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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB

Reitor: Lourisvaldo Valentim da Silva; Vice-Reitora: Amélia Tereza Santa Rosa Maraux
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS I
Diretor: Antônio Amorim;
Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade – PPGEduC – Coordenador: Elizeu Clementino de Souza
GRUPO GESTOR
Editora Geral: Yara Dulce Bandeira de Ataíde;
Editor Executivo: Jacques Jules Sonneville
Coordenadora Administrativa e Financeira: Jumara Novaes Sotto Maior
Antônio Amorim (DEDC I), Elizeu Clementino de Souza (PPGEduC), Nadia Hage Fialho, Sueli Ribeiro Mota Souza.
CONSELHO EDITORIAL
Conselheiros nacionais Raquel Salek Fiad
Adélia Luiza Portela Universidade de Campinas
Universidade Federal da Bahia Robert Evan Verhine
Cipriano Carlos Luckesi Universidade Federal da Bahia
Universidade Federal da Bahia Walter Esteves Garcia
Edivaldo Machado Boaventura Associação Brasileira de Tecnologia Educacional /
Universidade Federal da Bahia Instituto Paulo Freire
Jaci Maria Ferraz de Menezes Yara Dulce Bandeira de Ataíde
Universidade do Estado da Bahia Universidade do Estado da Bahia
Jacques Jules Sonneville Conselheiros internacionais
Universidade do Estado da Bahia Adeline Becker
João Wanderley Geraldi Brown University, Providence, USA
Universidade de Campinas Antônio Gomes Ferreira
Jonas de Araújo Romualdo Universidade de Coimbra, Portugal
Universidade de Campinas Edmundo Anibal Heredia
José Carlos Sebe Bom Meihy Universidade Nacional de Córdoba, Argentina
Universidade de São Paulo Ellen Bigler
José Crisóstomo de Souza Rhode Island College, USA
Universidade Federal da Bahia Francisco Antonio Loiola
Kátia Siqueira de Freitas Université Laval, Québec, Canada
Universidade Católica de Salvador Giuseppe Milan
Marcos Silva Palácios Universitá di Padova – Itália
Universidade Federal da Bahia Julio César Díaz Argueta
Maria José Palmeira Universidad de San Carlos de Guatemala
Universidade do Estado da Bahia e Luís Reis Torgal
Universidade Católica de Salvador Universidade de Coimbra, Portugal
Maria Luiza Marcílio Marcel Lavallée
Universidade de São Paulo Université du Québec à Montréal, Canada
Nadia Hage Fialho Mercedes Villanova
Universidade do Estado da Bahia Universidade de Barcelona, España
Paulo Batista Machado Paolo Orefice
Universidade do Estado da Bahia Universitá di Firenze - Italia

Coordenadora do n. 30: Cristina d´Ávila Maheu.


Os/as pareceristas ad hoc dos números 29 e 30: os/as doutores/as: Ana Chrystina Venâncio Mignot (UERJ), Cristina d´Ávila Maheu
(UNEB/UFBA), Cynthia Pereira de Sousa (FEUSP), Denice Barbara Catani (FEUSP), Edla Eggert (UNISINOS), Edméa Oliveira dos
Santos (UERJ), Elizeu Clementino de Souza (UNEB), Eric Maheu (UEFS), Helena Coharik Chamlian (FEUSP), Ilma Passos Alencastro
Veiga (UnB – UniCEUB), Jorge Luiz da Cunha (UFSM), Katia Mota (UNEB), Lúcia Maria Vaz Peres (UFPEL), Luciene Maria da Silva
(UNEB), Lynn Rosalina Gama Alves (UNEB), Márcia Rios da Silva (UNEB), Marco Silva (UERJ/UNESA), Maria da Conceição
Passeggi (UFRN), Maria Helena Menna Barreto Abrahão (PUCRS), Maria Teresa Santos Cunha (UDESC), Maria Thereza Ávila Dantas
Coelho (UNIFACS), Mary Rangel (UFF/UERJ), Paula Perin Vicentini (FEUSP/USP), Paulo Roberto Holanda Gurgel (FACED/UFBA),
Sílvia Nogueira Chaves (UFPA), Veleida Anahi da Silva (UFS), Vera Lucia Gaspar da Silva (FAEd/UDESC), Vera Maria de Almeida Corrêa
(UERJ), Verbena Maria Rocha Cordeiro (UNEB), Zeila de Brito Fabri Demartini (UMESP/CERU).
Revisão: Regina Helena Araújo Soares; Bibliotecária: Jacira Almeida Mendes; Tradução/revisão: Eric Maheu; Capa e Editoração:
Linivaldo Cardoso Greenhalgh (“A Luz”, de Carybé – Escola Parque, Salvador/BA); Secretaria: Nilma Gleide dos Santos Silva e
Maria Lúcia de Matos Monteiro Freire.
REVISTA FINANCIADA COM RECURSOS DA PETROBRÁS S.A.
ISSN 0104-7043

Revista da FAEEBA

Educação
e Contemporaneidade

Departamento de Educação - Campus I

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, jul./dez. 2008

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB


Revista da FAEEBA – EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE
Revista do Departamento de Educação – Campus I
(Ex-Faculdade de Educação do Estado da Bahia – FAEEBA)
Publicação semestral temática que analisa e discute assuntos de interesse educacional, científico e cultural.
Os pontos de vista apresentados são da exclusiva responsabilidade de seus autores.
ADMINISTRAÇÃO: A correspondência relativa a informações, pedidos de permuta, assinaturas, etc. deve
ser dirigida à:
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
Departamento de Educação I - NUPE
Rua Silveira Martins, 2555 - Cabula
41150-000 SALVADOR - BAHIA
Tel. (071)3117.2316
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Normas para publicação: vide últimas páginas.


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- BBE – Biblioteca Brasileira de Educação (Brasília/INEP)
- Centro de Informação Documental em Educação - CIBEC/INEP - Biblioteca de Educação
- EDUBASE e Sumários Correntes de Periódicos Online - Faculdade de Educação - Biblioteca UNICAMP
- Sumários de Periódicos em Educação e Boletim Bibliográfico do Serviço de Biblioteca e Documentação -
Universidade de São Paulo - Faculdade de Educação/Serviço de Biblioteca e Documentação.
www.fe.usp.br/biblioteca/publicações/sumario/index.html
- CLASE - Base de Dados Bibliográficos en Ciencias Sociales y Humanidades da Hemeroteca Latinoamericana
- Universidade Nacional Autônoma do México:
E-mails: hela@dgb.unam.mx e rluna@selene.cichcu.unam.mx / Site: http://www.dgbiblio.unam.mx
- INIST - Institut de l’Information Scientifique et Technique / CNRS - Centre Nacional de la Recherche
Scientifique de Nancy/France - Francis 27.562. Site: http://www.inist.fr

Pede-se permuta / We ask for exchange.

Revista da FAEEBA: Educação e contemporaneidade / Universidade do


Estado da Bahia, Departamento de Educação I – v. 1, n. 1 (jan./jun.,
1992) - Salvador: UNEB, 1992-
Periodicidade semestral
ISSN 0104-7043
1. Educação. I. Universidade do Estado da Bahia. II. Título.
CDD: 370.5
CDU: 37(05)

Tiragem: 1.000 exemplares


SUMÁRIO
9 Editorial
13 Temas e prazos dos próximos números da Revista da FAEEBA – Educação e Contempo-
raneidade

DOCÊNCIA E CONTEMPORANEIDADE

17 O professor na sociedade contemporânea: um trabalhador da contradição


Bernard Charlot
33 Formação docente na contemporaneidade: limites e desafios
Cristina d’Ávila
43 Reformas curriculares e trabalho docente: natureza e graus de prescrições do trabalho
Claude Lessard
59 O paradigma da complexidade na formação docente contemporânea
Francineide Pereira de Jesus; Jacques Jules Sonneville
73 Mundos múltiplos / zonas desconhecidas: multirreferencialidade, complexidade e pesquisa
na contemporaneidade
Maria Antonieta de Campos Tourinho
81 O Real, o Simbólico e o Imaginário da docência na contemporaneidade
Maria de Lourdes S. Ornellas
89 Os desafios da escola pública contemporânea
Umberto de Andrade Pinto
105 Formação docente para a educação básica no contexto das exigências do mundo do trabalho:
novas (ou velhas) propostas?
Sueli Menezes Pereira
117 Trabalho docente, precarização e quadros de adoecimento
Sonia Regina Landini
129 Caminhos para a construção da docência universitária
Ilma Passos Alencastro Veiga
137 Planejamento da ação docente no ensino superior: participação e compromisso
Mary Rangel; Luciano A. M. Pinto
145 Universidade e docência universitária: uma relação dialética
Meirecele Calíope Leitinho
153 A docência na representação de estudantes de pedagogia de uma universidade pública da
Bahia
Sandra Regina Soares; Carla Carolina Costa da Nova; Cenilza Pereira dos Santos;
Ivonete Barreto de Amorim; Lucicleide Santos Santiago; Pâmyla Moraes

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 1-248, jul./dez., 2008
163 Didáctica universitaria: trayectoria y ejes estratégicos para la producción colectiva de
conocimientos
Elisa Lucarelli; Claudia Finkelstein; Gladys Calvo; Patricia Del Regno; María E.
Donato; Mónica Gardey; Martha Nepomneschi; Viviana Solberg
173 Docência universitária: a formação e as aprendizagens na Pós-graduação em Educação
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet; Marina Portella Ghiggi
185 O espaço da pós-graduação em educação: uma possibilidade de formação do docente da
educação superior
Maria Isabel da Cunha
193 Ambientes formais e informais de aprendizagem em rede: o professor faz a diferença
Clarissa Bittencourt de Pinho e Braga; Robinson Moreira Tenório
209 Elos contemporâneos: possibilidades entre educação do campo e TIC
Antonio Dias Nascimento; Tânia Maria Hetkowski
221 A prática avaliativa em ambiente virtual de aprendizagem
Lana Silva; Marco Silva

RESUMOS DE DISSERTAÇÕES

233 HALMANN, Adriane Lizbehd. Reflexão entre professores em blogs: aspectos e


possibilidades. FACED/UFBA, 2006.
234 SOUSA, Denise Dias de Carvalho. Do caixote à prateleira: um olhar investigativo sobre
as mulheres-leitoras do curso de Letras. PPGEL/UNEB, 2008.
235 ANDRADE, Dídima Maria de Mello. Formação inicial e construção de saberes profissionais
docentes: um estudo de caso no seio do programa Rede Uneb 2000. PPGEduC/UNEB,
2007.
236 GRAZIOLI, Fabiano Tadeu. Teatro de se ler: o texto teatral e a formação do leitor. UPF, 2007.
237 PORTUGAL, Jussara Fraga. Práticas avaliativas no ensino fundamental: entre o dizer e o
fazer no cotidiano da sala de aula. PPGEduC/UNEB, 2005.
238 CERQUEIRA, Priscila Licia de Castro. Saberes literários e docência: (re)constituindo
caminhos na (auto)formação de professores-leitores. PPGEduC/UNEB, 2007.
239 BARBOSA, Telma da Silva. Memorial do Colégio Estadual de Cachoeira: contribuição
para um estudo sobre a História da Educação na Bahia. PPGEduC/UNEB, 2005.
240 NOGUEIRA FARIAS, Virginia Lucia. Os impactos da nota sobre a auto-estima dos
alunos de 11 e 12 anos. Université Pierre Mendès France – Grenoble II, França, 2007.

241 Normas para publicação

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 1-248, jul./dez., 2008
CONTENTS

11 Editorial
13 Themes and Time Limit to Submit Manuscript for the Next Volumes of Revista da FAEEBA
– Education and Contemporaneity

TEACHING IN THE CONTEMPORARY WORLD

17 The Teacher in Contemporary Society: A Worker of Contradiction


Bernard Charlot
33 Educating Teachers in the Contemporary World
Cristina d’Ávila
43 Curricular Reforms and Teacher’s Work: nature and degrees of precision of work prescriptions
Claude Lessard
59 Complexity Paradigm in Teachers Contemporaneous Formation
Francineide Pereira de Jesus; Jacques Jules Sonneville
73 Multiple Worlds / Unknown Zones: multireferenciality, complexity and research in the
contemporary world
Maria Antonieta de Campos Tourinho
81 Real, Symbolic and Imaginary in Contemporary Teaching
Maria de Lourdes S. Ornellas
89 Challenges Facing Contemporary Public School in Brazil
Umberto de Andrade Pinto
105 Formation of Teachers for Basic Education under the Demands Framed by the World of
Labor: new (or old) proposals?
Sueli Menezes Pereira
117 Teacher Work, Precarization and Sickness
Sonia Regina Landini
129 Paths towards Construction of Teaching in Universities
Ilma Passos Alencastro Veiga
137 Teaching Planning in Superior Education: participation and commitment
Mary Rangel; Luciano A. M. Pinto
145 University and Formation: a dialectic relation
Meirecele Calíope Leitinho
153 Teaching in Pedagogy Student’s Representation in a Public University in Bahia, Brazil
Sandra Regina Soares; Carla Carolina Costa da Nova; Cenilza Pereira dos Santos;
Ivonete Barreto de Amorim; Lucicleide Santos Santiago; Pâmyla Moraes

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 1-248, jul./dez., 2008
163 University Didactics: trajectories and strategic mainlines for collective production of
knowledges
Elisa Lucarelli; Claudia Finkelstein; Gladys Calvo; Patricia Del Regno; María E.
Donato; Mónica Gardey; Martha Nepomneschi; Viviana Solberg
173 University Teaching: Formation and Learning in Graduate Programs in Education
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet; Marina Portella Ghiggi
185 The Space of Graduate Studies in Education: a possibility for teacher training for higher
education
Maria Isabel da Cunha
193 Formal and Informal Network Learning Environments: teachers make difference
Clarissa Bittencourt de Pinho e Braga; Robinson Moreira Tenório
209 Contemporary Connections: emergent possibilities from the interface between rural education
and ICT
Antonio Dias Nascimento; Tânia Maria Hetkowski
221 Evaluative Practice in Virtual Learning Environment
Lana Silva; Marco Silva

ABSTRACTS OF MASTERS’ THESES

233 HALMANN, Adriane Lizbehd. Reflection between Teachers in Blogs: issues and
possibilities. FACED/UFBA, 2006.
234 SOUSA, Denise Dias de Carvalho. From Crate to Shelf: an investigative glance at the
women-readers within the letter program. PPGEL/UNEB, 2008.
235 ANDRADE, Dídima Maria de Mello. Initial Formation and Construction of Teachers’
Professionals Knowledges: a study-case of Rede Uneb 2000. PPGEduC/UNEB, 2007.
236 GRAZIOLI, Fabiano Tadeu. Reading Theater: theatrical text and reader formation. UPF,
2007.
237 PORTUGAL, Jussara Fraga. Evaluating Practices in Primary Education: the relation
between the saying and the doing in the classroom daily life. PPGEduC/UNEB, 2005.
238 CERQUEIRA, Priscila Licia de Castro. Literary Knowledges and Teaching: looking for
ways to self-formation of teachers readers. PPGEduC/UNEB, 2007.
239 BARBOSA, Telma da Silva. Memories from the Colégio Estadual de Cachoeira:
contribution for a study about History of Education in Bahia. PPGEduC/UNEB, 2005.
240 NOGUEIRA FARIAS, Virginia Lucia. Grade impacts upon 11 to 12 years old students’
self-esteem. Université Pierre Mendès France – Grenoble II, França, 2007.

241 Instructions for publication

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 1-248, jul./dez., 2008
EDITORIAL
DOCÊNCIA E CONTEMPORANEIDADE é o tema do número 30 da
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade. Para sua elaboração,
recebemos a valiosa colaboração de Cristina d´Ávila, professora do Departa-
mento de Educação I e do Programa de Pós-Graduação Educação e Contempo-
raneidade – PPGEduC, na UNEB, e da Faculdade de Educação – FACED/
UFBA. Como coordenadora deste número, ela fez uma ampla divulgação da
temática, dentro e fora do país, e conseguiu reunir uma equipe de pareceristas
ad hoc, a fim de avaliar os cerca de 60 textos recebidos para fins de publicação.
Nesta edição da revista, o tema da docência no contexto da contempora-
neidade, embora tratado com uma grande diversidade de abordagens, tem como
ponto comum o papel decisivo do docente frente à realidade complexa da
educação atual. Desfilam, neste número, autores de renome nacional e inter-
nacional. Um primeiro bloco de seis textos trata do tema em sua amplitude
mais geral. O primeiro, de autoria de Bernard Charlot, fala do professor na
sociedade contemporânea, como um trabalhador da contradição, ou seja,
ao contrário das injunções dirigidas ao futuro professor ideal, fala do/a profes-
sor/a que atua a cada dia numa dessas salas de aula que constituem a realida-
de educacional brasileira, enfrentando as contradições que decorrem da
contemporaneidade econômica, social e cultural. Cristina d´Ávila, analisando a
formação docente na contemporaneidade, apresenta alguns modelos e as
perspectivas mais recentes de formação baseadas na epistemologia da prática
e na fenomenologia existencial, para concluir que, muitas vezes, currículos são
construídos com base em teorias pedagógicas da atualidade, mas nem sempre
são postos em prática, porque, antes de se mudarem os currículos, é preciso
que se mudem as posturas e as atitudes dos formadores. Do mesmo modo,
diante das reformas curriculares propostas pelo governo, Claude Lessard
coloca como indispensável o trabalho docente, a fim de que os projetos e
programas possam se concretizar nas práticas dos docentes.
Continuando o mesmo bloco, o texto de Francineide Pereira de Jesus e
Jacques Jules Sonneville estuda a necessidade de transformar a formação
docente contemporânea em espaços de reflexões efetivas e sistemáticas
acerca da complexidade do ser humano, colocando no centro os aspectos do
cotidiano do professor, para tomada de consciência e posterior mudança de
postura. E Maria Antonieta de Campos Tourinho reflete sobre como uma apro-
ximação com a complexidade e a multirreferencialidade permite uma visão
mais politeísta da vida, condição preciosa para a pesquisa na contempora-
neidade. Finalizando este bloco, o texto de Maria de Lourdes Ornellas, em O
real, o Simbólico e o Imaginário da docência na contemporaneidade, é
fruto de pesquisa que teve como objetivo analisar pela fala do aluno o fazer do
professor sobre o afeto, na busca de identificar os elos que constituem o pro-
cesso de aprender.
O segundo bloco tem três artigos que analisam os desafios da escola con-
temporânea em toda sua complexidade, diretamente relacionados ao que os
professores enfrentam atualmente no cotidiano da atividade docente. Umberto
de Andrade Pinto, em Os desafios da escola pública contemporânea, parte

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, jul./dez., 2008 9


do entendimento de que os estudos sobre a formação docente só fazem senti-
do se estiverem articulados com a complexidade da escola, no que se refere ao
atendimento qualitativo das aprendizagens de seus alunos. O artigo de Sueli
Menezes Pereira trata da Formação docente para a educação básica no
contexto das exigências do mundo do trabalho, em que uma pesquisa qua-
litativa das “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professo-
res da Educação Básica, em Nível Superior”, cuja concepção nuclear tem na
noção de “competência” a orientação dos cursos, mostra uma epistemologia
adaptativa dos sujeitos às exigências do capital. O terceiro texto, de Sonia
Regina Landini, mostra as conseqüências de uma educação caracterizada pela
lógica capitalista de produção, em Trabalho docente, precarização e qua-
dros de adoecimento.
A docência universitária é o tema específico do terceiro bloco, com maior
número de textos (sete), sinal da atualidade da problemática. Ilma Passos Alen-
castro Veiga analisa o desenvolvimento profissional como evolução progressi-
va da função docente e caminho para a construção da docência
universitária. Nesse sentido, Mary Rangel e Luciano A. M. Pinto mostram a
importância do processo participativo da comunidade acadêmica no plane-
jamento da ação docente no ensino superior. Meirecele Calíope Leitinho
mostra como, entre a idéia de universidade e a formação para a docência
universitária, existe uma relação dialética. Também o artigo de Sandra Regina
Soares et al., em A docência na representação de estudantes de pedago-
gia de uma universidade pública da Bahia, demonstra a repercussão das
práticas educativas vivenciadas durante a formação inicial na sua identidade
profissional. A seguir, o artigo de Elisa Lucarelli et al., em Didáctica universi-
taria: trayectoria y ejes estratégicos para la producción colectiva de co-
nocimientos, descreve os resultados do trabalho de uma equipe de pesquisadores
sobre a formação docente no âmbito universitário.
Concluem este bloco dois textos sobre a docência na Pós-graduação em Edu-
cação. O estudo de Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Marina Portella Ghiggi
investiga como docentes universitários aprendem e se formam em cursos de Pós-
graduação em Educação. Este mesmo espaço é, para Maria Isabel da Cunha,
uma possibilidade de formação do docente da educação superior.
O último bloco trata da docência com as Tecnologias de Informação e
Comunicação – TIC: tema importante ao qual a revista já dedicou os números
22 e 23. No presente número encontram-se três artigos: Ambientes formais e
informais de aprendizagem em rede: o professor faz a diferença, de Cla-
rissa Bittencourt de Pinho e Braga e Robinson Moreira Tenório; Elos contem-
porâneos: possibilidades entre educação do campo e TIC, de Antonio Dias
Nascimento e Tânia Maria Hetkowski; e A prática avaliativa em ambiente
virtual de aprendizagem, de Lana Silva e Marco Silva.
O número 30 finaliza com a apresentação de oito resumos de dissertações
de mestrado, divulgando os autores e suas pesquisas no âmbito nacional.

O Grupo Gestor e
Cristina d´Ávila,
coordenadora do n. 30

10 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, jul./dez., 2008


EDITORIAL
TEACHING IN THE CONTEMPORANEOUS WORLD is the theme of
the volume 30 of the Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade.
We could count on the valuable collaboration of the professor Cristina d´Ávila
from both the UNEB and UFBA, who has coordinated this volume. She has
made a vast publicity about the theme and has succeeded in gathering a team
of ad hoc evaluators to judge the 60 papers received for publication.
In this volume, the theme of teaching in the contemporaneous world, even
if considered from a great diversity of approaches, has as common point the
decisive role of the teachers in front of the complex reality of present educa-
tion. This volume encompasses reputed authors from Brazil and from the rest
of the world. The first group of texts approaches the theme from a more
ample perspective. The first one, from Bernard Charlot, discusses the profes-
sor in contemporaneous society as a worker embedded in contradictions,
which means in contrary to what is envisioned as an ideal teacher, he consi-
ders the real teacher who works every day in Brazilian classroom, fighting
against the contradictions which the present economical, social and cultural
world entails. Cristina d´Ávila, analyzing teachers’ education in the contem-
poraneous world, presents some educational models and the more recent
perspectives based upon the epistemology of practice and existential pheno-
menology. She concludes that curriculum are often constructed based upon
present pedagogical theories, but they are not always put in practice, as before
changing curriculum, one needs to changes postures and attitudes. In the same
way, in front of curricular changes proposed by the government, Claude
Lessard highlights the teacher’s work as indispensable, as it is where the
projects and programs may give concrete expression to themselves. The pa-
per from Francineide Pereira de Jesus and Jacques Jules Sonneville looks at
the needs to transform contemporary teacher education into spaces of real
and systematic reflections upon human complexity, focusing on teachers’ daily
life so as to provoke consciousness and later a new posture. Maria Antonieta
de Campos Tourinho reflects upon how bringing together complexity and mul-
tireferenciality enables a more polytheist vision of life, precious condition for
research in the contemporaneous world. Concluding this set of texts, Maria
de Lourdes Ornellas in Real, Symbolic and Imaginary in Contemporary
Teaching analyzes the teachers affective actions through students discourses,
trying to identify how is constituted the learning process.
The next set includes three papers which analyze the challenges of con-
temporary school in all their complexity, linked to what teachers have to cope
with in their daily classroom life. Umberto de Andrade Pinto, in Challenges of
Contemporaneous Public School in Brazil starts from the understanding
that research about teachers’ formation only makes sense if it is articulated
with school complexity, especially concerning qualitative evaluation of students
learning. The paper from Sueli Menezes Pereira about Formation of Tea-
chers for Basic Education under the Demands Framed by the World of

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, jul./dez., 2008 11


Labor, relates a qualitative research about the “National Norms on Teachers
Education”, which basic conception uses the notion of competence to orientate
the curriculum through an epistemology adapted to capital exigencies. The third
paper from Sonia Regina Landini, shows the consequences of an education
characterized by the capitalist logic of production in Teacher Work, Precariza-
tion and Sickness
University teaching is the specific theme of the third and main set of papers
in which 7 texts indicates the actuality of this question. Ilma Passos Alencastro
Veiga analyzes professional development as a progressive evolution of the tea-
cher role and a path to the construction of teaching in universities. In this
sense, Mary Rangel and Luciano A. M. Pinto show the importance of the aca-
demic community participative process in the planning of teaching action
in superior education. Meirecele Calíope Leitinho shows the dialectic relati-
on which exists between the idea of university and formation to teach in
universities. The paper from Sandra Regina Soares et al. Teaching in Peda-
gogy Student’s Representation in a Public University in Bahia, Brazil, sho-
ws the repercussions on professional identity of educational practices which
happened during initial formation. Next, the paper from Elisa Lucarelli et al.,
University Didactics: trajectories and strategic mainlines for collective
production of knowledge, describes team-work research results about tea-
cher formation in universities.
This set concludes with two papers about teaching in graduate programs in
education. The paper of Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet and Marina Por-
tella Ghiggi explains how university professors learn and are formed within
education graduated programs. Maria Isabel da Cunha also considers the pro-
grams as The Space of Graduate Studies in Education: a possibility for
teacher training for higher education.
The ultimate set deals with teaching with information and communication
technologies, important theme to which the journal dedicated the volume 22 and
23. In this volume, we present three more papers: Formal and Informal Ne-
twork Learning Environments: teachers make difference, from Clarissa Bit-
tencourt de Pinho e Braga and Robinson Moreira Tenório; Contemporary
Connections: emergent possibilities from the interface between rural edu-
cation and ICT, from Antonio Dias Nascimento and Tânia Maria Hetkowski;
and Evaluative Practice in Virtual Learning Environment from Lana Silva
and Marco Silva.
This volume ends with the presentation of eight masters’ thesis abstracts so
as to turn the research and their author known to a national audience.

The editors and


Cristina d´Ávila,
coordinator of this volume

12 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, jul./dez., 2008


Temas e prazos dos próximos números
da Revista da FAEEBA:
Educação e Contemporaneidade

Enviar textos para Jacques Jules Sonneville – jacqson@uol.com.br

Themes and terms for the next journals


of Revista da FAEEBA:
Educação e Contemporaneidade

Email papers to Jacques Jules Sonneville – jacqson@uol.com.br

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, jul./dez., 2008 13


DOCÊNCIA E
CONTEMPORANEIDADE
Bernard Charlot

O PROFESSOR NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA:


UM TRABALHADOR DA CONTRADIÇÃO

Bernard Charlot *

RESUMO

O artigo pretende confrontar as injunções da sociedade contemporânea com o que


está vivendo o professor “normal”, isto é, a professora que atua a cada dia numa
dessas salas de aula que constituem a realidade educacional brasileira. O professor
enfrenta contradições que decorrem da contemporaneidade econômica, social e
cultural: deve ensinar a todos os alunos em uma escola e uma sociedade regidas pela
lei da concorrência, transmitir saberes a alunos cuja maioria quer, antes de tudo,
“passar de ano” etc. Essas contradições, porém, não são um simples reflexo das
contradições sociais; arraigam-se, também, nas tensões inerentes ao próprio ato de
ensino/aprendizagem. O artigo analisa como essas tensões tornam-se contradições
na sociedade contemporânea. Destaca seis pontos. O professor é herói ou vítima? É
“culpa” do aluno ou do professor? O professor deve ser tradicional ou construtivista?
Ser universalista ou respeitar as diferenças? Restaurar a autoridade ou amar os alunos?
A escola deve vincular-se à comunidade ou afirmar-se como lugar específico?
Palavras-chaves: Professor – Ensino – Contemporaneidade – Contradições

ABSTRACT

THE TEACHER IN CONTEMPORARY SOCIETY: A WORKER OF


CONTRADICTION
The article intends to confront the injunctions of the contemporary society with
what the normal professor is living, that is, the teacher who acts every day in one
of these classrooms that constitute the Brazilian educational reality. The professor
faces contradictions that follow from the economic, social and cultural
contemporaneousness: he must teach to all the pupils in a school and a society
dominated by the rule or competition, transmit knowledges to pupils whose majority
wants, more than everything, to be promoted to the next grade, etc. These
contradictions, however, are not simples consequences of the social contradictions;
they are rooted, also, in the peculiar tensions between teaching and learning. The
paper analyzes how these tensions become contradictions in the contemporary
society. It emphasizes six questions. Is the professor hero or victim? Who is guilty,

* Doutor e Livre-Docente em Ciências da Educação. Professor Emérito da Universidade de Paris 8. Professor-Visitante no


Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Sergipe, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas
Educação e Contemporaneidade (EDUCON). Endereço para correspondência: Universidade Federal de Sergipe, Núcleo de
Pós-Graduação em Educação (NPGED), Cidade Universitária Prof. “José Aloísio de Campos”, Av. Marechal Rondon, s/n
Jardim Rosa Elze – 49100-000 São Cristóvão/SE. E-mail: bernard.charlot@terra.com.br

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 17-31, jul./dez. 2008 17
O professor na sociedade contemporânea: um trabalhador da contradição

pupil or professor? Must the professor be traditional or constructivist? Must he/she


be universalist or respect differences? Must he/she demonstrate authority or must
he/she love pupils? Must school be linked with the community or must school be
emphasized as a specific place?
Keywords: Teacher – Teaching – Contemporaneousness – Contradictions

Em 1999, António Nóvoa publicou um artigo inti- 1. A escola e o professor na encruzi-


tulado “Os Professores na Virada do Milênio: do lhada das contradições econômicas,
excesso dos discursos à pobreza das práticas”. No sociais e culturais
resumo do artigo, ressaltou os seguintes pontos.
Até a década de 50 do século XX, a escola
A chave de leitura do artigo é a lógica excesso-pobre-
za, aplicada ao exame da situação dos professores:
primária cumpre funções de alfabetização, trans-
do excesso da retórica política e dos mass-media à missão de conhecimentos elementares e, como di-
pobreza das políticas educativas; do excesso das lin- ziam no século XIX, “moralização do povo pela
guagens dos especialistas internacionais à pobreza educação”. Poucas crianças seguem estudando
dos programas de formação de professores; do ex- além desse nível primário. Aliás, no Brasil, uma
cesso do discurso científico-educacional à pobreza grande parte da população nem é alfabetizada, por
das práticas pedagógicas e do excesso das “vozes” não entrar na escola primária ou nela permanecer
dos professores à pobreza das práticas associativas pouco tempo. Quanto aos jovens das classes po-
docentes. Não recusando um pensamento “utópico”, pulares, saem da escola para trabalhar na roça,
o autor critica as análises “prospectivas” que reve- numa loja, etc., sejam eles bem-sucedidos ou fra-
lam um “excesso de futuro” que é, ao mesmo tempo, cassados. Para as crianças do povo, a escola não
um “déficit de presente” (NÓVOA, 1999).
abre perspectivas profissionais e não promete as-
Quando se reflete sobre os desafios encarados censão social, com exceção de uma pequena mi-
pelos professores na sociedade contemporânea, é noria que, muitas vezes, passa a ensinar na escola
preciso não esquecer a advertência: ao acumular primária. Os jovens oriundos da classe média con-
palavras ou expressões como “globalização”, “ino- tinuam estudando além da escola primária, mas,
vações”, “sociedade do saber”, “novas tecnologi- na maioria das vezes, esses estudos os levam às
as de informação e comunicação”, corre-se o risco posições sociais a que já eram destinados.
de sacrificar a análise do presente à visão proféti- Portanto, a escola não cumpre um papel im-
ca do futuro. Contudo, em uma sociedade cujo pro- portante na distribuição das posições sociais e
jeto é o “desenvolvimento” e que está vivendo uma no futuro da criança e, conseqüentemente, a vida
fase de transformações rápidas e profundas e em dentro da escola fica calma, sem fortes turbu-
se tratando da formação das crianças, é difícil evi- lências. Alunos fracassam, mas esse fracasso é
tar a perspectiva do futuro quando se fala da edu- apenas um problema pedagógico, não acarreta
cação. Parece-me possível superar a dificuldade conseqüências dramáticas e, sendo assim, não é
analisando as contradições que o professor con- objeto de debate social. Não se fala sobre a “vi-
temporâneo deve enfrentar. Elas decorrem do cho- olência escolar”; decerto, há atos de indisciplina
que entre as práticas do professor atual e as e pequenas violências entre as crianças, mas
injunções dirigidas ao futuro professor ideal. São estão na “ordem das coisas” e não preocupam a
elas, a meu ver, que levam ao “excesso dos discur- opinião pública e os professores. Isso não signi-
sos”. Essa é a chave de leitura deste artigo, que fica dizer que não haja debates sobre a escola,
pretende confrontar as injunções da sociedade con- por exemplo, na década de 30 no Brasil. Não se
temporânea com o que está vivendo o professor discute, porém, o que está acontecendo dentro
“normal”, isto é, a professora que atua a cada dia da escola; debate-se o acesso à escola e a con-
numa dessas salas de aula que constituem a reali- tribuição do ensino para a modernização do país.
dade educacional brasileira. As contradições relativas à escola são contradi-

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Bernard Charlot

ções sociais a respeito da escola e não contradi- diplomas superiores aos dos demais alunos para
ções dentro da escola. conquistar as melhores vagas no mercado de tra-
Em tal configuração socioescolar, a posição balho e ocupar as posições sociais mais lucrativas
social dos professores, a sua imagem na opinião e prestigiosas. A escola vira espaço de concorrên-
pública, o seu trabalho na sala de aula são clara- cia entre crianças.
mente definidos e estáveis. O professor é mal pago, Em segundo lugar, as novas camadas sociais
mas é respeitado e sabe qual é a sua função social que ingressam para a escola, em particular para o
e quais devem ser as suas práticas na sala de aula. último segmento do ensino fundamental, importam
Essa configuração histórica muda por inteiro a para o universo escolar comportamentos, atitudes,
partir dos anos 60 e 70 do século XX. Na maioria relações com a escola e com o que nela se estuda,
dos países do mundo, a escola passa a ser pensada que não combinam com a tradição e até com a
na perspectiva do desenvolvimento econômico e função da escola. Esses “novos alunos” encontram
social; é o caso nos Estados-Unidos, na França, no dificuldades para atender às exigências da escola
Japão e nos países do Sudeste Asiático, no Brasil, no que diz respeito às aprendizagens e à disciplina.
nos países africanos, etc. Essa nova perspectiva Ademais, já se desenvolvem novas fontes de in-
leva a um esforço para universalizar a escola pri- formação e de conhecimento, em especial a tele-
mária e, a seguir, o ensino fundamental. Dessa visão, mais atraentes para os alunos do que a escola.
época para cá, aos poucos ingressam na escola, Em terceiro lugar, os professores sofrem novas
em níveis cada vez mais avançados, rapazes e pressões sociais. Já que os resultados escolares
moças pertencentes a camadas sociais que, outro- dos alunos são importantes para as famílias e para
ra, não tinham acesso à escola ou apenas cursa- “o futuro do país”, os professores são vigiados,
vam as primeiras séries. Esse movimento de criticados. Vão se multiplicando os discursos so-
expansão escolar é organizado e pilotado, antes de bre a escola, mas também sobre os professores.
tudo, pelo Estado. No entanto, os salários dos professores permane-
Doravante, o fato de ter ido à escola, ter estu- cem baixos e, no Brasil, até muito baixos. Com
dado até certo nível de escolaridade, ter obtido um efeito, o salário auferido por uma categoria profis-
diploma abre perspectivas de inserção profissional sional não depende apenas da importância social
e ascensão social. Com efeito, estudos e diplomas da sua função e da competência requerida para
permitem conseguir empregos gerados pelo desen- cumpri-la, mas, também, da raridade das pessoas
volvimento econômico e social e pela expansão da aptas a ocupar a mesma vaga. Ora, com a expan-
própria escola. Começa a se impor um novo mo- são da escola, em particular nas camadas sociais
delo de ingresso na vida adulta, modelo esse que populares, desprovidas das redes relacionais que
articula nível de estudos a posição profissional e possibilitam conseguir os empregos mais cobiça-
social. Apesar das taxas elevadas de desemprego dos, são cada vez mais numerosas as pessoas di-
e da importância da economia informal, esse mo- plomadas e aptas a ensinar.
delo já predomina no Brasil: a história escolar de Por todas essas razões, a contradição entra na
uma criança acarreta conseqüências importantes, escola e desestabiliza a função docente. A socie-
efetivas ou potenciais, para sua vida futura. dade tende a imputar aos próprios professores a
Em tal configuração socioescolar, a contradi- responsabilidade dessas contradições. Até as prá-
ção entra para a escola. ticas pedagógicas, cuja eficácia parecia compro-
Primeiro, porque, doravante, importa muito o vada pela tradição, são questionadas e criticadas:
fato de ter sido bem-sucedido na escola ou, ao con- começa a ser desprezado o professor “tradicional”.
trário, fracassado, o que torna mais angustiada a Perduram até os dias atuais as funções confe-
relação dos alunos e dos pais com a escola e mais ridas à escola nos anos 60 e 70, os pedidos a ela
tensa a sua relação com os professores. A nota e o endereçados, as contradições que ela deve enfren-
diploma medem o valor da pessoa e prenunciam o tar e, portanto, a desestabilização da função do-
futuro do filho. Não basta tirar uma nota boa e cente. Nessa base, contudo, dá-se uma nova gui-
obter um bom diploma, é preciso conseguir notas e nada nas décadas de 80 e 90. Esta é geralmente

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O professor na sociedade contemporânea: um trabalhador da contradição

atribuída à “globalização”, fenômeno bastante es- Hoje em dia, o professor já não é um funcionário
curo nas mentes, mas percebido como ameaça e que deve aplicar regras predefinidas, cuja execu-
exigência inelutável. Na verdade, a própria globa- ção é controlada pela sua hierarquia; é, sim, um pro-
lização, isto é, o desenvolvimento de redes trans- fissional que deve resolver os problemas. A injunção
nacionais pelas quais transitam fluxos de merca- passou a ser: “faça o que quiser, mas resolva aquele
dorias, serviços, capitais, informações, imagens, problema”. O professor ganhou uma autonomia pro-
etc., até agora surtiu poucos efeitos diretos em fissional mais ampla, mas, agora, é responsabilizado
países como o Brasil (CHARLOT, 2007). As mu- pelos resultados, em particular pelo fracasso dos
danças, incluídas aquelas que dizem respeito à es- alunos. Vigia-se menos a conformidade da atuação
cola, decorrem das novas lógicas neoliberais, im- do professor com as normas oficiais, mas avaliam-
pondo a sua versão da modernização econômica e se cada vez mais os alunos, sendo a avaliação o
social. Essas lógicas são ligadas à globalização, mas contrapeso lógico da autonomia profissional do do-
constituem um fenômeno mais amplo. Podem ser cente. Essa mudança de política implica numa trans-
resumidas da seguinte forma. formação identitária do professor.
Primeiro, tornam-se predominantes as exigên- Para resolver os problemas, o professor é con-
cias de eficácia e qualidade da ação e da produção vidado a adaptar sua ação ao contexto. A escola e
social, inclusive quando se trata de educação. os professores devem elaborar um projeto políti-
Em segundo lugar, essas exigências levam a co-pedagógico, levando em conta as característi-
considerar o fim do ensino médio como o nível de- cas do bairro e dos alunos, mobilizar recursos
sejável de formação da população em um país que culturais e financeiros que possibilitem melhorar a
ambiciona enfrentar a concorrência internacional eficácia e a qualidade da formação, tecer parceri-
e a abrir as portas do ensino superior a uma parte as, desenvolver projetos com os alunos etc. Essas
maior da juventude. Por um efeito de feedback, novas exigências requerem uma cultura profissio-
crescem as exigências atinentes à qualidade do nal que não é a cultura tradicional do universo do-
ensino fundamental. cente; o professor, que não foi e ainda não é formado
Em terceiro lugar, a ideologia neoliberal impõe para tanto, fica um pouco perdido.
a idéia de que a “lei do mercado” é o melhor meio, O professor deve, agora, pensar de modo, ao
e até o único, para alcançar eficácia e qualidade. mesmo tempo, “global” e “local”. Há de preparar
Multiplicam-se as privatizações, inclusive, em al- os seus alunos para uma sociedade globalizada e,
guns países, em especial no Brasil, as do ensino, também, de “ligar a escola à comunidade”.
quer fundamental, quer médio, quer superior ainda Esse global, o professor encontra-o, sobretudo,
mais. De modo geral, a esfera na qual o Estado sob forma da cultura informática. Esta o coloca
atua diretamente reduz-se. O Estado recua, em face a uma tripla dificuldade.
proveito do “global” e, ainda, do “local”, beneficia- Primeiro, o acesso fácil a inumeráveis informa-
do pelo recuo do Estado. ções, graças à Internet, faz com que o docente já
Por fim, desenvolvem-se em ritmo rápido no- não seja para o aluno, como foi outrora, a única,
vas tecnologias de informação e comunicação: nem sequer a principal fonte de informações sobre
computador, Internet, CD-ROM, celular. Dessa o mundo. Sendo assim, é preciso redefinir a fun-
forma, nascem e crescem espaços de comunica- ção do professor, para que este não seja desvalori-
ção e informação que escapam ao controle da es- zado. Mas esse trabalho de redefinição ainda não
cola e da família e que fascinam particularmente foi esboçado.
os jovens: MSM, Orkut etc. Ademais, o interesse dos alunos pela comuni-
Todas essas transformações têm conseqüênci- cação por Internet e por celular faz com que eles
as sobre a profissão docente, desestabilizada não leiam cada vez menos textos impressos, enquanto
apenas pelas exigências crescentes dos pais e da esse tipo de textos permanece a base da aprendi-
opinião pública, mas também na sua posição pro- zagem escolar da língua e da cultura escolar, e in-
fissional (nas escolas particulares), na sua posição ventam novas formas lingüísticas em uma
diante de seus alunos, nas suas práticas. comunicação “pingue-pongue”.

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Por fim, o professor é convidado a utilizar es- vezes, a educação infantil, acentuam essa focali-
sas novas tecnologias no seu ensino e as escolas zação dos alunos e dos professores sobre a nota.
recebem computadores. O professor alega que não O próprio professor encarna essa contradição
foi formado para tanto. É verdade, mas há dois radical: sonha em transmitir saberes e formar jo-
obstáculos ainda maiores ao uso pedagógico des- vens, mas vive dando notas a alunos. De forma
sas novas tecnologias. Primeiro, existe uma dife- mais ampla, o professor trabalha emaranhado em
rença entre “informação” e “saber”: como usar as tensões e contradições arraigadas nas contradições
informações disponibilizadas pela Internet para econômicas, sociais e culturais da sociedade con-
transmitir ou construir saberes? Se não for desen- temporânea.
volvida uma reflexão fundamental sobre esse as-
sunto, os computadores permanecerão nos 2. As contradições no cotidiano: a pro-
armários das escolas, ou numa sala trancada. Se- fessora na escola e na sala de aula
gundo, a “forma escolar”, isto é, as estruturas de
espaço e tempo das escolas, a forma como os alu- O professor é uma figura simbólica sobre a qual
nos são distribuídos em turmas, os modos de avali- são projetadas muitas contradições econômicas,
ar não combinam com o uso pedagógico do sociais e culturais. Contudo, seria um erro consi-
computador e da Internet. derar que as contradições enfrentadas pela pro-
Como já mencionado, o professor defronta-se, fessora1 , no cotidiano, são um simples reflexo das
ainda, com novos tipos de alunos, cujos modos de contradições sociais. A situação é mais complexa.
pensamento pouco condizem com o que requer o Existem tensões inerentes ao próprio ato de edu-
sucesso escolar. Ao levar à idéia de uma constru- car e ensinar. Quando são mal geridas, essas ten-
ção, ou reconstrução, do saber pelo aluno, de for- sões viram contradições, sofridas pelos docentes e
ma ativa, em um processo de mobilização pelos alunos. Os modos como se gerem as tensões
intelectual, as pesquisas em Psicologia, Sociologia, e as formas que tomam as contradições depen-
Epistemologia, Educação propõem ao professor dem da prática da professora e, também, da orga-
uma solução, amplamente difundida pelos centros nização da escola, do funcionamento da Instituição
de formação. Contudo, a proposta “construtivis- escolar, do que a sociedade espera dela e lhe pede.
ta”, por valiosa que seja em si, implica formas de Portanto, as contradições são, ao mesmo tempo,
organização e de avaliação escolares diferentes das estruturais, isto é, ligadas à própria atividade do-
que estruturam a escola atual. Resta o construti- cente, e sócio-históricas, uma vez que são molda-
vismo como injunção endereçada ao professor, vara das pelas condições sociais do ensino em certa
mágica que poderia resolver os problemas atuais época. São essas tensões e contradições, na sua
da escola, dos professores e dos alunos. dupla dimensão, que tentarei analisar aqui.
Por fim, o professor sofre os efeitos de uma
contradição radical da sociedade capitalista con-
temporânea. Por um lado, esta precisa de traba- 2.1. O professor herói e o professor
lhadores cada vez mais reflexivos, criativos, vítima
responsáveis, autônomos – e, também, de consu-
midores cada vez mais informados e críticos. Por Quando se observam as palestras públicas so-
outro lado, porém, ela promove uma concorrência bre a escola e os debates que se seguem, percebe-
generalizada, em todas as áreas da vida, trate-se se uma situação interessante: o palestrante fala à
de produção, de serviço, de lazer e até de beleza. platéia como se esta fosse constituída por profes-
Sendo assim, uma formação cada vez mais ambi- sores heróis, professoras santas ou militantes e, a
ciosa é proposta a alunos visando cada vez mais à seguir, intervêm no debate professores e professo-
nota e não ao saber. As avaliações nacionais
(SAEB, ENEM, no Brasil) e internacionais (PISA) 1
Uso a palavra professor quando se trata da figura simbólica que
encarna a função docente e as palavras professor ou professora
e o vestibular brasileiro, que norteia o ensino mé- quando penso na pessoa singular que cumpre essa função, no
dio e, de forma indireta, o ensino fundamental e, às cotidiano.

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O professor na sociedade contemporânea: um trabalhador da contradição

ras que se sentem vítimas da sociedade, dos pais, discurso é certo, mas incompleto: quem quiser, pode,
dos alunos, das Secretarias de Educação etc. Do contanto que assuma a postura de herói, santo,
mesmo modo, para quem falam os professores militante. O problema é que há, no Brasil, cerca de
universitários e demais formadores de docentes? 2,4 milhões de “funções docentes”2 . Será que te-
Para professoras que encarnam o patrimônio uni- remos de esperar que tanta gente se converta ao
versal do saber, que entendem tudo de Piaget, heroísmo para mudar a escola brasileira?
Vygotsky, Freud, Marx e mais alguns, que adoram Os docentes têm consciência dessa injunção
se comunicar com os jovens e, ainda, redigir pla- heróica e reclamam. Recentemente, após uma
nejamentos detalhados, que amam todas as crian- palestra em que tinha explicado que os alunos se
ças, até as mais violentas e chatas e, além disso, queixam da rotina escolar e avançado a idéia da
que não pedem “receitas” para conseguirem ser escola como lugar de aventura intelectual, recebi,
heroínas e santas. O que é essa profissão em que, por escrito, a seguinte “pergunta”, que foi bastante
para ser um bom profissional, deve-se ser santo ou aplaudida pela platéia de professores.
militante? No discurso pedagogicamente correto, O professor está sempre errado.
cadê a professora “normal”, isto é, a professora * é jovem: não tem experiência
que prefere ir à praia ou namorar a dar aula de * é velho: está superado
matemática? Isso não significa dizer que não seja * chama atenção: é grosso
uma boa professora. Qual é exatamente a função * não chama atenção: não tem moral
daquele discurso heróico? * usa a língua portuguesa corretamente: ninguém
A esse respeito, vale refletir sobre a função entende
desempenhada, nos debates sobre a escola, pelos * fala a linguagem do aluno: não tem vocabulário
exemplos de escolas famosas, que se tornaram * tem carro: chora de barriga cheia
radicalmente diferentes das escolas triviais – como, * anda de ônibus: é coitado
* o aluno é aprovado: deu mole
nos dias atuais, a escola portuguesa da Ponte, cuja
* o aluno é reprovado: perseguição.
história é divulgada pelo Brasil, com talento, por Como implementar uma aventura intelectual nas
José Pacheco, um dos seus atores (PACHECO, escolas, marcadas por transformações sociais?
2003; 2006). Não há dúvida alguma de que essa
escola seja interessante, como é a sua apresenta- Esse texto evidencia três fenômenos. Primeiro:
ção por José Pacheco. O problema é outro: por o professor tem consciência de estar preso em dis-
que esse exemplo comove tanto professoras que cursos contraditórios. Segundo: ele interpreta es-
nunca tentaram fazer o mesmo e, na sua maioria, sas contradições em termos pessoais, ainda que
iriam recusar tal aventura se lhes fosse proposta? entenda que são ligadas a transformações sociais.
Avanço a hipótese de que tais exemplos e, de for- Terceiro fenômeno: essa situação gera vitimização,
ma mais geral, os discursos heróicos sobre a edu- indignação e desmobilização profissional.
cação e a escola, satisfazem a “parte do sonho” Por um lado, o herói da Pedagogia. Por outro, a
que subsiste nas professoras, por mais difíceis e vítima, mal paga e sempre criticada. Falta o pro-
afastadas do ideal que sejam as suas condições fessor normal, que trabalha para ganhar um salá-
reais de trabalho. O professor herói é o Eu Ideal rio e sustentar sua família, que vive situações
coletivo que possibilita às professoras agüentarem esgotantes e, também, prazeres dos quais pouco
o seu trabalho cotidiano. Do lado da Instituição de fala, que se sente objeto de críticas, mas, afinal de
formação, ele é a prova de que “isso é possível”, contas, orgulha-se do trabalho feito, que ensina com
que quem quer mesmo mudar, pode. Desse ponto rotinas provadas, mas, às vezes, abre parênteses
de vista, existe uma convergência implícita entre construtivistas.
os propagadores de exemplos famosos e o discur- Ao silenciar, o professor normal conforta-se, o
so universitário pedagogicamente correto, apesar que Peter Woods (1990) chama de “estratégias de
do desprezo explícito para com a universidade 2
É difícil conhecer o número exato de docentes, uma vez que
manifestado, muitas vezes, por esses propagado- muitos têm dois empregos ou até três. Por isso, contabilizam-se
res. Os discursos são iguais: quem quiser, pode. O as “funções docentes”.

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sobrevivência”. O primeiro objetivo do professor, Sendo assim, permanentemente, ela deve pres-
explica ele, é sobreviver, profissional e psicologi- sionar o aluno, negociar, procurar novas aborda-
camente, e só a seguir vêm os objetivos de forma- gens dos conteúdos ensinados, adaptar o nível da
ção dos alunos. Quanto mais difíceis as condições sua aula, sem por isso renunciar à transmissão do
de trabalho, mais predominam as estratégias de saber. Existe, portanto, uma tensão inerente ao ato
sobrevivência. Avanço a hipótese de que são es- de ensino/aprendizagem. Quando o aluno não con-
sas estratégias de sobrevivência, e não uma miste- segue aprender, sempre chega um momento em
riosa “resistência à mudança”, que freiam as que é difícil não levantar a questão de saber de
tentativas de reforma ou inovação pedagógica. quem é a culpa. Do aluno, que é burro, ou da pro-
Quem propõe uma mudança significativa desesta- fessora, que não sabe ensinar? Não é apenas um
biliza as estratégias de sobrevivência do professor problema pedagógico; é o valor pessoal e a digni-
e este não recusa a mudança, mas a reinterpreta dade de cada um que está em jogo.
na lógica de suas estratégias de sobrevivência – o Trata-se de uma tensão, e não de uma contra-
que, muitas vezes, acaba por esvaziar o sentido da dição, mas sempre a tensão pode gerar contradi-
inovação. ção e conflito. Com efeito, em tal situação, logo a
Esse balanço do professor, entre herói e vítima, professora ultrapassa os limites da pressão peda-
é um efeito estrutural, inerente à própria situação gógica legítima e, irritada, recorre a meios que fe-
de ensino, como será explicitado na próxima seção rem o direito do aluno a ser respeitado. O aluno,
deste artigo. Entretanto, pode ser mais ou menos por sua vez, não deixa de se vingar da humilhação
amplo. Quando o professor se sente amparado pela provocada pelos xingamentos e castigos e pelo pró-
sociedade e pela Instituição escolar, trata-se ape- prio fracasso em aprender.
nas de um balanço de pouca amplitude, que se Esse deslize da tensão para o conflito é rápido
manifesta quando ocorrem dificuldades profissio- na sociedade contemporânea. Como foi mencio-
nais particulares. Mas quando a sociedade e a pró- nado, o sucesso e o fracasso escolar já não são
pria Instituição escolar abandonam o professor e somente assuntos pedagógicos, uma vez que acar-
até o criticam, como fazem hoje em dia, esse ba- retam conseqüências importantes para o futuro
lanço torna-se um marco da identidade profissio- profissional e social da criança. Logo, a relação
nal e social do professor. pedagógica torna-se mais tensa do que outrora. Pior
ainda: enquanto o sucesso escolar requer uma
mobilização intelectual do aluno, este vive a escola
2.2. “Culpa” do aluno ou “culpa” do cada vez mais na lógica da nota e da concorrência
professor? e cada vez menos na da atividade intelectual. Não
vai à escola para aprender, mas para tirar boas
Só pode aprender quem desenvolve uma ativi- notas e passar de ano, sejam quais forem os meios
dade intelectual para isso e, portanto, ninguém pode utilizados, às vezes, com o respaldo dos pais. As
aprender no lugar do outro. Às vezes, quando um minhas pesquisas sobre a relação com a escola e
aluno não entende as explicações da professora, com o saber evidenciaram uma crescente defasa-
esta gostaria de poder entrar no seu cérebro para gem entre nota esperada e mobilização intelectual
fazer o trabalho. Mas não pode: por mais seme- do aluno. Para este, quem é ativo no ato de ensino/
lhantes que sejam os seres humanos, são também aprendizagem é, antes de tudo, o professor
singulares e, logo, diferentes. Quem aprende é o (CHARLOT, 2005). Nessa lógica, cabe ao aluno
aluno. Se não quiser, recusando-se a entrar na ati- ir à escola e escutar o professor, sem bagunçar,
vidade intelectual, não aprenderá, seja qual for o brincar nem brigar. Posto isso, o que ocorrerá de-
método pedagógico da professora. Nesse caso, pende do professor: se este explicar bem, o aluno
quem será cobrado pelo fracasso? O próprio alu- aprenderá e obterá uma boa nota. Se a nota for
no, mas igualmente a professora. Em outras pala- ruim, será porque o professor não explicou bem. O
vras, o aluno depende da professora, mas, também, aluno que escutou o professor se sente injustiçado
esta depende daquele. quando tira uma nota ruim: quem deveria ter essa

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O professor na sociedade contemporânea: um trabalhador da contradição

nota é o próprio professor, aquele que, para cúmu- car é, antes de tudo, obter que a Razão controle e
lo da injustiça, deu-lhe essa nota! domine as emoções e paixões. Muitas vezes, obje-
Professor é quem aceita essa dinâmica, nego- ta-se à pedagogia tradicional que ela exige das cri-
cia, gere a contradição, não desiste de ensinar e, anças comportamentos que não condizem com a
apesar de tudo, mas nem sempre, consegue for- natureza destas. Mas é precisamente porque são
mar os seus alunos. contrários à natureza que a escola os requer. A
pedagogia tradicional visa a emancipar a Razão
2.3. Tradicional ou construtivista? humana das cadeias da emoção, do corpo, da na-
tureza. “Soma sema”, diz Platão: o corpo é um tú-
As professoras brasileiras, como a maioria dos mulo e a educação é ascensão do mundo sensível
docentes, no mundo inteiro, são basicamente tradi- para o mundo inteligível das Idéias (PLATÃO,
cionais. Entretanto, essas professoras tradicionais 2002). Nos séculos XVI e XVII, considera-se que
sentem-se obrigadas a dizer que são construtivis- a natureza infantil é corrupta e que o papel da edu-
tas! Têm práticas tradicionais porque a escola é cação é livrar a criança da corrupção. Bérulle fala
organizada para tais práticas e, ainda que seja indi- “do estado da infância, estado mais vil e abjeto da
retamente, impõe-nas. Declaram-se construtivis- natureza humana, depois do da morte” e os peda-
tas para atenderem à injunção axiológica: para ser gogos de Port-Royal declaram: “O diabo ataca as
valorizado, o docente brasileiro deve dar-se por crianças e elas não o combatem” (CHARLOT,
construtivista. A contradição permanece suportá- 1979, p.117). Ainda no século XVIII, Kant escre-
vel, haja vista que, por um lado, trata-se das práti- ve: “A disciplina transforma a animalidade em hu-
cas e, por outro, de simples rótulos. No entanto, manidade (...). É assim, por exemplo, que se enviam
ela entretém certo mal-estar ou até cinismo entre logo de início as crianças à escola, não com a in-
os professores e tende a ocultar, atrás daquela opo- tenção de que lá aprendam alguma coisa, mas a
sição entre “tradicional” e “construtivista”, as ver- fim de que se habituem a permanecer tranqüila-
dadeiras dificuldades e contradições que enfrenta mente sentadas e a observar o que se lhes orde-
a professora brasileira. na” (CHARLOT, 1979, p. 73).
“Tradicional” passou a ser um insulto, evocan- Mudou por inteiro a nossa representação da cri-
do a poeira das antigas casas e as lixeiras da peda- ança, com Rousseau, com o advento da burguesia
gogia. Além do insulto, de que se trata exatamente? e, mais ainda, no século XX, com a legitimação do
Descartemos a hipótese de que esse adjetivo desejo e a valorização de tudo quanto é “natural”.
remete à transmissão de um patrimônio. Esta é uma Portanto, o discurso histórico da pedagogia tradicio-
das funções fundamentais da educação e da esco- nal é ultrapassado, claro está. Todavia, será que se
la e, nesse sentido, seja qual for o seu funciona- pode considerar resolvida a questão que ela levan-
mento e sua pedagogia, uma escola não pode deixar ta, isto é, a da estruturação do sujeito humano por
de ser tradicional. A representação do professor normas éticas e sociais? Não seria este o problema
considerado “tradicional”, ainda que permaneça um fundamental enfrentado por muitas professoras, na
tanto vaga, ajunta certo feitio e supostos métodos. sala de aula contemporânea: disciplinar e estruturar
É rotulado como tradicional o professor que crianças que vivem na cultura do prazer imediato e
confere uma grande importância à disciplina, ao já não agüentam qualquer frustração?
respeito, à polidez, o que lhe vale a fama de ser O professor é, também, rotulado como tradici-
severo. Desprezar essa postura pedagógica é um onal, quando utiliza os mesmos métodos pedagógi-
pouco paradoxal, uma vez que a sociedade con- cos dos professores das gerações anteriores. Vale
temporânea reclama da escola que já não educa refletir sobre esse argumento. Primeiro, não cor-
as crianças, não ensina a polidez aos alunos, não responde à realidade atual: nenhum professor en-
consegue conter a violência, impor a sua autorida- sina como faziam outrora. Muitos gostariam de
de etc. Mais ainda: o que é assim apontado como fazê-lo, mas isso se tornou impossível, já que tan-
atitude do professor é, na verdade, o fundamento tas coisas mudaram. Segundo, o argumento não
filosófico da pedagogia tradicional. Para esta, edu- corresponde à realidade histórica. Acredita-se que

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Bernard Charlot

é tradicional o professor que ministra aulas exposi- (VYGOTSKY, 1987). Disso, podemos deduzir que
tivas a alunos passivos. Na verdade, esse método a função do professor não é apenas acompanhar os
não é tradicional, é um desvio ocorrido no século alunos em processos construtivistas, mas também,
XX. A pedagogia tradicional solicita muito a ativi- de forma mais “tradicional”, pôr em circulação sig-
dade do aluno, que, no ensino primário, faz exercí- nificações desconhecidas pelo aluno. Segundo,
cios e, no ensino secundário, redige versões, temas, Vygotsky explica que o “saber científico”, no qual
dissertações, etc. Alain, melhor representante da ele inclui o saber escolar, difere do “saber comum”,
pedagogia tradicional no século XX, escreve, a res- ou “cotidiano”, por possuir três características: é
peito das salas de aula onde o professor sempre consciente, voluntário, sistemático. Cabe salientar
fala: “odeio essas pequenas sorbonnes” (ALAIN, que Piaget e Bachelard, por mais “construtivistas”
1969). A característica do método tradicional é que sejam, consideram também a sistematicidade
outra: o professor explica o conteúdo da aula e as como um marco da cientificidade. Ora, a questão
regras da atividade e o aluno aplica o que lhe foi da sistematização é o principal obstáculo em que
ensinado. Primeiro vêm o saber e as regras e, a esbarram os métodos de ensino construtivistas. Por
seguir, a atividade do aluno. si só, a atividade intelectual dos alunos não os leva
Desse ponto de vista, o construtivismo opera, aos saberes sistematizados e institucionalizados e
de fato, uma ruptura fundamental. Ser construti- às palavras que os acompanham. Sempre chega um
vista não significa, como se pensa muitas vezes, momento em que a professora deve substituir as
ou, melhor, como se fala sem pensar, ser moderno, palavras criadas pelos alunos por aquelas que são
dinâmico, inovador. Como se toda e qualquer ino- admitidas pela comunidade científica. E sempre che-
vação fosse boa... Ser construtivista é opor ao ga um momento em que a professora deve propor,
modelo tradicional da aula seguida por exercícios ou completar, uma síntese do que foi construído pe-
de aplicação um modelo em que a atividade vem los alunos; estes constroem paredes, não edificam
primeiro: ao tentar resolver problemas, a mente do casas, muito menos aqueles palácios e catedrais que
aluno mobiliza-se e constrói respostas, que são vias se chamam Ciências.
de acesso ao saber. Piaget, um dos pais do cons- Posto isso, faz-se claro que a questão funda-
trutivismo, mostrou que as estruturas intelectuais, mental não é saber se a professora é “tradicional”
desde as mais simples, isto é, as da percepção, até ou “construtivista”, mas como ela resolve duas ten-
as mais complexas, isto é, as do pensamento ope- sões inerentes ao ato de ensino e ao de educar.
ratório formal, são construídas e transformadas pela Ensinar é, ao mesmo tempo, mobilizar a ativida-
atividade da criança e do adolescente (PIAGET, de dos alunos para que construam saberes e trans-
1976). Bachelard, outro pai do construtivismo, evi- mitir-lhes um patrimônio de saberes sistematizados
denciou que, na história da ciência, o saber nasce legado pelas gerações anteriores de seres huma-
do questionamento e se constrói por retificações nos. Conforme os aportes de Bachelard, o mais im-
sucessivas (BACHELARD, 1996; SILVA, 2007). portante é entender que a aprendizagem nasce do
A importância desses achados, em particular na questionamento e leva a sistemas constituídos. É essa
esfera pedagógica, é grande: hoje, ninguém pode viagem intelectual que importa. Ela implica em que
negar que a atividade de quem aprende é o funda- o docente não seja apenas professor de conteúdos,
mento da aprendizagem. Entretanto, o construtivis- isto é, de respostas, mas também, e em primeiro
mo não fecha o debate sobre os métodos, ao lugar, professor de questionamento. Quanto aos alu-
contrário do que se pensa, às vezes. Deve-se, tam- nos, às vezes, andarão sozinhos, com discreto acom-
bém, levar em consideração os aportes de Vygotsky panhamento da professora e, outras vezes, cami-
– que está tanto na moda quanto o construtivismo, nharão com a professora de mãos dadas. O mais
sem que se preocupe muito com a coerência entre importante é que saibam de onde vêm, por que an-
as duas abordagens... Primeiro, Vygotsky ressalta dam e, ainda, que cheguem a algum lugar que valha
que a criança nasce num mundo onde lhe preexis- a pena ter feito a viagem.
tem significações (palavras-conceitos), que devem Essa tensão entre construir saberes e herdar
ser transmitidas à criança e apropriadas por ela um patrimônio é inerente ao ato de ensinar, mas,

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O professor na sociedade contemporânea: um trabalhador da contradição

como já mencionado, a força da tensão e as for- os objetivos de espírito crítico e autonomia procla-
mas que ela toma dependem das configurações mados por ela. Numa situação dessas, os momen-
sócio-históricas. tos construtivistas constituem conquistas da
As professoras ensinam em escolas cuja for- professora, conforme a inteligência epistemológica
ma básica foi definida nos séculos XVI e XVII: e pedagógica, mas à contracorrente da ordem soci-
um espaço segmentado, um tempo fragmentado, oinstitucional da escola contemporânea.
uma avaliação que diz o valor da pessoa do aluno. Em segundo lugar, a injunção construtivista ne-
Essa forma escolar condiz com a pedagogia tradi- gligencia o fato de que a professora trabalha em
cional. É nela que a professora é convidada a ser uma instituição. Ser construtivista implica em des-
construtivista e a usar o computador e a Internet... pertar nos alunos um desejo de aprender, acompa-
Imaginemos uma professora que leve a sério a in- nhá-los numa caminhada cheia de obstáculos
junção construtivista: mobiliza os seus alunos em superados, de erros retificados, de problemas re-
pesquisas, desenvolve projetos, pratica uma avali- solvidos, de angústias, de mal-entendidos, de in-
ação formadora, diagnóstica e reguladora. E, no compreensões. Ser construtivista é trabalhar num
final do mês, do semestre ou do ano, a sua diretora mundo afetiva e intelectualmente turvo. Ora, o que
lhe pede... a nota dos alunos! Aliás, essa própria quer a instituição? Definir, delimitar, organizar, ge-
diretora sofre a pressão dos pais e da Instituição rir racionalmente, controlar. Qualquer instituição
escolar, pública ou particular, que querem notas. O carrega no seu DNA um fantasma de domínio e
que pode fazer aquela professora? Atribuir a mes- de transparência: pretende assinar os objetivos,
ma nota a todos os alunos? “Deu mole”, como diz determinar os processos, avaliar os resultados.
o professor cujo texto citei. Atribuir-lhes notas di- Decerto, as instituições da sociedade contemporâ-
ferentes? Neste caso, os alunos não estudarão mais nea, por razões que explicitamos, houveram de
para levar a cabo a pesquisa e o projeto, mas para delegar responsabilidades aos atores sociais e, as-
tirar a melhor nota possível. sim, abriram espaços de autonomia. Mas a institui-
De forma mais geral, a injunção construtivista, ção escolar da sociedade contemporânea continua,
por mais fundamentada que seja do ponto de vista mais do que nunca, a avaliar, avaliar, avaliar e a
teórico, negligencia muitos dados atinentes ao exer- pedir notas, notas, notas. Aliás, nos países onde
cício da função docente na sociedade contempo- existe o vestibular, a instituição nem precisa insis-
rânea. Destacarei aqui dois obstáculos que a tir: o professor e o próprio aluno interiorizaram a
professora há de ultrapassar se quiser ser mesmo notação como função central do ensino.
construtivista ou introduzir momentos construtivis- Em tal situação, o que pode fazer a professo-
tas na sua prática pedagógica. ra? O que ela faz: ter práticas tradicionais, que nem
Primeiro obstáculo: os próprios alunos não são precisa esconder, e, às vezes, abrir parênteses
construtivistas. A injunção construtivista supõe alu- construtivistas, que a instituição e a própria pro-
nos prestes a se investirem numa atividade intelec- fessora realçam logo que aparece um debate pe-
tual. Mas o maior problema que a professora atual dagógico. Uma estudante universitária, que
encontra é, precisamente, conseguir mobilizar os seus chamarei aqui de Maria, me contou a seguinte his-
alunos numa atividade intelectual. Como já foi men- tória. Quando cursava a licenciatura de pedago-
cionado, eles vão à escola para, antes de tudo, tirar gia, tinha uma professora doida pelo construtivismo
notas boas e passar de ano e, ademais, consideram e Maria, que já ensinava, teve de preparar e expe-
que é a professora quem é ativa no ato de ensino/ rimentar, numa sala com quarenta alunos, em um
aprendizagem. Quanto maior a pressão exercida pela bairro popular, uma aula construtivista. Colocou os
nota, mais os alunos desenvolvem estratégias de alunos em pequenos grupos, bateu fotografias e, a
sobrevivência: frear o professor, colar, decorar os seguir, voltou a sua aula normal, de tipo tradicional
conteúdos sem entendê-los etc. Isso não significa participativo. Na universidade, mostrou as fotogra-
que os alunos sejam idiotas ou não gostem de refle- fias e narrou, como se tivesse ocorrido, o que teria
tir; significa, sim, que tentam sobreviver numa es- acontecido se tivesse feito a aula construtivista ideal
cola que os coloca em situações que contradizem ansiada pela sua professora universitária. Esta ado-

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rou. Os demais estudantes que já tinham uma ex- de índio saído da tribo? E de qual cultura se trata,
periência de ensino entenderam de imediato o jeiti- da dos homens ou das mulheres? O que fazer, ain-
nho que Maria tinha utilizado e parabenizaram-na da, quando essa diferença cultural transmite for-
depois da aula: “Maria, você deveria fazer teatro”. mas de dominação? A professora do Rio Grande
Será que conseguiremos mudar as escolas brasi- do Sul deve mesmo educar jovens gaúchos “ma-
leiras com tais práticas universitárias de formação chos”? Qual é o conteúdo do imperativo “respeitar
dos professores? as diferenças culturais” e quem explica ao docen-
te o que significa exatamente?
2.4. Ser universalista ou respeitar as Na escola contemporânea, o professor deve,
diferenças? também, respeitar as diferenças dos seus alunos e
individualizar o seu ensino. Mais uma vez, a idéia é
A escola é universalista, pelo menos nas socie- simpática, mas qual é o seu significado exato? “Co-
dades democráticas, e não pode deixar de sê-lo. locar o aluno no centro”, disse o Ministério fran-
Por duas razões. cês da educação. Concordo, desde que me digam
Primeiro, porque a educabilidade de todos os o centro do quê... Se se tratar de dizer, sob outra
seres humanos é, ou deveria ser, o princípio básico forma, que a escola foi criada para que os alunos
do professor: qualquer ser humano sempre vale aprendam e não para que os docentes ensinem, o
mais do que fez e do que parece ser. conselho é pertinente. Mas não resolve o proble-
Segundo, a escola não pode deixar de ser uni- ma: o que significa “individualizar” o ensino de prin-
versalista porque a sua especificidade é a de divul- cípios e saberes universais e das normas estrutu-
gar saberes universais e sistematizados, ou seja, rando a atividade intelectual? Quem o explica à
saberes cuja verdade depende da relação entre professora? A professora que se vire...
elementos em um sistema, e não da sensibilidade Mais ainda: a escola contemporânea não deve
pessoal e da interpretação de cada um. Não signi- apenas respeitar as diferenças, ela deve, também,
fica dizer que a escola seja puro espaço da Razão fazer aparecer e registrar diferenças entre os alu-
e desconheça a sensibilidade, o corpo, a imagina- nos. Voltemos à questão da nota, central em uma
ção. Mas, até quando ela cuida destes, ela introduz instituição que deve produzir uma hierarquia esco-
regras, normas. Inventar uma história requer ima- lar prenunciando e legitimando a hierarquia social.
ginação, mas é necessário, também, escrever um Imaginemos, novamente, a situação da professora
texto e isso não se faz de qualquer jeito. Uma pin- cujos alunos obtivessem 10 a cada prova. O que
tura de criança, por mais bonita que seja, não é um vai lhe dizer a sua diretora? “Parabéns, colega, você
quadro de Picasso. A luta que o professor de Edu- é uma boa professora”? Ou: “deu mole”? No en-
cação Física ensina é diferente da briga de rua com tanto, o discurso oficial afirma que todos os alunos
socos e pontapés. devem ser bem-sucedidos e que a professora deve
Mas, na sociedade contemporânea, o profes- ensinar para todos. E o discurso pedagógico pro-
sor, trabalhador do universal e da norma, deve tam- clama que a Razão é universal e que qualquer ser
bém ensinar às crianças respeitarem as diferenças humano pode ser educado e ensinado. Mas, ape-
culturais. Essa idéia é simpática e não contradiz sar desses discursos lindos, que todos os alunos
diretamente a vocação universal da escola: todos tirem a nota 10 parece um exagero e a professora
os seres humanos participam de uma cultura, mas que ousasse fazer isso não ganharia parabéns e
sempre se trata de uma cultura particular. O pro- boa fama... De fato, existe, no imaginário da insti-
blema é outro: quais são aquelas diferenças cultu- tuição, a idéia de que, em toda turma, há alunos
rais que se deve respeitar? A cultura africana do preguiçosos, fracos, dedicados, talentosos e até,
antepassado remoto da criança preta de Salvador? quando a safra é boa, geniais e que, portanto, uma
A cultura alemã, italiana, polonesa do antepassado professora séria não pode deixar de atribuir notas
do jovem gaúcho – o qual, ademais, tem também diferenciadas. Mas a instituição segue discursan-
alguns portugueses entre os seus antepassados? do sobre a educabilidade do ser humano, a Razão
Qual diferença cultural se deve respeitar no filho universal e a escola democrática.

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O professor na sociedade contemporânea: um trabalhador da contradição

2.5. Restaurar a autoridade ou amar Nos dias atuais, para muitos jovens, ela toma a for-
os alunos? ma da arbitrariedade e da violência policial. Não
se trata, evidentemente, de promover esse tipo de
Não há educação sem exigências, normas, au- autoridade, mas uma autoridade legítima. Qual pode
toridade. Educar é possibilitar que advenha um ser ser, ao ver dos jovens, o fundamento de tal autori-
humano, membro de uma sociedade e de uma cul- dade?
tura, sujeito singular e insubstituível. Queira-se ou A idade? Claro que não. A sociedade contem-
não, isso implica em uma disciplina do desejo e porânea valoriza a juventude, que os adultos pro-
numa estruturação do sujeito por normas – o prin- curam prolongar a todo custo, e não gosta dos
cípio de realidade, diria Freud; o “Nome-do-Pai”, jovens, a quem ela fecha as portas do mercado de
diria Lacan. Deste ponto de vista, o objetivo da trabalho e culpa por todos os males do mundo. Não
pedagogia tradicional permanece legítimo e válido, há pior mistura para desvalorizar os adultos e, por-
mesmo que os recursos que ela usa, isto é, o recal- tanto, a autoridade adulta, aos olhos dos jovens.
que do desejo e a imposição da norma, sejam ul- Será que o saber pode ser fundamento da auto-
trapassados, na sociedade contemporânea em ridade legítima? Se fosse o caso, os professores
particular. não teriam tantos problemas nas suas salas. Além
Não há educação sem simpatia antropológica disso, como uma sociedade que elege o dinheiro
dos adultos para com os jovens da espécie huma- como medida universal de qualquer coisa, incluí-
na, aquela simpatia espontânea que nos leva a dos o esporte e a arte, e que paga muito mal aos
amimar e afagar os “bebezinhos” e demais “fofi- seus professores pode esperar que estes restau-
nhos” que têm a sorte ou o azar de cruzarem os rem a autoridade?
nossos caminhos. Resta a cidadania, de que tanto se fala nos di-
Esse balanço entre autoridade e mimo e, de ais atuais. O problema é que, muitas vezes, con-
modo mais geral, a ambivalência é uma caracte- fundem-se cidadania e vínculo social. A noção de
rística inerente à relação dos adultos com os jo- vínculo social remete ao conjunto de relações que
vens. Na escola da sociedade contemporânea, ele estabelecemos com pessoas com quem comparti-
toma a forma da dupla injunção para resgatar a lhamos um espaço de vida: conversas, interesses
autoridade perdida e para amar os alunos. Come- comuns, ações coletivas, respeito mútuo etc. O
cemos pela questão da autoridade. conceito de cidadania diz respeito à esfera política:
A “violência escolar” é um dos maiores proble- ela exprime o fato de que os membros de uma de-
mas que os professores devem enfrentar hoje em terminada sociedade têm direitos e deveres defini-
dia. De fato, essa expressão genérica remete a dos por leis, que foram elaboradas em um processo
fenômenos bastante diferentes: agressões físicas, coletivo e valem para todos. Ensinar alunos a te-
ameaças graves, pequenas brigas, assédio, pala- cerem vínculos sociais de reciprocidade é, claro
vras racistas, indisciplina escolar, indiferença os- está, um objetivo educacional. Mas essa ambição
tentatória para com o ensino e a vida escolar oficial, esbarra na existência das desigualdades, dos fenô-
incivilidades etc. Mas não se pode negar que a menos de dominação e, no Brasil, daquele cinismo
transgressão das normas esteja acometendo a es- social escancarado cotidianamente pelas notícias
cola contemporânea, bem como a família e, de modo sobre a corrupção política. Sendo assim, o discur-
mais amplo, a sociedade. Em face desse proble- so sobre a “cidadania”, que, na verdade, trata do
ma, multiplicam-se os apelos para restaurar a au- vínculo social, tende, por bem intencionado que seja,
toridade (versão de direita) ou para educar os jovens a cumprir uma função ideológica: pobres, sejam
à cidadania (versão de esquerda). bem comportadinhos, não incomodem a classe
Os professores gostariam de restaurar a auto- média com seus comportamentos. Ao contrário, o
ridade. Mas resta saber como... conceito de cidadania tem um valor crítico, haja
No Brasil, historicamente, a autoridade foi de- vista que destaca a igualdade de direitos e deve-
finida pelas relações de força impostas pela escra- res, o interesse geral, a preeminência da lei. Mas é
vidão, o coronelismo, a ditadura populista ou militar. preciso levar a sério esse conceito quando se qui-

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ser educar os alunos à cidadania. Isto requer a aos acusados em geral são assegurados o contra-
existência de uma comunidade escolar regida pela ditório e ampla defesa, com os meios e recursos a
lei e não pela vontade do mais forte e pela arbitra- ela inerentes” (artigo LV). Na escola, o aluno acu-
riedade. Ora, a escola vivenciada pelo aluno, aquela sado não tem direito ao contraditório, à ampla de-
que pretende educá-lo à cidadania, não é uma co- fesa, nem a um processo. O Direito é para adultos
munidade de cidadãos. e não para crianças? Neste caso, a cidadania tam-
Primeiro, o seu Regimento interno não é uma bém é para adultos e não para crianças.
lei, mas um diktat imposto pelos poderosos. Não Além de ser emaranhado em todas essas con-
passa de um conjunto de regras ditando deveres tradições, o professor considera que deve “amar
dos alunos e silenciando os seus direitos – salvo o os alunos”. Amar os alunos que nem fingem escu-
direito de estudar e ser educado, que, convenha- tar o professor e até, às vezes, o insultam e amea-
mos, não é muito atraente para os alunos. Uma lei çam? Amar os alunos que batem uns nos outros e
define direitos e deveres. O Regimento das esco- se injuriam com palavras racistas? Desta vez, tra-
las só lista proibições, incluídas, às vezes, as mais ta-se mesmo de heroísmo.
estranhas. Por que as escolas proíbem tatuagens, Novamente, é preciso recorrer à análise.
piercings, brincos nas orelhas dos rapazes? Sem, Já evoquei a simpatia antropológica dos adultos
por isso, deixar de falar de direito à diferença e para com os jovens da espécie humana. É claro
igualdade de gênero... O ponto não é saber se são que quem não sente essa simpatia não deve ensi-
práticas feias ou lindas, é interrogar a legitimidade nar. Se “amar os alunos” significa isso, tudo bem.
da escola em se meter em tais assuntos. Até que Mas esse “amor” é, por natureza, diferente do que
se saiba, nenhum brinco impede ao aluno escutar a sentimos por nossas próprias crianças. É o senti-
professora – que, por sinal, usa brincos. Essa não mento que une as gerações que se sucedem. Des-
é uma questão de pedagogia ou educação escolar; te ponto de vista, o uso na escola das palavras “tio”
é, sim, um “arbitrário cultural” e uma “violência e “tia”, que remetem a uma relação entre gera-
simbólica”, como diria Bourdieu; arbitrário e vio- ções, é pertinente, ainda que “professor” e “pro-
lência inscritos no Regimento da escola. fessora” sejam preferíveis, por serem mais
Segundo, uma lei vale para todos, incluídos aque- específicas.
les a quem incumbe aplicar a lei. Ora, o Regimen- Além dessa relação antropológica, quem leu
to interior da escola nada diz sobre os direitos e Freud sabe que se desenvolvem, também, relações
deveres do pessoal da escola. Não se trata de cair afetivas entre professores e alunos, inclusive rela-
na demagogia: os direitos e deveres dos professo- ções implicitamente e, na maioria das vezes, in-
res não podem ser semelhantes aos dos alunos, conscientemente, sexualizadas. Vale notar, por sinal,
uma vez que existem funções diferentes na esco- que as professoras, sustentando a idéia de que “se
la. Mas há de se definir também direitos e deveres deve amar os alunos”, silenciam essa dimensão da
dos professores, do diretor, da merendeira, do por- relação. Essas relações afetivas, porém, podem ser
teiro etc. Quando um aluno falta ou chega atrasa- positivas ou negativas. Além disso, constituem um
do, deve justificar a falta ou o atraso. E a fato, e não uma obrigação. Um professor não tem
professora? Os alunos não têm de se meter nisso? obrigação afetiva alguma para com os alunos. Deve
Neste caso, o Regimento não é uma lei e a escola respeitar a sua dignidade, deve fazer tudo o que
não é um espaço de cidadania. puder para formá-los; não é obrigado a “amá-los”.
Por fim, a escola não respeita os Direitos do Não se pode assentar a escola democrática sobre
Homem e do Cidadão, aqueles que a Carta da sentimentos. A escola democrática é aquela onde
ONU e a Constituição Federal brasileira enunci- o professor ensina e educa todos os alunos, incluí-
am. “Ninguém pode ser juiz e parte, no mesmo dos os de quem não gosta e os que não gostam
processo”: esse é um princípio básico do Direito. dele. Claro que a situação é melhor quando pro-
Na escola, o professor briga com um aluno, julga e fessor e aluno gostam um do outro, mas isto não
castiga. A Constituição brasileira de 1988 diz: “aos é obrigação nenhuma, nem fundamento da esco-
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e la. A escola não é lugar de sentimento, mas lugar

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O professor na sociedade contemporânea: um trabalhador da contradição

de direitos e deveres. Essa escola é que pode en- particular na sua relação com o dinheiro. Por cau-
sinar a cidadania. Se uma professora, além de ter sa da sua atividade profissional, tendem a colocar
de gerir e superar todas as tensões e contradi- o saber no topo da escala de valores e o dinheiro
ções que mencionei, tiver, ainda, de lidar com as no mais baixo escalão. Ainda hoje, os professores
ambivalências do sentimento, tornar-se-á, sim, he- de Filosofia, funcionários assalariados, criticam os
roína ou vítima. Sofistas, que vendiam o seu saber, e identificam-
se com Sócrates que, por mais genial que fosse, só
2.6. A escola vinculada à comunidade podia espalhar de graça as suas idéias porque, oci-
ou a escola lugar específico? oso, vivia às custas de sua mulher. Entretanto, na
sociedade contemporânea, o dinheiro mede o va-
A escola é um lugar específico, como já co- lor de tudo e os professores, considerando que o
mecei a explicar quando falei de universalismo salário deve corresponder ao nível de estudo, jul-
versus respeito às diferenças. A escola é um lu- gam que deveriam ser muito mais pagos do que
gar que requer uma forma de distanciamento para são. Fazem greve. Greve dos trabalhadores do
com a experiência cotidiana. O que, nesta, é situ- espírito e dos educadores da juventude? Fica mal...
ação vivenciada e contextualizada, objeto do meio Portanto, quando os professores fazem greve, não
ambiente, torna-se, na escola, objeto de pensa- é apenas para ganhar mais dinheiro, como é o caso
mento, de discurso, de texto. Ademais, a escola quando se trata de outros trabalhadores; é, expli-
fala aos alunos de objetos que não se encontram cam os professores, para poderem estudar, com-
no mundo cotidiano deles e, às vezes, em nenhum prar livros e, afinal de contas, proporcionar aos
mundo sensível e leva-os para universos que ape- alunos uma melhor formação.
nas existem no pensamento e na linguagem. Sen- Lugar específico, a escola não ensina o que se
do assim, a escola é fundamentalmente um espaço pode aprender na família e na comunidade, não
de palavras que possibilitam a objetivação do ensina do mesmo modo que a família e a comuni-
mundo e o distanciamento para com ele e que dade. Se o fizesse, não serviria para nada. Entre-
abrem janelas para outros espaços e tempos, para tanto, a escola deve ser “vinculada à comunidade”.
o imaginário e o ideal. Além disso, a escola é um Para um francês, essa injunção (mais uma...) soa
lugar onde a própria linguagem vira objeto de lin- estranha. Com efeito, na história da França, a “co-
guagem, de segundo nível: na escola, fala-se so- munidade” foi lugar de influência dos nobres e dos
bre a fala. padres e, hoje em dia, ela é percebida como espa-
Essa especificidade estende-se aos compor- ço de propaganda do fundamentalismo islâmico.
tamentos e às relações. Não se pode comportar- Na cultura francesa, “comunidade” opõe-se a “Re-
se na escola como se faz fora dela; é um mundo pública” e a escola comunitária é a negação da
diferente. Em particular, os conflitos, que não po- escola republicana. Mas a história do Brasil é ou-
dem deixar de surgir na escola, como nos demais tra e, portanto, outros também são o sentido e o
lugares, já que ela é lugar de vida e encontro en- valor da palavra “comunidade”. No Brasil, a co-
tre seres humanos, devem ser geridos pela pala- munidade foi, historicamente, lugar de resistência
vra, em determinados limites, e não pela pancada à colonização (os índios), à estrutura escravista (os
e pelo insulto. quilombos), às várias formas de dominação, explo-
Essa especificidade diz respeito, também, ao ração e desvalorização e espaço de auto-organi-
professor e à professora. Aos olhos dos alunos, zação dos migrantes. A comunidade é lugar de
ainda nos dias atuais, é um pouco esquisito encon- resistência, de memória, de dignidade. Sendo as-
trar a sua professora no supermercado, sem se- sim, é socialmente legítimo preconizar o vínculo
quer falar daquela que dança ou namora. Tudo o entre a escola e a comunidade. Vinculada à comu-
que evoca o corpo do professor e, mais ainda, da nidade, a escola é “nossa” escola e não “a escola
professora, segue sendo objeto de mal-estar, brin- deles”, dos dominantes.
cadeira ou desejo. Os próprios professores interio- Essa ligação é legítima, também, do ponto de
rizam essa especificidade da figura docente, em vista pedagógico. Com efeito, por importante que

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seja a especificidade da escola, qual seria o seu professora compartilha o espaço de vida dos seus
valor se o que se aprende na escola fizesse sentido alunos, em especial o dos seus alunos pobres, aque-
apenas dentro da escola? Conhecer novos mun- les que encontram mais dificuldades na escola. A
dos, ter acesso a formas ideais, objetivar o mundo conciliação é difícil, ainda, porque se espera cada
e distanciar-se da experiência cotidiana, perceber- vez menos da professora que ela leve os alunos ao
se a si mesmo como ser de Razão e de Imagina- encontro do universal e que ela lhes proporcione
ção, tudo isso só vale quando diz algo, indiretamente, as chaves de compreensão da sua vida, e cada vez
a respeito da minha vida, do meu mundo, da minha mais que ela possibilite aos nossos filhos serem
experiência, de quem eu sou e posso vir a ser. O aprovados no vestibular.
universalismo e a especificidade da escola são le- Herói, o professor brasileiro? Vítima? A meu
gítimos à medida que contribuem para esclarecer ver, na sociedade contemporânea, ele é, antes de
o mundo particular da criança singular e ampliá-lo. tudo, um trabalhador da contradição. Como o poli-
Legítimos, o universalismo da escola e a defe- cial, o médico, a assistente social e alguns outros
sa da sua especificidade. Legítimo, também, o pro- trabalhadores, ele consta daqueles cuja função é
jeto de vincular a escola à comunidade que a rodeia. manter um mínimo de coerência, por mais tensa
Ademais, é possível a conciliação entre as duas que seja, em uma sociedade rasgada por múltiplas
ambições. Mas não é nada fácil, sobretudo na so- contradições. São trabalhadores cujo profissiona-
ciedade contemporânea. Porque, em um país ur- lismo inclui uma postura ética. E, se possível for, o
banizado como é o Brasil, cada vez menos a senso de humor.

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Recebido em 25.05.08
Aprovado em 25.05.08

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 17-31, jul./dez. 2008 31
Cristina d’Ávila

FORMAÇÃO DOCENTE NA CONTEMPORANEIDADE:


LIMITES E DESAFIOS

Cristina d’Ávila *

RESUMO

Este artigo tem como finalidade suscitar reflexões sobre a aprendizagem da docência
segundo modelos vigentes na atualidade. Apresenta, como argumento central, a
coexistência desses modelos de formação na contemporaneidade e busca caracterizá-
los: desde modelos provindos do passado, mas ainda em vigor - a exemplo da visão
artesanal, visão instrumental-tecnicista e sociopolítica - às perspectivas mais recentes
e críticas baseadas na epistemologia da prática e na fenomenologia existencial.
Concluímos em favor de um paradigma crítico de formação, propondo que este se
reflita em mudanças curriculares e em mudanças atitudinais por parte dos formadores
de professores.
Palavras-chave: Formação docente – Modelos de formação – Epistemologia – Prática
de ensino

ABSTRACT

EDUCATING TEACHERS IN THE CONTEMPORARY WORLD

This papers aims at provoking reflections upon teachers education according to


mainstream present models. Our basic argument is about the coexistence of these
educational models in the contemporaneous world. We try to characterize them as:
models from the past but yet enduring (like the craftsmanship vision, the instrumental-
technical model and finally the social political model) and more recent models and
critics based upon an epistemology of practice and existential phenomenology. We
conclude in favor of a critical education paradigm. We suggest that it should be
implemented through curriculum and professors attitudinal changes.
Keywords: Teachers’ education – Educations models – Epistemology – Teaching
practices

* Pós-doutora em Formação de professores (Universidade de Montreal, Canadá). Doutora em Educação (UFBA). Professora
do Programa de Pós-Graduação em Educação da FACED/UFBA e do PPGEDUC/UNEB. Professora de Didática e Prática de
Ensino na UFBA e na UNEB. Endereço para correspondência: Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Campus I, Mestrado
em Educação e Contemporaneidade, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula, 41150-000 SALVADOR/BA. E-mail:
cristina@didateca.org

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 29, p. 33-41, jan./jun., 2008 33
Formação docente na contemporaneidade: limites e desafios

INTRODUÇÃO ... os professores nunca viram seu conhecimento


específico devidamente reconhecido. Mesmo quan-
Gostaria de começar este artigo com uma ad- do se insiste na importância da sua missão, a ten-
vertência quanto ao uso que tem sido emprestado dência é sempre considerar que lhes basta dominar
ao termo contemporaneidade, muitas vezes con- bem a matéria que ensinam e possuírem um certo
jeito para comunicar e para lidar com os alunos. O
fundido com o que seria a antítese do pensamen-
resto é dispensável.
to moderno, este baseado na razão e na fragmen-
tação do conhecimento. Não necessariamente A problemática mencionada e tomada ao apre-
contemporâneo é sinônimo de ruptura com o pen- ço pelo autor, sem dúvida, conduz ao desprestígio
samento moderno. Com-temporaneu é uma pa- da profissão: “...‘semi-ignorantes’, os professores
lavra advinda do latim e significa aquele que vive são considerados as pedras-chave da nova ‘socie-
na mesma época, particularmente, a atual (HOU- dade do conhecimento’.” (p. 22). Reduz-se assim
AISS, 2001). Os traços sociais mais marcantes a nobre profissão ensinante a um estatuto de pro-
da contemporaneidade são a globalização, a re- fissão sem importância.
volução científica e a revolução tecnológica que, Para compreendermos a profissionalidade do-
desde a segunda metade do século XX, vêm inau- cente, na encruzilhada de valores em que se en-
gurando mudanças também no campo do com- contram, hoje, a escola e o professor – entre as
portamento social. Assim, com a aceleração na inabaláveis tradições e a emergência de um futu-
velocidade das informações (impulsionada pelo ro incerto – analisaremos alguns modelos de for-
advento da Internet e da cibercultura), mudam mação docente, tentando demonstrar que modelos
também as relações humanas e a relação dos do passado coexistem, às vezes, pacificamente,
homens com o tempo. São égides da vida urbana: com os modelos mais inovadores e críticos da atu-
a pressa, a superficialidade das relações, os con- alidade. E que, por isso mesmo, esses modelos
flitos morais, os conflitos paradigmáticos nas ci- citados são todos contemporâneos. Como disse
ências, os valores sociais e individuais. Boaven- Charlot (2008), os professores são profissionais
tura Souza Santos, um dos pensadores da da contradição e têm diante de si tarefas árduas:
contemporaneidade, aponta para essa crise irre- resolver o nexo, por exemplo, entre discurso cons-
versível do paradigma de ciência fundada na ra- trutivista e prática tradicionalista, entre diversi-
cionalidade científica moderna, diante da qual se dade e ensino inclusivo, entre família e escola,
erige um novo modelo de ciência. Seria esta uma entre um mundo imerso nas novas tecnologias e
ciência transdisciplinar? Não necessariamente. O a escassez de recursos materiais na escola, den-
autor fala em um conjunto de galerias temáticas, tre inúmeras outras tensões. Como quis Freud em
uma espécie de síntese integradora que pretende determinado momento, ensinar é uma profissão
fazer desaparecer qualquer hierarquia entre co- impossível.
nhecimento científico e conhecimento vulgar Na primeira parte deste artigo, abordaremos
(SANTOS, 2004). os modelos de formação docente na contempo-
Com um modelo ultrapassado de educação, a raneidade, iniciando com uma reflexão sobre o
escola atual, principalmente em sociedades capita- modelo artesanal; em seguida, abordaremos o
listas periféricas dependentes, vive entre o dilema modelo instrumental-tecnicista; em terceiro lugar,
de formar mão de obra para o mercado de trabalho o modelo sociopolítico que entra em vigor nos anos
– cada dia mais exigente e complexo – e formar de 1980 no Brasil, e, por fim, as mais novas pers-
cidadãos, numa sociedade entorpecida pela emer- pectivas de formação fundadas basicamente em
gência de novos valores e eivada por conflitos de dois modelos: a epistemologia da prática e a fe-
toda ordem. nomenologia existencial. Para os efeitos de nos-
Os professores, com uma formação defasada, sa análise, nos fundamentaremos nos estudos de
vêm, contraditoriamente, sendo convocados a ala- Nóvoa (2002), Tardif e Lessard (2002 e 2005),
vancar a sociedade do conhecimento, a sociedade Zabalza (1994), Pimenta (2002), Veiga (2005) e
do futuro. Como bem assevera Nóvoa (2002, p. 22): outros.

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Cristina d’Ávila

MODELOS DE FORMAÇÃO DOCENTE unidas por uma identidade e uma ética comuns
(VEIGA; ARAÚJO; KAPUZINIAK, 2005). Ao
Modelo Artesanal lado da formação especializada, a profissão requer
autonomia e colegialidade. A autonomia se refere
“Para se formar um professor bastam conteú- à capacidade de tomar decisões e a colegialidade
do e bom senso”, afirmou-me uma vez, repetindo à união coesa entre os membros de um grupo re-
uma máxima do senso comum, um professor de gulados por um código comum. “Assim, o conhe-
um curso de licenciatura no Brasil. Essa frase pa- cimento especializado, a formação em nível
rece sintetizar bem o modelo artesanal de forma- superior, a autonomia, o prestígio social, o controle
ção, ainda vigente, baseado na idealização do de qualidade e um código de ética são característi-
ensino segundo as tradições, assim como repre- cas que servem para definir uma profissão” (2005,
senta a desqualificação profissional que presente- p. 26).
mente se assoma ao quadro educacional em que O modelo artesanal de docência e de formação
estamos inseridos. O modelo artesanal (PIMEN- docente colabora, pois, muito pouco para a mu-
TA, 2002), extremamente presente em práticas dança de status na profissão, para o desenvolvi-
docentes contemporâneas, tanto em nível funda- mento da profissionalização docente, reificando-a.
mental e médio, como em nível superior, se funda
num fazer baseado na intuição. Aprende-se a ser Modelo instrumental-tecnicista
professor na prática, dizem alguns, fazendo-se por
observação e imitação de modelos do presente ou Um outro modelo também vigente na contem-
provindos, ainda, de um passado longínquo. É uma poraneidade é aquele baseado no modelo instru-
forma de aprendizagem pouco analítica. Por de- mental. Herança da didática tecnicista no período
trás desse modelo, reside um conceito de docência pós-64, nessa visão impera a hipertrofia da técni-
como ofício e não como profissão. Algumas con- ca, vista como panacéia para resolução dos pro-
seqüências advêm daí; vamos assinalar algumas: blemas pedagógicos. Vigoram, nesta tendência, a
a) a ideologia da docência como ofício leva- formação baseada no micro-ensino, longe do con-
nos à desqualificação da profissão docente; texto pedagógico.
desmobiliza-se, assim, a capacidade de or- Esse modelo, extremamente presente em cur-
ganização política da categoria docente e rei- rículos de formação de professores, sustenta a di-
vindicação de direitos básicos; cotomia entre formação disciplinar e exercício das
b) como semiprofissionais, os docentes não con- competências profissionais (ênfase na instrumen-
tam com um código deontológico que possa tação para o ensino), na separação entre ensino e
regulamentar a profissão e, assim, o traba- pesquisa (a formação tem base quase exclusiva
lho docente segue sendo regulado pelo Es- no conhecimento disciplinar e o papel da pesquisa
tado; isso também diminui a capacidade de não é enfatizado) e no reducionismo do conheci-
luta dos professores. mento pedagógico a uma visão demasiado prag-
O que significa profissão e por que defende- matista.
mos a docência como profissão e não como ocu- No âmbito dos cursos de formação de profes-
pação ou ofício? O conceito de profissão (do latim sores, é freqüente colocar-se o foco quase que
professio: declaração, profissão, exercício, empre- exclusivamente nos conteúdos específicos das áre-
go) evolui socialmente e está marcado por mudan- as, em detrimento de um trabalho sobre os conteú-
ças sociais e econômicas ocorridas ao longo da dos que serão desenvolvidos no ensino fundamen-
história. Não é por isso uma palavra neutra, dife- tal e médio. A relação entre o que o estudante
renciando-se do que se entende no senso comum aprende na licenciatura e o currículo que ensinará
por ofício ou ocupação. A profissão é um ato espe- no segundo segmento do ensino fundamental e no
cífico e complexo e diz respeito a um grupo espe- ensino médio é abissal. Concorrem para isso tam-
cializado, competente. Nesse sentido, um grupo bém uma visão simplificadora da prática e, como
profissional é formado por pessoas que se mantêm assinalamos anteriormente, o desprestígio que aco-

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 29, p. 33-41, jan./jun., 2008 35
Formação docente na contemporaneidade: limites e desafios

mete o saber didático-pedagógico nas universida- como suplantar o fosso que separa as disciplinas
des. Tal visão parece bem arraigada no meio aca- de fundamentos da educação das disciplinas peda-
dêmico que compartilha de uma cultura universitá- gógicas, passando a compreender aquelas como
ria – um conjunto de significados, representações pedagógicas também, uma vez que concorrem e
e comportamentos – um tanto desqualificadora do corroboram para a formação de professores. Ide-
próprio meio profissional. almente, de forma integrada.
Parafraseando Libâneo em prefácio à obra de
Guimarães (2005), são traços dessa cultura, a pre- Modelo sociopolítico
valência dos discursos teóricos, a hipervalorização
da pesquisa em detrimento do ensino, a desvalori- Em idos dos anos de 1980, uma nova ideologia
zação das práticas profissionais e da licenciatura, invade os meios acadêmicos e, nos cursos de li-
o individualismo exacerbado. Infelizmente são tra- cenciatura, passa a vigorar um certo modelo de
ços que nutrem também o imaginário do estudante formação de cunho sociopolítico. Neste, são for-
de licenciatura, que passa “naturalmente” a rejei- tes as críticas à formação instrumental; há uma
tar a docência ou a menosprezar a formação. As- negação do componente técnico, hipertrofia da di-
sim, constata Libâneo no mesmo prefácio (p. 13): mensão sociopolítica e, por conseqüência, um vá-
“Se a cultura profissional do professor for definida cuo no campo didático-pedagógico.
como o conjunto de conhecimentos e práticas que Essas reflexões muito presentes nos cursos
o professor pode mobilizar para conduzir o traba- de licenciatura, trazem à tona um movimento de
lho pedagógico na sala de aula, é precisamente isso educadores brasileiros, preocupados com o ins-
que a cultura universitária abafa, contaminando a trumentalismo tecnicista que influenciou o ensi-
identidade profissional do professor”. Inclusive e no da Didática entre os anos de 1960 e 1970, o
lamentavelmente em muitos casos “a representa- que gerou o I Seminário “A didática em ques-
ção social negativa da profissão de professor é tão”, promovido pelo Departamento de Educa-
repassada pelos próprios professores formadores ção da Pontifícia Universidade Católica (PUC)
e, pior, isto acontece também nos cursos de licen- do Rio de Janeiro, em novembro de 1982, depois
ciatura em pedagogia onde o forte do currículo é a transformado em livro organizado por Vera Ma-
formação pedagógica” (p. 13), agrega o autor. ria Candau.
Via de regra, os cursos de formação de profes- A coletânea aborda a problemática relativa ao
sores estão segmentados em dois pólos: um carac- ensino da Didática articulado à análise do papel
teriza o trabalho na sala de aula e o outro caracte- da educação na sociedade. A educação, como
riza as atividades de estágio. O primeiro traduz uma prática social, é compreendida numa perspectiva
visão aplicacionista das teorias, pois enfatiza os contextualizada e historicizadora, rompendo,
conhecimentos acadêmicos, desprezando as práti- pois, com o paradigma tecnicista que dominou o
cas como fonte de conteúdos da formação. O se- cenário educacional, incluindo-se a Didática no
gundo pólo – visão ativista da prática – supervalo- quadro da formação de professores. A formação,
riza o fazer pedagógico, desprezando-se a dimensão na perspectiva da Didática fundamental defendi-
dos conhecimentos disciplinares como instrumen- da por Candau (1985), parte de alguns pressu-
tos de análise contextual das práticas. Dessa ma- postos, dentre os quais cabe destacar: a análise
neira, os cursos privilegiam teorias prescritivas, da prática pedagógica a partir da visão de seus
relegando para os estágios o momento de mobili- determinantes político-sociais, a contextualização
zar esses conhecimentos. dessa prática e o repensar sobre a multidimensio-
É necessário, pois, que vejamos a prática como nalidade da prática educativa sintetizada em três
uma dimensão do conhecimento presente nos cur- dimensões – técnica, humana e política –, a aná-
sos de formação, na reflexão sobre a atividade pro- lise de diferentes metodologias, considerando-se
fissional, como também durante o estágio. o contexto em que foram geradas, a visão de ho-
Devemos, pois, superar a velha versão aplicacio- mem e de mundo que passam, e a não dicotomia
nista da teoria sobre a prática do estágio, assim entre teoria e prática.

36 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 33-41, jul./dez. 2008
Cristina d’Ávila

De cunho acentuadamente sociopolítico nas os conteúdos voltados à construção da profissio-


suas interpretações e aplicações em contextos aca- nalidade docente.
dêmicos, essa tendência deixa uma lacuna: o com-
ponente psicopedagógico que diz respeito a um NOVOS PARADIGMAS DE FORMAÇÃO
saber didático, e sensível, a incidir na capacidade
de objetivação do real pelos educandos. Um saber Em contraponto, a contemporaneidade marca
prático que medeie a mediação cognitiva, impor- também um período estimulante em modelos de
tando, portanto, saber não só como se ensina, mas, formação calcados sobre a construção da profis-
também, como se aprende, para tornar possíveis sionalidade docente no, sobre e com o terreno pro-
formas de intervenção didáticas mais instigantes e fissional. As correntes que mais se destacam numa
prazerosas. tendência que entende a docência e sua formação,
Assim, a dimensão técnica aparece como que partindo-se da prática em direção às teorizações
subsumida pela dimensão sociopolítica da prática possíveis, são: a Epistemologia da prática e a Fe-
educativa. Lembro-me, como professora inician- nomenologia existencial.
te de Didática em cursos de formação de profes-
sores, em finais dos anos de 1980, da importância Epistemologia da prática
que concedíamos à crítica social, aos objetivos
políticos de transformação social e como esque- A epistemologia da prática busca o reconheci-
cíamos de um ingrediente básico inerente ao en- mento de um saber oriundo, mobilizado e recons-
sino: como fazer? Ficávamos em níveis sempre truído nas práticas docentes. Busca compreender
elevados de conjecturas sociopolítico-econômicas e elucidar a produção de saberes no bojo da expe-
em geral, do papel da escola como transmissora riência docente – saberes subjetivos que se objeti-
de valores burgueses e da necessidade dos con- vam na ação. A noção de saber assumida engloba,
teúdos sistematizados para instrumentalização das num sentido amplo, os conhecimentos, as compe-
classes desfavorecidas para as lutas sociais pela tências, habilidades e atitudes ou o que convencio-
transformação, mas não falávamos em métodos namos chamar de saber, saber fazer e saber ser.
ou em princípios psicopedagógicos de aprendiza- Ao que acresço a dimensão do saber sensível, vin-
gem. A esse propósito, assevera Candau (1985, culado à experiência estética e lúdica. Esse tipo de
p. 20): conhecimento, diferentemente das representações
No momento atual, segundo Salgado (1982), ao pro- em estado inconsciente, refletem o que os profissi-
fessor de didática se apresentam duas alternativas: onais dizem de seus próprios saberes profissionais.
a receita ou a denúncia. Isto é, ou ele transmite in- Nesses estudos, interessa saber como os profes-
formações técnicas desvinculadas dos seus própri- sores integram esses saberes a suas práticas, os
os fins e do contexto concreto em que foram geradas, produzem, transformam e os ressignificam no seio
como um elenco de procedimentos pressupostamen- do seu trabalho.
te neutros e universais, ou critica esta perspectiva, A compreensão de que saberes pedagógicas
denuncia seu compromisso ideológico e nega a di- presidem a prática docente dos professores abre
dática como necessariamente vinculada a uma vi-
possibilidades de crítica e incentiva a construção
são tecnicista da educação.
de novos paradigmas para o ensino. A partir daí,
Não tinha saída, então. Se se ensinasse como pode-se entender o lugar especial que os profes-
ensinar na sala de aula, corria-se o risco de se sores assumem no processo ensino-aprendizagem.
carregar sobre os ombros o estigma tecnicista. Embora a prática docente seja afetada por fatores
Assim, embora não se contraponha, explicitamen- independentes da vontade do professor, não há
te, competência técnica e competência política, essa como desconhecer que o professor é sujeito ativo,
tendência enaltece a segunda. Isso gerou um cer- agente das decisões sobre a sua prática, inclusive
to vácuo no campo didático, especificamente, le- influenciando a organização dos conteúdos e a for-
vando muitas vezes o processo de formação inicial ma como se distribui o conhecimento na sociedade
a hipertrofiar as críticas sociais e a secundarizar (CUNHA, 1998).

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 29, p. 33-41, jan./jun., 2008 37
Formação docente na contemporaneidade: limites e desafios

A atividade docente é uma prática social com- formação e sua prática pedagógica profissional
plexa que combina conhecimentos, habilidades, ati- (TARDIF, 2002). Por outro lado, há que se menci-
tudes, expectativas e visões de mundo condiciona- onar a força que exerce a prática na formação do
das pelas diferentes histórias de vida dos profissional. Com efeito, o trabalho não é algo que
professores. São, também, altamente influenciadas se aprende conhecendo de fora para dentro, mas
pela cultura das instituições onde se realizam. uma atividade que se cumpre e, como tal, no seio
Como prática complexa abarca dilemas sobre os desse fazer, saberes são mobilizados, construídos
quais nos vemos incitados a lançar um olhar como e reconstruídos.
pesquisadores. Um desses dilemas, tão bem assi- Os saberes profissionais são, pois, saberes da
nalados por Labaree (cf. NOVOA, 2002), diz res- ação. Essa hipótese reforça a idéia de que os sa-
peito ao conhecimento profissional: beres profissionais são trabalhados e ressignifica-
A maior parte dos profissionais mobiliza o conheci-
dos no contexto do próprio trabalho. Ou seja, é sobre
mento sem desvendar seus mistérios. (...) Os pro- as situações dilemáticas ou de conflitos que se re-
fessores são diferentes. (...) Um bom professor é modelam os saberes com vistas às respostas im-
aquele que se torna dispensável, que consegue que postas no cotidiano.
os alunos aprendam sem a sua ajuda. Deste modo, Podemos citar como características dos sabe-
os professores desmistificam o seu próprio conhe- res profissionais dos professores, de acordo com
cimento e entregam a fonte de poder sobre o cliente Tardif (2002):
que outras profissões guardam tão zelosamente. a) A temporalidade: que significa dizer da pro-
(apud NÓVOA, 2002, p. 28). visoriedade e construção histórica dos sa-
A prática docente é, portanto, um lócus de for- bres, constituídos, assim, na trajetória ou
mação e produção de saberes. Em seu confronto itinerância de cada um. Essa itinerância in-
com a prática e com as condições e exigências clui, evidentemente, as histórias de vida dos
concretas da profissão, os professores estão con- professores, suas experiências também
tinuamente produzindo saberes específicos, conhe- como alunos que foram; além disso, diz res-
cimentos tácitos, pessoais e não sistematizados, que, peito ao ciclo profissional.
relacionados a outros tipos de conhecimento, pas- b) A pluralidade dos saberes, no sentido de que
sam a integrar a sua identidade de professor, cons- eles provêm de diversas fontes – cultura
tituindo-se em elementos importantes nas práticas pessoal, cultura escolar e formação acadê-
e decisões pedagógicas, inclusive renovando a sua mica, além de outras. Podemos citar, por
concepção sobre ensinar e aprender. Esse tipo es- exemplo, os autores que lemos e nos quais
pecial de conhecimento, construído a partir da prá- estudamos sobre o conhecimento didático-
tica docente, é o que Cunha (1992) e outros pedagógico. São saberes também heterogê-
denominam de “sabedoria pedagógica” e Therrien neos, vez que os professores não trabalham
(apud NUNES, 2001) chama de “saberes da ex- com uma única teoria pedagógica; eles as
periência”. Tardif (2002, p.36) enfatiza que o sa- mesclam em função dos vários objetivos que
ber docente é “um amálgama, mais ou menos possuam.
coerente, de saberes oriundos da formação profis- c) A personalização e contextualização dos sa-
sional, dos saberes das disciplinas, dos currículos e beres: são saberes que nascem em contex-
da experiência”. tos sociopolíticos diferenciados e provêm de
No estudo da epistemologia da prática profissi- pessoas humanas carregadas de marcas
onal, o interesse das investigações repousa sobre pessoais, culturais e subjetivas, o que define
o conjunto de saberes utilizados pelos professores o perfil, a identidade de cada um na sala de
em sua prática profissional. Não se pode restringir, aula.
por exemplo, saberes profissionais aos saberes d) O trabalho com seres humanos – requer co-
advindos dos estudos universitários. Estudos recen- nhecimento dos alunos sobre si mesmos e
tes demonstram, na atualidade, a que distância es- das interações que se fazem no jogo da sala
tão os professores entre o conteúdo de sua de aula, o que marca definitivamente o tra-

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Cristina d’Ávila

balho do professor com base em estudos da A formação realiza-se a partir de dois eixos: a)
psicologia e da psicopedagogia. o profissional é engajado pessoalmente num traba-
De acordo com Tardif (2002, p. 36), a rela- lho de objetivação de si mesmo, caracterizando-se
ção dos docentes com os saberes “não se reduz como sujeito-aprendente numa prática constante
a uma função de transmissão dos conhecimen- de reflexão; b) o profissional confronta sua toma-
tos já constituídos”. Na sua prática, o professor da de consciência e suas teorizações com o grupo
integra diferentes saberes com os quais man- ou com interlocutores, com os quais se encontra
tém diferentes relações. Acreditar na capacida- engajado na sua experiência e elabora sínteses das
de que tem esse profissional de construir saberes contribuições de cada um. (JOSSO, 1991).
no seio da sua prática e buscar compreendê-los Nessa abordagem de cunho experiencial, dis-
para explicá-los é a trilha em que muitos pesqui- positivos e rituais pedagógicos são engendrados em
sadores têm apostado. direção à (re)construção das identidades e subjeti-
Dentre os maiores expoentes envoltos em es- vidades dos sujeitos e permitem o estabelecimento
tudos baseados na epistemologia da prática, pode- de novos sentidos em relação ao trabalho escolar,
mos citar Stenhouse e Elliott (in: GERALDI, 1998)), e, por conseguinte, transformações das práticas
que desenvolveram estudos sobre o papel da pes- profissionais.
quisa-ação educacional; Schön (1983) e Zeichner Zabalza (2004), por exemplo, nos chama a
(in: GERALDI, 1998), com a teoria desenvolvida atenção para o trabalho realizado sobre os diári-
sobre o profissional pesquisador reflexivo; Tardif os de professores, no contexto dos documentos
(2002) e Tardif e Lessard (2005), com a constru- pessoais e dos materiais autobiográficos. Seu gru-
ção da teoria sobre a ressignificação dos saberes po de pesquisa, na Universidade de Santiago de
profissionais docentes. Campostela, Espanha, vem trabalhando nessa li-
nha que tem como características centrais: uma
Fenomenologia Existencial metodologia de cunho qualitativo e a utilização dos
diários, sobretudo como instrumento de pesquisa
Num outro bloco das tendências de formação, e também de formação. Seus estudos sobre os
e também de pesquisa, encontra-se uma tendência dilemas práticos que enfrentam os professores no
ligada às autonarrativas ou escritos autobiográfi- desenvolvimento do processo de ensino-aprendi-
cas. As implicações das narrativas de formação zagem foram emblemáticos nesta perspectiva.
nas práticas educativas a partir da escrita de si, Destaca-se, assim, a “agonia hermenêutica” a que
revelada nas narrativas da trajetória de escolariza- Zabalza chama atenção (2004), quando identifi-
ção, funcionam como alavanca e ancoragem no ca, no processo da investigação, os dilemas (teó-
processo de formação docente. A aprendizagem ricos e práticos) que as situações e os dados vão
da docência, nessa perspectiva, se dá, primeira- colocando a cada momento, colocando-se o in-
mente, pelo conhecimento de si, permitindo-se o vestigador, muitas vezes, em situação de perple-
acesso a diferentes memórias, representações e xidade face à necessidade de simplificar
subjetividades que o processo identitário compor- informações altamente subjetivas colocadas nos
ta. A abordagem autobiográfica é assumida, pois, diários dos professores.
como fenomenologia existencial, visto que visa Nesse sentido, a prática educativa é complexa,
muito mais compreender e evocar a fala dos sujei- um “universo de eventos múltiplos e de desenvol-
tos, atores e autores de sua história, a partir de vimento incerto que é o ensino e compreender as
suas próprias experiências, do que propriamente atuações do professor, há de centrar-se, pois, em
explicar. Assim, investigar as histórias de vida reconhecê-lo como prático e reconhecer os meca-
abrange um movimento que reconsidera a forma- nismos através dos quais enfrenta o compromisso
ção como um trabalho de reflexão sobre as traje- de levar a cabo sua ocupação profissional diária”
tórias de vida (NÓVOA, 2002), podendo ser (ZABALZA, 2004, p. 46). O trabalho pedagógico
considerado uma nova abordagem de formação e de formação docente baseado sobre diários de
auto-formação. aprendizagem, constitui-se também em rico dispo-

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Formação docente na contemporaneidade: limites e desafios

sitivo metodológico, permitindo, ao mesmo tempo, remoto são tão contemporâneos quanto os mode-
o autoconhecimento, a restauração de situações los mais recentes provindos de teorias fundadas
traumáticas na itinerância dos aprendentes, além na epistemologia da prática e na fenomenologia
de um novo olhar sobre a profissão. existencial. Muitos outros modelos vigoraram e, por
Nóvoa (2002) assinala a impossibilidade da certo, ainda vigoram no nosso contexto educacio-
disjunção entre conhecimento e auto-conhecimen- nal; os citados aqui foram exemplos que nos pare-
to. No caso dos professores, a reflexão sobre sua ceram mais evidentes.
prática é condição para o desenvolvimento da pro- Claro, muita coisa mudou, os professores não
fissão. Portanto, o trabalho de pesquisa sobre a são meros repetidores, possuem autonomia e são
formação e prática docente se inscreve, nessa pers- capazes de engendrar outras formas de interpre-
pectiva, sobre três requisitos fundamentais: tar e de exercer a profissão. Não obstante, cur-
a) não é uma prática individualizada, mas exi- sos de formação de professores, em grande par-
ge um processo de escuta, de observação e te, ainda se encontram baseados numa estrutura
análise a se desenvolver em equipes de tra- extremamente convencional. Numa perspectiva
balho; instrumentalizadora, muitos desses currículos se
b) é um trabalho que exige tempo e boas con- baseiam na dicotomia entre discurso e prática, na
dições, o que muitas vezes não existe na es- padronização dos modelos de referência e na hi-
cola; eraquização de saberes: de um lado os compo-
c) deve implicar numa relação estreita entre nentes curriculares que tratam da fundamenta-
escolas e universidade; ção filosófica, sociológica, histórica e antropológica
d) exige, para fazer fruir seus resultados, di- do curso e, na outra ponta, as disciplinas pedagó-
vulgação, socialização pública dos dados en- gicas que tratam da preparação para o exercício
contrados. profissional. No grupo das primeiras, a inserção
Entende-se, assim, que o processo de forma- do estudante no exercício profissional docente é
ção não se esgota na formação inicial, acadêmica. praticamente inexistente. No grupo das segundas,
É preciso ir além. Segundo Nóvoa e outros auto- a visão que vigora ainda é de caráter preparató-
res críticos já mencionados aqui, é no exercício da rio. O estágio, assim, é o momento da aplicação
prática profissional que o professor constrói a pro- dos saberes aprendidos, a culminância de um pro-
fissionalidade e sua identidade enquanto docente. cesso de formação.
É ali, no tête-à-tête das relações sociais que se Gostaríamos de ver outras possibilidades de
travam na escola, que ele se descobre um profissi- formação refletidas nos currículos e nas práticas
onal singular. O modelo crítico, experiencial, de for- pedagógicas desses cursos. Entretanto, devemos
mação de mestres, baseia-se, pois, na premissa de assinalar que currículos são construídos à man-
que advêm da prática profissional os saberes a cheia com base nas mais belas teorias pedagógi-
balizar o trabalho docente e a constituir sua identi- cas da atualidade, mas nem sempre são postos
dade enquanto profissional. Sem querer destituir a em prática. Antes de se mudarem os currículos, é
importância da formação inicial, é principalmente preciso que se mudem as posturas, as atitudes
na formação continuada e em serviço, no seio do dos formadores. Essas são mais difíceis de se-
seu terreno profissional, que o docente se desen- rem modificadas. São mudanças internas e não
volve enquanto profissional. formais. E, para isso, é preciso que os formado-
res de professores queiram, desejem essa mudan-
CONCLUSÃO ça e estejam abertos a um trabalho mais integrado
com seus pares. Enquanto se isolarem em suas
Tentamos demonstrar com o presente artigo que torres de marfim, em muito pouco contribuirão
modelos que pareciam pertencer a um passado para tais mudanças.

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Cristina d’Ávila

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Recebido em 30.05.08
Aprovado em 30.05.08

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Claude Lessard

REFORMAS CURRICULARES E TRABALHO DOCENTE:


natureza e graus de prescrições do trabalho

Claude Lessard *
Tradução: Eric Maheu * *
Revisão da tradução: Cristina d’Ávila Maheu * **

RESUMO

O atrelamento, de um lado, entre as várias reformas educativas, notadamente aquelas


que remetem ao currículo, e de outro, o trabalho docente, aparece no mundo inteiro
como uma questão problemática. De fato, é comum se oporem as produções da
noosfera educativa e o cotidiano dos docentes, o topo do sistema e sua base, utopias
consideradas impraticáveis e as limitações de realidades incontornáveis. Neste artigo,
pretendo refletir sobre essa difícil vinculação entre as reformas educativas e o trabalho
docente, colocando o problema em termos das relações entre as prescrições no trabalho
e a implementação de mudanças curriculares de porte. Mais especificamente, gostaria
de levantar as seguintes questões que me parecem situadas no coração dos atuais
debates em educação: 1) A questão do Estado pedagogo: na medida em que o Estado
prescreve o trabalho docente, até onde deve ir? com que grau de tecnicidade? deve
o Estado prescrever a pedagogia? 2) A questão da relação entre um programa
curricular e uma concepção da aprendizagem e 3) A questão do porte da mudança
prescrita.
Palavras-chaves: Reformas educativas – Trabalho docente – Prescrições –
Pedagogia

ABSTRACT

CURRICULAR REFORMS AND TEACHER’S WORK: nature and degrees


of precision of work prescriptions
The association between, from one side, various educational reforms, especially those
who deal with curriculum, and on the other side, teachers’ work, seems really
problematic everywhere. Indeed, it is common to oppose the productions of the
educational noosphere and teachers’ daily life, the top of the system and its bottom,
utopias considered unreachable and the constraints of reality. In this paper, I would
like to reflect upon this difficult association between educational reforms and teachers’

* Ph.D. Educational Theory, University of Toronto, 1975. Professor titular - Chaire de recherche du Canada sur le personnel
et les métiers de l’éducation, Département d’Administration et des Fondements de l’Éducation, Faculté des Sciences de
l’Éducation, Université de Montréal – C.P. 6128, Succursale Centre-ville, Montréal, QC, H3C 3J7. E-mail:
claude.lessard@umontreal.ca
** E-mail: eric@didateca.org
** E-mail: cristina@didateca.org

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 43-58, jul./dez. 2008 43
Reformas curriculares e trabalho docente: natureza e graus de prescrições do trabalho

work, putting the question in terms of relations between work’s prescription and the
implementation of large curricular change. More specifically, I would like to raise the
following questions, which seem to be at the hearth of today’s educational debate: 1)
The State-Pedagogue: if the State prescribes teachers’ work, up to what point may
he goes? With which grade of precision? May he prescribe pedagogy? 2) The link
between a curriculum and a conception of learning, and 3) the scope of the prescribe
change.
Keywords: Educational reforms – Teachers’ work – Prescriptions – Pedagogy

Introdução do que deve ser contestado, que não aparece como


algo a ser mantido intacto, mas percebido como
A relação, de um lado, entre as várias reformas algo que deve ser modificado pois imperfeito, como
educativas, notadamente aquelas que remetem ao algo que perdeu o vigor e sentido, demonstrando
currículo, e de outro, o trabalho docente, aparece, rigidez e inadaptações. Assim entendido, uma re-
no mundo inteiro, como uma questão problemáti- forma pretende modificar o eixo de um sistema,
ca. De fato, é comum se oporem as produções da perturba a ordem das coisas, mas não completa-
noosfera educativa e o cotidiano dos docentes, o mente. Pode-se dizer que não se trata de uma re-
topo do sistema e sua base, utopias consideradas volução nos dois sentidos da palavra: ela quer ser
impraticáveis e as limitações de realidades incon- mais que uma revolução no sentido de movimento
tornáveis. circular ou cíclico (idéia de movimento perpétuo e
Nessa lógica, podemos constatar que o discur- idêntico em si mesmo) e menos que uma revolu-
so sindical faz sua essa retórica e pretende retor- ção no sentido de mudança brusca e completa,
nar aos docentes o controle sobre a profissão. Neste querendo fazer tábula rasa do passado. Mesmo que
artigo, pretendo refletir sobre essa difícil vincula- o passado não seja garantia do futuro para um re-
ção entre as reformas educativas e o trabalho do- formista, inclui elementos nos quais pode se apoi-
cente, colocando o problema em termos das ar, ou revitalizar, revigorar.
relações entre as prescrições no trabalho e a im- Logo, em cada reforma existe uma relação pe-
plementação de mudanças curriculares de porte. culiar entre o passado e o futuro, ao mesmo tempo
Precisamos, todavia, antes de ir mais longe, elementos de rupturas e de ancoragem na conti-
clarificar as noções de reformas e de currículo, nuidade histórica Poderia facilmente se falar de
assim como o contexto atual que influi sobre es- uma tensão entre a necessidade de uma ruptura e
sas reformas. a necessidade da continuidade. Aliás, a história das
Uma reforma, em qualquer campo de atividade palavras expressa isso. De fato, segundo o dicio-
que seja, muitas vezes carrega sonhos e esperan- nário histórico da língua francesa (ROBERT, 2006,
ças de dias melhores. É em nome da esperança p. 3135), a palavra réformer (reformar), que data
que ela provoca adesões e mobilização das pesso- do século XII, significa ¨voltar a sua primeira for-
as implicadas. Liderada pelo Estado moderno, em ma, refazer, restabelecer, restaurar, corrigir, me-
uma sociedade democrática, uma reforma apre- lhorar¨. No seu sentido religioso e, depois, jurídico,
senta-se geralmente com um perfil igualitário: a é usado para indicar a ação de “reinstalar a obser-
esperança de que as coisas melhorem, de um bem- vância de uma regra que se relaxou”, “voltar para
estar geral, de um progresso para todos e não para uma forma melhor, a um estado preferível, essa
um grupo particular em detrimento de outros. forma sendo geralmente concebida como antiga,
Enquanto projeto político, projeção num futuro primitiva” (p. 3135). No seu sentido político, pre-
em que uma coletividade escolheu e decidiu deli- sente desde o meio do século XIX, a palavra re-
beradamente construir, uma reforma está também forma se opõe à revolução, de onde o adjetivo
definida na sua relação com o passado: um passa- reformista, que indica o “proponente de reformas

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Claude Lessard

políticas legais e progressivas cujo objetivo é de colocada em jogo pela implementação do


fazer evoluir a sociedade para mais justiça social” programa de estudo?
(p. 3136). 2) Na medida em que o Estado prescreve o
O fator dominante na história contemporânea trabalho docente, até onde deve ir? Com que
da educação é, de certo, a existência de uma con- grau de tecnicidade?
trovérsia quase permanente, de um debate, para 3) Será que um programa curricular deve se
não dizer de um combate, em torno da educação, apoiar sobre uma concepção de aprendiza-
das suas finalidades e de seu controle. Arriscar- gem? Será preciso, para a sua implementa-
se a reformar a escola significa inevitavelmente ção, que os docentes possam aderir a uma
mergulhar nessa controvérsia. Porém, o que deve epistemologia do conhecimento e a uma te-
ser notado é que o debate não se conclui porque oria da aprendizagem?
uma comissão ou o Estado chegou a uma deter- 4) Será necessário associar mudanças de con-
minada conclusão, propondo ou determinando teúdos e mudanças nas maneiras de fazer?
uma orientação especifica em detrimento de ou- Mudanças em todos os conteúdos e mu-
tra. O debate renasce sempre, inevitavelmente, danças importantes em todas as maneiras
obstinadamente. de fazer (aprovação automática, interdisci-
É, sem duvida, o sinal de que toda reforma im- plinaridade, fusão das disciplinas, organiza-
plica necessariamente um certo número de com- ção por ciclos, abordagem por programas,
promissos entre visões diferentes e grupos de afastamento dos livros didáticos e planeja-
interesses diversificados. Essas escolhas nunca fo- mento local do professor). Não seria como
ram unanimidade. Tudo acontece como se a cada atirar para todos os lados sem se acertar no
etapa da implementação de uma reforma ou de alvo? A reforma educativa atual no Quebec,
uma política, o debate retomasse seu vigor, porém, em particular no nível médio, não seria gran-
de uma maneira diferente e com objetivos adapta- de demais para ser engolida?
dos à situação; todavia, ele não se apaga. Mas, antes de propor elementos para respon-
Podemos dizer o mesmo do conflito das peda- der a tais perguntas, importa considerar, primeira-
gogias chamadas transmissivas em oposição às mente, a mudança de contexto, para depois
pedagogias chamadas centradas sobre o aluno. Os clarificar a noção de currículo, assim como as suas
seus lugares respectivos no repertório profissional principais dimensões.
dos docentes suscitam, a cada etapa da implemen-
tação de um currículo, como também em cada dis- A mudança de contexto
ciplina, um debate incessante, mesmo que em alguns
momentos pareça estar arrefecido. Afirmar que uma reforma com envergadura (e
Ao que nos toca de perto, gostaria, no contexto a esperança que ela carrega), para ter alguma pos-
desse texto, de levantar as seguintes perguntas que sibilidade de sucesso, deve se apoiar sobre grupos
me parecem estar situadas no coração dos deba- sociais constituídos não passa de uma banalidade
tes atuais em educação: sociológica. É necessário que o discurso da refor-
1) A questão do Estado pedagogo: ninguém ma, inclusive na sua especificidade educativa, al-
contesta o Estado quanto a sua obrigação cance o ethos e os interesses de grupos sociais,
de definir o projeto sociopolítico que funda o para que tenha uma chance de verdadeiramente
currículo da escola publica obrigatória; é se concretizar.
aceitável que ele concretize esse projeto em Falado de outra maneira, a esperança que a
um programa curricular, embora haja socie- reforma expressa e veicula deve ecoar, alcançar e
dades como a Bélgica, por exemplo, onde convir aos grupos sociais e à idéia que eles se fa-
essa questão pertence aos pilares que sus- zem de seu próprio futuro. Esses grupos existem
tentam as instituições sociais. Mas será que tanto dentro do sistema educativo, como fora dele.
o Estado deve prescrever a pedagogia? Qual Por isso, o interesse em se perguntar, a quais gru-
é a visão da autonomia profissional docente pos a reforma serve e de que maneira.

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Reformas curriculares e trabalho docente: natureza e graus de prescrições do trabalho

Dessa forma, muitas vezes reformas educati- e reduzem o sentimento de controle sobre a pró-
vas foram analisadas no período dos “Trinta Glori- pria vida. A insegurança no plano do trabalho es-
osos”1 , mostrando o quanto tais reformas têm sido, tende-se não só aos empregados subalternos dos
a partir daí, um campo ocupado pelas novas clas- setores manufaturados; a competição, a flexibili-
ses médias urbanas que passam a se inserir num dade e a precariedade (o que Bourdieu chama de
Estado que se moderniza e para cujo desenvolvi- “flexiploração3 ” (1998) se amplificam e se gene-
mento elas contribuem, tomando, assim, um lugar ralizam, vão além dos empregos manuais para
no seio de uma economia em via de terceirização. alcançar os empregos intelectuais, inclusive en-
Essa modernização da educação serviu aos inte- tre os setores até agora mais bem protegidos.
resses das classes médias em expansão – estas Existe até políticas públicas adotadas pelos go-
podendo mobilizar seus crescentes efetivos nas vernos conservadores que pretendem desbloque-
novas burocracias do Estado em atividades típicas ar os setores profissionais protegidos até hoje
das semi-profissões e das administrações públicas (como, por exemplo, a administração pública).
e semi-públicas. Trata-se da narrativa mais comum Dessa maneira, há um sentimento popularizado
da história recente e existe inegavelmente uma de que o indivíduo se encontra, doravante, cada
parte de verdade nela. vez mais abandonado a si mesmo e de que ele não
Nessa conjectura, a educação revelava-se de- pode verdadeiramente ter confiança nas institui-
sejável e o slogan quebequense “Quem se instrui ções que tradicionalmente o protegem e o susten-
se enriquece” tem corretamente traduzido essa tam. Se algumas pessoas conseguem se sair bem,
dupla mensagem de enriquecimento ao mesmo outras tantas receiam descer na escala social. A
tempo cultural e sócio-econômico. Entre esse gru- concorrência está, muitas vezes, na outra extremi-
pos, os docentes, inegavelmente, têm sido os por- dade do mundo, às vezes encontra-se muito perto,
tadores e beneficiários desse movimento. Pais em casa. Tal concorrência se encarna então nas
convencidos dos benfazejos resultados da educa- pessoas oriundas da imigração que aceitam condi-
ção para seus filhos e percebendo nela uma ala- ções de trabalho que se acreditava ligadas a uma
vanca acessível (gratuita) e poderosa de mobilidade época passada. A linha da fratura social está dora-
social, e docentes, exemplos próprios e vivos des- vante no seio das classes médias e não mais na
sa mobilidade e penetrados da modernidade cultu- fronteiras dos meios desfavorecidos.
ral, formavam uma coligação ganhadora, uma base As classes médias e, notadamente, as classes
consensual suficientemente forte para que a re- médias inferiores estão, assim, preocupadas com
forma Parent2 decolasse e se mantivesse na es- o futuro delas e de seus filhos. Numa tal conjectu-
trada, pelo menos o tempo suficiente para não ser ra, a escola é contestada na sua capacidade de
mais possível voltar atrás. manter a reprodução e a mobilidade social. O di-
Pode-se pensar que as reformas atuais ainda ploma não constitui mais uma garantia completa
buscam responder, de uma maneire diferente, aos contra a insegurança econômica; ele representa
interesses das classes médias. Mas não é certo uma moeda desvalorizada por duas razões: tem
que elas consigam. É verdade que o contexto tem muitos em circulação, logo se necessita ter mais
mudado profundamente. As classes médias es- de um para manter a vantagem concorrencial ou
tão mais inquietas e menos otimistas que no pas- para avançar. O mercado de trabalho, também,
sado; elas não percebem necessariamente o fu- quando reconhece a qualificação que confere o
turo como luminoso ou como imaginavam na diploma, não pressupõe que a competência lhe
época dos Trinta Gloriosos. O alargamento do
1
horizonte cultural, profissional e econômico no NdT. A expressão Os Trinta Gloriosos designa o período de 30
anos de expansão econômica em países ocidentais industrializa-
planeta inteiro, em conseqüência, primeiro da glo- dos depois da segunda guerra mundial.
balização econômica, mas também de outras for- 2
NdT. A reforma Parent (1960) acabou com o controle da
mas de globalização (entre outras cultural e polí- Igreja sobre as vias de acesso à universidade no Quebec, demo-
cratizando o acesso ao saber.
tica), tornam confusas as referências habituais, 3
NdT. Em francês, flexeploitation mistura flexibilité (flexibili-
perturbam as trajetórias pessoais e profissionais dade) e exploitation (exploração).

46 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 43-58, jul./dez. 2008
Claude Lessard

acompanhe. O diplomado precisa ainda demons- padas com os resultados do que com as experi-
trar que é competente. Numa tal situação, a esco- mentações e as inovações.
la e, notadamente, a escola pública deve adaptar-se,
elevando sua qualidade e mostrando sua compe- As três dimensões do currículo
tência. Ela deve, para retomar as palavras do rela-
tório Inchauspé (1997), reforçar sua função Pode ser útil distinguir três elementos funda-
cognitiva. Quanto à elevação cultural e às compe- mentais em um programa curricular; esses elemen-
tências transversais, se elas representam uma ine- tos são 1) o projeto sociopolítico ou a visão
gável valor intrínseco, pode se pensar também que educativa que funda o programa de estudos, 2) a
constituem a bússola e o mapa doravante requisi- tradução dessa visão em um programa de estudos
tados para uma entrada bem sucedida no século e 3) uma pedagogia ou pedagogias que aparecem
XXI (Rapport Corbo, 1994). coerentes e congruentes com os dois primeiros ele-
Tanto nos seus objetivos de elevação cultural, mentos.
quanto como na sua vontade de assegurar o de-
senvolvimento de competências, as reformas atu-
ais buscam responder às preocupações das classes A visão educativa ou o projeto socio-
médias. Na medida em que são pensadas, antes político
de tudo, para as escolas públicas, poderia se dizer
que se fossem coroadas de sucesso, contribuiriam Na medida em que uma reforma carrega espe-
para melhorar a reputação destas e conter o cres- rança esta pode encarnar uma visão educativa
cimento do setor privado, o qual os pais de classes verdadeiramente sociopolítica. Essa visão define o
médias (classes médias tradicionalmente superio- tipo de cidadão que uma sociedade pretende de-
res mas progressivamente também inferiores) apre- senvolver, o tipo de cultura que ela estima que deve
ciam cada vez mais, pois oferece a segurança de ser transmitida para se construir um ser humano e
referências conhecidas e um seguro de qualidade o tipo de saber-fazer que se julga necessário para
e sucesso. se inserir no mundo e contribuir para seu desen-
Finalmente, durante os anos “Trinta Gloriosos”, volvimento. Isso nos remete à tripla missão da ins-
as classes médias, então em plena expansão, vêem trução, socialização e qualificação que se encontra
na instituição escolar a ferramenta perfeita para a re-atualizada em um novo contexto. Essa visão é
ascensão social e a entrada na modernidade. Hoje, fundamental e muitas vezes fonte de controvérsi-
as classes médias querem assegurar que essa as, pois traduz, no campo educativo, os interesses
mesma instituição garanta a preservação do seu dos grupos sociais constituídos, as relações de for-
estatuto, as proteja ou minimize os riscos de queda ça e as exigências dos grandes setores da socie-
na escala social e permita uma retomada em um dade (notadamente, mas não unicamente, o
futuro incerto. O contexto tem, assim, mudado con- econômico). Porém ela tem, no melhor dos casos,
sideravelmente: possui uma tendência a tornar as uma verdadeira especificidade educativa, que con-
pessoas menos otimistas, menos solidárias e mais tribui para a relativa autonomia do campo, dando
preocupadas com seus próprios interesses. Torna armas para lutar contra certas forças exteriores e
também as pessoas mais exigentes e mais conser- legitima a missão específica de seus agentes.
vadoras, menos abertas às inovações, certamente, Numa sociedade democrática, a elaboração
generosas ou oriundas de boas intenções porém dessa visão pertence aos cidadãos, pois expressa,
arriscadas e de efeitos incertos. para um período histórico dado, o bem comum em
Essa mudança de contexto, me parece, marca educação. Se especialistas e profissionais práticos
o debate atual sobre a educação e explica a difi- podem contribuir para o debate social em torno da
culdade de implementação de algumas dimensões definição do bem comum em educação, o farão
das reformas, notadamente de suas dimensões sem dizer que ultimamente as escolhas educativas
pedagógicas, consideradas arriscadas e incertas fundamentais pertencem à coletividade dos cida-
para uma fração das classes médias mais preocu- dãos e unicamente a esta.

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Reformas curriculares e trabalho docente: natureza e graus de prescrições do trabalho

A tradução dessa visão em um pro- tes do que os programas catálogos4 dos anos 50;
grama curricular os programas por objetivos dos anos 80 têm ten-
tado reduzir a variabilidade das práticas docen-
Essa visão educativa se concretiza em um pro- tes, detalhando mais o que deveria ser ensinado
grama curricular implementado nas escolas de ní- (mesmo que fosse necessário listar milhares de
veis fundamental e médio em Québec. Esse objetivos...); e os recentes programas chamados
programa tenta incorporar no seu seio as várias programas por competências buscam corrigir a
dimensões do projeto sociopolítico formulado inici- dispersão dos programas por objetivos, integran-
almente, concedendo-lhes um espaço variável (de do melhor os componentes e as disciplinas e de-
onde as expressões de disciplinas nobres e de dis- volvendo ao programa curricular uma certa
ciplinas menores); define os percursos escolares organicidade.
combinando de maneiras diferenciadas as discipli-
nas e levando para destinos escolares ou profissio-
As orientações pedagógicas
nais variados; elenca as regras de sanções e
diplomações etc... Como todo currículo, é objeto Um currículo é também e finalmente constituí-
de críticas e controvérsias, por exemplo: critica-se do de orientações pedagógicas mais ou menos ex-
o currículo no Québec nos anos 1970, porque dava plícitas e mais ou menos prescritivas. Antigamente,
pouco espaço para algumas disciplinas (como his- os programas detalhados e o inspetor encarregado
tória, por exemplo); por ter invertido a antiga hie- de supervisionar sua aplicação e de assegurar o
rarquia nas disciplinas (em proveito das ciências e seu cumprimento, valorizavam pedagogias que ga-
em detrimento das humanidade clássicas); por ter rantiam a memorização e o respeito às regras. Ao
atomizado o tempo de ensino disponível e de tê-lo longo dos “Trinta Gloriosos”, opções pedagógicas
distribuído em numerosas pequenas disciplinas diferentes têm sido claramente expressas: eram
(tipo “educação para”...); por atrasar inutilmente formuladas em referência a uma centralização so-
a aprendizagem do inglês; por responder inade- bre a criança, à pedagogia ativa, à criatividade e à
quadamente à problemática da diversidade religi- inovação.
osa (a questão do ensino religioso confessional e Essas orientações pedagógicas, baseadas no
do ensino moral) etc. A lista das críticas é longa. progresso da psicologia e das ciências sociais, de-
É suficiente para convencer o leitor do fato que veriam, em vários países, animar a refundação da
todo currículo é uma construção social que inevi- formação docente, doravante universitária, e guiar
tavelmente comporta escolhas, prioridades e ar- a orientação do trabalho docente.
bitragens e que isso é quase sempre fonte de Nos enunciados políticos ministeriais, essas ori-
conflitos e debates. entações pedagógicas são mais ou menos prescri-
Entre a visão educativa e sua implementação tas e sistematizadas, porém nenhuma das reformas
num programa curricular, existe uma preocupação curriculares do último meio século se contentou em
pela coerência; há, dessa forma, inevitavelmente promover um ou outro dos três elementos. É o con-
uma obrigação de se levar em consideração um junto que está sempre presente, mas é o programa
conjunto de limitações concretas que dão ao currí- de estudos (os componentes curriculares) que ocu-
culo sua característica imperfeita. Todavia, isso não pa o maior lugar.
impede de ir em frente, pois, em geral, um currícu- Os agentes que formulam as orientações e as
lo tem tendência a encontrar sua legitimidade em prescrições pedagógicas têm tendência a fundá-
um conjunto de correções que pretende introduzir las sobre “os progressos da pedagogia” e notada-
em relação ao currículo anterior, cujos erros, deri- mente sobre as teorias da aprendizagem: o
vas e inadaptações parecem, hoje, como não po- construtivismo piagetiano nos anos 60 (já presente
dendo mais ser tolerados ou mantidos. nos livros de pedagogia das escolas normais dos
Dessa maneira, os programas amplos dos anos
60 pretendiam-se menos detalhados e mais respei- 4
NdT: Trata-se de aqui de programas que pretendam determinar
tosos quanto à autonomia profissional dos docen- tudo o que se deve fazer.

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Claude Lessard

anos 1950 (VINETTE, 1948), o behaviorismo para O momento do Estado-pedagogo já


o programa por objetivos, e um amálgama de cog- passou?
nitivismo, construtivismo e socioconstrutivismo para
os programas atuais, chamados currículo por Constatamos numa seção anterior deste texto
competências. que cada vez que se mudou o programa de estu-
As várias reformas comportam, assim, os três dos, o Estado tem fornecido indicações em torno
elementos fundamentais do currículo. Se esses três da boa pedagogia e da boa maneira de ensinar.
elementos são necessariamente interligados, cada Por que tem sido feito? Por que tem estimado que
um tem também a sua especificidade e dão muitas seria necessário fazê-lo?
vezes lugar a controvérsias mais ou menos imbri- Numerosas hipóteses se sobressaem e estão
cadas, por exemplo: a questão política do lugar da ligadas à questão de saber até que ponto pode-se
historia nacional no programa de historia ou ainda dissociar os fins dos meios, pois algumas condi-
a questão propriamente curricular da junção entre ções devem ser requisitadas para alcançar certos
história e geografia em uma única disciplina, tudo objetivos:
isso constitui debates cuja especificidade provém – Obviamente, o Estado tem se sentido auto-
de um ou outro desse três elementos de base. rizado a fazê-lo. É verdade que historica-
mente, as autoridade responsáveis pela
As dimensões do currículo: continui- instrução pública, sua rede de inspetores e
dade ou ruptura? as escolas normais, veiculavam normas pe-
dagógicas explícitas. Mais tarde, durante os
É importante analisar um currículo segundo os anos “Trinta Gloriosos”, mesmo valorizando
dois grandes eixos formulados aqui sob forma de a autonomia profissional docente, as autori-
perguntas. Haveria continuidade no tempo entre dades políticas se situavam na continuidade
um currículo e o outro, ou deveria se falar de uma histórica quando pregavam uma pedagogia
ruptura mais ou menos radical ? Haveria coerên- mais ativa. A norma pedagógica era dife-
cia e integração entre as três dimensões? Essa úl- rente do que prevalecia anteriormente nas
tima pergunta está estudada com freqüência nos escolas normais, mas tinha de fato determi-
escritos de língua inglesa sob o nome de alinha- nação de uma norma pedagógica. Esta pa-
mento vertical das dimensões de um currículo. A recia fundada sob vários registros ou regime
resposta à primeira pergunta dá uma idéia da am- de legitimidade (os progressos da psicolo-
plitude e da profundidade das mudanças conside- gia, experiências estrangeiras bem sucedi-
radas e das expectativas de modificação das das, valores educativos modernos, etc.);
práticas docentes. A segunda remete à problemá- pode-se dizer que ela remete ao bem co-
tica dos sistemas educativos percebidos como “sis- mum em educação.
temas de acoplamentos fracos”5 (WEICK, 1976), – É absolutamente normal que o Estado se pre-
à margem de manobra dos atores dentro do siste- ocupe com as práticas docentes, pois a efi-
ma e à capacidade deles de interpretar, adaptar e ciência de suas políticas perpassam inevita-
modificar o currículo na medida que desce do topo velmente por elas. Assim, o Estado é instado
do sistema para a base. naturalmente a adotar uma visão larga de
Para responder a tais perguntas necessitaría- currículo, assumindo que não é só o currícu-
mos de estudos empíricos das representações e lo oficial que é importante, mas também o
das práticas docentes, pois são estes elementos que currículo ensinado – de que os docentes se
concretizam o currículo. Esses elementos de aná- apropriam e que traduzem nos seus planos
lise sobre a mudança de contexto e sobre as di- de ensino, em situações de aprendizagem,
mensões do currículo considerados numa em trabalho de aluno etc. –, o que nos leva
perspectiva de continuidade e ruptura, podem nos
levar a abordar agora as perguntas formuladas ini- 5
NdT. O autor usa a expressão inglesa “loosely coupled systems”
cialmente, pois estruturam os debates atuais. no texto original francês.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 43-58, jul./dez. 2008 49
Reformas curriculares e trabalho docente: natureza e graus de prescrições do trabalho

inevitavelmente ao terreno da didática e da ganizacionais e financeiros do trabalho, dei-


pedagogia. Devemos dizer que, fornecendo xando aparentemente intacta a autonomia
orientações pedagógicas, o Estado expres- profissional e o próprio exercício dos atos
sa também uma preocupação com a coe- profissionais. Mas seria muita ingenuidade
rência. Finalmente, se, por exemplo, o Esta- pensar que se limitar às condições e aos
do abraça uma visão que valoriza a educação grandes parâmetros é algo sem conseqüên-
para a cidadania, pode-se estimar que este- cia. Se compararmos, no caso da docência,
ja autorizado a dizer aos docentes que as o Estado vai mais longe nas suas prescri-
pedagogias as quais permitem a aprendiza- ções do que em relação às profissões esta-
gem da deliberação coletiva sobre questões belecidas: não hesita em prescrever o pró-
sociais atuais são apropriadas e que esse tipo prio trabalho e não só o seu meio e suas
de pedagogia deve tomar espaço e instituci- condições. Podemos notar, entretanto, que
onalizar-se. isso não significa que a prescrição seja se-
– Tendo no seu seio funcionários oriundos da guida ao pé da letra ou que o trabalho seja
docência cujas competências e conhecimen- efetivamente transformado. Isso é uma ou-
tos profissionais têm sido usados para a cons- tra pergunta – a do sucesso na implementa-
trução de programas curriculares, o Estado ção das reformas.
conhece bem o ethos profissional docente, – O Estado, como empregador, prescreve por-
notadamente do nível fundamental, onde a que considera que os docentes são técni-
pedagogia – a relação com os alunos, o como cos aos quais deve-se dizer não só o que
ensinar, fazer aprender e contribuir para o transmitir, mas também como fazê-lo. Nes-
desenvolvimento da criança – está no cen- se contexto, as prescrições, sobretudo se são
tro da identidade profissional. O Estado pe- precisas e unívocas, parecem necessárias:
dagogo aqui é o Estado docente. Pelas elas balizam o trabalho requerido e definem
mesmas razões, ele sabe que no nível mé- claramente as responsabilidades dos docen-
dio, agora democratizado, um número im- tes. As especificações estão assim claras e
portante de docentes busca maneiras de precisas. Se necessário, poderá ser negoci-
integrar os alunos mais recalcitrantes que ado e integrado ao contrato coletivo de tra-
os herdeiros6 de antes, de motivá-los, de balho cuja lógica normalizadora se encontra
fazê-los interessar-se por conteúdos e tra- de fato compatível com uma visão tecnicis-
balho escolar, o que tem como conseqüên- ta da profissão. Não é dito que o Estado
cia colocar esses docentes, no mínimo, em empregador, com esse procedimento, se
uma posição privilegiada para fazer consi- engana sobre as expectativas de seus em-
derações didáticas e pedagógicas potenci- pregados. De fato, estudos americanos (Mc-
almente eficientes. NEIL, 2000) e britânicos (OSBORNE et al.,
– Em breve, pela definição de orientações pe- 2000) recentes revelam que um bom núme-
dagógicas mais ou menos prescritivas e ex- ro de docentes acomoda-se muito bem a um
plícitas, o Estado responde a uma demanda currículo muito prescritivo e detalhado, pois
interna de tradução das grandes finalidades ele fornece um quadro seguro e delimita com
educativas não só em um programa curri- precisão o campo das responsabilidades. O
cular, mas também em modelos e práticas
6
pedagógicas. NdT. O autor alude aqui a uma obra de Bourdieu et Passeron
chamada Les Héritiers (Os Herdeiros). Bourdieu e Passeron
– Constatamos também que o Estado tem ten- mostraram como o capital cultural faz que mesmo numa socie-
dência a prescrever tanto mais quanto o gru- dade com escolarização universal e escolaridade gratuita como a
França, os status sociais e as profissões são herdadas. A demo-
po profissional seja mais fraco coletivamen- cratização da educação acontecida no Québec com a Revolução
te. Para profissões estabelecidas, o Estado tranqüila quebrou esse paradigma pois, a partir dela, a grande
maioria dos universitários passam a ser filhos de pessoas sem
tem a tendência a modificar as condições formação universitária, logo universitários que não podem ser
da prática e notadamente os parâmetros or- considerados como herdeiros.

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Claude Lessard

sentimento de auto-eficiência profissional tica e elas difundem uma rica informação


docente nesse quadro está mantido, senão sobre as boas práticas, mas, infelizmente,
aumentado. Pode-se pensar, nessa perspec- não alcançam todos os docentes nem de-
tiva, que dispor de uma margem de liberda- têm qualquer poder de regulação sobre eles.
de pode ser uma faca de dois gumes em – Nesse cenário, há pouco a se esperar dos
respeito à imputabilidade dos gestos profis- sindicatos docentes, pois este não é seu pa-
sionais. Mais ainda porque não é sempre fácil pel. Aliás, a história parece mostrar que,
medir os efeitos de tal prática, fazendo cres- quando os sindicatos se aventuram sobre
cer entre os docentes um sentimento de in- esse terreno, eles o fazem de uma maneira
justiça frente ao fato de serem considerados defensiva e negativa: eles se opõem às pres-
responsáveis pelos fracassos e problemas crições em nome da autonomia profissio-
da escola. nal docente; mas não valorizam nenhuma,
– O Estado também faz com que as editoras salvo as que são ligadas ao seu próprio pro-
contribuam com a edição de livros didáti- jeto sociopolítico (como por exemplo no
cos. De fato, é o Estado que fixa os parâ- Québec, a pedagogia da conscientização
metros para a redação desses livros e do encarnada no manual do primeiro de maio
material didático em geral. Dessa maneira, dos anos 1970 e em diversas ferramentas
não obstante a relativa liberdade da qual os pedagógicas chamadas de progressistas ou,
docentes gozam na escolha dos livros e do mais recentemente, numa pedagogia da edu-
material, o Estado estrutura o ensino dispen- cação ambiental, como é valorizada na rede
sado (a organização dos saberes, os exem- das escolas verdes Bruntland). Entretanto,
plos e os exercícios, as avaliações etc.). a preocupação primeira com suas relações
– As ciências da educação são plurais, são uni- com o Estado Pedagogo é de salvaguardar
versalizadas, o que significa que ocupam um a autonomia profissional dos seus membros
campo intelectual que valoriza muita a di- e evitar que sejam designados como res-
versidade de pontos de vista assim como a ponsáveis pelas disfunções do sistema edu-
crítica. Assim, mesmo que os programas de cativo.
formação docentes sejam doravante chama- – O Estado é pedagogo, pois ninguém além
dos por competências e mesmo que se fale dele assume a necessária função de regula-
de hegemonia do socioconstrutivismo, a re- ção da prática: não existe uma ordem pro-
alidade é que as faculdades de ciências da fissional que poderia definir o que são as boas
educação não transmitem a seus alunos uma práticas pedagógicas ou, inversamente, o que
visão verdadeiramente integrada de boas seriam as manifestações de incompetência.
práticas. E mesmo que fosse possível se Logo, nesse contexto fracamente regulado,
destacar alguns princípios pedagógicos bas- o Estado assume a função de corporação
tante compartilhados, suas modalidades de profissional.
implementação sendo pluriformes, não é fá- Em suma, o Estado se comporta como pedago-
cil, sem dúvida, determinar a priori as “boas go, pois ele se sente autorizado a sê-lo em nome
práticas”. Seguindo a lógica da universida- do bem-estar comum educativo; tomou o hábito de
de, isso é complemente normal; do ponto de fazê-lo e ninguém parece estar em posição de re-
vista da construção de uma profissionalida- gular a prática docente. Talvez os debates atuais
de docente compartilhada, isso parece tanto sobre a educação fossem diferentes se se tivesse
mais problemático, pois a verdadeira profis- uma ordem profissional e os seus representantes
sionalidade compartilhada fica, então, implí- autorizados expressassem o ponto de vista da pro-
cita e dificilmente difundível. fissão sobres as dimensões pedagógicas da refor-
– As associações profissionais pedagógicas ma atual dos programas curriculares.
veiculam, de certo, uma preocupação peda- Eu acrescentaria, concluindo esta secção, que,
gógica bem ligada às condições reais da prá- mesmo que consideremos os docentes não como

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Reformas curriculares e trabalho docente: natureza e graus de prescrições do trabalho

técnicos mas como profissionais, não têm como currículo nacional (a visão, o programa de estu-
escapar da prescrição do trabalho. Em uma pro- dos, a ou as pedagogias apropriadas), até onde o
fissão, as práticas, de certo, se baseiam sobre co- Estado deve ir? Com que grau de detalhes ou de
nhecimentos, mas elas são também e, sobretudo, imposição? Para um sociólogo, não existe resposta
objetos de deliberações coletivas – elas se incor- óbvia ou científica para essa pergunta, pois esta-
poram assim ao patrimônio profissional – e a au- mos aqui no campo das relações de força entre
tonomia profissional é em grande parte coletiva, grupos, ocupando posições diferentes no campo
mais que individual. Os médicos e os advogados educativo, entre os que prescrevem e os que são
são relativamente autônomos, como corpos pro- submetidos à prescrição. Logo, não é surpreen-
fissionais, porém cada médico e cada advogado dente constatar que os pontos de vista divergem,
pratica em um quadro relativamente limitador de dependendo de qual lado da prescrição estiver-
prescrições. Podemos ir mais longe: não se pode mos. Podemos constatar, entretanto, que as pres-
ter inteligência no trabalho, ou profissionalismo se crições gerais têm a tendência de provocar o
se prefere essa palavra, se, de um lado, não exis- consenso (pelo menos por um certo tempo...!),
tem prescrições válidas para o conjunto do grupo, mas que elas se tornam problemáticas quando
e se, de outro lado, não há um espaço de jogo aterrissam no terreno da prática, chocando-se
com uma regra. Esse espaço permite aos profis- então com as exigências que sentem os práticos
sionais realizar a tarefa prescrita, paradoxalmen- (professores) em torno da praticidade dessas
te driblando a regra e superando-a . Como prescrições. Além dessa praticabilidade, há
mencionou Perrenoud, o trabalho real é ao mes- também interpretações nem sempre convergen-
mo tempo mais pobre e mais rico que o trabalho tes, pois quanto mais ficamos nas conjecturas
prescrito! gerais maior é a margem de interpretação! Isso
Quaisquer que sejam as razões e os elementos pode ser percebido como uma coisa positiva ou
contextuais que historicamente têm tornado possí- negativa, a depender do ponto de vista.
vel o desdobramento mais ou menos percebido Se adotarmos o ponto de vista pragmático e
como hegemônico do Estado Pedagogo, seria pos- construtivista, como é freqüente nas profissões
sível e desejável querer sua morte? Se os próprios provindas das humanidades (TARDIF; LESSARD,
professores resistem à auto-regulação da sua prá- 1999), parece fecundo se prescrever o trabalho,
tica e se o Estado renuncia a seu poder de pres- porém não em todos os seus detalhes. De certo, é
crever, no contexto atual, não podemos, assim, importante definir um quadro, as finalidades, os
temer a dominação de uma outra forma de regula- recursos e os meios privilegiados, mas é necessá-
ção, este mais coerente com as políticas neo-libe- rio também deixar aos atores o espaço necessário
rais das últimas décadas, i.e. uma regulação pelo para que a inteligência coletiva e individual se de-
mercado, caracterizada pelo jogo da concorrência senvolva no contexto de trabalho, para que combi-
e da livre escolha, levando a longo prazo uma im- ne os elementos disponíveis para realizar a tarefa,
plosão do sistema educativo público? A hegemonia incorpore a tradição assim como a inovação, e se
do estado prescriptor seria aqui substituída pela ti- adapte e se diversifique em função das pessoas e
rania dos clientes consumidores de serviços edu- das situações. Isso é importante para o indivíduo
cativos (eventualmente pagos). Haveria lá um no trabalho, mas está demonstrado que também é
progresso para o bem comum e para os agentes necessário para que a organização alcance seus
da educação? Deveríamos deixar aos pais ou aos objetivos de uma maneira eficiente. Há, assim, um
conselhos de estabelecimento7 ditar aos docentes ponto de equilíbrio a ser encontrado, que só é pos-
como implementar o programa curricular nas suas sível na realização da própria ação, não na sua
salas de aula ? concepção e no seu planejamento.
Se parece desejável que o Estado, na ausên-
cia de uma ordem profissional à qual seria dele- 7
NdT. A gestão das escolas está muito mais descentralizada no
gada parte desse papel, assuma uma função Québec que no Brasil. Os pais podem participar dos conselhos e
prescritiva nos três níveis de elaboração de um ter um papel ativo nessa gestão.

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A relação entre um programa curricu- no” no sentido de uma teoria científica, explicativa
lar e as teorias de aprendizagem: uma e empiricamente verificada. Existem elementos de
relação necessária? uma tal teoria mas não temos uma teoria comple-
ta. Conheço pedagogias, i.e. elementos de prescri-
Será necessário um programa curricular se ba- ções interligadas que elencam o que é uma boa
sear em uma (e só uma) concepção da aprendiza- pedagogia, ou uma pedagogia eficiente. Algu-
gem? Será que esta deve fundar um programa mas prescrições tem um caráter bastante geral e
curricular? E se for o caso, é necessário, para a largo; elas se apresentam mais como orientações,
sua implementação, que os docentes pactuem de que devem guiar a prática, do que como práticas
uma mesma epistemologia do conhecimento e de específicas. Outras pedagogias são mais da cate-
uma mesma teoria da aprendizagem ? goria da filosofia da educação do que da categoria
Segundo o argumento até aqui desenvolvido, um da prescrição ou de eixos pedagógicos. Enfim, ou-
programa curricular deve, antes de tudo, operacio- tros combinam tudo isso de uma vez. Podemos
nalizar uma visão, um projeto político de formação exemplificar mencionando a pedagogia de Freinet,
do cidadão capaz de ocupar seu lugar na socieda- a de Freire chamada da conscientização, as pres-
de e de contribuir para o desenvolvimento dela. crições ligadas ao movimento do School Effecti-
Podemos julgar um programa curricular a partir de veness, a pedagogia do domínio de Bloom, as
sua adequação a essa visão. É essa visão que fun- pedagogias chamadas alternativas, a abordagem
damenta o programa e nenhuma outra. chamada de resolução de problemas, a pedagogia
Pode-se sustentar que as teorias da aprendiza- da cooperação, etc. Trata-se do que Durkheim
gem têm, em relação ao programa curricular, uma chamava de teorias normativas. Elas se fundam
função antes de tudo instrumental. Por exemplo, em elementos diversos: valores educativos explíci-
elas podem nos dizer, como o construtivismo pia- tos, considerações pragmáticas, sabedoria histori-
getiano tem feito por muito tempo, que tal conteú- camente acumulada na profissão, avaliação
do tem mais chance de ser dominado por um aluno científica dos resultados sobre uma grande faixa
que tem alcançado certo nível de desenvolvimento de alunos, assim que sobre as teorias de aprendi-
lógico-matemático. Ou ainda, como o cognitivismo zagem.
afirma hoje: que os novos conhecimentos transmi- Os formadores de professores que aderem ao
tidos pelo professor devem levar em conta os que modelo do professor reflexivo e que se situam nele
já são integrados pelo aluno, cujo cérebro não é em relação à questão da prescrição do trabalho
uma tabula rasa sobre a qual bastaria se inscrever docente, reconhecem que a prática é, em si mes-
novos conhecimentos. Nesse sentido, aprender uma ma, fonte de saberes pedagógicos, o que implica
coisa nova é integrar ao saber já incorporado e em que as boas práticas não sejam unicamente
modificar mais ou menos este. Podemos multipli- oriundas da pesquisa ou das teorias da aprendiza-
car os exemplos, mas só servirão para sustentar o gem, mas que sejam constituídas na própria práti-
seguinte pressuposto: as teorias da aprendizagem ca. Esses formadores desejam que os docentes
não fundam um programa curricular. Elas só po- possam fazer escolhas esclarecidas entre as pe-
dem contribuir para sua organização interna e in- dagogias disponíveis, individualmente e coletiva-
duzir algumas praticas pedagógicas. A menos que mente, e que estejam aptos a refletir sobre sua
recusemos qualquer progresso no universo dos pratica à luz do projeto sociopolítico que funda o
conhecimentos psicológicos ou que acreditemos que currículo, sobre a implementação desse projeto no
esse progresso não deva influir de maneira alguma programa curricular e sobre as prescrições peda-
no ensino, podemos nos perguntar em nome de quê gógicas disponíveis no seio da profissão ou valori-
seria necessário se privar desses progressos. zadas pelo Estado.
Sustento igualmente que as teorias da aprendi- As teorias da aprendizagem são, desta forma,
zagem não podem fundar uma teoria de ensino. ferramentas de construção de uma prática e de
Pelo menos não de maneira exclusiva e completa. sua teorização, mas estão longe de constituir o seu
Sejamos claros: não conheço uma “teoria do ensi- único ingrediente. Podemos, logo, pensar em re-

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Reformas curriculares e trabalho docente: natureza e graus de prescrições do trabalho

solver a questão das teorias da aprendizagem, dan- aprendizagens para tentar entender as suas origens:
do-lhes um estatuto instrumental, logo secundário, é, por exemplo, tomar consciência das exigências de
na elaboração de um currículo e de um programa algumas situações propostas como da aula magis-
de estudos. Mas será que isso é tão simples? Se tral, que no plano da qualidade de escuta ativa exigi-
da dos alunos está fora de alcance de muitos alunos.
fosse, como explicar essa forte reação negativa no
Enfim, ter o olhar construtivista significa constatar
meio da educação e na mídia ao socioconstrutivis-
que toda aprendizagem não acontece com certeza,
mo, muitas vezes apresentado pelo seus detratores que ela necessita de algumas condições que, além
como um novo dogma ou uma prescrição pedagógi- do mais, variam em função dos indivíduos que apren-
ca absoluta? Ao longo dos últimos cinqüenta últimos dem. E, assim, mais freqüentemente buscar condi-
anos, as referências ao construtivismo piagetiano, ções (atitudes, dispositivos, tarefas...), sabendo
pareciam obviedades quase incontestáveis. O que todavia – e o olhar construtivista obriga - que ne-
então bloqueia hoje uma evolução intelectual que a nhum meio de ensino pode garantir a construção do
final de conta é totalmente normal? saber por uma pessoa.
Além de um antipedagogismo primário e impul- Tem-se, assim, uma postura ao mesmo tempo
sivo, infelizmente nutrido por um certo discurso epistemológica e ética, induzida pelas teorias atu-
demagógico sobre as teorias da aprendizagem, ais da aprendizagem que pode mudar o olhar que
gerando, com quase certeza, sua rejeição e sua um docente traz sobre sua prática e que carrega
redução a uma moda (mais uma... !) propagada exigências mais finas e mais elevadas. Isso consti-
por gurus e insanos, há um difícil confronto com tui um desafio considerável que remete ulterior-
o fato de que as teorias da aprendizagem – e nota- mente a valores e ao que Meirieu chamou de
damente as que pertencem ao movimento cons- postulado de educabilidade. Com essa aborda-
trutivista – modificam nosso olhar sobre a criança gem a questão do estatuto das teorias da aprendi-
e sobre seu desenvolvimento, assim como sobre a zagem em relação ao programa curricular não é
natureza dos próprios saberes que são objeto da mais secundária ou instrumental, mas também fun-
aprendizagem e sobre as modalidades de apropri- damental. Daí o debate que elas suscitam, tanto
ação pelas crianças desses saberes. mais vivo quanto a mudança a que podem induzir
Se elas não se prejulgam práticas pedagógicas parece importante.
específicas susceptíveis de favorecer a aprendiza- Isso nos leva à questão da amplitude da mu-
gem, carregam, entretanto, um questionamento dança e da sua própria possibilidade.
sobre nossas práticas que exige a ativação de uma
preocupação pedagógica constante, o que é exi-
gente, complexo, incerto e nem sempre coroado Mudança global ou mudança alveja-
de sucesso. As palavras de É. Vellas (2006, p. 27) da?
ilustram bem essa exigência:
Seria necessário ligar a mudança dos conteú-
Para o docente, adotar o olhar construtivista signifi- dos de ensino às mudanças nas maneiras de fa-
ca ver a criança como responsável pela construção zer? Mudanças em todos os conteúdos e mudanças
da bagagem cultural que a instituição decidiu lhe maiores nas maneiras de fazer que não perten-
transmitir. Ao mesmo tempo, significa se tornar mui- cem à ordem das práticas pedagógicas, mas que
to atento às aprendizagens bem sucedidas, como às
podem influenciá-las (aprovação automática, inter-
não realizadas. Significa também observar e analisar
o sentido do saber em construção em cada aluno
disciplinaridade, abertura disciplinar, organização
assim como cercar os contrasensos, as ausências em ciclo de aprendizagem, abordagem por compe-
de sentidos conferidas ao saber em questão, para tências). Apontando-se para tantas direções, é pos-
que o sentido já presente – construído pela socie- sível não se acertar o alvo? A reforma atual (como
dade humana e em parte pela escola – esteja presen- essas que a precederam ao logo das últimas déca-
te no final da situação ou do ciclo de aprendizagem. das no Québec) não constituiria una garfada de-
Logo nos períodos previstos pela instituição. Signi- masiadamente grande para ser engolida pelo
fica ser sensível aos bloqueios e desbloqueios das sistema, pelos atores sociais (docentes e adminis-

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tradores) e pelos seus usuários (alunos e seus pais)? ciente quanto uma abordagem global. Como tudo
Entramos aqui no campo das estratégias de está interligado, pode-se pensar que, puxando-se
mudança. E nesse ponto o debate pode não ter um dos fios das linhas de um tapete, todo o dese-
fim... Acredito que Paul Inchauspé sustenta, no seu nho pode ser mexido, enquanto querer abraçar tudo
recente livro (2007), que é necessário se limitar a multiplica as chances de bloqueio.
uma reforma do programa curricular e devolver Se esse ponto de vista parece sensato, não é
aos docentes o controle e a responsabilidade da exatamente isso que queria defender na conclu-
pedagogia que assim deveria evoluir como os do- são. De fato, estou mais preocupado com a oposi-
centes queiram ou possam. Isso levanta a pergun- ção entre concepção e implementação de uma
ta de saber o que é da categoria da finalidade e o reforma que com a oposição entre seu caráter glo-
que é da ordem dos meios: as práticas pedagógi- bal e seu caráter parcial. Parece-me, de fato, es-
cas a serviço da implementação do programa cur- sencial modificar nosso olhar sobre as reformas
ricular, o programa a serviço da formação geral do educativas e reconhecer que a implementação de
aluno e das finalidades subjacentes, em suma, a um currículo ou de uma reforma constitui uma parte
serviço do alcance de objetivos educativos que não integrante desta e não uma segunda fase de apli-
são facilmente dissociáveis da visão de desenvol- cação, dando seguimento de maneira linear à fase
vimento da criança. de elaboração. Reconhecer isso permite ultrapas-
De outro lado, o cantão8 de Genebra, do qual sar alguns debates e se preocupar com o que, em
se falou no Québec, como uma referência ou um definitivo, conta mais, ou seja a contribuição dos
modelo, tem resolvido fazer o contrário: começar atores da primeira linha – os docentes, a direção
por um processo de questionamento das práticas da escola e os pais que participam dos conselhos
docentes e de ativação coletiva de uma preocupa- da escola10 , para o melhoramento da aprendiza-
ção pedagógica centrada no sucesso educativo para gem dos alunos, o que supõe, certamente, a apro-
todos, no contexto de uma quinzena de escolas priação das várias dimensões do currículo e a
voluntárias, e, se necessário, modificar os progra- incorporação destas nas práticas estabelecidas,
mas curriculares. Trata-se de um processo diame- mas, também e sobretudo, nas diversas formas de
tralmente oposto ao que acontece no Québec, hibridização das reformas.
embora parecido com o nosso nas suas dimensões
pedagógicas. Devemos mencionar que a estraté- À guisa de conclusão, defesa a favor
gia de Genebra se queria voluntarista, baseada na do reconhecimento da hibridização
prática e com autopromoção contínua. Foi o Esta- das reformas
do pedagogo genebrense que colocou em movi-
mento o processo de mudança e que o acompanha A narrativa das reformas, de suas implementa-
e o sustenta, porém sem prescrever em detalhes ções e resultados, muitas vezes se revela uma his-
as práticas relevantes, pois precisa de voluntários tória de esperanças quebradas, senão de profundas
(docentes e pais). E, desde o ponto de partida, ino- desilusões. A decepção é tão grande quanto as
var e explorar novas práticas parece necessário esperanças e expectativas eram inicialmente ele-
antes de pensar em generalizá-las. vadas, de tal maneira que um sentimento de ceti-
No Quebec, os partidos políticos9 se distinguem cismo, até de cinismo, é comum nos meios
tradicionalmente no campo das estratégias educa- 8
NdT. O Cantão é a unidade sociopolítica de base da confedera-
tivas. O Partido Liberal tem tido a tendência, no ção suíça que se constitui de 26 cantões, cada um com seu siste-
decorrer das últimas décadas, em adotar uma abor- ma educativo.
9
dagem mais focalizada e parcelarizada, enquanto NdT. Em conseqüência do sistema eleitoral distrital uninominal
majoritário, só dois partidos políticos têm dominado o cenário
o Partido Quebequense, chamado partido de pro- parlamentar no Quebec nos últimos 40 anos: o Partido Liberal,
fessores, tem preferido longos processos de con- federalista e de centro-direita e o Partido Québécois
independentista e de centro-esquerda.
sulta, levando a políticas globais. 10
NdT. No Québec, onde o sistema é descentralizado, os pais
Às vezes, uma abordagem focalizada é tão efi- dos alunos possuem um papel importante na gestão das escolas.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 43-58, jul./dez. 2008 55
Reformas curriculares e trabalho docente: natureza e graus de prescrições do trabalho

institucionais que experimentaram reformas ou uma colocar os conhecimentos em um segundo plano e


profusão de reformas. É o caso do meio educacio- não transmiti-los sistematicamente, o que isso sig-
nal onde se expressa coerentemente o sentimento nifica exatamente? Operacionalizar uma visão edu-
de que a escola, desde os últimos 40 anos, se en- cativa é tentar responder a essas perguntas e a
contra em um estado reformista agudo, uma re- muitas outras, de tal maneira que as práticas do-
forma sempre seguindo a outra, dependendo do centes se tornem iluminadas com uma nova luz e
humor de políticos desejosos de deixar suas mar- susceptíveis de evoluir para o horizonte almejado
cas durante suas passagens no ministério, inspira- pela visão educativa proposta. É nesse lugar que
dos por esses gurus e pedagogos insanos daqui ou muitas reformas se perdem, chocando-se com o
d´alhures e dos quais precisaria se livrar de uma desafio da praticabilidade da visão sobre a qual se
vez por todas... São reformas realizadas demasia- apóiam. Então, não é surpreendente constatar que,
do rapidamente, sem preocupação verdadeira para atrás de linguagens ligeiramente diferentes, se per-
com os atores da base do sistema, que se encon- fila fundamentalmente sempre a mesma reforma
tram, assim, envolvidos em um barco que não es- desde há um meio-século, mas que apresenta, cada
colheram e cujo sentido nem sempre entendem... vez, a mesma dificuldade para ser implementada:
Nosso sistema educacional, dizem os desiludidos, o currículo oficial é cada vez oficialmente modifi-
constitui-se num laboratório perpétuo, instável, em cado pelas instâncias habilitadas, porém o currícu-
desequilíbrio permanente, agitado como uma gali- lo ensinado se move pouco, ou só em função de
nha sem cabeça e por isso segue dissipando a ener- controles ou avaliações ministeriais. Assim, o cur-
gia dos docentes em empreitadas talvez generosas, rículo aprendido pelos alunos fica aquém das ex-
todavia vãs, pois ineficientes e “impraticáveis”. pectativas formuladas inicialmente.
A narrativa das reformas é, muitas vezes, a his- Colocar em prática significa também tomar
tória de uma grande distância ou de uma sucessão decisões e fazer escolhas à luz das limitações e
de deslizes de sentido e de ações às vezes ligeiras, possibilidades que constituem a situação com a qual
às vezes mais substanciais, e que, a longo prazo, os reformistas estão confrontados.
contribuem para a popularização do sentimento de A narrativa da implementação de uma reforma
que alguma coisa se perdeu no caminho, foi des- é também, às vezes, a da perda gradual de apoio
naturado, traído ou recuperado, até seqüestrado em no seio dos grupos sociais que a apoiavam inicial-
proveito de um grupo especifico. mente.
A narrativa dos deslizes é ligada à da imple- Esta narrativa toma, enfim, às vezes, a forma
mentação de uma reforma, pois muitas vezes a vi- de uma história de reforma que foi longe demais,
são mobilizadora, as finalidades perseguidas e o que escapou do controle dos que a pensaram e
argumentário que os legitima são gerais e, por isso, que pegou caminhos não balizados ou, ao contrá-
freqüentemente sujeita a interpretações divergen- rio, que se chocou contra resistências e bloqueios
tes. O conflito das interpretações pode, assim, re- tais que, em definitivo, ela não aconteceu, ou pou-
nascer na etapa da implementação da reforma. É co se concretizou. Reformar se tornou, assim, uma
isso que acontece atualmente no Estado de Que- ação talvez racional e legítima, porém destinada
bec, nas escolas e através da mídia que amplia as ao fracasso de uma tal maneira que se ouve às
oposições. Por exemplo, se todos parecem de acor- vezes vozes desejando o seu fim, a favor do ad-
do com a idéia do sucesso educativo para todos, vento de uma era pós-reforma.
significaria com isso que existe um consenso em Esse discurso da desilusão procede, nos pare-
torno da progressão automática? ce, de falsas premissas: as reformas são pensadas
Possuímos, todos, a mesma idéia quanto à na- e caprichadas por elites que têm uma visão larga e
tureza das competências para serem desenvolvi- completa da situação; logo são racionais e se de-
das e do que isso significa para nossas práticas senrolam necessariamente em duas grandes eta-
docentes? Quando alguém pretende que devemos pas: a primeira, chamada de concepção, determi-
passar do “paradigma” do ensino para o de apren- nando a posterior; a segunda, chamada de
dizagem e que desenvolver competências significa implementação, que não é outra coisa senão a re-

56 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 43-58, jul./dez. 2008
Claude Lessard

alização relativamente técnica na base do que foi A hibridização de uma reforma no Québec se-
primeiramente determinado no topo, o sentido de ria muito facilitada se pudéssemos contar com al-
uma reforma seria logo predeterminado e unívoco gumas escolas, até com uma verdadeira rede de
e todos os atores sociais deveriam aderir sem dis- escolas-piloto ou experimentais, onde as inovações
cussão, nem apropriação, nem mediação. Ou in- propostas no topo do sistema poderiam ser subme-
versamente, as reformas são mal pensadas e “des- tidas à prova da realidade e onde as inovações oriun-
conectadas” das situações concretas do que está das de baixo poderiam surgir, se construir em
em jogo: nesse caso, os atores sociais que são sub- situação real e serem modelizadas para serem trans-
metidos a ela têm capacidade de fazê-la fracas- feridas. No seio dessas escolas, conselheiros pe-
sar! Todavia, quantas energias gastas em vão e dagógicos, formados com essa finalidade,
quanto tempo inutilmente dilapidado! preencheriam o papel de intermediários e de su-
Na verdade, seria mais justo se encarar a re- porte para a inovação. Pesquisadores universitári-
forma como um projeto de mudança que deve ne- os reconhecidos contribuiriam. Essas escolas
cessariamente ser transformado na medida em que seriam um lugar de formação e de pesquisa clinica
se concretiza, quando objetivos e programas alcan- comparáveis aos hospitais universitários. Lembra-
cem e, no melhor dos casos, penetrem no campo mos que estes foram criados no inicio do século
das práticas e das representações dos atores. Esse XX, na decorrência do relatório Flexner que revo-
processo de hibridização não só é inevitável mas é, lucionou a formação e a pesquisa médica na Amé-
provavelmente, uma coisa boa que seja assim, so- rica do Norte. O que seria hoje a medicina sem
bretudo se é sustentado e acompanhado, tornando esses hospitais universitários? Ninguém pode di-
legítima uma apropriação pelos atores, incluindo zer, porém, que existe um forte consenso sobre a
uma reconstrução do sentido da mudança por eles sua inestimável contribuição. Quando aconteceria
mesmos que devem implementá-la, reconstrução o equivalente no campo da educação? Para quan-
que, se bem sucedida, renovará (no sentido de dar do uma inovação pedagógica verdadeiramente pi-
vigor e introduzir inovação) suas práticas. lotada, apoiada e avaliada?

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Reformas curriculares e trabalho docente: natureza e graus de prescrições do trabalho

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Recebido em 03.08.07
Aprovado em 03.08.07

58 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 43-58, jul./dez. 2008
Francineide Pereira de Jesus; Jacques Jules Sonneville

O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE
NA FORMAÇÃO DOCENTE CONTEMPORÂNEA

Francineide Pereira de Jesus *


Jacques Jules Sonneville * *

RESUMO
A formação do educador está presente em todos as abordagens do fenômeno educacional
e, em todas elas, evidencia-se o papel cada vez mais importante do educador no processo
educativo, exigindo deste profissional competência, dedicação e motivação. O presente
estudo1 propõe a discussão sobre a necessidade de considerar efetiva e sistematicamente
as exigências da complexidade do ser humano no processo de formação de professores
que, como tradicionalmente vem sendo desenvolvida, não as contempla de maneira
sistemática e intencional, preferindo agir com base única e exclusiva de uma falsa
racionalidade técnica. A relevância em refletir sobre a formação docente e a
complexidade do ser humano, pautado no pensamento complexo da abordagem moriniana,
reside na possibilidade de que sejam fornecidos elementos para o entendimento e a
concretização das práticas formativas, acreditando que a partir dessas será possível
repensar os cursos de formação de professores e contribuir efetivamente para as
discussões em educação, mais especificamente com relação à formação docente.
Palavras-chave: Formação docente – Complexidade do ser humano – Prática educativa

ABSTRACT

COMPLEXITY PARADIGM IN TEACHERS CONTEMPORANEOUS


FORMATION
Teachers education is present is all approaches of educational phenomenon. In all of
them, the role every time more important of the teacher in the educational process is
put in evidence, requiring from him/her competence, dedication and motivation. This
essay discusses the need to effectively and systematically consider the exigencies of
human complexity in teacher formation process which traditionally did not contemplate
them in an intentional and systematic way, being focused on a false technical rationality.
Reflecting upon teacher formation and human complexity through Edgar Morin’s
approach shows it relevancy through elements of understanding and implementation

* Pedagoga e Especialista em Supervisão Escolar pela Universidade Estadual de Feira de Santana. Mestre em Educação pelo Programa
de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade – PPGEduC/UNEB. Professora Substituta da UEFS – Universidade Estadual
de Feira de Santana/BA, e da UNEB – Universidade do Estado da Bahia, Campus V – Santo Antonio de Jesus/BA. Endereço para
correspondência: Av. João Durval Carneiro, 1236, Brasília – 44062.450 Feira de Santana/BA. E-mail: francineidejesus@yahoo.com.br
** Doutor pela Universidade Católica de Louvain-Bélgica. Mestre em Ciências Sociais pela UFBA. Professor visitante na Linha de
Pesquisa 2 do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade – PPGEduC/UNEB. Editor executivo da Revista da
FAEEBA: Educação e Contemporaneidade. Endereço para correspondência: Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Pós-Graduação
em Educação e Contemporaneidade, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula – 41150-000 Salvador/BA. E-mail: jacqson@uol.com.br
1
O ensaio faz parte da dissertação, intitulada A complexidade do ser humano no processo de formação de professores, de
Francineide Pereira de Jesus, sob a orientação de Jacques Jules Sonneville.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 59-72, jul./dez. 2008 59
O paradigma da complexidade na formação docente contemporânea

of formative practices. We believe that starting from this base, it will be possible to
think over teachers formation programs and contribute to discussions upon education,
more particularly about teachers formation.
Keywords: Teacher formation – Human Complexitiy – Educative Practic

O regresso ao começo não é um círculo vicioso, se a viagem, como hoje a palavra trip
indica, significa experiência, donde se volta mudado. Então, talvez tenhamos podido
aprender a aprender aprendendo. Então, o círculo terá podido transformar-se numa
espiral onde o regresso ao começo é, precisamente, aquilo que afasta do começo.
(MORIN, apud PETRAGLIA, 1995, p.42).

As pesquisas contemporâneas em educação, Feira e Santa Bárbara nos encontros quinzenais e


tanto no âmbito nacional como internacional, têm nas jornadas pedagógicas2 suscitaram inquietações
contribuído significativamente para a compreensão iniciais sobre as situações de ensino, organizadas e
do trabalho e formação de professor. Além disso, narradas pelos professores nos Cursos de Capaci-
enfatiza-se a importância dos professores como pro- tação em Serviço3 , e foram o ponto de partida,
dutores e pesquisadores da sua própria profissão e para que se percebesse as insatisfações dos pro-
dos contextos onde intervêm numa perspectiva re- fessores, suas condições de trabalho, as dificulda-
flexiva, para que considerem a complexidade do real des encontradas ao articular a vida pessoal e
e da docência, não mais “...de modo genérico e abs- profissional e como, em meio a tudo isso, foram
trato, não se levando em conta as circunstâncias construindo os saberes próprios à profissão.
reais que delimitam sua esfera de vida e profissão” As referidas reuniões pedagógicas constituíram-
(GATTI, 1992, p. 71), mas como sujeitos e atores. se num espaço privilegiado de discussão, tornando-
Nesse sentido, as pesquisas em educação rom- se o lugar onde buscamos compreender em que
pem com a falta de diálogo nas relações entre pes- medida os processos formativos da docência podi-
quisadores e professores e convidam à pesquisa am favorecer efetivamente a construção identitária
colaborativa, na qual compreender os fatos e fe- e o desenvolvimento profissional e como esses co-
nômenos da realidade significa a compreensão de nhecimentos se constituíam no grupo e pelo grupo.
si mesmo e do outro. Desse modo, este estudo Vários encontros foram transformados em fó-
contou com a colaboração de todos os participan- runs de discussão, marcados por desabafos, revol-
tes, que assumiram a responsabilidade de “narrar- tas, desespero, sentimentos de solidão pelo
se”, ao relatar aspectos do cotidiano numa relação abandono de si e do outro e por questões acerca
dialógica e construtiva, compreendendo-se e com- das dificuldades e incompreensões encontradas no
preendendo o outro a partir dos elementos forma- cotidiano escolar: condições de trabalho, salários
tivos que marcaram suas vidas. (BOLZAN, 2002). baixos, salas superlotadas, alunos desinteressados,
Assim, antes de descrever os resultados da nossa violentos, indisciplinados e apáticos, dificuldade em
pesquisa, temos que explicitar as propostas metodo- traduzir para o dia-a-dia escolar os conhecimentos
lógicas adotadas e desenvolver uma breve reflexão construídos nos espaços formativos da docência,
sobre as concepções adotadas no que diz respeito à
2
abordagem qualitativa e aos instrumentos de recolha Encontros organizados pelas Secretarias de Educação Munici-
pal e Estadual, antes de iniciar o ano letivo, oferecendo pales-
de dados: diários formativos e grupo focal. tras, oficinas e seminários com carga horária reduzida, e dura-
ção de, no máximo, uma semana .
3 Trabalho desenvolvido como Supervisora de Práticas
1. O início Educativas pela Secretaria de Educação do Estado da Bahia,
através do Programa Educar para Vencer e da Universidade do
As experiências com formação de professores Estado da Bahia, junto aos professores das escolas públicas esta-
duais e municipais que atuavam pelo Projeto de Regularização
das escolas públicas nos municípios de Feira de do Fluxo Escolar de 5ª à 8ª Série do Ensino Fundamental no
Santana, São Gonçalo dos Campos, Conceição de período de 2001 a 2004.

60 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 59-72, jul./dez. 2008
Francineide Pereira de Jesus; Jacques Jules Sonneville

problemas com a auto-estima baixa, falta de valo- res. Diante disso, definiu-se como objetivo desta
rização pessoal e profissional, inexistência de tra- investigação compreender de que maneira a
balho cooperativo e coletivo no interior da escola, complexidade do ser humano pode ser reco-
por parte da direção e dos próprios professores nhecida, compreendida e considerada efetiva
enquanto colegas de trabalho. e sistematicamente nos cursos de formação
Esses e outros tantos dilemas conduziram a pen- docente na educação contemporânea.
sar no professor enquanto ser humano e no seu es-
tar no mundo, em toda sua complexidade subjetiva, 2. A abordagem qualitativa
singular e múltipla, afetos e desafetos. Os professo-
res, unanimemente, atribuíam uma singular impor- Assim sendo, foi proposto um estudo de abor-
tância aos encontros quinzenais realizados, por dagem qualitativa, por considerar que a realidade
considerarem um momento ímpar, quando se senti- é construída, socialmente, por meio de definições
am acolhidos e “tratados como gente”, como alguns individuais e/ou coletivas da situação e por consi-
se referiam, por terem voz e serem ouvidos. No derar, também, os aspectos de relatividade e sub-
compartilhar das dificuldades no grupo, percebiam jetividade da verdade, em que se reconhece as
que não eram os únicos a enfrentarem os conflitos transformações, mudanças, contradições, os impre-
pessoais e profissionais e que não estavam sozinhos. vistos e conflitos.
Nas pressões fomentadas pelas atividades cotidia- Bogdan e Biklen (1994) destacam que a inves-
nas no exercício profissional dos professores e na tigação qualitativa considera o ambiente natural
urgência em dar respostas às demandas impostas como fonte direta de dados, isto é, acreditam que
por todos os lados, tecia-se, assim, a força em com- os fenômenos podem ser melhor observados e
preender, efetivamente, o processo de formação de compreendidos pelo contato direto no contexto
professores em toda sua complexidade. natural da investigação; têm um caráter descritivo,
Os seguintes fios serão explorados e tecidos ou seja, os dados da pesquisa são recolhidos em
neste estudo: Os cursos de formação, como tradi- forma de palavras e imagens e não, necessaria-
cionalmente vêm sendo desenvolvidos, contemplam mente, pelos números, em que se busca “...anali-
a dimensão humana do ato educativo? O profes- sar os dados em toda a sua riqueza, respeitando,
sor é visto como ser humano e a escola como um tanto quanto possível, a forma em que estes foram
espaço complexo de relações e emoções? O ato registrados ou transcritos” (p.48).
educativo é pautado em emoções, sentimentos, Há uma preocupação minuciosa com os acha-
afetos que não podem ser ignorados sob a égide dos da pesquisa e todos os detalhes ganham im-
de se propor a formação de um professor pesqui- portância, e nada passa despercebido. “A
sador e reflexivo? A pesquisa e a reflexão incluem abordagem da investigação qualitativa exige que o
o papel dessa dimensão humana? Qual a impor- mundo seja examinado com a idéia de que nada é
tância de se considerar, nas práticas formativas, trivial, que tudo tem potencial para constituir uma
os aspectos humanos do trabalho docente, além pista que nos permita estabelecer uma compreen-
dos aspectos técnicos, políticos, profissionais, em- são mais esclarecedora do nosso objecto de estu-
bora se compreenda que estes se articulam dialeti- do” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 49).
camente com aqueles? O que se entende por Na abordagem qualitativa, tanto o processo como
aspectos humanos da formação docente? Não se- os resultados da pesquisa são importantes, assim
riam humanos o técnico, o político e o profissional, como a ênfase da pesquisa não se limita a confir-
uma vez que são construídos pelo homem? Quem mar ou refutar hipóteses sobre os dados ou as pro-
é o ser humano que procura os cursos de forma- vas recolhidas, “... ao invés disso, as abstrações são
ção de professores? Quem é o educador-forma- construídas à medida que os dados particulares que
dor desse sujeito humano? foram recolhidos se vão agrupando” (p.50).
A possibilidade de refletir sobre essas questões Desse modo, a abordagem qualitativa preocu-
implica num estudo cuidadoso a fim de que se pos- pa-se com o significado. Para isso, ela estabelece
sa repensar os processos formativos de professo- um diálogo com os colaboradores da pesquisa, a

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 59-72, jul./dez. 2008 61
O paradigma da complexidade na formação docente contemporânea

fim de compreender melhor suas interpretações, para tomar consciência dos elementos formadores
verificar equívocos, acolhendo as informações pe- da identidade profissional dos professores, e do
las lentes do informador, reiterando ainda mais sua repertório de conhecimentos da docência, cuja sub-
importância nesta pesquisa, pois este tipo de abor- jetividade ganha destaque, colocando os participan-
dagem se interessa “...pelo modo como as dife- tes em contato consigo mesmo e favorecendo a
rentes pessoas dão sentido a suas vidas” (p.50). investigação do processo formativo em toda sua
complexidade.
Diante dessa compreensão acerca do registro
3. Os diários formativos
escrito, numa perspectiva de investigação qualita-
Nessa perspectiva, empreender uma investiga- tiva, os diários formativos destacam-se cada vez
ção dessa natureza nos remete inevitavelmente à mais na produção acadêmica e científica como rico
utilização de instrumentos de coleta de dados que instrumento nos estudos de diversas áreas do co-
oportunizem uma relação de colaboração entre o nhecimento, principalmente daqueles que analisam,
pesquisador e os participantes, para que a investi- no campo educacional, os processos formativos de
gação transcorra com mais êxito, ampliando, desta professores, seu desenvolvimento profissional e sua
forma, os conhecimentos científicos. Para isso, optei prática individual dentro do coletivo social.
pela construção dos diários formativos e do grupo Os diários, como meio de comunicação e inte-
focal, no sentido de produzir um conhecimento o ração entre pesquisador e colaboradores, contri-
mais próximo possível das realidades cotidianas buem para a compreensão dos múltiplos e
educativas e da vida dos professores numa pers- multifacetados significados e sentidos, que atribuí-
pectiva multidimensional. mos às práticas individuais e sociais e se inscre-
Os diários formativos foram relacionados às vem como elemento que contribui também para o
diversas etapas da vida pessoal e profissional dos desenvolvimento do processo reflexivo da vida pro-
professores, às maneiras de pensar, às práticas fissional e pessoal dos professores. De acordo com
pedagógicas, às condições de trabalho, ao exercí- Holly (1995, p.101), “A escrita de diários biográfi-
cio da profissão, ao processo de formação e auto- cos constitui-se em ‘escrita sobre a vida’ (bios =
formação. A construção dos diários também deu vida, grafia = escrita), tentando compreender e
aos professores um papel ativo, no sentido de as- articular as experiências de uma outra pessoa”.
sumirem a condição de sujeitos da investigação, Nesse estudo, o registro escrito pelos diários
retratando as possíveis mudanças e transforma- formativos destaca-se como importante instrumen-
ções da/na profissão docente e dos contextos em to de investigação, de acordo com Hernandez
que atuam, ampliando as possibilidades de conce- (apud ZABALZA, 2004, p. 34).
ber novos conhecimentos sobre a docência e com- O valor instrumental desse método reside em sua ca-
preendendo melhor suas dimensões pessoais e pacidade de reproduzir a vivência concreta dos ca-
profissionais, individuais e socioculturais. sos por meio da experiência acumulada; quer dizer,
Assim, justifica-se a escolha dos diários forma- significa a formulação consciente do devir social por
tivos, por se tratar de um instrumento de aproxi- parte dos sujeitos. Com isso, se quer destacar o valor
mação do real que teceu múltiplos pontos da da própria história, da pessoa ou do grupo social.
realidade em construção. A pesquisa constituiu-se Em termos gerais, estas são as duas características
e delimitou-se a partir da relação entre pesquisa- que definem a utilidade científica do relato biográfi-
dor e participante e, por considerar como cruciais co: por um lado, seu aspecto documental e, por ou-
para o processo de investigação, incluiu o contexto tro, sua capacidade de relacionar o nível “micro” do
e as circunstâncias, os saberes e as experiências tempo biográfico e o contexto “macro” do tempo
da docência. histórico, porque representa a realidade em termos
Além disso, a construção e socialização sema- de processo. A originalidade da sociologia qualitati-
nal dos diários formativos consideraram a relação va consiste em interconectar o caso estudado com a
entre pesquisador/objeto/contexto numa perspec- dinâmica geral do processo social ao introduzir a
tiva dialógica, a reflexão como ponto de partida vivência pessoal em seu contexto social.

62 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 59-72, jul./dez. 2008
Francineide Pereira de Jesus; Jacques Jules Sonneville

Por si só, o diário escrito oportuniza ao professor social, cultural) em que está inserido. Dessa forma,
refletir e aprender através da sua própria narração. a proposta de construção do diário, nesta pesquisa,
Ao registrar suas experiências e fatos marcantes teve como objetivo oportunizar aos seus elaborado-
que teceram sua história, o professor estabelece um res uma reflexão da sua prática pedagógica e seu
diálogo consigo mesmo, por meio da leitura e das contexto educacional, relacionando os saberes cons-
reflexões em relação aos aspectos pessoais e pro- truídos através da sua experiência no interior da
fissionais da ação docente. Segundo Souza e Cor- escola e os conhecimentos (re)construídos nos cur-
deiro (2007, p.46), “Através da escrita e registros sos de formação de professor.
no diário, é possível, portanto, redescobrir caminhos
O envolvimento pessoal na realização do diário é,
percorridos, cenários e fatos vivenciados por uma portanto, multidimensional e afeta tanto a própria
determinada pessoa em diferentes tempos e espa- semântica do diário (nele aparece o que os profes-
ços, encaminhando-a a uma reflexão sobre a pró- sores sabem, sentem, fazem, etc., assim como as ra-
pria atuação, quer pessoal, quer profissional”. zões pelas quais o fazem e a forma como o fazem:
Contudo, se os diários se constituem como um isso é na verdade o que torna o diário um documen-
importante documento de expressão pessoal do to pessoal) como o seu sentido (o diário é, antes de
professor e do seu trabalho cotidiano, é preciso mais nada, algo que a pessoa escreve desde si mes-
considerar suas implicações, por se tratar de um ma e para si mesma: o que se conta tem sentido,
esforço narrativo de reconstruir situações impreg- sentido pleno, unicamente para aquele que é, ao
nadas de vida, pois “...força a quem escreve a ex- mesmo tempo, autor e principal destinatário da nar-
pressar em símbolos um conhecimento e algumas ração). (ZABALZA, 2004, pp. 45-46).
lembranças que haviam sido representados origi- Para tanto, os diários foram elaborados individu-
nariamente (e armazenados na memória imediata) almente, a partir de orientações prévias, como: es-
de um modo diferente” (ZABALZA, 2004, p. 43). colha da profissão, processo formativo, organização
É possível afirmar que os diários formativos ela- escolar, sala de aula, condições de trabalho, contri-
borados pelos professores foram, neste caso, mais buições e obstáculos que influenciaram no cresci-
do que a escrita de fatos sucessivos para uma pes- mento pessoal e na formação profissional durante o
quisa científica. O processo de contar a história da curso, sobretudo refletindo sobre a íntima relação
sua própria vida, ou a história do outro, de diferentes entre o trabalho profissional, as condições de traba-
modos, oportuniza a reflexão e reconstrução das lho e a vida pessoal, que serão delineados posterior-
experiências, dos pensamentos, sentimentos e ele- mente, com maior profundidade, na análise de dados.
mentos que foram mais ou menos formativos na vida.
Nesse sentido, Holly afirma que:
4. O Grupo Focal
... para os professores que pegam na caneta, geral-
mente a pedido de um investigador que deseja sur- Como recurso auxiliar para a coleta de infor-
preender as suas perspectivas para ulterior estudo mações nesta pesquisa, considerou-se pertinente
fenomenológico ou de um formador de professores a utilização do Grupo Focal4 por possibilitar a re-
que reconheça o valor de uma tal investigação rela-
flexão coletiva e colaborativa, o confronto de ex-
tivamente ao desenvolvimento pessoal e profissio-
nal, a caminhada torna-se ‘uma viagem de descoberta’
periências e pensamentos, a ampliação e o
(Henry Miller), que, embora cheia de incerteza e des- esclarecimento de informações já obtidas pela es-
conforto, é tão divertida e educativa como desafia- 4
É uma modalidade específica de grupo que procura recuperar o
dora. (1995, p. 81) sentido original do termo italiano gruppo – proveniente das
belas-artes. Gruppo designava “vários indivíduos, pintores, es-
Nessa perspectiva, os diários foram utilizados cultores, formando um só sujeito”. A metodologia de “grupo
neste estudo como instrumento de pesquisa-forma- focal” foi desenvolvida na Segunda Guerra Mundial, especial-
mente para trabalhar com soldados que estavam em guerra.
ção, como um espaço narrativo do pensamento do Mais tarde, após os anos 50, passou a ser utilizada no âmbito da
professor, que traduz o olhar que o docente tem de propaganda e de análises eleitorais. É uma metodologia qualita-
tiva, com grupos pequenos (6 a 12 pessoas), cujos membros são
sua própria atuação em sala de aula e do seu pro- selecionados com base em características comuns. (GUIMA-
cesso formativo em relação ao contexto (histórico, RÃES, 2004, p. 64)

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O paradigma da complexidade na formação docente contemporânea

crita dos diários, a aproximação da formação com Santana, cujos critérios para ingresso no curso são:
a pesquisa, além de favorecer a multiplicidade de ter formação de nível médio, estar atuando em,
aspectos e reações congruentes e divergentes dos pelo menos, uma das séries iniciais do ensino
vários participantes (GUIMARÃES, 2004). fundamental ou da educação infantil e ter sido
Da mesma forma que os diários de formação, classificado em processo seletivo específico, reali-
a técnica do grupo focal também evidencia suas zado pela própria instituição. É preciso desenvol-
implicações com relação ao tempo-espaço que esse ver pesquisa com professores, mesmo porque são
tipo de atividade demanda e os dilemas em condu- eles que “... têm acesso diário aos problemas da
zir a discussão para os objetivos da pesquisa, sem sala de aula e podem por isso discorrer sobre os
cercear a expressão e participação dos colabora- mesmos com familiaridade; mais que isto, são eles
dores. Contudo, é preciso salientar que, a partir de que de fato podem apostar na melhoria do ensino.
um roteiro prévio elaborado com base nas possí- (BUENO, 2003, p. 9).
veis categorias de estudo, o pesquisador deve cui- Partindo do pressuposto de que este estudo se
dar para que evite opinar, fechar questões, sintetizar inscreve numa investigação-ação, que “... consis-
ou propor idéias no decorrer da atividade. Segun- te na recolha de informações sistemáticas com o
do Gatti, o papel do investigador, no grupo focal, objectivo de promover mudanças sociais” (BOG-
pode ser assim descrito: DAN; BIKLEN, 1994, p.292), os diários foram
Fazer a discussão fluir entre os participantes é sua
elaborados numa perspectiva de coletar dados que
função, lembrando que não está realizando uma en- possibilitassem reflexões importantes para pesqui-
trevista com um grupo, mas criando condições para sa e formação de todos os envolvidos na pesquisa.
que se situe, explicite pontos de vista, analise, infi- Além disso, contribuíram para o repensar ações
ra, faça críticas, abra perspectivas diante da proble- individuais e coletivas nas realidades enfocadas,
mática para a qual foi convidado a conversar ou seja, não visamos apenas ao levantamento de
coletivamente (2005, p.9). dados, mas também à possibilidade de mudanças
Diante do exposto, o grupo focal foi realizado no fazer pedagógico. Para isso, privilegiei, como
em um espaço que privilegiou a arrumação face a meus interlocutores na investigação: a) alunos da
face, em um encontro com duração de 2 (duas) instituição em que atuo como professora e pesqui-
horas, e contou com a participação de 20 (vinte) sadora; b) que estivessem no exercício da profis-
são de professor; c) que já tivessem tempo
colaboradores convidados previamente e, para re-
suficiente no curso de formação para refletir so-
gistrar o trabalho com o grupo, utilizei uma filma-
bre o processo vivenciado; d) que evidenciassem
dora manipulada por um auxiliar, além das
desejo de contribuir com a pesquisa.
anotações escritas de pontos importantes.
Os diários foram elaborados em duas fases: na
Segundo Gatti (2005, p. 27), essas anotações
primeira fase, foram 20 colaboradores que se
são “...úteis para sinalizar aspectos ou momentos
encontravam no quinto semestre do curso de for-
importantes, falas significativas detectadas no ins-
mação, que tem a duração de três anos, onde nar-
tante mesmo, na vivência do momento, para regis- raram momentos importantes de sua trajetória,
trar trocas e monólogos, dispersões, distrações, enquanto estudantes desde as séries iniciais até a
cochichos, alianças, oposições, etc., ou seja, pon- escolha da profissão. Na segunda fase, contamos
tos cuja importância pode passar despercebida no com os mesmos colaboradores que participaram
registro geral”. da fase anterior, agora no sexto semestre, sendo
que, nos diários, enfocaram o contexto de sua atu-
5. Os participantes ação profissional e vida pessoal em relação ao cur-
so de formação de professores.
Esta pesquisa foi desenvolvida com os alunos Toda a escrita dos diários foi acompanhada e
do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia – socializada quinzenalmente no grupo dos partici-
Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fun- pantes da pesquisa, oportunizando reflexões indi-
damental da Universidade Estadual de Feira de viduais e coletivas, construção e reconstrução de

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Francineide Pereira de Jesus; Jacques Jules Sonneville

conceitos sobre a complexidade da vida pessoal e ções existentes entre os fenômenos, desenvolven-
profissional de professores, o que favorecia o olhar do análises que levem em conta a ciência em sua
e a escuta sensível da voz e escrita de si e do ou- unidade-multiplicidade (unitas-multiplex). Logo, di-
tro. Segundo Ornellas (2005, p.58), “Escutar é fa- ante desta pesquisa que propõe compreender a
lar, é dar sentido ao mundo que nos cerca. Ao complexidade do ser humano nos processo forma-
escutar os ditos e os não-ditos, produzimos e am- tivos, considerando a importância da vida pessoal
pliamos o mundo das coisas, damos a nossa ver- e profissional dos professores, é relevante explici-
são, que é uma réplica e não uma repetição”. tar como o pensamento complexo, segundo Morin:
Com relação ao Grupo Focal, alguns contra-
... mostra-nos seres singulares nos seus contextos e
tempos foram vivenciados com a “quebra” do se-
no seu tempo. Mostra que a vida quotidiana é, de
mestre, devido à greve da instituição, o que acarretou, facto, uma vida onde cada um representa vários pa-
posteriormente, o aceleramento em todas as ativi- péis sociais, segundo o que é na sua casa, no seu
dades do curso e sobrecarga dos alunos e professo- trabalho, com amigos ou com desconhecidos. Vê-se
res, a fim de cumprir a carga horária das disciplinas, que cada ser tem uma multiplicidade de identidades,
causando, dessa forma, um atraso na efetivação uma multiplicidade de personalidades nele próprio,
desse momento de coletas de dados. Contudo, foi um mundo de fantasmas e sonhos que acompanham
possível realizar o grupo focal. E, apesar de ter soli- a sua vida. (1990, p.83-84)
citado apenas 10 voluntários para esse encontro, todos Por tudo isso, esta pesquisa se inscreveu num
demonstraram interesse em participar e foi possível pensar prospectivo de que seus achados e a análi-
contar, mais uma vez, com os mesmos 20 colabora- se de dados contribuiriam para a produção de co-
dores das etapas anteriores da pesquisa, que, além nhecimentos a partir do desafio da epistemologia
da disposição em contribuir com este estudo, de- da complexidade. E, através da tessitura metodo-
monstraram também interesse em compreender o lógica aqui descrita, estabelece uma aproximação
próprio processo de formação. mais efetiva entre a atividade de pesquisa com o
Diferente do pensamento científico clássico, que que acontece efetivamente na escola e na vida dos
está pautado exclusivamente na razão instrumental professores, a partir de um diálogo fecundo, ampli-
das certezas e provas absolutas, a investigação qua- ando e aprofundando os debates sobre a comple-
litativa projeta um novo olhar científico no campo xidade da docência.
educacional, que considere a pesquisa e a formação
concomitantemente. Valoriza um pensar que articule 6. Os resultados
dialogicamente as reflexões oportunizadas pelas abor-
dagens e instrumentos de coleta de dados, descritos O pensamento complexo reconhece simultaneamente
acima, de forma que teçam um novo horizonte teóri- a impossibilidade e a necessidade de uma totalização,
co no campo da formação de professores. de uma unificação, de uma síntese. Deve, portanto,
Para tanto, este estudo está apoiado, principal- tender tragicamente à totalização, à unificação,
mente, no aporte moriniano, uma vez que uma das à síntese, ao mesmo tempo em que luta contra
principais contribuições de seus trabalhos é a pro- a pretensão dessa totalidade, dessa unidade,
posição de que o pensamento complexo “... con- dessa síntese, com a consciência plena
voca não ao abandono dessa lógica, mas a uma e irremediável do inacabamento de
todo conhecimento, pensamento e obra.
combinação dialógica entre sua utilização, segmento
(MORIN; CIURANA; MOTTA, 2007, p.40)
por segmento, e a sua transgressão nos buracos
negros onde ela pára de ser operacional.” (MO- As discussões tecidas neste trabalho nos re-
RIN; LE MOIGNE, 2000, p.201) metem a uma constatação bastante desafiadora: é
Nesse sentido, a perspectiva moriniana aponta preciso reconhecer, compreender e considerar, efe-
a importância de investigações a partir do pensa- tiva e sistematicamente, o paradigma da complexi-
mento complexo, que favoreçam reflexões pauta- dade no cenário educativo contemporâneo. Esse
das na realidade que também é complexa, em que desafio não deverá ser apenas em relação ao pro-
se compreendam os vários fios que tecem as rela- cesso de formação de professores, sob pena de

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O paradigma da complexidade na formação docente contemporânea

reproduzir o olhar reducionista e determinista do desordem como parte da vida e da condição huma-
pensamento simplificador. Ao contrário, os fios sin- na, assim como as interações que esses elementos
gulares e plurais que tecem a vida pessoal e o de- antagônicos e contraditórios produzem através de
senvolvimento profissional do professor devem um movimento cíclico e espiralado, religando os se-
compreender o ser humano em sua multidimensio- res e saberes que constituem a realidade cotidiana,
nalidade e entrelaçar-se em toda realidade educa- ou seja, “O pensamento complexo é um estilo de
cional de maneira dialógica. pensamento e de aproximação à realidade” (MO-
As implicações desse desafio revelam uma nova RIN; CIURANA; MOTTA, 2007, p. 31).
maneira de perceber as múltiplas realidades e ad- Além disso, o arremate desta investigação foi
vertem que é preciso ter uma atitude curiosa, dinâ- fruto também dos estudos e das pesquisas sobre a
mica, inter e transdisciplinar no processo de formação de professores, vistos pelas multifaceta-
construção do conhecimento, mas também a cons- das lentes dos educadores nacionais e internacio-
ciência do seu inacabamento. Esse inacabamento nais que teceram reflexões significativas sobre a
diz respeito à consciência do conhecimento ininter- aprendizagem da docência, como Tardif, Lessard
ruptivo, ou seja, “...o conhecimento tem um ponto e Lahye (1991), Schön (2000), Nóvoa (1995), Pi-
de partida quando ele se coloca em movimento, mas menta (1999), Tardif (1999, 2002), Pimenta e Ghe-
não há fim” (MORIN; LE MOIGNE, 2000, p. 55). din (2002), Bolzan (2002), Guimarães (2004),
Essa consciência do inacabamento traduz as Charlot (2002), Esteve (1999), Freire (1979), Gatti
necessidades educativas enquanto processo per- (1997, 2003) e Huberman (1992).
manente. Segundo Freire (1996, p.58), “Mulheres Sobre este ponto, não há que se alongar mais,
e homens se tornaram educáveis na medida em porém posso sintetizar que tais reflexões em torno
que se reconheceram inacabados. Não foi a edu- da formação docente tocaram, em relação às polí-
cação que fez mulheres e homens educáveis, mas ticas públicas atuais sobre a profissão do profes-
a consciência de sua inconclusão é que gerou sua sor e suas repercussões em todo âmbito educacio-
educabilidade”. nal, em pontos fundamentais como: identidade e
Considerando esses aspectos como fundantes na exercício profissional; dilemas e desafios da vida
compreensão do processo de formação dos profes- pessoal e profissional; valorização social, salarial e
sores e na construção do conhecimento, não tenho as condições de trabalho, isto é, os diversos fios
a pretensão de dar respostas a todas as questões que tecem o mundo do desenvolvimento profissio-
que esta pesquisa suscitou, mas reafirmarei meu nal e pessoal dos professores.
posicionamento sobre a pergunta de partida que deu A abordagem qualitativa desta investigação
origem e orientou esta investigação, consciente de contribuiu para que os nós arrematados não se
seu inacabamento: de que maneira a complexidade desfizessem ao longo da tessitura. Para isso, bus-
do ser humano pode ser reconhecida, compreendi- quei compreender meu objeto de pesquisa em suas
da e considerada efetiva e sistematicamente, no pro- ligações, mediações, contradições, antagonismos e
cesso de formação de professores? complementaridades, num processo permanente de
Para responder a essa questão, refleti sobre a aprofundamento e ampliação de conhecimentos,
Teoria da Complexidade proposta por Edgar Mo- sobretudo tomando consciência da complexidade
rin, como necessidade premente para uma refor- do real e da importância do aprender a aprender
ma do pensamento. Trata-se de uma nova como elementos fundantes do repensar a educa-
concepção do próprio conhecimento e da educa- ção e a formação de professores.
ção através do pensamento complexo. Esse pen- Os diários formativos, as socializações sema-
sar complexo rompe com a visão fragmentada nais e o grupo focal valorizaram a metodologia
causada pela compartimentalização do conheci- qualitativa adotada e se constituíram como instru-
mento, o que implica no conceito de multidimensi- mentos importantes do levantamento de dados e
onalidade dos fenômenos. aproximação do real.
Desse modo, a perspectiva moriniana considera Os diários formativos foram concebidos, nesta
as contradições, as incertezas, o acaso, a ordem e pesquisa, não apenas enquanto instrumento de in-

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vestigação, mas também de formação, o que favo- que o cercam, na medida em que esta apreensão
receu a análise de dados e sua teorização numa considerou o professor em seu contexto. Esta pes-
articulação dialógica e construtiva. Desse modo, quisa me fez ver que, apesar das dificuldades inici-
direcionei a elaboração dos registros nos diários ais em registrar e refletir sobre sua própria prática,
para as questões relacionadas à vida pessoal, pro- escolhas, conflitos, angústias e realizações, os inter-
fissional e ao processo formativo, sem desconsi- locutores compreenderam a importância do registro
derar os elementos singulares que se revelaram como meio de visitar caminhos percorridos e a ne-
em cada categoria. Foi precisamente nesses acha- cessidade de construir um novo pensar sobre a pro-
dos que a beleza do bordado se desenhou. fissão docente que considere todos os elementos
As socializações semanais e o grupo focal fize- objetivos e subjetivos em suas interações.
ram emergir modos de ser e estar na profissão A idéia de buscar compreender a formação e o
docente e sinalizaram modos de pensar a ação exercício profissional do professor em sua multidi-
educativa e o contexto educacional nas partilhas mensionalidade deve ser levada a sério e, longe de
coletivas e colaborativas produzidas na dinâmica ser uma ação simples, traduz um desafio comple-
do trabalho. Além disso, por meio das socializa- xo frente à realidade contemporânea. Principal-
ções dos diários e do grupo focal, foi possível per- mente quando consideramos que as práticas
ceber diferenças, semelhanças, distanciamentos, formativas foram historicamente pautadas na fal-
proximidades e implicações existentes entre os fa- sa racionalidade técnica, que apenas considerava
tos cotidianos relatados por meus interlocutores. a ordem, a certeza e a linearidade das coisas e
Assim como foi possível perceber as ligações cons- rejeitava tudo que se dizia desordenado, contradi-
tituintes e constituídas a partir dos diferentes as- tório e incerto. Mas qual o problema em tudo isso?
pectos da vida pessoal, profissional e da formação O problema é que sempre enxergamos a reali-
docente, permitindo, desse modo, uma articulação dade, que é complexa, de maneira simples, recor-
entre os múltiplos entendimentos e significados re- tada, estanque, descontextualizada e não percebe-
velados pelos alunos-professores. mos que os fatos e fenômenos presentes nessa
Nessa linha de trabalho, os instrumentos de in- mesma realidade estão ligados entre si mesmos e
vestigação adotados favoreceram a relação de em relação ao ser humano e à sua maneira de ser
colaboração mútua entre todos os participantes da e estar no mundo. O pensamento complexo signi-
pesquisa, garantindo a todos vez e voz enquanto fica que é preciso refazer percursos históricos,
elementos essenciais à participação comunitária perceber as relações entre os fatos sociais e entre
por parte de quem vive efetivamente a trajetória os vários fenômenos da vida, implicados e imbri-
da docência, mesmo porque, “... no mundo do de- cados no indivíduo e na sociedade, avançando em
senvolvimento dos professores, o ingrediente prin- direção a uma nova maneira de entender a reali-
cipal que vem faltando é a voz do professor.” dade de forma articulada, interativa e dialógica.
(GOODSON, 1992, p. 69). Segundo Morin (1990, p. 126), “A própria soci-
Nessas condições, a pesquisa que desenvolvi edade, como um todo organizado e organizador,
em colaboração com os alunos-professores do retroage para produzir os indivíduos pela educa-
Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia – Edu- ção, pela linguagem, pela escola. Assim, os indiví-
cação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Funda- duos, nas suas interações, produzem a Sociedade,
mental da Universidade Estadual de Feira de que produz os indivíduos que a produzem. Isto faz-
Santana, revelou aspectos importantes a serem se num circuito espiral através da evolução históri-
considerados no processo educativo, sobretudo em ca”. O que isso quer dizer?
relação à necessidade de compreender os vários Que é preciso romper com a falsa racionalidade
fios que tecem a complexidade do ser humano e técnica que enxerga as coisas em uma única dire-
como tudo isso interage dinamicamente no seu fa- ção e embaça o olhar, a fim de percebê-las em mo-
zer cotidiano, formando o tecido da sua existência. vimentos em espiral, nos quais conceitos de
Pesquisar o cotidiano dos professores possibili- ordem-desordem-interação-organização são retoma-
tou a compreensão dos diversos fatos e fenômenos dos. Do ponto de vista da complexidade, é preciso

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O paradigma da complexidade na formação docente contemporânea

conviver dialogicamente nos ambientes circundan- rem relacionar a prática cotidiana com as discus-
tes, partindo do princípio de que tudo está interliga- sões oportunizadas na formação acadêmica e, tam-
do solidariamente. Essa solidariedade é tida por Morin bém, às condições de trabalho: deficiente estrutu-
como peça fundamental para superação das situa- ra física do ambiente escolar, inexistência de
ções de impotência, para que se “... reúna o separa- materiais didáticos e pedagógicos, problemas rela-
do, afronte o incerto e supere as insuficiências cionados à gestão e administração escolar, com-
lógicas”, em busca de ações efetivas e sistemáticas prometendo o efetivo exercício profissional.
para aproximação, compreensão e transformação Constatei também que os problemas do exercí-
do real. (MORIN; LE MOIGNE, 2000, p.135). cio profissional estavam relacionados ao despres-
Diante do que foi exposto e partindo dos rela- tígio social, à desvalorização salarial e às dificulda-
tos dos meus interlocutores, posso concluir que a des financeiras. A indefinição dos vários papéis
fragmentação do conhecimento está firmemente assumidos na escola, sobrecarga de trabalho, pés-
presente nos espaços formativos da docência e do simas perspectivas de carreira, desrespeito gene-
trabalho dos professores, explícita na estrutura tra- ralizado por parte dos principais responsáveis pela
dicional do parcelamento do tempo, na organiza- efetivação das políticas públicas, assim como por
ção curricular numa lógica exclusivamente parte dos gestores, familiares dos alunos com os
disciplinar e estanque, em que a diversidade dos quais trabalham e, até mesmo, dos colegas de pro-
sujeitos e objetos não estabelece conexões entre si fissão, teciam as formas de ser e estar na docên-
e com o contexto educacional e social. A separa- cia, costurando sua identidade e retroagindo, mui-
ção teoria-prática, do espaço de formação e do tas vezes, numa crise identitária. (NÓVOA, 1992).
espaço de trabalho, compromete a apreensão da Essa situação justifica a importância do pensar
realidade em sua complexidade, impedindo novas complexo no contexto educacional. Isto é, se a iden-
ações que atendam às demandas e aos problemas tidade docente é construída pelas maneiras de ser e
do cotidiano. Em outras palavras, é preciso desen- estar na profissão e, se esse processo é marcado por
volver uma ação formativa direcionada para o tra- choques e avanços, interesses e desinteresses, con-
balho dos professores e para os problemas flitos e aprendizagens, realizações e frustrações, ine-
concretos de sua atuação profissional. vitavelmente somos levados a questionar: como esse
Nesse sentido, os diários formativos trouxeram profissional se sente sendo professor? Será que os
à tona aspectos importantes da vida pessoal dos aspectos citados acima não interferem em sua ma-
alunos-professores (medo, insegurança, influência neira de entender e atuar profissionalmente? Os di-
e problemas familiares, emocionais e de saúde etc.), tos e os feitos da sociedade em geral e as ações dos
que, geralmente, são ignorados nos processos for- administradores das políticas públicas educacionais
mativos da docência, no exercício profissional e não respingam também nessa identidade em cons-
pelas políticas educacionais. Significa dizer, ainda, trução, ao interferir ou negar seus projetos e sonhos
que as escolhas, práticas, posturas, dificuldades, pessoais? É possível negar ou ignorar que tudo isso
realizações e frustrações são inerentes ao desen- diz respeito à complexidade do ser humano?
volvimento e à compreensão da condição humana Significa dizer que, nessa condição, a pessoa do
e, portanto, relacionar estas questões à formação professor estabelece uma relação dialógica, às ve-
dos professores e à escola deve constituir uma zes conflituosa, mas em articulação permanente com
necessidade emergente a fim de “... contribuir para o profissional do professor, o que define, inclusive,
que os professores voltem a sentir-se bem na sua sua maneira de ser e estar na profissão, em outras
pele...” (NÓVOA, 1992, p.29) e favorecer novas palavras, sua identidade docente. Juntando todos os
possibilidades de transformação de sua ação edu- fios que foram expostos até aqui, é possível afirmar
cativa no exercício profissional. também que a ação educativa é inerentemente uma
O desempenho profissional foi sentido por mui- ação humana e que urge entendermos o ser huma-
tos dos interlocutores como uma experiência frus- no que promove e mobiliza essa ação.
trante e desanimadora em termos de continuar na O ser humano da ação educativa é, ao mesmo
docência. Isso se deve ao fato de não consegui- tempo, o ser humano da razão e do discernimento,

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da emoção e do afeto, do medo e da insegurança, constituídos por sujeitos que atuam profissional-
dos projetos e das realizações. É um ser uno e mente na formação de outros sujeitos em busca da
múltiplo. Esses aspectos tecem a vida cotidiana e emancipação humana. Assim, reconhecer a com-
não podem ser compreendidos de maneira isolada, plexidade do cenário educacional e do ser humano
porque estabelecem relações mútuas, às vezes de em suas relações e interações dentro deste mes-
maneira complementar, outras vezes de maneira mo contexto é inadiável.
contraditória, mas sempre movidos por uma inte- Para que isso aconteça, precisamos (re)pensar
ração contínua dos sujeitos entre si e consigo pró- a formação do professor em movimentos espirala-
prio em relação aos diversos papéis assumidos na dos, num permanente ir e vir dialógico entre o co-
vida pessoal e profissional. tidiano da escola e as experiências formativas, as
As experiências formativas dos professores in- condições de trabalho e todo o contexto econômi-
fluenciam as ações cotidianas da escola que, por co, social, cultural e histórico.
sua vez, evidenciam traços da vida pessoal. No O caminho percorrido nesta investigação, con-
movimento contrário, posso afirmar, da mesma for- duzido pelas reflexões e construções solidárias
ma, que a pessoa do professor é formada pelas entre/com os interlocutores, direciona-me a reco-
vivências produzidas na escola e pelas experiênci- nhecer que já não somos mais os mesmos. Diante
as dos processos formativos da docência, entrela- das leituras e análises realizadas junto aos meus
çando-se com os contextos históricos, sociais, interlocutores, foi possível afirmar que “voltamos
culturais e econômicos ao mesmo tempo. mudados”. As mudanças ainda são singulares, mas
A constatação de que tudo está ligado a tudo serão visíveis quando se transformarem em plura-
aponta para dois aspectos importantes: lidades, assim como no tapete. Os fios isolados nem
a) Além de uma nova maneira de pensar a edu- sempre revelam a mesma estampa de quando es-
cação, somos desafiados a repensar o processo de tão tecidos juntos.
formação da docência, de maneira que contribua Desse modo, as perspectivas aqui levantadas
para a construção de novos conhecimentos, dife- ainda devem ser consideradas como desafios. Para
rentes da lógica exclusivamente disciplinar e frag- isso, o professor precisa ser visto por lentes que
mentada, como até agora vem sendo feita. sinalizem como ele aprende e entende a realidade
b) Reconhecer e agir pelo paradigma da com- que o cerca: que esquadrinhe suas subjetividades
plexidade nos processos de formação da docência e relacione tudo isso ao ser, fazer e estar na profis-
pode ser a chave para a compreensão efetiva e são. Esse processo de formação de professores
sistemática da condição humana e para uma nova deve possibilitá-los a continuar aprendendo, como
maneira de conceber o conhecimento em sua seres inacabados e de resistência, princípio da con-
multidimensionalidade. dição humana.
Segundo Morin (2006, p. 93), “Educar para com- Essa tomada de consciência de que tudo está
preender a matemática ou uma disciplina determina- ligado a tudo na vida pessoal, profissional e forma-
da é uma coisa; educar para a compreensão humana tiva, desenvolve um olhar reflexivo sobre a própria
é outra. Nela encontra-se a missão propriamente es- condição humana, estabelecendo conexões que
piritual da educação: ensinar a compreensão entre as permitem entender melhor sua vida, suas posturas
pessoas como condição e garantia da solidariedade e seus saberes. Constatamos isso nos registros
intelectual e moral da humanidade”. escritos e orais dos interlocutores, ou seja, eles to-
Desse modo, quer nas práticas educativas vi- maram consciência da importância de se conhe-
venciadas no interior da escola, quer nas práticas cer e de conhecer seus colegas e seus alunos em
formativas vivenciadas nos espaços de aprendiza- toda sua complexidade.
gem da docência, precisam ser derrubadas as bar- Todo trabalho do tecelão é sempre algo inespe-
reiras da compartimentalização e fragmentação. rado, novo e artístico, pois sua matéria prima (os
Nesse sentido, os espaços de formação e atua- fios isoladamente) pouco ou nada revela do que será
ção dos professores ganham importância conside- sua junção. Assim como para o tecelão, as tessitu-
rável pela condição privilegiada de serem ras elaboradas neste trabalho não determinam a priori

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O paradigma da complexidade na formação docente contemporânea

o que será o resultado, a não ser de que uma mu- profissional, suas implicações com a vida pes-
dança significativa pode vir a surgir a partir dessas soal e o exercício profissional em sua multidi-
reflexões, sobretudo em relação à docência. mensionalidade;
Para isso, foi preciso utilizar diversos tipos de fer- – transformamos o processo de formação da
ramentas e múltiplos fios, vigiados por olhares curio- docência em espaços de reflexões efetivas e
sos e cuidadosos, que foram dando forma ao desenho sistemáticas dessa complexidade, colocando no
desejado. Foi ganhando forma à medida que acurei centro desta discussão os aspectos do cotidia-
os pontos, arrematei os relatos, articulei as texturas no do professor, para tomada de consciência e
teóricas e delineei com desvelo as imagens, formas e posterior decisão;
os sentidos que constituíram o cotidiano dos meus – descobrimos a necessidade de romper com o
interlocutores. O entrelaçar dos fios definiu formas conhecimento compartimentalizado e fragmen-
diversas e inquietantes que me impulsionaram a bus- tado na universidade e na escola, assumindo uma
car outros métodos como caminhos para uma nova postura dialógica entre os saberes construídos;
maneira de pensar e rebordar meu tecido. – assumimos uma postura solidária diante dos
Teci questões, angústias, idéias, desafios num colegas e dos nossos alunos, buscando enten-
olhar prospectivo. Cada nó dado não representou der como os aspectos se entrelaçam e definem
um fim; ao contrário, abria-se para novas possibili- nossa maneira de ser e estar no mundo numa
dades múltiplas em direções diversas. Rebordan- ação dinâmica e com esperança permanente.
do sobre o tecido, lembro, com riqueza de detalhes, Nas idas e vindas dos percursos da docência
o movimento da lançadeira, o bater dos pentes, o através desta investigação, foram sendo desvela-
preencher e o esvaziar das calas... dos o vivido e o praticado. Entre avanços e retor-
Em cada laçada um entrelaçar de histórias di- nos, visitávamos os mesmos caminhos, porém
versas, ao mesmo tempo singulares e tão plurais. mudados. Segundo Morin:
A cada ponto um refazer de idéias, posturas e prá- O regresso ao começo não é um circulo vicioso, se a
ticas. Percebi que nossos olhares sobre a docên- viagem, como hoje a palavra trip indica, significa
cia já não eram mais os mesmos e o entendimento experiência, donde se volta mudado. Então, talvez
sobre a própria vida e a vida dos outros foi arre- tenhamos podido aprender a aprender aprendendo.
matado por um fio da solidariedade. Então, o círculo terá podido transformar-se numa
A socialização dos diários formativos aproximou espiral onde o regresso ao começo é, precisamente,
os participantes de maneira que se tornaram mais aquilo que afasta do começo. (MORIN, apud PE-
conhecidos em suas complexidades. À medida que TRAGLIA, 1995, p.42).
compartilhavam suas experiências, construíam um Neste arremate final, retomei intencionalmente
modo diferente de pensar e agir diante de seus alu- a mesma citação que expressei no início deste
nos e colegas de trabalho e formação. Ao tempo trabalho. Escolhi finalizar desta maneira, por en-
em que busquei conhecer a complexidade do ser tender que este percurso deverá sempre ser revi-
humano no processo de formação de professores, sitado e, nessas idas e vindas de buscar
descobri que o caminho é justamente este, e assim: compreender o processo de formação de profes-
– reconhecemos a complexidade da vida pes- sores, deveremos ser desafiados a voltar dinami-
soal, do processo formativo e do exercício camente mudados.

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Recebido em 08.08.08
Aprovado em 08.08.08

72 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 59-72, jul./dez. 2008
Maria Antonieta de Campos Tourinho

MUNDOS MÚLTIPLOS / ZONAS DESCONHECIDAS:


multirreferencialidade, complexidade
e pesquisa na contemporaneidade

Maria Antonieta de Campos Tourinho *

RESUMO

Neste texto, a autora, partindo de uma discussão entre Suassuna e Frias sobre a
cultura brasileira na Folha de S. Paulo, comenta sobre a necessidade de não tomarmos
a multirreferencialidade e a complexidade como verdades absolutas, até porque, como
são teorias que permitem muitas possibilidades, podem cristalizar-se e se transformar
em soluções para todos os impasses. A seguir. discorre sobre a complexidade, a
multirreferencialidade, a relação entre as duas e a da complexidade com a simplicidade;
as possibilidades trazidas pela complexidade e pela multirreferencialidade para a
pesquisa na contemporaneidade. Conclui refletindo sobre como uma aproximação
com a complexidade e a multirreferencialidade permite uma visão mais politeísta
da vida, para que ismos não impeçam a conexão entre as ciências, as artes e as
letras, condição preciosa para a pesquisa na contemporaneidade.
Palavras-chave: Contemporaneidade – Simplicidade – Multirreferencialidade –
Complexidade

ABSTRACT

MULTIPLE WORLDS / UNKNOWN ZONES: multireferenciality, complexity


and research in the contemporary world
The author, starting from a discussion between Suassuna and Frias about Brazilian
culture in the Folha de São Paulo newspaper, comments about the need of
multireferenciality and complexity not to be taken as absolute truths as theories that
allow many possibilities, can crystallize and transform themselves into solutions for all
dead-ends. The author then discusses about: complexity, multireferenciality; the
relationship between multireferenciality and complexity; the relationship between
complexity and simplicity; the opportunities brought by complexity and multireferenciality
for research in the contemporary world. She concludes reflecting upon how an
approximation with complexity and multireferenciality allows a more polytheist vision
of life, so that isms do not prevent the connection between sciences, arts and letters,
which is precious condition for research in the contemporary world.
Keywords: Contemporary world – Simplicity – Multireferenciality – Complexity

* Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia.
Professora na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. Endereço para correspondência: Faculdade de Educa-
ção da Universidade Federal da Bahia, Avenida Reitor Miguel Calmon S/N, Vale do Canela – 40110.100 Salvador/BA. E-mail:
tucatourinho@uol.com.br

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 73-80, jul./dez. 2008 73
Mundos múltiplos / zonas desconhecidas: multirreferencialidade, complexidade e pesquisa na contemporaneidade

Acho que a música é a loucura boa, e me inspiro


nas coisas de dentro e de fora. Quem tem uma só
visão das coisas é que é louco. (Jorge Araújo)

Ariano Suassuna, em coluna publicada no ca- “ou”, quanto mais do “e/ou”, menos ainda, do “e”,
derno Ilustrada da Folha de S. Paulo, em 26 de poderia talvez servir, foi essa a minha intenção ini-
fevereiro de 2001, agradece a Otavio Frias Filho cial, como ilustração de uma postura que não dei-
um artigo, no qual é elogiado por sua “aula-espetá- xa espaço para a complexidade nem para a
culo, dada em S. Paulo em 1995”. Entretanto, con- multirreferencialidade. Dessa maneira, meu movi-
testa o articulista quando este se refere às nossas mento mais forte foi o de reforçar a discordância à
tradições africanas e indígenas. Para Frias, essas ortodoxia de Suassuna e reprimir o outro movimen-
culturas são o que temos de mais arcaico e talvez to, mais sutil que concordante com alguns dos seus
de melhor, porém considera que, para o bem ou argumentos, até porque, além de admirar muito o
para o mal, o futuro da nossa cultura parece estar seu trabalho, considero importantes essas posições
na “outra tradição local cosmopolita e ‘litorânea’, mais radicais como contrapontos à nossa tendên-
permeável às influências estrangeiras e ao ecletis- cia “novidadeira”.
mo moderno, tradição essa que ganha impulso com Nesse processo, vivenciei a importância de se
a globalização”. Afirmando que não tem dúvidas “incorporar” um discurso sem “esquecer” o outro,
de que a cultura brasileira, se nós deixarmos, será o que pode criar pontos de tensão que multirrefe-
esmagada pelos meios de comunicação de mas- rencializam a nossa leitura das “coisas que estão
sas, Suassuna sustenta que tal opção está sendo no mundo”. Saber conviver com essa ambivalên-
feita para o mal, mesmo porque “aquela cultura é cia, que traz consigo a tensão, me parece ser o
não talvez, mas com certeza o que temos de grande desafio de qualquer pesquisa que se pre-
melhor”. Sinalizando e citando a influência de De- tenda multirreferencial e complexa. A necessida-
bussy sobre Villa Lobos, declara que não é contrá- de dessa tensão, como elemento propiciador de
rio ao contato com outras culturas, mas critica a revisões de tendências estabelecidas a priori, foi
uniformização “que considera Elvis Presley e John aventada nas discussões que temos tido na Facul-
Lennon tão importantes quanto Bach e Stravinsky.” dade de Educação da UFBA, sobre o “risco” da
(SUASSUNA, 2001 p. 8) multirreferencialidade e da complexidade, por se-
Quando li esse artigo, fui tomada por dois sen- rem teorias que permitem muitas possibilidades,
timentos ambivalentes: um de “concordância”, mo- poderem cristalizar-se e se transformar em solu-
tivado pela ligação afetiva e pela importância que ções para todos os impasses.
atribuo à cultura popular brasileira, nas suas ori- Assmann (1996, p. 23-22), referindo-se a “uma
gens negra, indígena e portuguesa, cultura admi- dimensão profunda dos processos vitais, cogniti-
ravelmente resgatada pelo trabalho de Suassuna; vos e culturais que transcorre “aquém da identida-
outro sentimento de “discordância”, por conside- de e da oposição” e considerando a complexidade
rar que o seu discurso tem um viés paralisador, como “o conceito provisório do qual dispomos para
na medida em que não aceita a tradição que nós, referir-nos a isso”, também demonstra o receio de
brasileiros, particularmente os baianos, temos de que “a excessiva freqüentação desse termo” tra-
incorporar as “novidades”. Tradição que traz con- ga o risco da banalização. Tomando a complexida-
sigo os riscos da banalização, mas que traz não de como possibilidade conceitual de libertar-nos “da
apenas a possibilidade do “novo”, mas também a estreiteza daquela concepção da dialética”, consi-
possibilidade de ressurgimento e revitalização do dera que essa concepção está presa a “esquemas
“velho”, que, de repente, pode ressurgir mais novo triádicos (tese, antítese, síntese) no interior de uma
do que o “novo”. suposta totalidade, confinada em sua estrutura”,
O discurso hierarquizador e isento da dúvida, onde não há “além” nem “aquém” sem que se passe
da sinuosidade, do talvez, da incerteza, mesmo do “pela famosa contradição.”

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Maria Antonieta de Campos Tourinho

Essa visão de Assmann sobre dialética me soa complexo aquilo que não se pode resumir a uma
tão unilateral quanto a de Suassuna sobre a cul- palavra-mestra: “No espaço metodológico da teo-
tura brasileira. Carvalho (2001, p 56), refletindo ria da complexidade separar e distinguir nunca é
sobre o esquema dicotômico “que torna obrigató- cortar; unir e conjugar nunca é totalizar, mas sim
rio ser anti-moderno ou então dar vivas à moder- pensar globalmente se movimentando entre o glo-
nidade” sem, nem ao menos, uma síntese dialética bal e o parcial”. Ao mesmo tempo, tem o sentido
ser operada, considera que “compondo uma cari- do caráter circulante do conhecimento, já que, para
catura, podemos dizer que o mundo moderno é Morin, pensar é pensar em movimento “aquilo que
apresentado como simplesmente racional, ilumi- a lógica conjuntista-identitária pensa de maneira
nista, positivista, teleológico, dicotômico...”. E eu, estática, por exemplo: a identidade, a unidade, o
depois da leitura de Assmann, acrescentaria: dia- ser, o objeto, a estrutura, a sociedade.”
lético. Para Carvalho, quando fazemos recortes Acredito que, nesse movimento, em certos ins-
para estudo, congelamos uma realidade que é di- tantes, a complexidade, em produtos parciais e pro-
nâmica “e por conseqüência, criamos um objeto, visórios, se simplifica. E aqui cabe a pergunta: E a
praticamente sem movimento” e é essa “falacio- simplicidade? Onde ela se situa neste contex-
sa simplicidade que encobre tensões presentes”. to? Seria incompatível com a complexidade?
(CARVALHO 2001, p. 62). Tentar sintonizar com Há alguns anos, li uma frase de Constantin
esse movimento do objeto e das tensões que traz Brancusi, escultor romeno – que nasceu em 1876
consigo é um desafio a que me proponho neste e, depois de trabalhar como carpinteiro e pedreiro,
artigo sobre pesquisa na contemporaneidade e, estabeleceu-se em 1904 em Paris e sofreu influ-
para isso, considero que a complexidade e a mul- ência da arte africana e oriental e também de Ro-
tirreferencialidade, que precisam também ser re- din – que me chamou a atenção: Simplicidade é a
fletidos nas suas próprias tensões internas e complexidade resolvida. Não sabia quem era
também nas suas contradições, são os referenci- Brancusi e a complexidade, para mim, era apenas
ais teóricos mais próximos dessa proposta. sinônimo de complicado, de intrincado. Mas gostei
Para Macedo (2002, p. 24), é a criticidade que tanto do sentido da frase que resolvi guardá-la.
move e mobiliza tanto a complexidade como a Quando me aproximei da teoria da complexidade,
multirrefencialidade: “É necessário enfatizar que a achei que haveria incompatibilidade entre ela e a
epistemologia da complexidade no seu olhar mul- frase de Brancusi, já que essa parece ter uma co-
tirreferencial em ciências da educação nasce no notação de resolução definitiva e o “pensamento
âmago do senso crítico universitário alargado e complexo vive uma tensão constante entre a aspi-
parte dele.” Registrando que as idéias do seu livro ração a um saber não redutor e o reconhecimento
sobre currículo e complexidade se apresentam, do inacabamento e incompletude de todo conheci-
enquanto interfaces da noção cunhada por Edgar mento.” (MACEDO, 2002, p. 22).
Morin: o pensamento complexo; e de um concei- Entretanto, segundo Hodge (2003), apesar de
to extremamente movente, pluralista e intercomu- Brancusi desejar fazer um trabalho o mais simples
nicante, forjado por Jacques Ardoino: o de possível, buscando uma forma pura, paradoxalmen-
multirreferencialidade, considera que são noções te, esse processo tende também a destacar a com-
contemporâneas, há muito exercitadas numa diás- plexidade dos pensamentos que estão em suas
pora que dificultou as suas sistematizações: “É jus- obras. Quando alguém contempla uma escultura
tamente com Morin e Ardoino que tivemos a de Brancusi, provavelmente tentando compreen-
oportunidade de vê-las densificadas numa teoriza- dê-la, realiza uma atualização e recupera em ou-
ção que se dissemina pelos diversos campos do tras referências a complexidade original, buscando
saber.” (2002, p. 21) A complexidade para Morin, também uma simplicidade que permita o instante
segundo Macedo (2002, p. 21-22), não se limita à da compreensão.
própria palavra complexidade; porta, em seu seio, Tomando como referência as palavras de Ma-
a confusão, a incerteza e a desordem, sendo uma cedo (2002, p. 22), para quem a complexidade não
palavra-problema e não uma solução; portanto, é elimina a simplicidade, mas “a integra em termos

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Mundos múltiplos / zonas desconhecidas: multirreferencialidade, complexidade e pesquisa na contemporaneidade

dialógicos, recusando as conseqüências mutilantes, hipercomplexidade” é assumida por Ardoino (1998,


reducionistas e unidimensionais da simplificação”, p. 24), quando reflete sobre abordagem multirre-
me permito afirmar que a complexidade, como nos ferencial.
trabalhos de Brancusi, se transforma em simplici- Assim, a relação entre a complexidade e a
dade, em um processo que não despreza os ele- multirreferencialidade é imbricada, pois, mesmo
mentos necessários para uma configuração, na qual que se queira e/ou se precise refletir, separada-
simplicidade e complexidade se integram, não sen- mente, sobre essas concepções, quando se fala
do uma solução simplista, reduzida, mutilada, nem de uma se está necessariamente invocando a ou-
definitivamente configurada, visto que as simplici- tra, porque uma pressupõe a outra. Complexida-
dades são provisórias, podendo criar outras com- de e multirreferencialidade cruzam-se em uma
plexidades que se movimentam conectadas a mesma cosmovisão. Incorporar esses conceitos
múltiplas referências. a uma pesquisa ou, mais que isso, esses modos
À perspectiva que permite a possibilidade de de compreender e tratar a realidade significa rom-
trabalhar com uma multiplicidade de referenciais, per com a forma fragmentária de tratar o conhe-
segundo Fróes Burnham (1998, p. 45), o grupo da cimento e aproximar-se do processo sem a
Paris VIII, animado por J. Ardoino e G. Berger, interrupção do seu movimento, pois o processo
denomina de multirreferencialidade: se renova, se recria na penetração de sua intimi-
Ardoino argúi que esta é uma perspectiva de apre-
dade, na multiplicidade de significados, na possi-
ensão da realidade através da observação, da in- bilidade de negação de si mesmo. Tudo isso
vestigação, da escuta, do entendimento, da pressupõe o engajamento pessoal e coletivo do
descrição, por óticas e sistemas de referências dife- pesquisador, a sua implicação com o seu objeto
rentes, aceitos “como definitivamente irredutíveis de estudo, pois a construção do conhecimento
uns aos outros e traduzidos por linguagens distin- sobre o mundo exterior não se separa da constru-
tas, supondo como exigência a capacidade do pes- ção “do próprio complexo sujeito – objeto – pro-
quisador de ser poliglota” e, acrescentamos, de ter cesso – instrumento – produto do conhecimento
uma postura aberta.
que é o próprio homem” e analisar o processo
Essa irredutibilidade “encaminha a si mesma significa acompanhá-lo, “apreendê-lo mais global-
(como implicação) uma visão de mundo propria- mente através da familiarização reconhecendo a
mente cultural” e requer uma “compreensão her- relativamente irremediável opacidade que a ca-
menêutica da situação”, em que os sujeitos aí racteriza.” (FRÓES BURNHAM, 1998, p. 41).
implicados “interagem, intersubjetivamente” (AR- A opacidade se processa dentro do pensamen-
DOINO, 2002, p. 21-22) Nessa concepção de to complexo. Contrapondo-se ao pensamento ilu-
multirreferencialidade, a referência, segundo minista, que pretende dar conta de todos os
Barbier (apud FRÓES BURNHAM, 1998, p. 45), mistérios, o pensamento complexo considera que
é compreendida como um núcleo de representa- o objeto nunca se revela totalmente. Isso nos colo-
ções “de que é portador cada ator social, tanto do ca frente a frente com o fim das certezas, pois a
ponto de vista organizacional, (...) institucional, ide- busca do “ser” e do “saber” uno e múltiplo nos
ológico, quanto libidinal etc.”. Fróes Burnham (1998, revela uma ciência que, ao contrário de constituir-
p.45) incorpora ao etc. outros pontos de vista, sem- se de verdades absolutas e imutáveis, aponta para
pre deixados de lado pelos próprios colegas de novas descobertas, aceitando a complexidade como
Barbier, “tais como as referências ao ‘sagrado’, uma realidade reveladora, sendo o ser humano su-
ao ‘transpessoal’, (...) às características míticas, jeito e objeto de sua própria construção no mundo.
simbólicas e artísticas irredutíveis a toda interpre- (PETRAGLIA, 1995, p.12).
tação científica e inseparável do núcleo de refe- Essa perspectiva aproxima o pensamento de
rências e de valores últimos do sujeito.” Edgard Morin do pensamento do físico belga Ilya
A multirreferencialidade lida com o pensamen- Prigogine. Nesse sentido, Cordovil (1998, p.1) de-
to multirreferencial em conexão com o complexo fende que o contato entre humanas e exatas não é
e essa “hipótese da complexidade, até mesmo da recente, pois as ciências pediram emprestado à fí-

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Maria Antonieta de Campos Tourinho

sica newtoneana o conceito de determinismo e estamos e que constitui o nosso mundo.” (MO-
agora que “a mecânica quântica e a teoria do caos RIN, 1984, p. 104).
são mais inteligíveis, é proposta a instauração de Considerando, segundo Petraglia (1995, p. 43),
um pensamento complexo. Os pensamentos de a ciência moderna ao mesmo tempo enriquecedo-
Morin e Prigogine, que caminham juntos em suas ra e vitoriosa, aniquiladora e tirana para a humani-
respectivas áreas de conhecimento, também se sin- dade, diante dos diversos campos científicos com
tonizam na noção do “fim das certezas”: Prigogine que vêm se defrontando na tentativa de mostrar a
se refere a “um mundo de possibilidades, de novi- soberania de seus princípios e descobertas, Morin
dades e criatividade” de um reencantamento da (1984, p.18) questiona a própria noção de ciência,
natureza, no ingresso em uma nova racionalidade quando observa que a cientificidade é a parte emer-
da incerteza, no entendimento de que o “mundo é sa de um iceberg profundo de não-cientificidade:
feito de possibilidades, probabilidades” (CORDO- “A descoberta de que a ciência não é totalmente
VIL, 1998, p. 1); para Morin, “o pensamento com- científica é, a meu ver, uma grande descoberta ci-
plexo é essencialmente o pensamento que lida com entífica. Infelizmente, a maior parte dos cientistas
a incerteza e é capaz de conceber organização”, ainda não a fizeram ...”. Uma ciência comparti-
contendo em si a impossibilidade de unificar (...) mentada, mecanicista, disjuntiva, reducionista, que
de acabamento, uma parte de incerteza, uma parte quebra em fragmentos a complexidade do mundo,
de indecidibilidade e o reconhecimento do tête-à- fraciona os problemas, separa o que é ligado, uni-
tête final com o indizível.” (MORIN, 1984, p. 98). dimensionaliza o multidimensional. (CORDOVIL,
Por isso é que, “se existe um pensamento comple- 1998, p. 3).
xo, este não será um pensamento capaz de abrir Assim, a riqueza da contemporaneidade está,
todas as portas (como essas chaves que abrem no meu entender, justamente nas possibilidades de
caixas-fortes ou automóveis), mas um pensamen- convivência de vários posicionamentos teóricos não
to onde estará sempre presente a dificuldade.” hierarquizados, ou, de múltiplas referências, consi-
(MORIN, 1996, p. 274). derando aqui não só as referências teóricas, no
Todo o pensamento de Morin é pautado numa sentido de uma ciência constituída, mas diferentes
epistemologia da complexidade que compreende posturas e visões de realidade, consideradas, jun-
interações diversas e adversas, incertezas, inde- tamente com as teorias, como olhares possíveis para
terminações e fenômenos aleatórios. Seu trabalho compreensão e apreensão da realidade que é com-
consiste na sistematização da crítica aos princípi- plexa. Por isso, acredito que precisamos ter cuida-
os, objetivos, hipóteses e conclusões de um saber do para que “novas” certezas não substituam
fragmentado (PETRAGLIA, 1995, p. 39). Para “velhas” certezas e, no espaço contemporâneo,
Morin, uma reforma do pensamento se impõe. possa-se ouvir e fazer uma leitura crítica das múl-
Compreender esse novo pensamento exige uma tiplas vozes das tradições que perpassam a cons-
nova aprendizagem, pois “fomos formados em um trução do conhecimento na contemporaneidade,
sistema de ensino que privilegia a separação, a re- pois são próprios do pensamento complexo temas
dução, a compartimentalização...” (apud CORDO- diversos, contraditórios e complementares, nos
VIL, 1998, p. 3). Na direção contrária à fragmen- quais se encontram problemas epistemológicos,
tação do conhecimento, o pensamento complexo ontológicos, filosóficos, políticos, sociológicos, an-
empenha-se em reunir, integrar os modos de pen- tropológicos, psicológicos, mitológicos.
samento simples em uma concepção mais rica. Ter mais de uma visão dos fenômenos, cami-
Pois, se no primeiro sentido, o mais banal da pala- nhando na incerteza e na opacidade, são propostas
vra, complexo significa confusão, num segundo da multirreferencialidade e da complexidade e, por
sentido, como resposta ao desafio, essa palavra isso, acredito possível uma analogia desses refe-
significa apreensão do que está junto, ou seja, do renciais teóricos com religiões politeístas como a
tecido em comum, pois a “complexidade não é um grega e a africana, particularmente nas figuras de
fundamento, é o princípio regulador que não perde Hermes e Exu, deuses que freqüentam mundos
de vista a realidade do tecido fenomenal em que desconhecidos e múltiplos.

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Mundos múltiplos / zonas desconhecidas: multirreferencialidade, complexidade e pesquisa na contemporaneidade

Hermes se aproxima de Exu em aspectos como tema que tudo classifica como sendo do bem ou do
a sabedoria, o poder de comunicação e de trans- mal, em categorias mutuamente exclusivas.”
formação, a proteção aos homens, a autonomia, o (PRANDI, 2003).
jogo de cintura e sensibilidade para lidar com situ- Nessa perspectiva, o psicólogo americano Ja-
ações difíceis, os quais se limitam e, algumas ve- mes Hillman (1989, p. 93) considera que o cristia-
zes, se confundem com a marginalidade, a nismo, em uma visão “monocular”, enquadrou o
desonestidade, o embuste, a roubalheira. lado destrutivo em uma idéia independente cha-
Exu é o orixá que faz a ponte entre este mun- mada “mal” e criou um dogma o qual glorifica como
do e o mundo dos orixás, especialmente nas con- “problema do Mal”: “Então o indivíduo começa a
sultas oraculares e cujo caráter transformador o ver partes de si mesmo como mal e as separa da-
distingue de todos os outros deuses: “Exu é aque- quelas partes chamadas bem”. Mas a mente gre-
le que tem o poder de quebrar a tradição, pôr as ga foi suficientemente sutil para enxergar que as
regras em questão, romper a norma e promover coisas não estão separadas: “Está tudo misturado.
a mudança.” (PRANDI, 2003). É o orixá mensa- Não há bem nem mal, ou melhor, há bem e mal,
geiro que detém o poder da transformação e do porque há sombra em tudo e ela não é um princípio
movimento, que vive na estrada, freqüenta as en- à parte.”
cruzilhadas e guarda a porta das casas, orixá con- Mistura que, entretanto, não confina o eu em
trovertido, porém nem santo nem demônio. Pri- uma unidade mística e emocional: “Uma das gran-
meiramente, pelo cristianismo e depois pelo des virtudes do pensamento grego, assim como do
kardecismo e pelas igrejas evangélicas, Exu foi nosso pensamento científico ocidental é a atitude
perdendo as suas funções originais e se transfor- de distinguir as diferenças. È uma virtude muito
mando em uma figura demoníaca até entre os importante: não devemos perdê-la. Dessa forma,
adeptos do candomblé. Entretanto, em certos ter- colhemos a unidade e a singularidade das coisas.”
reiros da religião dos orixás, sobretudo em uns (HILLMAM, 1999, p. 19). Para pensar acurada-
poucos candomblés antigos mais próximos das mente, necessitamos das distinções e o modelo
raízes culturais africanas, “cultiva-se uma ima- grego do paganismo é rico em distinções
gem de Exu calcada em seu papel de orixá men- É como o sabor da água: diferente em cada lugarejo.
sageiro dos deuses, cujas atribuições não são É um princípio muito importante, especialmente no
muito diferentes daquelas trazidas da África.” Mediterrâneo. Em qualquer lugarejo da Espanha o
(PRANDI 2003) presunto é diferente e se pode distinguir o presunto
A concepção judaico-cristã, de um modelo que de um lugarejo para outro. (...) E este culto da diver-
pressupõe, antes de tudo, a existência de dois pó- sidade é parte da nossa herança ocidental (...) En-
los antagônicos que presidem todas as ações hu- tão, esta atitude do singular se perde nas grandes
manas, de um lado a virtude, do outro o pecado, teologias religiosas unificadas, como o budismo, o
não existia na África. Quando a religião dos ori- cristianismo e o hinduísmo. Os ismos nos fazem per-
xás, originalmente politeísta, veio a ser praticada der as belezas da particularidade. (HILLMAN, s. d,
p. 20)
no Brasil do século XIX por negros que eram ao
mesmo tempo católicos, todo o sistema cristão de No seu livro La tête bien faite, Morin (1999, p.
pensar o mundo em termos do bem e do mal deu 27) tem, como um dos pontos chave de suas refle-
um novo formato à religião africana, no qual um xões, esse jogo entre a unidade e a singularidade e
novo papel esperava por Exu. Na África, as rela- trabalha com as relações entre o local e o global, o
ções entre os seres humanos e os deuses, como geral e o particular, enfim entre o todo e as partes:
ocorre em outras antigas religiões politeístas, eram Se trata de procurar sempre as relações e inter-retro-
orientadas pelos preceitos sacrificiais e pelo tabu, ações entre os fenômenos e seu contexto, as rela-
“não havendo um código de comportamento e va- ções recíprocas todo/partes: como uma modifica-
lores único, aplicável a toda a sociedade indistinta- ção local repercute sobre o todo e como uma
mente, como no cristianismo, uma lei única que é a modificação do todo repercute sobre as partes. Se
chave para o estabelecimento universal de um sis- trata ao mesmo tempo de reconhecer a unidade no

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Maria Antonieta de Campos Tourinho

seio do diverso, o diverso no seio da unidade, de Uma cabeça bem feita é uma cabeça, de acor-
reconhecer por exemplo a unidade humana pelas di- do com Morin (1999, p. 26), apta a organizar os
versidades individuais e culturais, as diversidades conhecimentos e evitar uma acumulação estéril.
individuais e culturais pela unidade humana. O novo espírito científico e as novas ciências,
Para Morin (1999, p. 27-29), todo conhecimen- como a ecologia, as ciências da terra e a cosmo-
to é, ao mesmo tempo, uma tradução e uma re- logia podem contribuir, hoje em dia, para formar
construção, a partir de sinais, signos, símbolos, sob uma cabeça bem feita. Essas ciências quebra-
formas de representações, idéias, teorias, discur- ram o velho dogma reducionista da explicação,
sos e a organização dos conhecimentos implica em levando em conta “os sistemas complexos nos
operações de ligação (conjunção, inclusão, impli- quais as partes e o todo se entre produzem e se
cação) e de separação (diferenciação, oposição, entre organizam, e, no caso da cosmologia, uma
seleção, exclusão): “O processo é circular, passa complexidade que está além de qualquer siste-
da separação à ligação, da ligação à separação, ma.” (MORIN, 1999, p. 28-30).
além da análise à síntese, e da síntese à análise. Explicar não é suficiente para compreender, como
Dito de outra forma, o conhecimento implica ao revelou Dilthey. Explicar é utilizar todos os meios
mesmo tempo em separação e aliança, análise e objetivos de conhecimento, mas que são suficien-
síntese.” tes para compreender o ser subjetivo. A compreen-
A modernidade privilegiou a separação e a aná- são humana nos vem quando nos sentimos e
lise em detrimento da ligação e da síntese, mas a preservamos os humanos como sujeitos; ela nos
torna abertos a seus sofrimentos e suas alegrias;
segunda revolução científica do século XX, que
(...) é a partir da compreensão que podemos lutar
começou em várias partes do mundo nos anos contra o ódio e a exclusão. (MORIN, 1999, p. 55-56)
1960, “opera grandes remembramentos que con-
duzem à reunião, contextualização e globalização Na busca desse tipo de compreensão, a litera-
dos saberes até aqui fragmentados e compartimen- tura, a poesia, o cinema, a psicologia e a filosofia
tados, o que permitiu articular daqui por diante de podem-se tornar escolas da compreensão. (MO-
maneira fecunda as disciplinas umas com as ou- RIN, 1999, p. 55). Fróes Burnham (1998, p. 35),
tras.” (MORIN, 1999, p. 28-29). refletindo que “a interminável busca do Homem
Morin (1999, p. 23-24), reportando-se a Mon- pela compreensão do mundo, tanto do seu próprio
taigne, distingue uma cabeça bem feita, que “signi- mundo interior quanto do exterior, do qual é parte
fica que mais importante do que acumular saber é integrante e integrada, tem levado ao incansável
dispor de princípios organizadores que permitam processo de construção do conhecimento, pelos
reunir os saberes e lhes dar sentido”, de uma ca- mais diversos modos”, acrescenta “a epistemolo-
beça cheia que “é uma cabeça na qual o conheci- gia, a antropologia, a sociologia, a psicanálise, a
mento está acumulado, empilhado e não dispõe de pedagogia”. E eu acrescentaria a historiografia, o
um principio de seleção e de organização que lhe teatro, a literatura, a mitologia, a geografia...
dê sentido.” O desenvolvimento da inteligência A complexidade e a multirreferencialidade, re-
geral requer a dúvida, “fermento de toda a ativida- ferenciais escolhidos para orientar o traçado dos
de crítica”, o que também abrange “a dúvida da caminhos teórico-metodológicos desse artigo, são
dúvida.” Para isso, existe a necessidade de inclu- temas de uma vasta literatura e de interesse de
são, do bom uso da lógica, da dedução, da indução, variados teóricos tanto no exterior como no Brasil,
da arte da argumentação e da discussão. Mas com- que discutem, criticam, atualizam os seus vários
porta também a inteligência que os gregos cha- conceitos e idéias. Nesse sentido, referindo-se à
mam de métis “conjunto de atitudes mentais... que educação brasileira, Ardoino (apud BARBOSA,
combinam o faro, a sagacidade, a previsão, a flexi- 1998, p. 14), no Prefácio de Multirreferenciali-
bilidade de espírito, o desvendamento, a atenção dade nas ciências e na educação, convoca:
vigilante, o senso de oportunidade.” (Lautréamont, Na França, no âmbito de uma universidade experi-
apud MORIN, 1999, p. 25). mental, como é o caso de Paris VIII, ela pareceu a

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Mundos múltiplos / zonas desconhecidas: multirreferencialidade, complexidade e pesquisa na contemporaneidade

alguns dentre nós (R. Barbier, G. Berger, A. Coulon...) Procedimento, que como vimos neste artigo,
constituir uma forma de resposta à hipótese da com- envolve muitos conceitos e idéias que permitem
plexidade na educação. Ficaríamos tanto felizes
uma visão mais politeísta da vida para que ismos
quanto honrados se as ciências da educação brasi-
leira, em Porto Alegre, em Brasília, em São Carlos, em não impeçam a conexão entre as ciências, as artes
Salvador ou em Maceió, se apropriassem desse pro- e as letras, condição preciosa para a pesquisa na
cedimento. contemporaneidade.

REFERÊNCIAS

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http://www.arvoredobem.com.br. Acesso em: 20 mar. 2003.
SUASSUNA, Ariano. Folha de São Paulo, São Paulo, 26 fev.2001. Caderno Ilustrada.

Recebido em 30.05.08
Aprovado em 04.08.08

80 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 73-80, jul./dez. 2008
Maria de Lourdes S. Ornellas

O REAL, O SIMBÓLICO E O IMAGINÁRIO


DA DOCÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE

Maria de Lourdes S. Ornellas *

RESUMO

O real, o simbólico e o imaginário da docência na contemporaneidade é um


estudo fruto de pesquisa que tem como objetivo analisar, pela fala do aluno, o fazer do
professor sobre o afeto, na busca de identificar os elos que constituem o processo de
aprender. O marco teórico margeia alguns construtos da teoria psicanalítica (Freud e
Lacan), bem como os estudos de Kupfer e Ornellas que pesquisam aspectos do afeto
na formação docente. O método trilha pela pesquisa qualitativa, tendo como lócus a
Universidade do Estado da Bahia. Os sujeitos são dez alunos, do sexo feminino, com
idade de 20 a 25 anos. O instrumento de coleta foi a entrevista orientada pelos técnicos
do Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais - CIERS, vinculado
à Fundação Carlos Chagas. A análise dos dados foi realizada à luz de alguns elementos
da Análise do Discurso, vez que permite desvelar a formação discursiva dos sujeitos.
Após a categorização dos dados coletados, os resultados mostram que os sujeitos da
pesquisa afirmam que, na universidade, existem três formas de docência: professor
pesquisador, professor que luta e professor afetivo, nomeações percebidas nos
entremeios dos afetos presentes na sala de aula.
Palavras-chave: Real – Simbólico – Imaginário – Afeto – Professor

ABSTRACT

REAL, SYMBOLIC AND IMAGINARY IN CONTEMPORARY TEACHING


This study aims at analyzing through professors discourses how the act about affection,
searching to identify the links which weave learning process. Our theoretical
framework is inspired by Lacan and Freud as well as Kupfer and Ornellas researches
about affection in teachers education. Our qualitative research was done at the
Universidade do Estado da Bahia with 10 female subjects, from 20 up to 25 years old.
We collected data through interviews with the help of the Centro Internacional de
Estudos em Representações Sociais - CIERS, associated to the Fundação Carlos
Chagas. Discourse analysis showed that the subjects believe that they are three type
of professors in universities: the professor-researcher, the professor-militant, and the
affective professor.
Keywords: Real – Symbolic – Imaginary – Affection – Teacher

* Doutora em Educação. Professora da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Programa de Pós-Graduação em Educação
e Contemporaneidade. Coordenadora do Núcleo de Estudos em Afetividade e Representação Social. (NEARS). Líder no Grupo
de Pesquisa em Afetividade e Representação Social, certificado pelo Diretório CNPq GepA-RS. Psicanalista. Endereço para
correspondência: Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Campus I, Mestrado em Educação e Contemporaneidade, Rua
Silveira Martins, 2555, Cabula, 41150-000 SALVADOR/BA. E-mail: ornellas1@terra.com.br

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O real, o simbólico e o imaginário da docência na contemporaneidade

Não sou o mesmo de olhar vazio.


Eu era um bicho que nem sabia das cercas
Um dia, em campo onde estava, faltara fruta e água.
Aí, procurando a saciez, soube quantos bebiam minha sede
E quantos de minha fome comiam e gozavam.
(J. Carlos Capinam)

Entre nós e fitas dos afetos não se pode simbolizar, porque escapa, ex-siste2
e faz furo no sentido3 . O simbólico é o registro da
Metaforizando a escrita de Capinam, pode-se fala, é o que pode ser nomeado, mesmo que não
perceber que o olhar da docência na contempora- se possa dizer tudo. Enquanto isso, o imaginário é
neidade não é mais vazio, mas emprenhado de sen- especular, é fantasmático, tem a ver com a ima-
tidos. Em certa medida, alguns docentes se gem. É no exercício da docência que os três elos
apropriam do conhecimento, o transmitem na es- parecem se escutar de forma singular, para aten-
cuta do aluno que alimenta e bebe desse processo, der às demandas da escola inserida na sociedade
quando não come e goza desse prazer intelectual e contemporânea.
da angústia do aprender. O real, o simbólico e o imaginário da docência
O estudo é fruto de uma pesquisa e seu título expressam o afeto, presentificado no ato de ensi-
reveste-se de sentido na medida em que, quando nar e aprender, expressam que esse processo tem
me encontrava no processo de coleta de dados, a marcas fundantes na família e nos mestres que
pergunta sobre a formação docente mobilizou os deixaram no imaginário do pó de giz, salpicado nos
sujeitos a responderem que nessa docência há algo nossos olhos, falas ditas e não ditas, enodadas, em
de real; outros tantos afirmaram: parece que tem certa medida, de forma borromeana.
uma relação com o simbólico e outros falaram da Esta pesquisa faz elos na contemporaneidade,
presença de um componente imaginário. Uma lei- vez que o sujeito do estudo é o aluno do curso de
tura sobre essas falas revela que a docência pode pedagogia da Universidade do Estado da Bahia. É
ser estruturada pelos três registros do nó borro- possível dizer que, quando se fala de aluno, fala-se
meu1 , tal como é demonstrado abaixo: de professor. A docência envolve a relação pro-
fessor-aluno na tentativa de perscrutar os nós ata-
dos e desatados na sala de aula. Neste espaço, o
aluno estampa sua imagem especular4 , às vezes
opaca, nem sempre nítida e o professor cifra o gozo,
visto que tem o poder de assumir uma posição de

1
Expressão introduzida por Jacques Lacan, em 1972, para de-
signar as figuras topológicas (ou nos trançados) destinadas a
traduzir a trilogia do simbólico, do imaginário e do real.
(ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 541)
2
Ex-siste: lugar excêntrico em que devemos situar o sujeito do
inconsciente. Vide: KAUFMANN, Pierre. Dicionário de psica-
Observa-se nesse nó uma cadeia feita de três nálise: o legado de Freud e Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1996. p. 477.
elos, representando o real, o simbólico e o imagi- 3
Furo no sentido: o que não é articulável na demanda instala
nário, de tal forma que o corte de um desses elos esse buraco, perda que será simbolizada no lugar do Outro in-
consciente. (CHEMAMA, 1995, p.201).
libera os dois outros. A docência na contempora- 4
Imagem especular: operação psíquica, ou até ontológica, pela
neidade precisa se estruturar de modo que o ato qual o ser humano se constitui numa identificação com seu
educativo se organize nos planos real, simbólico semelhante. Na perspectiva walloniana (na qual Lacan se inspi-
rou), a prova do espelho especificava a passagem do especular
e imaginário. Para melhor entendimento do leitor, para o imaginário, e, em seguida, do imaginário para o simbóli-
vale pontuar esses construtos: o real é o elo que co. ((ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 194)

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Maria de Lourdes S. Ornellas

sedução e de forma, como expressa Kupfer (2001), senho na relação para, possivelmente, fazerem
o seu lugar de SsS5 . Esse conceito está enredado uma caminhada dentro e fora da sala de aula, na
com o conceito de transferência na sala de aula, busca do ato de ensinar e aprender.
tal como observa Kupfer (2001, p. 88):
Freud afirma que a transferência permeia qualquer Do broto à pesquisa
relação humana. É isso que nos autoriza a substituir
a expressão relação-analista-paciente pela expres- Principiando uma conversa que pretendo no-
são relação-professor-aluno. O aluno se prende a mear do broto à pesquisa, conto agora a história
um educador ou educadora porque supõe existir nele da origem do estudo e autentico, nesta escritura,
ou nela um Sss, ou seja, um sujeito suposto saber que minha aproximação com o Centro de Estudos
sobre suas dificuldades. em Representações Sociais e Subjetividade – CI-
Essa fala ratifica que a transferência não acon- ERS tem o desenho de um broto nomeado de algo
tece apenas na clínica, mas circula nas relações tênue, neófito, que se principia. O CIERS é vincu-
que se estabelecem entre os sujeitos. Esse fenô- lado à Fundação Carlos Chagas e ao Laboratoire
meno também é observado na relação professor- Européen de Psychologie Sociale – LEPS, Mai-
aluno, na sala de aula, quando o aluno autentica ao son des Sciences de L’Homme de Paris – MSH.
professor o saber sobre a saída de seus impasses O Centro reúne pesquisadores de vários países
no processo de aprender. que têm como objeto o estudo das representações
O processo de entrevista constituiu-se de espa- sociais e subjetividades, com o objetivo de pesqui-
ço fértil, quando pesquisador e os sujeitos da pes- sar, articular estudos, saberes e conhecimentos. A
quisa se encontraram, se (entre)olharam e, na pesquisa é metaforizada pelo desenho de uma flor
pergunta feita sobre como acontece a relação pro- em que a corola constitui-se do núcleo comum
fessor-aluno, as respostas mostram que já existe um da pesquisa que intenciona investigar as represen-
exercício de relação professor-aluno, tal como se tações do professor dos primeiros anos dos cursos
observa nas falas a seguir: “professor não está no de graduação da área de Pedagogia sobre o traba-
direito e o aluno no avesso, ambos caminham lho docente. Cada pesquisador que integra a re-
juntos com suas diferença” (sujeito c); “Na mi- ferida pesquisa recebeu uma pétala dessa flor (tal
nha sala não há mais a mesa do professor e as como se vê na imagem abaixo) da Fundação Car-
carteiras enfileirados dos alunos, estamos nos los Chagas, a qual faz interface com o seu objeto e
olhando na mesma direção” (sujeito h). Assim grupo de pesquisa certificado pelo CNPQ.
posto, a análise que faço dessas falas é que, num
dado momento, a relação professor-aluno é pareci-
da com a fita de Möbius,6 e que na docência não há
um dentro e um fora e sim uma continuidade na
mesma superfície, conforme revela a figura abaixo:

5
Lacan utiliza esta nomeação para explicar que o sujeito (paci-
ente) atribui um saber ao seu analista. (1993, p.87)
6
Deve o seu nome a August Ferdinand Moebius, que a estudou
em 1858. Opera-se numa fita retangular a meia torção sobre
Observa-se que professor e aluno, movidos pelo ela mesma e o direito e o avesso passam a se encontrar em
saber, enredados na incompletude, buscam um de- continuidade. (LAFONT, 1990, p.25).

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 81-88, jul./dez. 2008 83
O real, o simbólico e o imaginário da docência na contemporaneidade

Este estudo objetiva analisar, pela fala do alu- “Algumas bases estão lançadas e resta agora
no, o fazer do professor sobre o afeto, na busca prosseguir neste caminho (...) onde para o aluno
de identificar os elos que constituem o processo de haja oportunidade de emergir como sujeito pensante,
aprender. não como escravo do discurso do mestre.” (KU-
O construto afeto também faz ato com a pala- PFER, 1982, p.73-74). Nesse sentido, é preciso
vra que faz laço com o ensinar, o aprender, e é por escutar o ambiente transferencial da sala de aula,
essa via de enlace que este escrito está sendo te- lugar no qual acontece o ato educativo. É nesse
cido, quando, durante a entrevista, solicitei ao alu- ambiente que ocorre a escuta da relação profes-
no falar sobre sua concepção de afeto na escola, e sor-aluno, vista como um campo de mediação en-
os mesmos responderam que se tratava de algo tre os sujeitos que, no espaço escolar, se configura
prazeroso. É possível dizer também que a temáti- sob a nomeação de disciplina ou (in)disciplina es-
ca encadeia os significantes ensinar, aprender e colar, constituindo-se na contemporaneidade, uma
afeto, três registros que ressignificam o cotidiano das preocupações mais emergentes do professor.
escolar, metaforizados pelas partes da flor que cons- Por esse caminho, em que a escuta é vista es-
tituem o cerne da sua estrutura: o cálice, que re- sencialmente como instrumento de trabalho do pro-
flete o espelho de que o ensinar se mira na falta7 ; fessor, Kupfer (2007, p. 34) diz:
a corola é o conjunto de saberes que compõem o Uma leitura que inclua o discurso social que circula
ato de aprender e o pistilo é o agalma8 que pre- em torno do educativo e do escolar (...) estará pro-
sentifica o afeto, o qual neste estudo é teorizado, duzindo uma inflexão na ação do psicanalista e o
tomando-se como referência Freud (1911) e La- levará a uma prática que não coincida mais com a
can. (1958). clínica psicanalista “ortodoxa”, pois ele terá de se
O afeto constitui-se de processos subjetivos que movimentar o suficiente para ouvir pais e escola.
Isso amplia o campo de ação do psicanalista, que
emergem no interior da sala de aula e é possível
passa a incluir a instituição escolar como lugar de
que esses processos possam iluminar o debate na escuta.
escola, desconstruindo esse construto tal como
será visto mais adiante. Freud (1905) acalentava o Se a psicanálise pode contribuir, de alguma for-
sonho de que a psicanálise poderia um dia vir a ma, com o campo de educação, terá de apontar
contribuir com a sociedade e, especialmente, com para a necessidade de uma postura reflexiva so-
a educação; acompanhava os movimentos sociais bre a tarefa de escutar, que supõe uma reconstru-
e desejava que a psicanálise pudesse estender-se ção a ser feita pelo professor junto ao aluno. Escutar
a outras áreas do conhecimento. A partir daí, esse é dar sentido ao mundo que cerca o aluno. Ao es-
campo do conhecimento, ainda que sutilmente, ou- cutar os ditos e os não-ditos, produzimos e amplia-
sou adentrar os muros da escola. mos o mundo das coisas; a escuta da fala do outro
A psicanálise, por sua vez, não tem receitas para é, na verdade, um diálogo dentro de nós mesmos
o que deve ser feito na escola, mas reflete sobre o na busca das falas que nos constituíram e nos cons-
que tem sido feito, vez que pode escutar o discurso tituem. Escutar e falar fazem parte do processo
do professor e do aluno. Articular educação e psi- educativo, porém esse binômio na escola parece
ter pesos diferentes entre os atores.
canálise é um grande desafio, e o fato desta se
Se, por um lado, Freud foi, de fato, um antipe-
oferecer como um suporte fundante do instrumen-
dagogo, por várias razões foi também um mestre
to da escuta é o que nos possibilita, muitas vezes,
da educação. Seu jeito peculiar de fazer teoria re-
contribuir para a leitura do mal-estar vivido pelo
professor no contexto educativo.
7
É pela escuta cuidadosa dos sintomas presen- Condição do ser faltante que o faz depender de uma falta e de
uma incompletude tanto necessária quanto geralmente desper-
tes no mal-estar na sala de aula por parte do pro- cebida em tudo aquilo que para ele se apresenta como um todo:
fessor, que penso que algumas fronteiras são tanto as imagens com que engana seu desejo como os conflitos
em que se conta. (CHEMAMA, 1995).
possíveis de serem superadas entre psicanálise e 8
Objeto de desejo, brilhante, galante, termo que vem de gal,
educação. brilho, no antigo francês. (LACAN, 1993).

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Maria de Lourdes S. Ornellas

velou a singular relação que tinha com o ato de para falar, escutar e tornar o mestre de si mesmo
pensar, falar e escutar. Freud pensou com o desejo – é uma lição que precisa ser ressignificada.” (KU-
e talvez por isso a fala e a escuta tenham ocupado PFER, 2001, p. 45).
um lugar singular no seu modo de educar. Nesse Faz-se preciso descortinar a relação horizonta-
sentido o mestre nos convida a pensar: “A psica- lizada entre professor e aluno. Este deve se colo-
nálise já encerra em si mesma fatores revolucio- car no lugar daquele que investiga, daquele que
nários suficientes para garantir que todo aquele que semiotiza o saber transmitido, no desejo de tornar-
nela se educou jamais tomará em sua vida posteri- se produtor do saber e do conhecimento, na escuta
or o partido da reação e da repressão.” (FREUD, dos seus afetos manifestos e latentes.
1976, p. 348). Com vistas a elucidar que o afeto está imbrica-
As conexões da psicanálise e educação preci- do entre Eros e Thanatos10 , essas palavras gregas
sam ser ainda estabelecidas. Mas, talvez, desde já, são convidadas a comparecer a este cenário, tra-
a psicanálise possa possibilitar um jeito novo de duzindo a supremacia do conceito de afeto: “Um
educar e o professor possa se colocar no lugar dos estados emocionais, cujo conjunto constitui a
daquele que contribui para que o aluno se liberte gama de todos os sentimentos humanos, do mais
das amarras da opressão e se inquiete com o sa- agradável ao mais insuportável.” (FREUD, 1894,
ber fechado, previamente estruturado do aluno. p. 124). Para Lacan, “o afeto é convertido, deslo-
Em meio a toda (im)possibilidade de se casar a cado, invertido, ou até mesmo enlouquecido e nos
psicanálise com a educação, é certo que ambas obriga a não ser senão esse objeto sempre desco-
começam a se olhar. Nesse caso, estão abertas as nhecido e faltante: o amódio”. (1964, p.45).
portas para que o saber tome lugar entre outros Esses dois teóricos conceituaram o afeto na
saberes, mostrando ao leitor o que podemos ver matriz da ambivalência. Sem dúvida, representa um
por trás dele, sem, contudo, conduzi-lo para den- avanço no conhecimento sobre a temática, na me-
tro, porque educar, segundo Freud, parece ser dida em que elucida a idéia de que o afeto não se
mesmo uma tarefa difícil. encontra ancorado apenas na idealização ilusória
Pode-se resgatar que a psicanálise contribui do amor romântico, tal como se observa no imagi-
para se pensar o afeto na educação, o qual está nário do senso comum.
presente também de diversas maneiras nas rela- No lugar de pesquisadora, me constituo enquanto
ções que se estabelecem na contemporaneidade. sujeito da falta e me coloco também no lugar da
É pela trilha da cultura que é possível mapear pon- fala, quando tento apresentar o risco de não poder,
tos em que o afeto se engendra no contexto da na sua completude, enodar o real, o simbólico e o
sala de aula. Sabemos o quanto a sala de aula é imaginário da docência. Mas sinto-me (in)satisfeita
produtora de cultura, de relação e comunicação e, de tentar dar uma boa forma a esse desejo, na bus-
ao mesmo tempo, um espaço de construção. No ca de amarrar, desatar e amalgamar os fios que-
papel de sujeitos cognitivos, afetivos e sociais, a brados do material teórico e empírico a ser tecido.
docência brinca de fort-da 9 , porque há desejo de O real, o simbólico, o imaginário da docência
que presença e ausência provoquem faltas, e que são construtos singulares, há tempos em que ocor-
estas são costuradas tanto por conteúdos consci- re uma identificação de pares: (RS) (RI) (IS) e,
entes como por processos inconscientes. num dado momento, esses pares trocam olhares,
Por essa via, ouso dizer que a ausência do pro- mudam de lugar e posição a depender de como as
fessor, no espaço produzido entre uma aula e ou- relações políticas, pedagógicas e institucionais se
tra, coloca o aluno na posição de recordar o que estruturam nos intra-muros da escola. Nessa in-
foi dito, repetir para criar o conteúdo estudado e terseção, encontra-se o sujeito com seu afeto sub-
elaborar o aprender desejado.
O mundo desejante, que habita diferentemente 9
Par simbólico observado por Freud no brinquedo de uma crian-
na docência estará sempre preservado cada vez ça de 18 meses o que revela no jogo presença e ausência.
(CHEMAMA, 1995, p.82)
que um professor renuncie ao controle e aos efei- 10
Eros, na concepção freudiana, é o conjunto das pulsões de
tos de seu poder sobre o aluno. “Matar o mestre – vida, enquanto Thanatos, é o conjunto das pulsões de morte.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 81-88, jul./dez. 2008 85
O real, o simbólico e o imaginário da docência na contemporaneidade

metido às leis da linguagem, no lugar de sujeito di- no, amor, angústia, aprendizado, atenção, capaci-
vidido. Observa-se, de um lado, o seu inconsciente tado, companheiro, compreensão, compromisso,
e, do outro, o seu engano. dedicação, diálogo, disciplina, educação, educador,
ensinar, estudo, paciência, profissão, respeito, res-
O mal-me-quer e o bem-me-quer ponsabilidade, sabedoria, sala de aula, vocação);
b) após visualização dessas palavras, solicitou-se
O método deste estudo trilha pela pesquisa qua- a cada sujeito organizar cinco agrupamentos, de
litativa. O objeto deste estudo tem sido o foco de modo que cada grupo fosse constituído de pala-
estudos produzidos neste campo, seja no grupo de vras que tivessem similaridade; c) em seguida, o
pesquisa, seja nas produções teóricas, na tentativa sujeito foi convidado a justificar o agrupamento das
de reunir algumas peças para criar um mosaico11 palavras; e d) no final, elaborar um título para cada
do fenômeno investigado, parecido com as fases da agrupamento.
gestação que Ornellas nos convida a descortinar: Concluídas as entrevistas dos dez sujeitos, pro-
cedeu-se à leitura do material coletado e deu-se
São sementes que se podem transformar em gravi- inicio à construção das categorias de análise. So-
dez, nesse momento que o pesquisador tenta articu-
bre o trabalho docente, os sujeitos, nos seus agru-
lar a configuração das tramas conceituais, de forma
pamentos, justificativas e títulos, enfatizaram que
que os passos dados descortinem novos recortes,
abram outras perspectivas de analises à busca de o trabalho docente é representado pelas nomea-
elucidação e encontrem um lugar de trocas, lugar de ções: garra, conhecimento, dedicação, afeto,
reflexões aqui desenvolvidas. (2005, p 219). ser pesquisador, trabalhar a cidadania, ensi-
nar com prazer, lutar pela carreira, ser media-
Quando me aproximei dos sujeitos da pesquisa, dor, exige diálogo, buscar o desejo, trabalhar
os coloquei no lugar metafórico de sementes que relação professor-aluno.
poderiam germinar, no sentido de desejar parir fa- Esses dados foram organizados em três gran-
las que pudessem revelar o real, o simbólico e o des categorias de análise: professor-pesquisador,
imaginário da docência na contemporaneidade e professor que luta e professor afetivo.
de que forma o afeto engendra a relação profes- Professor pesquisador. Refere-se ao profes-
sor-aluno. sor que busca o conhecimento, a pesquisa, a dedi-
O procedimento de coleta orientado pelo CIERS cação e a mediação, o que pode ser observado
me fez encontrar uma classe de primeiro semestre dentre as falas: tenho um professor que já mos-
do curso de pedagogia com o objetivo de escutar, trou na sala artigos publicados em revistas, ele
pela fala do aluno, o fazer do professor sobre o afe- é dedicado e tenta mediar a teoria com a práti-
to, na busca de identificar os elos que constituem o ca. (sujeito g) Pode-se pensar que essa fala e ou-
processo de aprender. Pelo critério do desejo, pro- tras coletadas revelam o desejo de que o professor
cedeu-se a escuta individual do aluno com vistas a seja um pesquisador. Sabe-se o quanto o professor
encontrar a identificação com o objeto de pesquisa da graduação está distante da pesquisa, a inicia-
e, nesse espaço, abrem-se para mim dez sujeitos na ção científica ainda é uma atividade tímida e as
faixa etária de 20 a 25 anos. Os sujeitos responde- vagas para os cursos de pós-graduação ainda são
ram a um questionário, deste foram retiradas vinte bastante reduzidas. Os sujeitos falam que o co-
e cinco palavras escritas sobre formação docente. nhecimento, a dedicação e a mediação são traços
O Termo de Consentimento Livre foi explicitado, do professor-pesquisador e que são observados em
enfatizando a ética, em seguida assinado e, após sala de aula no curso de pedagogia. Enfatizam tam-
agendar dia, horário e local, iniciaram-se as entre- bém que há diferença entre os professores da uni-
vistas individuais, nas quais a permissão foi solicita- versidade com relação àqueles do 2º grau, posto
da para proceder à gravação.
A entrevista obedeceu aos seguintes passos: a)
11
vinte e cinco palavras foram expostas de forma É uma composição feita com fragmentos de objetos como:
cerâmica, vidro, pedra, papel, tecido, concha, etc, formando
individual em pequenos cartões (ajudar, alegria, alu- um todo figurativo ou não. (www.mosaicosfatimablogspot.com.)

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Maria de Lourdes S. Ornellas

que estes não fomentam o espírito crítico, e a qua- Esse conceito pode ser entendido como aquilo
lidade dos textos e o aprofundamento do conteúdo que pode e deve ser dito a partir de um lugar e
desenvolvido em sala de aula deixam a desejar. posição determinada. Nesse sentido, busquei ana-
Professor que luta. É o professor que tem lisar as falas dos sujeitos na escuta daquilo que
garra, fala na sala de aula de cidadania, luta pela podiam e se sentiam à vontade para dizer sobre a
carreira docente junto ao sindicato. A fala de um temática, na tentativa de traduzir o discurso e ex-
dos sujeitos corrobora a imagem desse professor: por o desenho esboçado nesses três modos de do-
“temos alguns poucos professores que são po- cência. Busca-se enlaçar o professor pesquisador,
litizados, parece que acreditam na organização, o professor que luta e o professor afetivo numa
eles falam da necessidade da luta pelos seus formação borromeana, posto que não se pode fa-
direitos”. (sujeito i). Afirmam que estes são pou- zer dos sujeitos UM. É possível afirmar que a do-
cos, mas que são admirados e odiados pela classe cência na contemporaneidade esteja na busca de
e por uma parcela significativa de professores. processos constitutivos, escape da repetição e en-
Falam que tomaram conhecimento das greves e contre a criação, e que a fala dos sujeitos respon-
dos prejuízos que estas causam à universidade e deu, em certa medida, ao fazer do professor sobre
adiantam que, nos últimos semestres, observa-se o afeto, na busca de identificar os elos que consti-
um certo silêncio nas lutas e organizações docen- tuem o processo de aprender, o qual está sustenta-
tes. Os sujeitos afirmam que o professor deve res- do pelas categorias acima descritas.
gatar a luta com vistas a ser mais valorizado Uma pergunta emerge: ser professor pesquisa-
profissionalmente. dor, que luta e que é afetivo podem ser os elos fun-
Professor afetivo. É o professor que ensina dantes do processo de aprender? Parece que o afe-
por prazer e desejo de ensinar, trabalha as rela- tivo mostra-se frágil na medida em que o construto
ções na sala de aula, na medida em que se dedica afeto é visto pelos sujeitos como algo que está ape-
à profissão docente. Os sujeitos revelam o quanto nas no campo do prazer. As minhas (in)conclusões
o afeto é estruturante para si mesmo, o outro e me fazem afirmar que o debate não está suspenso,
para o processo de aprender. A fala dos sujeitos há arquivos a serem desvelados no amálgama dos
expressa a importância do aspecto afetivo no pro- afetos, vez que me constituo no lugar do sujeito ($)12 .
cesso ensino-aprendizagem, e eles entendem ser Confesso que gostaria de continuar escrevendo so-
possível, pela via do afeto, minimizar o nível de in- bre esse estudo, uma vez que o escrever necessita
disciplina e violência na escola. As falas dos sujei- sempre recomeçar. No entanto, por meio dessa bem
tos são reveladoras de como percebem o afeto: traçada linha, preciso ainda dizer ao leitor: os elos
“as professoras x, y e z são bem diferentes das desse nó borromeu (RSI), no qual a docência está
demais. São educadas, meigas, pacientes e a representada, não são iguais, se diferenciam no dito,
gente vê prazer naquilo que fazem.” (sujeito f). no dizer, no tempo, na produção, na pesquisa e no
“Os professores afetuosos contribuem para modo singular que cada um ocupa nos entremeios
melhorar a indisciplina e a violência.” (sujeito da sala de aula, seja no quadro de giz, no quadro
j). É possível pensar que o afeto expresso nestas branco, no power-point, no pen-drive, no texto,
falas esteja representado apenas pela concepção nas referências. Estabelece-se assim, na classe, um
do senso comum, em que este é visto pelo campo deslocamento desse docente entre esses objetos
do bem-me-quer. identificados e, dessa percussão metodológica, pode
Diante dessas falas, alguns elementos da Aná- emergir em ato uma sinfonia e, nesse momento, pro-
lise do Discurso foram convidados para desvelar o fessor e aluno dançam na (com)temporaneidade,
dito e o dizer, o conteúdo manifesto e o latente, o num ritmo subjetivado e tecnológico, até que a fala,
que se encontra oculto, não aparente, escondido a escuta, o silêncio e o grito possam fazer eco.
nas entranhas do não-dito. “Assim, para referir sem
equivoco o objeto da AD, preferimos, sempre que 12
Para Lacan, sujeito ($) é o sujeito da falta, clivado, dividido,
parecer útil, recorrer ao conceito de formação dis- sujeito do desejo, um efeito da imersão da cria humana na lin-
cursiva” (MAINGUENEAU, 1997, p.22). guagem (CHEMAMA, 1995, p.361).

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 81-88, jul./dez. 2008 87
O real, o simbólico e o imaginário da docência na contemporaneidade

REFERÊNCIAS

CAPINAM, José Carlos. Inquisitorial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1995.


CHEMAMA, R. Dicionário de psicanálise. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
FREUD, S. Obras completas.. Rio de Janeiro: Imago, 1976. 1 CD ROM
KUPFER, M. C. Freud e a educação: o mestre do impossível. São Paulo: Scipione, 2000.
_____. Educação para o futuro: psicanálise e educação. São Paulo: Escuta, 2007.
_____. Relação professor-aluno: uma leitura psicanalítica. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Psicologia, Uni-
versidade de São Paulo. São Paulo: 1982.
LAFONT, G. J. A topologia de Jacques Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
LACAN, Jacques. O seminário 8: a transferência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
_____. Mais ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1965. (Livro 20)
_____. Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. Rio de Janeiro: Perspectiva, 1964.
_____. O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1958.
MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. Campinas: Pontes, 1997.
ORNELLAS, M.L.S. Afetos manifestos na sala de aula. São Paulo: Annablume, 2005.
PEREIRA, M.F.M. Disponível em: www.mosaicosfatimablogspot.com. Acesso: em 23 jun. 2008.
ROUDINESCO, Elisabeth; PLON, Michel. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

Recebido em 30.05.06
Aprovado em 28.98.08

88 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 81-88, jul./dez. 2008
Umberto de Andrade Pinto

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA CONTEMPORÂNEA

Umberto de Andrade Pinto *

RESUMO

O artigo analisa os desafios da escola pública na sociedade brasileira contemporânea.


Parte do entendimento de que os estudos sobre a formação docente só fazem sentido
se estiverem articulados com a complexidade da escola, no que se refere ao
atendimento qualitativo das aprendizagens de seus alunos. Para tanto, analisa os
marcos históricos que sustentam o processo de universalização tardia do Ensino
Fundamental no país. Discute o papel da escola na sociedade do não-emprego,
problematizando a visão liberal que a entende como mecanismo de ascensão social.
Destaca a contribuição escolar no confronto e na convivência com a diversidade
humana, no que se refere à religiosidade, sexualidade, origem étnico-racial, social,
cultural, e gênero. Defende a escola do conhecimento frente à sociedade da
informação e do esgarçamento das condições humanas. Conclui com o entendimento
da escola como espaço de desenvolvimento do pensamento racional e reflexivo de
seus atores, e que, para tanto, os processos formativos docentes devem estar em
acordo com a mesma concepção de educação que os sustentam
Palavras-chave: Formação docente – Escola pública – Escola contemporânea

ABSTRACT

CHALLENGES FACING CONTEMPORARY PUBLIC SCHOOL IN


BRAZIL
This article is about the way teacher’s formation is conducted as it has to take into
account the challenges facing state schools in contemporary Brazilian society. Its
starting point is the understanding that teacher’s formation only makes sense when it
is connected with the school as a whole and aims at improving students’ learning. In
order to do so, it analyses the historical context that produced the belated process that
ensured schooling for all. It discusses school role in a society that ensures jobs for
only a few and the problems it poses for the liberal concept which maintains that
schooling guarantees social climbing and it points out school contribution to coping
with human diversity. It defends a type of school that guarantees knowledge amid a
society that gives priority to information. It concludes with the understanding that
school is where rational and reflexive thinking is undertaken and thus teacher’s
formation processes must be in accordance with the concept of education that give
support to that rationale.
Keywords: Teacher’s training – State school – Contemporary school

* Doutor em Educação. Professor Adjunto de Didática na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP - campus Guarulhos).
Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Formação de Educadores (GEPEFE - FEUSP). Endereço para correspon-
dência: Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) - Campus Guarulhos, Estrada do Caminho Velho, 333 - Bairro dos
Pimentas – 07252-312 Guarulhos/SP. E-mail: uapinto@gmail.com / uapinto@unifesp.br

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 89-103, jul./dez. 2008 89
Os desafios da escola pública contemporânea

Os desafios da escola pública em toda sua ção dos súditos em cidadãos. Assim, a escolari-
complexidade estão diretamente relacionados zação passa a ter um papel fundamental para a
àqueles que os professores enfrentam atualmen- construção de uma sociedade aberta em contra-
te no cotidiano da atividade docente. Desse modo, posição à sociedade cristalizada e fechada do
o debate sobre as prioridades e os desafios no modo de produção feudal.
campo da formação de professores justifica-se, A compreensão de ser humano, a partir da idéia
fundamentalmente, na busca dos encaminhamen- de natureza humana, sobrepõe-se ao entendimen-
tos possíveis para uma aprendizagem qualitativa to do homem como expressão singular de uma
dos alunos da Educação Básica. Por outro lado, o essência humana divina pré-determinada e inau-
que se entende por um ensino de qualidade impli- gura o entendimento de humano como sendo cons-
ca em compreender o significado social da esco- tituído a partir de sua própria individualidade.
larização na formação das crianças e dos jovens Segundo Saviani (1983), é a partir dessa nova
brasileiros. Essa compreensão passa pelo enten- compreensão de ser humano, elaborada pelos pen-
dimento da escola em suas determinações histó- sadores modernos, já como expressão de ascen-
ricas – como instituição estatal –, interpeladas a são e consolidação da hegemonia burguesa, que
todo o tempo pelas demandas e reivindicações os sistemas públicos de ensino serão implantados
sociais em contextos históricos específicos. Em com as características de laicidade, obrigatorie-
última instância, o significado que a escola assu- dade e gratuidade.
me perante a sociedade deve atender aos ansei- Schmied-Kowarzik (1988) recorre a Marx
os dos alunos e responsáveis, mediatizados pela para explicar que, na medida em que o modo de
interferência de seus educadores como profissio- produção capitalista revoluciona pela base o pro-
nais do ensino. cesso de produção, alcançando força individual
O objetivo deste estudo é problematizar e ana- de trabalho em sua base, “desfigura o trabalha-
lisar o papel da escola contemporânea na socieda- dor numa monstruosidade, ao estimular sua ha-
de brasileira. A intenção é que esta análise bilidade específica à maneira de uma estufa,
contribua com a prática reflexiva dos docentes em- subjugando um mundo de aptidões e inclinações
penhados no atendimento qualitativo das aprendi- produtivas” (p.46). Isso começa com a esterili-
zagens dos alunos da educação básica. Desse zação intelectual dos jovens e ainda, segundo
modo, espera-se contribuir com a elaboração das Marx, “para impedir esta total desfiguração das
propostas de formação de professores, assim como massas populares gerada pela divisão do traba-
subsidiar seus próprios processos formativos. lho (na produção capitalista), Adam Smith reco-
menda o ensino público, a partir do Estado”
A escola e os sistemas públicos de (p.46). Conseqüentemente, seria introduzido o
ensino ensino público nas nações industrializadas, de
modo a representar “... o produto de um proces-
O modelo de escola predominante na contem- so de socialização natural que, pressionado pela
poraneidade brasileira tem sua gênese identitária reprodução das condições existentes, serve mais
nas escolas que constituíram, a partir do século e mais à qualificação de forças de trabalho, em
XIX, os sistemas públicos de ensino na Europa. A vez de gerar indivíduos com uma formação uni-
implantação das redes de ensino público é uma versal como portadores autônomos da práxis
decorrência histórica da consolidação do capita- social.” (p.46)
lismo industrial. De um lado, o desenvolvimento Entretanto, em que pese a perspectiva progres-
das forças produtivas demandava trabalhadores sista da universalização do ensino básico, reivindi-
com um mínimo de preparo intelectual e social cada pela burguesia como classe revolucionária e
para ocuparem as diferentes funções nos centros a perspectiva conservadora que assume posterior-
produtivos. Por outro lado, o ideário moderno de mente já como expressão da hegemonia burguesa,
construção de uma outra ordem social implicava a defesa do ensino público é também reivindicada
na formação de um novo homem – a transforma- e ressignificada historicamente pela classe traba-

90 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 89-103, jul./dez. 2008
Umberto de Andrade Pinto

lhadora. Aos trabalhadores, a escola é necessária portar para as escolas os mecanismos de objetiva-
como possibilidade de acesso aos saberes científi- ção do trabalho vigente nas fábricas.
cos sistematizados, valorizados socialmente e utili- Um segundo período de expansão do Ensino
zados como mecanismo de poder pelos grupos Fundamental no Brasil ocorre a partir do final da
dominantes. década de 1980 com as reformas neoliberais. Sob
A manifestação da luta de classes na atualida- a inspiração do toyotismo, essas reformas bus-
de, sob a chamada sociedade do conhecimento, cam flexibilizar e diversificar a organização das
mais do que nunca é disputada no âmbito do aces- escolas e do trabalho pedagógico (SAVIANI,
so a esses diferentes saberes, colocando as desi- 2002). De todo modo, em qualquer um dos dife-
gualdades no terreno da inteligência e da cultura: rentes momentos políticos da história recente do
“as lutas sociais nas sociedades avançadas são país (período militar e advento da Nova Repúbli-
vencidas ou perdidas, em grande parte, no terreno ca com os governos neoliberais) em que a uni-
do simbólico, segundo a capacidade que tenham versalização do Ensino Fundamental vem-se
os significados divulgados para remodelar ou im- efetivando, ela ocorre acompanhada por uma sé-
plantar o novo senso comum.” (SACRISTÁN, rie de precariedades decorrentes, em sua maio-
1999, p.13). ria, pela falta de investimento financeiro suficiente
Daí, em sociedades de desiguais em termos na área. O fato é que nunca tivemos no Brasil um
sócio-econômico-político, os projetos educacionais governo com determinação política de promover
serem diferenciados de acordo com os grupos so- uma revolução educacional com investimento
ciais que os defendem. maciço no sistema de ensino.
As verbas destinadas à Educação, mesmo apa-
A universalização do Ensino Funda- rentando ser razoáveis – quando comparadas com
mental no Brasil as de outros países – na verdade são insuficientes
devido ao déficit histórico que temos acumulado
O início de uma expansão efetiva do Ensino na área. Como argumenta Saviani (2003), no nos-
Fundamental no Brasil ocorre a partir da última so caso não basta investir somente na manutenção
década de setenta. Somente agora, no início do de escolas como em outros países que já implanta-
século XXI, estamos atingindo a universalização ram o sistema de ensino há um século ou mais. No
do acesso a esse ramo de ensino obrigatório por Brasil, ainda é necessário investir maciçamente na
lei. Entretanto, a expansão da rede escolar, nestas implantação e manutenção do sistema.
últimas décadas, vem acompanhada de uma ex- Dessa forma, a universalização já tardia do
trema pauperização do ensino oferecido, compro- Ensino Fundamental no país ocorre acompanhada
vada tanto pelas avaliações do Ministério da de uma negação intransigente do pedagógico. As
Educação quanto pelas provas aplicadas por orga- condições mínimas para que crianças e jovens bra-
nizações internacionais. sileiros tenham uma aprendizagem escolar efetiva
Segundo Saviani (2003), o atraso na implanta- são reiteradamente negadas. Os professores são
ção de um sistema de ensino nacional gera “um submetidos a uma jornada de trabalho exaustiva,
déficit histórico imenso e secular, de tal modo que sem as mínimas condições necessárias para a con-
o Brasil ainda é um dos países com os maiores dução do ensino.
índices de analfabetismo” (p.111), enquanto a mai- Para o aumento de vagas ocorrer sem investi-
oria dos países da Europa e alguns da América mento condizente, as salas de aulas foram sempre
Latina (Argentina, Uruguai, Chile) universalizaram superlotadas, em prédios imensos, que inviabilizam
a escola básica já no início do século XX. a interação pessoal necessária para a mediação
No que se refere à concepção de educação, a do professor na aprendizagem dos alunos. A ação
expansão do ensino no país veio marcada pela vi- docente, nessas condições, acontece de maneira
são tecnicista, organizando o ensino brasileiro no automatizada e repetitiva, numa interação exclusi-
período da ditadura militar de acordo com os dita- vamente com o coletivo dos alunos. Estes, por sua
mes do taylorismo-fordismo, que buscava trans- vez, são identificados pelo número de chamada e

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Os desafios da escola pública contemporânea

uniformizados desde as roupas1 até as respostas afeta a habilidade para a sua realização e o conta-
que devem dar nos instrumentos de avaliação. to com os alunos/pais, bem como com a organiza-
ção de suas atividades em geral.
Os professores Os estudiosos de burnout destacam que cada
um desses componentes deve ser analisado sepa-
No que se refere à atuação dos professores, radamente como uma variável contínua com ní-
nas condições em que aconteceu a expansão do veis alto, moderado e baixo. Por outro lado, atribuem
sistema escolar brasileiro, ilustra bem a situação ao ambiente de trabalho os motivos que desenca-
deles os resultados de uma pesquisa desenvolvi- deiam esse tipo de sofrimento mental:
da pelo Laboratório de Psicologia do Trabalho da
Muitas pesquisas na área apontam problemas de
UnB em parceria com a Confederação Nacional disciplina na escola como um dos fatores causado-
dos Trabalhadores em Educação (CODO, 2000). res de burnout. Violência, falta de segurança, uma
Trata-se de um estudo exaustivo sobre a saúde administração insensível aos problemas do profes-
mental dos professores no Brasil, que identificou sor, burocracia que entrava o processo de trabalho,
48% deles sofrendo com algum sintoma de bur- pais omissos, transferências involuntárias, críticas
nout, que pode ser entendido como uma síndro- da opinião pública, classes superlotadas, falta de
me da desistência de quem ainda está lá, já desistiu autonomia, salários inadequados, falta de perspec-
do trabalho, mas ainda permanece no emprego. tivas de ascensão na carreira, isolamento em relação
Sem desconsiderar os professores que, apesar das a outros adultos ou falta de uma rede social de apoio,
condições adversas nas escolas públicas, ainda além de um preparo inadequado, são fatores que
têm se apresentado associados ao burnout. (CODO,
desenvolvem um trabalho qualitativo, a pesquisa
2000, p.243).
coloca em foco aqueles que, ao adquirirem essa
síndrome pelas próprias condições do trabalho, Como podemos observar, a maioria desses fa-
realimentam contraditoriamente a própria inefici- tores estão relacionados às condições em que
ência da escola pública: ocorreu a universalização do Ensino Fundamen-
tal no país, conforme analisamos anteriormente.
Já se viu que o professor faz muito mais do que as
condições de trabalho permitem; já se viu que com- Os demais fatores relacionam-se às condições de
parece no tecido social compondo o futuro de mi- vida das famílias dos alunos. De qualquer modo,
lhares e milhares de jovens que antes dele sequer o que é importante destacar e reforçar com os
poderiam sonhar. Mas existe um outro professor dados dessa pesquisa é a situação perplexa em
habitando nossas lembranças: um homem, uma mu- que os professores estão submetidos atualmente
lher cansados, abatidos, sem mais vontade de ensi- na realidade educacional brasileira: ao mesmo
nar, um professor que desistiu. O que nos interessa tempo em que são colocados no centro dos dis-
aqui são estes professores que desistiram, entraram cursos das reformas educativas – assim como
em burnout. (CODO, 2000, p.237). apontados pelos pesquisadores da área como ato-
A síndrome é entendida como um conceito res fundamentais na melhoria da qualidade do
multidimensional que envolve três componentes: ensino público –, são confrontados no cotidiano
a) exaustão emocional: os professores perce- escolar, com condições de trabalho e uma reali-
bem que não podem mais dar de si mesmo em ter- dade de vida hostil dos seus alunos que dificul-
mos afetivos. Percebem esgotados a energia e os tam, senão os impedem, de assumir esse
recursos emocionais próprios devido ao contato protagonismo na mudança do ensino.
diário com os problemas;
b) despersonalização: desenvolvem sentimen-
tos e atitudes negativas e de cinismo em relação 1
A esse respeito, consultar Albuquerque (2004). A partir das
aos alunos. Há um endurecimento afetivo, uma contribuições de Foucault, Geertz e Todorov, a autora analisa a
coisificação da relação; utilização dos uniformes escolares e dos números de chamada
como técnicas de despersonificação dos alunos, objetivando li-
c) falta de envolvimento pessoal no trabalho: dar com uma grande quantidade deles, à semelhança da discipli-
trata-se de uma evolução negativa no trabalho, que na nos campos de concentração e extermínio.

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Umberto de Andrade Pinto

A escolarização e o mundo do trabalho meio das artes, das ciências, da filosofia e do des-
frute do tempo livre, isso não ocorre, porque:
Com o desenvolvimento das forças produtivas,
... de premissa objetiva para a libertação geral da
os processos educativos se complexificam cada vez humanidade do jugo das necessidades materiais, o
mais. Em uma sociedade organizada em torno do avanço tecnológico converte-se, sob as relações
modo de produção primitivo, a educação ocorre de sociais de produção capitalista, em instrumento de
modo difuso e espontâneo, de geração para gera- maximização da exploração da força de trabalho,
ção, sem a necessidade de escolas. À medida que ampliando a marginalização social através do cres-
as forças produtivas se desenvolvem, atendendo e cente desemprego mantido sob controle. (p.21)
contemplando de modo diferenciado as necessida-
Assim, sob a base de produção toyotista, as
des das diferentes classes sociais, a produção do
reformas educativas neoliberais buscam flexibili-
conhecimento vai-se sofisticando e vão-se tornan-
zar e diversificar a organização das escolas e o
do mais complexos os processos educativos.
trabalho pedagógico: “... no âmbito da pedagogia
Ao longo do século XX, o sistema capitalista
toyotista, as capacidades mudam e são chamadas
sustentou o processo produtivo e a organização do
de ‘competências’. Ao invés de habilidades psico-
trabalho, predominantemente, sob a égide do taylo-
físicas, fala-se em desenvolvimento de competên-
rismo-fordismo: “Assim a escola, fruto da prática
cias cognitivas complexas, mas sempre com o
fragmentada, expressa e reproduz esta fragmen-
objetivo de atender às exigências do processo de
tação, através de seus conteúdos, métodos e for-
valorização do capital.” (KUENZER, 2002a, p.80)
mas de organização e gestão” (KUENZER, 2002,
Conforme Pimenta (2002), embora o discurso
p.79). Embora sob a influência de diferentes con-
freqüente seja o de que a escola precisa preparar
cepções pedagógicas (escola tradicional, nova e
os jovens para o mundo do trabalho, que exige de-
tecnicista) que alimentaram e foram alimentadas
les as competências de criar, pensar, propor solu-
pela base taylorista-fordista, a escola privilegiava
ções, conviver em equipes, todas essas competên-
ora a racionalidade formal, ora a racionalidade téc-
cias são exigidas do ‘novo’ trabalhador, com o
nica, sempre se fundamentando no rompimento
objetivo de “pensar soluções para maior produtivi-
entre pensamento e ação. Desse modo, atendia “às
dade, que gerem maior lucratividade. Não está
demandas de educação de trabalhadores e dirigen-
colocado em pauta o desenvolvimento da capaci-
tes a partir de uma clara definição de fronteiras
dade de pensar soluções para uma melhor distri-
entre as ações intelectuais e instrumentais” (p.83).
buição do que se gera com o lucro” (p.27).
O mundo da produção, organizado em unidades
Há de se considerar, ainda, que essa mudança
fabris, concentrava grande número de trabalhado-
no processo produtivo é uma tendência na área
res distribuídos em uma estrutura verticalizada e
industrial que convive com o modelo taylorista-for-
rigorosamente hierarquizada, com tecnologia está-
dista, principalmente em países periféricos do ca-
vel e processos de base eletromecânica rigidamente
pitalismo. De acordo com Sacristán e Pérez Gómez
organizados, que não abriam espaços significati-
(1998), nessas sociedades contemporâneas, a es-
vos para mudanças, participação ou criatividade
cola enfrenta um processo de socialização com
para a maioria dos trabalhadores.
demandas diferenciadas e contraditórias na pró-
A partir da década de 1990, no Brasil, tem iní-
pria esfera de ocupação econômica.
cio o impacto da substituição dessa base tayloris-
ta-fordista pelo toyotismo: “Diferentemente da A escola homogênea em sua estrutura, em seus pro-
primeira revolução industrial, que operou a trans- pósitos e em sua forma de funcionar dificilmente
ferência das funções manuais para as máquinas, pode provocar o desenvolvimento de idéias, atitu-
des e pautas de comportamento tão diferenciadas
essa nova revolução transfere para as máquinas
para satisfazer as exigências do mundo do trabalho
as próprias operações intelectuais” (SAVIANI,
assalariado e burocrático (disciplina, submissão,
2002, p.21). Contudo, segundo Saviani, o fato de a padronização) ao mesmo tempo que as exigências
produção tornar-se autônoma, o que permitiria li- do âmbito do trabalho autônomo (iniciativa, risco,
berar o ser humano para o cultivo do espírito por diferenciação). (p.20)

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Os desafios da escola pública contemporânea

Com todas essas mudanças em curso, constata- A escola como mecanismo de ascen-
mos que os desafios postos para a educação, do são social
ponto de vista dos trabalhadores, são enormes. Por
outro lado, a evolução tecnológica dificulta, cada vez Até o final dos anos de 1970, era predominante
mais, a visibilidade da produção dos bens materiais no meio educacional a compreensão de que a as-
que circulam no nosso cotidiano. Do início da cria- censão social do trabalhador estava atrelada aos
ção de um simples produto até a sua conclusão, ocor- seus níveis de escolarização. A partir dos anos de
re um complexo processo que envolve uma rede 1980, sob o impacto das teorias críticas em educa-
emaranhada de conhecimentos, matérias-primas e ção, essa concepção é duramente atacada, pois,
trabalhadores envolvidos. Se a criança ou o jovem de cunho liberal, depositava no indivíduo toda a
de uma comunidade tradicional acompanha e apre- responsabilidade pela sua mobilidade social a par-
ende todo o processo de produção de um simples tir de seu desempenho escolar. Entretanto, o en-
utensílio doméstico, as crianças e os jovens das so- tendimento da escola como mecanismo de ascensão
ciedades sob o modo de produção capitalista avan- social freqüentou e ainda freqüenta o ambiente
çado, além de não acompanhar nem apreender a escolar, compondo o ideário de alunos, pais e pro-
produção dos objetos que as rodeiam no dia-a-dia, fessores. Para que estudar? Para que ir à escola?
não os identificam como produto do trabalho huma- A primeira resposta que sempre aparece é ‘para
no materializado por todo conhecimento envolvido ter um emprego melhor’. Em que pese os dados
ao longo de sua cadeia produtiva. E o entendimento de que o salário médio do brasileiro com curso su-
desse processo é importante, principalmente no caso perior ser muito maior que o daqueles com apenas
de uma sociedade de periferia do sistema capitalis- o Ensino Fundamental, esses dados só confirmam
ta – como é o caso do Brasil –, pois está relaciona- o quanto a distribuição de renda no país reflete as
do, em outra escala, à independência tecnológica desigualdades educacionais. Nesse sentido, o que
nacional. O domínio desse processo implica tam- podemos concluir é que a escola sozinha não con-
bém, do ponto de vista dos trabalhadores, uma pos- segue produzir a igualdade quando a sociedade é
sibilidade de superar a alienação a que são submetidos organizada estruturalmente de modo desigual, ge-
no plano material e ideológico. rando necessariamente exclusão e injustiça social.
A reorganização do sistema capitalista em cur- O máximo que hoje a escola pode prometer não é o
so coloca, ainda, outros desafios aos educadores. emprego, e sim um mínimo de empregabilidade na
Os processos educativos progressistas2 têm a vida dos desempregados (...). Os setores populares
grande tarefa de analisar as relações de poder e estão percebendo esse estado de coisas. De alguma
de exploração do capital em organizações sociais forma, o que está desconstruindo essa crença na
que distanciam espacialmente, cada vez mais, as escola como mudança de vida é a própria socieda-
instituições empregadoras dos trabalhadores, difi- de, a própria realidade social (...). E é a própria esco-
cultando-os em compreender as relações de domi- la que continua falando isto para os alunos: ‘Se você
nação do capital sobre o trabalho. não estudar, não vai ser nada na vida!’. (ARROYO,
2003, p.131).
Diante desses desafios postos aos educadores,
Pimenta (2002, p.27) coloca em pauta as finalida- No meu entendimento, essa é uma das grandes
des do pensar e do criar: “A questão da relação questões que os educadores precisam enfrentar.
entre escola e trabalho (...) coloca vários proble- Ressignificar junto à comunidade escolar o papel
mas. Essa terminologia que incorpora a capacida- da Educação Básica para além desse mínimo de
de do pensar criativo, de repente, identifica-se com empregabilidade que ela possa oferecer aos de-
aquela que apontava, como objetivos da escola, a
2
formação de alunos críticos e pensantes, capazes A expressão progressista é aqui utilizada de acordo com o
sentido empregado por Snyders (1974) no livro Pedagogia
de propor alternativas.” Progressista: trata-se do entendimento das questões educacio-
É nessa perspectiva que atualmente a escola nais a partir do pensamento socialista. Refere-se aos processos
educativos comprometidos com a democratização quantitativa
se faz necessária e, mais do que nunca, de extre- e qualitativa do ensino público articulado aos interesses das
ma qualidade. classes trabalhadoras.

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Umberto de Andrade Pinto

sempregados. Posicionar a Educação Básica como ver todos esses assuntos na proposta difusa dos
espaço de formação do ser humano. Paradoxal- temas transversais. Eles devem ser tratados como
mente, entendo que o trabalho deva ser tema cen- temas fundamentais e abordados sistematicamen-
tral no currículo escolar das sociedades do te no currículo escolar. A escola imersa na tensão
não-emprego, à medida que constitui um dos ele- dialética entre reprodução e mudança deve:
mentos fundantes da condição humana. Desse ... utilizar o conhecimento, também social e histori-
modo, na escola, deve-se aprender pelo trabalho e camente construído e condicionado, como ferramen-
não somente para o trabalho. Quanto ao não-em- ta de análise para compreender, para além das
prego, a escola é justamente um local privilegiado aparências superficiais do status quo real – assumi-
para problematizar esse tipo de organização soci- do como natural pela ideologia dominante –, o ver-
al: compreender sua lógica de funcionamento, ana- dadeiro sentido das influências de socialização e os
lisá-la e criticá-la. mecanismos explícitos ou disfarçados que se utili-
zam para sua interiorização pelas novas gerações.
A escola como espaço de confronto e (SACRISTÁN; PÉREZ GÓMEZ, 1998, p.22).
convivência da diversidade humana Sacristán e Pérez Gómez (1998) destacam a
evidência de que no mundo das relações sociais,
Uma função essencial que a educação escolar marcado pela presença dos meios de comunicações,
deve incorporar na atualidade é submeter à crítica a transmissão de informações, valores e concep-
intelectual os elementos constituintes das diferen- ções ideológicas “cumprem uma função mais próxi-
tes formações culturais. Para tanto, deve analisar ma da reprodução da cultura dominante do que da
inicialmente a cultura imediata de seus alunos, pro- reelaboração crítica e reflexiva da mesma” (p.25).
blematizando seus valores, explicitando a historici- Consideram ingenuidade esperar que as organiza-
dade desses valores e, posteriormente, comparan- ções políticas, sindicais, religiosas ou o âmbito da
do-os com os de outras culturas. empresa, mercado e propaganda estejam interessa-
A sala de aula é um espaço privilegiado de con- dos em oferecer as chaves significativas para um
fronto e convivência entre os diferentes valores debate aberto e racional. Nesse aspecto, concordo
que constituem as diferentes formações culturais com os autores quando afirmam que essas próprias
e o entendimento desses valores deve ser exami- organizações, ao comporem com os meios de co-
nado na história específica de cada formação cul- municações o mundo das relações sociais, podem
tural. Para tanto, esse exame deve ser desenvolvido contribuir mais com a reprodução da cultura domi-
com a contribuição dos estudos produzidos no cam- nante do que com a sua superação. Entretanto, no
po da História, Geografia, Filosofia, Antropologia. Brasil, temos conhecimento de muitas organizações
Ou seja, o currículo da Educação Básica deve in- que desenvolvem um trabalho progressista como
corporar em suas disciplinas esses estudos produ- instâncias educativas. Ilustra bem essa situação a
zidos nas universidades, nos diferentes campos diversificação do trabalho realizado (educação não
científicos. formal), nas duas últimas décadas, pelas Organiza-
Do mesmo modo, a exclusão dos diferentes ções Não Governamentais (ONGs).
segmentos sociais discriminados socialmente deve O pesquisador português Rui Canário (2003,
ser abordada com conteúdos acadêmicos que fa- p.16) destaca as aprendizagens que ocorrem fora
voreçam a integração e a análise da realidade que da escola da seguinte maneira:
os exclui. Ou seja, do mesmo modo que para os
... é necessário pensar a escola a partir do não-esco-
excluídos economicamente é importante o estudo
lar. A experiência mostra que a escola é muito dificil-
das relações entre o capital e o trabalho, aos ex- mente modificável a partir de sua própria lógica. A
cluídos por condição étnica, de gênero ou física, é maior parte das aprendizagens significativas reali-
necessário o estudo do conhecimento científico zam-se fora da escola, de modo informal, e será fe-
produzido nas respectivas áreas, que contribua na cundo que a escola possa ser contaminada por essas
identificação e análise das práticas sociais racis- práticas educativas que, hoje, nos aparecem como
tas, sexistas, homofóbicas... Não basta desenvol- portadoras de futuro.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 89-103, jul./dez. 2008 95
Os desafios da escola pública contemporânea

Assim, parece-me profícuo que os profissionais des condicionadas, assim como as pautas de con-
do ensino estejam atentos e acompanhem essas duta, induzidas pelo marco de seus intercâmbios e
práticas educativas informais e não formais3 das relações sociais.
quais seus alunos participam.
Em nosso país, muitas organizações vinculadas
a algumas igrejas desenvolvem um trabalho edu- O princípio da laicidade do ensino e a
cativo marcado por princípios de solidariedade hu- diversidade religiosa
mana e cultivo da paz. Outras contribuem com a
Na perspectiva descrita anteriormente, temos
inclusão social de portadores de necessidades es-
de enfrentar ou aprofundar o debate sobre a laici-
pecíficas, moradores de rua etc. O problema é que,
dade do ensino público. Como sabemos, a defesa
via de regra, desenvolvem um trabalho educativo
do ensino laico surge no contexto histórico de cons-
segmentado. Ao atenderem demandas específicas,
tituição dos sistemas públicos de ensino, em con-
comumente contradizem-se em relação à aceita-
traposição àquele oferecido pelas escolas de então,
ção e à inclusão social da infinita diversidade hu-
sempre vinculado a princípios religiosos. Assim, à
mana. Podemos exemplificar essa problemática
medida que as instituições escolares foram firman-
com o caso de muitas ONGs que, voltadas às po-
do-se na contemporaneidade em torno do conhe-
pulações de afro-descendentes, tratam da condi-
cimento objetivo, foram, ao mesmo tempo,
ção do negro, mas desconsideram a questão de
refutando outras formas de conhecimento.
gênero. Por outro lado, temos organizações femi-
A partir do século XX, esse entendimento de
nistas desenvolvendo trabalho educativo que de-
laicidade é fortalecido pelo pensamento positivista,
nuncia práticas sexistas, mas ignoram a questão
tornando os sistemas públicos de ensino presas
de classe social e a condição étnica. Outras orga-
fáceis do cientificismo. Em que pese a conquista
nizações, ainda, prestam imensa contribuição ao
histórica do ensino público ficar desvinculado dos
desenvolverem o princípio de solidariedade huma-
interesses ideológico-religiosos, o que ocorreu foi
na, no que se refere ao atendimento de carências
a escola tornar-se um lugar em que não se pode
materiais dos enormes contingentes populacionais
oficialmente falar em religião. Ou seja, o ditado
do país, mas, por outro lado, alimentam e difundem
popular que diz que ‘política, religião e futebol não
muitas vezes a homofobia, o racismo, o sexismo.
se discute’ adentrou-se pelas escolas, tornando-as
É nesse sentido que a escola se sobressai como
instituições públicas assépticas a temas controver-
instituição educacional. Ela tem a possibilidade de
sos. Entretanto, se hoje no país é premente o estu-
contribuir com uma prática educativa reflexiva so-
do da história das populações afro-descendentes,
bre as demandas sociais específicas, propiciando
por exemplo, é necessário discutir religiões de ori-
um tratamento curricular que favorece a reflexão
gem africana. Combater o preconceito racial em
numa perspectiva de totalidade. Entendo que
nosso país passa necessariamente pelo combate à
somente a escola – como instituição social de res-
discriminação social da umbanda e do candomblé.
ponsabilidade estatal e sob o poder comunitário –
Por outro lado, o princípio oficial de laicidade
possa cumprir essa função.
do ensino público convive no cotidiano das escolas
Volto a concordar com Sacristán e Pérez Gó-
com as idéias religiosas trazidas tanto pelos alunos
mez (1998, p.25) que, para a escola desenvolver
quanto pelos professores. A professora Nilda Al-
esse complexo e conflitante objetivo, deve apoiar-
ves (2003), que orienta pesquisas que buscam com-
se na lógica da diversidade, começando por
preender o conhecimento tecido nas ações
... diagnosticar as pré-concepções e interesses com cotidianas de docentes com seus alunos, a partir
que os indivíduos e os grupos de alunos/as inter- da base teórico-epistemológica das redes de co-
pretam a realidade e decidem sua prática. Ao mesmo nhecimento, ilustra bem essa questão:
tempo, deve oferecer o conhecimento público como
ferramenta inestimável de análise para facilitar que
cada aluno/a questione, compare e reconstrua suas 3
Para diferenciação dos conceitos de educação formal, infor-
pré-concepções vulgares, seus interesses e atitu- mal e não formal, consultar Libâneo (1999).

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Nos contatos que mantemos com as professoras, ças ou de negação delas, mas como uma forma
vamos sabendo de um outro tipo de idéia que está especial, aberta, tolerante e reflexiva, de ter as
trazendo mudanças para dentro da escola, princi- crenças próprias, sejam quais forem. (SAVATER,
palmente entre as professoras de primeira à quarta apud PÉREZ GÓMEZ, 2001, p.55)
série: são aquelas trazidas pelas religiões pentecos-
A escola, no uso sistemático do pensamento
tais. A escola está sofrendo a influência desse tipo
racional, é um local privilegiado para o desenvolvi-
de organização que vem, por exemplo, da Assem-
bléia de Deus e outras igrejas similares. Isso está mento intelectual das crianças, dos jovens ou mes-
entrando de forma muito intensa nesse contexto, mo dos adultos. Porém, para garantir esse
ajudando a comprovar a tese de que a escola não desenvolvimento, é necessário que ela seja tole-
está fechada. Não há proteção nenhuma para a en- rante com outras formas de conhecimento, inclusi-
trada dessas religiões em determinados grupos, seja ve para submeter ao debate público as idéias
via alunos, seja via professoras. (ALVES, 2003, p.89). dogmáticas que são utilizadas em defesa de inte-
É nesse sentido que entendo ser necessário re- resses privados. Ou seja, não adianta a escola vol-
examinar o princípio da laicidade do ensino públi- tar as costas às questões religiosas por conta de
co. Ensino laico não quer dizer necessariamente o seu princípio de laicidade, pois, se essas questões
ensino que considera como verdadeiro e acabado estão presentes no cotidiano dos alunos, estarão
presentes na escola e, assim, devem dialogar com
somente um tipo de conhecimento – o científico.
o conhecimento escolar.
Ensino laico também pode ser compreendido como
Nessa mesma direção, Pérez Gómez (2001,
o ensino que, descomprometido de filiação ideoló-
p.56) destaca a importância de recuperar o debate
gica, submete ao debate público diferentes formas
ideológico nestes tempos de hegemonia do pensa-
de conhecimento, incluindo aí o religioso.
mento neoliberal:
Ainda no caso do Brasil, é necessário o debate
público com o pensamento mítico, que é tão pre- Se a produção ideológica é inevitável e constitutiva
sente em nossa tradição histórica como a cosmo- do ser humano, como a criação de fantasias, mitos
logia nas populações indígenas atuais. ou sonhos, e influi de forma importante na determi-
nação do pensamento, dos sentimentos e das con-
Pérez Gómez (2001) destaca que essas formas
dutas, a atitude racional é provocar conscientemen-
de conhecimento, embora não suportem a análise te a reflexão sobre elas, o contraste, a crítica e a
racional, estão enraizadas na cultura dos grupos reformulação permanente. Os que proclamam, como
humanos que recorrem ao seu refúgio em alguma Fukuyama, o fim das ideologias, não só estão impe-
ocasião, para enfrentar a incerteza e a ansiedade dindo seu tratamento público e racional como que
que o mistério e o desconhecido provocam. “Des- ao mesmo tempo estão convertendo sua própria ide-
considerar essa dimensão tão relevante e difundi- ologia num verdadeiro obstáculo ao desenvolvimen-
da da espécie humana, por não encaixar nos to do conhecimento, pois universalizam, de forma
padrões de análise racional em uso, acredito que irresponsável e dogmática, critérios e interpretações
claramente particulares. (Grifos meus).
deve ser qualificada com toda a propriedade de
atitude irracional.” (p.55) Essa atitude racional é a grande contribuição
Assim, o mito não deve ser considerado peri- que a escola pode oferecer, ao provocar conscien-
goso se não ultrapassa seu território para conver- temente a reflexão sobre as diferentes formas de
ter-se em substituto da razão. Do mesmo modo, conhecimento, sobre os diferentes saberes que os
segundo o autor, as crenças religiosas só podem alunos trazem consigo e as relações que estes es-
ser inadmissíveis se perderem sua consciência de tabelecem com os saberes escolares – o que os
formulação mítica e, esquecendo sua origem cul- aproximam e o que os distanciam.
tural, se converterem em dogmas, impondo-se a
qualquer preço como necessárias e inquestioná- O currículo escolar
veis para o resto dos infiéis. “O desenvolvimento
da razão como abertura requer, a este respeito, a A idéia de laicidade do ensino custou caro à
promoção do laicismo não como um tipo de cren- questão do currículo escolar na contemporaneida-

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Os desafios da escola pública contemporânea

de. Por conta da desvinculação entre o ensino e a O ponto de partida (do ensino) seria a prática soci-
religião – princípio de origem do ensino laico –, o al (1º passo), que é comum a professor e alunos. (...)
entendimento de neutralidade do ensino, no caso O segundo passo (...) chamemos (...) de problemati-
em relação à religiosidade, foi estendido a outras zação. Trata-se de detectar que questões precisam
ser resolvidas no âmbito da prática social e, em con-
dimensões do conhecimento veiculado na escola.
seqüência, que conhecimentos é necessário domi-
Essa idéia foi reforçada posteriormente pelo dis-
nar. O terceiro passo (...) trata-se de se apropriar dos
curso de neutralidade científica presente no pen- instrumentos teóricos e práticos necessários ao
samento positivista. equacionamento dos problemas detectados na prá-
Desse modo, ensino laico foi sendo compreen- tica social (...), apropriação pelas camadas popula-
dido como o ensino descomprometido de qualquer res das ferramentas culturais necessárias à luta
interesse particular. Entretanto, e de modo contrá- social (...) para se libertar das condições de explora-
rio, o currículo escolar é constituído historicamen- ção em que vivem.
te a partir do conhecimento científico produzido por O quarto passo (...) chamemos de (...) catarse, en-
determinados grupos sociais e marcado, portanto, tendida na acepção gramsciana de ‘elaboração su-
por interesses, intenções e condição socioeconô- perior da estrutura em superestrutura na consciência
dos homens’ (...), efetiva incorporação dos instru-
mica e cultural dos grupos que o produzem.
mentos culturais, transformados agora em elemen-
A denúncia desse comprometimento do cur-
tos ativos de transformação social.
rículo escolar com os grupos sociais dominantes O quinto passo (...), o ponto de chegada é a própria
foi alvo de diferentes teorias críticas produzidas prática social. (SAVIANI, 1984, p.73).
e difundidas no Brasil, principalmente a partir
de 1980. Nessa proposta metodológica de ensino, os con-
Uma das teorias mais bem sistematizada e di- teúdos curriculares serão definidos, portanto, a partir
fundida entre nós foi a Pedagogia Histórico-Críti- das demandas da prática social. Serão instrumen-
ca. Trata-se de uma proposta pedagógica, articulada tos teóricos e práticos necessários ao entendimen-
aos interesses populares, produzida nos finais dos to e às intervenções da e na prática social. Assim,
anos setenta e início dos oitenta do século XX por os conteúdos científicos selecionados deverão ser
um grupo de pesquisadores liderados por Derme- submetidos ao debate público em sala de aula, res-
val Saviani4 . Em termos curriculares, busca supe- peitando-se, é claro, as diferentes faixas etárias
rar tanto o conteúdo bancário da escola tradicional, nos diferentes níveis da Educação Básica. A idéia
conforme já havia criticado Paulo Freire5 , quanto é que os alunos sejam capazes de problematizar e
à desvalorização dos conteúdos escolares, decor- interpretar a realidade imediata em que vivem, ar-
rente da difusão das idéias escolanovistas no país. ticulando-a a outras realidades sociais que, mesmo
Por outro lado, supera também a visão crítico-re- distantes geograficamente, se aproximam na con-
produtivista6 que reduz o currículo escolar a um vivência das relações econômicas globalizadas da
instrumento de inculcação ideológica do Estado. atual fase do desenvolvimento capitalista.
A Pedagogia Histórico-Crítica valoriza e res- Nessa perspectiva, os estudos de Michael W.
significa o papel da escola para as camadas popu- Apple ampliam a análise do currículo escolar para
lares. Ela parte do pressuposto de que a apropriação além da determinação econômica de classe social.
crítica dos conhecimentos produzidos historicamen- Apple tem analisado (...) as formas pelas quais o
te pela humanidade é um instrumento importante currículo corporifica fundamentalmente um conhe-
para que as classes populares possam participar, cimento oficial que expressa o ponto de vista de
em melhores condições, das lutas sociais que se grupos socialmente dominantes – em termos de clas-
travam no seio da sociedade capitalista, na pers- se, gênero, raça, nação. (...) A educação, o currículo
pectiva de construção de outra ordem social – mais
4
democrática, justa e fraterna. O detalhamento da Pedagogia Histórico-Crítica pode ser con-
sultado em Saviani (1984; 2003).
No meu entendimento, a proposta metodológi- 5
Sobre o conceito de educação bancária, ver Freire (1978).
ca da Pedagogia Histórico-Crítica é uma de suas 6
Sobre as teorias crítico-reprodutivistas em educação, consul-
grandes contribuições: tar Saviani (1984).

98 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 89-103, jul./dez. 2008
Umberto de Andrade Pinto

e a pedagogia estão envolvidos numa luta em torno to de vista dos índios e dos negros. Como sabe-
de significados. Esses significados freqüentemente mos, esses grupos, junto com os brancos, compõem
expressam o ponto de vista dos grupos dominan- a tríade constituinte da nação brasileira. Entretan-
tes. Com menos freqüência, eles são disputados e to, o currículo escolar continua voltado para o pon-
contestados por pessoas e grupos socialmente su-
to de vista do branco (etnia e gênero) europeu ou
bordinados.
norte-americano (imperialismo entre as nações)7 .
O currículo e o conhecimento nele corporificado –
científico, artístico, social – expressam claramente Assim, diz Silva (2002, p.67): “Colocar a discussão
uma perspectiva masculina. Eles veiculam significa- e o questionamento das relações sociais e históri-
dos que tendem a tornar legítima a presente ordem cas que constroem nossas presentes categorias de
social construída em torno de interesse de classe. divisão e exclusão social não deveria ser um obje-
As representações e as narrativas contidas no cur- to marginal e secundário. (...) esse deveria ser um
rículo privilegiam os significados, a cultura e o pon- objetivo central e principal de um currículo crítico
to de vista dos grupos raciais e étnicos dominantes. e político.”
(SILVA, 2002, p.68). Discutir as relações sociais e históricas que
Nesse sentido, constatamos que o currículo es- implicam na exclusão social, no caso do Brasil, exige
colar ainda tem, predominantemente, uma origem um estudo curricular que analise a ocupação e ex-
social (burguesa), um gênero (masculino) e uma ploração do solo brasileiro (ciências naturais e ge-
etnia (branca). Confrontar as teorias produzidas ografia) ao longo do tempo (história) que resultou
sob a égide dessa trilogia com a realidade social na degradação do meio ambiente e nas diferenças
brasileira é uma das tarefas da educação básica inter-regionais. Ou seja, não basta ‘folclorizar’ as
que tenha como objetivo preparar os alunos para diferenças entre o nordeste e o sudeste como sen-
os confrontos ideológicos que se travam em nossa do apenas culturais. Daí a centralidade de um cur-
sociedade e se materializam na exclusão social da rículo crítico e político girar em torno desses temas
grande maioria da população. Exclusão social que da realidade brasileira.
não é apenas de ordem econômica:
Há uma compreensão cada vez maior, no âmbito da
Sociedade da informação e escola do
teorização social crítica, de que as relações de poder conhecimento
atravessam múltiplos eixos. Além das relações de
classe, objeto convencional da teorização crítica de Outro tema recorrente nos últimos tempos no
inclinação marxista, ganham importância, em termos que se refere à função social da escola é sua su-
teóricos e políticos, as relações de imperialismo e posta inutilidade numa sociedade marcada pela di-
dominação entre nações, as relações de subordina- fusão dos meios de comunicação. À medida que
ção e subjugação entre raças e etnias e as relações as informações circulam em grande velocidade, em
assimétricas entre os gêneros. (SILVA, 2002, p.65). especial pelo rádio, pela televisão e Internet, a es-
É mais do que urgente que a educação básica cola, como local de transmissão de informação,
brasileira trate desses múltiplos eixos que se esta- estaria superada uma vez que não consegue acom-
belecem nas relações de poder em nosso país. panhar o ritmo desses meios de comunicação.
Nossa herança histórica é perversa. Desde o Esse discurso de crítica à escola, muito presen-
início da colonização até os dias atuais, convive- te na própria mídia, identifica a instituição escolar
mos com relações de poder e exploração media- com uma das concepções possíveis de ensino – a
das por uma violência física e simbólica desumanas. concepção tradicional – que há pelo menos um
Temos uma dívida histórica com os povos indíge- século já é criticada no meio educacional. Como já
nas e a população de afro-descendentes que é im- analisamos anteriormente, as críticas da escola
pagável. Entretanto, a reparação possível na
atualidade é reverter a situação daqui para frente. 7
Apesar de a Lei Federal nº 10.639 de 09 de janeiro de 2003
incluir no currículo oficial da Educação Básica a obrigatoriedade
Assim, por exemplo, os estudos históricos e geo- da temática História e Cultura Afro-Brasileira, a rede escolar
gráficos devem priorizar suas abordagens do pon- ainda não a absorveu.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 89-103, jul./dez. 2008 99
Os desafios da escola pública contemporânea

nova ao ensino como mera transmissão de conteú- Conceber a escola como espaço de síntese é
dos não surtiu efeito prático à medida que as con- concebê-la como produtora de conhecimento. Para
dições de expansão do Ensino Fundamental no tanto, a escola básica deve ser reconhecida como
Brasil não possibilitaram a incorporação dessa nova local de pesquisa. É pela pesquisa como princípio
concepção pedagógica. Na atualidade, a situação educativo que a escola produz conhecimento. Essa
parece se repetir. Se o ensino público não recebe deve ser sua tarefa primordial – trabalhar as infor-
investimento financeiro compatível com suas de- mações na perspectiva de transformá-las em co-
mandas – aparecendo como prioridade apenas na nhecimento. Conforme Pimenta (2002, p.26):
retórica dos diferentes governantes –, sua tradi- Conhecer é mais do que obter as informações, é mais
ção bancária continuará persistindo. Sendo que, do que ter acesso a elas. Conhecer significa traba-
agora, temos o agravante conjuntural do impacto lhar as informações. Ou seja, analisar, organizar, iden-
incontestável do avanço dos meios de comunica- tificar suas fontes, estabelecer as diferenças na
ção de massa. Ou seja, até meados do século pas- produção da informação, contextualizar, relacionar
sado, a crítica à escola reprodutora de informa- as informações e a organização da sociedade, como
ções tinha que ser relativizada, pois, para as classes são utilizadas para perpetuar a desigualdade social.
populares, muitas vezes, ela era o único local de Se as informações veiculadas pela mídia, ao
acesso às informações. Situação diferente presen- apresentarem-se de forma estilhaçada ao expec-
ciamos hoje com a popularização, no caso do Bra- tador (passivo), servem para perpetuar a desigual-
sil, principalmente do rádio e da televisão. Nesse dade social, à escola cabe recolhê-las e dar-lhes
sentido é que se impõe a prioridade efetiva de qua-
uma organicidade possível que favoreça ao aluno
lificar o ensino público sob os princípios da con-
(ativo) a compreensão e denúncia dessa desigual-
cepção histórico-crítica. A escola precisa transfor-
dade. Esse caráter orgânico de trabalhar as infor-
mar-se num lugar de análises críticas de modo que
mações é peculiar à escola, que a difere dos meios
o conhecimento nela produzido possibilite atribuir
de comunicação em, pelo menos, dois aspectos
significado à informação veiculada na mídia:
fundamentais. Primeiro: o ouvinte/leitor/telespec-
Nessa escola, os alunos aprendem a buscar infor- tador, ao ter acesso às informações do rádio/jor-
mação (...), e os elementos cognitivos para analisá- nal/revista/televisão/Internet, não tem a possibili-
la criticamente e darem a ela um significado pessoal.
dade de dialogar com esses emissores. E segundo:
Para isso, cabe-lhe prover a formação cultural bási-
o momento (tempo e espaço) em que ele tem esse
ca, assentada no desenvolvimento de capacidades
cognitivas e operativas. Trata-se, assim, de capaci- acesso ocorre invariavelmente em uma situação
tar os alunos a selecionar informações mas, princi- solitária, em que ele está sozinho. De modo dife-
palmente, a internalizar instrumentos cognitivos rente, na escola, o aluno pode dialogar com os
(saber pensar de modo reflexivo) para aceder ao co- professores e os demais alunos sobre as informa-
nhecimento. (LIBÂNEO, 1998, p.26) ções veiculadas na mídia. Esse diálogo coletivo é
Assim procedendo, a escola fará uma síntese sempre mediado pelos saberes experienciados dos
entre a cultura formal, os conhecimentos sistema- alunos, o que lhes permite desenvolver a análise
tizados e a cultura experienciada pelo aluno, este crítica dessas informações. Ou seja, é nesse diálo-
como sujeito do seu próprio conhecimento. Ilustra go coletivo de alunos e professores com as infor-
bem essa idéia de escola como espaço de síntese mações de diferentes procedências que vai sendo
o depoimento de uma professora, relatado por Mi- produzido o conhecimento escolar.
guel Arroyo (2003, p.152): Outro aspecto ainda a ser considerado, que di-
fere a escola dos meios de comunicação de mas-
A maior parte do que aprendi na vida, em termos de
minha consciência social, política, como negra, como sa, refere-se à dimensão do tempo. Na mídia, as
mulher, foi fora da escola, aconteceu nos espaços dos informações veiculadas seguem a lógica da circu-
movimentos feministas, negro, e docente também (...). lação das mercadorias no sistema capitalista. As-
Mas eu não teria sido capaz de fazer as sínteses que sim como os demais produtos, as informações
hoje faço, se não tivesse passado pela escola. circulam, cada vez mais, para serem rapidamente

100 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 89-103, jul./dez. 2008
Umberto de Andrade Pinto

consumidas, descartadas e substituídas por outras. a essa nova realidade e trabalhe urgentemente com
Daí a crítica de vários segmentos da opinião públi- os alunos para corrigir uma distorção de valores
ca em relação à escola que não consegue acom- que não foi ela quem produziu. “Nossa ênfase na
panhar essa velocidade da sociedade midiática. A instituição escolar significa reconhecê-la em suas
escola não acompanha nem deve acompanhar essa possibilidades, sem imputar a ela todo o poder, uma
velocidade. O tempo da escola é outro. O tempo vez que ela colabora com as demais instituições
da escola deve ser o tempo da análise e da refle- sociais na tarefa de produzir a sociedade.” (PI-
xão: o tempo da formação humana, que é perene, MENTA, 2002, p.30)
ao contrário da formatação para a empregabilida- Como profissionais do ensino, nossa primeira
de dos dias atuais. possibilidade é a denúncia insistente e intransigen-
te do modelo econômico-político em que se assen-
O esgarçamento das condições hu- ta a origem do esgarçamento das relações humanas
manas em nossa sociedade.
Esse esgarçamento das condições humanas
Pimenta (2002) faz referência a três grandes expressa de outra forma a negação do pedagógico
desafios contemporâneos para ressignificar o pa- nas escolas. Do mesmo modo que já foi destacado
pel da escola e da educação na atualidade: 1) a anteriormente que manter a escola pública e seus
sociedade de informação e sociedade do conheci- profissionais no limite da sobrevivência inviabiliza
mento; 2) a sociedade do não-emprego e das no- o pedagógico, manter parte da população no limite
vas configurações do trabalho (esses dois temas já da condição humana também inviabiliza o pedagó-
foram abordados anteriormente); e 3) a sociedade gico na escola que freqüentam. Ou seja, para mui-
do esgarçamento das condições humanas, traduzi- tos educadores que trabalham em situações de
do na violência, na concentração de renda na mão ensino nos extremos dessa realidade, marcada pela
de minorias, na destruição da vida pelas drogas, na violência, indisciplina inconseqüente dos alunos e a
destruição do meio ambiente e na destruição das presença do tráfico de drogas na escola, não há
relações interpessoais e suas manifestações na proposta pedagógica que dê conta sozinha de con-
escola. Considero esse terceiro desafio o maior viver com essa situação.
enfrentado pelos educadores diante da realidade
brasileira. Concluindo
As condições de vida das classes populares, que
constituem a maioria dos alunos do ensino público A tradição histórica da função social da escola
no Brasil, não atendem, nem com um mínimo de na modernidade, conforme viemos desenvolven-
dignidade, às necessidades básicas. Essa situação, do, é sintetizada por Sacristán e Pérez Gómez
decorrente de um modelo econômico concentra- (1998) em dois grandes objetivos consubstancia-
dor de rendas, desencadeou todo um processo de dos nos processos de socialização que nela ocor-
esgarçamento das condições humanas na vida so- rem. O primeiro – básico e prioritário – é preparar
cial. Vivemos uma época de total inversão de va- os alunos para sua ‘incorporação no mundo do tra-
lores em que sempre impera o Ter sobre o Ser balho’ e o segundo é a formação do/a cidadão/ci-
(humano). São freqüentes os relatos de professo- dadã para sua ‘intervenção na vida pública’.
res do ensino público que são questionados pelos Considerando que a nova fase de reorganiza-
alunos sobre seus salários. Em um deles, em re- ção do sistema capitalista gerou a sociedade do
gião controlada por tráfico de drogas, um aluno não-emprego, podemos concluir que há uma ten-
argumentou que recebia mais do que sua profes- dência da segunda função do processo de sociali-
sora só para avisar quando chegavam policiais per- zação na escola – formação do/a cidadão/cidadã
to de onde morava. para sua intervenção na vida pública – a assumir a
Considero no mínimo injusto que se cobre dos prioridade da escolarização nos últimos tempos.
professores o que será feito diante desse tipo de Esse objetivo, que era secundário, tende a ser pri-
situação. Não se deve exigir da escola que se adapte oritário, do ponto de vista dos grupos hegemôni-

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 89-103, jul./dez. 2008 101
Os desafios da escola pública contemporânea

cos, ao civilizar os grandes contingentes populaci- os alunos ganhem melhores e efetivas condições
onais excluídos da nova ordem social, de modo que de exercício de liberdade política e intelectual. Para
convivam com um mínimo de civilidade com esses tanto, a educação escolar deve assumir o compro-
grupos. misso de “... reduzir a distância entre a ciência cada
Entretanto, esse trabalho de preparar os indiví- vez mais complexa e a cultura de base produzida
duos para a vida pública vem-se desenvolvendo, no cotidiano, e a provida pela escolarização (...) o
na maioria das escolas brasileiras, de modo extre- compromisso de ajudar os alunos a tornarem-se
mamente precário, sem as mínimas condições de sujeitos pensantes, capazes de construir elemen-
garantir aos alunos o propalado direito ao exercí- tos categoriais de compreensão e apropriação crí-
cio da cidadania. Nesse sentido, ainda temos de tica da realidade.” (p.9)
concordar com a amarga constatação de Kuenzer É também imperativo que a escola não se es-
(1999, p.180) ao analisar as reformas de ensino quive no tratamento de temas que estão presentes
implantadas no país a partir dos anos de 1990, no no cotidiano de muitas crianças e, principalmente,
âmbito das políticas públicas neoliberais: de muitos jovens. É o caso da sexualidade humana
Embora cruamente elitista, esse modelo é perfeita-
e das drogas. Por tratarem de assuntos que envol-
mente orgânico às novas demandas do mundo do vem valores morais, comumente os educadores
trabalho flexível na sociedade globalizada, em que a evitam abordá-los em sala de aula. A esse respei-
ninguém ocorreria oferecer educação científico-tec- to, é importante chamar a atenção para demandas
nológica e sócio-histórica continuada e de qualida- por pesquisas nessa área, pois “a maior parte dos
de, portanto cara, aos sobrantes. Estes, sobram; estudos e interpretações é moralista e moralizan-
precisam apenas da educação fundamental para que te” (ARROYO, 2003, p.149). Arroyo alerta sobre
não sejam violentos – embora usem drogas e com- a necessidade de voltar-se para esses temas nas
prem armas para alimentar os ganhos com o narco- análises e pesquisas em educação, assim como nos
tráfico –, para que não matem pessoas, não explorem cursos de formação de educadores, para que es-
as crianças, não abandonem os idosos à sua sorte, ses assuntos não fiquem por conta da polícia ou de
não transmitam AIDS, não destruam a natureza ou
uma gestão disciplinadora da escola.
poluam os rios, para que o processo capitalista de
produção possa continuar a fazê-lo, de forma insti-
É necessário também destacar que todos es-
tucionalizada, em nome do ‘desenvolvimento’. ses desafios devem ser enfrentados, assim como
essas demandas (do ensino público) atendidas, me-
Para reverter essa tendência, é necessário o diante a centralidade do que deve constituir o tra-
empenho coletivo dos profissionais de ensino, jun- balho educativo escolar: o desenvolvimento do
to com pais e alunos, na defesa intransigente de pensamento racional reflexivo no processo de as-
uma escola pública com a mesma qualidade de to- similação e crítica do conhecimento produzido his-
das as demais escolas e que atenda a todas as cri- toricamente pela humanidade. É desenvolver nos
anças e todos os jovens brasileiros. Se, na conjuntura alunos o pensar metódico, pela atividade mental
atual, a escola pouco contribui com o direito inalie- intensa de compreender, memorizar, comparar, or-
nável do ser humano ao trabalho, sua qualidade ganizar, analisar e relacionar conhecimentos de
mais do que nunca não deve ser medida pelos inte- diferentes tipos e procedências. Essa atribuição
resses do mercado de trabalho. Sua qualidade deve é que confere à escola ser um espaço de sínte-
ser avaliada pela capacidade de seus egressos in- ses. E para sintetizar conhecimentos, é fundamen-
tervirem na vida pública, de modo a transforma- tal que ela seja reconhecida como produtora de
rem a realidade que lhes nega esse direito ao conhecimento, como local de pesquisa em que
trabalho. Transformação esta que possibilite a cons- transitam diferentes saberes expostos ao debate
trução de uma sociedade mais justa, mais igualitá- público. Daí ser, também, o local privilegiado para
ria, mais fraterna. desenvolver habilidades e atitudes de crianças,
Compreendendo o papel da escola pública nes- jovens e mesmo adultos, em um ambiente coleti-
sa direção, concordamos com Libâneo (1998a) vo e, assim, firmar-se pelo trabalho coletivo, pe-
quando diz que o seu grande desafio é garantir que las aprendizagens coletivas.

102 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 89-103, jul./dez. 2008
Umberto de Andrade Pinto

Finalmente, no que se refere à formação do pro- Para que as escolas públicas brasileiras assumam
fessor para atuar na escola pública na perspectiva sua função social - como foi aqui ressignificada – e,
aqui apresentada, só faz sentido se ele próprio esti- ao mesmo tempo, enfrentem seus desafios atuais, a
ver envolvido em processos formativos que desen- formação de seus professores deve estar imbricada
volvam o seu pensamento racional reflexivo. Neste com todas essas questões; em especial às que se
sentido, entende-se que o exercício da docência é referem às condições do trabalho docente, ao seu
sempre expressão de uma concepção de educação. desenvolvimento profissional como um todo.

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SNYDERS, G. Pedagogia progressista. Coimbra: Livraria Almedina, 1974

Recebido em 18.05.08
Aprovado em 25.06.08

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 89-103, jul./dez. 2008 103
Sueli Menezes Pereira

FORMAÇÃO DOCENTE PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA


NO CONTEXTO DAS EXIGÊNCIAS DO MUNDO DO TRABALHO:
novas (ou velhas) propostas?

Sueli Menezes Pereira *

RESUMO

O presente texto trata da importância da formação docente para a Educação Básica,


tendo como referência as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica, em Nível Superior, Curso de Licenciatura, de
Graduação Plena”, expressas no Parecer CNE/CP 009/2001, referendadas pela
Resolução CNE/CP 1/2002, cuja concepção nuclear tem na noção de “competência”
a orientação dos cursos. Resultado de uma pesquisa qualitativa de caráter teórico
tem como objetivo evidenciar os interesses mascarados nas políticas educativas das
propostas de formação docente por conta das determinações legais e sua ampla
gama de atribuições com base em competências dimensionadas para uma visão
pragmática. Conclui-se que o capital investe em formação por “competências”, tendo
na experiência o seu fundamento, correspondendo a uma epistemologia experiencial
e, portanto, uma epistemologia adaptativa dos sujeitos às exigências do capital. O que
está oculto, as contradições, não pode ser captado, pois transcende ao mundo
experiencial e, nesta ótica, a competência identifica-se com a noção de subjetividade,
de alteridade, de imediato, de efêmero, de instável, o que representa, na prática, um
retorno ao tecnicismo e, nele, o “saber fazer” para soluções imediatas, situação que
implica em sérias repercussões na qualidade da educação básica no país.
Palavras-chave: Formação docente – Diretrizes curriculares – Competência –
Qualificação – tecnicismo

ABSTRACT

FORMATION OF TEACHERS FOR BASIC EDUCATION UNDER THE


DEMANDS FRAMED BY THE WORLD OF LABOR: new (or old)
proposals?
This paper deals with the importance of forming teachers for basic education, having
as reference the “National Directives of Curriculum to Form Teachers for Basic
Education in Undergraduate Program” expressed in the Report CNE/CP 009/2001
and ratified by the Resolution CNE/CP 1/2002. Both documents adopt the core
conception of “competence” to frame the Programs. We report the results of a
theoretical research based on a qualitative approach, whose goal is to make evident

* Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação, na Universidade Federal de Santa Maria –
UFSM/RS. Endereço para correspondência: Universidade Federal de Santa Maria, Campus Universitário, Centro de Educação,
Prédio 16, Camobi – 97105-900 Santa Maria/RS. E-mail: sueli@ce.ufsm.br

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 105-116, jul./dez. 2008 105
Formação docente para a educação básica no contexto das exigências do mundo do trabalho: novas (ou velhas) propostas?

the masked interests behind the educational policies used to form teachers. These
policies are legally determined through a wide range of attributes based on
competences shaped in order to develop a pragmatic view. The conclusion is that
capital invests in “education by competences” founding it on experience and making
it correspond to an experiential epistemology; therefore an epistemology which adapts
the subjects to the demands of capital. The hidden side, the contradictions, can not be
grasped because they lie beyond the experiential world. In agreement with the
researched point of view, competence is identified with the notion o subjectivity,
alterity, immediacy, ephemeral, unstable. This means as a matter of fact to be
back to technicism practice with its know-how of ready solutions, which implies serious
consequences for the quality of basic education throughout the country.
Keywords: Formation of teachers – Curriculum directives – Competence –
Qualification – Technicism

Introdução ..., a Organização Mundial do Comércio e vários or-


ganismos internacionais especializados, denomina-
Resultado de uma pesquisa qualitativa de cará- dos de impulsores da globalização, trabalham como
ter teórico, este estudo parte da idéia de que as órgãos reguladores no sistema de monitoramento e
exigências legais para a formação de professores controle das políticas de Educação voltadas para os
interesses do crescimento econômico. Nesse caso,
a fim de atuar na educação básica, no Brasil, de-
o próprio Banco Mundial já anunciou que, até o ano
vem ser consideradas no contexto da reestrutura- de 2010, principalmente a Educação Superior, estará
ção mundial dos sistemas de ensino e educacionais plenamente aplicada e consolidada em todos os pa-
como parte de uma ofensiva ideológica e política íses do mundo em função das necessidades do mer-
do capital neoliberal (HILL, 2003), enquanto trans- cado global. (PEREIRA, 2005b, p.4).
fere a escola da esfera política para a esfera do Isto posto, coloca-se a necessidade de um apro-
mercado, construindo, assim, através dela, um con- fundamento da questão, requerendo uma análise
senso mundial, pelo qual educando e educador re- crítica das propostas do capital para a educação
lacionam vida e trabalho como objetos direcionados com a finalidade de evidenciar os interesses mas-
à ação pedagógica. carados nas políticas educativas para a formação
Por esse viés, a lógica do mercado contamina a de professores, por conta das determinações le-
legislação educacional, o que se evidencia no Bra- gais e sua ampla gama de atribuições.
sil, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educa- No sentido, portanto, de elucidar as contradi-
ção Nacional - Lei 9394/1996. Assim, se reafirma ções do sistema que se manifestam através de um
que os desafios do mundo do mercado, sob a ótica discurso que, aparentemente, se identifica com os
neoliberal, interferem de forma significativa e de- interesses sociais, a proposta deste texto é abor-
terminante nas políticas educacionais, referendan- dar as implicações do mundo da produção na for-
do a idéia de que “o motor da história encontra-se mação de professores para a educação básica, o
nos processos produtivos” (DOWBOR, 1998, p.19). que se traduz nas normas legais, tomando como
Com base nessas premissas, a escola, em todas referência básica de análise as “Diretrizes Curri-
as suas modalidades e níveis de ensino passa por culares Nacionais para a Formação de Professo-
reformas educacionais ditadas, assessoradas e mo- res da Educação Básica, em Nível Superior, Curso
nitoradas pelas agências internacionais multilaterais de Licenciatura, de Graduação Plena” (DCNs)
que se identificam nos agentes financiadores das expressas no Parecer CNE/CP 009/2001, referen-
políticas educacionais, como o Banco Mundial, o FMI dadas pela Resolução CNE/CP 1/2002, cuja con-
e a OMC, nos países subdesenvolvidos e em desen- cepção nuclear tem na noção de “competência” a
volvimento. Conforme Pereira: orientação dos cursos.

106 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 105-116, jul./dez. 2008
Sueli Menezes Pereira

O amplo espaço que ocupa a discussão sobre a se como categoria do pensamento liberal, enquan-
idéia de “competência” no cenário das políticas de to direito formal dos povos a partir da consolida-
formação e o senso comum que emerge do cotidi- ção do capitalismo como modo de produção
ano e tem permeado a compreensão deste termo, dominante, tendo, especialmente na educação ele-
sem que uma análise mais aprofundada sobre a mentar, a forma de socializar e preparar os indiví-
questão esteja subsidiando a aplicação das políti- duos para atuar na sociedade que se afirmava na
cas educativas nas instituições formadoras, indica produção fabril.
que o termo “competência” traz uma problemati- Esta importância se renova e se amplia para o
zação central para o debate, considerando que é capital, considerando-se as transformações no mun-
uma idéia que se integra nas políticas educacionais do do trabalho, que trazem novas proposições para
no Brasil e tem plasmado os documentos legais o papel do Estado na economia e nas áreas soci-
para a formação docente, o que justifica o estudo ais, em atendimento às mudanças tecnológicas e
em questão. de organização do trabalho por que passam os pa-
Tendo esses referenciais como base de aná- íses de capitalismo avançado desde meados da
lise, este texto trata das políticas de formação década de 80. Configura-se, neste prisma, o mun-
do professor licenciado configuradas nas DCNs, do produtivo com base na flexibilização da produ-
procurando compreender o perfil do profissional ção e reestruturação das ocupações; integração
para a Educação Básica e, através deste profis- de setores da produção; multifuncionalidade e poli-
sional, o que está sendo proposto ao aluno, o que valência dos trabalhadores, o que faz da escola
nos leva a uma análise mais particular das Dire- básica objeto de atenção especial dos organismos
trizes Curriculares para a Formação de Profes- internacionais financiadores da educação (FRI-
sores com seus reflexos nas propostas para a GOTTO, 2001), referendando que cabe à educa-
educação básica. ção a formação do capital humano eficiente para o
Para tratar do assunto, inicialmente, fazemos mercado.
uma análise da importância que assume a escola Isso se confirma com Lauglo (1997) que, ao
básica para o capital, tomando como referência as tratar da importância da educação básica no con-
texto geral da educação, evidencia que esse nível
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educa-
de ensino recebe maior atenção nas determinações
ção Básica (DCNs/EB), o que conduz ao tipo de
do Banco Mundial, o que impõe uma revisão da
professor que está sendo proposto para esse nível
formação docente na perspectiva de instaurar pro-
de ensino. Em seguida, uma análise da proposta de
cessos de mudança no interior das instituições for-
formação de professores expressa nas “Diretrizes
madoras de modo que, através da formação
Curriculares Nacionais para a Formação de Pro- docente, a escola básica se incorpore aos atuais
fessores da Educação Básica, em Nível Superior, interesses do capital.
Curso de Licenciatura, de Graduação Plena”. Por De acordo com o autor citado, para o Banco
fim, considerações sobre a questão, de modo que Mundial, o maior investimento na educação básica
a escola, através de seus profissionais, compreen- representa a única possibilidade real de reversão das
da e se compreenda no contexto das políticas neo- desigualdades sociais, o que repercute nas socieda-
liberais, frente ao compromisso com a educação des atuais no direito à educação básica firmado atra-
básica. vés da oferta de escolarização a todas as pessoas.
Efetivamente, a garantia ao acesso é uma política
A importância da educação básica no que se faz presente em todas as determinações dos
contexto do capital órgãos financiadores da educação, especialmente
no Terceiro Mundo, o que é visível em nossa reali-
Tratar da formação de professores para a edu- dade pela ampliação das matrículas motivada por
cação básica implica em compreender a importân- uma obrigatoriedade movida por incentivos finan-
cia da própria educação básica para o capital, ceiros através de fundos, especialmente para o en-
considerando que este nível de ensino formalizou- sino fundamental identificado no Brasil pelo

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Formação docente para a educação básica no contexto das exigências do mundo do trabalho: novas (ou velhas) propostas?

FUNDEF1 e, agora, ampliado para atingir os de- O desenvolvimento da capacidade de aprender e con-
mais níveis da escolaridade básica através do tinuar aprendendo, da autonomia intelectual e do
FUNDEB2 , do que se pode dizer que a exclusão da pensamento crítico de modo a ser capaz de prosse-
escola não se dá mais pelo acesso, o que é louvável, guir os estudos e de adaptar-se com flexibilidade a
novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento;
considerando o quadro caótico em que se encontra
a constituição de significados socialmente construí-
a escolarização básica em nosso país.
dos e reconhecidos como verdadeiros sobre o mundo
Indicando ser um dos grandes feitos a partir do físico e natural e sobre a realidade social e política
final do século XX, visto o progressivo aumento de do mundo em que vive; a compreensão do significado
pessoas à escolaridade básica, lembramos com das ciências, das letras e das artes e do processo de
Santomé: transformação da sociedade e da cultura, em especi-
al as do Brasil; o domínio dos princípios científicos e
A longa e dura luta dos coletivos sociais mais popu-
tecnológicos que presidem a produção moderna de
lares pelo acesso às instituições escolares esteve
bens, serviços e conhecimentos, tanto em seus produ-
sempre ligada à luta por uma sociedade mais igualitá-
tos como em seus processos relacionando teoria e
ria, livre e democrática. Esquecer estas reivindicações
prática; a competência no uso da língua portuguesa,
sociais pode permitir que se voltem a gerar as condi-
das línguas estrangeiras e outras linguagens con-
ções que deram lugar à construção de sociedades
temporâneas como instrumentos de comunicação.
injustas, autoritárias e opressoras e ao aumento de
(BRASIL, CNE/CEB/Resol. 3/98).
coletivos sociais excluídos (SANTOMÉ, 2001, p. 54).
Nessa perspectiva, evidencia-se a relação quan- De modo a aproximar a escola e o mundo do
tidade/qualidade, pois, se o acesso está resolvendo trabalho, a legislação valoriza os conhecimentos
o problema da quantidade, por sua vez, a qualidade teóricos para serem transformados em ações, in-
é determinada por governos e organismos interna- dicando que a qualidade tem tido sua base de sus-
cionais que vêm enfatizando a relação da educa- tentação na noção de “competência”.
ção com o conhecimento na perspectiva de Coerentes com as exigências da formação co-
superação de um modelo de trabalhador forjado locadas para a educação básica, inscrevem-se as
no fordismo e no taylorismo. Nesse quadro, vai políticas de formação de professores para esse ní-
surgindo um novo discurso, no qual se evidencia vel de ensino, de modo a formar o pessoal adequa-
não mais a necessidade de “qualificação” para um do aos novos modos de produção.
trabalho específico, mas uma formação por “com- Na perspectiva, portanto, de formar o trabalha-
petências”. Se, na lógica da “qualificação”, os re- dor em consonância com os interesses do capital,
querimentos da formação profissional estavam salientam-se as políticas de formação de profes-
diretamente ligados ao posto de trabalho, voltados sores, associando a vinculação de toda e qualquer
para o “aprender a fazer” tarefas determinadas, mudança na educação a uma mudança na forma-
agora a defesa é por uma formação genérica, po- ção de professores.
livalente, flexível às mudanças dos processos de
trabalho de modo a formar o cidadão para “adap-
Formação de professores para a edu-
tar-se com flexibilidade a novas condições de
cação básica: o que propõem as Di-
ocupação ou aperfeiçoamento” (Resolução
retrizes Curriculares
CNE/CEB 3/1998).
Isto indica que o modelo de acumulação flexí-
A tônica da discussão sobre formação de pro-
vel necessita de um novo tipo de trabalhador, não
fessores para a educação básica tem seu foco, tanto
mais dotado de conhecimentos específicos, mas de
na formação inicial, como na formação continua-
“competências” em termos de conhecimentos bá-
sicos e polivalentes, o que se identifica na dimen- 1
FUNDEF – Lei 9.424 de 24 de dezembro de 1996 – Institui o
são proposta nas Diretrizes Curriculares Nacionais Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Funda-
para a Educação Básica tornando a escola o ló- mental e de Valorização do Magistério.
2
FUNDEB – Lei 11.494 de 20 de junho de 2007 – Institui o
cus de formação de competências para o “apren- Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
der a aprender”. de Valorização dos Profissionais da Educação.

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Sueli Menezes Pereira

da, o que se traduz em uma necessidade de que a al contexto, agora para possibilitar que possam
educação formal atenda aos propósitos das políti- experimentar, em seu próprio processo de apren-
cas educacionais descentralizadas, nas quais os dizagem, o desenvolvimento de competências ne-
professores deverão assumir, como responsáveis cessárias para atuar nesse novo cenário, reco-
nhecendo-a como parte de uma trajetória de
primeiros, de acordo com a Lei de Diretrizes e
formação permanente ao longo da vida (Parecer
Bases da Educação Nacional – Lei n. 9394/96, o CNE/CP 009/2001, p. 11)
compromisso com a construção da autonomia es-
colar e, assim, ocupar este espaço com vistas ao Os argumentos principais a essas questões es-
resgate da função social da escola voltada para a tão elencados na própria legislação que, alicerça-
formação do cidadão, tanto para compreender, da na prática pedagógica, coloca a sua ênfase no
como para compreender-se como sujeito numa trato dos conteúdos, da avaliação, da organização
sociedade em constante transformação, aprender da escola, enfim, em um conjunto de competênci-
e poder continuar aprendendo de modo a situar-se as necessárias à atuação profissional.
criticamente no contexto em que se insere e nele Propõem as diretrizes:
participar, produzir e consumir. Aprendizagens significativas, que remetem conti-
Por sua vez, compreende-se, com Hill (2003, p. nuamente o conhecimento à realidade prática do
27), que a escola para o capital, através de seus aluno e às suas experiências, constituem funda-
profissionais, é um instrumento do sistema e deve- mentos que presidirão os currículos de formação
inicial e continuada de professores. Para construir
rá estar voltada para “o desenvolvimento e força
junto com os seus futuros alunos experiências sig-
da única mercadoria sobre a qual depende o nificativas e ensiná-los a relacionar teoria e práti-
sistema capitalista: a força de trabalho” (grifos ca, é preciso que a formação de professores seja
do autor). orientada por situações equivalentes de ensino e
Os professores são os guardiães da qualidade da de aprendizagem (Parecer CNE/CP 009/2001, p. 13).
força de trabalho! Este potencial, este poder latente A linguagem utilizada na legislação exige uma
que têm os professores é a razão pela qual os repre- leitura crítica dos propósitos do capital que, tradici-
sentantes do Estado perdem o sono preocupando- onalmente, fizeram da educação um instrumento
se sobre seu papel em assegurar que os futuros
destinado a adequar o futuro profissional ao mun-
trabalhadores sejam entregues aos locais de traba-
lho pelo capital nacional e que disponham da mais
do do trabalho, disciplinando-o e municiando-o de
alta qualidade possível (HILL, 2003, p. 27). certa maneira com conhecimentos técnicos para
que “possa vencer na vida”, inserindo-se de forma
Nesta direção as políticas educacionais sinalizam vantajosa no mundo como existe, o que caracteri-
para uma relação direta da educação com as exigên- za, conforme Frigotto (1984), a educação no con-
cias do mundo do trabalho, o que se explica pelas: texto da teoria do capital humano.
... transformações científicas e tecnológicas que O atual recurso do capital para isto se traduz
ocorrem de forma acelerada exigindo das pessoas no princípio orientador básico para os cursos de
novas aprendizagens, não somente no período de formação de professores que, de acordo com o
formação inicial, mas ao longo da vida (...). Neste Parecer CNE/CP 009/2001, está na concepção de
contexto, reforça-se a concepção de escola volta- competência compreendida no documento citado,
da para a construção de uma cidadania conscien- como a capacidade do professor de mobilizar co-
te e ativa que ofereça aos alunos as bases culturais nhecimentos transformando-os em ação.
que lhes permitam identificar e posicionar-se fren-
Apesar de não ser um termo novo no contexto
te às transformações em curso e incorporar-se na
vida produtiva e sócio-política (Parecer CNE /CP
educacional, o termo competência é bastante po-
009/2001, p. 9) lêmico e tem recebido vários significados, dentre
eles, o da capacidade de mobilizar múltiplos co-
Para tanto: nhecimentos teóricos e experienciais da vida pes-
... a formação de professores como preparação soal e profissional para responder às diferentes
profissional passa a ter um papel crucial no atu- demandas das situações de trabalho, definição que

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Formação docente para a educação básica no contexto das exigências do mundo do trabalho: novas (ou velhas) propostas?

tem conduzido à compreensão do significado atu- terrogar e ordenar práticas sociais”. É a qualidade
almente dado ao termo. de quem é capaz de apreciar e resolver certo as-
As DCNs justificam a importância da noção de sunto, fazer determinada coisa; capacidade, habili-
competência como concepção nuclear na forma- dade, aptidão, idoneidade e, nessa perspectiva, a
ção do professor, tendo em vista a necessidade de escola básica se afirma como instrumento para
superar a desconsideração do repertório de conhe- preparar melhor o homem de modo a “suportar a
cimentos dos professores em formação, adquiri- inquietação, conviver com o incerto e o impre-
dos em experiências pedagógicas anteriores ou visível, acolher e conviver a diversidade, valo-
construídos na prática e vivência do cotidiano es- rizar a qualidade, a delicadeza, a sutileza” (Resol.
colar. Outro argumento se refere à formação insu- CNE/CEB 3/98, Art. 2º., I), indicando uma forma-
ficiente que tiveram e que têm em decorrência da ção de aspectos atitudinais e comportamentais.
baixa qualidade dos cursos da educação básica que Neste caso, a formação por competências tor-
lhes foram oferecidos, assim como pelo tratamen- na-se uma referência para a promoção da sintonia
to inadequado dos conteúdos, tudo isto associado à entre a escola e o mundo do trabalho. Transforma-
falta de clareza sobre quais são os conteúdos que ções aceleradas pedem práticas pedagógicas fle-
o professor em formação deve aprender em razão xíveis e um modelo de formação profissional que
de precisar saber mais do que vai ensinar e quais favoreça o desenvolvimento de competências – não
os conteúdos que serão objeto de sua atividade de apenas os conhecimentos, mas também as habili-
ensino. Enfim, as DCNs apontam para as condi- dades e atitudes exigidas pelo cenário de trabalho.
ções de “qualificação” até então oferecidas ao pro- Sobre isto, é importante a observação de Harvey:
fessor, implicando que o profissional da educação
A disciplinação da força de trabalho para os propó-
teve sua formação voltada para o “saber fazer”,
sitos de acumulação do capital (...) envolve, em pri-
dimensionada para uma visão pragmática, situa- meiro lugar, alguma mistura de repressão, familiari-
ção que implica em repercussões na carreira do- zação, cooptação e cooperação, elementos que têm
cente, na valorização do magistério, com seus de ser organizados não somente no local de traba-
reflexos na qualidade da educação básica no país, lho, como na sociedade como um todo. A socializa-
justificativa que traz para a discussão as noções ção do trabalhador nas condições de produção ca-
de qualificação e de competência. pitalista envolve o controle social bem amplo das
Lembramos que “qualificação” foi a exigência capacidades físicas e mentais. A educação, o treina-
de formação dos anos 60 e 70 que se configurou mento, a persuasão, a mobilização de certos senti-
nas propostas educacionais no Brasil através das mentos sociais e propensões psicológicas desem-
Leis 5540/68 e 5692/71 no contexto do modo de penham um papel e estão claramente presentes na
formação de ideologias dominantes (HARVEY, 1992,
produção rígido e da produção em escala e, nesta
p. 119).
proposta, o reducionismo da questão política da
educação a uma questão técnica. Essa idéia é cor- Nessa ótica, entende-se, com Ramos (2002), a
roborada pelos estudiosos do assunto para quem a noção de competência como uma nova mediação,
qualificação se identifica com o regime taylorista- ou como uma mediação renovada pela acumula-
fordista, associada a uma visão estática do mundo ção flexível do capital, não substituindo nem elimi-
do trabalho. nando, no entanto, a noção de qualificação, o que
“Competência”, por sua vez, emerge dos no- evidencia um deslocamento conceitual da qualifi-
vos modos de produção, sendo afeta à dinamicida- cação e da formação humana para o modelo de
de e à transformação, o que indica que, apesar da competências.
qualificação e competência não serem noções opos- Nesse caso, enquanto a competência se relaci-
tas, há uma tensão que as afasta e as une dialeti- ona com alguns aspectos do acervo de conheci-
camente. mentos e habilidades, expressando a capacidade
Para Ramos (2002, p.39), o termo “competên- real do sujeito para atingir um objetivo ou um re-
cia” é originário das ciências cognitivas que surge sultado num dado contexto, aparecendo como algo
“com uma marca fortemente psicológica para in- concreto que manifesta e esconde uma essência

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produzida pelas relações sociais de produção, a Nesse processo, a ênfase das competências
qualificação representa a capacidade potencial do está no conhecimento construído “na” e “pela”
trabalhador de realizar atividades de trabalho. Fren- experiência, pois, como o próprio documento le-
te a isso, depreende-se que o polimorfismo do ter- gal diz:
mo “competência” aborda significâncias diferentes ... é um tipo de conhecimento que não pode ser
no âmbito da educação atrelada a saberes e co- construído de outra forma senão na prática profis-
nhecimentos direcionados à qualificação para o tra- sional e de modo algum pode ser substituído pelo
balho. conhecimento “sobre” esta prática. Saber – e
Isto se expressa nos propósitos das Diretrizes aprender – um conceito, ou uma teoria é muito
Curriculares para a Formação Docente, pelas quais: diferente de saber – e aprender – a exercer um tra-
balho. Trata-se, portanto de aprender a “ser” pro-
... os conteúdos definidos para um currículo de for-
fessor (Parecer CNE/CP 009/2001, p. 47).
mação profissional e o tratamento que a eles deve
ser dado assumem papel central, uma vez que é “Entretanto é preciso deixar claro, diz o Pa-
basicamente na aprendizagem de conteúdos que recer 009/2001 (p.48), que o conhecimento expe-
se dá a construção e o desenvolvimento de compe- riencial pode ser enriquecido quando articulado
tências. No seu conjunto, o currículo precisa con- a uma reflexão sistemática. Constrói-se, assim,
ter os conteúdos necessários ao desenvolvimento
em conexão com o conhecimento teórico, na
das competências exigidas para o exercício profis-
sional e precisa tratá-los nas suas diferentes di-
medida em que é preciso usá-lo para refletir so-
mensões: na sua dimensão conceitual – na forma bre a experiência, interpretá-la, atribuir-lhe sig-
de teorias, informações, conceitos; na sua dimen- nificado”, o que corresponde ao conceito de
são procedimental – na forma do saber fazer e na competência, conforme as DCNs, como capacida-
sua dimensão atitudinal – na forma de valores e de de mobilizar conhecimentos para a ação.
atitudes que estarão em jogo na atuação profissio- Essas proposições, conforme Schwartz (1990,
nal e devem estar consagrados no projeto pedagó- apud RAMOS, 2002), explicam a nova articula-
gico da escola (Parecer CNE/CP 009/2001, p.32). ção entre a dimensão experimental e a dimensão
Isto indica, conforme Parecer CNE/CP 009/ conceitual dos saberes necessários à ação, de modo
2001, que na formação docente: que toma lugar o saber-fazer proveniente da expe-
riência, ao lado dos saberes mais teóricos tradicio-
... a construção de competências deve se referir
nalmente valorizados na lógica da qualificação.
aos objetos da formação, na eleição de seus con-
teúdos, na organização institucional, na aborda-
Enfim, fundamentada a valorização da implicação
gem metodológica, na criação de diferentes tempos subjetiva no conhecimento, a competência deslo-
e espaços de vivência para os professores em for- ca a atenção para a atitude, o comportamento e os
mação, em especial na própria sala de aula e no saberes tácitos (próprios, não formalizados, adqui-
processo de avaliação. (...) [o que] deverá ocorrer ridos ao longo da experiência laboral), uma forma
mediante uma ação teórico-prática, ou seja, toda de conhecimento essencial à aquisição e ao de-
sistematização teórica articulada com o fazer e todo senvolvimento de tarefas qualificadas, sempre
fazer articulado com a reflexão (Parecer CNE/CP aprendidas através da experiência subjetiva dos
009/2001,p.28-29). trabalhadores.
Para tanto, a concepção, o desenvolvimento e Com isto, reafirma-se a dimensão experimen-
a abrangência dos cursos de formação de profes- tal relacionada ao conteúdo do trabalho, o que é
sores implica em “definir o conjunto de compe- referendado por Ramos (2002), ao acrescentar que
tências necessárias à atuação profissional; a validação das aquisições profissionais faz com
torná-las como norteadoras, tanto da proposta que o lugar de trabalho também se transforme em
pedagógica, em especial do currículo e avalia- formador por excelência. Dessa forma, o sistema
ção, quanto da organização institucional e da de formação inicial e contínua associa-se aos pro-
gestão da escola de formação” (Parecer CNE/ cessos de investigação de novas competências e
CP 009/2001, p. 35-36). visam a preparar os trabalhadores, não para o exer-

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Formação docente para a educação básica no contexto das exigências do mundo do trabalho: novas (ou velhas) propostas?

cício de uma especialidade, mas para poder recon- como meio e suporte para a construção de compe-
verter-se permanentemente, o que força a escola tências (Art. 3º. II,c), evidenciando a prática como
a abrir-se ao mundo econômico como meio de re- pilar de sustentação das competências.
definir conteúdos de ensino e atribuir sentido práti- Por meio deste “novo” paradigma educacional,
co aos saberes escolares. a idéia de competência é compreendida como o
Por essa ótica, a emergência da noção de com- modelo que objetiva a qualidade da formação do-
petência é fortemente associada a novas concep- cente, anunciando uma profissionalização que pos-
ções do trabalho agora baseadas na flexibilidade e sibilita um controle diferenciado da aprendizagem
na reconversão permanente em que se inscrevem e do trabalho dos professores.
atributos como autonomia, responsabilidade, capa- Como salienta Philippe Perrenoud:
cidade de comunicação e polivalência, o que não A formação de competências exige uma “revolução
contradiz a legislação educacional em questão, pela cultural” para passar de uma lógica de ensino para
qual a integração teoria e prática “implica uma uma lógica de treinamento (coaching), baseada em
reflexão e toda a reflexão implica um fazer ain- um postulado relativamente simples: constroem-se
da que este nem sempre se materialize (...). As- as competências exercitando-se em situações com-
sim, no processo de construção de sua plexas. (...) Isto supõe importantes mudanças iden-
autonomia intelectual, o professor, além de sa- titárias por parte do professor. [Entre elas:] 1. não
ber e de saber fazer deve compreender o que considerar uma relação pragmática com o saber como
faz” (Parecer CNE/CP 009/2001, p. 55). uma relação menor; 2. aceitar a desordem, a incom-
Com base nessas determinações, cursos de for- pletude, o aspecto aproximativo dos conhecimen-
mação em que teoria e prática são abordadas em tos mobilizados como características inerentes à
momentos diversos, com intenções desarticuladas, lógica da ação; 3. desistir do domínio da organiza-
não favorecem esse processo. O desenvolvimento ção dos conhecimentos na mente do aluno; 4. ter
de competências pede outra organização do per- uma prática pessoal do uso dos conhecimentos na
ação (PERRENOUD, 1999, p. 54-56).
curso de aprendizagem, no qual o “exercício das
práticas profissionais” e da reflexão sistemática Ao dimensionar “competência” na perspectiva
sobre elas ocupa um lugar central. Essas exigênci- de treinamento convencional, fica configurada a
as evidenciam que as relações institucionais entre concepção de competência como um recurso utili-
o mundo do trabalho e do sistema educativo, atra- zado pelas empresas. Trata-se de uma solução em
vés da noção de competência, forçam a aproxima- curto prazo, para resolver problemas imediatos da
ção entre ambos, colocando na escola a responsa- empresa, atendendo a demandas pontuais e essen-
bilidade com a formação do trabalhador e é nesta cialmente técnicas.
ótica que se forma o professor, reproduzindo, as- Este mecanismo migrou da empresa para a es-
sim, em uma outra perspectiva, a lógica da qualifi- cola e, assim, especialmente nos anos 70, no Bra-
cação. sil, passou-se a “treinar o educador”. O treinamento
Essas propostas se materializam na Resolução tinha como eixo central a modelagem de compor-
CNE/CP 1/2002 que instituiu as “Diretrizes Curri- tamentos, desencadeando ações apenas com fina-
culares Nacionais para a Formação de Professo- lidades automatizadas. Ao educador era atribuída
res da Educação Básica, em Nível Superior, em a tarefa de fazer e não a de pensar, impondo-se
Curso de Licenciatura, de Graduação Plena”, cuja modelos, receitas e técnicas do fazer pedagógico.
base se constitui de um conjunto de princípios, fun- Hypólito (1996) explicita que treinamento é um
damentos e procedimentos a serem observados na termo, ainda hoje, utilizado freqüentemente na área
organização institucional e curricular de cada es- de Recursos Humanos, incluindo os profissionais
tabelecimento de ensino e aplicam-se a todas as da educação. Treinar, para a autora, significa “re-
etapas e modalidades da educação básica (Art. 1°). petição mecânica” e passividade de quem é trei-
De acordo com esse documento legal, fica refe- nado com o sentido de “adestramento” ocupacional,
rendada a competência como concepção nuclear com isso atribuindo ao trabalho docente caracte-
da formação docente (Art.3º. I); e os conteúdos rísticas meramente técnicas.

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Sueli Menezes Pereira

Partindo da análise desses pressupostos, pode- intra e extra-escolares e se concretize por deci-
se dizer, com Dias e Lopes (2003, p. 1165), que “o sões participativas, o que implica em comprome-
discurso dos documentos oficiais defende uma edu- timento de cada participante desse coletivo no
cação vocacionalizada na formação de professo- sentido de efetivar uma formação para a “estéti-
res voltada para o treinamento projetado das ca da sensibilidade que vise transformar o tra-
ocupações” e, nesse processo fica secundarizado balho repetitivo e reprodutivo em trabalho
o conhecimento teórico, assim como a própria di- criativo”(Resolução CNE/CEB,nº3/1998 - Art.3º,
mensão pedagógica, considerando que o conheci- I), compreendendo, aqui, educação estética, não
mento sobre a prática assume papel de maior como tentativa isolada e romântica para enfren-
relevância do que a formação intelectual e política tar a desumanização do sistema educacional na
dos professores. sociedade capitalista, mas como a superação po-
Nesse prisma, a formação docente tem como sitiva da alienação, o que exige participação de
base conteúdos a-históricos e descontextualizados professores e alunos, especialmente, em debates
deixando de lado a sua formação como pessoa e que permitam a ousadia de criar o novo, o inova-
como cidadão, o que requer, em contrapartida, uma dor, preparando o aluno para conviver numa soci-
formação política que permita ao educador a com- edade instável, mas politicamente compreendida,
preensão das questões sócio-econômicas envolvi- para nela buscar alternativas próprias.
das em seu trabalho, sua identificação e resolução, Implica na compreensão do que representa “éti-
possibilitando-lhe autonomia para tomar decisões ca, autonomia, responsabilidade, solidarieda-
lúcidas no contexto em que se insere, respondendo de, respeito ao bem comum” (princípios comuns
aos interesses sociais. nas Diretrizes Curriculares para a Educação Bási-
A formação docente voltada para os interesses ca), ou seja, afastar-se de valores instituídos na
sociais requer, não só uma formação técnica com escola como verdadeiros, a partir de uma análise
base em competências práticas, mas uma forma- crítica dos mesmos, tais como o individualismo, a
ção ampliada, de modo que os profissionais res- discriminação e a descrença na mudança.
pondam às novas tarefas e aos desafios que incluem A realidade é que, pela primeira vez, a educa-
o desenvolvimento de disposição para atualização ção se defronta com a possibilidade de influir de
constante, com a finalidade de inteirar-se dos avan- forma determinante sobre o processo de desen-
ços do conhecimento nas diversas áreas, incorpo- volvimento. Omitir-se desta tarefa pode tornar-se
rando-os, bem como aprofundar a compreensão um fator de desequilíbrios, reforçando as ilhas de
da complexidade do ato educativo em sua relação excelência destinadas a grupos privilegiados. O
mais ampla com a sociedade. inverso, no entanto, pode constituir-se em uma po-
Entende-se, com Arroyo (1998), que a forma- derosa alavanca de promoção e resgate da cida-
ção de professores para essa tarefa deverá traba- dania de uma grande massa de marginalizados, na
lhar com a democratização do saber, a construção qual se inclui grande parte dos próprios professo-
da cultura e do conhecimento, com a compreensão res da educação básica e isso, não são apenas
do significado social e cultural dos símbolos cons- “competências do fazer e do aprender a fazer”
truídos e que o cercam. Para isso, a humanização suficientes para que, frente ao novo papel do co-
do “ser” é o objetivo da ação educativa, o que não nhecimento no nosso cotidiano, se modifiquem as
ocorre dissociado do mundo real, tanto da realidade estruturas de ensino hoje desenvolvidas em nossas
social, como individual das pessoas, visto que a es- escolas.
cola é uma instituição social no conjunto das institui- Com essas prerrogativas, a compreensão da
ções sociais e, portanto, faz parte do processo de legislação educacional poderá ter significados mais
construção e reconstrução da sociedade. amplos se interpretados politicamente; poderá trans-
Este é um compromisso que implica em uma formar a escola em um lugar de efetiva formação
nova cultura de formação em instituições educa- humana, através das “competências referentes ao
tivas, cuja estrutura organizacional administrati- domínio dos conteúdos a serem socializados;
vo-pedagógica observe a relevância de fatores de seus significados em diferentes contextos e

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Formação docente para a educação básica no contexto das exigências do mundo do trabalho: novas (ou velhas) propostas?

de sua articulação interdisciplinar”; “compe- de ao mundo experiencial e, nessa ótica, a compe-


tências referentes ao domínio do conhecimento tência identifica-se com a noção de subjetividade,
pedagógico”; “competências referentes ao co- de alteridade, de imediato, de efêmero, de instável.
nhecimento de processos de investigação que Nesse jogo em que capital e trabalho dispu-
possibilitem o aperfeiçoamento da prática pe- tam os projetos educacionais, sob a hegemonia
dagógica”; “competências referentes ao geren- do capital, a política educacional fica submetida
ciamento do próprio desenvolvimento profissi- ao rígido planejamento numa resposta às deman-
onal” (Diretrizes Curriculares Nacionais, Parecer das do setor produtivo de modo que a capacidade
CNE 009/2001), possam se valer de conhecimen- real do trabalhador para determinada ocupação,
tos da realidade social e política e dos valores em associada à mobilidade entre as diversas estrutu-
que está assentada essa realidade para o desen- ras de emprego, faz com que a formação de pro-
volvimento de capacidades de análise, de compre- fessores tenha o mesmo perfil exigido do
ensão e de busca de alternativas próprias ao seu trabalhador em geral.
fazer profissional, voltadas para os interesses so- Dessa forma, ressurge a Teoria do Capital Hu-
ciais e, não apenas mais um discurso vazio e enga- mano, mas, agora, assumindo novas característi-
nador voltado para satisfazer as exigências de cas, próprias de uma economia globalizada que, por
mercado, cujo propósito da formação está mais na sua vez, exige dos trabalhadores novas qualifica-
conformação da personalidade e da consciência ções e habilidades que lhes permitam inserir-se no
do que na emancipação e na formação racional do mercado de trabalho numa possível empregabili-
educador e do educando. dade, não significando a criação de empregos, nem
garantia de absorção ou permanência de todos no
Considerações finais mundo do trabalho.
É conveniente salientar que o projeto neolibe-
As exigências do mundo do trabalho levam-nos ral, ao subordinar a educação aos interesses do
a constatar que o movimento transformador que mercado, isto é, a capacidade flexível de adapta-
atinge hoje a informação, a comunicação e a pró- ção individual às demandas do mercado de traba-
pria educação constitui uma profunda revolução lho, um meio de mobilidade e ascensão social, faz
tecnológica, afetando diretamente as políticas de da educação a promessa integradora do sujeito ao
formação de professores para a educação básica, mundo do trabalho, o que, para Gentili (2002, p.51),
no sentido de colocar a própria educação básica representa “o eufemismo da desigualdade estrutu-
nos movimentos do capital. ral que caracteriza o mercado de trabalho”.
O capital espera que a escola tenha capacida- Lembramos que a Teoria do Capital Humano
de de garantir uma educação básica que possibilite foi um discurso enganoso utilizado nos anos 70 como
ao educando, futuro trabalhador, apropriar-se de um chamamento para a escolarização em massa,
novos conhecimentos e ajustar-se, da melhor for- que nesse período se processou sem que qualquer
ma possível, à flexibilidade do novo padrão de pro- tipo de qualidade para os interesses sociais fosse
dução, para o que se faz necessário professores objeto de análise.
“competentes”, cujos saberes da prática e da ex- As críticas à Teoria do Capital Humano se re-
periência são o seu fundamento. fazem, considerando-se, agora, a formação por
Nessa ótica, o capital investe em formação por competências que, apesar de não ser uma novida-
“competências”, tendo na experiência o seu fun- de na organização curricular, aparece recontextu-
damento, do que se pode dizer, com Ramos (2002), alizada, assumindo “um enfoque comportamenta-
que a epistemologia experiencial é, na verdade, uma lista e fragmentador, objetivando controlar a atuação
epistemologia adaptativa, pela qual os objetos e profissional” (DIAS; LOPES, 2003, p. 1160), indi-
fenômenos seriam conhecidos somente pela expe- cando um modelo de profissionalização que possi-
riência direta. O que está oculto, normalmente as bilita controle e avaliação diferenciados do traba-
contradições, não pode ser captado, pois transcen- lho do professor.

114 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 105-116, jul./dez. 2008
Sueli Menezes Pereira

Para Frigotto: ção. Com isso, se evidencia um deslocamento do


O processo educativo, escolar ou não, é reduzido à
processo de exclusão educacional que, agora, não
função de produzir um conjunto de habilidades in- se dá mais pelo acesso à escola, mas dentro dela,
telectuais, desenvolvimento de determinadas atitu- nas próprias instituições de educação formal, dei-
des, transmissão de um determinado volume de xando a educação à mercê dos interesses de
conhecimentos que funcionam como geradores de mercado.
capacidade de trabalho e, conseqüentemente, de Nesta perspectiva, compreender as artimanhas
produção. De acordo com a especificidade e com- do capital na educação implica em observar que
plexidade da ocupação, a natureza e o volume des- as propostas das diretrizes curriculares para a for-
sas habilidades deverão variar. A educação passa, mação de professores, com base em competênci-
então, a constituir-se num dos fatores fundamen- as, têm seu fundamento em conhecimentos que não
tais para explicar economicamente as diferenças de
se justificam como um fim, mas como um investi-
produtividade e renda (FRIGOTTO, 1984, p.40-41).
mento para a ação que, associada ao saber-fazer
A escolarização, assim, se constitui em alicer- proveniente da experiência ao lado dos saberes mais
ce para a aquisição de competências que se iden- teóricos tradicionalmente valorizados na lógica da
tificam como o fomento ao individualismo e à qualificação, daria origem a novas competências o
competição, condição básica para triunfar na es- que representa, na prática, um retorno ao tecnicis-
cola e na vida. Isso implica em compreender que, mo, ou um (neo)tecnicismo, entendido como um
em meio à conjuntura atual, na qual a palavra cen- aperfeiçoamento de formas de controle e avalia-
tral é a competitividade, a educação escolar passa ção, pelo qual a noção de competência assume uma
a ser vista apenas como um instrumental de for- nova mediação, ou uma mediação renovada pela
mação dos indivíduos para disputarem uma posi- acumulação flexível do capital, não substituindo nem
ção no mercado de trabalho, reforçando a idéia de eliminando, no entanto, a noção de qualificação,
que o capitalismo não funciona segundo as neces- como já foi afirmado neste trabalho.
sidades das pessoas e sim segundo a capacidade As Diretrizes Curriculares traduzidas nos do-
de consumo e lucro. cumentos legais, assim compreendidas, represen-
Ao assumir compromisso com a quantidade tam instrumentos impeditivos, tanto da autonomia
através do acesso à escola, o capital determina profissional dos docentes, como da autonomia pe-
uma qualidade de importância para suas necessi- dagógica das escolas com seus reflexos na organi-
dades, distanciando a educação da formação do zação escolar como um todo, esquecendo que a
sujeito, do que se compreende que, se o acesso à capacitação de professores não se limita a execu-
escola é condição necessária, não é condição su- tar currículos, mas também a elaborá-los, defini-
ficiente para inserir no mundo do saber e da par- los e reinterpretá-los a partir do que pensam, crêem,
ticipação consciente a maior parcela da popula- valorizam.

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Recebido em 27.05.08
Aprovado em 07.08.08

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Sonia Regina Landini

TRABALHO DOCENTE, PRECARIZAÇÃO


E QUADROS DE ADOECIMENTO

Sonia Regina Landini *

RESUMO

Frente às transformações postas socialmente, na direção dos processos de acumulação


do capital, a educação se caracteriza, cada vez mais, por seu caráter mercadológico,
cuja centralidade se localiza na formação de indivíduos adaptados à lógica capitalista
de produção. Neste quadro, o trabalho do professor sofre alterações em sua forma
de organização, seus objetivos e destinação, sustentados pelas políticas educacionais
vigentes. As implicações para a saúde do professor, diante das atuais formas de ser
do trabalho educativo, configuram um quadro problemático, que permeia desde o
abandono da carreira até problemas de saúde, relacionados ao sofrimento extremo.
Chamamos atenção para a relação entre a objetividade social, os sentidos do trabalho
e a sua não realização na forma de alienação e estranhamento.
Palavras-chave: Professor – Trabalho – Políticas educacionais – Alienação – Saúde

ABSTRACT

TEACHER WORK, PRECARIZATION AND SICKNESS

In the framework of recent social transformations toward capital accumulation,


education is characterized, every time more, as merchandise, based in a individuals
formation logic whose goal is to be adequate to the capitalist logic of production. In
this context, teachers’ work suffers alterations in its form, its objectives and destination,
supported by current educational politics. The consequences for the teachers’ health
configures a problematic situation, resulting in the abandonment of the career, health
problems related to extreme suffering. We highlight the relation between social
objectivity, the meanings of work and its relation with alienation.
Keywords: Teacher – Work – Educational politics – Alienation – Health

O trabalho docente tem como pressuposto a organizados pelo docente, o que significa que os
ação voltada à condução dos processos de ensino meios e a escolha de alternativas para a consecu-
com a finalidade de proporcionar aos alunos a apro- ção dos objetivos são conscientemente definidos
priação, assimilação e generalização do conheci- pelo professor.
mento científico. Tal ato se caracteriza como uma Isso implica que o significado da ação docente
prática em que o processo de trabalho, bem como está relacionado ao desenvolvimento do gênero
o produto, o resultado final, são autonomamente humano, de modo a potencializar a consciência dos

* Doutora em Historia e Filosofia da Educação - PUC/SP. Professora do Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação
da UFPR. Endereço para correspondência: Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação – UFPR, Rua General
Carneiro, 460, 5º andar, sala 502 – 80060-150 Curitiba-PR. E-mail: slandini@uol.com.br

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 117-128, jul./dez. 2008 117
Trabalho docente, precarização e quadros de adoecimento

sujeitos sobre as condições postas e suas escolhas lizados e desvinculados da prática cotidiana do
alternativas. Desse modo, o sentido da ação do- trabalho do professor, típicos de um modelo pro-
cente caracteriza-se pela realização de uma ativi- dutivista e pragmático.Nesse contexto, alguns
dade fundamental para a condição de humanização. estudos sobre essa temática têm sido realizados
No entanto, as condições históricas definem um no Brasil.
caráter particular para a ação docente, tendo em Lemos (2005) tece uma importante síntese
vista seu papel no processo de reprodução social. acerca dos estudos já realizados sobre esse assun-
Isto significa dizer que, no capitalismo, a ação e as to, identificando as principais definições com rela-
práticas docentes formalmente se caracterizam ção à saúde do trabalhador em educação,
pelo processo de reprodução da propriedade pri- particularmente do docente, e sua relação com a
vada e da desumanização, conflitando-se com a sobrecarga do trabalho, possibilitando contacto com
possibilidade de desenvolvimento das condições de as principais teses e dissertações, livros, artigos e
humanização por meio do conhecimento. Esse qua- demais contribuições sobre a temática, constatan-
dro conflituoso imprime um caráter contraditório à do o “... crescimento significativo no número de
sua atuação cotidiana, limitando o significado de casos de estresse e burnout1 entre os docentes
seu trabalho e, ao mesmo tempo, imprimindo um (do ensino fundamental, médio e superior) da rede
novo sentido à sua prática. Tal condição é gerado- pública e particular, associados ou não a outras
ra de diferentes formas de reação, que podem le- patologias.” (LEMOS, 2005, p.14). Afirma ainda a
var a acomodação e à alienação, ou desencadear necessidade de aprofundar os estudos acerca da
mecanismos de resistência tanto individuais quan- vinculação dos processos de trabalho aos proces-
to coletivos. sos de saúde e adoecimento.
Neste âmbito de análise, focaremos as condi- Dentre as principais produções sobre a temáti-
ções de trabalho no capitalismo contemporâneo, ca, destacam-se as contribuições de Esteve (1999)
suas conseqüências para o trabalho docente e as e Codo (1999), que analisam o stress e os fatores
formas de reação que têm levado a crescentes ín- psicossociais relacionados à saúde do professor.
dices de adoecimento mental. Delcor et al (2004) realizaram um estudo em
Vitória da Conquista, Bahia, com mais de 600 pro-
Os estudos sobre saúde e adoecimento fessores da rede particular de ensino da cidade, per-
docente passando desde o ensino pré-escolar até o ensino
médio. Neste estudo, constataram, dentre os dife-
As preocupações com a saúde do professor, rentes problemas de saúde, problemas psicossomá-
em especial no caso brasileiro, apesar de recen- ticos ou relacionados à saúde mental/cansaço mental
tes (CODO, 1999; LEMOS, 2005; ESTEVE, (59,2%). Segundo os autores, com relação aos dis-
1999), indicam que os problemas de saúde que túrbios psíquicos menores (DPM)2 há uma incidên-
afetam a categoria estão intimamente relaciona- cia de 41,5%, evidenciando um crescimento
dos a um conjunto de fatores, dentre os quais
destacamos: o tipo de trabalho exercido, tendo em 1
Trata-se de uma síndrome, resultante da pressão emocional,
vista a responsabilidade pela formação de outros relacionada ao trabalho. Advém de uma expressão do idioma
inglês e refere-se à exaustão de energia, provocada pela tentati-
sujeitos; o excesso de trabalho; a precarização va de superar as pressões geradas no ambiente de trabalho e que
do trabalho, a perda de autonomia, a sobrecarga levam ao desgaste crônico, que, por sua vez, provoca um pro-
cesso de esgotamento que acarreta a perda de motivação e de-
de trabalho burocrático, o quadro social e econô- sinteresse pelo trabalho.
mico e as condições de vida dos alunos. Em acrés- 2
Doenças psíquicas menores (DPM) são os distúrbios mentais co-
cimo, deve-se também às condições objetivas muns, tais como depressão, ansiedade, distúrbios somatoformes e
neurastenia. São identificados por meio do Self-Report Questionnaire
impostas pelas reformas educacionais a partir da (SRQ), instrumento constituído de 20 perguntas (SRQ-20) que po-
segunda metade da década de 1990, que impli- dem ser respondidas por meio de autopreenchimento ou de entrevis-
ta, que permite fazer o rastreamento de distúrbios psiquiátricos. O
cam em processos marcados por mecanismos de SRQ é recomendado pela Organização Mundial de Saúde para identi-
avaliação institucional e do conhecimento centra- ficar doenças psíquicas comuns.

118 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 117-128, jul./dez. 2008
Sonia Regina Landini

percentual em estudos realizados até então que se realizam; à concorrência com outros meios de trans-
aproximam da faixa entre 18 a 24,2%, observando- missão de informação e cultura e, também, é cla-
se, entretanto, que no momento da pesquisa a cate- ro, aos baixos salários. “Todos esses fatores levam
goria passava por uma forte crise sindical, o que à percepção de que o trabalho que está sendo rea-
pode ter contribuído para alcançar esses índices. lizado não tem relação com as suas necessidades,
Estudo realizado com professores da rede par- expectativas e interesses ....” (p.77-78)
ticular de ensino de Salvador constatou que o índi- Os estudos sobre o sofrimento no trabalho têm
ce de distúrbios psíquicos menores (DPM) foi de como influência as contribuições da psicanálise,
20,3, o que significa que em cada cinco indivíduos particularmente de Freud, tendo em vista ser o so-
estudados um era suspeito de portar algum distúr- frimento caracterizado, de modo geral, pela angústia
bio psíquico. (ARAÚJO; REIS; SIVANY-NETO; gerada pela expectativa diante do perigo. Isto pos-
KAWALKIEVICZ, 2003, p.19). to, pode-se depreender, na ótica da psicanálise, que
Marchiori, Barros e Oliveira (2005) realizaram as condições da sociedade moderna levam a um
estudo tendo como ênfase a análise do perfil epi- crescente grau de angústia e sofrimento, que re-
demiológico de uma amostra composta de 607 pro- sulta em uma série de problemas ligados aos pro-
fessores da rede pública municipal de Vitória, cessos de adoecimento mental.
apontando problemas relacionados à “... dinâmica No caso do desgaste emocional relacionado ao
existente entre o processo de trabalho e a produ- trabalho do professor, diferentes pesquisas refe-
ção de saúde-doença nessa categoria profissional, rem-se à síndrome da desistência – bournout –,
dando visibilidade aos fatores de desgaste no tra- expressão de uma exaustão emocional ligada ao
balho.” (p.155). Segundo o estudo, dos 607 pro- trabalho. Os estudos realizados tendem a eviden-
fessores, 273 (44,98%) apresentaram problemas ciar a dor e sofrimento do trabalho “...de um pro-
de saúde ligados a transtornos mentais. Para os fissional encalacrado entre o que pode fazer e o
autores: que efetivamente consegue fazer, entre o céu de
...os resultados dessa primeira fase da pesquisa
possibilidades e o inferno dos limites estruturais,
sinalizavam o descaso das políticas públicas no que entre a vitória e a frustração...”. (CODO, 1999,
se refere à atenção à saúde dos docentes no municí- p.13). A variedade de estudos sobre a temática
pio de Vitória e às condições muito precárias de provoca indagações que permeiam desde caracte-
trabalho. Os professores estão imersos em um con- rísticas de personalidade até insatisfação ligada ao
flito cotidiano entre o que é exigido, o que desejam e volume de trabalho, à não consecução de fins ide-
o que realmente é possível fazer diante dos obstá- alizados, dentre tantas.
culos, das condições e da organização atual do tra- Os sintomas, relacionados à síndrome de bour-
balho na educação em Vitória. (p.156 - grifos nossos). nout, são de diferentes amplitudes, dentre os quais,
Lapo e Bueno (2003), ao analisarem dados so- conforme Benevides-Pereira (2001), estão: enxa-
bre exoneração dos professores da rede estadual quecas, dores de cabeça, insônia, gastrites e úlce-
de ensino de São Paulo, constatam que, no período ras; diarréias, crises de asma, palpitações,
entre 1990 a 1995, houve um aumento da ordem hipertensão, maior freqüência de infecções, dores
de 300% nos pedidos de exoneração no magistério musculares e/ou cervicais; alergias, suspensão do
público. (LAPO; BUENO, 2003, p. 68). A análise ciclo menstrual nas mulheres. No que diz respeito
de questionários, realizada por esses autores com aos fatores comportamentais, são sintomas
um grupo de 158 ex-professores da Delegacia de o absenteísmo, o isolamento, a violência, drogadi-
Ensino (DE) que apresentou o maior índice de eva- ção, incapacidade de relaxar, mudanças bruscas
são, e de entrevistas realizadas com 16 desses pro- de humor, comportamento de risco. Também a
fessores, indica que o desgaste com relação à impaciência, o distanciamento afetivo, o sentimen-
profissão se deve: a uma sobrecarga de trabalho; to de solidão, dificuldade de concentração, senti-
à falta de apoio dos pais dos alunos; a um senti- mento de impotência; desejo de abandonar o
mento de inutilidade em relação ao trabalho que emprego; decréscimo do rendimento de trabalho;

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 117-128, jul./dez. 2008 119
Trabalho docente, precarização e quadros de adoecimento

baixa auto-estima; a negação das emoções, hosti- so que passa pela ruptura entre trabalho como ex-
lidade, apatia e desconfiança, podem ser conside- pressão da realização humana e trabalho como
rados sintomas comuns mercadoria. No caso do trabalho dos professores,
Estas condições apontam para um quadro cada esse quadro se instala de modo a impor dentro da
vez mais precário de saúde, vida e trabalho. escola um processo de racionalização do trabalho
Os processos de desgaste físico e mental dos pro-
que leva à perda de autonomia, à desqualificação
fessores representam conseqüências negativas não e à perda do controle tanto do processo quanto do
somente para o professor, mas também para o aluno produto do trabalho (cfr APPLE, 1987, 1989), pro-
e para o sistema de ensino. Os custos sociais e eco- vocando a: “...proliferação de especialidade e o
nômicos podem ter múltiplos desfechos: absenteís- confinamento dos docentes em áreas e disciplinas
mo, acidentes e enfermidades diversas (físicas, (...) [associada à] delimitação de funções que são
comportamentais e psíquicas). (ARAÚJO; REIS; SI- atribuídas de forma separada a trabalhadores es-
VANY-NETO; KAWALKIEVICZ, 2003, p.20) pecíficos, desmembrando-se assim as competên-
Corroborando essas afirmações, Lemos (2005) cias de todos...” (ENGUITTA, 1991, p. 48).
indica que, dentre os problemas de saúde localiza- As formas de organização do trabalho no inte-
dos em estudo com professores universitários, es- rior da escola, em consonância com as transfor-
tão os relacionados à carga psíquica. O autor mações societárias, apontam, cada vez mais, para
evidencia que “... a carga psíquica é produzida ou o trabalho do professor como um prestador de ser-
suscetibilizada na organização do trabalho. Elas são viços, diminuindo as chances de realização do ob-
relacionadas com as demais cargas, porém, deri- jetivo desejado com o trabalho educativo, qual seja,
vam de situações estressoras no processo de tra- o saber, a reprodução e produção de conhecimen-
balho.¨” (LEMOS, 2005, p.29) to científico e a melhoria da condição humana.
Esse quadro expressa o duplo caráter do tra- Para Travers e Cooper (1997) uma das causas
balho: que influenciam na insatisfação dos professores,
levando a problemas de saúde, está relacionada,
... por um lado, é fonte de realização, satisfação, pra- no caso da Inglaterra, à Reforma Educacional –
zer, estruturando e conformando o processo de iden-
1988 –, expressão política das formas de universa-
tidade dos sujeitos; por outro, pode também se
transformar em elemento patogênico, tornando-se
lização do capitalismo.
nocivo à saúde. No ambiente de trabalho, os pro- Segundo Popkewitz (1997), as reformas leva-
cessos de desgaste do corpo são determinados em das a cabo nos anos 80 e 90, particularmente to-
boa parte pelo tipo de trabalho e pela forma como madas a partir da análise das reformas nos EUA,
esse está organizado. (DELCOR et al, 2004, p.1). indicam um movimento de transformação e, ao
mesmo tempo, de manutenção dos padrões relaci-
Sem deixar de lado essas e outras possíveis
onados ao desenvolvimento científico e à profissi-
contribuições para a compreensão dos problemas
onalização, agora transformados em mercadoria.
relacionados à saúde mental dos professores e seu
vínculo com os pressupostos da modernidade, con- As exigências atuais de reformas escolares mantêm
sideramos oportuno apontar algumas reflexões as visões da época anterior, mas as estendem e re-
acerca das relações de trabalho e do processo de definem diante das transformações contemporâne-
trabalho na condição de expressão do devir huma- as (...) Em certos aspectos, há um fundo religioso
nesse novo nacionalismo que se baseia na retórica
no e, ao mesmo tempo, suas contradições. Dito de
da Nova Direita. Ele rejeita as noções liberais de
outro modo, buscar refletir sobre as condições de-
profissionalismo que se concentraram em proporci-
sejadas de trabalho na direção da formação e as onar ajuda institucional para os pobres e redefine
condições objetivas. um programa de auto-ajuda, sem refutar as estraté-
Nesse sentido, é importante considerar que as gias pragmáticas, funcionais, da profissionalização.
formas de organização do trabalho na modernida- Como é exemplificado pelos documentos da refor-
de, marcadas pela racionalização, parcelarização ma, o tom moral que surgiu nos anos 80 combina um
e rotinização do trabalho, põe em ativo um proces- programa econômico específico para o conhecimen-

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to científico e tecnológico (...), com uma ênfase cul- das, executoras dessas políticas; e) distinção entre
tural relacionada a certos aspectos conservadores dois tipos de unidades descentralizadas: as agênci-
(...). No final da década, as preocupações com os as executivas, que realizam atividades exclusivas do
pobres e socialmente marginalizados foram formula- Estado, por definição monopolistas, e os serviços
das nas regras gerais do discurso sobre as refor- sociais e científicos de caráter competitivo, em que
mas, como exemplificado pelo slogan de escolha que o poder do Estado não está envolvido; f) transfe-
privatiza as instituições sociais. Esses interesses são rência para o setor público não-estatal dos serviços
apresentados como expressão de um programa para sociais e científicos competitivos; g) adoção cumu-
a sociedade como um todo. (POPKEWITZ, 1997, lativa, para controlar as unidades descentralizadas,
p.155-156) dos mecanismos (1) de controle social direto, (2) do
contrato de gestão em que os indicadores de de-
As reformas de Estado, necessárias à condu- sempenho sejam claramente definidos e os resulta-
ção do processo de acumulação de capital, tomam dos medidos, e (3) da formação de quase-mercados
corpo no Brasil a partir da década de 90, tendo em que ocorre a competição administrativa; h) ter-
como um dos mais notáveis propositores o então ceirização das atividades auxiliares ou de apoio, que
Ministro Bresser Pereira, que irá defender uma passam a ser licitadas competitivamente no merca-
administração gerencial para o Estado, justificada do. (PEREIRA, 1997a, p.11)
pela necessidade histórica de evolução política da Há, nas proposições da Reforma da Adminis-
sociedade brasileira. tração Pública do Estado, uma forte tendência à
A administração pública burocrática foi adotada para descentralização3 , ao controle de resultados (pro-
substituir a administração patrimonialista, que ca- dutividade), à terceirização, o que define marca-
racterizou as monarquias absolutas, na qual o patri- damente o caráter empresarial da gestão pública,
mônio público e o privado eram confundidos. (p.11) condição sine qua non, na concepção de seu pro-
(...) Como a administração pública burocrática vi- positor, para que a cultura patrimonialista seja trans-
nha combater o patrimonialismo e foi implantada
posta e se universalize o acesso aos direitos sociais.
no século XIX, no momento em que a democracia
dava seus primeiros passos, era natural que des-
É nesse quadro que são propostas metas para a
confiasse de tudo e de todos – dos políticos, dos educação nacional, cuja garantia a seu acesso se
funcionários, dos cidadãos. Já a administração caracteriza como a condição necessária à demo-
pública gerencial parte do pressuposto de que já cratização.
chegamos a um nível cultural e político em que o As determinações quanto à urgência da reforma
patrimonialismo está condenado e a democracia é educativa, no caso brasileiro, são caracterizadas pelo
um regime político consolidado. (PEREIRA, 1997, alto índice de analfabetos e pelo ineficiente acesso
p.12 - grifo nosso) à educação básica, especificamente o ensino fun-
Trata-se de aperfeiçoar o processo de demo- damental, o que, para seus propositores, exigiria es-
cratização, por meio de uma administração geren- forços na direção da reformulação dos sistemas
cial, do mundo dos negócios econômicos capitalistas educativos, em especial nos processos de gestão,
para o que é necessário que se adotem medidas, na direção da administração gerencial e financia-
tais como: mento, garantindo-se um maior controle local sobre
as demandas e a oferta educacional, o que diminui-
a) orientação do Estado para o cidadão usuário ou ria as desigualdades regionais com a implementa-
cidadão-cliente; b) ênfase no controle dos resulta- ção de um processo de melhoria da qualidade por
dos, através de contratos de gestão (ao invés de meio da adequação às necessidades regionais.
controle de procedimentos); c) fortalecimento e au-
mento da autonomia da burocracia estatal, organi-
3
zada em carreiras ou “corpos” de Estado, e valoriza- Apesar das proposições indicarem a descentralização ocorre
um processo de desconcentração, tendo no Estado, então enxu-
ção de seu trabalho técnico e político de participar, to, o avaliador, o financiador e propositor dos princípios e
juntamente com os políticos e a sociedade, da for- diretrizes políticas, repassando à sociedade as atribuições de
mulação das políticas públicas; d) separação entre caráter operacional. com o argumento de democratização e
ampla participação da sociedade. Tal aspecto provoca um des-
as secretarias formuladoras de políticas públicas, monte do Estado democrático na direção dos interesses do capi-
de caráter centralizado, e as unidades descentraliza- tal, mediados pelas agências multilaterais.

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Trabalho docente, precarização e quadros de adoecimento

Nesse contexto, a ênfase no ensino fundamen- ção para todos. Essas diretrizes se reafirmarão com
tal, tida como prioritária, se caracteriza pelo fato a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases – Lei
de que “... o ensino de primeiro grau é a base e sua 9394/96 – e definirão os rumos da educação naci-
finalidade fundamental é dupla: produzir uma po- onal para o novo século.
pulação alfabetizada e que possua conhecimentos No caso do Estado de São Paulo, o Plano Esta-
básicos de aritmética capaz de resolver problemas dual de Educação de São Paulo (GOVERNO DO
no lar e no trabalho, e servir de base para sua pos- ESTADO DE SÃO PAULO/SEE, s/d) segue a
terior educação.” (BANCO MUNDIAL, 1992, mesma linha de orientação da esfera federal, ou
p.12, apud TORRES, 1996, p.131). seja, prioriza a educação básica, tendo como fator
Do ponto de vista oficial, a prevalência do ensi- chave os processos de descentralização e munici-
no fundamental, se sustenta na necessária garan- palização, seguindo-se as proposições mais gerais
tia à adaptação ao processo de desenvolvimento com relação às Reformas de Estado, o que provo-
tecnológico, à informação e à aquisição de novas ca uma queda de investimentos na educação bási-
habilidades. (BANCO MUNDIAL, XI, 1995, apud ca, na medida em que os municípios têm menos
CORAGGIO, 1996, p.100). Neste contexto, a edu- taxa de arrecadação de tributos, o que resulta na
cação está totalmente relacionada ao paradigma queda dos investimentos reais voltados para a edu-
econômico de competitividade4 e flexibilidade, ten- cação, especialmente no que diz respeito ao ensi-
do em vista o desenvolvimento de habilidades e no fundamental, mantendo-se sob controle
competências pautadas no saber-fazer, saber-ser, centralizado os processos de definição das diretri-
saber-conhecer, perspectiva esta que pretende o zes e da avaliação do ensino, o que revela um radi-
desenvolvimento de dimensões cognitivas, psico- cal abandono da esfera pública em relação à
motoras, sociais e afetivas, tendo como base os educação básica, ainda que os documentos ofici-
resultados a serem atingidos pelos sujeitos frente a ais apontem o movimento oposto.
uma situação dada. Nesse sentido, a escola assume como tarefa a
Tendo em vista essas orientações, expressas formação pragmática do indivíduo, potencializado
no documento gerado pela Conferência Mundial em sua singularidade absoluta, estimulando sua
sobre Educação para Todos, realizada em Jomti- adaptação aos processos sociais que colocam a
responsabilidade do público sobre o privado, fazen-
en, Tailândia, de 5 a 9 de março de 1990, na De-
do com que recaia sobre a sociedade e sobre os
claração de Nova Delhi, de 1993, foram elaborados
sujeitos a responsabilidade pelo sucesso ou insu-
o “Plano Decenal de Educação para Todos” e o
cesso dos processo de aprendizagem.
documento “Planejamento Político Estratégico do
O professor, nesta lógica, torna-se peça-chave,
MEC” (1994-1998). Em 1993 definiram-se as ne-
tendo em vista a responsabilidade que lhe é posta
cessidades e as metas para a educação nacional.
acerca do sucesso ou da marginalização dos alu-
O enfoque focaliza a educação básica, em espe-
nos, revelando o escamoteamento das condições
cial buscando proporcionar o acesso aos excluí-
desiguais, socialmente postas.
dos, com ênfase na aprendizagem que, por sua
Nesse escopo, as reformas educacionais dis-
vez, recaí na adequação às necessidades sociais
seminam a compreensão de uma escola eficaz aos
e produtivas.
moldes e padrões de formação voltada à empre-
Esse processo estimula a cooperação entre gabilidade e para as competências, condizentes
Estado e sociedade civil, particularmente no que com a transição do taylorismo/fordismo para a acu-
concerne à esfera privada, ao mesmo tempo em
que transfere, pela rede de execução anteriormente
referida, os deveres do Estado e os direitos sociais 4
Sobre a noção de competência ver (ROPÉ &TANGUY, 1994).
As autoras realizam uma análise crítica a partir da experiência
e subjetivos dos cidadãos para a iniciativa privada das práticas escolares propostas pelo governo socialista fran-
e para uma sociedade civil que se reorganizou du- cês. Interessa-nos aqui, apesar das diferentes condições em que
as competências são postas em curso na França e analisadas
rante o governo de Fernando Henrique Cardoso, pelas autoras, a crítica subjacente ao experimentalismo, à ênfa-
tornando possível o discurso do acesso à educa- se nos resultados e não no processo, entre outras.

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mulação flexível5 (HARVEY, 1992), levando a quanto a sociabilidade humanas. Quanto mais se
cabo transformações fundamentais tanto para a desenvolve a sociabilidade, mais mediações entre
escola quanto para o trabalho do professor. genérico e particular se fazem necessárias, sinteti-
zando os elementos, genérico e singulares, numa
Trabalho docente na cotidianidade complexificação cada vez maior.
Nesse contexto estão presentes o conhecimen-
O trabalho é um processo de objetivação, que to, posto que é parte desse processo, e o domínio
tem como base a ação consciente do homem fren- das condições objetivas para que, na consciência,
te às necessidades e às condições concretas, pro- as mediações e escolhas alternativas sejam realiza-
cesso no qual são definidas, também, a essência das na direção do alcance do fim posto. Na mesma
da postura subjetiva e as formas por meio das quais medida, estão presentes emoções e sentimentos.
o sujeito do processo do trabalho define sua postu- Na apropriação das condições postas (social-
ra com relação a si mesmo. mente) e na escolha, por meio da consciência, das
Considerando-se que o concreto é sempre um melhores formas para se atingir o objetivo, o sujei-
processo (relacionado a uma estrutura econômi- to se forma e estabelece uma nova conexão entre
co-político-social dada), não um fato dado como singular e genérico, tornando sua existência cada
resultado, partimos do pressuposto de que a vida vez mais genérica, contribuindo, com sua prática,
para uma nova realidade. Aqui a apropriação das
individual pode ser mais particularmente genéri-
significações sociais dá um sentido novo à prática
ca e/ou a vida genérica particularmente mais in-
individual, tendo em vista sua vida concreta.
dividual. (LUKÀCS, 1968). Os indivíduos se
As significações são, portanto, expressão da
apropriam das objetivações existentes e produ-
generalidade humana, das práticas históricas, assi-
zem novas objetivações e, neste processo, se afir-
miladas pelos sujeitos, considerando-se sua singu-
mam como gênero humano. Dito de outro modo,
laridade, sua vivência e suas experiências pessoais.
o trabalho humano é um processo que contém em
Na busca por atingir a meta estabelecida, as ações,
si as formas por meio das quais os homens se
mediadas pelas significações sociais, definem o
auto-realizam, transformam conscientemente o
sentido pessoal do ser em dado momento. Dito de
mundo objetivo e a si mesmos, ativando uma sé-
outra forma, orientado para o alcance de um fim, o
rie de conexões que expressam a materialidade e
sentido da prática individual se define por sua ex-
a subjetividade e agem na direção do desenvolvi-
pressão no conjunto das significações, o “... senti-
mento humano. Assim, é possível considerar que do pessoal traduz precisamente a relação do sujeito
o dever-ser, tanto na perspectiva da objetividade com os fenômenos objetivos conscientizados.”
quanto da subjetividade, em sua relação dialética, (LEONTIEV, 2004, p.105).
é o elemento norteador da formação humana, mar- O significado da ação humana, portanto, diz
cadamente social. Nesse processo, só é possível respeito à experiência humana generalizada, à ge-
conceber a ação humana na direção de um fim – nericidade, às formas de apropriação do real que
teleologia –, mediante a inseparável inter-relação se concretizam no conjunto das ações acumuladas
entre ambos os aspectos. O devir se caracteriza, socialmente. São ações conscientes, tendo em vis-
fundamentalmente, tanto pelo transformar-se ta o fim a ser alcançado, fim este que coincide
quanto pelo vir a ser, processo inerente da auto- com a necessidade social na direção do desenvol-
criação. vimento do gênero humano, do para-si. Quanto
O rompimento das barreiras naturais e a cres- mais genericamente se realiza a ação do sujeito,
cente sociabilização dão um caráter cada vez mais mais dotada de sentido. Dito de outro modo, o sen-
genérico às práticas humanas. Nesse contexto, o tido se coloca como criação, como ação individual
sujeito se configura como uma particularidade par-
ticipe da totalidade existente, alterando também a 5
Consideramos oportuno ressaltar que, no quadro de
reestruturação produtiva, há a permanência do padrão fordista
objetividade e influenciando a vida de outros, de- de produção, em especial nos setores periféricos. (HARVEY,
senvolvendo-se, portanto, tanto a individualidade 1992)

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Trabalho docente, precarização e quadros de adoecimento

diante do socialmente posto. Significado e sentido reflexões, na busca de resultado seguro; proces-
são, portanto, partes de um só processo. sos de ultrageneralização, ações baseadas em
Na atualidade da sociedade capitalista, carac- experiências prévias, individuais e sociais, e que se
terística marcante se apresenta por um processo caracteriza pela imitação e/ou analogia.
contraditório, no qual motivações genéricas e sin- Quanto mais o valor econômico assume prepon-
gulares se opõem. Ainda que a intenção do traba- derância maior a tendência de reproduzir as formas
lhador permaneça no âmbito das motivações de atuação que levam à práticas espontâneas, prag-
genéricas e do desenvolvimento social, ele não máticas, tendo em vista os mecanismos ideológicos
mantém uma relação consciente com a generici- que imprimem uma lógica pragmática, utilitarista,
dade. O trabalhador não domina o produto de seu espontânea. No caso do trabalho do professor, cujo
trabalho nem o processo de trabalho e, ainda me- produto e processo consistem nas relações media-
nos, a compreensão de seu próprio trabalho, em das pelo conhecimento científico historicamente ela-
termos singular e genérico. O conteúdo de seu tra- borado, temos que, no capitalismo, se processa um
balho, que lhe preenche a vida de sentido, assume afastamento das condições autônomas de trabalho,
a forma do valor econômico, conferindo-lhe, por- associado a: mecanismos de intensificação das ta-
tanto, um sentido individualizado, cujo resultado refas administrativas e burocráticas; imposição de
refere-se ao salário, que oculta a mais-valia, impri- conteúdos por meio de livros didáticos; processos
mindo um caráter fetichizado à sua existência. de avaliação definidores do conteúdo e do processo
Aqui ressaltamos as contribuições de Heller de trabalho. Neste caso, perde-se de vista a identi-
(1985) para a compreensão da esfera cotidiana e dade com o conteúdo do trabalho que passa a ser,
não cotidiana na direção da identificação da gene- cada vez mais, estranho ao professor. O significado
ricidade humana. A esfera da vida não cotidiana de seu trabalho, ainda que se mantenha o foco na
representa o grau máximo de avanço social, rela- formação de um aluno capaz de apropriar-se do
cionada às objetivações genéricas para-si (ciên- conhecimento cientifico, choca-se com as formas
cia, filosofia) que se caracterizam pela compreen- rotinizadas e impositivas às quais o professor tem
são do caráter universal do gênero humano. A de se submeter. Essa condição pode ser identifica-
esfera da vida cotidiana diz respeito à reprodução da ao tomarmos as formas de avaliação centraliza-
da vida individual e coletiva marcada por objetiva- das (SABESP6 , SAEB7 , no caso do ensino superior
ções genéricas em si. o ENADE8 ) e as políticas educacionais que privile-
Neste âmbito, estão presentes as ações cal- giam a tecnologia, atrelada a mecanismos de for-
cadas nos processos histórico-sociais que se ca- mação continuada, centrados na superficialidade dos
racterizam pela ação, por sentimentos e por pen- conteúdos em favorecimento aos métodos, sendo
samentos alienados, visto que a sociedade estes últimos menos construções mediativas para o
contemporânea impede aos indivíduos a apropri- conseqüente ensino baseado no conhecimento ci-
ação da genericidade para-si, de compreender a entífico e muito mais instrumentos normativos, defi-
universalidade das práticas humanas, uma vez que nidores do que e como ensinar.
as condições objetivas levam a práticas automa- Conforme aponta Basso (1998, s/p), as condi-
tizadas, se considerarmos os limites postos pelas ções de trabalho alteram a motivação, o significa-
condições político-econômicas. do e o sentido de seu trabalho
Entre as características da vida cotidiana es-
tão: o agir espontâneo, que se caracteriza pela 6
Sistema de avaliação da educação básica da Secretaria Estadual
ação sem a compreensão real da realidade; a crí- de Educação de São Paulo.
tica, que marca a maioria das atividades simples, 7
O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), conforme
estabelece a Portaria n.º 931, de 21 de março de 2005, é com-
mas também as que se tornam freqüentes nas ações posto de dois processos: a Avaliação Nacional da Educação Bá-
rotineiras de trabalho; a possibilidade, tendência sica (Aneb) e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar
(Anresc).
a realizar atividades sem a certeza de seu resulta- 8
Exame Nacional de Desempenho de Estudantes que avalia o
do; economicismo, busca segura de resultados; o rendimento dos alunos dos cursos de graduação em relação aos
pragmatismo, ação voltada para a prática, sem conteúdos programáticos, suas habilidades e competências.

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O que incita, motiva o professor a realizar seu traba- dos objetivos limita-se ao condicionado socialmen-
lho? Este motivo não é totalmente subjetivo (inte- te, o que significa dizer que imprimem um sentido
resse, vocação, amor pelas crianças etc.), mas rela- cada vez mais individualizado. Para Leontiev
cionado à necessidade real instigadora da ação do (2000, s/p)
professor, captada por sua consciência e ligada às
condições materiais ou objetivas em que a atividade As emoções preenchem as funções de sinais inter-
se efetiva. Essas condições referem-se aos recursos nos, no sentido de que não aparecem diretamente
físicos das escolas, aos materiais didáticos, à orga- como um reflexo psíquico da própria atividade psí-
nização da escola em termos de planejamento, ges- quica. A característica especial das emoções reside
tão e possibilidades de trocas de experiência, estu- no fato de que refletem relacionamentos entre os
do coletivo, à duração da jornada de trabalho, ao motivos (necessidades) e o sucesso, ou a possibili-
tipo de contrato de trabalho, ao salário etc. Quando dade de sucesso, de realizar a ação do sujeito que
essas condições objetivas de trabalho não permi- responde a esses motivos. Não estamos falando,
tem que o professor se realize como gênero huma- aqui, sobre o reflexo desses relacionamentos, mas
no, aprimorando-se e desenvolvendo novas capa- sobre um reflexo seu que se dá de forma direta e
cidades, conduzindo com autonomia suas ações, sensorial, sobre a experiência. Assim, eles aparecem
criando necessidades de outro nível e possibilitan- como resultado da atualização de um motivo (ne-
do satisfazê-las, ou seja, “que, portanto, ele não se cessidade), e antes de uma avaliação racional por
afirma, mas se nega em seu trabalho, que não se parte do sujeito a respeito de sua atividade.
sente bem, mas infeliz, que não desenvolve energia
As condições de trabalho postas na atualidade,
mental e física livre, mas mortifica a sua physis e
no que se refere ao trabalho do professor, acabam
arruína a sua mente” (Marx 1984, p. 153), este traba-
lho é realizado na situação de alienação (...) o signi- por influir no grau de realização, na satisfação ge-
ficado de seu trabalho é formado pela finalidade da rada por meio de sua atividade, trazendo a tona
ação de ensinar, isto é, pelo seu objetivo e pelo con- diferentes sentimentos e emoções. Esses sentimen-
teúdo concreto efetivado através das operações re- tos e essas emoções são desencadeadores de im-
alizadas conscientemente pelo professor, conside- pulsos, conforme aponta Heller (1994, p. 52-53):
rando as condições reais e objetivas na condução
do processo de apropriação do conhecimento pelo La relación particular con el mundo, la plena identi-
aluno (...) [sendo que] a mediação realizada pelo pro- ficación del yo con su propio carácter psíquico, y
fessor entre o aluno e a cultura apresenta especifici- además con las normas de su entorno, la conciencia
dades, ou seja, a educação formal é qualitativamen- acrítica del nosotros lleva, la mayoría das veces… a
te diferente por ter como finalidade específica la explosión de los hábitos afectivos y emocionales
propiciar a apropriação de instrumentos culturais reprimidos mediante los canales permitidos. Los sen-
básicos que permitam elaboração de entendimento timientos puramente particulares – como la envidia
da realidade social e promoção do desenvolvimento y la vanidad, los celos y la cobardía –, vinculados a
individual. Assim, a atividade pedagógica do pro- la defensa de la particularidad, con frecuencia se
fessor é um conjunto de ações intencionais, consci- transforman, súbitamente en destructividad.
entes, dirigidas para um fim específico. (BASSO, No caso da sociedade capitalista, a competição
1998, s/p – grifos nossos)
tende a desenvolver nos homens inveja, vaidade e
No capitalismo, essas mediações levam o pro- ciúme, gerando frustração. Segundo Heller, a frus-
fessor a realizar seu trabalho de modo cada vez tração não é a única razão para os impulsos agres-
menos consciente e mais marcadamente pragmá- sivos, mas desempenha papel fundamental no
tico, alienando-o, afastando-o do domínio do pro- desencadeamento do impulso agressivo. “Las po-
cesso e do produto de seu trabalho. Na cotidiani- sibilidades de la sociedad burguesa son (…) ilimi-
dade, a busca pela economia de tempo reduz o tadas e iguales para todos. Pero esta misma
tempo de preparo de suas aulas, de seus estudos e sociedad está estratificada, se divide en clases y
na melhoria das condições de sua formação. estratos, cada uno dos cuales procura lograr un
Nesse âmbito, as emoções, os sentimentos e a prestigio cada vez mayor.” (1994, p.53).
própria constituição subjetiva se caracterizam por Nesse contexto, a compreensão do outro – ge-
alto grau de conflituosidade, visto que o alcance nericidade humana – se desvanece, dando lugar

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Trabalho docente, precarização e quadros de adoecimento

as formas de opressão, de exercício de poder. Essa as atividades de planejamento pedagógico são subs-
“agressividade instrumental”, no entanto, não é tida tituídas por planos elaborados sob a égide do mo-
como fim, mas como meio, como instrumento com- delo de competências; que os planos de trabalho
petitivo, como parte do processo de adaptação so- são delineados pela inclusão de métodos de ensino
cial. Esse processo, no entanto, é conseqüência da tecnologicamente instrumentais; que as formas de
sociedade industrial moderna marcada pela com- avaliação são definidoras do que ensinar e não
petitividade, desigualdade e não reveladora de um como instrumento auxiliar nos processos de apren-
caráter destrutivo inato. dizagem e de fonte para as escolhas de ensino.
A conduta competitiva acaba por caracterizar Associado a esses processos, a excelência do en-
uma desagregação da personalidade9 . A autora sino, medida por parâmetros produtivos (publica-
afirma que “... pelo menos una parte de las perso- ções, orientações, no caso do ensino superior, e na
nalidades disgregadas por la adaptación muestran quantidade de aprovações, no caso do ensino bási-
cierta predisposición ala depresión y al aburrimi- co), têm por base o caráter mercadológico que se
ento.” (HELLER, 1994, p.55). impõe à educação publica, afastando, cada vez
Os estados de apatia e de aborrecimento fren- mais, o professor da autonomia criativa.
te à situação vivida expressam a contradição entre Em contrapartida, mesmo que a consciência das
fim almejado e condições objetivas, interferindo na bases e dos fundamentos das ações seja limitada,
ação dos sujeitos e desencadeando um novo e con- as escolhas realizadas pelos sujeitos (as alternati-
traditório sentido para sua ação. vas), frente às possibilidades postas, imprimem um
No caso do trabalho do professor, cujo fim con- caráter autônomo, visto que, nas decisões alternati-
siste em proporcionar aos alunos um maior domí- vas, se esconde o fenômeno originário da liberdade.
nio do conhecimento histórico-científico, este se O desenvolvimento da sociedade humana - consi-
contrapõe ao pragmatismo pedagógico, gerando um derada sob o ponto de vista dos sujeitos humanos -
complexo de sentimentos, emoções que desenca- consiste substancialmente no fato de que todos os
deiam impulsos muitas vezes destrutivos, como passos da vida do homem, desde aqueles mais coti-
acomodação, desencantamento, reprodução do dianos aos mais elevados, são dominados por es-
posto, adoecimento e agressividade. sas decisões. (LUKÀCS, 1981, p.96)
Na vida cotidiana, as condutas, as estruturas Assim:
de caráter e os impulsos pertencem ao “ser-en-el-
mundo”, e são, portanto, marcadas pelas condições ... tanto nos preparativos mentais do trabalho, se-
sociais postas. Assim, as características daqueles jam eles científicos ou apenas empírico-práticos,
quanto na sua execução efetiva, nos encontramos
que sofrem de problemas relacionados à saúde
sempre diante de uma completa cadeia de decisões
mental, por mais que tenham algum caráter gené-
alternativas. Desde a escolha entre os gestos da
tico, biológico, são, em sua grande maioria, resul- mão, dos quais cada vez procura-se aquele mais
tado das relações socialmente postas, desencade- oportuno e recusa-se aquele menos apto, até a es-
adoras de novos e contraditórios significados e colha entre procedimentos parecidos efetuados no
sentidos postos à ação humano-social. curso da planificação mental, é sempre visível, com
Podemos refletir sobre o fato de que, apesar da toda evidência, esta série de deliberações, igualmen-
tendencial racionalidade pragmática, a ação do pro- te entre o campo concreto do plano concreto global.
fessor caracteriza-se por um certo grau de auto- O fato é que na cotidianidade média esse processo,
nomia, pelo domínio do conteúdo e pela possibilidade que nem sempre é considerado por todos, deriva
de escolhas sobre como levar a cabo os processos 9
Personalidade tomada como autoconstrução da individualida-
de ensino e aprendizagem. No entanto, as pres- de mediante a generalidade, ou seja, como processo de consti-
sões decorrentes das atuais políticas educacionais tuição da individualidade tendo em vista a relação consciente
com o meio, com a objetividade social. A personalidade tem
atuam como barreiras na realização e na criação como matéria-prima o caráter psíquico (onde as causalidades
das condições adequadas de trabalho, transforman- desempenham papel primário), que se associa ao caráter moral
(depende da família em que nasce, das condições postas, da
do os desafios em batalhas cujas armas de resis- causalidade), desenvolvendo a personalidade, então, como si-
tência se fragilizam na mesma proporção em que nônimo da individualidade e da sociabilidade.

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diretamente da experiência do trabalho, a qual se vando qualquer colóquio: de inicio, pode-se tam-
baseia substancialmente na fixação em reflexos con- bém ter um objetivo geral e que se quer perseguir
dicionados e também em atos “inconscientes” de por meio deste colóquio, mas a cada frase pronunci-
ações singulares que já se mostram eficazes; mas, ada, seu efeito ou a sua falta de efeito, a réplica e
geneticamente, cada reflexo condicionado foi algu- talvez o silêncio do interlocutor, etc., dão lugar for-
ma vez objeto de decisões alternativas. Naturalmen- çosamente a uma série de novas decisões alternati-
te isso não anula o processo causal como conseqü- vas. (LUKÀCS, 1981, p. 138 - grifos nossos).
ência da posição teleológica; simplesmente este não
vem movido novamente por uma única posição tele- O desafio, portanto, parece concentrar-se na
ológica, mas vem, ao contrário, continuamente dife- investigação das formas de apropriação, das práti-
renciado, ajustado, melhorado, ou piorado, pelas cas contraditórias e dos sentidos que caracterizam
decisões singulares da realização objetiva, obvia- o trabalho do professor frente às condições objeti-
mente dentro da linha de fundo estabelecida pela vas, proporcionando maior conhecimento das con-
posição da finalidade geral. E cada um pode verifi- dições de trabalho e, ao mesmo tempo, identificando
car que essa estrutura é válida em todos os campos as formas necessárias de organização coletiva na
nos quais apareçam posições teleológicas, obser- direção da conscientização das condições postas.

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Recebido em 26.05.08
Aprovado em 25.08.08

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Ilma Passos Alencastro Veiga

CAMINHOS PARA A CONSTRUÇÃO


DA DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA

Ilma Passos Alencastro Veiga *

RESUMO

O presente estudo visa compreender o sentido do processo de desenvolvimento


profissional docente, clarificando suas possibilidades formativas e investigativas. É
destinado a pesquisadores e docentes universitários interessados na discussão sobre
a qualidade da docência na educação superior. O quadro de referência está
fundamentado na concepção de desenvolvimento profissional como a evolução
progressiva da função docente em face das situações de maior profissionalismo.
Esse desenvolvimento envolve formas diferenciadas em dois níveis: uma formação
inicial pedagógica e pré-serviço que atinge alunos do lato e stricto sensu e os docentes
iniciantes e outro voltado para os professores com mais tempo na instituição.
Identifiquei duas experiências expressivas voltadas para a construção da docência
universitária, desenvolvidas em uma universidade pública e uma privada. Os resultados
revelaram a importância dos programas de desenvolvimento profissional de docentes
para a educação superior; a manutenção do equilíbrio entre a dimensão científica e a
dimensão pedagógica; a previsão de níveis diferenciados de formação; a vinculação
das propostas às políticas de valorização dos professores e de melhoria das condições
de trabalho; a ampliação das discussões para a compreensão teórica e crítica do
processo educativo. A formação deve estar centrada na compreensão da realidade
social e humana.
Palavras-chave: Educação Superior – Desenvolvimento profissional – Docência
universitária

ABSTRACT

PATHS TOWARDS CONSTRUCTION OF TEACHING IN UNIVERSITIES


This paper aims at understanding the meaning of the teacher professional development
process, clarifying its formative and investigative possibilities. It is addressed to
researchers and professors interested in the discussion about the quality of teaching
in superior education. Our theoretical framework is based upon the conception of
professional development as a progressive evolution of the teacher work in the face
of situation of greater professionalism. This development implicates differentiated
forms in two levels: an initial pedagogical and prepedagogical formation which
encompasses students of lato and stricto sensu graduated programs as well as initiating

* Licenciada em Pedagogia e Educação Física, mestre em Currículo pela UFSM, doutora e pós-doutora em Educação pela
UNICAMP. É pesquisadora sênior CNPq, pesquisadora associada sênior da Faculdade de Educação da UnB e professora da
Faculdade de Ciências da Educação do UniCEUB. E-mail: ipaveiga@terra.com.br

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 129-135, jul./dez. 2008 129
Caminhos para a construção da docência universitária

professors; and in the second level, for experimented professors. We identify two
significant experience for the construction of university teaching, one in a private
university, the other in a public one. The results reveal the importance of teacher
professional development programs for superior education; the equilibrium between
the scientific and pedagogic dimension; previsions of differentiated levels of formation;
the links with proposals of better fare and working conditions for teachers; and finally,
the enlargement of the discussion for the critical and theoretical understanding of the
educative process. Formation must be focused upon the understanding of the human
and social reality.
Keywords: Superior Education – Professional Development – University Teaching

Introdução 1. Desenvolvimento profissional do-


cente: fundamentos teóricos e prá-
O desenvolvimento profissional de docentes ticos
para a educação superior é um processo comple-
xo, complexidade esta que reside na própria or- Uma forma de clarificar o significado de um
ganização acadêmica, na qual, por tradição, os termo como este é analisar a concepção defendi-
cursos superiores estão estruturados. São estru- da por algum autor, para dela derivar as caracte-
turas rígidas e inflexíveis que dificultam as mu- rísticas que o especificam. Cruz (s/d) concebe o
danças dos padrões estabelecidos e legalmente desenvolvimento profissional do docente como “a
instituídos. evolução progressiva da função docente face aos
O desenvolvimento profissional de docentes da modos e situações de maior profissionalismo que
educação superior e, mais especificamente, a for- se caracterizam pela profundidade do juízo crítico
mação pedagógica sempre foram relegados a se- e sua aplicação na análise global dos processos
gundo plano pela maioria dos professores. implicados nas situações de ensino para atuar de
Atualmente essa formação é destacada e, de cer- maneira inteligente” (p.20). Sob esta ótica, trata-
ta forma, valorizada pela necessidade de melhoria se de uma evolução que se constitui a partir do
do processo de inovação pedagógica a fim de aten- crescimento da integração de estruturas básicas
der aos interesses dos alunos e às exigências do do conhecimento prático, adquiridas com a experi-
mundo do trabalho. ência do exercício da profissão, do crescimento
Um outro aspecto a ser considerado refere-se profissional e das atividades formativas.
aos resultados da avaliação da educação superior Vale destacar – em primeiro lugar – que três
que tem apontado deficiências e fragilidades no elementos formam a base do desenvolvimento pro-
desempenho dos alunos, o que implica questionar fissional docente: o próprio desenvolvimento adul-
também a própria Pedagogia Universitária. to, a acumulação da experiência e a formação.
Cabe ressaltar a questão do conhecimento ple- Em segundo lugar, é necessário considerar três
no e inquestionável que respalda a ação docente e dimensões do desenvolvimento profissional, defen-
que sofre o abalo provocado pelas tecnologias da didas pelo autor e apresentadas sinteticamente a
comunicação e informação, graças a sua capaci- seguir: a dimensão individual enfatiza que nenhum
dade de criar, gerar, armazenar, processar e trans- professor é semelhante a outros professores; a di-
mitir a mesma informação para todas as partes do mensão coletiva reconhece que cada professor é
mundo. semelhante a alguns outros professores com os
O texto visa compreender o sentido do proces- quais compartilha experiências; a dimensão univer-
so de desenvolvimento profissional docente, clari- sal permite pensar que cada professor guarda se-
ficando suas possibilidades formativas e investiga- melhanças com todos os professores de sua mesma
tivas. geração.

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Ilma Passos Alencastro Veiga

São dimensões integradas nos processos de senvolve com a experiência na prática. Há neces-
desenvolvimento profissional, de forma que a iden- sidade de se manter o equilíbrio entre a relevância
tidade que o docente apresenta em um momento funcional do conhecimento, tendo em vista seu
de sua vida é fruto da interação das três dimen- caráter prático e a relevância substantiva, teórica
sões e sua evolução no tempo, da história de vida e ideológica do conhecimento formal.
pessoal, da história de vida dos professores que A reflexividade diz respeito à capacidade de
estão num mesmo ciclo de vida profissional. reflexão. São os seguintes os pressupostos que
Por último, Cruz (s/d) apresenta os traços do embasam a capacidade de reflexão: os adultos
profissionalismo docente e que facilitam as ações aprendem mais efetivamente diante de um deter-
formativas: compromisso profissional e educativo, minado problema; a melhoria do trabalho está inti-
domínio da matéria, reflexividade e capacidade para mamente ligada a esse trabalho; as experiências
o trabalho em grupo. de docência proporcionam aos professores guias
O compromisso profissional e educativo é per- para a resolução de problemas; os docentes adqui-
meado pela atitude docente que conduz o trabalho rem conhecimentos e habilidades em seu envolvi-
voltado para um fim social e educativo. E isso se mento com os processos de melhoria da instituição
concretiza na preocupação com o aluno. O com- e do desenvolvimento do currículo (CRUZ, p. 12).
promisso educativo está ligado às intencionalida- Nesse sentido, a reflexão não é um produto me-
des da educação em sua tríplice dimensão: cânico. Expressa uma orientação em face da ação
desenvolvimento pleno do educando, preparo para e trata a relação entre pensamento e ação em situ-
o exercício da cidadania e qualificação para o tra- ações históricas reais nas quais nos encontramos e
balho. Supera os objetivos da aprendizagem. Tra- está a serviço de interesses humanos, sociais, cultu-
ta-se, portanto, de um compromisso com o impacto rais e políticos. Kemmis (1999, p. 105) afirma que
educativo da experiência acadêmica de cada alu- “é uma prática que expressa nosso poder para re-
no. É o compromisso educativo e de natureza so- construir a vida social participando na comunica-
cial que leva o professor a “planejar não só o ção, na tomada de decisões e na ação social”.
impacto de seu ensino nas vidas particulares de A capacidade para o trabalho em equipe impli-
seus alunos, senão na melhoria da sociedade do ca liderar e questionar a melhoria contínua da ins-
futuro que, de alguma maneira e apesar de todas tituição educativa. O desenvolvimento profissional
as dificuldades e contradições, está contribuindo docente busca a melhoria do conhecimento profis-
para construir” (CRUZ, p.11). sional, suas habilidades e atitudes na gestão do
O domínio da matéria exige, além da compre- ensino em uma instituição educativa.
ensão do conteúdo, também o domínio do conheci- Nessa perspectiva, o desenvolvimento profis-
mento didático próprio da disciplina que o professor sional do docente para a educação superior deve
ministra. A transformação do conhecimento aca- transformar-se completamente. Isaia (2005) apre-
dêmico em conteúdo ensinável é uma das caracte- senta os passos necessários à construção de um
rísticas da tarefa docente. Esse processo é programa de desenvolvimento profissional. O pri-
denominado por Chevallard (1998) de transposi- meiro significa compreender que o desenvolvimen-
ção didática. É um conhecimento que capacita o to profissional, para consolidar-se como um
docente para organizar o conteúdo acadêmico em processo organizado, sistemático e intencional,
conteúdo de ensino compreensivo e significativo deverá partir da própria instituição, do grupo de
para os alunos. Cruz (s/d) explicita três critérios professores e de políticas públicas da educação
para a construção dos atributos específicos neces- superior. O segundo visa ao rompimento da cul-
sários ao exercício da docência: primeiro, desen- tura individualista da instituição. O terceiro obje-
volvimento do conhecimento didático do conteúdo; tiva o compromisso institucional em construir
segundo, não-existência de método único para o espaços para atividades autoformativas, hetero-
ensino da disciplina, mas metodologias diversas e formativas e interformativas a fim de que os do-
variadas para mediar entre os alunos e o conheci- centes se constituam professores e formadores.
mento; terceiro, conhecimento didático que se de- O quarto centra-se no fortalecimento do exercí-

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Caminhos para a construção da docência universitária

cio da solidariedade da docência e, finalmente, Como fonte indireta para a construção deste
significa a condução pedagógica mais efetiva. texto, selecionei duas modalidades de programas
Partindo da compreensão de desenvolvimento de desenvolvimento profissional de docentes uni-
profissional, procuro tecer considerações a respei- versitários: o primeiro, voltado para o processo for-
to do Núcleo Programa de Desenvolvimento Pro- mativo prévio ou antecipado, que ocorre em nível
fissional Docente, objetivando o atendimento a de pós-graduação stricto sensu; o segundo, dire-
diferentes necessidades detectadas pelas institui- cionado para os docentes em exercício na educa-
ções de educação superior, fundamentado em dis- ção superior, no sentido da formação continuada.
tintas concepções. Portanto, cada Núcleo, de acordo
com o público ao qual se destina e com objetivos 2.1 Programa de Estágio de Capaci-
delimitados, pode lançar mão de diferentes estru- tação Docente
turas organizacionais.
O Núcleo ou Programa de Desenvolvimento A primeira experiência enfatiza o Programa de
Profissional Docente é também conhecido com Estágio e Capacitação Docente – PECD, desen-
uma variedade de denominações: Núcleo de As- volvido pela Universidade A durante sete anos, no
sessoria Pedagógica, Serviço de Assessoria Peda- período de 1993 a 2000. Entre as justificativas apre-
gógica, Serviço de Apoio Pedagógico, Núcleo de sentadas para o desenvolvimento do Programa, vale
Pedagogia Universitária. Diferem em tempo de destacar três: as políticas de educação superior, di-
duração, em objetivos e sob a ótica de diferentes ferenciando as instituições entre as voltadas para o
orientações epistemológicas. Esses núcleos ou pro- ensino e a pesquisa e aquelas direcionadas predo-
gramas podem ocorrer na instituição onde traba- minantemente ao ensino; um grande número de do-
lham os professores, especialmente no caso da centes titulados em programas de pós-graduação que
formação continuada, ou na instituição onde os pro- irão exercer atividades docentes para as quais, de
fessores realizam a formação em nível de pós-gra- forma geral, não receberam formação alguma; o
duação (lato e stricto sensu), que inclua em seu movimento de democratização do acesso à educa-
projeto pedagógico o objetivo de formar o pesqui- ção superior, que provocou a expansão da matrícula
sador e o docente para a educação superior. Mui- e proporcionou maior heterogeneidade do público
tos cursos de pós-graduação incluem as disciplinas que adentrou esse nível de educação.
Metodologia do Ensino Superior, Didática do Ensi- Considerando essas justificativas, o Programa
no Superior, Docência Orientada, entre outras, em foi fundamentado, por um lado, na concepção de
suas matrizes curriculares. práxis educativa, tomando a docência universitária
como uma atividade complexa que exige uma for-
2. Possibilidades formativas e inves- mação pedagógica e que não se limita ao desen-
tigativas do desenvolvimento profis- volvimento técnico, “mas engloba dimensões
sional docente: uma breve leitura de relativas a questões filosóficas, sociológicas, políti-
duas propostas cas, econômicas, éticas, afetivas e culturais” (PE-
REIRA, 2005, p. 31).
Nesta parte, procuro identificar caminhos ex- A intenção fundante era promover uma “mu-
pressivos voltados para a construção da docência dança na forma como o ensino era compreendido
universitária em duas experiências desenvolvidas e realizado dentro da própria universidade” (PA-
por instituições de educação superior, no sentido CHANE, 2003, p. 99). O Programa estava volta-
de contribuir com os docentes nessa trajetória. A do à formação e qualificação para a docência na
docência universitária busca construir um campo universidade, procurando evitar a distorção que
de estudo orientado para a problematização, com- consiste na ênfase excessiva à pesquisa em detri-
preensão e sistematização dos processos que ocor- mento da docência. A meta norteadora do Progra-
rem na aula, considerando sua relação com o ma foi atingir todos os doutorandos dos diferentes
contexto social mais amplo e com seu objetivo de cursos de pós-graduação, em todos os campos ci-
formação. entíficos oferecidos pela universidade, com um efe-

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Ilma Passos Alencastro Veiga

tivo processo de desenvolver no pesquisador a for- bem como de cursos de atualização. O Programa
mação para a docência, visando eliminar as falsas foi organizado na visão de desenvolvimento profis-
dicotomias entre ensino e pesquisa, graduação e sional que conduziu a uma reflexão mais acurada
pós-graduação, bem como a crença de que para da qualidade docente, o que propiciou a revisão/
ser professor basta ter domínio do conhecimento reconstrução de experiência vivida. Os estagiários
específico ou ser um bom pesquisador. em processo de formação constroem sua prática
Entre as características principais do Progra- pedagógica, seus conhecimentos a partir da reali-
ma, vale destacar as seguintes: dade concreta da sala de aula e em outros espaços
a) ação institucionalizada, oficialmente implan- educativos. Nesse sentido, o desenvolvimento pro-
tada por meio de portaria institucional, vol- fissional efetivou-se de forma progressiva, proces-
tada à formação pedagógica de alunos de sual e não como atividade meramente técnica e
doutorado; fragmentada.
b) postura integradora, alicerçada num proje-
to maior, denominado Projeto Qualidade; 2.2. Programa de Formação Continu-
c) abrangente, pois envolve todas as áreas do ada
conhecimento e todos os pós-graduandos
sem experiências anteriores de docência; A Seção Pedagógica do Departamento de En-
d) caráter voluntário com duração de um a dois sino e Avaliação da Pró-Reitoria do Ensino da
semestres e oferta de 60 vagas por semes- Universidade B tomou como referência, para es-
tre, preenchidas por um processo seletivo; truturação do Programa de Formação Continuada,
e) concessão de bolsa para os estagiários com a avaliação institucional que evidenciou as dificul-
remuneração igual a 1/3 do salário de um dades do desempenho docente quanto à apresen-
professor auxiliar; tação e discussão de estratégias de ensino, bem
f) estágio de formação inicial, prévio ou pré- como a discussão dos critérios e resultados da ava-
serviço; liação da aprendizagem, entre outros. Nesse senti-
g) acompanhamento dos estagiários por um ori- do, a Universidade assumiu o compromisso
entador, professor da área, que seguia e ava- institucional de abrir espaço e criar modalidades
liava o trabalho docente realizado; específicas de reflexão e análise da docência uni-
h) proposta sistemática de melhoria da práti- versitária.
ca docente, por meio do referencial teórico O Programa de Formação Continuada pro-
e da investigação da prática; cura ampliar as discussões para a compreensão
i) existência de Comissão Supervisora respon- teórica e crítica do processo educativo. A Uni-
sável pela coordenação geral do PECD; versidade B expressa sua perspectiva de for-
j) organização multidisciplinar tanto em rela- mação ao conceber o conhecimento como
ção aos estagiários como em relação aos historicamente produzido, sendo importante ex-
membros da Comissão Supervisora. trair conclusões pertinentes à prática docente.
O Programa foi além da possibilidade de apri- No lugar de sua formação alicerçada na episte-
moramento da prática docente. Pachane chama a mologia técnica e fragmentadora, centrou a for-
atenção para a principal contribuição da proposta, mação na compreensão da realidade social e
qual seja: “conscientizar os estagiários para o fato humana. Essa concepção de formação docente
de que o processo educativo é uma construção pode ser sintetizada com a seguinte citação de
constante e coletiva, seja ela voltada à formação Borba, Ferri e Hostins (2007, p. 217), “ao expli-
do aluno, seja ela voltada à formação do próprio citarem uma epistemologia que reconheça os
professor.” (2003, p. 156 - grifos da autora). conhecimentos – técnicos, históricos, lógicos, lin-
Cabe destacar que o PECD, como uma possi- güísticos – do conhecimento e tenha clareza dos
bilidade de desenvolvimento profissional de docen- seus vínculos, resultados e aplicações.”
tes da educação superior, supera as modalidades A concepção evidencia que a formação de do-
assentadas na idéia de treinamento e reciclagem, centes universitários não pode restringir-se à dis-

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Caminhos para a construção da docência universitária

cussão da dimensão técnica do ensino, nem deixar ensinar e ampliar as possibilidades de estabelecer
de lado as questões polêmicas e contraditórias do relações entre os conhecimentos historicamente
processo educativo. O Programa foi institucionali- acumulados e a prática social; d) considerar as
zado e implantado com os seguintes objetivos: “a) condições objetivas em que a docência universitá-
aperfeiçoar e atualizar os saberes da docência no ria é exercida.
ensino superior pela reflexão na ação; b) habilitar Cada questão deve ser analisada buscando-se
docentes para avaliar o projeto pedagógico do cur- o equilíbrio didático entre as possibilidades de or-
so articulado ao seu plano de ensino; c) aprimorar ganização de formação. Dessa forma, o Progra-
a sensibilidade pessoal e profissional no exercício ma de Formação Continuada, compreendido como
ético da docência” (BORBA; FERRI; HOSTINS, um processo contínuo, sistemático e organizado,
2006, p. 209). significa entender que a formação de docentes
Certamente a formação enunciada nos objeti- universitários envolve toda a carreira profissional
vos vai contribuir para a construção de um profis- do professor e que corresponde a diferentes perío-
sionalismo docente mais participativo, autônomo e dos de formação.
mais coerente com a política institucional, com o
projeto pedagógico do curso, com a socialização Considerações finais
de experiências, com a construção e distribuição
do conhecimento e com a função social da docên- Para encerrar, apresento algumas considera-
cia na educação superior. ções que merecem um debate mais amplo.
O Programa de Formação Continuada da Uni- É fundamental que os programas de desenvol-
versidade B foi implantado em 2001. A adesão é vimento profissional de docentes para a educação
voluntária. O programa atua como subprogramas superior estejam inseridos em um projeto instituci-
de cursos, tutores aos docentes ingressantes, for- onal a fim de evitar movimentos isolados e frag-
mação de coordenadores de curso, formação de mentados.
formadores, fóruns internos para socialização de É importante manter o equilíbrio entre a dimen-
experiências pedagógicas institucionais. Os profes- são científica e a dimensão pedagógico-didática do
sores formadores atuam como articuladores peda- processo de desenvolvimento profissional, tendo em
gógicos nos cursos de graduação e recebem vista a concepção de docência como uma prática
formação específica para atuar no Programa. As- social específica.
sim, como afirmam Borba, Ferri e Hostins, “a par- Os programas de desenvolvimento profissional
ticipação em programas de formação continuada de docentes da educação superior devem prover
contribui para a convivência com professores uni- dois níveis de formação: um inicial e pré-serviço
versitários das mais diversas áreas do conhecimen- que atinge alunos da pós-graduação (lato e stric-
to” (Ibidem, p. 211). to sensu), como praticado na Universidade A; o
As autoras levantam algumas questões a se- outro nível é a formação pedagógica voltada para
rem enfrentadas pelos assessores pedagógicos, ao os professores iniciantes e os com mais tempo de
longo do processo de formação continuada, apre- serviço na instituição, como desenvolvido pela Uni-
sentadas sinteticamente a seguir: a) reconhecer a versidade B.
importância das discussões epistemológicas a fim As propostas de desenvolvimento profissional
de saber como e por que se produzem determina- apresentadas em si não trarão mudanças signifi-
dos conhecimentos, sejam os pedagógicos, sejam cativas para a educação superior, caso a incorpo-
os das várias áreas da ciência; b) compreender ração das mesmas não esteja atrelada a políticas
que o papel do professor não se limita a ensinar e de valorização dos professores e de melhoria das
que é problema do aluno aprender ou não; c) to- condições materiais de desenvolvimento do traba-
mar decisão coletiva sobre os conhecimentos a lho docente.

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Recebido em 30.05.08
Aprovado em 30.05.08

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 129-135, jul./dez. 2008 135
Mary Rangel; Luciano A. M. Pinto

PLANEJAMENTO DA AÇÃO DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR:


PARTICIPAÇÃO E COMPROMISSO

Mary Rangel *
Luciano A. M. Pinto **

RESUMO

Este artigo apresenta um estudo teórico sobre a concepção dos Planos e Projetos
que constituem o planejamento da ação docente no ensino superior. O encaminhamento
metodológico é feito num estilo ensaístico, através de um encadeamento lógico de
análises, teoricamente sustentadas. Ressalta-se, inicialmente, a importância do
processo participativo da comunidade acadêmica nas previsões, propostas e projeções
institucionais, para chegar, com essa premissa, às formulações do Plano de
Desenvolvimento Institucional, do Projeto Político-Pedagógico Institucional, do Projeto
Pedagógico de Curso, do Plano de Curso de disciplinas e do Projeto de Auto-Avaliação
Institucional, no qual se apresentam critérios e processos avaliativos das práticas,
tanto na sua qualidade acadêmica, pedagógica e social, quanto na sua coerência e
realização efetiva, de acordo com os compromissos decididos e explicitados pelo
coletivo da Instituição, nos termos dos seus Planos e Projetos. Conclui-se observando
a abrangência do planejamento da ação docente no ensino superior, que se traduz,
também, na abrangência dessa ação, que envolve os fundamentos e princípios
sociopedagógicos do ensino, da pesquisa e da extensão, formulados e assumidos
coletivamente nas propostas e projeções institucionais.
Palavras-chave: Planejamento – Ação docente – Ensino superior – Participação –
Compromisso

ABSTRACT

TEACHING PLANNING IN SUPERIOR EDUCATION: PARTICIPATION


AND COMMITMENT
This papers is a theoretical study about the conception of the Plans and Projects that
constitute the planning of teaching action in superior education. The methodological
guiding has been done in the style of an essay, through a logical chaining of analyses,
theoretically sustained. We have highlighted, initially, the importance of the process of

* Doutora em Educação e Pós-Doutorado na área de Psicologia Social. Professora Titular de Didática, na UFF. Professora
Titular da área de ensino-aprendizagem, na UERJ. Assessora Pedagógica do La Salle Instituto Abel e Coordenadora Pedagógica
dos Cursos de Graduação na UNILASALLE-RJ. Endereço para correspondência: Universidade Federal Fluminense, Programa
de Pós-Graduação em Educação/POSEDUC, Rua Visconde do Rio Branco, 882, Bloco D, Sala 512, Campus do Gragoatá, São
Domingos – 24.210-350 Niterói, RJ. E-mail: mrangel@abel.org.br
** Mestre em Medicina. Doutorando em Ciências Médicas do PGCM/UERJ, com pesquisa na linha de Educação em Saúde.
Professor Assistente da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Endereço para
correspondência: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Centro Biomédico, Av. Professor Manuel de Abreu, 444, 2º andar,
Vila Isabel – 20.550-170 Rio de Janeiro, RJ. E-mail: lamp@uerj.br

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Planejamento da ação docente no ensino superior: participação e compromisso

academic community participation in predictions, proposals and institutional projections,


to reach, with this premise, the formulations of the Institutional Developing Plan, of
the Institutional Political-Pedagogic Project, of the Program Pedagogical Project, of
the Program courses and of the Institutional Auto-Evaluation Project, in which are
presented criteria and evaluation processes of the practices, even in their academic,
pedagogic and social quality, as in its coherence and effective realization, according
to the determined commitments and assumed by the collective of the Institution, in
terms of their Plans and Projects. We have concluded, observing the inclusion of
planning of teaching action in superior education, which is also, translated, in the
inclusion of this action, that involves the base and socio-pedagogical principles of
teaching, research and permanent education, assumed in the institutional proposals.
Keywords: Planning – Teaching action – Superior education – Participation –
Commitment

Introdução A partir dessas considerações, que motivam este


texto, desenvolvem-se, então, análises conceituais,
Este artigo apresenta um estudo teórico da con- que contemplam os tipos de planos e projetos, ob-
cepção e abrangência do planejamento, cujas defi- servando elementos de sua formulação, para, ao
nições são significativas para as práticas docentes final do estudo, observar a centralidade do Projeto
no ensino superior. Do ponto de vista metodológi- Político-Pedagógico no conjunto das modalidades
co, o texto é construído num estilo ensaístico. de planejamento da ação docente.
Com esse encaminhamento teórico-metodoló- Optou-se pelo estilo ensaístico, no interesse de
gico, este estudo aborda conceitos e componentes um encadeamento lógico de análises, que se de-
dos planos e projetos que influem na ação docente, senvolvem, com apoio teórico, na seqüência de
trazendo a essa ação um conjunto de princípios e abordagens. A concepção do ensaio como gênero
projeções que definem e caracterizam a identida- literário e, também, como gênero de pesquisa e
de de cada instituição, suas referências de valores produção de conhecimento, caracterizado pela se-
e compromissos sociais, pedagógicos e políticos. qüência lógica de idéias, teoricamente sustenta-
Assim, o tema da docência universitária na con- das, encontra-se em estudos como os de Burke
temporaneidade remete às questões de planejamen- (1987), Pinto (1998) e Arrigucci Junior (1973).
to, seja pela participação dos professores na sua Com essa concepção do estilo ensaístico, que
formulação, seja porque essas questões têm ori- não prescinde de apoio teórico, iniciam-se as
gem e finalidade nas práticas acadêmicas, seja análises dos planos e projetos que configuram
porque a concepção dos planos abrange documen- e dimensionam o planejamento da docência uni-
tos básicos, requeridos das instituições para a defi- versitária.
nição, transparência e avaliação de suas metas e
propostas. Planos e projetos que configuram o
A ação docente no ensino superior associa- planejamento da ação docente no en-
se, então, a diversos tipos de planos e projetos, sino superior
que fundamentam as práticas de ensino, pesquisa
e extensão. Esses diversos planos e projetos, que O primeiro enfoque conceitual deste estudo é,
hoje caracterizam e norteiam a ação e missão e deve ser, o do próprio sentido do planejamento,
social das instituições universitárias, trazem pa- lembrando-se que, segundo Veiga (2004, p. 30), o
râmetros significativos a uma compreensão am- ato de planejar requer envolvimento coletivo, que
pla, pedagógica, social e institucionalmente situada implica na “distribuição do poder e na descentrali-
da docência. zação do processo de decisão” sobre os funda-

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mentos e perspectivas da proposta institucional e superiores de graduação e seqüenciais no sistema


da ação docente que a realiza. federal de ensino.
A ênfase no processo participativo de constru- Observa-se, então, no PDI, que, embora tenha
ção dos planos, em seus princípios, nos elementos um mínimo de elementos legalmente definidos, sua
de suas previsões, nos seus compromissos, repre- formulação poderá (e deverá) ir além desses ele-
senta uma característica do enfoque da literatura mentos, no interesse de que sejam contempladas
dos anos 80 e 90, consolidada nos anos 2000, em todas as questões consideradas necessárias às
perspectivas críticas e contextualizadas das práti- definições básicas, estruturais, que revelam a Ins-
cas docentes, como as de Gandin (1988), Enrico- tituição em seu tempo, espaço, organização atuais,
ne, Hernandez e Grillo (1988), Demo (1994), sua visão e perspectivas de futuro.
Marques et al. (1994), Veiga (2001a, 2001b, 2004, O PDI, portanto, é abrangente, não só quanto
2006), Bussmann (2001), Falkembach (2001). ao alcance de seus elementos, como quanto ao al-
Na revisão da literatura da década de 70, en- cance de suas definições institucionais. Assim, o
contram-se estudos, a exemplo de Gonçalves PDI traz à comunidade acadêmica e à sua partici-
(1974), Santanna (1974) e Turra et al. (1975), que pação, nas suas decisões e nos termos de sua for-
trazem contribuições a procedimentos técnicos da mulação, um significativo compromisso, que afeta,
elaboração dos planos, com menor atenção ao prin- diretamente, a ação e mobilização docente.
cípio sociopedagógico e político da participação Sem dúvida, muitas são as decisões de um Pla-
coletiva nessa elaboração. no de Desenvolvimento, no qual se formulam os
Assim, observando-se as premissas da funda- parâmetros que traçam o perfil da Instituição, seu
mentação e participação, pode-se entender o pla- planejamento e sua gestão, sua organização admi-
nejamento como “processo científico de intervenção nistrativa e acadêmica, as condições de seu ambi-
na realidade” (GANDIN; GANDIN, 2000, p. 21) ente físico e sua infra-estrutura, os aspectos
e como “processo de construção”, que “aglutinará financeiros e orçamentários, a projeção sustentá-
crenças, convicções, conhecimentos da comunida- vel de cursos, das atividades de extensão, da im-
de escolar e do contexto social e científico, consti- plementação de pesquisas, sem faltar a ênfase na
tuindo-se em compromisso político e pedagógico avaliação das práticas efetivas de realização das
coletivo” (VEIGA, 2001, p. 9). metas previstas no Plano e, portanto, sem faltar a
Nesse entendimento, incluem-se o Plano de ênfase na formulação e implementação do Projeto
Desenvolvimento Institucional, o Projeto Político- de Auto-Avaliação Institucional.
Pedagógico Institucional, o Projeto Pedagógico de É importante observar que o PDI é coerente
Curso, o Plano de Curso das disciplinas e o Projeto com o Regimento, no qual se formaliza e normati-
de Auto-Avaliação Institucional, que, no seu con- za o funcionamento institucional. Assim, o Regi-
junto, fundamentam e orientam a ação docente no mento tem um estatuto legal, apresentando-se como
ensino superior, em suas dimensões de ensino, pes- uma resolução que determina os critérios nortea-
quisa e extensão. dores da Instituição, em todas as suas instâncias,
O Plano de Desenvolvimento Institucional níveis e dimensões administrativas e acadêmicas,
(PDI) pode ser compreendido como o documento observando-se que as normas regimentais afinam-
que identifica a instituição, seu propósito e sua mis- se com os termos do Plano de Desenvolvimento
são social, suas previsões de expansão. O PDI é, Institucional.
comumente, formulado para um período de três a Chega-se, então, a um Projeto que constitui a
cinco anos e os elementos mínimos de sua compo- centralidade dos princípios socioeducacionais que
sição estão definidos por legislação específica do orientam as ações docentes: o Projeto Político-
ensino superior, sendo a mais recente o Decreto Pedagógico. Veiga (2001b) assinala que o Proje-
da Presidência da República nº 5.773, de 9 de maio to Político-Pedagógico tem recebido um crescente
de 2006 (BRASIL, 2006), que dispõe sobre o exer- reconhecimento de professores e pesquisadores,
cício das funções de regulação, supervisão e ava- por suas expressivas contribuições, tanto à escola
liação de instituições de educação superior e cursos básica, como ao ensino superior.

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Planejamento da ação docente no ensino superior: participação e compromisso

Desse modo, pelo alcance e pela importância tuem os parâmetros das ações acadêmicas, atua-
de suas definições, o Projeto Político-Pedagógico lizadora, por requerer e promover o estudo e a
Institucional pode ser compreendido como um do- reavaliação periódica desses parâmetros e estru-
cumento que apresenta parâmetros fundamentais turante, porque oferece elementos essenciais à
das práticas acadêmicas, de acordo com o contex- estruturação pedagógica dos cursos.
to, a origem, os motivos e fins sociais da Institui- O necessário envolvimento de professores de
ção. diversas especialidades e áreas de conhecimento
Assim, no Projeto Político-Pedagógico revêem- nas formulações do Projeto pode trazer a essas
se, no PDI, as propostas essenciais da Instituição, formulações um caráter interdisciplinar e consoli-
sua finalidade e missão social, para que, de forma dar as funções integradora e estruturante dos prin-
coerente e contextualizada, sejam formulados, com cípios e fundamentos que orientam e identificam
efetiva participação da comunidade acadêmica, os os processos e as práticas dos diversos cursos.
parâmetros fundamentais, orientadores das práti- Veiga (2004, p. 76) ressalta o valor da fun-
cas do currículo e da docência (no magistério e na ção e qualidade integradora do Projeto Político-
produção e extensão social do conhecimento), as- Pedagógico e questiona a segmentação das
sim como da elaboração dos Projetos Pedagógi- práticas no cotidiano do trabalho, observando que
cos específicos de cada Curso. essa segmentação fortalece o individualismo e o
Encontram-se, portanto, no Projeto Político- isolamento:
Pedagógico as perspectivas axiológicas e episte- Os fatores de fragmentação do cotidiano são res-
mológicas priorizadas no currículo, no ensino, na ponsáveis pela divisão do trabalho, pelas múltiplas
pesquisa, nos projetos de orientação de monogra- dicotomias, tais como: público/privado, concebido/
fia, de iniciação científica, de atividades extensio- vivido, natural/técnico, teórico/prático, sujeito/ob-
nistas, de monitoria, de nivelamento, enfim, em jeto. Isso provoca cisão entre os que pensam e exe-
todos os elementos, associados e mutuamente re- cutam, fortalecendo o individualismo e o isolamento.
correntes, da ação docente no ensino superior. Assim, por sua natureza e possibilidade inte-
As definições do Projeto, referentes às pers- gradora, o Projeto Político-Pedagógico auxilia a
pectivas epistemológicas do currículo, contemplam superação de fragmentações, oferecendo princípi-
o significado histórico, filosófico, cultural do conhe- os fundamentais, comuns a todos os cursos, em
cimento, sua origem e finalidade socioeducacional, sua concepção do conhecimento sistematizado no
humana, política, sua concepção criativa e eman- currículo e produzido na pesquisa e sua concepção
cipadora, sua compreensão como direito da vida dos propósitos e procedimentos do processo de
cidadã, situando-se as implicações desse direito nos ensino-aprendizagem e da importância social da
compromissos da Instituição, dos Cursos, da do- extensão.
cência. Quanto à concepção criativa e emancipa- O Projeto Político-Pedagógico fundamenta e
dora do conhecimento, é interessante observar a explicita os valores e as competências que traçam
análise de Veiga (2004, p. 80): o perfil docente e também aqueles que definem o
Essa concepção epistemológica deixa de lado a vi- perfil do profissional que a Instituição deseja e se
são conservadora de que a ciência produz uma úni- compromete a formar.
ca forma de conhecimento, válido e sagrado. Nesse Ainda no Projeto, caracteriza-se o contexto in-
sentido, o conhecimento não é dualista nem disci- terno e externo da Instituição, visibilizando as con-
plinar. Coloca em destaque a intencionalidade, visto dições, necessidades, os apelos que se encontram
que suas bases epistemológicas inserem-se numa no interior e no entorno da vida acadêmica, nas
totalidade orientada para a criatividade e para a eman- suas relações e interinfluências com a sociedade,
cipação social e individual.
nos seus espaços mais próximos (da família, do
É relevante, então, compreender o Projeto Po- bairro, da cidade) e nas implicações mais abran-
lítico-Pedagógico nas suas funções integradora gentes com o país e suas políticas públicas. Essas
dos fundamentos, princípios e práticas que consti- questões são nucleares em todas as instâncias e

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serviços acadêmicos e em todos os projetos espe- A partir dessas considerações fundamentais,


cíficos dos cursos. formulam-se os objetivos do curso, de acordo com
É oportuno, então, considerar, segundo Veiga sua área de conhecimento e com as perspectivas
(2006, p. 45-46), a dimensão histórica do Projeto socioprofissionais da habilitação acadêmica, asso-
Político-Pedagógico e suas projeções de “novas ciadas às perspectivas da docência e dos projetos
trilhas” para a instituição, traçadas pelos critérios específicos (cujas referências paradigmáticas,
fundamentais da “ação intencionalizada, sistemáti- como se observou antes, encontram-se no Pro-
ca, de acordo com princípios filosóficos, epistemo- jeto Político-Pedagógico), de pesquisa, iniciação
lógicos e pedagógicos” que fundamentam e científica, orientação acadêmica, orientação de
orientam esses critérios. monografias, monitoria, nivelamento, extensão e
Observa-se, desse modo, que a história da ins- outros, ressaltando-se, na construção desses pro-
tituição, desde as suas origens, faz parte do Proje- jetos, a importância das análises e decisões do
to, porque retoma e preserva a memória da sua Colegiado de Curso.
construção, do seu trajeto inicial, das suas mudan- O Projeto Pedagógico dos Cursos define, tam-
ças, da sua evolução, para chegar ao presente bém, a estruturação do currículo, lembrando-se que
(construído, sustentado pelo processo histórico) e seus parâmetros fundamentais encontram-se nos
para refletir sobre o futuro que se deseja, que se princípios axiológicos e epistemológicos formula-
espera e que também se constrói historicamente. dos no Projeto Político-Pedagógico.
Assim, as decisões atuais da Instituição, conforme A partir desses princípios, afinados com os que
se apresentam no seu Projeto Político-Pedagógi- se apresentam no Plano de Desenvolvimento Ins-
co, não se formulam ignorando o seu processo his- titucional, o Colegiado de Curso decide, prioriza e
tórico, tanto quanto as suas finalidades não são assume os valores e as competências da docência,
estabelecidas esquecendo-se as suas origens. assim como os valores e as competências que se-
É nessa história, refletida, reavaliada, que se rão objeto da formação profissional, considerando
encontram os propósitos originais, assim como os não só as características e os apelos do mercado
erros e acertos, as dificuldades e os obstáculos, as de trabalho, mas também os princípios éticos e as
formas e alternativas de superação. Nesse senti- perspectivas e os compromissos humanistas e so-
do, o Projeto Político-Pedagógico é entendido como ciopolíticos dessa formação.
um documento histórico, porque suas definições e Assim, o Projeto de Desenvolvimento Instituci-
decisões são sustentadas, construídas e projetadas onal, o Projeto Político-Pedagógico e os Projetos
historicamente. Por isso, Gandin (1988), destacan- Pedagógicos dos Cursos constituem referências aos
do a característica e o valor da intencionalidade, projetos e planos dos docentes, incluindo os Planos
observa que o Projeto Político-Pedagógico é es- de Curso de suas disciplinas.
sencial à conscientização da comunidade acadê- Com essas referências mais amplas do plane-
mica sobre os rumos da Instituição e sobre as ações jamento da ação docente, e sem pretender deline-
dos educadores que os conduzem. ar modelo de plano, pode-se entender o Plano de
A partir dos parâmetros fundamentais, coleti- Curso das disciplinas como previsões dos seus
vamente decididos e formulados no Projeto Políti- objetivos, do conteúdo, dos procedimentos didáti-
co-Pedagógico, chega-se às decisões e formula- cos e dos procedimentos de avaliação.
ções específicas dos Projetos Pedagógicos dos Nas associações dos elementos do plano, é in-
Cursos. teressante observar que os objetivos traduzem ní-
Nos Projetos Pedagógicos dos Cursos, re- veis de elaboração e reconstrução do conhecimen-
tomam-se os fundamentos do Projeto de Desen- to, o conteúdo refere-se aos seus objetos, conforme
volvimento Institucional (PDI) e as bases se apresentam nos temas da ementa e do progra-
socioeducacionais do Projeto Político-Pedagógico, ma, e os procedimentos didáticos constituem for-
observando-se suas implicações para os propósi- mas de sua mediação no processo de ensino-apren-
tos e o encaminhamento de cada curso. dizagem. Observa-se, portanto, que o conhecimento

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Planejamento da ação docente no ensino superior: participação e compromisso

é o elo articulador dos elementos previstos no pla- onal, o Plano de Auto-Avaliação assume especial
no e referência fundamental de suas opções e pri- relevância.
oridades. Reconhece-se, desse modo, a importância da
É, também, pela importância do conhecimento, auto-avaliação, no interesse do aperfeiçoamento
que as decisões e previsões relativas aos procedi- das atividades acadêmicas, em seus níveis didáti-
mentos de avaliação devem incluir, não só formas co-pedagógicos, administrativos e de infra-estru-
de observação do desempenho dos alunos, como tura.
também formas de avaliação do processo e dos Compreende-se, também, que o processo ava-
resultados do curso, nas suas contribuições a esse liativo propicia uma ampla percepção das práticas,
desempenho. Esse é o sentido da avaliação cons- especialmente em dois sentidos. O primeiro focali-
trutiva e emancipadora. zado nos aspectos das dimensões, das estruturas,
O Plano de Curso das disciplinas leva, ainda, a das atividades e dos objetivos fundamentais da Ins-
considerar a seqüência das aulas, nas quais as pre- tituição, nas suas funções, interrelacionadas, de
visões do plano se realizam. Nesse ponto, é opor- ensino, pesquisa e extensão. O segundo focalizado
tuno rever Veiga (2006, p. 79), quando focaliza a na gestão, no comprometimento e nas contribui-
“aula inovadora” e, nela, a ação do professor e dos ções sociais, assim como na qualidade socioprofis-
alunos: sional da formação acadêmica, incluindo o
Para tanto, enfatizo a pessoa do professor como um
acompanhamento dos egressos, no intuito de ob-
sujeito de conhecimentos, um protagonista que de- servar os subsídios dos cursos à sua inserção e as
senvolve com seus alunos teorias, conhecimentos competências no mercado de trabalho.
e saberes de sua própria prática pedagógica. Nessa O processo previsto no Plano de Auto-Avalia-
perspectiva, a aula inovadora exige a existência de ção tem, ainda, um especial e relevante valor: o de
sujeitos, isto é, protagonistas que analisam, proble- envolver o coletivo da Instituição e dar voz e vez a
matizam, compreendem a prática pedagógica, pro- todos que dele participam, qualificando-os como
duzem e difundem conhecimentos. O professor é sujeitos significativos nesse processo.
protagonista porque ele é quem faz a mediação do O encaminhamento da Auto-Avaliação Institu-
aluno com os objetos dos conhecimentos. O aluno cional desenvolve-se em cinco etapas, que consti-
também é protagonista, porque ele é considerado tuem a seqüência de preparação, de desenvolvi-
sujeito da aprendizagem e, conseqüentemente, sua mento, de consolidação e de divulgação.
atividade cognitivo-afetiva é fundamental para man- A etapa de preparação inclui a criação de uma
ter uma relação interativa com o objeto do conheci-
Comissão, denominada, nos termos do SINAES,
mento.
como “Comissão Própria de Avaliação (CPA)”,
Finalmente, nesse encaminhamento de análises para acompanhamento e coordenação da imple-
sobre o planejamento da ação docente, considera- mentação do Projeto, para a sensibilização da co-
se o Projeto de Auto-Avaliação, no qual se apre- munidade acadêmica e para a participação em
sentam os princípios e processos avaliativos das seminários regionais promovidos pelo MEC/INEP.
práticas institucionais, tanto na sua qualidade aca- A Comissão é formada pelos Coordenadores de
dêmica, pedagógica e social, quanto na sua coe- Curso e por uma representação (preferencialmen-
rência e realização efetiva, de acordo com as te eleita pelos pares) de professores, alunos, funci-
previsões e compromissos decididos e assumidos onários e representantes da comunidade externa.
pelo coletivo da Instituição, nos termos dos seus Na etapa de desenvolvimento e operacionali-
Planos e Projetos. zação, realizam-se o levantamento e a análise das
Assim, não só pelos critérios e pelas exigências informações necessárias à avaliação, em todos
formais do Sistema Nacional de Avaliação da Edu- os níveis e aspectos do contexto e serviços insti-
cação Superior (SINAES), instituído pela Lei tucionais.
10.861 de 14 de abril de 2004 (BRASIL, 2004), A etapa de consolidação compreende a inte-
mas principalmente pelos critérios e pelas exigên- gralização de todos os levantamentos e análises
cias de garantia da qualidade do trabalho instituci- realizadas com a coordenação e acompanhamen-

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to da CPA. A conclusão dessa etapa esclarece projeções, assim como na formulação dos princípi-
sobre as mudanças ou reformulações necessárias os e valores fundamentais que as orientam.
ao aperfeiçoamento das práticas, ou do seu plane- Contudo, essa integração torna-se mais evidente
jamento, em todos os aspectos, setores, elementos e mais visível no Projeto Político-Pedagógico, que
e funções do ensino superior. prevê, requer e promove a aproximação das ações
Na etapa de divulgação, os dados, as análises e docentes em torno de uma proposta, de natureza
conclusões tornam-se objeto de ampla discussão, política, no sentido de que essas ações constitu-
de modo que a auto-avaliação institucional propi- em bens e serviços públicos, e pedagógica, no sen-
cie oportunidades significativas de reflexões dos tido da observância do significado educacional
gestores, docentes e funcionários e de comunica- desses bens e serviços.
ção transparente de resultados, não só à comuni- A pedagogia é campo de estudos da educação;
dade interna, como também à externa e, portanto, como tal, esse campo incorpora, necessariamente,
à sociedade, de modo mais amplo, respeitados os as questões do ensino, da pesquisa e da extensão
compromissos públicos assumidos pela instituição. social das ações educacionais. Não se recomen-
Assim, o Projeto de Auto-Avaliação Institucio- da, portanto, dissociar a natureza política da natu-
nal tem expressivas implicações na docência, seja reza pedagógica dessas ações, em todos os níveis
na dimensão didático-pedagógica e curricular, seja e práticas em que elas se realizam. “Político e pe-
na estrutura e nas condições de trabalho, seja ain- dagógico têm assim uma significação indissociá-
da na necessária participação dos docentes na for- vel. Nesse sentido é que se deve considerar o
mulação do Projeto e na Comissão Própria de projeto político-pedagógico como um processo de
Avaliação, que o coordena e acompanha. reflexão e discussão dos problemas da escola, na
busca de alternativas viáveis à efetivação de sua
Comentário conclusivo intencionalidade” (VEIGA, 2001b, p. 13).
As instituições educacionais têm expressiva di-
No percurso das análises deste estudo, desta- mensão de contribuições históricas, culturais, éti-
ca-se, especialmente, a compreensão da abrangên- cas, socioprofissionais ao público, ao povo, ao país,
cia do planejamento da ação docente no ensino na perspectiva política e cidadã de suas funções, e
superior, que se traduz, também, na própria abran- têm também, conseqüentemente, expressiva dimen-
gência dessa ação, em todos os aspectos do traba- são de contribuições sociopedagógicas, pelo conhe-
lho e compromissos sociais que caracterizam a cimento que nelas se ensina, desenvolve, pesquisa
identidade e a proposta da Instituição. e estende à comunidade, através das ações do-
Assim, volta-se a enfatizar as considerações centes , incluindo aquelas de participação em to-
iniciais, referentes ao processo participativo, que dos os tipos e níveis de seu planejamento.
caracteriza a construção coletiva dos Planos e Pro- Concluem-se, portanto, as análises desenvolvi-
jetos. Essa participação no planejamento é, por- das no âmbito temático deste estudo e suas formu-
tanto, uma das ações significativas da docência, lações conceituais, reafirmando-se a abrangência
numa perspectiva ampla e contextualizada de seu do planejamento da ação docente no ensino supe-
entendimento e seu alcance. rior, que agrega e representa a abrangência dessa
A integração das ações é, então, favorecida em ação, em seus fundamentos, princípios e práticas e
todos os níveis e tipos de planos, desde que se pri- na dimensão dos compromissos institucionais que
orize a participação coletiva nas suas decisões e assume.

REFERÊNCIAS

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Recebido em 07.05.08
Aprovado em 07.05.08

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Meirecele Calíope Leitinho

UNIVERSIDADE E DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA:


UMA RELAÇÃO DIALÉTICA

Meirecele Calíope Leitinho *

RESUMO

O objeto deste estudo foi discutir a relação dialética entre a idéia de universidade e a
formação para a docência universitária, considerando essa relação de fundamental
importância para a efetivação das funções técnicas e sociais da universidade, que é
de responsabilidade dos professores universitários. Partimos da análise das diferentes
idéias de universidade que permearam o contexto da Educação Superior Brasileira a
partir dos anos 20, buscando-se a compreensão da construção e da identidade das
Instituições de Ensino Superior do país, ao mesmo tempo em que as associamos a
idéia de formação para a docência universitária. Realizamos uma pesquisa em duas
universidades cearenses, uma pública e uma privada, utilizando o método do estudo
de casos múltiplos, fazendo a lógica da replicação teórica, isto é, aplicando nas duas
instituições os mesmos referenciais teóricos metodológicos da investigação. Os
resultados deste estudo afirmaram a importância de uma formação pedagógica
institucionalizada, idéia ratificada pelos professores entrevistados, assim como a
necessidade de adequá-la a idéia de universidade assumida pela instituição à qual
estão vinculados.
Palavras-chaves: Docência universitária – Idéia de universidade – Formação
pedagógica

ABSTRACT

UNIVERSITY AND FORMATION: A DIALECTIC RELATION


The object of this study was to argue about the dialectic relation between the idea of
university and professor pedagogical formation, considering this relation of basic
importance for the effectuation of the of the university social and technical functions,
whose responsibility belongs to university teachers. We began with an analysis of the
different ideas of university, in the context of the Brazilian superior education, starting
in 1920, looking at understanding the construction of identity of the superior education
institutions, at the same time where we associate the idea of formation for the university
teachers. We carry through a research in two universities from Ceará, a public and a
private one, using study of multiple cases method, that is, applying in the two institutions
the same methodical theoretical ideas. We can affirm as results of this study, the
importance of a pedagogical institutionalized formation, idea ratified by the interviewed

* Doutora em Educação pela PUC/SP. Professora da Universidade Federal do Ceará – UFC, no Programa de Mestrado e
Doutorado em Educação. Endereço para correspondência: Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, Rua
Valdery Uchoa, nº 1, Benfica – Fortaleza/CE. E-mail: meirecele@zaz.com.br

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Universidade e docência universitária: uma relação dialética

professors, as well as a dialectic relation with the idea of university assumed for the
institution to which they are affiliated.
Keywords: University formation – Idea of university – Pedagogical formation

Para compreendermos o processo de constru- manente do pensamento, gerando descobertas ci-


ção sócio-histórica e política da universidade e sua entíficas, desenvolvendo a ciência e a tecnologia.
relação com a formação para a docência universi- Pode-se afirmar que essas três idéias de uni-
tária, analisamos, neste texto, as idéias de univer- versidade se fizeram presentes na organização das
sidade que permearam a organização do ensino IES do país, tanto nas Faculdades de Filosofia Ci-
superior brasileiro e as questões sobre a formação ências e Letras, quanto nas primeiras universida-
para a docência universitária. des brasileiras, criadas no Paraná, São Paulo e Rio
Fazendo-se um recorte a partir de 1920, pode- de Janeiro; foram instituições que buscaram mo-
se afirmar que três idéias de universidade tive- delos de universidades do exterior e, gradativamen-
ram influência histórica na organização das te, foram reestruturando-se na perspectiva de uma
Instituições de Ensino Superior Brasileiras (IES); adequação desses modelos ao desenvolvimento
essas idéias foram: a universidade como Centro econômico, social e político do país, fazendo ciên-
de Educação, discutida por Newman1 no período cia e formando cientistas brasileiros.
de 1852 a 1947; como Centro de Pesquisa na A discussão de um modelo de universidade, com
perspectiva de Jaspers2 na Alemanha em 1923; e raízes histórico-sociais brasileiras, foi iniciada nos
como Núcleo de Progresso na idéia de Whitehe- anos 20, a partir do movimento da Escola Nova,
ad 3 apresentada nos Estados Unidos em 1929 mas se tornou acalorada com o movimento social
(DRÉZE, 1958). da Reforma Universitária, ocorrido nos anos 60,
A universidade, como Centro de Educação, quando intelectuais, professores e o movimento
enfatizava a universalidade do saber, a transmis- estudantil apontaram a necessidade de superação
são do conhecimento e a formação do espírito filo- de modelos de universidade transplantados do ex-
sófico; era uma instituição que priorizava o ensino, terior, propondo a criação de uma universidade bra-
não enfatizando a pesquisa ou a extensão. sileira integrada e multifuncional.
A universidade, como Centro de Pesquisa, co- Em 1962, foi criada a Universidade Nacional
locava a pesquisa como eixo fundamental de sua do Brasil (UnB), que se organizou a partir de raí-
ação; o ensino universitário deveria ser desenvol- zes culturais brasileiras; uma universidade como
vido como um instrumento de iniciação científica e Centro de Produção e de Socialização da Cultura
de aprendizagem da atitude científica, em que só o Brasileira, estabelecendo uma relação dialética
pesquisador estaria preparado para ensinar; o pro- com a cultura latino americana e outras culturas
fessor não pesquisador, mesmo didaticamente com- do universo (documento de criação da UnB).
petente, apenas reproduziria o conhecimento A UnB, por sua identidade, não correspondeu
estático, sem movimento. aos interesses do poder constituído pelo golpe mili-
Já a universidade como Núcleo do Progresso tar de 64, sendo por ele desestruturada, com a de-
seria uma instituição que deveria fazer uma simbi- missão de muitos professores, que compunham o
ose do ensino-pesquisa e extensão, revestindo-se seu corpo docente, sendo alguns professores con-
de uma função utilitarista; o ensino deveria ser siderados ativistas políticos.
voltado para uma auto-educação permanente, aten- A análise, elaborada à época por Florestan Fer-
dendo às exigências da sociedade em processo de nandes (1975), sobre o ensino superior brasileiro e
evolução contínua; surge, a partir dessa concep- 1
John Henry Cardeal Newman escreveu The Idea of University,
ção, o princípio da indissociabilidade entre o ensi- obra discutida no período 1852-1947.
no-pesquisa e a extensão, o que possibilitaria à 2
Karl Jaspers. escreveu Die Idee der Universität, em 1961.
universidade ser responsável pela evolução per- 3
A. Whitehead escreveu The Aims of Education, em 1929.

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Meirecele Calíope Leitinho

os modelos de universidades existentes no país, leiro; apesar das dificuldades pode-se dizer que a
refletia, na nossa opinião, um pensamento inova- UnB buscou construir uma nova mentalidade inte-
dor e indicava um novo padrão de ensino superior lectual e uma compreensão nova das relações en-
para o país. tre universidade e sociedade.
O autor fez uma reflexão sobre três aspectos A análise realizada por Florestan Fernandes
que considerou fundamentais para a construção da foi e é de fundamental importância para com-
universidade brasileira. preendermos a evolução da idéia de universida-
No primeiro aspecto, ressaltou a necessidade de no país.
de uma universidade integrada ao país, envolven- Ainda nos anos 60, algumas universidades fo-
do professores e alunos nos problemas político-so- ram criadas, assumindo identidades regionais e
ciais e econômicos da sociedade. Na sua opinião, demonstrando, em seus documentos de criação,
os modelos externos haviam se esgotado na nossa a proposição de integrarem-se ao desenvolvimen-
realidade, devendo-se gerar um novo padrão de to sustentável do estado onde estavam inseridas;
ensino superior; nessa perspectiva, devia-se con- no entanto, as mudanças ocorridas na sociedade
quistar a autonomia universitária, utilizando-a como nos anos 70, 80 e 90, provocadas pela reestrutu-
força sócio-cultural e política, contra o monopólio ração da produção do capital, pela globalização
do saber pela classe dominante privilegiada e con- dos investimentos internacionais e pela forte pres-
tra a tutela exterior. são do mercado sobre as universidades, geraram
O segundo aspecto estava ligado à formação uma crise de suas identidades, o que, em muito,
de técnicos e cientistas, com autonomia intelectual prejudicou o desenvolvimento de suas funções
e moral, exercendo o domínio da técnica e da ciên- técnicas e sociais.
cia na busca das inovações requeridas pela mo- Chauí (apud TRINDADE, 2001) afirma que a
dernidade; para tanto far-se-ia necessário um certo passagem da universidade brasileira, a partir dos
grau de radicalismo intelectual, que permitisse anos 70, de uma instituição social para a condição
avanços tecnológicos e científicos possíveis, o que de instituição de organização social, trouxe mudan-
ocorreria apenas com a superação das ideologias ças significativas no ensino superior, gerando dife-
repressivas e conservantistas que mantinham o rentes concepções de universidades: Universidade
controle às inovações. Funcional (anos 70), Universidade de Resultados
Quanto ao jovem e sua participação no fluxo (anos 80), Universidade Operacional (anos 90),
de reconstrução nacional, o autor afirmava ser ele todas na contramão de uma concepção de univer-
o instrumento de superação do atraso e da depen- sidade pública, autônoma, voltada para o conheci-
dência cultural; dever-se-ia, portanto, aumentar o mento, reflexiva, criativa e crítica.
fluxo de sua participação, canalizando sua energia A partir dos anos 2000, ocorreu um movimento
de forma socialmente construtiva; dessa maneira, crítico dirigido para a recuperação da identidade
dizia Florestan, tornar-se-ia viável a construção de da universidade como instituição social, científica
uma universidade brasileira moderna, que, ao lon- e educativa; a universidade como instituição social
go do tempo, se apresentava especializada, autár- deveria estar “fundada em princípios, valores, re-
quica, isolada, com função dogmática magistral, gras e formas de organização que lhe são ineren-
absorvendo conhecimentos e técnicas do exterior. tes. Seu reconhecimento e sua legitimidade social
Para Florestan (1975), a criação da Universi- vinculam-se, historicamente à sua capacidade au-
dade de Brasília (UnB), no início dos anos 60, era tônoma de lidar com as idéias, buscar o saber, des-
um exemplo de uma universidade brasileira mo- cobrir e inventar o conhecimento. (CHAUÍ, apud
derna; no entanto, afirmava que, embora a UnB TRINDADE, 2001, p. 186)
tivesse elaborado e desenvolvido um novo padrão Vale salientar que a discussão sobre a idéia de
de universidade, integrada e multifuncional, ainda universidade nos ajuda a pensar numa formação
mantinha laços com o passado, quando fez com- para a docência universitária que possibilitará aos
posições com as representações e os valores de professores o cumprimento das funções que lhe são
certos segmentos do antigo ensino superior brasi- determinadas pela concepção por ela assumida.

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Universidade e docência universitária: uma relação dialética

Docência universitária e formação pedagógica; talvez tivéssemos que discutir como


pedagógica do professor seria; fazer um diagnóstico do estado da arte atual,
da área de atuação do professor, quais as limita-
Compreendemos que a docência universitária ções e as potencialidades que nós temos. A partir de
deve ser desenvolvida num espaço que possibilite então, montar um curso básico para que a gente
pudesse superar algumas dessas dificuldades e mon-
a transformação e não a reprodução de práticas
tar experiências pedagógicas a serem realizadas.
pedagógicas, exigindo uma formação pautada em
princípios emancipatórios. Professor (C) – Bom, eu comecei a minha carreira
O professor universitário, ao longo da história de professora universitária em 1992, através de
do desenvolvimento da educação superior no país, um concurso, com prova escrita, prova oral, prova
de título. Eu tinha ensinado, e já era professora há
não tem tido uma formação específica para a do-
doze anos; ensinava em cursos de línguas que era
cência universitária, apreendendo a ensinar no exer-
totalmente diferente da Universidade.
cício da docência, como autodidata. A princípio foi exatamente essa questão de você
Pesquisa recente, por nós realizada, com um pegar uma ementa e ter que fazer o conteúdo e
grupo de professores das universidades cearenses, preparar o curso; você era livre para criar, porque
tornou evidente que a formação para a docência era mais independente, e eu tive dificuldade, sim;
universitária, incluída nela a formação pedagógica ao contrário de muitos colegas, terminei a Licen-
do professor, inicial e continuada, tem sido descu- ciatura em Letras, Português, Inglês e respectivas
rada pelo Estado brasileiro e pelas Instituições de literaturas, mas na realidade o meu curso em Le-
Ensino Superior do país, não sendo a ela atribuída tras eu fiz praticamente só Português, porque já
havia feito uma prova de proficiência...
a importante contribuição que dá para o alcance
de resultados positivos na formação de profissio- Professor (D) – Fiz o Curso de Bacharel e logo em
nais para a sociedade. seguida o de Mestrado e depois o Doutorado; mas
Para os professores entrevistados, a formação a maior dificuldade foi a falta de Didática. Acho
pedagógica do professor é um fator importante no que a cada dia que dou uma aula, aprendo melhor
contexto da universidade, não podendo aceitar-se, como dar a próxima aula, e realmente é uma expe-
riência muito individual, na Didática do Ensino
na atualidade, o auto-didatismo do professor, por
Superior. Quando ingressei na universidade, che-
não ser ele suficiente para um desempenho do-
guei a fazer o curso de didática à distância; al-
cente satisfatório. guns pontos eu achava louváveis, outros pontos
Quando perguntados sobre como foi o seu co- não; existem algumas coisas que durante a nossa
meço como professor universitário e quais os pro- formação, principalmente na pós-graduação, a
blemas que tiveram no início da docência, os gente já tem o domínio; mas creio que, acima disso,
professores entrevistados responderam: a universidade tem que proporcionar ao professor
Professor (A) – Eu iniciei na universidade em 1982 uma formação, principalmente no caso dessas no-
no Curso em Formação de Bacharel e não tive ne- vas tecnologias de ensino para que se possa ino-
nhuma disciplina pedagógica; tudo que aprendi var na sala de aula.
de ensino foi no autodidatismo; quando eu come- Professor (E) – Meu início como professora uni-
cei em 1982, fui convidado para dar sete discipli- versitária deu-se depois de começar como Bacha-
nas; a partir daí saí construindo Programas. Te- rel em Psicologia; minha formação portanto é de
nho trabalhado visando dar uma orientação para Psicóloga; fui trabalhando, e mesmo tendo passa-
os alunos de como ensinar por exemplo o que deve do por uma licenciatura, fui aprendendo à medida
ser ensinado, o que não deve ser ensinado; mas em que fui adentrando na sala de aula, com a vi-
essa visão, eu não tive, aprendi na prática, apren- vência com os próprios alunos; eu acho que a Li-
di nas leitura, nos encontros que participei, en- cenciatura que fiz, não me preparou para ser
contros de educação e matemática,e principalmen- professora universitária; eu senti falta de uma me-
te quando passei para área da educação em todologia mais específica, de como conduzir uma
matemática. aula de uma forma mais interessante; o que eu ado-
Professor (B) – Nós precisamos de uma formação tava mínimo eram os modelos de aulas que tinha

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Meirecele Calíope Leitinho

visto no meu processo de formação. como esses professores percebem a docência uni-
Tentava me lembrar, e me espelhar como é que eram versitária e a formação pedagógica. Essas percep-
os meus bons professores; como é que eles faziam, o ções assim se configuraram:
que dava certo, e quais eram as atividades que eles a) Os professores entrevistados iniciaram-se na
desenvolviam.
docência universitária, por convite ou concurso; al-
Professor (F) – Como professor universitário tinha guns deles, com curso de Licenciatura. Não rece-
alguma experiência de ensino em colégios, e mesmo beram orientações ou uma formação pedagógica
nessa época, aprendi a ensinar, ensinando; não ti- institucionalizada; alguns deles cursaram a discipli-
nha nenhuma preparação didático-pedagógica, na Didática do Ensino Superior, mas criticaram sua
como se faz hoje. Sabia muito bem o que estava para proposta e a dissociação temática e metodológica,
ensinar, preparava bem as aulas, e expunha, seguin-
que ela apresenta em relação às áreas de conheci-
do exatamente o ritual matemático. Não foi fácil;
nas primeiras aulas me sentia um pouco nervoso,
mentos específicos onde os professores atuam.
mas observava outros professores, como eles se com- b) Aprenderam a ensinar, ensinando, imitando,
portavam na sala de aula; aos poucos, passo a pas- experimentando e resolvendo os problemas no co-
so, fui dominando muito bem a matéria; estudava tidiano da docência, sendo autodidatas.
bastante, gostava do assunto e me esforçava para c) Acreditam que uma formação pedagógica
dar boas aulas; quando terminava de dar aula eu bem organizada e bem fundamentada é importan-
fazia uma auto-avaliação: quais foram os temas que te, sendo necessário ampliar os horizontes da dis-
realmente eu tive dificuldade, quais os que eu não ciplina Didática do Ensino Superior.
deduzia melhor e não conseguia, durante o período d) Reconhecem a importância da formação
da aula, me expressar melhor. E assim foi; diria que
pedagógica inicial e continuada para o professor
com três anos como professor universitário eu já me
sentia muito à vontade na sala de aula; mas fui au-
universitário.
todidata, não tive nenhum treinamento específico. e) Acreditam que a falta de orientação pedagó-
gica aos novos professores, por parte das institui-
Professor (G) – Eu ingressei como professor uni- ções as quais estão vinculados, repercute
versitário no ano de 1972; evidentemente na épo-
negativamente na qualidade do ensino.
ca, nós não tivemos a preparação para sermos
professores universitários; fui com a “cara e a co-
f) Têm uma percepção de que há necessidade
ragem”; tive bastantes dificuldades no planejamen- de modificações nas propostas formativas para a
to das aulas, no conteúdo, mas como eu ia abordar docência universitária, que se apresentam com
esse conteúdo para universitários? Dois anos de- muitos problemas a serem resolvidos.
pois, percebi que minhas aulas estavam muito aquém De um modo geral, os professores entrevista-
do nível universitário; a partir daí comecei a fazer dos demonstraram interesse por uma formação
alguns cursos: na época fiz um curso de especiali- pedagógica, identificando-a como instrumento que
zação; o curso foi me dando mais conteúdo, e tam- contribuirá para um ensino de qualidade na univer-
bém comecei a formar a minha bibliografia; mas sidade, com melhores resultados de aprendizagem
eu tive realmente dificuldades; senti a falta de uma
dos alunos do ensino superior.
disciplina ou de algo que preparasse melhor para
um trabalho universitário.
Vê-se, pelos dados coletados, que é um quadro
Quero deixar bem claro que no meu curso de licen- em que estão presentes o auto-didatismo, as im-
ciatura realmente eu não tive um preparo metodo- provisações e boa vontade, sem que os professo-
lógico adequado; tive Didática do Ensino da res tenham tido acesso a uma formação inicial e
Língua Portuguesa, mas na minha memória não continuada, institucionalizada para a docência uni-
tive a didática para o ensino da literatura. Eu fui versitária.
adquirindo com as minhas leituras e práticas, au- Não podemos deixar de enfatizar que a forma-
todidata mesmo. ção para a docência universitária é um dos fatores
Uma análise das respostas/narrativas dos pro- do desenvolvimento profissional docente, visto
fessores, geradas pelas questões norteadoras da como uma atividade de formação de professores
entrevista, apontaram algumas evidências sobre que corresponde a uma preocupação consciente e

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Universidade e docência universitária: uma relação dialética

institucional, que procura melhorar a capacidade assessores pedagógicos e na percepção dos pro-
dos professores em papéis específicos, em parti- fessores, pressupostos de uma orientação Prática
cular em relação ao ensino. na abordagem Reflexiva sobre a Prática e associada
A compreensão de Cruz (2006) é de que, no à abordagem sócio-reconstrutivista; está instituci-
onalizada nas duas universidades em níveis dife-
desenvolvimento profissional docente, há que se
renciados, inserida em uma política de formação para
considerar a construção de uma identidade profis- a docência universitária, mantendo um desequilíbrio
sional em que o professor busca a sua biografia, entre as possibilidades de sua organização. (LEITI-
que se constrói com o individual e o coletivo em NHO, 2006, pág. 50)
interação, havendo uma relação com os atributos
Face a esse padrão, é possível apontar alguns
culturais. Nesse processo, ocorre um jogo de valo-
desafios que estão postos às universidades cea-
res que cria uma identificação pessoal com um
renses, em relação à formação pedagógica do pro-
grupo ou pessoa, com uma cultura profissional do-
fessor universitário; esses desafios são:
cente que ocorre no processo de interiorização, de
• superar a carência da formação pedagógi-
individualização; uma construção das primeiras
ca dos professores, institucionalizando-a e
experiências a partir das influências de pessoas e
vinculando essa formação a uma política de
das relações com outros agentes e com o alunado,
desenvolvimento pessoal e profissional do
supervisores e tutores, gerando um processo per-
professor;
manente de reconstrução; deve-se considerar tam-
• organizar percursos formativos mais parti-
bém o desenvolvimento de uma atitude ante a
cipativos, integrados e desenvolvidos com a
formação e uma lógica salarial que influi na com-
colaboração de instituições congêneres;
preensão sobre o mundo do trabalho do professor.
• compatibilizar a formação pedagógica com
É um processo que envolve dimensões que pro-
as exigências das inovações tecnológicas no
duzem:
mundo do trabalho e da educação;
• conhecimento e compreensão do professor,
• criar espaços para o intercâmbio de experi-
de si mesmo;
ências e de conhecimentos entre os profes-
• desenvolvimento cognitivo;
sores, ampliando o processo de educação
• conhecimento pedagógico.
contínua dos professores;
Nessa ultima dimensão reside a formação pe-
dagógica, que está intrinsecamente vinculada às • definir novos perfis profissionais para os do-
duas primeiras; essa formação tem sido assumida centes do ensino superior, definindo também
pelas universidades, colocando-a como uma das as competências necessárias ao exercício
metas do seu Plano de Desenvolvimento Instituci- da docência universitária;
onal (PDI). • criar estímulos institucionais à participação
Os resultados de uma investigação realizada em dos professores em ações de formação pe-
duas universidades cearenses – Universidade de dagógica;
Fortaleza – UNIFOR (particular) e Universidade • valorizar, na formação, a discussão da inte-
Estadual do Ceará – UECE (pública); revelam que gração entre a docência e a pesquisa na uni-
há um padrão de formação pedagógica que nos versidade.
permite identificar como essa formação se carac- São, portanto, desafios a serem enfrentados,
teriza nessas instituições. assumindo as universidades investigadas a tarefa
de organizarem uma formação pedagógica institu-
A formação pedagógica do professor universitário
cionalizada, como parte de uma política de forma-
na Universidade de Fortaleza (UNIFOR) está orga-
nizada por um Programa e na Universidade Estadual
ção para a docência universitária, orientada por
do Ceará (UECE) por ações isoladas; em ambas não teorias de formação de professores e de orienta-
há fundamentos teóricos sobre a formação do pro- ções conceituais delas decorrentes, efetivando es-
fessor explicitados em seus documentos prescriti- tudos e pesquisas na área de docência universitá-
vos, embora estejam presentes no discurso dos seus ria; deve ser valorizado, sobretudo, o processo de

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Meirecele Calíope Leitinho

desenvolvimento profissional docente, vendo a for- processo de formação, sendo necessário que
mação pedagógica como parte desse desenvolvi- os percursos formativos sejam orientados
mento, ofertando-a de forma sistemática, demo- por princípios emancipatórios.
crática e participativa. c) De natureza econômica
Alguns fatores devem ser considerados na su- – Os Programas, Projetos ou ações isoladas
peração desses desafios. de formação pedagógica deverão ser sub-
a) De natureza organizacional metidos aos órgãos financiadores da educa-
– Há necessidade de estudos mais aprofun- ção, facilitando sua oferta nas universidades
dados sobre os programas, projetos e ações públicas e privadas que devem fazer previ-
isoladas de formação pedagógica ofertados são dos seus custos, no orçamento anual.
nas universidades cearenses, discutindo-se
temáticas, a partir de olhares diferenciados, Problematizando a temática
tanto da modernidade quanto da pós-moder-
nidade. Como associar a concepção de universidade a
– As universidades cearenses deverão definir uma concepção de formação de professor para a
a formação pedagógica como um de seus pro- docência universitária, a partir de princípios eman-
jetos prioritários, tendo como meta a organi- cipatórios? Como fazer predominar, nesse proces-
zação de um processo de desenvolvimento so, uma razão crítico-emancipatória? Por que é tão
pessoal e profissional dos seus professores. difícil pensar como Giroux (1997, p. 161), quando
– Planejar a formação pedagógica, conside- afirma que “ao encarar os professores como inte-
rando a importância do equilíbrio dialético lectuais, podemos elucidar a importante idéia de
entre os fatores de sua organização. que toda atividade humana envolve alguma coisa
– Devem buscar fontes de financiamento para do pensamento”, e sendo o pensamento o funda-
a formação pedagógica, como forma de ga- mento de uma ação reflexiva, como utilizá-lo para
rantir sua oferta, de forma sistemática, utili- a construção de uma universidade como institui-
zando os dados da avaliação do desempenho
ção social, e para a formação do professor univer-
dos professores, coletados por suas Comis-
sitário como um intelectual crítico e transformador?
sões de Avaliação Institucional.
Essas perspectivas só ocorrerão com o rompi-
b) De natureza política mento dos dogmas reprodutivistas estabelecidos
– As universidades devem definir uma políti- nos processos formativos e com a definição da in-
ca de formação para a docência universitá- tencionalidade de utilizar a linguagem das possibili-
ria, considerando a formação pedagógica dades, discutida por Giroux (1997) como instrumen-
como um componente do processo do de- to de geração das transformações que se fazem
senvolvimento profissional docente. necessárias ao estabelecimento de uma relação
– O professor deve ser visto na universidade dialética entre a idéia de universidade, e a forma-
como um autor, aquele que é capaz de cri- ção para a docência universitária, contribuindo para
ar, conceber ações pedagógicas e realizá- o cumprimento das funções sociais e técnicas das
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Universidade e docência universitária: uma relação dialética

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Recebido em 29.05.08
Aprovado em 29.05.08

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Sandra Regina Soares; Carla Carolina Costa da Nova; Cenilza P. dos Santos; Ivonete B. de Amorim; Lucicleide S. Santiago; Pâmyla Moraes

A DOCÊNCIA NA REPRESENTAÇÃO DE ESTUDANTES


DE PEDAGOGIA DE UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA DA BAHIA

Sandra Regina Soares *


Carla Carolina Costa da Nova **
Cenilza Pereira dos Santos ***
Ivonete Barreto de Amorim ****
Lucicleide Santos Santiago *****
Pâmyla Moraes * ****

RESUMO

O presente trabalho analisa a docência com base na escuta a estudantes concluintes


do curso de pedagogia de uma universidade pública baiana, realizada nos marcos da
primeira etapa da pesquisa qualitativa: As representações de estudantes e professores
dos cursos de licenciatura de duas universidades da Bahia sobre a prática
educativa na formação inicial do professor. Entre os objetivos dessa fase primeira,
inclui-se o de compreender como os estudantes concebem a profissão professor e a
repercussão das práticas educativas vivenciadas durante a formação inicial na sua
identidade profissional. Nesse texto, contemplaremos, especificamente, a discussão
dos dados que se referem à representação de docência dos estudantes. A pesquisa,
de natureza qualitativa, adotou o grupo focal e a entrevista semi estruturada como
estratégias de coleta de dados, cujo tratamento foi desenvolvido através da análise de
conteúdo baseada em Bardin. A docência é representada pelos estudantes, a partir
de suas inquietações e vivências, como uma atividade complexa, pois envolve a
responsabilidade de lidar e formar pessoas em todas as suas dimensões e incorpora

* Doutora em Educação pela Université de Sherbrooke-Qc-Canadá. Professora do Departamento de Educação e do Programa


de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia, Campus I. Endereço para corres-
pondência: Rua Dr. Augusto Lopes Pontes, 279, ap. 102, Costa Azul – 41760-035 Salvador-BA. E-mail:
sandra.soares@usherbrooke.ca / ssoares@uneb.br
** Pedagoga. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da
Bahia, Campus I. Endereço para correspondência: Rua Dr João Pondé, 87, ap. 301, Barra Avenida – 40140810 Salvador-BA.
*** Pedagoga. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da
Bahia, Campus I. Endereço para correspondência: Avenida Caraíbas, 716, Centro – 44900-000 Irecê-BA. E-mail:
ceni_santos@yahoo.com.br
**** Pedagoga. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da
Bahia, Campus I. Endereço para correspondência: Endereço: Rua Dr. Hosannah de Oliveira, 72. Edifício Paradise Hill, Alto do
Itaigara – 41815.215 Salvador-BA. E-mail: ivoneteeducadora@hotmail.com
***** Pedagoga. Endereço para correspondência: Rua Jorge Leal, S/N, Ribeira – 40421-190 Salvador-BA. E-mail:
lucysanty@gmail.com.
***** Estudante de Pedagogia. Bolsista de Iniciação Científica. Endereço para correspondência: Av. São Jorge n. 6, 1º andar,
Jardim Cruzeiro – 40430-245 Salvador-BA. Email: pamylamoraes@yahoo.com.br

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A docência na representação de estudantes de pedagogia de uma universidade pública da bahia

uma multiplicidade de saberes. Dentre esses saberes, valorizam os relacionados à


transmissão da matéria e à gestão das interações com os alunos.
Palavras-chave: Docência – Saberes – Competências – Formação de professor

ABSTRACT

TEACHING IN PEDAGOGY STUDENT’S REPRESENTATION IN A


PUBLIC UNIVERSITY IN BAHIA, BRAZIL
The present work analyses teaching from listening to the concluded students of the
pedagogy course at the public university of Bahia, it was carried out in the first stage
of the qualitative research: The students and teachers’ representations about
pedagogy programs in two universities in Bahia about the educative practice in
the teacher’s initial formation. This first stage had as one of the objectives to
comprehend how the students conceive the teaching profession and the backwash of
the educative practice lived during the initial formation in the professional identity.
Due to the limited space, in this text we will contemplate specifically the discussion of
the data that refer to the representation of the students’ teaching. The qualitative
research adopted as the strategies of collecting of the data, the focal group and the
semi-structured interview, and the treatment of them was developed through the
analysis of the content based on Bardin. Teaching is represented by the students,
according to their disquiets and experiences, as a complex activity, for it involves the
responsibility of treating and forming people in all their dimensions and incorporates a
multiplicity of knowledges. Among these knowledges value those who are related to
the transmission of the subject and the management of the interactions with the students.
Keywords: Teaching – Knowledges – Competences – Teacher’s formation

INTRODUÇÃO que esse traz para a escola, quanto da sensação


de incômodo em relação à forma pouco atrativa
A docência e, portanto, os saberes e as práti- de veiculação dos conteúdos, diversa daquela as-
cas que ela envolve, são uma construção social e sumida frente às novas fontes de informação. As-
histórica. Entrecruzam-se, na sua configuração, sim, a escola e o modelo de ensino-aprendizagem
interesses e perspectivas de caráter econômico, centrados na transmissão de conteúdos dogmati-
político, ideológico e cultural, muitas vezes confli- zados e descontextualizados da realidade têm sido
tantes. colocados em cheque.
Na atualidade, os processos de reestruturação Além disso, o agravamento dos problemas eco-
produtiva, de globalização e de proliferação das nômicos e sociais e outros deles decorrentes pe-
políticas neoliberais têm exigido que a escola atue netram na escola sob diversas formas (violência,
na perspectiva da formação de um trabalhador com droga, alcoolismo etc.), desafiando os professores
certa base de conhecimento científico, com flexi- a atuar na perspectiva de ajudar os alunos a de-
bilidade para assumir diferentes tarefas e postos senvolverem a capacidade de analisar criticamen-
de trabalho, resolver desafios e que seja capaz de te as situações, de enfrentá-las como protagonistas
garantir sua empregabilidade. e de afirmar-se como sujeitos e como cidadãos.
O avanço das tecnologias de comunicação e Nesse contexto de mudanças significativas na
de informação tem alterado o perfil do aluno, tanto sociedade e de críticas contundentes à escola e ao
do ponto de vista da bagagem de conhecimentos desempenho dos professores, emergem posições

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Sandra Regina Soares; Carla Carolina Costa da Nova; Cenilza P. dos Santos; Ivonete B. de Amorim; Lucicleide S. Santiago; Pâmyla Moraes

diversas, dentre as quais destacaremos duas: uma, processo de reforma educacional. A promulgação
cujo principal porta-voz parece ser Lyotard, ques- da Lei 9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da
tiona a necessidade da escola e dos professores Educação Nacional (LDB), foi um marco nesse
na sociedade pós-moderna, fortemente informati- sentido, e suscitou a elaboração de outras peças
zada e intercomunicada; a outra, expressa no Re- legais, a fim de promover a regulamentação de um
latório da Comissão Internacional sobre Educação novo paradigma curricular para a educação bási-
para o século XXI, apresentado à UNESCO e que ca, e, ainda, os referenciais curriculares para a
se intitula Educação: um tesouro a descobrir educação infantil, a educação indígena, a educa-
(DELORS, 1998), reafirma a confiança na educa- ção de jovens e adultos e, conseqüentemente, para
ção formal e atribui a essa ferramenta um desafi- a formação inicial dos professores destinados à
ante papel no desenvolvimento dos indivíduos e das escola básica idealizada pela aludida reforma.
sociedades. As diretrizes curriculares para o curso de pe-
Na segunda perspectiva, amplia-se e aprofun- dagogia (BRASIL, 2006), homologadas recente-
da-se o papel do professor que irá muito além da- mente, exigem que o pedagogo em formação
quele que apenas transmite conhecimentos. Caberá construa uma pluralidade de conhecimentos e sa-
ao mesmo organizar situações de aprendizagem beres a fim de que se torne apto a: reconhecer e
facilitadoras do desenvolvimento de capacidades respeitar as manifestações e necessidades físicas,
integradas do aluno que, essencialmente, seriam: cognitivas, emocionais e afetivas dos educandos;
aprender a conhecer, ou seja, adquirir os instru- identificar problemas socioculturais e educacionais
mentos de compreensão das informações; apren- com postura investigativa, integrativa e propositi-
der a fazer, em outros termos, a agir sobre seu va; respeitar a diversidade em todas as suas for-
entorno; aprender a viver com o(s) outro(s) à base mas de manifestação (BRASIL, 2006, p.7 ).
do respeito mútuo e da cooperação; e aprender a A formação de educadores com tais compe-
ser, que seria, em síntese, a capacidade de enfren- tências não se efetiva pela via do discurso do “de-
tar, com confiança em si mesmo, os desafios da ver ser”, pressupõe a vivência concreta de
sociedade progressivamente mundializada no senti- situações didáticas que oportunizem: a relação sis-
do da coesão social. Assim, o professor terá a con- temática e analítica entre a teoria e a prática pro-
dição de agente social de mudança, contribuindo, fissional; a articulação das disciplinas numa
decisivamente, para o desenvolvimento de capaci- perspectiva investigativa, compreensiva e proposi-
dades cognitivas, intelectivas, emocionais e de valo- tiva frente aos problemas do cotidiano escolar; a
res morais e atitudes de tolerância, respeito mútuo, relação professor-aluno e a relação dos alunos
responsabilidade e espírito crítico dos alunos, aquisi- entre si de abertura, respeito mútuo e colaboração,
ções especialmente decisivas no século XXI. enfim, situações que possibilitem ao licenciando
O papel assim delineado coloca, para o profes- estabelecer relações criativas e reflexivas com o
sor, o desafio de assumir uma autoridade não mais saber, consigo mesmo, com os outros, com as re-
baseada no poder e nos instrumentos de controle gras e com a sua profissão.
unilaterais legitimados socialmente, mas, em essên- Todavia, como afirma Pimenta (2005), os cur-
cia, sustentada no livre reconhecimento da legiti- sos de formação de professores adotam uma lógi-
midade do saber, na sua capacidade pedagógica e ca fortemente centrada nas disciplinas isoladas e
na sua competência relacional e afetiva. Ademais, nem sempre conseguem tomar a profissão e a pro-
como o próprio relatório afirma, as mudanças pro- fissionalidade docente como tema e objetivo da
postas exigem alterações nas condições de con- formação. A autora enfatiza que “Muitas vezes,
tratação, salariais, sociais e de trabalho do pessoal seus professores desconhecem o campo educa-
docente e, naturalmente, alterações na sua forma- cional, valendo-se do aporte das ciências da edu-
ção inicial e continuada. cação e mesmo das áreas de conhecimentos
Visando adequar-se ao novo contexto, de pro- específicos desvinculados da problemática e da im-
fundas e inesperadas mudanças, o Brasil, a partir portância do ensino, campo de atuação dos futuros
da década de 80, vem implementando um amplo professores” (p.37).

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A docência na representação de estudantes de pedagogia de uma universidade pública da bahia

A despeito das orientações legais, as práticas último aspecto não será contemplado nos marcos
que ainda parecem predominar no processo de for- do presente texto. A escuta aos estudantes se pro-
mação de professores na universidade, segundo os cessou em três sessões de grupo focal, durante
autores referidos e outros, não têm conseguido dar cerca de duas horas e meia, e uma entrevista semi-
conta do desafio de formar profissionais capazes dirigida com cada um, com duração média tam-
de lidar com a realidade complexa da escola bási- bém de duas horas e meia.
ca na contemporaneidade. Segundo Costa (2002), Os participantes, unanimemente, afirmam que
na universidade, ainda hoje, os professores não têm a docência é uma atividade complexa, o que se
preparação pedagógica inicial nem continuada, de explica, sobretudo, pelo motivo de ter como finali-
modo que estes ainda aprendem a ensinar, princi- dade a formação integral dos alunos, “Para mim
palmente ensinando, o que contribui, de modo sig- ser professora sempre foi ser responsável pela
nificativo, para o insucesso profissional. Muitos formação do outro”, o que implica, segundo ou-
docentes universitários, segundo o autor, ainda tro estudante, que “... você não pode ser pura-
mantêm uma atitude conservadora e não recebem mente racional, só com o que você aprendeu
incentivos para desenvolver a sua capacidade pe- de teoria na faculdade. Você tem que ter uma
dagógica. percepção extra do que ele [aluno] está sentin-
Os aspectos que acabam de ser evidenciados do”. Esses extratos revelam a ênfase concedida
indicam que a alteração das práticas não se efeti- aos alunos pelos participantes no processo de en-
va, apenas, mediante mudança na legislação, pois sino-aprendizagem e a compreensão de que a de-
pressupõe reconhecimento, reflexão e alteração das safiante tarefa de formar pessoas se desenvolve
representações que orientam as práticas dos ato- em um contexto interativo, em sintonia com auto-
res envolvidos no processo de ensino-aprendiza- res contemporâneos.
gem na universidade. Daí, a importância de estudos A esse respeito, é interessante considerar o que
como este, visando conhecer as representações de afirma Tardif (2002, p.118), “Concretamente, en-
estudantes e professores sobre os aspectos que sinar é desencadear um programa de interações
lhes são pertinentes, pois, além de contribuir para com um grupo de alunos, a fim de atingir determi-
a construção do conhecimento científico, oportuni- nados objetivos educativos relativos à aprendiza-
zam aos participantes uma profícua reflexão sobre gem de conhecimentos e à socialização”. Isso
os próprios processos que eles desenvolvem. significa que o objeto do trabalho docente são os
seres humanos, seres individuais e sociais. Portan-
A docência na representação dos es- to, a relação entre o professor e o seu objeto de
tudantes: um diálogo com autores trabalho é uma relação humana. Para o autor, tra-
contemporâneos ta-se, assim, de um objeto complexo, sobre o qual
o professor não tem controle, pois ninguém pode
Os sete participantes da primeira etapa da pes- forçar o aluno a aprender, o que exige, do profes-
quisa, estudantes do último semestre do curso de sor, fazer escolhas durante o processo de intera-
Pedagogia de uma universidade pública da Bahia, ção com os alunos.
foram aqueles que, voluntariamente, aceitaram o Nessa perspectiva, Altet (2001, p.26) afirma
convite feito à turma concluinte: seis, do sexo fe- que “o professor profissional é, antes de tudo, um
minino, e um, do sexo masculino, numa faixa etária profissional da articulação do processo ensino-
cuja média é de 37 anos. Três haviam feito o curso aprendizagem em determinada situação, um pro-
de magistério e já atuavam na educação infantil ou fissional da interação das significações
na escola básica antes do ingresso na universida- partilhadas”. Isso equivale a dizer que a ativida-
de. Num clima de descontração, eles foram convi- de do professor não se reduz à transmissão de
dados a falar sobre o que é ser professor, como conteúdos; requer um trabalho de interação par-
seus saberes professorais se constituíram e qual o tilhada com a classe de alunos, a fim de garantir-
papel da formação vivenciada na universidade na lhes a aprendizagem. Segundo a autora, trata-se,
construção das suas identidades docentes. Esse portanto, de uma vivência interativa, complexa e

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Sandra Regina Soares; Carla Carolina Costa da Nova; Cenilza P. dos Santos; Ivonete B. de Amorim; Lucicleide S. Santiago; Pâmyla Moraes

incerta, a qual requer, do professor, uma série de na contemporaneidade, muitas questões entre as
tomadas de decisões imediatas, uma mobilização quais: Os valores a serem ensinados são univer-
dos conhecimentos durante a ação e possíveis sais ou sempre relativos? Quem os define? Como
ajustes das ações previstas, de modo a adaptá- defini-los? Quanto a essas questões, os participan-
las a determinada classe ou a determinado tipo tes revelam pontos de vista diferentes. Um desses
de aluno (função didática e pedagógica). parece ser que os valores são universais, previa-
Os participantes avançam no sentido de expli- mente estabelecidos, e que o ensino deve transmi-
citar o que consideram ser o caráter essencial da tir aos alunos para evitar a “barbárie” e “o desa-
função pedagógica. Registram que, em especial nos tino geral” e “para ele [aluno] conseguir se
tempos atuais, marcados pela crise de valores e adaptar e viver na nossa sociedade”. Outro
pela naturalização do individualismo e da competi- ponto de vista, que também considera a existência
ção, é fundamental possibilitar aos alunos o desen- de valores universais, contesta a mera transmis-
volvimento do espírito crítico e da capacidade de são desses valores pré-estabelecidos: “Mas, é o
dialogar: “Eu penso em um aluno que não seja como você forma esses valores, é o como esta-
violento, que não resolva as coisas com agres- belecer esses limites, porque, dependendo da
sividade, que saiba dialogar, que saiba ouvir o forma como a escola vai fazer isso ela vai estar
outro”, ou “É papel do professor (...) ajudar o legitimando, ela vai estar também sendo vio-
aluno a ser uma pessoa crítica, questionar o lenta”. Outro ponto de vista enfatiza a diversida-
mundo em que nós vivemos”, ou ainda “A ques- de de valores: “Eu não concordo (...), ainda mais
tão de formar os próprios valores, não de ado- na atualidade, porque a nossa sociedade ela é
cicar o sujeito.” plural, você não pode dizer que vai conseguir
A preocupação dos participantes com a forma- uma coesão social que todos vão pensar dessa
ção de valores e atitudes revela a compreensão da forma, não é isso”.
docência como um ato político e contraditório, com- Gentili (2000) traz uma contribuição significati-
prometido, ao mesmo tempo, com a reprodução da va para esse debate quando afirma que os valores
ideologia dominante e com o seu desmascaramen- e as normas são produções históricas e sociais,
to, como sinalizou Freire (1998). Um ato compro- portanto, sempre conflitivas. Assim, “... os fatos
metido com a mudança social e com o desenvolvi- morais, do mesmo modo que as interpretações so-
mento integral de todas as crianças e jovens com bre os mesmos, possuem certo grau de contingên-
os quais estabelece relações no desenvolvimento cia derivado de seu inerente caráter social. A
da sua prática educativa. Abraçar esse compro- moralidade e as formulações teóricas que a inter-
misso significa para o professor assumir-se como pretam nada têm de inevitáveis, nem são produto
intelectual que reflete com base em um corpo de de uma aparente essência humana. (p. 150).
conhecimentos formais, constituídos e legitimados, Entretanto, além de concluir por esse caráter
com a disposição de construir processos pedagó- social, portanto relativista, dos valores, é fundamen-
gicos contra-hegemônicos. Pois, como afirma Gi- tal para os professores refletir sobre a questão de
roux (1997, p. 29), “a democracia envolve não ape- como “ensiná-los”, trazida por alguns participan-
nas a luta pedagógica, mas também a luta política tes, quando afirmam que, a depender da forma,
e social”. Hargreaves (2004, p. 215), por sua vez, poderão estar sendo produzidas subjetividades sub-
propõe para a educação pública e os professores missas, na medida em que “O que distingue a mo-
“fortalecer os relacionamentos e o sentido de ci- ralidade democrática de outras formas de
dadania ameaçados pela economia do conhecimen- moralidade não são apenas os conteúdos, mas tam-
to”, o que pressupõe retomar a concepção do en- bém a forma e o procedimento mediante os quais
sino como prática de uma “profissão moral e ela se constitui” (GENTILI, 2000, p.153). Sobre
visionária” (p. 216), comprometida com a trans- esse aspecto, Rios (2006) ressalta que a constru-
formação social. ção do ato moral pressupõe liberdade, responsabi-
Retomar o sentido da docência como “profis- lidade e, conseqüentemente, a possibilidade de
são moral e visionária” implica para os docentes, escolha a partir da reflexão crítica sobre os valo-

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A docência na representação de estudantes de pedagogia de uma universidade pública da bahia

res presentes na prática dos indivíduos em socie- construção da realidade pelos professores e alu-
dade, na perspectiva do bem comum. Facilitar a nos. Em síntese, a complexidade da ação profissi-
reflexão sobre atitudes e valores é uma tarefa fun- onal do professor se deve à coexistência de dois
damental a ser assumida pelo educador na con- condicionantes estruturais:
temporaneidade, o que implica, no dizer de Gonzalez ... os condicionantes ligados à transmissão da maté-
Rey (1995, p. 104), ter em conta o contexto afeti- ria (condicionantes de tempo, de organização se-
vo relacional, na medida em que “Los valores se qüencial dos conteúdos, de alcance das finalidades,
forman en la comunicación interpersonal, no solo de aprendizagem por parte dos alunos, da avalia-
por la racionalidad implicada en este proceso, sino ção, etc.) e os condicionantes ligados à gestão das
también por la calidad afectiva que se establezca, interações com os alunos (manutenção da discipli-
definida por las emociones vivenciadas y el desar- na, gestão das ações desencadeadas pelos alunos,
rollo de la sensibilidad del sujeto hacia diferentes motivação da turma, etc.). O trabalho docente con-
aspectos de la vida.” siste em fazer estas duas séries de condicionantes
Visando à constituição desse espaço de cons- convergirem e colaborarem entre si. Nesse sentido,
trução de valores pelos alunos, Gentili (2000) con- a transmissão da matéria e a gestão das interações
voca os professores a ultrapassar a saída sedutora não constituem elementos entre outros do trabalho
docente, mas o próprio cerne da profissão (TAR-
da transmissão de valores preestabelecidos e pos-
DIF, 2002, p.219).
sibilitar a construção dessa moralidade democráti-
ca no confronto de perspectivas, no espaço do Assim, segundo Cunha (2006, p.13), “ser pro-
diálogo e do respeito mútuo, na busca do consenso fessor não é tarefa para neófitos”, pois a multipli-
provisório e possível em cada momento, pois “não cidade de saberes e conhecimentos que dão suporte
se pode educar para a autonomia através de práti- a sua atuação se articulam em uma totalidade, “que
cas heterônomas, não se pode educar para a hu- se distancia da lógica das especialidades, tão cara
manidade a partir de práticas autoritárias e não se a muitas outras profissões, na organização taylo-
pode educar para a democracia a partir de práti- rista do mundo do trabalho”.
cas autocráticas” (p.149). A maioria dos participantes faz referência a
A complexidade da docência é explicada pelos saberes relacionados aos condicionantes ligados à
participantes, também, em função da multiplicida- transmissão da matéria e àqueles ligados à gestão
de de saberes, competências e atitudes que ela das interações com os alunos. Quanto ao primeiro
envolve no seu exercício, a partir de suas vivênci- condicionante, consideram que é fundamental o
as e inquietações, corroborando com a conclusão domínio dos conteúdos do ensino para o sucesso
de diversos autores (CUNHA, 2006; TARDIF, do seu trabalho. Todavia, dão mais ênfase a as-
2002, entre outros). Tardif (2002) atribui a com- pectos pertinentes ao segundo condicionante, isto
plexidade da docência à pluralidade de saberes e é, o condicionante ligado à gestão das interações,
tipos de ação mobilizados cotidianamente na práti- que lhes parece ser mais desafiante. Nesse senti-
ca educativa, dentre os quais apresenta: saberes e do, sinalizam a importância dos saberes relaciona-
ações de ordem técnica, visando à combinação dos ao processo de aprendizagem; o saber
eficaz dos conteúdos, dos meios e dos objetivos contextualizar a experiência do aluno, articulando
educacionais; saberes e ações de natureza afetiva o ensino à sua realidade concreta. No segundo con-
que aproximam o ensino de um processo de de- dicionante, a competência relacional do professor
senvolvimento pessoal; saberes e ações de cará- com seus alunos parece ser o aspecto mais valori-
ter ético e político, sintonizados com uma visão de zado pelos participantes: “saber lidar com o ou-
ser humano, de cidadão e de sociedade; saberes e tro, lidar com o diferente, é um grande desafio
ações voltadas para a construção de valores con- na sala de aula. (...) são competências essenci-
siderados fundamentais; saberes e ações relativos ais que o professor deve ter.”, ou “respeitar o
à interação social que revelam a natureza profun- limite do outro, respeitar as diferenças, respei-
damente social do trabalho educativo e implicam tar a forma de pensar, acho que é também pa-
num processo de conhecimento mútuo e de co- pel do professor e o amar”, ou ainda “uma das

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competências do educador é saber ouvir” e alunos aprendam (processo de aprendizagem), na


saber “resolver as questões com o diálogo”. medida em que compartilham e interatuam em si-
A ênfase na habilidade de relacionar-se com tuações estruturadas de ensino-aprendizagem (pro-
seus alunos evidencia forte coerência com a fina- cesso de ensino). Assumir a perspectiva da
lidade da ação docente de formação integral dos aprendizagem grupal é um desafio posto para a
alunos, atribuída pelos participantes, pois, como docência na contemporaneidade, na perspectiva da
afirma Gonzalez Rey (1995, p.2): formação de cidadãos críticos e solidários a partir
El crecimiento de la persona en el proceso educati-
da vivência concreta da sala de aula. Nesse con-
vo se caracteriza por el desarrollo de su autoestima, texto, o professor, conforme Filloux (1970, apud,
de su seguridad emocional, sus intereses, etc., así SOUTO DE ASCH, p.62), assume “el rol de faci-
como de su capacidad para comunicarse con los litador y elucidador de problemas técnicos o afec-
otros, aspectos esenciales para que el propio apren- tivos en el grupo”, de mediador da comunicação
dizaje se caracterice como una función personaliza- grupal.
da, estrechamente vinculada a la experiencia del Dentre os saberes e competências que confi-
escolar y a sus intereses. guram a complexidade da docência, os participan-
Apesar de significar um avanço em relação à tes ressaltam, ainda, a importância da capacidade
lógica educativa tradicional, que se caracteriza pela do professor de refletir sobre a sua própria prática,
distância na relação professor-aluno e pela restri- na busca constante da coerência entre essa práti-
ção à participação e expressão do aluno, a compe- ca e o seu discurso: “Como é que está sua práti-
tência relacional parece ainda estar centrada numa ca? E saber também que o professor que está
perspectiva individualista. Não é possível, na con- ali é um indivíduo como outro qualquer, com
temporaneidade, desconsiderar que a relação pro- seus problemas, não é?”; “ buscar compreen-
fessor-aluno se desenvolve na complexidade do der que esse processo de ensino, de aprender,
contexto grupal da sala de aula, o que implica ve- vai passar também por você. (...) o que é que
nham ocorrer novos desafios. eu quero atingir a quem eu quero atingir? (...)
Souto (2007) apresenta uma contribuição im- Qual a minha finalidade?”; “Saber se auto-
portante para a superação da perspectiva individu- avaliar, saber avaliar o outro. Avaliar o outro
alista da competência relacional quando assume o no sentido de ajudá-lo a crescer e não avaliar
grupo da sala de aula como um grupo de aprendi- para punir, para reprovar, para descarregar sua
zagem, definido pela autora como “una estructura raiva”; “Se a gente quer o nosso aluno seja
formada por personas que interactúan, en un es- crítico, participativo nós também temos de exer-
pacio y tiempo común, para lograr ciertos y deter- cer esse papel na escola” e, ainda, “A gente tem
minados aprendizajes en los individuos (alumnos), que tomar muito cuidado com o nosso discurso
a través de su participación en el grupo” (p.55). para não estar totalmente contraditório com a
Segundo a autora, nesses grupos se entrecruzam nossa prática”.
três processos fundamentais: de aprendizagem, de A reflexão sobre a prática é uma noção intro-
ensino e de dinâmica grupal. No processo de apren- duzida no campo educacional, na década de 1990,
dizagem, o foco da análise é o sujeito (individual) pelo americano Donald Schön que, ao valorizar o
que se apropria e re-significa conhecimentos, con- saber da prática profissional, propunha a centrali-
dutas e valores através da experiência grupal. No dade desta no processo de formação dos profes-
processo de ensino, o objeto de análise é o conjun- sores. Embora apresente contribuições significati-
to das situações de ensino projetadas, realizadas e vas no sentido da superação da racionalidade
avaliadas, na perspectiva de que os membros do técnica e da visão aplicacionista da teoria na for-
grupo aprendam. No processo de dinâmica grupal, mação do professor e, ainda, convoque o profes-
o foco da análise é o grupo em seu devir. Assim, sor para questionar os conhecimentos tácitos
através da aprendizagem grupal, produz-se a inte- (aprendidos, como sugere Tardif (2002), em dife-
gração desses três processos de forma que o gru- rentes contextos, como: familiar, escolar, da for-
po (processo de dinâmica grupal) facilita que os mação de professores, da prática profissional etc.)

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 153-162, jul./dez. 2008 159
A docência na representação de estudantes de pedagogia de uma universidade pública da bahia

que orientam a sua atuação, essa noção apresenta Se os professores quiserem fazer progressos como
limites na medida em que está centrada no profes- profissionais e causar um impacto no mundo com-
sor como indivíduo. A reflexão individual, perspec- plexo das escolas, devem aprender a confiar e valo-
tiva que parece ser assumida pelos participantes, rizar os colegas distantes e diferentes, bem como os
semelhantes. Essa confiança profissional leva as
não pode se encerrar nela mesma, precisa ser res-
pessoas ao domínio do incerto e do desconhecido,
significada e ampliada na troca com seus pares,
e, nesse sentido, “envolve uma disposição para cor-
tendo em vista a transformação das práticas e das rer riscos ou colocar-se em situação vulnerável”. O
condições institucionais de trabalho. A reflexão trabalho em equipe, a aprendizagem a partir de pes-
sobre a prática, numa perspectiva individual e co- soas diferentes, o compartilhamento aberto da in-
letiva, remete, mais uma vez, à necessidade do pro- formação, todos esses ingredientes essenciais da
fessor desenvolver sua capacidade de trabalhar em sociedade do conhecimento envolvem a vulnerabi-
grupo. Essa compreensão é reafirmada por Har- lidade, o risco e uma disposição de confiar em que
greaves (2004, p. 42): os processos de trabalho coletivo e parceria acaba-
rão por gerar o bem de todos, incluindo a si próprio.
Na sociedade do conhecimento, complexa e em rá-
pida mudança, os professores, assim como outros
Considerações finais
trabalhadores, não podem trabalhar e aprender
completamente sós ou apenas em cursos de forma-
ção separados. Nenhum professor sabe o suficien- A pesquisa realizada possibilitou conhecer, den-
te para se manter atualizado ou se aperfeiçoar por tre outros aspectos que transcendem aos objetivos
conta própria. É vital que os professores se envol- que nortearam esse artigo, as representações dos
vam conjuntamente em ações, pesquisas e solu- estudantes sobre a docência. Entre os principais
ção de problemas, em equipes de colegas, ou em elementos dessas representações inclui-se a idéia
comunidades de aprendizagem profissional. Por de que a docência é uma atividade complexa. Os
meio de tais equipes, os professores podem reali- participantes parecem trazer a sua representação
zar o desenvolvimento curricular conjunto, respon- sobre a complexidade da docência, principalmente
der de forma efetiva e criativa a demandas externas a partir das suas inquietações, vivências e refle-
da reforma, desenvolver pesquisa-ação cooperati- xões, e atribuem essa complexidade, fundamental-
va e analisar coletivamente dados sobre o desem-
mente, ao caráter interativo da prática pedagógica
penho dos alunos, de forma a beneficiar o
e à responsabilidade de formar seres humanos.
aprendizado destes.
Parecem desafiados por essa complexidade. Com
Apenas um participante fez referência à im- efeito, a quase totalidade revela-se motivada e,
portância do trabalho em equipe na escola. Toda- mesmo, apaixonada relativamente ao exercício da
via essa referência revela a expectativa de um grupo profissão.
ideal preexistente a sua entrada na escola, e, quando Foi possível perceber que as representações dos
isso não acontece, a sensação que lhe assalta é participantes contemplam, dentre os saberes da
que não resta nada a fazer: “quando existe um docência, aqueles relacionados à transmissão da
grupo focado, comprometido com aquilo, aí matéria. Todavia, provavelmente por serem consi-
naturalmente flui (...) Mas quando você chega derados mais desafiantes, enfatizam os saberes li-
numa escola onde o corpo em si (...) não tem gados à gestão das interações com os alunos,
aquela vontade de mudar as coisas (...) você destacando a competência relacional do professor,
acaba remando sozinho contra a maré”. Em entendida como saber lidar com o outro, respeitar
pesquisa realizada por Hargreaves (2004), cujo as diferenças, ouvir e resolver as questões medi-
objeto de estudo era o aspecto emocional das rela- ante o diálogo. Parecem, entretanto, não se dar
ções dos professores com seus colegas, foi perce- conta do desafio de exercer essa competência re-
bida essa mesma atitude, de evitar desacordos ou lacional no contexto de facilitação da dinâmica e
situações que pudessem gerar conflito com os co- da aprendizagem grupal.
legas. Todavia, como afirma o autor (p. 45), o de- As representações dos participantes sobre a
safio está posto: docência envolvem, ainda, a compreensão da im-

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Sandra Regina Soares; Carla Carolina Costa da Nova; Cenilza P. dos Santos; Ivonete B. de Amorim; Lucicleide S. Santiago; Pâmyla Moraes

portância de se refletir sobre a ação, visando à professor pode mudar”, pode aprender com o
busca da coerência entre o discurso e a prática, outro e mudar por convicção e não por imposição.
na medida em que eles reconhecem ter sido for- Ou ainda “Importante porque você se coloca,
mados numa escola tradicional, que não valoriza- se despe, talvez quando a gente sair daqui já
va o aluno e seu processo de aprendizagem, uma saia com atitudes diferentes...”, “Uma coisa
escola na qual o professor tinha que ter o “con- muito boa desta experiência que a gente vai
trole de classe”, para garantir a transmissão dos levar para nossa prática de saber ouvir”.
conteúdos. Essas aprendizagens “finais” parecem ter liga-
O balanço da experiência de participação nes- ção com: “A forma como foi conduzido... o estí-
ta pesquisa, em especial nas sessões do grupo fo- mulo para falar o que está pensando e sentindo
cal, foi considerado pelos participantes como muito deixou a gente mais à vontade”, ao fato dos en-
positivo e marcado por um caráter formativo. Cabe contros contemplarem questões consideradas im-
destacar que a avaliação, ao final de cada encon- portantes para a formação profissional deles:
tro, permitiu que eles se dessem conta da impor- “Debate muito rico. Coisas que na nossa for-
tância de trabalhar em grupo, tanto na universidade mação não paramos para refletir, a gente rece-
(como componente curricular), quanto no cotidia- be muita teoria”.
no da escola: “Refletir em grupo é melhor que É pertinente acrescentar, finalmente, que os
refletir sozinho”, “Então, eu acho que um en- depoimentos dos estudantes fornecem importan-
contro desse deveria ser feito sempre, a cada tes elementos para a reflexão dos professores uni-
semestre”, “Contribui muito para gente, porque versitários, e que servirão de subsídio para a
a gente pára e reflete, o que está faltando... segunda etapa da pesquisa. Sinalizam, ainda, de-
tem uma importância enorme para nossa for- safios para a formação inicial de professores e para
mação”. Na visão de um deles, “Isto deveria ser a construção de uma profissionalidade do docente
adotado nas escolas, no momento que tem as universitário capaz de formar profissionais autô-
reuniões, porque é pensando, refletindo em con- nomos, críticos, solidários, “professores intelec-
junto que a gente pode entender melhor o pro- tuais”. Entre os desafios, inclui-se a capacidade
blema”, “Ouvir a opinião do outro me ajuda a de estabelecer relação entre a teoria e a prática
rever o que eu penso”. profissional docente numa perspectiva crítica e
A avaliação dos encontros possibilitou, também, reflexiva, independente das disciplinas que minis-
uma ressignificação de pontos de vista apresenta- trem; de assumir o processo de ensino-aprendiza-
dos ao longo dos encontros, por exemplo, a visão gem numa perspectiva grupal; de facilitar as
da necessidade de “supervisão externa” ao tra- relações grupais e de refletir sobre sua ação num
balho do professor “que não está comprometi- processo de escuta e consideração autêntica dos
do”, para a visão de que, “refletindo em grupo o atores que com ele contracenam.

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Recebido em 30.05.08
Aprovado em 15.09.08

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Elisa Lucarelli; Claudia Finkelstein; Gladys Calvo; Patricia Del Regno; María E. Donato; Mónica Gardey; Martha Nepomneschi; Viviana Solberg

DIDÁCTICA UNIVERSITARIA:
trayectoria y ejes estratégicos
para la producción colectiva de conocimientos

Elisa Lucarelli *
Claudia Finkelstein **
Gladys Calvo ***
Patricia Del Regno ****
María E. Donato *****
Mónica Gardey ******
Martha Nepomneschi *******
Viviana Solberg ********

RESUMEN

En este artículo1 se narra la trayectoria de un equipo de investigación en Didáctica


Universitaria en el ámbito del Programa Estudios sobre el aula universitaria en el
Instituto de Investigaciones en Ciencias de la Educación de la Universidad de Buenos
Aires. Como marco general se enfoca la problemática de la formación en la profesión
y el lugar de los aprendizajes complejos en la universidad a través del estudio de una
cátedra correspondiente a la carrera de Odontología. En ese contexto los ejes
estratégicos que se abordan se han seleccionado en función de los rasgos distintivos
que presenta el equipo en la producción colectiva de conocimiento como práctica de
investigación social. Estos ejes son: antecedentes del Programa de Investigación y
las formas actuales de funcionamiento; aspectos metodológicos que definen
modalidades de funcionamiento; la producción colectiva de conocimiento con la
inclusión en el equipo de los distintos actores relacionados diferencialmente con el
objeto de estudio (investigadores, asesores pedagógicos, adscriptos, docentes); la
diversificación de actividades según la organización las tareas en grupo total, en parejas,

* Doctora en Educación de la Universidad de Buenos Aires. Profesora titular y Directora del Programa Estudios sobre el aula
universitaria. Instituto de Investigaciones en Ciencias de la Educación. Facultad de Filosofía y Letras. Universidad de Buenos
Aires. Dirección institucional: Puan 480-4to piso-Oficina 440-Buenos Aires / AR. E-mail: elisalucarelli@arnet.com.ar
** E-mail: claudiafinkelstein@yahoo.com.ar
*** E-mail: gladysrcalvo@yahoo.com.ar
**** E-mail: patriciadelregno@yahoo.com.ar
***** E-mail: mdonato@infovia.com.ar
****** E-mail: monigardey@yahoo.com.ar
******* E-mail: marthes@fibertel.com.ar
******** E-mail: vivisolberg@yahoo.com.ar
1
Este artículo desarrolla el contenido de una ponencia presentada en el V Congresso Internacional de Educação de la UNISINOS en el 2007

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 163-171, jul./dez. 2008 163
Didáctica universitaria: trayectoria y ejes estratégicos para la producción colectiva de conocimientos

individuales, en comunicación virtual; los aportes interdisciplinarios; la gestión del


proyecto de investigación según una modalidad de participación creciente.
Palabras llave: Didáctica Universitaria – Formación en la profesión – Producción
colectiva de conocimiento

ABSTRACT

UNIVERSITY DIDACTICS: trajectories and strategic mainlines for collective


production of knowledges
This paper relates the trajectory of a research group in University Didactics in the
framework of Program research about university teaching at the Instituto de
Investigaciones en Ciencias de la Educación of the Universidad de Buenos Aires.
We focused the theme of professional formation and the place of complex learnings
in university through the study of a chair corresponding to the career of dendistry. In
this context, the strategic mainlines considered were selected according to the
distinctive marks represented by the team in collective production of knowledge as a
practice of social investigation. This mainlines are: past history of research program
and the present modalities of functioning; meteorologic elements which define
modalities of functioning; collective production of knowledge with team inclusion of
distinct social actors related to the object of study (researchers, pedagogic support,
teachers); activities diversification according to the organization of tasks in groups,
pairs, individuals, in virtual communication; multidisciplinary contribution; research
project management according to the modality or growing participation.
Keywords: University didactics – Teachers in service – Collective production of
knowledge

1. El Programa en su historia: los an- surgimiento de un equipo de investigadores del ICE


tecedentes lejanos y asesores pedagógicos de las diversas Unidades
Académicas de la UBA que toman este tema como
El Programa “Estudios sobre el aula universita- eje para la investigación y el desarrollo de accio-
ria” desarrolla desde hace más de dos décadas nes de formación sobre temas de la Didáctica
actividades de indagación alrededor de la proble- Universitaria. Este segundo momento culmina con
mática de las prácticas de enseñanza innovadoras la organización de un Proyecto específico de in-
de los docentes en el ámbito de la Universidad de vestigación que, considerando las prácticas inno-
Buenos Aires. Se pueden reconocer distintos mo- vadoras y su difusión como problema central, se
mentos de acercamiento a este tema. integran al Proyecto Institucional del ICE de “De-
Un primer momento, 1985 y 1986, se corres- mocratización de la Educación, obstáculos y alter-
ponde con la coordinación de los “Talleres de re- nativas”. Este se propuso abordar, desde distintas
flexión a la reforma curricular de la UBA” que dimensiones, las características que asumen los
organiza el IICE (entonces ICE) como ámbito de espacios públicos de educación en los primeros años
discusión alrededor de esta temática para docen- del retorno a la vida democrática del país y de la
tes y asesores pedagógicos. universidad. Este Proyecto específico, centrado en
El interés de ambos tipos de actores en las ex- la vida de las cátedras, acompaña el devenir de
periencias que los propios docentes llevaban a cabo una institución, la UBA, preocupada, desde el re-
como alternativas a la clase tradicional, da lugar al torno de la vida democrática, por el mejoramiento

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Elisa Lucarelli; Claudia Finkelstein; Gladys Calvo; Patricia Del Regno; María E. Donato; Mónica Gardey; Martha Nepomneschi; Viviana Solberg

de los procesos pedagógicos a través de diversas Psicología Social y la Biología (área disciplinar de
estrategias; algunas de ellas fueron: el Programa referencia). La casi totalidad de los integrantes
de capacitación docente que acompañó los prime- desarrollan la práctica docente en el grado y en el
ros años de implementación del Ciclo Básico postgrado universitarios, lo que posibilita un acer-
Común, la creación de las Comisiones Asesoras camiento genuino al abordaje del objeto de indaga-
Pedagógicas como apoyo al desarrollo de las prác- ción: la enseñanza en la universidad. Los otros son
ticas del enseñar y el aprender en el contexto de asesores pedagógicos en las facultades de la UBA
cátedras y departamentos, de las Facultades, y el o docentes en ellas.
abordaje, desde la investigación, de aspectos rela- En su historia se observa una proporción equili-
cionados con la masificación y la calidad de la en- brada de investigadores formados y en formación,
señanza. con leve tendencia incremental de estos últimos, lo
A partir de la década del 90 el Programa, en un cual, a nuestro criterio, manifiesta una fortaleza en
tercer momento, encara tres líneas diferenciadas términos del desarrollo futuro del equipo y su pro-
y a la vez articuladas de acción: la realización de ducción; en los últimos años se han incorporado a
Jornadas de difusión y análisis de experiencias in- la tarea estudiantes de la carrera de Ciencias de la
novadoras en conjunto con el Proyecto de Peda- Educación y adscriptos a la cátedra de Didáctica
gogía Universitaria 2 , de Jornadas de docentes de Nivel Superior. Hay magisters y doctores y la
(Expocátedras)3 , la formación de asesores peda- mayoría de los investigadores en formación están
gógicos universitarios, y, paralelamente a ellas, el cursando estudios de Maestría y Doctorado o ter-
desarrollo de investigaciones sobre ambas temáti- minando sus tesis correspondientes.
cas: la innovación en el aula universitaria centrado Se reúnen en el grupo, investigadores no sola-
en la relación teoría-práctica y las características mente de la Unidad Académica sede del Progra-
que definen el rol del asesor pedagógico en la uni- ma, sino también de otras, lo que facilita la inserción
versidad.4 Las investigaciones alrededor de esta en esos contextos institucionales para el trabajo de
temática de la innovación dieron lugar al trabajo campo, a la vez que posibilita una más rápida trans-
conjunto, desde 1992, con un grupo de investiga- ferencia de los resultados.
dores de Universidades de la Región Sur de Brasil, En la actualidad integramos el grupo investiga-
dirigidos por María Isabel da Cunha (UFPel/Unisi- dores de distintas facultades, áreas disciplinares y
nos) y Denise Leite (UFRGS). roles, con distinto desarrollo en esta práctica.
En estos años las acciones emprendidas permi- Consideramos que esta diversidad es uno de
ten derivar avances y hallazgos en torno a proble- los factores que permiten un abordaje complejo de
mas que configuran el campo de acción de una los problemas a investigar en torno a la formación
Didáctica universitaria contextualizada por la di- de grado en la universidad. El núcleo central del
versidad disciplinar profesional y por un entorno equipo, integrado por ocho investigadores, lo com-
institucional crecientemente afectado la crisis so- ponen 5 investigadores seniors y 3 juniors, prove-
cioeconómica que se manifiesta abiertamente en
la década. 2
Proyecto con sede en la Secretaría de Asuntos Académicos
bajo la dirección de Lidia Fernández y con la participación,
entre otros investigadores, de Claudia Finkelstein.
2. Antecedentes cercanos y la situaci- 3
Se realizaron estas Jornadas en 1991, 1992, 1993 y 1998, con
ón actual del grupo de investigación la participación de alrededor de 400 docentes en cada una de
ellas , y la presentación de 70 experiencias agrupadas en más de
20 de Talleres simultáneos. En ellos dos o tres equipos docentes
El grupo de integrantes del Programa Estudios de distintas facultades presentaban sus experiencias docentes
sobre el aula universitaria desde sus inicios ha sido alrededor de un mismo problema pedagógico, relacionados con
nuevas organizaciones curriculares, la articulación teoría-
de tipo interdisciplinario e interprofesional en cu- práctica, el entrenamiento en la práctica profesional, las
anto a sus roles de desempeño en torno a la en- acciones en terreno, nuevas tecnologías, formas alternativas de
organizar la clase, de estructurar el objeto de estudios, etc.
señanza en la universidad. La mayoría tienen 4
Esta investigación derivó en una publicación colectiva:
formación académica sólida en el campo de la Di- Lucarelli, E.(comp.) El asesor pedagógico en la universidad.
dáctica Universitaria, y otros de la Sociología, la Bs. As. Paidós.2000.

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Didáctica universitaria: trayectoria y ejes estratégicos para la producción colectiva de conocimientos

niente la mayoría de la Facultad de Filosofía y Le- 3. Los aspectos metodológicos


tras (6) y dos de la Facultad de Ciencias Sociales y
del ärea de la Salud (Facultad de Medicina y Odon- La elección de una lógica y consoli-
tología). Tres de los miembros se desempeñan, a dación de una práctica en común
la vez, como asesores pedagógicos universitarios.
El equipo desarrolla además actividades de for- Las investigaciones que el equipo está desarro-
mación. Un hecho a destacar es que los investiga- llando acerca de los procesos que se dan en el aula
dores juniors han sido adscriptos, es decir, universitaria se enmarcan en un diseño cualitativo
estudiantes avanzados o graduados recientes de la con instancias participativas.
carrera de Ciencias de la Educación que se inser- La elección de la lógica cualitativa implica te-
tan a los equipos docentes o de investigación con ner la intencionalidad de generar teoría a partir de
el objetivo de incorporarse paulatinamente a la vida la empiria, enfatizándose la inducción analítica, la
académica y aprender, junto a colegas más exper- comprensión y la especificidad del objeto estudia-
tos, sus pautas de funcionamiento. Se da así una do; al trabajar con pocos casos se profundiza en el
posición intermedia, un pasaje desde el lugar del significado que la población le otorga al hecho so-
alumno hacia un rol profesional o de investigador, cial. En este sentido, se busca construir los esque-
en este caso, que permite un aprendizaje acom- mas conceptuales más adecuados a las realidades
pañado y libre de riesgos, facilitando la inserción en estudio a partir de la información empírica re-
en el mundo profesional. Al decir de Paula Carlino: colectada. Comprender implica captar el significa-
do, el sentido profundo que las personas y los grupos
...el conocedor de una herramienta cultural compar-
le atribuyen a sus acciones insertas en una totali-
te con los neófitos su saber-hacer, explicitándolo,
ofreciendo indicaciones y retroalimentando los in- dad de su historia y de su entorno.
tentos imperfectos de los recién llegados. (...) La Las instancias participativas se concretan, en
travesía de la hetero a la autorregulación es siempre cada caso en estudio, en distintos momentos : en
paulatina, se produce por una progresiva transfe- la concertación inicial con el profesor titular indi-
rencia de responsabilidades del experto al principi- vidualmente o con el equipo en su conjunto, a tra-
ante e implica para éste la internalización activa vés de la presentación, para su análisis, de una
(reconstructiva) … de las normas de funcionamien- propuesta con propósitos, metodología y organi-
to inicialmente provistas por quienes ya se manejan zación del trabajo a realizar. Durante el trabajo
con ellas” (2005, p. 75-76). en terreno puede haber momentos de reorienta-
De esta forma las acciones colectivas desarro- ción de lo programado (en términos de modifica-
lladas en la investigación se manifestaron como ciones en las Comisiones a estudiar, p.ej) que
articulación de investigación y de formación en la vuelven a repactarse con el equipo docente. Sin
tarea, desarrollándose aprendizajes acerca de la embargo un momento clave de trabajo en común
lógica y la metodología adoptadas investigando. entre ambos equipos (de investigadores y de do-
Paralelamente se integran periódicamente a la ta- centes) son las sesiones de retroalimentación de
rea durante un cuatrimestre, estudiantes de grado los avances en la producción del conocimiento ;
de la carrera de Ciencias de la Educación, quienes son instancias colectivas donde el investigador
acreditan así la instancia curricular de “Trabajo de devuelve la información generada a los sujetos
Investigación” (pasantía en esta práctica). De esta en estudio para analizar con ellos esos resulta-
manera muchas de las actividades grupales que se dos. Esta instancia que implica “poner a prueba
desarrollan en el Proyecto se constituyen en un “con los propios protagonistas la información pro-
verdadero prácticum reflexivo donde los investi- ducida, posibilita el planteamiento de nuevas pre-
gadores formados funcionan como tutores en al- guntas para tratar de resolverlas en común. Se trata
gunos momentos, y como grupo de pares en otros de una “construcción de información a través de
para posibilitar la reflexión en la acción en un con- una instancia colectiva” y de “validación de la in-
texto en el que tanto adscriptos como estudiantes formación a través de la confrontación con los ac-
aprenden haciendo (SCHÖN, 1992) . tores”. En estas situaciones, los participantes suelen

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Elisa Lucarelli; Claudia Finkelstein; Gladys Calvo; Patricia Del Regno; María E. Donato; Mónica Gardey; Martha Nepomneschi; Viviana Solberg

relacionar y comprender elementos fragmentados • trabajo en parejas: dos miembros del


de su propia realidad, solamente entendibles a tra- equipo cruzan sus producciones indi-
vés de la elucidación que permite el análisis de la viduales para la definición más preci-
totalidad a la luz de nuevos marcos. sa de categorías y realizan una
Esta producción colectiva presenta algunas producción unificada.
peculiaridades en el caso de nuestras investiga- • el uso del correo electrónico como
ciones: medio de comunicación constante del
a) la inclusión en el equipo de los distintos acto- equipo: este medio funciona como un
res: investigadores, asesores pedagógicos, adscrip- sostén de la tarea en la medida que
tos, docentes. Las instancias de participación de permite el entrecruzamiento de las pro-
cada uno de ellos permite reconocer acciones di- ducciones individuales y en parejas y
ferenciadas en propósitos y modalidad de trabajo su revisión y análisis.
según los actores, y actividades en común, en gru- c) La gestión del equipo de investigación: la ges-
po total, tales como las propias del momento de tión del equipo se ha transformando a lo largo del
retroalimentación. tiempo en virtud de los procesos de constitución
b) la modalidad de trabajo: el equipo realiza di- operados en el grupo de investigadores. Esto ha
ferentes tipos de actividades para la producción dado lugar a variaciones en participación de los
colectiva de conocimiento: actores según los distintos momentos atravesados
• tareas relacionadas con la obtención de la por el equipo.
información en función del dispositivo diseña-
do a tal fin: el equipo se divide y una parte Algunas peculiaridades de la moda-
realiza observación sistemática de clases y lidad de trabajo del equipo
otra realiza entrevistas en profundidad (en
este punto se incluyen específicamente las En cuanto a la modalidad de trabajo, el equipo
asesoras pedagógicas y eventualmente el realiza diferentes tipos de actividades para la pro-
director del equipo) ducción colectiva de conocimiento, donde se alter-
• tareas relacionadas con el análisis de la in- nan y entrelazan el trabajo individual, en parejas y
formación. En este punto se implementan de grupo total.
diferentes dispositivos, tales como: Una de ellas es el trabajo individual que se
• reuniones mensuales caracterizadas realiza en torno a la búsqueda bibliográfica especí-
por un clima y estilo de trabajo que ha fica y al análisis conceptual relacionado con la ela-
sido internalizado por el equipo de in- boración de categorías. Esta tarea es llevada a cabo
vestigadores. Esto supone la construc- por cada miembro del equipo que centra su análi-
ción de un espacio que es vivido por sis en un recorte de la información obtenida a tra-
los miembros del equipo como facili- vés del dispositivo implementado en la recolección
tador de los procesos de pensamiento, de la información.
en donde el error no es sancionado y La búsqueda bibliográfica en la investigaci-
donde las jerarquías académicas que- ón que estamos desarrollando en la actualidad so-
dan neutralizadas en función del pro- bre aprendizajes complejos de la práctica
ceso de construcción. profesional en el campo de la Odontología5 se cen-
• trabajo individual de análisis concep- tró en la temática referida a los escenarios de la
tual y elaboración de categorías: esta clínica odontológica, la cual no ha sido objeto de
tarea es llevada a cabo por cada mi- amplia producción dentro del ámbito de la didácti-
embro del equipo que centra su análi- ca universitaria ni de la educación odontológica;
sis en un recorte de la información 5
“Los Espacios de formación para aprendizajes complejos de la
obtenida a través del dispositivo im- práctica profesional en las carreras de la Universidad de Buenos
Aires”. Proyecto 051 dentro de la Programación UBACYT
plementado en la recolección de la in- 2004-2007.Los casos en estudio son cátedras de la Facultad de
formación. Odontología de la UBA.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 163-171, jul./dez. 2008 167
Didáctica universitaria: trayectoria y ejes estratégicos para la producción colectiva de conocimientos

contrasta esta situación deficitaria con el caso de categorías ya existentes. En el caso de la investiga-
la educación médica, la cual ha trabajado con mayor ción que se está desarrollando en la actualidad, por
profundidad estos aspectos. ejemplo, la categoría “Estilos de intervención docen-
Como consecuencia de esta situación, el equi- te”, con sus subcategorías, surgió de la lectura de
po de investigación ha focalizado la indagación bi- los registros en la clínica; allí se distinguían las dife-
bliográfica en torno a la problemática de los rentes formas en la que, los docentes responsables
procedimientos y su aprendizaje, haciendo especi- de las prácticas de atención odontológica que hací-
al énfasis en aquellos textos que permitieran ver an los estudiantes en las Clínicas, asumían para el
cómo se logra un aprendizaje significativo de pro- seguimiento de esas actividades.
cedimientos, de manera de diferenciar el aprendi- La codificación consistente, en un primer mo-
zaje técnico profesional del de las competencias mento, solamente en anotar categorías en los már-
profesionales. genes del papel o columna ad hoc, se va
Dos integrantes del equipo en forma individual complejizando al comparar el incidente tomado para
iniciaron la indagación a través de buscadores es- una categoría con otros incidentes que se toman para
pecíficos para la enseñanza en ciencias de la salud; la misma . Esta comparación constante de los inci-
estos permitieron el acceso a artículos en idioma dentes comienza rápidamente a generar propieda-
inglés sobre la enseñanza en la clínica y a la en- des teóricas de la categoría. Por ejemplo, sobre la
señanza de los procedimientos. La traducción al categoría señalada anteriormente: “Estilos de inter-
español fue otra tarea individual de esos integrantes vención docente”, comenzamos a encontrar inciden-
(a la vez asesores pedagógicos en facultades del tes que mostraban que los docentes “miraban de
área de la salud), materiales que fueron así puestos cerca” o “miraban de lejos”. En otros casos, “inter-
a disposición del resto del grupo, lo que permitió que venía a demanda del alumno” o “intervenía por de-
esos textos fueran presentados como fuentes acce- cisión propia”. Así las categorías y sus propiedades
sibles a todos para el análisis y discusión posteri- emergen de los datos recolectados.
ores en distintas reuniones grupales. Después de codificar y comparar los incidentes
Por su parte análisis conceptual que da lugar a la reiteradas veces, comienzan a establecerse relacio-
elaboración de categorías es una tarea llevada a nes con nociones teóricas. Es aquí cuando cada uno
cabo por cada miembro del equipo, centrándose la de los miembros del equipo escribe sus primeras ela-
actividad en un recorte de la información generada boraciones sobre el aspecto analizado donde articu-
durante la recolección de la información. la datos empíricos con nociones teóricas, de manera
Los registros de observaciones o entrevistas, de poder compartirlo con otro miembro del grupo o
como fuentes de información empírica obtenida en con el grupo total. El intercambio y la discusión de
el campo, son analizados utilizando el Método Com- categorías y nociones teóricas, enriquece la tarea y
parativo Constante (Glaser y Strauss: 1967), el cual permite generar conceptos y relaciones no tenidos
según lo plantean sus autores, presenta cuatro pa- en cuenta en un primer momento. Por este motivo,
sos: (i) comparar incidentes aplicables a cada ca- luego del intercambio cada uno tiene que volver a
tegoría; (ii) integrar categorías y sus propiedades; revisar sus registros para realizar una nueva codifi-
(iii) delimitar la teoría, y (iv) escribirla . cación y comparación constante.
En el trabajo individual la tarea de análisis com- Como señalan los creadores de esta técnica de
prende, prioritariamente, el primer paso del Método análisis, “… por la tarea conjunta de codificación y
Comparativo Constante, (comparar incidentes apli- análisis no puede haber rutina programada cubri-
cables a cada categoría) ya que los restantes pasos endo lo que hay que codificar por hora…”. El rit-
que culminan con la redacción se realizan de mane- mo del trabajo dependerá de la relevancia del
ra grupal. En este primer momento, cada miembro material, la saturación de la categoría, la emergen-
del equipo profundiza la lectura de sus registros y cia de nuevas categorías, el estado de formulación
comienza a codificar cada incidente dentro de tan- de la teoría y la disposición de ánimo del investiga-
tas categorías de análisis como sea posible, ya sean dor, dado que este método toma en cuenta la sen-
categorías nuevas que surgen de los datos, como sibilidad personal en consideración.

168 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 163-171, jul./dez. 2008
Elisa Lucarelli; Claudia Finkelstein; Gladys Calvo; Patricia Del Regno; María E. Donato; Mónica Gardey; Martha Nepomneschi; Viviana Solberg

La alternancia y complementariedad de activi- primer lugar, cabe recordar que un equipo de tra-
dades individuales y grupales, en la que varias ac- bajo es un conjunto de personas que realiza las ta-
ciones se van desarrollando a la vez para la reas propuestas mediante un proceso colectivo,
concreción de la tarea propuesta, exige un ágil dis- donde cada uno aporta sus conocimientos, experi-
positivo de comunicación entre los integrantes del encias, habilidades en beneficio del grupo para con-
grupo. A este propósito ha contribuido en la actua- seguir un resultado que sea superior a la suma de
lidad la comunicación virtual con soporte informá- aportes individuales. Obviamente debe existir un
tico. En nuestro caso el uso del correo proyecto común y normas internas de funcionami-
electrónico ha permitido tomar contacto más rá- ento, deseablemente creadas por el propio equipo.
pidamente con los aportes que cada uno iba reali- Para su implementación requiere que las respon-
zando, casi “en simultáneo” con el proceso de sabilidades sean compartidas por sus miembros, de
elaboración de ese conocimiento. Sabido es que el manera que las actividades desarrolladas se pue-
correo electrónico permite a un grupo de personas dan realizar en forma coordinada.
o instituciones con proyectos o intereses comunes La conformación de un verdadero equipo de
comunicarse entre sí y compartir cooperativamen- trabajo requiere dos aspectos esenciales: en pri-
te informaciones, proyectos de trabajo, documen- mer término, consenso. Este debe basarse en cri-
tos digitalizados, etc.; este tipo de colaboración a terios y modos de abordaje a los posibles problemas
distancia posibilita que los investigadores discutan que seguramente van a presentarse, más que en
casos, planifiquen actuaciones, concreten líneas de cuál es la solución correcta al problema. El segun-
argumentación, y proyectos de trabajo conjunto, do aspecto refiere a la delegación; ésta debe ga-
desarrollen reuniones, compartan experiencias, etc. rantizar la libertad de acción e ir acompañada de la
(BAUTISTA, 1994). autoridad que requiere.
El trabajo colaborativo con soportes informáti- Todo equipo de trabajo presenta un modelo de
cos, desde sus dimensiones pedagógica, ética y gestión. En esta sentido, el modo de hacer es cons-
politica, supone una interacción social en pos de la tituyente del ser, de las identidades institucionales
construcción colectiva del conocimiento. En tal y profesionales. La gestión es un proceso de inter-
sentido, las “comunidades de práctica” son una vención, considerando a este término en su doble
condición intrínseca de la existencia de conocimi- sentido: como mediación, ayuda y como intromisi-
ento, fundamentalmente debido a que provee el ón e ingerencia. Es un proceso que requiere lega-
soporte interpretativo necesario en el proceso de lidad y legitimidad.
construir sentido acerca de su misma naturaleza La gestión como conjunto de acciones tendien-
(LITWIN et al, 2005). tes a generar las condiciones que permiten el de-
Nuestro grupo de investigación así ha estado sarrollo del proyecto. Es una práctica vinculada con
funcionando, perfilándose a través de estos años la toma de decisiones.
un estilo de trabajo que ha permitido poner de ma- Se puede hablar de varios modelos de gestión
nifiesto la presencia de las modalidades propias de definidos en función de las características instituci-
cada sujeto, dando lugar, a la vez, al desarrollo de onales y personales de quien conduce. Un modelo
procesos de complementarización y colaboración de gestión orientada hacia la participación sos-
entre pares, en los que el análisis de conflictos es tiene como supuestos que, la detección anticipada
trabajado como un emergente de la situación gru- de problemas y la forma de encarar su solución,
pal en la tarea. permiten que la planificación de las actividades se
realice con niveles de normatización flexibles, opti-
La gestión de un equipo de investi- mizándose los recursos humanos y materiales. Este
gación modelo se centra en la desrutinización de la tareas
recuperando el sentido y finalidad de lo que se hace.
Los grupos que investigan en común, al consti- Otros supuestos se refieren a : la posibilidad de
tuirse como equipos de trabajo, requieren de estra- la elaboración conjunta de estrategias adecuadas
tegias de gestión que faciliten su accionar. En para la solución de conflictos; la evaluación per-

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 163-171, jul./dez. 2008 169
Didáctica universitaria: trayectoria y ejes estratégicos para la producción colectiva de conocimientos

manente de la marcha del proceso de investigaci- de cada uno. Requiere de una decisión de la coor-
ón de manera de realizar las modificaciones perti- dinación de generar espacios de participación para
nentes; la recolección sistemática de información todos, en la que la circulación de información, la
sobre lo que sucede en el grupo de forma tal que evaluación en proceso y el seguimiento tienen un
permita la evaluación y toma de decisiones que lugar central.
favorezcan el buen funcionamiento del equipo de
trabajo; y la circulación de información entre todos 4. Palabras finales
los que participan.
El modelo de gestión participativo democrático Cuando nos propusimos escribir este artículo
supone una mayor ingerencia de los integrantes en para presentar la experiencia del cotidiano de un
aspectos claves del funcionamiento del equipo Las Programa de más de dos décadas de trabajo, lo
relaciones entre sus miembros guardan alto grado hicimos en la convicción de que los procesos vivi-
de horizontalidad de manera tal de permitir el tra- dos por los grupos orientados hacia la producción
bajo autónomo delegando y diversificando las ta- académica no siempre aparecen a la luz, sino que
reas. En este sentido el poder y la toma de decisi- generalmente quedan opacados por el interés por
ones son compartidos por todos o algunos difundir los resultados y metodologías desarrolla-
miembros, concretándose esa toma de decisiones dos en las investigaciones.
a través de procesos de discusión conjunta y con- Desde allí comenzamos a intentar redactar un
senso. escrito que diera cuanta de nuestros avances y di-
En este equipo de trabajo esto se realiza sigui- ficultades en la modalidad colectiva de encarar el
endo un modelo proactivo que, si bien resuelve so- proyecto de investigación
bre la marcha los problemas que se presentan, lo Consideramos en nuestro trabajo como investi-
hace en función de las objetivos propuestos. Este gadores que la producción, procesamiento y circu-
modelo supone -a partir de la comprensión de que lación de información se convierte en un medio y
todo no tiene el mismo grado importancia- jerar- en un instrumento crucial para el proceso de cons-
quizar situaciones críticas, estableciendo priorida- trucción de conocimiento, al permitir la comprensi-
des de acción. ón de lo que realmente ocurre al interior de un
Se trata no de negar los problemas sino antici- equipo, facilitando de este modo el desarrollo de
parse a ellos por medio de la planificación e imple- alternativas para responder a los problemas que se
mentación deliberada e intencionada de una serie presentan en la tarea diaria.
de estrategias. Se considera al conflicto como inhe- Así como el análisis de la viabilidad de las acci-
rente al devenir del equipo, se busca la comprensi- ones a implementarse implica el desarrollo perma-
ón de los problemas y se generan formas de acción nente instancias de autoevaluación y seguimiento,
adecuadas a la situación, tratándose de discrimi- a la vez que el anticipo de posibles dificultades que
nar lo urgente de lo importante. podrían surgir en situaciones similares, el analizar
Coordinar un equipo de trabajo según esta mo- la trayectoria de un equipo trabajando en común,
dalidad implica que quien lo hace acepta su res- puede ser una instancia para seguir tejiendo redes
ponsabilidad, genera compromisos en los otros, en la construcción entre saberes en el campo de
apoyándose en las condiciones de mayor lucidez la Pedagogía y la Didáctica universitarias.

REFERENCIAS

BAUTISTA, A. Las nuevas tecnologías en la capacitación docente. Madrid: Visor, 1994.


BLEJMAR, B. Gestionar es hacer que las cosas sucedan. Buenos Aires: Noveduc, 2005.
CARLINO, Paula. Escribir, leer y aprender en la universidad: una introducción a la alfabetización académica.
Buenos Aires: FCE, 2005.

170 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 163-171, jul./dez. 2008
Elisa Lucarelli; Claudia Finkelstein; Gladys Calvo; Patricia Del Regno; María E. Donato; Mónica Gardey; Martha Nepomneschi; Viviana Solberg

GLASER, Barney G.; STRAUSS, Anselm L. The discovery of grounded theory. Chicago: Aldine Publishing Company,
1967. Traducción del cap. V. “El método comparativo constante.” En: Lecturas de Investigación cualitativa 2.
Opfyl-FFyL-UBA, 2007.
LITWIN, E; MAGGIO, M.; LIPSMAN, M. (Comps.). Tecnologías en las aulas: las nuevas tecnologías en las
prácticas de enseñanza: casos para el análisis. Buenos Aires: Amorrortu, 2005.
LUCARELLI, E.(Comp.) El asesor pedagógico en la universidad. Buenos Aires: Paidós, 2000.
SCHÖN, D. La formación de profesionales reflexivos. Barcelona: Paidós, 1992.
SIRVENT, M.T. Ateneos: problemática metodológica de la investigación educativa. Revista IICE, Buenos Aires,
Año 8, n. 14, p.92-100, ago. 1999.
_____. Cultura popular y participación social: una investigación en el barrio de Mataderos. Buenos Aires: Miño
y Dávila Editores, 1999.

Recebido em 03.06.08
Aprovado em 03.06.08

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 163-171, jul./dez. 2008 171
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet; Marina Portella Ghiggi

DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA:
A FORMAÇÃO E AS APRENDIZAGENS
NA PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet *


Marina Portella Ghiggi **

RESUMO

Na tentativa de compreender como docentes universitários aprendem e se formam


em cursos de pós-graduação em educação, estamos desenvolvendo a pesquisa
Lugares de formação dos docentes universitários: a perspectiva da pós-
graduação em educação, vinculada à pesquisa interinstitucional Trajetórias e
lugares da docência universitária: da perspectiva individual ao espaço
institucional, que reúne pesquisadores, docentes e alunos dos PPGEdu da UNISINOS
e UFPel. A pesquisa utilizou para coleta de dados, questionários online com perguntas
abertas respondidas por 13 docentes de diferentes profissões. Os interlocutores foram
selecionados a partir de um levantamento realizado pela Rede de Investigação do
Ensino Superior que mapeou dissertações e teses em educação de docentes
universitários oriundos de profissões liberais, no período de 1995/2005. Na amostra,
temos professores que realizaram cursos nas universidades gaúchas UNISINOS,
UFPel, UFSM, PUC-RS e UPF. As questões possibilitaram aos professores escrever
sobre suas aprendizagens, motivações, dentre outras categorias. Aqui analisamos a
possibilidade dos PPGEdu constituírem-se em lugares de formação e aprendizagens
dos professores. Os resultados permitem dizer que para nossos respondentes os
PPGEdu constituem-se em outra etapa, em outro nível de formação, onde eles
aprendem para aperfeiçoar seu ensino e realizar atividades que lhes permitam um
desenvolvimento profissional centrado em suas necessidades.
Palavras-chave: Formação de professores – Ensino superior – Aprendizagens de
professores

ABSTRACT

UNIVERSITY TEACHING: FORMATION AND LEARNING IN


GRADUATE PROGRAMS IN EDUCATION
In an attempt to understand how university teachers learn and are formed in graduate
programs in education, we are developing a research entitled Places of formation of

* Doutora em Educação. Professora na UFPel / Faculdade de Educação – PPGE. Endereço para correspondência: Rua Cel.
Alberto Rosa 154 – 96010-770 Pelotas/RS. E-mail: biazanchet@terra.com.br
* Estudante UFPel / Bolsista de Iniciação Científica – FAPERGS. Endereço para correspondência: Rua Cel. Alberto Rosa, 154
– 96010-770 Pelotas/RS. E-mail: marinaghiggi@yahoo.com.br

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 173-184, jul./dez. 2008 173
Docência universitária: a formação e as aprendizagens na pós-graduação em educação

university teachers: the perspective of graduate studies in education. Such


research is linked to the inter-institutional investigation Paths and places of university
teaching: from individual perspective to institutional space, which involves
researchers, university professors and students of the Graduate Program in Education
of two Brazilian universities: UNISINOS and UFPEL. Data were collected through
on line questionnaires, with open questions, answered by 13 professors of different
professional fields. They were selected based on a survey conducted by the Network
for Research on Higher Education, which has mapped masters and doctoral theses in
education realized by university professors coming from liberal professions , between
1995 and 2005. The sample has professors who studied in all those universities from
the state of Rio Grande do Sul: UNISINOS, UFPel, UFSM, PUC-RS and UPF. The
questions enabled professors to write about their learning and their motivations, among
other categories. We analyze the possibility that the Graduate Programs in Education
consist in spaces of formation and learning for these teachers. The results authorize
to say that for our respondents those Programs are considered to be one more stage,
one more level of formation, where they learn to improve their teaching and to carry
out activities which allow them to achieve professional development focused on
their needs.
Keywords: Teacher formation – Higher education – Teacher learning

1. Docência universitária: provocações construção de conhecimento e de formação como


iniciais bens públicos e passa a adotar o mercado como
referência principal.
A compreensão da função social da universi- Não podemos deixar de mencionar que a uni-
dade e do conceito de qualidade que baliza seu versidade tem sido atingida por escassez de recur-
desempenho tem sido significativamente afetada sos para sua manutenção e por um agressivo
pelas mudanças nas políticas mundiais decorren- “boicote” em seu funcionamento. Como expressa
tes da globalização, a qual influencia as novas con- Santos:
figurações societais, altera as noções de tempo e ... um pouco por todo o lado a universidade con-
espaço na comunicação, imprime novos perfis ao fronta-se com uma situação complexa: são-lhe feitas
mundo do trabalho. Com a expansão e o domínio exigências cada vez maiores por parte da sociedade
do mercado, a educação superior deixou de ter ao mesmo tempo em que se tornam cada vez mais
como metas principais o desenvolvimento de sua restritivas as políticas de financiamento das suas
capacidade de crítica, a conquista de sua autono- atividades por parte do Estado (1999, p.187)
mia de pensamento e o desenvolvimento de sua Entendemos que ainda é necessário preservar
capacidade de ver, de forma global, a história hu- a universidade como uma instituição que, histori-
mana. A fragmentação e a multiplicação dos co- camente, tem se preocupado em manter um ensi-
nhecimentos e das informações não conseguem no superior de boa qualidade (RIOS, 2000) e que
explicar a complexidade e a pluralidade de senti- “tem três fins principais: a investigação, o ensino e
dos dos fenômenos humanos. a prestação de serviços”. SANTOS (1999, p.188).
O que se espera da universidade hoje é uma Alerta esse autor que, no cumprimento dessas fi-
formação de qualidade, a resolução de problemas nalidades, a função da investigação colide freqüen-
sociais através da pesquisa e da extensão. Por temente com a função do ensino, uma vez que a
outro lado, espera-se também que ela desenvolva criação do conhecimento implica em mobilização
nos indivíduos capacidades laborais e, nesse senti- de recursos financeiros, humanos e institucionais,
do, a universidade deixa sua tradicional função de dificilmente transferíveis para as tarefas de trans-

174 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 173-184, jul./dez. 2008
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet; Marina Portella Ghiggi

missão e utilização do conhecimento. Para ele, no cimento e na capacitação para a pesquisa. Nesse
domínio da investigação, os interesses científicos sentido, a concepção de que a formação do do-
dos investigadores podem ser insensíveis ao inte- cente universitário se estrutura sobre atividades de
resse em fortalecer a competitividade da econo- pesquisa tem feito parte da perspectiva construto-
mia e, no domínio do ensino, os objetivos da ra do perfil existente nas últimas décadas no ensi-
educação geral e da preparação cultural colidem, no universitário. Não estamos afirmando que essa
no interior da universidade, com os da formação perspectiva seja negada, ao contrário, ela é impor-
profissional dos alunos ou da educação especializa- tante, mas precisa ser analisada a partir de um olhar
da. Essa última é uma contradição detectável na da crítica conseqüente.
formulação dos planos de estudos da graduação e As transformações do trabalho interno na uni-
na tensão entre esse nível e a pós-graduação. Nes- versidade, resultante das pressões impostas pe-
sa perspectiva, as tensões, de forma geral, estão las políticas mundiais, a premência de soluções
presentes no cotidiano do ensino superior e são elas alternativas para o ensino superior e o mercado
que tornam vivos e sempre atuais os debates so- têm-se constituído em alguns condicionantes para
bre a universidade, sobre seu papel social e sobre que alguns docentes re-pensem as funções que
a formação dos docentes que dela fazem parte. lhes são atribuídas e seu fazer profissional, pois
De maneira geral, é possível observar que a se espera que tanto a instituição como o docente
formação exigida para os docentes universitários sejam produtores de conhecimento em seu cam-
tem sido restrita ao conhecimento aprofundado da po de estudo.
disciplina a ser ensinada. Sendo esse um conheci- Na maioria das vezes, observamos que a falta
mento prático, decorrente do exercício profissio- da formação pedagógica do professor reflete-se
nal, ou um conhecimento teórico, oriundo do na avaliação que seus alunos fazem dele. É co-
exercício acadêmico, pouco ou nada tem sido exi- mum encontrarmos alunos que dizem que o pro-
gido dos docentes em termos pedagógicos. Nessa fessor sabe a matéria, porém não sabe como
direção, podemos inferir que a graduação tem sido transmiti-la, ou que o professor não sabe con-
mantida por docentes titulados que possuem ex- duzir a aula, indicando-nos que essas situações
pressiva bagagem de conhecimentos específicos, são tão freqüentes que parecem fazer parte da
porém, com pouca preparação pedagógica. A lógi- cultura de qualquer instituição de ensino superior.
ca que predomina é que o profissional que atua na A idéia que transparece é que quanto mais co-
universidade precisa preocupar-se, apenas, com as nhecimentos específicos o professor acumular
questões específicas, referentes à sua área do co- melhor será seu desempenho profissional como
nhecimento. Essa situação acaba gerando um per- docente universitário. Se os docentes trazem con-
fil “acadêmico” de professor universitário baseado sigo uma grande bagagem de conhecimentos nas
na especificidade do conhecimento que alicerça sua suas respectivas áreas de atuação profissional, di-
profissão. Entendemos que ser professor universi- ficilmente se questiona sobre o que é necessário
tário supõe o domínio de seu campo específico de saber para ensiná-los. Nesse sentido, pensamos que
conhecimento, mas, em contrapartida, eles preci- é importante que os especialistas se perguntem
sam ter a apropriação do conhecimento que os aju- sobre o significado que os conhecimentos ensina-
da a ensiná-los. dos têm, para si mesmos, o significado desses co-
O modelo de formação que vem sendo enfati- nhecimentos na sociedade contemporânea, a
zado na docência do ensino superior tem na pes- diferença entre conhecimento e informação e qual
quisa seu alicerce principal. Tanto os planos de o papel do conhecimento que ensinam no mundo
carreira das instituições como os órgãos governa- do trabalho.
mentais centram o parâmetro de qualidade nos re- Geralmente, os professores ingressam em de-
quisitos estabelecidos para a pós-graduação partamentos, recebem as ementas das disciplinas
stricto sensu. É sabido que os programas de mes- que ministrarão e planejam, individualmente, a do-
trado e de doutorado estão organizados a partir da cência que vão exercer. É possível perceber que,
especialização em determinado recorte do conhe- nesse processo, não existe preocupação em ofe-

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 173-184, jul./dez. 2008 175
Docência universitária: a formação e as aprendizagens na pós-graduação em educação

recer discussões de cunho pedagógico que os au- cipal, reproduzindo o que é valor para as outras
xilie a pensar sobre o ensino que irão desenvolver áreas. Certamente o modelo CAPES1 de avalia-
e suas finalidades no contexto do curso de gradua- ção contribui para essa visão, mas, em contradi-
ção em que irão atuar. Com o passar do tempo, é ção, também apóia iniciativas que, aliadas ao
possível que o professor se limite, cada vez mais, proposto no âmbito da pesquisa, anunciam uma
ao mundo das técnicas do trabalho, ao saber-fazer preocupação mais ampla com a formação como
e não se dedique a entender as questões de sala de explica Cunha (2007).
aula de forma complexa e em sua amplitude. Como
conseqüência, acaba fragmentando, cada vez mais, 2. Qual conceito de formação para
os conteúdos em áreas e subáreas. pensar a formação de professores?
Na confluência de políticas e processos cultu-
rais que afetam o professor da educação superi- Entendemos ser importante tecer algumas con-
or, entendemos que a opção pela pós-graduação siderações sobre o conceito de formação em um
stritu-senso em educação pode representar uma estudo em que nos propomos analisar os cursos de
alternativa para suas expectativas de melhor com- pós-graduação em educação como um lugar de
preender o ensino que desenvolvem. Os docen- formação de professores universitários. Para elu-
tes que ingressam na pós-graduação em educa- cidar nossa compreensão a respeito desse termo
ção, ao mesmo tempo em que cumprem o recorremos, preferencialmente, a discussão feita
processo de formação valorizado na carreira do- por Marcelo Garcia, que diz que a formação “está
cente, atingindo o grau de mestre e/ou doutor, en- na boca de todos e não me refiro apenas ao con-
contram possibilidades de cumprir sua necessi- texto escolar, mas também ao contexto empresari-
dade de conhecimentos ligados à sua condição al (formação na empresa), social (formação para
docente. a utilização dos tempos livres), político (formação
É certo que essa escolha, muitas vezes, não tem para a tomada de decisões), etc” (1999, p. 11).
guarida nos seus espaços profissionais. Há estru- Para o autor, a formação apresenta-se como
turas (departamentos, cursos, instâncias avaliati- um fenômeno complexo e diverso sobre o qual
vas) que não reconhecem a validade da pós-gra- existem poucas conceituações e “ainda menos
duação em educação para os professores acordos em relação às dimensões e teorias mais
universitários, alegando que ela significaria um des- relevantes para a sua análise” (1999, p.21). No
vio da área. Essa posição expressa a compreen- entanto, pontua que a formação, como realidade
são de docência alicerçada no domínio dos conhe- conceitual, não se identifica nem se dilui dentro de
cimentos específicos de sua área de atuação, e, outros conceitos tais como educação, ensino e trei-
nesse sentido, pode ser responsável pelo represa- no. O conceito de formação, de acordo com Mar-
mento de iniciativas nessa direção. celo Garcia, inclui uma dimensão pessoal de
Na esteira do desprestígio, alguns discursos são desenvolvimento humano global que é preciso ter
produzidos no sentido de afirmar que o professor, em conta face a outras concepções eminentemen-
ao fazer essa opção, escolhe caminhos facilitados te técnicas. Complementa, ainda, que o conceito
e simplistas. Essas energias, entretanto, não têm de formação tem a ver com a capacidade de for-
sido suficientemente fortes para estancar a procu- mação, assim como a vontade de formação. Nes-
ra pelos programas de pós-graduação em educa- se sentido, é o indivíduo, a pessoa, o responsável
ção por parte de professores do ensino superior de pela ativação e desenvolvimento dos processos
diferentes áreas do conhecimento. formativos, não significando, com isso, que a for-
Vale, porém, registrar que esse movimento de mação seja necessariamente autônoma. Salienta,
formação ainda tem sido pouco estudado na sua também, que é através da “interformação que os
condição de formação. Essa percepção se revela sujeitos podem encontrar contextos de aprendiza-
pela proposta curricular desses cursos que, em geral,
não se preocupam com a docência, pois, por sua 1
CAPES: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ní-
natureza, assumem a pesquisa como objetivo prin- vel Superior.

176 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 173-184, jul./dez. 2008
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet; Marina Portella Ghiggi

gem que favoreçam a procura de metas de aper- ência profissional. Assim, “mais importante do que
feiçoamento pessoal e profissional” (1999, p. 22). pensar em formar esse adulto é refletir sobre o
Tomando o conceito de formação na perspecti- modo como ele próprio se forma, isto é, o modo
va de desenvolvimento pessoal, Ferry (2004) ex- como ele se apropria do seu patrimônio vivencial
plica que formar-se nada mais é senão um trabalho através de uma dinâmica de compreensão retros-
sobre si mesmo, livremente imaginado, desejado e pectiva” (1988, p. 128). Continua o autor dizendo
procurado, realizado através de meios que são ofe- que a formação é sempre um processo de trans-
recidos ou que o próprio procura. Nessa lógica, formação individual, na tripla dimensão do saber
existe uma componente pessoal evidente na for- (conhecimentos), do saber fazer (capacidades), e
mação que se liga a um discurso referente a fina- do saber ser (atitudes). Para concretizar esse ob-
lidades, metas e valores e não ao meramente jetivo, o autor supõe “uma grande implicação do
instrumental na medida em que inclui problemas sujeito em formação, de modo a ser estimulada uma
relativos aos fins a alcançar e às experiências a estratégia de auto-formação”. Assim, afirma que
assumir. “formar não é ensinar às pessoas determinados
Ampliando a discussão sobre o conceito de conteúdos, mas sim trabalhar coletivamente em
formação e estendendo-o para a formação de torno da resolução de problemas. A formação faz-
professores, entendemos que esse termo se in- se na produção e não no consumo do saber”.
sere como elemento de desenvolvimento profis- O reconhecimento da importância da experi-
sional e de crescimento dos professores em sua ência nos processos de formação supõe que esta
prática pedagógica e em suas funções como é encarada como um processo interno ao sujeito
docentes. Referimo-nos, também, a um proces- e que corresponde, ao longo de sua vida, ao pro-
so na trajetória do professor que integra elemen- cesso de sua autoconstrução como pessoa. Nes-
tos pessoais, profissionais e sociais na sua se sentido, o processo de formação é permanente
constituição como profissional autônomo, refle- e indissociável de uma concepção inacabada do
xivo, crítico e colaborador. ser humano que, como afirma Charlot, é entendi-
Agregamos, também, em nossa discussão so- da como uma produção de si, por si, ou seja:
bre formação o conceito que parte da idéia do “Aprender para se construir, segundo um triplo
professor como pessoa. Nessa direção, autores, processo de hominização (tornar-se homem) de
como Goodson (1991) e Nóvoa (1997), têm posto singularização (tornar-se um exemplar único de
ênfase em estudos sobre a vida dos professores homem), de socialização (tornar-se membro de
e, a partir dela, sobre o sentido que imprimem ao uma comunidade, da qual se partilham os valores
seu trabalho. As pesquisas que enfatizam essa e em que se ocupa um lugar). Aprender para vi-
idéia aglutinam, inclusive, as idéias de desenvol- ver com outros, homens com os quais se partilha
vimento e aprendizagem de adultos; ciclo de vida o mundo.” (1997, p. 60).
dos docentes; preocupações dos professores e Isso tem nos motivado a pensar a formação de
motivação docente. professores de uma forma muito mais ampla, en-
A formação é algo que pertence ao próprio tendendo-a como um processo de desenvolvimen-
sujeito e se inscreve num processo de ser: as vi- to profissional emancipatório e autônomo que
das e experiências, o passado, e num processo de incorpora a idéia de percurso profissional, não como
ir sendo: os projetos, as idéia de futuro. É uma uma trajetória linear, mas, como evolução, como
conquista feita com muitas ajudas: dos mestres, continuidade de experiências, trajetória essa mar-
dos livros, das aulas, dos computadores, mas de- cada por fases e momentos nos quais diferentes
pende sempre de um trabalho pessoal. Ninguém fatores (sociais, políticos, pessoais, familiares) atu-
forma ninguém. Cada um forma-se a si próprio. am, não como influências absolutas, mas como fa-
(NÓVOA, 2003). cilitadores ou dificultadores do processo de
Refletindo sobre a formação de adultos, Nóvoa aprendizagem da profissão.
explica que o adulto em situação de formação é Torna-se fundamental, em diferentes situações
portador de uma história de vida e de uma experi- formativas, incluir distintos movimentos como

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Docência universitária: a formação e as aprendizagens na pós-graduação em educação

conteúdos básicos para o processo de aprendiza- portamental. Assim, a identificação de um reper-


gem da profissão. Da mesma forma, é necessá- tório de competências favoreceu o desenvolvimento
rio considerar que o processo de formação de de uma concepção analítica do ensino. O desen-
professores é resultado do compromisso de cada volvimento profissional, nessa lógica, destinava-se
professor com seu próprio desenvolvimento pes- a facilitar aos professores a aquisição de compe-
soal e profissional. tências identificadas como próprias de um ensino
eficaz.
2.1. Desenvolvimento profissional de O aparecimento de outras perspectivas para
professores universitários na pers- analisar o ensino, que não ficaram apenas nas situ-
pectiva da formação. ações interativas de sala de aula, provocou uma
reformulação dos procedimentos de desenvolvi-
Em geral, quando nos reportamos ao concei- mento profissional dos professores. O ensino, en-
to de desenvolvimento pensamos em algo em evo- tendido como uma atividade prática e deliberativa
lução e continuidade. Se estendermos essa com- com uma clara componente ética, desencadeia
preensão ao desenvolvimento profissional, novas perspectivas para pensar o desenvolvimen-
entenderemos que estamos superando a justa- to profissional como um conjunto de processos e
posição entre formação inicial e aperfeiçoamen- estratégias que facilitam a reflexão do professor
to. Assim, poderíamos dizer que o desenvolvi- sobre sua própria prática. A reflexão feita contri-
mento profissional concretiza-se como uma bui para que os professores gerem conhecimento
atitude permanente de pesquisa, de questiona- prático, estratégico e sejam capazes de aprender
mento e de busca de soluções. com a sua experiência, como explica Marcelo Gar-
Para os professores, o desenvolvimento pro- cia (1999, p. 144).
fissional, também denominado de aperfeiçoamen- A idéia do desenvolvimento profissional dos pro-
to, formação permanente, tem visado, em geral, o fessores pode ser interpretada também a partir de
aperfeiçoamento das competências de ensino, outras perspectivas. Imbernón (2000) concebe o
como explica Marcelo Garcia (1999). Em seu desenvolvimento profissional como um conjunto de
estudo, o autor refere-se à definição de Griffin fatores que possibilitam ou impedem que o profes-
(1983, p.2) para se aproximar da concepção do sor progrida na sua vida profissional. Nesse senti-
desenvolvimento profissional de professores como do, o desenvolvimento profissional abarca fatores,
“qualquer tentativa sistemática de alterar a práti- tais como salário, relações com a sociedade, con-
ca, crenças ou conhecimentos profissionais do dições de trabalho, níveis de decisão e participa-
pessoal da escola com um propósito de articula- ção etc, além de cursos de formação continuada.
ção”. Nessa perspectiva, o desenvolvimento pro- Diz o autor que o desenvolvimento profissional do
fissional não afeta apenas o professor, mas todos professor “pode ser concebido como qualquer in-
aqueles com responsabilidade ou implicação no tenção sistemática de melhorar a prática profissio-
aperfeiçoamento da escola. Nesse sentido, o de- nal, crenças e conhecimentos profissionais, com o
senvolvimento pessoal e profissional dos profes- objetivo de aumentar a qualidade docente, de pes-
sores ocorre no contexto do desenvolvimento da quisa e de gestão” (p. 44).
organização em que trabalham. O autor elucida que o professor precisa de no-
É interessante pontuar que a aula, e tudo que vos sistemas de trabalho e de novas aprendizagens
nela acontece, foi considerada por muito tempo para exercer sua profissão. Concretamente, pre-
como o único indicador válido para promover ações cisa daqueles aspectos profissionais e de aprendi-
de formação para os professores. Nesse aspecto, zagens associados às instituições educativas como
Marcelo Garcia (199, p. 144) explica que as maio- núcleos em que trabalha um conjunto de pessoas.
res contribuições provieram das investigações de- A formação será legítima, então, quando contribuir
senvolvidas em torno do paradigma processo-pro- para o desenvolvimento profissional do professor
duto, o qual desenvolveu um sistema complexo para no âmbito de trabalho e de melhoria das aprendi-
analisar o ensino através de uma perspectiva com- zagens profissionais.

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Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet; Marina Portella Ghiggi

Nesse sentido, considerar o desenvolvimento 3. Na trajetória de pesquisa: o cami-


profissional mais além das práticas da formação e nho investigativo e os interlocutores
vinculá-lo a fatores não formativos e sim profissio-
nais supõe uma redefinição importante, já que a O objeto principal da pesquisa interinstitucional
formação não é analisada apenas como o domínio que estamos desenvolvendo refere-se ao lugar da
das disciplinas nem se baseia nas características formação para a docência do professor universitá-
pessoais do professor (IMBERNÓN, 2000, p. 46). rio e das políticas que vêm institucionalizando es-
Em síntese, poderíamos dizer que o desenvolvi- sas práticas. Nessa dimensão, mapeamos para a
mento profissional do professor, nessa perspecti- pesquisa algumas perspectivas e possibilidades que
va, não é apenas o desenvolvimento pedagógico, o vêm sendo utilizadas como espaço de formação.
conhecimento e a compreensão de si mesmo, o Nesse sentido, uma das alternativas de formação
desenvolvimento cognitivo ou teórico, mas tudo isso evidenciada no levantamento realizado e que tem
ao mesmo tempo delimitado ou incrementado por sido progressivamente procurado por professores
uma situação profissional que permite ou impede o universitários de todas as áreas são os programas
desenvolvimento de uma carreira docente. O de- de pós-graduação strictu senso em educação. Em
senvolvimento profissional do docente pode, tam- estudo que objetivou mapear as dissertações e te-
bém, ser um estimulo para melhorar a prática ses produzidas no âmbito dos Programas de Pós-
profissional, as convicções e os conhecimentos Graduação em Educação do Rio Grande do Sul,
profissionais, com o objetivo de aumentar a quali- nos últimos dez anos (1995-2005), percebemos a
dade do fazer docente. presença de pesquisas, tanto em forma de disser-
Complementamos essa discussão com as idéi- tações de mestrado, como de teses de doutorado,
as de Ramalho et al (2004), quando dizem que o que revelam uma produção que faz interface dos
desenvolvimento profissional pode ser considera- campos específicos de seus autores com a educa-
do como um sistema complexo em andamento, sis- ção. O levantamento mostrou que há uma deman-
tema que integra o individual, o coletivo local, o da crescente nesse sentido e que essa condição
grupo profissional, assim como todos os processos pode representar um movimento ainda pouco es-
que promovem um maior status social, político, ético tudado no espaço acadêmico e nada visível para
da categoria profissional. Explicam os autores que as políticas educacionais.
o desenvolvimento é compreendido como a capa- O que leva um professor da educação superior,
cidade de autonomia profissional compartilhada e com origem em áreas específicas, procurar uma
de gestão educativa dos professores no contexto formação de mestrado e/ou doutorado no campo
das mudanças, baseado na reflexão, na pesquisa e da educação? Que repercussões percebem eles
na crítica dentro dos grupos de trabalho profissio- desses estudos, na sua formação e prática peda-
nal (2004, p. 68). gógica? Como os programas de pós-graduação
O desenvolvimento profissional é favorecido acolhem esses estudantes? Os professores consi-
quando os professores têm oportunidades de re- deram esses cursos como uma oportunidade de
fletir, pesquisar de forma crítica, com seus pares, novas aprendizagens? Quais seriam elas? Essas
sobre as práticas educativas; explicitam suas cren- questões nos estimulam a desenvolver estudos que
ças e preocupações, analisam os contextos e, a auxiliem a compreensão desse tema.
partir dessas informações, experimentam novas Para realizar o estudo, tomamos os dados so-
formas para suas práticas educativas. Esse pro- bre produção das dissertações e teses em educa-
cesso possibilita a autonomia compartilhada e uma ção no Rio Grande do Sul, no estudo realizado no
forma de articular teoria e prática, na qual os pro- projeto2 da Rede de Investigadores da Educação
fessores constroem saberes, competências, no con- Superior (RIES) do RS, e assinalamos toda a pro-
texto da busca de um aperfeiçoamento da prática dução que indicava, pelos seus títulos e resumos, a
educativa e, conseqüentemente, do desenvolvimen-
to curricular atrelado aos projetos e às políticas de 2
Estudo que fez o levantamento de dissertações e teses durante
desenvolvimento global da profissão. o período de 1995 a 2005.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 173-184, jul./dez. 2008 179
Docência universitária: a formação e as aprendizagens na pós-graduação em educação

interface de outras áreas acadêmicas da universi- nheçamos os professores como pessoas adultas.
dade com o campo da educação. Organizamos Ou seja, significa que precisamos nos dedicar a
quadros que cruzavam referentes relacionados à aplicar os estudos sobre aprendizagem e sobre o
origem institucional dos programas e às áreas do desenvolvimento de adultos na formação de pro-
conhecimento. Nossa intenção foi incluir na amos- fessores.
tra esses diferentes estratos, o que resultou em um Tough (apud Marcelo Garcia, 1999) aponta
grupo de 21 casos para estudo distribuídos entre certos requisitos que constam no processo de for-
as universidades: Universidade do Vale do Rio dos mação de um adulto para que se possa perceber
Sinos (UNISINOS), Universidade Federal de Pe- se ele aprende de forma autônoma3 . Tratam-se de
lotas (UFPel), Universidade Federal de Santa Maria capacidades que, quando adquiridas, concretizam
(UFSM), Pontifícia Universidade Católica do Rio essa forma de aprendizagem a qual exige colabo-
Grande do Sul (PUCRS) e Universidade de Passo ração entre os que aprendem. Pontua o autor que
Fundo (UPF). Para a coleta de dados, foi constru- os adultos aprendem quando possuem:
ído um questionário de perguntas abertas, testado • os conhecimentos e a capacidade de aplicar
por especialistas da área e enviado online para os o processo básico de planificação, execu-
21 docentes selecionados. Os itens apresentados ção e avaliação das atividades de aprendi-
no questionário procuraram cobrir as questões de zagem;
pesquisa, dando possibilidade para que os profes- • a capacidade de identificar os seus próprios
sores escrevessem sobre as motivações, as apren- objetivos de aprendizagem;
dizagens, os desafios, percursos e impactos da sua • a capacidade de selecionar uma estratégia
formação em programas de pós-graduação em de planificação;
educação. Foram 13 os professores que respon- • a capacidade de gerir a sua própria planifica-
deram ao instrumento, confirmando, assim, sua ção quando o curso de ação é apropriado;
participação na pesquisa. A amostra contou com 4 • a capacidade para tomar decisões válidas
arquitetos, 2 médicas, 1 engenheiro/informata, 1 sobre estabelecimento de prazos e gestão
enfermeira, 1 nutricionista, 1 fisioterapeuta, 1 de do tempo das atividades de aprendizagem;
serviço social, 2 professores de matemática. • a capacidade de adquirir conhecimentos ou
As respostas dos professores foram tabuladas técnicas através dos recursos utilizados;
e agrupadas em categorias de análise. O resultado • a capacidade para detectar e enfrentar os
dessa etapa resultou em um quadro analítico dos obstáculos pessoais e situacionais da apren-
depoimentos de cada um dos sujeitos da pesquisa. dizagem;
Os dados foram analisados, usando-se os princípi- • a capacidade de renovar a motivação.
os da análise de conteúdo que permitem obter, atra- Os aportes de Tough nos ajudaram a teorizar
vés da descrição do conteúdo das mensagens, os dados encontrados e perceber como os interlo-
indicadores que ajudam a fazer inferência de co- cutores realizaram suas aprendizagens nos cursos
nhecimentos relativos às condições de produção de pós-graduação em educação.
das mensagens (BARDIN, 1979). Para as análi- Entre nossos respondentes encontramos algumas
ses, usamos as mesmas dimensões que articula- expressões que apontam para as dimensões da
ram as questões de pesquisa e que orientaram o aprendizagem citadas anteriormente. Uma delas dis-
roteiro do questionário. se que, após a conclusão do Curso no PPGEdu, sen-
tiu-se mais apta a “desenvolver atividades aca-
4. Docentes universitários: aprenden- dêmicas, escrever e publicar artigos, coordenar
do e se formando em PPGEdu reuniões, auxiliar na elaboração e reformula-
ção dos projetos pedagógicos dos cursos, mi-
Entendemos que para refletir sobre a forma- nistrar palestras, coordenar e participar de ofi-
ção de professores e o processo de aprendizagens
por eles vivenciados em programas de pós-gradu- 3
O conceito de aprendizagem autônoma será melhor explicado
ação em educação, torna-se necessário que reco- ao longo do texto.

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Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet; Marina Portella Ghiggi

cinas e grupos de estudos etc. (fisioterapia).” “mesmo barco” e esse sentimento foi determinante
Outro respondente destacou que ter cursado um para adquirem “alguma espécie de afinidade e
mestrado na área da educação ajudou-a a entender cumplicidade” quando encontravam dificuldades
a importância dos diálogos com os alunos, bem como inerentes às discussões específicas da área.
a condução de discussões e reflexões sobre ques- Referendando a importância do processo cole-
tões levantadas em sala de aula. Complementou di- tivo para a construção dos conhecimentos e apren-
zendo que “hoje percebo que tenho condições dizagens, uma docente revela que foi um desafio o
de preparar minhas aulas e de avaliar os resul- momento solitário da construção da dissertação,
tados obtidos, assim como de me auto-avaliar.” destacando a ausência de um diálogo acerca das
Do mesmo modo, uma docente revelou que se sen- idéias que estava desenvolvendo. Em sua fala, ela
tiu mais apta a “tratar dos assuntos relacionados diz que “o aprendizado de produção solitária,
com o processo de ensino e aprendizagem, dis- na vivência da pesquisa exige um posiciona-
cussão dos currículos de formação na área da mento diante dos resultados a serem apresenta-
saúde e no meu fazer docente (o cotidiano da dos (...) o que dificultou o desenvolvimento de
sala de aula) (enfermagem).” pesquisas no mestrado (Serviço Social).”
Nossos respondentes parecem ter demonstra- A aprendizagem autônoma realizada em PPGE-
do, nessa perspectiva, que a formação da sua base du pode ser caracterizada, em geral, como um pro-
profissional não é suficiente para o enfrentamento cesso colaborativo entre as pessoas e que acontece
dos desafios da docência e entendem que a pós- em um ambiente estimulante. Entendemos que essa
graduação em educação é o espaço que contribui perspectiva, em alguma medida, pode ser um refe-
com a sua condição de professores. Essa idéia pode rencial para pensarmos a pedagogia universitária,
ser observada na fala de uma interlocutora quando pois, como nos disse uma interlocutora, o ambiente
disse que “os fatores relacionados à educação/ do Curso foi “extremamente positivo, pois faci-
formação de alunos parecia demandar uma litou o desenvolvimento de competências e ha-
‘qualidade’ que eu não tinha (enfermeira)”. bilidades na sistematização do conhecimento
Marcelo Garcia (1999) explica que, ainda que os especifico da Fisioterapia e também o entendi-
adultos aprendam em situações formais, parece ser mento de que sem a educação, muitas vezes,
através da “aprendizagem autônoma” que a apren- não conseguimos compartilhar e divulgar a
dizagem do adulto se torna mais significativa. Pon- evolução do conhecimento junto aos discentes
tua que falar de aprendizagem autônoma não e à comunidade científica (fisioterapia).”
significa referir-se a uma atividade que se realiza a É indicado por Marcelo Garcia (1999) que a
sós, em um processo isolado, ao contrário, esse tipo aprendizagem autônoma inclui todas aquelas ativi-
de aprendizagem exige colaboração e apoio entre dades de formação nas quais a pessoa toma a ini-
os que aprendem. Nas respostas dos interlocutores, ciativa, com ou sem a ajuda de outros, de planificar,
pudemos perceber essa dimensão quando eles dis- desenvolver e avaliar as suas próprias atividades
seram que “o relacionamento com colegas e pro- de aprendizagem.
fessores foi excelente, e a troca de conhecimento Entre nossos respondentes encontramos algu-
sempre foi uma constante (arquiteta).” Outro res- mas expressões que apontam para as dimensões
pondente afirmou que “em relação à proposta do da aprendizagem citadas anteriormente. Uma de-
programa e acolhimento dos colegas me senti las disse que após a conclusão do Curso no PPGEdu
muito bem, em casa, todos são muito afetivos, há sentiu-se mais apta a desenvolver atividades aca-
muita relação de amizade e cooperação (nutrici- dêmicas, escrever e publicar artigos, coorde-
onista)”, o que os ajuda a enfrentar os desafios da nar reuniões, auxiliar na elaboração e refor-
aprendizagem em outra área de conhecimento. mulação dos projetos pedagógicos dos cursos,
No mesmo sentido, outro profissional (arquite- ministrar palestras, coordenar e participar de
to) expressou que vários colegas do curso de mes- oficinas e grupos de estudos, etc.(fisioterapia).
trado, por terem sua formação básica em outra área Outro respondente destacou que ter cursado um
e estarem inseridos na Educação, sentiam-se no mestrado na área da educação ajudou-a a enten-

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 173-184, jul./dez. 2008 181
Docência universitária: a formação e as aprendizagens na pós-graduação em educação

der a importância dos diálogos com os alunos, bem adaptação, pois estava entrando em um campo
como a condução de discussões e reflexões sobre totalmente novo, toda linguagem, discursos e
questões levantadas em sala de aula. Complemen- articulações eram de um outro campo (arquite-
tou dizendo que hoje percebo que tenho condi- to).” Na mesma direção, outro respondente expres-
ções de preparar minhas aulas e de avaliar os sou alguns obstáculos ao se deparar com os estudos
resultados obtidos, assim como de me auto-ava- em outra área do conhecimento e diz que “foi no
liar. Do mesmo modo, uma docente revelou que inicio um pouco difícil, pois não possuía conhe-
se sentiu mais apta a tratar dos assuntos relaci- cimento na área, mas naturalmente fui aprenden-
onados com o processo de ensino e aprendiza- do, superando dificuldades e, cada vez mais, me
gem, discussão dos currículos de formação na apaixonando pelo estudo e trabalho que estava
área da saúde e no meu fazer docente (o coti- desenvolvendo (fisioterapeuta).”
diano da sala de aula)(enfermagem). É importante registrar que, ao responderem so-
Encontramos outros indícios nessa direção, em bre o que a formação do professor da educação
um depoimento que revela que “tenho exercitado superior deveria contemplar, os professores expres-
a minha capacidade de escutar mais do que saram ser fundamental o estudo de conteúdos li-
falar, tenho percebido que a educação se dá gados ao saber específico da docência. Alguns deles
mais na escuta dos educando do que na fala citaram como sendo saberes específicos as “me-
do professor (arquiteto).” todologias de ensino, capacitação para o uso
A capacidade de identificar os seus próprios obje- de tecnologia na prática docente.” Em contra-
tivos de aprendizagem apareceu na resposta de uma partida, outros interlocutores disseram que seria im-
professora quando disse ter-se sentido mais apta, após portante contemplar aspectos relacionados ao
a conclusão de sua formação de doutorado, “a bus- papel da educação nas transformações soci-
car caminhos diferenciados, melhores (e seguros) ais, as teorias dos currículos, a avaliação dis-
para a minha prática docente na área de Dese- cente e institucional. Foi salientado também que
nho Técnico e também abordar alguns tópicos a “formação do professor da educação superi-
sobre trabalho científico (matemática).” or deveria contemplar a experimentação, a di-
Para que aconteça a aprendizagem autônoma, versidade de pensamentos e ações de outros
Tough aponta como um dos requisitos a capacida- campos do saber na educação e da educação
de de selecionar uma estratégia de planificação. em outros campos.” Essa condição corrobora com
Nesse sentido, entendemos que a expressão de uma a idéia de que é necessário compreender a docên-
professora, ao dizer que deu preferência à área da cia como uma profissão que exige um conhecimen-
Educação porque através desta formação poderia to aprofundado do conteúdo específico, entretan-
atuar como facilitadora na transformação e quali- to, mostra que é importante existir interlocução entre
ficação da educação que acontece dentro do Cur- os conhecimentos técnicos das especialidades com
so que atua (Fisioterapia), nos ajuda a entender a os conhecimentos pedagógicos. Entendemos que
importância do desenvolvimento dessa capacida- é importante que o professor perceba que para de-
de dentro dos PPGEdu. finir sua identidade profissional como docente pre-
Detectar e enfrentar os obstáculos pessoais e cisará, além de ter o domínio do conhecimento es-
situacionais da aprendizagem é uma capacidade que, pecífico, considerar a “prática” que desenvolve em
quando adquirida, torna a aprendizagem autônoma. sala de aula como condição que também exige co-
Entre nossos respondentes, muitos apontaram que nhecimentos pedagógicos.
o maior obstáculo que encontraram durante o curso Analisando alguns dos motivos pelos quais os
de pós-graduação diz respeito “a familiarização docentes universitários pouco discutem suas práti-
com os autores, os novos conteúdos, as aborda- cas, é possível depreender, a partir dos estudos de
gens e o tipo de análise e reflexão sobre os con- Cunha (2006)4 , que a pedagogia universitária é um
teúdos que eram feitos de forma mais complexa
(nutricionista).” Alguns complementaram, dizendo 4
Relatório da pesquisa: Pedagogia Universitária: energias
que “foram necessários alguns exercícios de emancipatórias em tempos neoliberais.

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Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet; Marina Portella Ghiggi

campo epistemológico inicial, portanto, estabelece Para nossos respondentes, os PPGEdu se


certo vazio que favorece o impacto que as políti- constituem em uma outra etapa, ou seja, em um
cas públicas têm na definição dos conhecimentos outro nível de formação em que eles aprendem
legitimados que o professor universitário deve al- na perspectiva de aperfeiçoar seu ensino e rea-
cançar para ser reconhecido profissionalmente. A lizam atividades que lhes permitem um desen-
autora explica essa problemática mostrando que a volvimento profissional centrado em suas
despreocupação com saberes próprios para o exer- necessidades. Nas situações de aprendizagem,
cício da docência se constituiu, historicamente, na afirmaram que preferem situações de coopera-
valorização do saber-fazer, incluindo o desprestí- ção que permitam a inclusão e a integração de
gio do estudo da ciência pedagógica. Também cha- diferentes pontos de vista.
ma a atenção para o fato de que “o foco principal Expressaram, também, que o lugar coletivo de
da pedagogia foi a criança, honrando a origem da discussões é importante, imprescindível e precisa
palavra grega que a constituiu e construindo uma ser valorizado para a aprendizagem, quando se
imagem social muitas vezes distorcida da sua am- inserem em outro campo de conhecimento. Em
plitude e complexidade”. Assim, a legitimação ci- tal lugar, ocorrem também aprendizagens parale-
entífica dos conhecimentos pedagógicos foi las, como a de dialogar com a terminologia de
alcançada tardiamente na universidade. outra área, diferente daquela à qual estão habitu-
Por fim, é interessante salientar que várias res- ados, bem como a familiarização com outros
postas apontaram que ter cursado o mestrado e/ou autores. Uma docente disse ter precisado de au-
doutorado em educação renovou suas condições xílio, especialmente nos primeiros meses do pro-
de docente e os desafios serviram como motiva- grama, para entender a terminologia e chamou
dores para novas buscas para suas práticas. esse processo de uma “nova alfabetização” (en-
fermagem). Outro respondente revelou que fo-
5. Finalizando: as aprendizagens que ram necessários alguns exercícios de adaptação,
realizamos nesse percurso visto que os professores em suas explanações
citavam autores desconhecidos para ele até en-
Os resultados aqui discutidos não têm nenhu- tão. São situações que referendam existir múlti-
ma pretensão de definir verdades e certezas. Sua plas aprendizagens a serem adquiridas em
intenção é contribuir para uma reflexão mais sis- programas de pós-graduação em educação.
temática sobre a formação do docente universi- Nesse sentido afirmamos que o exercício da
tário dialogando com outros estudos e com os docência exige múltiplos saberes que precisam
desafios impostos pelas práticas. Debruçar-nos ser apreendidos, apropriados e compreendidos em
sobre as respostas foi um importante exercício suas relações, e, nesse contexto, situa-se a ciên-
de aprendizagem, pois favoreceu-nos agregar em cia pedagógica que, assumida nessa perspectiva,
nossas concepções uma “outra” função para contribui para a formação dos professores. Em-
PPGEdu quando recebem docentes de diferentes bora essa formação não seja exigida legalmente
áreas do conhecimento. para docentes universitários, entendemos que ela
Nessa perspectiva, entendemos que os pro- deve ser cada vez mais incentivada na universi-
fessores universitários não procuram os PPGEdu dade, pois acreditamos tratar-se de uma das for-
para aprender a ensinar, mas para analisar o pro- mas possíveis para qualificar o ensino nas
cesso no qual se inserem quando, assumindo a universidades, visto que a docência universitária
docência como sua profissão, precisam cumprir ultrapassa a sala de aula e alcança as discussões
seu papel de ensinar. sobre as finalidades da graduação.

REFERÊNCIAS

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SANTOS, Boaventura de S. Pela mão de Alice, o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1999.

Recebido em 29.05.08
Aprovado em 22.06.08

184 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 173-184, jul./dez. 2008
Maria Isabel da Cunha

O ESPAÇO DA PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO:


uma possibilidade de formação
do docente da educação superior

Maria Isabel da Cunha *

RESUMO

O texto1 decorre de pesquisa que se propõe a mapear as diferentes alternativas e


lugares de formação profissional do professor da educação superior. Como a legislação
é omissa nesse sentido, as experiências são distintas e assumem múltiplas possibilidades.
Nessa ocasião, analisamos os Programas de Pós-Graduação em Educação como
alternativa para essa formação, que vem sendo procurada por docentes de diferentes
áreas. Refletimos, principalmente, sobre as motivações dos professores universitários
que realizam mestrados e doutorados em educação, a partir de pesquisa de campo
com 12 sujeitos egressos de diferentes Programas, quer em nível de mestrado quer
de doutorado. Os dados indicam que os docentes em questão reconhecem os
Programas da área da Educação como alternativa de formação para a docência da
educação superior, mesmo que essa identidade não esteja explicitada claramente na
proposta pedagógica desses cursos. O estudo quer contribuir para a reflexão sobre a
formação do professor universitário no contexto das políticas de pós-graduação.
Palavras-chave: Docência universitária – Pós-graduação em educação – Formação
de professores

ABSTRACT

THE SPACE OF GRADUATE STUDIES IN EDUCATION: a possibility for


teacher training for higher education
This paper results from a research that attempts to map the different alternatives and
places for professional teacher training for higher education. Since legislation is
inadequate in this sense, the experiences are distinct and take up multiple possibilities.
In this occasion, we analyzed the graduate program in education as alternative to this
training, which has been being searched by teachers from different areas. We reflected
mostly upon the motivations of university teachers who undertake master or doctorate
courses in education, collected in a field research with 12 subjects who had majored
in different programs, either in masters or doctorate levels. Data indicate that the
teachers see the programs in education as an alternative for teaching training for
higher education, even if this identity is not clearly explicit in the pedagogic proposal

* Doutora em Educação. Pesquisadora IC do CNPq. Professora na UNISINOS – Universidade do Vale do Rio dos Sinos,
PPGEducação – Programa de Pós-Graduação em Educação. Endereço para correspondência: Avenida Unisinos, 950, Caixa
Postal: 275 – 93022-000 São Leopoldo/RS. E-mail: cunhami@uol.com.br/mabel@unisinos.br
1
Texto vinculado à investigação Trajetórias e lugares de formação da docência universitária: da perspectiva individual ao espaço
institucional, e construído com o apoio da bolsista Cátia Rostirola De Marco da Silva (UNISINOS).

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 185-191, jul./dez. 2008 185
O espaço da pós-graduação em educação: uma possibilidade de formação do docente da educação superior

of the courses. The study aims at contributing on the reflection about teacher training
for higher education in the context of policies for graduate education.
Keywords: Higher education teaching – Graduate studies in education – Teacher
training

A expectativa que move este estudo é analisar Revelam que há uma demanda crescente nesse
o lugar da formação dos professores da educação sentido e que essa condição pode representar
superior e está ligada a uma pesquisa interinstitu- um movimento ainda pouco estudado no espaço
cional que procura mapear as possibilidades exis- acadêmico e nada visível para as políticas edu-
tentes nessa direção. cacionais.
Percebemos ser urgente que, através da pes- O que leva um professor da educação superior,
quisa, chamemos atenção para a responsabilidade com origem em áreas específicas, procurar uma
das políticas públicas e das instituições na proposi- formação de mestrado e/ou doutorado no campo
ção mais sistemática de investimentos na forma- da educação? Que motivações os movem nessa
ção profissional do professor universitário, direção? Que repercussões percebem eles desses
reconhecendo que os saberes para a docência exi- estudos, na sua formação e prática pedagógica?
gem uma preparação acadêmica numa perspecti- Como os Programas de Pós-Graduação acolhem
va teórica e prática. Exigem, também, um esses estudantes? Que nível de conscientização
investimento constante que acompanhe os avan- possuem de sua ação formativa no campo da pe-
ços investigativos e as mudanças paradigmáticas dagogia universitária? Reconhecem a sua função
que envolvem os conhecimentos e a redefinição formadora da profissionalidade docente? Reforçam
do mundo do trabalho. somente a atividade de pesquisa? Acompanham
Compreendendo as trajetórias, motivações, os esses professores-alunos de forma diferenciada
pressupostos e as práticas que vêm sendo desen- que, como egressos, podem ter nos espaços aca-
volvidas, em suas múltiplas modalidades, propo- dêmicos onde atuam?
mos a discussão da propriedade dessas experiên- Essas questões nos estimulam a desenvolver
cias e a legitimidade dos objetivos da formação estudos que auxiliem a compreensão do tema es-
acadêmica do professor universitário no espaço tudado. Na realidade, o que nos move é a percep-
institucional. ção de que os Programas de Pós-Graduação em
O objeto principal do estudo refere-se ao lu- Educação têm pouca clareza da função importan-
gar da formação para a docência do professor te que representam na formação de uma pedago-
universitário e das políticas e/ou energias que gia universitária, constituindo-se num lugar de
vêm institucionalizando essas práticas. Nessa di- formação dos professores da educação superior.
mensão é preciso considerar um espaço de for- Explorar as razões dessa contingência nos enca-
mação que tem sido progressivamente procurado minha as reflexões que se seguem.
por professores universitários de todas as áre-
as: os Programas de Pós-graduação strictu sen- A docência como ação complexa
so em Educação. Em estudo que objetivou
mapear as dissertações e teses produzidas no Em outro estudo (CUNHA, 2004) afirmamos
âmbito dos Programas de Pós-Graduação em que precisamos assumir que a docência é uma ati-
Educação do Rio Grande do Sul, nos últimos dez vidade complexa, que exige tanto uma preparação
anos (1995-2005), percebemos a presença de cuidadosa, como singulares condições de exercí-
pesquisas, tanto em forma de dissertações de cio, o que pode distinguí-la de algumas outras pro-
mestrado, como de tese de doutorado, que reve- fissões. Ou seja, ser professor não é tarefa para
lam uma produção que faz interface dos cam- neófitos, pois a multiplicidade de saberes e conhe-
pos específicos de seus autores e a educação. cimentos que estão em jogo na sua formação, exi-

186 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 185-191, jul./dez. 2008
Maria Isabel da Cunha

gem uma dimensão de totalidade, que se distancia A pedagogia como campo distante da
da lógica das especialidades, tão cara a muitas educação superior
outras profissões na organização taylorista do mun-
do do trabalho. Nelas, sabe-se cada vez mais de Retomando a compreensão de que o conheci-
cada vez menos. Fogem dessa lógica as relações mento pedagógico tem pouco prestígio na univer-
entre múltiplas dimensões e o objeto de estudo e sidade pelas condições históricas e culturais, é
de trabalho se fraciona. Se esse modelo serve para importante compreender que, pelas mesmas razões,
algumas profissões de naturezas diversas, distan- a pedagogia pouco produziu conhecimentos siste-
cia-se, certamente, da docência e das atividades matizados nessa direção.
profissionais dos educadores, pois a sua complexi- O pedagogo, quando chamado a atuar nesses
dade não abre mão da dimensão da totalidade. campos, é um mero co-adjuvante, um estrangeiro
Mesmo que seja factível a dedicação a um deter- em territórios acadêmicos de outras profissões,
minado campo de conhecimento, o exercício da do- como caracteriza Lucarelli (2000, p. 23). Muitas
cência exige múltiplos saberes que precisam ser vezes, assume apenas a função de dar forma dis-
apropriados e compreendidos em suas relações. A cursiva ao decidido nas corporações, para que os
ciência pedagógica situa-se nesse contexto e só documentos (planos curriculares, projetos pedagó-
com essa perspectiva contribui para a formação gicos, processos avaliativos etc) transitem nos ór-
dos professores. gãos oficiais. O pensamento de Larrosa (1990, p.
Nessa perspectiva é importante fazer uma re- 25) é elucidador, quando afirma que:
flexão mais rigorosa sobre a formação do pro- ... o discurso pedagógico, com a profissionalização
fessor universitário. Diferentemente dos outros e institucionalização que lhe são correlatas, está
graus de ensino, esse professor se constituiu, his- acompanhado de certas operações encaminhadas a
toricamente, tendo como base a profissão para- estabelecer alguma homogeneidade na produção e
lela que exerce ou exercia no mundo do traba- transmissão do saber (uma certa normatização), as-
sim como certas barreiras cognitivas (metodológi-
lho. A idéia de que quem sabe fazer sabe
cas, lingüísticas, teóricas etc), tanto com respeito
ensinar deu sustentação à lógica do recrutamen- às formas de conhecimento não profissionalizadas,
to dos docentes. Além disso, a Universidade, pela como com respeito a outras coletividades já institu-
sua condição de legitimadora do conhecimento cionalizadas, entre as quais se tentará construir e
profissional, tornou-se tributária de um poder que legitimar um espaço próprio.
tinha raízes nas macro-estruturas sociais do cam-
O fundamental, nesses casos, é dominar códi-
po do trabalho, dominadas, fundamentalmente,
gos de um saber pedagógico que vem do campo
pelas corporações. A ordem “natural” das coi-
profissional e da tradição com que os próprios ato-
sas encaminhou para a compreensão de que são
res foram formados, ainda que se façam presen-
os médicos que podem definir currículos de me- tes novas energias advindas das políticas que
dicina, assim como os economistas o farão para circundam o tempo e o espaço em que se situam
os cursos de economia, os arquitetos para a ar- as decisões.
quitetura etc. Essa tradição afastou o campo da Também cabe destacar que a docência univer-
pedagogia da educação superior. O que conce- sitária recebeu forte influência da concepção epis-
de prestígio, nesse nível de ensino, não têm sido temológica dominante, própria da ciência moder-
os saberes da docência, mas especialmente as na 2 , especialmente inspiradora das chamadas
competências relacionadas à pesquisa, campo ciências exatas e da natureza, que possuía a con-
em que, em geral, não se incorpora a dimensão dição definidora do conhecimento socialmente le-
pedagógica. Certo é que essa cultura se afirma gitimado. Nesse pressuposto o conteúdo específi-
mais fortemente em determinadas áreas acadê-
micas. Mas esse fato não é suficiente para per- 2
Ciência Moderna: presididas pela racionalidade técnica, onde
mitir afirmar a existência do valor do conheci- só há duas formas de conhecimento: as disciplinas formais da
lógica e da matemática e as ciências empíricas segundo a mode-
mento pedagógico na universidade. lo mecanicista de ciências naturais (SANTOS, 1987, p. 18).

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 185-191, jul./dez. 2008 187
O espaço da pós-graduação em educação: uma possibilidade de formação do docente da educação superior

co assumia um valor significativamente maior do não se preocupam com a docência, pois, por sua
que o conhecimento pedagógico e das humanida- natureza, assumem a pesquisa como objetivo prin-
des, na formação de professores. cipal, reproduzindo o que é valor para as outras
Outro aspecto da desqualificação da pedago- áreas. Certamente o modelo da CAPES3 de ava-
gia universitária refere-se a sua condição instru- liação contribui para essa visão, mas, em contradi-
mental e não raras vezes entendida como um ção, também apóia iniciativas que, aliadas ao
conjunto de normas e prescrições que, na pers- proposto no âmbito da pesquisa, anunciam uma pre-
pectiva da racionalidade técnica, teria um efeito ocupação mais ampla com a formação.
messiânico na resolução de problemas. Não se
leva em conta a perspectiva, tão bem caracteri- Na trajetória de pesquisa
zada por Lucarelli (2000, p.36), de que a pedago-
gia universitária é um espaço de conexão de Para realizar o estudo tomamos os dados sobre
“conhecimentos, subjetividades e cultura, exigin- produção das dissertações e teses em educação
do um conteúdo científico, tecnológico ou artísti- no RS4 , em estudo realizado em Projeto da Rede
co altamente especializado e orientado para a de Investigadores da Educação Superior do RS
formação de uma profissão” . (RIES) e assinalamos toda a produção que indica-
Tudo indica que há uma inter-relação entre os va, pelos seus títulos e resumos, a interface do cam-
fatores mencionados, que se materializam numa po da educação com outras áreas acadêmicas da
prática social objetiva e facilmente identificável. universidade. Para a coleta de dados foi construí-
Nela, a carreira universitária se estabelece na pers- do um questionário de perguntas abertas, testado
pectiva de que a formação do professor requer por especialistas da área e enviado online para os
esforços apenas na dimensão científica do docen- docentes selecionados. Algumas entrevistas pre-
te, materializada pela pós-graduação strictu-sen- senciais ocorreram com um número representati-
so, nos níveis de mestrado e doutorado. Explicita vo dos respondentes, visando aprofundar a reflexão.
um valor revelador de que, para ser professor uni- Os itens apresentados no questionário procuraram
versitário, o importante é o domínio do conheci- cobrir as questões de pesquisa e analisar, em es-
mento de sua especialidade e das formas pecial, as motivações, os percursos e impactos da
acadêmicas de sua produção. formação dos docentes em Programas de Pós-
Graduação em Educação.
A pós-graduação em educação como
espaço de formação do professor da Professores universitários a procura de
educação superior saberes pedagógicos
Mapeamos, para fim dessa investigação, doze
Talvez, na confluência de políticas e processos professores universitários, com origem em diferen-
culturais que afetam o professor da educação supe- tes áreas do conhecimento, que realizaram estu-
rior, a opção pela pós-graduação strictu-senso em dos pós-graduados na área da educação. Foram
educação possa representar uma síntese de suas quatro arquitetos, duas médicas, um informata, uma
expectativas. Ao mesmo tempo em que cumpre o enfermeira, uma nutricionista, uma fisioterapeuta
processo de formação valorizado na carreira docente, e duas docentes de matemática. Desses, sete rea-
atingindo o grau de mestre e/ou doutor, encontra lizaram estudos em nível de mestrado e cinco de
possibilidades de cumprir sua necessidade de co- doutorado. Os Programas de Pós-Graduação que
nhecimentos ligados à sua condição docente. receberam esses professores-estudantes perten-
É certo que essa escolha, muitas vezes, não tem ciam às universidades gaúchas como Universida-
guarida nos seus espaços profissionais e esse mo-
3
vimento ainda tem sido pouco estudado na sua con- CAPES. Coordenação para Aperfeiçoamento do Pessoal da
Educação Superior. Órgão do Ministério de Educação. Brasil.
dição de formação. Essa percepção se revela pela 4
“Produção científica sobre educação superior no RS: um estu-
proposta curricular desses cursos que, em geral, do sobre as dissertações e teses”. RIES, 2005.

188 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 185-191, jul./dez. 2008
Maria Isabel da Cunha

de Federal de Pelotas (UFPel), Universidade do que diz respeito ao reconhecimento dos pares quan-
Vale do rio dos Sinos (UNISINOS), Universidade to à progressão profissional. “Para mim era im-
Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade portante a legitimação da docência; ter o
Federal do rio Grande do Sul (UFRGS), Pontifícia reconhecimento de meus pares e ser ouvida por
Universidade Católica do RS (PUCRS) e Univer- eles... Também temos uma carreira que se orga-
sidade de Passo Fundo (UPF). O estudo está sen- niza a partir da titulação e isso é importante no
do ampliado com a parceria de pesquisadores da nosso espaço de trabalho...”
Universidade Estadual da Bahia (UNEB) e Uni- Há razões ligadas, ainda, ao desejo de ampliar
versidade Católica de Santos (UNISANTOS).. o horizonte reflexivo e teórico de formação. “A
Estimulados a revelarem as motivações que ti- educação oportuniza uma abertura de emba-
veram para escolher um Programa de Pós-Gradu- samentos teóricos que uma área como a mate-
ação em Educação, apontaram razões de diferen- mática não permite...”. O atendimento a essa
tes naturezas. Delas, a motivação mais presente expectativa aparece muito valorizado quando, pos-
foi a vontade de compreender melhor o que fa- teriormente, os respondentes relataram as apren-
zem, enquanto docentes, explicitando uma certa dizagens principais que fizeram em seus Programas.
insatisfação com as práticas que vinham realizan- Entre as razões de escolha dos professores apa-
do. Como se expressou uma das respondentes, recem, entretanto, algumas mais pragmáticas, li-
“sempre estive interessada em melhorar o tra- gadas à oferta de cursos em suas cidades e à difi-
balho didático em minha área de atuação, sem culdade de afastamentos plenos do trabalho, tendo
saber com certeza por que caminho seguir”. de conciliar essa condição com a formação. São,
Ou, ainda, outra que afirmou que “queria trans- porém, argumentos complementares, que se alia-
formar o ensino de fisioterapia, entendendo que ram às razões sustentadas em motivações mais con-
temos de superar a fragmentação do conheci- seqüentes. O entusiasmo e estímulo de colegas tam-
mento... e ver o homem como um ser total.” bém aparecem entre as justificativas de escolha
Uma docente enfermeira justificou sua escolha de nossos entrevistados. Essa condição pode estar
explicitando que era na área da educação: sugerindo que, aos poucos, se estabelece uma cul-
... que se sentia mais fragilizada como profissional, tura de valorização da profissionalização docente,
pois em relação à formação específica as ofertas que requer conhecimentos pedagógicos específi-
de educação continuada são mais presentes e a cos. Responde, ainda, a uma necessidade dos es-
própria prática profissional vai conduzindo os paços acadêmicos de atuação profissional. Tam-
caminhos da formação. Entretanto, os fatores rela- bém pode estar apontando para o que Marcelo
cionados à educação/formação dos alunos pare- Garcia (1999, p. 53) denomina de “aprendizagem
ciam demandar uma qualidade que eu não tinha. autônoma, na qual a pessoa ou grupo toma a inici-
Os desafios do dia a dia enquanto docente, além ativa de planificar, desenvolver e avaliar suas pró-
das discussões com outros colegas professores, fo-
prias atividades de aprendizagem.” Chama aten-
ram me encaminhando para esta área.
ção, entretanto, o autor de que a aprendizagem
Demonstram nossos respondentes, nessa pers- autônoma não é um processo isolado; mas exige
pectiva, que a formação da sua base profissional um ambiente estimulante e colaborativo de pesso-
não é suficiente para o enfrentamento dos desafi- as e companheiros de trabalho. Caracteriza, em
os da docência. Percebem-se portadores de uma geral, a aprendizagem do adulto e pode ser um re-
competência parcial e entendem que a pós-gradu- ferencial da pedagogia universitária. Pode ser que
ação em educação é o espaço que contribui com a a iniciativa de nossos interlocutores tenha sido in-
sua condição de professores. Percebem-se eles, dividual. Mas, certamente, ela exige ou estimula
também, como elementos catalisadores de mudan- relações previamente constituídas.
ças em seu meio, podendo influenciar outras pes- Knowles (apud MARCELO GARCIA, 1999)
soas e outros contextos. refere-se a cinco princípios que diferenciam a an-
A procura da legitimação profissional também dragogia da pedagogia e que são adequados para
aparece como um aspecto de destaque, tanto no que se pense a formação de professores. Esses

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 185-191, jul./dez. 2008 189
O espaço da pós-graduação em educação: uma possibilidade de formação do docente da educação superior

princípios podem ser percebidos no depoimento dos tuações até acontecem restrições a essa condi-
docentes envolvidos nesse estudo. São eles: a) O ção, pois os valores do campo científico específi-
auto-conceito do adulto, como pessoa madura, evo- co indicam esse posicionamento. Alem disso, as
lui de uma situação de dependência para a autono- políticas oficiais não incluem essa possibilidade,
mia; b) O adulto acumula uma ampla variedade de nem reconhecem como importante que a docên-
experiências que podem ser um recurso muito rico cia universitária tenha saberes profissionais pró-
para a aprendizagem; c) A disposição do adulto prios. Vale a condição do domínio do campo
para aprender está intimamente relacionada à evo- específico e da pesquisa nessa área.
lução das tarefas que representam o seu papel so- Entretanto, muitos docentes furam esse cerco e
cial; d) Produz-se uma mudança em função do enfrentam com maior autonomia a sua escolha. Os
tempo à medida que os sujeitos evoluem de aplica- dados da investigação mostram que, quando isso
ções futuras do conhecimento para aplicações ime- acontece, eles alcançam um nível de satisfação pes-
diatas. O adulto está mais interessado na soal e profissional em seus cursos. Através das dis-
aprendizagem a partir de problemas do que na sertações e teses se constituem em produtores de
aprendizagem de conteúdos; e) Os adultos são conhecimentos no campo da pedagogia universitá-
motivados para aprender por fatores internos mais ria e essa condição é muito mais significativa do
do que por fatores externos. que apropriar-se de metodologias e técnicas de en-
Os aportes de Knowles nos ajudam a teorizar sino pontuais. A profissionalidade que se instala é
os dados encontrados e perceber os movimentos genuína, pois alia as condições fundantes da peda-
realizados pelos nossos interlocutores, professores gogia universitária que é, por natureza, interdiscipli-
que têm conhecimentos de origens diversas e se nar, incluindo os conhecimentos e as práticas do
aproximam do campo científico da educação. Re- campo específico e os que se identificam com as
velam uma condição de autonomia presente na ciências da educação. Como afirma Donato (2008,
opção pelo percurso de formação que, certamen- p. 436), o que importa é que “os docentes alcancem
te, acompanhará seu processo enquanto estudan- saberes múltiplos, que aprendam a perceber as mul-
tes de pós-graduação strictu senso. Os professores tifaces da realidade e que saibam resolver situações
geram conhecimentos práticos a partir de sua atu- problemáticas imprevisíveis.” Essas são habilidades
ação e reflexão sobre a experiência acadêmica e muito próximas das características da pesquisa, den-
vão à procura da sistematização teórica para com- tro de um paradigma que assuma o conhecimento
preender suas opções cotidianas. Mesmo quando em movimento, sempre produzido de forma relati-
estão em fase inicial da carreira, ou pretendentes va, situado histórica e socialmente. Nesse sentido,
a ela, possuem uma visão das demandas do traba- os professores exercitam aquilo que apregoam para
lho docente, alicerçadas em sua condição de estu- seus alunos: a curiosidade, a dúvida e a possibilida-
dantes ou na sua prática profissional. de de interpretação de conhecimentos gerais em si-
As motivações nem sempre pressupõem proces- tuações específicas.
sos sistemáticos de reflexão prévia. Envolvem intui- A pesquisa que vem sendo realizada indica que
ções e representações de cada sujeito. São, entretanto, os docentes de áreas específicas que se dispõem
produzidas numa teia de condições que estimulam a a realizar suas formações acadêmicas nos Pro-
opção dos sujeitos. Diferentes fatores se embricam e gramas de Pós-Graduação em Educação, em ní-
resultam em uma tomada de decisão que interfere na vel de mestrado e doutorado, não procuram apenas
trajetória de formação de cada docente. uma condição instrumental, ainda que essa não
Compreender os impulsos que movem os do- deva ser descartada. Procuram, principalmente,
centes de outras áreas de conhecimento a reali- espaço de reflexão sobre suas práticas, incluin-
zarem formação pós-graduada em Programas de do, nessa ação, a exploração de teorias que os
Educação, tem ajudado as reflexões referentes ajudem a compreender suas trajetórias e a sus-
às necessidades de formação pedagógica, perce- tentar a possibilidade de novas práticas. Será que
bida por esses profissionais. Em geral não são os Programas de Pós-Graduação em Educação
eles estimulados por seus pares; em algumas si- têm consciência desse papel?

190 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 185-191, jul./dez. 2008
Maria Isabel da Cunha

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Recebido em 29.05.08
Aprovado em 29.05.08

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 185-191, jul./dez. 2008 191
Clarissa Bittencourt de Pinho e Braga; Robinson Moreira Tenório

AMBIENTES FORMAIS E INFORMAIS DE APRENDIZAGEM


EM REDE: O PROFESSOR FAZ A DIFERENÇA

Clarissa Bittencourt de Pinho e Braga *


Robinson Moreira Tenório **

RESUMO
Este artigo aborda as diferenças entre os ambientes formais e os ambientes informais
de aprendizagem. Há uma tentativa, por parte dos educadores, de se reproduzir o
comportamento observado nas ferramentas interativas dos ambientes informais da
rede nos ambientes formais de aprendizado à distância. No entanto – mesmo quando
utilizados nomes como mediador, moderador ou membro da comunidade – a presença
do professor e as formalidades do currículo interferem de forma significativa nas
relações que se estabelecem nesses ambientes.
Palavras-chaves: Comunidades virtuais – Educação a distância – Ambientes de
aprendizagem

ABSTRACT

FORMAL AND INFORMAL NETWORK LEARNING ENVIRONMENTS:


TEACHERS MAKE DIFFERENCE
This paper approaches the differences between formal environments and informal
environments of learning. It has an attempt, on the part of the educators, to reproduce
the behavior, observed in the net interactive tools of informal environments, in formal
environments of distance learning. However – even when using names as mediating,
moderator or member of the community – the presence of the professor and the
formalities of the resume, have significant forms of interference with the relations
established in these environments
Keywords: Virtual communities – Distance learning – Education environments

* Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia e coordena o setor de vídeo do Núcleo de Pesquisa e Projetos em
Educação a Distância (NUPPEAD) da UNIFACS. Endereço para correspondência: Rua dos Colibris, nº 18 - 41370-410
Salvador/BA. E-mail: clarissabbraga@hotmail.com
** Doutor em Educação pela USP e pós-doutorado em Filosofia e Historia das Ciências pela Universidade de Paris 7.
Professor adjunto da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia e coordena o Programa de Pós-graduação em
Educação. Endereço para correspondência: FACED – Faculdade de Educação da UFBA. Avenida Reitor Miguel Calmon s/n -
Campus Canela - 40.110 100 Salvador/BA. E-mail: robinson.tenorio@uol.com.br / tenório@ufba.br

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 193-208, jul./dez. 2008 193
Ambientes formais e informais de aprendizagem em rede: O professor faz a diferença

Para início de conversa: o aprendiza- ção) do que irá compor esse currículo. Por isso,
do em rede Gomez (2004) observa que o ciberespaço não está
descontextualizado do processo de globalização,
Há alguns anos que as questões referentes ao podendo representar, a depender do uso que se faça
aprendizado em rede vêm sendo discutidas avida- dele, um novo espaço de poder relacionado ao sa-
mente nos meios acadêmicos. A euforia ocorre em ber, à informação e ao conhecimento, mantendo e
torno do que, potencialmente, ele possibilitou: uma até exacerbando as variáveis sócio-econômicas já
interatividade em larga escala, a interconexão en- existentes. A autora afirma que a sociedade global
tre os especialistas das mais diversas partes do glo- “gera uma cultura, uma identidade e um consumo
bo, a troca de informações entre escolas territori- em seu entorno” (GOMEZ, 2004, p. 27).
almente distantes, a construção de projetos Ou seja, por si só, a utilização da rede não ga-
coletivos, o aprendizado à distância, enfim, um rante que a educação se torne mais democrática,
mundo que parecia sem fronteiras e se apresentou nem acessível a todos. Nesse contexto, ela também
como uma oportunidade de se repensar a prática pode ser considerada um serviço e não um direito,
pedagógica. em que o educador e o educando assumem o papel
O papel de destaque das novas tecnologias de in- de capital humano, e o conhecimento e os saberes
formação na sociedade atual é atribuído à valoriza- de matéria-prima para consumo. (GOMEZ, 2004,
ção da informação. Assim, tudo aquilo que p.28). Um exemplo disso são as ofertas de cursos à
potencialize o seu manuseio representa um elemen- distância oferecidos por empresas e instituições de
to importante nesse processo, no qual a informação ensino, cuja participação requer acesso ao compu-
emerge como matéria-prima e a tecnologias, como tador conectado em rede – o que está mais acessí-
um meio de agir sobre ela. (TEIXEIRA, 2002, p. 25). vel à classe média e alta – e está direcionada ao
A partir deste novo cenário, observado em um público que possa arcar com os custos do curso.
meio – o ciberespaço – que se tornou palco de Diferente da livre navegabilidade em rede, neste
novas formas de sociabilidades contemporâneas, caso, o poder aquisitivo irá permitir que o conheci-
autores, como Pierre Lévy (1996), começaram a mento, além de obtido, possa ser certificado.
refletir sobre as interações sociais ali travadas, Em outras palavras, no campo da Educação,
sobre a formação das comunidades virtuais e co- torna-se necessário o reconhecimento das produ-
munidades de aprendizagem em rede. Toda essa ções e aprendizagem da rede que, atualmente,
efervescência social vivenciada pelos internautas ocorrem através das instituições de ensino. Os
conectados em rede foi denominada pelo autor de educadores que procuram romper com esse mo-
“cibercultura”, que especifica “o conjunto de téc- delo propõem o reconhecimento dos saberes atra-
nicas (materiais e intelectuais), de práticas, de ati- vés dos pares e das comunidades virtuais, pois o
tudes, de modos de pensamento e de valores que conjunto da produção de cada internauta ficaria
se desenvolvem juntamente com o crescimento do exposto para julgamento público, “através das prá-
ciberespaço” (LÉVY, 1999, p.17). ticas de exposição das representações individuais
A cibercultura retroalimenta-se em um ambi- e da discussão entre pares, com o recurso intensi-
ente profícuo em criação e novas formas de asso- vo dos meios de comunicação como o chat e o
ciação, o que gera uma estética computadorizada fórum” (DIAS, 2005 p.183). Em busca dessa uto-
universal e o surgimento de novos códigos de lin- pia, é que eles se arriscam na concepção de novas
guagem. Essas são as características da eferves- práticas educativas, nas quais procuram potenci-
cência da rede: um lugar atemporal e em constante alizar os atributos interativos da rede e são conti-
movimento. São essas características – comenta- dos pelos impedimentos legais que regulam a
das a seguir – que os educadores procuram recon- educação a distância.
figurar e utilizar no contexto do currículo. Um dos primeiros autores que impulsionou a
Sobretudo na sociedade contemporânea, onde discussão sobre o contexto educativo da rede atra-
o conhecimento assume um papel estratégico, é vés de novas abordagens foi o francês Pierre Lévy
de suma importância essa seleção (ou não sele- (1996), com as suas considerações sobre o adven-

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Clarissa Bittencourt de Pinho e Braga; Robinson Moreira Tenório

to da cibercultura – que indicava a importância que a mente humana não funciona por categoriza-
sócio-cultural do novo meio de comunicação – e a ção, mas por associação: uma informação estabe-
sua descrição sobre o que ele chamaria de Inteli- lece uma ligação – como um “salto”, de maneira
gência Coletiva: a profusão de conhecimentos, va- não-linear – com outra idéia associada. (LAN-
lores, manifestações culturais dispostos no DOW, 1992, p. 12). A partir dessas considerações,
ciberespaço; “o caldo intelectual e moral a partir Bush propõe o “memex”, um artefato que, apesar
do qual os pensamentos individuais se desenvol- de jamais ter sido criado, possuiria um mecanismo
vem, tecem suas pequenas variações e produzem de catalogação mais eficiente, porque seria mais
às vezes variações importantes” (LÉVY, 1996 parecido com o raciocínio humano: possibilitaria a
p.97). De acordo com Lévy, a Inteligência Coleti- adição de notas e comentários do leitor ao texto,
va estaria fundada na reciprocidade e no respeito permitindo, dessa maneira, a cada leitor construir
às singularidades, distribuída por todas as partes o seu próprio “caminho” textual.
da rede, com centros de interesses móveis, des- As características propostas por George Lan-
hierarquizados e em constante mutação (LÉVY, dow (1992), para caracterizar o hipertexto, são:
1996 p. 96). descentralização, multivocalidade e intertextualida-
Em outras palavras: a rede favoreceria a mani- de. A intertextualidade é a capacidade de passar
festação do sujeito e a reverberação de seus atri- de um texto a outro, através de links e referências,
butos e suas singularidades em larga escala e de o que proporciona a ausência do limite físico para
forma democrática. Esse sujeito não só teria a pos- a expansão do conhecimento; através das cone-
sibilidade de traçar caminhos individuais de apren- xões de links e nós da rede, as informações se ex-
dizagem – que dependeriam de seus interesses, suas pandem de acordo com as necessidades do
referências culturais e sociais e seu ritmo de apren- internauta, que tem a possibilidade de trilhar seu
dizado – como estaria contribuindo, de forma efe- próprio caminho, em busca das suas respostas.
tiva, para engrossar o “caldo” que alimenta a A multivocalidade é a união da multiplicidade
Inteligência Coletiva. Lévy inspirou uma geração de opiniões oriundas das mais diversas partes do
de autores e educadores contemporâneos, que vi- planeta em um mesmo ambiente. O discurso leigo
ram, nessas potencialidades da rede, uma possibi- “cola-se” ao discurso científico, sem barreiras hie-
lidade de democratização do conhecimento a partir rárquicas. Não há separação entre certo e errado;
da aplicabilidade dessas características na prática não há história oficial; há um metarrelato, comple-
educativa; autores como Teixeira (2002), por exem- xo, formado das diferentes histórias, que se com-
plo, para quem “as tecnologias da informação fa- pletam ou se contradizem, mas que refletem a
vorecem enormemente o desenvolvimento de complexidade contemporânea.
atividades que priorizem o “mais”: mais de um in- Por fim, a descentralização, que é descrita por
divíduo, mais de uma disciplina, mais de uma reali- Landow (1992) como a capacidade que o hiper-
dade, mais de uma concepção, mais de um texto possui de permitir que cada leitor/navegador
conhecimento (...)” (TEIXEIRA, 2002 p. 42). crie seu próprio “centro” de investigação momen-
O funcionamento antropológico desta estrutura tânea, pois não há um “centro” estabelecido na rede.
denominada ciberespaço pode ser observado nas As informações estão disponibilizadas sob a forma
características levantadas por Landow. O seu ca- de rizoma que des-hierarquiza a informação, colo-
minho – o conteúdo, formado por textos, imagens cando essas opiniões em um mesmo patamar (DE-
e sons é chamado de hipertexto. De acordo com LEUZE; GUATTARI, 1997). Para Landow,
George Landow (1992), o funcionamento do hi- “Hipertext does not permit a tyrannical, univocal
pertexto foi descrito pela primeira vez por Vanne- voice” (1992, p. 11).
var Bush – ainda que ele não tenha utilizado este Ou seja: o ambiente informal da rede apre-
termo – em julho de 1945, num artigo chamado senta-se como um espaço privilegiado de intera-
“As We May Think” publicado na revista Atlantic ção entre os diversos saberes, onde é possível
Monthly. Bush criticava o modelo de classificação cada sujeito trilhar seu próprio caminho de apren-
de difícil acesso dos meios impressos, concluindo dizagem. Além disto, o ciberespaço permitiria a

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Ambientes formais e informais de aprendizagem em rede: O professor faz a diferença

adesão da produção individual de cada um ao hi- 2002, p.59-60). Por isso, ressalta a importância do
pertexto, de forma rizomática (des-hierarquiza- mediador educador, como forma de promover as
da), colocando sob o mesmo patamar o saber leigo, trocas sem prejudicar o posicionamento/argumen-
o saber popular e o saber científico, o professor e to de cada um. Ramal acredita que a tecnologia
o aluno. encurtou as distâncias entre a linguagem erudita e
A expectativa que esse quadro cria nos educa- a popular e que as construções literárias se torna-
dores com relação à quebra de paradigmas pode ram ainda mais livres.
ser representada por Oliveira (2003): “Esse novo Enfim, as potencialidades do aprendizado infor-
paradigma que emerge considera o mundo uma mal da rede – principalmente aquelas abordadas
rede de relações na qual tudo está relacionado com por autores como Pierre Lévy , que apresentam
tudo, numa grande teia de relações e conexões. uma vertente sócio-cultural – têm inspirado diver-
Nessa trama, não há pontos privilegiados e os cen- sos educadores brasileiros que se preocupam com
tros são provisórios e temporários” (OLIVEIRA, a renovação da educação. Esta renovação é tra-
2003 p. 29). A autora complementa afirmando que duzida sob a forma de “quebra de paradigmas” e a
isto permite a construção de diversos caminhos rede é apresentada como opção privilegiada para
alternativos pelo aprendiz, ao invés de um único realizá-la. No entanto, a inspiração teórica, ao ser
trilho, ditado pelas imposições do currículo formal. transformada em prática pedagógica, apresenta li-
(OLIVEIRA, 2003 p. 31). mitações: as idéias otimistas acabam por se encai-
Para a autora, uma metodologia ativa, aberta e xar em antigos modelos. Os primeiros sinais de
colaborativa em que o professor assume o papel incongruência são analisados a seguir, através da
de organizar, administrar e regular as situações de comparação entre as comunidades virtuais dos
aprendizagem é o caminho para ultrapassar o que ambientes informais e dos ambientes formais de
ela chama de “paradigma conservador” (referin- aprendizagem.
do-se às formas como a escola ainda lida com a
aquisição do conhecimento). Esse caminho só se- Comunidades virtuais de aprendiza-
ria possível através da criação de encruzilhadas gem
interdisciplinares e atividades de integração entre
os diversos campos do saber. De acordo com Lévy (1999): “Uma comunida-
É no interior da própria ciência que se vai formando de virtual é construída sobre as afinidades de inte-
uma crise – a chamada crise de paradigmas – que resses, de conhecimentos, sobre projetos mútuos,
afeta profundamente a questão do método científi- em um processo de cooperação ou de troca, tudo
co. Se, por um lado, o método era garantia de um isso independentemente das proximidades geográ-
conhecimento correto, inquestionável, por outro ficas e das filiações institucionais” (LÉVY, 1999,
lado, à medida que se conhecia mais, que a ciência p. 127).
avançava esses conhecimentos não alteravam subs- O autor afirma que uma comunidade virtual só
tancialmente as condições da vida humana, e a rea- se realiza através da interatividade, da troca per-
lidade social apresentava-se (e ainda se apresenta) manente entre seus membros. Mesmo consideran-
cada vez mais caótica. (OLIVEIRA, 2003 p. 45).
do que um receptor de informações nunca é um
Portanto, os educadores percebem nas poten- sujeito passivo – e que, portanto, sempre interage
cialidades do novo espaço uma forma de se repen- com o conteúdo acessado, decodificando, interpre-
sar a prática escolar cotidiana. Andréa Ramal tando e re-significando esse conteúdo – Lévy
(2002), por exemplo, acredita que o processo de (1999) considera “interativa” “a participação ativa
construção do conhecimento encontra-se na ten- do beneficiário de uma transação de informação”
são do encontro dos diversos autores envolvidos (LÉVY, 1999, p. 79). Isso significa que deve haver
no processo ensino-aprendizagem, o que caracte- uma permuta entre os membros, uma reciprocida-
riza o próprio ato da comunicação. “Anular a pos- de na contribuição para formação do conhecimen-
sibilidade de polifonia é anular o diálogo e a to gerado pela comunidade. Nesse contexto, o
reconstrução possível de sentidos” (RAMAL, reconhecimento da competência para opinar signi-

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ficativamente sobre determinado assunto vem da da no diálogo tende a ser resolvida e até colabora
exposição pública virtual e é construída ao longo para a permanência ou o desligamento dos mem-
do tempo. (LÉVY, 1999 p. 128) bros do grupo. Isso porque, se uma comunidade
Autores como Pretto & Picanço (2002) acre- virtual é formada em torno de interesses coletivos,
ditam que é no momento da permuta que ocorre a permanecerão no grupo aqueles internautas que
negociação, através da consulta ao julgamento do considerem pertinente para seu aprendizado os
outro, o que transforma as comunidades virtuais rumos que estão tomando as discussões do grupo.
em um espaço de “decisões intersubjetivas” Circunscrito a uma determinada comunidade vir-
(PRETTO; PICANÇO, 2002. p. 229). Nesse con- tual, portanto, o hipertexto não apresenta tantas
texto, os próprios membros da comunidade estari- divergências com relação à sua multivocalidade –
am aptos a conduzirem o processo de negociação como descreveu Landow (1992). “A construção
através da própria dinâmica da troca ou agrega- do senso comum encontra-se exposta e como que
ção de conhecimentos e significados. No entanto, materializada na elaboração coletiva de um hiper-
há autores que acentuam o papel do mediador e texto” (LÉVY, 1997 p. 72).
traduzem as negociações como “expressões de Assim, o “problema”, ou o “objeto” também se
conflito”, que devem ser “explicitadas, no sentido encontra recortado, ainda que sujeito aos múltiplos
de esclarecer e promover a coesão do grupo” olhares. O recorte é mantido através da constitui-
(FONSECA; COUTO, 2005 p. 60). O mediador ção do grupo que irá formar a comunidade virtual:
deve tentar equacionar e dirimir os conflitos quan- se a comunidade é construída sobre as afinidades
do emergirem, embora este papel também possa de interesses, de conhecimentos, sobre projetos
ser exercido por outro membro da comunidade. mútuos, o senso comum tende a se estabelecer
Nesse contexto, são percebidas as divergênci- mais facilmente. Neste caso, há um relaxamento
as sobre o funcionamento de uma comunidade vir- nas tensões que caracterizam o processo de troca
tual e as expectativas criadas – ainda em um na construção do conhecimento, que passa a ser
ambiente informal – com relação às suas potenci- caracterizado muito mais por uma agregação das
alidades educativas: a informalidade começa a ga- possibilidades do que uma negociação das diver-
nhar contornos formais ao instituir-se a figura do gências existentes. Em outras palavras: esse pro-
mediador – alguém que estaria responsável pela cesso favorece muito mais o “mais” do que o “ao
resolução dos conflitos, ou pela movimentação da invés de”; como qualquer outro espaço de apren-
comunidade virtual. O papel diferenciado já o dei- dizagem – ainda que informal – também está su-
xa em situação privilegiada em relação à disposi- jeito a regras e - a despeito do que se imagina e se
ção rizomática propagada no discurso sobre o espera de um espaço democrático ou do hipertex-
hipertexto. O mesmo ocorre com o moderador, que to – possui mecanismos de exclusão e um recorte
pode incluir ou excluir membros de uma comuni- no seu conteúdo (por mais inter e transdisciplinar
dade de forma arbitrária ou a partir de regras pré- que ele seja):
estabelecidas pelos membros do grupo. Ou seja: a Os espaços virtuais potencializam as comunidades
efervescência amorfa da rede começa a ganhar virtuais no ciberespaço pela união de cidadãos co-
contornos com a instituição de uma comunidade nectados, agrupados virtualmente em torno de inte-
virtual, sujeita às regras, mediação e moderação – resses específicos. Nesses espaços, definem regras,
quer esteja ela em ambientes informais de apren- valores, limites, uso e costumes, os sentimentos e
dizagens ou em cursos formais. as restrições de acolhimento e pertencimento ao gru-
Outro aspecto a ser analisado é a multivocali- po. Isso viabiliza uma identidade cultural e social
dade do hipertexto no âmbito das comunidades vir- dos participantes, que flui do desejo de se estar vin-
tuais. Ainda que as formas de associação entre as culado a um determinado grupo, o qual terá a sua
comunidades virtuais privilegiem a manifestação existência enquanto houver interesse dos partici-
de diferentes opiniões, a tendência, com o tempo, pantes em usufruir desse ambiente. (FONSECA;
COUTO, 2005, p. 64).
é o estabelecimento de um senso comum, constru-
ído pelos membros da comunidade. A tensão gera- As formações das comunidades virtuais par-

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Ambientes formais e informais de aprendizagem em rede: O professor faz a diferença

tem de um conhecimento anterior. Os seus mem- encontra em um texto foi finalizado, atingiu um
bros buscam outras informações significativas, que estado de completude” (ONG, 1998. p. 150). No
contribuam para o seu conhecimento a respeito de entanto, a impressão momentânea dos diálogos e
determinado tema, mas isso não se desvincula da trocas ocorridos no contexto das comunidades vir-
sua formação cultural, social ou religiosa. As in- tuais é marcada pela incompletude e redundância.
formações que cada sujeito busca através das tro- O pensamento requer algum tipo de continuidade. A
cas nas comunidades virtuais estão intimamente escrita estabelece no texto uma ‘linha’ de continuida-
relacionadas aos aspectos relevantes da estrutura de fora da mente. Se a distração confunde ou oblitera
de conhecimento de cada pessoa. É uma seleção da mente o contexto do qual emerge o material que
natural, mas é uma seleção. A navegabilidade não estou lendo agora, o contexto pode ser recuperado
se desassocia do sujeito. passando-se novamente os olhos pelo texto de modo
No entanto, a contradição e o confronto de idéi- seletivo (...) No discurso oral a situação é diferente.
as também é um recurso de aprendizagem que Não há nada para o que retroceder fora da mente,
deve ser estimulado pelo mediador, para não se pois a manifestação oral desapareceu tão logo foi
correr o risco da acomodação ao senso comum pronunciada. Por conseguinte, a mente deve avançar
mais lentamente, mantendo perto do foco de atenção
em detrimento de outros espaços de interação que
muito daquilo com que já se deparou. A redundância,
funcionem como desestabilizadores do senso e ins- a repetição do já dito, mantém tanto o falante quanto
tiguem à procura por novas informações. o ouvinte na pista certa. (ONG, 1998. p. 50).
Outro aspecto relevante para análise da comu-
nidade virtual com fins educativos é a informalida- Embora haja o registro impresso, em ferramen-
de da linguagem utilizada. O ciberespaço possui tas síncronas – e mesmo nas assíncronas – a re-
seus códigos próprios: uma linguagem “híbrida”, dundância é um recurso da linguagem largamente
guardando características da oralidade e da lingua- utilizado entre os internautas, que ainda fazem uso
gem escrita. Escrever bem pode significar domi- de abreviaturas e sinais gráficos, com o intuito de
ná-la e usá-la corretamente. “Na mensagem rece- manter a rapidez do discurso e substituir gestos e
bida pelo correio eletrônico, nos deparamos com sinais presenciais que complementam a fala. Na
palavras incorretas, com erros gramaticais e/ou rede, onde não há o contato presencial, há uma
ortográficos, escritas sem acentos, e com a leitura tentativa de se resgatar esses sinais complemen-
rápida que nos permite captar e responder” (GO- tares, próprios da linguagem oral, através de novos
MEZ, 2004, p. 65). Longe de significarem desco- signos substitutivos, que indiquem estado de âni-
nhecimento das regras gramaticais, essa forma de mo, tom de voz, ações correlatas como choro, riso,
escrita - presente nas ferramentas de interação da gargalhadas, dentre outras.
rede, principalmente as síncronas como o chat - Por exemplo: colocam-se as mensagens em le-
representa uma linguagem que busca recuperar tras maiúsculas quando se quer indicar que se está
traços da oralidade presencial, como gestos, chei- gritando; ou utilizam-se os avatares das caras tris-
ros, pausas, entonações, repetições, ênfases, en- tes, sorrindo, piscando, para indicar o estado de
fim, uma série de sinais aparentemente desorgani- ânimo; ou a cor vermelha, para indicar raiva; ou,
zados, mas que fazem sentido em um determinado ainda, os sinais gráficos, para complementar a pa-
contexto e a torna repleta de significados. lavra, gerando novos códigos (ex: ;) - :o - L ). Cria-
Walter Ong (1998) designa a linguagem oral se, portanto, um novo alfabeto digital, com sinais,
mediada pela tecnologia como “oralidade secun- imagens, abreviaturas. Para Castells (1999a, p. 22),
dária”, em oposição à oralidade de uma cultura um novo sistema de comunicação “que fala cada
totalmente desprovida de qualquer conhecimento vez mais uma língua universal digital tanto está pro-
da escrita e da impressão – a oralidade primária. movendo a integração global da produção e distri-
(ONG, 1998, p. 19). Esta segunda oralidade se ex- buição de palavras, sons e imagens da nossa cultura,
pressa de forma impressa, com a cadência da nar- como personalizando-os ao gosto das identidades
rativa oral. “A impressão favorece uma sensação e humores dos indivíduos.”.
de fechamento, uma sensação de que o que se Na escola, essa linguagem infográfica se depa-

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ra com a tradição da linguagem escrita, que requer ter êxito: a interação ativa que envolve tanto o con-
análise, síntese, seqüencialidade, além da obediên- teúdo do curso quanto a comunicação pessoal; a
cia às regras gramaticais. Enquanto isso, na edu- aprendizagem colaborativa evidenciada pelos co-
cação presencial, ela apresenta um obstáculo para mentários dirigidos primeiramente de um aluno ao
o bom desempenho das competências lingüísticas outro e não do aluno ao professor; significados
dos estudantes, no ensino a distância, cria um con- construídos socialmente e evidenciados pela con-
flito sobre como avaliar esse texto; cria uma du- cordância ou pelo questionamento, com a intenção
biedade nos seus objetivos: se a intenção for de chegar a um acordo; compartilhamento de re-
estimular a participação nas ferramentas de inte- cursos entre os alunos; expressões de apoio e estí-
ração, a tendência é privilegiar o aspecto oral da mulo trocados entre os alunos, tanto quanto a
linguagem e permitir os códigos e sinais, para que vontade de avaliar criticamente o trabalho dos ou-
haja mais fluência. Se a idéia é avaliar a correção tros. (2003, p. 39)
gramatical e a linguagem escrita, há que se inibir a Os alunos virtuais de sucesso têm a mente aberta e
linguagem tecnológica e privilegiar o discurso da compartilham detalhes sobre sua vida, trabalho e
linguagem escrita. No segundo caso, pode haver outras experiências educacionais. Isso é bastante
uma perda sensível na participação nas ferramen- importante quando pedimos aos alunos on-line para
tas de interação, pois a correção gramatical im- que ingressem em comunidades de aprendizagem a
pressa interfere diretamente no ritmo e na cadência fim de que utilizem determinado material do curso.
da linguagem oral. Os alunos virtuais são capazes de usar suas experi-
Enfim, a participação nas comunidades virtuais ências no processo de aprendizagem e também de
não está tão descompromissada com métodos e aplicar sua aprendizagem de maneira contínua a suas
regras – como apregoam os autores que fazem do experiências de vida. (PALLOFF; PRATT, 2003, p.26).
ciberespaço a ponte para a ruptura com o paradig- Percebe-se, nesse trecho, a expectativa com
ma moderno – nem possui um discurso tão flexível relação ao envolvimento do aluno e a sua colabo-
quanto descreve Landow (1992) a respeito da ração expressiva e personificada: o que se espera
multivocalidade da rede. Elas possuem códigos de não é a colocação sobre determinado tema, mas a
condutas internos e a adesão dos internautas por associação deste tema com o sujeito. Neste caso,
afinidade do tema acaba por circunscrever o as- fica evidente que a construção coletiva esperada
sunto em um espaço (a comunidade virtual) e em tem relação direta com a descrição sobre a forma-
um determinado tempo (a permanência do grupo ção do hipertexto da rede e da Inteligência Coleti-
naquela determinada comunidade). Quanto mais va: a união dos discursos diferenciados formando
formalizadas estiverem essas comunidades, mais um conjunto que é constantemente negociado pe-
sujeitas a regras, recortes e subjugação ao tempo las partes envolvidas, até a formação do senso
e ao espaço. comum.
Alguns educadores buscam a utilização das No entanto, longe do que se espera que ocorra
potencialidades positivas da rede em um contexto na livre navegabilidade da rede, em um curso for-
educativo: eles assumem a institucionalização da mal, o papel do professor/ mediador torna-se ne-
comunidade virtual ao agregá-las a um curso for- cessário, evidenciado pela preocupação com
mal – o que representa o estabelecimento de re- relação ao abandono ou pela manutenção da “es-
gras, objetivos claramente definidos, espacialização pontaneidade” das trocas: “Ao contrário da sala
e tempo imposto – mas procuram manter os predi- de aula tradicional, onde o professor é capaz de
cativos que poderiam auxiliar na aprendizagem – identificar rapidamente quem pode estar passando
aprendizagem cooperativa, construção coletiva do por uma dificuldade, os sinais de problema de um
hipertexto, des-hierarquização do discurso, colabo- aluno on-line são diferentes, mas igualmente óbvi-
ração espontânea, solidariedade. os” (PALLOFF; PRATT, 2003, p. 27). Mudanças
Palloff & Pratt (2003), por exemplo, definem no nível de participação, dificuldade em começar o
as seguintes características necessárias para a di- curso, inflamar-se com outros alunos ou com o pro-
nâmica de uma comunidade de aprendizagem ob- fessor pela expressão inadequada de emoções –

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Ambientes formais e informais de aprendizagem em rede: O professor faz a diferença

especialmente raiva e frustração – dominar a dis- de sua vida pessoal, tais como problemas com o
cussão de forma inadequada, podem ser sintomas cônjuge ou com os filhos, o que não era adequado
de insatisfação, seguida de abandono do curso. para a sala de aula. Nesse caso, é importante comu-
Palloff & Pratt (2003) sugerem como medidas nicar-se em particular com o aluno e ajudá-lo a con-
ter-se. Também pode ser adequado encaminhar o
para melhorar a retenção: a relação do curso e do
aluno a um aconselhamento. (PALLOFF; PRATT,
currículo, bem como a coesão presente em sua ela-
2003, p.31).
boração; a capacidade de os alunos integrarem o
curso na sua programação acadêmica e em suas O que se observa, nas comunidades virtuais de
vidas; acesso à informação e aos serviços da bibli- aprendizagem circunscritas ou utilizadas por cur-
oteca; sentido de comunidade; tamanho da turma sos formais (a distância ou presenciais) é a ambi-
ou do grupo; a tecnologia usada e o suporte técni- valência do discurso, que, em alguns momentos,
co oferecido; as características do aluno, incluindo tende a invocar as potencialidades da rede como
o estilo de aprendizagem e o estilo de vida; carac- um novo estilo de aprendizagem mais democrático
terísticas do professor, incluindo sua atuação como – e em outros, explicita as imposições de um currí-
facilitador e sua presença. (2003, p.140) culo bem definido, com regras, prazos e avaliações.
Percebe-se que, entre essas medidas, exclui- No trecho a seguir, Palloff & Pratt (2003) exem-
se a familiaridade que os alunos devem apresentar plificam como é possível evocar a participação
com essas tecnologias, o que pode indicar uma democrática, caricaturar uma contribuição horizon-
condição a priori que, por si só, já determina o tipo tal, sem romper com o modelo hierárquico da edu-
de pessoas esperadas para um curso na modalida- cação formal:
de EAD e aquelas que serão excluídas. Compartilhar a informação, os interesses e os recur-
Além disso, torna-se clara a institucionalização sos é parte integrante da educação on-line. É à base
do aprendizado. Mesmo assim, o que é requerido da forma construtiva de ensinar e aprender, em que
do aluno é o comportamento observado nos ambi- o conhecimento e o significado é criado em conjun-
entes informais da rede. No entanto, as regras, a to pelos alunos e pelo professor. As políticas são as
determinação do tempo, as instruções para o com- diretrizes que criam a estrutura do curso on-line. As
portamento na rede e até a própria necessidade de diretrizes – se discutidas e negociadas em um nível
haver mecanismos de retenção já deixaram evi- razoável pelos alunos e pelo professor – funciona-
rão como regras firmes para a interação e a participa-
dente que se trata de um outro ambiente, com ou-
ção; elas não apenas ditam o modo pelo qual os
tras características que extrapolam aquelas do
alunos participarão, mas também como a interação
aprendizado informal. ocorrerá. (PALLOFF; PRATT, 2003 p.38).
A manutenção do discurso por parte dos pro-
fessores – e propagada pelos alunos – de que o Nesse contexto, estabelecidas as “regras fir-
ambiente da comunidade virtual ainda é o ambien- mes”, caberá ao professor/mediador sustentar a
te da livre navegabilidade da rede pode criar falsas interação das comunidades virtuais, a troca de con-
expectativas – e isto, sim, deveria ser considerado teúdo, “garantindo”, dessa forma, a aprendizagem,
como fator de abandono. Palloff & Pratt (2003) a contribuição significativa, a formação do hiper-
citam um exemplo que pode ter ocorrido por causa texto e da Inteligência Coletiva. “Embora os alu-
da expectativa gerada pelo discurso sobre o perfil nos em geral saibam sustentar a interação – às
esperado do aluno virtual, citado anteriormente (Os vezes até ignorando a presença do professor – o
alunos virtuais de sucesso têm a mente aberta e curso on-line precisa ser facilitado, caso o contrá-
compartilham detalhes sobre sua vida, trabalho e rio se perde o sentido de comunidade.” (PALLO-
outras experiências educacionais): FF; PRATT, 2003, p.49).
Os autores acreditam que há maneiras de o
... vimos alunos que se sentiram tão à vontade com professor dar constante apoio à comunidade, atra-
a ausência de sinais visuais que precisaram ser lem-
vés da provocação com perguntas gerais, que não
brados que havia limites e fronteiras a serem respei-
tados. Alguns alunos falavam de detalhes íntimos interfiram no processo de pesquisa e descoberta,
sendo desencorajado a responder para não que-

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Clarissa Bittencourt de Pinho e Braga; Robinson Moreira Tenório

brar a interação entre os alunos. “A fim de trans- po do usuário (em ambientes de interação assín-
mitir o conteúdo sem sacrificar a interação e a for- cronos, pode-se manter uma comunicação de acor-
mação da comunidade de aprendizagem, o do com as necessidades de cada internauta) e
professor deve aprender a fazer perguntas amplas desobriga da presença física, o que torna a locali-
e que atinjam um equilíbrio entre interação exces- zação espacial menos importante, desde que haja
siva e interação insuficiente.” (PALLOFF; PRATT, uma conexão de qualidade com a rede.
2003, p.49). Em termos de desenvolvimento da educação,
Por fim, não há como se desvencilhar da avali- logicamente, isto representa um grande diferenci-
ação dos cursos formais, mesmo que haja a tenta- al. Torna possível o contato entre pessoas distan-
tiva de flexibilização e inovação no processo tes, multiplica o número de alunos atendidos por
avaliativo. Testes e provas, auto-avaliação, avalia- professores especializados e permite a troca de
ção realizada pelos colegas, reflexões escritas so- experiências culturais entre povos e regiões. No
bre o curso e a aprendizagem, projetos, artigos e entanto, quando se trata de um curso formal na
tarefas colaborativas de grupo são algumas for- modalidade à distância, o tempo e o espaço voltam
mas de avaliações utilizadas. a ter uma forte representação: mesmo que faça
No contexto das comunidades virtuais, é co- parte da efervescência da rede, um curso tem um
mum serem avaliadas as contribuições, qualitativa endereço – assim como uma escola - pode possuir
e quantitativamente. Há ambientes de aprendiza- uma senha de acesso - o que delimita o número de
gem que permitem o controle do número de vezes alunos – e tem previsão de início e término. Ou
que o internauta entrou no curso, quanto tempo seja, na vastidão atemporal da rede, o curso for-
permaneceu e quais os lugares que freqüentou – mal localiza-se em um tempo e espaço linear.
como será discutido no tópico a seguir. Esse me- O mesmo ocorre com a manifestação do sujei-
canismo inibe a participação espontânea do grupo. to no ambiente da rede. Em frente ao computador,
O diálogo passa a ser subjugado por um objetivo através do hipertexto, o sujeito-aprendiz, livre na-
avaliativo, perde a cadência da oralidade e acen- vegador da rede, seria o centro momentâneo da
tua o caráter da linguagem impressa: correção gra- construção do seu conhecimento e estabeleceria o
matical, ordenamento linear, seqüência, análise e seu caminho pela infovia. No entanto, há o retor-
síntese. no: o retorno para a sala de aula – ainda que virtual
– onde esse conhecimento deverá ser comparti-
Educação a distância e sociabilidade lhado. E neste momento, não há como não estabe-
em rede lecer um paralelo com a educação presencial.
Neste momento, a educação formal assume o
Educação formal pressupõe a estruturação de papel de re-unir o tempo, o espaço e o conheci-
um currículo. A adaptação das características da mento fragmentado em uma sala de aula, que atra-
livre efervescência da rede para um parâmetro vés do processo de negociação e troca, irá
curricular implica em domar o que é selvagem, li- transformar aqueles conteúdos em senso comum,
vre e solto. O problema é que os educadores guar- atrelados a um currículo que definiu anteriormente
dam expectativas de que essas características se – ainda que em linhas gerais – o conteúdo a ser
mantenham intactas, ainda que sob as amarras do trabalhado. E não há, nesse método, muita dife-
currículo. Torna-se necessário, portanto, observar rença do ensino presencial, a não ser pela acessi-
o que pode ser adaptado do aprendizado informal bilidade ao conhecimento e às pessoas.
da livre navegabilidade para o contexto da educa- O currículo não é construído apenas de conhe-
ção formal. cimentos, mas de conhecimentos considerados so-
Em primeiro lugar, o currículo pressupõe tempo cialmente válidos, localizados em um determinado
e espaço, enquanto que a expectativa do aprendi- tempo e espaço. Nesse sentido, na consecução do
zado em rede é a ruptura com esses elementos currículo, podem ser selecionados determinados
condicionantes – fortemente representativos da tipos de saberes que privilegiem o conhecimento
Modernidade. Isso porque a rede flexibiliza o tem- de grupos étnicos, classes sociais ou gêneros.

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Ambientes formais e informais de aprendizagem em rede: O professor faz a diferença

É nesse momento que prevalece a vantagem fosse um salão de festas: misturam-se, passeiam,
da acessibilidade às informações da rede, que per- conversam desordenadamente. Em um determina-
mite o confronto entre as diversas versões da his- do instante, o ordenamento é pedido por um deter-
tória (a multivocalidade), já que não há barreiras minado aluno que, para isso, convoca o professor
entre o discurso leigo e o discurso científico. Rom- e sugere que o seu lugar seja o centro do salão.
pe-se com a hegemonia da história oficial e é aberto Percebe-se, nesse momento, que, apesar do dis-
um espaço para os diversos relatos dos infinitos curso apregoado sobre a disposição rizomática da
internautas produtores. Traz-se um dado positivo rede – referente à possibilidade de professores e
– não existem apenas as histórias “oficiais” e os alunos construírem coletivamente o conhecimento
livros didáticos – mas há que se ter um cuidado em um ambiente de trocas –, a cultura escolar tra-
com a seleção do material proposto pelos inter- dicional prevalece no ambiente virtual. O papel do
nautas – visto que nem tudo que circula na Inter- professor não só está bastante definido, como tam-
net tem fundamento. Além disso, a aceitabilidade bém é cobrado pelos alunos virtuais.
do que é selecionado e as discussões em torno dos Além disso, o comportamento nas comunida-
diferentes relatos serão tão democráticas quanto o des circunscritas aos cursos é guiado por um obje-
for a postura do professor mediador. tivo – o de discutir determinados assuntos – e por
Outro dado importante é a expectativa de que avaliações que podem vir a ser processuais – o
os alunos internautas apresentem, nas ferramen- que determina como e quando eu devo interagir
tas de interação do curso, o mesmo comportamen- nas ferramentas do curso. Esse aspecto, em uma
to com que desempenham suas tarefas nas ferramenta como o chat (que necessita da rapidez
comunidades virtuais da rede: a associação espon- do discurso oral, apesar de se realizar com a lin-
tânea com os pares, a participação significativa e guagem escrita) torna-se potencialmente mais pro-
a motivação apresentada nas comunidades virtu- blemático, quando sujeito à avaliação:
ais dos ambientes informais. Nesse contexto, o O que os professores não percebem é que a escrita
espaço do ambiente virtual do curso pode ser per- pode ser apagada, rasurada, reconstruída, e a fala
cebido como um espaço instituído da sala de aula e não. Uma vez dito, é impossível voltar atrás e dizer
os alunos podem passar a exercer um comporta- novamente, apagar o que foi dito. A fala só permite
mento condicionado pelo ambiente. acrescentar, ir em frente, tentar dar um novo sentido
Por exemplo, em uma disciplina semi-presenci- ao que foi dito, mas nunca voltar e apagar. (BONI-
al denominada Engenharia de Software, oferecida LLA, 2005, p. 114).
pela Universidade Salvador – UNIFACS, em 2001, Portanto, uma “fala escrita” está sujeita a er-
havia uma sala de bate-papo configurada como ros, rasuras, redundâncias e incorreções gramati-
uma sala de reunião. Os alunos conversavam to- cais que, se vinculada a um processo avaliativo que
dos ao mesmo tempo, surgindo balões desordena- considere a linguagem ao invés do conteúdo, pode
dos sobre os mais diversos assuntos com a fala gerar bloqueios e desencorajar a participação.
dos interlocutores. Um aluno, que estava conside- No entanto, para Lévy (1997), o hipertexto ade-
rando a experiência improdutiva, pediu para que a qua-se particularmente aos usos educativos porque
professora se dirigisse ao centro da sala, no que envolve o aluno no processo de aprendizagem, atra-
foi prontamente atendido. Ao perceberem o ava- vés da possibilidade de participação ativa na aquisi-
tar da professora se posicionando no centro da sala ção do conhecimento. O hipertexto proporcionaria
– que os alunos identificaram como sendo o seu uma atitude exploratória e lúdica, por parte do alu-
lugar de direito – a turma se acomodou nas cadei- no, sendo, portanto, “um instrumento bem adaptado
ras virtuais ao seu redor1 . a uma pedagogia ativa” (LÉVY, 1997, p. 40).
Torna-se necessário considerar que, na experi- Para o autor, o ideal da construção da Inteli-
ência relatada, a sala de chat estava ordenada gência Coletiva não é difundir um tipo de ciência e
como uma sala de reunião, onde todas as “cadei-
ras” estavam dispostas em círculo. Em um primei- 1
Relato da professora para a pesquisadora, durante o
ro momento, os alunos entram na sala como se desenvolvimento da disciplina.

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Clarissa Bittencourt de Pinho e Braga; Robinson Moreira Tenório

arte para o conjunto da sociedade – desqualifican- vas de adaptá-las ao currículo é “elastecer” o con-
do as outras espécies de produções e conhecimento ceito de Educação a Distância. Nation & Evans
– mas reconhecer diversidade das atividades hu- (1999) acreditam que a tendência é que esse con-
manas, sem nenhuma exclusão. “Em conseqüên- ceito se distancie cada vez mais daquele gerado
cia, cada ser humano poderia, deveria ser no princípio dos anos oitenta, quando a EAD era
respeitado como um artista ou um pesquisador considerada por autores, como Otto Peters, uma
numa república dos espíritos” (LÉVY, 1996, p. 120). variedade industrial da prática educativa (1999, p.
Nesse espaço compartilhado do saber, as nor- 62). Mattos a caracteriza como “um dos modos de
mas sociais, os valores e as regras de comporta- ampliação das possibilidades de educação formal
mento seriam regidos pela avaliação permanente e como alternativa de inovação para outras for-
dos membros e o patrimônio comum do conheci- mas de difusão do conhecimento.” (MATTOS,
mento seria enriquecido através da cooperação, 2004, p. 189).
educação contínua, exercício do senso crítico e Nova & Alves (2002) consideram que, no sen-
valorização do julgamento pessoal, sendo inaceitá- tido literal, a EAD remeteria a qualquer modalida-
vel, nesse espaço, o argumento de autoridade. de de transmissão e construção do conhecimento,
(LÉVY, 1996 p. 120) desde que sem as presenças simultâneas de agen-
No entanto, o próprio autor afirma que seria tes envolvidos, mediadas por suportes tecnológi-
necessária uma reforma educacional para que hou- cos digitais e de rede, “seja esta mediação inserida
vesse o reconhecimento das experiências adquiri- em sistemas de ensino presenciais, mistos ou com-
das e sugere que os sistemas públicos de educa- pletamente realizados através da distância física”
ção tomem para si a tarefa de orientar os percursos (NOVA; ALVES, 2002, p. 42-43).
individuais do saber e “de contribuir para o reco- No entanto, as autoras admitem que o conceito
nhecimento dos conjuntos de saberes pertencen- proposto por elas diferencia-se daquele apresen-
tes às pessoas, aí incluídos os saberes não-acadê- tado no decreto 2.494, de 10 de fevereiro de 1998
micos” (LÉVY, 1999 p. 158). (integrante da legislação educacional brasileira),
A grande questão da cibercultura, tanto no plano de que compreende esta possibilidade pedagógica
redução dos custos como no do acesso de todos à como uma forma de ensino que possibilita a auto-
educação, não é tanto a passagem do ‘presencial’ à aprendizagem, com a mediação de recursos didá-
‘distância’, nem do escrito e do oral tradicionais à ticos sistematicamente organizados, apresentados
‘multimídia’. É a transição de uma educação e uma em diferentes suportes de informação, utilizados
formação estritamente institucionalizadas (a escola, isoladamente ou combinados, e veiculados pelos
a universidade) para uma situação de troca genera- diversos meios de comunicação. (NOVA; ALVES,
lizada dos saberes, o ensino da sociedade por ela 2002, p. 43)
mesma, de reconhecimento autogerenciado, móvel
Em outras palavras, uma Educação a Distân-
e contextual das competências. Nesse quadro, o
papel dos poderes públicos deveria ser: garantir a cia que pretenda utilizar amplamente os predicati-
todos uma formação elementar de qualidade; permi- vos do aprendizado informal da rede deve abraçar
tir a todos um acesso aberto e gratuito a midiatecas, novas formas de aprendizagem, muito além do es-
a centros de orientação, de documentação e de au- copo das amarras do currículo tradicional dos cur-
toformação, a pontos de entrada no ciberespaço, sos formais. No entanto, torna-se irresistivelmente
sem negligenciar a indispensável mediação humana mais fácil ceder à transposição do formato pre-
do acesso ao conhecimento; regular e animar uma sencial para o meio digital, sem muitas variações.
nova economia do conhecimento na qual cada indi-
víduo, cada grupo, cada organização seriam consi- A análise de alguns cursos à distância, disponíveis
derados como recursos de aprendizagem potenciais na internet, permite-nos perceber que quase todos
ao serviço de percursos de formação contínuos e eles utilizam no processo ensino-aprendizagem, a
atualizados. (LÉVY, 1999 p. 172). lógica tradicional e linear de transmissão de conteú-
dos. Assim sendo, vimos páginas web com conteú-
Como essas características se tornam difíceis dos seqüenciais que, em alguns casos, oferecem um
de realizar na educação formal, uma das tentati- hipertexto fechado no qual o aluno não tem a possi-

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Ambientes formais e informais de aprendizagem em rede: O professor faz a diferença

bilidade de participar e intervir. (FERREIRA; BIAN- tros tipos de acompanhamento e outras formas
CHETTI, 2005, p. 158). de percepção do seu envolvimento com o apren-
No entanto, se por um lado há a preocupação dizado. Por isso, a lógica interativa das tecnologi-
com a formalização tradicional dos cursos à dis- as requer uma postura diferenciada e, por
tância, por outro, alguns educadores se preocu- conseguinte, um perfil específico para o profes-
pam com a informalidade como pode vir a se sor mediador também.
configurar a educação através da elasticidade Além disso, a EAD traz diferentes atores no
com que vem sendo tratada a EAD. Ferreira & processo de mediação das trocas no ambiente de
Bianchetti (2005 p. 159) evidenciam a multiplica- aprendizagem. Por exemplo, o professor pode re-
ção dos cursos nessa modalidade, contabilizando ceber o auxílio de tutores. Nesse contexto, “o do-
cerca de 84.713 alunos freqüentando cursos vir- cente cria propostas de atividades para a reflexão,
tuais em 2005, sendo que, deste total, 54.757 pes- apóia sua resolução, sugere fontes de informação
soas estavam matriculadas em cursos autorizados alternativas, oferece explicações, favorece os pro-
pelo MEC, enquanto que as demais estavam ma- cessos de compreensão; isto é, guia, orienta, apóia,
triculados em cursos autorizados por conselhos e nisso consiste o seu ensino”. (MAGGIO, 2001,
estaduais de educação. p. 96). Neste caso, que papel caberia ao tutor?
A meta do Ministério da Educação é aumentar A figura do tutor aparece em cursos à distância
o número da oferta de cursos como forma de dimi- que possuem um grande número de inscritos sob a
nuir a exclusão social e digital do país. Para isso, tutela de um mesmo professor. Neste caso, os ins-
instituições públicas e privadas se articulam, ofe- critos são divididos em grupos, cabendo ao profes-
recendo cursos que utilizam os mais diferentes sor elaborar o conteúdo do curso e aos tutores
meios de comunicação a distância, como telefone, prestar assistência ao grupo que ficar sob sua tu-
fax, material impresso, internet, TV e vídeo. Fer- tela. “A idéia de guia é a que aparece com mais
reira & Bianchetti (2005) afirmam que essa oferta força na definição da tarefa de tutor (...). Nas pers-
de cursos ocorre através de uma vinculação com pectivas tradicionais da modalidade à distância, era
as diretrizes políticas internacionais recomendadas comum sustentar que o tutor dirigia, orientava, apoi-
por instituições financeiras como o BIRD, o que ava a aprendizagem dos alunos, mas não ensinava
“interfere na soberania nacional e desrespeita os ...” (MAGGIO, 2001, p. 95).
direitos de cidadania, pois elas retiram o caráter No entanto, se o papel do professor é mediar a
formal de ensino, tornando-o um processo rápido e comunidade virtual, esse papel irá se aproximar
de baixo custo.” (FERREIRA; BIANCHETTI, bastante daquele exercido pelo tutor, pois ele ex-
2005, p. 159). trapola a tarefa de assegurar o cumprimento dos
Ou seja, a utilização da tecnologia tanto pode objetivos e passa a significar o acompanhamento
implicar na implementação de excelentes propos- individualizado do processo de aprendizagem dos
tas para o acesso ao conhecimento, como pode alunos sob sua tutela, através da motivação ao com-
significar o aumento do fosso entre aqueles que partilhamento do saber no ambiente da comunida-
possuem acesso à informação tecnológica e os que de virtual. “Sustentava-se que o tutor não ensinava
não a possuem. Este fato está muito mais relacio- - quando ensinar era sinônimo de transmitir infor-
nado a um posicionamento político do que a uma mação ou de estimular o aparecimento de deter-
proposta de cunho tradicional ou inovador. minadas condutas.” (MAGGIO, 2001, p. 96).
No final, o tutor acaba exercendo, no processo,
O professor é a diferença o mesmo papel do professor, sem direito à escolha
dos textos a serem indicados, do material didático
O diferencial acaba sendo a postura do pro- ou da forma de condução do curso. Isso se torna
fessor frente a modelos antigos ou inovadores da um problema, pois leva a acreditar que algumas
modalidade a distância. Conforme já foi aborda- propostas de EAD criaram o perfil de um “sub”
do no tópico anterior, o aluno virtual requer ou- professor, mais barato e com menos autonomia,
embora, na maioria das vezes, com igual qualifica-

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Clarissa Bittencourt de Pinho e Braga; Robinson Moreira Tenório

ção ou superior ao professor titular da disciplina. te da rede e a expectativa que ela se realize no
Enfim, os educadores que se preocupam em contexto da educação formal a distância. Outro
apresentar novas propostas para a EAD trafegam autor que deixa claro as expectativas geradas no
entre o que existe como potência no ambiente da aprendizado em rede é Oliveira (2003), para quem
rede e o que é possível ser realizado na prática o caminho é a mudança de paradigmas e a ruptura
cotidiana de um curso formal à distância. Estas com o modo conservador dominante de pensar a
expectativas podem ser representadas pelas des- EAD. De acordo com o autor, sem a ruptura com
crições de alguns autores sobre a educação em o modelo convencional, as possibilidades de avan-
rede, a exemplo de Gomez (2004): ço tornam-se insignificantes, mesmo que se utili-
A educação no contexto digital deve ser vivenciada
zem sofisticadas tecnologias digitais. (OLIVEIRA,
como uma prática concreta de libertação e de cons- 2003, p. 15).
trução da história. E, aqui, devemos ser todos sujei- Assim, mudam-se os papéis: o aluno deixa de ser
tos aprendizes, solidários num projeto comum de um receptor passivo e torna-se responsável por
construção de uma sociedade.O educador que or- sua aprendizagem, com direito a trabalhar em ritmo
ganiza suas propostas de educação a partir da reali- individualizado sem perder, no entanto, a possibi-
dade dos participantes, de suas palavras, de seus lidade de interagir com seus pares e com seu pro-
saberes, linguagem, desejos, curiosidades e sonhos fessor. Este deixa de ser o dono do saber e o
contribui com esse projeto de educação. (GOMEZ, controlador da aprendizagem, para ser um orienta-
2004 p. 23). dor que estimula a curiosidade, o debate e a intera-
Nesse contexto, fica evidenciado o papel que ção com os outros participantes do processo.
(OLIVEIRA, 2003, p. 34).
se espera do sujeito aprendiz (“prática concreta
de libertação e de construção da história” – refe- Percebe-se o encorajamento à participação
rindo-se à história do sujeito), a expectativa na espontânea e freqüente nos grupos, onde ocorrerá
construção coletiva do conhecimento através da o processo de troca, o compartilhamento dos dife-
participação espontânea e coletiva no grupo (“de- rentes relatos e a produção coletiva do conheci-
vemos ser todos sujeitos aprendizes, solidários mento. Nesse trecho, é evidenciada, também, a
num projeto comum de construção de uma socie- postura que cabe ao professor, como mais um
dade”) e valorização das experiências pessoais membro da comunidade virtual, que deve estimu-
(“O educador que organiza suas propostas de lar os demais participantes ao debate.
educação a partir da realidade dos participantes, É neste ponto que começa a incongruência en-
de suas palavras, de seus saberes, linguagem, tre aquilo que se prega e se deseja e aquilo que –
desejos, curiosidades e sonhos”). Se o texto aci- pelas próprias circunstâncias da prática – se faz.
ma não separa o aprendizado informal do apren- A necessidade de estabelecimento do papel de
dizado formal, o texto a seguir demonstra as mediador para o professor demonstra que a práti-
perspectivas desenhadas por Gomez (2004) para ca das relações travadas no ambiente virtual for-
os cursos disponibilizados na rede: mal não se mostra tão espontânea quanto aquela
O desenvolvimento de cursos Web, orientados pe-
observada nos ambientes informais de aprendiza-
los princípios da educação popular, do rizoma, do gem em rede. Torna-se necessário o incentivo ao
desenho participativo, do sujeito múltiplo e da me- debate, o controle de freqüências e a orientação
diação pedagógica, envolve, segundo nossa pers- sobre o que e quando debater. Os mesmos autores
pectiva, a práxis concreta dos participantes, o acima citados, que desdobram os predicativos da
tratamento do tema, da aprendizagem e da forma. rede como ambiente de aprendizagem, mostram-
Envolve também a situacionalidade sócio-histórica se mais ponderados ao descrever algumas manei-
dos integrantes do projeto, a organização, as mani- ras de utilizá-los no contexto formal.
festações de cada um e a metodologia por eles cons- Gomez (2004), por exemplo, situa sua “prática
truída. (GOMEZ, 2004, p.137) concreta de libertação e de construção da histó-
Neste trecho, ficam evidenciadas as caracte- ria” em um tempo e espaço bastante definidos;
rísticas que existem enquanto potência no ambien- recorta “a situacionalidade sócio-histórica dos in-

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Ambientes formais e informais de aprendizagem em rede: O professor faz a diferença

tegrantes do projeto” em temas previamente defi- na qual os docentes ensinam e os alunos apren-
nidos pela equipe pedagógica e abordados em mó- dem mediante situações não-convencionais, ou
dulos temáticos; e “a metodologia por eles seja em espaços e tempos que não compartilham”
construída” está subordinada a um roteiro prévio (LITWIN, 2001b, p. 13).
com objetivos já definidos pela equipe de profes- Para Mercer & Estepa (2001), a tarefa en-
sores. frentada por uma equipe de educadores na mo-
Independentemente da magnitude/tamanho do cur- dalidade a distância não se diferencia muito
so, é adequado estabelecer o tempo de desenvolvi- daquelas enfrentadas pelos educadores da mo-
mento e entrega de cada parte ou módulos, dalidade presencial. “Ambas as equipes docen-
atendendo às revisões e sugestões realizadas pela tes vão preparar um curso que desenvolva temas
equipe técnico-pedagógica. E, na etapa do roteiro, relevantes de uma determinada disciplina, imple-
já devem estar decididos os objetivos previstos para mentar propostas pedagógicas adequadas às ne-
o espaço virtual do curso: textos escritos, imagens, cessidades dos estudantes e conceber propostas
sons, áudio, links, fóruns, encontros em tempo real de avaliação do desempenho deles” (MERCER;
(chat), videoconferências, animações e simulações.
ESTEPA, 2001, p. 23).
(GOMEZ, 2004, p. 140).
Coiçaud (2001) faz uma crítica à incongruên-
Oliveira (2003) afirma que, para um projeto em cia entre aquilo que é propagado pelos educadores
EAD lograr êxito, é necessário a disponibilização através dos argumentos teóricos que fundamen-
de recursos tecnológicos interativos e a mudança tam as propostas dos projetos dos cursos e o que
na postura do professor, que deverá trabalhar em se verifica na prática:
equipe, partilhando experiências e solucionando
Em alguns projetos, por exemplo, explicitam-se ar-
conflitos (OLIVEIRA, 2003, p. 43). O autor, para
gumentos teóricos que fundamentam a escolha da
quem o caminho é a mudança de paradigmas e a modalidade a partir das necessidades dos destina-
ruptura com o modo conservador dominante de tários, mas logo se exigem porcentagens de assis-
pensar a EAD – sem o que as possibilidades de tência obrigatória a reuniões tutoriais, impondo-se,
avanço tornam-se insignificantes – no contexto da de modo taxativo, as regulamentações estabeleci-
prática pedagógica dos cursos formais a distância, das para o curso regular das carreiras presenciais.
acredita que a tecnologia não substitui a relação (COIÇAUD, 2001 p. 63)
presencial direta.
Enfim, este ensaio pretendeu discutir algumas
... as modernas tecnologias não substituem a rela- incongruências entre as idéias propagadas sobre o
ção interpessoal direta, sendo desejável garantir aprendizado em rede e a prática observada nos
espaços presenciais para troca de experiências e ambientes formais de aprendizagem. Enquanto as
construção coletiva. Um alerta válido é que uma boa
idéias se mostram bastante otimistas com relação
proposta formativa a distância deve aproximar-se o
máximo possível da modalidade presencial, e esta,
à aplicabilidade das potencialidades da rede obser-
por sua vez, deve valer-se dos procedimentos e re- vadas nos ambientes informais, a prática direciona
cursos mediadores da EAD, diminuindo a depen- aos ajustes que acabam distanciando dos objetivos
dência da presença física do professor e da sala de de romper com antigos modelos e apresentar no-
aula convencional como condições para uma edu- vas propostas no âmbito da educação.
cação de qualidade. (OLIVEIRA, 2003, p. 44). Nesse contexto, o professor exerce um impor-
Existem, no entanto, outros autores, como Li- tante papel, no sentido de privilegiar o aprendizado
twin (2001), que apostam na pragmática da utili- ao invés de tornar o uso das tecnologias o objetivo
zação dos recursos dentro dos limites do escopo primordial. Ou seja, mesmo que a utilização das
de um curso formal a distância. Para Litwin, a ferramentas de interação não traduza as prerroga-
diferença substancial da EAD para o ensino pre- tivas ditadas pelos autores contemporâneos sobre
sencial está na substituição da “proposta de as- o aprendizado em rede, isso não significa que o
sistência regular à aula por uma nova proposta., aprendizado não ocorreu ou foi aquém da expec-

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Clarissa Bittencourt de Pinho e Braga; Robinson Moreira Tenório

tativa. Outrossim, ainda que ocorra a utilização intensa de todo o aparato tecnológico, isso não garante a
otimização do aprendizado e o cumprimento dos objetivos propostos.

REFERÊNCIAS

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Recebido em 30.05.08
Aprovado em 31.07.08

208 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 193-208, jul./dez. 2008
Antonio Dias Nascimento; Tânia Maria Hetkowski

ELOS CONTEMPORÂNEOS:
possibilidades entre educação do campo e TIC

Antonio Dias Nascimento *


Tânia Maria Hetkowski * *

RESUMO

Este artigo tem como objetivo provocar discussões de entrelaçamentos entre educação
do campo e tecnologias da informação e comunicação (TIC), bem como apontar as
possibilidades que as TIC, utilizadas na modalidade EAD online, agregam para
potencializar redes periféricas, neste caso entendidas como os movimentos sociais,
ONGs, Sindicatos, Associações, em destaque a educação do campo. Para tanto, o
artigo aponta reflexões a partir de bibliografias (SANTOS, NASCIMENTO, LÉVY,
LIMA JR, PRETTO, HETKOWSKI.) e de documentos oficiais, os quais apontam a
expansão da formação de sujeito do campo a partir de iniciativas do Ministério de
Educação e Cultura (MEC) e concretizadas pelas universidades públicas do país. A
pretensão desta discussão é levantar possibilidades à formação de sujeitos do campo
através do uso das TIC, uma vez que as mesmas apresentam uma lógica hipertextual,
na qual diferentes linguagens tencionam uma lógica de organização não-linear em
consonância com os desejos e com necessidades dos sujeitos envolvidos e não de
acordo com imperativos de uma sociedade capitalista e homogeneizadora.
Palavras-chaves: Educação do campo – Tecnologias da informação e da
comunicação – EAD online

ABSTRACT

CONTEMPORARY CONNECTIONS: emergent possibilities from the


interface between rural education and ICT
This paper aims to provoke debates about links between rural education and information
and communication technologies (ICT), as well as pointing the possibilities that ICT
in the context of on line education, strengthen peripheral nets, by which we mean
social movements, NGO, Unions, Associations, especially linked to rural education.
In this sense, we point out reflections on the base of a specific bibliography (SANTOS,

* Doutor em Sociologia da Educação pela Universidade de Liverpool, Reino Unido. Professor do Departamento de Ciências
Humanas e do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEduC) da Universidade do Estado da
Bahia (UNEB). Endereço para correspondência: PPGEduC - Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Rua Silveira Martins,
2555. Cabula – 41.195-001 Salvador/BA. E-mail: andiasst@hotmail.com
** Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia. Professora do Departamento de Educação e do Programa de Pós-
graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEduC). Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Endereço para corres-
pondência: PPGEduC - Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Rua Silveira Martins, 2555. Cabula – 41.195-001 Salvador/
BA. E-mail: hetk@uol.com.br.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 209-219, jul./dez. 2008 209
Elos contemporâneos: possibilidades entre educação do campo e tic

NASCIMENTO, LÉVY, LIMA JR, PRETTO, HETKOWSKI) and from official


documents, which reveal the expansion of the respect and reinforcement to a rural
identity provoked through initiatives from the Ministry of Education and implemented
in the state universities in Brazil. The intention of this discussion is to raise possibilities
towards the education of the citizens from rural areas through the use of ICT, once
that they present hipertextual logic, where different speeches promote a debate
between a nonlinear logic of organization in accordance with the desires and needs of
the involved citizens instead of being in accordance with the rules of a capitalist and
colonized society.
Keywords: Rural Education – Information and Communication Technologies – On
line Education

1. INTRODUÇÃO Geral de Educação do Campo, dentro do Departa-


mento de Educação para a Diversidade, da Secre-
As conquistas que vêm sendo alcançadas pe- taria de Educação Continuada, Alfabetização e
los movimentos sociais do campo já ultrapassam, Diversidade.
em muito, a circunscrição das lutas pela terra, Há pouco mais de dez anos, sob a liderança do
embora este aspecto continue a merecer a cen- Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra,
tralidade das reivindicações que vêm dos traba- foram estabelecidas negociações entre os movi-
lhadores rurais, tanto perante o Estado como mentos sociais do campo e o Conselho de Reitores
perante a Sociedade Civil. Desse modo, poderi- das Universidades Brasileiras – CRUB, no senti-
am ser muitos os aspectos a serem aqui destaca- do de que as universidades públicas pudessem ser
dos a esse respeito, desde o posicionamento dos envolvidas na implementação do Programa Naci-
movimentos sociais do campo em relação às gran- onal de Educação e Alfabetização em áreas de
des questões nacionais e até mesmo internacio- Reforma Agrária – PRONERA. O programa
nais, até as alianças e articulações políticas que conseguiu lograr tanto sucesso, não somente pela
eles têm estabelecido com outros setores popula- formação dos quadros, como pela abertura institu-
res e mesmo com segmentos médios da socieda- cional das universidades à problemática dos povos
de, visando alcançar seus objetivos. Neste texto, do campo, que várias delas passaram a desenvol-
no entanto, a preocupação central estará voltada ver pesquisas sobre a problemática do campo, so-
para a educação do campo, tal como concebida bretudo a partir da ação dos movimentos sociais,
pelos próprios movimentos sociais (ARAÚJO; como também criaram cursos especiais, em nível
NASCIMENTO, 2006). superior, para possibilitar que se complete a for-
Entendem os movimentos sociais do campo que mação dos egressos do PRONERA, tais como os
a escolarização realizada até agora no meio rural de Pedagogia da Terra, Agronomia e Letras, com
o apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário
brasileiro tem sido eminentemente urbana, apro-
– MDA, estando em estudo a criação de outros
fundando, dessa forma, o processo de urbanização
cursos, em outras áreas de conhecimento, como
no meio rural, sendo, inclusive, estimuladora do
História e Direito, especialmente na Universidade
êxodo rural-urbano. Essa alienação do processo
do Estado da Bahia – UNEB, por reivindicações
escolar, em relação ao meio em que ele se dá, tem
dos movimentos sociais do campo1 .
sido um verdadeiro divisor de águas. Essa idéia,
Há que se entender, no entanto, que são diver-
assim concebida, tem alcançado repercussões nos
sos os sujeitos a serem envolvidos na educação do
organismos estatais, em suas diferentes esferas,
tanto a federal, como a estadual e a municipal, 1
Além das iniciativas da UNEB/Bahia, já existem iniciativas de
como o demonstram a criação e atuação no âmbi- outras universidades como no Rio Grande do Sul, Sergipe, Minas
to do Ministério da Educação, da Coordenação- Gerais e Brasília.

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Antonio Dias Nascimento; Tânia Maria Hetkowski

campo e cada um deles, embora possa estar en- leira e ressignificando a sua histórica aliança com
volvido em formas diferenciadas de relações de as elites nacionais. Por essa porta, ela estará inte-
trabalho e de acesso à terra, mantém marcas co- grando-se definitivamente ao grande mutirão pela
muns, como o isolamento, a marginalização social, superação urgente das desigualdades e das injusti-
reduzidos índices de escolaridade, condições abu- ças sociais.
sivas de vida e de trabalho, condições precárias de Desde o ano de 2007, no entanto, o próprio
saúde e sem o necessário acesso à seguridade so- MEC, para além dos cursos criados por iniciativa
cial e sequer aos serviços básicos de saúde. Ne- das próprias universidades, passou a estimular a
nhuma das categorias em que se constitui o implantação de Cursos de Licenciatura em Edu-
campesinato no Brasil, sejam eles, assentados da cação do Campo. No primeiro momento, foram
reforma agrária – ao menos na maioria dos casos, aprovados quatro cursos no âmbito das universi-
os pequenos produtores familiares, os posseiros, dades federais – UnB, Brasília; UFMG, Belo Ho-
os beradeiros, os atingidos de barragens, os assa- rizonte; UFS, em Aracaju – e a UFRB, no
lariados rurais, os moradores de fundos de pasto, Recôncavo Baiano, a partir deste ano de 2008.
os bóias-frias, incluindo-se aí também os professo- Espera-se, no entanto, que esse número seja con-
res lotados nas escolas do meio rural, são todos sideravelmente ampliado a partir da nova Chama-
eles submetidos a dramáticas situações de explo- da Pública para Seleção de Projetos de Instituições
ração e de exclusão social. Públicas de Ensino Superior para apresentarem
Desse modo, pode-se considerar como se agi- projetos de cursos de licenciatura em educação do
ganta a proposta de educação do campo. Para além campo, para a formação de professores da educa-
da atuação educativa dos movimentos sociais, so- ção básica nas escolas situadas em áreas rurais.
bretudo no que diz respeito à afirmação dos sujei- Essa chamada formalizou-se através do Edital n.2
tos que neles se integram e se reconhecem como de 23 de abril de 2008, do MEC (BRASIL, 2008).
portadores das mesmas desditas e das mesmas Evidentemente, que tanto esses novos cursos a
esperanças, é necessário ter método no desenvol- serem implantados, como aqueles já existentes
vimento das ações, sob pena de pôr em risco a boa dentro de cada universidade em particular, têm seu
qualidade e a efetividade do processo. São enor- formato vasado nas condições próprias do campo
mes os contingentes humanos do campo a serem e da formação em exercício, ou seja, formação dos
alcançados por uma escolarização e uma educa- professores já existentes no meio rural, em regime
ção adequada. Paralelamente ao processo de cons- de alternância entre Tempo-Escola e Tempo-Co-
cientização em larga escala que fazem os munidade. Entendendo-se por Tempo-Escola os
movimentos sociais, através de suas ações para períodos intensivos de formação presencial no cam-
além dos espaços escolares, seja nas ocupações, pus universitário e, por Tempo-Comunidade, os
nas longas marchas pelas estradas do país, na luta períodos intensivos de formação presencial nas
pelo acesso à terra, no enfrentamento da seca, na comunidades camponesas, com a realização de
expulsão de suas terras para darem lugar aos re- práticas pedagógicas orientadas.
servatórios de barragens e outros, o esforço inicial Para além disso, as especificidades desses cur-
deverá ser voltado para a formação dos professo- sos também alcançam o conteúdo a ser ministra-
res e de outros quadros de nível superior. Desse do. Eles devem ser organizados de acordo com
modo, ao menos se ampliam os quadros necessári- áreas de conhecimento previstas para a docência
os às transformações postas em marcha no cam- multidisciplinar – (i) Linguagens e Códigos; (ii) Ci-
po, graças à ação dos movimentos sociais. ências Humanas e Sociais; (iii) Ciências da Natu-
A formação em nível superior do magistério do reza e Matemática e (iv) Ciências Agrárias. Cada
campo pode e deve ser propiciada e legitimada proposta, a ser apresentada com base no Edital
pelas universidades. Certamente a Universidade n.2, deverá contemplar duas habilitações. Há, no
somente terá a ganhar com essa abertura, pois, entanto, uma recomendação expressa no Edital da
abrindo-se à educação do campo, estará fortale- Chamada para que as habilitações oferecidas por
cendo a sua legitimidade junto à sociedade brasi- cada universidade contemplem, preferencialmen-

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 209-219, jul./dez. 2008 211
Elos contemporâneos: possibilidades entre educação do campo e tic

te, a área de Ciências da Natureza, a fim de rever- Ou seja, tecnologia é a palavra em ação, muito mais
ter a escassez de docentes habilitados nessa área que a construção de objetos que facilitam a vida e
nas escolas rurais. a comunicação entre os sujeitos.
Dada a importância que as possibilidades téc- Dessa forma, tecnologia pode ser entendida,
nicas, nas áreas da informação e da comunicação, inicialmente na humanidade, como a linguagem e
têm alcançado na contemporaneidade, pretende- a escrita, seguida por uma infinidade de outras
se oferecer alguns elementos para a reflexão da tecnologias que vêm facilitar a vida do homem
comunidade acadêmica e dos movimentos sociais, como, por exemplo: tecnologia digital, naval, béli-
sobretudo os da área rural, sobre um possível acrés- ca, médica. Estas modernas tecnologias, não tão
cimo â formação desses professores em termos modernas assim, são representadas por recursos
do conteúdo a ser ministrado, ainda que seja ele como a fala, imprensa, o computador, arsenal de
agregado ou não à grade curricular, no que diz res- guerra, navios, dentre outros, e comumente são
peito à formação para o acesso e o emprego das utilizadas no cotidiano das pessoas e nas ativida-
chamadas Tecnologias da Informação e da Comu- des profissionais e comunicacionais. Mesmo no
nicação. meio rural, a tecnologia é amplamente utilizada,
De modo geral, as gerações do campo, que desde as mais primitivas formas de manejo do solo
antecederam ao período militar, foram, em boa e da natureza até aos mais sofisticados implemen-
medida, alcançadas pelas tecnologias eletrônicas, tos intensivos em capital e poupadores de mão-
mesmo em se tratando da educação. No fim do de-obra.
período populista, destacaram-se o programa de Com o desenvolvimento histórico, antigas des-
educação pelo rádio desenvolvido pelo Movimento cobertas e invenções passam a dialogar entre si e
de Educação de Base, ligado à Igreja Católica, os novas criações e desenvolvimentos tecnológicos
Centros de Cultura Popular da União Nacional dos tornam-se possíveis. Assim, podemos compreen-
Estudantes com sua produção literária e artística. der como as tecnologias da informação e comuni-
Posteriormente, mesmo no período militar, utilizou- cação (TIC) são advindas da tríade eletrônica,
se largamente o rádio como mecanismo de educa- informática telemática, das quais já haviam surgi-
ção, no caso do projeto Minerva e, posteriormente, do anteriormente recursos como rádio, televisão,
os tele-cursos transmitidos em convênio com a telefone, computador dentre outros. Esses instru-
Rede Globo. Mas todas essas experiências não mentos, que integram as velhas e as novas mídias,
dispunham da possibilidade de interatividade e a como diria Dizard (2000), compõem o cenário da
versatilidade de que dispõem hoje as novas Tecno- atualidade, no qual emergem as tecnologias que
logias da Informação e Comunicação - TIC. facilitam a comunicação, a produção e a dissemi-
nação de informações, bem como são capazes de
2. EDUCAÇÃO DO CAMPO X TIC: pos- produzir saberes e conhecimentos, devido às ca-
sibilidades e avanços racterísticas que as mesmas possuem, tais como
rapidez, agilidade, tempo-real, amplo espectro de
A provocação de uma possível relação entre sinais, dentre outras.
elementos tão distantes como educação de campo Essas tecnologias influenciam, devido a sua
e TIC nos remete a explicitar como entendemos, maleabilidade e sua amplitude, na criação humana,
conceitualmente, as tecnologias e como podemos na produção de bens de capitais, de conhecimen-
tratar esta discussão sem preconceitos ou exage- tos e de relações; também influenciam na comuni-
ros. Dessa forma, a etimologia da palavra diz que cação, na qualidade das informações produzidas,
tecnologia significa o estudo das técnicas, mas, para na redução dos espaços geográficos, na dissemi-
Lévy (1996), Lima Jr (2001), Pretto (1996), He- nação de novas descobertas científicas, na cons-
tkowski (2004) e Silva (2005), tecnologia significa trução de comunidades com objetivos comuns,
processos humanos que desencadeiam a criação sejam elas da ordem social ou virtual, como nos
de elementos conceituais, os quais são potenciais casos de movimentos sociais como MST, ONGs,
à ação do homem e transformados em recursos. associações, sindicatos, grupos de discussão, den-

212 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 209-219, jul./dez. 2008
Antonio Dias Nascimento; Tânia Maria Hetkowski

tre outros. Do mesmo modo, essas tecnologias tam- conhecimentos básicos de eletrônica, pode-se es-
bém operam na recondução e no entendimento do perar muito mais da educação como fator de de-
que seja espaço e tempo de aprender e de ressig- senvolvimento e de transformação social.
nificar conceitos. Por exemplo: no campesinato, Outras questões, no entanto, se antepõem na
com o advento do rádio e das ondas AM e posteri- ordem social, política e econômica que impedem a
ormente FM2 , começaram a receber informações democratização e universalização, sobretudo junto
tanto de ordem política e econômica, assim como às camadas excluídas da sociedade. Para Lévy
sobre tempo, plantio, preços, produtos, consumo, (Jornal do Brasil, 2002), o principal obstáculo à
dentre outros, bem como podiam acompanhar os democratização e universalização não é a falta de
lançamentos de músicas nativas, caipiras, moda de recursos tecnológicos, mas a falta de recursos cul-
viola, sertanejas dentre outras. Definitivamente, o turais. Considera também que o uso da internet
rádio encurtou consideravelmente as distâncias conduz a uma renovação da democracia participa-
entre o campo e a cidade. tiva local e a formas de governo, sejam eles nacio-
Na década de 80 e, maciçamente, na década nais ou para além do nacional, mais eficazes do
de 90, outro recurso começa a ter expansão nos que as atuais. O autor afirma que nada acontecerá
espaços de campesino: a televisão. A presença sem o comprometimento e o apoio dos cidadãos,
dessa moderna tecnologia permitia, agora, não ape- pois os movimentos democratizantes, através das
nas ouvir as informações, mas também conhecer redes sociais e digitais, podem-se organizar rapi-
os sujeitos falantes, os lugares mencionados, os damente e de forma eficaz. Resta saber como e
eventos ocorridos, como enchentes, secas, perdas quanto tempo se levará para superar, na ordem
e ganhos nas safras, como também orientações de social brasileira, o autoritarismo e a discriminação
como plantar, adubar, preparar a terra, buscar par- aqui instituídos desde os tempos coloniais.
cerias, entender sobre cooperativas, buscar finan- Contudo, a relação de desigualdade e de exclu-
ciamentos entre outros. Esse recurso tecnológico são social não se dá apenas no âmbito do local, ou
veio mudar, completamente, as formas das pesso- mesmo regional. É necessário ter-se em conta que
as se situarem no local e fazer relações com os a conquista da democratização e da universaliza-
fenômenos globais3 através das vozes e das ima- ção exige uma mobilização que vai do local ao
gens transmitidas pela TV. mundial. Assim, para que aconteça esse movimento,
Pensando-se mais especificamente a questão ele não deve ser concentrado no modelo político
da educação e, em especial, a educação do cam- piramidal que concede aos Estados Unidos pode-
po, é importante destacar o caráter potencializa- res sobre a rede e os ambientes virtuais. A Inter-
dor das tecnologias da informação e comunicação net e os Ambientes Virtuais de Aprendizagem
(TIC) sobre o processo educacional, seja nos am- (AVAs) devem ser e permanecer como um espa-
bientes formais e não-formais, e as possibilidades ço de livre expressão e de acesso a todos. Iniciati-
de mudanças que elas podem desencadear no pro- va que evitaria muitos problemas de mobilidade
cesso ensino-aprendizagem. Mesmo sabendo-se entre as classes sociais dos grandes centros urba-
que não é possível afirmar que, na realidade, as nos e das periferias, ampliando vertiginosamente
TIC se encontram em todas as dimensões da soci- as possibilidades e os diálogos entre setores exclu-
edade, pois são visíveis as dificuldades à sua “de- ídos e pensadores, com os quais tem níveis de inte-
mocratização e universalização” nos múltiplos resses comuns.
espaços sociais, sobretudo, de modo especial, nos
movimentos sociais, populares, ONGs e outras ins- 2
Na década de 50, os receptores de rádio, devido ao quase
tituições que trazem ações e reflexões sobre os inexistente acesso às redes elétricas na maior parte do País,
sobretudo no meio rural, eram na grande maioria movidos a
excluídos. Mas, com a mobilização social do cam- bateria, as quais tinham vida curta e precisavam ser periodica-
po em prol de uma educação específica e com o mente recarregadas, mas muitos agricultores tinham acesso a
esse recurso desencadeado pelas tecnologias eletrônicas.
acesso das comunidades rurais a certas condições, 3
Lembramos as palavras de um lavrador quando das discussões
como redes elétricas, relativa disponibilidade de sobre os transgênicos: “a gente aqui planta pouco, mas com
antenas, de ambientes escolares e até mesmo de qualidade, e este povo vem roubar a saúde de tanta gente” (1998)

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Elos contemporâneos: possibilidades entre educação do campo e tic

Na obra de Pierre Lévy, A Conexão Planetá- lações e na participação consciente de pais, alunos,
ria (2001), essas dificuldades também são destaca- professores, dentre outros setores que compõem o
das. O autor refere-se aos problemas de mobilidade cenário. Essa situação torna-se ainda mais dramáti-
entre o centro e a periferia, aprofundados pelas TIC ca se considerarmos as relações entre campo e ci-
no cenário social, cultural e educacional. Para Lévy, dade, em que o campo comparece como aquele que
o centro é um nó de fluxos representado por um desconhece ou como aquele que tem de aprender o
lugar geográfico ou virtual onde tudo é ‘próximo’ e que a cidade lhe impõe em detrimento de seus pró-
‘acessível’. Esse centro é “densamente conectado prios saberes e de sua realidade.
consigo mesmo e com o mundo, já a periferia é uma Ao referir-se ao saber escolar, Schön (1995, p.
extremidade da rede, uma rede em que as intera- 82) destaca a lógica do controle do centro sobre a
ções são de curto alcance ou de frágil densidade, periferia e diz que o “conhecimento emanado do
em que os contatos de longa distância são difíceis e centro é imposto na periferia, não se admitindo a
caros” (2001, p. 28). sua reelaboração. De fato, quando o governo pro-
Dessa realidade social, mesmo havendo pro- cura reformar a educação, tenta educar as esco-
gramas governamentais, como, por exemplo, os las, do mesmo modo que estas procuram educar
Centros Digitais de Cidadania (antigos infocentros), as crianças”. Mas, o momento requer pensar nas
existe uma quantidade incomensurável de excluí- possibilidades de se ampliar essa rede centraliza-
dos do acesso às TIC e aos inúmeros outros pro- dora e fazer uso das tecnologias de informação e
gramas educacionais, devido à condição de pobreza comunicação (TIC), enquanto potencialidades à
em que os sujeitos vivem e que são excluídos do ampliação e à articulação de diferentes linguagens,
centro e, inclusive, longe do alcance das intera- com as quais os homens podem se comunicar e
ções periféricas. estabelecer novas formas de fazer educação, res-
Essa proposição sugere pensar as políticas de peitando a diversidade e rompendo com os câno-
formação de professores, como centro interconec- nes que promovem a homogeneização e a
tado consigo mesmo e o sistema educacional vi- colonização.
gente enquanto periferia, se relacionada às políticas Segundo Santos (2000), uma das formas de
públicas nacionais. Por que pensaríamos que as transgredir a homogeneidade é estabelecer efeitos
políticas públicas representam esse centro mobili- de vizinhança. Os efeitos de vizinhança sugerem
zador? Os interesses sobre o tipo e a formação um sujeito que traz consigo variados e múltiplos
ideal para os professores, bem como os conteú- entendimentos, interpretações e críticas à sua exis-
dos, as competências, metodologias, entre outros, tência, pois eles se enriquecem com suas próprias
explanados nos documentos do Ministério de Edu- experiências e com as do vizinho. Assim, a dialéti-
cação e Cultura (MEC), referem-se à mobilidade ca da vida inclui o caldo da cultura necessário ao
do centro, conferida pelos órgãos financiadores de exercício e à efetivação de uma nova política, ou
políticas públicas brasileiras aos interesses gover- seja, mesmo que o mundo revele diversidades, a
namentais. Já a periferia seria constituída pelas história será universal. Uma escola que se pensa a
instituições escolares, pelas organizações não go- si mesma no conjunto da comunidade que a cir-
vernamentais (ONGs), pelos movimentos sociais, cunscreve, certamente, torna-se portadora de es-
enfim pelas instâncias frágeis na definição das di- perança de construção de um mundo mais justo e
retrizes, com interações de pouco alcance às co- humano.
munidades escolares. Desse modo, as TIC abrem espaços a uma
Dessa forma, a escola, atualmente, ainda repre- comunicação com visões abrangentes e sistêmi-
senta um centro mobilizador inerte e a comunidade cas, fortalecendo o bem-estar social, na medida
permanece na situação periférica. Na sua atual con- em que abrem possibilidade de diálogo entre cen-
juntura, ela ainda desempenha um lugar centraliza- tro e periferia, e a busca da cidadania, propiciando
dor e não mobilizador de ações e de situações uma reforma das práticas políticas, necessárias à
conjuntas com a comunidade, e as redes de cone- coabitação dinâmica e ao exercício da inventivida-
xão escola-comunidade apresentam ruídos nas re- de e das demandas sociais e individuais. Essa di-

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Antonio Dias Nascimento; Tânia Maria Hetkowski

nâmica possibilitaria mutações nas relações de tra- sociodiversidade, seriam permitidas resistências à
balho, de sociabilidade, de Educação e nas rela- escassez provocada pela globalização perversa; por
ções com o outro, assegurando a cada homem um outro lado, o plano teórico produziria uma nova me-
lugar no mundo. tanarrativa com relevância histórica, em que emer-
Lévy (1998, p. 14) enfatiza que “a universali- giriam novas possibilidades de o homem escrever
dade repousa, então, sobre a interconexão em tempo uma nova história.
real da comunidade científica, sua participação, para Essas novas possibilidades são marcos impor-
além do mundo das ciências, cooperativa mundial tantes para descobrir um novo sentido, quem sabe
nos eventos que lhe dizem respeito, antes que so- o sentido de “saber-viver (savoir-vivre), indissoci-
bre a depreciação do evento singular que caracte- ável da construção e da habitação de um mundo
rizava a antiga universalidade das ciências”. Do (...). A necessária escuta do outro não pode se re-
mesmo modo, podemos afirmar que as tecnologias duzir à construção de um saber a seu respeito, à
intelectuais ampliam, exteriorizam e modificam mera e simples captação de sua especialidade ou
numerosas funções cognitivas humanas, desenca- das informações que ele detém” (LÉVY, 1998, p.
deando uma inteligência coletiva, a qual é entendi- 28). Por isso, é imprescindível não aceitar a rela-
da como uma inteligência distribuída e valorizada, ção centro-periferia. É necessário considerar os
coordenada em tempo real, que pode resultar em aspectos micro e macro que envolvem os contex-
uma mobilização efetiva. Ademais, não apenas em tos sociais, bem como compreender as redes e as
tempo real, mas considerar todos os tempos e mo- relações que permeiam os interesses políticos. Sa-
vimentos possíveis de ressonâncias entre os sujei- bemos que a Escola se encontra fragilizada para
tos, capazes de modificar a “cara” da Educação e tomar a frente, mas, se somados seus esforços com
repercutir nas mudanças das políticas públicas. outras instâncias da sociedade, é possível estabe-
Compreender que a inteligência distribuída está lecer fortes agenciamentos ressonantes rumo a uma
em toda parte é entender que ninguém sabe tudo, solidariedade horizontal5 : construir juntos para ha-
porém, todos sabem alguma coisa e o saber está na ver mudanças, desta forma teremos uma escola
humanidade. É esse saber que deve ser explorado e para a vida.
não considerá-lo apenas como possível, se mediado As TIC poderão aliar-se ao processo de solida-
pelo auxílio das tecnologias digitais, para além das riedade horizontal em que predominarão os com-
TIC valer-se de todas as formas pelas quais os ho- prometimentos com os valores democráticos, com
mens se comunicam, se entendem, convergem e compreensão do papel social da escola e de outros
lançam novos olhares. Faz-se premente pensar além processos educativos e de seu contexto sócio-polí-
das possibilidades do ciberespaço; caso contrário, tico, cultural e econômico, com valorização das di-
mais uma vez estará sendo negado o acesso de ferenças, bem como na articulação desses fatores
muitas pessoas à dimensão ético-política dos sujei- na prática social, construindo, assim, a rede hiper-
tos pensantes. Não se deve priorizar esta ou aquela textual que atenda às perspectivas e situações com-
tecnologia4 , mas pensar que todas podem oferecer plexas da sociedade. Entende-se, pois que, paralelo
condições para fazer uma educação melhor, ainda aos fragmentos das lógicas centralizadoras, sur-
que em situações adversas e desafiadoras como no gem ações, geradas pela inconformidade que se
caso da educação do campo. instalam e criam ritmos diferentes de evolução, ela-
Será possível viabilizar a educação on-line para borando seus próprios discursos reativos para ge-
formação de sujeitos do campo? A obra de Milton rar seu próprio movimento, como é o caso da
Santos, Para uma outra globalização (2000), su- educação do campo.
gere essa possibilidade, todavia para isso não basta
acreditar, é preciso agir. A globalização deveria ser 4
Compreender tecnologias implica inúmeros fatores implícitos
mais humana, pois as técnicas, hoje, predominantes, que se referem à história milenar criada e modificada pelos
homens, a fim de dominarem, em seu proveito, o ambiente
fundadas em planos sociais e políticos comprometi- material e natural (HETKOWSKI, 2006, p. 94).
dos poderiam alavancar outros objetivos nos planos 5
Termo extraído da obra: Por uma outra globalização, de
teóricos e empíricos: no plano empírico, através da Milton Santos (2000).

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 209-219, jul./dez. 2008 215
Elos contemporâneos: possibilidades entre educação do campo e tic

Esse processo exploraria todas as possibilidades A rede internet não é tão democrática como
criadas pelas TIC, como fonte para alavancar inú- preceituam os inúmeros discursos, mas faz-se ne-
meras mudanças à construção de uma sociedade cessário redimensioná-la como elemento capaz de
mais justa, não homogênea, mas digna. As tecnolo- abarcar todas as inquietações que perpassam a
gias que a lógica centralizadora utiliza para homo- vida dos sujeitos e, através dela, ampliar a dinâ-
geneizar serviriam como fonte para estabelecer uma mica coletiva, ou seja, através de atualizações,
lógica diferente: dialética interna (SANTOS, 2000). será possível subliminar essa lógica e instaurar
Nessa dialética interna, estão localizados atores com uma dinâmica hipertextual. Significa dizer que a
diferentes interesses e perfis que estabelecem con- “atualização envolve criação, o que implica pro-
tratos sociais implícitos à hegemonia do mercado. dução inovadora de uma idéia ou de uma forma”
Tal dimensão possibilita mostrar a debilidade e a ine- (MORAES, 2001, p. 72).
ficiência da globalização e da política de mercado, Diante dessas possibilidades, podemos entender
pois a dialética interna é gestora de uma solidarie- que o ciberespaço pode representar uma espécie
dade que concebe alianças e explora as possibilida- de mosaico móvel, em permanente recomposição,
des da cibercultura, do ciberespaço, da virtualidade, no qual cada fragmento, cada pedaço já constitui,
da hipertextualidade, das interatividades, das atem- por si mesmo, uma figura completa, mas que só ad-
poralidades, das potencialidades, de simbiose, de quire, a cada instante, seu sentido e seu valor em
mobilidade e de sinergia6 . uma configuração geral. Logo, os sujeitos submer-
Lévy defende a cibercultura como “conjunto de sos nesse universo informacional, através do jogo,
técnicas (...), de práticas, atitudes, de modos de transformam-se, perdem e adquirem atributos o tem-
pensamento e de valores” (1999, p. 17), baseados po todo e geram uma outra dinâmica.
na interconexão e na criação de comunidades7 . O Não é possível pensar uma nova lógica na edu-
intercâmbio entre comunidades, indivíduos e cas- cação aliada às TIC, se priorizarmos as velhas for-
tas, em tempos singulares e múltiplos, possibilitam mas de organização baseadas em modelos
a interconexão, imprimindo-lhes sentidos e reno- tecnicistas e homogeneizadores ou mesmo experi-
vação permanentes. Assim, o ciberespaço, enquan- enciar modalidades novas, como, por exemplo, a
to espaço virtual de comunicação, mediado pelos educação a distância on-line, baseada em mode-
computadores, pode funcionar como uma rede de los funcionalistas que utilizam as TIC para maqui-
informação entre os seres humanos, dotando-os de ar velhas práticas. Mas Fragale Filho alerta que
capacidade para ser atores, compor cenários vir- (2003, p. 31) “o rigor e a exigência acadêmica de-
tuais e abranger uma constelação de espaços, for- vem ocupar lugar central nas preocupações dos
mando uma teia de possibilidades dialéticas à órgãos normativos e fiscalizadores dos sistemas,
construção de uma nova lógica interna, pois o ci- ao lado de um sistema adequado de avaliação ex-
berespaço é aberto e acolhedor, bem como inter- terna que estimule a análise, a atualização dos cur-
penetra e admite, em todas as instâncias, uma sos, a qualidade do ensino e o reconhecimento
multiplicidade de interpretações. profissional e salarial dos profissionais da educa-
O espaço virtual ou mundo virtual somente existe ção envolvidos”, porém, as reflexões sobre con-
se o pensarmos como potencializador às atualiza- temporaneidade, no que se refere à normatização,
ções e trocas entre sujeitos, pois ele possibilita um indicam o respeito às diferenças culturais e às es-
deslocamento de situações, por expressar um “con- pecificidades de cada sujeito como também pro-
texto dinâmico acessível a todos e memória comu- põe a educação do campo.
nitária coletiva alimentada em tempo real” (LÉVY,
1999, p. 146). Ainda não se pode vislumbrar, num 6
Para ler: SILVA, Marco. Sala de aula interativa (2000); LEVI,
Pierre. O que é virtual? (1996); SANTOS, Milton. Por uma
horizonte próximo, a virtualização dos povos do outra globalização (2000); LÉVY, Pierre. Cibercultura (1999);
campo, mas, neste momento de formação de pro- A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço
(1998).
fessores do campo e para o campo, pode-se e deve- 7
Os princípios da cibercultura, citados por Lévy, são três. Que-
se plantar a semente, posto o potencial difusor da remos dar ênfase, neste momento, ao terceiro princípio: inteli-
escola. gência coletiva.

216 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 209-219, jul./dez. 2008
Antonio Dias Nascimento; Tânia Maria Hetkowski

Para Rover (2003, p. 51), “os cursos não-pre- entes virtuais de aprendizagem, sendo que sua uti-
senciais superam a exigência da presença síncrô- lização e sua potencialização tendem a ser realiza-
nica de alunos e professores num local determinado das em consonância com os desejos e as
e baseiam sua metodologia em recursos tecnológi- necessidades dos sujeitos envolvidos e não de acor-
cos que substituem, total ou parcialmente, aquela do com imperativos de uma sociedade capitalista e
presença. Por exemplo, os chamados cursos EAD homogeneizadora.
tradicionais baseiam sua metodologia, principal- Segundo as autoras Alves e Nova (2003, p. 04),
mente, no material didático escrito e transmitido a EAD se apresenta como uma das modalidades
via postal. Já a EAD on-line ou baseada em recur- de ensino-aprendizagem, possibilitada pela media-
sos digitais e de rede, é mais dinâmica e permite ção dos suportes tecnológicos digitais e de rede.
um maior controle sobre todo processo”. Não é Assim, a pretensão da EAD on-line poderá ressal-
que se pretenda promover, de imediato, a forma- tar a emergência das mobilizações sociais através
ção dos professores para a educação do campo, das redes, destacando dois importantes fatores: a)
nessa modalidade, mas tão somente ressaltar a a diversidade de organizações e movimentos que
possibilidade de colocar o professor do campo em desenvolvem na internet novas formas de ação,
contato em tempo real em caso de acesso a biblio- gestão e participação; b) as potencialidades que se
tecas, discussão com centros de formação e apoio entreabrem no âmbito virtual, fundadas em práti-
para esclarecer dúvidas, buscar informações atu- cas interativas e não submetidas aos mecanismos
alizadas e assim por diante. de seleção e hierarquização da mídia (MORAES,
Dessa forma, os cursos em EAD on-line são 2001, p. 141). A internet, no entanto, encontra-se
potenciais à formação de uma rede de reciproci- majoritariamente circunscrita aos setores hegemô-
dade capaz de alcançar as camadas menos favo- nicos e de difícil acesso à educação do campo e
recidas, destacando-se, no contexto deste trabalho, dos movimentos sociais que lhe deram causa.
a educação do campo. Esses sujeitos devem ter Essa diversidade de movimentos pode ser po-
acesso a todas as tecnologias possíveis e todas as tencializada através das TIC, as quais poderão
formas de interação, para que tenham os mesmos agregar ações coletivas entre comunidade, escola,
direitos aos saberes construídos pela humanidade, universidades, ONGs, movimentos sociais, educa-
às informações latentes e cotidianas e à constru- ção de campo e outras iniciativas não-formais. A
ção de conhecimentos científicos, de mundo e de potencialidade das TIC está em utilizá-las em um
vida, os quais serão elementos potenciais para trans- determinado contexto, ou seja, elas devem estar
formar sujeitos do campo, dos movimentos sociais articuladas ao movimento sócio-histórico e cultu-
e de outras instituições não formais, profissionais ral, envolvendo, sobretudo, os sujeitos do contexto
mais críticos da realidade em que vivem e de um e suas perspectivas. Quando a utilização das TIC,
mundo cheio de possibilidades. na modalidade EAD on-line, está relacionada a
Dessa forma, “a EAD assume seu caráter restrições de acesso, de mediações, de informa-
de prática educativa, comprometida com a ções e aprendizagens, estaremos desencadeando
(re)construção da sociedade – em bases parti- “um perverso mecanismo de aumento da exclusão
cipativas e solidárias, poderíamos acrescentar ao daqueles que já são excluídos socialmente em ter-
pensamento do autor – e que exige organização mos de condições mínimas de sobrevivência Esta-
de apoio institucional e mediação pedagógica ca- ríamos introduzindo um novo tipo de exclusão: a
pazes de garantir a efetivação de atos educati- digital” (PRETTO, 2001, p. 36).
vos” (FRAGALE FILHO, 2003, p.32) formais e Mas o propósito das TIC, especialmente as tec-
não formais. nologias digitais, definidas por Lévy (1996) como
A EAD on-line apresenta uma lógica hipertex- Tecnologias Intelectuais, são condições, possibi-
tual, na qual as diferentes linguagens (escrita, fala- lidades e, fundamentalmente, dispositivos suscetí-
da, iconografada e simulada) tendem a ter uma veis de serem interpretados, potencializados,
lógica de organização não-linear, em que os sabe- desviados ou negligenciados, capazes de desenca-
res são dispostos de forma associativa nos ambi- dear diferentes usos e perspectivas, ou mesmo

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 209-219, jul./dez. 2008 217
Elos contemporâneos: possibilidades entre educação do campo e tic

serem subjugados ou menosprezados. No mundo como uma atividade social; reconhecer a sociabili-
concreto do sujeito do campo, que sequer teve aces- dade e a afetividade; perceber que a aprendiza-
so a uma educação presencial adequada, o uso das gem emerge do diálogo ativo entre seus pares;
potencialidades das TIC pode significar um desa- aprender a fazer e ouvir críticas construtivas; au-
fio e uma conquista a mais, porque elas implicam mentar a segurança em si mesmo, a auto-estima e
na incorporação de uma nova linguagem e, conse- a integração no grupo; fortalecer o sentimento de
qüentemente, esta linguagem poderá aproximá-lo solidariedade e respeito mútuos; e trabalhar em
de conhecimentos produzidos em realidades climá- equipe (HACK, 2004).
ticas e ambientais de diferentes partes do mundo e Assim, estamos diante de um grande desafio à
que guardam semelhanças nas experiências de vida, superação de todo tipo de preconceitos criado em
de manejo do solo, de tratos culturais que possibili- torno da modalidade EAD on-line. Hoje, a EAD não
tem o desenvolvimento sustentável. significa aligeiramento ou simplificação dos proces-
Uma vez que os “diversos sistemas educativos sos de ensino-aprendizagem, mas propostas e atitu-
não mais respondem às aspirações de homens que des educativas que promovam o desenvolvimento
querem viver melhor e mais livres, os movimentos pleno da pessoa para o exercício da cidadania, da
educativos paralelos à escola – movimentos popu- luta pelos seus direitos e de respeito ao contexto
lares, universidade aberta, ONGs e outros – são sócio, econômico, cultural e educacional. “Costu-
processos que cativam, inquietam, interrogam e ma-se dizer que o melhor ensino on-line é tão bom
provocam os educandos” (FRAGALE FILHO, quanto o melhor ensino presencial, sendo verdadei-
2003, p. 41), ou seja, a EAD on-line pode vir a ser ra a recíproca” (FRAGALE FILHO, 2003, p. 30).
uma proposta concreta de enfrentamento dessa
realidade e atender as demandas de uma socieda- 3. PALAVRAS FINAIS
de que clama pelos saberes e conhecimentos cons-
truídos e difundidos pelas redes digitais e coletivas. É importante considerar o fosso historicamente
Essa proposta requer pensar os AVAs enquan- aberto entre os povos do campo e a vida urbana
to recursos hipermidiáticos apoiados pelas TIC, que em vários aspectos, mas, em particular, no que diz
permitem a troca de experiências, de aprendiza- respeito à educação. A concepção contemporânea
gens, de conhecimentos e de possibilidades de de educação voltada para a construção dos sujei-
constructos coletivos entre sujeitos de diferentes tos e do reconhecimento da diversidade, com a qual
localidades do mundo. Esses recursos são oriun- se vem concebendo um novo modo de propor e
dos de sistemas informáticos, também denomina- implementar o processo educacional, implica ne-
dos plataformas interativas, disponíveis através da cessariamente no acesso da educação do campo
rede internet para facilitar e agregar dinâmicas que às tecnologias da informação e de comunicação.
são apropriadas à disponibilidade de informações Certamente o também histórico distanciamen-
e de espaços colaborativos e cooperativos, capa- to entre o campo e a cidade poderá ser cada vez
zes de potencializar e socializar idéias e criações mais reduzido na medida em que as populações
produzidas por determinados grupos, com a finali- rurais começam a dispor de condições básicas para
dade de atingir objetivos comuns. o acesso mais aprofundado ao mundo da informa-
Outrossim, os AVAs apresentam inúmeros as- ção e da comunicação para além das velhas mídi-
pectos que podem ampliar os processos de intera- as. São exemplos disso a crescente organização
ção e de colaboração na modalidade EAD on-line, social, a criação de seus próprios meios de comu-
como possibilidade de ter acesso a conteúdos de nicação, como as rádios comunitárias, apesar dos
qualidade; desenvolver a interdependência entre os contratempos institucionais, o acesso à telefonia
alunos, porque requer a responsabilidade na sua e fixa e móvel. Por sua vez, a disponibilização de
na aprendizagem do grupo; valorizar os conheci- redes de energia elétrica nas comunidades rurais
mentos dos outros e enriquecer-se com a experi- constitui um caminho aberto para permitir o aces-
ência de cada um; aproximar sujeitos e permitir- so às tecnologias digitais como potencializadoras
lhes a troca de idéias; entender a aprendizagem do processo de educação do campo.

218 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 209-219, jul./dez. 2008
Antonio Dias Nascimento; Tânia Maria Hetkowski

Por fim, o acesso aos ambientes virtuais pelos áreas. Além do mais, poderá também contribuir de-
sujeitos da educação do campo, certamente, pode- finitivamente para imprimir maior velocidade às
rá superar tradicionais dificuldades, como o aces- suas articulações e a seus processos organizativos
so às bibliotecas, aos centros de produção de em busca da reversão das condições subumanas
conhecimento e especialistas das mais diferentes em que vivem os sujeitos do campo.

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e a sua formação. 2. ed. Portugal: Dom Quixote, 1995. p 135-172.

Recebido em 30.05.08
Aprovado em 10.09.08

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 209-219, jul./dez. 2008 219
Lana Silva; Marco Silva

A PRÁTICA AVALIATIVA
EM AMBIENTE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM

Lana Silva *
Marco Silva * *

RESUMO

O artigo apresenta o estudo sobre avaliação da aprendizagem online num ambiente


virtual de aprendizagem. Foram investigadas dificuldades e soluções adotadas por
docentes e discentes. Metodologicamente, utilizou-se o estudo de caso e a observação
participante. Foram priorizadas três fontes para a obtenção de dados: questionários,
diário de campo e observação no ambiente virtual de aprendizagem. O quadro teórico
baseou-se na vertente sociointeracionista (VYGOTSKY), nas interfaces e suas
características, na interatividade (SILVA) e na avaliação da aprendizagem segundo
Hoffman, Luckesi e Romão. Os resultados revelaram que o desenvolvimento da
interatividade entendida como colaboração, autonomia e dialógica no uso das interfaces
potencializa as estratégias de avaliação da aprendizagem no ambiente online. As
interfaces fórum, chat, correio eletrônico e portfolio apresentam possibilidades efetivas
para criação de estratégias de avaliação da aprendizagem. Também identificaram
que a resistência docente ao uso das interfaces como potencializadoras de processos
de avaliação diagnóstica e formativa no ambiente virtual origina-se da exclusão digital
dos docentes e do desconhecimento das suas funcionalidades pedagógicas,
evidenciando a necessidade da formação continuada do docente para as
potencialidades das tecnologias digitais online.
Palavras-chave: Educação online – Avaliação da aprendizagem – Interfaces

* Mestre em Educação. Especialista em EAD e Desenvolvimento de RH. Pedagoga com Habilitação em Magistério e Supervi-
são Escolar. Coordenadora de Tecnologia Educacional e Professora dos Cursos de Pedagogia e Administração da UNICARIOCA.
Coordenadora da disciplina Pesquisa em Educação e Projeto Político-Pedagógico do Curso de Pedagogia a Distância - UERJ
(Consórcio CEDERJ). Oficial da Reserva da Marinha do Quadro Técnico-Pedagógico. Professora do Ensino Fundamental.
Endereço para correspondência: Centro Universitário Carioca, Av. Paulo de Frontin, 568, Rio Comprido – Rio de Janeiro/RJ.
E-mail: lanabsilva@gmail.com
** Sociólogo, mestre e doutor em educação. Professor no Departamento de Educação a Distância da Faculdade de Educação da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e no PPGE, linha de pesquisa Tecnologias da Informação e da Comunicação
nos Processos Educacionais, da Universidade Estácio de Sá (UNESA). Pesquisa educação e tecnologias digitais de comunicação
e informação, atuando principalmente com os temas: interatividade, cibercultura, docência online e aprendizagem interativa
presencial e online. É autor dos livros Sala de aula interativa (2000) e Educación interactiva (Barcelona, 2005). E organizou os
livros Educação online (2003) e Avaliação da aprendizagem em educação online (2006). Endereço para correspondência:
Mestrado em Educação da Universidade Estácio de Sá. Av. Presidente Vargas, 642, 22º andar, Centro – 20071.001 Rio de
Janeiro/RJ. E-mail: marcoparangole@uol.com.br

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 221-230, jul./dez. 2008 221
A prática avaliativa em ambiente virtual de aprendizagem

ABSTRACT

EVALUATIVE PRACTICE IN VIRTUAL LEARNING ENVIRONMENT


This paper discusses evaluation of learning in a virtual learning environment. Troubles
and solutions adopted by teachers and students have been investigated through case
study and participant observation.. We gave priority to three sources of data:
questionnaires, field diary and observation in the virtual learning environment. We use
a theoretical approach inspired by social interactionism (VIGOTSKY), characteristics
of interfaces, interactivity (SILVA) and ideas about learning evaluation based on
Hoffman, Luckesi and Romão. The outcomes reveal that the development of
interactivity, by using interfaces with collaboration, autonomy and dialogic, strengthens
the strategies of learning evaluation in the on line environment. Interfaces like forum,
chat, e-mail and portfolio have shown clear possibilities for the creation of strategies
of learning evaluation. We also have verified that the teachers resistance to use
interfaces, as potentializers of the formative and diagnostic evaluation processes in
virtual environment, derives from the digital exclusion of teachers and from their
unfamiliarity with the pedagogical functionalities of technology, making clear the need
of continuous formation of the teachers about the potentialities of on line digital
technologies.
Keywords: Online education – Learning evaluation – Interfaces

1. Introdução meios de informação imediata é estimulado; a in-


teratividade intensifica-se pelo uso das interfaces,
As tecnologias digitais de informação e comu- quer na relação docente-aluno, quer na relação
nicação, já incorporadas pela educação online em destes entre si; e atendimento personalizado onli-
suas práticas, têm promovido significativas mudan- ne, estas são algumas das principais característi-
ças no panorama educacional, em função das pos- cas apresentadas na educação online.
sibilidades interativas das interfaces utilizadas, que As denominações – Educação online e Edu-
criam espaços de encontro para docentes e alu- cação a distância (EAD) – são termos utilizados
nos. O perfil da sala de aula emergente na ciber- comumente no cenário atual da educação. Exigem
cultura permite romper com o modelo centrado na refletir, a priori, como modalidades de educação.
transmissão e liberar a participação dos alunos Reflexão que toma como base inicial a afirmação
como co-autores na construção da aprendizagem. de Santos (2005, p.108) de que “a educação onli-
Para Silva (2003, p.53), “a sala de aula online está ne não é apenas uma evolução das gerações da
inserida na perspectiva da interatividade entendida EAD, mas um fenômeno da cibercultura”. A inte-
como colaboração todos-todos e como faça-você ratividade entendida como bidirecionalidade e dia-
mesmo operativo”. (itálico do autor). lógica, autonomia para conexões que traçam
Incorporando-se à sala de aula, os alunos estão tramas de relações e participação colaborativa tra-
cada vez mais utilizando os recursos digitais ofere- zidas pela comunicação interativa mediada pelas
cidos pela Internet. Flexibilidade e interatividade, interfaces virtuais, como chats, blogs, fóruns e ou-
próprias do computador conectado à Internet, são tros, conferem à educação online uma caracterís-
fatores determinantes dessa tendência. A escola tica peculiar, em sintonia com a cibercultura.
abre-se para o mundo virtual: a aprendizagem pode No presente ensaio, adota-se o conceito apre-
acontecer a qualquer momento, onde quer que o sentado por Santos (2005), segundo o qual a edu-
aluno esteja; o conteúdo apresenta-se em diferen- cação online é um fenômeno sócio/técnico/cultural,
tes formatos; o acesso às midiatecas e a outros que é o advento da cibercultura.

222 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 221-230, jul./dez. 2008
Lana Silva; Marco Silva

2. O Ambiente Virtual de Aprendiza- ção do aluno com o objeto do conhecimento, po-


gem (AVA) dendo-se falar da construção do conhecimento,
como sendo um processo interativo. Para Vygotsky
A base fundamental para o uso das tecnologias (1998), a aprendizagem não acontece somente pelo
digitais de informação e comunicação a serviço da sujeito, o indivíduo aprende internalizando as ações,
educação online é a criação de ambientes propíci- os símbolos e as instruções veiculadas na media-
os à aprendizagem, que possam garantir a qualida- ção com o contexto social. A internalização confi-
de ancorada em estratégias didático-pedagógicas. gura-se como a reconstrução interna de uma ope-
O AVA permite integrar múltiplas mídias, lingua- ração externa e acontece, principalmente, através
gens e recursos, apresenta informações de manei- da linguagem. Num AVA, a linguagem, sistema sim-
ra organizada, desenvolve interações, elabora e bólico dos grupos humanos, é um dos elementos
socializa produções, tendo em vista atingir deter- de maior significância, não se tratando apenas da
minados objetivos. As atividades desenvolvem-se linguagem individual, mas da linguagem escrita e
no tempo, ritmo de trabalho e espaço em que cada socializada pelo grupo, encontrada nas interações
participante se localiza, de acordo com uma inten- dos chats, fóruns, correio eletrônico e portfólio.
cionalidade explícita e um planejamento prévio. Além da internalização, outro conceito trazido
Os recursos dos ambientes digitais de aprendi- por Vygotsky (1998), é a Zona de Desenvolvimen-
zagem são basicamente os mesmos existentes na to Proximal (ZDP) como uma forma de potencia-
Internet: e-mail, fórum, chat, portfólio e outros. lização da aprendizagem, que é construída mediante
Recursos que na presente comunicação atende- processo de relação do sujeito com seu ambiente
rão pela definição de interface. sócio-cultural e com o suporte de outros mais ex-
Aprender num AVA significa planejar, desen- perientes. O conceito de ZDP compreende a re-
volver ações, receber, selecionar e enviar infor- gião de potencialidade para o aprendizado, que, em
mações; estabelecer conexões; refletir sobre o outros termos, pode ser representada por um AVA.
processo em desenvolvimento em conjunto com os Na concepção vygostskyniana, a postura do
pares; desenvolver a competência de resolver pro- docente deixa de ser a de um transmissor de infor-
blemas em grupo e a autonomia em relação à bus- mações para a de ser um mediador, o elo do pro-
ca, ao fazer e compreender. Ensinar já pressupõe: cesso de construção do conhecimento. É papel do
organizar situações de aprendizagem, planejar e docente provocar avanços nos alunos e isso se tor-
propor atividades; disponibilizar materiais de apoio na possível com sua interferência na ZDP. Segun-
com o uso de múltiplas mídias e linguagens; ter um do Silva (2002), é o docente quem disponibiliza
docente que atue como mediador e orientador do possibilidades e caminhos abertos aos alunos, ga-
aluno, procurando identificar suas representações rantindo significações livres e plurais sem perder a
de pensamento; fornecer informações relevantes, coerência e visão crítica. Caracterizando-se pelo
incentivar a busca de distintas fontes de informa- redimensionamento da autoria, por uma disposição
ções e a realização de experimentações; provocar à co-autoria e à interatividade, construindo territó-
a reflexão sobre processos e produtos; favorecer rios a explorar, não uma rota.
a formalização de conceitos; propiciar a aprendi- Aprofundar a questão da aprendizagem num
zagem significativa do aluno. AVA facilita a compreensão da relação pedagógi-
Para as teorias sociointeracionistas, a produ- ca mediatizada e, para tal, é importante saber como
ção do conhecimento não se esgota na experiên- as categorias dialógica, cooperação e autonomia,
cia comunicativa, sendo o conhecimento socialmen- inerentes à interatividade, são definidas, quais são
te construído, o que envolve a mediação. A suas características e como se inter-relacionam em
mediação sujeito/objeto do conhecimento envolve um AVA.
a questão das interações, afetos, rejeições, rela- Para Silva (2003), o AVA deve favorecer a in-
ções sociais e situações de ensino, constituindo-se teratividade fundamentada nos binômiso: partici-
a construção do conhecimento. Visto desta forma, pação-intervenção, permutabilidade-potencialidade
cresce de importância o papel do AVA na media- e bidirecionalidade-hibridação. Explorando esses

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A prática avaliativa em ambiente virtual de aprendizagem

aspectos fundamentais, com foco na avaliação Chat: espaço que permite troca de saberes,
online, foram estabelecidas como dimensões da dúvidas a qualquer momento, durante o tempo em
interatividade: colaboração, autonomia e dialógica. que todos os participantes estão conectados.
Entretanto, dada a sua característica de várias
3. As interfaces no AVA pessoas falando, diferentes idéias surgem sobre o
tema proposto, o que torna fundamental o papel do
Interface é um termo que na informática e na mediador, que deve estar atento e não permitir que
cibercultura ganha sentido de dispositivo para en- o debate tome um rumo inadequado ou os partici-
contro de duas ou mais faces em atitude comunica- pantes se dispersem.
cional, dialógica, polifônica, colaborativa ou autôno- Por se tratar de conversação por escrito em
ma. A interface é responsável pela interatividade tempo real e em meio eletrônico, o chat favorece
entre o usuário e os processos de aplicação. Na o diálogo, podendo-se observar uma imbricação
concepção de Vygotsky (1998), a aprendizagem não entre a modalidade oral e a escrita. Apresenta-se
é um ato solitário, mas de interação com o outro, o aí um dos pontos básicos para o entendimento do
sujeito é parte de um grupo social e interage com o desenvolvimento humano, segundo Vygotsky
meio, partindo do contexto histórico no qual está in- (2003), que é a linguagem como principal instru-
serido. O docente, ao desempenhar o seu papel de mento de interação entre os sujeitos.
mediador, favorece a convivência, estimula o diálo- Fórum: interface assíncrona que consiste na
go, incentiva a autonomia e a criação, possibilitando proposição de uma questão sobre a qual vão sendo
uma construção colaborativa e compartilhada. Tudo feitos comentários, que, por sua vez, serão objeto
isso é possibilitado ao docente, através do AVA que de novos comentários, gerando uma série de idéi-
faz uso das interfaces. as desencadeadas por uma idéia inicial.
Um AVA comporta diversas interfaces. Cada A motivação de cada integrante em discutir
interface reúne um conjunto de elementos de har- sobre um tema, mobiliza os esforços do grupo e
dware e software destinados a possibilitar trocas, estabelece uma atitude colaborativa, onde cada
intervenções, agregações, associações e significa- participante sabe que, ao colaborar com os demais,
ções como autoria e co-autoria. Permite a integra- está avaliando seus próprios conhecimentos e sua
ção de várias linguagens: sons, textos, fotografias, capacidade de colocá-los de forma clara, inclusive
vídeos na tela do computador. A partir de ícones e de auto-avaliar a qualidade e a atualidade do que
botões, acionados por cliques do mouse ou de com- sabe. Implica, pois, numa participação colaborati-
binação de teclas, janelas de comunicação se abrem va e num engajamento cognitivo.
possibilitando a interatividade, seja na dimensão Num fórum, a possibilidade de levantar, de modo
“um-um”, na do “um-todos” ou de “todos-todos”. ostensivo e sistemático, questões quanto à valida-
Permite um diálogo permanente, permeando a de do que é dito, independente de quem diz, permi-
aprendizagem. te a ocorrência de uma aprendizagem significativa,
As interfaces, como espaços de encontro e nos termos de Vygotsky (2003), na medida em que
aprendizagem, potencialmente favorecem a cons- desestabiliza concepções já enraizadas.
trução colaborativa, a autonomia e a dialógica num Correio Eletrônico: interface assíncrona pri-
AVA, assim como, o processo de avaliação da oritária para comunicação um a um, embora possa
aprendizagem, desde que o uso que se faz delas ser de um para várias pessoas simultaneamen-
esteja coerente com a proposta educativa. te. Conhecida também como e-mail e com gran-
As interfaces online mais conhecidas são chat, de popularidade na Internet. Como elemento me-
fórum, correio eletrônico e portfólio. No AVA, as diador é utilizada para várias finalidades e,
interfaces permitem a co-criação da comunicação preferencialmente, na manutenção do vínculo do
e da aprendizagem, favorecendo a integração, sen- aluno com o curso, através do docente. Permite
timento de pertença, trocas, crítica e autocrítica, enviar e receber mensagens eletrônicas de for-
discussões temáticas, elaboração, exploração, ex- ma rápida. Também usada para reflexões, tex-
perimentação, simulação e descoberta. tos e avisos.

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Lana Silva; Marco Silva

Portfólio: interface assíncrona de informação gem na educação online evidencia uma série de
que consiste num espaço no qual podem ser com- questionamentos, cujas reflexões nortearam um
partilhadas informações entre todos os participan- caminho para o presente estudo:
tes, a partir da elaboração de um arquivo em que • Quais as dificuldades apontadas por docen-
são registradas, ao longo do curso, as experiênci- tes e alunos em relação à prática da avalia-
as vivenciadas, bem como as expectativas. Além ção de aprendizagem online realizada?
da sua própria produção acadêmica, o aluno é in- • Que alternativas foram adotadas em rela-
centivado a colecionar, no portfólio, o registro ção a essas dificuldades?
de suas reflexões e impressões escolares. O por- • Que estratégias são apontadas como viáveis
tfólio possui um caráter dinâmico, o que favore- para a prática da avaliação da aprendiza-
ce uma avaliação contínua e integrada aos gem online?
princípios de um conhecimento construído pela • Que interfaces online favorecem a prática
efetiva experiência vivida pelo próprio aluno no avaliativa?
seu contexto sócio-cultural. Também é útil para a Em Hoffmann (2004; 2005), Luckesi (2005) e
auto-avaliação, na medida em que expõe o aluno Romão (2005) foram encontrados subsídios con-
à consciência das suas transformações durante o ceituais sobre a avaliação no ambiente presencial,
processo de aprendizagem, permitindo traçar es- enquanto Lima Junior & Alves (2005) e Caldeira
tratégias que favoreçam em outras situações, (2004) auxiliaram na avaliação em AVA. Suas con-
aprendizagens futuras. tribuições foram valiosas para o alcance do objeti-
vo de analisar as estratégias de avaliação da
4. Avaliação da aprendizagem online aprendizagem adotadas em um AVA que faz uso
das interfaces de comunicação como potencializa-
Segundo Vygotsky (2003), a aprendizagem é doras do processo.
entendida, na concepção sóciointeracionista, como
um processo em que estão envolvidos o sujeito que 5. As estratégias de avaliação nas in-
ensina, o que aprende e a relação entre ambos. terfaces do AVA
Nesse sentido, considera-se a aprendizagem como
um processo que, muito mais que relações estabe- Na educação online trabalha-se com a auto-
lecidas, favorece a interatividade entendida como aprendizagem, com a capacidade de o aluno avali-
participação colaborativa, dialógica e autônoma. E, ar seu próprio processo. Assim, cabe pensar em
sendo assim, a avaliação deve ser, também, enten- uma avaliação da aprendizagem autônoma, que
dida como um processo relacional, ou seja, o foco possua suporte comunicacional. A produção do alu-
da avaliação desvia-se da verificação isolada das no e a informação de retorno, que permite reorien-
construções do aluno, a partir de um instrumento tar a aprendizagem, constituem-se em verdadeiros
específico, e transfere-se para a relação estabele- momentos de colaboração e diálogo, que reforçam
cida entre as construções e as condições de apren- tanto a motivação como o caráter participativo e
dizagem criadas para o aluno. formativo da avaliação da aprendizagem.
Ao encarar a aprendizagem, fundamentalmen- Para Luckesi (2000), avaliar é uma tomada de
te, como um processo de construção compartilha- decisão mediada por estratégias utilizadas no pro-
da do conhecimento, considera-se que o papel da cesso de construção do conhecimento. Para Hoff-
avaliação é o de contribuir positivamente para o man (2004), avaliar implica em provocar, questio-
processo de aprendizagem, e não apenas como nar, confrontar, exigir novas e melhores soluções
forma de verificação de conhecimentos. a cada momento. A dinâmica da avaliação, nessa
Desenvolver um estudo voltado para as práti- perspectiva, é complexa e multidimensional, uma
cas de avaliação da aprendizagem online, além de vez que se projeta para o processo como um todo
ser um percurso carente de bibliografia específica, e exige dos sujeitos plena convicção da necessi-
remete ao desafio que se apresenta ao próprio ato dade de uma educação diferente para sujeitos di-
de avaliar. O contexto da avaliação da aprendiza- ferentes.

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A prática avaliativa em ambiente virtual de aprendizagem

Segundo Moore e Kearsley (1996), as tecnolo- principalmente, pela carência de bibliografia especí-
gias digitais que aportaram na educação online fica. Assim, a partir dos subsídios conceituais so-
expandem as possibilidades de interação, comuni- bre a educação, aprendizagem, avaliação e as
cação, apresentação e condução de cursos. interfaces num ambiente online desenvolvidos à
Reforçando a posição dos autores acima, veri- luz dos autores que fundamentaram o estudo, jun-
fica-se que as tecnologias levaram para os AVA tamente com as demais pesquisas inseridas no tema
um poderoso instrumental interacional, capaz de “avaliação da aprendizagem online”, estabeleceu-
alterar as possibilidades de relação entre os sujei- se uma lista (que longe de ser uma “receita” ou
tos envolvidos, viabilizando, assim, condições in- conjunto de práticas capazes de garantir sucesso),
dispensáveis ao caráter dialógico da educação. na qual se descrevem, sem ordem hierárquica, os
Segundo Santos (2003), no AVA encontramos indicadores de avaliação da qualidade de aprendi-
um espaço fértil de significação no qual seres hu- zagem em ambiente online:
manos e objetos técnicos interagem, potencializan- • Disponibiliza, no desenho didático do AVA,
do a construção de conhecimentos, logo a a oportunidade de: intertextualidade (cone-
aprendizagem. Nesse espaço, a informação se re- xões com outros sites ou documentos), in-
produz, circula, modifica e se atualiza em diferen- tratextualidade (conexões no mesmo
tes interfaces, tornando-se ato de linguagem. documento), polifonia (multiplicidade de pon-
Entretanto, é fato que a definição de estratégi- tos de vista), usabilidade (ambiente de fácil
as de avaliação online integradas às tecnologias navegação), integração de várias linguagens
digitais de informação e comunicação tem sido um (sons, textos, imagens dinâmicas e estáticas,
desafio ao docente. Para tal, a utilização das inter-
gráficos, mapas) e hipermídia (integração de
faces torna-se essencial, possibilitando a media-
vários suportes midiáticos abertos a novos
ção da aprendizagem, como também uma avaliação
links e agregações).
de forma dialógica, autônoma e colaborativa com
• Viabiliza a interatividade síncrona (comuni-
o uso de fórum, chat, correio eletrônico e portfó-
cação em tempo real) e assíncrona (comu-
lio, dentre outros. Muito mais que a configuração
nicação a qualquer tempo, quando emissor
das interfaces, a concepção na qual são utilizadas
e receptor não precisam estar no mesmo
é que faz o seu diferencial, seja pelas dúvidas, pe-
los casos e problemas apresentados em listas de tempo comunicativo).
discussões, nos debates conduzidos em fóruns, na • Mobiliza articulações entre os diversos cam-
elaboração de textos, artigos e pesquisas, nas inte- pos de conhecimento como um hipertexto e,
rações nos chats, na condução de entrevistas em ao mesmo tempo, estimula a participação cri-
um fórum ou no Chat, nas trocas de idéias para ativa dos alunos, considerando suas disposi-
elaboração de projetos, seminários, palestras atra- ções sensoriais, afetivas, cognitivas e culturais.
vés de correio eletrônico, nas narrativas do por- • Disponibiliza e incentiva expressões lúdicas,
tfólio que permitem, através de observações, artísticas, com jogos, simulações e objetos
registros e da auto-avaliação, mostrar o caminho de aprendizagem (learning objects).
percorrido pelo aluno. • Promove a autonomia e a autoria coope-
rativa de formas, instrumentos e critérios
6. Os indicadores de avaliação da de avaliação (define coletivamente e cons-
aprendizagem online trói formas, instrumentos e critérios de
avaliação).
A análise das principais estratégias de avalia- • Cria ambiência para avaliação diagnóstica
ção da aprendizagem adotadas em um AVA que e formativa, em que os saberes sejam cons-
faz uso das interfaces como potencializadoras do truídos num processo de negociações, e a
processo, deparou-se com a necessidade de ma- tomada de decisões seja uma prática cons-
pear características que orientassem a sua condu- tante para a ressignificação processual das
ção. Situação marcada por um percurso desafiador, autorias e co-autorias.

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Lana Silva; Marco Silva

•Promove a avaliação contínua: a auto-avalia- itens se encontram presentes no planejamento e


ção, a avaliação do grupo e a avaliação do na utilização das interfaces que potencializam as
professor (descreve e cuida do processo de estratégias de avaliação da aprendizagem em um
aprendizagem individual e coletivo segundo AVA, cujo enfoque está nas dimensões da intera-
critérios estabelecidos). tividade – dialógica, colaboração e autonomia – e
Os indicadores acima orientaram a formula- nos aspectos teóricos que fundamentam o pre-
ção dos itens específicos abaixo descritos.Tais sente estudo.

Quadro 1 - Itens específicos para a avaliação da aprendizagem online

7. Os resultados e discussão A partir das questões de estudo e dos indicado-


res de avaliação online foram utilizadas três fon-
Com o foco na análise das principais estratégi- tes para a obtenção de dados: questionários
as de avaliação da aprendizagem online adotadas, enviados aos docentes e alunos, o registro do pro-
bem como das possibilidades de serem potenciali- cesso de avaliação da aprendizagem no ambiente
zadas pelas interfaces disponibilizadas num AVA, online e a observação de campo no AVA através
plataforma Moodle, mantido por uma Instituição das suas interfaces e das estratégias de avaliação.
de Ensino Superior, cujas disciplinas de cursos de Da observação efetuada diretamente no AVA,
graduação são oferecidas dentro do contexto de no qual encontravam-se cadastrados 4.233 usuári-
flexibilização de 20% da carga horária na modali- os, distribuídos entre 143 docentes, 4.080 alunos e
dade não presencial, normatizado na Portaria n.º 10 coordenadores de cursos, foi verificado que:
4059 de 10 de dezembro de 2004, a investigação – um percentual de 14% do total de docentes
adotou o modelo do estudo de caso, que possibili- (20) nunca acessou o AVA;
tou a compreensão do processo a partir do ponto – um percentual de 67% do total de docentes
de vista dos atores envolvidos e permitiu a inter- (96) utilizou o AVA na 2ª avaliação;
venção e o acompanhamento do pesquisador já – um percentual de 5% do total de alunos (204)
inserido no campo. Também foram utilizados da- não acessou o AVA.
dos quantitativos como dados complementares, com A análise dos dados contidos nos questionários
vista a uma melhor apreensão da realidade. respondidos por 21 docentes e 70 alunos revelou

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A prática avaliativa em ambiente virtual de aprendizagem

que os docentes encontram mais dificuldades que ckesi (2005) apresenta como uma avaliação da
os alunos no uso das interfaces num AVA. As prin- aprendizagem autoritária. Entretanto, os aspectos
cipais dificuldades dos docentes na avaliação on- que promovem a colaboração e autonomia, com
line são: falta de domínio no uso do computador, exceção daqueles relacionados ao “pertencimento
insegurança para utilizar um AVA, desconhecimento ao grupo”, “desafio à reflexão e tomada de cons-
do uso das interfaces como elemento potencializa- ciência”, apresentaram bons índices posicionados
dor das estratégias de avaliação. dentro de uma faixa de pequena variação, fato
As soluções adotadas para as dificuldades es- considerado satisfatório e que reflete, de certa for-
tão sendo a mera transposição das práticas utiliza- ma, uma estreita inter-relação com o modus ope-
das na avaliação presencial para o ambiente virtual. randi do AVA que se encontra na plataforma
Os dispositivos foram mais utilizados na prática moodle, um ambiente de gestão de curso, constru-
avaliativa que as interfaces, confirmando que pela ído para ajudar os docentes, a partir das várias in-
falta de tempo e conhecimento, o docente optou terfaces e dispositivos que oferece, a criar
por utilizar os recursos mais básicos do AVA, que mecanismos de interação com os seus alunos, per-
não demandaram um tempo maior de dedicação mitindo que atuem como sujeitos do próprio pro-
para a sua operacionalização. cesso de aprender, gestores na construção de seu
Os percentuais mais altos para a utilização dos conhecimento.
dispositivos “tarefas” (72%) e “questionários” As anotações do diário de campo, resultantes
(57%), para a prática avaliativa no AVA, reforçam da observação participante e de conversas infor-
a preocupação com o aspecto quantitativo da ava- mais com docentes e alunos, presencialmente ou
liação, focada na verificação de conteúdos. As pos- online pelo mensageiro do AVA, assim como as
turas identificadas na modalidade presencial observações realizadas, principalmente nos fóruns
acabaram por ser potencializadas nas interfaces. do AVA, e em relatórios de utilização docente do
As estratégias consideradas viáveis e mais utiliza- AVA, elaborados ao final do semestre letivo, fo-
das na avaliação online são aquelas mais tradicio- ram entrecruzadas com as respostas obtidas nos
nais, como “tarefas” (100%) e “pesquisas” (80%). questionários, sendo possível verificar um tipo de
As dimensões da interatividade presentes na resistência ao uso da informática, originada pela
prática avaliativa online, entendidas como a dialó- falta de familiaridade com o AVA e resistência às
gica, colaboração e autonomia, foram desmembra- mudanças. Das falas dos alunos emergiu uma maior
das em itens específicos que permitiram um preocupação a respeito de como é utilizado o am-
mapeamento dos aspectos que favoreceram a in- biente pelo docente e da infra-estrutura necessá-
teratividade no processo avaliativo do AVA, com ria para o seu uso.
vistas à potencialização das estratégias de avalia- A preocupação com a metodologia, o material
ção pelas interfaces. Na pesquisa realizada junto de aula e a presença do docente acabaram por
aos docentes e alunos, além das observações efe- revelar uma identificação da avaliação como for-
tuadas no AVA, verificou-se que o maior percen- ma de verificação de conhecimentos, faltando a
tual obtido nos aspectos envolvendo a dialógica, percepção de que a avaliação deve contribuir para
colaboração e autonomia não ultrapassou o limite a aprendizagem, e não somente verificar conheci-
de 80%, evidenciando que ainda há muito que fa- mentos.
zer para auxiliar, principalmente, o docente a en-
frentar a complexidade do que ocorre num AVA. 8. Considerações finais
Foi verificada uma fragilidade nos aspectos re-
lacionados à função dialógica da avaliação online, No estudo realizado, ficou claro que as interfa-
configurando a necessidade de uma conscientiza- ces fórum, chat, correio eletrônico e portfolio po-
ção dos docentes para a realização de uma avalia- dem potencializar as estratégias de avaliação, pois
ção essencialmente problematizadora, provocativa, possibilitam desenvolver o diálogo, a aprendizagem
cujas estratégias surgem num processo de negoci- colaborativa e a autonomia, dimensões fundamen-
ação com os alunos, expurgando, assim, o que Lu- tais da interatividade num AVA.

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Lana Silva; Marco Silva

O AVA estudado tem características que propi- dos uma capacidade para desaprender e descons-
ciam a interatividade. Com relação aos alunos, foi truir a cultura avaliativa baseada na autoridade do
demonstrado que as interfaces podem atuar como docente, cuja formação permanece falha, para criar
estímulos para a participação. novos rumos alicerçados na troca, colaboração,
A capacitação do docente no uso do AVA apre- negociação, mediação, segundo a visão de Hoff-
sentou-se como requisito fundamental para uma mann (2004), reconhecimento do erro como opor-
prática avaliativa eficaz, pois a postura favorável tunidade de crescimento, como diz Luckesi (2005)
do docente diante da avaliação da aprendizagem e transformando-se num momento de aprendiza-
online certamente influencia seus alunos. gem, na visão de Romão (2005).
E, para que essa postura favorável aconteça, Requer o entendimento de que provas, testes,
as dificuldades apontadas, que convergem para dois lições e tarefas que apenas examinam a resolução
pontos de fragilidade comuns – acesso ao AVA e de problemas individuais pelo aluno apresentam-
recursos do AVA –, necessitam ser enfrentadas se inadequados, diante da concepção vygotskynia-
para que as soluções sejam encontradas. na do trabalho colaborativo, dialógico, no qual se
É certo que o desenvolvimento das tecnologias valorizam as diferentes contribuições de outros alu-
não foi acompanhado pela formação docente, uma nos, com maior ou menor experiência, mediados
vez que o foco do desenvolvimento de ambientes pelo docente, em que o processo se torna mais
de aprendizagem concentrou-se mais na tecnolo- importante que o produto.
gia para tornar disponíveis informações e conteú- Requer, mais ainda, uma nova configuração da
dos de cursos e menos no elemento humano, formação docente diante do desafio do uso das
principalmente o docente. tecnologias digitais, delineando a formação conti-
As dificuldades apontadas pelos docentes relaci- nuada como um vasto terreno ainda a explorar,
onadas ao acesso ao AVA e aos seus recursos de- passando, também, por preparar o docente para
monstraram que, embora presentes no AVA, as lidar com o desafio da dificuldade de expressão
interfaces com as suas informações necessárias per- escrita do aluno que leva ao silêncio virtual, até a
manecem ainda inacessíveis para eles. As resistênci- dificuldade de trabalhar a inclusão de outros, sen-
as ao uso das interfaces na prática avaliativa, do o docente, um excluído digital.
percebidas durante o estudo, refletiram essa situa- Por tratar-se de um tema inesgotável como a
ção. As soluções adotadas para superação das difi- avaliação, o estudo realizado não se esgota no
culdades traduziram uma simples transposição das momento das conclusões.
práticas utilizadas na avaliação presencial para o AVA. Novos pontos de vista, novos enfoques, novas
Finalmente, conclui-se que a prática da avalia- interpretações podem dar continuidade a todo o
ção da aprendizagem online, centrada em suas material da pesquisa com maior importância e visi-
estratégias e interfaces, exige de todos os envolvi- bilidade.

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_____. Psicologia pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Recebido em 08.08.08
Aprovado em 08.08.08

230 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 221-230, jul./dez. 2008
RESUMOS
DE
DISSERTAÇÕES
HALMANN, Adriane Lizbehd∗ . Reflexão entre professores em blogs: aspectos e
possibilidades. 2006. 138f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de
Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2006.∗ ∗

Esta dissertação investiga a reflexão partilhada so- ABSTRACT: Reflection between Teachers in
bre a prática docente nos diários eletrônicos, bus- Blogs: issues and possibilities.
cando identificar suas formas de ocorrência,
implicações com a rede web e repercussões nas This dissertation investigates the shared reflection about
the teacher’s practice in web diaries, trying to identify
práticas. É uma investigação qualitativa, que usou
its forms of occurrence, implications with the World
observação participante nos blogs, onde a autora se Wide Web and repercussions in their practices. It is a
tornou blogueira e se inseriu ativamente nas comu- qualitative research, using participant observations in
nidades de professores-blogueiros; entrevistas por blogs, while the researcher also became author of blogs
meio eletrônico; e análise documental, visando cap- and inserts itself actively in the communities of teachers-
turar as singularidades do objeto focado. Esse per- bloggers; interviews in electronic form; documentary
curso foi traçado com a participação de professores analysis, aiming to capture the singularities of the
que mantêm blogs sobre sua prática docente, dis- studied object . That path was traced with the
persos pelo Brasil e fora dele. Abordaram-se os di- participation of teachers who maintain blogs about their
ários como instrumento que, no exercício da escrita practice, in Brazil and in other countries. We have used
e do registro, subsidiam a reflexão docente, atuando the diaries as an instrument which, in the exercise of
writing and registering, stimulate teachers’ reflection,
como guia para investigação dos problemas e con-
serving as a guide for inquiry about problems and
cepções dos docentes comprometidos e dispostos a conceptions for engaged teachers determined to
transformar a prática, onde se destaca o acesso ao transform their practice, with highlight to the access to
mundo pessoal do professor e as possibilidades de the personal world of the teacher and the possibilities
um desenvolvimento profissional constante. Os blo- of a constant professional development. Blogs are a
gs constituem-se como fenômeno social, o que de- social phenomenon, which required deep analysis about
mandou uma análise sobre suas características e the characteristics and potentialities of that space,
potencialidades, sempre sob a ótica do contexto edu- always within the framework of educative context. These
cativo. Notou-se que esses sujeitos se articulam em subjects were articulated in groups who tried to
grupos que procuram colaborar a fim de buscar so- collaborate to find solutions for common problems,
luções conjuntas para problemas comuns, forman- forming networks towards cooperative learning and
collective intelligence. All these elements indicate that
do redes rumo à aprendizagem cooperativa e a
there is a movement of inquietude among some teachers,
inteligência coletiva. Todos os elementos indicados which led them to look into the cyberspace for a fertile
apontam que existe um movimento de inquietação environment to reflect with its pairs and to look for
entre alguns professores, o que os leva a procurar alternatives to construct new educations.
no ciberespaço um ambiente fecundo para refletir
Keywords: Teacher reflection – Teachers formation –
com seus pares e buscar outras alternativas para
Communication and information technologies – Blogs
construir novas educações.
– Cyberculture
Palavras-chave: Reflexão docente – Formação
de Professores – Tecnologias da Informação e da
Comunicação – Blogs – Cibercultura

* Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação (UFBA), Mestre em Educação (UFBA) e Licenciada em Ciências
Biológicas. Endereço para correspondência: Avenida Reitor Miguel Calmon s/n, Campus Canela – 40110.100 Salvador/BA. E-
mail: adriane_halmann@yahoo.com.br
** Orientadora: Profa. Dra. Maria Helena Silveira Bonilla (UFBA); data: 13 de novembro de 2006; banca examinadora: Prof.
Dr. Edvaldo Souza Couto (UFBA), Prof. Dr. Alex Teixeira Primo (UFRS), Prof. Dr. Nelson de Luca Pretto (UFBA).

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, jul./dez. 2008 233
SOUSA, Denise Dias de Carvalho∗ . Do caixote à prateleira: um olhar investigativo
sobre as mulheres-leitoras do curso de Letras. 2008. 166f. Dissertação (Mestrado
em Estudo de Linguagens) - Departamento de Ciências Humanas, Universidade do
Estado da Bahia, Salvador, 2008.∗ ∗

Trata-se de uma pesquisa de campo que investiga ABSTRACT: From Crate to Shelf: an
as histórias de leitura das alunas do curso de letras investigative glance at the women-readers
do 8º semestre, turno noturno, do Departamento within the letter program.
de Ciências Humanas – DCH – Campus IV –
Universidade do Estado da Bahia, no município de This fieldwork research investigates reading histories
of letters concluding students, at the Department of
Jacobina, tendo como eixo teórico a Sociologia da
Human Sciences - DCH - Campus IV – at the University
Leitura e as contribuições da abordagem
of the State of Bahia, in the city of Jacobina. It uses as
(auto)biográfica e dos estudos da História Cultu-
its theoretical framework the Sociology of Reading and
ral. Nessa perspectiva, este estudo pretende pes-
the contributions of the (auto) biographical approach
quisar como essas alunas se constituíram leitoras.
and of the studies of Cultural History. From this
No primeiro momento, analiso as redes de sociabi-
perspective, this study intends to present how these
lidade que propiciaram o contato das alunas com a students became readers. In the first moment, I analyze
leitura: pessoas, ambientes, situações, personagens, the sociability networks that had propitiated the contact
prosas e versos, bem como suas representações of the students with reading: people, environments,
sobre leitura, literatura e leitor. No segundo mo- situations, characters, chats and verses, as well as their
mento, focalizo mais particularmente o itinerário representations about reading, literature and reader.
de leitura de seis alunas, a partir da instância de At a second moment, I focused more particularly on the
mediação biblioteca, buscando compreender como reading itinerary of six students, from the library
diferentes percursos de vida possibilitam a forma- mediation instance, intending to understand how
ção de leitores distintos em espaços formais e não- different ways of life make possible the formation of
formais. distinct readers in formal an non-formal spaces.
Palavras-chave: Leitura – Literatura - Leitora – Keywords: Reading – Literature-reader – History of
História de leitura – Livro – Biblioteca reading – Book – Library

* Mestre em Estudo de Linguagens – UNEB. Especialista em Língua Portuguesa e Avaliação – UNEB. Professora da Univer-
sidade do Estado da Bahia - Campus IV. Endereço para correspondência: Rua J. J. Seabra, Centro – 50422570559 Jacobina-BA.
E-mail: dediscar@yahoo.com.br
** Orientadora: Profa. Dra. Verbena Maria Rocha Cordeiro (PPGEL/UNEB; data: 24 de abril de 2008; banca examinadora:
Profa. Dra. Márcia Azevedo Abreu (UNICAMP) e Prof. Dr. Paulo Santos Silva (USP).

234 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, jul./dez. 2008
ANDRADE, Dídima Maria de Mello∗ ∗ . Formação inicial e construção de saberes
profissionais docentes: um estudo de caso no seio do programa Rede Uneb 2000.
2007. 133f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Educação e
Contemporaneidade, Universidade do Estado da Bahia, Salvador, 2007.∗ ∗

Esta pesquisa buscou investigar acerca dos saberes ABSTRACT: Initial Formation and
profissionais docentes ressignificados pelos profes- Construction of Teachers’ Professionals
sores (sujeitos do estudo), ao longo do processo de Knowledges: a study-case of Rede Uneb 2000.
formação vinculado ao programa Rede UNEB 2000 We have investigated teachers’ professional
– um programa especial de formação inicial de pro- knowledges as resignified by the teachers (subjects of
fessores, oferecido pela Universidade do Estado da this study), through the vocational formation linked to
Bahia. Adotamos o “Estudo de caso” como meto- the Rede Uneb 2000 program, a special initial formation
dologia de pesquisa, por acreditarmos ser pertinen- educational program for teachers offered by the State
te aprofundar o olhar sobre o processo de formação University of Bahia, Brazil. We preceded to a case study,
believing relevant to deepen one’s view about teacher’s
dos professores, o que não obteríamos com uma
formation process which could not be achieved through
pesquisa de tipo quantitativo, por exemplo. Tivemos
a survey study. We had as a population, six teachers of
como população desse estudo seis professores numa a public school situated in the city of Vera-Cruz, Bahia,
escola Pública situada no Município de Vera Cruz – Brazil. We first tried to describe briefly the historical
Bahia. Buscamos, de início, descrever brevemente context of teachers’ vocational formation, underlining
o contexto histórico da formação do professor, elen- relevant points in the legislation through points of views
cando aspectos da legislação pertinente, com falas of researchers on the theme. We also explain the
e posicionamentos de teóricos que discutem o tema. implementation of the Rede Uneb 2000 and its exigencies
Consta também de explanação sobre a implantação for the cities which participated. The main results
do Programa REDE UNEB na Universidade, e as obtained through categories constructed in the process
exigências em relação aos municípios que dele par- of the research were that: 1) most of the teachers see
the program as positive for their vocational formation;
ticipam. Obtivemos como principais resultados, a
2) professional knowledges investigated by the research
partir das categorias construídas no processo da
(planing, content selecting, teaching methodology,
pesquisa: 1) os professores, em maioria viram como interpersonal relationships, evaluation) were partly
positivos os resultados do programa na sua forma- resignified by the teachers in the sense of a renovation
ção; 2) os saberes profissionais investigados na pes- of their pedagogical practices. We conclude 1- that initial
quisa – planejamento de ensino, seleção e formation is insufficient for the resignification of
organização de conteúdos, metodologia de ensino, knowledges and significant change in pedagogical
relações interpessoais e avaliação – foram, em par- practices and 2- that a permanent education could be a
te, ressignificados pelos professores no sentido da good strategy to realize those changes.
renovação de suas práticas pedagógicas. Concluí- Keywords: Teachers’ initial formation – Teachers’
mos, acreditando que só a formação inicial não é knowledges – Training period – Pedagogical practice
suficiente para ressiginificação de saberes e mu-
danças significativas nas práticas pedagógicas, e que
a formação contínua seria uma boa estratégia para
a concretização dessas mudanças.
Palavras-chave: Formação inicial de professores
– Saberes docentes – Estágio – Prática pedagógica

Mestre em Educação pela PPPEduC/UNEB. Professora da Universidade do Estado da Bahia - CAMPUS XV. Endereço para
correspondência: Universidade do Estado da Bahia - Campus XV – 45400-970 Valença/BA. E-mail: didimandrade@yahoo.com.br
** Orientadora: Profa. Dra. Cristina Maria D’Ávila Maheu (UNEB /UFBA); data: 24 de outubro de 2007; banca examinadora:
Profa. Dra. Selma Garrido Pimenta (USP/FEUSP), Prof. Dr. Arnaud Soares de Lima Júnior (UNEB), Profa. Dra. Tânia
Hetkowski (UNEB)

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, jul./dez. 2008 235
GRAZIOLI, Fabiano Tadeu∗ . Teatro de se ler: o texto teatral e a formação do leitor.
2007. 170f. Dissertação (Mestrado em Letras) - Universidade de Passo Fundo, Passo
Fundo, 2007.∗ ∗

Em meio a tantas constatações das não-leituras ABSTRACT: Reading Theater: theatrical text
dos alunos brasileiros, podemos apontar a negli- and reader formation.
gência da escola e dos professores para com a Among so many conclusions about Brazilian students
leitura do texto teatral impresso. Tal constatação é non-reading, we can point out the school and teachers
o ponto de partida deste trabalho investigativo que negligence with the reading of play. This statement is
credita à leitura do texto teatral a difícil e urgente this investigative starting point that assigns to the
tarefa de formar leitores e de inserir, de modo sig- reading of play, the difficult and urgent task of forming
nificativo, a atividade dramática no contexto esco- readers and including, in a significant way, theatrical
lar. No primeiro capítulo, apresentamos um pano- activities in school. In the first chapter, we show an
rama do teatro na escola, focalizando os princípios overview of theater in school, focusing on general
gerais desta arte no contexto escolar, as aborda- principle , the dramatic approaches that show the theater
gens dramáticas que revelam a presença do teatro presence in the Brazilian school and the reasons for the
na escola brasileira e os motivos do afastamento removal of a significant theatrical activity committed
da atividade teatral significativa, comprometida com with the principles of this context presented earlier. In
os princípios desse contexto anteriormente apre- the second chapter, we focus on the relationship
sentado. No segundo capítulo, focalizamos a rela- between theater theory and reading of play. Reading is
ção existente entre a teoria literária acerca do gê- thematized and discussed in the third chapter, which
nero dramático e sua leitura. A leitura literária é start from Judith Langer’s studies, dialoging with other
tematizada e discutida no terceiro capítulo, que authors and discussing the main issues of literary
parte dos estudos de Judith Langer, em diálogo com experience. In the concluding chapter, we highlight the
outros autores e apresenta os principais aspectos teacher’s role in promoting literary reading and readers’
em torno da experiência literária, com destaque, formation. We also present a work proposal for primary
no fechamento do capítulo, para o papel do profes- and secondary education based upon theatrical texts.
sor na promoção da leitura literária e na formação Such reading practices are based on theoretical
de leitores. No último capítulo apresentamos uma considerations made in the previous chapters.
proposta de trabalho a partir do texto teatral, para
Keywords: Reading – Readers’ formation – Dramaturgy
o Ensino Fundamental e Médio. Tais práticas de
– Theater education
leitura são alicerçadas nos apontamentos teóricos
apresentados nos capítulos anteriores.
Palavras-chave: Leitura – Formação de leitores
– Dramaturgia – Teatro-educação

* Mestre em Letras, Área de concentração: Estudos Literários. Professor da FAE – Faculdade Anglicana de Erechim e do
Instituto Anglicano Barão do Rio Branco. Endereço para correspondência: Avenida Presidente Vargas, 145/103, Centro –
99700-000 Erechim/RS. E-mail: tadeugraz@yahoo.com.br
** Orientador: Miguel Rettenmainer da Silva (PPGL-UPF); data: 11 de abril de 2007; banca examinadora: Prof.ª Dr.ª Regina
Zilberman (PPGL-UFRGS), Prof.ª Dr.ª Tânia Mariza Kuchenbecker Rösing (PPGL-UPF)

236 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, jul./dez. 2008
PORTUGAL, Jussara Fraga∗ . Práticas avaliativas no ensino fundamental: entre o
dizer e o fazer no cotidiano da sala de aula. 2005. 235f. Dissertação (Mestrado) –
Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade, Universidade do
Estado da Bahia, Salvador, 2005.∗ ∗

Este trabalho insere-se no Programa de Pós-gra- Palavras-chave: Avaliação da aprendizagem –


duação em Educação e Contemporaneidade da Uni- Práticas avaliativas – Práticas discursivas –
versidade do Estado da Bahia – UNEB, na linha Formação docente – Docência
de pesquisa “Educação, Tecnologias Intelectuais,
Currículo e Formação do Educador”. É uma análi-
ABSTRACT: Evaluating Practices in Primary
se das práticas avaliativas de professoras do ensi- Education: the relation between the saying and
no fundamental da rede pública municipal de Feira the doing in the classroom daily life.
de Santana, considerando as práticas discursivas,
os instrumentos avaliativos por elas utilizados, os This master’s study belongs to the research field
“Education, Intellectual Technologies, Curriculum and
objetos de avaliação da aprendizagem e a concep-
Educator Formation”. It is an analysis of the evaluating
ção das educadoras no seu fazer pedagógico no
practices of primary teachers in the city of Feira de
cotidiano da sala de aula. Trata-se de uma pesqui- Santana (Bahia, Brazil), considering discourses,
sa de natureza qualitativa – Estudo de Caso Etno- evaluation instruments, evaluation contents and the
gráfico. Utilizei observações, entrevistas semi-es- educators’ conceptions in daily classroom life. It is an
truturadas e análise documental como instrumentos ethnographic qualitative study done through
de coleta de dados. O trabalho de campo foi im- observations, half-structured interviews and
plementado em cinco escolas da zona urbana de documentary analysis. Fieldwork was conducted in five
Feira de Santana, tendo como sujeitos oito profes- schools. We studied eight teachers from the fourth
soras da quarta série do ensino fundamental. O grade. This study was guided by the search for an
objetivo que norteou a presente investigação foi a interpretation of evaluation practices as well as for the
underlying significance of the relations between the
busca pela interpretação das práticas avaliativas e
“saying” and the “doing” in classroom daily life. Results
os significados subjacentes à relação entre o “di-
show that conception of learning evaluation is linked
zer” e o “fazer” dessas docentes no cotidiano da to what the teachers teach, what and how children learn
sala de aula. Os resultados do trabalho mostram and the way teachers evaluate what children learn. The
que a concepção de avaliação das aprendizagens study thus reveals that most part of evaluation practices
está atrelada ao que as professoras ensinam, o quê is strongly marked by the traditional conception of
e como as crianças aprendem e as formas como teaching and learning, consequence of initial formation.
as primeiras avaliam o que as segundas aprendem. Keywords: Evaluation of learning – Evaluation practices
Desse modo, o estudo revela que as práticas ava- – Discursive practices – Teacher formation – Teaching
liativas da maioria das professoras são fortemente
marcadas pela concepção tradicional de ensino e
aprendizagem, conseqüência das vivências expe-
rienciadas nas trajetórias de escolarização, enquan-
to estudantes e, também, no contexto da formação
inicial para o exercício da docência.

*
Mestre em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Professora Auxiliar do Departa-
mento de Educação, Campus XI, da Universidade do Estado da Bahia - UNEB. Endereço para correspondência: Universidade
do Estado da Bahia - UNEB, Departamento de Educação, Campus XI. Rua Álvaro Augusto, s/n, Bairro Rodoviária – 48700-
000, Serrinha, Bahia. E-mail: jfragaportugal@yahoo.com.br
**
Orientador: Prof. Dr. Arnaud Soares de Lima Jr. (PPGEduC/UNEB); data: 10 de novembro de 2005; banca examinadora:
Profa. Dra. Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben (UFMG), Profa. Dra. Cristina Maria d‘Ávila Teixeira Maheu
(UNEB) e Profa. Dra. Maria Helena da Rocha Besnosik (UEFS).

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, jul./dez. 2008 237
CERQUEIRA, Priscila Licia de Castro∗ . Saberes literários e docência: (re)constituindo
caminhos na (auto)formação de professores-leitores. 2007. 113f. Dissertação
(Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade,
Universidade do Estado da Bahia, Salvador, 2007.∗ ∗

Este estudo desenvolvido no contexto do Mestrado ABSTRACT: Literary Knowledges and


em Educação e Contemporaneidade da Universi- Teaching: looking for ways to self-formation
dade do Estado da Bahia - UNEB, intentou com- of teachers readers.
preender como os modos de ler e interagir de um This study aims to understand the ways of reading and
grupo de professoras egressas de um Curso de For- interacting of a group of teachers with the literary
mação em Serviço do município do Semi-Árido Bai- universe and how children’s literature guide and/or
ano – Feira de Santana, com o universo literário, influence their practice . These teachers are enrolled in a
orientam e/ou influenciam a sua prática com a Lite- in-service special university undergraduate program in
ratura Infantil. O resgate das histórias de leitura the city of Feira de Santana (Bahia, Brazil). The rescue of
configura-se como estratégia significativa para es- reading histories is showed to be a significant strategy
to stimulate discussion about tensions between the
timular discussões sobre as tensões que se inscre-
spaces of formation of formal and informal readers and
vem entre os espaços de formação de leitores for- their intersections with the teacher-reader formation. Our
mais e informais e suas intersecções com a formação theoretical framework upon reading, literature, and
do professor-leitor. O aporte teórico, no campo da teacher’s formation includes studies carried out by
leitura, da literatura e da formação de professores consecrated authors such as Chartier (1990;1996), Larrosa
contou com estudos desenvolvidos por autores con- (2002; 2005), Benjamin (1987), Nóvoa (1988;2000), Marcia
sagrados como Chartier (1990; 1996), Larrosa (2002; Abreu (2001;2006), Paulino (2004), Tardif (2002), and
2005), Benjamin (1987), Nóvoa (1988; 2000), Mar- Zilberman (2005), among others. Our approach was
cia Abreu (2001; 2006), Paulino (2004), Tardif (2002), qualitative through (self)biographic approach, collecting
Zilberman (2005), dentre outros. A pesquisa, de na- data through interviews and letters aiming to understand
tureza qualitativa, teve como método de pesquisa a how much formation and/or self-formation may influence
teaching practice.
abordagem (auto)biográfica. Para a coleta dos da-
dos foram utilizadas as entrevistas e as cartas. Por- Keywords: Formation of teachers – Reading practice –
(Self)biography – Children’s Literature – Formation of
tanto, este estudo buscou dar visibilidade às históri-
the reader.
as de leituras e leitores para que se pudesse
compreender em que medida a formação e/ou auto-
formação do professor leitor pode influenciar na sua
prática docente.
Palavras–Chaves: Formação de professores –
Práticas de leituras – (Auto)biografia – Literatura
infantil – Formação do leitor

* Mestra em Educação e Contemporaneidade, pela Universidade do Estado da Bahia. Professora das disciplinas Novas
Tecnologias e Educação e Educação de Jovens e Adultos e Educação não escolar no Curso de Pedagogia da Faculdade Santo
Antonio, Alagoinhas- BA. Endereço para correspondência: Rua Lauro de Freitas, 198, Centro, 48005-015, Alagoinhas – BA.
E-mail: priscilalicia@gmail.com
** Orientadora: Profª.Dra. Verbena Maria Rocha Cordeiro (UNEB); data: 29 de outubro de 2007; Banca: Profª. Dra.Maria
Helena da Rocha Besnosik (UEFS), Prof. Dr. Elizeu Clementino de Souza (UNEB), Profª. Dra. Cristina d’Ávila Maheu
(UNEB/UFBA).

238 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, jul./dez. 2008
BARBOSA, Telma da Silva ∗ . Memorial do Colégio Estadual de Cachoeira:
contribuição para um estudo sobre a História da Educação na Bahia. 2005, 141f. v.1.
Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Educação e
Contemporaneidade, Universidade do Estado da Bahia, Salvador, 2005.∗ ∗

Este trabalho discute a importância da documenta- ABSTRACT - Memories from the Colégio
ção oficial entrelaçada pela memória social do ponto Estadual de Cachoeira: contribution for a
de vista dos novos paradigmas imposto à sociedade study about History of Education
cachoeirana, valorizando a trilogia: educação, histó- The work discusses the importance of the official
ria, memória. Analisa os modelos propostos pelas le- documentation interlaced by social memory from the
gislações que fundaram tais considerações e point of view of new paradigms imposed to the
disponibiliza dados que fortalecem e privilegiam a His- Cachoeira’s community, valuing the trilogy: education,
tória, observando a relevância histórica para o enten- history, and memory. It analyzes legal models upon
dimento do homem e sua adaptação à sociedade na which are based such considerations and makes
busca de aprofundamento das raízes e da identidade information available so they fortify and concedes
privilege to History, observing the historical relevance
individual, local e nacional. Visa exercitar novos co-
for human understanding its adaptation to the society
nhecimentos e refletir sobre a História da Educação in the search of deepening the roots of the individual,
produzida no percurso de formação do Colégio Esta- local and national identity. It aims at to exercise new
dual de Cachoeira na cidade de Cachoeira-BA, to- knowledge and to reflect on the History of the Education
mando por recorte o curso normal e sua importância produced in the course of formation at the Escola
na formação de professores do município no decor- Estadual de Cachoeira (Cachoeira State College) in the
rer dos seus 50 anos. Estabelece como metodologia city of Cachoeira-BA, detaching the classes of
a pesquisa com abordagem qualitativa, etnográfica, pedagogy in Normal school and its importance to the
apoiando-se em fontes bibliográficas e documentais, professor’s formation during its 50 years. The research
complementadas e intervaladas com técnicas de en- was qualitative and ethnographic as methodology,
trevista, história oral, relatos de vida e histórias. Pro- based upon bibliographical and documentary sources,
complemented with techniques of interview, verbal
põe suportes para pesquisa sobre a História da
history, life histories and stories. We offers support for
Educação na Bahia, colaborando para o resgate e a research on the History of Education in Bahia,
preservação da memória da Educação desse Muni- collaborating for the rescue and the preservation of the
cípio, inserindo Cachoeira no contexto regional e na- memory of Education of Cachoeira, setting this city in
cional no que diz respeito às exigências de fontes the regional and national context regarding to the
contemporâneas. requirements of contemporary sources.
Palavras-chave: Educação – História – Documen- Keywords: Education – History – Documentation –
tação – Memória Memory

Mestre em Educação e Contemporaneidade pelo PPGEduC/UNEB. Professora do curso de Oficiais da Academia de Policia
Militar da Bahia. Professora tutora nos cursos Docência da FGV. Professora multiplicadora do NTE01. Endereço para
correspondência: Trav. Anselmo Fonseca, 85, apt. 1204, Vila Laura – 40270-580 Salvador-BA. E-mail: telmbarbosa@superig.com.br
** Orientadora: Profa. Dra. Jacy Maria Ferraz de Menezes (PPGEduC); data: 29 de abril de 2005; Banca examinadora: Prof.
Dr. Jacques Jules Sonneville (UNEB), Prof. Dr. Charles de Almeida Santana (UEFS).

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, jul./dez. 2008 239
NOGUEIRA FARIAS, Virginia Lucia.∗ Os impactos da nota sobre a auto-estima
dos alunos de 11 e 12 anos. 2007.124 f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Laboratoire de Sciences de l’Éducation. Université Pierre Mendès France –
Grenoble II, França, 2007. ∗

A auto-estima é um domínio que suscita enorme in- ABSTRACT: Grade impacts upon 11 to 12
teresse aos educadores, importância que pode ex- years old students’ self-esteem.
plicar-se pela relação entre a construção da Self-esteem is an issue that raises an enormous interest
auto-estima, o nível escolar do aluno e o julgamento among educators. Its importance may be linked to the
do professor sobre o seu trabalho escolar. A auto- relation between the construction of self-esteem, the
estima escolar apresenta diferentes determinantes, school level of the student and the teacher’s judgement
dentre eles, a nota e a realização de comparações. on school work. The school self-esteem presents
A nota é discutida através das perspectivas socioló- different causes, among them, the grade and the act of
gicas de Bourdieu e a didática de Chevallard, sendo comparing grades. Grade is discussed through Bourdieu
que o estudo da comparação externa refere-se ao and Chevallard perspectives, and the study of external
modelo teórico de Marsh. Nesse contexto, esta pes- comparison through the model of Marsh. In this context,
quisa visa a um melhor entendimento da formação this research aims at a better understanding of the
formation of the school self-esteem of the student
da auto-estima escolar do aluno através dos efeitos
through the effect of the mentioned factors. It
dos referidos determinantes. Ela constitui um estu-
constitutes a longitudinal study led throughout one
do longitudinal conduzido ao longo de um ano esco- school year in which was used Marsh’s Self Description
lar, no qual foi utilizado o Self Description Questionnaire in order to measure the levels of self-
Questionnaire de Marsh a fim de medir os níveis esteem of the students and to test the different
de auto-estima dos alunos e de testar as diferentes hypothesis. The results demonstrate that self-esteem
hipóteses. Os resultados demonstram que a auto- possesses a dynamic and processing character,
estima possui um caráter processual e dinâmico, pois therefore it is affected by previous, eventual and specific
ela é afetada por estados anteriores, eventuais e states. Self-esteem also can vary in function of the
específicos. A auto-estima pode também variar em individual result of the student, that is, a high grade
função do resultado individual do aluno, ou seja, uma favours a good self-esteem while a low grade favours a
nota elevada favorece uma boa auto-estima e vice- low-self-esteem . On the other hand, the external
versa. Por outro lado, as comparações externas re- comparisons show that the student compares his result
with the one of a colleague or with the school level of
velam que o aluno compara seu resultado com o do
the classroom, in this case a classroom that presents a
colega ou com o nível escolar da classe; nesse caso,
higher than average grade propitiates a reduction in the
uma classe que apresenta uma média elevada pro- student’s self-esteem while a below average grade
picia uma diminuição na auto-estima do aluno com propitiates a higher self-esteem. Thus, school activity,
nota abaixo desta média, e inversamente. Sendo knowledge and maintenance of its results reverberate
assim, a atividade escolar, o conhecimento e a inter- significantly on the process of construction of the
nalização de seus resultados repercutem significati- student’s self-esteem.
vamente no processo de construção da auto-estima
Keywords: School self-esteem – Grade – External
do aluno.
comparison
Palavras-chave: Auto-estima escolar – Nota –
Comparação externa

* Doutoranda em Sociologia e Mestre em Educação, ambos pela Université Pierre Mendes France (UPMF) – Grenoble/France.
Membro da equipe “Nouvelles identités, nouvelles citoyennetés, recomposition de la société brésilienne” - Projeto ARCUS-
Brésil -MSH-Alpes/GRESAL. Endereço para correspondência: 10, Route de Lyon 38000, Grenoble/France. E-mail:
virginia.farias@etu.upmf-grenoble.fr
** Orientador: Prof. Dr. Pascal Bressoux (UPMF); data: 20 de setembro de 2007; Banca examinadora: Prof. Dr. Pascal
Bressoux (UPMF), Prof. Dr. Pascal Pansu (UPMF) ), Prof. Dr. Laurent Lima (UPMF).

240 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, jul./dez. 2008
Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade
ISSN 0104-7043
Revista temática semestral do Departamento de Educação I – UNEB

Normas para publicação

I – PROPOSTA EDITORIAL

A Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade é um periódico temático e semestral,


que tem como objetivo incentivar e promover o intercâmbio de informações e resultados de estudos e
pesquisas de natureza científica, no campo da educação, em interação com as demais ciências sociais,
relacionando-se com a comunidade regional, nacional e internacional. Aceita trabalhos originais, que
analisam e discutem assuntos de interesse científico-cultural, e que sejam classificados em uma das
seguintes modalidades:
- ensaios: estudos teóricos, com análise de conceitos;
- resultados de pesquisa: texto baseado em dados de pesquisa;
- estudos bibliográficos: análise crítica e abrangente da literatura sobre tema definido;
- resenhas: revisão crítica de uma publicação recente;
- entrevistas com cientistas e pesquisadores renomados;
- resumos de teses ou dissertações.
Os trabalhos devem ser inéditos, não sendo permitido o encaminhamento simultâneo para outro
periódico. A revista recebe artigos redigidos em português, espanhol, francês e inglês, sendo que os
pontos de vista apresentados são da exclusiva responsabilidade de seus autores. Os originais em francês
e inglês poderão ser traduzidos para o português, com a revisão realizada sob a coordenação do autor ou
de alguém indicado por ele.
Os temas dos futuros números e os prazos para a entrega dos textos são publicados nos últimos
números da revista, assim como no site www.revistadafaeeba.uneb.br, ou podem ser informados pelo
editor executivo a pedido. Também será publicada, em cada número, a lista dos periódicos com os quais
a Revista da FAEEBA mantém intercâmbio.

II – RECEBIMENTO E AVALIAÇÃO DOS TEXTOS RECEBIDOS

Os textos recebidos são apreciados inicialmente pelo editor executivo, que enviará aos autores a
confirmação do recebimento. Se forem apresentados de acordo com as normas da Revista da FAEEBA:
Educação e Contemporaneidade, serão encaminhados para os membros do Conselho Editorial ou para
pareceristas ad hoc de reconhecida competência na temática do número, sem identificação da autoria
para preservar isenção e neutralidade de avaliação.
Os pareceres têm como finalidade atestar a qualidade científica dos textos para fins de publicação e são
apresentados de acordo com as quatro categorias a seguir: a) publicável sem restrições; b) publicável com
restrições; c) publicável com restrições e sugestões de modificações, sujeitas a novo parecer; d) não
publicável. Os pareceres são encaminhados para os autores, igualmente sem identificação da sua autoria.
Os textos com o parecer b) ou c) deverão ser modificados de acordo com as sugestões do conselheiro
ou parecerista ad hoc, no prazo a ser definido pelo editor executivo, em comum acordo com o(s) autor(es).
As modificações introduzidas no texto, com o parecer b), deverão ser colocadas em vermelho, para
efeito de verificação pelo editor executivo.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, jul./dez. 2008 241
Após a revisão gramatical do texto, a correção das referências e a revisão das partes em inglês, o(s)
autor(es) receberão o texto para uma revisão final no prazo de sete dias, tendo a oportunidade de introduzir
eventuais correções de pequenos detalhes.

III – DIREITOS AUTORAIS

O encaminhamento dos textos para a revista implica a autorização para publicação. A aceitação da
matéria para publicação implica na transferência de direitos autorais para a revista. A reprodução total
ou parcial (mais de 500 palavras do texto) requer autorização por escrito da comissão editorial.
Sendo a Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade um periódico temático, será dada
preferência à publicação de textos que têm relação com o tema de cada número. Os outros textos
aprovados somente serão publicados numa seção especial, denominada Estudos, na medida da
disponibilidade de espaço em cada número, ou em um futuro número, quando sua temática estiver de
acordo com o conteúdo do trabalho. Se, depois de um ano, não surgir uma perspectiva concreta de
publicação do texto, este pode ser liberado para ser publicado em outro periódico, a pedido do(s) autor(es).
O autor principal de um artigo receberá três exemplares da edição em que este foi publicado. Para o
autor de resenha ou resumo de tese ou dissertação será destinado um exemplar.

IV – ENCAMINHAMENTO E APRESENTAÇÃO DOS TEXTOS

Os textos devem ser encaminhados exclusivamente para o endereço eletrônico do editor


executivo (jacqson@uol.com.br). O mesmo procedimento deve ser adotado para os contatos posteriores.
Ao encaminhar o texto, neste devem constar: a) a indicação de uma das modalidades citadas no item I;
b) a garantia de observação de procedimentos éticos; c) a concessão de direitos autorais à Revista da
FAEEBA: Educação e Contemporaneidade.
Os trabalhos devem ser apresentados segundo as normas definidas a seguir:
1. Na primeira página devem constar: a) título do artigo; b) nome(s) do(s) autor(es), endereços residencial
(somente para envio dos exemplares dos autores) e institucional (publicado junto com os dados em
relação a cada autor), telefones (para contato emergencial), e-mail; c) titulação principal; d) instituição a
que pertence(m) e cargo que ocupa(m).
2. Resumo e Abstract: cada um com no máximo 200 palavras, incluindo objetivo, método, resultado e
conclusão. Logo em seguida, as Palavras-chave e Keywords, cujo número desejado é de, no mínimo,
três e, no máximo, cinco. Traduzir, também, o título do artigo e do resumo, assim como do trabalho
resenhado. Atenção: cabe aos autores entregar traduções de boa qualidade.
3. As figuras, gráficos, tabelas ou fotografias (em formato TIF, cor cinza, dpi 300), quando apresentados
em separado, devem ter indicação dos locais onde devem ser incluídos, ser titulados e apresentar referências
de sua autoria/fonte. Para tanto, devem seguir a Norma de apresentação tabular, estabelecida pelo
Conselho Nacional de Estatística e publicada pelo IBGE em 1979.
4. Sob o título Referências deve vir, após a parte final do artigo, em ordem alfabética, a lista dos autores
e das publicações conforme as normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Vide os
seguintes exemplos:
a) Livro de um só autor:
BENJAMIM, Walter. Rua de mão única. São Paulo: Brasiliense, 1986.

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b) Livro até três autores:
NORTON, Peter; AITKEN, Peter; WILTON, Richard. Peter Norton: a bíblia do programador. Tradução de
Geraldo Costa Filho. Rio de Janeiro: Campos, 1994.
c) Livro de mais de três autores:
CASTELS, Manuel et al. Novas perspectivas críticas em educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
d) Capítulo de livro:
BARBIER, René. A escuta sensível na abordagem transversal. In: BARBOSA Joaquim (Org.).
Multirreferencialidade nas ciências e na educação. São Carlos: EdUFSCar, 1998. p. 168-198.
e) Artigo de periódico:
MOTA, Kátia Maria Santos. A linguagem da vida, a linguagem da escola: inclusão ou exclusão? uma breve
reflexão lingüística para não lingüistas. Revista da FAEEBA: educação e contemporaneidade, Salvador, v. 11, n.
17, p. 13-26, jan./jun. 2002.
f) Artigo de jornais:
SOUZA, Marcus. Falta de qualidade no magistério é a falha mais séria no ensino privado e público. O Globo, Rio
de Janeiro, 06 dez. 2001. Caderno 2, p. 4.
g) Artigo de periódico (formato eletrônico):
TRINDADE, Judite Maria Barbosa. O abandono de crianças ou a negação do óbvio. Revista Brasileira de
História, São Paulo, v. 19, n. 37, 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 14 ago. 2000.
h) Livro em formato eletrônico:
SÃO PAULO (Estado). Entendendo o meio ambiente. São Paulo, 1999. v. 3. Disponível em: <http://www.bdt.org.br/
sma/entendendo/atual/htm>. Acesso em: 19 out. 2003.
i) Decreto, Leis:
BRASIL. Decreto n. 89.271, de 4 de janeiro de 1984. Dispõe sobre documentos e procedimentos para despacho
de aeronave em serviço internacional. Lex: coletânea de legislação e jurisprudência, São Paulo, v. 48, p. 3-4, jan./
mar, 1984. Legislação Federal e marginalia.
j) Dissertações e teses:
SILVIA, M. C. da. Fracasso escolar: uma perspectiva em questão. 1996. 160 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade
de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1996.
k) Trabalho publicado em Congresso:
LIMA, Maria José Rocha. Professor, objeto da trama da ignorância: análise de discursos de autoridades
brasileiras, no império e na república. In: ENCONTRO DE PESQUISA EDUCACIONAL DO NORDESTE: história
da educação, 13, 1997. Natal. Anais... Natal: EDURFRN, 1997. p. 95-107.
IMPORTANTE: Ao organizar a lista de referências, o autor deve observar o correto emprego da
pontuação, de maneira que esta figure de forma uniforme.
5. O sistema de citação adotado por este periódico é o de autor-data, de acordo com a NBR 10520 de
2003. As citações bibliográficas ou de site, inseridas no próprio texto, devem vir entre aspas ou,
quando ultrapassa três linhas, em parágrafo com recuo e sem aspas, remetendo ao autor. Quando o autor
faz parte do texto, este deve aparecer em letra cursiva e submeter-se aos procedimentos gramaticais da
língua. Exemplo: De acordo com Freire (1982, p.35), etc. Já quando o autor não faz parte do texto, este
deve aparecer no final do parágrafo, entre parênteses e em letra maiúscula, como no exemplo a seguir:
A pedagogia das minorias está à disposição de todos (FREIRE, 1982, p.35). As citações extraídas de
sites devem, além disso, conter o endereço (URL) entre parênteses angulares e a data de acesso. Para
qualquer referência a um autor deve ser adotado igual procedimento. Deste modo, no rodapé das páginas
do texto devem constar apenas as notas explicativas estritamente necessárias, que devem obedecer
à NBR 10520, de 2003.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, jul./dez. 2008 243
6. As notas numeradas devem vir no rodapé da mesma página em que aparecem, assim como os
agradecimentos, apêndices e informes complementares.
7. Os artigos devem ter, no máximo, 30 páginas e, no mínimo, 12 páginas; as resenhas podem ter até 5
páginas. Os resumos de teses/dissertações devem ter, no máximo, 250 palavras, e conter título, número
de folhas, autor (e seus dados), palavras-chave, orientador, banca, instituição, e data da defesa pública,
assim como a tradução em inglês do título, resumo e das palavras-chave.
Atenção: os textos só serão aceitos nas seguintes dimensões no processador Word for Windows ou
equivalente:
• letra: Times New Roman 12
• tamanho da folha: A4
• margens: 2,5 cm
• espaçamento entre as linhas: 1,5;
• parágrafo justificado.
Os autores são convidados a conferir todos os itens das Normas para Publicação antes de encaminhar
os textos. Deste modo, será mais rápido o processo de avaliação e possível publicação.

Para contatos e informações:


Administração
E-mail: refaeeba.dedc1@listas.uneb.br
Tel. 71.3117.2316
Editor executivo
E-mail: jacqson@uol.com.br
Tel. 71.3264.7666 / 71.9987.6365

244 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, jul./dez. 2008
Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade
ISSN 0104-7043
Semestral thematic journal of the of Education Faculty I – UNEB

Norms for publication

I – EDITORIAL POLICIES

The Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade is a thematic and semestral periodic


which have for objective to stimulate and promote the exchange of informations and of results of scientific
research, in the field of education, interacting with the other social sciences, interconnected to the regional,
national and international community.
The Revista da FAEEBA receive only original works which analyze and discuss matters of scientific
and cultural interest and that can be classified according to one of the following modalities:
- essays: theoretical studies with analysis of concepts;
- research results: text based on research data
- reviews of literatures: ample critical analysis of the literature upon some specific theme;
- critical review of a recent publication;
- interviews with recognized researchers;
- abstract of PhD and master thesis.
Submitted works should be unpublished and should not be submitted simultaneously to other journal.
Papers written in Portuguese, Spanish, French and English are received. Views published remain their
authors’ responsibility. Texts originally in French and English may be translated into Portuguese and
published after a revision made by the author or by someone he has suggested.
Themes and terms of the futures volumes are published in the last volumes are also available on-line
at www.revistadafaeeba.uneb.br. In each volume, appears also the list of academic journals with which
the Revista da FAEEBA have established cooperation.

II – RECEIVING AND EVALUATING SUBMITTED WORKS


Texts submitted are initially appreciated by the Editor which will confirm reception. If they are edited
in accordance with the norms, they will be sent, anonymously so to assure neutrality, to other member of
the editorial committee or to ad hoc evaluators of known competence .
Evaluators’ reports will confer the submitted work scientific quality and class them in four categories: a)
publishable without restrictions b) publishable with restrictions; c) publishable with restrictions and
modifications after new evaluation; d) unpublishable. Evaluators’ reports are sent anonymously to the authors.
In the b) or c) case, the works should be modified according to the report’ suggestion in the terms
determined by the editor in agreement with the authors. Modifications made should appear in red so as to
permit verification.
After the grammatical revision of the text, the correction of the bibliography, and the revision of the part in
English, the authors(s) will receive the text for an ultimate opportunity to make small corrections in a week.

III – COPYRIGHTS
Submitting text to the journal means authorizing for publication. Accepting a text for publication imply
the transfer of copyrights to the journal. Whatever complete or partial reproduction (more than 500

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, jul./dez. 2008 245
hundreds words) requires the written authorization of the editorial committee. As the Revista da FAEEBA:
Educação e Contemporaneidade is a periodic journal, preference will be given to the publication of texts
related to the theme of each volume. Other selected approved text may only be published in a special
section called Studies depending of available space in each volume or in a future volume more in touch
with the text content. If, after a year, no possibility of a publication emerges, the text can be liberated for
publication in another journal if this is the will of the author.
The main author of a paper will receive three copies of the volume in which his paper was published.
The author of an abstract or a review will receive one.

IV – Sending and presenting works


Texts as well as ulterior communication should be sent exclusively to the e-mail address of the editor
(jacqson@uol.com.br). In should be explicited initially a) at which modality the text pertains; b) ethical
procedures; c) copyrights concession to the Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade.
Works should respect the following norms:
1. In the first page, should appear: a) the paper’s title; b) authors’ name, address, telephones, e-mail; c)
main title; d) institutional affiliation and post.
2. Resumo and Abstract: each with no more than 200 words including objective, method, results and
conclusion. Immediately after, the Palavras-chave and Keywords, which desired number is between 3
and 5. Authors should submit high quality translation.
3. Figures, graphics, tables and photographies (TIF, grey, dpi 300), if presented separately should come
with indication of their localization in the text, have a title and indicates author and reference. In this
sense, the tabular norms of tabular presentation, established by the Brazilian Conselho Nacional de
Estatística and published by the IBGE in 1979.
4. Under the title Referências should appear, at the end of the paper, in alphabetic order, the list of
authors and publication according to the norms of the ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas).
See the following examples:
a) Book of one author only:
BENJAMIM, Walter. Rua de mão única. São Paulo: Brasiliense, 1986.
b) Book of two or three authors:
NORTON, Peter; AITKEN, Peter; WILTON, Richard. Peter Norton: a bíblia do programador. Tradução de
Geraldo Costa Filho. Rio de Janeiro: Campos, 1994.
c) Book of more than three authors:
CASTELS, Manuel et al. Novas perspectivas críticas em educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
d) Book chapter:
BARBIER, René. A escuta sensível na abordagem transversal. In: BARBOSA Joaquim (Org.).
Multirreferencialidade nas ciências e na educação. São Carlos: EdUFSCar, 1998. p. 168-198.
e) Journal’s paper:
MOTA, Kátia Maria Santos. A linguagem da vida, a linguagem da escola: inclusão ou exclusão? uma breve
reflexão lingüística para não lingüistas. Revista da FAEEBA: educação e contemporaneidade, Salvador, v. 11, n.
17, p. 13-26, jan./jun. 2002.
f) Newspaper:
SOUZA, Marcus. Falta de qualidade no magistério é a falha mais séria no ensino privado e público. O Globo, Rio
de Janeiro, 06 dez. 2001. Caderno 2, p. 4.
g) On-line paper :

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TRINDADE, Judite Maria Barbosa. O abandono de crianças ou a negação do óbvio. Revista Brasileira de
História, São Paulo, v. 19, n. 37, 1999. Available at: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 14 ago. 2000.
h) E-book:
SÃO PAULO (Estado). Entendendo o meio ambiente. São Paulo, 1999. v. 3. Disponível em: <http://www.bdt.org.br/
sma/entendendo/atual/htm>. Acesso em: 19 out. 2003.
i) Laws:
BRASIL. Decreto n. 89.271, de 4 de janeiro de 1984. Dispõe sobre documentos e procedimentos para despacho
de aeronave em serviço internacional. Lex: coletânea de legislação e jurisprudência, São Paulo, v. 48, p. 3-4, jan./
mar, 1984. Legislação Federal e marginalia.
j) Thesis:
SILVIA, M. C. da. Fracasso escolar: uma perspectiva em questão. 1996. 160 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade
de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1996.
k) Congress annals:
LIMA, Maria José Rocha. Professor, objeto da trama da ignorância: análise de discursos de autoridades
brasileiras, no império e na república. In: ENCONTRO DE PESQUISA EDUCACIONAL DO NORDESTE: história
da educação, 13, 1997. Natal. Anais... Natal: EDURFRN, 1997. p. 95-107.
IMPORTANT: Organizing references, the author should take care of punctuation correct use, so as
to preserve uniformity.
5. This journal use the author-date quote system, according to the NBR 10520 de 2003. Bibliographical
quotes or quotes from on-line publications, if inserted into the text, should appear between quotation
marks or if the quotation is more than three lines long, distanced and without quotation marks with author
reference. Examples: 1- According to Freire (1982: p.35), etc. 2-Minority pedagogy is for all (Freire,
1982, p.35). On-line quotes should indicate the URL and access date. Footnotes should only contain
explanatory notes strictly necessary respecting the NBR 10520, of 2003.
6. Texts can contain footnotes, thanks, annexes and complementary informations.
7. Papers should have no more than 30 pages and no less than 12. Reviews are limited to 5 pages.
Thesis abstracts should contain no more than 250 words and should include title, number of page, author
data, key-words, name of the director and university affiliation, as well as the date of the defense and the
English translation of text, abstract and key-words.
Look out: texts will only be accepted formated in Word for Windows or equivalent:
• font: Times New Roman 12
• paper dimension: A4
• margins: 2,5 cm
• line spacing: 1,5;
• paragraph justified.
Authors are invited to check the norms for publication before sending their work. It will ease the
process of evaluation and facilitate an eventual publication.

Contact and informations:


Administration
E-mail: refaeeba.dedc1@listas.uneb.br
phone : 71.3117.2316
Editor
E-mail: jacqson@uol.com.br
phone: 71.3264.7666 / 71.9987.6365

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