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CAPÍTULO 1

Introdução ao uso clínico de antimicrobianos

1. Introdução
Até 1936, não havia tratamentos clínicos com medicamentos que fossem
realmente efetivos no tratamento de bactérias, ocasionando milhares de
mortes. A partir dessa data, estudos para o tratamento de infecções surgi-
ram com os primeiros sulfamídicos, que passaram a ser empregados para
esse fim. Em 1942, iniciou-se o uso de penicilina G na prática clínica, subs-
tância bactericida de síntese natural que havia sido descoberta por Alexan-
der Fleming em 1928. Novas substâncias com atividade microbicida foram
sendo descobertas em seguida e, finalmente, na década de 1960, foram in-
troduzidos compostos sintéticos e semissintéticos, o que aumentou muito a
capacidade de produção e o espectro de atividade das drogas antimicrobia-
nas. O impacto na sobrevida da população foi significante, e a perspectiva
de erradicação de todas as infecções (agora com tratamentos possíveis) foi
considerada.
Tabela 1 - Histórico da descoberta de alguns antimicrobianos naturais e microrganis-
mos dos quais foram extraídos
Descobertas Contextos
Alexander Fleming constata a atividade antibacteriana de uma subs-
1929
tância produzida pelo fungo Penicillium notatum.
1932 Atividade antibacteriana das sulfas in vivo.
Surgimento de inúmeros derivados sulfamídicos com atividade anti-
1938 a 1942
bacteriana (exemplos: sulfadiazina, sulfatiazol e sulfamerazina).
1941 Utilização da penicilina, pela 1ª vez, em infecções humanas.
1943 Uso terapêutico da penicilina na prática clínica.
Descoberta da estreptomicina, obtida de culturas de um actinomi-
1944
ceto, o Streptomyces griseus.
Descoberta da cefalosporina C, obtida de culturas de Cephalospo-
1953
rium acremonium.
Obtenção da vancomicina a partir de culturas de Streptomyces
1956
orientalis.
1
Início da produção dos antibióticos semissintéticos, após a obten-
1959
ção do ácido 6-aminopenicilânico (6-APA) em laboratório.
Surgimento da meticilina e da oxacilina, ativas contra os Staphylo-
1960 a 1961 coccus produtores de penicilinase, importante causa de infecções
intra-hospitalares naquele momento.
1962 Obtenção da 1ª cefalosporina semissintética, a cefalotina.
Obtenção da gentamicina, a partir de culturas de Micromonospora
1963
purpurea.
Guia de Antibioticoterapia

No entanto, o pensamento de uso inesgotável de antimicrobianos fez que


houvesse aumento substancial da prescrição de antimicrobianos e, conse-
quentemente, seu uso indiscriminado. O que se seguiu foi o inusitado surgi-
mento de resistência bacteriana aos principais antimicrobianos, relacionado
à pressão seletiva imposta por seu uso abusivo e impreciso, dificultando pro-
gressivamente o tratamento de infecções, o que derrubou a falsa ideia de
que estas desapareceriam da prática médica a partir da introdução daquela
classe de medicamentos. No final da década de 1940, por exemplo, já havia
Staphylococcus beta-hemolíticos, gonococos e pneumococos resistentes à
sulfonamida.
A situação atual é a existência de bactérias com mecanismos de resistên-
cia, inclusive a fármacos de amplo espectro, e até mesmo resistência múltipla
em uma mesma cepa bacteriana, o que implica grande dificuldade terapêu-
tica e tem impacto na sobrevida. A presença das cepas resistentes, especial-
mente em ambiente hospitalar, tem consequências individuais e coletivas.
Para o paciente, ocorrem aumento da morbimortalidade, desenvolvimento
de infecções crônicas ou recorrentes e maior incidência de sequelas. A disse-
minação de resistência bacteriana leva à piora de indicadores hospitalares e
ao aumento do custo global, vinculados à maior necessidade de tratamento
em unidades críticas, prolongamento do período de internação e necessida-
de de uso de drogas de maior custo.
O conhecimento dos princípios gerais que norteiam o uso de antibióticos
evita a progressão da resistência bacteriana e diminui os custos do tratamen-
to das doenças infecciosas. A seguir, serão detalhados os principais conceitos
que embasam o uso racional dessas drogas.

2. Definições
Segundo o conceito original, antibióticos seriam substâncias capazes de
matar agentes infecciosos ou de impedir seu crescimento, produzidas natu-
ralmente por seres vivos, em geral bactérias ou fungos. A seguir, essas subs-
tâncias foram estudadas em nível molecular, com determinação de seus sí-
tios ativos, reproduzidos em laboratório, originando fármacos sintéticos ou
semissintéticos, que foram denominados quimioterápicos.
2 Atualmente, o termo antimicrobiano refere-se a qualquer composto com
atividade anti-infecciosa, tanto de origem natural (antibióticos) quanto de
síntese laboratorial (quimioterápicos).

3. Princípios básicos para o uso de antimicrobianos


A eficácia terapêutica de um antimicrobiano está diretamente relacionada
à escolha do antimicrobiano adequado, a ser feita com base em alguns prin-
cípios, relacionados tanto ao paciente quanto a características do ambiente
envolvido e das opções existentes.
Introdução ao uso clínico de antimicrobianos

Antimicrobianos

Sensibilidade Toxicidade

Resistência Metabolismo

Infecção
Microrganismo Hospedeiro
Imunidade

Figura 1 - Interação entre o antimicrobiano, o microrganismo e o hospedeiro

Os aspectos clínicos envolvidos na escolha terapêutica dizem respeito a


características individuais do paciente a ser tratado e ao sítio de infecção
diagnosticado no momento. Como fator individual, pode-se destacar a gran-
de importância da idade, visto que, para a maioria das infecções, os agen-
tes etiológicos possíveis variam com a faixa etária. Além disso, extremos de
idade – lactentes e idosos – têm metabolização e toxicidade diferentes em
relação à população geral, o que diminui a segurança de utilização de alguns
antimicrobianos. A presença de comorbidades como diabetes, neoplasias e
infecção por HIV suscita a possibilidade da presença de agentes específicos,
que devem ser inclusos na cobertura antimicrobiana escolhida. Insuficiência
renal ou hepática pode exigir ajuste de doses de antimicrobianos ou até mes-
mo contraindicar o uso de alguns deles.
É importante conhecer a história terapêutica pregressa do indivíduo, vis-
to que o uso prévio de antimicrobianos pode ocasionar ou selecionar cepas
resistentes, que podem ser responsáveis pela infecção vigente. A presença
de dispositivos invasivos – como cateteres venosos e sondas vesicais – pre-
dispõe a certos agentes etiológicos, que devem ser considerados na escolha
terapêutica.
Tabela 2 - Bases para a escolha do tratamento empírico
- Estabelecer o diagnóstico provável pela história clínica;
- Conhecer os microrganismos mais prováveis para determinada infecção; 3
- Presumir a sensibilidade do patógeno aos antimicrobianos;
- Eleger, empiricamente, o antimicrobiano mais adequado, considerando a eficácia
em relação ao agente mais provável, a via de administração e o perfil de toxicidade
da droga;
- Instaurar tratamento coadjuvante quando possível (por exemplo, drenagem de
abscessos, sinusectomia e retirada de próteses quando possível);
- Obter, antes do início do tratamento, amostras clínicas que permitam o isolamento
do agente etiológico.
Guia de Antibioticoterapia

Com relação ao sítio acometido, é importante conhecer os agentes mais


frequentes de infecção em determinado órgão ou sistema. Existem exemplos
clássicos, como Streptococcus pneumoniae como causa de pneumonia; Sta-
phylococcus aureus como agente de infecção de partes moles e abscessos;
Neisseria meningitidis para meningites bacterianas; e bacilos Gram negativos
e anaeróbios causando infecções abdominais. Essas informações permitem a
escolha da antibioticoterapia empírica eficaz, até que se obtenham resulta-
dos de culturas, ou até mesmo nas situações em que não é possível isolar o
agente. Além disso, a escolha de determinado antimicrobiano deve conside-
rar sua penetração e concentração no sítio que se pretende tratar.
Quanto aos aspectos microbiológicos, o melhor desempenho da terapia
antimicrobiana é obtido quando é direcionada por resultados de culturas
e testes de sensibilidade. Portanto, devem sempre ser coletadas amostras
para tal análise, preferencialmente, antes da administração da 1ª dose do
antimicrobiano, para evitar sua interferência na sensibilidade do teste. No
entanto, a obtenção dos resultados não deve retardar o início da terapia,
o que poderia comprometer o prognóstico. Novamente, torna-se essencial
o conhecimento dos agentes mais importantes para determinado órgão ou
síndrome, para que se institua terapia empírica tão logo as amostras sejam
colhidas, para posterior ajuste quando houver identificação do agente e seu
perfil de sensibilidade, se necessário.
O ambiente em que foi adquirida a infecção – comunitário ou hospitalar
– também deve influenciar a seleção do antimicrobiano, uma vez que a flo-
ra bacteriana presente em serviços de saúde em geral apresenta perfil de
sensibilidade distinto, com maior probabilidade de resistência às drogas de
uso comum. Durante a permanência em ambiente hospitalar, o paciente é
colonizado rapidamente por tais bactérias, que com frequência se tornam
agentes de infecção invasiva e, neste caso, podem requerer antimicrobianos
de amplo espectro para seu tratamento eficaz. Basicamente, considera-se a
possibilidade de infecção de aquisição hospitalar a partir de 48 horas após a
admissão em internação e ainda por 30 dias após a alta. É importante res-
saltar que não internados, porém frequentadores de serviços de saúde (in-
divíduos em quimioterapia ou hemodiálise, por exemplo) ou portadores de
dispositivos invasivos para uso domiciliar – como cateteres venosos de longa
4 permanência e sondas vesicais de demora –, podem apresentar infecções
por agentes de origem hospitalar, mesmo estando, na maior parte do tempo,
na comunidade.
Neste sentido, são fundamentais programas eficientes de vigilância e con-
trole de infecção hospitalar, para a obtenção de informação sobre os perfis
de resistência dos agentes presentes em determinado serviço de saúde, de
maneira a nortear a instituição de terapia empírica para as infecções adqui-
ridas nesse ambiente. Tais programas devem estabelecer, ainda, medidas de
controle de disseminação de resistência, de aspectos simples – como lava-
Introdução ao uso clínico de antimicrobianos

gem das mãos e técnicas de antissepsia – a processos complexos, como es-


terilização de instrumental, controle de antimicrobianos e investigação de
surtos.
Analisados todos esses aspectos, alguns antimicrobianos podem parecer
adequados ao tratamento do paciente em questão. Neste momento, é im-
portante estudar os aspectos farmacológicos de cada droga que figure como
opção possível, para a determinação da melhor escolha. A seguir, conceitua-
remos esses aspectos principais.
- Aspectos farmacológicos

a) Concentração sérica
Quando uma dose-padrão de antimicrobiano é administrada por via intra-
venosa, sua concentração sérica aumenta rapidamente até atingir a concen-
tração sérica máxima (Cmáx), que rotineiramente se nomeia “pico”. À medi-
da que a droga se distribui pelos tecidos e é metabolizada e/ou eliminada,
sua concentração diminui progressivamente até atingir a concentração sérica
mínima (Cmín), isto é, a concentração detectada antes da administração da
dose seguinte, habitualmente denominada “vale”. A via intravenosa sempre
produz a maior Cmáx possível para determinado antimicrobiano, quando
comparada às vias oral e intramuscular para a mesma dose. O tempo de-
corrido entre a Cmáx e a Cmín varia de acordo com a natureza química da
droga e sua interação com as proteínas e com os tecidos. A concentração
sérica média é a concentração média alcançada quando doses sucessivas do
antimicrobiano são administradas em intervalos regulares. A área sob a curva
(AUC) é a área abaixo da curva em gráficos que relacionam a concentração
sérica e o tempo (Figura 2).

Figura 2 - Relações farmacocinéticas e farmacodinâmicas dos antimicrobianos


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- Exemplo de uso de concentração sérica


O uso de vancomicina tem absorção errática, principalmente em pacientes
graves, mal perfundidos, idosos, obesos e com insuficiência renal. Neste per-
fil de população, a dosagem de vancocinemia é essencial, pois avalia a dose
correta para o tratamento. A vancocinemia é realizada na concentração de
vale (1 hora antes da dose seguinte, na 3ª dose).
b) Índice de ligação proteica
É a proporção do antimicrobiano que se liga às proteínas plasmáticas, prin-
cipalmente a albumina, e influencia diretamente a velocidade com que a
droga se distribui pelos tecidos e líquidos orgânicos e ultrapassa membranas
celulares, a intensidade de seu efeito antimicrobiano e sua velocidade de eli-
minação. Classicamente, considera-se que somente a fração livre do fármaco
– não complexada com albumina – seja dotada de efeito antimicrobiano, pois
o complexo é grande demais para penetrar a célula. No entanto, estudos in
vivo demonstram que a ligação proteica pode favorecer a penetração tecidu-
al em algumas situações, visto que as áreas infectadas apresentam aumento
da permeabilidade capilar local, com consequente afluxo de proteínas ex-
travasadas com o plasma. Além disso, o complexo antimicrobiano-proteína
pode ser responsável pelo efeito pós-antibiótico de algumas drogas, isto é,
a manutenção do efeito por um período após sua suspensão e eliminação
do soro, em virtude dos complexos proteicos que permanecem no tecido
infectado. Para a prática, é importante conhecer a penetração tecidual de
cada antimicrobiano em determinado sítio e a possibilidade de contar com o
efeito pós-antibiótico, para a determinação do tempo de tratamento.
c) Meia-vida
Corresponde ao tempo necessário para que a concentração sérica após a
administração de uma dose de antimicrobiano se reduza à metade da Cmáx.
Independe do valor absoluto da Cmáx alcançada e é influenciada pela velo-
cidade de metabolização e/ou de excreção da droga, bem como pela rapidez
de sua difusão tecidual. É um dos principais parâmetros de determinação dos
intervalos preconizados para a administração do antimicrobiano em ques-
tão, que devem ser respeitados para a obtenção do efeito adequado. Por
6 sua relação com metabolismo e excreção, pode estar alterada na presença
de comorbidades, como insuficiências renal e hepática, o que pode requerer
ajuste de dose e/ou intervalos de administração, para evitar o acúmulo de
droga e de efeitos tóxicos.
d) Biodisponibilidade
É a proporção do antimicrobiano administrado que se encontra efetiva-
mente disponível sob sua forma ativa na circulação. Por definição, a biodispo-
nibilidade de uma droga após injeção intravenosa é de 100%, variável após a
Introdução ao uso clínico de antimicrobianos

administração por via oral, dependente de sua absorção e metabolismo de 1ª


passagem. Deve ser considerada, em última análise, a biodisponibilidade no
sítio-alvo, que é influenciada não só pela concentração sérica, mas também
pela penetração tecidual, ligação proteica, solubilidade lipídica e passagem
por barreiras, como a hematoencefálica. Esse conceito é diferente, ainda,
para drogas cuja atividade depende da transformação em determinado me-
tabólito, ou seja, que se torna ativa e disponível apenas após a metaboliza-
ção.
e) Concentração Inibitória Mínima (CIM ou MIC)
É a menor concentração do antibiótico capaz de inibir o desenvolvimento
visível de um microrganismo. É o parâmetro utilizado para a avaliação da sen-
sibilidade de dado microrganismo frente a determinado antibiótico, a partir
de valores de corte padrão, estabelecidos com base em grandes estudos en-
volvendo diversas cepas de um mesmo agente. Basicamente, são conside-
rados sensíveis a certo antibiótico os agentes que apresentam valor de CIM
baixo quando expostos à droga em cultura. Para a atividade adequada desse
antimicrobiano in vivo, a concentração sérica média deve manter-se superior
à CIM determinada para o agente infeccioso em questão, respeitados os da-
dos de biodisponibilidade e concentração tecidual no sítio envolvido.
f) Índice terapêutico
É a relação entre a concentração tóxica de um fármaco, estabelecida por
estudos prévios realizados, e sua concentração sérica média obtida com do-
ses-padrão. Quanto mais próximas essas concentrações, menor o índice e,
portanto, maior o risco potencial de toxicidade. O índice deve ser considera-
do para avaliações de segurança da droga, especialmente em pacientes que
apresentem condições que diminuam sua capacidade de depuração.
Com base nos conceitos descritos, chega-se a uma classificação dos antimi-
crobianos baseada em suas características farmacodinâmicas. Pode-se dizer
que existem os antimicrobianos tempo-dependentes e os concentração-de-
pendentes.
Os antimicrobianos tempo-dependentes são aqueles cuja atividade de-
pende fundamentalmente do tempo, durante o qual os agentes infecciosos
permanecem expostos a suas concentrações séricas e teciduais. Sua ação 7
não depende da Cmáx, mas do tempo em que as concentrações séricas e no
tecido-alvo permanecem acima da CIM determinada para o agente infeccio-
so presente. Um exemplo dessa categoria são os antibióticos betalactâmicos.
As estratégias de otimização de efeito dessa classe pressupõem aumento de
tempo de exposição, como fracionamento da dose ou infusão contínua.
Os antimicrobianos concentração-dependentes têm sua ação baseada na
Cmáx, ou de “pico”, atingida após a administração de uma dose, e à conse-
quente concentração tecidual obtida. Em geral, a otimização de seu efeito é
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possível com o aumento de doses individuais – respeitadas as doses tóxicas


– e até mesmo com a administração de dose única diária, como é o caso dos
aminoglicosídeos.
A associação de tempo e concentração produz gráficos que revelam um
3º parâmetro importante: a área sob a curva (ASC ou AUC) (Figura 2). Dessa
forma, quanto maior a concentração máxima atingida e maior o tempo de
exposição, maior a área sob a curva acima da CIM (ASC:CIM), o que confere
atividade máxima a um dado antimicrobiano. Como exemplos de antimicro-
bianos dependentes desse parâmetro, estão as fluoroquinolonas frente aos
pneumococos.
Os antimicrobianos podem ser classificados, ainda, em bactericidas ou bac-
teriostáticos, de acordo com seu modo principal de ação contra os microrga-
nismos.
As drogas bactericidas são capazes de induzir a morte celular, com elimi-
nação da população bacteriana em tempo variável, dependendo de seu me-
canismo de ação e de potência e da espécie de bactéria envolvida. As bac-
teriostáticas interferem apenas na reprodução das bactérias, impedindo sua
proliferação. A erradicação da população bacteriana é, habitualmente, mais
lenta e dependente da morte celular natural e dos mecanismos imunológicos
do hospedeiro. Assim, como regra geral, infecções graves e/ou dissemina-
das pressupõem tratamento com antimicrobianos bactericidas para melhor
prognóstico.
Tabela 3 - Classificação dos antibióticos de acordo com a ação antimicrobiana
Bacteriostáticos Bactericidas
Macrolídeos Betalactâmicos
Tetraciclinas Glicopeptídios
Sulfamidas Aminoglicosídeos
Oxazolidinonas Quinolonas

Escolhido o antimicrobiano, devem ser considerados todos esses indi-


cadores para a determinação da dose, da via de administração e do tem-
po de tratamento. As doses devem respeitar as padronizações dos estudos
de liberação da droga em questão, e para infecções graves se deve sempre
8 utilizar a dose máxima permitida, especialmente nos casos dos antibióticos
concentração-dependentes, com ressalvas para as características individuais
do paciente (idade, peso, comorbidades e toxicidades).
A via de administração está diretamente relacionada à biodisponibilidade.
A via intravenosa oferece biodisponibilidade máxima e é primordial no trata-
mento de infecções graves – principalmente em casos de sepse – ou locali-
zadas em sítios de difícil penetração tecidual. A via oral é a preferencial, pela
possibilidade de autoadministração, dispensando procedimentos invasivos e
hospitalização, mas só é possível quando a biodisponibilidade oral não está
Introdução ao uso clínico de antimicrobianos

comprometida por situações como choque, doenças disabsortivas, pós-ope-


ratório de cirurgias gastrintestinais, entre outras. Além disso, dependendo do
sítio-alvo, a biodisponibilidade propiciada pela administração oral pode não
ser suficiente para a concentração tecidual adequada, o que impõe a neces-
sidade de infusão parenteral, como é o caso de meningites e endocardites.
O tempo de tratamento relaciona-se à penetração no sítio tratado e às ca-
racterísticas do agente envolvido. Sítios de difícil penetração requerem tem-
po prolongado de tratamento, para que se acumule quantidade suficiente
da droga no alvo. Exemplos fiéis são as osteomielites, as endocardites e os
abscessos em geral. Agentes etiológicos que apresentem baixo metabolismo
e multiplicação lenta – o que dificulta os mecanismos de ação dos antimi-
crobianos – também exigem prolongamento de terapia, como é o caso da
tuberculose, da hanseníase e das actinomicoses. A suspensão da antibiotico-
terapia deve ocorrer em momento preciso, para que não seja precoce – pos-
sibilitando o recrudescimento da infecção – nem tardia –, o que pode incor-
rer na seleção de flora resistente no indivíduo e/ou na indução de resistência
no ambiente envolvido.
4. Falha terapêutica
Assim como na escolha do antimicrobiano adequado, todos os fatores des-
critos devem ser reavaliados na ocorrência de falha terapêutica de um de-
terminado esquema. A falha de um antimicrobiano no tratamento de dada
infecção ocorre não somente por questão de espectro inadequado, mas tam-
bém em virtude de doses subterapêuticas; via de administração com biodis-
ponibilidade insatisfatória (por exemplo, via oral em paciente com distúrbio
de deglutição ou de absorção intestinal); intervalos inadequados entre as
doses; falha de distribuição em pacientes edemaciados, chocados ou com
grande porcentagem adiposa na composição corporal; penetração subótima
no sítio infectado; e tempo insuficiente de tratamento.
A condição imunológica também influencia o sucesso terapêutico, uma
vez que a ativação da resposta imune funciona sinergicamente à droga para
a eliminação dos agentes infecciosos. Especialmente em imunodeprimidos
e em pacientes críticos, deve ser considerada a hipótese de superinfecção.
Algumas situações requerem tratamento cirúrgico adjuvante, por exemplo,
na existência de coleções fechadas com volume considerável e/ou de gran-
9
de quantidade de tecido necrótico, o que dificulta a penetração tecidual. A
presença de materiais inertes – sejam corpos estranhos em infecções secun-
dárias a trauma, sejam dispositivos médicos, como cateteres e próteses –
pode requerer a remoção para tratamento eficaz da infecção, visto que esses
materiais se comportam como refúgios para os agentes infecciosos, pois a
ausência de irrigação sanguínea os torna imunes à penetração dos antimi-
crobianos.
CAPÍTULO 2
Aspectos morfológicos das bactérias: mecanismos de ação dos
antimicrobianos e mecanismos de resistência de bactérias

1. Aspectos morfológicos das bactérias


As bactérias são organismos unicelulares procariotas, isto é, sua célula é
desprovida de membrana celular e de organelas membranosas. Seu material
genético permanece imerso no citoplasma e é limitado, em geral constituído
por um cromossomo único. Existem, ainda, fragmentos de ácido nucleico de
conformação circular, chamados plasmídeos, que têm importância na repro-
dução sexuada e na variabilidade genética desses microrganismos. Diferen-
ciam-se das células animais, entre outros aspectos, por possuírem parede
celular localizada externamente à sua membrana plasmática.
O conhecimento de alguns aspectos morfológicos das bactérias é essen-
cial à compreensão dos sítios de ação dos antimicrobianos, dos mecanismos
pelos quais impedem a sobrevida ou a proliferação dessas células e para a
elucidação das características fenotípicas que tornam algumas bactérias re-
sistentes a essas drogas.
A - Parede celular
A parede celular é uma estrutura semirrígida que se dispõe externamente
à membrana plasmática da célula bacteriana, conferindo-lhe forma e prote-
ção a agressões mecânicas e a variações osmolares do meio. É composta por
peptidoglicanos, responsáveis por sua consistência, em quantidades e com
características moleculares variáveis de acordo com a espécie de bactéria.
Os peptidoglicanos são compostos por 2 carboidratos principais – ácido
N-acetilmurâmico e N-acetilglucosamina – ligados a oligopeptídios de ami-
noácidos variados. Esses carboidratos dispõem-se alternadamente em con-
formação linear, formando cadeias interligadas por meio de pontes cruzadas
entre os oligopeptídios, o que resulta na estrutura final do peptidoglicano
(em rede ou “paliçada”). Essas ligações covalentes, essenciais para a manu-
tenção da arquitetura da parede celular, são catalisadas por enzimas chama-
10 das transpeptidases.
A síntese de peptidoglicanos inicia-se no citoplasma, onde seus precurso-
res são produzidos separadamente e, em seguida, transportados para o meio
externo por meio de moléculas lipídicas através da membrana plasmática.
Na face extracitoplasmática da membrana, organizam-se em cadeias linea-
res, interligadas pela reação de transpeptidação, isto é, as ligações cruzadas
entre os oligopeptídios são catalisadas pela enzima transpeptidase.
A natureza da parede celular varia entre os diversos gêneros de bactérias,
e é essa característica que permite sua classificação pelo método de colo-
Aspectos morfológicos das bactérias: mecanismos de ação dos antimicrobianos e
mecanismos de resistência de bactérias

ração de Gram. As bactérias Gram negativas possuem 1 única camada de


peptidoglicano na parede celular e 1 membrana externa, semelhante à mem-
brana plasmática, onde estão presentes proteínas de membrana denomina-
das porinas. Pela natureza delgada da parede, a impregnação por corantes
basofílicos é pobre, e o aspecto final à microscopia ótica após a coloração é
eosinofílico (“rosa”).
Membrana celular
Parede celular
Constitui uma barreira de permeabilidade
Gram positivas A parede celular dos Gram positivos é
seletiva para o meio extracelular; alguns
composta por inúmeras camadas de
antimicrobianos provocam desestruturação
peptidoglicanos, enquanto a parede celular dos
dessa membrana, permitindo a saída de
Gram negativos é composta por apenas 1
elementos vitais da bactéria, ocasionando a Gram negativas camada; a parede celular permite que a
morte bacteriana. A membrana celular
bactéria sobreviva em ambientes com pressão
contém as proteínas ligadoras, como as
osmótica menor que a de seu citoplasma.
PBPs (Penicillin-Binding Proteins).

Membrana externa
Espaço periplásmico
As bactérias Gram positivas são
Este compartimento contém enzimas
desprovidas de membrana externa; nas
degradativas (proteases, nucleases, fosfatases)
bactérias Gram negativas, a membrana
que agem em moléculas grandes e
externa constitui um importante fator de
impermeáveis. Esse espaço contém enzimas
virulência pela presença dos
que inativam antibióticos como as beta-
lipopolissacárides (LPSs); a membrana
lactamases. As bactérias Gram positivas não
externa ainda apresenta proteínas
apresentam espaço periplásmico, mas
denominadas porinas, importantes no
secretam exoenzimas e realizam a digestão
mecanismo de ação e na resistência a
extracelular.
determinados antimicrobianos.

Figura 1 - Diferenças morfológicas do envelope de bactérias Gram positivas e Gram


negativas

As bactérias Gram positivas apresentam várias camadas de peptidoglica-


nos em sua parede que, portanto, é mais espessa e permanece impregnada
por corantes basofílicos mesmo após as lavagens do método, com aspec-
to final “azul” na coloração. São desprovidas de membrana externa. Essas
diferenças são responsáveis por diferentes padrões de sensibilidade entre
Gram positivos e Gram negativos às diversas classes de antimicrobianos, daí
a importância do conhecimento da classificação pela coloração de Gram de
determinada bactéria para a escolha terapêutica adequada.
B - Membrana plasmática e membrana externa 11
A membrana plasmática da célula procariótica tem características físico-
-químicas semelhantes às da célula eucariótica e constitui-se basicamente
de uma bicamada de fosfolipídios onde se ancoram proteínas transmem-
brana. Sua principal função é a permeabilidade seletiva, isto é, a regulação
de trocas de íons e outras substâncias entre o citoplasma e o meio extrace-
lular, de acordo com as necessidades da célula. Regula o equilíbrio osmóti-
co entre os meios, protegendo a célula de lise em situações de variação de
osmolaridade.
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A membrana externa está presente apenas em bactérias Gram negativas,


disposta externamente à parede celular. Confere proteção adicional à célula,
dada a fragilidade de sua parede, e participa das trocas entre meios, sobre-
tudo por intermédio de estruturas proteicas denominadas porinas. Por meio
do tamanho de seus poros e de sua polaridade elétrica, essas proteínas agem
como reguladores da entrada de substâncias específicas no ambiente intra-
celular. São vias de acesso de alguns antimicrobianos à célula bacteriana. Na
membrana externa, encontram-se, ainda, LPSs envolvidos na patogenicidade
de bactérias Gram negativas.
C - Ácidos nucleicos e síntese proteica
O material genético bacteriano é constituído por DNA, organizado num cro-
mossomo único. Este se encontra livre no citoplasma, pois a célula é despro-
vida de membrana nuclear. O DNA bacteriano duplica-se durante o processo
de reprodução assexuada por bipartição, e a célula-filha recebe um cromos-
somo que conserva uma fita de DNA da célula parental – replicação semicon-
servativa do DNA. Participam desse processo as enzimas DNA-polimerase,
helicase, ligase e topoisomerase, sendo a 1ª a mais importante. O subtipo
II da topoisomerase denomina-se DNA-girase e tem papel fundamental na
manutenção da conformação espiralada do DNA na cromatina bacteriana.
Há, ainda, fragmentos de DNA em conformação circular, dispersos pelo
citoplasma, que contêm informações genéticas da bactéria, denominados
plasmídeos. Estes constituem elementos genéticos móveis, isto é, podem ser
transferidos a outra bactéria da mesma espécie ou não, pela conjugação. A
bactéria receptora pode, então, expressar características fenotípicas adquiri-
das a partir do material genético obtido.
Para a síntese proteica, ocorre a transcrição das informações genéticas do
DNA cromossômico para uma fita complementar de RNA-mensageiro (RNAm),
por meio da enzima RNA-polimerase. São produzidos, ainda, RNA-transporta-
dor (RNAt) – responsável por carrear aminoácidos livres para serem integrados
à cadeia proteica nascente – e RNA-ribossômico (RNAr), sítio em que ocorre a
tradução do RNAm com integração sequencial dos aminoácidos específicos,
originando a molécula de proteína correspondente ao gene expresso.
2. Identificação das bactérias
12
A classificação das bactérias quanto às suas características tintoriais, pelo
método de Gram, fornece informações importantes sobre seu perfil intrínse-
co de sensibilidade a antimicrobianos. No entanto, essa correlação é ainda
mais precisa quando é possível a identificação do gênero e, em alguns casos,
da espécie do agente etiológico de uma infecção, visto que, mesmo dentro
do mesmo grupo tintorial – Gram positivo ou Gram negativo –, existem varia-
ções interespecíficas de sensibilidade natural e de capacidade de expressar
mecanismos de resistência geneticamente determinados.
Aspectos morfológicos das bactérias: mecanismos de ação dos antimicrobianos e
mecanismos de resistência de bactérias

A identificação laboratorial rotineira de uma bactéria é possível a partir de


seu crescimento em cultura. Após métodos de triagem, que incluem colora-
ção de Gram, incubação em condições de aerobiose ou anaerobiose e cultivo
em meios seletivos para determinados grupos, são realizadas provas bioquí-
micas em série que permitem detectar características fenotípicas da bacté-
ria em análise, como capacidade de fermentação de açúcares, presença de
enzimas específicas, como a catalase e a coagulase, capacidade de utilização
de certos aminoácidos, produção de hemólise quando cultivados em meio
próprio (ágar-sangue), entre outras. Os resultados dessas provas fornecem
dados que, analisados em algoritmos taxonômicos previamente padroniza-
dos, permitem identificar a bactéria.
Tabela 1 - Principais bactérias Gram positivas de importância médica
Morfologias Gêneros Espécies
- Coagulase-positivo:
· S. aureus.
Staphylococcus - Coagulase-negativos:
· S. epidermidis;
· S. saprophyticus;
· S. lugdunensis.
- Βeta-hemolíticos:
· Grupo A: S. pyogenes;
· Grupo B: S. agalactiae.
- Não beta-hemolíticos:
· S. pneumoniae;
Cocos · S. bovis.
Streptococcus - Grupo Viridans:
· S. milleri;
· S. mitis;
· S. mutans;
· S. oralis;
· S. salivarius;
· S. sanguis.
- E. faecalis;
Enterococcus - E. faecium;
- E. avium/E. gallinarum.
13
- B. anthracis;
Bacillus
- B. cereus.
Listeria - L. monocytogenes.
- C. diphtheriae;
Bacilos aeróbios Corynebacterium
- Corynebacterium sp.
- N. asteroides;
Nocardia - N. brasiliensis;
- N. farcinica.
Guia de Antibioticoterapia

Morfologias Gêneros Espécies


- C. tetanii;
- C. botulinum;
Clostridium
Bacilos anaeróbios - C. difficile;
- C. perfringens.
Actinomyces - A. israeli.

Tabela 2 - Principais bactérias Gram negativas de importância médica


Morfologias Gêneros e espécies
- Escherichia coli;
- Klebsiella sp. (K. pneumoniae);
- Enterobacter sp. (E. cloacae);
- Citrobacter sp. (C. freundi);
- Proteus sp. (P. mirabilis);
Bacilos fermentadores - Serratia sp.;
- Salmonella sp. (S. typhi, S. paratyphi, S. typhimurium);
- Shigella sp. (S. shigellae);
- Yersinia pestis;
- Helicobacter pylori;
- Campylobacter sp. (C. jejunii).
- Pseudomonas aeruginosa;
- Acinetobacter baumannii;
Bacilos não fermentadores - Aeromonas sp.;
- Stenotrophomonas maltophilia;
- Burkholderia cepacia.
- Neisseria (N. meningitidis, N. gonorrhoeae);
- Moraxella catarrhalis;
Cocos/cocobacilos - Haemophilus sp. (H. influenzae);
- Brucella sp.;
- Bordetella sp. (B. pertussis, B. parapertussis).
- Leptospira interrogans;
Espiroquetas - Treponema pallidum;
14 - Borrelia burgdorferi.
- Vibrio cholerae;
Vibriões
- Vibrio vulnificus.

Algumas bactérias não podem ser enquadradas na classificação de Gram,


pois não possuem parede celular e, portanto, têm comportamento tintorial
atípico. Entre elas, podem-se destacar as espécies dos gêneros Legionella (L.
pneumophila), Mycoplasma (M. pneumoniae) e Chlamydia (C. trachomatis,
C. pneumoniae e C. psittaci).
Aspectos morfológicos das bactérias: mecanismos de ação dos antimicrobianos e
mecanismos de resistência de bactérias

O mesmo acontece com pequenas bactérias denominadas rickéttsias, que


não crescem em meios de cultura, portanto não podem ser submetidas a
métodos de coloração. Por exemplo: Rickettsia rickettsii e Coxiella burnetti.
As micobactérias (Mycobacterium tuberculosis, M. leprae, M. avium-intra-
cellulare, M. kansasii) habitualmente não são classificadas pelo método de
Gram, e sim pelo método de Ziehl-Neelsen, que as caracteriza como bacilos
álcool-ácido-resistentes.
A correlação clínica das bactérias patogênicas para o ser humano e seu perfil
de sensibilidade a antimicrobianos será feita ao longo dos capítulos seguintes.

3. Mecanismos de ação de antimicrobianos e de resistência bacteriana

A - Antimicrobianos que agem sobre a parede celular


Alguns antimicrobianos interferem na síntese de peptidoglicanos, o que re-
sulta na produção de parede celular defectiva e frágil, com consequente lise
da célula bacteriana. As drogas que agem por esse mecanismo são, portanto,
bactericidas. As classes mais importantes com essa atuação são os betalactâ-
micos e os glicopeptídios.
Os betalactâmicos bloqueiam a fase de transpeptidação do peptidoglicano,
isto é, impedem as ligações entre os aminoácidos que conferem o arranjo
molecular final à estrutura da parede celular. Para isso, ligam-se ao sítio ati-
vo das enzimas transpeptidases, catalisadoras desse processo. Por configu-
rarem o alvo de ação dessa classe de antimicrobianos, as transpeptidases
ficaram conhecidas como proteínas ligadoras de penicilina (PBP). As PBPs
apresentam subtipos enumerados de 1 a 6, cada betalactâmico com afinida-
des diferentes, o que resulta em variação de sensibilidade entre as espécies
de bactérias diante das várias drogas da classe.
Tabela 3 - Antimicrobianos pertencentes à classe dos betalactâmicos
- Penicilinas;
- Cefalosporinas;
- Cefamicinas;
- Carbapenêmicos;
- Monobactâmicos.
15
Os glicopeptídios ligam-se ao terminal dos oligopeptídios da cadeia em sín-
tese de peptidoglicanos, impedindo que a transpeptidase se acople para a
interligação dessas moléculas. Novamente, o resultado é uma parede celular
de estrutura frágil, o que culmina em lise celular. Logo, são bactericidas, po-
rém de maneira muito mais lenta do que os betalactâmicos, e ativos apenas
contra Gram positivos, visto que não penetram na membrana externa de
Gram negativos. As drogas pertencentes a essa classe disponíveis atualmente
para uso clínico em nosso meio são a vancomicina e a teicoplanina.
Guia de Antibioticoterapia

Tabela 4 - Tipos de resistência a antimicrobianos com ação na parede celular


Antimicrobianos Tipos de resistência Bactérias Mecanismos
Alteração da estrutura
Alteração de PBP
Gram da PBP alvo do betalac-
(codificação cromossô-
positivas tâmico, impedindo sua
mica).
ligação e ação.
Produção de enzimas
Inativação por betalac-
Gram que hidrolisam o sítio
tamase (codificação cro-
negativas ativo (anel) do betalac-
Betalactâmicos mossômica e plasmidial).
tâmico.
Alteração da estrutura
das porinas da membra-
Permeabilidade reduzida na externa, impedindo a
Gram
(codificação cromossô- penetração do beta-
negativas
mica). lactâmico até seu sítio
de ação. Produção de
“bombas de efluxo”.
Alteração dos amino-
Alteração de alvo (codi- ácidos do terminal do
Gram
Glicopeptídios ficação cromossômica e precursor de peptido-
positivas
plasmidial). glicano onde se liga o
glicopeptídio.

B - Antimicrobianos que agem na membrana plasmática e externa


As polimixinas B e E são antibióticos com atividade sobre bactérias Gram
negativas. Inicialmente, ligam-se aos LPS da membrana externa, e a seguir
são internalizadas. Integram-se à estrutura fosfolipídica da membrana plas-
mática, gerando descontinuidades letais à célula, seja por desregulação dos
mecanismos osmóticos, seja por extravasamento de citoplasma, que culmi-
nam com lise celular.
C - Antimicrobianos que agem na síntese de ácidos nucleicos e
proteínas
As sulfonamidas e trimetoprima inibem enzimas que participam da via de
síntese de folatos a partir do ácido paraminobenzoico. Os produtos dessa via
são importantes cofatores na síntese de DNA, que é intensamente prejudi-
cada na presença dessas drogas. Sua apresentação clássica é a associação
16 sulfametoxazol-trimetoprima, atuante sobre várias espécies de bactérias,
fungos e protozoários, com diversas indicações clínicas.
As quinolonas são antimicrobianos bactericidas com atividade sobre Gram
positivos e Gram negativos. Seu sítio de ação principal é a enzima topoisome-
rase-II ou DNA-girase, responsável pela manutenção da conformação espira-
lada do DNA bacteriano. As drogas dessa classe ligam-se à topoisomerase de
maneira a inibi-la, o que provoca a desconfiguração da estrutura espacial da
molécula de DNA e a interrupção de sua duplicação, interferindo na expres-
são gênica e na síntese proteica da bactéria, com consequente morte celular.
Aspectos morfológicos das bactérias: mecanismos de ação dos antimicrobianos e
mecanismos de resistência de bactérias

Tabela 5 - Drogas pertencentes à classe das quinolonas


- Ácido nalidíxico;
- Ciprofloxacino;
- Gatifloxacino e trovafloxacino (retirados do mercado por toxicidade);
- Levofloxacino;
- Moxifloxacino;
- Gemifloxacino;
- Nitrofurantoína;
- Norfloxacino.

As rifamicinas ligam-se irreversivelmente à RNA-polimerase bacteriana,


impedindo a transcrição do DNA e, portanto, a síntese proteica, com ação
bactericida. O principal representante dessa classe é a rifampicina.
Os aminoglicosídeos são drogas bactericidas ativas contra bactérias Gram
negativas aeróbias. Seu principal sítio de ação é o RNA ribossômico, que se
torna inibido para ligação ao RNAm e, desta forma, incapaz de iniciar a tra-
dução e a síntese proteica. Podem, ainda, provocar ligação errônea de RNAt,
com pareamento inadequado de aminoácidos e produção de proteínas de-
fectivas e não funcionais. Sua penetração na célula bacteriana é dependente
de energia de produção aeróbia, o que torna as drogas dessa classe inativas
contra bactérias anaeróbias.
O cloranfenicol também age por meio da inibição ribossômica e pode ter
ação tanto bacteriostática quanto bactericida, dependendo do microrganis-
mo envolvido e das concentrações teciduais obtidas.
Tabela 6 - Drogas pertencentes à classe dos aminoglicosídeos
- Amicacina;
- Estreptomicina;
- Gentamicina;
- Neomicina;
- Tobramicina.

Os macrolídeos também têm, como sítio principal de ação, o DNA ribos-


sômico, ao qual se ligam de maneira reversível, bloqueando a extensão da
cadeia peptídica nascente. A reversibilidade da ligação torna seu efeito bac-
teriostático. Atividade semelhante é observada nas lincosamidas, cujo princi- 17
pal representante é a clindamicina.
Tabela 7 - Drogas pertencentes à classe dos macrolídeos
- Azitromicina;
- Claritromicina;
- Eritromicina;
- Roxitromicina;
- Telitromicina (cetolídio).
Guia de Antibioticoterapia

As tetraciclinas impedem a ligação do RNA transportador ao ribossomo,


necessária para a agregação do aminoácido transportado ao peptídio nas-
cente. O mecanismo de ação é o mesmo para as glicilciclinas, representadas
pela tigeciclina, droga de amplo espectro, inclusive sobre bactérias que ex-
pressam fenótipos de resistência.
Também relacionadas ao RNAt, as oxazolidinonas atuam como inibidores
competitivos dos sítios de ligação destas moléculas, bloqueando a 1ª ligação
peptídica da tradução proteica. A 1ª droga desse grupo é a linezolida, ativa
contra Gram positivos, inclusive os resistentes a glicopeptídios.
O metronidazol é um composto azólico cujos metabólitos intracelulares
são citotóxicos por lesão direta do DNA bacteriano. Tem ação antibacteria-
na, sobretudo contra bactérias anaeróbias, e antiparasitária, principalmente
contra protozoários.

Tabela 8 - Tipos de resistência a antimicrobianos com ação em ácidos nucleicos e sín-


tese proteica

Antimicrobianos Tipos de Bactérias Mecanismos


resistência
Mutação no gene codifi-
Gram
Alteração de DNA- cador de DNA-girase, com
positivas e
-girase (codificação alteração da estrutura da
Gram nega-
cromossômica). enzima, impedindo ligação
tivas.
e a ação da quinolona.
Quinolonas Alteração da estrutura e
diminuição do número
Permeabilidade re- de porinas da membrana
Gram nega-
duzida (codificação externa, impedindo a pene-
tivas.
cromossômica). tração da quinolona até o
seu sítio de ação. Produção
de “bombas de efluxo”.
Inativação por Produção de transferases
Gram positi-
modificação enzi- que alteram a molécula
vas e Gram
mática (codificação de aminoglicosídeo e a
negativas.
plasmidial). inativam.
Aminoglicosídeos
Redução de perme- Alteração dos mecanismos
abilidade de mem- Gram nega- energéticos aeróbios res-
brana (codificação tivas. ponsáveis pela penetração
cromossômica). do aminoglicosídeo.
18
Alteração de alvo Gram positi- Alteração do sítio ribos-
Aminoglicosídeos
(codificação cro- vas e Gram sômico de ligação do
(estreptomicina)
mossômica). negativas. aminoglicosídeo.
Alteração de alvo
(codificação Gram positi- Metilação do sítio de liga-
Macrolídeos e cromossômica e vas. ção no DNA-ribossômico.
lincosamidas plasmidial).
Gram positi- Produção de “bombas de
Efluxo.
vas. efluxo”.
Aspectos morfológicos das bactérias: mecanismos de ação dos antimicrobianos e
mecanismos de resistência de bactérias

D - Considerações sobre resistência bacteriana


A existência de resistência bacteriana precede o domínio dos antimicrobia-
nos pelo homem. É importante lembrar que os antibióticos produzidos por
microrganismos – a partir dos quais se desenvolveram todas as drogas subse-
quentes – estão presentes na natureza e ao longo da evolução induziram, nas
bactérias, a mecanismos de evasão (por exemplo, bombas de efluxo). Além
disso, existe a resistência bacteriana intrínseca, característica constitucional
das espécies de bactérias que as tornou naturalmente imunes aos mecanis-
mos de ação de certos grupos de antibióticos.
A resistência intrínseca pode ser expressa e potencializada durante o curso
do tratamento com antimicrobianos. Isso acontece por 2 vias:
a) Seleção de clones resistentes
A população bacteriana de uma mesma espécie presente num determina-
do sítio é naturalmente heterogênea, em virtude de mutações aleatórias que
ocorrem durante a divisão celular, algumas delas capazes de ocasionar resis-
tência. Quando se instaura a terapia antimicrobiana, os clones resistentes,
antes minoritários, são selecionados e se proliferam. Esses clones tornam-se
a população dominante, com consequente falha terapêutica. Como exemplo,
podem-se citar as alterações de PBP e sítios ribossômicos.
b) “Desrepressão” de genes de resistência
Algumas bactérias possuem, intrinsecamente, genes relacionados à resis-
tência a antimicrobianos, sobretudo por mecanismo de inativação enzimá-
tica. Esses genes encontram-se habitualmente reprimidos, para economia
energética. O contato com o antimicrobiano – substrato da enzima em ques-
tão – fornece sinalização intracelular que induz à expressão desses genes, e
a enzima inativadora passa a ser produzida como mecanismo de defesa. É o
caso de algumas betalactamases de codificação cromossômica.
Existe, ainda, a resistência bacteriana adquirida. As bactérias são dotadas
de elementos genéticos móveis inclusos em seus plasmídeos que carreiam
genes de resistência. Por meio de conjugação bacteriana, esses genes podem
ser transferidos a outras bactérias de mesma espécie ou não, que passam a
expressar a característica fenotípica responsável pela resistência. O exemplo
mais comum são as betalactamases plasmidiais. 19
A determinação da resistência bacteriana pode ser feita por meio de mé-
todos fenotípicos e genotípicos. Os métodos fenotípicos identificam mecanis-
mos de resistência já expressos pela bactéria, por meio da exposição da cepa
ao antimicrobiano em análise. Após o cultivo e a identificação da bactéria, a
cultura é exposta a concentrações conhecidas de antimicrobianos-padrão: a
inibição de crescimento significa sensibilidade, enquanto o crescimento man-
tido reflete resistência. Para tal, podem ser utilizados métodos de difusão em
ágar (disco-difusão e E-test) e métodos dilucionais, manuais ou automatizados.
Guia de Antibioticoterapia

Os métodos genotípicos detectam o gene de resistência por meio de estu-


do do DNA bacteriano, mesmo que o mecanismo não esteja expresso. Para
tal, são necessários métodos de Biologia molecular, como o PCR (Polimerase
Chain Reaction – reação em cadeia da polimerase) e a PFGE (Pulsed Field
Gel Electrophoresis – eletroforese de campo pulsado). Essas técnicas não são
usadas rotineiramente na prática clínica, mas em projetos de pesquisa e em
estudos epidemiológicos. A tipagem molecular é muito útil para investiga-
ção de surtos hospitalares – identificação de fonte comum e/ou transmissão
cruzada.
Outro importante fator de resistência bacteriana é a capacidade de for-
mação de biofilmes sobre superfícies inertes. O biofilme é constituído por
múltiplas colônias de bactérias – envolvidas por uma matriz amorfa por elas
secretada – que se comunicam por sinalização hormonal e têm atividade me-
tabólica reduzida. Desta maneira, diminuem a expressão antigênica e conse-
guem evadir a resposta imune do hospedeiro. Como benefício secundário,
obtêm proteção física contra a ação de antimicrobianos, que têm penetração
reduzida neste ambiente, e ação diminuída pela baixa atividade metabólica e
replicação das bactérias. Exemplos de biofilme natural são as vegetações de
endocardite e os sequestros ósseos em osteomielites crônicas. Os biofilmes
podem se formar sobre dispositivos artificiais, como cateteres e próteses.
Essas considerações permitem compreender a importância do uso racio-
nal de antimicrobianos para evitar o desenvolvimento de resistência. O uso
indiscriminado dessas drogas acelera os processos de seleção e expressão
de resistência intrínseca, até mesmo para drogas de desenvolvimento mais
recente e amplo espectro de ação. A inobservância das medidas de controle
de infecção – como isolamento de pacientes infectados por cepas resistentes
– permite a disseminação das bactérias mutantes e o contato entre popula-
ções geneticamente distintas, que podem permutar elementos genéticos e
expressar resistência adquirida.
Nos capítulos seguintes, serão detalhadas as características dos grupos de
antimicrobianos, no que diz respeito às suas características farmacológicas, ao
espectro de ação, ao uso clínico e aos mecanismos de resistência associados.

20
CAPÍTULO 3
Antimicrobianos betalactâmicos: penicilinas

1. Introdução

Historicamente, os betalactâmicos foram os primeiros antibióticos pro-


duzidos em larga escala. A utilização da penicilina a partir da 2ª Guerra
Mundial marcou esse momento. Nas décadas seguintes, surgiram penicili-
nas com espectros diferenciados de cobertura antimicrobiana e com menor
toxicidade.
As penicilinas constituem uma das mais importantes classes de antibió-
ticos e são amplamente utilizadas no tratamento clínico de infecções cau-
sadas por diversas bactérias. A descoberta da penicilina é creditada ao Dr.
Alexander Fleming, que em 1928, ao estudar variantes de estafilococos em
laboratório, observou que a cultura de um tipo de fungo, Penicillium nota-
tum, produzia uma substância que inibia o crescimento bacteriano. Essa
substância recebeu o nome de penicilina, em função do microrganismo que
lhe deu origem. Em virtude de dificuldades na sua produção e purificação,
a penicilina só foi usada no tratamento de infecções a partir de 1941, quan-
do o Dr. Howard W. Florey e colaboradores a produziram em quantidades
suficientes para uso clínico. Os primeiros ensaios clínico-terapêuticos com
o uso dessa classe de antibióticos em humanos foram conduzidos com su-
cesso nos EUA na década de 1940, objetivando o tratamento de infecções
estreptocócicas e gonocócicas. Desde então, a penicilina passou a ser utili-
zada no tratamento de diversas infecções. Com o tempo, foram necessárias
alterações na sua estrutura química inicial por conta da emergência de bac-
térias resistentes e da necessidade de ampliação do seu espectro de ação
antibacteriano.
São drogas bastante seguras, bactericidas, com aplicação em infecções
tanto comunitárias quanto hospitalares. Didaticamente, podem-se dividir os
betalactâmicos em 4 subfamílias: 21
- Penicilinas;
- Cefalosporinas;
- Monobactâmicos;
- Carbapenêmicos.

Neste capítulo, abordaremos as penicilinas e suas principais utilizações na


prática clínica.
Guia de Antibioticoterapia

Tabela 1 - Características gerais


Mecanismo de ação
- Os betalactâmicos bloqueiam a fase de transpeptidação do peptidoglicano, isto é,
impedem as ligações entre os aminoácidos que conferem o arranjo molecular final
à estrutura da parede celular. Para isso, ligam-se ao sítio ativo das enzimas trans-
peptidases (PBPs), catalisadoras desse processo.
Farmacodinâmica
- Tempo-dependentes.
Efeito antimicrobiano
- Ação bactericida.
Resistência
- Alteração das PBPs, determinando diminuição da afinidade pelo betalactâmicos;
- Produção de betalactamases, que inativam o antimicrobiano;
- Redução de porinas, com consequente diminuição de permeabilidade.

A - Mecanismo de ação das penicilinas


A parede celular das bactérias Gram positivas é composta por peptidogli-
canos, carboidratos que dão forma e estrutura às bactérias e são responsá-
veis pela proteção osmótica. A parede das bactérias Gram negativas, por sua
vez, apresenta peptidoglicanos e lipopolissacarídeos (LPSs). O espaço entre
a membrana citoplasmática e a camada de LPS é denominado espaço pe-
riplásmico. Os peptidoglicanos precisam ser ligados de forma cruzada para
compor a parede.
Embora o mecanismo de ação da penicilina ainda não tenha sido comple-
tamente determinado, sua atividade bactericida inclui a inibição da síntese
da parede celular e a ativação do sistema autolítico endógeno da bactéria.
A ação da penicilina depende da parede celular que contém peptidogli-
cano na sua composição. Durante o processo de replicação bacteriana, a
penicilina inibe as enzimas que fazem a ligação entre as cadeias peptídicas,
impedindo, portanto, o desenvolvimento da estrutura normal do peptido-
glicano. Essas enzimas (transpeptidase, carboxipeptidase e endopeptidase)
localizam-se logo abaixo da parede celular e são denominadas proteínas
22 ligadoras de penicilina (Penicillin-Binding Proteins – PBPs). A habilidade de
penetrar a parede celular e o grau de afinidade dessas proteínas com a
penicilina determinam a sua atividade antibacteriana. As bactérias, por sua
vez, diferem entre si quanto ao tipo e à concentração de PBP e, conse-
quentemente, quanto à permeabilidade de suas paredes celulares ao an-
tibiótico. Assim, temos diferentes suscetibilidades bacterianas à penicilina.
Além da ação sobre a parede celular, considera-se que a penicilina age na
ativação do sistema autolítico endógeno da bactéria, determinando a sua
lise e consequente morte.
Antimicrobianos betalactâmicos: penicilinas

Nesse contexto, a ação bactericida dos antibióticos betalactâmicos requer:


- Associação à bactéria;
- Em Gram negativos, penetração através da membrana externa e do espa-
ço periplásmico;
- Interação com as PBPs na membrana citoplasmática;
- Ativação de uma autolisina que degrada o peptidoglicano da parede ce-
lular.
B - Estrutura molecular
Trata-se de um grupo de antibióticos que contêm o ácido 6-aminopenicilâ-
nico, tendo uma cadeia lateral ligada ao grupo 6-amino. O ácido aminopenici-
lânico é formado pela ligação dos anéis tiazolínico e betalactâmico. O núcleo
de penicilina é o principal requisito estrutural para sua atividade biológica. O
rompimento em qualquer ponto desse núcleo resulta na perda completa da
ação antimicrobiana da droga. A estrutura de suas cadeias laterais determina
muitas das características antibacterianas e farmacológicas.

Figura 1 - Núcleo central das penicilinas

C - Reações adversas às penicilinas


O principal efeito colateral dessa classe são as manifestações de hipersen-
sibilidade, que podem ser de pequena gravidade, destacando-se a urticária
e outras erupções cutâneas, ou de gravidade maior, apresentando-se como
choque anafilático, edema de glote e síndrome de Stevens-Johnson. Esses 23
efeitos alérgicos são causados pela própria penicilina, por produtos de de-
gradação ou por impurezas remanescentes do processo de obtenção. A ocor-
rência de efeitos de hipersensibilidade tardia é muito mais comum do que as
reações graves imediatas.
As penicilinas apresentam hipersensibilidade cruzada com outros betalac-
tâmicos (5 a 10% com cefalosporinas). Na prática, se um paciente já apresen-
tou reação alérgica a penicilinas, também pode tê-la a outros derivados de
penicilinas (cefalosporinas com maior frequência, mas ainda carbapenêmi-
Guia de Antibioticoterapia

cos ou monobactâmicos). Por isso, a substituição por classe coirmã em casos


de alergia deve ser sempre cuidadosa.
2. Classificação
As primeiras penicilinas foram obtidas por meio da fermentação do Peni-
cillium. Nesse processo, são produzidas várias penicilinas (F, G, K, O e V), mas
somente são utilizadas as penicilinas G e V, por serem mais ativas. As penicili-
nas semissintéticas originam-se de um processo laboratorial em que modifi-
cações químicas são introduzidas no radical básico da família (introdução de
radicais). As outras penicilinas (antiestafilocócicas e anti-Pseudomonas) são
também consideradas semissintéticas, porém com espectro diferenciado.
Tabela 2 - Classificação das penicilinas
Penicilinas naturais ou benzilpenicilinas
- Penicilina G cristalina;
- Penicilina G procaína;
- Penicilina G benzatina;
- Penicilina V.
Aminopenicilinas
- Ampicilina;
- Amoxicilina.
Penicilinas resistentes às penicilinases
- Oxacilina;
- Meticilina.
Penicilinas de amplo espectro
- Ureidopenicilinas (mezlocilina, piperacilina);
- Carboxipenicilinas (carbenicilina, ticarcilina).
A - Penicilinas naturais
As penicilinas naturais (benzilpenicilina ou penicilina G e penicilina V) são
ativas contra muitos cocos Gram positivos, incluindo a maioria dos Staphylo-
coccus aureus e S. epidermidis não produtores de penicilinases, estreptoco-
cos, pneumococos de quase todos os grupos, Streptococcus viridans e algu-
mas cepas de enterococos. São também ativas contra alguns bacilos Gram
24 positivos, como Bacillus anthracis, Corynebacterium diphtheriae, Listeria mo-
nocytogenes, alguns cocos Gram negativos – como a Neisseria meningitidis
– e, ainda, alguns bacilos Gram negativos, como o Haemophilus influenzae.
Muitos anaeróbios Gram positivos, o Treponema pallidum e alguns anaeró-
bios Gram negativos, são sensíveis a essas penicilinas. As Enterobacteriaceae
e a Pseudomonas aeruginosa são sempre resistentes às penicilinas naturais.
A benzilpenicilina ou penicilina G é o antimicrobiano de eleição para mui-
tas situações clínicas. Com meia-vida plasmática de apenas 20 a 50 minu-
tos, deve ser administrada por via intravenosa ou intramuscular, a intervalos
Antimicrobianos betalactâmicos: penicilinas

muito curtos ou mesmo em infusão contínua. A utilização de doses elevadas


poderá originar alguns desequilíbrios eletrolíticos porque a maioria das pe-
nicilinas se apresenta sob a forma de sais sódicos ou potássicos. Quando uti-
lizadas doses elevadas, particularmente em doentes com disfunção cardíaca
ou renal, esse aporte de sódio ou potássio deve ser considerado. A penicilina
cristalina é a única disponível para uso intravenoso. A penicilina G benzatina
e a penicilina G procaína são sais pouco solúveis de penicilina G formulados
exclusivamente para administração por via intramuscular. A penicilina ben-
zatina não tem boa concentração no sistema nervoso central nem em tecido
pulmonar, portanto não deve ser usada para tratamentos nesses sítios. Desse
modo, é possível manter concentrações séricas de penicilina G por períodos
prolongados (até 24 horas para a penicilina procaína e até 21 dias para a pe-
nicilina benzatina). A penicilina V ou fenoximetilpenicilina é um derivado da
penicilina G resistente ao pH ácido do estômago, o que torna possível a sua
administração por via oral. Não é, contudo, recomendado seu uso no trata-
mento de infecções graves, uma vez que sua atividade bactericida é bastante
inferior à da penicilina G, e a sua biodisponibilidade é bastante variável.

Tabela 3 - Penicilinas naturais: diferenças farmacocinéticas relevantes


Drogas Vias Intervalos
Penicilina cristalina IV 4 a 6 horas
Penicilina G procaína IM 12 a 24 horas
Penicilina G benzatina IM Dose única, semanal ou mensal
Penicilina V VO 6 horas

Tabela 4 - Penicilina G cristalina – espectro: microbiota relevante


Estreptococos
- Streptococcus pneumoniae;
- Streptococcus pyogenes;
- Streptococcus viridans.
Enterococos (em associação a aminoglicosídeos)
Anaeróbios
25
- Clostridium tetani;
- Outros anaeróbios;
- Exceção: Bacteroides fragilis.
Neisserias
- N. meningitidis.
Espiroquetas
- Lepstospira sp.;
- Treponema pallidum.
Guia de Antibioticoterapia

Tabela 5 - Penicilina G cristalina: uso clínico relevante


- Infecções de pele e partes moles: erisipelas e celulites;
- Meningites por N. meningitidis e S. pneumoniae com sensibilidade comprovada;
- Pneumonias comunitárias em áreas de baixa resistência de pneumococos;
- Endocardites;
- Neurossífilis.
Tabela 6 - Penicilina G procaína: em desuso (IM, 12/12h)
- Pouca utilização atualmente.

Tabela 7 - Penicilina G benzatina: nível sérico por 2 a 4 semanas


Usos
- Tratamento de sífilis, exceto neurossífilis, pois não atravessa a barreira hematoen-
cefálica (Tabela 2);
- Profilaxia na febre reumática;
- Profilaxia de erisipela em pacientes com insuficiência vascular periférica e erisipela
de repetição.

Tabela 8 - Tratamento da sífilis adquirida


Estadiamentos Tratamentos
Penicilina G benzatina 2.400.000UI, IM, dose
Primária
única (1.200.000UI, IM, em cada glúteo).
Penicilina G benzatina 2.400.000UI, IM,
Secundária e latente precoce (com
1x/semana, por 2 semanas (dose total de
menos de 1 ano de evolução)
4.800.000UI).
Terciária ou latente tardia (com mais Penicilina G benzatina 2.400.000UI, IM, 1x/
de 1 ano de evolução) ou com dura- semana, por 3 semanas (7.200.000UI, IM,
ção ignorada em cada glúteo).
Penicilina cristalina, 3 a 4.000.000UI, IV,
Neurossífilis
4/4h, 10 a 14 dias.

Tabela 9 - Penicilina V (fenoximetilpenicilina)


- Absorção por via oral comparável à biodisponibilidade intravenosa – variável;
- Com o surgimento das semissintéticas, está em desuso;
- Intolerância gastrintestinal como fator limitante na prescrição.
26
B - Aminopenicilinas
A ampicilina foi o 1º fármaco deste grupo a ser comercializado. A amoxicilina
difere da ampicilina apenas pela presença de um grupo hidroxila na sua molé-
cula. É mais bem absorvida que a ampicilina quando administrada por via oral,
e a sua biodisponibilidade não é alterada pelos alimentos, apresentando-se
assim com vantagens sobre o outro fármaco. Além disso, seu espectro de ati-
vidade é idêntico ao da ampicilina. As aminopenicilinas são resistentes ao pH
ácido do estômago, o que permite a sua administração por via oral.
Antimicrobianos betalactâmicos: penicilinas

As penicilinas semissintéticas apresentam um espectro de atividade que


inclui, além de cocos Gram positivos, um número significativo de bactérias
Gram negativas, como o Haemophilus influenzae e várias cepas de E. coli,
Proteus mirabilis, Salmonella e Shigella. São habitualmente resistentes à
quase totalidade dos estafilococos produtores de betalactamases, outras En-
terobacteriaceae, Bacteroides fragilis e Pseudomonas. A ampicilina é mais
ativa contra Enterococcus e H. influenzae do que a penicilina G.
Atualmente, uma porcentagem significativa de E. coli é resistente à ampici-
lina e à amoxicilina. Por isso, na prescrição (terapêutica empírica) a doentes
com infecção urinária, o conhecimento do padrão de sensibilidade aos anti-
microbianos deverá ser considerado.

Tabela 10 - Aminopenicilinas: indicações e reações adversas


Indicações
Tratamento de infecções respiratórias, exacerbações da bronquite crônica e otites,
habitualmente causadas por estreptococos ou Haemophilus e, ainda, infecções uri-
nárias e gonorreia.
Reações adversas
Além das já referidas na introdução às penicilinas, destacam-se as náuseas e a diar-
reia, que podem aparecer com alguma frequência. A ampicilina e a amoxicilina
induzem comumente a erupções cutâneas, que não são, contudo, descritas como
resultado de uma verdadeira alergia às penicilinas.

Tabela 11 - Aminopenicilinas: espectro relevante


- Streptococcus;
- Enterococcus;
- Neisseria;
- Salmonella;
- Haemophilus;
- Listeria;
- Enterobactérias.

Tabela 12 - Ampicilina: usos clínicos mais frequentes

- Meningite bacteriana;
- Enterococcia (em associação a aminoglicosídeo);
27
- Tratamento de portador-são de Salmonella typhi;
- Infecção por L. monocytogenes.

C - Penicilinas resistentes às penicilinases ou antiestafilocócicas


Após a introdução das penicilinas naturais, o surgimento de cepas de es-
tafilococos produtores de betalactamases limitou a utilização dessas peni-
cilinas para infecções por esse agente. O mercado foi, então, em busca de
um derivado de penicilina que tivesse um anel resistente à degradação pela
Guia de Antibioticoterapia

penicilinase. Na década de 1970, foram lançadas as chamadas penicilinas an-


tiestafilocócicas, resistentes à ação enzimática da betalactamase. O principal
representante no Brasil é a oxacilina.
Tabela 13 - Oxacilina
- Atividade diminuída para os outros cocos Gram positivos;
- Sem espectro de ação para bacilos Gram negativos.
- Dose:
· Sempre IV;
· De 150 a 200mg/kg/d;
· Concentração adequada no sistema nervoso central em pacientes com a barreira
hematoliquórica inflamada;
· Não há formulação oral disponível no Brasil (dicloxacilina). Assim, uma opção te-
rapêutica oral para infecções estafilocócicas de menor gravidade seriam as cefa-
losporinas de 1ª geração (cefalexina).

Tabela 14 - Uso clínico


Estafilococcia comunitária grave
- Impetigo;
- Celulites;
- Broncopneumonia;
- Osteomielite;
- Meningites;
- Artrite séptica;
- Endocardite;
- Sepse.

Nas décadas de 1980 e 1990, a resistência aos Gram positivos surgiu como
um grande problema nas infecções hospitalares.
Os estafilococos produzem betalactamase (penicilinase), codificada por
plasmídio, que os torna resistentes às penicilinas naturais. A meticilina e as
isoxazolilpenicilinas são resistentes a essa penicilinase. Tais estafilococos são
chamados de meticilino-sensíveis (MSSA) ou oxacilino-sensíveis (OSSA).
Estafilococos MSSA são frequentemente cepas comunitárias, e a droga de
escolha para infecções causadas por essas cepas é a oxacilina.
A resistência dos estafilococos à meticilina e à oxacilina acontece por mu-
28 tação cromossômica e alteração de PBP. Estafilococos meticilino-resistentes
(MRSA) são frequentemente cepas hospitalares; às infecções causadas por
elas, indica-se o tratamento com glicopeptídios (vancomicina ou teicoplani-
na) ou linezolida.
D - Penicilinas de amplo espectro ou anti-Pseudomonas
No Brasil, as formulações disponíveis das penicilinas anti-Pseudomonas
são sempre associadas a inibidores de betalactamase. A ticarcilina (não dis-
ponível no Brasil) e a piperacilina são as mais utilizadas.
Antimicrobianos betalactâmicos: penicilinas

E - Penicilinas combinadas com inibidores de betalactamase


Os inibidores de betalactamase são betalactâmicos com pouca atividade
antibiótica direta. Agem como inibidores por competição: ligam-se à enzima
como substrato e a tornam indisponível para se ligar a outro betalactâmico
ativo. São terapeuticamente equivalentes, apesar de haver pequenas dife-
renças de potência e farmacocinética. Os principais utilizados no Brasil são o
clavulanato, o sulbactam e o tazobactam. O espectro de ação varia conforme
a combinação utilizada:
- A associação de amoxicilina a inibidor de betalactamase (amoxicilina-cla-
vulanato) amplia o seu espectro para H. influenzae resistentes, S. aureus,
Neisseria sp. e anaeróbios;
- A combinação ampicilina-sulbactam apresenta atividade antimicrobiana
muito semelhante à apresentada pela associação amoxicilina-clavulanato,
mas apresenta excelente atividade in vitro contra Acinetobacter bauman-
nii. Excepcionalmente nessa circunstância, a atividade antimicrobiana do
composto se deve ao sulbactam, que não apresenta atividade antimi-
crobiana importante contra outras espécies bacterianas. Da mesma for-
ma, outros inibidores de betalactamase (clavulanato e tazobactam) não
apresentam atividade antimicrobiana contra Acinetobacter baumannii.
Mesmo cepas resistentes a carbapenéns, quinolonas e aminoglicosídeos
podem ser sensíveis in vitro à ampicilina-sulbactam. Apesar de recente-
mente ter sido descrito seu uso para casos de A. baumannii multirresis-
tente, são necessários estudos clínicos para estabelecer o papel desse
composto no tratamento de infecções por essa bactéria, especialmente
se multirresistente;
- A combinação ticarcilina-ácido clavulânico apresenta atividade contra
Pseudomonas, anaeróbios e enterococos;
- A combinação piperacilina-tazobactam apresenta atividade contra Pseu-
domonas, anaeróbios e enterococos.
Tabela 15 - Combinações de betalactâmico: inibidor de betalactamase e respectivas
indicações clínicas
Combinações Indicações clínicas
Empregado na Otite Média Aguda (OMA) em
crianças, sinusite, faringoamigdalite, exacer-
29
bação aguda da bronquite crônica, mordedura
Amoxicilina-clavulanato (Clavulin®) de animais com infecção secundária, infecções
de partes moles com tecido necrótico, estafi-
lococcia, infecções ginecológicas e infecções
intra-abdominais.
Ação contra Acinetobacter baumannii. Bom
espectro de uso para infecções abdominais
Ampicilina-sulbactam (Unasyn®)
hospitalares, também por ação contra outros
Gram negativos e anaeróbios.
Guia de Antibioticoterapia

Combinações Indicações clínicas


Ticarcilina-ácido clavulânico (Timen- Infecções abdominais e pneumonia adquirida
tin®). Não disponível no Brasil em ambiente hospitalar.
Infecções abdominais e pneumonia adquirida
Piperacilina-tazobactam (Tazocin®)
em ambiente hospitalar.

30
CAPÍTULO 4
Antibióticos betalactâmicos: cefalosporinas

1. Introdução
As cefalosporinas constituem um grupo de antimicrobianos semissintéti-
cos, cujo núcleo ativo é o ácido 7-aminocefalosporânico, constituído por um
anel betalactâmico ligado a um anel deidrotiazínico. Apesar da semelhança
química com as penicilinas, a presença desse anel confere às cefalosporinas
maior estabilidade perante as betalactamases que habitualmente inativam
as penicilinas naturais.
O ácido 7-aminocefalosporânico foi isolado em 1961, em culturas do fungo
Cephalosporium, e a partir dele foram produzidas inúmeras cefalosporinas
semissintéticas, com grande importância médica até hoje. As drogas dessa
classe estão entre as mais prescritas para tratamento anti-infeccioso, pela
sua ampla gama de indicações clínicas, sua baixa toxicidade, comodidade po-
sológica e perfil farmacocinético favorável.
As cefalosporinas sofreram manipulações laboratoriais ao longo do tempo,
com adição e substituição de radicais ligados a seu núcleo principal, o que re-
sultou em ampliação progressiva de atividade antibacteriana. A manipulação
de radicais no carbono 7 do núcleo principal leva a alterações no espectro de
ação e na resistência à hidrólise por betalactamase, enquanto a manipula-
ção de radicais no carbono 3 provoca alterações de meia-vida e penetração
tecidual.
2. Classificação
De acordo com a evolução cronológica dessas modificações, as cefalospori-
nas foram classificadas em “gerações”, enumeradas de 1ª a 4ª (recentemen-
te, com lançamento de uma 5ª geração), que agrupam drogas de espectro de
ação semelhantes.
As cefalosporinas de 1ª geração têm atividade direcionada basicamente
para Gram positivos. Já as cefalosporinas de 2ª geração têm melhor ativida-
de contra alguns Gram negativos em relação às de 1ª geração, e mantêm a
atividade contra cocos Gram positivos. Neste grupo, estão inclusas as cefami- 31
cinas, notáveis por sua atividade anaerobicida.
As cefalosporinas de 3ª geração têm importante atividade contra Gram
negativos, bastante superior à das gerações anteriores. Em contrapartida,
algumas drogas têm espectro reduzido para Gram positivos. Cefalosporinas
de 4ª geração apresentam o maior espectro de atividade de todo o grupo,
visto que resgatam a ação contra Gram positivos das 2 primeiras gerações,
mantendo a ampla atividade contra bacilos Gram negativos obtida a partir
da 3ª geração, inclusive contra cepas dotadas de mecanismos de resistência
Guia de Antibioticoterapia

a betalactâmicos. O termo cefalosporina de 5ª geração surgiu com o apare-


cimento do ceftobiprole, mas ainda não está consagrado como uma “nova
geração”. Essa droga será descrita ainda neste capítulo, ao final.
Tabela 1 - Principais cefalosporinas em uso prático no Brasil
Uso IV Uso VO Indicações clínicas
Infecções causadas por S. aureus
oxacilino-sensíveis e Streptococcus, mais
Cefazolina Cefalexina comumente em infecções de pele, partes
(Kefazol®) (Keflex®)
1ª geração moles, faringite estreptocócica; por sua
Cefalotina Cefadroxila
(Keflin®) (Cefamox®) moderada atividade contra E. coli, podem
ser utilizadas para infecção do trato
urinário não complicada.
Cefuroxima Maior atividade contra H. influenzae,
(Zinnat®) M. catarrhalis, N. meningitidis, N.
Cefuroxima Cefprozila
2ª geração gonorrhoeae. Utilizadas em tratamento
(Zinacef®) (Cefzil®)
Cefaclor de otites médias, sinusites, ITU, infecções
(Ceclor®) de pele, pneumonias.
Por sua boa atividade contra anaeróbios,
são indicadas para tratamento de úlcera
Cefoxitina de decúbito infectada, infecções intra-
Cefamicinas --
(Mefoxin®) -abdominais, pélvicas, ginecológicas, pé
diabético e infecções mistas de partes
moles.
Infecções por bacilos Gram negativos
Cefotaxima suscetíveis, infecções de feridas
(Claforan®) cirúrgicas, pneumonias, infecções
Ceftriaxona complicadas do trato urinário; cefotaxima
3ª geração --
(Rocefin®) e ceftriaxona: meningites bacterianas;
Ceftazidima ceftazidima: atividade contra P.
(Fortaz®) aeruginosa no passado, atualmente
discutível.
Conservam a ação contra Gram negativos,
incluindo atividade anti-Pseudomonas,
Cefepima
4ª geração -- e apresentam atividade contra cocos
(Maxcef®)
Gram positivos, especialmente S. aureus
oxacilino-sensível.
32
Ceftobipro- Além da ação contra Gram negativos
5ª (?) le (não dis- descrita anteriormente pela 4ª geração,
--
geração ponível no também tem ação contra Staphylococcus
Brasil) MRSA.
3. Aspectos farmacológicos
Cefalosporinas são antimicrobianos betalactâmicos, cuja ação bacteri-
cida ocorre pela inibição das enzimas transpeptidases, responsáveis pelas
ligações peptídicas que mantêm a estrutura da parede celular bacteriana.
Antibióticos betalactâmicos: cefalosporinas

Em consequência, é sintetizada uma parede defectiva e frágil, o que deter-


mina lise da célula bacteriana. Por serem alvo de ação dos betalactâmicos,
as transpeptidases receberam o nome de proteínas ligadoras de penicilinas
(PBP – do inglês Penicillin-Binding Protein). Em geral, as cefalosporinas têm
maior afinidade pela PBP3.
Sua atividade é bactericida, e habitualmente ocorre efeito pós-antibiótico
por várias horas para Gram positivos, porém o mesmo não ocorre para Gram
negativos. São antimicrobianos tempo-dependentes, isto é, sua melhor ativi-
dade depende do tempo pelo qual a concentração sérica permanece acima
da concentração inibitória mínima para o agente em questão. A atividade
pouco depende da concentração sérica máxima obtida.
As drogas desse grupo apresentam, em geral, boa biodisponibilidade oral
– até 95% da dose administrada –, e apenas a 4ª geração não conta com apre-
sentação para uso por essa via. A estabilidade à temperatura ambiente per-
mite o uso intravenoso em infusão lenta e até mesmo contínua, o que otimi-
za a ação dessas drogas, em virtude de sua característica tempo-dependente.
As formulações parenterais estão disponíveis, ainda, para uso intramuscular,
quando a gravidade da infecção assim o permitir.
As cefalosporinas se distribuem por praticamente todos os órgãos e teci-
dos, com boa penetração tecidual, e tendem a permanecer no líquido inters-
ticial e a impregnar as membranas, porém não atingem altas concentrações
no meio intracelular, o que dificulta o seu uso para o tratamento de infecções
por agentes intracelulares.
Nenhuma das drogas de apresentação oral desse grupo atinge concentra-
ções terapêuticas no liquor. O mesmo acontece com as cefalosporinas de 1ª
e 2ª geração, com exceção da cefuroxima, que por esta razão é amplamente
utilizada como profilaxia em neurocirurgia. Já as cefalosporinas de 3ª e 4ª ge-
ração atingem concentrações terapêuticas no Sistema Nervoso Central (SNC)
e estão bem indicadas para o tratamento de infecções nesse sítio.
A maioria das cefalosporinas não é metabolizada e sofre excreção renal por
meio de secreção tubular, de maneira que deve ter suas doses ajustadas em
caso de disfunção renal. A ceftriaxona tem alto índice de ligação proteica, por
isso sofre eliminação preferencialmente hepática, pela via biliar. Essa carac-
terística reforça seu uso no tratamento de infecções de vias biliares e intesti-
nais. No entanto, a correção de dose só é necessária quando há insuficiências 33
hepática e renal concomitantes.
4. Espectro de ação
A maioria das drogas desse grupo tem boa atividade contra cocos Gram
positivos. As cefalosporinas de 1ª e 2ª geração são bem ativas contra os co-
cos Gram positivos que habitam a pele e o trato respiratório superior. Merece
destaque a ação contra Streptococcus pyogenes. As de 1ª geração são úteis,
ainda, para o tratamento de infecções leves e moderadas por Staphylococcus
Guia de Antibioticoterapia

meticilino-sensíveis. Essa atividade antiestafilocócica é diminuída para as


cefalosporinas de 3ª geração – especialmente a ceftazidima – e volta a ser
observada na 4ª geração.
Ainda com relação aos cocos Gram positivos, chama a atenção a excelente
atividade das cefalosporinas de 3ª e de 4ª geração contra o Streptococcus
pneumoniae, inclusive aqueles resistentes à penicilina. Com essa característi-
ca, destacam-se a ceftriaxona e o cefepima.
A atividade contra Gram negativos torna-se expressiva a partir da 2ª gera-
ção, cujas drogas são úteis no tratamento de infecções do trato respiratório
alto, que envolvem Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis. As meno-
res concentrações inibitórias mínimas para essas bactérias são obtidas com as
cefalosporinas de 3ª geração, que são, portanto, indicadas para o tratamento
de infecções mais graves por esses agentes, como pneumonias e meningites.
A partir da 2ª geração, obtém-se, também, espectro contra bactérias do gêne-
ro Neisseria, com máxima atividade na 3ª geração, o que torna a ceftriaxona
droga de 1ª linha no tratamento de infecções meningocócicas e gonocócicas.
O maior espectro contra bacilos Gram negativos ocorre a partir da 3ª gera-
ção, que tem excelente atividade contra enterobactérias (família Enterobac-
teriaceae). Praticamente todas as cefalosporinas têm atividade contra Esche-
richia coli, mesmo as de 1ª geração, que podem ser usadas em infecções não
complicadas do trato urinário baixo. Porém, infecções mais graves por E. coli
ou por outras enterobactérias devem ser tratadas com cefalosporinas de 3ª
ou de 4ª geração. Essas drogas têm alta potência contra bactérias dos gêne-
ros Citrobacter, Enterobacter, Serratia e Proteus e são úteis no tratamento de
infecções por Salmonella e Shigella.
A ceftazidima e o cefepima são altamente ativos contra Pseudomonas ae-
ruginosa sensíveis e fazem parte da 1ª linha de opções para o tratamento de
infecções por esse agente. Entre as cefalosporinas de uso habitual no Brasil,
somente elas têm tal atividade contra Pseudomonas que permita seu uso
seguro para tal fim. O uso de ceftazidima para infecções causadas por Pseu-
domonas hospitalar deve ser atualmente evitado, dada a grande incidência
de resistência desta bactéria à ceftazidima recentemente. A associação de
ceftazidima a um aminoglicosídeo (habitualmente amicacina) para sinergis-
mo foi muito usada em passado recente para cobertura de Pseudomonas
34 hospitalar, mas não tem mais a mesma ação atualmente.
Várias cefalosporinas são ativas contra cocos Gram positivos anaeróbios,
como peptoestreptococos, o que faz das drogas de 2ª geração escolhas para
profilaxia em cirurgias de cabeça e pescoço, dadas suas atividades contra
Gram positivos de pele, Gram negativos do trato respiratório e anaeróbios da
cavidade oral. A cefuroxima é muito utilizada para esse fim em nosso meio.
Porém, quando se trata de bacilos Gram negativos anaeróbios, como Bacte-
roides fragilis, somente as cefamicinas – representadas pela cefoxitina – têm
atividade satisfatória.
Antibióticos betalactâmicos: cefalosporinas

As cefalosporinas não possuem atividade contra os gêneros Chlamydia, Le-


gionella e Mycoplasma, visto que seu mecanismo de ação – ligado à síntese
de parede celular – é ineficiente contra esses agentes, que não possuem essa
estrutura com a composição típica da maioria das bactérias.
5. Mecanismos de resistência
São 4 os mecanismos de resistência bacteriana às cefalosporinas:
- Hidrólise por enzimas betalactamases;
- Alteração estrutural do sítio de ação (PBP), resultando em diminuição de
afinidade;
- Diminuição da permeabilidade da membrana externa por alteração das
porinas;
- Aumento do efluxo da droga por mecanismo ativo (bombas de efluxo).

Em geral, a resistência em uma dada população bacteriana deve-se a um


único mecanismo, em contrapartida é crescente o surgimento de cepas dota-
das de múltiplos mecanismos de resistência associados.
A produção de enzimas que hidrolisam o anel betalactâmico (betalacta-
mases) é o mecanismo de resistência às cefalosporinas predominante da
maioria das bactérias Gram negativas. Essas enzimas são produzidas no cito-
plasma bacteriano e lançadas no espaço periplásmico – entre a membrana
externa e a plasmática –, o que permite a elas hidrolisar as drogas antes que
alcancem seu alvo: as PBPs.
Quase todos os Gram negativos são capazes de produzir betalactamases.
No entanto, o tipo e a quantidade de enzima produzida são variáveis. Cada
tipo de betalactamase tem afinidade e capacidade de hidrólise diferente em
relação a cada droga do grupo. Além disso, os Gram negativos podem dimi-
nuir a permeabilidade da membrana externa à penetração de cefalosporinas,
por meio da alteração da quantidade e do tipo de porinas, ou até mesmo
através do efluxo da droga por processo ativo ATP-dependente. Desta forma,
a sensibilidade final de uma bactéria Gram negativa a determinada cefalos-
porina é a resultante da capacidade dessa droga em penetrar e permanecer
no espaço periplásmico, e sua estabilidade diante da inativação enzimática
pela betalactamase presente. Essa resultante explica os diversos perfis de
sensibilidade de Gram negativos às diferentes cefalosporinas.
Merecem destaque 2 tipos de betalactamases que têm as cefalosporinas 35
como substrato: AmpC e ESBL.
A - Betalactamase do tipo AmpC
É codificada por gene cromossômico que se encontra reprimido quando
a bactéria não está em contato com o antibiótico substrato. Porém, quando
a bactéria é exposta à cefalosporina, esse gene é rapidamente expresso, e
inicia-se a produção enzimática capaz de hidrolisar a droga em questão. A im-
portância prática desse tipo de mecanismo de resistência deve-se a 2 fatores:
Guia de Antibioticoterapia

- Cepas dotadas dessa característica podem gerar falsos perfis de sensibili-


dade em antibiogramas, visto que o tempo de exposição ao antibiótico no
teste de laboratório pode não ser suficiente para a ativação do gene e a
produção de betalactamase em quantidade suficiente para a resistência;
- Falha terapêutica durante o tratamento, pois a bactéria envolvida pode
apresentar resposta satisfatória ao tratamento com cefalosporina, mas
tornar-se resistente na vigência da droga por ativação do gene AmpC e
por produção tardia de betalactamase.

A produção de betalactamase do tipo AmpC é típica dos gêneros Citro-


bacter, Enterobacter, Serratia, Proteus, Providencia e Pseudomonas. Logo,
infecções por essas bactérias podem ser tratadas com cefalosporinas, dada
a alta atividade usual de tais drogas contra esses agentes, no entanto devem
suscitar cautela na interpretação do antibiograma e atenção para a possibili-
dade de falha terapêutica.
B - Betalactamase de espectro estendido
A betalactamase de espectro estendido (ESBL, do inglês Extended-Spec-
trum Beta-Lactamases) é uma enzima cuja importância provém de sua gran-
de capacidade de hidrólise de cefalosporinas, inclusive de 3ª e de 4ª geração,
que habitualmente são mais estáveis à inativação enzimática. Tem como pe-
culiaridades a manutenção de sensibilidade às cefamicinas (cefoxitina) e a
inativação por inibidores de betalactamase (clavulanato, tazobactam), carac-
terísticas utilizadas nos testes de triagem realizados para sua detecção. Sua
presença indica uso de outra classe de antimicrobianos para terapia – como
carbapenêmicos e quinolonas – em virtude da alta probabilidade de resis-
tência a todas as cefalosporinas, mesmo às que se mostrem ativas in vitro.
Em termos epidemiológicos, a importância da ESBL reside no fato de que
existem várias formas dessa enzima cuja codificação é plasmidial, isto é, pode
ser transmitida a bactérias de espécies – e até mesmo gêneros – diferentes, o
que resulta em disseminação de resistência a cefalosporinas. A produção de
ESBL foi detectada primariamente em Escherichia coli e Klebsiella pneumo-
niae, porém já há descrição de sua presença em Pseudomonas aeruginosa,
Proteus mirabilis e Enterobacter aerogenes.
36 Já os estafilococos produzem penicilinases, que têm pouca capacidade de hi-
drolisar o anel cefêmico. A resistência dessas bactérias às cefalosporinas deve-
-se principalmente à alteração de PBP com diminuição de afinidade pela droga.
Esse é também o mecanismo responsável por resistência às cefalosporinas em
Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Neisseria gonorrhoeae.
6. Uso clínico das drogas da classe
As doses das cefalosporinas de uso habitual no Brasil estão descritas na
Tabela 2:
Antibióticos betalactâmicos: cefalosporinas

Tabela 2 - Dose das cefalosporinas de uso habitual no Brasil


Adultos Crianças
Cefalosporina
Dose usual Doença grave Dose usual
1ª geração
0,5 a 1g a cada 8 a 12,5 a 33mg/kg a cada
Cefazolina 2g a cada 6 a 8h
12h 6 a 8h
Cefalotina 0,5 a 1g a cada 6h 2g a cada 4 a 6h 20 a 25mg/kg a cada 6h
1ª geração ­– via oral
250 a 500mg a cada 6,25 a 25mg/kg a cada
Cefalexina 1g a cada 6h
6h 6h
Cefadroxila 500mg a cada 12h 1g a cada 12h 15mg/kg a cada 12h
2ª geração
12,5 a 60mg/kg a cada
Cefuroxima 0,75 a 1,5g a cada 8h 1,5g a cada 8h
6 a 8h
2ª geração – via oral
250mg a cada 8h ou 8,3 a 16,7mg/kg a cada
Cefaclor 500mg a cada 8h
375mg a cada 12h 8h
250 a 500mg a cada 500mg a cada 7,5 a 15mg/kg a cada
Cefprozila
12h 12h 12h
250 a 500mg a cada 500mg a cada
Axetilcefuroxima 10 a 15mg/kg a cada 12h
12h 12h
Cefamicinas
20 a 25mg/kg a cada 4
Cefoxitina 1 a 2g a cada 6h 2g a cada 4 a 6h
a 6h
3ª geração
25 a 30mg/kg a cada 4
Cefotaxima 1g a cada 8 a 12h 2g a cada 4 a 8h
a 6h
Ceftazidima 1g a cada 8 a 12h 2g a cada 8h 30 a 50mg/kg a cada 8h
2g a cada 12h 50 a 100mg/kg a cada
Ceftriaxona 1g a cada 12h
(SNC) 24h
4ª geração
2g a cada 12h
Cefepima 1g a cada 12h 2g a cada 8h 50mg/kg a cada 8h
(SNC)
A - 1ª geração
37
As cefalosporinas de 1ª geração que dispõem de apresentação oral são
drogas de escolha para o tratamento de infecções de partes moles – de etio-
logia habitualmente estreptocócica e estafilocócica – quando leves ou mode-
radas a ponto de permitir tratamento ambulatorial. Podem ser ainda usadas
no shift para a via oral, para conclusão do tratamento em pacientes que o
iniciaram por via intravenosa, e devem mantê-lo por tempo mais prolongado
após alta hospitalar, como no caso das piomiosites, dos abscessos drenados
e das osteomielites. A desvantagem da cefalexina é a posologia (de 6/6h),
Guia de Antibioticoterapia

porém o cefadroxila permite o uso a cada 12 horas, portanto mais cômodo.


Não há atividade contra Pasteurella multocida, portanto não são indicadas
no tratamento de infecções de partes moles relacionadas à mordedura de
cão ou de gato.
Por sua atividade contra Streptococcus pyogenes, podem eventualmente
ser usadas em amigdalites purulentas, porém sua inatividade contra Hae-
mophilus influenzae e Moraxella catarrhalis e pneumococos resistentes à
penicilina contraindica o uso em caso de sinusites, otites e pneumonias. Em
todas essas situações, as aminopenicilinas – em especial a amoxicilina – são
mais indicadas.
A despeito de sua atividade limitada contra Gram negativos, podem ser
usadas no tratamento de infecções não complicadas do trato urinário baixo,
pois têm espectro adequado para E. coli multissensível, principal agente des-
sas infecções. Todavia, seu uso só está justificado nas situações em que haja
contraindicação a quinolonas (norfloxacino, ciprofloxacino), como gestação,
dada a superioridade da ação dessas drogas contra E. coli e outros agentes
de infecção urinária.
As drogas de formulação parenteral – cefazolina e cefalotina – são alterna-
tivas razoáveis ao tratamento de infecções estreptocócicas e estafilocócicas
extensas. Apesar da atividade superior da penicilina e da oxacilina, respec-
tivamente, as cefalosporinas de 1ª geração podem ser vantajosas para uso
intravenoso em pacientes que tenham restrição de volume – como insufici-
ência cardíaca e renal –, uma vez que podem ser administradas em bolus em
volume de diluição menor que as penicilinas. Podem ser consideradas em
pacientes alérgicos à penicilina, caso não tenha ocorrido reação grave.
A cefazolina é amplamente utilizada em nosso meio para profilaxia cirúrgi-
ca em cirurgias limpas ou de sítios estéreis, cujos agentes responsáveis pela
infecção da ferida operatória habitualmente pertencem à flora da pele. Nes-
se grupo, estão inclusas as seguintes cirurgias: pele não infectada; cabeça
e pescoço, em que não haja abordagem de mucosa ou do SNC; colecistec-
tomia sem colecistite ou colangite; herniorrafias e plastias; mamoplastia e
mastectomia; histerectomia vaginal e abdominal; parto vaginal ou cirúrgico;
cirurgias ortopédicas limpas (exceto revisão de artroplastia); cirurgia plástica;
a maioria das cirurgias torácicas relacionadas ao pulmão; a maioria dos trau-
38 mas; cirurgias vasculares sem gangrena, entre outras.
B - 2ª geração
As cefalosporinas de 2ª geração têm como principal característica a sua ati-
vidade aumentada contra Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influen-
zae e Moraxella catarrhalis, quando comparadas às de 1ª geração. Tal espec-
tro as torna muito úteis no tratamento de infecções do trato respiratório, so-
bretudo as de tratamento ambulatorial que exigem drogas de apresentação
oral, como amigdalites, sinusites, faringites e epiglotites. As de apresentação
Antibióticos betalactâmicos: cefalosporinas

parenteral podem ser opções, ainda, no tratamento de pneumonias e menin-


gites (também ativas contra Neisseria meningitidis). Porém, nestas situações,
foram amplamente substituídas pelas drogas de 3ª geração, em virtude da
superioridade das últimas em relação a pneumococos resistentes à penicili-
na. Por isso, as recomendações mais recentes de tratamento de pneumonia
e meningite não incluem a cefuroxima como alternativa.
A cefuroxima tem aplicação profilática em nosso meio, nas cirurgias em
que esteja indicado espectro de ação mais amplo que o da cefazolina. Entre
estas, estão incluídas as cirurgias que seguem: cabeça e pescoço e otorrinola-
ringológicas que abordem mucosas; cardíaca; neurológica; cirurgias ortopé-
dicas em pacientes com risco aumentado de infecções por Gram negativos,
como neutropênicos, diabéticos, urológicos e pneumopatas (DPOC); revisão
de artroplastia; transplante cardíaco e pulmonar, entre outras.
As cefamicinas – em nosso meio, a cefoxitina – têm atividade aumentada
em relação ao restante das drogas de 2ª geração para enterobactérias, além
de possuírem inédita ação contra bacilos Gram negativos anaeróbios, como
Bacteroides fragilis. Logo, sua principal indicação refere-se à profilaxia cirúrgica
em procedimentos de abordagem gastrintestinal, vias biliares e trato genital
feminino. Apesar do espectro favorável, a segurança para o uso terapêutico
em infecções por enterobactérias não é confirmada, pois apresentam grande
potencial de indução de mecanismos de resistência nesses Gram negativos.
C - 3ª geração
As cefalosporinas de 3ª geração são de grande importância no tratamento
de um grande número de infecções, em virtude de seu amplo espectro, bai-
xa toxicidade, perfil farmacocinético favorável e concentrações adequadas
no liquor. Sua principal ação se dá em relação aos bacilos Gram negativos,
incluindo enterobactérias. Entretanto, esse uso vem encontrando limitações
por causa do surgimento crescente de cepas produtoras de betalactamases
capazes de inativar as drogas dessa classe.
A ceftriaxona e a cefotaxima têm importância fundamental no tratamento
de infecções por pneumococos resistentes a penicilinas, com destaque para
pneumonias adquiridas na comunidade, para as quais se tornaram droga de
escolha. Sua atividade contra Gram negativos aumenta a eficácia no trata-
mento de pneumonias em pacientes com fatores de risco para esses agentes, 39
como idosos, diabéticos, portadores de DPOC e etilistas. Em pneumonias gra-
ves, a associação a macrolídeos (claritromicina ou azitromicina) é recomen-
dada, para aumento da atividade contra pneumococos e cobertura ampliada
para agentes como Chlamydia pneumoniae, Mycoplasma pneumoniae e Le-
gionella pneumophila.
Por sua ação também contra Neisseria meningitidis e Haemophilus influen-
zae, além da atividade antipneumocócica, ceftriaxona e cefotaxima são dro-
gas de eleição para o tratamento de meningite no adulto.
Guia de Antibioticoterapia

Outras indicações importantes dessas drogas incluem infecções complica-


das do trato urinário, infecções abdominais e de vias biliares (em associação
a drogas anaerobicidas, como o metronidazol) e infecções de pele com flora
polimicrobiana, como as relacionadas a úlceras crônicas. Em todas essas situ-
ações, a resposta à terapia deve ser cuidadosamente avaliada, pela possibili-
dade de emergência de resistência relacionada à produção de betalactamase
– ESBL ou AmpC.
No Brasil, a ceftriaxona é habitualmente mais utilizada, a despeito da se-
melhança de espectro com a cefotaxima. Esta última tem sido reservada para
uso em crianças, hepatopatas e transplantados hepáticos.
A ceftriaxona é indicada, ainda, para tratamento de infecções gonocócicas, em
dose única em caso de uretrite; tratamento de febre tifoide, salmonelose não
typhi e infecções por Shigella; endocardites estreptocócicas; e osteomielites de
tratamento ambulatorial, pela possibilidade de dose única diária intramuscular.
A ceftazidima tem como principal característica a pronunciada atividade
anti-Pseudomonas. Deve ser indicada sempre que há alta probabilidade de
Pseudomonas como agente, como em descompensação infecciosa de pneu-
mopatia crônica, fibrose cística e pneumonia em usuários crônicos de corti-
costeroides. Atinge elevadas concentrações no SNC e é droga de escolha no
tratamento de meningites por Pseudomonas sensíveis, habitualmente asso-
ciadas a válvulas de derivação. O emprego deve ser cauteloso, em ambientes
de alta incidência de cepas resistentes produtoras de betalactamase.
D - 4ª geração
No Brasil, o único representante deste grupo é a cefepima, que tem ativi-
dade aumentada contra Gram negativos em relação à 3ª geração – dentre
eles, Pseudomonas – associada a excelente atividade contra Gram positivos,
incluindo pneumococos e Staphylococcus meticilino-sensíveis. É útil no tra-
tamento de infecções hospitalares, visto que cerca de 70% dos bacilos Gram
negativos resistentes à ceftazidima mantêm sensibilidade ao cefepima.
É indicado no tratamento de infecções da corrente sanguínea, pneumo-
nias, infecções complicadas do trato urinário e infecções de partes moles, to-
das adquiridas em ambiente hospitalar. Em nosso meio, é a droga de escolha
para o tratamento empírico inicial da neutropenia febril.
40 A emergência de resistência durante o tratamento é mais rara com a cefe-
pima, mas deve ser considerada, situação em que se torna temeroso o uso de
qualquer cefalosporina, mesmo que demonstre atividade em antibiograma.
Nesse caso, a alternativa mais segura é a substituição por carbapenêmico
(imipeném ou meropeném).
E - 5ª geração
Em 2009, o órgão que regulamenta o uso de drogas nos EUA (FDA) aprovou
o uso de uma nova cefalosporina, o ceftobiprole, apenas em adultos. Foi in-
Antibióticos betalactâmicos: cefalosporinas

titulada como uma nova classe (5ª geração) pelo fabricante, mas não houve
consenso em se usar este termo.
O ceftobiprole apresenta ação contra Staphylococcus aureus meticilino-
-resistente (MRSA), o que até o momento nenhuma cefalosporina havia
conseguido. Possui ainda ação contra Streptococcus pneumoniae penicilino-
-resistente, Pseudomonas aeruginosa e enterococos. Mudou o perfil de tra-
tamento de algumas infecções, já que, segundo o laboratório fabricante, te-
ria o mesmo espectro de ação da associação de vancomicina e ceftazidima
para infecções de pele complicadas, por exemplo.

7. Reações adversas e toxicidades


As cefalosporinas são drogas de excelente perfil de segurança e baixa toxi-
cidade. Os efeitos adversos mais comuns são as reações de hipersensibilida-
de, possíveis em até 7% dos pacientes, o que representa menor frequência
quando comparadas às penicilinas. A reação mais frequente envolve rash
cutâneo, às vezes acompanhado por febre e eosinofilia. Reações mais graves,
como doença do soro, anafilaxia e angioedema são bem mais raras.
Até 5% dos alérgicos à penicilina podem apresentar reatividade cruzada a
cefalosporinas. O uso em indivíduo com história pregressa de reação alérgica
a outro betalactâmico dependerá da gravidade da reação anterior; em rea-
ções leves, pode ser considerado, avaliando o risco-benefício; e, caso tenha
ocorrido reação grave – Steven-Johnson, anafilaxia, edema de glote –, o uso
de cefalosporina é desencorajado.
As reações gastrintestinais não são habituais. Geralmente, associam-
-se às drogas de apresentação oral e correspondem à intolerância, com
náuseas, vômitos e diarreia. A ceftriaxona, por sua considerável parcela
de excreção biliar, pode resultar em espessamento da bile (“lama biliar”),
porém a relevância clínica desse fato permanece controversa. A incidên-
cia é maior em recém-nascidos, de maneira que seu uso é contraindicado
nesse grupo. Sua indicação deve ser, ainda, cautelosa a hepatopatas, por-
tadores de doenças crônicas da árvore biliar e transplantados hepáticos,
razão pela qual habitualmente se prefere a cefotaxima à ceftriaxona, em
virtude de seus perfis de atividade sobreponíveis, com maior segurança
da 1ª em relação à 2ª. 41
Pode ocorrer colite pseudomembranosa por Clostridium difficile relaciona-
da ao uso de cefalosporinas, em especial com as drogas de amplo espectro e
com o uso prolongado.
Os efeitos hematológicos são muito raros. As citopenias, quando aconte-
cem, são imunomediadas. Alguns pacientes apresentam Coombs positivo
durante o uso de cefalosporinas, contudo a ocorrência de anemia hemolítica
com repercussão clínica é pouco significativa. Pode haver eosinofilia durante
o uso dessas drogas, mais frequente na vigência de reação alérgica.
Guia de Antibioticoterapia

A despeito da excreção renal da maioria das cefalosporinas, sua nefrotoxi-


cidade é rara. Em geral, acontece por mecanismo imunomediado, com carac-
terísticas de nefrite intersticial.
Descreve-se neurotoxicidade relacionada às cefalosporinas, especifica-
mente a cefepima. Essa reação adversa é representada por convulsões – até
mesmo estado de mal convulsivo – e em geral ocorre em pacientes críticos,
com insuficiência renal, para quem não foi feito ajuste adequado da dose da
droga. Ocorre acúmulo da droga por déficit de excreção, com impregnação
do SNC e desorganização da atividade elétrica. O eletroencefalograma é ca-
racterístico e sempre indicado na suspeita diagnóstica que, se confirmada,
deve suscitar a suspensão da cefepima.

42
CAPÍTULO 5
Antibióticos betalactâmicos: carbapenéns

1. Introdução
Os carbapenéns são antibióticos betalactâmicos derivados da tienamicina,
um composto produzido naturalmente pelo fungo Streptomyces cattleya.
São as drogas de maior amplo espectro entre os betalactâmicos e são está-
veis à hidrólise pela maioria das betalactamases, o que as torna drogas de es-
colha no tratamento de infecções graves, nosocomiais, causadas por agentes
multirresistentes. No Brasil, estão aprovados para uso clínico o imipeném, o
meropeném e o ertapeném. Apesar de disponível em vários outros países, o
doripeném ainda não é comercializado no Brasil, sendo que seu espectro é
muito semelhante ao do meropeném.
2. Mecanismo e espectro de ação
Assim como os demais betalactâmicos, os carbapenéns agem ligando-se às
PBPs – transpeptidases envolvidas na síntese de parede celular bacteriana –,
levando a célula à lise. No entanto, têm alta afinidade com PBP de alto peso
molecular, o que os torna altamente ativos contra Gram positivos e Gram
negativos. Além disso, penetram a membrana externa de Gram negativos
através de porinas específicas – diferentes das utilizadas por penicilinas e
cefalosporinas –, o que permite afluxo rápido e altas concentrações no espa-
ço periplásmico. Essa característica dificulta a hidrólise por betalactamases,
que habitualmente já têm menor afinidade pelas moléculas carbapenêmicas
quando comparadas ao anel betalactâmico de penicilinas e ao anel cefêmico
de cefalosporinas. Dessa forma, a maioria das cepas permanece sensível a
carbapenêmicos mesmo quando resistentes a penicilinas e às cefalosporinas
de 4ª geração.
Além dos Gram positivos e Gram negativos habitualmente sensíveis a pe-
nicilinas e cefalosporinas, seu espectro inclui Staphylococcus aureus, Escheri-
chia coli, Enterobacter cloacae, Citrobacter freundii, Proteus rettgeri, Serratia
marcescens, Proteus vulgaris, Klebsiella oxytoca, Pseudomonas aeruginosa e
Bacteroides fragilis, bactérias frequentemente produtoras de penicilinases e 43
betalactamases.
Os carbapenéns têm espectros de ação semelhantes. O imipeném é leve-
mente mais ativo contra Gram positivos, enquanto o meropeném e o ertape-
ném são ligeiramente mais ativos contra Gram negativos aeróbios.
Todas as drogas são muito eficientes contra Streptococcus beta-hemo-
líticos, Streptococcus pneumoniae e Staphylococcus (aureus e epidermidis)
meticilino-sensíveis. O imipeném apresenta atividade bacteriostática contra
Enterococcus faecalis sensíveis à penicilina, porém o mesmo não ocorre com
Guia de Antibioticoterapia

as demais drogas da classe. Já o Enterococcus faecium é resistente a todos os


carbapenêmicos.
Neisseria gonorrhoeae e Neisseria meningitidis são altamente sensíveis a
carbapenêmicos. O mesmo ocorre com Haemophilus influenzae, que tem
concentração inibitória mínima ainda menor para meropeném.
As drogas dessa classe são muito ativas contra Enterobacteriaceae, incluin-
do E. coli, Citrobacter, Enterobacter, Serratia, Providencia e Proteus. Habitu-
almente, esses gêneros apresentam concentrações inibitórias mínimas me-
nores para meropeném quando comparados ao imipeném.
O meropeném é a droga mais ativa da classe contra Pseudomonas aerugi-
nosa, no entanto o imipeném também pode ser usado com segurança e efici-
ência para infecções por esse agente. Tal atividade inclui cepas resistentes a
cefalosporinas e penicilinas anti-Pseudomonas. Já o ertapeném não é dotado
de ação contra Pseudomonas. Outros bacilos Gram negativos não fermenta-
dores são sensíveis a tais drogas, como Acinetobacter baumannii, contudo
Stenotrophomonas maltophilia e Burkholderia cepacia são intrinsecamente
resistentes a todos os carbapenêmicos. São drogas com espectro anaerobi-
cida, que inclui cocos Gram positivos e bacilos Gram negativos, entre estes
Bacteroides fragilis e outras espécies do gênero. Além disso, são ativas con-
tra Clostridium – com exceção de Clostridium difficile – e Fusobacterium.
Outras características dessas drogas com aplicação clínica são a atividade
contra Nocardia sp. e Actinomyces sp. Têm graus variáveis de ação contra
micobactérias, mas raramente são usados com essa indicação.
3. Mecanismos de resistência
Os mecanismos de resistência a carbapenêmicos são similares aos descri-
tos para os demais betalactâmicos, porém são muito menos comuns:
- Hidrólise por enzimas (betalactamases ou carbapenemases);
- Alteração estrutural do sítio de ação (PBP), resultando em diminuição de
afinidade;
- Diminuição da permeabilidade da membrana externa por alteração das
porinas;
- Aumento do efluxo da droga por mecanismo ativo (bombas de efluxo).

44 As drogas desta classe são muito mais estáveis e resistentes à ação de betalac-
tamases. Somente 1 tipo desta enzima – a metalobetalactamase – é capaz de hi-
drolisar e inativar os carbapenêmicos. Nem todos os Gram negativos são capazes
de produzir esse tipo de enzima, já descrito em Pseudomonas e Acinetobacter.
A alteração de PBP também é o principal mecanismo de resistência em
Gram positivos. No entanto, como os carbapenêmicos apresentam alta afini-
dade por sua PBP específica, a resistência é rara.
A destruição pela produção de enzima carbapenemase (KCP) é assunto
atual e de importância clínica, principalmente a partir de 2009. Essa enzima é
Antibióticos betalactâmicos: carbapenéns

produzida por bactérias enterofermentadoras. A Klebsiella pneumoniae foi a


1ª a produzir, levando ao termo Klebsiella produtora de KCP, muito divulgado
na mídia como superbactéria.
A produção de KCP não é exclusiva de Klebsiella, e cepas produtoras de KCP
têm sido identificadas em outras enterobactérias, como na Escherichia coli. A
transmissão dessa capacidade de produção é também feita por plasmídeos,
o que garante que a mutação possa ocorrer mesmo entre espécies diferentes
de bactérias enterofermentadoras.
A definição de superbactérias pela mídia ao termo KPC se justifica pela di-
ficuldade de resposta das enterofermentadoras às polimixinas. A resistência
a carbapenêmicos leva a poucas opções terapêuticas restantes, tais como a
tigeciclina ou ainda a associação de polimixinas e aminoglicosídeos.
4. Aspectos farmacológicos
Os carbapenêmicos não apresentam biodisponibilidade oral adequada e
só estão disponíveis para uso parenteral. O imipeném e o meropeném são
de uso intravenoso, e o ertapeném pode ser usado também por via intra-
muscular.
Todas as drogas são excretadas por via renal. O imipeném é instável ao
metabolismo renal, por isso é formulado em associação à cilastatina, que
impede sua metabolização renal e prolonga sua meia-vida, permitindo o uso
clínico. Todos devem ter suas doses ajustadas em pacientes com disfunção
renal.
Os 3 representantes da classe atingem boa concentração sérica e penetra-
ção tecidual. O imipeném tem meia-vida mais curta e deve ser administrado
a cada 6 horas, enquanto o meropeném pode ser administrado a cada 8 ho-
ras. O ertapeném tem meia-vida mais longa e pode ser feito em dose única
diária, o que permite seu uso para tratamento ambulatorial de infecções não
complicadas por agentes multirresistentes.
5. Uso clínico
Por seu amplo espectro de ação, com atividade contra bactérias Gram posi-
tivas, Gram negativas e anaeróbias, os carbapenêmicos são indicados para o
tratamento de diversas infecções, incluindo infecção da corrente sanguínea,
infecções de partes moles e osteoarticulares, infecções ginecológicas e puer- 45
perais, infecções complicadas do trato urinário, infecções intra-abdominais,
pneumonia e sepse.
Justamente pela variedade de indicações e por sua atividade contra bactérias
dotadas de mecanismos de resistência, estas drogas devem ser reservadas ao
tratamento de infecções nosocomiais, em que a resistência bacteriana seja al-
tamente provável ou esteja documentada por culturas e testes de sensibilidade.
O imipeném e o meropeném são drogas de escolha para o tratamento de
infecções causadas por bacilos Gram negativos (Enterobacteriaceae) resis-
Guia de Antibioticoterapia

tentes a cefalosporinas, particularmente Citrobacter, Enterobacter, Serratia


e Providencia, por seu possível desenvolvimento de resistência durante o tra-
tamento com cefalosporinas e falha terapêutica.
Seu uso empírico deve ser evitado, exceto em infecções graves ainda
sem etiologia definida, em pacientes que tenham história de uso prévio
de múltiplos antimicrobianos, o que aumenta a probabilidade de infecção
atual por agente resistente aos demais betalactâmicos. São indicados tam-
bém para tratamento empírico na neutropenia febril e podem ser usados,
ainda, no tratamento de infecções polimicrobianas graves, considerando o
risco-benefício do uso de esquemas combinados, por vezes mais tóxicos e
custos elevados.
O imipeném e o meropeném têm espectro e perfil farmacocinético sobre-
ponível, o que permite igual indicação na maioria das infecções. Contudo,
no que diz respeito a infecções no Sistema Nervoso Central (SNC) – como
meningites e abscessos cerebrais –, é indicado o meropeném, de melhor pe-
netração na barreira hematoliquórica e menor potencial de convulsões, risco
mais relacionado ao uso do imipeném.
O ertapeném está aprovado no Brasil para uso em infecções de partes mo-
les, infecção do trato urinário e abdominopélvicas que envolvam enterobac-
térias resistentes, produtoras de ESBL. Não está validado para outros sítios,
como infecção da corrente sanguínea, pneumonia, meningite ou sepse. Seu
uso empírico é contraindicado a pacientes que apresentem fatores de risco
para infecção por Pseudomonas – como neutropênicos, usuários de corti-
coides e pneumopatas crônicos (bronquiectasias e fibrose cística) – por sua
inatividade contra esse agente.

Tabela 1 - Principais carbapenéns em uso prático no Brasil


Doses Vias de
usuais em administração Indicações clínicas
adultos
Imipeném- Eficácia no tratamento de pa-
500mg a 1g,
-cilastatina IV cientes graves com pneumonias,
6/6h
(Tienam®) infecções abdominais, infecções
no sistema nervoso central, de
partes moles, no trato urinário,
Meropeném 500mg a 2g, osteoarticulares e ginecológicas;
46 IV podem ser utilizados como te-
(Meronem®) 8/8h
rapêutica empírica em casos de
neutropenia febril.
Propriedades antimicrobianas si-
milares às do imipeném, embora
não tenha atividade contra P. ae-
Ertapeném 1g, dose
IM ruginosa; tem como vantagens a
(Invanz®) única diária
meia-vida prolongada e a possi-
bilidade de dose única diária por
via intramuscular.
Antibióticos betalactâmicos: carbapenéns

6. Efeitos adversos
Os possíveis efeitos adversos dos carbapenêmicos são semelhantes aos
provocados pelos demais betalactâmicos, e o mais frequente deles é a hi-
persensibilidade. Não há evidência de que os carbapenêmicos tenham maior
propensão a causar nefrotoxicidade ou hepatotoxicidade. As alterações he-
matológicas também são similares.
O imipeném pode provocar náuseas se infundido rapidamente. Descreve-
-se neurotoxicidade associada ao imipeném, manifestada por convulsões,
geralmente em indivíduos que apresentam condição neurológica de base ou
indivíduos com insuficiência renal para os quais não foi feito ajuste de dose.

47
CAPÍTULO 6
Quinolonas

1. Introdução
As quinolonas são antimicrobianos sintéticos, bactericidas, derivados do
ácido nalidíxico – 1º fármaco desta classe, introduzido na prática clínica em
1962. As primeiras quinolonas tiveram uso limitado em razão das baixas con-
centrações séricas e da rápida emergência de resistência. No entanto, no fi-
nal da década de 1970, a manipulação laboratorial dessas drogas deu origem
às fluoroquinolonas (átomo de flúor na posição 6), com melhor perfil farma-
cocinético e maior atividade bactericida. A partir daí, iniciou-se o amplo uso
de quinolonas até os dias atuais.
Tabela 1 - Características gerais
Mecanismo de ação
- Bloqueiam a atividade da topoisomerase tipo II em Gram negativos (também de-
nominadas DNA-girase) e tipo IV em Gram positivos; atuam em bactérias em fase
de crescimento estacionário.
Farmacodinâmica
- Concentração-dependentes.
Efeito antimicrobiano
- Ação bactericida.
Resistência
- Mutações cromossômicas determinando menor afinidade da DNA-girase;
- Redução de porinas, com consequente diminuição de permeabilidade.
Propriedades
- Efeito pós-antibiótico.

Tabela 2 - Drogas pertencentes à classe


- Ácido nalidíxico;
- Norfloxacino;
- Ciprofloxacino;
48 - Levofloxacino;
- Moxifloxacino;
- Gemifloxacino;
- Gatifloxacino, grepafloxacino e trovafloxacino – retirados do mercado por toxicidade;
- Clinafloxacino, esparfloxacino – não usados habitualmente no Brasil.

2. Mecanismo de ação
O sítio de ação das quinolonas são as enzimas topoisomerases: tipo II em
Gram negativos (também denominadas DNA-girase) e tipo IV em Gram po-
Quinolonas

sitivos. Essas enzimas são responsáveis pelo espiralamento e pela manuten-


ção da estrutura terciária do DNA bacteriano, assim como a estabilidade da
molécula de DNA durante o processo de transcrição. Sua inibição por ligação
à molécula de quinolona provoca alteração da estrutura “em hélice” e insta-
bilização da molécula do DNA e interrompe os mecanismos de transcrição e
expressão gênica. O DNA desespiralado sofre degradação por exonucleases.
Consequentemente, as quinolonas apresentam ação bactericida.
3. Mecanismos de resistência
Os principais mecanismos de resistência acontecem por mutações cro-
mossômicas que levam à alteração estrutural do sítio catalítico das topoiso-
merases, o que diminui sua afinidade pela quinolona, que desta forma não
consegue se ligar a seu alvo e perde a atividade. Em Gram negativos, esse
mecanismo geralmente ocorre em associação à diminuição de permeabilida-
de, por redução de expressão e alteração de estrutura das porinas de mem-
brana externa, o que dificulta a penetração da droga na célula bacteriana e o
contato com seu alvo de ação.
Tanto Gram negativos como Gram positivos podem produzir bombas de
efluxo que retiram a droga do meio intracelular da bactéria, o que diminui
amplamente sua ação. Esse mecanismo também é secundário, geralmente
em associação a alteração estrutural da topoisomerase.
4. Aspectos farmacológicos
As quinolonas atingem boa concentração sérica e boa penetração na maio-
ria dos tecidos. São antimicrobianos concentração-dependentes. A biodis-
ponibilidade oral é variável, de 30 a 45% para norfloxacino, 55 a 70% para
ciprofloxacino, 95% para ofloxacino e 90 a 100% para levofloxacino. Dessa
forma, seu uso por via oral é bastante satisfatório, mesmo para infecções de
maior gravidade, desde que estejam garantidos o trânsito e a capacidade de
absorção intestinal.
A meia-vida também é extremamente variável: de 3 a 5 horas para nor-
floxacino, de 4 a 7 horas para ciprofloxacino, de 6 a 8 horas para ofloxaci-
no e levofloxacino e 12 horas para moxifloxacino. A meia-vida das últimas
permite o uso em dose única diária, o que favorece o perfil concentração- 49
-dependente.
As quinolonas são parcialmente metabolizadas pelo fígado, e parte é ex-
cretada na forma original por via renal. Em geral, alcançam altas concentra-
ções urinárias, o que as torna muito úteis no tratamento de infecções deste
sítio. A metabolização hepática determina concentração adequada em vias
biliares, e alguns metabólitos são encontrados em grandes quantidades nas
fezes, o que favorece o uso para infecções em vias biliares e infecções por
enteropatógenos.
Guia de Antibioticoterapia

5. Espectro de ação e uso clínico


O espectro de ação das quinolonas refere-se principalmente aos baci-
los Gram negativos aeróbicos, incluindo a maioria das Enterobacteriaceae.
Inibem a maior parte das cepas de Escherichia coli, Klebsiella, Salmonella,
Shigella, Morganella morganii, Proteus, Providencia, Citrobacter, Serratia e
Yersinia enterocolitica. Também atuam contra Neisseria gonorrhoeae, Hae-
mophilus influenzae, Moraxella catarrhalis e Campylobacter sp.
As quinolonas em geral são menos ativas contra Pseudomonas aeruginosa
em relação aos demais Gram negativos. Dentre as drogas, a que apresenta
melhor atividade anti-Pseudomonas é o ciprofloxacino.
O espectro contra bactérias Gram positivas inclui Staphylococcus (au-
reus e epidermidis), porém pode ocorrer rápido surgimento de resistência,
principalmente em cepas meticilino-resistentes. Portanto, não podem ser
consideradas drogas de 1ª escolha para o tratamento de infecções estafi-
locócicas.
A suscetibilidade para Streptococcus pyogenes, Streptococcus pneumo-
niae e Enterococcus é variável. As drogas mais recentes têm melhor ativi-
dade antiestreptocócica, e o levofloxacino e o moxifloxacino são os mais
indicados para o tratamento de infecções pneumocócicas. As fluoroquino-
lonas têm atividade, ainda, contra Legionella pneumophila, Chlamydia sp.
e Mycoplasma pneumoniae, o que as torna ainda mais úteis para o trata-
mento de pneumonias.
O uso indiscriminado de levofloxacino para tratamento de infecções pul-
monares e do trato respiratório nos últimos 10 anos ocasionou índices de
resistência altos do S. pneumoniae a essa droga. Nos EUA existem trabalhos
com até 60% de resistência para o pneumococo de comunidade. No Brasil,
não existem trabalhos específicos sobre esse perfil de resistência, mas em
populações específicas (como fibrose pulmonar, DPOC etc.) a droga deve ser
usada com cautela.
A atividade de quinolonas contra o Vibrio cholerae é, em geral, satisfatória.
São, ainda, drogas de 2ª linha no tratamento de infecções por Mycobacte-
rium tuberculosis, principalmente ofloxacino, levofloxacino e ciprofloxacino,
50 em pacientes que apresentem toxicidades às drogas de 1ª linha, como ri-
fampicina e isoniazida. De modo geral, os anaeróbios são resistentes a essa
classe de antimicrobianos.
As principais indicações clínicas das quinolonas são: infecções no trato
urinário, na pele e em partes moles; infecções gastrintestinais e intra-ab-
dominais, geralmente em associação a drogas anaerobicidas; infecções res-
piratórias altas e pneumonias; infecções na corrente sanguínea por Gram
negativos sensíveis; prostatites e doenças sexualmente transmissíveis, com
exceção da sífilis.
Quinolonas

Tabela 3 - Principais quinolonas em uso clínico no Brasil


Doses usuais em Indicações clínicas
adultos
- Infecções não complicadas do trato urinário;
Norfloxacino
400mg, VO, 12/12h - Profilaxia da Peritonite Bacteriana Espon-
(Norfloxacino®)
tânea (PBE) em cirróticos.
- Infecções complicadas do trato urinário;
- Infecções de vias biliares, associadas à ana-
erobicida;
200 a 400mg, IV,
Ciprofloxacino - Osteomielite;
12/12h ou 500 a
(Cipro®)
750mg, VO, 12/12h - Ação anti-Pseudomonas, exceto em sítio
pulmonar;
- Doenças sexualmente transmissíveis como
o cancro mole e as uretrites.
- Terapêutica de 2ª linha no tratamento da
Ofloxacino 200 a 400mg, VO, tuberculose;
(Ofloxan®) 12/12h
- Uretrites/cervicites por Chlamydia.
- Pneumonias adquiridas na comunidade;
- Exacerbação infecciosa na DPOC;
500 a 750mg, IV/ - Rinossinusites bacterianas agudas;
Levofloxacino
VO, dose única
(Levaquin®) - Infecções complicadas do trato urinário;
diária
- Infecções intestinais;
- Infecções de pele e partes moles.
- Pneumonias adquiridas na comunidade;
Moxifloxacino 400mg, VO, dose - Exacerbação infecciosa na DPOC;
(Avalox®) única diária - Rinossinusites bacterianas agudas;
- Infecções de pele e partes moles.

6. Uso clínico das drogas específicas

A - Norfloxacino
O norfloxacino foi uma das primeiras quinolonas lançadas no mercado, no 51
início da década de 1980. Sua absorção oral é parcial, variando de 30 a 45%, e
as concentrações plasmáticas obtidas são baixas. No entanto, a concentração
urinária é muitas vezes maior do que a plasmática. Essa característica, junta-
mente com seu espectro de ação contra enterobactérias – incluindo E. coli –,
resulta em sua principal indicação clínica: tratamento de infecções do trato
urinário (não complicadas).
Entretanto, as baixas concentrações séricas impedem seu uso em infec-
ções urinárias complicadas e pielonefrites, que podem ser acompanhadas de
Guia de Antibioticoterapia

bacteremia e repercussões sistêmicas. Portanto, sua utilização restringe-se


a infecções não complicadas do trato urinário baixo, na dose de 400mg de
12/12h por 3 a 7 dias.
Por atingir concentração razoável no líquido ascítico e por seu espectro de
ação, o norfloxacino tem sido utilizado na profilaxia de PBE em hepatopatas
crônicos com ascite, que apresentem episódio de hemorragia digestiva alta
e/ou episódio pregresso de PBE.
B - Ciprofloxacino
O ciprofloxacino é uma quinolona de apresentação parenteral e oral. Cerca
de 70% da dose administrada por via oral são absorvidos, o que permite o
uso eficaz por essa via. É indicada no tratamento de infecções por enterobac-
térias e outros Gram negativos sensíveis.
Atinge altas concentrações urinária e biliar, até 4 vezes a concentração
plasmática. É muito bem indicada para o tratamento de infecções do trato
urinário – mesmo as pielonefrites e infecções complicadas – e de vias bilia-
res, neste caso associada a drogas anaerobicidas, como o metronidazol.
Não tem boa penetração liquórica, o que contraindica seu uso para o trata-
mento de meningites, apesar da sua atividade contra agentes típicos deste sítio.
Sua ação contra Staphylococcus e Streptococcus é modesta, e definitiva-
mente não é a droga de escolha para tratamento de infecções por esses
agentes, como infecções de partes moles e osteoarticulares. Seu uso isola-
do para as últimas, habitualmente por tempo prolongado, frequentemente
induz a resistência. Exceção é feita para osteomielites associadas a úlceras
crônicas e pé diabético, que comumente envolvem a flora polimicrobiana,
incluindo Gram negativos. Nesses casos, o ciprofloxacino é útil por seu espec-
tro para Gram negativos, mas deve ser associado a outra droga com melhor
ação antiestreptocócica e antiestafilocócica, como a clindamicina.
Tem ação também contra a maior parte dos agentes Gram negativos de
doenças sexualmente transmissíveis, como Haemophilus ducreyi e Neisseria
gonorrhoeae. Para o tratamento de cancro mole, uretrite e proctite gonocó-
cica pode ser usado em dose única.
Entre as quinolonas, é a droga com melhor atividade anti-Pseudomonas.
No entanto, sua baixa penetração pulmonar não permite que seja usada ro-
52 tineiramente para pneumonias por esse agente. Pode, entretanto, ser usada
para infecções em outros sítios, como partes moles, otite externa maligna,
bronquiectasia infectada e sinusite em pacientes predispostos, infecções
secundárias do grande queimado (direcionada por cultura de swab positiva
para Pseudomonas) e até mesmo infecção da corrente sanguínea quando há
documentação de sensibilidade.
A dose habitual de ciprofloxacino é de 500 a 750mg de 12/12h VO; e 200
a 400mg de 12/12h VI. É necessário ajuste de dose em pacientes com insu-
ficiência renal.
Quinolonas

C - Ofloxacino
O ofloxacino apresenta uma das melhores biodisponibilidades orais entre
as quinolonas, razão pela qual está disponível apenas nessa formulação. Cer-
ca de 90% da dose administrada são excretados sobre a forma ativa na urina,
o que lhe confere grande utilidade no tratamento de infecções urinárias. Seu
espectro e indicações clínicas são muito similares aos do ciprofloxacino, ex-
ceto pela menor atividade anti-Pseudomonas.
Em nosso meio, o ofloxacino tem sido reservado para o tratamento de tu-
berculose, associada a outros tuberculostáticos, em pacientes que necessi-
tem de esquema alternativo ao de 1ª linha, geralmente em virtude de hepa-
totoxicidade. Essa indicação é mais frequente em indivíduos que apresentem
hepatopatia de base, de etiologia alcoólica, viral ou outra.
A dose habitual é de 200 a 400mg de 12/12h.
D - Levofloxacino
O levofloxacino é a 1ª das chamadas quinolonas de “3ª geração”, com-
postos sintéticos com radicais específicos para melhoria de espectro e perfil
farmacocinético. Assim, foram lançadas drogas de administração em dose
única diária, com melhor atividade contra cocos Gram positivos, incluindo
Streptococcus pneumoniae; e com melhor concentração sérica e penetração
pulmonar, permitindo o seu uso em infecções das vias aéreas superiores e
inferiores adquiridas na comunidade.
O levofloxacino corresponde ao isômero levógiro do ofloxacino, com
melhor perfil farmacocinético, que permite administração de dose única
diária (500 a 750mg). A administração oral resulta em concentrações sé-
ricas muito semelhantes às obtidas com a via intravenosa – biodisponibili-
dade oral de 100%. A eliminação é predominantemente renal (80%). Tem
excelente distribuição por todos os tecidos e fluidos do organismo, onde
atinge, habitualmente, concentrações superiores à sérica, com ênfase para
a concentração pulmonar (2 a 5 vezes maior que a concentração sérica).
Exceção é feita à concentração liquórica, que se situa em torno de 16% da
sérica, o que não permite o uso rotineiro para o tratamento de meningites
bacterianas.
Seu espectro de ação abrange quase todos os agentes etiológicos de infec- 53
ções respiratórias adquiridas na comunidade, incluindo pneumococos resis-
tentes à penicilina, Haemophilus influenzae, Moraxella catarrhalis e agentes
“atípicos”, como Legionella, Chlamydia e Mycoplasma. Portanto, suas princi-
pais indicações clínicas são: pneumonias adquiridas na comunidade, exacer-
bações agudas de bronquite crônica e rinossinusites agudas e crônicas. Pode
ser usada, ainda, nas infecções complicadas do trato urinário, nas infecções
de pele e subcutâneo e nas infecções intestinais causadas por Salmonella,
Shigella, Campylobacter jejunii e Yersinia enterocolitica.
Guia de Antibioticoterapia

E - Moxifloxacino
O espectro de ação do moxifloxacino é muito similar ao do levofloxacino,
assim como sua penetração nas vias aéreas superiores e inferiores. Está dis-
ponível para usos oral e parenteral, também em dose única diária (400mg),
e não há necessidade de ajuste de dose em insuficiência renal. Seu uso é se-
guro em pacientes com insuficiência hepática leve a moderada (Child A e B),
porém não há dados de segurança disponíveis para hepatopatias terminais
(Child C).
As principais indicações clínicas são: pneumonias adquiridas na comunida-
de, exacerbações agudas de bronquite crônica, rinossinusites agudas e crô-
nicas e infecções de partes moles. A descrição inicial da ação contra alguns
anaeróbios também indica o uso dessa droga a infecções de partes moles
não tão simples, mas sem internação prévia.
É importante ressaltar que esta droga pode provocar o prolongamento do
intervalo QT, devendo ser usada com cautela em cardiopatas e evitada em
pacientes com distúrbios de condução e do ritmo cardíaco.
7. Efeitos adversos
Os efeitos adversos mais frequentes relacionam-se ao trato gastrintestinal
e incluem anorexia, náuseas, vômitos, desconforto abdominal e diarreia, que
podem ocorrer em 3 a 13% dos pacientes. Hepatotoxicidade ocorre mais ra-
ramente.
Podem ocorrer efeitos neurológicos em 1 a 7% dos pacientes: cefaleia,
tontura, sonolência, delírios, alucinações e, mais raramente, convulsões. Os
efeitos mais graves, sobretudo delírio e alterações de nível de consciência,
são mais habituais em idosos.
As reações de pele são menos frequentes que em betalactâmicos e in-
cluem prurido, urticária e rash fixo.
Descreve-se o efeito tóxico de quinolonas sobre a cartilagem epifisária,
com degeneração e erosões prejudiciais ao crescimento, detectada em ani-
mais de laboratório. Por isso, as quinolonas habitualmente são contraindica-
das a recém-nascidos, lactentes e crianças de até 12 anos e durante a ges-
tação. Recentemente, foi comprovado por vários trabalhos que este risco é
desprezível em crianças, mas seu uso ainda é evitado por pediatras nessa
54 faixa etária.
Outros efeitos muito raramente citados são nefrite intersticial, anemia,
leucopenia, eosinofilia, plaquetopenia, artrite e tendinite.
Algumas quinolonas trazem alterações eletrofisiológicas cardíacas, principal-
mente prolongamento do intervalo QT, como o moxifloxacino. Deve ser utiliza-
do com cautela em cardiopatas, e seu uso é desencorajado em indivíduos com
alteração do ritmo cardíaco. O grepafloxacino foi retirado do mercado nos EUA
em razão desse efeito adverso, com 7 óbitos por arritmia cardíaca em indiví-
duos que faziam uso da droga, durante o período em que foi comercializada.
Quinolonas

No Brasil, o gatifloxacino foi amplamente utilizado, porém também foi reti-


rado do mercado em virtude de alterações do metabolismo insulina/glicose,
com episódios de hiperglicemia, hipoglicemia e descompensação diabética
em pacientes predispostos. Outra quinolona retirada do mercado foi o trova-
floxacino, por mais de 100 casos de hepatotoxicidade grave, incluindo 14 ca-
sos de insuficiência hepática aguda e 6 óbitos relacionados à droga, nos EUA.

55
CAPÍTULO 7
Macrolídeos

1. Introdução
Os macrolídeos, antimicrobianos com ação sobre a síntese proteica bacte-
riana, ligam-se ao RNA ribossômico, impedindo a extensão da cadeia peptí-
dica nascente. Essa ligação é reversível, o que lhes confere atividade bacte-
riostática. Os macrolídeos clássicos são a eritromicina e a espiramicina, e os
mais novos, mais amplamente utilizados atualmente, são a claritromicina,
a azitromicina e a roxitromicina. Em virtude de suas peculiaridades, neste
capítulo será estudada cada droga separadamente.

Tabela 1 - Características gerais


Mecanismo de ação
- Os macrolídeos ligam-se à subunidade 50S dos ribossomos, inibindo a síntese proteica.
Farmacodinâmica
- Tempo-dependentes.
Efeito antimicrobiano
- Ação bacteriostática;
- Ação bactericida, dependendo de sua concentração, do microrganismo, do inóculo
bacteriano e da fase de crescimento.
Resistência
- Resistência intrínseca de enterobactérias;
- Resistência adquirida: mediada por plasmídeos que codificam uma enzima capaz de
modificar o RNA ribossômico, diminuindo a afinidade da bactéria pelo antibiótico;
- Induzível: na presença do antibiótico;
- Constitutiva: cruzada para macrolídeos e clindamicina.
Propriedades
- Efeito pós-antibiótico.

2. Eritromicina
56
A eritromicina foi o 1º macrolídeo introduzido na prática médica, em 1952,
quando foi obtida a partir de culturas do fungo Streptomyces erythreus. É um
antibiótico essencialmente bacteriostático, podendo eventualmente ter ati-
vidade bactericida em altas concentrações contra bactérias muito sensíveis.
Pode ser usada por vias oral (base, sais estearato e estolato), intramuscular
e intravenosa. Para a adequada absorção oral, deve ser formulada em cáp-
sulas que a protejam dos ácidos gástricos, pois é inativada em pH gástrico.
A absorção ocorre no segmento superior do intestino delgado e é melhor
Macrolídeos

quando administrada longe das refeições, sobretudo para a base e o esteara-


to. A injeção intramuscular é extremamente dolorosa, e por via intravenosa
frequentemente produz flebite. Por isso, tais formulações caíram em desuso
e não estão disponíveis atualmente no Brasil.
A maior parte da eritromicina ingerida é metabolizada no fígado (80%), e
apenas uma pequena parte é eliminada sob a forma original na urina. Meta-
bolizada, atinge altas concentrações nas vias biliares e é lançada com a bile
na luz intestinal, onde parte é reabsorvida para a corrente sanguínea. Deve,
portanto, ser evitada em pacientes com insuficiência hepática. Tem baixas
concentrações liquóricas, não sendo útil para o tratamento de infecções no
Sistema Nervoso Central (SNC), boa concentração na secreção brônquica e
capacidade de penetrar no interior de macrófagos e neutrófilos, inclusive do
fígado e do baço, beneficiando o tratamento de organismos intracelulares.
A eritromicina tem espectro contra grande número de microrganismos:
Streptococcus pyogenes, Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus metici-
lino-sensíveis, Bordetella pertussis, Campylobacter jejunii, Corynebacterium
diphtheriae, Coxiella burnetti, Chlamydia pneumoniae, Chlamydia trachoma-
tis, Clostridium tetanii, Eikenella corrodens, Haemophilus ducreyi, Legionella
pneumophila, Listeria monocytogenes, Moraxella catarrhalis, Mycoplasma
pneumoniae, Neisseria gonorrhoeae, Neisseria meningitidis, Bartonella quin-
tana, Bartonella henselae, Treponema pallidum e Ureaplasma urealyticum. A
despeito do amplo espectro, as características de absorção oral, intolerância
gastrintestinal e penetração tecidual limitam o uso de eritromicina para tra-
tamento destes agentes nos mais diversos sítios.
Constitui uma alternativa para o tratamento de faringoamigdalites, impe-
tigo, erisipela e escarlatina, causados por Streptococcus pyogenes, em alér-
gicos à penicilina. No entanto, tem sido substituída por macrolídeos mais
novos para esses fins. Seu uso anterior para pneumonias comunitárias e exa-
cerbações infecciosas de pneumopatias crônicas tem se tornado limitado em
virtude da emergência de pneumococos resistentes a penicilinas, que habi-
tualmente também o são à eritromicina. Nesse sentido, tem sido substituída
pelas fluoroquinolonas.
Mantém-se como droga de 1ª linha, juntamente com os macrolídeos mais
novos, para o tratamento de cancro mole, coqueluche, difteria, gastroente-
rite por Campylobacter jejunii, legionelose e psitacose (Chlamydia psittaci). 57
Também é útil no tratamento de uretrites e linfogranuloma venéreo por
Chlamydia trachomatis e substitui as tetraciclinas em crianças e gestantes,
para as quais elas estão contraindicadas.
Constitui uma alternativa razoável para o tratamento de sífilis em alérgicos
à penicilina. Não é útil no tratamento de neurossífilis, pois não apresenta
penetração liquórica adequada, situação em que o ceftriaxona substitui a
penicilina. Pode ser usada em gestantes, porém, em virtude da baixa pene-
tração placentária, não garante a prevenção da transmissão materno-fetal, e
Guia de Antibioticoterapia

o recém-nascido deverá ser tratado para sífilis congênita ao nascimento. No


caso do uso em gestantes, a formulação estolato de eritromicina é proibida,
e a formulação estearato de eritromicina pode ser usada.
A dose habitual de eritromicina é de 500mg de 6/6h, com tempo de trata-
mento variável de acordo com a infecção. Está disponível, ainda, em formu-
lações tópicas, amplamente utilizadas no tratamento da acne.
3. Espiramicina
A espiramicina tem espectro semelhante ao da eritromicina, porém com
menor atividade. Tem sido mantida na prática médica em virtude de sua ati-
vidade contra as formas vegetativas do Toxoplasma gondii, o que permite
sua indicação durante a gestação para o tratamento de toxoplasmose aguda,
com o objetivo de prevenir a transmissão materno-fetal. Também é usada no
tratamento do recém-nascido com toxoplasmose congênita.
É usada por via oral e atinge concentrações terapêuticas em quase todos os
tecidos e líquidos orgânicos, exceto no liquor e no tecido nervoso central. Al-
cança concentrações placentárias até 5 vezes maiores que a concentração sé-
rica na mãe, mas não ultrapassa a barreira adequadamente para atingir o feto.
A dose habitual na gestação para prevenir a transmissão materno-fetal de
toxoplasmose é de 1g de 8/8h, até o fim da gestação, ou até que seja docu-
mentada a infecção fetal. Nessa situação, a espiramicina deve ser substituída
por sulfadiazina, pirimetamina e ácido folínico que, embora tenham maior
potencial tóxico para o feto, são mais ativos e penetram melhor o SNC e a
retina. Essa substituição deve ser feita após o término do 1º trimestre de
gestação.
O tratamento de toxoplasmose congênita com espiramicina é feito na dose
de 100mg/kg/d, divididas em 2 tomadas (12/12h), pelo período de 1 ano.
Quando há manifestações da infecção, como encefalite e coriorretinite, a es-
piramicina deve ser alternada com sulfadiazina + pirimetamina + ácido folí-
nico, num esquema de 4 a 7 semanas de espiramicina seguido de 3 semanas
de sulfa, até completar 1 ano. Em caso de coriorretinite com acometimento
da mácula, é indicado o uso de prednisona associada.
A espiramicina pode ser usada para o tratamento de toxoplasmose aguda
no adulto, não gestante, quando muito sintomática. No entanto, é contrain-
58 dicado seu uso isolado na coriorretinite do adulto, por ser ineficaz.
É esporadicamente usada no tratamento de criptosporidíases em imunode-
primidos (Cryptosporidium parvum), porém sua eficácia não é comprovada.
4. Azitromicina
A azitromicina possui espectro comparável ao da eritromicina contra Strep-
tococcus e Staphylococcus, porém é evidentemente superior na atividade
contra Haemophilus influenzae, Moraxella catarrhalis, Mycoplasma pneumo-
niae, Chlamydia pneumoniae, Legionella pneumophila, Neisseria gonorrhoeae,
Macrolídeos

Chlamydia trachomatis, Ureaplasma urealyticum e Campylobacter jejunii.


Tem melhor perfil de tolerância e menor incidência de efeitos adversos.
Além disso, a meia-vida é de aproximadamente 68 horas, e há acentuada e
prolongada penetração tecidual, persistindo em concentrações elevadas em
diversos órgãos e tecidos por até vários dias após a suspensão do tratamen-
to, com destaque para tonsila, pulmão e pele. Alcança altas concentrações
nos macrófagos alveolares, persistindo até 4 dias após a última dose adminis-
trada. Essa característica permite menor tempo de tratamento, sem prejuízo
para atividade ou aumento do risco de recidiva.
Sua biodisponibilidade por via oral é baixa (da ordem de 37%), porém sua
boa penetração tecidual permite o uso por essa via. Já está disponível no
Brasil para uso intravenoso e pode ser usada em ambas as vias em dose única
diária de 500mg.
Suas principais indicações clínicas são: infecções dos tratos respiratórios
superior e inferior (500mg/d por 3 a 5 dias), uretrite não gonocócica e cancro
mole (dose única de 1g) e uretrite gonocócica (dose única de 2g). Em pneu-
monias graves adquiridas na comunidade, com indicação de hospitalização,
é indicada em associação à cefalosporina (ceftriaxona ou cefotaxima), por via
intravenosa, para ampliar a atividade antipneumocócica e o espectro para
agentes “atípicos”. Nesse caso, sua administração deve ser prolongada para
7 a 10 dias.
Outras indicações incluem gastroenterite por Campylobacter jejunii; erra-
dicação do Helicobacter pylori; infecções de pele e de partes moles; profilaxia
de micobacteriose não tuberculose em pacientes HIV positivo intensamente
imunodeprimidos, além de outras indicações, em fase experimental, como,
toxoplasmose, brucelose, malária e pneumocistose.
O uso de azitromicina deve ser evitado próximo às refeições por diminuir
a absorção deste medicamento. É muito comum que infecções de orofaringe
não sejam tratadas com azitromicina por conta de seu uso inadequado. A
prescrição deve ser feita 1 hora antes das refeições ou 2 horas após.
5. Claritromicina
A claritromicina tem espectro de ação muito semelhante ao da azitromi-
cina, inclusive nos aspectos em que esta se mostra superior à eritromicina.
Além disso, tem atividade contra Mycobacterium leprae, Mycobacterium 59
avium-intracellulare e Toxoplasma gondii.
As indicações clínicas são bastante semelhantes às da azitromicina. Acres-
centa-se o tratamento das micobacterioses não tuberculose por micobactérias
do complexo avium-intracellulare (MAC) em pacientes com AIDS, além de ou-
tras micobacterioses, como as causadas por M. abscessus e M. chelonae.
É também mais utilizada do que a azitromicina para erradicação do H. pylori.
Nas demais indicações, a escolha entre azitromicina e claritromicina deve
considerar a relação custo-benefício (a claritromicina é habitualmente mais
Guia de Antibioticoterapia

cara) e a comodidade posológica (azitromicina em dose única diária versus


claritromicina em 2 tomadas diárias). O perfil de tolerabilidade e a incidência
de efeitos adversos são semelhantes. Alguns hospitais reservam a claritromi-
cina para micobacterioses e a azitromicina para as demais indicações.
A dose habitual de claritromicina é de 250 a 500mg de 12/12h, VO ou VI,
por tempo variável dependendo do agente e do sítio.
Tabela 2 - Principais macrolídeos em uso clínico no Brasil
Doses usuais Indicações clínicas
em adultos
- Pneumonias por Mycoplasma pneu-
moniae ou Chlamydia pneumoniae;
- Infecções causadas por Legionella
pneumophila;
Eritromicina (diversas - Conjuntivites e infecções pélvicas por
Chlamydia;
apresentações
250 a 500mg, VO, - Tratamento e profilaxia da coqueluche
comerciais:
6/6h (Bordetella pertussis);
Pantomicina®,
Eritrex®, Ilosone®) - Infecção ou estado de portador de
Corynebacterium diphtheriae;
- Cancro mole;
- Linfogranuloma venéreo;
- Pacientes alérgicos à penicilina*.
- Toxoplasmose aguda durante a gesta-
Espiramicina ção;
1g, VO, 8/8h
(Rovamicina®)
- Toxoplasmose congênita.
- Infecções dos tratos respiratórios su-
perior e inferior;
- Uretrites gonocócicas, não gonocóci-
cas e cancro mole;
Azitromicina 500mg, VO/IV, - PAC grave, com necessidade de inter-
(Zitromax®) dose única diária nação, associada à cefalosporina de 3ª
geração;
- Profilaxia de micobacteriose não tu-
berculose em pacientes com doença
pelo HIV e CD4 <50/mm3.
60 - Indicações anteriores e mais:
· Tratamento de micobacterioses não
Claritromicina 250 a 500mg, VO/ tuberculoses (como MAC em pacien-
(Klaricid®) IV, 12/12h tes com AIDS);
· Erradicação de H. pylori;
· Doença de Lyme.
* Em infecções do trato respiratório por Streptococcus do grupo A, prevenção de
endocardite após procedimentos odontológicos, infecções de pele e partes moles,
profilaxia da febre reumática, tratamento de falência terapêutica para sífilis
primária em gestante, entre outros.
Macrolídeos

Tabela 3 - Terapêutica antimicrobiana com macrolídeos baseada no diagnóstico etio-


lógico e síndrome clínica
Infecções em que
os macrolídeos
constituem a Macrolídeos Doses para adultos
terapêutica de 1ª
escolha
Bartonella henselae 500mg VO no dia 1, 250mg VO nos dias
Azitromicina
(doença da arranhadura 2a5
do gato) Eritromicina 1g a cada 6h IV por 7 a 14 dias
Bartonella henselae Eritromicina 500mg de 6/6h VO por 12 semanas
ou B. quintana 500mg 1x/d VO por 4 a 6 semanas
(angiomatose bacilar) Azitromicina
(endocardite: 4 a 6 meses)
40 a 50mg/kg/d (máximo 2g/d) de 6/6h,
Eritromicina
por 14 dias
Bordetella pertussis
Azitromicina 10mg/kg/d 1x/d por 5 dias
Claritromicina 10mg/kg/d de 12/12h por 7 dias
Eritromicina 250mg de 6/6h VO por 5 a 7 dias
Campylobacter jejuni 500mg VO no dia 1, 250mg VO nos dias
Azitromicina
2a5
500mg 1x/d VO/IV por 1 a 2 dias, a seguir
Azitromicina
500mg VO 1x/d até 7 a 10 dias
Chlamydia pneumoniae
Claritromicina 250 a 500mg de 12/12h VO por 7 a 10 dias
Eritromicina 500mg de 6/6h VO por 7 a 10 dias
Chlamydia trachomatis Eritromicina 50mg/kg/d VO de 6/6h por
Eritromicina
(tracoma) 14 dias
Chlamydia trachomatis
Eritromicina 50mg/kg/d VO de 6/6h por 14 dias
(pneumonia)
Chlamydia trachomatis
Azitromicina 1g VO, dose única
(tracoma)
Chlamydia trachomatis
Azitromicina 1g VO, dose única
(uretrite ou cervicite)
Infecção:
125 a 500mg de 6/6h VO por 14 dias
eritromicina
Difteria
Portador:
250mg de 6/6h VO por 7 a 10 dias
eritromicina
Claritromicina
Helicobacter pylori (+ amoxicilina 500mg de 12/12h VO por 7 a 10 dias 61
+ omeprazol)
Haemophilus ducreyi
Azitromicina 1g, dose única
(cancro mole)
Legionella spp. Azitromicina +
500mg 1x/d IV ou VO por 5 a 10 dias
(pneumonia) rifampicina
Complexo Claritromicina 500mg VO de 12/12h por tempo
Mycobacterium avium (+ etambutol) indeterminado
(MAC) – doença Azitromicina
disseminada 500mg 1x/d VO por tempo indeterminado
(+ etambutol)
Guia de Antibioticoterapia

Infecções em que
os macrolídeos
constituem a Macrolídeos Doses para adultos
terapêutica de 1ª
escolha
Complexo Azitromicina 1.200mg, semanal
Mycobacterium avium
– profilaxia Claritromicina 500mg de 12/12h
Claritromicina 500mg de 12/12h VO por 1 ano após
Mycobacterium avium (+ etambutol) culturas de escarro negativas
– doença pulmonar Azitromicina 500mg 1x/d VO por 1 ano após culturas
(+ etambutol) de escarro negativas
Mycobacterium Claritromicina
500mg de 12/12h VO por 4 a 6 meses
fortuitum/chelonae (+ amicacina)
Azitromicina 500mg VO 1x/d por 5 a 10 dias
Mycoplasma
Claritromicina 250mg VO de 12/12h por 14 dias
pneumoniae
Eritromicina 500mg de 6/6h VO por 14 a 21 dias
Uretrite não
gonocócica em homens Azitromicina 1g VO, dose única
(C. trachomatis
ou Ureaplasma Eritromicina 0,5g de 6/6h VO por 7 dias
urealyticum)

Tabela 4 - Agentes etiológicos/síndromes clínicas em que os macrolídeos constituem


terapêutica alternativa
Agentes etiológicos/ Posologias dos macrolí- Terapêuticas de
síndromes clínicas deos para adultos escolha
Eritromicina 250 a 500mg
de 6/6h VO
Azitromicina 500mg VO no
Streptococcus dos grupos
dia 1; a seguir, 250mg VO Penicilina G ou V
A, C e G
nos dias 2 a 5
Claritromicina 250mg de
12/12h VO
Eritromicina 250 a 500mg
de 6/6h VO
Azitromicina 500mg de Penicilina G, ceftriaxona
Streptococcus pneumoniae
6/6h VO ou cefotaxima
62
Claritromicina 250 a
500mg de 12/12h VO
Azitromicina 500mg VO no
dia 1; a seguir, 250mg VO
nos dias 2 a 5
Cefuroxima ou
Moraxella catarrhalis Eritromicina 250 a 500mg
fluoroquinolona
de 6/6h VO
Claritromicina 250 a
500mg de 12/12h VO
Macrolídeos

Agentes etiológicos/ Posologias dos macrolí- Terapêuticas de


síndromes clínicas deos para adultos escolha
Azitromicina 500mg VO no
dia 1; a seguir, 250mg VO
Haemophilus influenzae nos dias 2 a 5 Sulfametoxazol-
(IVAS e bronquite) trimetoprima
Claritromicina 250 a
500mg de 12/12h VO
Azitromicina 500mg 1x/d Fluoroquinolona ou
Salmonella typhi
VO por 5 a 7 dias ceftriaxona
Azitromicina 500mg no
Shigella dia 1; a seguir, 250mg nos Fluoroquinolona
dias 2 a 5
Profilaxia de doença Eritromicina 250mg de
Penicilina G
reumática 12/12h VO
Eritromicina 500mg de Ciprofloxacino, doxiciclina,
Antrax
6/6h VO por 10 dias penicilina G, amoxicilina
Eritromicina 500mg de
Linfogranuloma venéreo Tetraciclina
6/6h VO por 21 dias
Eritromicina 250mg de
Tetraciclina VO ou outros
Acne 6/6h VO ou formulação
tópicos
tópica
Borrelia burgdorferi Eritromicina 250mg de
Doxiciclina
(doença de Lyme) 6/6h VO por 14 a 21 dias

63
CAPÍTULO 8
Glicopeptídios, oxazolidinonas e lipopeptídios

1. Glicopeptídios
Os glicopeptídios são antimicrobianos semissintéticos isolados e desenvol-
vidos a partir da década de 1950 e apresentam espectro de ação principal-
mente contra bactérias Gram positivas, inclusive as resistentes a betalactâ-
micos, sendo as infecções por essas cepas suas principais indicações clínicas.
As drogas pertencentes a este grupo, disponíveis no Brasil, são a vancomi-
cina e a teicoplanina.
A - Vancomicina
A vancomicina, o 1º glicopeptídio introduzido na prática médica, em 1957,
produzido a partir de culturas de Streptomyces orientales, foi lançada no
mercado como alternativa ao tratamento de infecções por estafilococos pe-
nicilino-resistentes. No entanto, a alta toxicidade dos primeiros compostos
produzidos e a disponibilização de novos betalactâmicos mais estáveis diante
das penicilinases estafilocócicas praticamente restringiram seu uso a pacien-
tes alérgicos a betalactâmicos.
A partir da década de 1980, a emergência de cepas de estafilococos me-
ticilino-resistentes, que limitavam o uso de oxacilina para o tratamento de
estafilococcias nosocomiais, ocasionou a retomada do uso da vancomici-
na, uma vez que essas cepas mantinham sensibilidade a glicopeptídios, e
as novas técnicas de purificação permitiam a fabricação de compostos de
vancomicina com menos efeitos adversos. Desde então, a vancomicina é
amplamente utilizada, especialmente em infecções hospitalares, e já há re-
latos de emergência de resistência a glicopeptídios, inicialmente por cepas
de Enterococcus e, mais recentemente, a clones isolados de Staphylococcus
aureus.
a) Mecanismo de ação
A vancomicina tem uma estrutura molecular complexa, composta por uma
64 série de peptídios organizados em uma conformação tricíclica, ligados a um
dipeptídio constituído por glicose e vancosamina.
Seu efeito bactericida baseia-se na inibição da síntese de parede celular
em bactérias Gram positivas, e seu sítio de ação são os peptidoglicanos que
compõem a parede celular – N-metilglicosamina e ácido N-acetilmurâmico
– e os peptídios que fazem as ligações cruzadas entre essas moléculas. Os
monômeros que participam da síntese de peptidoglicano são produzidos no
citoplasma. A seguir, atravessam a membrana celular para serem adiciona-
dos à cadeia nascente.
Glicopeptídios, oxazolidinonas e lipopeptídios

As ligações cruzadas entre as cadeias lineares ocorrem através de pontes


pentapeptídicas, em uma reação denominada transpeptidação. Antes que es-
sas reações ocorram, a vancomicina liga-se ao terminal D-alanina-D-alanina
do pentapeptídio e impede a ligação, o que inibe a síntese de parede celular
e a fragiliza, passível de lise celular. Além disso, o complexo estável formado
entre a vancomicina e o pentapeptídio impede o acesso da transglicosilase,
inibindo a adição de novas moléculas de peptidoglicano à cadeia nascente.
b) Aspectos farmacológicos
Os glicopeptídios não apresentam absorção oral satisfatória, portanto es-
tão disponíveis apenas para uso parenteral no Brasil. Eventualmente, pode
ser usada a apresentação oral, quando se objetiva ação tópica sobre bacté-
rias da luz intestinal, em situação bastante específica (colite pseudomem-
branosa). Pode ser realizada infusão peritoneal em pacientes com infecções
relacionadas a cateter de diálise peritoneal sem repercussão sistêmica. Não
é recomendado o uso da ampola intravenosa por via oral nos casos de colite
pseudomembranosa.
A vancomicina apresenta ampla distribuição por tecidos e líquidos orgâ-
nicos e atinge concentrações terapêuticas no fígado, nos pulmões, nos rins,
no miocárdio, nas partes moles e nos líquidos pleural, pericárdico, sinovial e
ascítico.
A excreção é basicamente renal, sob a forma de droga ativa inalterada,
através de filtração glomerular, sem evidência de secreção ativa ou reabsor-
ção. A excreção biliar não é suficiente para que sejam atingidas concentra-
ções terapêuticas neste sítio.
A penetração no Sistema Nervoso Central (SNC) é bastante limitada, com
concentrações liquóricas de apenas 5 a 10% da sérica. Há aumento de pene-
tração quando ocorre quebra de barreira em meninges inflamadas (em média
14%), o que permite o uso de vancomicina para o tratamento de meningites.
No entanto, é necessário o aumento da dose para o uso com essa finalidade.
A dose habitual de vancomicina para adultos é de 1g, de 12/12h. É reco-
mendada a diluição em 100 a 250mL de soro fisiológico ou glicosado a 5%,
e infusão lenta. A dose pode chegar a 3g/d em tratamento de infecções do
SNC. Sempre deve ser realizado o ajuste de acordo com a função renal do
paciente e, naqueles com déficit importante de função, a monitorização da 65
concentração sérica (vancocinemia) e a administração conforme a faixa te-
rapêutica. É recomendada dose de ataque a infecções graves, de 30mg/kg
na 1ª dose (nunca ultrapassando 2g/dose) para melhor obtenção do nível
terapêutico nestas situações.
c) Espectro de ação
A vancomicina apresenta um amplo espectro contra bactérias Gram posi-
tivas. Os estafilococos – Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis,
Guia de Antibioticoterapia

Staphylococcus saprophyticus, Staphylococcus haemolyticus, Staphylococcus


hominis, Staphylococcus warneri e outros coagulase-negativos – são alta-
mente sensíveis à vancomicina, mesmo quando dotados de mecanismos de
resistência a betalactâmicos, incluindo oxacilina.
Os glicopeptídios têm atividade contra enterococos – incluindo Enterococ-
cus faecalis e Enterococcus faecium –, porém são bacteriostáticos mesmo
contra as cepas mais suscetíveis desse gênero, que apresentam concentra-
ções bactericidas mínimas até 32 vezes maiores que as inibitórias mínimas.
Em infecções graves, recomenda-se a associação de aminoglicosídeos para a
obtenção do efeito sinérgico, visto que essas 2 classes de drogas apresentam
mecanismos e sítios de ação diferentes.
Todas as cepas de Streptococcus pneumoniae e Streptococcus pyogenes
são sensíveis à vancomicina, assim como o Streptococcus do grupo viridans,
o Streptococcus bovis e o Streptococcus agalactiae. Há descrição de aquisi-
ção de genes de resistência do tipo VanB por estreptococos do grupo bovis
a partir de cepas resistentes de enterococos, porém ainda com relevância
clínica a definir.
Além dos cocos Gram positivos descritos, outras bactérias Gram positivas
de importância médica apresentam sensibilidade à vancomicina, como Liste-
ria monocytogenes, Bacillus sp. (Bacillus anthracis, Bacillus cereus), Coryne-
bacterium sp. e Rhodococcus equi.
A vancomicina é ativa, ainda, contra alguns gêneros de Gram positivos
anaeróbios, como Peptostreptococcus sp., Actinomyces spp. e Clostridium
sp. Sua atividade contra Clostridium difficile é de utilidade no tratamento de
infecções por esse agente quando não responsivas à droga de escolha (me-
tronidazol).
A vancomicina não apresenta atividade contra bactérias Gram negativas,
portanto não é indicada para o tratamento de infecções por agentes deste
grupo. Exceção é feita para Neisseria meningitidis, que apresenta sensibili-
dade in vitro à vancomicina, especialmente quando em associação à rifam-
picina.
d) Mecanismos de resistência
A resistência à vancomicina tem sido descrita principalmente em bactérias
66 do gênero Enterococcus, classificada em 6 tipos (VanA, VanB, VanC, VanD,
VanE e VanG), de acordo com o gene envolvido. O genótipo de resistência
pode ser intrínseco ou adquirido. O fenótipo resultante é a substituição do
aminoácido final do pentapeptídio, diminuindo sua afinidade com o glico-
peptídio, o que resulta em diminuição de sua capacidade de ligação ao sítio
de ação e, portanto, de inibição de síntese de parede celular.
A resistência intrínseca à vancomicina é característica das espécies Entero-
coccus gallinarum e Enterococcus casseliflavus/flavescens, que apresentam
naturalmente genes do tipo VanC. A CIM de vancomicina para essas bactérias
Glicopeptídios, oxazolidinonas e lipopeptídios

é variável, de suscetibilidade a resistência in vitro com falha clínica corres-


pondente. A resistência adquirida relaciona-se aos genes VanA e VanB, pre-
valentes em cepas de E. faecium e E. faecalis. Habitualmente, enterococos
da classe VanA apresentam alta resistência a glicopeptídios, enquanto os da
classe VanB apresentam sensibilidade reduzida para vancomicina e mantêm
sensibilidade à teicoplanina.
A prevalência de enterococos vancomicino-resistentes (VREs) é variável
em nosso meio, e sua presença é mais frequente como colonizante do que
como agente de infecção invasiva. A incidência de infecções invasivas por es-
ses agentes é diferente em cada instituição, e as mais comuns são infecções
da corrente sanguínea e infecções relacionadas à cirurgia abdominal, habi-
tualmente em indivíduos internados por longos períodos e com exposição
prévia à vancomicina. São recomendadas medidas de vigilância e isolamento
de indivíduos colonizados por VREs, pois pode haver a disseminação do ge-
nótipo de resistência através de elementos genéticos móveis, inclusive para
bactérias de outras espécies e gêneros. Tal transferência de resistência pode,
virtualmente, acontecer para clones de Staphylococcus aureus.
A resistência do Staphylococcus à vancomicina é rara e ainda não está
bem esclarecida. A 1ª descrição de isolado clínico de S. aureus com sen-
sibilidade intermediária à vancomicina (VISA) foi feita no Japão, em 1997.
A partir daí, vários relatos foram feitos. As bactérias com essa característi-
ca apresentam parede celular bem mais espessa que aquela presente em
variantes sensíveis, o que provavelmente se relaciona com o mecanismo
de resistência. É possível que as camadas mais externas de peptidoglicano
se liguem aos glicopeptídios e impeçam a sua atuação nas camadas mais
internas e próximas à membrana plasmática, essenciais à manutenção da
estrutura celular.
Em 2002, foram descritos 2 isolados clínicos de S. aureus vancomicino-
-resistentes (VRSA), não epidemiologicamente relacionados, ambos dotados
do gene VanA de enterococos. A disseminação desse tipo de resistência gera
preocupação com relação às possibilidades terapêuticas disponíveis.
A automatização dos métodos de identificação de bactérias trouxe nova
realidade ao tratamento por infecções por estafilococos no ambiente hos-
pitalar. Sabe-se hoje que CIMs para vancomicina maiores que 2 para esta-
filococos coagulase-negativos são consideradas como intermediárias. Nesta 67
situação, outra droga (linesulida ou daptomicina) deve ser escolhida se há
indicação de tratamento.
e) Uso clínico
A vancomicina é a droga de escolha para o tratamento de infecções cau-
sadas por bactérias Gram positivas resistentes aos betalactâmicos, especial-
mente estafilococos meticilino-resistentes (oxacilino-resistentes) e enteroco-
cos ampicilino-resistentes.
Guia de Antibioticoterapia

Dentre as indicações clínicas, encontram-se as infecções da corrente san-


guínea e endocardites por estafilococos e enterococos resistentes a beta-
lactâmicos, relacionadas ou não a cateter venoso central ou prótese valvar.
A vancomicina está recomendada no tratamento empírico de endocardites
precoces relacionadas à prótese valvar (até 1 ano após o implante), por sua
atividade tanto contra agentes importantes de comunidade – como Strepto-
coccus do grupo viridans – quanto contra estafilococos e enterococos resis-
tentes adquiridos em ambiente hospitalar. No tratamento de endocardites,
recomenda-se a associação de aminoglicosídeo (habitualmente, gentamici-
na) para efeito sinérgico, durante as primeiras 2 semanas de tratamento, o
que resulta em negativação mais precoce da bacteremia. Em caso de manu-
tenção da válvula protética, a associação de rifampicina pode ser benéfica.
Nas meningites comunitárias, a vancomicina é a droga de escolha no tra-
tamento de meningites pneumocócicas em que seja detectada sensibilidade
intermediária ou resistência de S. pneumoniae a betalactâmicos por meio de
métodos dilucionais. Nesta situação, deve ser associada à ceftriaxona ou à
cefotaxima, pois, a despeito de sua melhor atividade, sua penetração limi-
tada contraindica o uso isolado. Em nosso meio, não está justificado o uso
empírico no tratamento de meningite bacteriana comunitária, uma vez que
a incidência de pneumococo com resistência de alto nível à penicilina (CIM
>2) e sensibilidade reduzida à cefalosporina (CIM >1) é baixa. Portanto, o
uso para esse fim deve basear-se em isolamento microbiológico e teste de
sensibilidade.
Ainda em relação a infecções no SNC, a vancomicina deve ser usada no trata-
mento de meningites e ventriculites associadas à infecção de sítio cirúrgico em
neurocirurgia e infecção relacionada à derivação ventriculoperitoneal e ventri-
culoexterna, devido à alta incidência de estafilococos (S. aureus e S. epidermi-
dis) meticilino-resistentes nessas situações. São essenciais a retirada do dispo-
sitivo infectado e a drenagem externa temporária, com reimplante do material
definitivo somente depois de documentada a esterilização do LCE. Infecções
relacionadas a outros dispositivos implantáveis – como próteses ortopédicas –
também implicam uso de vancomicina até que se obtenham culturas.
A vancomicina é útil no tratamento de infecções de partes moles – com-
plicadas ou não por abscesso e piomiosite – e osteomielites em que haja
68 resistência provável ou comprovada de agentes Gram positivos. Entre elas,
encontram-se as infecções de sítio cirúrgico, as infecções nosocomiais de
grandes queimados e dermatopatias graves com solução de continuidade
(pênfigo, micose fungoide) e infecções relacionadas a úlceras crônicas com
uso prévio e/ou prolongado de antimicrobianos. Deve-se atentar para a indi-
cação de drenagem ou debridamento em caso de coleções fechadas e áreas
extensas de tecido desvitalizado.
No tratamento empírico da sepse ainda sem foco infeccioso diagnostica-
do, a vancomicina deve fazer parte do esquema terapêutico inicial, quando
Glicopeptídios, oxazolidinonas e lipopeptídios

o indivíduo apresenta fatores de risco para infecção por Gram positivos re-
sistentes. O risco de resistência bacteriana está presente em hospitalizados
há mais de 48 horas – especialmente em unidades críticas – ou, ainda, não
hospitalizados que frequentem serviços de saúde (hospital-dia, serviços de
diálise, unidades de quimioterapia) ou tenham recebido alta hospitalar nos
últimos 30 dias. Esse risco é ainda maior quando houve exposição recente a
antimicrobianos. Dentre os fatores de risco para infecção por Gram positivos,
é importante ressaltar: presença de cateter venoso central de curta ou longa
permanência, ventilação mecânica atual ou extubação recente, cirurgia re-
cente e lesão de pele como possível porta de entrada.
A incidência de S. aureus como agente de pneumonia relacionada à ven-
tilação mecânica é variável e pode ser elevada em algumas instituições. Em
caso de incidência elevada, a vancomicina deve compor o esquema terapêu-
tico empírico inicial até que estejam disponíveis análises microbiológicas de
espécimes obtidos de vias aéreas (cultura quantitativa de secreção traqueal,
lavado ou escovado broncoalveolar), especialmente em pacientes que apre-
sentem instabilidade hemodinâmica. Deve ser associada a antimicrobianos
com amplo espectro para Gram negativos, frequentes em pneumonia asso-
ciada à ventilação mecânica e não cobertos por vancomicina (cefalosporina
de 4ª geração ou carbapenêmico).
No tratamento da neutropenia febril, a vancomicina deve ser associada
quando o paciente mantém febre após 48 horas a partir do início do esque-
ma empírico inicial, para ampliação de espectro. A pacientes com fatores de
risco para infecção por Gram positivo – cateter venoso central, mucosite, in-
fecção de pele e fâneros, foco em cavidade oral ou perianal –, recomenda-se
a vancomicina desde o 1º momento.
A tromboflebite associada a acesso venoso periférico, em pacientes in-
ternados, comumente tem componente infeccioso, cujos principais agentes
são S. aureus e S. epidermidis, com alta incidência de resistência à oxacilina.
Quando há evidência de infecção, a vancomicina é indicada, juntamente com
medidas locais (retirada do acesso, compressas quentes). Pode estar indica-
da anticoagulação, dependendo da extensão da trombose. É importante a
coleta de hemoculturas em outro sítio, para descartar a presença de infecção
de corrente sanguínea associada.
A colite pseudomembranosa é uma entidade clínica causada pelas toxi- 69
nas A e B de Clostridium difficile. Pacientes colonizados por esse agente,
quando expostos a antibióticos que favoreçam a seleção dessa bactéria no
trato gastrintestinal, podem apresentar proliferação do Clostridium diffici-
le, com intensa liberação de toxinas na luz intestinal, o que provoca colite
com formação de pseudomembranas fibrinosas que recobrem a mucosa.
O quadro clínico habitualmente inclui diarreia profusa, distensão abdomi-
nal e febre, e o diagnóstico é confirmado pela detecção das toxinas A e B
nas fezes, com ou sem isolamento do agente em coprocultura. Em caso
Guia de Antibioticoterapia

confirmado, o tratamento deve ser instituído com metronidazol por via oral,
para ação tópica na luz intestinal. Em pacientes que não respondem ao tra-
tamento com a droga de escolha, a vancomicina é uma opção e deve ser
usada por via oral na dose de 125 a 500mg de 6/6h, até a resolução clínica e
a ausência da toxina nas fezes. É recomendado o isolamento de contato do
paciente durante todo o tratamento. O uso de vancomicina intravenosa não
é indicado para tratamento de colite, pois ela pode inclusive causar colite em
uso prolongado intravenoso.
Aqueles em programas de diálise peritoneal que apresentem infecção es-
tafilocócica ou enterocócica relacionada a cateter de diálise, com cultura po-
sitiva de líquido peritoneal, sem repercussão sistêmica, podem ser tratados
com vancomicina em instilação intraperitoneal. Caso haja qualquer manifes-
tação sistêmica, deve ser instituída terapia intravenosa.
Por fim, a vancomicina constitui opção terapêutica para o tratamento de
estafilococcias e estreptococcias em alérgicos a betalactâmicos, independen-
te do perfil de sensibilidade dos agentes.

Tabela 1 - Principais indicações clínicas da vancomicina


Dose usual em adultos
Vancomicina (Vancocina®) - 2 a 3g/24h, divididos em 12/12h.
Indicações conforme a síndrome clínica
- Meningites pneumocócicas em que S. pneumoniae
apresenta sensibilidade intermediária ou resistência
a betalactâmicos;
Sistema nervoso central
- Meningites e ventriculites associadas à infecção do
sítio cirúrgico (neurocirurgia);
- Infecções relacionadas a DVP e DVE.
Cardiovascular - Endocardite infecciosa em prótese valvar.
Trato respiratório inferior - Pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV).
- Colite pseudomembranosa (em pacientes sem res-
Trato gastrintestinal posta ao tratamento com metronidazol; indicação de
vancomicina VO).
- Infecções por estafilococos e estreptococos resisten-
Corrente sanguínea
tes a betalactâmicos.
70 - Infecções de sítio cirúrgico;
- Infecções em grandes queimados;
Partes moles - Infecções em pacientes com dermatopatias graves;
- Infecções em úlceras crônicas;
- Tromboflebites em pacientes internados.
- Osteomielites com resistência provável ou comprova-
Osteoarticulares
da de agentes Gram positivos.
- Neutropenia febril, infecções de cateter de diálise pe-
Outras
ritoneal.
Glicopeptídios, oxazolidinonas e lipopeptídios

f) Efeitos adversos
A principal toxicidade da vancomicina é a nefrotoxicidade, e sempre deve
ser realizado ajuste de dose de acordo com o clearance de creatinina. As
primeiras formulações eram mais nefrotóxicas em virtude de impurezas no
composto, porém as apresentações mais recentes são mais bem purificadas
e tiveram esse efeito reduzido, porém ainda considerável. O efeito nefrotó-
xico é associado quando há junção de outras drogas com tal potencial, como
os aminoglicosídeos.
É recomendada a monitorização de nível sérico da droga para administra-
ção de doses conforme a necessidade para manutenção da faixa terapêutica,
porém é importante ressaltar que não existem estudos suficientes para cor-
relação entre os valores de nível sérico e resposta clínica. Logo, a administra-
ção em dose plena deve ser feita sempre que possível.
Os efeitos adversos mais frequentes da vancomicina são aqueles relaciona-
dos à sua infusão, podendo ocorrer de mal-estar inespecífico a pico febril. É
descrita a “síndrome do homem vermelho”, representada por eritema de rá-
pido estabelecimento durante a infusão no tronco superior, no pescoço e na
face, mais raramente associada a hipotensão e angioedema. O mecanismo
provável é a liberação maciça de histamina e a degranulação de mastócitos
induzida pela droga. O fenômeno não é considerado hipersensibilidade e em
geral é resolvido com diminuição de velocidade de infusão e administração
de anti-histamínicos. A hipersensibilidade à vancomicina não é comum.
Existe descrição de ototoxicidade relacionada à vancomicina, porém esse
evento era frequente com as formulações antigas de vancomicina, e rara-
mente registrado atualmente.
A dosagem de vancomicina sérica (vancocinemia) deve ser realizada sem-
pre, a fim de evitar efeitos colaterais sérios e realizar o tratamento na dose
adequada com erradicação das bactérias almejadas de aniquilação. A vanco-
cinemia rotineiramente é indicada a pacientes acima de 60 anos, em insufi-
ciência renal, obesos ou no uso prolongado da droga. É realizada por meio
da dosagem no pico de vale da droga, 1 hora antes da 4ª dose (momento em
que a concentração deve estar menor).
B - Teicoplanina
A teicoplanina tem espectro de ação muito semelhante ao da vancomicina, 71
e, portanto, indicações clínicas sobreponíveis. Exceção é feita às infecções do
SNC, pois a teicoplanina não apresenta penetração liquórica que autorize o
uso para esse fim.
As vantagens da teicoplanina em relação à vancomicina dizem respeito ao
seu perfil farmacocinético, uma vez que apresenta meia-vida longa e boa con-
centração tecidual prolongada. Tais características permitem seu uso em dose
única diária, por via intravenosa ou intramuscular. Sendo assim, uma boa op-
ção para tratamento por tempo prolongado, ambulatorial ou em hospital-dia.
Guia de Antibioticoterapia

Em geral, a teicoplanina tem menor incidência de efeitos adversos do que a


vancomicina, inclusive nefrotoxicidade. Porém, a possibilidade desses efeitos
deve ser considerada.
Atenção especial deve ser dada à necessidade de dose de ataque nos pri-
meiros 2 a 4 dias para alcançar o steady state da droga, ou seja, a concentra-
ção adequada.

Tabela 2 - Principais indicações clínicas da teicoplanina


Dose usual em adultos
- >12 anos:
Teicoplanina (Targocid®) · Ataque: 6mg/kg, IV, 12/12h por 2 a 4 dias;
· Manutenção: 6mg/kg, IV/IM, dose única diária.
Indicações clínicas similares às indicações da vancomicina, exceto:
- A teicoplanina não é indicada nas infecções em SNC por não atravessar a barreira
hematoencefálica;
- É uma alternativa à vancomicina nos casos de infecções por VREs fenótipo VanB, ou
seja, vancomicino-resistentes, mas sensíveis à teicoplanina.

2. Oxazolidinonas
As oxazolidinonas são antimicrobianos sintéticos desenvolvidos por síntese
orgânica laboratorial e têm ação bacteriostática contra uma série de pató-
genos humanos – especialmente Gram positivos –, com destaque para es-
treptococos e estafilococos, incluindo cepas resistentes a betalactâmicos e
glicopeptídios. Tal característica fundamenta os principais usos clínicos desta
classe de drogas.
Várias oxazolidinonas encontram-se em estudo, no entanto, até o momen-
to, somente uma representante dessa classe está disponível para uso clínico:
a linezolida, lançada no mercado em 1987 e disponível no Brasil há alguns
anos. Sua estrutura molecular difere essencialmente das moléculas de be-
talactâmicos e glicopeptídios, o que torna improvável a resistência cruzada
entre linezolida e essas classes de drogas.
A - Mecanismo de ação e resistência
A linezolida liga-se à subunidade 50S do ribossomo bacteriano, impedindo
72 a formação do complexo com a subunidade 30S, necessária para o início da
síntese proteica. Dessa maneira, a síntese de proteínas é inibida em sua fase
inicial, o que confere ação bacteriostática a essa droga. Não há interferência
na ligação do RNA transportador.
A resistência à linezolida ainda é rara, e os casos descritos referem-se a es-
tafilococos meticilino-resistentes e VREs com mutações no RNA ribossômico.
A maioria dos casos relacionava-se à exposição prévia à linezolida e/ou ao
seu uso prolongado. Ainda há poucos dados sobre o impacto clínico desses
mecanismos de resistência.
Glicopeptídios, oxazolidinonas e lipopeptídios

B - Aspectos farmacológicos
Existem apresentações de linezolida para uso intravenoso e por via oral.
Esta última apresenta boa biodisponibilidade, com concentrações séricas
máximas semelhantes às obtidas após a administração intravenosa.
Apresenta boa distribuição orgânica e concentração tecidual, especialmen-
te no parênquima pulmonar, uma vez que sua concentração no líquido alve-
olar pode corresponder a até 4,5 vezes a concentração sérica.
A excreção é predominantemente renal, 30% sob a forma ativa inalterada,
e 50% sob a forma de metabólito por processo de oxidação. Cerca de 10% da
droga são eliminados por via fecal.

C - Espectro de ação
A linezolida é altamente ativa contra a maioria das bactérias Gram positivas
de importância médica, incluindo Staphylococcus aureus (sensíveis e oxaci-
lino-resistentes), estafilococos coagulase-negativos, Enterococcus faecium e
Enterococcus faecalis (sensíveis e vancomicino-resistentes) e estreptococos
(incluindo cepas de Streptococcus pneumoniae penicilino-resistentes).
A despeito de sua atividade habitualmente bacteriostática, há evidência
de atividade bactericida contra cepas de S. pneumoniae e Streptococcus pyo-
genes.
Outros Gram positivos que vêm adquirindo importância, especialmente
em imunodeprimidos, demonstram sensibilidade à linezolida, como Coryne-
bacterium spp., Listeria monocytogenes, Bacillus sp. e Rhodococcus equi.
Há evidência sobre a atividade da linezolida contra anaeróbios, incluindo
Bacteroides fragilis, Clostridium difficile, Fusobacterium, e cocos Gram posi-
tivos anaeróbios.
O espectro de ação da linezolida contra bactérias Gram negativas e atípi-
cas é limitado, o que contraindica o seu uso com tal fim de cobertura. Existe
atividade comprovada contra uma série de micobactérias – entre elas M. tu-
berculosis –, entretanto ainda não está validada sua utilidade clínica para o
tratamento de infecções por tais agentes.

D - Uso clínico
73
O uso clínico da linezolida em nosso meio está diretamente relacionado
ao seu potencial para tratamento de infecções por agentes resistentes a be-
talactâmicos e glicopeptídios, especialmente em ambiente hospitalar. O alto
custo da droga ainda limita seu uso em infecções não complicadas adquiridas
na comunidade, a despeito de seu espectro compatível e da possibilidade de
uso por via oral.
Em geral, é indicada para o tratamento de infecções por estafilococos me-
ticilino-resistentes (MRSAs), VREs e Streptococcus pneumoniae.
Guia de Antibioticoterapia

Tabela 3 - Principais indicações clínicas da linezolida


Dose usual em adultos
Linezolida (Zyvox®) - 600mg, IV/VO, 12/12h.
Indicações clínicas aprovadas
Infecções por VREs, incluindo bacteriemia.
Pneumonias adquiridas em ambiente hospitalar causadas por:
- Staphylococcus aureus (MSSA e MRSA);
- Streptococcus pneumoniae (cepas sensíveis à penicilina).
Infecções não complicadas ou complicadas de pele e partes moles
causadas por:
- Staphylococcus aureus;
- Streptococcus agalactiae;
- Streptococcus pyogenes.
Pneumonias adquiridas na comunidade causadas por:
- Streptococcus pneumoniae (cepas sensíveis à penicilina);
- Staphylococcus aureus (MSSA).

Em nosso meio, o uso para pneumonias adquiridas na comunidade não é


corriqueiro, uma vez que a linezolida tem alto custo, e há diversas drogas efi-
cientes e menos onerosas para esse fim, como cefalosporinas de 3ª geração,
fluoroquinolonas e macrolídeos.
Existem relatos de uso de linezolida no tratamento de infecções por Nocar-
dia sp. e micobactérias não tuberculosis, em associação a outras drogas. No
entanto, ainda há pouca experiência clínica nessa utilização.
É importante ressaltar que a linezolida ainda não está aprovada para uso
prolongado (superior a 2 semanas), em virtude de seus potenciais efeitos
adversos, que carecem de estudos mais aprofundados, como plaquetopenia
e neurite periférica ou óptica.

E - Efeitos adversos
A linezolida, em geral, é bem tolerada, podendo ocorrer sintomas gastrin-
testinais – como náuseas, vômitos e diarreia – tanto em seu uso por via oral
quanto por via parenteral.
74 A toxicidade mais frequentemente relatada é a hematológica. Podem ocor-
rer citopenias isoladas de todas as séries e, mais raramente, pancitopenia.
Entre as citopenias, a mais habitual é a plaquetopenia, que atinge até 47%
dos pacientes que fazem uso de linezolida por tempo superior a 10 dias. Sua
gênese parece estar relacionada a mecanismos imunomediados. Há relatos
de anemia isolada, causada aparentemente por inibição medular de eritro-
poese. A neutropenia isolada é rara. É recomendada a monitorização com
hemograma de todos que fazem uso de linezolida, especialmente por tempo
superior a 10 dias.
Glicopeptídios, oxazolidinonas e lipopeptídios

A linezolida é um potencial inibidor da enzima monoaminoxidase e pode


causar alterações de pressão arterial em suscetíveis. Há relatos de crise se-
rotoninérgicas entre indivíduos que faziam uso concomitante de inibidores
seletivos de receptores de serotonina.
Também há relatos de neurite óptica e periférica relacionada ao uso pro-
longado de linezolida, o que, juntamente com a plaquetopenia, tem contrain-
dicado seu uso no tratamento de infecções que exigem longos cursos de anti-
bioticoterapia, como endocardites e osteomielites.
3. Lipopeptídios
Esta é uma nova classe de antibióticos desenvolvida a partir do saprófita
Streptomyces roseosporus, presente no solo. Tem como única representante
a daptomicina, e o motivo de ter sido inclusa neste capítulo é sua ação contra
Gram positivos multirresistentes.
A daptomicina age ligando-se à membrana celular da bactéria, com rápi-
da despolarização da membrana e com subsequente perda desta, levando a
inibição da síntese proteica, produção de DNA e consequente morte celular.
Essa droga é ativa com bactérias Gram positivas, mas tem ação apenas in
vitro contra enterococos. Por esse motivo é licenciada para tratamento de
estafilococcias, especialmente infecções da corrente sanguínea e de partes
moles. Também foi aprovada pelo FDA para tratamento de endocardites por
MRSA (inicialmente de valvas cardíacas direitas) e não tem concentração pul-
monar, nem no sistema nervoso central nem no urinário. Por isso, não deve
ser usada para estes fins. A dose da medicação é de 4 a 6mg 1x/d, IV. Tem
eliminação renal, por isso deverá ser corrigida para 48 horas se o clearance
for <30mL/min.
Os efeitos colaterais mais comuns são a cefaleia, constipação e aumento de
creatinofosfoquinase. O FDA descreveu em 2012 risco aumentado de pneu-
monia eosinofílica com o uso dessa medicação, e observação deve ser feita
no caso de uso.

75
CAPÍTULO 9
Aminoglicosídeos

1. Introdução
Os aminoglicosídeos são antibióticos naturais de um grupo cuja 1ª dro-
ga foi a estreptomicina, substância isolada em 1944, a partir de culturas do
fungo Streptomyces griseus. Sua composição química envolve 2 ou mais ami-
nocarboidratos unidos por uma ligação glicosídica. A ação é bactericida, rela-
cionada à inibição de síntese proteica. As principais drogas desse grupo são a
estreptomicina, a gentamicina, a neomicina, a tobramicina e a amicacina (um
antibiótico semissintético).
Tabela 1 - Características gerais
Mecanismo de ação
- Agem por meio da ligação ao RNA ribossômico (RNAr), inibindo o início da síntese
proteica, e provocam a produção de proteínas defeituosas e não funcionais (in-
cluindo as proteínas da membrana celular), o que leva à lise celular e à consequen-
te morte bacteriana.
Farmacodinâmica
- Concentração-dependentes.
Efeito antimicrobiano
- Ação bactericida.
Resistência
- Cromossômicas e extracromossômicas:
· Mecanismos:
* Alteração estrutural do sítio de ação ribossômico;
* Síntese de enzimas inativadoras.
Propriedades
- Efeito pós-antibiótico.

2. Mecanismos de ação
Os aminoglicosídeos agem por meio da ligação ao RNA ribossômico (RNAr),
76 impedindo a ligação adequada ao RNA mensageiro (RNAm) para a tradução
e o início da síntese proteica. Além disso, mesmo que seja iniciada a síntese
proteica, a presença do aminoglicosídeo induz ao pareamento errôneo entre
os códons do RNAm e anticódons do RNA transportador (RNAt), provocando
a produção de proteínas defeituosas e não funcionais. Dentre essas proteí-
nas, estão inclusas as responsáveis pela estrutura da membrana celular, que
se tornam anômalas e incapazes de mantê-la, o que leva à lise celular e à
consequente morte bacteriana. Essa ação garante aos aminoglicosídeos efei-
to bactericida contra agentes sensíveis.
Aminoglicosídeos

Como seu sítio de ação se encontra no meio intracelular, a atividade dos


aminoglicosídeos depende de sua capacidade de penetrar a célula bacte-
riana, ou seja, ultrapassar as barreiras da parede celular e da membrana
plasmática – além da membrana externa, dos Gram negativos. A fase inicial
de penetração da droga na célula é feita por transporte ativo, com gasto de
energia ATP-dependente, isto é, dependente de mecanismos aeróbios. Por
essa razão, o grupo é ativo apenas contra bactérias aeróbicas.
A partir do momento em que as primeiras moléculas de aminoglicosídeos
penetram a célula e alcançam seu sítio de ação ribossômico, inicia-se a sín-
tese de proteínas defeituosas de membrana, o que promove alteração da
permeabilidade celular, permitindo a entrada de mais moléculas da droga
por mecanismos passivos e garantindo sua ação bactericida.
É importante ressaltar que a permeabilidade da célula a aminoglicosídeos
é influenciada pela osmolaridade e pelo pH do meio externo, o que significa
que situações de desequilíbrio acidobásico e/ou eletrolítico – como cetoaci-
dose diabética ou, ainda, características do interior de um abscesso – podem
resultar na inatividade dessas drogas.
3. Mecanismos de resistência
O principal mecanismo de resistência bacteriana a aminoglicosídeos é a
alteração estrutural do sítio de ação ribossômico, diminuindo sua afinidade
com o antibiótico e impedindo, desta forma, a ação bactericida.
Pode ocorrer, ainda, inativação enzimática, por enzimas bacterianas que se
ligam aos aminoglicosídeos e alteram sua conformação espacial, de maneira a
inativá-los para sua ação final. Não ocorre hidrólise da molécula – como com os
betalactâmicos degradados por betalactamases –, porém, mesmo íntegras, as
moléculas perdem sua capacidade bactericida ao se ligarem às enzimas.
- Aspectos farmacológicos
Nenhuma das drogas deste grupo apresenta boa biodisponibilidade oral,
pois não apresentam absorção adequada no trato gastrintestinal. No entan-
to, podem ser usadas por essa via somente com o objetivo de descolonização
ou redução de carga bacteriana do cólon, como no tratamento da encefalo-
patia hepática. Quando administradas por via parenteral, apresentam entre
si propriedades farmacológicas semelhantes. 77
Os aminoglicosídeos alcançam altas concentrações séricas, próximas às
concentrações tóxicas, e difundem-se rapidamente pelos líquidos intersti-
ciais. Atingem concentrações terapêuticas no parênquima pulmonar, mas
somente a estreptomicina apresenta concentração adequada também nas
secreções brônquicas e no escarro. Todas as drogas alcançam concentrações
terapêuticas nos líquidos pleural, pericárdico, ascítico e sinovial. No entanto,
não conseguem concentrar-se adequadamente no liquor, mesmo quando ad-
ministradas em altas doses por via intravenosa.
Guia de Antibioticoterapia

São antimicrobianos concentração-dependentes, logo seu uso em dose


única diária se mostrou superior no tratamento de diversas infecções, com
exceção da endocardite, para a qual ainda não existem estudos que validem
a posologia. O uso em dose única diária também reduz a nefrotoxicidade,
que parece estar mais relacionada ao tempo durante o qual permanece alta
a concentração nos túbulos renais.
A excreção acontece por via renal, através de filtração glomerular. As dro-
gas alcançam altas concentrações no parênquima renal – muito superior à
concentração sérica – e são encontradas sob sua forma ativa na urina. So-
mente a estreptomicina apresenta metabolização hepática parcial. Assim, a
presença de insuficiência renal contraindica o uso de aminoglicosídeos, pois,
além de aumentar o grau de disfunção por nefrotoxicidade, o acúmulo da
droga ocasionado pela excreção diminuída pode resultar em aumento da in-
cidência de efeitos adversos, dada a proximidade entre as doses terapêuticas
e tóxicas.
4. Espectro de ação e uso clínico
A toxicidade dos aminoglicosídeos – com destaque para nefrotoxicidade
e ototoxicidade – tem limitado seu uso clínico, a despeito da grande eficá-
cia contra um grande número de bactérias aeróbias, especialmente as Gram
negativas.
Suas principais indicações clínicas relacionam-se à atividade contra Gram
negativos, especialmente enterobactérias e Pseudomonas aeruginosa. Rara-
mente, são utilizados em monoterapia. A associação a betalactâmicos, em
infecções graves por esses agentes, resulta em efeito sinérgico. No entanto,
ensaios clínicos e meta-análises mais recentes têm questionado o real papel
dessas associações, que nem sempre demonstraram superioridade, no resul-
tado clínico, que justifique o aumento de toxicidade imposto pela associação.
Em geral, as associações se justificam por ausência de novos fármacos com
potência suficiente sozinha. O exemplo mais recente é o da associação de
polimixina com aminoglicosídeos na tentativa de melhorar o efeito contra
bactérias produtoras de carbapenemases (KPC é a mais famosa).
Com relação a Pseudomonas, a superioridade só foi confirmada em infec-
ções do trato urinário, explicada pela alta concentração dos aminoglicosídeos
78 nesse sítio, porém com aumento da incidência de nefrotoxicidade, especial-
mente em pacientes críticos.
Todas as drogas desse grupo têm alguma atividade contra Staphylococcus,
porém não estão indicadas para uso isolado nas infecções por estas bactérias.
O mesmo se aplica às infecções por Enterococcus, em que os aminoglicosídeos
podem ser usados em associação à penicilina G ou ampicilina para obtenção
de sinergismo, quando houver sensibilidade demonstrada por antibiograma.
A amicacina e a estreptomicina têm atividades antimicobactérias. Habitual-
mente, a estreptomicina compõe o esquema alternativo para tratamento de
Aminoglicosídeos

tuberculose em hepatopatas (em associação ao etambutol e ao ofloxacino),


e a amicacina é reservada para o tratamento de infecções por micobactérias
resistentes a outros tuberculostáticos (tuberculose MDR, mas representa 2ª
linha no tratamento da tuberculose).
Outras bactérias de importância médica, como estreptococos (S. pyogenes
e S. pneumoniae), neisserias, treponema, clamídias, micoplasmas, riquétsias
e bactérias anaeróbias em geral são intrinsecamente resistentes a aminogli-
cosídeos.
Tabela 2 - Principais indicações clínicas dos aminoglicosídeos
- Tratamento de infecções graves por Pseudomonas aeruginosa, em associação a
penicilinas (piperacilina/tazobactam), cefalosporinas (ceftazidima e cefepima) ou
carbapenêmicos (imipeném e meropeném);
- Tratamento de infecções graves por Staphylococcus, em associação a oxacilina,
cefalotina ou vancomicina (se houver confirmação de MRSA e for considerado o
potencial nefrotóxico);
- Tratamento de infecções graves – especialmente endocardites – por Enterococcus,
em associação a ampicilina ou vancomicina (se houver confirmação de Enterococ-
cus resistente à penicilina);
- Tratamento de pneumonias graves por Klebsiella pneumoniae, em associação a
cefalosporina (ceftriaxona, cefotaxima, ceftazidima ou cefepima);
- Tratamento de infecções polimicrobianas abdominais e de partes moles com ori-
gem em úlcera crônica envolvendo Gram negativos sensíveis a aminoglicosídeos,
associados a drogas com melhor atividade contra Gram positivos e espectro contra
anaeróbicos (betalactâmicos associados a metronidazol ou clindamicina).
5. Uso clínico das drogas específicas

A - Estreptomicina
A estreptomicina foi o 1º aminoglicosídeo introduzido na prática médica,
em 1943, e está disponível para uso intramuscular. Até 30% da dose admi-
nistrada sofrem inativação hepática, e cerca de 70 a 90% são excretados por
via renal sob a forma ativa. Altas concentrações são atingidas no parênquima
renal, entretanto também são encontradas em pequena quantidade na bile.
Atualmente, as indicações clínicas da estreptomicina são limitadas, entre
as quais se podem citar: tratamento de tuberculose; tratamento de endocar-
dite por Streptococcus do grupo viridans ou Enterococcus sp., em associação 79
a penicilina G ou ampicilina, respectivamente; tratamento de peste bubônica
(Yersinia pestis) e brucelose (Brucella sp.).
No tratamento da tuberculose, a estreptomicina é indicada em 3 situações:
- Como parte do esquema para tuberculose multirresistente (TBMR), indi-
cado nos casos de falência do esquema básico, com resistência à rifam-
picina + isoniazida ou rifampicina + isoniazida + outra droga de 1ª linha;
- Como alternativa a pacientes com intolerância à rifampicina ou à isoniazi-
da, com necessidade de terapêutica parenteral;
Guia de Antibioticoterapia

- Em casos de hepatotoxicidade após o início do tratamento.


Tabela 3 - Principais indicações clínicas
Dose usual em adultos
Estreptomicina
Variável conforme a síndrome clínica
(Estreptomicina®)
Indicações clínicas
- Tuberculose (em >35kg: 1g, IM, dose única diária):
· Como parte do esquema para tuberculose multirresistente (TBMR), indicado aos
casos de falência do esquema básico, com resistência à rifampicina + isoniazida
ou rifampicina + isoniazida + outra droga de 1ª linha;
· Como alternativa a pacientes com intolerância à rifampicina ou à isoniazida e com
necessidade de terapêutica parenteral;
· Em casos de hepatotoxicidade após o início do tratamento. Em todos os casos de
tratamento de tuberculose, é utilizada com dose diária de segunda a sexta-feira,
inicialmente e posteriormente 3 vezes por semana. Tentativa de diminuir toxici-
dade, dado tratamento prolongado.
· Endocardites (15mg/kg nas 24 horas divididas em 2 doses diárias):
* Por Enterococcus spp. sensível à penicilina, estreptomicina e vancomicina e re-
sistente à gentamicina;
* Tularemia (Francisella tularensis);
* Peste (Yersinia pestis);
* Infecções graves por Brucella spp.;
* Em associação às tetraciclinas.

B - Neomicina
A neomicina foi isolada em 1949, a partir de culturas do fungo Strep-
tomyces fradiae. É dotada de extrema nefrotoxicidade e ototoxicidade quan-
do administrada por via parenteral, de maneira que não é disponível para
uso através dessa via. Por ela, tem ação tópica sobre a flora intestinal, porém
não é absorvida em quantidades suficientes para seu uso em infecções em
outros sítios.
Dessa maneira, seu uso se limita basicamente a formulações tópicas – ha-
bitualmente, cremes ou pomadas – associadas a outros antimicrobianos e/
ou corticosteroides, para tratamento de infecções cutâneas leves e superfi-
ciais ou, ainda, profilaxia de infecções, como em queimaduras e feridas ope-
ratórias.
80 Existe também a solução oral, indicada para o preparo cirúrgico do cólon
e no tratamento da encefalopatia hepática. O uso pré-operatório é questio-
nável e dispensável quando realizada antibioticoprofilaxia intravenosa ade-
quada na indução anestésica. Com relação à encefalopatia hepática, seu uso
objetiva a redução da carga bacteriana na luz intestinal, de maneira a dimi-
nuir a produção de compostos nitrogenados por esses microrganismos, que
acabam por ser absorvidos e, pela falta de metabolização hepática adequa-
da, participam da fisiopatologia da encefalopatia. No entanto, a indicação
está caindo em desuso, uma vez que o uso de lactulona isoladamente parece
Aminoglicosídeos

ter resultados superiores aos da neomicina, visto que mantém o paciente


com hábito intestinal adequado – o que diminui a carga bacteriana – e tende
a criar um pH ácido na luz intestinal, que favorece a proliferação de bactérias
cujo metabolismo não determina a produção de compostos nitrogenados.
Além disso, mesmo pequenas quantidades de neomicina absorvidas podem
ser nefrotóxicas para o hepatopata, já predisposto à disfunção renal e à sín-
drome hepatorrenal.
C - Gentamicina
A gentamicina é obtida a partir de culturas do fungo Micromonospora pur-
purea e foi introduzida na prática médica em 1969. Como os demais amino-
glicosídeos, tem alta concentração e eliminação renal sob a forma ativa. Sua
principal indicação clínica diz respeito ao fato de ser o aminoglicosídeo com
melhor efeito sinérgico quando usado em associação a betalactâmicos ou
glicopeptídios no tratamento de infecções estreptocócicas e enterocócicas,
especialmente endocardites. Está disponível tanto para uso intramuscular
quanto intravenoso.
Tabela 4 - Indicações clínicas da gentamicina e da estreptomicina nas endocardites
infecciosas
Streptococcus do grupo viridans sensível à penicilina e
Streptococcus bovis
- Penicilina cristalina ou ceftriaxona + gentamicina 3mg/kg nas 24h, IV/IM em 1 dose
diária durante 2 semanas.
Streptococcus do grupo viridans e Streptococcus bovis
relativamente resistente à penicilina
- Penicilina cristalina ou ceftriaxona + gentamicina 3mg/kg nas 24h, IV/IM em 1 dose
diária durante 2 semanas.
Enterococcus spp. sensível à penicilina, gentamicina e vancomicina
- Ampicilina ou penicilina cristalina + gentamicina 3mg/kg nas 24h IV divididos em 3
doses diárias por 4 a 6 semanas;
- Vancomicina + gentamicina 3mg/kg nas 24h IV divididas em 3 doses diárias por 6
semanas.
Enterococcus spp. sensível à penicilina, estreptomicina e
vancomicina e resistente à gentamicina
- Ampicilina ou penicilina cristalina + estreptomicina 15mg/kg nas 24h IV/IM dividi-
das em 2 doses diárias por 4 a 6 semanas; 81
- Vancomicina + estreptomicina 15mg/kg nas 24h IV/IM divididos em 2 doses diárias
por 6 semanas.

Usada em associação a betalactâmicos – penicilina G para Streptococcus


do grupo viridans e ampicilina para Enterococcus sp. – para o tratamento de
endocardite, é recomendada uma dose de ataque de 2mg/kg, seguidas de
1,7mg/kg/dose de 8/8h, nas primeiras 2 semanas de tratamento. A mesma
dose e duração estão recomendadas para a associação a glicopeptídios (van-
Guia de Antibioticoterapia

comicina ou teicoplanina), quando se trata de infecção por agente resistente


a betalactâmico ou tratamento empírico de endocardite hospitalar ou preco-
ce em prótese valvar (menos de 1 ano após o implante).
Outras indicações de gentamicina – hoje menos frequentes em virtude
da superioridade e do melhor perfil de toxicidade das cefalosporinas e qui-
nolonas – incluem as infecções do trato urinário e as infecções abdomi-
nais, situações em que a posologia recomendada é de 5 a 7mg/kg/d em
dose única. No caso das infecções abdominais, deve ser associada a drogas
com melhor atividade contra Gram positivos e com atividade anaerobicida,
como no esquema gentamicina associada à penicilina ou ampicilina e me-
tronidazol.
Apresenta a maior penetração placentária entre os aminoglicosídeos, e
40% da concentração sérica na gestante são encontrados no sangue do feto,
suficientes para provocar ototoxicidade. Assim, é contraindicado seu uso du-
rante a gestação.
D - Amicacina
A amicacina é um aminoglicosídeo semissintético produzido a partir da ca-
namicina, substância extraída de culturas do fungo Streptomyces kanamyce-
ticus. Foi introduzida na prática médica em 1976. Aproximadamente 90% da
dose administrada são eliminados por filtração glomerular renal sob a forma
ativa. É o aminoglicosídeo mais estável diante da ação de enzimas bacteria-
nas inativadoras, portanto o número de cepas de Gram negativos sensíveis
à amicacina é maior quando comparada às demais drogas do grupo, o que
inclui Pseudomonas aeruginosa.
É indicada apenas no tratamento de infecções graves por bactérias Gram
negativas sensíveis, em associação a outras drogas (geralmente betalactâ-
micos), como sepse, pneumonia, pielonefrite, osteomielites, infecções intra-
-abdominais e outras infecções acompanhadas de bacteremia e comprome-
timento do estado geral.
Sua atividade contra micobactérias permite sua inclusão em esquemas te-
rapêuticos com múltiplas drogas para tratamento de tuberculose provocada
por bacilos resistentes às drogas de 1ª linha, principalmente rifampicina e
isoniazida (tuberculose multidroga-resistente – MDR). Não deve ser utilizada
82 como 1ª opção na substituição de um esquema de tratamento de tuberculo-
se, pois tem menos efeito que a estreptomicina nesse caso.
E - Tobramicina
A tobramicina foi descrita em 1971, a partir de culturas do fungo Strep-
tomyces tenebrarium. Tem espectro e comportamento farmacocinético se-
melhantes aos dos demais aminoglicosídeos quando em uso parenteral, po-
rém no Brasil sua principal indicação é o tratamento de infecções oculares,
para as quais existem formulações tópicas em colírio ou pomada oftálmica.
Aminoglicosídeos

6. Efeitos adversos
Os principais efeitos adversos dos aminoglicosídeos dizem respeito à sua
nefrotoxicidade e ototoxicidade.
O mecanismo de lesão renal por aminoglicosídeos é a necrose tubular por
toxicidade direta, que ocorre em 5 a 25% dos pacientes que usam alguma
droga parenteral deste grupo. Em contato com o aminoglicosídeo, ocorre
morte das células tubulares renais, geralmente, relacionada ao processo de
recaptação que se segue à filtração glomerular da droga. Esse efeito depende
da dose administrada e do tempo de tratamento e parece ser minimizado
quando a administração é feita em dose única diária. É mais frequente em
idosos, nefropatas, diabéticos, desidratados ou em uso concomitante de ou-
tras drogas nefrotóxicas.
A ototoxicidade acontece por lesão direta das células cocleares e vestibula-
res em contato com a droga e é mais comum em indivíduos com insuficiência
renal, em função da excreção diminuída, que acarreta níveis séricos mais ele-
vados e prolongados. A lesão coclear manifesta-se por zumbido e hipoacusia
para sons de alta frequência e pode evoluir para anacusia se mantido uso
por tempo prolongado. A lesão vestibular manifesta-se por vertigem e, mais
rara e tardiamente, por ataxia. O uso otológico tópico dos aminoglicosídeos
também pode levar a essas lesões.

83
CAPÍTULO 10
Polimixinas

1. Introdução
As polimixinas são antibióticos naturais obtidos a partir de culturas da bac-
téria Bacillus polymyxa. Das diversas substâncias produzidas por esse micror-
ganismo, designadas pelas letras A, B, C, D, E e M, somente as polimixinas B
e E são usadas na prática clínica, em razão de sua menor toxicidade. Foram
disponibilizadas para uso médico em 1947, e sua estrutura química é consti-
tuída por polipeptídios cíclicos com ação bactericida.
Esses antibióticos foram amplamente utilizados entre as décadas de 1960
e 1980, especialmente em infecções por Pseudomonas aeruginosa. No en-
tanto, a alta incidência de efeitos tóxicos, principalmente renais, levou as
polimixinas a serem gradualmente substituídas por antimicrobianos de de-
senvolvimento mais recente, dotados de menor nefrotoxicidade. Seu uso
foi retomado somente a partir da década de 1990, devido à emergência de
bactérias Gram negativas multirresistentes, que limitaram o uso de outras
classes de antimicrobianos nessas situações, inclusive cefalosporinas e car-
bapenêmicos.
2. Mecanismo de ação e aspectos farmacológicos
As polimixinas agem sobre a membrana plasmática de bactérias Gram ne-
gativas, inicialmente, ligam-se aos LPSs da membrana externa e, a seguir, são
internalizadas. Além disso, integram-se à estrutura fosfolipídica da membra-
na plasmática, gerando descontinuidades letais à célula, seja por desregula-
ção dos mecanismos osmóticos, seja por extravasamento de citoplasma, que
culminam em lise celular – são, portanto, antibióticos de ação bactericida.
Por sua ação “detergente” nas membranas, é raro o desenvolvimento de re-
sistência bacteriana.
No entanto, esse mesmo mecanismo é responsável pelas toxicidades des-
sas drogas. Como sua ação sobre as membranas é pouco seletiva, ocorre
também sobre as membranas celulares humanas, especialmente no rim, de-
84 terminando a nefrotoxicidade característica das polimixinas.
As polimixinas estão disponíveis apenas em apresentação parenteral e em
algumas formulações para uso tópico, além de apresentarem meia-vida de
4 a 6 horas. A eliminação se dá pela via renal, razão pela qual devem sofrer
ajuste em caso de insuficiência renal.
A polimixina E, sob a forma do sal colistimetato, é também conhecida como
colistina. É mais utilizada por apresentar menor potencial tóxico que a poli-
mixina B e está disponível em apresentações parenterais, com formulação
em unidades ou miligramas. A dose habitual é de 3 a 5mg/kg/d, divididos a
Polimixinas

cada 8 ou 12 horas. A correspondência entre miligramas e unidades varia de


acordo com o fabricante.
3. Espectro de ação e uso clínico
As polimixinas são ativas contra uma série de bactérias Gram negativas,
no entanto a sua toxicidade potencial restringe o seu uso às infecções cuja
resistência do agente impeça a utilização de qualquer outro antimicrobiano
disponível. Mais especificamente, as polimixinas têm sido indicadas no trata-
mento de infecções por Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter bauman-
nii multirresistentes, inclusive a carbapenêmicos. Além disso, não possuem
atividade contra os gêneros Proteus, Providencia e Serratia.
A Klebsiella pneumoniae é um aspecto à parte no tratamento com polimi-
xinas e, por ser um enterofermentador como Proteus, Providencia e Serratia,
não tem boa destruição com polimixina. No entanto, a ausência de antibióti-
cos eficazes no tratamento de Klebsiella produtora de carbapenemase (KPC)
obrigou o uso desse antibiótico no tratamento de KPC. Deve-se lembrar que
a droga não pode ser usada isoladamente para esse tratamento, pelo seu
espectro ruim para a bactéria. A opção pela associação a aminoglicosídeos é
coerente, mas o uso de outras drogas, como a tigeciclina, para sítios adequa-
dos, deve ser preferido.
Dentre as infecções para as quais podem ser empregadas, destacam-se as
infecções da corrente sanguínea, a pneumonia associada à ventilação mecâ-
nica e as infecções do trato urinário e de partes moles (sobretudo relaciona-
das a queimaduras).
Sua penetração liquórica não é adequada para o tratamento de infecções
no sistema nervoso central, porém, na ausência de alternativa terapêutica,
as polimixinas são usadas no tratamento de ventriculites e de meningites por
Gram negativos, com destaque para as associadas à derivação ventriculope-
ritoneal ou ventriculoexterna, em que é alta a incidência de Pseudomonas.
Existem formulações especiais de polimixina B para uso tópico, como cre-
mes, pomadas, soluções otológicas e colírios, em associação a outros anti-
bióticos de espectros diversos. Ainda são muito utilizadas no tratamento de
otites e de conjuntivites purulentas.
4. Efeitos adversos 85
O principal efeito adverso das polimixinas é a nefrotoxicidade, que ocorre
em graus variáveis na maioria dos pacientes que recebem essas drogas, es-
pecialmente pacientes críticos e aqueles que apresentem disfunção renal de
base.
Outros efeitos colaterais menos descritos são a neuropatia periférica e o
bloqueio de placa neuromuscular, resultando em paresia global, também
mais incidentes em pacientes graves, já predispostos à neuropatia dos pa-
cientes críticos.
CAPÍTULO 11
Tetraciclinas

1. Introdução
As tetraciclinas são antibióticos naturais e semissintéticos caracterizados
pela presença de um anel tetracíclico em sua estrutura química. As primeiras
tetraciclinas isoladas foram a aureomicina (clortetraciclina), em 1947, a par-
tir de culturas de Streptomyces aureofaciens, e a terramicina (oxitetraciclina),
em 1950, a partir de culturas de Streptomyces rimosus. Daí em diante, foi
possível a identificação do núcleo ativo comum a essas substâncias – a tetra-
ciclina base –, que originou novos derivados, com espectro de ação e perfil
farmacocinéticos mais favoráveis para uso clínico.
Dentre os vários compostos semissintéticos derivados da tetraciclina, os
que estão disponíveis e são usados com mais frequência no Brasil são a mi-
nociclina e a doxiciclina, classificadas como tetraciclinas de longa ação, por
apresentarem meia-vida mais prolongada, melhor penetração tecidual e
maior espectro antimicrobiano.
As tetraciclinas agem sobre a síntese proteica e impedem a ligação do RNA
transportador ao ribossomo, necessária à agregação do aminoácido trans-
portado ao peptídio nascente. Tal mecanismo lhes confere ação bacteriostá-
tica. A resistência, quando ocorre, é causada por alteração de sítio ribossômi-
co de ação e/ou bombas de efluxo.
2. Aspectos farmacológicos
As tetraciclinas estão disponíveis para usos oral e parenteral, e quase 100%
da dose de doxiciclina ou minociclina administrada são absorvidos no estô-
mago e no intestino delgado, podendo chegar a 80% a absorção oral das de-
mais drogas do grupo.
A meia-vida é variável, sendo a doxiciclina e a minociclina as de meia-vida
mais prolongada: 18 e 20 horas, respectivamente. Têm boa penetração teci-
dual e alcançam altas concentrações no fígado, no baço, na medula óssea,
nos ossos e nos dentes, bem como no líquido sinovial e na mucosa dos seios
paranasais. As concentrações também são terapêuticas nos rins, nos múscu-
los, na pele, na saliva e no humor vítreo. Na bile, são encontradas em concen-
86 trações 5 vezes maiores que a sérica.
A capacidade de penetração é maior para a doxiciclina e a minociclina, em
virtude das suas características de lipossolubilidade e hidrossolubilidade.
Além de todos os sítios já mencionados, concentram-se bem na secreção
brônquica, nos órgãos genitais femininos e na próstata. A doxiciclina atinge
concentração pulmonar semelhante à do soro, enquanto a minociclina tem
concentração superior na parede da vesícula biliar e nos intestinos.
As tetraciclinas de ação curta (tetraciclina, oxitetraciclina e clortetraciclina)
são excretadas pelos rins (60%) e pelas fezes (40%) e não devem ser adminis-
Tetraciclinas

tradas a pacientes com insuficiência renal, sob o risco de acidose metabólica


e uremia. Já a doxiciclina e a minociclina são metabolizadas parcialmente no
fígado. A doxiciclina tem eliminação basicamente fecal, sob a forma de um
metabólito inativo sobre a flora intestinal, não reabsorvível. Somente 10% da
dose administrada sofrem eliminação renal.
As doses orais habituais de tetraciclina (sais cloridrato ou fosfato) para
adultos são de 250 a 500mg a cada 6 horas. A doxiciclina e a minociclina de-
vem ser prescritas na dose de 100mg a cada 12 horas.
3. Espectro de ação e uso clínico
As tetraciclinas são antibióticos de amplo espectro, com ação sobre um
grande número de gêneros e espécies de bactérias. Seu uso atual é limitado
pelos efeitos colaterais, especialmente intolerância gastrintestinal. No entan-
to, ainda há diversas indicações para as quais as tetraciclinas são drogas de
escolha ou alternativas terapêuticas.
Tabela 1 - Principais indicações clínicas
Acne
Por sua ação contra Propionibacterium acnes, bactéria envolvida nesta dermatopa-
tia de causa multifatorial, a doxiciclina e a minociclina podem ser inclusas em seu
esquema terapêutico.
Brucelose
A doxiciclina é a droga de escolha no tratamento das infecções por Brucella sp., em
associação à estreptomicina nos primeiros 15 dias, de tempo total de 45 dias.
Cólera
A gastroenterite grave provocada pelo Vibrio cholerae pode ser tratada com tetra-
ciclina na dose de 500mg a cada 6 horas por 3 dias ou, ainda, doxiciclina em dose
única de 300mg.
Doenças sexualmente transmissíveis
As tetraciclinas – em particular a doxiciclina – estão indicadas no tratamento do
granuloma inguinal ou donovanose (Calymmatobacterium granulomatis) e do lin-
fogranuloma venéreo (Chlamydia trachomatis) nas doses usuais, por pelo menos
21 dias; podem ser usadas nos tratamentos das infecções comuns por Chlamydia
trachomatis e Ureaplasma urealyticum, como uretrites, vaginites, cervicites, epidi-
dimites e proctites, por um período de 7 dias; e podem ser inclusas nos esquemas
terapêuticos para doença inflamatória pélvica feminina (ceftriaxona + doxiciclina +
metronidazol); além disso, constituem alternativa terapêutica para sífilis em alérgi-
cos à penicilina, devendo ser usadas por 14 dias em doses habituais.
Peste bubônica (Yersinia pestis) 87
Como alternativa à estreptomicina em casos leves, por 14 dias.
Pneumonia por Chlamydia e Mycoplasma pneumoniae e psitacose (Chla-
mydia psittaci)
Tetraciclina ou doxiciclina por 10 a 14 dias, em associação a droga antipneumocócica
(cefalosporina).
Balantidíase (Ballantidium coli) e dientamebíase (Dientamoeba fragilis)
A tetraciclina é uma das drogas de escolha para o tratamento destas protozooses, na
dose de 500mg a cada 6 horas por 10 dias.
Guia de Antibioticoterapia

Doença de Lyme
Tanto a tetraciclina quanto a doxiciclina podem ser usadas no tratamento da fase
aguda da doença de Lyme (Borrelia burgdorferi), em doses usuais por 14 a 21 dias.
Infecções por Vibrio vulnificus
O tratamento das infecções de partes moles com rápida evolução para sepse rela-
cionadas a traumas penetrantes por espinhas ou barbatanas de peixe deve incluir
a doxiciclina no esquema terapêutico, pois habitualmente são provocadas por esse
vibrião.
Infecções por Pasteurella multocida
O tratamento de celulites e abscessos relacionados a mordedura de cão ou de gato
deve contemplar este bacilo Gram positivo na cobertura, pois está presente na flora
natural da boca desses animais. A tetraciclina constitui alternativa ao tratamento
dessas infecções, para as quais a amoxicilina-clavulanato é a droga de escolha.
Malária
A malária por Plasmodium falciparum tem, como principal causa de recrudescência pós-
-tratamento, as hemácias parasitadas que permanecem sequestradas nos capilares pe-
riféricos. A doxiciclina está indicada como esquizonticida sanguíneo de ação lenta para
a erradicação dessas formas, após o uso de um esquizonticida de ação rápida para a
redução da parasitemia, como quinino, mefloquina ou derivados de artemisinina.
Febre maculosa
Provocada pela Rickettsia rickettsii, esta febre purpúrica infecciosa tem a doxiciclina
e o cloranfenicol como opções terapêuticas. A doxiciclina pode, ainda, ser usada na
profilaxia de febre maculosa em indivíduos picados por carrapatos em regiões onde
estejam ocorrendo casos da doença.
Leptospirose
A droga de escolha para o tratamento das infecções por Leptospira interrogans é
a penicilina cristalina, porém a doxiciclina pode ser utilizada profilaticamente em
indivíduos que entraram em contato com águas potencialmente contaminadas por
urina de ratos, como as vítimas de enchentes.

4. Efeitos adversos
Os principais efeitos adversos referem-se ao trato gastrintestinal, por into-
lerância por via oral. Podem ocorrer náuseas, vômitos e diarreia. A hepatoto-
xicidade é rara e relaciona-se com a esteatose microvesicular.
As reações cutâneas podem ocorrer por hipersensibilidade, desde um
exantema maculopapular fugaz até uma erupção fixa com formação de vesí-
culas. A 1ª manifestação é mais comum e pode ser acompanhada por febre,
88 mal-estar e linfadenomegalia. São descritas reações de fotossensibilidade,
desencadeadas por exposição à luz ultravioleta, com lesões eritematosas, hi-
perpigmentadas e descamativas.
Quadros extremos podem simular porfiria. As tetraciclinas são considera-
das os antimicrobianos com maior potencial fototóxico, porém a incidência
desse efeito é menor com a doxiciclina e a minociclina quando comparadas
às demais tetraciclinas.
Um efeito adverso peculiar é o acúmulo na dentina e no esmalte dentário,
provocando pigmentação irreversível dos dentes e até mesmo hipoplasia de
Tetraciclinas

dentes em formação. Esse efeito é uma das razões da sua contraindicação a


gestantes, lactantes e crianças menores de 8 anos. Nas primeiras, também
têm risco aumentado de hepatite e pancreatite.
5. Glicilciclinas: tigeciclina
As glicilciclinas são uma nova classe de antimicrobianos semissintéticos de-
rivados das tetraciclinas, de estrutura química semelhante à da minociclina, e
foram desenvolvidas com o objetivo de superar os mecanismos de resistên-
cia a tetraciclinas, por isso têm espectro de ação semelhante ao dessas dro-
gas, porém são ativas mesmo contra agentes dotados de mecanismos de re-
sistência. A única droga dessa classe disponível até o momento é a tigeciclina.
Além do espectro descrito para as tetraciclinas, as glicilciclinas têm-se
mostrado ativas in vitro contra Staphylococcus aureus meticilino-resistentes,
Enterococcus resistentes à vancomicina e Streptococcus resistentes a penici-
linas. No entanto, ainda são necessários estudos clínicos que validem defini-
tivamente seu uso em infecções por esses agentes.
A tigeciclina é administrada por via intravenosa, na dose inicial de 100mg e,
sequencialmente, de 50mg, a cada 12 horas. Atinge concentrações pulmona-
res muito superiores à sérica, o que lhe confere grande utilidade para o trata-
mento de infecções nesse sítio. A penetração liquórica é bastante variável, e
não há estudos suficientes que embasem seu uso para infecções do sistema
nervoso central. O uso em infecções do trato urinário é contraindicado, pois
a maior parte da droga é eliminada pelas fezes, portanto não atinge concen-
trações urinárias terapêuticas.
Os efeitos colaterais são náuseas, vômitos e diarreia. Assim como as tetracicli-
nas, é contraindicada na gravidez e na lactação, pelas mesmas razões já descritas.
Seu amplo espectro inclui Gram positivos, mesmo os resistentes já citados,
além de enterobactérias e anaeróbios, inclusive Bacteroides fragilis. No entan-
to, seu uso como monoterapia empírica em infecções graves com potencial
resistência é limitado, pela precária atividade contra Pseudomonas aeruginosa.
Esta droga teve sua importância aumentada devido ao aumento da pre-
valência de Klebsiella produtora de carbapenemase (KPC), sendo uma droga
eficaz contra essa bactéria. Entretanto, deve-se ter cuidado ao utilizá-la, já
que os únicos sítios onde a presença de KPC pode ser tratada por esse antibi-
ótico são pele e partes moles.
Atualmente, a tigeciclina encontra-se aprovada pela agência regulatória
norte-americana (FDA) para as seguintes indicações a adultos: infecções 89
complicadas de pele e de partes moles e infecções intra-abdominais não
complicadas. O uso em infecções intra-abdominais é sempre discutível, dado
a ausência de ação do antibiótico contra Pseudomonas.
O uso para pneumonia hospitalar não está aprovado em virtude da inati-
vidade contra Pseudomonas, e o uso para pneumonia de comunidade não
se justifica, pois existem drogas muito úteis para tal fim, com menor custo e
maior histórico.
CAPÍTULO 12
Sulfonamidas: sulfadiazina e sulfametoxazol-trimetoprima

1. Introdução
As sulfonamidas, as primeiras drogas com atividade antimicrobiana intro-
duzidas na prática médica, a partir de 1932, são compostos derivados da sul-
fanilamida, uma molécula de estrutura química muito semelhante à do ácido
para-aminobenzoico (PABA), substrato requerido para a síntese de ácido fóli-
co em células bacterianas. O ácido fólico, por sua vez, é um cofator essencial
na síntese de purinas e, em última análise, de DNA.
Por sua semelhança com a molécula de PABA, as sulfonamidas inibem de
forma competitiva a enzima bacteriana deidropteroato-sintetase, que é res-
ponsável pela incorporação do PABA ao ácido deidrofólico (ácido fólico); des-
sa forma, bloqueia a síntese desse mesmo ácido e, consequentemente, a sín-
tese de ácido tetraidrofólico, metabolicamente ativo (Figura 1). Tal inibição é
altamente prejudicial à síntese bacteriana de ácidos nucleicos, uma vez que
as bactérias, ao contrário de células eucarióticas, não utilizam ácidos fólicos
pré-formados e necessitam formá-los a partir do PABA.

90

Figura 1 - Síntese do ácido tetraidrofólico a partir de PABA

Existem 6 grupos de sulfonamídicos, classificados de acordo com a sua ab-


sorção por via oral e a excreção (Tabela 1).
Sulfonamidas: sulfadiazina e sulfametoxazol-trimetoprima

Tabela 1 - Derivados sulfonamídicos


Características Tempos de ação Exemplos
Sulfas solúveis de rápida absorção e ex- Curto
- Sulfadiazina.
creção (6 horas)
Sulfas solúveis de rápida absorção e ex- Intermediário
- Sulfametoxazol.
creção mais lenta (12 horas)
Sulfas solúveis de rápida absorção e ex- Prolongado
- Sulfametoxipiridazina.
creção lenta (24 horas)
Sulfas solúveis de rápida absorção e ex- Ultraprolongado - Sulfadoxina;
creção muito lenta (7 dias) - Sulfaleno.
- Sulfaguanidinina;
Sulfas não absorvíveis por via oral --
- Sulfatalidina.
- Sulfadiazina de prata;
Sulfas de uso tópico --
- Sulfassalazina.

Atualmente, os principais derivados sulfamídicos em uso terapêutico são a


sulfadiazina e o sulfametoxazol, abordados a seguir.
2. Sulfadiazina
A sulfadiazina é uma sulfapirimidina, de rápidas absorção por via oral e
eliminação. Sua absorção é facilitada em pH alcalino. Distribui-se em todos
os líquidos e tecidos orgânicos, inclusive no humor aquoso e no líquido cere-
brospinal. A droga é eliminada pelo rim, principalmente por filtração glome-
rular, diminuindo a sua concentração sérica em 6 horas.
A sulfadiazina é a sulfa mais ativa contra o Toxoplasma gondii. A associação
sulfadiazina e pirimetamina é a terapêutica de escolha para o tratamento das
formas agudas graves de toxoplasmose (incluindo a toxoplasmose no sistema
nervoso central em pacientes com doença pelo HIV). É utilizada também na
profilaxia secundária da toxoplasmose no sistema nervoso central, agindo
concomitantemente na prevenção de pneumonia por P. jiroveci (pneumo-
cistose).
Apresenta, ainda, atividade contra o fungo Paracoccidioides brasiliensis,
embora não seja considerada droga de escolha para o tratamento da para-
coccidioidomicose no Brasil.
91
3. Sulfametoxazol-trimetoprima
A associação sulfametoxazol-trimetoprima está disponível no Brasil nas
apresentações sulfametoxazol(400mg)-trimetoprima(80mg) em comprimi-
dos para administração por via oral e em ampolas para uso intravenoso. Há
ainda a apresentação sulfametoxazol(800mg)-trimetoprima(160mg) para ad-
ministração por via oral.
O sulfametoxazol (SMX) é uma sulfonamida com mecanismo de ação já
descrito, e o trimetoprima (TMP) é uma base fraca lipofílica, com ação bacte-
Guia de Antibioticoterapia

riostática. Liga-se reversivelmente e inibe a enzima bacteriana deidrofolato-


-redutase, além de exercer o seu efeito num estado da biossíntese do folato
imediatamente posterior ao estado em que atua o SMX, ocorrendo, assim,
uma ação sinérgica. Isoladamente, essas drogas são bacteriostáticas, porém
o efeito sinérgico da associação lhes confere uma atividade bactericida.
A associação apresenta boa biodisponibilidade oral, e essa via representa
a maior parte de suas indicações. Está disponível também para uso intrave-
noso em infecções graves. Grandes quantidades de TMP e pequenas quan-
tidades de SMX passam da corrente sanguínea para os líquidos intersticiais
e outros líquidos orgânicos extravasculares. Entretanto, em associação, as
concentrações de TMP e SMX são superiores às Concentrações Inibitórias
Mínimas (CIMs) para a maioria dos agentes sensíveis. A metabolização é he-
pática, 20% do SMX e 50% do TMP sob a forma ativa na urina.
O espectro de ação do SMX-TMP é amplo, especialmente contra bactérias
Gram negativas. No entanto, a resistência crescente vem limitando suas in-
dicações, em virtude do desenvolvimento de drogas mais ativas e de maior
estabilidade diante dos mecanismos de resistência.

Tabela 2 - Principais bactérias que mantêm sensibilidade a SMX-TMP


- Haemophilus influenzae;
- Moraxella catarrhalis;
- Nocardia sp.;
- Burkholderia cepacia;
- Calymmatobacterium granulomatis;
- Stenotrophomonas maltophilia;
- Yersinia enterocolitica;
- Escherichia coli;
- Salmonella typhi;
- Shigella sp.;
- Listeria sp.

Na presença de agentes sensíveis, a associação pode ser feita no trata-


mento de infecções dos tratos respiratórios superior e inferior: exacerbações
agudas de quadros crônicos de bronquite, bronquiectasia, faringite, sinusite,
92 otite média aguda em crianças; infecções do trato urinário: cistites agudas e
crônicas, uretrites, prostatites; infecções genitais em ambos os sexos, inclu-
sive uretrite gonocócica; infecções gastrintestinais, incluindo febre tifoide e
paratifoide, diarreia dos viajantes causada por Escherichia coli; infecções da
pele e tecidos moles: piodermite, furúnculos, abscessos e feridas infectadas.
Vale ressaltar que é alta a incidência de resistência a SMX-TMP nessas si-
tuações, portanto seu uso empírico, sem documentação de sensibilidade, é
limitado. Por mecanismos pouco estudados, a associação é ativa contra o
fungo Pneumocystis jiroveci. O tratamento da pneumocistose em infectados
Sulfonamidas: sulfadiazina e sulfametoxazol-trimetoprima

pelo HIV tornou-se a principal indicação clínica do SMX-TMP, por sua exce-
lente atividade e a possibilidade de tratamento intravenoso em casos graves,
que pode ser concluído por via oral. A associação é útil, ainda, na profilaxia
primária de pneumocistose e neurotoxoplasmose em intensamente imuno-
deprimidos (CD4 <200 células/mm3) e na profilaxia secundária de pneumo-
cistose até a reconstituição da imunidade.
Cabe destacar ainda que a associação constitui uma das opções para o tra-
tamento das formas leves e moderadas de paracoccidioidomicose no Brasil.
Outras indicações usuais estão listadas na Tabela 3.
Tabela 3 - Indicações clínicas
- Isosporíase;
- Nocardiose;
- Infecções por Stenotrophomonas maltophilia;
- Infecções por Burkholderia cepacia.

Os efeitos adversos mais frequentes são as reações de hipersensibilidade


desencadeadas pelo SMX, geralmente caracterizadas por um exantema poli-
mórfico, que tende a desaparecer após a suspensão da droga. Essas reações
podem ser tardias após o início do tratamento. Podem ocorrer elevação de
transaminases associada aos fenômenos alérgicos e, mais raramente, nefrite
intersticial.
Um efeito comum, mas pouco lembrado das sulfas, é a deposição de cris-
tais de sulfa nos rins, especialmente em pacientes que fazem uso prolongado
(como em profilaxias) ou em doses altas de sulfa (tratamento de toxoplas-
mose, pneumocistose etc.). Para esse perfil, a fim de evitar a deposição de
cristais nos rins e a consequente litíase renal por sulfa, orienta-se o uso diário
de bicarbonato de sódio (1 colher/d) para a alcalinização da urina e a dimi-
nuição da deposição.
Em pacientes com insuficiência renal, existe grande dificuldade na corre-
ção adequada de doses, e uma 2ª opção de tratamento deve ser discutida,
especialmente nos tratamentos com doses altas de sulfa.

93
CAPÍTULO 13
Antifúngicos

1. Introdução
O reino Fungi ou Eumycota abrange organismos uni ou pluricelulares, com-
postos por células eucariotas, isto é, com material genético constituído por
DNA envolto por membrana nuclear, e dotadas de organelas membranosas
(complexo de Golgi, mitocôndrias e retículo endoplasmático). A membrana
plasmática lipoproteica é rica em ergosterol.
Esses organismos apresentam parede celular constituída por quitina e são
seres estritamente aeróbios, heterótrofos, desprovidos de cloroplastos e clo-
rofila, portanto incapazes de realizarem fotossíntese. Além disso, nutrem-se
a partir de absorção e armazenam glicogênio.
As células fúngicas não formam tecidos verdadeiros. Há organismos uni-
celulares, que crescem em colônias, denominados leveduras, e organismos
pluricelulares, que formam filamentos de células denominadas hifas e ema-
ranhados de hifas que constituem o micélio – são classificados como filamen-
tosos. Por fim, algumas espécies se caracterizam por apresentarem a forma
miceliana filamentosa quando no ambiente e a forma de levedura quando
em parasitismo – são fungos denominados dimórficos.
Tabela 1 - Principais gêneros patogênicos
Leveduriformes
- Candida;
- Cryptococcus;
- Malassezia;
- Pichia;
- Rhodotorula;
- Trichosporon.
Filamentosos
- Aspergillus;
- Cladosporium;
- Fusarium;
94
- Mucor;
- Penicillium;
- Sporothrix.
Dimórficos
- Coccidioidis;
- Histoplasma;
- Loboa;
- Paracoccidioidis.
Antifúngicos

Dentre a grande variedade de fungos conhecidos, cerca de 200 são capazes


de provocar micoses. A grande maioria é de origem ambiental e infecta seres
humanos por inalação, ingestão ou inoculação direta.
Os fungos têm adquirido importância médica crescente à medida que au-
menta o número de indivíduos imunodeprimidos, como infectados por HIV,
transplantados e usuários de drogas imunossupressoras. A esse fato se deve
o aumento progressivo da incidência de infecções fúngicas oportunistas, por
agentes clássicos e por agentes habitualmente não considerados patogêni-
cos para o homem. Além disso, o aumento de sobrevida de pacientes críticos,
o uso crescente de dispositivos invasivos e o uso indiscriminado de drogas
antibacterianas de amplo espectro também contribuem para o surgimento
de infecções fúngicas invasivas.
A importância médica dos fungos e o número crescente de infecções por
esses agentes levaram ao desenvolvimento progressivo de drogas antifúngi-
cas para uso clínico, com avanços significativos recentes. As principais drogas
antifúngicas de uso sistêmico serão estudadas neste capítulo.
Tabela 2 - Classes de drogas antifúngicas
Poliênicos
- Anfotericina B;
- Nistatina.
Azólicos
- Cetoconazol;
- Miconazol;
- Itraconazol;
- Fluconazol;
- Voriconazol;
- Posaconazol.
Pirimidinas fluoradas
- 5-fluocitosina.
Equinocandinas
- Caspofungina;
- Anidulafungina;
- Micafungina.
95
2. Anfotericina B
A anfotericina B é uma molécula lipofílica poliênica produzida por Strep-
tomyces nodosus, com importante propriedade antifúngica. É considerada
o antifúngico com maior espectro de ação, agindo sobre um grande número
de espécies de fungos leveduriformes e filamentosos de importância médi-
ca, portanto com diversas indicações clínicas para o tratamento de micoses
superficiais e invasivas.
Guia de Antibioticoterapia

A - Mecanismo de ação
Por sua característica lipofílica, a molécula da anfotericina B exerce sua ati-
vidade antifúngica por meio da inserção na membrana plasmática do fungo,
ligando-se às moléculas de ergosterol. Em baixas concentrações da droga,
esse mecanismo aumenta a atividade dos canais de potássio transmembrana
e, em altas concentrações, forma poros na membrana celular. O resultado
dessas alterações é a modificação da permeabilidade seletiva da membrana
plasmática, o que compromete a sobrevida da célula.
É importante ressaltar que a capacidade de ação da anfotericina sobre a
membrana plasmática independe da divisão celular ou de qualquer atividade
metabólica do fungo, visto que seu sítio de ligação está permanentemente
exposto. Essa característica é crucial para a rápida e intensa atividade anti-
fúngica da droga.
B - Formulações
A 1ª formulação de anfotericina, licenciada desde 1959, foi a anfotericina B
deoxicolato, que contém a droga ativa associada ao sal deoxicolato de sódio.
Essa formulação é insolúvel em água em pH fisiológico e, por sua caracterís-
tica lipofílica e pela afinidade por membranas, exerce atividade também em
membranas celulares humanas, cuja expressão clínica mais importante é a
nefrotoxicidade.
Com o objetivo principal de minimizar o efeito nefrotóxico da anfotericina,
foram desenvolvidas formulações da droga com excipiente lipídico. Atual-
mente, estão disponíveis 3 desses compostos: anfotericina B dispersão coloi-
dal, complexo lipídico e lipossomal.
A anfotericina B dispersão coloidal (ABCD – Amphocil®) é um composto de
anfotericina B com sulfato de colesterol em quantidades equimolares, for-
mando partículas coloidais. O resultado, deste modo, são moléculas da droga
agregadas a moléculas lipídicas, formando uma dispersão lipofílica.
Já na anfotericina B complexo lipídico (ABLC – Abelcet®), as moléculas es-
tão complexas a moléculas de fosfatidilcolina e fosfatidilglicerol, formando
uma suspensão lipídica em que cada molécula de anfotericina está ligada a
uma molécula de excipiente.
Por fim, na anfotericina B lipossomal (LAmB – Ambisome®), a droga é
96 processada com várias moléculas de lecitina-colesterol-fosfatidilglicerol, de
maneira a formar um lipossoma, isto é, uma vesícula lipofílica unilamelar
contendo a molécula de anfotericina em seu interior. Dessa maneira, toda a
superfície da molécula está recoberta pelo excipiente lipídico, o que diminui
o seu potencial de toxicidade.
Essas formulações apresentam espectro de ação sobreponíveis, porém
com perfis farmacocinéticos diferentes. Aparentemente, os resultados tera-
pêuticos são similares, no entanto é necessária a validação de seu uso para
cada indicação clínica da anfotericina.
Antifúngicos

A nefrotoxicidade e a hipocalemia das formulações lipídicas são significati-


vamente menores, todavia devem ser consideradas. Outros efeitos adversos
da anfotericina não estão minimizados nas novas formulações.
Apesar da menor toxicidade dessas apresentações, sua eficácia não é me-
lhor do que a da anfotericina B convencional. Como em apresentações lipos-
somais, a dose usada diariamente é maior, e a toxicidade renal não é muito
diferente da apresentação convencional quando se utiliza a medicação em
longo prazo.
C - Aspectos farmacológicos
A anfotericina B desprende-se do sal deoxicolato tão logo é infundida na
corrente sanguínea e liga-se a proteínas plasmáticas, principalmente a beta-
-lipoproteína, provavelmente complexa ao colesterol dessa molécula. Assim,
é carreada até os tecidos, rapidamente deixa a corrente sanguínea, ligando-
-se às membranas celulares teciduais, e deposita-se no fígado e em outros
órgãos, de onde volta a ser liberada lenta e gradualmente na corrente sanguí-
nea. A maior parte é degradada in situ, e apenas parte sofre eliminação renal
e biliar. Podem ocorrer até 40% de eliminação renal lentamente, à medida
que há a recirculação da droga. Os níveis séricos permanecem detectáveis
até 7 semanas após a suspensão.
Há uma boa distribuição e penetração tecidual, inclusive em fluidos orgâni-
cos de sítios inflamados. A penetração liquórica é muito baixa. Também não
há boa penetração em ossos e em músculos.
A dose habitual de anfotericina B deoxicolato varia entre 0,3 e 1mg/kg/d,
dependendo da infecção e do sítio acometido. A droga deve ser diluída em
soro glicosado a 5% e administrada em infusão lenta, em dose única diária.
As formulações lipídicas têm perfis farmacocinéticos diferentes entre si.
Em geral, as concentrações séricas são mais altas e prolongadas, pois as dro-
gas levam mais tempo para se ligarem às membranas e deixarem a corrente
sanguínea. As concentrações teciduais variam de acordo com o tecido, de
90% menores a 500% maiores quando comparadas à anfotericina B deoxi-
colato. Nos rins, a concentração é de 80 a 90% menor com as formulações
lipídicas do que as observadas para o deoxicolato. O complexo lipídico atinge
as maiores concentrações pulmonares entre as formulações.
A anfotericina lipossomal tem, como característica, atingir altas concentra- 97
ções no interior dos macrófagos, uma vez que os lipossomas são fagocitados
por essas células. Essa característica sugere uma grande utilidade no trata-
mento de infecções intracelulares.
D - Espectro de ação e uso clínico
A anfotericina B é considerada o antifúngico de maior espectro, incluindo
leveduras e fungos filamentosos, e está indicada no tratamento da maioria
das micoses sistêmicas, especialmente as formas clínicas mais graves. Ape-
Guia de Antibioticoterapia

sar de existirem poucos estudos que demonstrem a equivalência clínica das


formulações lipídicas, estas têm sido utilizadas com sucesso em indicações
sobreponíveis ao deoxicolato.
Tabela 3 - Indicações clássicas
Micoses sistêmicas
- Candidíase invasiva;
- Criptococose;
- Aspergilose;
- Zigomicose;
- Formas graves de paracoccidioidomicose;
- Formas graves de histoplasmose.
Terapêutica empírica – neutropenia febril
- Febre persistente por mais de 5 dias, em pacientes com suspeita de infecção fún-
gica resistente a fluconazol ou uso recente de fluconazol [pelo ultimo consenso de
neutropenia febril (2011), a anfotericina lipossomal é a 3ª opção, atrás da caspo-
fungina e do voriconazol].
Micoses superficiais
- Refratárias ao tratamento com outros antifúngicos.

Existem alguns fungos com sensibilidade reduzida à anfotericina, como


Candida lusitaneae, Fusarium sp., Trichosporon sp., além de alguns feo-hifo-
micetos (fungos pigmentados).
E - Efeitos adversos
Reações adversas podem acontecer durante a infusão, não relacionadas à
hipersensibilidade, provavelmente desencadeadas pela indução da síntese
de mediadores inflamatórios, como TNF, interleucina e prostaglandina E2.
Essa reação é imediata e geralmente caracteriza-se por mal-estar, calafrios,
até mesmo febre e dor torácica. Em geral, é contornada com uso de anti-his-
tamínico, anti-inflamatórios não esteroides e corticoides em baixas doses,
mas em algumas situações motiva a suspensão da droga.
A anfotericina é bastante irritativa para o endotélio venoso e com fre-
quência causa tromboflebite química, quando infundida em veia periférica.
São necessários a remoção do dispositivo de acesso venoso e o tratamento
98 com compressas quentes locais e anti-inflamatórios não esteroides. Alguns
autores recomendam a heparina precedendo a infusão de anfotericina para
a prevenção de tromboflebite.
Como descrito, a principal toxicidade da anfotericina B é a nefrotoxicidade.
Ocorre diminuição da filtração glomerular dose-dependente, em virtude da
diminuição de fluxo sanguíneo por vasoconstrição da arteríola aferente por
ação direta da droga. Há ainda lesão tubular direta, que gera uma tubulopatia
perdedora de potássio. O resultado é a redução do clearance de creatinina
acompanhada de hipocalemia e, mais raramente, uremia e acidose tubular
Antifúngicos

renal. Em doses mais altas, podem ocorrer necrose tubular aguda, lesão de
membrana basal e perda definitiva da função do néfron.
Recomendam-se a diluição máxima da droga e a expansão volêmica com
solução salina em infusão rápida antes e depois da administração, o que tem
algum efeito protetor para a nefrotoxicidade. Alguns estudos têm demons-
trado redução de toxicidade renal com infusão contínua em 24 horas, mas
essa forma de administração ainda não tem sido utilizada rotineiramente. As
formulações lipídicas apresentam menor toxicidade renal, especialmente a
anfotericina lipossomal.
Há ainda toxicidade hematológica, sobretudo sobre a série eritrocítica. A
anemia deve-se tanto à redução de eritropoetina consequente da toxicidade
renal quanto à mielotoxicidade direta. A anemia isolada é o fenômeno he-
matológico mais comum, mas pode haver pancitopenia. Há descrição, ainda,
de cardiotoxicidade, sobretudo alterações de condução, e mais raramente
diminuição da contratilidade miocárdica.
As reações de hipersensibilidade são raras e, quando ocorrem, incluem
broncoespasmo e taquidispneia.
3. Azólicos
Os azólicos são compostos sintéticos caracterizados pela presença de um
anel imidazólico em sua estrutura química, que lhes confere atividade anti-
fúngica. Seu mecanismo de ação relaciona-se à inibição de síntese de ergos-
terol – componente essencial da membrana plasmática fúngica – por meio
da inibição da enzima C-14-alfa-lanosterol-demetilase. Esse mecanismo lhes
confere atividade fungistática.
O 1º derivado azólico desenvolvido foi o cetoconazol, e, a seguir, manipula-
ções do anel imidazólico deram origem a compostos denominados triazólicos,
com menor toxicidade, menor interação com outras drogas e maior espectro.
A seguir, as peculiaridades de cada droga deste grupo.
A - Cetoconazol
O cetoconazol está disponível para uso por via oral, e sua biodisponibilida-
de é variável por essa via. É solúvel em pH ácido (<3) – situação em que apre-
senta melhor absorção –, por isso a sua biodisponibilidade é intensamente
afetada pela integridade do trato gastrintestinal e pela alimentação do pa- 99
ciente. O uso concomitante de bloqueadores H2 ou de inibidores de bomba
de prótons prejudica a absorção e a eficácia terapêutica do cetoconazol.
Sua metabolização ocorre no fígado, com eliminação biliar, e a eliminação
renal é muito baixa, por essa razão apresenta importante hepatotoxicidade,
seu principal efeito adverso.
A distribuição e a penetração teciduais são variáveis e dependentes do ní-
vel sérico. Em geral, há boa concentração nos pulmões, na pele e na secreção
vaginal.
Guia de Antibioticoterapia

O espectro de ação é amplo e inclui leveduras, fungos filamentosos e


dimórficos. Seu uso clínico tem diminuído em virtude de absorção erráti-
ca, maior toxicidade e maior potencial de interação medicamentosa quan-
do comparado aos azólicos mais modernos. No entanto, seu baixo custo
e a indisponibilidade de outras drogas em serviços de recursos limitados
o mantêm na prática clínica. Ainda é amplamente utilizado em formula-
ções tópicas. Deve, no entanto, ser desencorajado para infecções habituais,
exatamente pela toxicidade e pela inferioridade a outros azólicos, como o
fluconazol.
As principais indicações clínicas são:
- Doenças endêmicas em imunocompetentes, em suas formas mais leves
e localizadas, como as formas crônicas mucosas unifocais ou pulmonares
de paracoccidioidomicose, e a forma pulmonar da histoplasmose. Nessas
indicações, vem sendo substituído pelo itraconazol;
- Candidíase mucocutânea crônica e candidíase oral: quando indicado tra-
tamento sistêmico para essas entidades, é uma opção terapêutica. No
entanto, por sua excelente atividade contra o gênero Candida e sua to-
xicidade bastante inferior, o fluconazol tem sido muito mais empregado
nessas situações.
As formulações tópicas do cetoconazol estão indicadas nas dermatofitoses
(tinhas e onicomicoses) e na pitiríase versicolor (Malassezia furfur).
B - Fluconazol
O fluconazol apresenta diversas vantagens quando comparado ao cetoco-
nazol: está disponível em formulações por vias oral e intravenosa; a absorção
oral é muito boa e estável e confere concentrações séricas semelhantes às
obtidas com administração intravenosa; não sofre metabolização hepática,
portanto tem potencial hepatotóxico muito menor; apresenta menor intera-
ção medicamentosa; tem excelente penetração no sistema nervoso central,
com concentração liquórica de até 70% da sérica.
O espectro principal diz respeito às leveduras. É a droga de escolha no
tratamento de infecções por Candida, tanto superficiais quanto invasivas. É
importante ressaltar que algumas espécies desse gênero apresentam sen-
sibilidade reduzida ao fluconazol – como Candida glabrata –, e o sucesso
100 terapêutico, nesse caso, depende do aumento das doses administradas (sen-
sibilidade dose-dependente). A Candida krusei é intrinsecamente resistente
ao fluconazol.
O tratamento empírico de infecções da cavidade abdominal relacionadas
à cirurgia com transecção do trato gastrintestinal – inclusive, sepse de foco
abdominal – pode requerer o uso de fluconazol, dada a alta incidência de
Candida como componente da flora polimicrobiana presente nessas infec-
ções. O mesmo pode acontecer em casos de choque séptico refratário a an-
timicrobianos de amplo espectro, em pacientes com fatores de risco para
Antifúngicos

candidemia, como internação em UTI, cirurgia gastrintestinal, colonização


por Candida em múltiplos sítios, uso de dieta parenteral, neutropenia, pre-
maturidade e amniorrexis prematura.
Em transplantados de medula óssea, a alta incidência de infecções por
Candida justifica o uso como profilaxia primária delas.
O fluconazol também apresenta excelente atividade contra Cryptococcus
neoformans e, por sua alta penetração liquórica, está recomendado no tra-
tamento de neurocriptococose, seja por via intravenosa na fase de indução
– em pacientes que apresentem toxicidade importante com anfotericina –,
seja por via oral nas fases de consolidação e manutenção. Quanto aos imuno-
deprimidos, a profilaxia secundária de criptococose é feita com essa droga.
C - Itraconazol
O itraconazol apresenta espectro sobreponível ao do cetoconazol, porém
com maior atividade, especialmente para fungos filamentosos, incluindo
Aspergillus sp. Sua metabolização hepática implica potencial hepatotóxico,
porém minimizado em relação ao cetoconazol. Em todas as suas indicações
clínicas, pode substituir o cetoconazol por via oral.
A maior limitação de uso em nosso meio refere-se à apresentação farma-
cêutica disponível. Enquanto outros países contam com apresentações intra-
venosa e oral e suspensão, no Brasil está disponível apenas a apresentação
oral em cápsulas. A absorção e a biodisponibilidade dessa apresentação são
erráticas – bastante inferiores à formulação em suspensão – e com níveis
séricos imprevisíveis, não comparáveis aos obtidos com a administração in-
travenosa. Essas características dificultam o uso para infecções graves ou dis-
seminadas em nosso meio.
As principais indicações clínicas referem-se às micoses endêmicas, como
formas crônicas de paracoccidioidomicose, ou formas agudas moderadas;
formas pulmonares de histoplasmose; esporotricose (Sporothrix schenckii);
cromomicose (Fonsecaea pedrosoi); feo-hifomicoses (Exophiala, Phialopho-
ra, Cladosporium); eumicetomas.
Pode ser usado, ainda, no tratamento de dermatofitoses extensas ou cutâ-
neas disseminadas em pacientes com AIDS e na profilaxia secundária de his-
toplasmose em tais indivíduos. E, assim como a anfotericina B, tem atividade
contra Leishmania sp. e constitui-se em alternativa no tratamento da leish- 101
maniose tegumentar.
D - Voriconazol
O voriconazol é o mais moderno azólico disponível no mercado e apresenta
diversas vantagens em relação aos já descritos. Diferentemente do cetocona-
zol e do itraconazol, conta com excelente biodisponibilidade oral, com níveis
séricos comparáveis à administração intravenosa. A despeito da metaboliza-
ção hepática, a incidência de hepatotoxicidade é baixa.
Guia de Antibioticoterapia

Seu uso por via oral é limitado apenas a pacientes que não possuem, com
integridade do trato gastrintestinal, os distúrbios de absorção intestinal. A
formulação intravenosa é limitada a pacientes com insuficiência renal, pois
seu excipiente – a ciclodextrina – pode acumular-se e gerar toxicidades entre
indivíduos com clearance de creatinina <50. Não é contraindicado o uso da
formulação oral nessa situação, desde que a gravidade da infecção e a condi-
ção clínica do paciente o permitam.
O espectro é amplo contra leveduras, fungos filamentosos e dimorfos, in-
cluindo fungos de importância crescente em imunodeprimidos – como As-
pergillus, Fusarium e Scedosporium – e boa atividade contra espécies com
sensibilidade à anfotericina intrinsecamente reduzida.
Em relação ao espectro, a limitação diz respeito à sua inatividade contra
zigomicetos (Mucor, Rhizopus, Absidia, Rhizomucor) – fungos filamentosos
responsáveis por infecções invasivas graves em neutropênicos. Desta forma,
deve ser usado com cautela na terapia empírica de infecções invasivas por
fungos filamentosos prováveis ou comprovados. Essa característica vem mo-
tivando ampla discussão científica sobre a sua utilidade para a profilaxia de
infecções fúngicas em neutropênicos e transplantados, pela possibilidade de
aumento de incidência de infecções por zigomicetos.
Tem sido utilizado, ainda, no tratamento de candidíases superficiais não
responsivas ao fluconazol, e candidíase invasiva, incluindo candidemia.
Segundo o consenso de neutropenia febril de 2011, da Sociedade Americana
de Doenças Infecciosas (IDSA), o voriconazol é a 2ª opção no tratamento em-
pírico de infecções fúngicas em neutropênicos febris (atrás apenas das equi-
nocandinas). Em pacientes neutropênicos febris pós-transplante de medula
óssea, passa a ser a 1ª opção pelo alto risco de aspergilose nessa população.
Em nosso meio, o voriconazol ainda é limitado pelo alto custo.
E - Posaconazol
Trata-se, provavelmente, do azólico mais potente já lançado, não disponí-
vel ainda no Brasil, mas com previsão de lançamento para 2012. Tem espec-
tro de ação semelhante ao do voriconazol, com maior potência em algumas
leveduras. Também não trata adequadamente zigomicetos.
Apresenta como maior inconveniente a apresentação apenas via oral, com
102 necessidade de uso em conjunto com alimentos para melhorar a absorção.
Tem sido discutido seu uso em profilaxia pós-transplantes de medula, pelo
uso via oral e pela boa cobertura para Aspergilose, Fusarium e Scedosporium.
4. Equinocandinas

A - Caspofungina
A caspofungina (Cancidas®) foi a 1ª equinocandina licenciada para uso,
inaugurando essa classe de antifúngicos. Trata-se de um lipopeptídio cíclico
Antifúngicos

sintético, com capacidade de inibir a síntese de 1-3-B-D-glucana, principal


componente da parede celular da maioria dos fungos. A inibição da sínte-
se desse componente compromete a integridade da parede celular, altera a
morfologia da célula fúngica e, em última análise, leva à sua lise.
É uma droga de boa penetração tecidual e metabolização hepática. Seu es-
pectro de ação principal é contra leveduras do gênero Candida, com excelen-
te atividade, exceto para Candida parapsilosis e Candida guilliermondii, que
apresentam sensibilidade reduzida, porém aparentemente sem relevância
clínica nos estudos realizados até o momento. Tem atividade, ainda, contra
Aspergillus sp., porém menos intensa que a da anfotericina e do voriconazol,
pois só atua nas hifas em crescimento e não tem atividade sobre formas la-
tentes.
Assim, as indicações clínicas resumem-se a infecções por Candida e As-
pergillus. A entrada no mercado de 2 novas equinocandinas fez despencar o
custo desse antifúngico e o tornou mais acessível na prática diária. As equi-
nocandinas são a 1ª opção no tratamento de infecções fúngicas em neutro-
pênicos febris (pensando em candidemia como a infecção fúngica mais co-
mum nesta população), e, por ser a equinocandina mais antiga e com maior
experiência de uso, a caspofungina é recomendada pela IDSA como 1ª opção
nesses casos.
Além disso, não apresenta ação contra Cryptococcus e Trichosporon e não
tem ação contra outros filamentosos além do Aspergillus. A droga é meta-
bolizada no fígado. Não existem concentrações na urina nem no liquor de
nenhuma equinocandina. Portanto, nessas situações, outra classe de anti-
fúngicos deve ser usada.
A caspofungina está liberada para uso em todas as idades, a partir de 3
meses de vida (poucos estudos em neonatos), e os efeitos adversos são míni-
mos. Não há toxicidade renal, e a hepatotoxicidade é rara, mas em pacientes
com insuficiência hepática grave esta equinocandina deve ser evitada. Po-
dem ocorrer ainda reações de hipersensibilidade, mas também infrequentes.
B - Anidulafungina
A anidulafungina (Ecalta®) foi a 2ª equinocandina aprovada no Brasil, de
características muito semelhantes à caspofungina. É um fungicida contra
Candida, incluindo as espécies resistentes a outros antifúngicos, como C. 103
glabrata e C. krusei. Também é inativa contra Cryptococcus, Trichosporon e
outros fungos filamentosos que não o Aspergillus, o qual consegue eliminar,
e foi inicialmente liberada pelo FDA para tratamento da candidíase esofágica,
candidemia e outras infecções complicadas causadas por Candida.
É utilizada na dose de 200mg IV no 1º dia seguida de 100mg/d a partir do
2º dia para candidemias. No caso de candidíase esofágica, a dose é de 100mg
no 1º dia e de 50mg a partir do 2º. Não é liberada para uso em crianças
(ao contrário da caspofungina, que pode ser utilizada a partir de 3 meses) e,
Guia de Antibioticoterapia

como todas as equinocandinas, não se concentra na urina e no liquor.


Tem poucos efeitos colaterais, assim como todas as equinocandinas, e não
tem contraindicação mesmo em se tratando de pacientes com insuficiência
hepática grave, ao contrário da caspofungina.
C - Micafungina
Equinocandina disponível no Brasil a partir do final de 2011, a micafun-
gina tem as mesmas características das equinocandinas anteriores no que
diz respeito ao espectro de ação, no entanto apresenta custo de 3 a 4 vezes
menor que a caspofungina, a mais custosa das equinocandinas, o que deve
disseminar seu uso.
As características de concentração e de espectro de ação são as mesmas
das 2 drogas anteriores, e ao contrário delas é liberada para uso mesmo em
neonatos.
A dose preconizada é de 150mg/d IV para esofagite por Candida. Sem dose
de ataque, como as outras equinocandinas, para candidemias a dose preco-
nizada é de 100mg/d IV. No caso de profilaxia pós-transplante de medula, a
dose é de 50mg/d IV.
Tem interação apenas com nifedipino e sirolimo (aumenta os níveis de am-
bos se usada em conjunto).

104
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