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OBSERVAÇÕES DE TIAGO ATZEVEDO

Arlequim e Colombina - a peça se passa numa carroça... Tudo indica que será uma
apresentação de atores da Comédia Dell’Art, e é. Só que os bastidores mostram a relação
pessoal entre o ator e a atriz, eles são tão amigos que ao longo do tempo o ator se descobre
apaixonado pela atriz, que o tem como um irmão, e isso se transforma numa relação de
amor e ódio. Eu quero que mostre mais as apresentações para o público, e como essas
apresentações vão mudando ao longo dessa relação, até que chega o clímax do espetáculo.
O momento em que o ator mata a atriz em cena. Na verdade é um drama dentro da
Comédia Dell Art.
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ARLEQUIM E COLOMBINA

Texto: Gabriella Slovick


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CENA 1

No interior de uma carroça, Colombina está adormecida.


Arlequim entra apressadamente, mas pára subitamente diante da bela moça deitada. A olha
com doçura e por um momento aproxima-se para tocar em seus cabelos, porém desiste da
idéia. Música/ ele canta dirigindo-se a platéia.

ARLEQUIM - Ainda é mais bela enquanto adormecida! Ó bela minha! Se soubesses o que
esconde meu coração... Poderia lhe contar agora já que não pode me ouvir!(abre os braços).
Ah! Eu te amo! Vida de minha vida! Amor...É isso que sinto! Por que não adivinhas? Sim!
Adivinhas minha bela Colombina! Não posso imaginar uma vida na eternidade sem você a
meu lado...(ela vai acordando/ esfrega as mãos nos olhos/ vê Arlequim). Ah...Acordou
enfim!(aborrecido). Precisamos ensaiar e você só pensa em dormir! Faça o favor!

COLOMBINA - Do que estava falando? Pude ouvir sua voz...Pensei que estava sonhando.

ARLEQUIM - Mas é só o que você sabe fazer: sonhar.

COLOMBINA (levanta e começa a vestir uma roupa enquanto Arlequim fica de costas) – E
você? Não dorme nunca?

ARLEQUIM - Vamos com isso, temos espetáculo esta noite e esta é a primeira cidade onde
conseguiremos um dinheiro a mais.

COLOMBINA (sorri) – Prontinho...

ARLEQUIM - Bem, o nosso número de hoje vai falar sobre...Sobre...

COLOMBINA - Sobre um amor proibido.

ARLEQUIM - O povo gosta de romances impossíveis minha cara!


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COLOMBINA - Todo Amor é possível.

ARLEQUIM - Ai! E todos os dias você fala a mesma coisa!

COLOMBINA - Sim, porque todo amor é real! Senão não é amor!

ARLEQUIM (inquieto) – Fala como se conhecesse o amor.

COLOMBINA - E conheço...Sim! Um amor que me espera distante...

ARLEQUIM - Vamos ao ensaio.(inicia uma série de acrobacias e dirige-se a platéia).


Senhoras e senhores! Eis que o espetáculo vai começar!(a seu lado Colombina pega um
leque e inicia uma série de movimentos como se fosse uma dama do século passado).

Música

COLOMBINA - Ó prezado senhor, dizei-me onde é a festa desta noite.

ARLEQUIM - É carnaval minha linda jovem!

COLOMBINA - E me visto de acordo?

ARLEQUIM - Sempre estás linda... Todos hão de concordar!(dirige-se a platéia). O que


acham os amigos? Venha, te conduzo a fantasia!

De uma bolsinha, Colombina começa a jogar confete por toda parte e Arlequim pára
extasiado a olha-la.

COLOMBINA - Arlequim! Hei! O ensaio! No que pensa homem? Olhe, se não te amasse
como a um irmão já teria ido para outra companhia.
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ARLEQUIM - Irmão?

COLOMBINA - Diz que durmo...Você é quem está sempre dormindo e acordado!

ARLEQUIM (dirigindo-se a platéia) – Festa! Carnaval! Dancem! Eis a hora em que o povo
manifesta suas amarguras por trás de suas máscaras.(pega uma máscara de pierrô). Que
poderia ser como uma dessas...(triste).

COLOMBINA - Céus! Lembra-me alguém!

ARLEQUIM - Ora! Assim não será possível! A noite se aproxima e você diz que se
lembra de alguém por causa de uma máscara? Pelo cavalo de tróia! Haja paciência!

COLOMBINA(dirige-se a platéia) – Um rosto...Pode-se adivinhar um rosto por trás de uma


máscara?(passeia por entre a platéia/volta ao cenário) Um rosto se revela com as palavras
pronunciadas na sombra da noite...Debaixo da lua, ao som de uma melodia suave e fresca
quando os enamorados se denunciam como num repertório único que todo Universo
anuncia...

ARLEQUIM (interrompendo/aborrecido) – Chega!

COLOMBINA (assusta-se) - Mas esta é uma de minhas falas!

ARLEQUIM - Não é mais.

COLOMBINA - Como não? Mas se vamos contar a história de um amor...impossível como


diz!

ARLEQUIM - Mudei de idéia. Quero falar de um amor possível.(olha Colombina).


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COLOMBINA - Então conta-me deste Amor!

ARLEQUIM - Um amor possível está perto, está bem perto.


Música
COLOMBINA (dança) - É noite de carnaval e todo amor é possível! (sorri) Admite meu
amigo Arlequim!(gargalhada)

ARLEQUIM - Do que está rindo agora?

COLOMBINA - Você!

ARLEQUIM - Eu?

COLOMBINA - Esconde um amor! (gargalhada)

ARLEQUIM - E zombas disso!(dirige-se à platéia) Todo aquele que ama está à mercê de
zombarias e é ridicularizado. E amar pode ser uma sentença de morte. Estaremos
condenados?

COLOMBINA - É carnaval!(joga confetes coloridos)

ARLEQUIM - Sim! É dia de esquecer as lamentações! É dia de pular e esquecer os


amores possíveis e impossíveis.

Arlequim e Colombina param um diante do outro, bem próximos.

COLOMBINA - Fala-me dos amores impossíveis.

ARLEQUIM - Fala-me dos amores possíveis.

Música/ recomeçam a dançar com muitos confetes.


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COLOMBINA(parando subitamente) – Eu tive um sonho!

ARLEQUIM - Ai céus! Assim não dá!

COLOMBINA (pega uns adereços em forma de borboletas) – Eu sonhei que viajava nas
asas de uma borboleta. E eu voava e voava... No silêncio.(olha fixamente para o movimento
que faz com os adereços). Sabia que lá em cima só tem silêncio? O silêncio dos ventos que
não venta; do mar sem ondas. Sabia que lá do alto o mar não tem ondas e que a praia não
tem areia? Tudo é água... Mar é calmaria. De repente...

ARLEQUIM - Você acorda!

COLOMBINA - ... o sol! Ele não é quente. Lá em cima, é somente luz.

ARLEQUIM - Me diga uma coisa: em que momento você acorda pra gente continuar o
ensaio?

COLOMBINA (aborrecida) – Acabo de acordar. E quer saber do que mais? Não vou
ensaiar. Chega. Todo dia é a mesma coisa. Meia dúzia de gatos pingados pra nos assistir.

ARLEQUIM - Como assim? Isso não importa. Somos artistas e nos apresentaremos para
um ou para um milhão! Quando veio comigo sabia disso.

COLOMBINA - Quando eu vim com você não! Porque eu me uni a uma companhia,
éramos uma companhia de teatro, éramos seis! Mas você foi estragando tudo com esse seu
mau humor e seu ciúme! Sim! Eu ainda quero entender que ciúme besta é esse! Ninguém
mais agüentava as apresentações medíocres que fazíamos por causa do seu mau humor,
sim!

ARLEQUIM - Mau humor? Amor!


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COLOMBINA - Claro... O seu amor impossível, não é?(grita) Eu vou beber água (afasta-
se).

ARLEQUIM (fala consigo mesmo) - Tonta. Você é o meu amor e meu humor, mas às vezes
é meu ódio e meu desamor.(Colombina volta).

COLOMBINA (sorrindo) – É festa! É carnaval!

Música.

ARLEQUIM - Sim, senhores! Senhoras! É festa onde todos podem soltar seus demônios!

COLOMBINA (indignada) - Espera aí... Isso não está no texto. Não esta palavra.

ARLEQUIM - Você disse bem: uma palavra. Que mal faz uma palavra no meio das outras?
Demônio...Que é que tem? Não me irrite Colombina!

COLOMBINA - Uma palavra muda o destino de um povo inteiro, do mundo, mas


principalmente da vida da gente. Se você diz: “imbecil” não está dizendo “gentil”. O peso
das palavras! Uma liga-se a outra para formar idéias, conceitos e aí vem as grandes
mudanças.

ARLEQUIM - Por favor, volte ao texto.

COLOMBINA - Voltando ao texto.(silêncio/ dirige-se a platéia). Vou lhes contar uma


história de carnaval.(Arlequim senta-se e começa a enrolar um cigarro). Uma mulher...dois
homens e uma paixão! Uma ilusão! Ambos a amam, mas ela só ama a um deles. E
dançam...Este percebe a rejeição e o outro está feliz da vida com o seu amor!(gira em torno
de si mesma, sorrindo). Um tem o coração despedaçado e o outro é extremamente feliz!
Um pensa em matar ou morrer; o outro...Em viver! E ela? Ela dança!
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Música.

ARLEQUIM (levanta-se aos pulos/ salta/ brinca com bolas e petecas) – Ele não pense em
matar ou morrer. É carnaval!

COLOMBINA - Ela sabe.

Olham-se fixamente.

ARLEQUIM - Ela sempre sabe. Você acha que as mulheres sempre sabem tudo.

COLOMBINA - Ela senti.

ARLEQUIM - Senti o quê? Que vai morrer?

COLOMBINA - Que vai perder seu amor.

ARLEQUIM - Bodegas! Lá vamos nós de novo.

COLOMBINA - Você me tornou uma prisioneira, Arlequim.

ARLEQUIM - Não está satisfeita? Pois vá embora!

COLOMBINA - Sabe que não tenho mais para onde ir; meus pais não me receberiam de
volta...Não tenho mais ninguém. Era isso que queria?

ARLEQUIM - Você veio porque quis.


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COLOMBINA (dirigindo-se a platéia) – Vamos brincar? (traz algumas crianças da platéia e


faz uma roda em torno de Arlequim/ canta) – “O cravo brigou com a rosa debaixo de uma
jongada; o cravo ficou ferido, a rosa despedaçada. O cravo ficou doente, a rosa foi visitar...
O cravo ficou contente e a rosa volta a cantar... (ela leva de volta as crianças/ Arlequim
começa a aplaudi-la). Eu vim porque queria ser alguém nesta vida!

ARLEQUIM - Bravo! Você é alguém!

COLOMBINA - Pra quem?

ARLEQUIM (andando de um lado para o outro) – Falam de sua beleza pelos quatro cantos.
Por que acha que ainda temos platéia?

COLOMBINA - Uma mulher não é só a beleza que tem.

ARLEQUIM - Uma mulher é só a beleza que tem!

Silêncio profundo.
Música suave.

ARLEQUIM – Olhem pra mim, senhores, senhoras...Sou um palhaço!

COLOMBINA - Você é talentoso.

ARLEQUIM - Um palhaço em todas as suas interpretações possíveis. Você...Olhem pra ela,


senhores, senhoras... Linda! Encantadora. Levaria um homem a um ato de desatino.

COLOMBINA - Do que fala?

ARLEQUIM - Do seu amor possível...distante.


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COLOMBINA - Do que fala?

ARLEQUIM - Do seu amor impossível...distante.

COLOMBINA - Do que fala!!

ARLEQUIM - Ele morreu.

COLOMBINA - Como pode saber?

ARLEQUIM - Eu sei.

COLOMBINA - Ele vem me buscar.

ARLEQUIM (solta uma gargalhada) – Depois de uma festa de carnaval? Tolinha!

COLOMBINA - Sabes mais. Por que diz que ele morreu?

ARLEQUIM - Porque ...porque sim.

COLOMBINA - Sabes.

ARLEQUIM - Disseram por lá...naquela cidadezinha infeliz que mataram ele. Era desse
tipo de homem que gosta da mulher dos outros, principalmente se é carnaval.

COLOMBINA (assustada) – Mataram?

ARLEQUIM - Sim.
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COLOMBINA (triste) - Então por isso não foi ao encontro.

ARLEQUIM - Quando planejava fugir com ele, não foi? Você ia me trair, me deixar
sozinho!

COLOMBINA - Como você poderia saber de tal plano?

ARLEQUIM - Um passarinho me contou.

COLOMBINA - Mentira!

ARLEQUIM - Foi sim. Você mesma diz que os bichos falam.(sorri).

COLOMBINA - Você vivia me espionando, me seguindo. Agora já sei: estás louco!

ARLEQUIM - Sabe como ele morreu?

COLOMBINA - Não me diga.

ARLEQUIM - Pois eu digo! (pega uma faca/ olha pra ela/ a faca dança em suas mãos).
Uma faca como esta foi cravada bem no coração dele.

COLOMBINA - Não...(chorosa)

ARLEQUIM - Sim!! É assim que morrem os traidores!

COLOMBINA - Você matou Pierrô.

ARLEQUIM - Eu? Eu?


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COLOMBINA - Sua loucura o levou a cometer várias coisas desde então.

ARLEQUIM - Vamos ensaiar e esqueça seu amor possível.

COLOMBINA - Confessa!

ARLEQUIM - É festa! É carnaval!

COLOMBINA - Eu sou a sua loucura! Ama-me como amaria uma mulher! Quando sempre
te vi como amigo e irmão!

ARLEQUIM - Você...(aproxima-se) Você é uma desfrutável.

COLOMBINA - O quê?

ARLEQUIM - Que amor possível que nada...Deitaria-se com ele! Isso é coisa de mulher da
vida! Essa sua pose de santa me cansa!

COLOMBINA - Mentiroso! Assassino!

ARLEQUIM - Do que me chamou?

COLOMBINA (grita) - Assassino!

ARLEQUIM - Cala a boca.

COLOMBINA - Me liberta.

ARLEQUIM - Nunca.
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COLOMBINA - Por Deus, me liberta.

ARLEQUIM - Não se aproxime de mim.

COLOMBINA - Me ama tanto que seria incapaz de me tocar...Que amor é esse?

ARLEQUIM - Meu amor impossível.

COLOMBINA - Vou embora.

ARLEQUIM - Isso não...(preocupa-se).

COLOMBINA (coloca um lenço em volta do corpo) – Do jeito que vim...sem nada.

ARLEQUIM - Não me deixe.

COLOMBINA - Você enlouqueceu.

ARLEQUIM - Por que te amo.

COLOMBINA - Quem ama liberta.

ARLEQUIM - Pense bem...(nervosamente manuseia a faca).

COLOMBINA - Seu amor não serve pra mim e nem pra você.

ARLEQUIM (grita) – Não vou deixar que vá!


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COLOMBINA - Tente me impedir! (vai de encontro a Arlequim que lhe segura e a faca
entra em seu corpo/ Colombina cai). Colombina... O que fez?(nervoso) Levanta! Isso é uma
ordem! (agacha-se/ a segura em seus braços). Fala... Fala suas asneiras, fala.

COLOMBINA (morrendo) - Morro pela mesma arma que mataste meu amor.

ARLEQUIM - Eu não o matei...Eu não matei não...(chora)

COLOMBINA - O meu amor.......(morre)

ARLEQUIM - Colombina!(grita) Colombina!

Silêncio profundo.

Arlequim a deixa no chão e começa a sorrir, dançar...

ARLEQUIM - Senhoras e senhores! Venham todos! (chora) O espetáculo não pode parar!
(abre os braços).

Música.

FIM
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