Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ALVES, Marco Antônio Sousa. A importância da retórica para o direito: para uma justificação razoável das
decisões. Monografia de final de curso (Graduação em Direito) – Orientadora: Miracy Barbosa de Souza Gustin.
Belo Horizonte: UFMG, 2001. 112p. Disponível em: http://ufmg.academia.edu/MarcoAntonioSousaAlves/
Papers/1231080/A_importancia_da_retorica_para_o_direito_para_uma_justificacao_razoavel_das_decisoes.
Acesso em: [data de acesso]
Contato: marcofilosofia@ufmg.br
BELO HORIZONTE
2001
1
Monografia defendida e aprovada, aos 27 de novembro de 2001,
_____________________________________________________
__________________________________________________________________________
_______________________________________________________________
2
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO -------------------------------------------------------------------------------- 5
3
5. RETÓRICA NO DIREITO: ACEITABILIDADE RACIONAL ---------------------- 70
5.1. Tendências anti-retóricas: positivismo de Kelsen ------------------------- 73
5.2. Aspectos do direito ------------------------------------------------------------- 75
5.2.1. Lógica jurídica X lógica formal ---------------------------------------------------- 75
5.2.2. A prova jurídica: presunções e ficções ------------------------------------------- 79
5.2.3. O uso de noções confusas ---------------------------------------------------- 81
5.2.4. Um direito mais democrático: aceitabilidade X obediência --------------- 87
5.3. Racionalidade jurídica: tendências contemporâneas ----------------- 90
5.3.1. Dworkin ------------------------------------------------------------------------------ 91
5.3.2. Alexy --------------------------------------------------------------------------------------- 93
5.3.3. Habermas ------------------------------------------------------------------------------ 97
5.4. A razoabilidade -------------------------------------------------------------------- 100
5.4.1. Aulis Aarnio: o racional como razoável ----------------------------------------- 101
5.4.2. Perelman: o razoável e o desarrazoado em direito ------------------------ 106
6. CONCLUSÃO ----------------------------------------------------------------------------- 109
7. BIBLIOGRAFIA --------------------------------------------------------------------------- 112
4
1. INTRODUÇÃO
A inquietação que deu origem a essa pesquisa pode ser resumida pela
argumentativa. O direito é visto como uma busca dialética de uma boa solução ao
se que soluções não arbitrárias aos problemas do direito não serão encontradas se
5
uma possível "racionalidade jurídica". No campo da argumentação jurídica, entra-
se no debate acerca da razoabilidade. Uma vez que para ser racional não é
pretende aqui elaborar uma teoria geral da retórica. Tal opção se dá basicamente
por dois motivos. Primeiro, porque ampliaria demais o objeto e exigiria uma
seu elaborador. Em segundo lugar, e este é o principal motivo, porque não acredito
que seja possível uma teoria geral da retórica. Prefere-se, como fazem Reboul,
comum a todas elas, uma espécie de essência retórica, seria uma ilusão. Ao
6
contrário, busca-se ressaltar alguns elementos que, antes de constituírem a
alguns de seus pontos de partida, sendo eles a distinção entre retórica filosófica e
de auditório.
duas frentes podem ser definidas como: "uma (derivada de Perelman), que vê na
retórica "uma arma da dialética"; e outra (...) que nela vê "um instrumento da
7
inventar, que constitui um todo mais amplo, sendo um estudo preliminar à filosofia,
Ainda que nem sempre seja fácil distinguir os dois aspectos, é importante
algo, mas que visa a compreender. A persuasão leva o homem a crer em algo
Todo homem crê num conjunto de fatos e verdades como válidos para todo ser
racional. Perelman pergunta se essa pretensão a uma validade absoluta para todo
8
Num primeiro momento, Perelman chama de persuasiva a argumentação
que vale para um auditório particular e de convincente aquela que busca a adesão
de todo ser racional (1970:36). Ele reconhece que a nuança é muito delicada e
vontade tinha contornos precisos, irredutíveis entre si, a distinção entre diversos
auditórios é muito mais incerta, assim como a da representação que o orador faz
de uma argumentação?
Uma vez que não dispomos de um ponto de vista privilegiado, divino, que sirva de
critério evidente para a racionalidade, devemos ver o racional como algo que
qualidade divina que este possua, mas unicamente pelo fato de que, em tal prática,
tudo pode ser colocado em questão. A filosofia é racional não porque tenha um
9
imune à revisão. O importante passa a ser determinar a qualidade do auditório ao
lado lógico e o estilístico da retórica, pode-se distinguir duas vertentes nos estudos
que é aquele relacionado ao estudo dos meios de prova utilizados para se obter
uma adesão.
arbítrio, da mera vontade que se impõe, também não temos necessidade de troca
de opiniões, uma vez que a simples violência não precisa justificar-se, ela não abre
10
A variedade de posicionamentos filosóficos dogmáticos coloca em relevo a
questão da evidência. Será que essa diafonia pode chegar a um termo utilizando-
filosofia que não se torne ciência evidente, que se resuma à mera opinião, não
maneira oposta, afirmando ser ela o "estudo sistemático das noções confusas"
pôr fim às disputas filosóficas recorrendo ao cálculo é totalmente jogado por terra.
"pensamento retórico, nem objetivo nem descritivo, mas antes persuasivo, cuja
11
marco nesses estudos e caracteriza-se pela ruptura com a concepção cartesiana
mas a opinião daqueles aos quais ele se dirige. O auditório tem assim o papel de
digna do filósofo, que seria aquela capaz de convencer os próprios deuses (273e).
Verdade, é preciso ser verossímil. Para realizar a retórica filosófica, Platão altera a
prova indiscutível não pode ser fornecida, e recusa submetê-la a uma livre
12
Da mesma maneira funciona o cético. Este, ao exigir uma prova constringente,
raciocinar do filósofo é antes a justificação, uma refutação das objeções que uma
pluralismo filosófico pede uma atitude de tolerância e de diálogo. Tal como o juiz, o
filósofo deve ouvir pontos de vista opostos para decidir-se. Sua função não é
uma espécie de visão divina das coisas. Dentre nossas opiniões e crenças, esses
1
Cf. Perelman, 1970:82-83. Perelman é aida mais contundente, utilizando ao invés de dogmático o termo
fanatique.
13
filósofos buscariam a rocha sólida, o fundamento inabalável de seu sistema
humanas, sabendo que é ilusório supor uma ordem apenas racional, que nunca
jurídico não são consideradas como evidentes, mas também não são arbitrárias,
pois encontram em seu contexto social, político e histórico razões que as explicam
filosófica, não houve lugar para a decisão, pois diante da verdade não cabe
com evidência.
14
2.3. Retórica X Lógica
estudo das provas. Tal noção na retórica sofre um alargamento, sendo incluído
aquilo que para a lógica formal seria tido como "pseudoprovas" ou ainda "falsas
interessa sobretudo pela adesão e, ao contrário da lógica, "uma vez que visa a
lógicas, fazendo com que a própria lógica deixasse de ser filosófica para
transformar-se numa ciência rigorosa. Tal vertente da lógica formal analisada sob o
15
Afirmava-se que a lógica é uma ciência formal por definição e, sendo assim, falar
objeto de estudo dos Tópicos. O Organon aristotélico tem assim um estudo das
provas muito mais abrangente e rico do que a tradição lógica preservou dele.
nem arbitrárias. Ela não se resume ao argumento lógico nem à sugestão pura e
dedução lógica.
aceito, na retórica tudo pode ser questionado, a adesão sempre pode ser retirada.
16
a desqualificação do interlocutor. Essa distinção coloca a retórica frente a um
problema ausente na lógica, pois a retórica, por não ser coerciva, precisa dar-se
no qual se baseia. Sempre se acreditou que a polissemia dos termos eram defeitos
manejada, qual é o seu papel e o seu alcance, procurando mostrar que aquelas
passa a ser vista como eficácia. Mas a eficácia tomada como único critério não
Apesar disso, a retórica não buscará em um critério absoluto a solução para esse
Viehweg e Toulmin.
17
Para Viehweg (1991), não há divisão entre argumentação dialética, objeto
lógica vista como techné e a lógica como episteme (scientia). A técnica lógica
eqüivale a uma teoria operativa, uma techné retórica tal como concebeu Górgias,
como episteme, como uma ciência formal que reflete o mundo, sendo válida
racional é mais amplo que o da lógica formal. Para dar conta desse aspecto
Aristóteles. Ele procura conciliar esses pontos de vista e afirma no âmbito jurídico
que a teoria retórica seria um acréscimo à teoria pura do direito de Kelsen, uma
18
direito, as dogmatizações são indispensáveis. A zetética é, por excelência,
Para Toulmin (1964), a lógica é algo que tem relação com a maneira como
lógica para a prática lógica (working logic). Sua crítica é ainda mais radical que a
primeiro, ela parte de argumentos infreqüentes na prática e, segundo, ela não leva
19
lógica formal, Toulmin não se interessa pelo estudo do argumento como um
vez que na vida prática a passagem para a conclusão não é necessária, mas se dá
2.4. Auditório
opinião daqueles aos quais se dirige. O auditório tem assim o papel de determinar
32).
20
espécies de auditórios considerados como privilegiados: o sujeito ele mesmo, o
normais" (1970:39).
Viehweg, por exemplo, entende que mesmo sem essa ampliação, a noção de
convincente, ou seja, eficaz para todo ser racional. Dificilmente se poderá eximir tal
reconhecidas por todo ser de razão, a quem elas deveriam se impor pela sua
21
evidência. Assim, a verdade, a razão e a evidência permitiam dispensar a adesão
elaborar uma teoria que desse conta desse aspecto verossímil do direito, que
recebeu o nome de retórica. A retórica teórica teve assim sua origem na prática
judiciária na Sicília por volta de 465 a.C. Nessa época, houve na Sicília inúmeros
processos de propriedade, uma vez que tais direitos eram ainda bastante obscuros
júris populares, onde o importante era ser eloqüente para persuadir. Tal eloquência
2
Para este breve estudo histórico, as principais fontes foram: Plebe (1978), Barthes (1975), Reboul (1998),
Cassin (1986), Tordesillas (1986), Dixsaut (1986), Plebe & Emanuele (1992), Perelman (1997), além dos
diálogos platônicos e textos aristotélicos.
22
foram Empédocles, Córax e Tísias, que afirmavam ser capazes de persuadir
que lhe permite fazer-se valer e impor-se. Privado da realidade objetiva, o discurso
humano (logos) fica sem referente e não tem outro critério senão o próprio
mas sim dominar através da palavra. Ela distancia-se do saber para degenerar-se
num poder.
Protágoras pode ser considerado o pai da retórica prática, enquanto Górgias foi o
sobretudo com o estudo da eficácia do logos, tanto na prosa (discurso sem metro)
Górgias estuda essa arte como criadora de crenças e não de ensinamentos. Seu
3
Segundo Tordesillas: "En rhétorique, le kairós est le principe qui gouverne le choix d´une argumentation, les
moyens utilisés pour prouver et, plus particulièrement , le style adopté. (...) L'examen des diverses
représentation de la notion de kairós et l'analyse des occurrences du terme convergent pour dégager une notion
qui lie le temps, la circonstance, le degré, la proportion et la mesure" (1986:33-34).
23
uma argumentação deve ser estudado dentro de um contexto de opiniões (doxa), e
se estiver a serviço de uma causa honesta e nobre. Dessa forma, ele procura
justiça e da verdade, depende, em cada caso, da doxa, sendo assim uma espécie
sofistas, ele se diz "filósofo" e anti-sofista. Isócrates era discípulo tanto de Górgias
como de Sócrates e seu pensamento reflete essa posição intermediária. Ele estava
convencido de que o homem não pode conhecer as coisas como são, assim busca
integrar a filosofia na arte do discurso, sendo ela para a alma o que a ginástica é
4
Para Dixsaut, "La détermination de la pensée comme bon sens suffit à elle seule pour exclure Isocrate de
l'histoire de la philosophie" (1986:68). Ele afirma mais adiante que "grâce à Nietzsche nous pouvons entendre
la philosophie d'Isocrate autrement que comme un sens commun" (1986:85).
5
" Ceux qu'Isocrate nomme "sophistes" sont tous ceux qui participent à cette entreprise de démembrement,
d'autonomisation des champs. De la dissociation naît la démesure, c'est-à-dire l'autonomie des fins. Commence
alors l'histoire de la connaissance pour la connaissance, du pouvoir pour le pouvoir, de la parole pour la parole,
de l'art pour l'art... Isocrate, ce Grec des Grecs, n'assigne au savoir d'autre fin que la vie. (...) Tel est le point
central à partir duquel nous pouvons à la fois comprendre pourquoi nous ne comprenons plus Isocrate,
pourquoi ses textes sont devenus pour nous inclassables et décevants. (Dixsaut, 1986:75).
24
Tais concepções fizeram de Isócrates alvo de vários ataques de Platão.
Aliás, no diálogo Górgias, parece que o grande visado era ele e não o próprio
(episteme) de Platão, que se opõe a retórica (doxa), ainda está para ser feita e
estará sempre, pois o homem poderá chegar apenas a opiniões mais ou menos
justas. Apesar de afirmar que a ciência (episteme) pertence apenas aos deuses,
retórica. Quanto ao seu mestre, Sócrates, sua relação com a retórica é também
dúbia, devido sobretudo ao fato de não ter deixado nada escrito. O "verdadeiro
Plebe, entendo que Sócrates tenha professado com grande êxito a técnica
25
desprezo pela arte retórica. Aliás, a retórica não seria nem ciência nem uma
verdadeira arte, mas apenas uma habilidade prática (465a). A retórica não tem
a retórica.
está antecipada aqui. Plebe, por exemplo, chega a afirmar que: "Platão não tinha
transparece um vivo interesse e até uma certa atração por essa arte por ele tão
Platão observa que não basta estar na verdade, mas é também preciso conduzir o
seu interlocutor para a verdade6. Para tal, faz-se necessário uma retórica que, ao
contrário do demagogo, visará sempre a verdade (260e). É claro que não se trata
6
Segundo Brisson, "La connaissance du vrai, pour l'être humain du moins, n'est pas immédiate. Elle exige
l'application d'une méthode: la dialectique" (2000:137).
26
com a verdade, chamada de logosofia. Mas a retórica pode também servir ao
método dialético, que é o método da verdadeira filosofia7. Tal retórica não buscaria
a adesão das multidões mas dos próprios deuses8. Platão classifica tal retórica de
psicagogia (formação das almas pela palavra), que busca a condução das almas
para a verdade (261a). Essa retórica está assim comprometida com a verdade e
definida como a "faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser
Contudo, Aristóteles celebra a utilidade da retórica e não o seu poder. Ainda que
possa ser usada desonestamente, tal não subtrai o seu valor. O estagirita dá uma
mas o seu poder de defender-se. É preciso ser capaz de defender tão bem o
contra como o pró não para torná-los equivalentes, mas para compreender o
o verdadeiro e o justo são por natureza mais fortes que seus contrários.
7
Para Brisson, "Platon refuse ainsi à la rhétorique son autonomie: elle dépend d'une autre technique, la
dialectique, qui s'efforce d'atteindre au vrai dont dépend le vraisemblable" (2000:138).
8
Segundo Diès, "... le but n'en est pas d'apprendre à dire et à faire ce qui plaît aux hommes, mais d'apprendre à
dire et à faire, autant que possible, ce qui plaît aux dieux" (1927:424).
27
divino, etéreo, com movimentos necessários, portanto calculáveis e previsíveis; e o
aberto à ação humana, onde é impossível uma ciência perfeita, havendo apenas o
episteme e a doxa, ele não coloca a retórica num plano inferior, como a prova do
possível.
Seu ponto de partida não é a certeza, mas antes o problema. O raciocínio dialético
opiniões. Sua função é ordenar o mundo das opiniões. Enquanto a lógica realiza
rigor das premissas lógicas e apresentam grau de certeza variável. De cada uma
28
dessas premissas deriva um tipo diferente de entimema: o entimema apodíctico9, o
por todos, ou pela maioria, ou pelos sábios, e, entre estes últimos, pelos mais
notáveis e pelos mais ilustres” (Tópicos, liv.I, cap.1, 100b), sendo a erística uma
são prováveis, mas que na realidade não são. O raciocínio dialético, tal como foi
interesse especial para o direito será o de topoi. Os topoi são lugares de onde se
versam sobre tudo e formam silogismos tanto a respeito da justiça, da física como
9
Tal entimema é o indício certo, que não pode ser de outra forma. Ele se aproxima do silogismo científico,
embora se baseie apenas numa universalidade de experiência. (ver Barthes, 1975:191-192)
10
A indução é as vezes oposta ao entimema e noutras tido como uma de suas sub-espécies. (ver Plebe,
1978:45)
11
A certeza de tal entimema está na idéia de geral que, ao contrário do universal, é não-necessário e
determinado pela opinião do maior número. (ver Barthes, 1975:192-193)
12
O sinal é um indício mais ambíguo, muito incerto. De tão incerto, Quintiliano o exclui da técnica do orador.
(ver Barthes, 1975:193)
29
Aristóteles ela se transforma em método, que nos deixa em condição de fornecer
com o "falar bem", que significava o mesmo que dizer a verdade. A retórica era
além de uma arte uma ciência, ou seja, exatamente o oposto que Platão afirmou
apontado como um dos mais importantes retóricos da antigüidade. Ele institui uma
que visa o justo. Hermágoras divide o gênero legal em quatro subgrupos: quando a
letra da lei não concorda com seu espírito, quando temos leis contrárias, quando
13
O papel farmecêutico dado à linguagem refere-se a seu poder similar ao de uma droga, um phármakon, que
tanto pode ser o remédio que cura como o veneno que mata. No caso do discurso, tal tem a propriedade de
conduzir tanto para a verdade como para o erro. (ver Derrida, 1997)
14
No original: "Cette inversion sophistique/philosophie, et la victoire sophistique, s'est opérée sur le terrain de
la rhétorique et non de la philosophie par une insistance sur le "parler à" au détriment du "parler de", par
l'accent mis dès l'origine sur le rôle pharmaceutique du langage".
30
temos ambigüidade e, por fim, quando tem-se o silogismo. Esses quatro subgrupos
entre a retórica e a filosofia. Não é possível ser bom orador sem a filosofia e nem
profissional e pela vocação à grande cultura. Segundo Plebe, "pode dizer-se que,
crise. Ainda virá Quintiliano, um retor oficial de grande fama, que assume posição
um pouco depois Tácito, que via uma contradição no fato da retórica ser ensinada
no Império Romano, onde não havia democracia e, portanto, as decisões não eram
retórica se diluirá num sincretismo. Contudo, tal crise não significou a morte da
31
3.5. A retórica na modernidade
teria dado origem às ciências humanas. Seu recuo foi inversamente proporcional
antropologia.
grande descrédito em relação à retórica. Tal evidência, segundo Barthes, toma três
15
Perelman também utiliza essa distinção, dizendo: "o critério de evidência, fosse a evidência pessoal do
protestantismo, a evidência racional do cartesianismo ou a evidência sensível dos empiristas, só podia
desqualificar a retórica" (1997:88).
32
evidência racional e sensível no positivismo. Em comparação aos gregos, os
modernos foram muito mais otimistas com relação à prática filosófica. Mesmo
todas essas correntes, o que seria uma empreitada de fôlego. Antes, busca-se
esse campo. Uma nascida em meados do século XX com Perelman e que recebeu
33
Santos e que recebeu o nome de "novíssima retórica" em explícita menção à
proposta perelmaniana.
desnecessária uma longa explicitação dessa teoria, que constitui o fundo mesmo
16
Nesse movimento, iniciado nos anos 60, estão Jean Cohen, o Grupo , Roland Barthes e Gérard Genette.
Eles se preocuparam sobretudo em conhecer os procedimentos da linguagem caracterνsticos da literatura.
34
e) o auditório é um conceito de fundamental importância.
pró ou contra uma dada tese. Para Perelman, parece inaceitável ignorar esses
argumentos a pretexto de que são alheios à lógica formal. O próprio pai da lógica
35
significados lingüísticos. O uso da linguagem tem aqui importância especial, pois
segundo Perelman a filosofia pode lucrar muito abandonando sua tradição anti-
material para a constituição de uma lógica dos juízos de valor, integrados numa
adesão. A argumentação correta é aquela que é eficaz sobre o auditório, tendo por
17
Quanto à importância do modelo jurídico na argumentação filosófica, ver o debate entre Perelman e Ricoeur
(Perelman. 1996:119-122)
36
3.6.2. A novíssima retórica
retórica", insere-se numa rede teórica que incorpora, além da nova retórica de
sociológico.
37
primeira, afirma que a nova retórica é eminentemente técnica, e por isso não
por oradores que visam apenas influenciar e não se consideram eles mesmos
sujeito e objeto. Por fim, em quinto lugar, a nova retórica estaria presa à
sendo algo fixo, mas ao contrário um processo social. Inclui-se nesse estudo
38
sociológica referente à prática argumentativa, devendo-se levar em consideração
participativo e reencantado.
39
Para concluir esse estudo histórico, seria interessante voltar ao debate entre
por faltar esse estudo, Boaventura acaba assumindo uma distinção que do ponto
porque não consegue adjudicar entre esses dois pólos. De um lado, a adesão
retórica filosófica.
Uma vez que o objetivo desse estudo está voltado para a questão da
quer com isso dizer que a "novíssima retórica" errou em todas as suas críticas
40
constituem um campo fértil e que deve ser explorado. Porém, ater-se-á aqui a
cada um sua verdade"). Mas a objeção de que a retórica não está a serviço da
"verdade" repousa sobre uma idéia falaciosa da verdade, na qual seria verdadeiro
explicar o que se tem por racional, verdadeiro e objetivo sem contudo recorrer a
partilhada por todo ser humano. Reboul chega a dizer que "à ilusão infantil opomos
não auxilia em nada a prática filosófica, mas ao contrário procura pensar a filosofia
Tais posturas partem da idéia de que a filosofia desde sempre deve ser analisada
41
necessariamente como uma oscilação entre dois pólos eternos e, independente de
impertinente tal cisão. Nesse sentido, vale lembrar Heidegger que, quando
numa via nova, que não se deixava classificar como antropológica ou subjetiva
novos conceitos e rompe com antigas cisões filosóficas. É claro que existe o risco
de cair-se num relativismo, mas para que tal crítica seja realizada, deve-se
partir de um ponto de vista divino, de alguém que possa julgar todos os auditórios
possíveis sem partir de nenhum. Infelizmente, não dispomos desse ponto de vista
privilegiado, o que nos convida a uma prática filosófica mais tolerante, baseada no
discurso não constringente. Pode-se dizer que os auditórios se julgam uns aos
outros e que procurar julgar a todos os auditórios é querer ser Deus, ou seja, uma
18
No francês: "On peut nommer cela une philosophie ou idéaliste subjectiviste. Mais de telles étiquettes ne
disent rien quant à l'activité philosophique, elles ne sont destinées qu'à faire valoir sans fondement tel ou tel
point de vue, ou encore à le stigmatiser démagogiquement de manière tout aussi arbitraire".
42
estudar a racionalidade sem partir de uma idealização divina da razão e sem
filosófica como atividade mítica e depois avaliar como se deu a passagem para a
origem no culto délfico. Para entender o impulso que deu origem à filosofia, é
19
Esse estudo baseia-se sobretudo em Colli (1996).
20
Apolo simboliza o olho penetrante, seu culto celebra a sabedoria. Contrário a Nietzsche, afirma Colli que "a
esfera do conhecimento e da sabedoria liga-se com muito mais naturalidade a Apolo do que a Dionísio. Falar
de Dionísio como o deus do conhecimento e da verdade, entendidos estritamente como intuições de uma
angústia radical, significa pressupor na Grécia um Schopenhauer que lá não existiu" (1996:13).
43
significou a morte do caráter oracular e divino dos problemas propostos. O debate
labirinto é uma armadilha, uma espécie de confusão geométrica, racional, tal como
autônomo que tem seu lugar na esfera pública. "Essa prática de discussão foi o
44
processo de humanização da razão esta transforma-se num discurso autônomo,
aparece no lugar desse único adversário um auditório, que para ser conquistado
sentido, Górgias vai dizer que não existe mais sábio, mas apenas sofistas,
divina e o sábio é um homem divino. Jamais Sócrates se disse sábio, e seu mérito
"Tudo aquilo que nos diálogos constituíam a diferença da filosofia entrou dentro do
campo da sofia e virou objeto para uma sofia. (...) Depois de Platão, o nome
(filósofo) permanecerá, designando exatamente aquilo que antes dele, num
sentido ou noutro, era chamado sofia"21 (1985:56).
21
No original: "Tout ce qui dans les Dialogues constitue la différence de la philosophia est entré dans le champ
de la sophia, est devenue objet pour une sophia. (...) Après Platon, le nom restera, désignant très exactement ce
qui avant lui, dans un sens ou dans un autre, s'était appelé sophia."
45
Ressalta-se também como importante a passagem da tradição oral para a
expressão escrita. Platão observou bem como a filosofia escrita tinha um caráter
Talvez por isso Platão tenha escrito sob a forma de diálogos, procurando preservar
filosófica constituía algo novo, o chamado "milagre grego", mas que não existia
ter definido de maneira mais clara o estatuto mesmo da filosofia. As forças que
desafiadora.
46
persuasão. Com o oráculo estava a verdade, porém em seu aspecto intuitivo, não
ainda não se colocava claramente, somente após o Fedro que a exigência de uma
"A dialética é a única ciência digna desse nome. Instaurando um uso diferente do
logos, sabendo interrogar e responder, ela sabe também que não há outra
22
No original: "Erôs est à la fois le sorcier, l'enchanteur, l'initiateur aux mystères philosophiques de la vérité,
de l'authenticité et du bonheur. Une fois effectuée la démystification, il faudra avoir recours à de nouveaux
moyens qui vont peut-être transformer l'attitude du philosophe envers la recherche de la vérié."
47
discursivo (dialética). Numa linha tem-se: exaltação religiosa, enigma oracular,
sabedoria e filosofia.
4.2. A dialética
agressivo, tem em mira uma vitória que não é predeterminada: é uma batalha de
tentam castrar-se mutuamente. A dialética não é nem moral nem imoral, mas
apenas um jogo. Como todo jogo, existem regras que devem ser preservadas, e
foram exatamente essas regras que Aristóteles insistiu que diferenciava a dialética
Reboul define a dialética como "um jogo cujo objetivo consiste em provar ou
48
"no uso filosófico, têm-se em mente todas as objeções possíveis, ainda que estas
jamais tenham sido formuladas nem sejam formuláveis. O filósofo está diante de
um adversário que renasce a cada instante, pois está sempre insatisfeito: ele
mesmo" (1998:33).
complicada. Nesse estudo, adota-se a visão partilhada pela maioria dos autores
discussão. O atacante tem uma grande vantagem a seu favor, sendo considerado
o perfeito dialético, aquele que lança a flecha e espera o momento em que ela
23
Cf. Perelman (1970,1997), Reboul (1998), Barthes (1975). Contrário a opinião majoritária temos Plebe e
Emanuele (1992), para quem "a dialética se caracteriza essencialmente pela sua natureza colaborativa, e a
colaboração é o oposto da competição. Na dialética, uma determinada tese se contrapõe às outras não, como
na retórica, para vencê-las e afirmar a sua superioridade, mas para, juntas, procurar superar o antagonismo
numa nova visão, que tenha se possível a concordância de todos" (Plebe & Emanuele, 1992:31-32).
49
Atacante: o homem é um animal sensato?
Defensor: Não.
Defensor: Sim.
Defensor: Sim.
elaborar uma lógica dos julgamentos de valor sem partir da lógica moderna (que
50
um auditório e de forma escrita. "A disputatio desapareceu, mas o problema das
como atividade social, que envolve opiniões e que se dirige a um auditório. Para
elaborar um quadro dessas teorias, Toulmin (1976) fez uma distinção entre
51
buscar com rigor matemático as conseqüências que se impunham a partir do
filosófica. O método para bem conduzir a razão confia somente no que é evidente
neopositivismo.
de nossa prática argumentativa, dos nossos usos com sentido da linguagem, seria
possível elaborar uma teoria que desse conta das condições de possibilidade de
entende que devemos, como fizeram Kuhn e o segundo Wittgenstein, voltar nossa
52
Essa classificação, apesar de elucidar bem várias perspectivas
posicionamentos atuais.
questão da racionalidade.
4.3.1. Toulmin
tratado. Toulmin realiza uma crítica radical à lógica formal, dizendo ser ela
24
Para uma análise da filosofia de Toulmin dentro das correntes analíticas e sua comparação com Wittgenstein,
ver Camacho (1995).
53
contrapondo o modelo da geometria ao modelo da jurisprudência. Em sua
várias foram as críticas posteriores dirigidas à sua teoria. Pode-se dizer que ele
não agradou nem aos lógicos nem aos teóricos da argumentação. Habermas
critica sua separação dos âmbitos racionais que é feita segundo critérios
54
noção do argumento válido, que é ao mesmo tempo formal (validade, logical
4.3.2. Apel
25
Sobre essa relação entre Kant, Apel e a semiótica, ver Cortina (1995).
55
encontradas na Comunidade Ideal de Comunicação, que não pode ser negada
contra Wittgenstein. Partindo da teoria dos jogos de linguagem, ele conclui por
todos são mutualmente comunicáveis e onde se pode falar desde o princípio com
possíveis. Para Apel, não é possível negar isso sem que se caia em auto-
56
fundamentação das normas éticas com ajuda das teorias dos speech acts e da
certezas da reflexão podem ser expostas a uma crítica e correção, mas disso não
57
infalíveis, já que se pode mostrar a priori que esta tentativa de crítica e correção
Habermas critica Apel por cair numa forma de pensamento anterior à virada
crítica.
pois:
Tal princípio valia no interior de uma forma de vida, onde é possível duvidar de
mas não se pode duvidar de tudo de uma só vez. O falibilismo sempre se exerce
26
À luz do pensamento perelmaniano, poderíamos classificar Apel de "fanático", pois "le fanatique est celui
qui, adhérant à une thèse contestée, et dont la preuve indiscutable ne peut être fournie, refuse néanmois
d'envisager la possibilité de la soumettre à une libre discussion, et par conséquent refuse les conditions
préalables qui permettraient, sur ce point, l'exercice de l'argumentation" (1970:82).
58
de maneira parcial, em combinações múltiplas. Nega-se a possibilidade de um
certeza, dando valor universal a uma regra local. Não há nada em Apel que
autorize tal salto. Segundo Margutti, "com base na absolutização do jogo da dúvida
argumentação e tal afirmação não implica uma metafísica dogmática, pois não
4.3.3. Habermas
59
contraposição entre neurose e ideologia (Freud) e, por fim, a teoria dos atos de
que não a força das razões e dos argumentos (Gustin, 1999:176). Habermas
ver com o conhecimento como tal do que com o modo como se utiliza o
comunicação.
observa que ele levanta pretensões de validade que podem estar conectadas à
60
(Gustin,1999:170). A racionalidade define-se pela capacidade dos locutores em
metateoria, e não deve ser confundida com a busca, por outros meios, da teoria do
61
porque as estruturas da comunicação devem ser estudadas a partir do aspecto
última e tal ausência é irrelevante. Aqueles que mantêm tal exigência, como Apel,
dos atos de fala, contudo, é bastante restritiva e reducionista, pois não consegue
classificação proposta por Searle e aceita por Habermas, na qual os atos de fala
62
A tentativa de desenvolver uma pragmática universal é muito suspeita, pois,
como diz Rorty, as condições da inquirição científica não são nem inevitáveis, nem
passíveis de serem descobertas por uma reflexão sobre a lógica da inquirição, mas
são apenas fatos sobre os quais uma dada sociedade considera como bom terreno
lingüística (1994:184-185).
assim uma espécie de distinção entre lógica e mera retórica, enquanto deveríamos
validade universal não apenas como útil, mas como indispensável. Contudo, tal
no fato de que nunca haverá tal audiência, mas apenas audiências espacial,
de maneira definitiva. Isso, contudo, não é motivo de resignação pois, a partir daí,
63
extrair-se-á importantes conseqüências para a argumentação, como a exigência de
4.3.4. Rorty
fundamentos, representações que não podem ser contestadas (1979:315). Ele leva
64
Rorty (1979:365-372) introduz a noção de "filósofo edificante" como aquele
que é reativo, que não busca argumentos construídos para a eternidade e que
inadequada. É difícil visualizar até que ponto a objetividade pode ser trocada pela
porque é reconhecido como justificado por nós porque é bom para nós, não há
há razão para aumentar esse auditório, para incluir mais pontos de vista.
apelo à universalidade, tal como Rorty, seria bastante interessante. Nesse sentido,
65
4.3.5. Perelman
razão? Ela se define, a meu ver, pelo recurso ao auditório universal" (1996:137)
idéia de validade transcendental, admitindo que a coisa mais absurda pode passar
por racional, desde que esteja situada num contexto apropriado, e que concorde
contra certas teses. Esse empreendimento de justificação que é a filosofia tem por
aquela dirigida ao auditório universal. Ele não é efetivo, mas uma hipótese que
auditório universal. Perelman entende que essa hipótese pode ser utilizável, pois
66
membros desse auditório, isso depende dos diferentes filósofos das diferentes
épocas. Cada filósofo tem sua linha de pensamento e seus tipos de argumentos
afirmação feita com aquele que a faz. O que temos por "objetivo" eqüivale ao
pretendem se dirigir a um auditório universal (1970:41), que foi descrito por ele
como aquele "constituído por toda humanidade ou ao menos por todos os homens
adultos e normais" (1970:39). Tal auditório não é um fato experimental, mas uma
apenas à Verdade, pode-se caracterizar cada orador pela imagem que forma ele
mesmo do auditório universal, do qual ele busca ganhar a adesão. Assim, cada
67
cultura, cada indivíduo, tem sua própria concepção do auditório universal e o
estudo dessas variações ao longo da história ajudaria a ver o que foi tido pelos
forma, de um ponto de vista exterior, o auditório universal de cada orador pode ser
filósofo de acordo com a concepção que ele tem desse auditório universal"
(1996:143), logo, nada mais coerente do que julgar o próprio Perelman a partir de
fato (1996:137). Como a adesão de todos nunca pode ser alcançada faticamente,
tal acordo é uma questão de direito e não de fato (1970:41). Entretanto, ainda que
(questão de fato), mas faz um discurso que tenta superá-lo, dirigindo-se a outros
27
Alguns autores, como Alexy (1997:163), obscurecem essa diferença e afirmam ser o acordo do auditório
universal em Perelman o mesmo que o consenso alcançado sob condições ideais em Habermas.
68
Uma vez que as questões relativas à objetividade e racionalidade não são
passíveis de serem tratadas eliminando-se esse caráter dual, que oscila entre o
69
"O primeiro deles é a contradição congênita entre ver na retórica uma força
inovadora, mas estudá-la como um procedimento conservador e mentalmente
preguiçoso; o segundo é sua tendência a fazer o mundo da retórica deslizar do
plano lógico-filosófico para o plano meramente sócio-psicológico" (Plebe e
Emanuele, 1992:106).
não é pura invenção e mesmo Plebe e Emanuele são forçados a reconhecer que
primeiro desses planos não está imune às influências do último, o que parece
bastante razoável.
realidade jurídica, não responde às exigências que lhe são apresentadas partindo
unicamente de suas premissas. Uma vez que o Judiciário não pode se abster de
70
decidir um conflito que a ele se apresenta, problemas como as lacunas no direito
positivo ficam a margem de uma resposta racional dentro do sistema atual, que
Dessa forma, uma lógica que saísse dessas estreitas regras formais, e que,
ação que possibilitam dar fim a um conflito. Não se trata assim de aplicar a retórica
no direito como uma técnica que, estando a serviço do advogado visa a vencer
uma causa e estando a serviço do juiz visa sobretudo a fazer coisa julgada. Não se
trata muito menos de simples receitas oratórias, ornamentárias, que visam tornar o
uma outra face, a sua dimensão filosófica, preocupada sobretudo com o estudo
das provas, com tudo aquilo que conduz alguém a pensar algo. Nessa perspectiva,
71
suas formas de argumentação tipicamente retóricas, cumpre agora, após vários
nova racionalidade, procurar-se-á deixar claro que a volta da retórica não constitui
pode ser questionado, bastando que seja retirada a adesão. Já o direito precisa
dar uma resposta definitiva, uma solução a um conflito que faça coisa julgada. A
imposta, mas apenas proposta, enquanto a segunda visa ser suplantada, através
sendo ao mesmo tempo o advogado e seu adversário. Seu Tribunal não está
instituído e nem está em lugar nenhum, mas é antes a sua própria visada
uma terceira parte, o Tribunal. A solução decorre do debate contraditório. Mas será
ela racional? Não será de modo mais próprio apenas mais razoável?
72
Para realizar o estudo da busca da aceitabilidade racional das decisões
analisar alguns aspectos do direito que recebem um novo colorido com a retórica.
razoabilidade.
73
Apesar dessa forte tendência anti-retórica da filosofia ocidental, o
uma ruptura com essa tradição. Kelsen deu valor unicamente a um saber não
"Parece-me que todos os paradoxos da teoria pura do direito, bem como todas as
suas implicações filosóficas, derivam de uma teoria do conhecimento que não
atribui valor senão a um saber incontroverso, inteiramente fundado nos dados da
experiência e na prova demonstrativa, negligenciando totalmente o papel da
argumentação" (1996:476).
"Mas seria preciso, à falta de prova demonstrativa, renunciar a justificar por uma
argumentação igualmente convincente e possível nossas escolhas e decisões,
nossos valores e normas ? E seria preciso, na ambição de constituir uma ciência
do direito e uma teoria pura do direito, considerar como juridicamente arbitrário
tudo o que só pode ser justificado por meio de semelhante argumentação?"
(1996:477).
positivismo jurídico. Viehweg tenta ainda conciliar a teria pura do direito com a
retórica, mas entendo que tal intento não leva a sério todas as conseqüências da
74
“Se uma ciência do direito pressupõe posicionamentos, tais posicionamentos não
serão considerados irracionais, quando puderem ser justificados de uma forma
razoável, graças a uma argumentação cujas força e pertinência reconhecemos”
(1996:480).
que assumem diante da perspectiva retórica. Nessa análise, a fonte principal será
Perelman (1996).
lógica formal, que espelha em grande medida a distinção entre retórica e lógica.
a ser estudado será a presença e importância das noções confusas no direito. Por
social sobre uma solução razoável, sendo assim, o direito só ganha forma através
dos conflitos e das controvérsias. A lógica jurídica é entendida como uma lógica da
75
problemas. O erro do direito positivo estava exatamente em ver o direito como um
raciocínio prático, pois elimina-se todo fator de decisão que lhe é essencial. Sendo
e Kalinowski, que, ainda que de maneira distintas, terminam por definir a lógica
ela não é uma lógica da demonstração formal, mas da argumentação. Ela não usa
permite levar a seu termo uma controvérsia, em que argumentos são confrontados.
28
Entretanto, ao afirmar isso, Perelman não diz que fora de uma decisão jurídica não possamos encontrar
raciocínios jurídicos, mas apenas que a sentença e o arresto lhes fornecem um paradigm-case. A esse respeito,
veja a discussão entre Kalinowski e Perelman, publicada em Études de Logique Juridique: Le raisonnement
juridique et la logique déontique, pp.19-31.
76
Perelman opõe claramente à lógica formal a lógica da controversa. Em sua
discussão com Kalinowski, Perelman afirma que "as duas perspectivas são
claramente opostas, pois aquele que conclui não decide"29 (In: Kalinowski,
também em fornecer razões pró ou contra uma dada tese. Para Perelman, parece
ridículo ignorar esses argumentos a pretexto de que são alheios à lógica formal.
apenas somar 2+2, concluir como uma máquina. Mas o juiz não deve limitar-se ao
oposto ao cálculo, pois quem conclui, não decide. Tudo isso mostra que não basta
mente capaz de juízo, que pode ser definido como a capacidade de escolher ou de
razão e ao senso comum e que manifeste bom senso. Noções variáveis conforme
29
No original: “les deux démarches sont nettement opposées, car celui qui conclut ne décide pas”.
77
o contexto social necessitam de uma apreciação, de um juízo que a maquina é
incapaz de fornecer.
chegar a uma decisão, não possui o mesmo rigor e falta de ambigüidade da lógica
formal. Perelman justifica sua postura dizendo que “introduz-se certa insegurança
solução mais simples consiste em opor o espírito à letra da lei. Opõe-se assim a
se perante o legislador, mostrando que não violava a lei. Mas quando a motivação
se dirige à opinião pública, quer-se ainda que tal interpretação seja conforme à
suas decisões. O juiz poderá remontar das conseqüências às premissas para lhe
78
Muitas vezes, o direito tem evoluído no sentido de estreitar o campo de
instituiu uma lei sobre a repressão das infrações de trânsito, substituindo a noção
(1996:575). A pessoa embriagada era entendida como aquela que não tem o
controle permanente de seus atos ou de seus gestos, deixando ao juiz uma larga
margem de apreciação. Isso já não ocorre com a taxa de alcoolemia, que reduz o
caso particular. Nesses casos, o recurso à ficção manifesta a revolta dos juizes e
do júri, que não hesitam em recorrer a uma falsa qualificação dos fatos para
dessas técnicas jurídicas, diz que "tudo isso indica que em direito, dentro do
domínio da prova, introduz-se valores que podem aparecer como suficientes para
30
Segundo Wróblewski, “les présomptions ont une valeur purement pratique. C’est la technique propre au droit
qui n’existe ni dans l’éthique ni dans d’autres formes de l’activité humaine” (1974:57).
79
que seja feita uma contorção da verdade, reputando por verdadeira uma situação
destinada a por fim a um conflito. Foriers afirma que "a mentira ajuda a ultrapassar
um difícil obstáculo, a habituar o espírito dos juizes e das jurisdições a uma idéia
32
nova" (1974:23). Mais adiante, afirma que "em suma, graças à mentira,
novo passo"33 (1974:26). Essa mentira permite assim uma reforma sábia e
justificada.
Ocando:
"A ficção satisfaz o interesse do jurista em obter novas soluções como se elas
fossem o resultado de uma aplicação do virtuosismo dos princípios e das
categorias do direito existentes. Através de uma técnica de economia dos meios
jurídicos, a ficção manipula os recursos disponíveis, regulamenta anteriormente os
efeitos da relação pelo método da equivalência funcional e assegura a
continuidade da evolução do direito"34 (1974:89).
31
No original: “Tout ceci indique qu’en droit, dans le domaine de la preuve, s’introduisent des valeurs et que
ces valeurs peuvent apparaître comme suffisantes pour qu’il soit fait une entorse à la vérité, tout en réputant
pour vraie une situation pouvant être fausse” Bayart (1974) comenta as afirmações de Foriers e, ao se
questionar se é possível eliminar as ficções do discurso jurídico, ele conclui que a técnica da ficção é
substituível pela do argumento por analogia. Já Delgado-Ocando (1974) entende que a ficção difere da
analogia uma vez que implica uma diferença de natureza entre os casos assimilados um no outro. Para
Perelman (1974), a ficção nega a diferença enquanto a analogia insiste na identidade.
32
No original: “le mensonge aide à passer un cap difficile, à habituer l’esprit des juges et des justiciables à une
idée nouvelle”
33
No original: “en somme, grâce au mensonge, on sauvegarde l’apparence et partant le système. D’où la
possibilité d’un nouveau pas”.
34
No original: “... la fiction satisfait l’intérêt du juriste pour obtenir de nouvelles solutions comme si elles
étaient le résultat d’un déploiement de la virtualité des principes et des catégories du droit existant. A travers
une technique d’économie des moyens juridiques, la fiction manipule les recours disponibles, règlemente
d’avance les effets du rapport par la méthode de l’égalisation fonctionnelle et assure la continuité dans
l’évolution du droit”.
80
O caráter retórico do raciocínio jurídico facilita essa tarefa, na medida em
obter uma solução prática. A ficção confirma que a coerência e a ordem jurídica
auxiliares que são inventadas nas teorias físicas quando estas não dão conta da
81
condenou as idéias confusas substituindo-as por idéias claras, as únicas utilizáveis
linguagem: a filosofia científica deveria construir uma linguagem ideal, que não dá
No direito, entretanto, o juiz não pode fazer como o matemático, que declara
º
que um problema é irresolúvel. Após o Código de Napoleão, que em seu art.4
proclamou que o juiz não pode deixar de julgar sob o pretexto de silêncio, de
obscuridade ou de insuficiência da lei, temos que o juiz deve decidir e motivar sua
decisão ainda que a situação não tenha sido prevista pelo legislador. Partindo daí,
Perelman afirma que "devido a isso, não é possível, como sugere Bobbio, de
aproximar o rigor do direito daquele das matemáticas nem, como propõe Kelsen,
Passamos assim a ter problemas com a precisão dos conceitos, na medida em que
35
No original: “Pour ces raisons, il n’est pas possible, comme le suggère Bobbio, de rapprocher la rigueur du
droit de celle des mathématiques ni, comme le propose Kelsen, de ne voir dans le droit qu’un ordre fermé”.
82
Fora de um puro formalismo, as noções só podem ficar claras e unívocas se
assim, para alterar o sentido de uma noção, basta inseri-la num novo contexto e
integrá-la aos novos raciocínios. Uma noção parece suficientemente clara até que
uma nova situação lhe confira interpretações divergentes. Quando tal situação
surge, a noção se escurece, mas após uma decisão que deixe sua aplicação
unívoca, tal noção parecerá ainda mais clara que antes, sob a condição que tal
decisão seja aceita unanimemente. Se o uso das noções está ligado às suas
"A ordem adotada dentro de nosso estudo nos tem levado a considerar em último
lugar o uso e a transformação das noções, quer dizer, o aspecto sob o qual o
problema da escolha nos obriga a repensar, dentro de uma perspectiva retórica, a
maior parte dos problemas semânticos"36 (1970:189).
36
No original: “L’ordre adopté dans notre étude nous a amenés à considérer en dernier lieu l’usage et la
transformation des notions, c’est-à-dire l’aspect sous lequel le problème du choix nous oblige à repenser, dans
une perspective rhétorique, la plupart des problèmes sémantiques”.
83
Perelman, podemos considerar como habitual o termo que passa desapercebido.
Após realizar algumas observações sobre o uso argumentativo dos pronomes, dos
diferentemente do modelo semântico: aquilo que aqui e agora é aceito como justo,
sentido usual. Enquanto a semântica das ciências formais tem por regra primeira
diferentes, para os juristas, em geral, o sentido dos termos que utilizam são
37
No original: “Ce que l’on vise dans l’argumentation c’est moins la précision de certaines modalités logiques
attribuées aux affirmations, que les moyens d’obtenir l’adhésion de l’auditoire grâce aux variations dans
l’expression de la pensée”.
84
precisados com relação a determinados contextos jurídicos. Nas palavras de
Perelman:
dos fatos. Contudo, não se deve conferir total liberdade ao senso de equidade do
segurança jurídica. Não se deve permanecer em qualquer dos dois extremos. Uma
justiça sem juiz, mecânica, é uma justiça sem equidade. E uma justiça sem
85
Sendo impossível do legislador prever tudo e regulamentar tudo com
conteúdo variável. Essas noções não podem ser aplicadas de modo uniforme, o
que impede integrá-las num sistema de direito coerente e estável. Perelman diz
de tal segurança para o direito. O jurista opõe-se à arbitrariedade pelo valor dado
das noções confusas se dá de maneira diversa em cada um. Não se pretende aqui
entre Estados que têm ideologias tão diferentes. É assim que foi possível, por
86
exemplo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem: as noções confusas
respeito ao uso e ao abuso das noções confusas. Nas noções matemáticas, que
asseverando ser essa uma questão difícil, pois não dispomos de critérios objetivos
na matéria. A única observação que ele acredita possível diz respeito ao abuso de
linguagem. Os usuários de uma língua comum não devem servir-se dela para
87
problemas interpretativos e decisórios. Sua teoria opõe-se à axiomática e à
medida em que este procura motivar suas decisões e não as impor por via
autoritária.
menos autoritária e mais democrática. Para Perelman, a paz judiciária significa que
o direito não deve apenas ser obedecido, mas deve ser também reconhecido. O
juiz deve motivar sua decisão com argumentos admitidos pelas partes, pelas
a sentença deve ser convincente. Além de legal, a decisão deve ser aceitável.
Com respeito da lógica jurídica, Perelman entende que esta não pode
88
lógica jurídica deve apresentar-se como uma argumentação destinada a motivar
Maia:
soluções. O juiz é visto assim como o detentor de um poder, e não como “a boca
que pronuncia as palavras da lei”. Ele opera escolhas na busca da solução mais
deve prestar contas de como se utiliza dele mediante a motivação, que ocorre
fazer coisa julgada. E, por outro lado, a razoabilidade não destrói a autoridade,
89
razoabilidade impede assim a aceitabilidade racional vista de forma evidente e a
autoridade vista de forma arbitrária. Nesse intervalo busca seu espaço o direito
Vários foram os pensadores que voltaram a sua atenção nos últimos anos
38
Theodor Viehweg propõe uma volta aos tópicos aristotélicos como uma forma de sanar o descuido que o
formalismo moderno teve em relação às suas premissas. Esse filósofo do direito alemão acredita que uma
retórica mais desenvolvida deveria ocupar-se dessa argumentação primária e estabelecer uma vinculação
razoável entre a lógica e a ética.
39
Luis Recaséns Siches, jurista espanhol estabelecido no México, também criticou a lógica formal e procurou
desenvolver uma lógica do razoável. Na sua opinião, no raciocínio jurídico o razoável é uma noção que
aparece com muito maior freqüência que as de racional e irracional. Seria portanto fútil tentar reduzir o direito
a um formalismo e a um positivismo jurídico, uma vez que o desarrazoado não pode ser admitido na atividade
jurídica.
40
Tércio Sampaio Ferraz, professor na USP, desenvolveu longos estudos seguindo a via aberta por Viehweg e
caracteriza-se também pela volta aos tópicos como instrumento interessante para se pensar o problema da
decisão jurídica.
41
Boaventura de Sousa Santos pretende apresentar um direito dissociado dos défices e excessos da
modernidade. Este repensar radical do Direito procura estabelecer um direito pós-moderno cujos objetivos
principais seriam a incorporação das ordens jurídicas subalternas, a realização da democracia, o
90
outros, numa lista quase interminável. Obviamente muitos ficaram de fora, e tal se
deu fundamentalmente por dois motivos: primeiro porque seria impossível tratar
adotada nesse estudo44 ou são ainda propostas que assumirão feições mais
5.3.1. Dworkin
construtiva, pelo qual o juiz pode chegar a uma decisão correta, construída a partir
de princípios jurídicos. Sua teoria busca uma racionalidade para a decisão jurídica,
"Dworkin sustenta que quando existe um conflito não se pode deixar o tema nas
mãos da discrição do juiz. Este deve dar o triunfo ao princípio que tenha maior
força de convicção. A tarefa do juiz será a justificação racional do princípio eleito.
(...) A decisão correta será aquela que satisfaça o máximo de adesão." (In:
Dworkin, 1989:19).
91
Dworkin abandona explicitamente as teorias positivistas ressaltando
raciocínio jurídico depende do raciocínio moral, sobretudo nos casos difíceis. Seu
que pese os princípios e decida pelo que tem o maior peso. Segundo Calsamiglia,
"nos casos difíceis os juizes não baseiam suas decisões em objetivos sociais ou
diretrizes políticas. Os casos difíceis se resolvem com base nos princípios que
"O "juiz Hércules" dispõe de dois componentes de um saber ideal: ele conhece
todos os princípios e objetivos válidos que são necessários para a justificação; ao
mesmo tempo, ele tem uma visão completa sobre o tecido cerrado dos elementos
do direito vigente que ele encontra diante de si, ligados através de fios
argumentativos." (1997:263).
razão pela qual chama este juiz "ideal" de Hércules" (p.438). Assim, o programa de
92
Dworkin apresenta-se como irrealizável, sobrecarregando o juiz com tarefas cuja
solução é impossível.
deveria ser vista como mais um princípio dentre os outros, e não como um
princípio superior ao qual o juiz deveria sempre articular todos os demais em vista
dele.
"A crítica à teoria do direito solipsista de Dworkin tem que situar-se no mesmo
nível e fundamentar os princípios do processo na figura de uma teoria da
argumentação jurídica, que assume o fardo das exigências ideais até agora
atribuídas a Hércules." (1997:280).
5.3.2. Alexy
pode conceber-se como um caso especial do discurso prático geral que tem lugar
93
sob condições limitadoras como a lei, a dogmática e o precedente”45 (1997: 177). E
participantes não pode ser impedida nem por causas contingentes externas nem
por coações que surjam ao longo do processo discursivo. Tanto a coação quanto a
situação.
vai apontar como características dele uma série de regras. "O problema central da
(1997: 178). Dentro deste contexto, Alexy (1997) aponta as regras fundamentais,
afirmar que o discurso jurídico contém estas regras citadas do discurso prático
45
No espanhol: “el discurso jurídico[…] puede concebirse como um caso especial del discurso prático
general que tiene lugar bajo condiciones limitadoras como la ley, la dogmática y el precedente”.
94
premissas utilizadas na justificação interna. Em suma, há seis grupos de
223).
geral, uma vez que nem todas as regras do discurso jurídico vão derivar do
falha, ou pelo menos uma fraqueza teórica, nessa afirmação, dizendo que:
95
"Seria natural encaminhar a teoria discursiva do direito conforme o modelo da ética
do discurso, melhor elaborada. Entretanto, nem o primado heurístico dos
discursos prático-morais, nem a exigência segundo a qual regras do direito não
podem contradizer normas morais, permitem que se conclua, sem mais nem
menos, que os discursos jurídicos constituem uma parte das argumentações
morais." (1997:287).
tentar provar a tese do discurso jurídico como caso especial do discurso prático
enunciados práticos gerais. Neste contexto, a decisão jurídica deve passar por um
apenas elaborou uma teoria cujo objetivo maior não foi a busca pela racionalidade
Por fim, as regras do discurso jurídico elaboradas por Alexy não servem
como critério para solucionar qualquer caso jurídico, sobretudo os difíceis. Como
diz Atienza, "Alexy teria de ter desenvolvido algo como uma teoria da
96
razoabilidade, que fornecesse algum critério para escolher, entre as diversas
procedimentalista e formalista.
5.3.3. Habermas
uma tensão entre facticidade e validade, ou seja, uma tensão entre o princípio de
postuladas por Dworkin uma vez que o primeiro busca traduzir essas exigências
discurso jurídico que satisfaça o ideal regulativo de uma decisão correta sem
se desenvolve argumentativamente.
97
Para Habermas, a simples possibilidade de revisão obriga os tribunais a
uma fundamentação cuidadosa, que decida cada caso particular sem comprometer
não somente a validade dedutiva (lógica formal) e a validez (eficácia social) mas
também a legitimidade.
seus argumentos de forma a obter-se, ao final, o consenso. Por isso, pode-se dizer
Este discurso jurídico será tanto mais efetivo quanto mais capaz for de
fundo, pressuposto para realização desta ação voltada para o entendimento que se
98
como fundamentos da ação comunicativa" (1999:185). Dessa forma, o direito
substitui-se uma ficção por outra. Ao invés de se acreditar num acordo inicial, crê-
Direito da UFMG, elaborou uma série de críticas à teoria jurídica de Habermas, das
suficientemente clara entre direito e moral, parecendo antes que o primeiro assume
Direito.
99
dão-se em toda argumentação, como condição de possibilidade e de sentido da
aplicar o mesmo critério de racionalidade tanto para o jurista como para o filósofo.
que toda comunicação tende ao entendimento como seu telos imanente, o que não
jurídica deve buscar ser sobretudo razoável, sem pretender excluir completamente
5.4. A razoabilidade
100
numa dada comunidade a partir de consideração racional e de determinados
discurso.
razoável o campo para a justificação das decisões jurídicas, sendo eles Aarnio e
Perelman.
Neste propósito, procura o autor combinar três grandes pontos de vista: a nova
discursiva de Habermas. Deve-se ressaltar que o próprio Aarnio verifica ser difícil
101
argumentação jurídica não só de regras do discurso prático geral mas também de
regras do discurso racional. Com isso, Aarnio elaborou uma verdadeira doutrina de
que a pretensão de correção foi amplamente exposta por Alexy ao tentar criar um
discurso prático geral. No entanto, o diferencial ocorre no fato de que, para obter a
dois aspectos: a decisão deve estar de acordo com o Direito Positivo e estar em
que:
102
"não há meios universalmente aplicáveis que permitam controlar um argumento tal
como o da razoabilidade de uma solução. Sem pôr em perigo a estabilidade, não é
possível tomar uma decisão jurídica ou explicá-la totalmente deixando de lado a lei
e aduzindo somente a razoabilidade, a eqüidade ou outros fins considerados muito
valiosos. A decisão jurídica cria sempre um equilíbrio entre a letra da lei e outros
fatores que influem no assunto. Trata-se da questão de saber como aplicar a lei de
forma tal que conte com a aceitação geral" (1991: 34-35).
dizer que a razoabilidade vai dar um novo contorno ao processo de justificação das
cujo objetivo maior é alcançar a aceitação geral. Aarnio diz que a dogmática
jurídica não necessita de uma ontologia do direito e afirma que a questão pela
não foi derrogada, não contradiz outra norma do sistema e se, havendo
fática é aquela que se preocupa com a eficácia real, e ocorre quando os cidadãos
103
seguem regularmente a norma em seu comportamento. A aceitabilidade ou
Para Aarnio, “as normas jurídicas não estão baseadas unicamente na validade
raciocínio jurídico.
104
característica do resultado final do procedimento de justificação jurídica. Isso quer
qual exposto por Alexy. Por isso, Aarnio fala em “aceitabilidade racional dos
Aarnio acaba por se distanciar da racionalidade proposta por Alexy, uma vez
jurídica. Em vista disso, o que seria para Aulis Aarnio o resultado aceitável? Em
e não meramente formal. Por isso mesmo, outra não pode ser a conclusão do
105
Retomar a idéia de mundo da vida, neste momento, é algo essencial, uma
participantes interagem. Eis aqui o elemento cultural a que se refere Aarnio como
recíproco.
certeza jurídica. Não se trata da segurança jurídica que é legada pelo positivismo
limite para qualquer formalismo. É por essa razão que a teoria pura do direito de
Kelsen é insuficiente, uma vez que ela separa o direito do meio em que ele
funciona, das reações sociais desse meio. Perelman faz assim uma oposição entre
106
"Enquanto as noções de “razão” e de “racionalidade” se reportam a critérios bem
conhecidos da tradição filosófica, tais como as idéias de verdade, de coerência e
de eficácia, o razoável e o desarrazoado são ligados a uma margem de
apreciação admissível e ao que, indo além dos limites permitidos, parece
socialmente inaceitável" (1996: 436).
Como foi visto no tópico 5.2.1., a respeito da lógica jurídica, Perelman opõe
poder Legislativo que deve ser apenas aplicado pelo Judiciário. O juiz tem papel
apenas passivo, sendo apenas mais uma peça nessa justiça mecânica, na qual
considera ela por demais arbitrária, sem nenhuma segurança. Perelman procura
juizes desempenha um papel essencial, a ele não cabe apenas concluir como um
autômato, mas sobretudo decidir e justificar sua decisão. Perelman define o juízo
107
preferência razoável, que não se oponha à razão e ao senso comum e que
razoável, que não pode querer o que é socialmente inaceitável. No direito, vários
desarrazoado, ou seja, o que é inadmissível, o que não pode ser aceito pela
equidade.
Apesar da oposição entre razão e eficácia ser um problema, já foi visto que
deve pensá-lo como oscilando da autoridade para a razão, mas antes buscando a
decisão mais razoável, que não será nem evidente nem arbitrária. Garcia Amado
108
entre razão e mera eficácia, tal qual um dilema não solucionado, frente ao qual o
(1996:436).
6. CONCLUSÃO
O direito não deve ser exercido de maneira arbitrária. Mas disso também
não resulta que deva ser eminentemente racional. Existe um meio termo, que pode
ser classificado como outra espécie de exercício racional "mais débil", denominado
e daí concluir porque a filosofia pode ser dita racional e o direito não.
109
Como toda argumentação se desenvolve em função de um auditório, o
que seja constituído local e historicamente, retira seu caráter privilegiado do fato
podendo tudo sempre ser colocado em questão, é que ela pode ser dita racional. A
coisa julgada. O direito não pode se calar diante de uma questão a ele
título à decisão. Para tal, seria necessário haver uma justificação para tais
110
procedimentos que seria, ela mesma, externa ao debate jurídico. Sendo assim,
como pode ser racional, no mesmo sentido filosófico, uma justificação que ocorre
discursivo está colocado fora de questão e, segundo, porque tal discussão deve
obrigatoriamente chegar a uma solução. Como foi visto, não se deve postular o
procedimento pode garantir que se chegará a uma decisão, mas ele mesmo nada
A decisão jurídica será aceitável não devido a seu caráter racional, como temos na
filosofia, mas devido a sua razoabilidade. A razoabilidade não deve ser equiparada
ao arbítrio e nem à evidência. Como foi visto, também a retórica encontra-se nesse
intervalo. Uma vez que não se tem mais essa clivagem rígida (razão-violência),
argumentação enquanto uma prática que, por suas características, pode ser dita
antes o razoável.
111
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
VALDÉS, Ernesto Garzón (org.) Derecho y Filosofía. Barcelona: Alfa, 1985. p.43-
57.
______. Teoría de la argumentación jurídica: la teoria del discurso racional como
teoria de la fundamentación jurídica, tradução de Manuel Atienza e Isabel Espejo.
Madrid : Centro de estudios constitucionales, 1997.
APEL, Karl-Otto. El problema de la fundamentación filosófica última desde una
Guimarães, 1987.
______. Arte Retórica e Arte Poética. Tradução por Antônio Pinto de Carvalho. Rio
de Janeiro: Edições de Ouro, 1966.
ATIENZA, M. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica.São Paulo:
Landy, 2000.
112
BARTHES, Roland. A retórica antiga. In: COHEN, J., et. al. Pesquisas de retórica.
Beauchesne, 1927.
DIXSAUT, Monique. Le naturel philosophie: essai sur les dialogues de Platon.
113
EEMEREN, Frans H. van, et al. Handbook of Argumentation Theory: a critical
jurídica, in http://www.geocities.com/CollegePark/Union/3939/bogotaart.html, 13 de
novembro de 2000, pp. 1-17.
GIDDENS, Anthony. ¿Razón sin revolución? La Theorie des kommunikativen
KUENTZ, Pierre. O retórico ou o distanciamento. In: COHEN, J., et. al. Pesquisas
de retórica. Petrópolis: Vozes, 1975. p.109-128.
114
MAIA, Antônio C. À guisa de introdução: notas sobre direito, argumentação e
EDIPUCRS, 1993.
PERELMAN, Chaïm. Présomptions et fictions en droit, essais de synthèse. In: Les
115
PLATÃO. Fedro, o de la belleza. Tradução por Maria Araujo. Buenos Aires:
Aguilar, 1953.
______. Górgias, ou a oratória. Tradução Jaime Bruna. São Paulo: Dif.Européia do
livro,1970
PLEBE, Armando. Breve história da retórica antiga. São Paulo: EPU:EDUSP,
1978.
PLEBE, A.,EMANUELE, P. Manual de retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
116
VIEHWEG, Theodor. Algumas considerações acerca do raciocínio jurídico.
Tradução de Carolina de Campos Melo do original inglês Law, Reason and Justice:
Essays in Legal Philosophy. Organizado por Graham Hughes. Nova Iorque: New
York University Press e Londres: University of London Press, 1969 (texto adquirido
via internet na página do PET-Jur da PUC-RJ: www.puc-
rio.br/sobrepuc/depto/direito/pet_jur/arquivo.html).
______. Topica y Filosofia del derecho. Barcelona: Editorial Gedisa, 1991.
117