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Relacao Empresa e Sindicato 3 PDF
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DOSSIÊ
Adalberto Moreira Cardoso*
O artigo inquire a propalada crise do sindicalismo brasileiro na última década. Analisa algumas dimensões
centrais do ordenamento sindical do país (número de sindicatos existentes, filiação a centrais sindicais,
taxa de filiação sindical, volume de greves, negociação coletiva e outros), e mostra que, apesar da queda
acentuada nas taxas de filiação, a ação sindical tem se mostrado eficiente na negociação coletiva. A imagem
da crise está associada ao ambiente político mais geral, no qual o projeto político da parcela hegemônica do
movimento (a CUT e aliados) e seus partidos (o PT e aliados) estão, hoje, sob fogo cerrado das forças que
se lhes opõem.
Palavras-chave: Sindicalismo. Crise econômica. Crise política. Negociação coletiva. Greves.
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(acrescento eu) entre os trabalhadores rurais da representação sindical, tema que será re-
por conta própria e não remunerados. A taxa tomado mais adiante e que considero aspecto
de filiação dos ocupados rurais foi de 25% em central da crise atual.
2013, segundo a mesma fonte, totalizando 3.5 Fonte adicional para o estudo da filiação
milhões de pessoas, ou quase um quarto do to- sindical, agora que a PNAD não mais pergun-
tal de filiados no Brasil. tará sobre isso, é o Cadastro Nacional de Enti-
dades Sindicais (CNES), do Ministé-
rio do Trabalho e Emprego (MTE). O
registro dos sindicatos no CNES é, por
lei, voluntário. Contudo, tornou-se
compulsório, na prática, para os sin-
dicatos que pretendem acesso ao im-
posto sindical, já que decisão do Tri-
bunal Superior do Trabalho (TST) de
2002 atribuiu ao Ministério a tarefa de
“zelar pela unicidade sindical”, pre-
vista na Constituição Federal de 1988
(Cardoso e Lage, 2007). Essa decisão
ocorreu contra o espírito da Consti-
tuição, que prevê liberdade sindical,
As taxas de filiação retratam importan- e teve um motivo pragmático: ao longo de toda
te movimento de esvaziamento do sindicalis- a década de 1990, havia cabido à Justiça do
mo urbano, com crescimento da filiação rural. Trabalho decidir conflitos de jurisdição entre
Essa queda recente coincide com o crescimen- sindicatos em disputa por parcelas da mesma
to estrondoso do número de empregos formais base territorial. Os conflitos foram inúmeros
de má qualidade (Pochman, 2012), e, também, (e continuam), e decorreram da convivência
com o aumento nas taxas de rotatividade (pro- contraditória, na própria Constituição, entre a
cessos que levam, em geral, à piora nos indi- regra da liberdade sindical e a que manteve o
cadores sindicais, tendo em vista a substitui- imposto sindical e a unicidade (um único sin-
ção de trabalhadores mais velhos por jovens dicato para uma mesma categoria numa mes-
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milhões de filiados declarados pelos sindicatos uma das centrais que disputam a lealdade das
estavam bem aquém dos 15 milhões encontra- entidades de base. Com efeito, em 2001, ano
dos pela PNAD em 2013. O número “real” de do último censo sindical do IBGE, apenas 38%
filiados deve estar em algum lugar entre essas dos sindicatos se haviam declarado filiados a
duas cifras, mas não há como decidir por uma uma das centrais então existentes, e destes,
ou por outra. 66% eram filiados à Central Única dos Traba-
Dos 8.1 milhões de filiados que os sin- lhadores (CUT). Já entre os sindicatos ativos
dicatos declararam possuir em 2013, metade de trabalhadores em 2015, 74% eram filiados
estava nos sindicatos de empregados urbanos, a uma das centrais, e dos trabalhadores a eles
e um quinto em sindicatos de servidores públi- filiados, 31,7% estavam na CUT, 10,8% na For-
cos (Tabela 1). Note-se que essas duas catego- ça Sindical, 10,4% na Central dos Trabalhado-
rias filiavam, proporcionalmente, mais do que res e Trabalhadoras do Brasil (CTB), 10,3% na
as outras (com exceção dos sindicatos de “cate- União Geral dos Trabalhadores (UGT), 7,7%
na Nova Central Sindical dos Trabalhadores
gorias diferenciadas”) vis-à-vis sua participação
no total de sindicatos existentes. Isso fez com (NTSC) e 7,2% na Central dos Sindicatos Bra-
que as entidades dessas duas categorias fossem, sileiros (CSB). Portanto, seis dentre as doze
em média, “maiores” do que as das demais: sin- centrais sindicais existentes tinham 7% ou
dicatos de empregados filiavam, em média, 936 mais dos trabalhadores filiados, limite legal
pessoas, e de servidores públicos, 1.024. exigido para acesso ao imposto sindical.
As médias, pois, são muito baixas em to- A disputa pelo imposto tornou o ambien-
das as categorias, principalmente se considera- te sindical ainda mais competitivo, com enti-
mos que havia cerca de 2.5 mil sindicatos esta- dades mudando de mãos em eleições concor-
duais em 2013. Estes tinham, em média, pouco ridas, fruto da competição entre as instituições
mais de mil filiados. Havia, também, dezenas de cúpula. Isso sempre ocorreu no país, mas o
de sindicatos interestaduais e quase 50 sindi- expressivo crescimento da Força Sindical até
catos nacionais. Mesmo entre estes últimos, a 2013, saltando de perto de 800 em 2001 para
média de filiados era muito baixa, de menos de mais de 1.600 sindicatos filiados, e o relativo es-
quatro mil trabalhadores. vaziamento da CUT no período, que perdeu en-
tidades para centrais dissidentes
e, também, para a Força Sindi-
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pulas sindicais em grande atividade organizati- e 110 milhões de pessoas viviam em famílias
va. Voltarei ao tema mais adiante. nas quais pelo menos um membro trabalhava
44 horas ou mais por semana. Trabalhar menos
e se aposentar com decência são conquistas ci-
Ação coletiva vilizatórias universalizadas no século XX nos
países mais ricos, mas que permanecem uma
O esvaziamento dos sindicatos estaria promessa no Brasil. E são demandas históricas
afetando sua capacidade para a ação coletiva? de nosso sindicalismo.
Quem participa de congressos sindicais está Do mesmo modo, em 15 de abril de 2015,
acostumado a ouvir lamentações de lideranças a maioria das centrais sindicais, juntamente
descontentes com os rumos do sindicalismo com o Movimento dos Trabalhadores Rurais
no país. O que mais se ouve é “onde estão os Sem Terra (MST), levou novamente mais de
sindicatos, que não fazem mais greves?”. Ou “o 100 mil pessoas às ruas e coordenou greves
sindicalismo não tem mais a importância que em todo o país em protesto contra a votação
teve nos anos 1980, a gente não escuta mais fa- do Projeto de Lei 4330/04, que regulamenta as
lar em greves, mobilizações [...]”. Até que pon- terceirizações no Brasil, liberando-as para toda
to essas impressões têm base nos fatos? e qualquer relação de emprego. O movimento,
No dia 11 de julho de 2013, uma quinta- culminância de intensa mobilização através
feira normal de trabalho, o sindicalismo e ou- da imprensa, das redes sociais e das próprias
tros movimentos sociais levaram mais de 100 organizações, que incluiu abaixo assinados e
mil pessoas às ruas em mais de 100 cidades do protestos no Congresso Nacional, foi conside-
país, pedindo redução de jornada de trabalho rado bem sucedido e massivo pelos meios de
e fim do fator previdenciário, dentre outros te- comunicação.16
mas menos relevantes. São números expressi- No caso de julho de 2013, levar 100 mil
vos, embora eclipsados pelas “jornadas de ju- pessoas às ruas numa quinta-feira normal de
nho”, que tinham levado às ruas um milhão de trabalho não é feito de somenos, embora tenha
pessoas um mês antes. Mas, medir o fracasso sido menosprezado pela grande mídia e tam-
de um movimento pelo sucesso do outro não é bém pela academia. Note-se que os sindicalis-
adequado. A pauta sindical não era a pauta dos tas não foram às ruas para protestar contra o
manifestantes de junho. E, ao contrário do que governo ou o Congresso, como foi o caso dos
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movimento sindical não negou o Congresso dial de jornadas perdidas (Noronha, 1994).
ou a política, como boa parte dos movimentos Os dados do DIEESE apontam, ainda,
de junho. Ao contrário, interpelou o mundo que 75% das greves de 2012 podem ser consi-
da política institucional, visando interferir no deradas vitoriosas,18 já que tiveram as reivin-
conteúdo de sua pauta de prioridades. Movi- dicações atendidas no todo ou em parte, e em
mento, portanto, que reconheceu no Congres- 34% dos casos as negociações prosseguiriam
so lugar legítimo de exercício de poder numa após a greve.19 É fato inconteste que as greves,
democracia representativa. E, mesmo os pro- mesmo quando volumosas, como em 2013, já
testos de 2015 visavam mudar os rumos da não têm o impacto político dos anos de renas-
votação do PL4330/04, pressão que se mostrou cimento do sindicalismo entre nós, mas elas
momentaneamente bem sucedida, já que o não estão ausentes do cenário das lutas sindi-
presidente da casa, Eduardo Cunha, suspen- cais, e não são nem ineficazes nem inexpressi-
deu a sessão ao perceber que não teria os votos vas, como mostram os dados do DIEESE.
necessários à aprovação do projeto.17 Nesse pormenor, não há como discordar
Voltemos às greves. Sempre segundo o de Noronha (2009) quanto ao fato de que o ciclo
DIEESE, a partir de 2007 vem ocorrendo au- de greves dos anos 1980 deve ser tomado como
mento quase contínuo no número de greves no excepcional, já que não há equivalente na his-
país, até atingir a cifra de 1.901 casos em 2013 tória do país. Aqueles foram anos de ressurgi-
(Gráfico 2). A mesma fonte informa que 55% mento do sindicalismo, luta pela democratiza-
das paredes daquele ano tinham ocorrido em ção, construção institucional das centrais sin-
empresas privadas, e 38% na administração dicais e de partidos ligados aos trabalhadores,
pública, sendo 62% delas greves de servidores agitação em torno da Assembleia Constituinte,
municipais. Foi o maior volume de greves em crise do Estado, resultando no vilipêndio dos
22 anos (isto é, desde 1991), e, considerando salários dos servidores públicos, responsáveis
o período coberto pelas estatísticas do DIEE- pela maior parte das jornadas de trabalho per-
SE (1980 em diante), esteve abaixo, apenas, didas etc. A estabilidade democrática e a crise
do momento mais conturbado dos anos 1980 dos anos 1990 provocaram uma queda, seguida
(1987-1990), que fez do Brasil o campeão mun- de estabilização no ímpeto grevista, que, con-
tudo, jamais deixou a cena sindical do
país. O que ele perdeu, e, como mos-
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do autoritarismo. As greves, hoje, têm caráter ao encontrado pelo Censo Sindical do IBGE de
sobretudo instrumental, já que utilizadas como 2001, já mencionado, e, antes, em 1991 (Car-
recurso de poder nas negociações coletivas. E doso, 1999). São valores típicos, portanto. Não
têm sido eficazes nesse aspecto, ao menos em há razão para imaginar que a cifra tenha dimi-
termos salariais. nuído desde então, numa situação de retoma-
De fato, nos anos 1990, as negociações da do ímpeto grevista. O volume de eventos
salariais tinham sido, quase sempre, desfavorá- de negociação é, há décadas, portentoso. Isso
veis aos trabalhadores (Tabela 2), e, mesmo os quer dizer mobilização regular de energias de
sindicatos mais fortes do país, foram obrigados dirigentes sindicais e seus advogados em todo
a negociar perdas de direitos contratuais con- o país, bem como de sindicatos patronais e di-
seguidos ao longo da década anterior (Cardoso, retorias de recursos humanos das empresas,
2003). Desemprego em alta, ameaça de migra- na negociação de acordos e convenções que
ção por parte das empresas, reestruturação pro- regerão a vida dos milhões de trabalhadores
dutiva, flexibilização dos contratos de traba- representados. E isso ocorre mesmo que estes
lho, crescimento da informalidade, desindus- não se deem conta, já que a representação é
trialização dos empregos, tudo isso reduziu, compulsória e as taxas de filiação, baixas. A
e muito, o poder de barganha dos sindicatos, negociação coletiva é ainda mais invisível do
que, ademais, perderam base de sustentação que as greves instrumentais, mas seu exercício
em razão da redução dos empregos formais. regular expõe um aspecto que costuma passar
Nos anos 2000, o cenário mudou subs- despercebido pelos analistas: em 1967, a Lei
tancialmente. Em 2008 foram depositados no brasileira tornou a negociação coletiva obriga-
Ministério do Trabalho 32 mil acordos e con- tória (Silva, 2008), e, enquanto for assim, te-
venções coletivas. Esse número foi equivalente remos sindicatos ativos negociando condições
contratuais para seus representados.
Ressalte-se que as negociações coletivas
no Brasil ocorrem, hoje, num ambiente de au-
tocomposição do conflito de classe, isto é, com
interferência mínima da Justiça do Trabalho
(DIEESE, 2006). Mais do que isso, a interferên-
cia parece ter sido, historicamente, bem me-
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ção delas não ultrapassou 8% do total de ne- os interesses de seus representados junto aos
gociações coletivas, estando, na maioria dos patrões. Nesse âmbito, não há crise sindical vi-
outros anos, bem abaixo dos 4% (consideran- sível. E isso, num ambiente no qual é cada vez
do a média aproximada de 30 mil negociações mais baixa a proporção de trabalhadores que
anuais)20. aderem às suas entidades, expressa pelas taxas
A negociação coletiva entre nós, por- cadentes de filiação sindical.
tanto, é assunto para os próprios interessados,
capital e trabalho. E, uma vez mais, segundo
o DIEESE, desde 2008, 80% ou mais das cate- CRISE DE UM PROJETO POLÍTICO?
gorias negociaram reajustes salariais acima da
inflação, proporção que atingiu quase 95% em A ideia de crise do sindicalismo en-
2012.21 Apesar da queda em 2013, em 2014 a capsula, na verdade, um espírito do tempo. O
cifra voltou a superar os 90%. Desde 2005, a movimento sindical brasileiro teria perdido a
proporção de acordos que superaram a infla- capacidade de nuclear projetos políticos mais
ção esteve sempre acima de 70%, e acima de amplos, de capturar o novo, de mediar os an-
80% na maioria das vezes (Tabela 3). seios emergentes da população trabalhadora
Vistos em conjunto, os dados sobre gre- (como, por exemplo, os expressos nas “jorna-
ves e negociação coletiva sugerem que, embora das de junho” de 2013). Teria, ainda, exaurido
“invisível” (pois não provoca a mesma como- as energias utópicas que animaram revoluções
ção de outros tempos), a ação sindical no Bra- ou processos de reforma ou “humanização” do
sil parece bastante eficaz ali onde os sindicatos capitalismo, tornando-se apenas pragmático,
são convocados cotidianamente para negociar ou instrumental. Mais ainda, não são poucos
os analistas que atribuem a “crise” (que não
está tão visível nos números, mas é percebida
por todos) à cooptação das lideranças mais im-
portantes do movimento pelos governos suces-
sivos do Partido dos Trabalhadores. Concordo
apenas em parte com esses diagnósticos.
Desenvolvi em outro lugar (Cardoso,
2010), um longo argumento sobre a especifi-
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Parte da explicação está, justamente, na mais comum nos sindicatos de servidores pú-
expansão acelerada dos empregos, associada às blicos, que, tradicionalmente, se sustentavam
altas taxas de rotatividade, como mostrou Po- com contribuições voluntárias, já que até 1988
chmann (2012). O mercado de trabalho apre- não podiam existir como sindicatos oficiais.26
sentou, no período, movimentos concomitan- Seja como for, a devolução do imposto ainda é
tes de criação de postos de trabalho, atraindo a exceção, não a regra entre os 11 mil sindica-
novos entrantes, e substituição de trabalhado- tos existentes, e, em geral, favorece apenas os
res há mais tempo nos empregos, através do associados.
aumento da rotatividade. Além disso, os novos Esse poderia ser um estímulo impor-
postos gerados são, em sua maioria, de má qua- tante ao aumento do número de associados,
lidade, com remuneração de dois salários mí- interessados nos recursos compulsoriamente
nimos ou menos em 80% dos casos, e eles tam- descontados de seus salários a cada ano, mas
bém apresentam altas taxas de rotatividade.23 não parece ser o caso, já que a proporção de
Empregos instáveis e mal remunerados não são filiados vem caindo, mesmo com o aumento
bom terreno para a filiação a sindicatos. do número de entidades que devolve o impos-
Esse elemento estrutural tem, sem dú- to. Vale lembrar que este último equivale a um
vida, relevância na explicação da queda na dia de salário por ano, descontado uma única
densidade sindical, mas não explica tudo. Um vez, enquanto a filiação implica o pagamento
segundo aspecto de relevo tem a ver com o re- de mensalidades. Se movidos por cálculo ra-
lativo abandono do projeto de renovação da es- cional, os trabalhadores preferirão o imposto à
trutura sindical, alimentado por várias corren- filiação. Sem falar no paradoxo de que, quanto
tes até os anos 1990, projeto que previa o fim menor o número de associados, menos impos-
do imposto sindical, o que obrigaria os sindi- tos terão de devolver os sindicatos que adotam
catos a buscar se financiar, por exemplo, com como regra estender o benefício apenas aos
a associação voluntária de membros. A CUT, filiados. Por fim, a lei de 2008, que destinou
desde aquela década, orienta seus sindicatos a 10% do imposto às centrais sindicais, ajudou
se sustentar apenas com a contribuição volun- a arrefecer o ânimo das lideranças de cúpula.
tária dos associados, e é crescente o número Embora a CUT oriente seus sindicatos a devol-
de entidades que devolvem o imposto sindi- ver o imposto, ela mesma não o faz.
cal. Os sindicatos de bancários de Curitiba e Outro elemento que ajuda a explicar o
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de São Paulo, por exemplo, devolvem, mas, no pequeno apelo da devolução do imposto jun-
caso de Curitiba, o fazem apenas aos sindica- to à massa das lideranças sindicais é a juris-
lizados.24 É o caso também do Sindicato Na- prudência da Justiça do Trabalho, que julga
cional dos Aeronautas, que decidiu, numa as- inconstitucional a extensão das contribuições
sembleia em abril de 2015, devolver o imposto não previstas em lei (como a contribuição con-
aos associados que solicitarem.25 A prática é federativa ou a contribuição negocial, regular-
23
Isso explica, por exemplo, o paradoxo de termos a maior mente acordadas nas negociações coletivas)
taxa de criação de empregos formais na história recente do
país e, ao mesmo tempo, um aumento sem precedentes na aos membros não associados das categorias.27
concessão do seguro desemprego, o que contribuiu para a
deterioração das contas do Fundo de Amparo ao Trabalha- (acessado em junho de 2015).
dor, responsável pelo pagamento do seguro e também do
abono salarial.
26
A APEOESP, sindicato do professorado paulista, e seu
congênere mineiro, o Sindute, foram pioneiros na devolu-
24
Ver http://www.bancariosdecuritiba.org.br/noticias-in- ção do imposto. A prática está crescendo, também, entre
terna/5/geral/21468/saiba-mais-sobre-a-devolucao-do-im- os sindicatos de metalúrgicos (ABC, São José dos Campos,
posto-sindical-2015 para os bancários de Curitiba, e http:// Taubaté, Limeira, Campinas, Santo André e outros, nem
cut.org.br/noticias/bancarios-de-sp-podem-solicitar-devo- todos filiados à CUT, que defende programaticamente a
lucao-do-imposto-sindical-a-partir-do-dia-22-fb7a/, para o devolução).
caso dos de São Paulo (acessados em junho de 2015). 27
Ver a Orientação Jurisprudencial SDC nº 017, do Tribu-
25
Ver http://www.aeronautas.org.br/assembleia-aprova- nal Superior do Trabalho (TST) em http://www.jurisway.
devolucao-da-contribuicao-sindical-saiba-como-proceder/ org.br/v2/sumula.asp?pagina=11&idarea=1&idmode-
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A JT considera a extensão automática dessas te, à gestão do Estado, sempre que forças polí-
contribuições contrária à liberdade de associa- ticas ligadas aos sindicatos chegarem ao poder,
ção a sindicatos. Isso torna os sindicatos com nas várias instâncias federativas. Logo, dificil-
poucos associados ainda mais dependentes do mente será mudada ou combatida pelas forças
imposto, que acaba sendo sua principal fonte hoje no comando do governo federal, mesmo
de renda. E mesmo esse incentivo seletivo ao que a CUT seja programaticamente contra o
aumento do número de associados (aos quais imposto e oriente seus filiados a devolvê-lo.
se aplicariam as contribuições negociadas em Esse ordenamento favorece a continui-
convenção coletiva) não tem sido suficiente. O dade da fragmentação da representação sindi-
número de associados vem caindo, como vi- cal na base, com criação de novos sindicatos,
mos, e, se o cenário de 1996 a 1998 se repetir, aliada ao crescimento concomitante das cen-
com aumento do desemprego em razão da cri- trais sindicais. A imagem destas como gigantes
se econômica, tende a cair mais. com pés de barro é, hoje, mais do que prová-
Tudo isso sugere que os sindicatos deve- vel. É um fato. Dez por cento do imposto sin-
riam tentar atrair adeptos em outras bases que dical é, hoje, dividido entre seis centrais sindi-
não o cálculo racional relacionado aos custos cais,28 enquanto 60% é dividido entre quase 11
monetários da filiação. A história do sindica- mil sindicatos. Em 2014, a CTB, por exemplo,
lismo oferece como alternativa mais comum tinha não mais que 750 mil trabalhadores filia-
a construção de solidariedade e identidade de dos aos 680 sindicatos que representava, mas
categoria ou classe. Mas a dificuldade parece tinha direito a 9,3% do imposto destinado às
estar justamente nisso: construir uma prática centrais, ou perto de R$12 milhões. Valor su-
sindical com apelo à solidariedade e à partici- perior ao que partidos como PV, PPS, PCdoB
pação, que leve os trabalhadores a se sentirem ou PSOL receberam do fundo partidário no
representados por suas entidades de classe ao mesmo ano.29 A CUT, com seus 2.8 milhões
ponto de se cotizarem para sustentá-las. de trabalhadores filiados aos 2.2 mil sindica-
É possível identificar, nas múltiplas fa- tos que representava, recebeu mais de R$55
ces do ordenamento sindical, elementos que equivalente ao que os maiores partidos, PT e
conspiram contra esse objetivo. Em primeiro PMDB, receberam do fundo partidário no mes-
lugar, já se disse que a negociação coletiva é mo ano.30
obrigatória no Brasil desde a reforma trabalhis- De posse de fonte segura de recursos de
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acedeu à elite das que têm direito ao imposto dicatos menores, mas em maior número), que
por meio da adesão de novos sindicatos e do au- enfraquece a representação de base, ao passo
mento da taxa de filiação sindical nas entidades em que fortalece os organismos de cúpula. E
existentes. Em 2013, por exemplo, a média de são estes que têm assento nos mecanismos de-
filiados era de 667 pessoas nos 363 sindicatos cisórios criados pela Constituição de 1988, e
representados pela CSB, subindo a 1039 traba- são eles que falam em nome dos trabalhadores
lhadores em 2014, filiados em 423 sindicatos. na esfera pública.
CUT, Força Sindical e NCST perderam sindica-
tos para a nova central fundada em 2008.31
O mais curioso é que, mesmo havendo O projeto político
estímulo para a luta por adeptos por parte dos
sindicatos de base, já que esse é o critério usa- Parte da dificuldade de os sindicatos re-
do pelo MTE para ratear os 10% do imposto construírem a solidariedade necessária à atra-
sindical, com exceção da CSB, as centrais não ção de adeptos em bases mais duradoras de-
vêm conseguindo aumentar a média de traba- corre, também, da perda de confiança nas ins-
lhadores filiados. Ou seja, a competição entre tituições brasileiras em geral e nos sindicatos
elas está ocorrendo, mesmo num ambiente de em particular. Em 1990, logo depois das elei-
baixa filiação sindical, que, ademais, não é ne- ções presidenciais que quase levaram Lula ao
cessária para que a estrutura que reproduz as poder, o IBOPE entrevistou 3.6 mil eleitores,
lideranças de base sobreviva e prospere. É pos- e, dentre as perguntas do questionário, estava
sível haver sindicatos com muito poucos filia- o grau de confiança nas instituições. No caso
dos, que negociam coletivamente em nome das dos sindicatos, 56% dos eleitores declararam
bases que legalmente representam e alimen- ter muita ou alguma confiança, ficando abaixo
tam o sistema como um todo com lideranças apenas da Igreja Católica (82%) e do Supremo
e militantes. Logo, é interesse dos sindicalistas Tribunal Federal (62%).32
de base manter a filiação baixa, para, com isso, A partir de 2009, o mesmo IBOPE pas-
ter mais controle sobre as eleições e sobre os sou a divulgar um Índice de Confiança Social,33
mecanismos de reprodução de seu poder. composto da confiança declarada em várias
É evidente o risco de oligarquização instituições, dentre elas os sindicatos. Embora
crescente do movimento, por meio do con- as metodologias de 1990 e as mais recentes não
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trole, cada vez maior, pelas ricas centrais sin- sejam comparáveis, a pesquisa revela que, em
dicais, desses mecanismos de reprodução de 2009, num índice que variava de 0 (nenhuma
quadros. De posse de recursos financeiros confiança) a 100 (muita confiança), os sindi-
polpudos, elas tendem a ser força importante catos atingiram 46 pontos, ocupando o quarto
nas eleições sindicais, disputando, de forma lugar entre os menores índices, acima apenas
renhida, as direções dos sindicatos existentes dos partidos políticos, do Congresso Nacional
e forçando a criação de novos sindicatos, ali e do sistema público de saúde, e bem distante
onde não consigam vencer uma central rival. do Corpo de Bombeiros, instituição mais con-
As baixas taxas de filiação são a forma mais fiável, com 88 pontos.34 Em 2013, última data
segura de controlar as eleições, ou de restringi-
32
Dados tabulados para este estudo a partir do banco ori-
-las a eleitores confiáveis, com isso reduzindo ginal arquivado no CESOP/UNICAMP.
o risco de perda das entidades, cujo controle 33
Disponível em http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/
garante acesso ao imposto sindical. Fecha-se, Paginas/Cai-a-confianca-dos-brasileiros-nas-instituicoes-.
aspx (acessado em junho de 2015).
com isso, um círculo de interesses investidos, 34
O índice é composto da média de quatro possibilidades de res-
cuja consequência é maior fragmentação (sin- posta, padronizadas para variar entre 0 e 100. Quem diz ter muita
confiança na instituição recebe o valor 100, alguma confiança 66,
31
A fonte é sempre os microdados do CNES. quase nenhuma confiança 33, e nenhuma confiança 0 (zero).
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as forças que hoje dominam o Congresso Na- chance de ter papel relevante na renovação do
cional têm conseguido aprovar leis que redu- que chamei, aqui, de espírito do tempo, que,
zem direitos trabalhistas, como é o caso do parafraseando Karl Manheim (1928), deve ser
PL4330/04, falar em reforma da legislação sin- entendido como a matriz hegemônica de inter-
dical (por exemplo, para acabar com o imposto pretação do estado atual de coisas na ordem
sindical) parece ainda mais temerário. social, ou sua enteléquia.
Porém, e em segundo lugar, a manuten-
ção da estrutura sindical, com sua contradição
Recebido para publicação em 11 de junho de 2015
entre liberdade formal e múltiplas e crescentes Aceito em 05 de agosto de 2015
restrições à autonomia sindical por parte do
Ministério do Trabalho, vem criando vetores
de oligarquização do movimento. A configu- REFERÊNCIAS
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dos partidos feita mais acima visa, apenas, BOITO JR., Armando; Marcelino, Paula. O sindicalismo
deixou a crise para trás? Um novo ciclo de greves na
chamar a atenção para a enorme atratividade década de 2000. Caderno CRH, Bahia, v. 23, n. 59, p. 323-
das regras atuais que, repito, são um estímu- 338. 2010.
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brasileiro. Rio de Janeiro, FGV. 2013.
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22-30. 2013b.
crédito da maioria da população em relação
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O Brasil pós-junho de 2013 é um país no qual _______; LAGE, Telma. As normas e os fatos. Desenho e
efetividade das instituições de regulação do mercado de
todas as dimensões da vida foram politizadas. trabalho no Brasil. Rio de Janeiro, FGV. 2007.
Tudo é objeto de questionamento, mobiliza- CASTELS, Manuel. Redes de indignação e esperança. Rio
de Janeiro, Zahar. 2013.
ção, organização, e nem todas as instituições
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nas negociações coletivas, mas terá perdido a
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509
DIMENSÕES DA CRISE DO SINDICALISMO BRASILEIRO
The article inquires on the alleged crisis of the Cet article présente une enquête faite sur la crise
Brazilian trade unionism in the last decade. généralisée des dix dernières années du syndicalisme
Analyzes some central dimensions of the union brésilien. Il analyse quelques dimensions clés
dynamics in the country (number of trade unions, de l’organisation syndicale du pays (nombre de
membership in central federations, union density, syndicats, adhésion à des fédérations syndicales,
volume of strikes, collective bargaining and others), taux d’adhésion syndicale, quantité de grèves, les
and shows that in spite of the sharp drop in union négociations collectives et autres) et démontre que
density, union actions have proven effective in malgré une baisse considérable du taux d’adhésion,
collective bargaining. The picture of crisis is linked l’action syndicale s’est montrée efficiente dans
to the overall political environment in which the les négociations collectives. L’image de la crise
political project of the movement’s hegemonic est associée à l’ambiance politique générale dans
portion (the CUT and allies) and its parties (the PT laquelle le projet politique de la partie hégémonique
and its allies) are today under fire from the forces du mouvement (la CUT et ses alliés) et ses partis (o
that oppose them. PT et ses alliés) sont aujourd’hui dans le collimateur
des forces qui s’opposent à eux.
Keywords: Trade unionism. Economic crisis. Mots-clés: Syndicalisme. Crise économique. Crise
Political crisis. Collective bargaining. Strikes politique. Négociation collective. Grèves.
Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 75, p. 493-510, Set./Dez. 2015
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