionais que expressam um certo
tratados e os pactos internacionais teriam o efeito consenso a respeito da civilização. Porém, a
de criar apenas obrigações imediatas, prestações implementação dos direitos humanos caberia
e contra-prestações de curto prazo e de escopo exclusivamente aos Estados; as instituições multi-
limitado, previsíveis segundo o cálculo estratégi- laterais seriam responsáveis pelo monitoramento,
co dos Estados (Krasner, 1993). ou seja, a verificação da ocorrência de graves vio-
Outras formulações não negam a existência lações e, eventualmente, a adoção de medidas em
de esquemas de cooperação, os chamados situações circunscritas.
regimes internacionais, que resultam da ação Não se exclui a legitimidade da preocupação
auto-interessada dos Estados. Embora os regimes internacional com a promoção dos direitos
internacionais sejam criados a partir da imposição humanos, que pode se transformar em programas
de temas, normas e procedimentos pelas grandes de cooperação, como o financiamento, a formu-
potências, os demais Estados teriam interesse em lação de projetos e a capacitação técnica. Mas os
participar deles, devido à possibilidade de explo- Estados reservam o seu direito de adesão volun-
ração dos espaços abertos pelas regras do regime. tária a esses programas, mantendo o controle da
Tais regimes tenderiam a serem progressivamente agenda, das prioridades, dos instrumentos e da
estáveis, pois reduziriam a incerteza e os custos forma de implementação. Com isso, eles poderi-
de informação, o que conduziria à obediência às am responder às críticas e às sugestões legítimas,
normas que, por sua vez, com o passar do tempo, formuladas pelas instituições multilaterais ou pela
adquiririam um caráter de obrigatoriedade. Assim, opinião pública internacional, mantendo sua
de acordo com a concepção estatalista, as normas soberania.
dos regimes internacionais desencadeiam proces- O direito internacional dos direitos humanos
sos relativamente autônomos em relação aos ingressaria na ordem jurídica nacional sobretudo
interesses imediatos dos Estados. Em contraparti- por meio dos direitos fundamentais da
da, as mudanças nas relações estabelecidas por Constituição. Seriam fonte do Direito nacional,
essas normas seriam limitadas por esses interess- com o papel de princípios que dão fundamento
es, sobretudo se partissem dos Estados mais às normas constitucionais e servem de base para
poderosos (Hurrell, 1993; Martin e Simon, 1998). a crítica de dispositivos particulares da ordem
A perspectiva estatalista considera forte- jurídica interna. A interpretação e a implemen-
mente demarcados os limites entre a ordem jurídi- tação dos direitos humanos estariam, em geral, a
ca internacional e a dos Estados nacionais. Os cargo dos sistemas políticos nacionais. Com isso,
direitos humanos, enunciados pelos instrumentos a concepção estatalista considera responder sat-
jurídicos internacionais, podem ter caráter moral isfatoriamente às objeções levantadas pelo rela-
ou, no máximo, quase-jurídico. Nesse caso, a tivismo cultural.
ação de instituições multilaterais seria justificada e Além disso, essa visão concebe a proteção e
conveniente apenas nas situações em que as vio- a promoção dos direitos humanos no foro domés-
lações dos direitos humanos põem em risco a tico como resultado da atividade do Estado social
segurança coletiva. Esta pode ser definida, stricto e democrático de direito. Isso também se torna
sensu, em torno do âmbito estratégico-militar, ou um argumento a mais em resposta aos críticos
148 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 18 Nº. 53

que adotam a perspectiva do relativismo cultural, condições básicas, essenciais, para o funciona-
pois a estrutura institucional do Estado seria mento de um Estado democrático de direito. Caso
capaz de garantir a liberdade de escolha dos fossem violadas, isso por si só já significaria um
cidadãos entre normas de comportamento sinal de ausência desse Estado.
impostas por sistemas culturais concorrentes A exclusividade da implementação dos dire-
(Donnelly, 1989, p. 132). itos humanos pelos Estados justifica-se pela sua
O Estado social e democrático de direito legitimidade e capacidade em comparação com
seria a estrutura adequada para coibir os riscos outras organizações internacionais. O Estado é o
mais sérios aos direitos individuais, impostos pela agente político mais próximo dos destinatários
modernização das sociedades em todo o mundo. tanto em termos institucionais como culturais, o
De um lado, a ameaça da tirania da maioria pre- que lhe garante uma maior capacidade para a
sente nos regimes democráticos e, de outro, a execução de uma agenda ampla de direitos
ameaça do empobrecimento da população, humanos. A legitimidade das autoridades estatais
impostas pelas economias capitalistas desregu- contornaria as objeções ao direito internacional
ladas dos direitos humanos, como seletividade, baixa
Assim, para o estatalismo os direitos capacidade e etnocentrismo (Donnelly, 1989, p.
humanos seriam entitlements que os indivíduos 266; 1998, pp. 152-154).
possuem, os quais, em caso de violação ou
ameaça podem ser instrumentalizados em claims
dirigidos ao Estado. Os titulares dos direitos Crítica à concepção estatalista de direitos
humanos são os indivíduos, a sua garantia é dever humanos e necessidade de formulação de
da autoridade política, seu instrumento privilegia- uma base conceitual alternativa
do é o sistema jurídico/judicial. Embora haja
diferenças significativas quanto ao conteúdo dos No debate sobre o direito internacional dos
direitos humanos entre aqueles que adotam a per- direitos humanos encontram-se críticas variadas
spectiva estatalista, eles têm em comum uma con- sobre o escopo e as conseqüências de con-
cepção institucional de direito a partir da qual cepções exclusivamente institucionais (de dire-
pensam a proteção dos direitos humanos por nor- ito). As críticas mais relevantes são as que apre-
mas imperativas apresentadas pelo Estado. Alguns sentam reservas quanto ao reforço de uma ordem
admitem a promoção de direitos econômicos, jurídica global de caráter mandatório com
sociais e culturais por meio de políticas públicas poderes efetivos de enforcement, devido às pro-
de maior ou menor amplitude. Podem reconhecer fundas diferenças econômicas, culturais e políti-
a relevância de formas de democracia participati- cas, além da disparidade de poder nas relações
va, mas não exploram suas conseqüências teóric- entre as nações. No âmbito estatal, critica-se o
as para o modelo de direito que adotam. papel atribuído ao Estado de proteger e pro-
Os indivíduos tendem a ser dissolvidos na mover os direitos humanos, pois freqüentemente
figura do cidadão, membro da comunidade políti- ele é o próprio agente violador, e é de se esper-
ca. Em outras palavras,, os titulares dos direitos ar que seja mais difícil por parte dele uma
humanos são identificados aos indivíduos- mudança de atitude.
cidadãos, participantes do processo de formação É evidente que os direitos humanos com-
e de legitimação da sociedade política. Assim, a partilham vários aspectos com o sistema jurídico
proteção dos direitos humanos pelo Estado seria do Estado social e -democrático de direito. Muitas de
decorrência de um pacto constitucional hipotéti- suas formulações têm uma relação direta e de ne-
co, a contrapartida da autoridade política à cessidade com a constituição, poderíamos até
cessão, pelos indivíduos, de seus direitos de auto- dizer lógicas. De um ponto de vista elementar, os
governo. Numa outra versão, os direitos humanos direitos humanos, tomados como juízos formula-
poderiam ser considerados a expressão das dos de um ponto de vista moral e fundados em
O PAPEL DOS DIREITOS HUMANOS NA POLÍTICA DEMOCRÁTICA 149

uma dimensão daquilo que é considerado intol- autores, trata-se de uma dinâmica explosiva, uma
erável ao ser humano, inserem-se no processo vez que o reconhecimento de direitos está inseri-
político democrático como limites “externos” à do num processo contínuo de luta e de resistên-
ação política. Quanto ao conteúdo das cia entre grupos sociais e autoridades políticas, no
proposições, eles seriam uma formulação com- qual está envolvido o significado dos direitos, sua
plementar às Declarações de Direito presentes efetividade e seu escopo, assim como as suas
nas constituições de uma sociedade democrática. conseqüências em relação a outros direitos. Isso
Quanto ao modo de organização e funcionamen- aponta para a questão da indivisibilidade dos
to das instituições estatais, poder-se-ia afirmar direitos, não devido à sua formulação por um
que a democracia representativa e as políticas de instrumento jurídico, mas por sua própria dinâmi-
participação social são um modo de tornar efe- ca, ou seja, uma parcela de direitos serve de
tivos os direitos humanos, ou, ao menos, o que, ponto de apoio para a demanda pelo reconheci-
sem excluir outras possibilidades, mais se aproxi- mento de outros. Mais do que marcos externos ao
maria desse ideal. Enfim, se considerarmos o dire- jogo político, os direitos são a forma de manifes-
ito do Estado social-democrático um sistema tação de forças sociais, dado que é pela sua lin-
jurídico, também este seria a melhor forma de efe- guagem que se expressam as insatisfações e as
tivação dos direitos humanos, em virtude não só demandas pelo reconhecimento das identidades e
do seu conteúdo, mas também dos procedimen- dos interesses dos agentes sociais. Ademais, os
tos e das normas para a estruturação interna e direitos também fazem parte do processo político,
para ação externa das organizações públicas e já que constituem os modos legítimos de organi-
privadas. zação, de ação e de determinação dos objetivos
Também é evidente que o direito interna- públicos na luta política.
cional dos direitos humanos limita e controla a Os direitos humanos acentuam a dinâmica
soberania estatal, mesmo em se tratando de país- dos direitos da cidadania devido ao seu caráter
es democráticos. A soberania é limitada por um transnacional, o que lhes garante o potencial de
conjunto de normas e princípios jurídicos – cujo serem amplificados socialmente e reforça o
conteúdo pode ser substancial ou específico, caráter transversal, por assim dizer, dos direitos
como, por exemplo, se observa na convenção em relação ao Direito estatal.
interamericana para a prevenção da violência Essas observações tornam-se mais relevantes
contra a mulher –, assim como de obrigações quando se tem em mente os processos contem-
morais e compromissos políticos assumidos pelos porâneos de mudança no âmbito do Direito
dirigentes dos Estados junto aos seus congêneres estatal, para o qual o modelo da pirâmide norma-
nas instâncias multilaterais. Com isso, os Estados tiva deixou de ser adequado (se é que o foi algum
ingressam num regime internacional, com nor- dia), sendo substituído por novas formulações
mas, procedimentos e espaço próprios de coop- Pensar os direitos humanos como uma
eração e negociação com outros Estados, agên- analogia dos direitos constitucionais restringi seu
cias multilaterais e organizações campo a uma concepção institucional do
não-governamentais. Temos aqui uma textura de Direito,10 ou seja, insere os direitos humanos no
relações que pode ser aproximada ao papel dos sistema jurídico estatal, que é, por sua vez, con-
princípios, das normas e dos procedimentos do cebido como um conjunto de normas jurídicas,
direito constitucional para um sistema político assim como os submete às técnicas de integração
interno. e interpretação elaboradas por juristas. Trata-se de
Entretanto essas aproximações retiram do um sistema é piramidal – pois engendrado como
centro da análise a dinâmica peculiar dos direitos uma estrutura de normas unitária, que só aceita as
humanos, cuja análise pode tomar como modelo fontes reconhecidas por ele mesmo –; obrigatório
a dinâmica dos direitos da cidadania. Conforme – pois não aceita a validade de normas oriundas
foi apontado por O’Donnell (2000), entre outros de sistemas normativos que também não sejam
150 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 18 Nº. 53

reconhecidos por ele –; hierárquico – já que as risco de ser suplantado “por outros tipos de reg-
normas estão ordenadas de modo estruturado ulação global em razão da emergência de ordens
segundo sua generalidade e alcance –; coerente – espontâneas que escapam à regulação estatal”
pois qualquer contradição implicará ou na com- (Arnaud, 1998, p. 157).
patibilização das normas ou na exclusão de uma Dessa forma, nas sociedades contem-
delas –; e completo – pois não permite que haja porâneas assiste-se a uma nova configuração das
relações ou situações não previstas pelas normas. regulações, as quais não mais se restringem à
Tudo isso supõe que o Direito estatal é um sis- esfera do Direito. Apesar de o Estado manter em
tema de regras autônomo, isto é, com linguagem, parte seus papéis, ele foi, de alguma maneira,
formas de ação e princípios de integração descentrado pelas novas regulações, advindas
próprios. seja do mercado globalizado, seja de novas orga-
Essa estrutura vem sendo criticada há mais nizações da sociedade. Essa dinâmica não só cria
de trinta anos. No universo acadêmico, os ques- novos espaços de discussão de negociação, mas
tionamentos ao modelo da pirâmide normativa também regras, cuja lógica é, muitas vezes, con-
são tanto de cunho teórico, como resultantes de trária ou, ao menos, diferente da dinâmica que se
estudos empíricos. Nos âmbitos político e jurídi- observa nos espaços públicos (Idem, ibidem).
co, os limites à realização social do Direito têm Nos debates de teoria e sociologia do Direito
sido superados por inovações que são inconsis- tem-se proposto substituir a o modelo da
tentes com o modelo piramidal.. Enfim, esse pirâmide de normas pela imagem da rede, do
processo foi impulsionado pelas transformações jogo ou mesmo do arquipélago de normas. O
políticas, econômicas e tecnológicas da última Direito passa a ser considerado um sistema aber-
década.11 to, permeável, incompleto e com articulações
As novas relações sociais e políticas têm complexas com a sociedade. No limite, alguns
ocasionado mudanças no modo de regulação autores propõem a própria supressão do Direito
jurídica, as quais exigiriam um novo modo de como um conceito ou uma racionalidade especí-
conhecimento do Direito. A internacionalização fica (Arnaud, 1998, pp. 147-148; Kerchove e Ost,
das relações econômicas e políticas leva a um 1992; Le Roy, 1997; Commaille e Jobert, 1998;
novo pluralismo jurídico mais complexo, no qual Clam e Martin, 1998).
o Direito estatal deve ser combinado a regras Esses trabalhos põem em relevo a inade-
estabelecidas em todas as esferas (global, region- quação das abordagens jurídicas convencionais
al e local) e com características distintas (progra- dos direitos humanos, em que estes são estudados
mas de ação fixados consensualmente, códigos a partir de uma perspectiva disciplinar que parte
de ética, regulamentações). No âmbito interna- do sujeito de Direito para deduzir as condições do
cional, as mudanças intensificam as relações entre sistema normativo concebido como uma pirâmide
as ordens estatal, inter-estatal e global. de normas. Trata-se de um sistema isolado,
Concomitante ao aumento das tensões internas e autônomo em relação às outras dimensões sociais
externas, pode-se observar que a capacidade de e políticas da sociedade. Essa visão faz uma espé-
ação autônoma dos Estados é restringida e sua cie de purificação epistemológica e política, a qual
soberania questionada. Instâncias inferiores determina de maneira unívoca o significado e as
começam a ter um papel mais relevante, ou seja, relações entre os conceitos jurídicos. Contudo,
as organizações de direito privado e as autori- perde o mais importante para se pensar os direitos
dades locais estabelecem regras de conduta por humanos: o entrelaçamento do Direito a outras
meio de negociações e acordos. O Direito estatal dimensões da sociedade, seu caráter polêmico e
está sendo, pode-se dizer, suplementado por incompleto, sua mudança contínua.
políticas públicas e programas de ação governa- Essas contribuições indicam que o caminho
mental, cuja natureza é diferente daquela do dire- para uma formulação dos direitos humanos deve
ito tradicional. Enfim, o Direito estatal corre o estar aberto a outras dimensões da vida social e
O PAPEL DOS DIREITOS HUMANOS NA POLÍTICA DEMOCRÁTICA 151

permitir a formulação de uma problemática só é perfeito caso haja um agente ao qual é


fecunda de suas relações com o processo atribuído o dever de realizá-lo por meio das obri-
democrático, o que significa adotar uma perspec- gações de fazer, não-fazer ou prestar, e que possa
tiva construtivista atenta à dimensão deliberativa ser constrangido a isso pela sanção, ou ameaça,
da democracia. imposta por uma autoridade competente segundo
Do ponto de vista do processo político, a a estrutura da ordem.
indivisibilidade dos direitos humanos evidencia- O reconhecimento público de direitos com
se no plano internacional com a ampliação de deveres imperfeitos tem efeitos difusos, os quais
sua agenda – até então os direitos civis e políti- devem ser ressaltados. Em primeiro lugar, a luta
cos eram prioritários – no sentido de considerar pelo reconhecimento de direitos resulta num
as demandas de grupos minoritários, com carac- processo de formulação pública de problemas;
terísticas particulares ou em situação de risco. em segundo, os direitos reconhecidos não só val-
Além disso, houve uma unificação entre as agen- idam determinados conhecimentos sobre a reali-
das dos direitos humanos da democracia e do dade, mas também estabelecem em potencial
desenvolvimento. sujeitos para seu exercício e, ainda, preconizam
Isso parece ter sido o resultado da estratégia procedimentos e instrumentos adequados para
dos agentes coletivos envolvidos: funcionários e sua efetivação. Ou seja, a enunciação de um dire-
técnicos de instâncias multilaterais, governantes ito constitui o reconhecimento público da carên-
de países menos desenvolvidos, organizações cia de um bem e serviço que deve ser suprida por
internacionais, movimentos sociais e políticos e alguém, uma autoridade pública, em geral. Mas
lideranças.12 também é uma interpelação dirigida aos sujeitos
Esse processo levou, por um lado, ao deslo- sociais para que incorporem os meios de suprir
camento da responsabilidade pela efetivação dos essa falta entre as prioridades da ação coletiva ou
direitos humanos, até então centrada nos Estados, justifiquem publicamente as razões pelas quais
que passou a ser compartilhada por outros agentes, não o fazem. Ao serem adotados por consenso,
não estatais e globais.13 Por outro lado, observou-se os planos de ação que projetam objetivos futuros
a proliferação de temas acerca das declarações de passam a ser utilizados como parâmetros de avali-
princípios, dos textos legais e dos programas de ação de situações sociais internacionalmente
ação em todos os níveis de participação.14 O resul- reconhecidos, em função dos quais se constitui o
tado é um conjunto complexo de enunciados, em “desvio” de situações particulares e se avalia sua
que as instituições políticas democráticas aparecem progressão ao longo do tempo.
permanentemente em déficit quanto à sua efeti- O sistema de monitoramento internacional,
vação. Desse conjunto não se tem respostas, devi- formado por organismos de instâncias multilat-
do à difícil, se não impossível, definição e ordena- erais, agências de cooperação e organizações
mento do seu conteúdo. Nas formulações não-governamentais, acompanha essas situações,
anteriores, os direitos humanos apontavam para um faz avaliações que poderão ser utilizadas para a
modelo jurídico de Direito, enquanto o novo mod- crítica e pressão sobre governos e nomeia priori-
elo aponta para uma indefinição maior entre dades e planos de ação.
Direito, políticas públicas e processo político.15 Entretanto, os direitos humanos fazem parte
Muitos afirmam que esse processo acar- do espaço público democrático, e não são apenas
retaria o enfraquecimento e a banalização dos temas ou objeto de disputa política. Eles têm um
direitos humanos. De que valeriam direitos caráter produtivo e positivo em relação às
reconhecidos formalmente sem a identificação decisões coletivas, pois a participação ativa de
dos responsáveis pela sua efetivação? O que é um atores coletivos que pretendem tornar efetivas as
direito sem o dever que lhe é correspondente? normas de enunciado universal provoca desloca-
A correlação entre direito e dever é central mentos no debate público, uma vez que suas
na concepção institucional do Direito. Um direito demandas interpelam os demais atores, que
152 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 18 Nº. 53

devem responder a elas. Esses deslocamentos humanos e aos agentes que os sustentam uma
ocorrem mesmo quando o conteúdo dos discur- vocação universalista a priori e um caráter “desin-
sos de direitos humanos é negativo, isto é, de teressado” de sua ação, voltado para o consenso.
denúncia de violações ou da carência de determi- Pelo contrário, os direitos humanos inserem-se no
nados bens para uma parcela da população.16 jogo dos agentes interessados, contribuindo para
Do ponto de vista do processo político, os a formação de interlocutores válidos, pois, devido
agentes internos têm diversos tipos de apoio à sua dimensão transnacional, fornecem temas,
externo. Isso cria uma dinâmica, digamos, “trans- formas de ação e soluções mais aceitáveis para os
versal” em relação ao processo “vertical” de luta problemas da sociedade em geral.
política pelo exercício do poder governamental.
O sistema de monitoramento internacional
fornece apoio verbal, know-how e incentivos Considerações finais
materiais para os agentes coletivos que defendem
mudanças no plano interno. Esses agentes são, Argumentamos neste trabalho que, embora
evidentemente, as organizações de direitos os direitos humanos tenham muitos pontos de
humanos e os movimentos locais, mas também encontro com os direitos constitucionais, isso é
organizações de profissionais, públicas ou pri- insuficiente para a análise do seu papel na políti-
vadas, que recebem parâmetros ou buscam con- ca democrática. Consideramos, pois, essencial não
hecimentos formulados por seus congêneres.17 As adotar, para a construção de modelos de análise
ONGs transnacionais atuam no sentido de criar empírica em ciência política, esse tipo de formu-
uma verdadeira rede, que permite a continuidade lação institucional dos direitos humanos, que os
temporal e a expansão dos efeitos das ações cole- reduz a uma estrutura separada e com papel “lim-
tivas. Assim, a dimensão transnacional dos dire- itador” ou “controlador” do jogo político.
itos humanos serve não só para reforçar agentes Os direitos humanos têm um papel mais rel-
locais já existentes, mas também para constituir evante do que ser apenas um pressuposto insti-
agentes coletivos que, de outra maneira, não teri- tucional ou objeto do processo político. Eles
am como se formar. Enfim, pela sua dimensão estão no cerne deste processo, significam a via
transnacional, os agentes de direitos humanos de manifestação de forças sociais, pois são a
ingressam de maneira muito peculiar no processo forma por excelência de formulação dos inter-
público de deliberação, ajudando na construção esses e das identidades sociais nas sociedades
social de problemas e na tomada de decisão. democráticas. Devido ao seu caráter transna-
Assim, os direitos humanos não são apenas cional, dão apoio à constituição de agentes cole-
um elemento instrumental e estratégico, mas são tivos e à construção de problemas sociais, assim
centrais à deliberação política em uma sociedade como auxiliam a formulação de diagnósticos e
democrática. Eles tornam manifestas as necessi- programas de ação compartilhados pelos agentes
dades, as reações e as demandas de setores mar- internos às democracias.
ginalizados, cuja tradução não encontra formas Sob um ângulo construtivista, o trabalho de
adequadas no léxico político dominante. Risse, Ropp e Sikkink (1999) representa um ponto
Fornecem, ainda, padrões de reconhecimento de de partida interessante. Esses autores procuram
problemas a segmentos da população que não os formular um modelo para explicar a maneira pela
identificam como violações de direitos. Por fim qual as normas do direito internacional dos dire-
ingressam no espaço de deliberação pública, itos humanos se constituem dentro de cada
propiciando o reconhecimento recíproco dos Estado nacional; um modelo que leva em conta as
agentes e suas demandas, a formulação de nor- interações entre os Estados, o ambiente interna-
mas comuns e a discussão pública das razões que cional, por um lado, e os agentes políticos inter-
justificam suas pretensões normativas. nos, por outro. Os estudos empíricos desse mod-
Isso não significa atribuir aos direitos elo voltam-se para casos em que se pode
O PAPEL DOS DIREITOS HUMANOS NA POLÍTICA DEMOCRÁTICA 153

observar claramente a adoção interna de direitos inverter as relações. Em vez de o modelo pirami-
civis e políticos, em países que estavam em dal de Direito ser tomado como modelo de inter-
processo de transição de regimes autoritários para pretação dos direitos humanos, estes deveriam ser
democráticos. Segundo os autores, a difusão das considerados reveladores das profundas
normas internacionais depende do estabeleci- mudanças no sentido e no alcance dos direitos
mento e da sustentação de redes entre agentes nas sociedades contemporâneas. Os direitos
domésticos e transnacionais. Isso é importante no humanos potencializam o enraizamento de con-
sentido de estabelecer ligações com os regimes cepções individuais e coletivas como padrão de
internacionais, assim como alertar a opinião relações sociais, o descentramento das fontes de
pública e os governos dos países ocidentais, Direito e das formas de resolução de conflitos, a
condições necessárias para a mudança na área noção de responsabilidade compartilhada, a
dos direitos humanos. Nesse contexto, a violação transnacionalização de ações e agentes, assim
dos direitos é, de alguma forma, mais controlada, como de concepções de civilidade e dignidade
já que as redes transnacionais apoiam e legitimam humana.
os grupos de oposição no interior de Estados,
cujos governos são violadores de normas, pres-
sionando-os sob todos os ângulos. Esse processo NOTAS
é chamado de socialização, em que atuam três
tipos de mecanismos: adaptação instrumental e 1 Ver Alves (1994, 2001) e Falk (2000).
barganha estratégica; criação de consciência
2 Como afirma Rafael Duarte Villa, esse processo evi-
moral, argumentação, diálogo e persuasão; insti-
dencia os limites do realismo, pois trata-se de prob-
tucionalização e “habitualização”. A partir dessas
lemas que só podem ser tratados por esquemas
bases, os autores desenvolvem uma teoria que
ampliados de cooperação, cujo resultado é de soma
denominam modelo espiral: socialização das nor-
positiva e que a guerra, como ultima ratio de res-
mas de direitos humanos no Direito interno dos
olução de conflitos internacionais, é incapaz de dar
países (Risse, Ropp e Sikkink, 1999, pp. 5-6).
qualquer resposta adequada. O autor caracteriza a
Esse modelo é relevante, pois são poucos os
situação como “segurança global multidimension-
trabalhos nessa área que enfocam o processo de
al”. Segurança, porque implica questões essenciais
implementação dos direitos humanos vinculando
para a sobrevivência coletiva; global, porque as
as dimensões interna e externa dos Estados.
questões e as relações representam um âmbito
Entretanto, os autores abordam o processo inter-
sistêmico e planetário, mais amplo do que o das
no de institucionalização dos direitos em termos
relações interestatais e internacionais, tradicional-
de formação de hábitos de obediência às normas
mente consideradas as únicas relevantes para as
universais. Isso simplifica demasiadamente o
relações internacionais. Enfim, multidimensional,
processo interno, pois não esclarece como e por
porque os temas e os problemas não podem ser
que se dá a formação dos hábitos. Nesse sentido,
reduzidos à dimensão estratégico-militar (Villa,
seria preciso considerar a constituição de agentes
1999).
e a formação de problemas públicos no processo
competitivo em que interagem em busca da 3 As conferências mais importantes são: “Cúpula
atenção pública escassa e diante da capacidade Mundial sobre a Criança” (Nova York, 1990);
limitada de processamento das arenas públicas “Conferência do Rio de Janeiro sobre Meio
(Hilgartner e Bosk, 1988). Devemos, ainda, aten- Ambiente e Desenvolvimento” (1992); “Conferência
tar para a dimensão deliberativa da democracia, de Viena sobre Direitos Humanos (1993);
dado que as decisões são tomadas como desdo- “Conferência do Cairo sobre População e
bramento de um processo discursivo entre atores Desenvolvimento” (1994); “Cúpula Mundial sobre
políticos e sociais., (Elster, 1998; Sen, 2000). Desenvolvimento Social (Copenhague, 1995);
De um outro ângulo, poder-se-ia talvez “Conferência de Beijing sobre a Mulher (1995);
154 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 18 Nº. 53

“Conferência de Istambul sobre Assentamentos garantias ou prestações, fornecida pelo Estado ou


Humanos (1996); “Conferência em Kioto sobre o por outros agentes coletivos.
Clima (1997).
11 Ost e Kerchove (2000) apontam como características
4 Sobre as conferências das Nações Unidas, ver Alves do modelo piramidal a hierarquia, a linearidade (dis-
(2001) e Schecheter (2001). tribuição das normas em camadas de generalidade) e
a “arborescência” (normas derivam de uma fonte
5 Em apreciação geral sobre a década de 1990, Gilberto
única, o legislador, seguindo os procedimentos da
Saboia, agente privilegiado neste processo, avalia que
Constituição). Segundo os autores: “sem desaparecer,
o período apresentou um processo de expansão dos
a hierarquia revela seus limites – descontinuidade,
direitos humanos – maior limitação de armas, criação
falta de acabamento e alternância –, em que a subor-
de tribunais penais internacionais, fim do apartheid,
dinação cede parcialmente o lugar à coordenação e à
consciência dos limites dos padrões sociais domi-
colaboração; sem perder todo vigor, a linearidade se
nantes, discussão em torno de questões como ambi-
relativiza e freqüentemente é acompanhada por fenô-
ente e consumo –, mas também de contestação e de
menos como circularidade ou inversão da ordem de
atitudes contrárias a eles – enfraquecimento da von-
relações; a “arborescência” dilui-se, à medida que a
tade política de implementar as conferências, falta de
multiplicidade das fontes/locais de criação do direito
disposição de reforçar as instituições internacionais
não pode mais ser derivada de um ponto de vista
de direitos humanos, aprofundamento de conflitos
único e soberano” (p. 4).
étnicos e religiosos e situação de impasse no Oriente
Médio (comunicação verbal em conferência realizada 12 Essa hipótese baseia-se em relatos de pessoas
no Núcleo de Estudos da Violência, dentro das ativi- envolvidas nos processos preparatórios de negoci-
dades do projeto Desenvolvimento de uma Teoria ação para as conferências das Nações Unidas. Jorge
Integrada dos Direitos Humanos). Wilheim, por exemplo, relata a formação de uma
parceria entre funcionários das Nações Unidas, téc-
6 Por exemplo, em 1992, o país aderiu à Convenção
nicos, lideranças de ONGs e prefeitos para que a
Americana de Direitos Humanos e, em 1998, recon-
Conferência sobre o Habitat em Istambul fosse a
heceu a competência jurisdicional da Corte
mais aberta possível aos que não eram represen-
Interamericana de Direitos Humanos.
tantes dos Estados. Na ocasião houve o primeiro
7 Note-se que das conferências resultaram documen- fórum mundial de prefeitos, dando início a uma
tos compostos por declarações de princípios e cooperação permanente entre eles.
planos de ação, com previsão de metas, recomen-
13 A título de ilustração, o Relatório do
dação de meios para alcançá-las e previsão de con-
Desenvolvimento Humano de 2000 afirma que os
ferências de avaliação dos avanços cinco anos após
desafios dos direitos humanos e do desenvolvimen-
sua realização.
to humano no século XXI vão requerer abordagens
8 Preferimos a expressão “estatalismo” a “estatismo” para ousadas, como, por exemplo, reforço de arranjos
evitar a conotação de intervenção do Estado na econo- sociais para garantir as liberdades humanas, democ-
mia ou na sociedade, de uso corrente entre os liberais. racia participativa, erradicação da pobreza e justiça
Embora importantes argumentos “estatalistas” sejam global. A responsabilidade deve ser estendida a
sociais-democráticos, a discussão remete às relações atores não estatais, e as obrigações estatais dever ir
Estado/ordem internacional e não além das fronteiras nacionais. No item 6 afirma-se
Estado/economia/sociedade. que “obter todos os direitos, para todas as pessoas
em todos os países, no século XXI, vai requerer a
9 Ver os trabalhos de Donnelly (1989, 1998, 1999) e
ação e o empenho dos principais grupos em todas
Baher (1999).
as sociedades – ONGs, meios de comunicação,
10 Usamos “Direito” em maiúscula para designar este empresas comerciais, governos locais e nacionais,
sistema. A expressão “direitos” em minúscula sig- líderes parlamentares e outros líderes de opinião”
nifica a titularidade dos indivíduos a determinadas (PNUD, 2000, pp. 6-11).
O PAPEL DOS DIREITOS HUMANOS NA POLÍTICA DEMOCRÁTICA 155

14 Muitos desses temas parecem ser de difícil solução BIBLIOGRAFIA


numa perspectiva institucional do direito. Referem-
se a objetos coletivos, cujos sujeitos são indetermi-
ALVES, José Augusto Lindgren. (1994), Os direitos
nados e os efeitos negativos resultam de determi-
humanos como tema global. São Paulo,
nações estruturadas socialmente, as quais, para
Perspectiva.
serem conhecidas, necessitam de procedimentos
complexos e saberes técnicos – por vezes contro- _________. (1997), A arquitetura internacional
versos – e engendram um processo de disputa dos direitos humanos. São Paulo, FTD
política e de fragmentação dos agentes. Além disso, (coleção “Juristas da Atualidade”).
demandam arenas e estratégias cooperativas, _________. (2001), Relações internacionais e
agentes e ações políticas e perspectivas de longo, temas sociais: a década das conferên-
para as quais os procedimentos judiciais de garan- cias. Brasília, Instituto Brasileiro de
tia de direitos são inadequados. Para uma análise Relações Internacionais – IBRI.
dessa questão na área ambiental, ver Harvey (1996).
ARNAUD, André-Jean. (1998), “La régulation en
15 No primeiro modelo podemos formular a seguinte contexte globalisé”, in Commaille e
seqüência de características: declaração de direitos; Jobert, Les métamorphoses de la régula-
tratados e convenções; lei estatal positiva; limites ao tion politique, Paris LGDJ (coleção
poder do Estado; cidadãos destinatários dos direitos; “Droit et Société”).
efetivação por políticas estatais; e garantia pelas
_________. (1999), O direito entre modernidade e
instituições judiciais. No segundo teríamos: declar-
globalização: lições de filosofia do dire-
ação de direitos; planos internacionais de ação; pro-
ito e do Estado. Rio de Janeiro, Renovar.
gramas governamentais; disposição dos meios e
objetivos para a ação governamental; interação entre BAHER, Peter R. (1999), “Controversies in the cur-
agentes públicos, organizações sociais e indivíduos; rent international human rights debate”,
questionamento dos obstáculos e resistências ao efe- Human Rights Working Paper, 9,
tivo exercício dos direitos humanos por todos os Denver University.
indivíduos.
BOHMAN, James & LUTZ-BACHMANN, Mathias
16 Por isso, erram o alvo os críticos das organizações (eds.). (1997), Perpetual peace: essays
de direitos humanos quando afirmam que seu dis- on Kant´s Cosmopolitan ideal.
curso é vazio, devido ao caráter não-cooperativo e Cambridge, Mass, MIT Press.
não-propositivo de suas demandas, pois grande CLAM, J. & MARTIN, G. (eds.). (1998), Les trans-
parte da força desse discurso está na própria inter- formations de la régulation juridique.
pelação pública, baseada em princípios, de autori- Paris, LGDJ (coleção “Droit et Société”).
dades e cidadãos.
COMMAILLE, J. & JOBERT, B. (1998), Les méta-
17 Esse último aspecto é particularmente relevante no morphoses de la régulation politique.
que diz respeito aos juristas, podendo-se afirmar que Paris, LGDJ (coleção “Droit et Société”).
existe uma verdadeira “internacional dos juristas”, a
qual não é formada exclusivamente por especialistas COMMAILLE, J.; DUMOULIN, L. & ROBERT, C.
em direito internacional, ao contrário, profissionais
(eds.). (2000 ), La juridicisation du poli-
das mais diferentes áreas circulam nos foros interna-
tique: leçons scientifiques. Paris LGDJ
cionais e procuram trazer para os sistemas jurídicos
(coleção “Droit et Société”).
de seus Estados as soluções mais aceitas por seus DONNELLY, Jack. (1989), Universal human rights in
pares. theory and practice. Ithaca, Cornell U.P.
_________. (1998), International human rights. 2
ed. Boulder CO, Westview Press.
156 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 18 Nº. 53

_________. (1999), “Ethics and international LAFER, Celso. (2001), A identidade internacional
human rights practice”. Human Rights do Brasil e a política externa brasileira:
Working Paper, 1, Denver University. passado, presente e futuro. São Paulo,
Perspectiva.
DUNNE, T. & WHEELER, N. (eds.). (1999),
Human rights in global politics. LE ROY Etienne. (1997), “Les fondements anthro-
Cambridge, Cambridge University Press. pologiques et philosophiques des droits
de l’homme: l’universalité des droits de
ELSTER, Jon (ed.). (1998), Deliberative democra-
l’homme peut-elle être fondée sur le
cy. Cambridge, Cambridge University
principe de la complémentarité des dif-
Press.
férences?”. Recueil des cours de la Vingt-
FALK, Richard. (2000), Human rights horizons: huitième Session d’Enseignement de
the pursuit of justice in a globalizing l’Institut International des Droits de
world. Nova York, Routledge Press. l’Homme de Strasbourg, pp. 13-30.
HARVEY, David. (1996), “The environment of jus- _________. (1998), “Logique institutionnelle et
tice”, in _________, Justice, nature and logique fonctionnelle, de l’opposition à
the geography of difference, Cambridge, la complémentarité”, in Stéphane Tessier
Blackwell. (ed.), A la recherche des enfants des
HILGARTNER, Stephen & BOSK, Charles. (1988), rues, Union Européenne, Karthala.
“The rise and fall of social problems: a MARTIN, L. & SIMMONS, B. (1998), “Theories and
public arenas model”. American empirical studies of international institu-
Journal of Sociology, 94 (1), jul. tions”. International Organization, 52
HURRELL, Andrew. (1993), “International society (4): 729-758.
and the study of regimes: a reflective O’DONNELL, Guillermo. (2000), “Democracy, law
approach”, in Volker Rittberger (ed.), and comparative politics”. Working
Regime theory and international telations, Paper Series, 274, The Helen Kellogg
Oxford, Clarendon Press, pp. 49-71. Institute for International Studies,
University of Notre Dame.
_________. (1999), “Power, principles and pru-
dence: protecting human rights in a OST, F. & KERCHOVE, M. (2000), “De la pyrami-
deeply divided world”, in T. Dunne e N. de au reseau? Vers un nouveau mode de
Wheeler (eds.), Human rights in global production du droit?”. Revue Inter-
politics, Cambridge, Cambridge University disciplinaire d’Études Juridiques, 44: 1-
Press, pp. 277-302. 82, disponível no site http://sos-
net.eu.org/red&s/dhdi/ textes/ost8.htm.
KERCHOVE, Michel Van de & OST, François.
(1992), Le droit ou les paradoxes du jeu. PNUD (Programa das Nações Unidas para o
Paris, PUF (coleção “Les Voies du Droit”). Desenvolvimento). (2000), Relatório de
desenvolvimento humano.
KOERNER, Andrei. (2002), “Ordem política e
Brasília/Lisboa, Trinova.
sujeito de direito no debate sobre os
direitos humanos nos anos noventa”. RISSE, T.; ROPP, S. & SIKKINK, K. (1999), The
Lua Nova, SP, n° 57, pp. 87-112 power of human rights: international
politics and domestic change.
KRASNER, Stephen D. (1993), “Sovereignty,
Cambridge, Cambridge University Press.
regimes, and human rights”, in Volker
Rittberger (ed.), Regime theory and RITTBERGER, Volker (ed.). (1993), Regime theory
international telations, Oxford, and international relations. Oxford,
Clarendon Press, pp. 139-167. Clarendon Press.
O PAPEL DOS DIREITOS HUMANOS NA POLÍTICA DEMOCRÁTICA 157

SABOIA, Gilberto V. (1993), “Um improvável con- SEN, Amartya. (2000), Desenvolvimento como
senso: a conferência mundial de direitos liberdade. São Paulo, Companhia das
humanos e o Brasil”. Política Externa, 2 Letras.
(3): 3-18, dez.
VILLA, Rafael D. (1999), Da crise do realismo à
SCHECHTER, Michael. (2001), United nations- segurança global multidimensional.
sponsored world conferences: focus on São Paulo, Annablumme/Fapesp.
impact and follow-up. Tóquio, United
Nations University Press.
RESUMOS / ABSTRACTS / RÉSUMÉS 181

O PAPEL DOS DIREITOS THE ROLE OF HUMAN LE RÔLE DE DROITS DE


HUMANOS NA POLÍTICA RIGHTS ON DEMOCRATIC L’HOMME DANS LA POLI-
DEMOCRÁTICA: UMA POLITICS: A PRELIMINARY TIQUE DÉMOCRATIQUE:
ANÁLISE PRELIMINAR ANALYSIS UNE ANALYSE PRÉLIMINAIRE

Andrei Koerner Andrei Koerner Andrei Koerner

Palavras-chave Key words Mots-clés


Direitos Humanos; Constitucionalis- Human rights; Constitutionalism;
mo; Teoria democrática; Construti- Democratic theory, Construtivism;
vismo; Organizações Não-Governa- Non governmental organizations
mentais
This paper explores the basis for a Ce travail explore les bases d’une
Este trabalho explora as bases para conceptual formulation on the role formulation conceptuelle du rôle
uma formulação conceitual do of human rights in democratic poli- des droits de l’homme dans la poli-
papel dos direitos humanos na tics, having the changes in the tique démocratique en ayant,
política democrática, tomando como 1990’s as starting point. The human comme point de départ, les modifi-
ponto de partida as mudanças que rights can’t be restricted to the con- cations de ces droits qui ont eu lieu
ocorreram acerca desses direitos na stitutional scope. In other words, the à partir dans les années 1990. Nous
década de 1990. Acreditamos que os analysis of the human rights based estimons que les droits de l’homme
direitos humanos não podem ficar on an analogy with the constitution- ne peuvent être réduits au cadre
restritos ao âmbito constitucional. al rights is well suited to criticism. constitutionnel. En d’autres mots,
Em outras palavras, a análise dos On the one hand, the pyramidal l’analyse des droits de l’homme
direitos humanos com base em uma model of Rights supposed by such suivant une analogie avec les droits
analogia com os direitos constitu- analogy has been subject to theoret- constitutionnels est passible de cri-
cionais é passível de crítica. Por um ical and practical questioning in the tique. D’un côté, le modèle pyrami-
lado, o modelo piramidal de Direito, past few years. On the other hand, dal du droit, supposé par cette
suposto por essa analogia, tem sido the human rights have a much analogie, a fait l’objet de question-
objeto de questionamento teórico e greater role due to their internation- nements théoriques et pratiques au
prático nos últimos anos. Por outro, al nature and the way they are cours des dernières années. D’un
os direitos humanos têm um papel inserted in the democratic politic autre côté, les droits de l’homme ont
que vai muito além do que essa dynamics. un rôle qui va bien au-delà de ce
analogia também pressupõe, em vir- que cette analogie présuppose, en
tude de seu caráter transnacional e vertu de son caractère transnational
de seu modo de inserção na dinâmi- et de son mode d’insertion dans la
ca política democrática. dynamique politique démocratique.

Você também pode gostar