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EDUCAÇÃO,

MÍDIAS E DESIGN
PEDAGÓGICO
Reitor: José Bites de Carvalho; Vice-Reitora: Carla Liane Nascimento dos Santos
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS I
Diretor: Valdélio Santos Silva
Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade – PPGEduC – Coordenador: Eduardo José Fernandes Nunes

GRUPO GESTOR
Editor Geral: Eduardo José Fernandes Nunes
Editora Executiva: Lívia Alessandra Fialho da Costa
Coordenadora Administrativa: Noélia Teixeira de Matos
Valdélio Santos Silva, Eduardo José Fernandes Nunes (PPGEduC), Adailton Ferreira dos Santos, Walter Von Czekus Garrido,
Maria Nadija Nunes Bittencourt, Ricardo Baroud (Suplente), Igor Rodrigues de Sant’Ana (discente)

Conselheiros nacionais Robert Evan Verhine


Universidade Federal da Bahia - UFBA
Antônio Amorim Tânia Regina Dantas
Universidade do Estado da Bahia-UNEB Universidade do Estado da Bahia-UNEB
Ana Chrystina Venâncio Mignot Walter Esteves Garcia
Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ Associação Brasileira de Tecnologia Educacional / Instituto Paulo
Betânia Leite Ramalho Freire
Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN
Cipriano Carlos Luckesi Conselheiros internacionais
Universidade Federal da Bahia-UFBA
Dalila Oliveira Antônio Gomes Ferreira
Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG Universidade de Coimbra, Portugal
Edivaldo Machado Boaventura António Nóvoa
Universidade Federal da Bahia-UFBA Universidade de Lisboa- Portugal
Edla Eggert Cristine Delory-Momberger
Universidade do Vale do Rio dos Sinos-UNISINOS Universidade de Paris 13 – França
Elizeu Clementino de Souza Daniel Suarez
Universidade do Estado da Bahia-UNEB
Jaci Maria Ferraz de Menezes Universidade Buenos Aires- UBA- Argentina
Universidade do Estado da Bahia-UNEB Ellen Bigler
João Wanderley Geraldi Rhode Island College, USA
Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP Edmundo Anibal Heredia
José Carlos Sebe Bom Meihy Universidade Nacional de Córdoba- Argentina
Universidade de São Paulo-USP Francisco Antonio Loiola
Liége Maria Sitja Fornari Université Laval, Québec, Canada
Universidade do Estado da Bahia-UNEB Giuseppe Milan
Maria Elly Hertz Genro Universitá di Padova – Itália
Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS Julio César Díaz Argueta
Maria Teresa Santos Cunha
Universidade do Estado de Santa Catarina-UDESC Universidad de San Carlos de Guatemala
Nádia Hage Fialho Mercedes Villanova
Universidade do Estado da Bahia-UNEB Universidade de Barcelona, España
Paula Perin Vicentini Paolo Orefice
Universidade de São Paulo-USP Universitá di Firenze - Itália

Os/as Pareceristas ad hoc dos números 41 e 42


Doutores: Alfredo Matta, Ana Canen, Ana Flávia Lopes Magela Gerhardt, Ana Paula Machado Velho, Ana Paula Rigatti-Scherer, Arnaldo Nogaro, Arnaud Soares
de Lima Junior, Betânia Passos Medrado, Cláudia Cisiane Benetti, Claudia Glavam Duarte, Claudia Silveira da Cunha, Cláudio Orlando Costa do Nascimento,
Daniela Karine Ramos, Denise Leite, Eduardo Nunes, Eliana Crispim França Luquetti, Elaine Pedreira Rabinovich, Eliana Kefalás Oliveira, Elisete Medianeira
Tomazetti, Emanuel do Rosário Santos Nonato, Érica Valeria Alves, Filomena Maria Gonçalves da Silva Cordeiro Moita, Francisco Antonio Pereira Fialho, Fúlvia
Maria de Barros Mott Rosemberg, Gabriel de Ávila Othero,Glaucio José Couri Machado, Henrique Caetano Nardi, Jane Adriana Vasconcelos Pacheco Rios, Jarlee
Oliveira Silva Salviano, João Batista Carvalho Nunes, Joceval Andrade Bitencourt, Julio Neves Prereira, Juvino Alves dos Santos Filho, Kathia Marise Borges
Sales, Kátia Maria Santos Mota, Leonel Tractenberg, Lígia Maria Presumido Braccialli, Lívia Fialho Costa, Lourdes Maria Bragagnolo Frison, Lúcia Tavares Leiro,
Luciano Costa Santos, Luis Paulo Leopoldo Mercado, Lynn Rosalina Gama Alves, Marcelo Amorim Sibaldo, Marcos Bispo dos Santos, Marcos Luciano Lopes
Messeder, Maria Antônia Ramos Coutinho, Maria Aparecida Pacheco Gusmão, Maria Isabel da Cunha, Maria Leônia Garcia Costa Carvalho, Maria Neide Sobral,
Maria Olivia de Matos Oliveira, Maria Teresa Santos Cunha, Maria Zélia Versiani Machado, Mariléia Silva dos Reis, Marilia Claret Geraes Duran, Marinaide Lima
de Queiroz Freitas, Mary Valda Souza Sales, Monica Fantin, Paula Perin Vicentini, Paula Regina Costa Ribeiro, Paulo Rogério Stella, Raquel de Almeida Moraes,
Rita de Cassia Gallego, Ronnie Jorge Tavares Almeida, Sandra Cabral Baron, Sergio da Costa Borba, Silvar Ferreira Ribeiro, Silviane Barbato, Simone de Fátima
Flach, Stella Rodrigues dos Santos, Sueli Ribeiro Mota Souza, Terezinha de Jesus Machado Maher, Valdir Jose Morigi, Valério Hillesheim, Valquíria Claudete
Machado Borba, Wellington Ferreira de Jesus.

Mestres: Adiles Ana Bof, Ana Lívia Carvalho Figueiredo Braga, Antonete Araújo Silva Xavier, Cássia Virginia Moreira de Alcântara, Cássia Virginia Moreira de
Alcântara, Dayse Lago de Miranda, Diego Leandro Marín Ossa, Meire Pereira Checa, Rogério Soares Mascarenhas.

Coordenadores do n. 42: Prof. Dr. Alfredo Eurico Rodrigues Matta e Profa. Dra. Maria Olivia de Matos Oliveira
Revisão: Luiz Fernando Sarno; Tradução/revisão: Profa. Dra. Valquíria C. M. Borba; Capa e Editoração: Linivaldo Cardoso Greenhalgh
(“A Luz”, de Carybé – Escola Parque, Salvador/BA); Secretária: Dinamar Ferreira. Bibliotecária: Maura Icléa C. de Castro.

REVISTA FINANCIADA COM RECURSOS DA PETROBRAS S.A.


ISSN 2358-0194 (eletrônico)
ISSN 0104-7043 (impresso)
Qualis A2-Educação

Revista da FAEEBA

Educação
e Contemporaneidade

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 01-254, jul./dez. 2014
Revista do Departamento de Educação – Campus I
(Ex-Faculdade de Educação do Estado da Bahia – FAEEBA)
Publicação semestral temática que analisa e discute assuntos de interesse educacional, científico e cul-
tural. Os pontos de vista apresentados são da exclusiva responsabilidade de seus autores.
ADMINISTRAÇÃO: A correspondência relativa a informações, pedidos de permuta, assinaturas, etc.
deve ser dirigida à:
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
Departamento de Educação I - DEDC
Rua Silveira Martins, 2555 - Cabula
41150-000 SALVADOR – BAHIA - BRASIL
Tel. (071)3117.2316
E-mail: refaeeba.dedc1@listas.uneb.br
Normas para publicação: vide últimas páginas.
E-mail para o envio dos artigos: através da Plataforma www.revistadafaeeba.uneb.br / fialho2021@gmail.com
Site da Revista da FAEEBA: http://www.revistadafaeeba.uneb.br
Indexada em / Indexed in:
- REDUC/FCC – Fundação Carlos Chagas - www.fcc.gov.br - Biblioteca Ana Maria Poppovic
- BBE – Biblioteca Brasileira de Educação (Brasília/INEP)
- Centro de Informação Documental em Educação - CIBEC/INEP - Biblioteca de Educação
- EDUBASE e Sumários Correntes de Periódicos Online - Faculdade de Educação - Biblioteca UNICAMP
- Sumários de Periódicos em Educação e Boletim Bibliográfico do Serviço de Biblioteca e Documentação
- Universidade de São Paulo - Faculdade de Educação/Serviço de Biblioteca e Documentação.
www.fe.usp.br/biblioteca/publicações/sumario/index.html
- CLASE - Base de Dados Bibliográficos en Ciencias Sociales y Humanidades da Hemeroteca Latinoameri-
cana - Universidade Nacional Autônoma do México:
E-mails: hela@dgb.unam.mx e rluna@selene.cichcu.unam.mx / Site: http://www.dgbiblio.unam.mx
- DOAJ - Directory of Open Access Journals
- INIST - Institut de l’Information Scientifique et Technique / CNRS - Centre Nacional de la Recherche
Scientifique de Nancy/France - Francis 27.562. Site: http://www.inist.fr
- IRESIE - Índice de Revistas de Educación Superior e Investigación Educativa (Instituto de Inves-
tigaciones sobre la Universidad y la Educación - México)
- Latindex (Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Científicas de América Latina, el
Caribe, España y Portugal)
- SEER - Sistema Eletrônico de Editoração de Periódicos
- ULRICH’S - Internacional Periodicals Directory.
Pede-se permuta / We ask for exchange.
Este número teve o apoio da Editora da Universidade do Estado da Bahia para impressão.
Revista da FAEEBA: educação e contemporaneidade / Universidade do Estado da
Bahia, Departamento de Educação I – v. 1, n. 1 (jan./jun., 1992) - Salvador:
UNEB, 1992-
Periodicidade semestral
ISSN 0104-7043 (impresso) ISSN 2358-0194 (eletrônico)
1. Educação. I. Universidade do Estado da Bahia. II. Título.
CDD: 370.5
CDU: 37(05)
Tiragem: 1.000 exemplares

Editora da Universidade do Estado da Bahia - EDUNEB


Rua Silveira Martins, 2555 - Cabula - 41150-000 - Salvador - Bahia - Brasil - Fone: +55 71 3117-5342
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SUMÁRIO
9 Editorial
10 Temas e prazos dos próximos números da Revista da FAEEBA
Educação e Contemporaneidade

EDUCAÇÃO, MÍDIAS E DESIGN PEDAGÓGICO

15 Apresentação
Alfredo Eurico Rodrigues Matta; Maria Olivia de Matos Oliveira
23 Design-based research ou pesquisa de desenvolvimento: metodologia para pesquisa
aplicada de inovação em educação do século XXI
Alfredo Eurico Rodrigues Matta; Francisca de Paula Santos da Silva; Edivaldo Machado
Boaventura
37 Tecnologia e design de complexmedia dedicada à educação digital: um relato de caso
Cassiano Zeferino de Carvalho Neto; Araci Hack Catapan
49 Design pedagógico de materiais didáticos: performance docente na produção
hipermidiática em ambientes virtuais
Juliana Sales Jacques; Elena Maria Mallmann
65 O modelo pedagógico da Universidade Aberta de Portugal: aprender on-line no curso de
Educação
Lúcia Amante; Pedro Cabral
73 Gamificação em espaços de convivência híbridos e multimodais: Design e cognição em
discussão
Eliane Schlemmer
91 Repensando o método Caso em cursos de Administração: desafios e oportunidades da
abordagem socioconstrutivista com ferramentas da Web 2.0
Marcos Lima; Thierry Fabiani
107 Prática educativa: entre o essencialismo e a práxis.
Hilda Maria Martins Bandeira; Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina
119 A linguagem do material didático impresso de cursos à distância
Vera Horn
131 Tempos & Redes: a arquitetura de uma sala de aula em EaD.
Ormezinda Maria Ribeiro; Carmem Jená Machado Caetano
141 O paradigma da cosmodernidade: uma abordagem transdisciplinar à Educação para a
Cidadania Global proposta pela UNESCO
Javier Collado Ruano; Dante Augusto Galeffi; Roberto Leon Inacio Ponczek
153 O ensino numa escola plural
Miguel Corrêa Monteiro

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 1-254, jul./dez. 2014
163 Mídia e educação: interface processual na teoria das representações sociais
Maria Olivia de Matos Oliveira; Maria de Lourdes Soares Ornellas
173 A normalização do idoso na Mídia Impressa: provocações foucaultianas
Patricia Haertel Giusti
187 Investigando espaços escolares de letramentos: a biblioteca e o laboratório de informática
Lúcia Helena Schuchter; Adriana Bruno
197 Imagem do professor e atratividade da docência: enunciados sobre carreira docente na
mídia impressa
Ana Paula Rufino dos Santos
207 Formação de professores para docência on-line: considerações sobre um estudo de caso
Marco Silva; Sheilane Avellar Cilento
219 As identidades dos alunos em tempos de cultura digital: a percepção dos professores de
educação básica
José Licínio Backes; Ruth Pavan

ESTUDOS

231 Pelo enraizamento da história, memórias de educadoras sergipanas se revelam


Raylane Andreza Dias Navarro Barreto; Joaquim Francisco Soares Guimarães

RESUMOS DE TESES E DISSERTAÇÕES

245 “A magoa de ver hir esquecendo...”: escrita conventual feminina no Portugal do século XVII
Moreno Laborda Pacheco
246 Vozes e versos quilombolas: uma poética identitária e de resistência em Helvécia
Gean Paulo Gonçalves Santana

247 Normas para publicação

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 1-254, jul./dez. 2014
CONTENTS
11 Editorial
12 Themes and Submission Terms for the Upcoming Issues of Journal of FAEEBA –
Education and Contemporaneity

Education, MEDIA AND PEDAGOGICAL DESIGN

15 Presentation
Alfredo Eurico Rodrigues Matta; Maria Olivia de Matos Oliveira
23 Designed-based research or development research: methodology for applied research for
inovation in education in the 21st century.
Alfredo Eurico Rodrigues Matta; Francisca de Paula Santos da Silva; Edivaldo Machado
Boaventura
37 Complexmedia technology and design dedicated to digital education: a case report.
Cassiano Zeferino de Carvalho Neto; Araci Hack Catapan
49 Pedagogical design of learning materials: teacher performance in hypermedia production
in virtual environments.
Juliana Sales Jacques; Elena Maria Mallmann
65 The pedagogical model of the open university of Portugal: learning online in an education
course.
Lúcia Amante; Pedro Cabral
73 Gamification in multimodal hybrid living spaces: design and cognition in discussion.
Eliane Schlemmer
91 Rethinking the case method of business courses: challenges and opportunities of the socio-
constructivist approach with tools of web 2.0.
Marcos Lima; Thierry Fabiani
107 Educational practice: between essentialism and praxis.
Hilda Maria Martins Bandeira; Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina
119 The language of printed learning material for distance learning courses.
Vera Horn
131 Times and networks: the architecture of an e-learning classroom.
Ormezinda Maria Ribeiro; Carmem Jená Machado Caetano
141 The cosmodernity paradigm: a transdisciplinary approach to the global citizenship
education proposed by UNESCO.
Javier Collado Ruano; Dante Augusto Galeffi; Roberto Leon Inacio Ponczek
153 Teaching in a plural school.
Miguel Corrêa Monteiro

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 1-254, jul./dez. 2014
163 Media and education: procedural interface in social representations theory.
Maria Olivia de Matos Oliveira; Maria de Lourdes Soares Ornellas
173 Normalization of the elderly in print media: foucault’s provocations.
Patricia Haertel Giusti
187 Investigating literacy spaces in school: the school library and the computer lab.
Lúcia Helena Schuchter; Adriana Bruno
197 The image of the teacher and the attractiveness of teaching: statements about the teaching
career in print media.
Ana Paula Rufino dos Santos
207 Teacher training for online teaching: considerations on a case study.
Marco Silva; Sheilane Avellar Cilento
219 Students´ identities in times of digital culture: the perception of teachers of basic
education.
José Licínio Backes; Ruth Pavan

231 Established history, memories of sergipean educators are revealed.


Raylane Andreza Dias Navarro Barreto; Joaquim Francisco Soares Guimarães

THESIS AND DISSERTATION ABSTRACTS

245 “The sorrow of forgetting...”: women’s conventual writing in the 17th century in Portugal.
Moreno Laborda Pacheco
246 Voices and verses of escaped slaves: identity and resistance poetry in Helvécia.
Gean Paulo Gonçalves Santana

251 Instructions for publication

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 1-254, jul./dez. 2014
EDITORIAL

O número 42 da Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, da Universi-


dade do Estado da Bahia, reúne 17 artigos sobre a temática Mídias e Design Pedagógico
e contou com a colaboração dos coordenadores Alfredo Matta e Maria Olívia Matos, pro-
fessores do Departamento de Educação (Campus I) e do Programa de Pós-graduação em
Educação e Contemporaneidade. As discussões apresentadas, ao tempo em que parecem
novas para o campo da Educação, fazem parte de um conjunto de interpelações sobre
como o ato de ensinar é convidado a dialogar com as tendências da contemporaneidade.
“Lápis e papel na mão”, de há muito, já não parece ser a única expressão de educadores e
cientistas da educação face o desafio de formar sujeitos críticos, autônomos e reflexivos.
A melhoria da rede wi-fi nas escolas, as aulas com os inevitáveis e sedutores recursos
midiáticos, a utilização de ipads e tablets, o uso de jogos eletrônicos para interpretação
e intervenção em situações escolares dão a tônica de muitas das ações e discussões que
emergem do cenário educacional. Os artigos deste número propõem um debate a respeito
do papel do design pedagógico e das mídias no processo de construção de conhecimento
na realidade educativa atual, ressaltando a positividade dessa nova norma, que, em última
instância, tem sido aquela mobilizada com o intuito de ensinar aos jovens as competên-
cias para decifrar informações num mundo caracterizado pela agilidade e circulação dos
conteúdos. Qual o papel do professor num ensino a distância, cuja dinâmica o separa
do seu interlocutor por uma tela de computador e o dilui nas salas de discussão on-line,
conferindo-lhe o lugar de mediador? Quais são as novas formas de transmissão? Quem é
o estudante virtual? A construção de novos paradigmas que integrem as várias gerações
desafia o campo na sua capacidade criativa para elaborar metodologias eficazes que
potencializem as mídias na difusão do conhecimento.
É com grande satisfação e empenho que iniciamos o trabalho de editoria da Revista
da FAEEBA neste volume. Durante quatro anos, as editoras Liége Fornari e Tânia Dantas
conduziram a Revista, consolidando-a como importante meio de divulgação científica
do Norte–Nordeste. O trabalho de excelência das editoras levou a Revista a alcançar
avaliações positivas e crescentes. Certamente esse trabalho teria sido mais árduo se não
contasse com o apoio da Petrobras, que financia as edições da Revista, e da Universidade
do Estado da Bahia, que tem demonstrado, com ações concretas, o incentivo à produção
acadêmica qualificada.
Encerramos este Editorial agradecendo a confiança que nos foi depositada para le-
varmos adiante o trabalho de diálogo com os pares, que será cumprido com o mesmo
critério e responsabilidade dos editores anteriores. Não perderemos de vista a insistência
obstinada de Yara Dulce de Ataíde no trabalho de criar e manter viva a Revista e os
ensinamentos de Jacques Jules Sonneville, primeiro editor da Revista da FAEEBA, a
quem foi outorgado, em outubro último, o título de Professor Emérito pela Universidade
do Estado da Bahia.

Lívia Fialho Costa


Eduardo Nunes

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, jul./dez. 2014 9


Prazo de entrega
Nº Tema Lançamento previsto Coordenadores
dos artigos

Luciano Sérgio Ventin Bomfim


43 Educação Popular 30.10.2014 Junho de 2015 Eduardo José Fernandes Nunes

Mary Valda Souza Sales


44 Educação a Distância 30.05.2015 Dezembro de 2015 Emanuel do Rosário dos
Santos Nonato

Educação, Diversidade e Delcele Marcarenhas Queiroz


45 30.10.2015 Junho de 2016
Desigualdades Ana Cláudia Pacheco

Enviar textos para Lívia Fialho Costa:


fialho2021@gmail.com / revistadafaeeba.uneb.br

10 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, jul./dez. 2014


This 42nd edition of the Journal of FAEEBA – Contemporary Education, from the
State University of Bahia, publishes 17 articles on Media and Pedagogical Design, and
counted on the collaboration of the coordinators Alfredo Matta and Maria Olívia Ma-
tos, professors of the Department of Education (Campus I) and of the Post-Graduation
Program in Education and Contemporaneity. The discussions presented, that seem to be
new to the education field, are part of an interpellation set on how teaching is invited
to a dialogue with the tendencies of contemporaneity. “Pencil and paper” no longer
are the only expression of educators and scientists of education under the challenge of
educating critical, autonomous and reflective subject. The improvement of the Wi-Fi
network in schools, classes with the inevitable and seductive media resources, iPads
and tablets, and electronic games for interpretation and intervention of school ques-
tions give the direction to many actions and discussions on the educational context
The papers here propose a debate on the role of the pedagogical design and media in
the process of building knowledge these days, underling the positiveness of this new
way, that, in the end, is the one that is mobilized in order to teach the competences to
decode information in a world that is characterized by agility and circulation of con-
tents. What is the role of the teacher in distance learning, which dynamics separates
him/her from his/her interlocutor by a computer screen and dilutes him/her within the
online discussions rooms, providing him/her a position as mediator? What are the new
ways of transmission? Who is the virtual student? The construction of new paradigms
that integrate the various generations challenges education in its capacity of creating
efficient methodologies that strengthen media in the dissemination of knowledge.
With great satisfaction and commitment we start working to edit the Journal of
FAEEBA from this edition on. For four years, the managing editors Liége Fornari
and Tânia Dantas conducted this Journal, consolidating it as an important means of
dissemination of science in the North and Northeast. Their excellent work enabled the
Journal to reach increasing positive assessments. This work, certainly, would have been
more difficult if it hadn´t had the support of Petrobras, that finances the issues of this
Journal and of the State University of Bahia, demonstrating through concrete actions
the incentive to qualified academic production.
We conclude this Editorial thanking for the trust given to us in the conduction of
this Journal with our colleagues. We hope to maintain the same criterion and respon-
sibility of the prior editors. We will not lose sight of the obstinate insistence of Yara
Dulce de Ataíde to create and keep alive the Journal and of the lessons of Jacques Jules
Sonneville, the first editor the Journal of FAEEBA, who received the title of Emeritus
Professor of the State University of Bahia in the last October.

Lívia Fialho Costa


Eduardo Nunes

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, jul./dez. 2014 11


Submission
Nº Theme Publication date Coordinators
deadline

Luciano Sérgio Ventin Bomfim


43 Popular Education 10.30.2014 June 2015 Eduardo José Fernandes Nunes

Mary Valda Souza Sales


44 Distance Education 05.30.2015 December 2015 Emanuel do Rosário dos
Santos Nonato

Education, Diversity Delcele Marcarenhas Queiroz


45 and Inequalities
10.30.2015 June 2016
Ana Cláudia Pacheco

Email papers to Lívia Fialho Costa:


fialho2021@gmail.com / revistadafaeeba.uneb.br

12 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, jul./dez. 2014


EDUCAÇÃO,
MÍDIAS E DESIGN
PEDAGÓGICO
Alfredo Eurico Rodrigues da Matta; Maria Olivia de Matos Oliveira

O número 42 da Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade apresenta


aos seus leitores, com a assinatura de pesquisadores nacionais e internacionais, temas
instigantes que desafiam a educação do século XXI, relacionados aos impactos da
mídia na sociedade contemporânea, ao desenvolvimento das tecnologias digitais e
suas aplicações nos processos formativos docentes e nas práticas pedagógicas.
A revista está dividida em duas partes: inicialmente desenvolve-se a temática do de-
sign pedagógico, tema pleno de inovação, pois que entende a pedagogia aproximando-
-se de um tipo de arquitetura na qual o designer será aquele que realiza o trabalho de
projetar e implantar processos de construção ou aquisição de conhecimento, pensando
na nuance das estruturas de diálogo e mediação plurais que devem existir entre os
sujeitos, o ambiente e o contexto no qual se dá a relação de ensino-aprendizagem,
assim como a relação mais geral de construção do processo cognitivo. Este campo de
pesquisa desenvolveu-se a partir do surgimento da informática educacional e estava
voltado para o desenvolvimento de aplicativos digitais educacionais, mas com o tempo
passou a abarcar também a educação presencial, assim como as práticas de construção
de conhecimento em outras ciências humanas e sociais.
Entrar nessa discussão é tratar de conhecer as mais importantes linhas de concep-
ção de planos e projetos de aprendizagem. Costa Pereira (2007)1 tratou de descrever,
em meio a reflexões analíticas, as principais correntes contemporâneas de design.
O autor assinalou as seguintes correntes de design, às quais acrescentamos algum
entendimento próprio:
1. Comportamentalismo: quer eliminar toda subjetividade e tudo que leva à in-
trospecção. Modela-se apenas o observável. Elabora modelos voltados para
o comportamentalismo operacional e caracteriza-se por construir instruções
claras e objetivas, e reforços positivos e negativos para a aprendizagem. Aqui
estão os modelos diversos de estudos dirigidos e tutoriais.
2. Cognitivismo Algorítmico: o computador é tratado como garantia de objetivi-
dade para modelar os percursos da mente. Modelos da memória humana são
elaborados como que paralelos ao processamento algorítmico. Recomendado
para aprendizagem de rotinas, receitas, procedimentos repetitivos.
3. Construtivismo Psicológico (Piaget): devemos modelar a assimilação, a adap-
tação e a acomodação. Construir ambientes de aprendizagem capazes de pro-
duzir a imersão do sujeito nos esquemas de interação propostos pelo modelo,
fazendo assim com que o sujeito mergulhe no micromundo concebido e assim
assimile aquilo que corresponde, construindo conhecimento, somando novos
conteúdos e procedimentos aprendidos aos esquemas prévios já conhecidos.
4. Construtivismo Social (Vigotsky): neste caso vamos modelar a aprendizagem
segundo atividades compartilhadas entre os sujeitos envolvidos no processo
de aprendizagem ou aquisição de conhecimento. Ao modelar o compartilha-
mento, se constrói a situação de mediação em contexto que acolhe as práticas
dos sujeitos envolvidos de maneira a criar uma situação de engajamento dos
participantes na solução modelada. Por contraste com o Construtivismo Psi-
cológico, em vez de propor a imersão do complexo cognitivo do sujeito no
1 COSTA PEREIRA, Duarte. Nova educação na ciência para a nova sociedade. Porto: Universidade do Porto, 2007.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 15-21, jul./dez. 2014 15
Apresentação

ambiente projetado, o construtivismo social propõe que o ambiente projetado


possa pertencer ao ambiente e complexo de práxis cultural e cotidiano dos
sujeitos participantes.
5. Construcionismo Social: baseia-se no pressuposto pós-moderno de que os
indivíduos, os objetivos e os fatos existem somente em um mundo linguístico.
Quer modelar apenas os encontros de linguagem. Dar oportunidade às falas,
discursos, e privilegiar a interação entre elas, ou seja construir situações para a
interação de linguagens plurais e diversas. Na prática, uma modelagem voltada
para a construção comum e compartilhada da comunicação. Trabalha com a
ideia de “ato discursivo”, o que significa elaborar enunciados que propõem e
impulsionam ações dentro de contextos e consequências determinadas. Há a
modelagem de situações para o compartilhamento da construção de linguagem.
Há um relação com a Teoria da Atividade de Leontiev, que afirma o compar-
tilhamento de significado na criação do ato discursivo.
6. Conetivismo: se propõe adaptado à era digital. Parte do pressuposto de que a
difusão do meio digital produziu a emergência de novas ecologias cognitivas,
em particular a emergência de uma organização em rede do conhecimento.
O design conetivista propõe projetar em conjunto as relações entre cognição,
emoção e elaboração de significado. São projetados nós de conteúdos, assim
como ligações e relacionamentos entre eles, cabendo ainda a reconstrução
contínua destes laços de relacionamento, assim como dos conteúdos, jamais
fixados. A ideia é trabalhar com construção de conhecimento a longo prazo,
assim como de caráter fundante, sendo adotada a organização de rizoma e a
ideia de mapa conceitual como desenho geral de processos e da própria orga-
nização do conhecimento. A aprendizagem pode ser de um sujeito individual,
mas também de uma comunidade, ou até mesmo de uma rede de aprendizagem
digital, como um banco de dados. O mais importante é aprender a aprender,
e manter essa organização rizomática e aprendente em permanência. A plura-
lidade do conhecimento e de suas aplicações é princípio. A aprendizagem do
sujeito individual, do sujeito comunitário e dos conjuntos de comunidades,
sucessivamente maiores, até abarcar toda a humanidade, é totalmente intere-
lacionada, cada parte com cada parte e estas com o todo, de várias formas. A
tomada de decisão, assim como a criação de conhecimento, são, em si mesmas,
atos de aprendizagem e de redirecionamento em rede. Assume-se de fato a
rede como modelo de interpretação do conhecimento.
7. Conceitualismo: há uma base no conhecimento do funcionamento cognitivo
do cérebro. Propõe pensar segundo 6 dimensões de projeção e design. I- De-
sign: os trabalhadores do conhecimento precisam sempre realizar o design em
alguma medida do que estão realizando. Isso para que não haja “terceirização”,
que implicará em não realizar a partir do contexto próprio. II- História: toda
aprendizagem é, em alguma medida, histórica e contextualizada. III- Sinfonia:
deve-se facilitar o relacionamento holístico presente no pensamento. Pensar
que a arte, a música e o desenho são realizados pela mente e podem relacio-
nar e facilitar a aprendizagem. IV- Empatia: projetar segundo a inteligência
emocional. V- Diversão: atribuir sempre o lúdico aos projetos. VI- Sentido:
sempre elaborar algum sentido de busca mais amplo, como: sentido do uni-
verso, da ciência, propósito religioso, ou de concepção estética ou filosófica,
que amplie o horizonte do que se aprende.

16 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 15-21, jul./dez. 2014
Alfredo Eurico Rodrigues da Matta; Maria Olivia de Matos Oliveira

8. Complexismo: interpreta o conhecimento como transdisciplinar e interdiscur-


sivo. Orientado para a auto-organização e para a potencialidade. Incorpora a
ideia de transformação contínua. Preconiza a construção de “organizações
aprendentes” que devem constituir-se em atenção às seguintes disciplinas:
a) Mestria pessoal: desenvolver gestão pessoal, crescimento espiritual e vida
criativa. Sempre articular o design com o que se deseja na vida (ou seja, com
o contexto e suas perspectivas); b) Modelos mentais: elaborar design segundo
modelos mentais que relacionam sujeito e realidade; c) Visão partilhada: disci-
plina coletiva focada no estabelecimento de objetivos comuns e na ideia de que
todos são encorajados a contribuir com sua visões pessoais; d) Aprendizagem
em equipe: projeta-se a interação coletiva de um grupo; e) Pensamento sistê-
mico: devemos conceber como melhorar a compreensão da interdependência
dos fatores de transformação, entender a não-linearidade da existência.
A importância dessas oito tendências é tal que as modelagens aqui apresentadas
nos artigos devem, necessariamente, ter sido construídas segundo uma ou mais das
tendências enunciadas. Além disso, consideramos que o Brasil necessita aprofundar
seu conhecimento em design pedagógico aplicando este conteúdo à produção de
software e infografias. É, portanto necessário desenvolver conhecimento brasileiro
sobre design pedagógico, além de estudar sobre a adoção de métodos de pesquisa
apropriados para a produção dos mesmos.
Coerentes com o debate proposto nesta edição, Alfredo Eurico Rodrigues Matta,
Francisca de Paula Santos da Silva e Edivaldo Machado Boaventura, no artigo Design-
-Based Research (DBR) ou pesquisa de desenvolvimento: metodologia para pesquisa
aplicada de inovação em educação, abrem possibilidades inovadoras para a discussão
dos fundamentos da metodologia de investigação e pesquisa mais conhecida como
Design-Based Research (DBR), cuja tradução em português é defendida pelos autores
com a designação Pesquisa de Desenvolvimento e que foi construída pensando no
crescimento das tecnologias digitais, na medida em que, nos últimos anos, um número
cada vez mais significativo de cientistas da educação percebe que as metodologias
tradicionais, tanto as consideradas quantitativas, quanto experimentais ou qualitativas
apresentam dificuldades para a condução de investigações. Nessa perspectiva, os au-
tores oferecem orientações sobre como utilizar a referida abordagem para a pesquisa
e desenvolvimento de aplicações em várias áreas, mas em particular para o desen-
volvimento de propostas de processo cognitivo em ambientes digitais educacionais,
com soluções práticas que impliquem avanço concreto das práticas educacionais.
O relevante estudo de Cassiano Zeferino de Carvalho Neto e Araci Hack Cata-
pan, Tecnologia e design de complexmedia dedicada à educação digital: um relato
de caso, registra um importante caso de sucesso em design pedagógico brasileiro,
já que, com base socioconstrutivista, os autores descrevem a proposição de design
que realizaram para centenas de conteúdos digitais educacionais, hoje acessados e
utilizados em todo o Brasil, e fora dele, construídos no âmbito do projeto Condigital
do MEC/MCT, a partir do Portal do Professor do MEC. Realizada com financiamento
do FNDE, a coleção utilizou o design intitulado complexmedia, fundamento para as
construções realizadas.
O design de material didático hipermidiático também é o foco de estudo de Juliana
Sales Jacques e Elena Maria Mallmann, no artigo Design pedagógico de materiais
didáticos: performance docente na produção hipermidiática em ambientes virtuais.
O texto expõe como a pesquisa-ação, relacionando construção de solução de design

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 15-21, jul./dez. 2014 17
Apresentação

e ciclos de desenvolvimento, foi utilizada com sucesso em um processo que poderia


ser analisado como de metodologia DBR, também foco de interesse deste nº 42.
No artigo Aprender on-line: o modelo pedagógico da Universidade Aberta numa
disciplina do curso de Educação, Lúcia Amante nos apresenta o procedimento de-
senvolvido por pesquisa pela Universidade Aberta, em Portugal, a partir do qual esta
instituição voltada para a educação a distância realiza o design pedagógico de seus
cursos e materiais didáticos online. O modelo de design adotado focaliza a projeção
de soluções de interação entre estudantes de modo a promover a reflexão e partilha
de saberes entre o grupo de alunos.
Eliane Schlemmer, em Gamificação em espaços de convivência híbridos e multimo-
dais: design e cognição em discussão, desenvolve estudo da relação design-cognição
na docência, principalmente vinculada à configuração de Espaços de Convivência
Híbridos e Multimodais na perspectiva da Gamificação. Verifica que esta relação
ocorre de forma satisfatória na medida em que o docente configura, juntamente com
os discentes, os tais espaços de convivência, em que o outro é reconhecido como
legítimo interator.
Já Marcos Lima e Thierry Fabiani dialogam sobre o design pedagógico agora
aplicado à educação empresarial. A reflexão é importante não somente por suas con-
clusões explícitas, mas também porque apresenta a amplitude deste campo de estudos,
capaz de estar presente no planejamento e elaboração pedagógica tanto da educação
escolar, da empresarial, como em outras dimensões da educação e outras áreas que
necessitem construir soluções para o ensino-aprendizagem. O artigo Repensando o
método Caso em cursos de Administração: desafios e oportunidades da abordagem
socioconstrutivista com ferramentas da Web 2.0 utiliza princípios socioconstrutivos de
design, trabalhando com pensamento crítico e interatividade colaborativa, em função
da construção de soluções de sistemas digitais educacionais empresariais.
Um estudo sobre a importância do contexto histórico e da situação no desenvol-
vimento da prática educativa, resultado de tese doutoral que contribui para o enten-
dimento do design pedagógico socioconstrutivista, é o que revela o artigo Prática
educativa: entre o essencialismo e a práxis, de Hilda Maria Martins Bandeira e Ivana
Maria Lopes de M. Ibiapina. O artigo analisa a prática educativa a partir de sua in-
teração com a educação da Grécia Clássica e a influência iluminista e romântica de
Rousseau, contribuindo assim para a compreensão da prática educativa.
O artigo A linguagem do material didático impresso de cursos a distância, de Vera
Horn, utilizou conceitos bakhtinianos de dialogismo, interação verbal e gêneros do
discurso para o design de material impresso para a educação a distância. Foi possível
observar que a aproximação do discurso científico escrito e das condições do discur-
so narrativo (oral) é importante para a adoção de uma concepção de linguagem que
conduza o educando à construção do conhecimento e ao favorecimento da interação.
Tempos e redes: a arquitetura de uma sala de aula em EAD, de Ormezinda Maria
Ribeiro e Carmem Jená Machado Caetano, assume o desafio de investigar a orga-
nização e design da sala de aula da EAD, e seu complexo jogo de espaço tempo,
sincronia e assincronia.
Nessa perspectiva, o artigo intitulado Paradigma da cosmodernidade: uma abor-
dagem transdisciplinar à educação para a cidadania global proposta pela UNESCO
assinado pelos autores Javier Collado Ruano, Dante Augusto Galeffi e Roberto Leon
Inacio Ponczek, tem como objeto de estudo refletir sobre a Educação para a Cidadania
Global (GCE) proposta pela UNESCO na Agenda pós-2015 para o Desenvolvimento

18 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 15-21, jul./dez. 2014
Alfredo Eurico Rodrigues da Matta; Maria Olivia de Matos Oliveira

das Nações Unidas, tomando como base três paradigmas: o da cosmodernidade, for-
mulado por Nicolescu; o da complexidade, formulado por Morin; e o da polilógica,
de autoria de Galeffi, para abordar o conhecimento através de uma epistemologia
complexa, criativa, transdisciplinar, polissêmica, transcultural, transnacional e trans-
política. Trata-se de uma pesquisa de triplo campo teórico-epistemológico-metodo-
lógico que visa o entendimento e o respeito das caraterísticas histórico-culturais de
cada comunidade, com vistas a promover a educação para a cidadania global (GCE)
como o principio de energia causal do processo de transformação do ser humano e
da sociedade-mundo.
Mídias e educação integram-se ao tema do design, pedagógico visto que as mídias
estão entre as produções que mais necessitam dele, assim como da investigação a
respeito de seu desenvolvimento. Pensar em projetos de cursos em EAD implica em
pensar na relação dialógica entre os três elementos constitutivos do design pedagó-
gico: fundamentos, organização e docência. A concepção de design pedagógico aqui
defendida supõe uma arquitetura hipertextual de conteúdos e situações didáticas,
orientada por objetivos ou intenções de aprendizagem, que valorizem as experiências
discentes, incentivem a pesquisa e estimulem a colaboração e a criatividade, respei-
tando as características de atuação do professor, intérprete crítico do mundo digital.
Com o propósito de discutir a mudança em curso nas sociedades ocidentais que se
tornam crescentemente multiculturais e multiétnicas pós anos 1960, em que os fenôme-
nos de exclusão se agravam mesmo com o incremento da circulação de informação e
pessoas e da melhoria dos níveis de bem-estar da população, o autor português Miguel
Monteiro, no interessante texto intitulado O ensino numa escola plural, reflete sobre
o papel da educação inter/multicultural e as necessárias mudanças que são impostas
à escola pela sociedade contemporânea.
No texto, Educação e mídia: interface processual na teoria das representações
sociais, as autoras Maria Olivia de Matos Oliveira e Maria de Lourdes Soares Ornellas
aprofundam o debate de caráter interdisciplinar, analisando os meios de comunicação
de massa como estratégias discursivas produtoras do senso comum e o papel que eles
desempenham na formação da sociedade moderna, cada vez mais caracterizada pela
“comunicação mediada”, que substitui o processo face a face e dialógico por outro,
de natureza diversa, que é assimétrico e viabilizado por meios técnicos de produção e
difusão do conhecimento. Defendem ainda as autoras que os meios de comunicação não
podem ser estudados apenas pelos avanços tecnológicos ou comerciais da sua oferta,
mas pelos impactos socioculturais que produzem nos sujeitos, nos seus contextos de
vida e de relações interpessoais. Há, portanto, uma necessidade de aprofundamento
nesse campo de discussão sobre a capacidade de modelação da opinião pública através
da mídia e/ou as potencialidades de recepção crítica por parte dos sujeitos, abrindo
um debate crítico na interface processual com a teoria das Representações Sociais
sobre as novas condições comunicativas que emergem do cotidiano ou através das
mídias, suas determinações e suas interferências nas práticas e atitudes dos sujeitos,
presentes em diferentes contextos sociais.
Outra temática-alvo de intensa discussão na atualidade é a do envelhecimento. A
autora Patrícia Haertel Giusti, tendo como aporte teórico Michel Foucault, revela no
seu texto A normalização do idoso na Mídia Impressa: provocação foucaultianas como
a mídia tem se encarregado de apresentar formas de ser e viver a velhice, refletindo
intensamente os acontecimentos discursivos que dão condições de possibilidade para
emergência da velhice enquanto uma população. O artigo ainda analisa, através de al-

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 15-21, jul./dez. 2014 19
Apresentação

gumas ferramentas de análise discursiva, o processo de envelhecimento pautado pelo


discurso da promoção da saúde, recorrente na mídia impressa e presente em reportagens
de capa dos cadernos de saúde de dois jornais do Rio Grande do Sul, de 2004 a 2010.
A autora Adriana Bruno, no artigo Investigando espaços escolares de letramentos:
a biblioteca e o laboratório de informática, com uma linguagem clara e acadêmica,
revela uma problemática pertinente ao contexto atual, qual seja, a de “compreender
a utilização, por parte dos docentes, da Biblioteca Escolar e do Laboratório de Infor-
mática, enquanto espaços de produção de leitura, escrita e conhecimento”. Ao longo
do texto, trazendo teóricos de renome para dar suporte às argumentações feitas sobre
o tema, a autora afirma que os professores das nossas escolas nasceram numa época
bastante diferenciada do contexto tecnológico dos seus atuais alunos, chama atenção
para a necessidade de ações que favoreçam atividades envolvendo a biblioteca escolar e
o laboratório de informática. Aponta ainda para a necessidade de a escola proporcionar
aos alunos o convívio e o uso de diferentes gêneros textuais e de variados suportes
tecnológicos, tão presentes na sociedade atual.
A imagem do professor e a atratividade da docência: enunciados sobre a carreira
docente na mídia impressa, de autoria de Ana Paula Rufino dos Santos, é um texto
atual e interessante em que a autora, numa perspectiva de Foucault e de alguns teóri-
cos dos Estudos Culturais, explica como os discursos produzidos pela mídia orientam
as representações sobre docência e a valorização do professor, argumentando que o
discurso veiculado pela mídia ultrapassa a simples referência a coisas, e vai muito
além da mera utilização de palavras, e, por isso, “possui regularidades intrínsecas a
si mesmo, através das quais é possível definir uma rede conceitual que lhe é própria”,
conforme pontua a referida autora.
Formação de professores para docência online: considerações sobre um estudo
de caso traz contribuições importantes acerca do debate em torno da qualidade da
formação de professores para docência online, mostrando ser possível uma mediação
docente capaz de superar a reatividade burocrática e solitária ainda presente em alguns
cursos que utilizam os ambientes virtuais. Seus autores, Marco Silva e Sheilane Avellar
Cilento, focalizam uma pesquisa realizada em um “campus virtual” de importante
universidade particular brasileira e, com maturidade crítica, analisam a subutilização
das potencialidades interativas da web e a reprodução de práticas unidirecionais que
ocorrem muitas vezes nos cursos de formação docente online. Os autores mostram que
os meios digitais possuem características próprias, distintas daquelas que conformam
o ambiente físico das aulas presenciais, e defendem uma nova postura comunicacional
do professor, alicerçada na autoria do usuário e na lógica da interatividade.
O artigo intitulado As identidades dos alunos em tempos de cultura digital: a per-
cepção dos professores de educação básica, assinado por José Licínio Backes e Ruth
Pavan, resultante de um bem conduzido trabalho de pesquisa, aborda as percepções dos
professores da educação básica quanto aos efeitos produzidos pela cultura digital nas
identidades dos alunos, mostrando que, na condição de estudantes pós-modernos, eles
têm suas identidades constantemente (re) significadas em função desses discursos. Os
autores também afirmam que, no contexto atual, a escola está sendo constantemente
desafiada a lidar com sujeitos cujas identidades carregam as marcas da cultura digital.
Concluem os pesquisadores dizendo que discutir os impactos das TIC não significa
modernismo, mas tentar contribuir para uma educação que discuta sobre os grandes
dilemas pelos quais a humanidade está passando neste início de século, entre o quais
se destaca saber qual o lugar que as TICs podem ocupar na educação.

20 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 15-21, jul./dez. 2014
Alfredo Eurico Rodrigues da Matta; Maria Olivia de Matos Oliveira

A seção “Estudos” apresenta o artigo intitulado Pelo enraizamento da história,


memórias de educadoras sergipanas se revelam, de autoria de Raylane A. Dias Na-
varro Barreto e Joaquim F. Soares Guimarães. Os autores partem de narrativas orais
de residentes no município de Umbaúba (Sergipe) para discutir como a pesquisa
historiográfica pode se valer de relatos orais, sobretudo de professoras idosas, que, ao
narrarem suas histórias, colaboram para o entendimento da cultura e práticas escolares
do município no período de 1955 a 1989.
Ao finalizarmos esta apresentação, na pluralidade das reflexões que foram trazi-
das pelos distintos pesquisadores sobre os temas abordados, acreditamos que foram
deixadas muitas inquietações, certezas e dúvidas que você, leitor, poderá aprofundar
na interlocução com cada um dos autores deste número 42.
Queremos, igualmente, agradecer a todos aqueles que contribuíram para tornar
realidade esta edição, Design Pedagógico, Mídias e Educação, aos autores que tiveram
seus artigos publicados ou não, aos pareceristas e toda a equipe editorial da revista.

Alfredo Eurico Rodrigues da Matta


Maria Olivia de Matos Oliveira

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 15-21, jul./dez. 2014 21
Alfredo Eurico Rodrigues Matta; Francisca de Paula Santos da Silva; Edivaldo Machado Boaventura

DESIGN-BASED RESEARCH OU PESQUISA DE


DESENVOLVIMENTO: METODOLOGIA PARA PESQUISA
APLICADA DE INOVAÇÃO EM EDUCAÇÃO DO SÉCULO XXI

Alfredo Eurico Rodrigues Matta∗


Francisca de Paula Santos da Silva∗∗
Edivaldo Machado Boaventura∗∗∗

RESUMO

Este artigo apresenta os fundamentos da metodologia de investigação e pesquisa mais


conhecida como Design-Based Research (DBR), e que defendemos ter em português
como o melhor termo de designação Pesquisa de Desenvolvimento. O trabalho inicia
contextualizando o porquê da adoção dessa abordagem metodológica, analisando
como surgiu. Depois oferece orientação sobre como utilizar essa abordagem para
a pesquisa e desenvolvimento de aplicações em várias áreas, mais propriamente
para o desenvolvimento de propostas de processo cognitivo em ambientes digitais
educacionais.
Palavras-chave: Pesquisa de experimentação. Design-Based Research. Metodologia
de pesquisa. Design cognitivo.

ABSTRACT

DESIGNED-BASED RESEARCH OR DEVELOPMENT RESEARCH:


METHODOLOGY FOR APPLIED RESEARCH FOR INOVATION IN
EDUCATION IN THE 21ST CENTURY
This article presents the fundamentals of research methodology better known as
Design-Based Research - DBR, and that we believe we have a better term for it in
Portuguese, Pesquisa de Desenvolvimento (Development Research). Our study starts
contextualizing why adopt this methodological approach, analyzing its emergence.
Then it offers guidance on how to use this approach in order to research and develop
applications in several areas, for the development of proposals of cognitive processes
in digital educational environments in particular.
Keywords: Experimental Research. Design-Based Research. Research Methodology.
Cognitive Design.


Pós-doutor em Educação a Distância pela Universidade do Porto, Portugal. Doutor em Educação pela Universidade Federal
da Bahia/Université Laval, Canadá. Pesquisador do CNPQ. Professor do DMMDC e PPGEDUC da Universidade do Estado
da Bahia (UNEB). alfredo@matta.pro.br
∗∗
Pós-Doutora em Educação e Turismo pela Universidade de Coimbra, Portugal. Doutora em Educação pela Universidade Federal
da Bahia (UFBA). Professora do DMMDC e PPGEDUC da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). fcapaula@gmail.com
∗∗∗
Doutor em Educação pela PennState University. Professor Emérito da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor do
Doutorado em Desenvolvimento Regional da UNIFACS. edivaldoboaventura@gmail.com

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 23-36, jul./dez. 2014 23
Design-based research ou pesquisa de desenvolvimento: metodologia para pesquisa aplicada de inovação em educação do século XXI

Introdução Essa constatação tem confirmação qualificada


no excelente livro analítico sobre a pesquisa em
A contemporaneidade está se desenvolvendo educação no Brasil, organizado por Marisa Bittar
de tal forma que se tornou imprescindível o maior e colaboradores (2012). Tal evidência é percebida
número de pesquisas aplicadas, particularmente nos corredores e salas da universidade quando,
no campo das ciências da cognição. A recente por exemplo, tantos pesquisadores constatam com
metodologia de pesquisa, mais conhecida como pesquisas bem fundamentadas que mesmo com
Design-Based Research (DBR), é uma inova- os mais de 10 anos de leis obrigando o ensino de
dora abordagem de investigação que reúne as cultura e tradições africanas nas escolas, os avanços
vantagens das metodologias qualitativas e das e inovações nas práticas pedagógicas neste rumo
quantitativas, focalizando no desenvolvimento foram quase imperceptíveis.
de aplicações que possam ser realizadas e de Isso pode ser também constatado, por exemplo,
fato integradas às práticas sociais comunitárias, nas tecnologias educativas e nos estudos sobre o
considerando sempre sua diversidade e proprie- uso de informática na educação; fora o impulso
dades específicas, mas também aquilo que puder do mercado por obter mais e mais novos equi-
ser generalizado e assim facilitar a resolução de pamentos, pouco se percebe de transformação
outros problemas. na prática educacional e no cotidiano escolar ou
Apresentamos aqui a DBR iniciando por ex- mesmo em procedimentos de educação informal
plicar a necessidade à qual responde a emergência e não formal.
da DBR, trabalhando a compreensão do processo De fato, no segundo semestre de 2012, o Senado
histórico da qual emerge, mas também procurando brasileiro travou uma discussão detalhada sobre o
orientar sobre seu uso e desenvolvimento em po- problema, identificando que toda a sociedade bra-
tenciais pesquisas brasileiras. sileira estava sendo prejudicada pela situação de
Para tanto o artigo se desenvolve na direção de crescimento da pós-graduação no país, incluindo a
guiar quem deseja aplicar DBR em suas pesquisas, especialmente citada pós-graduação em educação,
apresentando conceitos e entendimentos epistemo- que ao contrário dos países líderes como China,
lógicos da abordagem, mas também conduzindo a Estados Unidos, Alemanha, e outros, não era capaz
apresentação das etapas e procurando apresentar de transformar-se em ação efetiva de melhoria da
sociedade, e das práticas educativas (SENADO
o “como fazer”.
FEDERAL, 2012). Todo este cenário dá encami-
O trabalho encerra com as referências a casos já
nhamentos para interpretar que a sociedade brasi-
em andamento e desenvolvidos graças ao sucesso
leira carece de pesquisas inovadoras e aplicadas em
da aplicação da DBR.
educação, como, aliás, em outras áreas da ciência.
Essa é uma situação a enfrentar, pois a escola e
O problema da pesquisa aplicada e de a educação necessitam muito de transformações e
inovação na educação brasileira conhecimento aplicado.
Quando nosso grupo de pesquisa resolveu
Por meio de experiências docentes e de pesquisa encarar o problema, deparou-se com a relativa
em educação dos autores, percebeu-se o cresci- pouca aplicabilidade das pesquisas chamadas
mento da investigação em educação no Brasil, e, qualitativas, que não se propõem mesmo, por
ao mesmo tempo, como estas eram muito pouco princípio e concepção, a serem aplicadas e nem a
voltadas para melhorias efetivas dos processos desenvolver intervenções. Sendo assim, optou-se,
educacionais, ou seja, pouco voltadas para a pes- inicialmente, por realizar desenhos de pesqui-
quisa aplicada. A maior parte das pesquisas, com sa classificados como experimentais, ou, mais
metodologia descritiva ou experimental, outras precisamente, pré-experimentais (MCMILLAN,
migrando para abordagens qualitativas, tinham SCHUMACHER, 2010).
resultados expressivos, mas pouco voltadas para Esse tipo de pesquisa esbarra em outra dificul-
a aplicação. dade – atende ao propósito de ser voltada para a

24 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 23-36, jul./dez. 2014
Alfredo Eurico Rodrigues Matta; Francisca de Paula Santos da Silva; Edivaldo Machado Boaventura

intervenção e produção de inovação –, pois parte série de procedimentos de investigação aplicados


da ideia de desenvolvimento de experimento em para o desenvolvimento de teorias, artefatos e prá-
ambiente controlado e com controle de variáveis, ticas pedagógicas que sejam de potencial aplicação
que devem ser estudadas no ambiente ideal de um e utilidade em processos ensino-aprendizagem
laboratório, para depois da pesquisa, e passadas existentes.”
todas as etapas de validação externa e interna, ter Graças a esta vocação para a pesquisa aplicada a
seus resultados encaminhados para a aplicação DBR tem recebido outras denominações em inglês,
generalizada em ambientes educacionais diversos. relacionadas ao seu caráter de pesquisa aplicada:
A principal fraqueza é que, ao contrário das Formative Research, (NEWMAN, 1990); Design
ciências ditas naturais como física, química e Experiments (BROWN, 1992); Development Re-
biologia, em educação não se consegue uma search (VAN DEN AKKER, 1999); Design-Based
verdadeira condição de laboratório, com tudo Research (DBR), assumida neste artigo (KELLY,
controlado; e mesmo que se conseguisse, pouco 2003); Design Research (REEVES; HERRING-
valeria, pois na prática as situações dos processos TON; OLIVER, 2005) e Developmental Research
educacionais são plurais e pouco comparáveis ao (MCKENNEY; VAN DEN AKKER, 2005).
isolamento laboratorial. Por isso não é incomum Nas poucas referências à metodologia encon-
ouvir-se que a educação continua mantendo prá- tradas em português, o termo para desígnio usado
ticas do século XIX. foi o DBR, sempre em páginas web de autores
Ao se descobrir os debates e estudos sobre portugueses (FACEBOOK, 2013; FIALHO, 2013;
a metodologia Design-Based Research (DBR), LEDESMA, 2013; PEREIRA, 2010; SILVA,
percebeu-se que a origem das discussões estava 2013). Talvez seja importante sugerir um termo
exatamente nesta inadequação dos modelos de em língua portuguesa. Neste caso, quem parece
pesquisa para o desenvolvimento de aplicação traduzir melhor o que faz a metodologia é a trans-
em educação, e mais ainda, que as pesquisas que posição para o português do termo criado por Van
realizávamos, mesmo antes do conhecimento da Den Akker (1999): Pesquisa de Desenvolvimento.
DBR, já se aproximavam bastante de seu modelo Um precursor mais remoto da DBR foi o pen-
e forma de interpretar. samento de John Dewey (1900) que indicava ser a
Desde então, passou-se a adotar essa nova me- educação um conhecimento prático, com estudos e
todologia de pesquisa e a desenvolver-se de forma pesquisas voltados para o desenvolvimento de solu-
mais apropriada as pesquisas de aplicação que se ções aplicáveis à prática concreta dos ambientes de
almejava. ensino-aprendizagem. Outro precursor importante
A DBR se propõe a superar a dicotomia e foi gerado pelos que defendiam a aplicação da ava-
mesmo a discussão sobre pesquisa qualitativa ou liação formativa em educação, e que ao aplicarem
quantitativa, desenvolvendo investigações com esta abordagem ao desenvolvimento da pesquisa
foco no desenvolvimento de aplicações e na busca acabaram por criar um procedimento de pesquisa
de soluções práticas e inovadoras para os graves “formativa”, que foi se desenvolvendo e tomando
problemas da educação, podendo para isso usar tan- a forma da atual DBR (BELL, 2004; COLLINS,
to procedimentos quantitativos quanto qualitativos, JOSEPH; BIELACZYC, 2004; HERRINGTON,
e, de fato, não encontrando mais sentido em separar et al, 2007). É verdade que a DBR guarda com a
estas duas formas e nem em investir demasiado pesquisa-ação similaridades de consideração da
nesta diferença, senão em aplicar na medida do comunidade e do saber comunitário como parceiro.
necessário, na direção do foco da pesquisa. A diferença fundamental está no propósito DBR de
desenvolvimento de aplicações práticas e soluções
Design-Based Research (DBR): explicitamente voltadas para a prática e a inovação
entendendo a metodologia da práxis pedagógica (AMIEL; REVEES, 2008).
Essas ideias ganharam adesão cada vez maior
Uma definição já clássica da DBR foi dada por daqueles que pesquisam e investigam as tecnolo-
Barab e Squire (2004, p. 2, tradução nossa): “Uma gias digitais, seu propósito frequentemente inova-

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 23-36, jul./dez. 2014 25
Design-based research ou pesquisa de desenvolvimento: metodologia para pesquisa aplicada de inovação em educação do século XXI

dor e o desenvolvimento de práticas pedagógicas também desenvolvimento profissional para


consistentes em ambiente digital. professores; ou d) políticas educacionais
Concorda-se com Mckenney e Reeves (2012) como protocolos de avaliação docente ou
sobre a DBR, que se não resolve totalmente a discente, procedimentos e recomendações de
demanda histórica por uma abordagem metodo- investimento, aquisição, opções para relação
lógica robusta, capaz de conduzir investigações entre a escola e a comunidade. De fato, a DBR
para o desenvolvimento de produtos, processos, começa com a identificação de uma situação
políticas e programas educacionais, apresenta-se que necessita de intervenção e de um resultado
como caminho promissor, já somando alguns resul- de desenvolvimento prático somente possível
tados importantes, capazes de prover pesquisa de de obter a partir de uma investigação científica
desenvolvimento, inovação e de natureza aplicada de natureza aplicada.
em educação.
3) Colaborativa: a DBR é sempre conduzida em
A abordagem de pesquisa é nascida da pesqui-
meio a vários graus de colaboração. O desen-
sa em educação, e em particular sobre tecnologia
volvimento e a busca por uma aplicação que
educacional.
seja solução concreta para problemas dados
Muitos estudiosos da DBR pensam que se pode
obrigam à colaboração de todos os envolvidos:
comparar o processo de investigação e pesquisa
investigador, comunidade e pessoas que se
aplicada da DBR com o método empregado por
relacionam. A ideia da DBR é considerar todos
engenheiros e arquitetos, que ao mesmo tempo
como parte da equipe de pesquisa. Uma forte
aplicam perspectivas teóricas gerais, mas acabam
recomendação é que o problema seja definido de
sempre construindo soluções adaptadas ao local,
forma compartilhada com aqueles que sofrem as
assim como aos usuários daquilo que foi construído
mazelas daquela dificuldade, e assim a pesquisa
(REEVES, 2006; VAN DEN AKKER et al, 1999).
será sempre validada por todos os envolvidos.
Mckenney e Reeves (2012) destacam 5 carac-
Os envolvidos devem mergulhar no estudo e
terísticas da DBR:
entendimento do contexto a ser pesquisado, e
1) Teoricamente Orientada: as teorias são ponto de assim ganhem a capacidade de dialogar e de es-
partida, de chegada e de investigação na DBR. tarem engajados no problema e na comunidade
Elas se mostram como princípios de design e parceira. Nenhum conhecimento é negado, nem
modelagem para as soluções práticas demanda- o universitário nem o comunitário, mas nenhum
das. Um dos sentidos mais importantes da DBR também é posto em situação de dominância,
é utilizar uma proposta teórica como funda- e o que vai mesmo validar os resultados é a
mento para a construção do design educacional validação colaborativa de todo o processo. Há
proposto. A base teórica baseia a construção da uma base nas concepções de comunidades de
proposta prática a ser sugerida, mas também é prática na DBR (WENGER, 1998). A DBR
estudada e potencialmente melhorada e com- requer que os participantes, da comunidade e
preendida, na medida dos resultados; investigadores universitários, colaborem na
identificação e construção de soluções para
2) Intervencionista: Utiliza-se o fundamento teó-
o ensino-aprendizagem (REEVES, T, 2006).
rico escolhido e o diálogo com o contexto de
Sendo assim, os beneficiários e usuários finais
aplicação para que a pesquisa desenvolva uma
da solução é que têm a última palavra, e são
aplicação que irá intervir no campo da práxis
assim considerados.
pedagógica e pretenderá produzir: a) produtos
Wenger (1998) elaborou uma compreensão das
educacionais tais como materiais didáticos de
três maneiras de interação entre comunidade de
toda natureza e suporte; b) processos pedagó-
prática e pesquisadores:
gicos como, por exemplo, recomendações de
atitude docente, novas propostas didáticas; a) Acordo para extração de dados: processo
c) programas educacionais como currículos, conduzido pelo pesquisador externo à co-
cursos, organização de temas e didáticas, munidade, que elabora, organiza e relata a

26 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 23-36, jul./dez. 2014
Alfredo Eurico Rodrigues Matta; Francisca de Paula Santos da Silva; Edivaldo Machado Boaventura

investigação. A comunidade está engajada tem uma necessidade de contexto que pode ser
na prática estudada. O conhecimento re- resolvida por uma visão praxiológica, da forma
sultante da pesquisa pode orientar política entendida por Gramsci (2009).
apropriada e melhorar processo de constru-
5) Iterativa: a DBR, por ser uma metodologia
ção de conhecimento. A comunidade está
voltada para a construção de soluções práticas,
em acordo com a ação do investigador;
não é feita para terminar. De fato, cada desen-
b) Parceria de investigação: procedimento
volvimento é o resultado de uma etapa, de um
desenvolvido cooperativamente entre pes-
processo de arquitetura cognitiva, e necessa-
quisador e comunidade. Pesquisador está
riamente será o início do próximo momento
engajado na reflexão comunitária e coletiva.
de aperfeiçoamento e de melhorias. Uma abor-
A comunidade está engajada e participa da
dagem baseada em ciclos de estudo, análise,
ação e da reflexão sobre o problema em
projeção, aplicação, resultados, que depois são
questão. Pesquisador e comunidade con-
reciclados, e assim quando for necessário, ou
dizem cooperativamente, pesquisa sobre
possível. Há o propósito de ser uma abordagem
os problemas e práticas para auxiliar a
iterativa e de refinamento da solução prática en-
comunidade a ser mais efetiva naquilo que
contrada. A iteração talvez seja a característica
lhe interessa. Pesquisador e comunidade
mais marcante da DBR, dando-lhe o caráter
são parceiros.
formativo que com ela é identificado.
c) Acordo de coaprendizagem: elaboração e
execução reflexiva e compartilhada entre A DBR utiliza teorias, descobertas empíricas,
pesquisador e comunidade. Pesquisador sabedoria e conhecimento colaborativo comunitá-
e comunidade, ambos participam das rio e popular, inspiração e experiências como fontes
reflexões e ações voltadas para o desen- para criar intervenções e soluções de problemas
volvimento da prática de construção do concretos, ou seja, para conduzir uma pesquisa
conhecimento em questão. Há transfor- aplicada que dialogando com as dificuldades e os
mação e influência mútua pesquisador/ sujeitos engajados nestas, conduz iterativamente
comunidade. Conhecimento compartilhado a construção contínua da solução mais adequada.
e efetivo nos campos de seus interesses. A solução é iterativamente conduzida em trabalho
e aperfeiçoamento aplicado contínuo, e o conhe-
4) Fundamentalmente responsiva: a DBR é
cimento, inclusive teórico, sobre um processo de
moldada pelo diálogo entre a sabedoria dos
compreensão gradativamente aprofundado pelo
participantes, o conhecimento teórico, suas
diálogo com a práxis da comunidade envolvida.
interpretações e advindos da literatura, e pelo
Uma metodologia de pesquisa pode ser também
conjunto dos testes e validações diversas
compreendida quando se estuda o tipo de resulta-
realizadas em campo. Os avanços teóricos e
dos de sua aplicação. No caso da DBR é bastante
práticos, e os potenciais ajustes na intervenção
esclarecedora a descrição dos principais out puts
desenvolvida vão sendo desenvolvidas em diá-
da DBR presentes em Mckenney, Reeves (2012)
logo e validação pela complexidade do contexto
e em Mckenney, Nieveen, Van Der Akker (2006).
de aplicação. O conhecimento é desenvolvido
Estes autores apresentam três tipos de resultados
em estreito diálogo com a prática, em itera-
ções. De fato, entendendo as afirmações de principais.
Mckenney, Nieveen e Van Den Akker (2006), 1) Existem os resultados na forma de contribui-
é por este motivo que aprofundar no contexto ção à teoria. Enquanto as pesquisas clássicas
da situação-problema é fundamental para o se preocupam em testar e provar hipóteses, a
engajamento dos investigadores que estarão, DBR se preocupa com o teste dos princípios
assim, em condição de serem validados como teóricos na prática, os princípios de design,
atores pelos sujeitos da comunidade de práxis. sempre passíveis de análise e crítica apontada
Interessa a nosso grupo de pesquisas que a DBR pela prática realizada, ou seja, este desenvolvi-

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Design-based research ou pesquisa de desenvolvimento: metodologia para pesquisa aplicada de inovação em educação do século XXI

mento da teoria está validado naquela situação parece ser mesmo mais comum em DBR, é a re-
de aplicação. plicação da aplicação em outra situação e contexto
2) Existem resultados de âmbito social e comuni- diferente daquele da aplicação original, que acaba
tário educacional. Como a DBR é feita, todo o generalizando no formato caso a caso.
tempo, em diálogo com problemas comunitários Percebe-se, conforme Gravemeijer e Cobb
concretos, seus resultados serão sempre solução (2006), que o critério de relevância se desloca da
de uma dificuldade de práxis educacional vali- generalidade e confiabilidade para o desenvolvi-
dada pela comunidade que participa e adota a mento de soluções, inovações, práticas que possam
solução desenvolvida. servir aos engajados nas questões de pesquisa. O
que pode então ser generalizado é a forma de in-
3) Finalmente, tem-se o desenvolvimento e habi- terpretar e entender.
litação dos engajados no processo que sairão Devemos observar também que algumas pes-
da investigação munidos da experiência de sua quisas vão centrar seu interesse em pesquisar a
prática. própria intervenção, transformando aquilo a que
Perceber os tipos de resultados da DBR não se propõem na principal perspectiva de estudos.
será completo senão focar atenção na questão da Outras, por sua vez, estarão mais preocupadas em
generalização. Sendo assim, uma das premissas estudar por meio das intervenções, aquilo que vai
mais importantes do método científico é a que acontecer no contexto complexo e plural da apli-
identifica o conhecimento científico com a pos- cação. Neste último caso, os resultados e efeitos
sibilidade de este ser generalizado e aplicável em da aplicação serão os maiores focos de estudos.
problemas outros, que não aquele que o originou Parece clara, até aqui, a importância que se dá
(MCMILLAN, SCHUMACHER, 2010). Na DBR aos ciclos de estudo, aplicação, validação na DBR.
existe uma forma alternativa de entender a genera- Isto se dá graças à proposta de desenvolvimento do
lização do conhecimento. conhecimento causal envolvido na metodologia.
Em DBR a generalização ficará sempre a cargo Enquanto as metodologias tradicionais focam no
da capacidade e possibilidade de fazer migrar uma estudo de mecanismos ou processos causais gerais,
efetiva intervenção de nossa classe ou situação que por princípio devem relacionar as condições
de aplicação, para outras, mesmo sabendo que com os efeitos de dado processo genérico, repe-
esta efetividade sofrerá toda a sorte de uma nova tíveis e realizáveis diversas vezes, e ainda assim
rodada de ciclos de aplicação, análise e validação entendido pela mesma regra de causa-efeito, a DBR
para que possa efetivar-se neste outro contexto. prefere centrar na causalidade identificável em um
Significa dizer que em DBR, generalização, termo caso particular, acompanhado, realizado e validado
mais adequado às pesquisas experimentais, deve no ato da práxis, por aqueles que são a comunidade
ser substituído pelo termo replicação. Que implica de práxis envolvida e engajada no processo. Por
reconhecer que a transferência de uma solução, isso mesmo a causalidade identificada pode e, de
ou mesmo de parte dela, de uma complexidade fato, deve ser reestudada, revalidada, iterativamente
de práxis e ação para outra situação complexa, adaptada cada vez que for aplicada. De maneira
vai requerer cuidada consideração de viabilidade que cada relação causal estabelecida em meio a
e validação. uma práxis social será sempre em parte replicável
Nessa situação há duas formas principais de e generalizável – seu design e princípios entendidos
generalização: a primeira é a que procura genera- como fonte de solução do caso anterior –, e em
lizar um conjunto particular de resultados para uma outra parte única e intransferível – o que se refere à
possibilidade de aplicação mais ampla, ampliando nova aplicação, novo contexto e nova comunidade
assim o alcance dos princípios teóricos de design, engajada (GRAVEMEIJER; COBB, 2006). Esta
que também são modificáveis e resultam transfor- situação, assim como a possibilidade de construir
mados, ao se dar a importância que deve ser dada relações causais mais amplas, é gradativamente
ao local e aos sujeitos implicados; e a segunda, que representada na Figura 1.

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Alfredo Eurico Rodrigues Matta; Francisca de Paula Santos da Silva; Edivaldo Machado Boaventura

Figura 1 – Ciclos de aplicação, análise, avaliação e validação da DBR

Tantas aplicações
(Curto prazo–casos)
quanto necessárias
Aplicação

Aplicação Aplicação
Aplicação

Análise e Análise e
Análise e Análise e
Avaliação, Avaliação,
Avaliação, Avaliação,
Validação Validação
Validação Validação

(A longo prazo as investigações vão se reforçando, o que pode possibilitar a identificação de relações causais
mais abrangentes, embora sempre questionáveis a cada novo caso de aplicação)

Fonte: Elaborada pelos autores.

Design-Based Research (DBR): Fase 1 – Análise do problema prático por pes-


aplicando a metodologia quisadores e sujeitos engajados em colaboração.
Nesta primeira fase deve-se concentrar na
Concorda-se com Herrington e colaboradores identificação do problema, que para a DBR tem
(2007) quando defendem que se uma pesquisa uma dimensão muito particular. O problema é
tem intenção de casar um projeto teoricamente prioritariamente pensado em termos de uma so-
robusto com as necessidades e validações locais
lução aplicada a uma dada necessidade de práxis
de uma comunidade de aprendizagem, a DBR é
de processo de construção de conhecimento: uma
uma abordagem metodológica com todo potencial
forma de intervenção, o desenvolvimento de um
para fazer isto. Também há concordância com os
jogo digital ou de um artefato digital tecnológico
autores quando afirmam que pesquisas de pós-
a ser utilizado; propostas de solução que poderão,
-graduandos, principalmente doutorandos, mas
também mestrandos, ou outros pesquisadores, ao terem uma aplicação validada, oferecer a so-
podem conseguir essa integração, teórico-prática, lução em práxis de uma dada situação-problema.
ao utilizar esta metodologia de investigação. Nesta O problema nasce de uma proposta de solução
seção, procura-se orientar sobre a construção de revelada como de interesse genuíno e relativo
uma proposta e condução de uma pesquisa DBR, a um processo cognitivo, validada tanto pela
inclusive para estudantes de pós-graduação stricto comunidade engajada na práxis em questão –
sensu, tendo como principal fonte o já citado texto uma escola, uma comunidade, uma organização,
de Herrington e colaboradores (2007). uma comunidade de aprendizagem – como pelo
A seguir, apresenta-se o Quadro 1, onde se investigador, que de fato assume a posição de
expõe as fases, os tópicos que pertencem a cada pertencer a esta comunidade. Lembrar que para
uma delas, e uma sugestão de posição e estru- ser DBR este problema deve ser definido por uma
turação destes tópicos e fases na construção de colaboração fruto de estrito compartilhamento
uma proposta de pesquisa aplicada de metodo- de processo entre todos os envolvidos na práxis
logia DBR. referente ao problema.

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Design-based research ou pesquisa de desenvolvimento: metodologia para pesquisa aplicada de inovação em educação do século XXI

Quadro 1 – Fases da pesquisa DBR e elementos para a construção do documento de Proposta da Pesquisa
FASES DA DBR TÓPICOS POSIÇÃO DA PROPOSTA
Fase 1: Análise do problema por Definição do problema.
investigadores, usuários e/ou Definição de Problema, ou Introdu-
Consulta recíproca entre
demais sujeitos envolvidos em sujeitos engajados na práxis e ção, ou Fundamentação, ou Contexto.
colaboração. investigadores.
Questões de pesquisa. Questões de pesquisa.
Contextualização e/ou revisão de
Contexto, ou Revisão de Literatura.
literatura.
Fase 2: Desenvolvimento da Construção Teórica.
proposta de solução responsiva Desenvolvimento de projeto de
aos princípios de design, Quadro teórico.
princípios para orientação do plano
às técnicas de inovação e de intervenção.
à colaboração de todos os Descrição da proposta de
envolvidos. Metodologia.
intervenção.
Fase 3: Ciclos iterativos de Implementação da intervenção
aplicação e refinamento em (primeira iteração).
práxis da solução. Participantes.
Coleta de informações.
Análise das informações.
Implementação da intervenção Metodologia.
(segunda iteração).
Participantes.
Coleta de informações.
Análise das informações.
Fase 4: Reflexão para produzir Princípios de design.
“Princípios de Design” e
melhorar implementação da Artefato(s) implementado(s). Metodologia.
solução. Desenvolvimento profissional.
.
Fonte: Elaborado pelos autores.

Assim como em outras metodologias, as ques- vai facilitar o desenvolvimento dos princípios de
tões de pesquisa emergem do problema. Em DBR intervenção, bases da construção da aplicação, para
ele está relacionado com as considerações sobre que os projetistas possam considerar-se imersos no
práticas inadequadas existentes, ou com a perspec- problema e na comunidade de práxis envolvida,
tiva de propostas de práticas responsivas às vali- já que estarão assim entendendo e engajados em
dações da comunidade de práxis ou aprendizagem uma situação compartilhada de problema e busca
engajada na solução desejada. Uma opção comum de solução, legitimando-se assim como partes
para estudantes de pós-graduação, para Herrington implicadas, e a partir da busca da solução, em si-
e colaboradores (2007), é desenvolver questões tuação de colaboração ativa e válida segundo suas
relacionadas à fase e organização de construção próprias vivências. Portanto, a contextualização
do Quadro 1. da DBR é muito mais que a tradicional elabora-
Van Den Akker (1999) nota que a DBR desen- ção de Revisão de Literatura, estando, segundo se
volve e, de fato, necessita de uma mais intensiva interpreta, muito próxima da prática colaborativa
investigação preliminar dos desafios, das tarefas, de compreensão e construção de conhecimento
problemas, contextos relacionados à pesquisa e à e práxis das comunidades. É desta forma que se
comunidade engajada na solução a ser aplicada, interpreta estar a DBR muito próxima, no que
incluindo a busca por uma mais acurada e expli- se refere à forma de proceder, à construção do
cita conexão entre o contexto e diálogos com a conhecimento, das propostas praxiológica desen-
literatura existente. É esta contextualização que volvidas a partir de Gramsci (1995, 2009), e que

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Alfredo Eurico Rodrigues Matta; Francisca de Paula Santos da Silva; Edivaldo Machado Boaventura

continuam em desenvolvimento neste início de o passo seguinte será a implementação e avaliação


século XXI (MARTINS, 2008). A contextualidade da intervenção em ação. A DBR é uma abordagem
a ser construída deve desenvolver-se na direção do de pesquisa, e não um método propriamente dito,
situar legítima e colaborativamente a investigação e por isso métodos qualitativos ou quantitativos
e investigadores, acadêmicos ou outros sujeitos podem ser utilizados na medida em que forem
comunitários, em situação de compartilhamento interpretados como relacionados aos fenômenos
do processo vivenciado e ao qual se deseja aplicar em estudo, e voltados para a aplicação prática e
uma solução, construindo assim uma dialética de seu desenvolvimento. A proposta de pesquisa em
construção legítima, e colaborativamente válida, construção deve revelar estes métodos e processos
participação em comunidade de práxis. Novos quantitativos ou qualitativos que serão usados no
desdobramentos e situações de pesquisa podem estudo. A proposta deve incluir também análises
provocar novas necessidades de estudos de contex- sobre a possibilidade, e até mesmo sobre a con-
to e de teoria. Esta primeira fase pode também ser veniência de modificações na aplicação ortodoxa
interpretada como um primeiro ciclo de construção de metodologias nas fases de coleta e análise do
de conhecimento iterativo. andamento do estudo.
Fase 2 – Desenvolvimento de soluções cons- A respeito das iterações, a DBR assume que
truídas a partir dos princípios de design existentes uma única implementação de solução raramente
e de inovações. será suficiente para ter evidências sobre o sucesso
Para elaborar soluções aplicadas é necessário de uma intervenção. Um estudo DBR deve ter dois
assumir uma posição teórica comunitária, que ou mais ciclos de aplicação, os quais vão, a partir
assuma os propósitos de engajamento dos sujeitos da análise da aplicação anterior, provocar altera-
envolvidos no problema. Esta posição teórica, sem- ções e refinamentos na intervenção proposta, que
pre validada em diálogos com a comunidade, vai assim vai se desenvolvendo. A proposta da DBR
servir de princípio para a construção da proposta é aplicar e solucionar, e não provar alguma coisa.
de aplicação. A teoria deve ser validada como me- É nesta perspectiva que para a abordagem DBR o
diação de compreensão do contexto pelo coletivo contexto deve ser entendido como um meio para
envolvido, tendo inclusive a possibilidade de ser um fim e não um fim em si mesmo. A intenção é
base para transformações nas práxis dos sujeitos. A obter uma compreensão que terá significado para
construção da posição teórica deve estar direciona- além do ajuste imediato. Em razão da natureza
da para a elaboração de um conjunto de princípios altamente situada da DBR, os participantes da
que serão utilizados para elaboração da proposta de investigação são fundamentais. A DBR não é uma
aplicação, que assim ganhará uma primeira versão atividade que um pesquisador pode realizar isola-
definida pelos princípios teóricos. Segundo nossa damente. Na maioria das vezes, os participantes
interpretação, trata-se de uma segunda iteração, na são sujeitos implicados na prática aplicada que está
qual os caminhos e contextos apontados na Fase sendo implementada – são pessoas envolvidas com
1 são analisados segundo os princípios teóricos a comunidade de aprendizagem que é o foco ou
para que possa existir a modelagem primeira da contexto para o estudo. Pois é assim que o diálogo
aplicação desejada. Esta proposta embrionária, de avaliação e validação de cada ciclo de aplicação
já construída a partir de uma posição teórica do deve ter como regra a responsividade em relação à
coletivo, deverá então ser trabalhada a partir do comunidade envolvida e suas questões.
refinamento do entendimento da teoria, da con- O levantamento de dados pode envolver coleta
sulta e colaboração entre investigadores e demais de natureza quantitativa e/ou qualitativa, e deve
sujeitos participantes, e assim atender ao caráter também ser realizado em ciclos. Os tipos de dados
necessariamente responsivo da DBR. e métodos de coleta podem variar por ciclo, ou
Fase 3 – Ciclos iterativos de aplicação e refina- por outro critério, contanto que bem articulados
mento da solução em práxis da solução. com o conjunto da investigação e sempre bem
Uma vez que um ambiente de aprendizagem ou acompanhados. Lembre que enquanto o método
intervenção tenha sido projetado e desenvolvido, experimental primeiro procura o controle da inves-

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Design-based research ou pesquisa de desenvolvimento: metodologia para pesquisa aplicada de inovação em educação do século XXI

tigação, a DBR prefere acompanhar os processos um potencial de generalização dialógico, bastante


investigados. Os ciclos subsequentes não podem aplicado, e capaz de transformar seu potencial de
ser descritos, pois dependem das avaliações do generalização, mesmo limitado, em desenvolvi-
primeiro ciclo. Apesar disso é possível descrever mento de aplicações concretas, responsivas ao
a natureza cíclica, a previsão de avaliações e pos- comunitário, e sempre realizados em diálogo com
síveis correções na aplicação, o que vai robustecer os conhecimentos locais. Os avanços práticos vão
a proposta da pesquisa. acontecendo a partir da replicação dos princípios
Fase 4 – Reflexão sobre princípios de design e que sempre dialogam com a comunidade, e o co-
perspectivas de novos melhoramentos na solução nhecimento vai avançando em práxis comunitárias.
implementada. Por outro lado, em DBR, os produtos resultados
Aplicar DBR implica como resultados: a) novos da pesquisa são de importância decisiva, a ponto
conhecimentos; e b) novos produtos. No momento de, sem eles considerar-se com relativo insuces-
em que se escreve a proposta de pesquisa, é difícil so o procedimento de investigação. Os artefatos
especificar resultados que ainda serão realizados. resultantes design podem ser softwares, desenvol-
Entretanto, descreve-se a visão do momento do seu vimento profissional, desenvolvimento atitudinal
processo de desenvolvimento, o que será de grande comunitário ou outro pertinente ao processo cog-
valia para dimensionar a pesquisa. O resultado da nitivo estudado, mas sempre de natureza prática e
DBR em termos de conhecimento científico toma realizados em práxis social.
a forma de Princípios Teóricos, ou de Design, Ao recomendar um sumário elementar para uma
resultante da heurística evidenciada pela práxis da pesquisa DBR, apenas acrescento uma seção de Con-
aplicação desenvolvida. siderações Éticas, pois o investigador deve dialogar
Do ponto de vista da ciência tradicional, o po- a respeito das possibilidades de impacto de sua pes-
tencial de generalização da DBR é bastante limita- quisa na comunidade parceira. Uma Linha do Tempo,
do. Ao contrário, quando se pensa na possibilidade ou cronologia, é parte indispensável de uma proposta
de construção gradativa e replicação contextuali- DBR. Além disso, é considerar as quatro fases.
zada dos princípios de design, resultado científico Para encerrar, apresenta-se a seguir uma orga-
do diálogo prático entre as teorias e a validação co- nização recomendada de sumário de proposta de
munitária, percebe-se que estes resultados contêm pesquisa DBR.

Quadro 2 – Fases da pesquisa DBR e elementos para a construção do documento de Proposta da Pesquisa
Sumário para Proposta de Pesquisa DBR
1. Definição de Problema ou Introdução ou Fundamentação ou Contexto – resultante de processo de consulta
mútua entre investigadores e sujeito engajados na práxis em questão na pesquisa.
2. Questões de pesquisa.
3. Contexto ou Revisão de Literatura – preliminar.
4. Quadro teórico.
a. Esboço de princípios teóricos de orientação para o projeto de intervenção.
5. Metodologia
a. Descrição da proposta
b. Detalhamento da proposta de intervenção
c. Implementação da intervenção - primeira iteração
i. Participantes
ii. Procedimentos para levantamento de informações
iii. Procedimentos de análise de informações
iv. Procedimentos de revisão da intervenção
d. Implementação da intervenção - segunda e posteriores iterações
i. Participantes

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Alfredo Eurico Rodrigues Matta; Francisca de Paula Santos da Silva; Edivaldo Machado Boaventura

ii. Procedimentos para levantamento de informações


iii. Procedimentos de análise de informações
iv. Procedimentos de revisão da intervenção
e. Refinamento dos Princípios de Design e Apresentação dos Produtos
6. Considerações éticas
7. Linha do tempo ou cronologia
8. Recursos Necessários
Fonte: Elaborado pelos autores.

DBR em práxis desenvolvimento de um projeto DBR que as acolhe


no conjunto. A pesquisa inicial definiu os princípios
A DBR chegou aos grupos de pesquisas como socioconstrutivistas e de design geral do jogo em
uma solução melhor estruturada daquilo que já 2011 (CABALERO et al, 2012). Depois disto, assu-
se fazia. Foi assim que se associou experiências mindo os princípios de design socioconstrutivistas
anteriores em pesquisa aplicada como pertencente e o jogo RPG By Moodle em seu formato original
ao quadro e perspectiva epistemológica da DBR, como princípios de design, desenvolveram-se os
fato comprovado pela continuidade das propostas ciclos de pesquisa. O primeiro foi a pesquisa de
e investigações, com apenas alguns ajustes, a partir Mestrado de Eudes Vidal (2013), que desenvolveu
do momento em que a metodologia começou a aplicação do jogo para o ensino de História sobre
fazer parte de práxis dos grupos explicitamente. É a Guerra de Canudos a estudantes de História do
desta forma que se faz, a seguir, as apresentações sertão da Bahia. A segunda foi o também trabalho
das experiências práticas com a DBR. de mestrado de Isabele Sodré (2013), que aplicou
o jogo digital ao ensino sobre cidadania e pluricul-
RPG By Moodle turalidade a estudantes do ensino fundamental em
Desde 2007, os grupos têm se debruçado sobre escolas de bairros populares da cidade do Salvador.
uma concepção de jogo digital educacional com Estão em curso aplicações do jogo para o ensino
processos de ensino-aprendizagem on-line pouco em Segurança Pública da Polícia Militar da Bahia,
explorados até o momento. O RPG By Moodle outra para a aprendizagem de ações sobre Turismo
foi desenvolvido primeiramente como modelo de de Base Comunitária em escolas secundárias, e ou-
jogo digital que simulava em rede internet, e em tros projetos em andamento. Desta forma estamos
diálogo com o sistema de gestão da EAD, Moo- transformando cada nova aplicação do RPG By
dle (MOODLE, 2013), os jogos RPG de mesa, Moodle em um novo ciclo de refinamento DBR
tais como o D&D (WARNER BROSS, 2014) e o sobre a aplicação e desenvolvendo pesquisas DBR
GURPS (STEVEN JACKSON GAME, 2014). A envolvendo vários níveis de complexidade de in-
ideia é desenvolver em rede um sistema gestor para vestigação de nosso grupo de pesquisa, incluindo
realização deste tipo de jogo via internet, on-line aí mestrandos e doutorandos.
e à distância. Um RPG para uso em Educação a
Distância (EAD) e em educação on-line. A adoção Museu Virtual por Modelagem 3D
da DBR aconteceu de forma que se realizaram os Outro trabalho foi desenvolvido na pesquisa
ciclos de refinamento das aplicações do RPG by sobre Simulações, Modelagem 3D e Museu Virtual,
Moodle a cada momento em que uma nova pesqui- o qual está em curso. Da mesma forma, utilizamos
sa aplicada se desenvolvia. Ou seja, cada aplicação o design cognitivo socioconstrutivista como prin-
está ligada a um estudo de doutorado ou mestrado, cípio de design para a construção de modelos 3D
ou a uma pesquisa por demanda do jogo educacio- dialógicos desenvolvidos para o apoio ao ensino
nal. As dissertações resultantes, embora singulares, e estudos da História. Dois trabalhos foram de-
no sentido de serem da responsabilidade de um senvolvidos por dois mestrandos sobre a cidade
mestrando, ou doutorando, compõem ciclos de do Salvador em 1551. A construção dos projetos

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Design-based research ou pesquisa de desenvolvimento: metodologia para pesquisa aplicada de inovação em educação do século XXI

também foi feita de forma a transformar cada in- a valorização da cultura comunitária; uma maior
vestigação de mestrado em um ciclo de refinamento consideração da sabedoria dos moradores mais
da aplicação do Museu Virtual. Maria Antônia antigos; uma dinâmica comunitária representada
Gomes (2011) iniciou trabalhando o Museu Virtual pelos saberes, sabores e fazeres dessa gente, que
aplicado à situação de visitas em uma página WEB são e estão acima do valor financeiro da atividade
aberta ao público. Uma segunda pesquisa foi rea- turística. Esta atividade será complementar à renda
lizada por Kleber Freitas (2012), desenvolvendo a dos envolvidos. Este é o maior legado que a uni-
aplicação 3D para uso em um curso de Educação versidade enquanto gestora da educação superior
a Distância. Destas duas aplicações iniciais, agora poderia deixar para estas comunidades. A comuni-
estamos desenvolvendo a aplicação dos mesmos dade é sujeito investigador, parceira de igual para
princípios para o desenvolvimento de um Museu igual com os investigadores da academia.
Virtual Modelagem 3D sobre o Teatro São João,
e outro que está sendo construído sobre o antigo Conclusão
Quilombo Cabula.
Em conformidade com o que apresentamos, in-
Turismo de Base Comunitária terpreta-se o grande potencial, que apenas desponta
O projeto Turismo de Base Comunitária foi atualmente, para que a DBR possa ser aplicada na
elaborado a partir de experiências articuladas entre direção de construir propostas de melhoramento
ensino, pesquisa e extensão, e de percepção da falta e de aplicação de soluções práticas, cujo ponto
de articulação entre ações realizadas nas comuni- forte será a validação comunitária, e até mesmo a
dades dos bairros populares localizados no entorno parceira e coautoria dos sujeitos da comunidade,
da Universidade do Estado da Bahia. que desta forma, ao lado, e tendo a metodologia
O escopo principal desse projeto é construir, científica a seu serviço, e não o contrário, poderão
com as comunidades do Cabula, caminhos alterna- contar com este aporte para que se possa desen-
tivos para o desenvolvimento local sustentável, a volver as soluções tão demandadas hoje em dia.
partir do turismo de base comunitária e da econo- Interpretamos que a DBR acaba pondo em diá-
mia solidária, visando à formação de redes sociais logo produtivo e prático o conhecimento universitá-
cooperadas, organização dos arranjos produtivos rio e científico com o saber popular comunitário, de
locais, empoderamento social, cultural, ambiental, maneira que os dois passam a ser parceiros respei-
político, econômico e do legado de grupos de etnias tados e companheiros de construção para benefício
indígenas e de origens africanas. mútuo. O principal é que a DBR considera o saber
As ações estão se desenvolvendo em eixos. No comunitário com a última instância, e isso contri-
que se refere à DBR, cada eixo do projeto, com bui para que a comunidade não seja invadida ou
um foco especializado, é um ciclo de pesquisa e tolhida, muito menos invalidada ou ainda abduzida
investigação da aplicação dos princípios de sus- de seus valores e saberes, frequentemente, até hoje,
tentabilidade, economia solidária, empoderamento desapropriados e distorcidos. A necessidade da va-
e outros. lidação e controle por parte da comunidade obriga a
O projeto considera desde a sua origem uma DBR a adotar outra ecologia cognitiva, baseada no
participação das comunidades dos bairros, de princípio do serviço do científico acadêmico, desta
modo que todos sejam protagonistas do processo forma submetido ao saber comunitário.
que envolve diálogos e reflexões feitas com os Esperamos que este potencial possa revelar-se
moradores das comunidades, para que possa haver nos próximos anos.

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Recebido em: 29.05.2014


Aprovado em: 16.07.2014

36 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 23-36, jul./dez. 2014
Cassiano Zeferino de Carvalho Neto; Araci Hack Catapan

TECNOLOGIA E DESIGN DE COMPLEXMEDIA DEDICADA À


EDUCAÇÃO DIGITAL: UM RELATO DE CASO

Cassiano Zeferino de Carvalho Neto∗


Araci Hack Catapan∗∗

RESUMO
A educação concebida e realizada com suporte digital apresenta na atualidade um
complexo conjunto de redes sociotecnológicas, com interface hipermidiática múltipla
e multifacetada, com possibilidades de interação por comunicação presencial e remota.
A este paradigma se pode chamar de “Educação Digital”. Considera-se, como ponto
de partida conceitual deste artigo, um processo de modelagem teórica em mídia do
conhecimento no formato de hipermídia complexa (Complexmedia), a qual comporta
objetos educacionais nas modalidades de Simuladores-Animadores (SF), Experimentos
Educacionais (EE), Áudio (RD) e Audiovisual (TV). O referencial teórico é suportado
pela Teoria Socio-histórica a partir de um diálogo estabelecido entre os três principais
autores que emprestarão sustentação às investigações: Vygotsky (1984, 1993),
Leontiev (1978) e Thompson (1998). Aspectos complementares de fundamentação
estruturam-se em Morin e Le Moigne (2000), na revisão do conceito de tecnologia
educacional e construção do conceito de Ciberarquitetura (CARVALHO NETO, 2006),
que amparam a modelagem teórica em mídia do conhecimento, na modalidade de
hipermídia complexa (Complexmedia). O modelo de autoria tecnológica e design em
mídia do conhecimento foi oportunizado e deflagrado por ocasião da chamada pública
para o Projeto CONDIGITAL, lançado por via editalícia pelo Ministério da Ciência
e Tecnologia (MCT) e Ministério da Educação (MEC), com financiamento do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e executado no período 2007
a 2010 pelo Instituto Galileo Galilei para a Educação (IGGE), a partir de aprovação
federal com o título original da obra Física Vivencial: uma Aventura do Conhecimento.
Palavras-chave: Educação digital. Objetos educacionais digitais. Complexmedia.
Plataforma complexmedia. Engenharia e gestão do conhecimento.

ABSTRACT
COMPLEXMEDIA TECHNOLOGY AND DESIGN DEDICATED TO DIGITAL
EDUCATION: A CASE REPORT
Education designed and carried out with digital support presents today a complex set
of socio-technological networks with multiple and multifaceted hypermedia interfaces,
with possibilities of face-to-face and remote communication. This paradigm can be
called ‘Digital Education’. We consider as a conceptual starting point of this article a

Doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pós-doutor em Edu-
cação Digital pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Fundador, atual presidente e pesquisador-coordenador sênior do
Instituto Galileo Galilei para a Educação (IGGE). carvalhonetocz@gmail.com
∗∗
Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Universidade Federal de Santa
Catarina, Centro de Ciências da Educação, Departamento de Metodologia de Ensino. Campus Universitário – Trindade. CEP:
88040-900 – Florianópolis-SC. Caixa Postal: 476. aracihack@gmail.com

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Tecnologia e design de complexmedia dedicada à educação digital: um relato de caso

theoretical modeling process of knowledge media through a complex hypermedia format


(Complexmedia), from which educational objects are derived in terms of Animators –
simulators (SF), Educational Experiments (EE), Audio (RD) and Audiovisual (TV). The
theoretical frame work comes from Socio-historical Theory from a dialogue between the
three main authors that underpin our investigations: L. S. Vygotsky (1984, 1993), A. N.
Leontiev (1978) and J. B. Thompson (1998). Complementary aspects of reasoning are
structured according to E. Morin (2000), reviewing the concept of educational technology
and the construction of the concept of Cyber architecture (CARVALHO NETO, 2006),
which are the basis for theoretical modeling of knowledge media, in the hypermedia
complex mode (Complexmedia). The model of technological authorship and design of
knowledge media was triggered during the public call for CONDIGITAL Project, public
notice launched by the Ministry of Science and Technology (MCT) and the Ministry
of Education (MEC), with funding of the National Fund for Education Development
(FNDE) and implemented in the period from 2007 to 2010 by Galileo Galilei Institute
for Education (IGGE) from federal approval according to the original title of the work
living Physics: an adventure of knowledge.
Keywords: Digital Education. Digital Educational Objects. Complexmedia.
Complexmedia Platform. Engineering and Knowledge Management.

O contexto, a justificativa, o tema ciação de um Comitê de Avaliação composto por


especialistas convidados brasileiros e de outros
Em 24 de abril de 2007 foi lançado um novo países. Este projeto foi aprovado e, ao longo de
Plano de Desenvolvimento para a Educação (PDE quatro anos, produziu e disponibilizou um total de
2007) no Brasil. Neste Plano, dentre outras pro- 208 (duzentos e oito) objetos educacionais digitais
vidências, uma das metas era a implementação Complexmedia, distribuídos da seguinte forma:
de tecnologias, técnicas, mídias e hipermídias 120 (cento e vinte) Simuladores-Animadores (SF),
digitais dedicadas à Educação. Uma das medi- em complexmedia; 40 (quarenta) Experimentos
das efetivas foi a publicação do Edital Público Educacionais (EE), em complexmedia; 24 progra-
(001/2007 MCT/MEC), gerado em conjunto entre mas em Áudio (RD); e 24 programas em Audiovi-
o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério sual, em hipermídia complexa (TV).
da Ciência e Tecnologia (MCT), com recursos É nesse contexto que se insere este artigo, que
geridos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento discute a concepção educacional, tecnológica e
da Educação (FNDE). Esse edital, que ficou co- midiática quanto à gestão e produção de objetos
nhecido por CONDIGITAL, tinha a finalidade de educacionais digitais e sua modelagem em hi-
financiar projetos educacionais para a criação de permídia complexa, complexmedia e plataforma
objetos educacionais digitais, por instituições que complexmedia (CARVALHO NETO, 2011).
tivessem seus projetos aprovados por um Comitê Neste artigo será dada ênfase à concepção e pro-
de Avaliação formado pelos dois ministérios, e dução de Complexmedia, com ênfase na modalidade
os objetos educacionais produzidos e aprovados Simuladores-Animadores. As outras modalidades de
seriam depositados em um silo digital, denomina- mídia poderão ser conhecidas no sítio mencionado.
do Banco Internacional de Objetos Educacionais
(BIOE) (http://objetoseducacionais2.mec.gov.br/), Introdução
e disponibilizados pela Internet.
Na esteira desse cenário, entre agosto e outu- O modo de comunicação atual possibilita alter-
bro de 2007 foi elaborado o projeto denominado nativas inéditas, já exploradas em quase todos os
Física Vivencial: uma Aventura do Conhecimento demais setores, e precisa ser também empregado
(CARVALHO NETO, 2007), e submetido à apre- na educação em toda a sua potencialidade. Pensar

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Cassiano Zeferino de Carvalho Neto; Araci Hack Catapan

a Educação Digital não é apenas uma vontade ou licas de Thompson (1998), o sujeito se desenvolve
um modismo, mas uma necessidade emergencial, cognitivamente (VYGOTSKY, 1984). Sendo assim:
pois amplia de fato condições e possibilidades de Quanto mais o indivíduo vai utilizando signos, tanto
oferta de uma educação e formação atualizada e mais vão se modificando, fundamentalmente, as ope-
estendida a maior número de pessoas (CARVA- rações psicológicas das quais ele é capaz. Da mesma
LHO NETO, 2011). forma, quanto mais instrumentos ele vai aprendendo
A elaboração de um modelo teórico em mídia do a usar, tanto mais amplia, de modo quase ilimitado,
conhecimento, envolvendo hipermídia complexa a gama de atividades nas quais pode aplicar suas
(Complexmedia) e a Plataforma Complexmedia, novas funções psicológicas. (VYGOTSKY, 1984
como elementos estruturadores de um sistema de apud MOREIRA, 2002, p. 119).
engenharia e gestão do conhecimento dedicado à Por outro lado, ainda conforme pontua Arruda
Educação Digital, seus desdobramentos na con- (2004, p. 74) em sua obra Ciberprofessor,
cepção, na produção e disseminação de objetos
A inovação no trabalho docente pode ser constatada
educacionais digitais, insere-se no amplo contexto
não pelo uso puro e simples do computador em seu
previamente delineado no presente artigo.
cotidiano, mas a partir do momento em que esses
equipamentos alteram de forma significativa o olhar
Referencial Teórico do docente diante do seu trabalho, suas concepções de
Tendo como pressuposto a complexidade que educação, seus modelos de ensino-aprendizagem etc.
envolve a temática que será desenvolvida neste
artigo, foi preciso recorrer a um marco teórico com E afirma, ainda: “O computador permite criar
mais de um eixo de referência. De fato se trata de ambientes de aprendizagem que fazem surgir
novas formas de pensar e aprender” (ARRUDA,
construir a intersecção de referenciais teóricos que
2004, p. 75).
contemplem os seguintes eixos: Cultura, Educação,
Outras considerações deverão, ainda, se voltar
Mediação e Gestão do Conhecimento; Tecnologia,
a referenciais conceituais que procurarão apontar
Mídia e Informação; e, finalmente, Arquitetura e
para outro foco investigativo, como aqueles que se
Design de Objetos Educacionais Digitais.
relacionam ao tema da arquitetura e design de hi-
No momento em que se engendram, com frequ-
permídia e hipermídia complexa, esta última dora-
ência crescente, pesquisas educacionais voltadas a vante considerada neste artigo como categoria que
conhecer o impacto de tecnologias, mídias e técni- abrange a Complexmedia (CARVALHO NETO,
cas digitais na educação presencial, semipresencial 2011). Estas considerações serão fundamentais para
e não presencial, proporciona-se como decorrência dar suporte às elaborações que serão feitas a partir
deste novo cenário uma mais ampla e profunda do estudo de caso relacionado ao CONDIGITAL,
reflexão a respeito das formas de mediação dos pro- uma vez que os modelos de mídia e conhecimento
cessos pedagógicos. Partindo da premissa de que o estudados incorporam intensamente esses aspectos.
desenvolvimento cognitivo não pode ser entendido
sem referência ao contexto sociocultural no qual ele A modelagem teórica de
ocorre, e que os processos mentais superiores do complexmedia
indivíduo têm origem também em processos sociais,
um dos pilares da teoria de Vygotsky (1984), então A concepção de arquitetura e design de Comple-
se visa estabelecer uma interface entre estes postula- xmedia deriva da construção de um sistema hipo-
dos e as considerações que dão conta do fato de que tético-dedutivo cujos objetos educacionais digitais
as tecnologias digitais da comunicação e informação dele decorrentes estão relacionados a uma prova de
estabelecem formas de socialização distribuídas na natureza experimental, acompanhada por um Comitê
malha digital e, portanto, com possibilidades de de Validação formado por pares de especialistas.
ensino-aprendizagem que podem ser consideradas De acordo com Bunge (1974, p. 11),
não triviais. Com a apropriação (internalização) de O modelo conceitual negligenciará numerosos
instrumentos e sistemas de signos culturalmente traços da coisa e afastará as características que
produzidos, a partir da categoria de formas simbó- individualizam os objetos: mas, desde Aristóteles

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Tecnologia e design de complexmedia dedicada à educação digital: um relato de caso

convencionou-se que não há ciência a não ser a do dizem respeito ao processo de autoria de objetos
geral. E se um dado modelo não oferece todos os teóricos em mídia do conhecimento, envolvendo
detalhes que interessam poder-se-á em princípio hipermídia complexa que culmina na criação con-
complicá-lo. A formação de cada modelo começa por ceitual da Complexmedia e Plataforma Comple-
simplificações, mas a sucessão histórica dos modelos
xmedia, como entes respectivamente estrutural e
é um progresso de complexidade.
estruturante de um sistema de engenharia e gestão
Assim sucede com a modelagem teórica de do conhecimento dedicado à Educação Digital.
Complexmedia e da Plataforma Complexmedia, Dentre os requisitos essenciais de processos
pois modelos construídos por meio da intuição e da pedagógicos voltados à educação está a gestão da
razão e submetidos à prova da experiência foram informação, que demanda, dentre outros aspectos,
bem sucedidos e, sobretudo, são suscetíveis de produção, codificação, trânsito, armazenamento,
serem corrigidos segundo a necessidade. recuperação, disponibilização mediada por redes
A Complexmedia é construída com categorias complexas, decodificação e interpretação. Nas
de mídias do conhecimento caracterizadas através ciberarquiteturas (CARVALHO NETO, 2006),
de funções conceituais fundamentadas em pres- em que estão presentes humanos e mídias, inter-
supostos teóricos disponíveis em arcabouços de ligados por técnicas derivadas de tecnologias da
teorias abrangentes, como a Teoria Sócio-histórica informação, a digitalização da informação passou
(VYGOTSKY, 1984), Teoria da Cultura (THOMP- a ter importância capital para a chamada sociedade
SON, 1998) e Teorias da Informação, Cibernética do conhecimento.
e Sistemas (MORIN; LE MOGNE, 2000); e algo A digitalização da informação operou uma
similar decorre para a Plataforma Complexmedia. revolução profunda no mundo da comunicação,
Enquanto um objeto-modelo se refere a esboços caracterizada, em particular, pelo aparecimento de
hipotéticos de coisas, o modelo teórico envolve dispositivos multimídia e por uma ampliação extra-
fatos supostamente reais. ordinária das redes telemáticas. “[...] Observa-se,
De acordo com Bunge (1974, p. 32), qualquer igualmente, uma crescente penetração destas novas
representação esquemática de um objeto pode ser tecnologias em todos os níveis da sociedade, facili-
denominada objeto-modelo, pois “A representação tada pelo baixo custo dos materiais, o que os torna
é parcial e convencional, além de que um objeto- cada vez mais acessíveis” (DELORS, 1996, p. 55).
-modelo deixará escapar certos traços de seus re- As tecnologias e mídias digitais têm em seu
ferentes, incluirá elementos imaginários e haverá âmago vinculação inseparável com a informação.
de recapturar apenas aproximadamente as relações Esta é uma das principais razões pelas quais os
entre os aspectos que ele incorpora”. processos de comunicação na educação, mediados
Nessa perspectiva metodológica, a Complexme- por tecnologias digitais, se revestem de importância
dia representa o elo entre um modelo teórico em crescente, na perspectiva do Problema Fundamen-
mídia e conhecimento e os objetos educacionais tal da Comunicação (CARVALHO NETO, 2006). É
digitais por ela modelados em seu formato tecno- por esta via também que se argumenta neste artigo
lógico final. ser pertinente a utilização do termo “Educação Di-
gital”, na perspectiva de um signo em construção
Complexmedia: autoria de modelo teórico dialógica.
em mídia do conhecimento e plataforma Um dos aspectos centrais referentes à autoria
complexmedia caracterizadas como do objeto educacional digital animação/simulação
entes, respectivamente, estrutural (SF) foi o de garantir uma interatividade na pers-
e estruturante, em um sistema de pectiva diferenciada, e destacada como relevante,
engenharia e gestão do conhecimento em contextos de mediação presencial e a distância.
dedicado à educação digital Se a possibilidade de um SF vir a ser utilizado por
estudantes em modo presencial, sob a supervisão
As considerações que serão apresentadas a se- de um professor, era um cenário esperado, havia
guir têm por objetivo situar os aspectos centrais que outro, menos trivial, mas possível de ocorrer, e o

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Cassiano Zeferino de Carvalho Neto; Araci Hack Catapan

mesmo apontava para situações não face a face essenciais, presentes na obra A Inteligência da
entre estudante e professor. Complexidade. A complexidade é apresentada
Com esse contexto considerou-se a possibilida- como um edifício de muitos andares, onde a base
de de trabalhar com um Avatar1 (que já havia sido está formada a partir de três teorias (Informação,
criado no ”Projeto Original”, tendo por nome “Pro- Cibernética e Sistemas) e comporta as ferramentas
fessor Galileo Lattes”, em homenagem aos físicos necessárias para uma Teoria da Organização. A
Galileo Galilei e Cesare Mansueto Giulio Lattes). esse edifício os autores trazem elementos suple-
Para fundamentar a construção conceitual de mentares, notadamente três princípios, que são o
uma Complexmedia e do que venha a ser uma Principio Dialógico, o Princípio de Recursão e o
Plataforma Complexmedia, é pertinente buscar-se Princípio Hologramático.
na literatura validada o entendimento que se tem O Princípio Dialógico une dois princípios ou
de alguns conceitos tecnológicos de fundamental noções antagônicas que aparentemente deveriam
importância para o entendimento do assunto, dentre se repelir simultaneamente, mas são indissociáveis
eles o de “hipermídia”, por vezes escrito “hiperme- e indispensáveis para a compreensão da mesma
dia”, e o de “hipertexto”, conforme se verá a seguir. realidade. “O físico Niels Bohr, por exemplo, reco-
Hipermídia, segundo Laufer e Scavetta (1995, nheceu a necessidade de pensar as partículas físicas
p. 36), “é a reunião de várias mídias num suporte ao mesmo tempo como corpúsculos e como ondas
computacional, apoiado por sistemas eletrônicos [...]” (MORIN; LE MOIGNE, 2000, p. 87). “O
de comunicação”. Já segundo Falkenbach (2003, problema é, pois, unir as noções antagônicas para
p. 83), “Hipermídia é uma nova forma de gerenciar pensar os processos organizadores, produtivos e
informações que permite criar, alterar, excluir, criadores no mundo complexo da vida e da história
compartilhar e consultar informações contidas humana” (MORIN; LE MOIGNE, 2000, p. 90).
em várias mídias, possibilitando o acesso às in-
Segundo os autores, o Princípio da Recursão or-
formações de uma forma não sequencial”. Ainda
ganizacional vai além do princípio da retroação (re-
segundo a mesma autora, “[...] pode-se dizer que
alimentação): ele ultrapassa a noção de regulação
hipermídia representa multimídia com hipertexto
para aquele de autoprodução e auto-organização. É
em que, multimídia combina texto, som, imagem,
um círculo gerador no qual os produtos e os efeitos
animação e vídeo, ou seja, múltiplos meios, para
são eles próprios produtores e causadores daquilo
exibir uma informação, e Hipertexto é um recurso
que vincula informações adicionais através de que o produz. Um dos corolários registrados pelos
links” (FALKENBACH, 2003, p. 91). autores afirma que “os indivíduos humanos produ-
Esta definição é particularmente importante na zem a sociedade mediante as suas interações, mas
medida em que inclui estruturas, componentes, a sociedade, enquanto um todo emergente, produz
conteúdos e funções que perpassam a Educação a humanidade desses indivíduos trazendo-lhes a
Digital. linguagem e a cultura” (MORIN; LE MOIGNE,
Ainda que o contorno do problema e do desen- 2000, p. 136).
volvimento conceitual de mídia do conhecimento Acredita-se que esses dois princípios são con-
favoreça a instalação de vias que possam conduzir vergentes com o referencial teórico geral mencio-
mais francamente a objetos-modelo, ou modelares, nado no que diz respeito à Teoria Socio-histórica
no caso objetos educacionais digitais, cuidam-se e aos Postulados Vygotsky-Thomson e Leontiev-
aqui das dimensões conceituais que estão no âmago -Thompson (CARVALHO NETO, 2006).
do problema investigado. Por fim os autores citados apresentam o terceiro
Para esse diálogo, inicialmente evoca-se Morin princípio, o Princípio Hologramático, colocando
e Le Moigne (2000), em aspectos considerados em evidência o aparente paradoxo de certos siste-
1 Termo que vêm do sânscrito e significa, literalmente, “encar-
mas nos quais não somente a parte está no todo,
nação”. Na internet é utilizado para designar a representação mas o todo está na parte. Como exemplo:
gráfica que cada usuário cria para si mesmo em um fórum
de discussão, em uma sala de chat, em um jogo ou em um Desse modo, cada célula é uma parte de um todo – o
mundo virtual. organismo global – mas o todo está na parte: a tota-

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 37-48, jul./dez. 2014 41
Tecnologia e design de complexmedia dedicada à educação digital: um relato de caso

lidade do patrimônio genético está presente em cada como o paradigma da sociedade atual: o que im-
célula individual. Da mesma maneira, o indivíduo é porta é possibilitar ao aluno viver a situação-pro-
uma parte da sociedade, mas a sociedade está pre- blema, experimentar suas características, analisar
sente em cada indivíduo enquanto ‘todo’ através da propriedades e relações, criar e aplicar soluções e
sua linguagem, sua cultura, suas normas. (MORIN;
avaliar resultados, continuamente e com problemas
LE MOIGNE, 2000, p. 138, grifo do autor)
sucessivos.
Dentre os aspectos mais importantes na dialogi- A Contextualização, primeira categoria da
cidade ciência-tecnologia podem se destacar aque- Complexmedia, enquanto processo pedagógico
les relacionados ao crucial inter-relacionamento recorrente torna-se vinculada ao fio sociocultural
entre a Física, mais especificamente enquanto e ciberarquitetônico em que os atores sociais estão
fundamento teórico-epistemológico, e as tecnolo- presentes, na modalidade de conhecimento tácito
gias que podem decorrer desse conhecimento. Este passível de ser registrado, por via informacional,
pode ser entendido como conhecimento social, o em mídia do conhecimento, através de registro por
conhecimento em comunicação e o conhecimento fotografia, áudio, audiovisual, captação seguida
em ação. “Não pode haver conhecimento social por simulação e outras técnicas e modalidades de
a menos que seja formado, mantido, difundido e documentação. Tais registros se prestam, dentre
transformado dentro da sociedade, entre indivíduos outras possibilidades, a criar cenários sociais es-
ou entre indivíduos e grupos, subgrupos e culturas. pecíficos de modo que indivíduos que participem
O conhecimento social se refere às dinâmicas da de tais processos possam situar-se nos contextos
estabilidade e das mudanças” (MARKOVÁ, 2006a, apresentados, estabelecendo elos de vinculação
p. 27). Às relações dessa natureza se pode chamar com outros indivíduos e suas ações de natureza
de significativas. tácita, permitindo-lhe ou facilitando-lhe inte-
Matta (2006) tece comentário à imersão em am- grar novos dados a novas situações similares às
bientes de aprendizagem construtivista. Segundo vivenciadas, transformando-os em informações
esse autor, hipermídia são sistemas educacionais intelectivas, fundamentais para o desenvolvimento
prontos e complexos, evoluídos dos sistemas dos processos cognitivos e, inclusive, criando um
tutoriais inteligentes (STI). Segundo ele, nestes arcabouço ideológico prévio para a produção de
sistemas o aluno passa a experimentar suas relações conhecimento explícito.
com os elementos do sistema programado, como se Para o audiovisual, mediado por um Avatar,
ele fosse participante de um meio real. foi preciso conceber um texto que permitisse a
Ainda segundo Matta (2006), é impossível re- abordagem de um determinado assunto, a partir
servar o conhecimento para castas de especialistas, de circunstâncias gerais e algumas específicas do
como pretendido e idealizado na sociedade massiva cotidiano, no qual estaria dentro de uma margem
de inspiração fordista ou teylorista. generosa de probabilidade inserido o aprendiz,
Segundo Doll Jr (1998 apud MATTA, 2006), o fosse qual fosse o seu perfil. Esse aspecto, na ver-
paradigma fordista-taylorista pressupõe o registro dade, ia ao encontro de uma longa e continuada
linear e sequencial da informação codificada e observação reflexionante a respeito do papel das
interpretável. O conhecimento é facilmente clas- questões do cotidiano nos processos educacionais,
sificado, decomposto, quantificado, com inícios frequentemente presentes em pesquisas, porém,
claros e fins definidos. mais que isso, haveria a possibilidade de se reunir
Tais aspectos estavam presentes como elemen- ciência, tecnologia, arte e concepções primitivas a
tos críticos de autoria, o que trazia a premente partir de uma perspectiva cultural de mídia do co-
necessidade de criação de um novo cenário con- nhecimento, amparada nas possibilidades apresen-
ceitual, que amparasse a concepção de mídia do tadas pelas formas simbólicas de Thompson (1998)
conhecimento, na modalidade central animação/ e, mais amplamente, nos Postulados Vygotsky-
simulação (SF), situada segundo o novo eixo pa- -Thompson e Leontiev-Thompson (CARVALHO
radigmático da Complexmedia. Nessa perspectiva NETO, 2006), conforme articulado na revisão do
encontra-se em Doll Jr (1998) aquilo que considera referencial teórico deste artigo.

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Cassiano Zeferino de Carvalho Neto; Araci Hack Catapan

Aqui se apresenta um novo desafio de concep- de respeitada a liberdade de escolha em alguma


ção para autoria em mídia do conhecimento. O solução possível para os mesmos. Esta mediação,
aspecto norteador diz respeito a estudos realizados preferencialmente, deve ser feita, e o ciclo central
e também como fruto de considerações da comuni- do processo pedagógico fechado pelo Avatar. Aqui
dade científico-educacional a respeito do assunto. está delineada outra característica central do mo-
A escolha aponta para um modelo de autoria que delo teórico: a dialogicidade mediada por Avatar.
se fundamenta em aprendizagem por resolução de Define-se, assim, uma nova categoria, a qual
problemas. passa a ter por título geral “Produção de Conheci-
Parte essencial do fundamento teórico para ela- mento”; de fato uma nova categoria de mídia do
borar essa categoria analítica estava em Bachelard conhecimento no contexto da Complexmedia.
(2007, p. 103), na acepção de que “todo conheci- Os processos de construção social do conheci-
mento é a resposta a uma questão”. Situados sujeito mento, por meio de atitudes de pesquisa e investi-
e contexto, os aspectos problematizadores tendem gação, estão diretamente relacionados à produção
a ser levantados de modo a instalar-se um cenário de mapas conceituais e indicam a vivência do
próprio para abordagens de natureza investigativa. sujeito nas etapas de cada ação; acredita-se que
A concepção teórico-tecnológica estudada cada sujeito é autor, com todas as implicações que o
apontou para a necessidade de estruturação de conceito confere, um autor investigativo, inquieto,
problemas abertos e semiabertos que estivessem inconcluso.
contextualizados a um determinado tema ou assun- Portanto, na linha da concepção teórico-
to trazido pela Complexmedia, mas que também -tecnológica das categorias da Complexmedia se
resgatasse de modo desafiador e instigante o parti- faz indispensável considerar-se a autoria de um
cipante, ao processo, tanto quanto possível em cada “Laboratório Virtual” ou “Laboratório Digital”,
caso, a buscar a construção de uma solução para na perspectiva de um simulador/animador, ou
os problemas propostos. Nesse sentido central a conjunto de simuladores-animadores interarticula-
hipermídia relacionada aos domínios da problema- dos, situados tanto no contexto da temática de um
tização foi situada no contexto do SF e designada determinado objeto educacional, quanto capazes
pelo título “Desafios”, como uma categoria teórica de promover situações de natureza investigativa
de mídia do conhecimento, assim estabelecidas centradas na testagem de hipóteses de natureza
suas condições de contorno e existência. conceitual, tecnológicas (estrutura, funcionamento
Acredita-se que por esta via instigadora e pro- e operação de dispositivos, equipamentos, bancadas
blematizadora se possa criar situações nas quais o de teste, experimentos historicamente notáveis
participante se instala em um processo ativo, no etc.) e técnicas (precisão e incerteza em medidas
sentido rigoroso, fundamentado nas referências da efetuadas, experimentos que simulem desvios,
Teoria da Atividade de Leontiev (1978). tabelas organizadoras de dados, geração induzida
Até aqui se construiu a interdependência de duas ou automática de gráficos etc.), dentre outros.
hipermídias, na estrutura da Complexmedia, afeitas Assim se constitui uma nova categoria de mídia
a contextualizar (“Contexto”) e a problematizar do conhecimento no contexto do objeto educacio-
(“Desafios”) os objetos de conhecimento focados nal digital Complexmedia (SF), e o acesso a esta
em um determinado SF. Aqui se encontra a porta hipermídia foi chamado de Laboratório Virtual
de acesso ao passo seguinte: conceber uma solução (LV) ou Laboratório Digital (LD) interativo.
teórico-tecnológica para uma nova hipermídia que Conforme a concepção teórico-tecnológica da
traga potencial de resoluções, mediadas por Ava- Complexmedia (SF), com o aporte de natureza
tar, e outras categorias que são construídas como investigativa, proporcionado pelo Laboratório,
objetos teóricos, a saber, laboratório (essência dos define-se uma arquitetura pedagógica dedicada
simuladores e animadores), mapas interativos, his- a propiciar uma abordagem contextualizada e
tória e tecnologia e processos formais de avaliação problematizadora de um determinado objeto de
como novos problemas propostos, a partir de refe- conhecimento, contando agora com os recursos de
renciais epistemológicos validados e aceitos, além simulação e animação. Tanto os problemas propos-

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 37-48, jul./dez. 2014 43
Tecnologia e design de complexmedia dedicada à educação digital: um relato de caso

tos em “Desafios” quanto a tarefa explicitamente que aprende é capaz de integrar as novidades que
presente no LD suscitavam a busca por informações encontra àquilo que já conhece na construção de
pertinentes dentro do processo de investigação- mapas de cognição coerentes de interpretação dos
-reflexão que se esperava ver deflagrado pela contextos e realidades do mundo.
Complexmedia. Esta demanda está definida por 3 Conforme pontuado acima, o segundo grupo
(três) categorias de mídia do conhecimento, as duas organizado de informações deverá dar conta de
primeiras sustentadas por hipermídia e a última por superar os aspectos estritos do tema, ou assunto
hipertexto, a saber: Teoria (Referencial Teórico); investigado, de modo que se apresente como es-
Mapa Interativo; História e Tecnologia. sencial, por aspectos que já vêm sendo discutidos,
O acesso “Teoria” carece de ser mais bem situado os de conceber uma estrutura capaz de situar o
e definido, pois se compreende que tem de haver no referido assunto em uma perspectiva mais ampla,
SF um aporte de informações estruturadas e, mais dentro de referenciais científicos, tecnológicos,
que isso, informações que representem o conheci- educacionais e também estéticos. Para tal empre-
mento científico e tecnológico validado para uma endimento pensou-se em uma forma de situar um
determina área, subárea, tema ou assunto de um ob- determinado assunto específico dentro de uma
jeto de conhecimento. Havia a premente necessidade rede de interconexões hipertextuais que ao serem
hipotética do participante, em processos de gestão e acessadas pudessem ampliar e contextualizar, pro-
construção de conhecimento por interação com as blematizar, situar, potencializar, esclarecer aspectos
hipermídias, ter acesso a um referencial confiável, tecnológicos ou técnicos de um tema estudado.
mas que também estivesse em concordância com o Nasce, assim, “Mapa Interativo”, outra categoria
Princípio Hologramático e o referencial científico- em mídia do conhecimento da Complexmedia.
-tecnológica presente na autoria e que circundará a Outro ponto de fundamental importância para o
futura modelagem dos objetos educacionais digitais. ensino das ciências e suas tecnologias, na visão da
Para isso já se prenunciava a necessidade de se ter comunidade científica e educacional, é interligar os
animações digitais no contexto da hipermídia rela- aspectos teórico-tecnológicos centrais de um de-
cionada à categoria “Teoria”. terminado assunto, tema ou tópico aos referenciais
O referencial teórico situado em “Teoria” e sócio-históricos responsáveis pelo desenvolvimento
disponibilizado numa Complexmedia deve se re- do conhecimento científico e tecnológico de uma
ferir ao conhecimento de base epistemológica da determina ciência, ou área da ciência. Considera-se
ciência-objeto, e suas tecnologias, à qual se está como relevante e possível conceber uma abordagem
situando a aprendizagem por via interativa, con- histórico-científico-tecnológica de modo que se po-
textualizada e problematizadora. Trata-se, portanto, tencializasse o diálogo entre todas as demais estrutu-
de estruturar outro modelo teórico de hipermídia ras de conhecimento, por via informacional, situada
complexa que contemple, ao mesmo tempo, rigor e problematizada, presentes em uma Complexmedia.
conceitual, concisão, fenomenologia geral e es- Para atender a essa demanda de natureza
pecífica, tecnologias intervenientes e decorrentes cultural-educacional é concebida uma estrutura de
(na perspectiva histórica), linguagem matemática, navegação recorrente a uma metáfora, o “Túnel do
sempre que possível estruturante e estruturada, Tempo”, apresentado como períodos da História da
relacionada a conceitos e fenomenologia pertinente. Ciência e Tecnologia que têm entre si estabelecidos
Conforme pontua Matta (2006, p. 81), elos entre problemas e processos criativos de au-
toria de teorias científicas, modelagem conceitual,
Jonassen, Beissner e Yacci interpretam que os seres
inovação tecnológica e aplicações as mais variadas
humanos constroem o conhecimento organizando-o
em entidades complexas, em estruturas cognitivas no cotidiano social. É assim concebido mais um
correspondentes a contextos e problemas vivencia- objeto teórico, chamado “História e Tecnologia”,
dos. Em outro estudo, Jonassen et al. completam este uma nova categoria de mídia do conhecimento
raciocínio ao comentar o processo de transformar incrustrada na Complexmedia.
informação em conhecimento individualizado, ou A esse respeito a literatura particularmente
seja, em aprendizagem pelos estudantes. Aquele dedicada ao ensino de Física tem se debruçado

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Cassiano Zeferino de Carvalho Neto; Araci Hack Catapan

há muito sobre o assunto, permeado de visões, construído a partir de algumas categorias organiza-
algumas antagônicas, outras complementares, cionais, tais como: a pertinência e proximidade de
mas geralmente convergentes no que diz respeito temas tratados pelas diferentes mídias; o arranjo de
à relevância da presença desse tema complexo Complexmedia a partir de necessidades específicas
no currículo de Física. A historicidade da ciência que venham a se fazer presentes em processos de
é, pois, fundamental para o entendimento de sua gestão do conhecimento; a organização de objetos
dinâmica, já que permite vincular o conhecimento educacionais digitais, tendo em vista oportunizar
científico ao contexto em que foi engendrado. atendimento aos diferentes canais de acessibilidade
Constitui-se, desse modo, a categoria “História e outras possibilidades que possam ser atendidas por
e Tecnologia” (HT) na arquitetura da Complexme- uma plataforma que se passa formalmente a nominar
dia, a qual será objeto de modelagem tecnologia e de Plataforma Complexmedia.
análise crítica ao longo deste estudo. A Plataforma Complexmedia, enquanto ente
A concepção teórico-metodológica desenvolvida conceitual, representa um elo entre as diferentes
para a categoria “Avaliação” foi realizada, portanto, modalidades de mídia, aqui concebidas, mas
a fim de se pensar o processo de avaliação como também pode agregar hipermídia complexa de
elemento-chave da aprendizagem, integrado ao mesma natureza. Como exemplo se poderia citar
modelo conceitual e tecnológico da Complexmedia. a concepção de uma Plataforma Complexmedia
Entretanto, foi também preciso contar com a pos- contemplando três mídias do conhecimento, como
sibilidade de que um participante remoto pudesse SF; ou quatro mídias do conhecimento, como um
decidir-se por trafegar pela Complexmedia e, para SF, um EE, um RD e um TV. Poderia, ainda, atender
isso, ao se criar a solução para um dado problema a modelos mais complexos, envolvendo temas que
proposto, reveste-se de importância encontrar um exigem pré-requisitos específicos, contemplados
termo comparativo, ao menos que referencie ou em diferentes mídias. Em quaisquer desses modelos
contextualize uma determinada solução encontrada. a conexão que se estabelecerá atenderá a algum, ou
Foi a partir dessas concepções que se modelou a alguns critérios de organização, na perspectiva de
a categoria teórica de mídia de conhecimento que um sistema dedicado à gestão do conhecimento.
passou a se chamar “Avaliação”, na Complex-
media, finalizando a estrutura lógica, sequencial/ Figura 1 – Plataforma Complexmedia (modelo
aleatória do SF. exemplar) integrando quatro Complexmedia
(modalidades SF, EE, RD e TV). Ao centro se
apresenta, de forma genérica, uma Complexmedia
Plataforma complexmedia: elaboração (CMg) representando uma Complexmedia geradora
e modelagem conceitual de tema tratado como objeto de conhecimento, em
um sistema de gestão do conhecimento.
Ao longo do processo de modelagem das mídias
de conhecimento SF, EE, RD e TV procurou-se
construir cada objeto teórico em acordo com os
referenciais que emprestam lastro e conferem
significados a este artigo. No entanto, um último
modelo carece de ser formalizado, por se tratar de
um aspecto integrador entre as mídias.
Em contraponto a abordagens reducionistas, ou
pontuais, da perspectiva onde as possíveis contribui-
ções de mídias poderiam auferir aos processos de
construção de conhecimento, insere-se aqui um novo
conceito. Trata-se aqui da providência de se elaborar
um sistema conceitual que possa ser integrativo para
as diferentes mídias do conhecimento, podendo ser Fonte: Carvalho Neto (2011, p. 166).

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 37-48, jul./dez. 2014 45
Tecnologia e design de complexmedia dedicada à educação digital: um relato de caso

Como um objeto teórico, a Plataforma Comple- cimento dedicado à educação.


xmedia pode ser representada pela simbologia mos- Seguindo-se os pressupostos apresentados na
trada na Figura 1, devendo-se, no entanto, destacar modelagem de mídia do conhecimento, modalidade
que o aspecto diferencial da referida plataforma é SF, providenciou-se um estudo de arte e identidade
que ela permite organizar diferentes conjuntos de visual que atendeu à distribuição das diferentes
Complexmedia, a partir de critérios estabelecidos categorias funcionais presentes na Complexmedia.
para um sistema de engenharia e gestão do conhe- O layout final pode ser apreciado a seguir.

Figura 2 – Tela de abertura da Complexmedia (objeto educacional 111SF –


Ondas Mecânicas). A logomarca da obra é um link ativo que aponta para o
Sistema Digital de Gestão do Conhecimento (SDGC), analisado no decorrer
desta apresentação e parte integrante do sistema de gestão e engenharia do
conhecimento desenvolvido para o projeto Condigital/IGGE.

Fonte: Instituto Galileo Galilei (2014).

Acompanhando a sequência de acessos, repre- essencialmente, o pensamento que trata com a


sentados pelos ícones, da esquerda para a direita, incerteza e que é capaz de conceber a organiza-
apresentam-se as implementações de mídia do ção. Segundo Morin e Le Moigne (2000, p. 96), o
conhecimento para cada categoria de objeto teórico pensamento complexo “é o pensamento capaz de
desenvolvido no anterior. Inicia-se com o acesso reunir (complexus: aquilo que é tecido conjunta-
“Navegação” (NV), representado simbolicamente mente), de contextualizar, de globalizar, mas, ao
pelo ícone de uma bússola e que tem como objetivo mesmo tempo, capaz de reconhecer o singular, o
geral descrever, rapidamente, cada uma das funções individual, o concreto”.
derivadas das categorias teóricas e disponibilizadas Uma Complexmedia integra, portanto, dife-
pelas mídias e hipermídias complexas que compõe rentes categorias de mídias do conhecimento,
a Complexmedia, na modalidade SF. dialogicamente estruturadas por eixos explícitos
e também não explícitos, ainda que presentes.
Considerações Finais Este é um dos pressupostos essenciais do modelo
teórico-tecnológico que confere identidade e sin-
O pensamento complexo que deu sustentação gularidade ao mesmo, e um dos objetos centrais
à concepção conceitual da Complexmedia é, pois, de autoria.

46 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 37-48, jul./dez. 2014
Cassiano Zeferino de Carvalho Neto; Araci Hack Catapan

Figura 3 – Acesso ao Sistema Digital de Gestão do Conhecimento (SDGC),


que disponibiliza as Plataformas Complexmedia. Nota-se à direita, abaixo,
o campo disponibilizando acesso à busca de um determinado tema, palavra-
-chave ou outra tag. Este caminho conduz às Plataformas Complexmedia.

Fonte: Instituto Galileo Galilei (2014).

Por essa via abre-se um interessante potencial da Plataforma Complexmedia, a qual servirá de
de investigações que poderá ser realizado a fim matriz para a interconexão de um conjunto de
de se aprofundar o conhecimento a respeito da objetos educacionais digitais (OED), estruturados
própria Complexmedia, enquanto objeto teórico a partir de um modelo de engenharia e gestão do
em mídia do conhecimento; ou ainda a respeito conhecimento.

REFERÊNCIAS

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Tecnologia e design de complexmedia dedicada à educação digital: um relato de caso

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Recebido em: 12.05.2014


Aprovado em: 04.10.2014

48 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 37-48, jul./dez. 2014
Juliana Sales Jacques; Elena Maria Mallmann

DESIGN PEDAGÓGICO DE MATERIAIS DIDÁTICOS:


PERFORMANCE DOCENTE NA PRODUÇÃO HIPERMIDIÁTICA EM
AMBIENTES VIRTUAIS1

Juliana Sales Jacques∗


Elena Maria Mallmann∗∗

Resumo

Abordamos, neste artigo, a produção de materiais didáticos hipermidiáticos em


ambientes virtuais sob o design pedagógico de um exemplar teórico-prático
desenvolvido em equipe multidisciplinar. O objetivo é evidenciar possibilidades
de estruturação didático-metodológica de recursos (conteúdos) hipermidiáticos
acoplados a atividades de estudo, bem como elucidar as especificidades da
performance docente nesse contexto. A tipologia metodológica da pesquisa-ação
sustentou o movimento cíclico de ação-reflexão-ação no trabalho multidisciplinar
em torno de atividades de pesquisa, desenvolvimento e capacitação para a produção
hipermidiática em ambientes virtuais. Lançamos mão do diário de observação
participante e de questionários tipo survey para acompanhamento, registro e
análise dos dados coletados no decorrer do processo. A análise teve como base
metodológica a triangulação de fontes (observação, participação/intervenção
e aplicação de questionários). Os resultados, analisados à luz da interação
colaborativa multidisciplinar, apontam que o design pedagógico desenvolvido
pela equipe multidisciplinar sustenta-se na interatividade, potencializada pelo
acoplamento de mídias, e na interação dialógico-problematizadora em torno
dos conteúdos escolares. Por fim, concluímos que o exemplar teórico-prático,
apresentado como possibilidade de design pedagógico de materiais didáticos
hipermidiáticos, constitui-se em inovação tecnológico-pedagógica potencializadora
de flexibilização e democratização das práticas escolares mediadas por tecnologias
em rede.
Palavras-chave: Materiais didáticos hipermidiáticos. Design pedagógico. Exemplar
teórico-prático. Performance docente.

1 Apoio Financeiro: Capes/CNPq - Chamada 43/2013 - Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas; Capes - Bolsa Estágio
Pós-Doutoral no Exterior - BEX 1566/14-8.

Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Bolsista de projetos de extensão da UFSM. Endereço institucional: Universidade Federal de Santa Maria, Av. Roraima, 1000,
Cidade Universitária. CEP: 97105-900. Santa Maria-RS. Telefone: (55) 8424-2838. juletras.jacques@gmail.com
∗∗
Doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor-adjunto do Departamento de Adminis-
tração Escolar do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Endereço Institucional: Universidade
Federal de Santa Maria, Av. Roraima, 1000, Cidade Universitária. CEP: 97105-900. Santa Maria-RS. Telefone: (55) 8443-4889.
elena.ufsm@gmail.com

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 49-64, jul./dez. 2014 49
Design pedagógico de materiais didáticos: performance docente na produção hipermidiática em ambientes virtuais

Abstract

PEDAGOGICAL DESIGN OF LEARNING MATERIALS: TEACHER


PERFORMANCE IN HYPERMEDIA PRODUCTION IN VIRTUAL
ENVIRONMENTS
We address in this paper the production of hypermedia learning materials in virtual
environments according to a pedagogical design of a theoretical and practical example
developed by a multidisciplinary team. We aim to highlight opportunities for a didactic-
methodological hypermedia resources (content) structuring connected with study
activities as well as to elucidate the specificities of the teacher performance in this
context. We adopt as a methodological typology the action research, which supports
the cyclical movement of action-reflection-action in the multidisciplinary work around
the research, development and training for hypermedia production activities in virtual
environments. A diary of participant observation and a survey for monitoring, recording
and analysis of data collected during the process were used. The results, analyzed in
light of multidisciplinary collaborative interaction and based on a source triangulation
(observation, participation/ intervention, questionnaires), suggest that the pedagogical
design developed by the multidisciplinary team is sustained by interactivity, enhanced
by coupling media and the problem-dialogic interaction around the school contents.
Finally, we conclude that the theoretical and practical example, presented as a possible
pedagogical design of hypermedia learning materials, constitutes a technological and
pedagogical innovation, intensifying flexibility and democratization of school practices
mediated by network technologies.
Keywords: Hypermedia learning materials. Pedagogical design. Theoretical and
Practical Example. Teacher Performance.

INTRODUÇÃO atrelada a um recurso educacional (material didáti-


co composto de conteúdos e atividades de estudo).
A manipulação de diferentes mídias para A performance docente, nesse contexto, consis-
o desenvolvimento de ações de cunho social, te no desenvolvimento de competências para trans-
profissional e educacional é uma das marcas da posição de saberes lançando mão das possibilidades
contemporaneidade. No escopo da educação, as da hipermídia para gerar ensino-aprendizagem. Tais
mídias potencializam a flexibilização das práti- competências são habilidades contemporâneas,
cas pedagógicas e a inovação curricular quando conhecimentos sobre os conceitos fundamentais da
problematizadas no âmbito das ações individuais integração das tecnologias na educação e desenvol-
e coletivas. As tecnologias em rede possibilitam vimento de capacidades intelectuais para criação
que atividades possam ser realizadas, por um e compartilhamento de inovações pedagógicas
mesmo grupo de estudantes, em tempos e espaços através das tecnologias. Esse tripé de competências
geográficos distintos. Esse fator democratiza, aos é que o chamamos de fluência tecnológico-peda-
estudantes, o acesso ao conhecimento, uma vez que gógica, conceito elaborado a partir das concepções
oportuniza o estabelecimento de itinerários orga- de Kafai e colaboradores (1999).
nizacionais das rotinas de estudos. Entretanto, a A fluência tecnológico-pedagógica é o que de-
tecnologia por si só não gera ensino-aprendizagem. senvolvemos quando produzimos, na Equipe Mul-
Ela só potencializa construção de conhecimentos tidisciplinar do Núcleo de Tecnologia Educacional
científicos – próprio do contexto escolar – quando (NTE) da Universidade Federal de Santa Maria

50 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 49-64, jul./dez. 2014
Juliana Sales Jacques; Elena Maria Mallmann

(UFSM-RS), o exemplar teórico-prático que define A filosofia da educação aberta é, na concepção


os princípios centrais do design pedagógico para de Amiel (2012), fomentar, através de práticas,
a produção de materiais didáticos hipermidiáticos recursos e ambientes abertos, diversas possibi-
em ambientes virtuais na instituição. Por isso, no lidades de ensino-aprendizagem compatíveis à
decorrer deste artigo, abordamos os conceitos te- pluralidade dos contextos educacionais, visando à
óricos que embasaram o trabalho multidisciplinar aprendizagem ao longo da vida. Nesse viés teórico,
nessa produção, bem como a aplicabilidade do enfatizamos a produção aberta de materiais didá-
design proposto no processo educacional em cursos ticos em AVEA, tendo como princípio norteador a
a distância. Assim, inicialmente, problematizamos interatividade e a interação para a construção de
a produção de materiais didáticos hipermidiáticos; saberes em rede.
em sequência, discorremos sobre o exemplar elabo- A interatividade é a relação que se estabelece
rado como uma inovação tecnológico-pedagógica entre mediadores humanos e não humanos. Assim,
ao propor princípios do design pedagógico orien- a produção de materiais didáticos hipermidiáticos
tadores da performance docente; após, enfatiza- requer planejamento de práticas pedagógicas que
mos as características da performance docente na potencializem a participação ativa do estudante
produção hipermidiática para ambientes virtuais em ações de decodificação, participação, inter-
de acordo com os princípios do design pedagógico pretação e mobilização diante das informações
proposto; apresentamos a metodologia adotada, (LÈVY, 1999). Seguindo a concepção do autor, a
os resultados obtidos e a análise conclusiva desta interatividade permite interromper uma sequência
pesquisa. de informação e reorientar o fluxo informacional.
Ao mesmo tempo, possibilita reapropriação e
recombinação da mensagem. Isso é essencial na
Produção de materiais didáticos
produção do conhecimento.
hipermidiáticos em ambientes virtuais
Mediante essa compreensão, a produção de
As tecnologias em rede, como os Ambientes materiais didáticos hipermidiáticos pressupõe o
Virtuais de Ensino-Aprendizagem (AVEA)2, podem desenvolvimento de ações que transcendam a ma-
flexibilizar e democratizar as práticas pedagógicas nipulação mecânica das tecnologias e avancem para
através da produção de materiais didáticos hiper- a interatividade crítica e reflexiva. Essa concepção
vai ao encontro do que Schneider (2012, p. 54-55)
midiáticos. A hipermídia educacional possibilita a
afirma quando define a interatividade requerida no
construção de materiais mais interativos, planeja-
ensino-aprendizagem em rede:
dos e implementados sob a ótica da não linearidade.
A democratização e a flexibilização, nesse contexto, [...] não se busca a interatividade mecânica de apertar
efetivam-se no momento em que essas produções botões, mas sim interatividade que envolve ativida-
são elaboradas e compartilhadas na perspectiva da des complexas, como comprometimento, reflexão,
educação aberta. questionamento crítico, argumentação, resolução de
problemas, busca de caminhos e respostas próprias,
2 Muitas bibliografias trabalham com a nomenclatura Ambientes construção de proposições, elaboração de posicio-
Virtuais de Aprendizagem (AVA). Entretanto, na concepção por namentos pessoais, estabelecimento de associações,
nós construída a partir das teorias-chave (Rede de Mediadores, comparações, análise, discussões e incentivo ao
Atividade de Estudo e Educação Dialógico-Problematizadora)
que fundamentam nossas pesquisas e produções em torno do
desenvolvimento da criatividade.
processo ensino-aprendizagem mediado pelo professor através
das tecnologias em rede, defendemos que aprender e ensinar são
Nesse sentido, o design pedagógico precisa
ações indissociáveis. A mediação em rede pressupõe organização fundamentar a interatividade no material didá-
didático-metodológica de conteúdos escolares (recursos) atrelada tico organizado curricularmente de modo que
a atividades de estudo. Significa dizer que a aprendizagem (forta-
lecida pelas atividades de estudo) está diretamente relacionada ao
mantenha o estudante focado na aprendizagem do
acesso, à leitura e à compreensão do conteúdo ensinado (por meio conteúdo escolar. As hiperligações que integram
do acoplamento de diferentes mídias organizadas curricularmente) diferentes mídias ao material têm de ser selecio-
pelo professor. Diante disso, integramos à nomenclatura AVA a vogal
E, correspondente a “ensino”. Assim, temos AVEA como ambiente nadas de acordo com a relação que estabelecem
virtual de ensino-aprendizagem. com o conteúdo a ser ensinado. É fundamental a

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produção de materiais mais interativos, todavia, concretizem. Envolve, por exemplo, condições
se a interatividade proposta não apresenta rotas da própria infraestrutura logística.
de estudo que potencializem a reflexão crítica do No escopo do design pedagógico para pro-
conteúdo, tampouco a emancipação dos estudan- dução de materiais didáticos hipermidiáticos, o
tes acontece. acesso a recursos (conteúdos) integrados a dife-
Essa interação colaborativa em torno do con- rentes mídias, a leitura não linear desses recursos
teúdo escolar efetiva-se nas atividades de estudo, juntamente com a interação em rede constituem-se
as quais podem fortalecer “as relações humanas em ações requeridas nas atividades de estudo. Os
de estudantes entre si e com seus professores” meios ofertados, ou seja, a organização didático-
(ROCHA, 2013, p. 325). Independentemente do -metodológica dos recursos (conteúdos), a quali-
viés metodológico (colaborativo ou individual), a dade (técnica e teórica) das mídias integradas, a
aprendizagem se fortalece na interação com o outro, linguagem adotada no material didático (aspectos
pois mesmo em práticas individuais há “a voz” do de relevância: clareza, objetividade, concisão) e
outro, ou seja, a mediação do professor, através de o enunciado das atividades de estudo consistem
recursos (conteúdos) e atividades de estudo, que nas condições para realização das ações que re-
otimizam o processo ensino-aprendizagem. Assim, sultam na produção escolar discente (atividade
“mesmo o que parece ser uma solução individual de estudo).
de uma situação-problema pode ser pensado como Nesse sentido, definimos que o material di-
uma atividade colaborativa, visto que ‘a voz’ do dático hipermidiático é o conjunto de conteúdos
outro orienta ações individuais” (VYGOTSKY, (recursos) integrados a diferentes mídias e de
2004 apud ALBERTI; ABEGG; BASTOS, 2012, atividades de estudo que conduzem à ação-re-
p. 10, grifo do autor). flexão-ação para a construção do conhecimento
Desse modo, defendemos que é nas atividades teórico. Dessa forma, “é a construção e/ou esco-
de estudo conectadas aos recursos hipermidiáticos lha do material didático que norteia a proposta
que a aprendizagem do conteúdo se concretiza. didático-pedagógica de cada disciplina, em ter-
No momento em que o estudante realiza produção mos do texto produzido, mediação pedagógica
escolar, a partir dos enunciados elaborados pelo e atividades avaliativas realizadas” (ROCHA,
professor, pode refletir sobre o conteúdo para a 2013, p. 321). Visto isso, o modo de organização
resolução do problema proposto (reflexão), aplicar desses materiais interfere na qualidade do ensino-
o conhecimento abstraído através dos recursos -aprendizagem mediado em AVEA.
disponíveis (ação) e, novamente, refletir sobre Justamente pela mediação pedagógica ser
a solução viável-possível encontrada (reflexão). desenvolvida por meio da tecnologia educacio-
Assim, diagnostica avanços e desafios na sua pró- nal é que enfatizamos a produção de materiais
pria aprendizagem. Nessa perspectiva, o princípio didáticos abertos, na perspectiva de Recursos
balizador do design pedagógico é gerar movimento Educacionais Abertos (REA). Isso porque a
cíclico para potencializar a prática investigativa produção aberta, além de potencializar a integra-
discente através da reflexão acionada e da ação ção hipermidiática, oportuniza que adaptações
refletida. possam ser feitas à medida que as necessidades
Davidov (1988), em seus apontamentos sobre educacionais vão surgindo. Um material didático
a Teoria da Atividade de Estudo, enfatiza que pode ser integralmente implementado em deter-
as atividades de estudo são ações (finalidades) minado contexto educacional, todavia, pode não
e operações (condições) que, sustentadas na ser viável em outro contexto cujos estudantes
reflexão, potencializam apropriação de conheci- apresentem necessidades de ensino-aprendizagem
mentos teóricos. As ações são o que estudantes diferentes.
e professores realizam, de acordo com as suas Materiais didáticos produzidos na perspectiva
funções no processo educacional, para alcançar REA apresentam-se sob domínio público ou são
os objetivos das atividades. Já as operações são licenciados de maneira aberta, permitindo que
as condições ofertadas para que essas ações se sejam acessados, utilizados, adaptados e redistri-

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Juliana Sales Jacques; Elena Maria Mallmann

buídos por terceiros (UNITED NATIONS EDU- de recursos e atividades que podem flexibilizar e
CACIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL democratizar as práticas escolares. No contexto
ORGANIZATION; COMMON WEALTH OF institucional, tantos os cursos a distância quanto
LEARNING, 2011). Isso viabiliza flexibilização os presenciais lançam mão das potencialidades das
das práticas escolares e democratização do acesso ferramentas do AVEA para produzir e disponibilizar
a recursos educacionais, além de reduzir investi- materiais didáticos.
mentos financeiros, pois “um livro digital, uma vez Ações de pesquisa, desenvolvimento e capa-
produzido, pode ser utilizado por várias pessoas e citação em torno da tecnologia educacional e de
seu custo de reprodução digital é zero” (AMIEL; sua integração no processo ensino-aprendizagem
SANTOS, 2013, p. 121). mediado, no âmbito da UFSM, estão sob autoria e
Entretanto, a liberdade de utilização dos REA coautoria de uma equipe multidisciplinar composta
depende do tipo de licença adotado e da tecnologia por profissionais de diferentes áreas e formação
educacional escolhida para sua produção. Amiel e acadêmica. Essa equipe, sustentada em pesquisas
Santos (2013, p. 121) argumentam que de cunho técnico, tecnológico e teórico-científico,
desenvolve inovações tecnológico-pedagógicas
a discussão em torno da abertura de um recurso
refere-se principalmente a dois aspectos. O primeiro para a capacitação docente visando ao desenvol-
diz respeito à flexibilidade das condições para o uso vimento de materiais didáticos hipermidiáticos
diretamente ligado ao direito autoral e às licenças. […] no Moodle pautados nos princípios de um design
O segundo aspecto trata da priorização de formatos pedagógico que acentua a interatividade e interação
que permitam que o recurso seja utilizado e modifi- em rede.
cado com facilidade, ou seja, uma abertura técnica. A Disciplina-Exemplo orienta um design peda-
Ao adotarmos princípios de design pedagógico gógico pautado na produção hipermidiática, uma
para produção de material didático hipermidiático, vez que evidencia a elaboração de materiais didá-
ticos nas ferramentas páginas e livro do Moodle.
em AVEA, sob a ótica de REA, precisamos co-
Tais ferramentas, em razão das potencialidades da
nhecer a tecnologia educacional na qual estamos
hipermídia (possibilitam a inserção de links inter-
trabalhando. Isto é, verificar se ela apresenta as
nos e externos, imagens, vídeos, áudios, animações,
quatro liberdades de software livre: liberdade para
simulações), tornam o material mais interativo.
executar a tecnologia, estudá-la, modificá-la e
Além disso, a edição e disponibilização do mate-
compartilhar as modificações com a comunidade.
rial ocorre em formato html, o que viabiliza sua
No momento em que ações de atualização, com-
abertura para revisão e remixagem. A Figura 1 traz
plementação, criação, modificação são livremente
um recorte do exemplar que pode ser visualizado
implementadas, potencializa-se a flexibilidade de
na íntegra ao acessarmos o link http://nte.ufsm.br/
utilização do sistema. Todavia, se a tecnologia não
moodle2_UAB/mod/page/view.php?id=16820,
apresenta características técnicas que otimizem a digitar login e senha “visitante” e clicar na opção
modificação dos recursos, ações de revisão, remi- “capacitação”.
xagem e redistribuição podem ser impedidas. Como podemos observar, o exemplar apresenta
organização sistêmica que se constitui na estru-
Design pedagógico de materiais turação de uma disciplina. A base organizativa
didáticos hipermidiáticos: exemplar desse exemplar teórico-prático caracteriza-se como
teórico-prático indicador de orientação/revisão pedagógica para
produção de materiais didáticos hipermidiáticos
A integração das tecnologias em rede, no âm- no Moodle e outros ambientes virtuais de ensino-
bito dos cursos de graduação e pós-graduação da -aprendizagem. Afirmamos isso com base na or-
UFSM, tem se fortalecido através do AVEA Moo- ganização regular (que o exemplar apresenta) dos
dle (Modular Object-Oriented Dynamic Learning recursos e das atividades de estudo, uma vez que
Environment). O Moodle, que é uma tecnologia ambos são nominados de acordo com a nomencla-
educacional livre, possui diversas ferramentas tura das unidades e das subunidades.

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Design pedagógico de materiais didáticos: performance docente na produção hipermidiática em ambientes virtuais

Figura 1 – Design da página principal da Disciplina-Exemplo

Fonte: Universidade Federal de Santa Maria (2014).

Além disso, os próprios conteúdos servem posição no AVEA) serve como exemplo para design
de subsídios às capacitações para construção de pedagógico das disciplinas no ambiente virtual. As
fluência tecnológico-pedagógica no Moodle, pois Figuras 2 e 3 elucidam a diretividade evidenciada
enfatizam a integração da hipermídia no material no exemplar e a integração da hipermídia no ma-
didático. Sua estrutura (modo de elaboração e dis- terial didático elaborado.

Figura 2 – Diretividade dos recursos e das atividades

Fonte: Universidade Federal de Santa Maria (2014).

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Juliana Sales Jacques; Elena Maria Mallmann

Figura 3 – Recorte do material didático hipermidiático de uma


das unidades da Disciplina-Exemplo

Fonte: Universidade Federal de Santa Maria (2014).

A disciplina contempla cinco unidades que ela serve como um recurso educacional para ações
abordam temáticas como: linguagem visual; re- capacitativas. A equipe multidisciplinar, nos cursos
cursos educacionais; integração da hipermídia de capacitação por ela ofertados através do Pro-
na produção de materiais didáticos; atividades de grama Anual de Capacitação Continuada da UAB/
estudo; direitos autorais; tecnologias educacionais UFSM, lança mão do exemplar como um recurso
em rede. Essas temáticas são trabalhadas através (teórico-prático) na mediação pedagógica para a
de textos produzidos de modo hipermidiático (na construção de fluência tecnológico-pedagógica dos
Figura 3) pela equipe multidisciplinar. A preocu- professores no AVEA Moodle.
pação central da equipe, nesse contexto, foi de Além disso, as orientações e revisões peda-
produzir um exemplar que abarcasse temáticas gógicas dos materiais didáticos dos cursos a dis-
inerentes ao ensino-aprendizagem mediado por tância da UAB/UFSM têm como embasamento a
tecnologias em rede. Tudo isso para que além de estrutura teórico-prática da Disciplina-Exemplo.
ofertar à comunidade acadêmica um exemplar de Nas orientações presenciais ou a distância, a
design pedagógico de materiais didáticos (que é a equipe multidisciplinar apresenta aos professores-
estrutura da Disciplina-Exemplo), potencializasse -conteudistas o exemplar como possibilidade
ações capacitativas a partir do próprio conteúdo de design pedagógico às produções didáticas
abordado no exemplar. dos cursos que integram o Moodle no processo
A Disciplina-Exemplo não se constitui em um ensino-aprendizagem dos cursos presenciais e a
curso de capacitação, pois ela é uma produção distância da UFSM. Já nas revisões pedagógicas,
teórico-prática disponível (permite livre acesso à os materiais didáticos produzidos para os cursos
comunidade) para visualização. Todavia, em cursos a distância da UAB/UFSM podem ser avaliados
de capacitação, pode ser utilizada como exemplo de a partir de um formulário checklist denominado
design pedagógico para materiais didáticos, ou seja, EMUABList (Figura 4).

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Design pedagógico de materiais didáticos: performance docente na produção hipermidiática em ambientes virtuais

Figura 4 – EMUABList

Fonte: Mallmann et al (2013).

O EMUABList3 foi elaborado pela equipe Enfatizamos que o exemplar é teórico e prático, ten-
multidisciplinar a fim de que tanto o trabalho do do em vista que, para estruturarmos no Moodle um
professor-conteudista quanto o trabalho multidisci- modelo de design pedagógico, fundamentamo-nos
plinar mantivesse um direcionamento na produção em três teorias-chave do trabalho multidisciplinar
e na avaliação, respectivamente, dos materiais nas ações de pesquisa, desenvolvimento e capaci-
didáticos. Nesse sentido, o formulário sustenta-se tação em torno do processo ensino-aprendizagem
nos padrões da Disciplina-Exemplo e contempla, mediador por tecnologias em rede: Teoria da Rede
através de cinco categorias (aspectos gerais da de Mediadores, Teoria da Atividade de Estudo e
disciplina; layout e design; material didático hiper- Educação Dialógico-Problematizadora.
textual; direitos autorais; avaliação) de verificação, Partimos do pressuposto de que a relação
indicadores de revisão/orientação pedagógica das estabelecida entre mediadores humanos e não
produções didáticas. humanos (LATOUR, 2001; MALLMANN, 2008)
Diante disso, o EMUABList inova do ponto de constitui-se em interatividade. Ação essa que pos-
vista do design pedagógico ao contemplar, em suas tula navegabilidade (fortalecida pela integração da
categorias de análise, aspectos que orientam a pro- hipermídia) do estudante pelo material didático.
dução hipermidiática de materiais didáticos tendo As rotas de estudo (navegação), orientadas curri-
como aporte teórico-prático a Disciplina-Exemplo. cularmente, e a interação em rede (potencializada
3 A saber, o EMUABList foi elaborado a partir da produção do pela interatividade de humanos – estudantes,
Perfo_List (MALLMANN, 2008). Todavia, enquanto o Perfo_List
contempla a performance multidisciplinar em diferentes aspectos,
professores – e não humanos – tecnologias, como
o EMUABList detém-se na performance multidisciplinar especí- ferramentas fórum, wiki) potencializam desenvol-
fica na produção de materiais didáticos hipermidiáticos. Por isso o vimento psíquico-intelectual.
formulário foi elaborado com base na Disciplina-Exemplo. A sua
nomenclatura – EMUABList – vem da junção dos nomes EMUAB Visto isso, a interatividade entre os mediadores
(Equipe Multidisciplinar da UAB/UFSM) e Perfo_List. pode gerar interação dialógico-problematizadora

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Juliana Sales Jacques; Elena Maria Mallmann

em torno dos conteúdos curriculares nas atividades sicamente uma arte de intervenção modificadora,
de estudo. Por isso, enfatizamos a produção de que visa a causar uma transformação” (COHEN,
recursos hipermidiáticos (conteúdos) associados 2007, p. 46). Nesse viés conceitual, a performance
a atividades de estudo. Os recursos (conteúdos), docente traduz-se no movimento de uma prática
de acordo com a Teoria da Atividade de Estudo, educativa “estimuladora da curiosidade crítica, à
de Davidov (1988), potencializam aprendizagem procura das razões de ser dos fatos, como forma
no momento em que estão acoplados a atividades de ação especificamente humana” (CONTE, 2013,
de estudo. Isso porque a reflexão crítica em torno p. 405).
do conteúdo curricular ocorre, efetivamente, na Essa prática, no âmbito do processo ensino-
produção escolar discente, a qual requer o desen- -aprendizagem mediado por tecnologias em rede,
volvimento de ações, pesquisas e operações que fortalece-se nas diferentes visões de mundo dos
geram aquisição de conhecimento científico. sujeitos envolvidos (professores, estudantes, equipe
Essa construção teórico-científica se fortalece multidisciplinar). A interação entre estudantes e
na interação dialógico-problematizadora entre es- professores potencializa compartilhamento de sa-
tudantes e deles com o professor. Por isso, a ênfase beres e construção de conhecimento. Todavia, para
na Educação Dialógico-Problematizadora como que essa construção se amplifique, a ação docente
fundamento da prática docente que, de acordo com precisa ser performativa, ou seja, “modificar o co-
Freire (1987), transforma os indivíduos a partir nhecimento” (ZUMTHOR, 2007, p. 32) como uma
da práxis (ação-reflexão-ação) sobre a realidade força motora capaz de intervir para transformar.
concreta (junção do mundo mais a visão que as A equipe multidisciplinar, através de ações de
pessoas têm do mundo). Nesse sentido, a essência pesquisa, desenvolvimento e capacitação, gera ino-
da mediação pedagógica está na dialogicidade e vações tecnológico-pedagógicas no design pedagó-
na problematização dos conteúdos curriculares, de gico que podem qualificar a performance docente
modo que potencialize situações de aprendizagem na mediação pedagógica em ambientes virtuais.
sustentadas no compartilhamento de saberes. Isso porque viabiliza a construção de aptidões para
Dessa forma, o exemplar teórico-prático, a criação de situações de ensino-aprendizagem em
embasado na Teoria da Rede de Mediadores, rede. Diante disso, a interação entre professores e
na Educação Dialógico-Problematizadora e na equipe multidisciplinar pode otimizar a performan-
Teoria da Atividade de Estudo, enfatiza a intera- ce tanto multidisciplinar quanto docente. Significa
tividade no material didático visando à interação dizer que o professor contribui com a equipe mul-
em rede. Interação que se estabelece através do tidisciplinar no momento em que produz materiais
diálogo-problematizador (FREIRE, 1987) em didáticos hipermidiáticos em conformidade com
torno dos conteúdos curriculares. A mediação a linha político-educacional adotada na institui-
dialógico-problematizadora gera apropriação dos ção. Ao mesmo tempo, a equipe multidisciplinar
conhecimentos teóricos através de ações, pesquisa contribui com a performance docente ao propor
e operações realizadas nas atividades de estudo modelos de design pedagógico (como a Disciplina-
(DAVIDOV, 1988). Por conseguinte, constitui-se -Exemplo) e indicadores de revisão pedagógica
em um modelo de design pedagógico para materiais (como o EMUABList) que orientam a performance
didáticos hipermidiáticos tanto pelo viés teórico (ou do professor em produções didáticas entrelaçadas
seja, pela linha conceitual de ensino-aprendizagem com as ferramentas tecnológicas (mediadores não
que os sustenta) como prático (estrutura didático- humanos).
-metodológica orientada pelo EMUABList). A produção de materiais didáticos hipermidiáti-
cos em AVEA pressupõe construção de fluência tec-
Performance docente na produção nológico-pedagógica, que requer desenvolvimento
hipermidiática de habilidades que potencializem a integração das
tecnologias, sua aplicação na mediação pedagógica
A performance é uma ação expressiva que não e a apropriação de suas potencialidades para (re)
representa o mundo, mas sim o pronuncia. “É ba- criar situações de ensino-aprendizagem. Kafai e

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Design pedagógico de materiais didáticos: performance docente na produção hipermidiática em ambientes virtuais

colaboradores (1999) enfatizam que a fluência com das versões da tecnologia educacional utilizada, é
as tecnologias em rede é um processo de apren- amplificar habilidades contemporâneas. Todas es-
dizagem ao longo da vida, no qual os indivíduos sas ações e a prática emancipatória de compartilhar
continuamente aplicam o que sabem, adaptam-se em rede os mediadores didáticos, produzidos ou
às mudanças e adquirem mais conhecimento. Ela remixados, contemplam a perspectiva de expan-
consiste, essencialmente, em habilidades contem- são, flexibilização e democratização das práticas
porâneas, conceitos fundamentais e capacidades pedagógicas, sincronizadas com a perspectiva de
intelectuais (KAFAI et al, 1999). educação aberta.
Na performance docente, saber acessar AVEA Ao longo da vida, adquirem-se mais habili-
(como o Moodle), conhecer e avaliar as ferramen- dades e desenvolve-se a proficiência adicional
tas tecnológicas disponíveis, saber quais, como e através do aumento da capacidade intelectual,
quando integrá-las na mediação, monitorar ativi- por meio do engajamento em vários domínios
dades de estudo e problematizá-las para promover (KAFAI et al, 1999). Nesse sentido, a Figura 5
reflexão e criticidade são conhecimentos básicos, representa a sistematização dos três tipos de co-
conceitos fundamentais do design pedagógico se- nhecimentos necessários à performance docente
gundo os preceitos hipermidiáticos. Adaptar-se às na produção de materiais didáticos hipermidiá-
mudanças constantes, por exemplo, a atualização ticos em AVEA.
Figura 5 – Pilares educacionais da performance docente

Fonte: Elaborada com base em United Nations Educacional, Scientific and Cultural Organization (2008),
Schneider (2012) e Kafai et al (1999).

Nessa perspectiva teórica da construção da contemporâneas, os conceitos fundamentais e as


fluência tecnológico-pedagógica, a performance capacidades intelectuais, que são os princípios
docente sustenta-se, no processo ensino-apren- norteadores da performance docente.
dizagem mediado por tecnologias em rede, em Esses princípios abarcam, na construção e
quatro pilares educacionais: política e visão das implementação curricular, bem como nas práticas
ações docente; currículo e avaliação; mediação investigativas docentes (diagnóstico, avaliação),
pedagógica; desenvolvimento profissional docente. conhecimento e sua aplicação através da apropria-
No escopo da política e visão estão as habilidades ção das tecnologias para gerar ensino-aprendiza-

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gem. Isso pressupõe mediação pedagógica pautada mento e implementação no Moodle) para pesquisa-
na integração das tecnologias, mas integração que -ação mediada por tecnologias em rede. Através da
potencialize diálogo-problematizador, interação, organização no modo múltipla escolha, elencamos
construção colaborativa de saberes entre profes- como alternativas de respostas aos questiona-
sores e estudantes. mentos: discordo plenamente, discordo em parte,
A colaboração pode adentrar ao campo das pro- não concordo nem discordo, concordo em parte e
duções didáticas colaborativas, potencializando a concordo plenamente. Essas opções, dispostas com
autoria e coautoria de professores em rede. O com- base na escala Likert, requerem que os responden-
partilhamento dessas produções pode amplificar tes “indiquem seu grau de concordância ou discor-
quanti e qualitativamente os recursos educacionais, dância com declarações relativas à atitude que está
à medida que o seu compartilhamento contemple sendo medida” (BRANDALISE, 2005, p. 4).
a perspectiva de abertura. Todas essas ações são Tal instrumento foi implementado com 14
basilares da performance docente em ambientes professores-conteudistas no período de 19 de
virtuais e constituem-se na fluência tecnológico- novembro a 06 de dezembro de 2013. Os cursos
-pedagógica (desenvolvimento profissional do- para os quais os professores produziram materiais
cente, que envolve práticas operacionais, gerência didáticos foram: Especialização em Educação
e orientação e autoria e coautoria) necessária ao Física Infantil e Anos Iniciais (materiais para três
ensino-aprendizagem em rede. disciplinas), Especialização em Eficiência Energé-
tica Aplicada aos Processos Produtivos (materiais
Metodologia para cinco disciplinas) e Graduação para Formação
de Professores para Educação Profissional (mate-
Como tipologia metodológica, lançamos mão riais para seis disciplinas). Buscamos, a partir dos
do movimento cíclico investigativo da pesquisa- dados coletados através do questionário, analisar a
-ação. A pesquisa-ação é concebida como prática aplicabilidade do exemplar teórico-prático desen-
colaborativa e participativa, visto que o pesquisa- volvido pela equipe multidisciplinar como design
dor não é o único ator do processo investigativo, pedagógico de materiais didáticos hipermidiáticos
mas, sim, coator atuando colaborativamente com em ambientes virtuais.
seus pares em torno de uma mesma preocupação
temática. Investigar ativamente significa planejar, Resultados e análises
agir, observar e refletir cuidadosamente e sistemati-
camente sobre uma realidade concreta (KEMMIS; A análise dos resultados parte de sua triangu-
MCTAGGART; 1988). lação. Isto é, entrelaçamos os dados coletados a
A tipologia pesquisa-ação pressupõe participa- partir dos instrumentos de pesquisa (questionário
ção ativa do pesquisador no contexto investigado. e observação participante), da participação ativa
Por isso, implementamos diário de observação das pesquisadoras na equipe multidisciplinar e das
participante para registrar as ações da equipe mul- suas ações e operações interventivas nas atividades
tidisciplinar na produção da Disciplina-Exemplo de pesquisa, desenvolvimento e capacitação. Essa
e do EMUABList. Para contemplar a análise por triangulação (observação, questionário, partici-
triangulação de fontes de dados (observação, par- pação, diagnóstico e intervenção) possibilitou a
ticipação, diagnóstico, intervenção), aplicamos análise dos resultados obtidos neste estudo.
questionário tipo survey com os professores- Com base nos diálogos estabelecidos com os
-conteudistas que produziram materiais didáticos professores-conteudistas, durante as orientações/
hipermidiáticos orientados pelo design pedagógico revisões pedagógicas dos materiais didáticos via
do exemplar teórico-prático. aplicação do EMUABList e dos dados coletados
O questionário tipo survey, sob a perspectiva através do questionário survey implementado,
teórica de Babbie (2005), foi modelado em escala afirmamos que o design pedagógico (modo de
Likert e customizado (através de seu desenvolvi- elaboração e disposição hipermidiática de recur-

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Design pedagógico de materiais didáticos: performance docente na produção hipermidiática em ambientes virtuais

sos e atividades de estudo no AVEA) serve como Esses registros, juntamente com o percentual
exemplo para planejamento didático-metodológico de 80% de concordância plena dos professores a
de materiais didáticos hipermidiáticos. Isso porque respeito da potencialidade diretiva do exemplar
observamos, ao longo das produções, a integração teórico-prático (Figura 6), dão-nos subsídios
das sugestões indicadas no checklist, cuja base suficientes para sustentar a afirmação de que a
teórica e organizacional é a Disciplina-Exemplo. Disciplina-Exemplo orienta o design pedagógico
Ademais, em grande escala, os materiais produ- hipermídia de recursos e atividades de estudo no
zidos acoplavam recursos hipermidiáticos a ati- Moodle e em outros AVEA. Inferimos, diante disso,
vidades de estudo. Isso elucida a contribuição da que o exemplar contribui para o direcionamento
Disciplina-Exemplo no design pedagógico desses do processo ensino-aprendizagem, por meio do
materiais, uma vez que a ênfase do exemplar é seu design pedagógico que se sustenta em teorias
a produção hipermidiática e a indissociabilidade potencializadoras de interatividade e interação no
entre conteúdos e atividades de estudo. ensino-aprendizagem em rede.

Figura 6 – Disciplina-Exemplo

Fonte: Jacques (2014, p. 124).

A triangulação dos dados nos permite ressaltar fluência tecnológica) quanto o conhecimento pe-
que potencial hipermidiático das ferramentas de re- dagógico (cria situações de ensino-aprendizagem
cursos e atividades do Moodle possibilita produção com as ferramentas do AVEA). Nesse sentido, a
de materiais didáticos mais interativos e com regula- Disciplina-Exemplo constitui-se como inovação
ridade tanto na disposição dos conteúdos curriculares, tecnológico-pedagógica, potencializando os meca-
quanto no enunciado das atividades de estudo. A nismos hipermidiáticos das ferramentas do Moodle
hipermídia possibilita leitura menos linear, flexibili- para gerar ensino-aprendizagem organizado em
zando as rotas de estudo através da navegabilidade. uma estrutura sistêmica.
Todavia, há que se considerar que a diretividade é A inovação, de acordo com Tapscott e Williams
fundamental para que os estudantes organizem seus (2007, p. 232), é a “recombinação de ideias existen-
estudos orientados curricularmente, levando em tes para formar algo novo”, que envolve interação
consideração as especificidades do tempo didático. colaborativa entre todos os envolvidos no processo
Ao trabalhar em suas unidades e subunidades de produção. Ao elaborar a Disciplina-Exemplo, a
conteúdos relativos à produção de materiais di- equipe multidisciplinar lançou mão das ferramentas
dáticos, a Disciplina-Exemplo relaciona tanto o disponíveis no Moodle, apropriando-se de suas
conhecimento tecnológico (trata da construção de potencialidades para gerar um modelo inovador

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de organização didático-metodológica das ações a distância. Por isso, muitas vezes, em razão da
de ensinar e aprender em rede. Tudo isso porque a cultura do material impresso, alguns professores
equipe multidisciplinar constitui-se em uma comu- apresentam resistência a inovações tecnológico-pe-
nidade de inovação, na qual a interação colabora- dagógicas como a Disciplina-Exemplo. Isso por-
tiva é o elemento-chave para ações retrospectivas que requerem organização didático-metodológica
e prospectivas. centrada na produção hipermidiática de recursos e
Mesmo com a integração da hipermídia em sua atividades de estudo estruturadas sistematicamente.
produção, 20% consideraram que a Disciplina- Entretanto, mesmo que a concordância seja
-Exemplo serve em parte como indicador para es- parcial, consideramos o resultado positivo,
truturação de disciplinas no Moodle. Esse resultado pois significa que, em determinados aspectos, a
quantitativo atrelado às observações realizadas na Disciplina-Exemplo constitui-se como indicador
equipe multidisciplinar, especialmente, nas ativi- hipermidiático de orientação pedagógica. Isso
dades de orientação/revisão pedagógica (via EMU- ficou evidente ao longo das interações com os
ABList) juntos aos professores que produziram professores-conteudistas. Além disso, a concor-
materiais didáticos, embora pouco significativo se dância plena é resultado predominante, o que
comparado aos 80% que concordaram plenamente reafirma o exemplar teórico-prático como inova-
com a declaração, faz-nos propor novos ciclos ção tecnológico-pedagógica potencializadora de
investigativos (próprios de pesquisa-ação): ensino-aprendizagem mediado.
a) qual o entendimento dos professores quanto Essa evidência amplifica-se através dos re-
à produção de materiais didáticos hipermi- sultados obtidos na aplicação do EMUABList na
diáticos em AVEA? revisão/orientação dos materiais didáticos, uma
b) quais potencialidades hipermidiáticas das vez que os professores-conteudistas, no processo
ferramentas do Moodle ainda precisam ser de produção, apontavam que o formulário poten-
melhor exploradas, ou quais ferramentas cializava sua interatividade nas ferramentas do
precisam ser implementadas nos AVEA Moodle. Diante disso, ele qualifica a performance
para otimizar a produção hipermidiática? docente, em AVEA, na transposição didática dos
c) os cursos de capacitação ofertados são su- saberes a serem ensinados. Tal afirmação pode ser
ficientemente esclarecedores do potencial reafirmada através do resultado quantificado: 100%
hipermidiático dos AVEA, como o Moodle? dos professores respondentes do questionário sur-
Esses questionamentos levam à problematiza- vey concordaram plenamente com a declaração de
ção tanto da performance multidisciplinar quanto que o EMUABList contribuiu quanto à operacio-
da performance docente na mediação pedagógica a nalização das ferramentas do Moodle, para gerar
distância. Com base nas observações participantes, situações de ensino-aprendizagem (Figura 7).
pode-se problematizar esse diagnóstico da prática O EMUABList, portanto, contribui para que
de produção: até que ponto o exemplar teórico- os professores elaborem os materiais didáticos
-científico (inovação tecnológico-pedagógica) operacionalizando as ferramentas do Moodle em
como design pedagógico de materiais didáticos busca de novas possibilidades de planejamento e
contribui para o ensino-aprendizagem mediado implementação de recursos e atividades de estudo.
pelo Moodle? Até que ponto os professores estão O foco dessa inovação tecnológico-pedagógica
preparados para reconhecer e saber lançar mão é potencializar a produção de materiais didáti-
das potencialidades da inovação tecnológico- cos hipermidiáticos sob o design pedagógico da
-pedagógica produzida? Disciplina-Exemplo, cujo foco é a interatividade
Sabemos que o modo de ensinar e aprender a e a interação em rede. Por isso, sua aplicação nas
distância difere-se da modalidade presencial e, revisões/orientações dos materiais didáticos visa
como estabelecem os Referenciais de Qualida- ao desenvolvimento de fluência tecnológico-peda-
de para EaD (BRASIL, 2007), a experiência no gógica dos professores, a fim de que as produções
ensino-aprendizagem presencial não garante a convirjam com o fomento das políticas públicas
qualidade da performance docente na modalidade para o ensino-aprendizagem em rede.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 49-64, jul./dez. 2014 61
Design pedagógico de materiais didáticos: performance docente na produção hipermidiática em ambientes virtuais

Figura 7 – EMUABList

Fonte: Jacques (2014, p. 173).

Nesse contexto, o EMUABList, como inovação pedagógico hipermídia. As teorias (Rede de


tecnológico-pedagógica, implica performance mul- Mediadores, Atividade de Estudo, Educação
tidisciplinar sustentada na interação colaborativa. Dialógico-Problematizadora) que a embasam
Significa dizer que o diálogo-problematizador entre trazem a concepção de que as situações de ensinar
a equipe e os professores é basilar para que haja e aprender podem gerar construção colaborativa
colaboração no processo de orientação e revisão de saberes (através da interação dialógico-poble-
das produções. Se não há interação entre os me- matizadora nas atividades de estudo), dependo
diadores, tampouco a colaboração acontece. Logo, do modo como o professor as planeja, ou seja,
a interação colaborativa é o meio para a realização da interatividade estabelecida entre mediadores
de ações e operações com o objetivo de produzir humanos e não humanos.
recursos e atividades de estudo hipermidiáticos. Por conseguinte, no escopo das inovações
tecnológico-pedagógicas da equipe multidisci-
plinar, a Disciplina-Exemplo é complementada
Considerações finais
pelo EMUABList e ambos constituem-se como
Inferimos, através da pesquisa-ação realizada, indicadores de orientação/revisão pedagógica para
que o design pedagógico no exemplar produzido produção de materiais didáticos hipermidiáticos
potencializa a implementação das práticas hiper- em AVEA. Diante disso, finalizamos elencando
midiáticas no ensino-aprendizagem mediado por os predicados que os constituem como inovação
tecnologias em rede, enfatizando produção de e design pedagógico (Disciplina-Exemplo) para
materiais didáticos interativos através da integração produções didáticas:
da hipermídia. A interatividade constitui-se como a) são inéditos no escopo da produção didática
ação potencializadora da formação cognitiva dos universitária;
estudantes que, através da autonomia orientada b) são fundamentados nas teorias da educação
pelo professor, tornam-se autores e coautores da dialógico-problematizadora, rede de media-
sua própria aprendizagem. dores e atividades de estudo;
A Disciplina-Exemplo, nesse sentido, con- c) são resultados da performance multidisci-
tribui para que os materiais didáticos sejam plinar de uma equipe composta por profis-
produzidos segundo os princípios do design sionais de diversas áreas do conhecimento,

62 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 49-64, jul./dez. 2014
Juliana Sales Jacques; Elena Maria Mallmann

trabalhando colaborativamente com foco na -aprendizagem mediado por tecnologias


melhoria dos materiais didáticos produzidos educacionais em rede;
na UAB/UFSM; e) seguem a perspectiva da educação aberta,
d) orientam sistematicamente o ensino- pois visam à produção de REA em AVEA.

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ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção e leitura. Tradução de Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich. São
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Recebido em: 30.05.2014


Aprovado em: 25.09.2014

64 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 49-64, jul./dez. 2014
Lúcia Amante; Pedro Cabral

O MODELO PEDAGÓGICO DA
UNIVERSIDADE ABERTA DE PORTUGAL:
APRENDER ONLINE NO CURSO DE EDUCAÇÃO

Lúcia Amante∗
Pedro Cabral∗∗

RESUMO

Apresentamos neste texto o percurso seguido ao longo de uma Unidade Curricular,


integrada no 2º ano da graduação em Educação lecionada em regime online na
Universidade Aberta (UAb), a universidade pública de educação a distância
de Portugal. Nesta Unidade Curricular os estudantes são chamados a conceber
e desenvolver um pequeno projeto de investigação que visa a iniciação ao
desenvolvimento de competências base de pesquisa em contextos educacionais.
Tomando como base o modelo pedagógico virtual da UAb, a Unidade Curricular foi
planeada tendo em conta a sua especificidade que apela à prática da investigação no
terreno. Pretende-se apresentar o design curricular adotado, designadamente como foi
alicerçado o percurso de aprendizagem na sala de aula virtual e como foi pensada a
interação entre estudantes de modo a promover a reflexão e partilha de saberes entre
o grupo. A avaliação proposta foi pensada de modo a testar o desenvolvimento efetivo
das competências visadas, mas assumindo expressamente uma dimensão formadora,
ou seja, constituindo-se como parte integrante do ato pedagógico e do processo
de aprendizagem. À reflexão dos docentes sobre o desenvolvimento dos trabalhos
na Unidade Curricular, enquanto observadores participantes, junta-se a análise da
perspectiva dos estudantes, avaliada por questionário, aplicado às duas turmas do curso.
Palavras-chave: Modelo pedagógico. Aprendizagem online. Design instrucional.
Avaliação.

ABSTRACT

THE PEDAGOGICAL MODEL OF THE OPEN UNIVERSITY OF PORTUGAL:


LEARNING ONLINE IN AN EDUCATION COURSE
We present, in this paper, the steps of an online course, from a graduation in Education,
at the public Open University (UAB) of Portugal. In this course, students must design
and develop a small research project, which aims the development of basic research
skills in educational contexts. Based on the virtual pedagogical model of UAB, the
course was planned taking into account the specificity of the field research practice. We
present the curriculum design adopted in the virtual classroom, designed to promote
interaction among students in order to promote reflection and shared knowledge within

Doutora em Educação pela Universidade Aberta - Portugal. Professora Auxiliar nesta Universidade. Investigadora no Laboratório
de Educação a Distância e Elearning. Rua da Escola Politécnica, 141-147, 1269-001 Lisboa. lucia.amante@uab.pt
∗∗
Mestre em Supervisão Pedagógica pela Universidade Aberta - Portugal. Bolsista do Instituto de Educação da Universidade de
Lisboa. Doutorando em Educação da Universidade Aberta (Laboratório de Educação a Distância e Elearning). Rua da Escola
Politécnica, 141-147, 1269-001 Lisboa. pedro.manuel.cabral@gmail.com

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 65-72, jul./dez. 2014 65
O modelo pedagógico da Universidade Aberta de Portugal: aprender online no curso de educação

the group. The assessment was designed to test the effective development of targeted
skills but also assuming a formative dimension and becoming an integral part of the
pedagogical act and of the learning process. We analyze the considerations of the
teachers as participants and observers as well as the students´ perspective assessed
by a survey answered by the students from both classes of the course.
Keywords: Pedagogical model; online learning; instructional design, assessment.

O Modelo Pedagógico da Universidade -se e comprometendo-se com o seu processo de


Aberta aprendizagem e integrado numa comunidade de
aprendizagem”(PEREIRA et al, 2007, p. 11).
A Universidade Aberta de Portugal tem sofrido, Assim, as situações de ensino são desenhadas
nos últimos anos, profundas mudanças, inscritas no em função do estudante, tendo em vista o desen-
âmbito do seu plano estratégico de inovação. Tra- volvimento de um conjunto de competências pre-
tando-se de uma Universidade de ensino a distân- viamente definidas. O planejamento das atividades
cia, nela se refletiu em particular a necessidade de assume particular relevância, e a aprendizagem
acompanhar as profundas transformações da socie- realiza-se quer através de estratégias de autoa-
dade. Se os avanços tecnológicos, e em particular prendizagem, quer através da interacção entre
a Internet, têm vindo a promover essas mudanças, pares, dando lugar a estratégias de aprendizagem
oferecendo novas e privilegiadas possibilidades à cooperativas e colaborativas.
educação a distância, torna-se, contudo, necessário Nessa perspectiva, altera-se substancialmente o
articular as novas possibilidades tecnológicas com papel do professor, exigindo-se-lhe que atue como
a renovação dos modelos pedagógicos industriais facilitador do processo de aprendizagem, levando
tradicionalmente usados nestes contextos, para o estudante a desenvolver capacidades metacog-
fazer frente aos novos desafios que se colocam à nitivas, quer através do desenho de atividades de
educação e à educação a distância em particular. aprendizagem relevantes, quer disponibilizando
Com efeito, o espaço europeu de educação supe- recursos, quer organizando a colaboração e es-
rior vem determinar uma maior responsabilização timulando a interação dentro da comunidade de
do estudante pelo seu processo de aprendizagem, ao aprendizagem, promovendo a reflexão conjunta.
mesmo tempo que exige novos modos de ensinar e Quanto ao primado da flexibilidade, advoga a
aprender, colocando a ênfase na aquisição e desen- possibilidade de o estudante poder aprender onde
volvimento de competências e por isso requerendo e quando quiser, sem constrangimentos de espaço
novas posturas pedagógicas. ou de tempo, tendo em consideração o perfil do
Nesse sentido, desde 2007, os novos cursos da estudante típico da Universidade Aberta: adulto,
Universidade Aberta, já desenhados de acordo com com responsabilidades profissionais, familiares e
o tratado de Bolonha, passaram a funcionar tendo cívicas. Assim, o modelo constitui-se como essen-
por base um modelo pedagógico virtual desenvol- cialmente assíncrono, permitindo a não coincidên-
vido na própria instituição (PEREIRA et al, 2007). cia de espaço e não coincidência de tempo entre os
Este novo modelo pedagógico, assenta em quatro intervenientes envolvidos.
grandes linhas de força:
A ênfase nas tecnologias assíncronas possibilita ao
- a aprendizagem centrada no estudante;
estudante gerir efectivamente os seus tempos de acesso
- o primado da flexibilidade; online, de pesquisa individual, de estudo e aprofunda-
- o primado da interação; mento dos temas e/ou de interacção com o professor e
- o princípio da inclusão digital. os outros estudantes. Por um lado, a possibilidade de
A aprendizagem centrada no estudante, na medi- o estudante se envolver em discussões e debates sem
da em que este é encarado como “indivíduo activo, hora marcada, aumenta a flexibilidade de gestão tem-
construtor do seu conhecimento, empenhando- poral da aprendizagem. (PEREIRA et al, 2007, p. 12).

66 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 65-72, jul./dez. 2014
Lúcia Amante; Pedro Cabral

O princípio da interação é também um vetor Os elementos pedagógicos ao nível


estruturante desse modelo, salientando-se a im- dos cursos de graduação
portância desta variável habitualmente crítica nos
processos tradicionais de aprendizagem a distância. As atividades de aprendizagem decorrem no
Se nas primeiras gerações de ensino a distância a espaço da turma virtual de cada unidade curricular
interacção era fundamentalmente entendida como in- ao longo de cada semestre, sendo realizadas online
teracção estudante-conteúdo e interacção estudante- com recurso a dispositivos de comunicação. Com
-professor, no modelo aqui explicitado ela alarga-se base nestes dispositivos são organizados fóruns
de forma decisiva à interacção estudante-estudante, de dois tipos: fóruns moderados pelos estudantes
através da criação de grupos de discussão no interior e fóruns moderados pelo professor. Os fóruns mo-
de cada turma virtual, implicando o seu planeamen- derados pelos estudantes constituem espaços de
to prévio (o desenho instrucional) e estratégias de trabalho da turma. Neles deverá ter lugar a interação
activação da aprendizagem, de modo a estimular entre pares a propósito da temática em estudo. Os
a iniciativa e o envolvimento dos estudantes, bem fóruns moderados pelo professor têm como obje-
como a garantir a sua frequência e orientar a natureza
tivo o esclarecimento de dúvidas e a superação de
do seu trabalho (PEREIRA et al, 2007, p. 13).
dificuldades que não tenham sido ultrapassadas
Por último, o princípio da inclusão digital “en- através da discussão entre os estudantes. Estes
tendida como a facilitação do acesso aos adultos fóruns são abertos em momentos determinados
que pretendam frequentar um programa numa pelo professor. A comunicação é essencialmente
instituição superior e não tenham ainda adquirido assíncrona e, por isso, baseada na escrita.
desenvoltura na utilização das Tecnologias da In- Na concepção e organização prévia do percurso
formação e Comunicação” (PEREIRA et al, 2007, formativo de ensino e aprendizagem nas unidades
p. 14). curriculares de 1º ciclo destaca-se um conjunto
Entende-se assim que se torna fundamental que de elementos-chave que estruturam o processo
a educação de adultos a distância contribua para o de aprendizagem: O Plano da Unidade Curricular
desenvolvimento de literacia digital, impulsionan- (PUC), o Plano de Atividades Formativas (PAF) e
do-o a partir da motivação e necessidade do uso das o Cartão de Aprendizagem (CAP).
novas ferramentas. Neste sentido, e tendo em conta O PUC, elaborado pelo professor e apresen-
que o ensino online exige competências específi- tado ao estudante no início das atividades, é um
cas por parte do estudante, todos os programas de documento guia, norteador de todo o processo
formação certificados pela Universidade Aberta de aprendizagem. Tem como objetivo ajudar o
incluirão um módulo prévio, designado “módulo estudante a conhecer tudo o que se espera dele e,
de ambientação”. Este módulo, realizado online, consequentemente, a planejar e organizar o seu
permite aos novos estudantes adquirir essas com- trabalho. Nele surgem:
petências antes da frequência do curso ou programa
a) As competências a desenvolver;
de formação em que se inscreveram.
b) Os temas a estudar;
São, pois, esses quatro princípios-base que
c) A bibliografia a trabalhar;
norteiam a organização do ensino, a planificação, a
d) O que se espera do estudante;
concepção e gestão das atividades de aprendizagem
e) O plano de atividades formativas;
a propor aos estudantes, a tipologia de materiais a
f) O calendário que o estudante deve cumprir;
desenvolver e a natureza da avaliação das compe-
g) Os modos de avaliação;
tências desenvolvidas.
h) A organização do cartão de aprendizagem
No que se refere à sua operacionalização, esse
do estudante (CAP), com as indicações para
modelo apresenta variantes distintas para o 1º e 2º
a elaboração dos e-fólios adstritos a este
ciclo. Neste texto abordaremos sucintamente as
elemento.
características da variante do 1º ciclo, dado que
é nesse âmbito que se inscreve a experiência que O Plano de Atividades Formativas (PAF) visa
aqui pretendemos relatar. fornecer aos estudantes uma base para trabalhar e

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 65-72, jul./dez. 2014 67
O modelo pedagógico da Universidade Aberta de Portugal: aprender online no curso de educação

adquirir objetivos e competências intermédias, no cional. Neste âmbito, pretende-se dar início ao
decurso do ciclo de aprendizagem. Estas atividades desenvolvimento de competências básicas de in-
são disponibilizadas aos estudantes em momentos vestigação que permitam ao estudante concretizar
pré-determinados (definidos no PUC). Podem ter o seu projeto.
tipologia variada, consoante a natureza das compe- Nesse sentido, pretende-se que o estudante
tências a desenvolver, e são acompanhadas de indi- desenvolva as seguintes competências:
cações para que o aluno proceda, posteriormente,
a) Identificar problemas educacionais;
à sua autoavaliação, permitindo-lhe monitorizar a
b) Formular uma questão de investigação;
sua aprendizagem.
c) Delinear uma metodologia de investigação
O Cartão de Aprendizagem do estudante (CAP)
adequada ao problema/questão em causa;
baseia-se na metáfora do “cartão de crédito” e tem
d) Tratar, analisar e interpretar resultados
como objetivo fundamental valorizar o percurso
obtidos;
pessoal de aprendizagem do estudante. Trata-se de
e) Propor estratégias de intervenção adequadas;
um dispositivo eletrônico personalizado que registra
f) Elaborar um relatório de investigação.
os resultados de avaliação contínua do estudante ao
longo do seu percurso de aprendizagem na Unidade
O design instrucional da unidade
Curricular (UC), reunindo ainda os comentários
curricular e a metodologia de trabalho
qualitativos do professor a essa avaliação.
Ao Cartão de Aprendizagem associa-se o con- Tendo como referência diversos autores
ceito de e-fólio, como instrumento de avaliação (GUÀRDIA; SANGRÀ; MAINA, 2007; MATEO,
contínua. Trata-se de um pequeno documento 2006; MATEO; SANGRÀ, 2007; MORGAN;
digital que obedece a instruções fornecidas pelo O’REILLY, 1999; SAVERY; DUFFY, 1996), su-
professor, dependendo a sua natureza da área blinhamos a relevância de considerar no design
científica em estudo. Prevê-se que cada estudante instrucional das unidades curriculares os funda-
possa elaborar, em momentos distintos, dois ou três mentos da avaliação digital propostos por Pereira,
e-fólios, de acordo com um calendário previamente Oliveira e Tinoca (2010), e analisados por Gomes,
definido pelo professor da unidade curricular. Amante e Oliveira (2012). Neste âmbito destaca-
Ainda que, no que diz respeito à avaliação, seja mos um conjunto de princípios instrucionais que, na
dada ao estudante a possibilidade de optar pela nossa perspectiva, emergem como particularmente
realização de um exame final presencial, a filosofia relevantes e que procuramos ter em consideração
de base desse modelo de 1º Ciclo pressupõe a reali- ao desenharmos o percurso de aprendizagem da
zação de avaliação contínua. Esta consubstancia-se, unidade de Seminário de Investigação:
regra geral, na realização de uma componente de a) a estrutura curricular assente na realização
avaliação eletrônica referida (e-fólios) e que se de atividades orientadoras do percurso de
associa ao Cartão de Aprendizagem, a que se junta aprendizagem;
a realização de uma prova presencial (p-fólio). b) atividades significativas e cognitivamente
desafiantes;
A unidade curricular Seminário de c) atividades autênticas e holísticas, no sentido
Investigação em que deverão assumir significado para os
estudantes face à sua realidade;
O Seminário de Investigação corresponde a uma d) atividades diversificadas mas que requeiram
unidade curricular que integra o 2º ano do plano uma resposta concreta, um produto, que
de estudos de um curso de 1º ciclo – Licenciatura evidencie o conhecimento a adquirir ou a
em Educação. competência a desenvolver;
Nessa unidade curricular pretende-se que o es- e) situações de aprendizagem em grupo,
tudante aprenda a delinear e realizar uma pequena desencadeadoras de interação e reflexão
investigação no âmbito de temáticas consideradas conjunta entre pares, favorecendo a auto e
relevantes, tendo em vista a intervenção educa- heterorregulação da aprendizagem;

68 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 65-72, jul./dez. 2014
Lúcia Amante; Pedro Cabral

f) a consideração da avaliação como um um comportamento de scaffolding1 (WOOD; BRU-


elemento transversal ao conjunto de ativi- NER; ROSS, 1976), procurando, sempre que tal se
dades desenvolvidas ao longo do curso – a adequava, não dar respostas objetivas, não fornecer
avaliação vista como parte integrante do ato a solução aos alunos, realizando, antes, “interven-
pedagógico e do processo de aprendizagem. ções estratégicas” (BRUNER, 1978) através de um
processo de questionamento progressivo que os leve
Assim, a unidade curricular foi organizada em 5
a encontrar ou a aproximarem-se por si próprios da
temáticas: 1. Problema de investigação; 2. Funda-
resposta pretendida.
mentação teórica da investigação; 3. Metodologia
de investigação; 4. Trabalho de campo; 5. Relatório
de investigação, abertas sequencialmente ao longo A avaliação da unidade curricular
do semestre, no espaço da turma virtual, organizado
na plataforma Moodle, que constitui a plataforma Nessa Unidade, os alunos foram encorajados a
de e-learning adotada pela Universidade Aberta, e optar por avaliação contínua, dado ser esta a mo-
que a adaptou às características do seu atual modelo dalidade de avaliação que melhor serviria o desen-
pedagógico. volvimento das competências a desenvolver, sendo
Durante o período dedicado às diferentes temáti- a prova presencial, habitual no modelo pedagógico
cas, os estudantes dispunham para além de acesso à da UAb para o 1º Ciclo, substituída por um e-fólio
bibliografia específica fornecida online, a possibili- final concluído pelo aluno após o fim da atividade
dade de realizarem atividades formativas propostas letiva. Esta foi, de fato, a opção da quase totalidade
pelo professor, dirigidas ao desenvolvimento das dos alunos (98,25%, num total de 112 alunos).
competências a adquirir. Simultaneamente, foi Tendo como princípio base a consideração da
disponibilizado em cada temática um fórum de es- avaliação como um elemento transversal ao con-
tudantes, sendo estes incentivados a partilhar nesse junto de atividades de aprendizagem, a avaliação
pretendeu constituir-se como parte integrante do
fórum, com os colegas, os vários aspectos que a
ato pedagógico e do processo de aprendizagem
abordagem das temáticas os convidava a trabalhar:
(PINTO; SANTOS, 2006). Assim, ao longo do
a formulação das suas questões de investigação
semestre, os alunos eram chamados a desenvolver
(Tema 1), os recursos a utilizar para realizarem o
o seu pequeno projeto de investigação, partindo da
enquadramento teórico das mesmas (Tema 2), a
sua realidade e dos seus interesses, concretizando-
discutir as suas opções metodológicas (Tema 3), ou a
-se esse processo em 3 momentos de avaliação,
colocar outras questões de acordo com o temática em
claramente explicitados desde o início: A realização
curso. O objetivo destes fóruns visava o desencadear
de um 1º e-fólio, (formulação da questão de inves-
da discussão prévia no seio do grupo, considerando
tigação, justificação e contextualização da mesma)
esta interação como promotora da reflexão e da
a ter lugar no final da abordagem da temática 1; um
heterorregulação da aprendizagem. Numa fase pos-
2º e-fólio no final da temática 3 (Fundamentação
terior, depois desta discussão interpares e antes da teórica da problemática a abordar, definição da
realização dos e-fólios, eram então disponibilizados metodologia a adotar) e um e-fólio final, após a
os Fóruns moderados pelo Professor, permitindo temática 5, que congregava os dois primeiros (com
aprofundar e clarificar essas questões e proporcio- as reformulações que, entretanto, tivessem sido
nando aí orientações que pretendiam levar o aluno sugeridas pelo professor, quando da sua correção)
a redesenhar ou aperfeiçoar a formulação da sua e que, complementado com a coleta, tratamento e
questão de investigação (Fórum dúvidas 1), a melhor
fazer o enquadramento teórico da problemática em 1 Esse conceito introduzido por Wood, Bruner e Ross (1976)
refere-se aos passos dados pelo educador/professor a fim
estudo, ou a redefinir opções metodológicas (Fórum de delimitar uma dada tarefa, procurando levar a o sujeito
dúvidas 2), ou a colocar problemas relacionados com aprendente a centrar-se nas competências em jogo num
o desenvolvimento do trabalho de campo propria- dado processo de aquisição. Trata-se de antecipar o desen-
volvimento da compreensão da tarefa por parte do sujeito
mente dito (Fórum dúvidas 3). Salienta-se, contudo, e de agir em consonância com essa antecipação através das
que, nestes fóruns, o docente adotava tipicamente, designadas “intervenções estratégicas” (BRUNER, 1978).

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 65-72, jul./dez. 2014 69
O modelo pedagógico da Universidade Aberta de Portugal: aprender online no curso de educação

análise de dados, bem como a sua interpretação, os trabalhos até aí realizados. Pretendeu-se apostar
constituía, na prática, o relatório de campo da na função reguladora da avaliação que percorre
investigação desenvolvida. todo o processo pedagógico e que funciona assim
Nos fóruns de dúvidas, anteriores à entrega dos como um instrumento a serviço da aprendizagem
e-fólios, os estudantes tinham oportunidade de (PINTO; SANTOS, 2006).
apresentar as suas ideias sobre o trabalho a desen-
volver no e-fólio, recebendo feedback do professor, Balanço final
a fim de aperfeiçoarem e reformularem, se neces- Noventa e três alunos, ou seja 84,6% dos que op-
sário, as suas propostas. A realização do e-fólio taram por avaliação contínua, chegaram à realiza-
propriamente dito constituía, pois, o ponto de che- ção do e-fólio final, registrando-se 17 desistências
gada deste processo; este e-fólio depois de avaliado (15,5%). Dos que apresentaram este trabalho final
era comentado na sua versão final pelo professor, em época normal, 77,3% obtiveram aprovação na
permitindo, posteriormente, ao estudante redefinir UC, tendo apresentado projetos de natureza muito
ainda aspectos menos conseguidos (aperfeiçoando diversificada, e que, embora constituindo-se como
o seu projeto), tendo em vista incorporar todas essas trabalhos de investigação a um nível elementar,
alterações quando da realização do e-fólio final revelaram o desenvolvimento de algumas compe-
que, para além de outras componentes, conjugava tências básicas fundamentais.

Quadro 1 – Síntese das respostas dos estudantes ao questionário de avaliação sobre o funcionamento da
Unidade Curricular ”Seminário de Investigação”
Concordo/ Discordo/
Não Concordo
Itens Concordo Discordo
nem Discordo
Totalmente Totalmente
1. Percebi, desde o início, o funcionamento desta UC 91,3% 8,7% -
2. Participei mais do que habitualmente nos fóruns desta UC 43,5% 34,8% 21,7%
3. Sinto que aprendi 95,7% 4,3% -
4. Acho que a metodologia de trabalho adotada deve ser alterada 8,7% 13% 78,3%
5. Senti que as orientações dadas nos fóruns eram insuficientes para
desenvolver o meu projecto 21,7% 8,7% 69,6%
6. Os e-fólios A e B foram muito importantes para realizar com êxito
96,1% 8,7% -
o e-fólio final
7. As observações feitas aos e-fólios não me ajudaram a corrigir o que
21,7% 8,7% 69,6%
não estava bem
8. Os materiais de estudo fornecidos foram úteis 78,3% 17,4% 4,3%
9. Esta UC foi muito trabalhosa 73,9% 21,7% 4,3%
10. As orientações dadas pelo professor aos colegas também foram
úteis para a minha aprendizagem 100% - -
11. Acho que os fóruns foram realmente úteis para a aprendizagem 82,6% 13% 4,3%
12. Esperava melhores resultados nesta UC 52,2% 26,1% 8,7%
13. Sinto que se iniciasse agora outro projeto de investigação, teria
95,7% 4,3% -
menos dúvidas sobre os passos a dar
14. Frequentar a UC Investigação Educacional foi importante para
73,9% 21,7% 4,3%
realizar o meu trabalho nesta UC
15. O balanço que faço desta UC é, globalmente, positivo 82,6% 8,7% 8,7%

Fonte: Elaborado pelos autores deste artigo.

70 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 65-72, jul./dez. 2014
Lúcia Amante; Pedro Cabral

No que se refere ao balanço realizado pelos estu- como uma escada íngreme que não permite desviar
dantes, apresentamos o quadro síntese dos resultados o olhar e a atenção dos degraus, sem que se arris-
obtidos em resposta ao questionário de avaliação, de quem desequilíbrios.
resposta anônima, que foi endereçado aos alunos no Registramos ainda uma evolução muito posi-
final do semestre. Este questionário contemplava 15 tiva em muitos estudantes ao longo da UC, bem
itens, pedindo-se ao aluno que se pronunciasse sobre como um nível de empenho elevado, considerando
cada um deles exprimindo a sua opinião consideran- também que os resultados finais obtidos na UC se
do os 5 níveis da escala disponibilizada. Estes níveis podem considerar muito satisfatórios.
foram posteriormente agrupados para tratamento dos Como aspectos a alterar, destacamos a necessi-
dados em 3 categorias (Quadro 1). dade de delimitar as grandes áreas temáticas em que
Conforme se pode constatar, através da lei- os alunos propõem os seus projetos. Com efeito,
tura do referido quadro, a avaliação realizada ainda que se sublinhe a importância de o projeto
pelos estudantes é, globalmente, muito positiva, a desenvolver ter significado para o estudante,
destacando-se que 52,2% dos alunos referiram relacionando-se com a sua realidade, tornou-se, por
que esperavam obter melhores resultados nesta UC vezes, muito difícil abarcar todas as áreas em que os
(Item 12). Ou seja, ainda que para mais da metade estudantes se propunham realizar a sua investigação,
dos estudantes os resultados tenham ficado aquém designadamente no que se refere à necessidade de
do esperado, estes estudantes fazem, contudo, na orientar a pesquisa teórica a realizar no âmbito de
generalidade dos itens, uma apreciação bastante cada problemática específica apresentada. Por outro
favorável sobre a experiência vivenciada na UC, lado, parece-nos mais produtivo que os alunos desen-
não parecendo que esta avaliação seja influenciada volvam projetos em áreas que no âmbito do seu curso
pelas notas obtidas. Assinale-se ainda que mais de já lhes tenham proporcionado algum aprofundamento
40% dos estudantes consideram que participaram teórico, conduzindo-os, assim, a questões de investi-
mais do que habitualmente nos fóruns da Unidade gação mais pertinentes e fundamentadas. Pensamos,
Curricular, ou seja, os níveis de interação conse- ainda, que esta delimitação temática poderá contribuir
guidos foram mais significativos, invertendo assim para uma interação mais profícua entre os estudantes,
a situação de baixa participação dos estudantes, dado que os temas em estudo poderão muitas vezes
frequentemente apontada como crítica em grande cruzar-se, favorecendo uma maior dinâmica de re-
parte das unidades curriculares que frequentam. flexão conjunta motivada pela partilha de interesses
Com efeito, 78,3% dos estudantes consideram que sobre dados temas/questões de investigação.
a metodologia de trabalho adotada na UC não deve Também o número de alunos por turma, numa
sofrer alterações, corroborando, assim, a perceção UC dessa natureza, que exige um acompanhamento
positiva geral evidenciada pelos estudantes sobre muito individualizado por parte do professor, re-
o percurso de aprendizagem vivenciado na UC. quer ser equacionado, de modo a que esse acom-
Na perspectiva dos docentes (professor e tutor panhamento possa efetivamente ter lugar, sem
que orientaram esta UC), há a destacar o eleva- sobrecarregar em demasia os docentes.
do grau de interatividade registrado (1335 posts Em síntese, avaliamos essa experiência e esse
colocados no fóruns, aproximadamente 95 posts percurso de forma positiva porque, para além dos
por semana), comparativamente à interação ge- resultados propriamente ditos e para além das
nericamente baixa que se registra, habitualmente, competências concretas desenvolvidas, cremos que
nas turmas de graduação. Atribuímos este nível a Unidade Curricular permitiu a esses estudantes,
de interação à metodologia de trabalho adotada, em início de formação, a tomada de consciência
designadamente o conhecimento pelos alunos de de que investigar é algo complexo, algo que re-
que as atividades propostas nas diferentes temáti- quer conhecimento teórico, que requer rigor, que
cas visavam trabalhar o que lhes viria a ser pedido requer metodologias específicas e adequadas a
em termos de avaliação, nos momentos definidos cada situação, e que requer saber interligar estes
para tal, e o entendimento de que a Unidade era diferentes saberes para que possam desenvolver
um percurso contínuo a ser acompanhado de perto, um trabalho válido.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 65-72, jul./dez. 2014 71
O modelo pedagógico da Universidade Aberta de Portugal: aprender online no curso de educação

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Recebido em: 23.09.2014


Aprovado em: 16.10.2014

72 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 65-72, jul./dez. 2014
Eliane Schlemmer

Gamificação em Espaços de Convivência Híbridos e


Multimodais: Design e cognição em discussão

Eliane Schlemmer∗

RESUMO

O artigo emerge da pesquisa Gamificação em Espaços de Convivência Híbridos e


Multimodais: uma Experiência no Ensino Superior1 e objetiva compreender e discutir
a relação design-cognição na docência, num contexto de configuração de Espaços de
Convivência Híbridos e Multimodais, na perspectiva da Gamificação. A pesquisa, de
natureza exploratória e abordagem qualitativa, usa como metodologia Design Research
e cartografia, e como instrumentos: observação, registros fotográficos digitais, registros
em filmadoras digitais, registros em áudio digital e registros escritos. Para a análise
dos dados utiliza a análise textual discursiva. Os principais resultados evidenciam que
a relação design-cognição na docência ocorre na medida em que o docente está sujeito
construtor ativo do design da experiência, sendo fundamental para que atribua sentidos
a uma prática inovadora, por “estar na situação” e, portanto, poder falar “de dentro”,
a partir do seu processo de aprendizagem. Assim, como conclusão é possível dizer
que a relação design-cognição na docência, principalmente vinculada à configuração
de Espaços de Convivência Híbridos e Multimodais na perspectiva da Gamificação,
ocorre na medida em que o docente configura, juntamente com os discentes, esses
espaços de convivência, em que o outro é reconhecido como legítimo na interação e,
portanto, alguém com quem se pode aprender.
Palavras-chave: Gamificação. Espaços de convivência híbridos e multimodais.
Design. Cognição. Docência.

ABSTRACT

GAMIFICATION IN MULTIMODAL HYBRID LIVING SPACES: DESIGN


AND COGNITION IN DISCUSSION
The paper emerges from the research “GAMIFICATION IN HYBRID AND
MULTIMODAL LIVING SPACES: AN EXPERIENCE IN HIGHER EDUCATION”
and its aim is to understand and discuss the relationship between design and cognition
in teaching, in a context of Hybrid and Multimodal Living Spaces, from the perspective
of Gamification. The research is based on an exploratory and qualitative approach,
according to the Design Research and Cartography methodology, having as instruments:
observation, digital photographic records, digital video records, digital audio records and
written records. Data analysis is based on discursive textual analysis. The main results
show that the relationship between design and cognition in teaching occurs when the
teacher is an active builder subject of the design of the experience and it is fundamental
to put meanings to an innovative practice, once “being in the situation”, the teacher
1 Pesquisa financiada pelo CNPq.

Doutora em Informática na Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora-Pesquisadora Titular
do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Endereço Institucional:
Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Av. Cristo Rei, 950 – Cristo Rei. São Leopoldo–RS. CEP: 93022-000. elianes@unisinos.br

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 73-89, jul./dez. 2014 73
Gamificação em espaços de convivência híbridos e multimodais: design e cognição em discussão

is able to speak “according to his/her own experience”, from his/her own learning
process. So, we have come to the conclusion that the design-cognition relationship in
teaching, mainly linked to the Hybrid and Multimodal Living Spaces configuration, in
the perspective of Gamification, occurs when the teacher configure with the students
these living spaces, recognizing each other as legitimate in the interaction and therefore
recognizing each student as someone from whom they can learn something.
Keywords: Gamification. Hybrid and Multimodal Living Spaces. Design. Cognition.
Teaching

Contextualização entanto, teriam muitas surpresas se tivessem ido


para a casa com um ou dois dos estudantes, pois
O viver e o conviver ocorrem, cada vez mais, em lá teriam descoberto que,
contextos híbridos e multimodais, onde diferentes [...] com uma diligência e vivacidade que a esco-
tecnologias analógicas e digitais integram espaços la raramente consegue gerar, muitos estudantes
presenciais físicos e online, constituindo novos es- tornaram-se intensamente envolvidos em aprender
paços para o conhecer. É nesses novos espaços que as regras e estratégias do que pareceu, à primeira
os sujeitos, em movimentos nômades, interagem, vista, ser um processo muito mais exigente do que
constroem conhecimentos e aprendem, o que nos qualquer tarefa de casa. Eles definiram a disciplina
faz pensar que uma nova cultura possa estar emer- como “videogame” e o que estavam fazendo como
gindo, não dicotômica entre a cultura analógica e ‘brincando’. (PAPERT, 1994, p. 11, grifo do autor).
a digital, mas, sim, uma cultura que coloca esses Vinculado ao mundo dos games, surge o con-
elementos e sujeitos em relação, na perspectiva de ceito de gamificação, que consiste em utilizar ele-
coexistência. A essa cultura poderíamos denominar mentos presentes na mecânica dos games, estilos de
“Cultura do hibridismo e da multimodalidade”, ou games e forma de pensar dos games em contextos
ainda “Cultura ubíqua”, se consideramos o fato não game, como forma de resolver problemas e en-
de que as pessoas, os lugares e as coisas (objetos) gajar os sujeitos. Esse conceito tem sido apropriado
podem estar interligados por redes de comunicação pela área da educação, possibilitando a construção
que possibilitam o tráfego de dados entre diferentes de situações de ensino e de aprendizagem capazes
dispositivos e redes espalhadas por prédios, ruas, de engajar os sujeitos, de forma prazerosa, na defi-
carros, enfim, por toda parte, possibilitando a co- nição e resolução de problemas, contribuindo para
municação entre esses diferentes atores, de forma repensar o contexto educacional formal.
que a computação se torna praticamente invisível Assim, investigar a relação design-cognição a fim
(SACCOL; SCHLEMMER; BARBOSA, 2010). de compreender que “projeto cognitivo” emerge na
Nesse viver e conviver, desde os tempos pri- construção de espaços de convivência híbridos2 e
mitivos, o jogo está presente e tem sido estudado multimodais3 na perspectiva da gamificação, confi-
enquanto elemento do desenvolvimento humano gura a problemática a ser discutida nesse artigo. O
(PIAGET, 1964), presente na raiz da cultura objetivo está em compreender e discutir a relação
(VYGOTSKY, 1994). De acordo com Huizinga design-cognição na docência, nesses contextos.
(1993, p. 10-16, grifo do autor) o jogo “é função de O artigo está vinculado à pesquisa intitulada
vida [...] atividade livre, conscientemente tomada Gamificação em Espaços de Convivência Híbri-
como ‘não-séria’ e exterior à vida habitual, mas dos e Multimodais: uma Experiência no Ensino
ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de Superior,(SCHLEMMER, 2013) financiada pelo
maneira intensa e total”. Nesse contexto, Papert CNPq, tendo como lócus a atividade acadêmica
(1994), ao apresentar a parábola de um grupo de “Cognição em Jogos Digitais”.
professores viajantes do tempo, comenta que eles
2 Que integram tecnologias digitais e analógicas.
encontraram, nas salas de aula, muita familiarida- 3 Envolvendo as modalidades presencial física e digital virtual - mo-
de com o que haviam vivenciado há 100 anos, no bile learning, immersive learning e ubiquitous learning.

74 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 73-89, jul./dez. 2014
Eliane Schlemmer

Atividade Acadêmica Cognição em produções de cada sujeito são acompanhadas/ava-


Jogos Digitais: o lócus da pesquisa liadas em termos de qualidade crescente. A seguir
apresento o contexto teórico-metodológico para o
“Cognição em Jogos Digitais” é uma atividade desenvolvimento da pesquisa.
acadêmica optativa, de 60h, que integra o currículo
do curso superior de Tecnologia em Jogos Digi- Contexto teórico-metodológico
tais, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS). A atividade foi ofertada no primei- Aprendizagem
ro semestre de 2014, na qual se matricularam 28
estudantes, todos do sexo masculino, com idades Nas Ciências Cognitivas, há inúmeras teorias
entre 18 e 37 anos. A atividade objetiva desenvolver que buscam explicar como o ser humano aprende,
competências que possibilitem ao sujeito: utilizar entre elas está o interacionismo-construtivista de
os conceitos dos principais mecanismos cognitivos Jean Piaget e o interacionismo-sistêmico de Hum-
e sociocognitivos no contexto dos jogos digitais berto Maturana e Francisco Varela.
e da gamificação; utilizar elementos do método Para Piaget (1972), a aprendizagem, em geral, é
cartográfico de pesquisa para o desenvolvimento provocada por situações externas e ocorre somente
de jogos digitais e situações gamificadas; desenvol- quando há, da parte do sujeito, uma assimilação
ver processos de gamificação, na relação com as ativa. “Toda a ênfase é colocada na atividade do
concepções epistemológicas; estabelecer relações próprio sujeito, e penso que sem essa atividade não
entre os tipos de interfaces dos jogos digitais e de há possível didática ou pedagogia que transforme
gamificação e possibilidades de interação para o significativamente o sujeito” (PIAGET, 1972, p.
desenvolvimento de processos cognitivos e so- 11). Piaget (1972) destaca a importância da ação
ciocognitivos; estabelecer relações entre a teoria, do sujeito para a aprendizagem, atribuindo a ele a
a experimentação enquanto sujeito que conhece responsabilidade pelo processo. Assim, caso não
e as possibilidades oferecidas em jogos digitais e haja no processo educativo espaço para que o sujeito
situações gamificadas; articular diferentes conheci- possa agir sobre o objeto de conhecimento, a fim
mentos relacionados ao desenvolvimento de jogos de que possa compreendê-lo, dificilmente ocorrerá
digitais e a gamificação, na realização de projetos aprendizagem capaz de transformar esse sujeito.
de aprendizagem. Nessa concepção o conhecimento é construído pelo
A proposta metodológica da atividade é inspi- sujeito que age sobre o objeto percebido interagindo
rada no método cartográfico de pesquisa, enquanto com ele, sendo as trocas sociais condições necessá-
prática pedagógica, e na gamificação, associados à rias para o desenvolvimento do pensamento. Para
metodologia de projetos de aprendizagem adaptada Piaget (1972) não há um conhecimento impessoal,
ao ensino superior (SCHLEMMER, 1999, 2001, ou seja, independente daquele que conhece, pois o
2002, 2005; SCHLEMMER; TREIN, 2009), na conhecimento como tal não existe, mas somente
vinculação com os conceitos de Flipped Classroom pessoas em relação ao que conhecem.
e BYOD4, na perspectiva da construção de espaços Para Maturana (1998), a aprendizagem é o ato
de convivência híbridos e multimodais. A metodo- de transformar-se em um meio particular de intera-
logia prevê ainda seminários com a participação de ções recorrentes. “A aprendizagem ocorre quando
especialistas, de acordo com a temática abordada, a conduta de um organismo varia durante sua on-
desafios e o desenvolvimento dos projetos de togenia, de maneira congruente com as variações
aprendizagem. do meio, o que faz seguindo um curso contingente
A avaliação é da aprendizagem, priorizando a nas suas interações com ele” (MATURANA, 1998,
compreensão e o caráter formativo. As sucessivas p. 31). Segundo Maturana e Rezepka (2000), todos
os seres humanos, a não ser em situações extremas
4 BYOD – Bring Your Own Devices – traga seu próprio dispositivo – é de alterações neurológicas, são igualmente capazes
uma tendência que surge do mundo mobile e, no campo da educação,
propõe dar liberdade para que os estudantes possam trazer e usar de aprender, e a forma como aprendem é própria
seus próprios dispositivos móveis no contexto educacional. da sua condição humana, pois são autônomos e

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 73-89, jul./dez. 2014 75
Gamificação em espaços de convivência híbridos e multimodais: design e cognição em discussão

autopoiéticos,5 em congruência com o meio no ininterrupta do viver. O ponto central da cognição


qual se encontram inseridos. Esta congruência com é a sua capacidade de fazer emergir significados,
o meio pode provocar perturbações na estrutura o que implica em regularidades que emergem das
dos seres humanos, que promoverão os processos próprias atividades cognitivas. Assim, a cognição
de aprendizagem na medida em que a estrutura se não é a representação de um mundo que existe in-
autoproduzir para compensar a perturbação. Assim, dependentemente, mas, antes, a “produção” de um
de acordo com Maturana e Varela (2002), a cogni- mundo mediante o processo do viver. É importante
ção é a ação efetiva, é o processo de acoplamento salientar que a diferença entre o enfoque enativo e
estrutural no qual faz emergir as interações com o qualquer forma de construtivismo ou neokantianis-
mundo interno e externo. O processo de cognição mo biológico está na ênfase na codeterminação. A
consiste na criação de um campo de comportamen- abordagem atuacionista de Varela ou enação (e sua
tos através da conduta dentro do seu domínio de noção de mente incorporada) indica um caminho
interações. O que nós observadores entendemos paradigmático nas ciências cognitivas.
por conhecimento é o que consideramos como
ações (comportamentos, pensamentos, reflexões...) Aprendizagem móvel e ubíqua6
adequadas naquele contexto e domínio, e validadas
de acordo com o nosso critério de aceitabilidade. Saccol, Schlemmer e Barbosa (2011) definem
Maturana e Varela (1997) referem que viver é aprendizagem móvel e ubíqua. Para os autores,
conhecer e conhecer é viver, de forma que cada mobile learning7 se refere a processos de apren-
sujeito tem sua própria trajetória, traduzida pelos dizagem que ocorrem com o uso de dispositivos
acoplamentos que realiza no seu viver e conviver. móveis, conectados a redes de comunicação sem
Varela (2005) apresenta ainda os conceitos de fio, cuja característica fundamental é a mobilidade
“sí emergente” e “enação”. Para o autor, interpre- dos aprendizes, que podem estar distantes uns dos
tação e conhecimento são resultados emergentes outros e também de espaços formais de educação.
(no sentido de emergir) da ação-no-mundo ou Essa mobilidade, além de física e temporal, é tam-
atuação. De forma que, a maior capacidade da bém tecnológica, conceitual e sociointeracional.
cognição vivente consiste em grande medida em Ubiquitous learning (aprendizagem ubíqua) se
fazer as questões relevantes que vão surgindo em refere a processos de aprendizagem que podem
cada momento da nossa vida. Essas não são pre- ocorrer com o uso de dispositivos móveis, conec-
definidas, mas sim enatuadas: emergem da ação- tados a redes de comunicação sem fio, sensores e
-no-mundo (atuação) e o relevante é o que nosso mecanismos de geolocalização capazes de colabo-
sentido comum julga como tal, sempre dentro de rar para integrar os aprendizes a contextos de apren-
um contexto. Assim, conhecedor e conhecido, su-
dizagem e ao seu entorno, permitindo formar redes
jeito e objeto, se determinam um ao outro e surgem
presenciais e digitais virtuais entre pessoas, objetos,
simultaneamente. A orientação enativa propõe um
situações ou eventos, de forma a possibilitar uma
caminho intermediário para transcender ambos os
aprendizagem contínua e contextualizada. Nessa
extremos: sujeito e objeto se definem mutuamente
perspectiva, as interfaces que propiciam a interação
e são correlativos.
humano-computador tendem a desaparecer, pois a
Assim, para Varela (2005), a cognição é ação
computação estará “embutida”, integrada em todos
efetiva: história do acoplamento estrutural que ena-
os locais e em diferentes objetos,8 tornando-se
tua (faz emergir) um mundo, sendo que essa ocorre
através de uma rede de elementos interconectados 6 Vinculado a esse contexto está a pesquisa “Aprendizagem com
capazes de mudanças estruturais durante a história Mobilidade no contexto organizacional” (2006-2009), financiada
pelo CNPq, bem como experimentos desenvolvido com estudantes
5 “La palabra autopoiesis viene de los vocablos griegos autos, que do Programa de Aprendizagem Teorias de Aprendizagem, durante
quiere decir sí mismo, y poiesis, que quiere decir producir. Al o primeiro semestre de 2012, no contexto de BYOD.
caracterizar a los seres vivos como sistemas autopoiéticos estamos 7 Aprendizagem móvel ou com mobilidade.
diciendo que los seres son sistemas que se caracterizan como siste- 8 Por meio de redes de comunicação que permitem o tráfego de dados
mas que se producen a sí mismo continuamente” (MATURANA, entre diferentes dispositivos e redes espalhadas por prédios, ruas,
1999, p. 93). carros, enfim, em toda a parte.

76 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 73-89, jul./dez. 2014
Eliane Schlemmer

praticamente invisível. Para além da mobilidade, um fenômeno recente que propõe o uso de jogos
o conceito de ubiquitous learning indica que as digitais para resolver problemas sociais e envolver
tecnologias digitais potencializam a aprendizagem o público. A gamificação se propõe a criar uma
situada, disponibilizando ao sujeito informações camada de jogo numa aplicação ou produto, no
“sensíveis” ao seu perfil, necessidades, ambiente lugar de ser, na origem, um jogo.
e demais elementos que compõe seu contexto de A gamificação pode ser pensada a partir de pelo
aprendizagem em qualquer lugar e a qualquer menos duas perspectivas: enquanto persuasão,
momento. A essa possibilidade podem estar vin- estimulando a competição, tendo um sistema de
culadas tecnologias de localização,9 tecnologias de pontuação, de recompensa, de premiação etc., o
identificação,10 sensores, dentre outras. que do ponto de vista da educação reforça uma
A possibilidade do digital estar “embutido” em perspectiva epistemológica empirista; e enquanto
objetos e lugares torna possível também a “realida- construção colaborativa e cooperativa, instigada
de misturada” e a “realidade aumentada”, as quais por desafios, missões, descobertas, empoderamento
combinam uma cena presencial física, vista por um em grupo, o que do ponto de vista da educação nos
sujeito, com uma cena digital virtual, sendo que no leva à perspectiva epistemológica interacionista-
caso da realidade aumentada, o digital acrescenta -construtivista-sistêmica (inspirados, por exemplo,
informação à cena presencial física, ampliando- por elementos presentes nos Massively Multiplayer
-a, ou seja, “aumenta a cena”, potencializando o Online Role Play Games – MMORPG).
conhecimento a respeito de objetos, lugares ou No que se refere aos jogos, McGonigal (2011)
eventos. afirma que as pessoas preferem jogos de coopera-
ção. Ela comenta que se olharmos para o que acon-
O lugar da Gamificação na relação tece nos jogos, veremos que a maioria das pessoas
jogos e educação não quer competir, mas, sim, trabalhar com os seus
amigos para atingir um objetivo comum. De acordo
O termo gamificação (gamification) começou com a autora, se os jogadores estão dispostos a
a ser utilizado pela indústria de jogos em 2008 e realizar desafios que envolvem obstáculos muitas
se popularizou a partir de 2010. Desde então, vem vezes desnecessários, os jogos têm a capacidade
sendo amplamente utilizado em diversos contex- de mobilizar, então podem ser utilizados como
tos, entre eles a educação. Gamification pode ser tecnologia de transformação social.
compreendido como o uso de elementos de design No que se refere à relação jogos e educação, é
de jogos em contextos não jogo. Para Ziechermann possível pensar:
e Linder (2010), gamificação é o processo de usar a) o uso de jogos na educação, o qual pode
mecânica de games, estilo de games e o pensa- envolver as seguintes perspectivas:
mento de games, em contexto não game, como • jogos educacionais (jogos criados
meio para resolver problemas e engajar pessoas. com objetivos educacionais para
A gamificação se ocupa, então, de analisar os ele- trabalhar conteúdos específicos com
mentos presentes no design de jogo, que fazem-no os estudantes);
ser divertido, e adaptar esses elementos a situações • jogos cujo objetivo da criação não
que normalmente não são consideradas jogos. De é educacional, mas podem ser ex-
acordo com McGonigal (2011), a Gamificação é plorados em diferentes contextos
de aprendizagem, tal como os jogos
9 GPS, sistemas de navegação, sistemas de localização de pessoas,
jogos móveis que se utilizam de geolocalização. comerciais: Age of Empire, Civi-
10 RFID (Radio-Frequency IDentification) - método de identificação lization, entre outros, para estudar
automática através de sinais de rádio, recuperando e armazenando
dados remotamente através de dispositivos denominados etiquetas
história; Globetrotter XL e Carmen
RFID; e QRCode (Quick Response) - código de barras bidimen- Sandiego para geografia; Spore para
sional que pode ser escaneado utilizando telefones celulares com biologia; Guitar Hero para música;
câmera. Esse código pode se referir a um texto (interativo), um
endereço URL, um número de telefone, uma localização georre- Brain Age para matemática, entre
ferenciada, um e-mail, um contato ou um SMS. tantos outros;

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 73-89, jul./dez. 2014 77
Gamificação em espaços de convivência híbridos e multimodais: design e cognição em discussão

• softwares que permitem que o sujeito – significação de conceitos, de forma divertida; 3)


crie seus próprios jogos, tais como o o desenvolvimento cognitivo e sociocognitivo, por
Scratch (linguagem de programação meio da vivência de diferentes experiências.
desenvolvida pelo Grupo de Life-
long Kindergarten no Media Lab do Dos Espaços de Convivência Digitais
MIT); o ARIS Games – plataforma Virtuais (ECODI) aos Espaços de
open-source para a criação de jogos Convivência Híbridos e Multimodais
para celular, usando o GPS e QR-
Codes, Gamemaker e Construct 2, A tecnologia-conceito Espaço de Convivência
e o Microsoft KODU, linguagem de Digital Virtual (ECODI), utilizada por Schlem-
programação que permite criar jogos mer (2006) no contexto do Grupo de Pesquisa em
para a plataforma de jogos Xbox; Educação Digital (GPe-dU UNISINOS/CNPq),
b) a construção de narrativas interativas (essa é resultado de uma construção técnica e teórica
perspectiva envolve a criação de narrati- vinculada às pesquisas desenvolvidas desde 1998
vas interativas a partir das novas mídias,11 sobre o uso das TD em processos de ensino e
possibilitando ao sujeito criar a sua própria aprendizagem, numa abordagem interacionista-
narrativa ao mesmo tempo em que participa -construtivista-sistêmica. Um ECODI, de acordo
dela, provocando, assim, um nível maior de com Schlemmer et al (2006) e Schlemmer (2008,
envolvimento, de imersão). Nessa perspec- 2009), compreende:
tiva, uma história pode se desdobrar em di-
• diferentes TD integradas: AVA, tecnologias
versas outras que podem estar acontecendo
da Web 2.0, Web 3D, agentes comunicati-
em tempos e espaços paralelos;
c) a gamificação na educação (quando se utili- vos (agentes não humanos criados e progra-
za mecânica, estilo e pensamento de jogos, mados para a interação), dentre outros, que
em contextos não jogos, como meio para favoreçam diferentes formas de comunica-
a resolução de problemas e engajamento ção (textual, oral, gráfica e gestual);
dos sujeitos). Um exemplo de uso da ga- • fluxo de comunicação e interação entre os
mificação na educação pode ser encontrado sujeitos presentes nesse espaço;
quando se faz uso de elementos de design • fluxo de interação entre os sujeitos e o meio,
de jogos para resignificar e desenhar numa ou seja, o próprio espaço tecnológico.
outra perspectiva, a da gamificação, o currí- Um ECODI pressupõe, fundamentalmente, um
culo, as práticas e os processos de mediação tipo de interação que possibilita aos “e-habitantes”
pedagógica. (considerando sua ontogenia) desse espaço confi-
Assim, tanto a presença dos jogos (integração de gurá-lo de forma colaborativa e cooperativa, por
jogos nas experiências educacionais), quanto a cons- meio do seu viver e do conviver.
trução de narrativas interativas utilizando diferentes
Entretanto, resultados das últimas pesquisas
mídias, bem como a gamificação, vêm crescendo
(SCHLEMMER, 2010a, 2010b; SCHLEMMER;
em importância na educação, na medida em que
SILVA; SACCOL, 2008) evidenciaram uma refe-
as pesquisas evidenciam a sua contribuição para:
rência significativa dos participantes sobre a impor-
1) um maior envolvimento efetivo dos sujeitos nos
tância e a contribuição que diferentes TD integradas
processos de ensino e de aprendizagem, favorecen-
(principalmente da Web 2.0 e Web 3D) utilizadas
do o desenvolvimento da autonomia, da autoria, da
colaboração, da cooperação, bem como instigando também a partir de celulares e tablets, na vincula-
a solução de problemas e o pensamento crítico; 2) ção com espaços analógicos, podem trazer para a
ampliar as possibilidades da construção de sentidos aprendizagem, referindo dessa forma a coexistên-
cia e a necessidade de imbricamento dos mundos
11 De acordo com Ferreira (2006), esse termo se refere à soma de presenciais físicos e digitais virtuais. No que se
tecnologias e métodos de comunicação, como forma de dife-
renciação dos clássicos canais de comunicação como TV, rádio, refere especificamente à pesquisa Anatomia no me-
imprensa, cinema, dentre outros. taverso Second Life: uma proposta em i-Learning

78 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 73-89, jul./dez. 2014
Eliane Schlemmer

(SCHLEMMER, 2010b), foi possível identificar jetividade humana apontam para a necessidade de
que a imersão por avatar em ambientes 3D, quan- metodologias que possam acompanhar e registrar
do associada a desafios/problematizações/pistas,12 os percursos dos sujeitos e coletividades num de-
propicia um maior envolvimento dos estudantes terminado contexto.
com o objeto em estudo, o que foi manifestado em A Design Research, trazida para o campo da
relatos como: “parece um jogo, a gente aprende educação inicialmente por Brown (1992) e Collins
jogando, é divertido, nem vimos o tempo passar”.13 (1992), a partir do conceito de design experiments,
Outro resultado da pesquisa apontou a importância consiste numa metodologia para resolver proble-
salientada pelos estudantes de ter o ambiente em mas complexos em contextos reais, a partir da
3D, associado aos livros, laboratórios de anatomia colaboração entre diferentes atores, a fim de testar
e, principalmente, à presença do professor, o que e aperfeiçoar ambientes de aprendizagem inova-
indica que, na visão deles, a tecnologia digital não dores. De acordo com Brown (1992), esse método
substituí as tecnologias tradicionais, mas, sim, é adequado para analisar sistemas complexos e
ambas se complementam e podem coexistir no interativos envolvendo múltiplos elementos, de
universo educacional. Esses resultados indicam naturezas distintas, denominado por ela “ecologias
que experiências em Immersive Learning, vincu- de aprendizagem”.14 Segundo Edelson (2002),
ladas à gamificação, podem enriquecer contextos essa metodologia pode gerar três tipos de teorias:
de aprendizagem, compondo ambientes híbridos, Domínio das Teorias - descrevem as situações de
na perspectiva da multimodalidade. aprendizagem e suas interações; Quadro de Design
Esses indícios nos levaram a pensar na possibi- - fornece orientações para um projeto; Metodolo-
lidade de configuração de Espaços de Convivência gias do Design - diretrizes para a implementação do
Híbridos e Multimodais (ECHM), o que pressupõe projeto, podendo servir de base para novos projetos.
o imbricamento de ECODI com outros espaços Como instrumentos, a pesquisa utiliza obser-
analógicos, bem como a perspectiva da multimo- vação, registros fotográficos digitais, registros
dalidade, integrando mobile Learning, ubiquitous em filmadoras digitais, registros orais em áudio
Learning, immersive Learning, gamification Lear- digital e registros escritos, em diferentes espaços
ning e modalidade presencial física. A hipótese é a de interação no contexto do hibridismo e da mul-
de que nesse processo de configuração de ECHM timodalidade. Para as transcrições e análises dos
seja possível encontrar elementos que nos permitam vídeos é utilizado o software Transana.15
construir novas metodologias e práticas pedagógi- Como metodologia para a análise dos dados
cas no contexto do ensino superior. faz uso da análise textual discursiva (GALIAZZI;
MORAES, 2011), sendo os dados organizados
Metodologia em subsistemas de informações, categorizados e
armazenados, utilizando o software NVivo.16 A
O contexto metodológico utilizado neste artigo interpretação dos dados produzidos está sendo
é um recorte da metodologia da pesquisa na qual realizada considerando o referencial teórico que
está inserido. Portanto, trata-se de uma pesquisa de fundamenta a pesquisa.
natureza exploratória e abordagem qualitativa que 14 O uso da metáfora relativa à ecologia enfatiza a natureza intera-
utiliza, como método para o seu desenvolvimento, tiva dos contextos investigados e a importância de analisar seus
diversos elementos em conjunto e não separadamente.
a Design Research e a cartografia. 15 Desenvolvido pelo Madison Center for Education Research, da
O método cartográfico proposto por Deleuze Universidade de Wiscosin, EUA, permite a transcrição dos dados
e Guatarri (1995), e que tem sido explicitado e em áudio e vídeo e a criação de categorias de análise em banco
de dados, possibilitando a seleção de recortes do material digital
investigado no Brasil por Kastrup (2008) e Passos, para consolidação das análises.
Kastrup e Escóssia (2012), entre outros, surgiu 16 Esse software permite a categorização de múltiplos dados de
como um caminho possível para essa pesquisa, pesquisa de diferentes formatos e fontes digitalizadas, como
URL, imagens, textos, áudio, vídeo, tabelas, gráficos, entre outros.
justamente por entender que as dimensões da sub- Trata-se de uma ferramenta de análise importante na geração de
12 Elementos presentes na mecânica dos jogos. nexos e significância no inter-relacionamento de categorias de
13 Fala de um dos sujeitos da pesquisa. análise com base em diferentes fontes de dados.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 73-89, jul./dez. 2014 79
Gamificação em espaços de convivência híbridos e multimodais: design e cognição em discussão

Os sujeitos-participantes dessa pesquisa são uma configuração possível para um modo de pensar
professores e estudantes da Atividade Acadêmica que reflecte sobre si próprio ao longo do processo de
Cognição em Jogos Digitais do curso superior de design e que assenta as suas opções naquilo que cada
Tecnologia em Jogos Digitais, da UNISINOS. problema apresenta de incerteza e desconhecido,
arriscando novas possibilidades para a configuração
A partir dessa contextualização e fundamenta-
das soluções. É uma dialéctica que ocorre entre o
ção teórico-metodológica, apresento o design da
designer e o problema e entre o problema e a solução.
experiência “Construção de espaços de convivência
híbridos e multimodais na perspectiva da Gamifica- Dessa forma, a compreensão de design nessa
ção” em processo de construção na ação-reflexão- pesquisa parte da perspectiva apresentada por
-ação docente, inspirada no método cartográfico de Schön (2000) e busca inspiração no conceito de
pesquisa-intervenção, enquanto possibilidade para Design Thinking, enquanto uma proposta para “de-
a ação docente e aprendizagem dos envolvidos no senhar o pensamento”, tendo como foco a maneira
processo (professores e estudantes). de pensar dos envolvidos no processo. A proposta
é centrar o projeto (aqui compreendido como a
Atividade Acadêmica Cognição em Jogos Digi-
Construção de espaços de convivência
tais) no pensamento dos atores participantes dessa
híbridos e multimodais na perspectiva
atividade. Nesse contexto, é possível compreender
da Gamificação: O design da experiência
que estamos falando de design cognitivo. No caso
em construção na ação-reflexão-ação
específico deste artigo, a análise será do ponto de
docente
vista dos docentes em processo de construção de
sua ação e, portanto, o foco está nas pessoas, suas
Na atualidade, há uma multiplicidade de teorias
de design, entre elas: design instrucional, design experiências e de que forma elas lidam com os pro-
educacional, design da interação, design afetivo, blemas que surgem ao longo do processo. Assim, a
codesign, design thinking, entre outros. partir do design inicial da atividade, os professores
Design, no contexto deste artigo, é entendido a elaboraram um planejamento inicial, contendo
partir de Schön (2000), que propõe a ideia de uma somente o detalhamento do primeiro encontro.17
prática reflexiva, intuitiva, onde os objetivos não No primeiro encontro da atividade foi iniciado
são fixos e o problema não está completamente um diálogo, a fim de melhor conhecer os sujeitos
definido. Nesse contexto, faz-se necessário pensar da aprendizagem, o que esperavam da atividade e
o que se está fazendo enquanto se está fazendo, o como gostariam que ela se desenvolvesse.18 Após
que configura um tipo de reflexão na ação, sendo esse momento, os professores apresentaram a pro-
que esta ocorre em situações únicas, incertas, posta inicial da atividade, bem como a pesquisa a ela
complexas, que precisam ser resolvidas, em que vinculada, as quais foram colocadas em discussão.
o problema não é dado e existe um problema em Ficou acordado que, para além dos encontros pre-
encontrar o problema. senciais físicos semanais, aos quais todos poderiam
A teoria de Schön (2000) apresenta uma visão trazer seus dispositivos móveis (BYOD), seria
do processo de design que possui uma prática criada uma comunidade no Moodle e um grupo no
reflexiva, intuitiva, fluida e com os objetivos em Facebook. Na sequência, deu-se início ao desenca-
aberto. Entretanto, o que acontece no processo de deamento dos projetos de aprendizagem, no caso,
“desenhar-e-pensar”? Para Maia (2011, p. 298), jogos ou situações gamificadas, os quais poderiam
ser de natureza analógica, digital ou, ainda, híbrida.
Existem aspectos inequívocos sobre a actividade de Os grupos foram formados a partir da afinidade de
design que determinam a sua configuração enquanto
interesses no tipo de jogo ou situação gamificada
dimensão de pensamento com particularidades exclu-
sivas. A natureza dos problemas de design determinam
a ser desenvolvida e temática, sendo definidas as
aprender sobre o problema numa abordagem por 17 É importante considerar que quando o planejamento inicial de uma
atividade acadêmica é desenvolvido, não se tem conhecimento de
tentativa e erro, onde a experiência acumulada é o
quem serão os sujeitos da aprendizagem que irão se matricular.
factor mais estabilizador e seguro do processo. Não 18 Também foi disponibilizado no Google formulário, um questio-
existe apenas um único modo de conceber, existe sim nário para conhecer o perfil dos estudantes.

80 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 73-89, jul./dez. 2014
Eliane Schlemmer

atribuições de cada integrante no grupo: gerente colaborador;26 cooperador.27


do projeto e demais funções necessárias à opção Dessa forma, os demais encontros foram acon-
realizada. Ficou definido que o desenvolvimento tecendo semanalmente, acompanhados de uma
dos projetos teriam como sujeitos-teste os próprios avaliação do processo vivenciado e precedidos de
estudantes da atividade acadêmica, além de outros um encontro entre os professores para planejamento
públicos definidos pelos grupos. Acordou-se ainda da semana seguinte.
que a avaliação se daria no acompanhamento do No segundo encontro, deu-se início ao processo
processo de aprendizagem de cada estudante, ao de gamificação – FASE I – O EXPLORADOR –
percorrer as diferentes fases, as quais possibilitam CAÇA À TEORIA – foram criadas algumas pistas,
conquistar poderes (conhecimentos construídos). A utilizando QRCodes, as quais foram espalhadas
possibilidade de conquistar mais poderes ocorre na pelo prédio da biblioteca, em quatro locais distin-
medida em que: ampliam os observáveis na ação de tos, incluindo área externa. As pistas continham
jogar (em função da atribuição de sentidos à teoria informações sobre as seguintes teorias: Biologia
em estudo); buscam e indicam referências relevantes do Conhecer, de Humberto Maturana e Francisco
(textos, áudios, vídeos, jogos, apps etc.); evidenciam Varela; Epistemologia Genética, de Jean Piaget;
condutas de autonomia e autoria nos processos de Conectivismo, de George Siemens; Teoria Ator-
interação e construção do projeto; criam redes de -Rede de Bruno Latour (Figura 1). Cada grupo
interações no grupo e entre os grupos; propõem de projeto se direcionou a um local geográfico
questões, socializam reflexões e realizam críticas; específico, no qual havia um conjunto de pistas
compartilham os conhecimentos, colaboraram e sobre uma determinada teoria. Assim, cada grupo
cooperam entre si; identificam o interesse e envol- ficou conhecendo qual a teoria que iria subsidiar
vimento dos sujeitos-teste com o jogo ou situação o desenvolvimento do seu projeto (Figura 2). No
gamificada criada. Ao final do encontro, os estudan- entanto, um grupo não poderia contar para o outro
tes preencheram o Termo de Consentimento Livre e qual a sua teoria, pois a identificação de elementos
Esclarecido para participar da pesquisa. das diferentes teorias, presentes no desenvolvimen-
O processo e os resultados desse primeiro en- to dos projetos, também fazia parte da gamificação
contro foram colocados em relação com o design Figura 1 – Pistas sobre as teorias
inicial da atividade acadêmica. Nesse momento,
percebeu-se a oportunidade de trabalhar com
achievements,19 que poderiam ser liberados em
função do próprio desenvolvimento dos estudantes
na atividade gamificada. Assim, foram pensados os
seguintes achievements: observador;20 explorador;21
ator;22 tecelão;23 cartógrafo;24 problematizador;25
19 Na linguagem dos jogos, achievements (conquistas) são objetivos
que um sujeito pode alcançar durante o jogo. Eles podem ser
explícitos e/ou secretos, ou seja, que o sujeito descobre durante
o processo de jogar.
20 Observar a si, crianças, adolescentes, jovens, adultos e até mesmo
os colegas durante a ação de jogar, buscando compreender como
essa ação ocorre, quais semelhanças e diferenças etc., ou seja,
nosso objetivo era saber o que era observável e significativo para
os estudantes no que se referia à ação de jogar.
21 Desvendando as pistas, jogos+ teorias+educação – busca por
referências – autonomia.
22 Construção do concept, do jogo e do modelo de avaliação de
jogos – autoria criativa.
23 Encontrando conexões – observador+explorador+ator, criação de
redes. Fonte: Acervo particular da autora.
24 Mapeando o caminho – análise do processo, autoavaliação-
-reflexão. 26 Que contribui com os demais com alguma referência.
25 Instigador, que provoca questões, reflexões, críticas. 27 Que cria junto com os demais.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 73-89, jul./dez. 2014 81
Gamificação em espaços de convivência híbridos e multimodais: design e cognição em discussão

Figura 2 – FASE I – O EXPLORADOR • Segundo momento: 1) cada estudante esco-


lheu três jogos para observar três colegas
jogando; 2) observação; 3) análise – buscas
por pistas – reflexão sobre a ação de jogar
do colega – registro dos observáveis (o que
percebe do jogo em si? o que percebe da
ação do outro sobre o jogo – jogar? o que
percebe de si enquanto observador?).
No quarto encontro – FASE III – O EXPLO-
RADOR – DESVENDANDO MISTÉRIOS DA
ÁREA DE GAMES NA RELAÇÃO COM A EDU-
CAÇÃO, teve início a fase das Pistas Vivas, com a
participação, por meio de webconferência, de um
Fonte: Acervo particular da autora. professor convidado. O processo se desenvolveu
em dois momentos:
• Primeiro momento: foram criadas pistas
Figura 3 – FASE II – O OBSERVADOR utilizando QRCodes (Figura 4), nas quais
foram disponibilizadas: uma foto, um vídeo
e um texto sobre a I Pista Viva. O objetivo
consistia em descobrir a identidade da
Pista Viva, bem como reunir o máximo de
informações sobre as atividades que de-
senvolve, a fim de que tivessem elementos
para realizar questionamentos à Pista Viva
no momento da webconferência.
Figura 4 – Primeiro momento da FASE III

Fonte: Acervo particular da autora.


No terceiro encontro – FASE II – O OBSERVA-
DOR – BUSCANDO PISTAS AO JOGAR, foram
disponibilizados nove jogos para que os estudantes
pudessem jogá-los a fim de buscar pistas sobre o
seu próprio processo de jogar, e, após, buscar pistas
sobre o processo de jogar dos colegas. O objetivo
era conhecer quais eram os observáveis identifica-
dos por eles. Esses observáveis foram registrados
num diário de viagem para serem posteriormente
retomados à luz das teorias estudadas (Figura 3).
O processo se desenvolveu em dois momentos:
• Primeiro momento: 1) cada estudante esco-
lheu três jogos para jogar; 2) ação de jogar;
3) análise – busca por pistas – reflexão sobre
a ação de jogar – registro dos observáveis (o
que percebe do jogo em si? o que percebe da
ação de jogar? o que percebe de si ao jogar?); Fonte: Acervo particular da autora.

82 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 73-89, jul./dez. 2014
Eliane Schlemmer

• Segundo momento: realização da webcon- Figura 6 – Diferentes momentos da FASE IV –


ferência com a I Pista Viva (Figura 5). O TECELÃO

Figura 5 – Segundo momento da FASE III –


O EXPLORADOR

Fonte: Acervo particular da autora.

No quinto encontro – FASE IV – O TECE-


LÃO – TECENDO AS OBSERVAÇÕES, encon-
trando conexões nas observações dos jogos. O
processo se desenvolveu em quatro momentos
(Figura 6):
• Primeiro momento: grupo por jogo – os es-
tudantes reuniram-se em grupos, de acordo
com o jogo observado, a fim de identificar
o que foi recorrente e o que foi divergente,
buscando classificar os observáveis;
• Segundo momento: discussão no grande
grupo, por jogo, a fim de iniciar a criação
de um “modelo” para avaliar jogos, funda-
mentado na classificação dos observáveis; Fonte: Acervo particular da autora.
• Terceiro momento: grupo por projetos
(concept+teoria) – os estudantes, por grupo No sexto encontro – FASE V – O ATOR –
de projeto, se reuniram para identificar o CONSTRUINDO OS CONCEPTS, construção
que das observações realizadas nos jogos dos concepts dos projetos em grupo. O processo
poderia ser vinculado com a teoria em se desenvolveu em dois momentos:
estudo; • Primeiro momento: trabalho nos grupos por
projetos (Figura 7);
• Quarto momento: discussão nos grupos por • Segundo momento: filmagem de cada grupo
projetos – vinculado os observáveis à teoria apresentando o concept de seu respectivo
em estudo. projeto.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 73-89, jul./dez. 2014 83
Gamificação em espaços de convivência híbridos e multimodais: design e cognição em discussão

Figura 7 – Primeiro momento da No oitavo e nono encontro – FASE VII – O ATOR


FASE V – O ATOR – CONSTRUINDO O MAPA E O JOGO, o processo
se desenvolveu em três momentos (Figura 9):
• Primeiro momento – retomada da cons-
trução do “modelo” para avaliar jogos, a
partir da discussão e dos questionamentos
realizados;
• Segundo momento – trabalho no desenvol-
vimento dos projetos em grupo;
• Terceiro momento – autoavaliação e ava-
liação do desenvolvimento da Atividade
Acadêmica até o momento, a fim de corrigir
Fonte: Acervo particular da autora. rumos, caso necessário.
No sétimo e oitavo encontros – FASE VI – O Figura 9 – FASE VII – O ATOR
CARTÓGRAFO – MAPEANDO O CAMINHO,
cada grupo realizou o checkpoint do desenvol-
vimento dos projetos, apresentando-o para todo
o grupo. O processo de se desenvolveu em dois
momentos (Figura 8):
• Primeiro momento – apresentação dos
grupos de projeto;
• Segundo momento – discussão com o grupo
e questionamentos relacionados às apresen-
tações do desenvolvimento dos projetos, na
relação com o “modelo” para avaliar jogos,
em processo de criação.

Figura 8 – Diferentes momentos da FASE VI


– O CARTÓGRAFO

Fonte: Acervo particular da autora.

Décimo, décimo primeiro, décimo segundo e


décimo terceiro encontros – FASE VIII – O EX-
PLORADOR – DESVENDANDO MISTÉRIOS
DAS TEORIAS – Pistas Vivas com a participa-
ção, por meio de webconferência e também de
forma presencial física, de professores convidados
vinculados às diferentes teorias em estudo. Esses
quatro encontros se desenvolveram nos seguintes
momentos (Figuras 10, 11, 12 e 13):
• Primeiro momento – foram criadas, utili-
zando o Aurasma,28 as pistas (vídeos e fotos)
geolocalizadas no campus, de acordo com
28 Aurasma é um aplicativo para dispositivos móveis que possibilita
criar realidade misturada ou realidade aumentada, possibilitando,
assim, acrescentar informações digitais em uma cena do mundo
Fonte: Acervo particular da autora. presencial físico, analógico, ampliando a “realidade”.

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Eliane Schlemmer

as diferentes áreas de formação dos teóricos Figura 11 – II Pista Teórica – Bio-


criadores das teorias em estudo, bem como logia do Conhecer e III Pista Viva –
as pistas com informações (vídeos e fotos) FASE VIII – O EXPLORADOR
sobre as Pistas Vivas, que discutiram com os
estudantes sobre as teorias em estudo. É im-
portante salientar que o nome da teoria perma-
necia em segredo para o grupo de estudantes,
com exceção do grupo específico que estava
estudando a teoria em questão, em razão de
ter realizado pesquisas anteriores sobre ela;
• Segundo momento – os estudantes percor-
riam o campus para encontrar as pistas;
• Terceiro momento – realização da webcon-
ferência com a Pista Viva para discutir as
teorias (no momento da webconferência,
as pistas vivas iniciavam a conversa sem,
no entanto, mencionar o nome da teoria em
questão. Este só seria revelado ao final, caso
os estudantes não identificassem a teoria
que estava sendo apresentada e discutida.
Figura 10 – I Pista Teórica – Conec-
tivismo e II Pista Viva – FASE VIII
– O EXPLORADOR

Fonte: Acervo particular da autora. Fonte: Acervo particular da autora.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 73-89, jul./dez. 2014 85
Gamificação em espaços de convivência híbridos e multimodais: design e cognição em discussão

Figura 12 – III Pista Teórica – Teoria Ator-Rede Figura 13 – IV Pista Teórica – Epistemologia Ge-
e IV Pista Viva (esta pista viva esteve de forma nética de Jean Piaget e V Pista Viva – FASE VIII
presencial física com os estudantes) – FASE VIII – O EXPLORADOR
– O EXPLORADOR

Fonte: Acervo particular da autora.

Fonte: Acervo particular da autora.

86 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 73-89, jul./dez. 2014
Eliane Schlemmer

No décimo quarto encontro – FASE IX – O a partir de um espaço que é próprio do docente na


TECELÃO – TECENDO COM A TEORIA, se- interação com espaços próprios dos estudantes, os
rão retomados os registros realizados no diário de quais precisam ser transladados, num processo de
viagem, no que se refere aos observáveis identifi- permeabilidade constante, em que, em diferentes
cados por eles nos jogos (terceiro encontro), à luz momentos, ambos são coaprendentes e coensinan-
das teorias estudadas e também trabalhadas nos tes. Dessa forma, há possibilidade de transformação
encontros com as Pistas Vivas, a fim de identificar de ambos nessa convivência, que tem origem na
os conhecimentos construídos sobre as teorias construção colaborativa e cooperativa, e contribui
até o momento. Será retomado ainda o “modelo” significativamente para a aprendizagem. No caso
para avaliar jogos, para verificar a necessidade de do docente, essa aprendizagem, compreendida
ampliação. como atribuição de sentidos, ocorre no próprio
Para os encontros subsequentes (mais quatro processo da docência, enquanto essa se constitui.
encontros) a proposta envolve jogar (testar) os No entanto, isso só é possível se a relação educativa
jogos desenvolvidos pelos grupos nos projetos de se constituir a partir do princípio da confiança e da
aprendizagem. O que ficou definido com os estu- legitimação do outro na interação.
dantes é que iremos testar o “modelo” para avaliar Assim, a efetivação de um espaço de convi-
jogos, criado por eles, em cada um dos jogos, bem vência híbrido e multimodal ocorreu a partir: 1)
como realizar observações dos sujeitos jogando, a da integração de diferentes tecnologias analógicas
fim de identificar elementos das teorias estudadas e digitais, que favoreceram diferentes formas de
comunicação e numa perspectiva multimodal
durante o semestre.
(modalidade presencial física combinada com mo-
dalidade online, incluindo mobile learning, ubiquos
Análises, Resultados e Considerações learning e gamification learning); 2) do fluxo de
Finais comunicação e interação entre os sujeitos presentes
nesse espaço híbrido e multimodal; 3) do fluxo de
Como a pesquisa está em desenvolvimento, as interação entre os sujeitos e os diferentes meios,
análises e resultados aqui apresentados se referem ou seja, o próprio espaço híbrido e multimodal.
ao foco do artigo, ou seja, se vinculam ao objetivo Dessa forma, um Espaço de Convivência Hí-
de “compreender e discutir a relação design-cog- brido e Multimodal pressupõe, fundamentalmente,
nição no processo da docência, num contexto de um tipo de interação que possibilite aos sujeitos
configuração de Espaços de Convivência Híbridos configurá-lo de forma colaborativa e cooperativa,
e Multimodais, na perspectiva da Gamificação”. por meio do seu viver e do conviver.
Por se tratar de uma cartografia, a análise é do Do ponto de vista da docência, no lugar de apre-
percurso realizado pelos sujeitos no processo do sentar uma sequência de atividades relacionadas ao
design da experiência, o qual teve como suporte ensino sobre a cognição em jogos digitais, foi se
o referencial teórico-metodológico apresentado. construindo o design da experiência, apresentado
Dessa forma, a partir da descrição do design da anteriormente, que tem como objetivo principal
experiência, os principais resultados encontrados, provocar a exploração, a experimentação, a vi-
até o momento, evidenciam que a relação design- vência dos conceitos teóricos a partir do próprio
-cognição no processo da docência, principalmente processo de aprendizagem dos estudantes, com
vinculados à configuração de Espaços de Convi- os jogos digitais na educação, nas suas múltiplas
vência Híbridos e Multimodais na perspectiva da perspectivas, quais sejam: jogos educacionais; jo-
Gamificação, ocorre na medida em que o docente gos comerciais explorados em diferentes contextos
configura, juntamente com os discentes, esses espa- de aprendizagem; a criação de jogos analógicos,
ços de convivência, em que o outro é reconhecido digitais e híbridos; a construção de narrativas in-
como legítimo na interação e, portanto, alguém terativas; bem como a gamificação, num contexto
com quem também se aprende. Um espaço de que envolve o hibridismo e a multimodalidade,
convivência se configura no contexto educacional incluindo dispositivos móveis, geolocalização,

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 73-89, jul./dez. 2014 87
Gamificação em espaços de convivência híbridos e multimodais: design e cognição em discussão

realidade misturada, realidade aumentada, web- sentidos, a significação, portanto a aprendizagem


conferência, Ambiente Virtual de Aprendizagem, necessária ao desenvolvimento das competências
Mídias Sociais, dentre outras. Essa exploração, ex- técnico-didático-pedagógicas relacionadas à
perimentação e vivências dos estudantes provocam docência na atualidade, propiciando, inclusive,
a produção de sentidos, a significação, portanto a a criação de novas metodologias, práticas e pro-
aprendizagem necessária ao desenvolvimento das cessos de mediação pedagógica num processo
competências vinculadas à Atividade Acadêmica de ação-reflexão-ação docente, que se faz ao
em questão. cartografar o processo. Assim, estar construtor
Possibilita, da mesma forma, do ponto de vista atuante é fundamental para que o docente atribua
dos docentes, a exploração, a experimentação e a sentidos a uma prática inovadora, justamente
vivência de novas possibilidades didático-peda- por “estar na situação” e, portanto, poder falar
gógicas, vinculadas a um contexto de hibridismo “de dentro”, a partir do seu próprio processo de
e multimodalidade, que provocam a produção de aprendizagem.

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Recebido em: 02.07.2014


Aprovado em: 03.10.2014

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 73-89, jul./dez. 2014 89
Marcos Lima; Thierry Fabiani

REPENSANDO O MÉTODO CASO EM CURSOS DE


ADMINISTRAÇÃO: DESAFIOS E OPORTUNIDADES
DA ABORDAGEM SOCIOCONSTRUTIVISTA
COM FERRAMENTAS DA WEB 2.0

Marcos Lima∗
Thierry Fabiani∗∗

Resumo

Este artigo discute as origens e os usos do Método Harvard de estudos de casos


em educação empresarial. Ele argumenta que os princípios socioconstrutivistas
incorporados nesta técnica de ensino são mais relevantes em nossa sociedade pós-
moderna do que na era industrial em que ela foi concebida. Recentes evoluções
tecnológicas, principalmente com advento da Web 2.0 e ferramentas colaborativas
on-line, tornam oportuno experimentar com versões de estudos de caso mediadas
por interfaces digitais, a fim de aumentar o seu potencial de pensamento crítico e
criativo em ambientes autênticos – o que denominamos potencial de “Interatividade
Colaborativa”. Após analisar cuidadosamente os méritos pedagógicos da abordagem
original, discutimos possíveis inovações para versões de casos na web que poderiam
ser incorporadas a essa tradição centenária. Apresentamos os resultados de nossas
experiências anteriores no Brasil com o Sistema Panteon para resolução colaborativa
de problemas (LIMA, 2003), bem como uma utilização mais recente do Facebook
e Google Sites como ferramentas para a discussão de um caso fictício chamado
“Organixis” na EMLV, uma Escola de Gestão em Paris. Conclui-se que, se por
um lado essas ferramentas têm um enorme potencial em termos de interatividade
colaborativa, por outro lado várias barreiras se apresentam, incluindo a resistência
de professores e alunos a novos métodos baseados em aprendizagem à distância e os
desafios tecnológicos de gestão de plataformas on-line.
Palavras-chave: Estudos de caso. Ensino de gestão. Interfaces digitais.

Abstract

RETHINKING THE CASE METHOD OF BUSINESS COURSES:


CHALLENGES AND OPPORTUNITIES OF THE SOCIO-CONSTRUCTIVIST
APPROACH WITH TOOLS OF WEB 2.0
This article discusses the origins and current uses of Harvard’s Case Method in business
education. It argues that the socio-constructivist principles embedded in this teaching

Doutor em Tecnologias de Comunicação Aplicadas ao Ensino de Gestão pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor
adjunto e chefe do departamento de empreendedorismo da École de Management Léonard de Vinci / PULV. Pesquisador no De
Vinci Business Lab, em Paris. marcos.lima@devinci.fr
∗∗
Doutor em Gestão pela Euromed Business School. Professor adjunto da École de Management Léonard de Vinci / PULV.
Pesquisador do De Vinci Business Lab, em Paris. Professor da Universidade da Córsega. thierry.fabiani@devinci.fr

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Repensando o método caso em cursos de administração: desafios e oportunidades da abordagem socioconstrutivista com ferramentas da web 2.0

technique are more relevant in our post-modern society than it was in the industrial age
when it was first conceived. Recent changes in technology, particularly with the advent
of Web 2.0 online collaborative communities, suggest that it is time to experiment it with
case studies mediated by digital interfaces in order to increase its critical and creative
thinking potential in authentic problem environments (what we call “Collaborative
Interactivity” potential). After a careful analysis of the pedagogical merits of the
original approach, we discuss possible Web 2.0 innovations that could be built into this
centennial tradition. We present the findings from our previous experiments in Brazil
with the Panteon System for collaborative problem solving (LIMA, 2003), as well as a
more recent use of Facebook and Google Sites as tools to discuss a fictitious case called
“Organixis” at EMLV, a Business School in Paris. We conclude that while these tools
have an enormous potential in terms of supporting collaborative interactivity, several
barriers remain, including the resistance from both teachers and students to new methods
based on distance learning and technological challenges of managing online platforms.
Keywords: Case studies. Management education. Digital interfaces.

Introdução de metacognição e o desenvolvimento de soluções


colaborativas.
A importância do diálogo para fomentar o pen- A segunda experiência, mais recente, usa prin-
samento crítico e criativo é reconhecida há pelo me- cípios semelhantes. Baseado em mídias sociais e
nos 24 séculos, desde quando Sócrates demonstrou recursos da web modernos, um projeto piloto foi
como sua abordagem maiêutica poderia ser uma criado através de uma combinação de recursos
forma eficaz de aprender através de discussões. como Google Sites, Youtube e Facebook. Esse
Este princípio pedagógico básico foi redescoberto estudo de caso interativo permitiu a vários autores
há quase um século, no domínio das ciências de criar conteúdo on-line e enriquecê-lo com vídeos e
gestão, com o método de estudo de casos proposto imagens disponíveis na web. Além disso, o sistema
pelos pioneiros da Harvard Business School. O facilitou a colaboração (através de comentários,
presente artigo discute como os casos tipo Harvard links, tags etc.) entre os alunos usando mídias
promovem a colaboração e reflexão em torno de sociais. O caso, que intitulamos “Organixis”,
problemas de gestão autênticos e especula sobre descreve uma empresa de software fictícia que
como a interatividade e colaboração inerentes às cria jogos para telefones celulares. Os estudantes
tecnologias baseadas na web podem reforçar certas tiveram duas semanas para percorrer as dezenas de
competências do pensamento crítico e criativo. páginas web hospedadas no serviço Google Sites.
Após apresentar a tradição de casos Harvard, o Essas páginas descrevem as várias funções da
artigo discute brevemente dois experimentos que empresa e os problemas encontrados. Em seguida,
apresentam tanto potencialidades como limites das solicitou-se dos estudantes que colaborassem à
novas mídias como interfaces para a aprendizagem distância em fóruns específicos de discussão que
baseada em casos. O primeiro experimento foi foram criados usando uma página no Facebook. Os
o produto de uma das teses de doutorado de um alunos foram encorajados a compartilhar ideias,
dos autores na UFBA (LIMA, 2003), a interface materiais adicionais relativos a questões específi-
Panteon. Criado no início dos anos 2000, quando cas ou problemas, links e vídeos no âmbito desse
as mídias sociais e ferramentas da Web 2.0 ainda fórum. Após um dia inteiro de workshops para
não estavam disponíveis, o Panteon é um sistema discutir o caso “Organixis”, entrevistamos alunos e
que permite a estudantes de administração analisar professores a fim de compreender melhor como se
problemas organizacionais a partir de múltiplas sentiam sobre os elementos de aprendizagem ativa
perspectivas, navegando esses problemas de uma embutidos nesta pedagogia, sobre o seu potencial
forma não linear. A plataforma facilita processos e deficiências.

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Marcos Lima; Thierry Fabiani

Como resultados preliminares desses dois Os estudos de caso fornecem um meio pelo qual
experimentos (separados por quase dez anos), os leitores podem aprender através da discussão de
apresentamos elementos empíricos indicando que, situações e circunstâncias factuais, seguindo as ações
se por um lado os ambientes de mídia interativa e processos de decisão de pessoas reais, confrontados
podem ajudar a promover o pensamento crítico e com problemas autênticos, em situações verídicas.
Trata-se de uma abordagem heurística, em que não
criativo em estudantes da “geração net”, por ou-
pode haver uma ‘melhor resposta’, contrariamente
tro lado existem várias barreiras à adoção dessas
aos modelos algorítmicos [das ciências exatas]. Os
ferramentas, tanto na perspectiva dos professores alunos ficam muitas vezes desconfortáveis com esse
quanto na dos alunos. caráter ambíguo, essa ausência de uma única ‘respos-
O artigo está dividido em três partes. Na primei- ta correta’. Em um caso, avaliar a situação ou tomar
ra, apresenta-se o método caso tradicional e os seus uma decisão muitas vezes é tão importante quanto
princípios socioconstrutivistas. Esta é a base sobre se familiarizar com as especificidades do contexto.
a qual versões mais modernas da abordagem caso A partir da análise de uma série de casos, os alunos
podem ser desenvolvidas. Discute-se, em seguida, desenvolvem a capacidade de aplicar conceitos e
como os processos de raciocínio crítico e criativo extrapolar teorias subjacentes às situações com que
são ativados com o método caso. Na última parte, se depararão no futuro. (NAUMES; NAUMES,
apresentamos os protótipos Panteon e da simula- 1999, p. 47, grifo do autor).
ção “Organixis”, e como elas foram utilizadas no Essas definições correspondem ao que se tornou
Brasil e na França, antes de discutir os resultados conhecido como o caso clássico “tipo Harvard”,
e as implicações de nossas experiências com essas em razão de aquela instituição ter sido a primeira
ferramentas. a popularizar tal abordagem. Um caso “tipo Har-
vard” nunca inclui conclusões, deixando o papel de
O Método caso em Cursos de Gestão fazer inferências inteiramente aos leitores (ELLET,
2007). O método é considerado particularmente
O método caso é uma pedagogia de aprendiza- indicado à preparação de alunos para lidar com
gem ativa baseada na análise racional de situações problemas não estruturados ou pouco estruturados,
reais (BRULHART, 2009). Trata-se de uma abor- aos quais é necessária uma abordagem intuitiva –
dagem que estimula os alunos a analisar e discutir como acontece tipicamente no domínio das ciências
tais situações usando as informações disponíveis. sociais.
De acordo com um dos pioneiros do método caso, O termo “caso” é interpretado de forma diversa
Gragg (1954, p. 34), um caso em gestão é em diferentes contextos. A seguir, algumas distin-
ções úteis (DHAR; DHAR, 2007):
[...] um registro de um episódio no mundo dos
negócios ao qual foram confrontados executivos • método caso – processo de escrita e de
reais, acompanhado do contexto gerencial corres- ensino com base em situações organizacio-
pondente, assim como fatos, opiniões e premissas nais da vida real, normalmente seguindo as
necessários à tomada de decisão. Estes casos reais diretrizes do estilo Harvard;
são apresentados aos alunos para análise, discussão • estudo de caso – texto utilizado no método
aberta e decisão final quanto ao tipo de ação que caso;
deve ser tomada.
• caso de pesquisa – um método de inves-
Naumes e Naumes (2012, p. 12) definem um tigação qualitativa que envolve coleta e
caso simplesmente como “uma descrição factual de compilação de vários casos em diferentes
eventos que aconteceram em algum momento no contextos para encontrar pontos em comum
passado”. Histórias fictícias, de acordo com eles, e tirar conclusões acadêmicas sobre um
não têm o mesmo rigor intelectual de um caso com fenômeno;
base em pesquisa factual. Em uma edição anterior • caso de gestão – geralmente, uma breve des-
de seu The Art and Craft of Case Writing, de 1999, crição de algumas práticas de administração
os autores explicam que para consolidar conceitos específicos ou

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Repensando o método caso em cursos de administração: desafios e oportunidades da abordagem socioconstrutivista com ferramentas da web 2.0

ilustrar situações e provocar uma discussão informações da vida real. De acordo com Jackson
rápida ou análise superficial; (2011, p. 147):
• “caselet” – um caso de gestão particular- Contrariamente aos livros didáticos, caracterizados
mente curto. por uma estrutura lógica e coerente em sua apre-
Os casos que seguem as orientações da tradição sentação, os casos tentam introduzir mais realismo
Harvard geralmente enfatizam as seguintes carac- – adicionando incerteza, fluidez narrativa e situações
contingenciais. Assim, muitos casos têm uma ten-
terísticas (ABELL, 1997):
dência à complexidade, contendo ‘ruídos informa-
• apresentam um ou mais problemas de cionais’ (irrelevâncias, becos sem saída, testemunhos
gestão a serem solucionados por meio de equivocados ou tendenciosos por personagens do
discussão; caso), omissões que devem ser inferidas, uma estru-
• lidam com temas relevantes; tura não-linear com elementos essenciais espalhados
• levantam controvérsias que podem dar ori- ao longo do texto ou muitas vezes disfarçados.
gem a diferentes interpretações, decisões e O método caso (originalmente chamado de
planos de ação; “método de problema”) foi concebido e implemen-
• oferecem contrastes e comparações; tado em 1870 por Christopher Columbus Langdell,
• permitem que os alunos transplantem lições decano da Faculdade de Direito de Harvard. A pre-
e conceitos subjacentes ao processo para missa básica era a de que os estudantes de Direito
outras situações; deveriam ser capazes de aprender fazendo, e que
• contêm informações úteis para apreender as discussões em sala de aula dariam substância e
questões típicas de um setor, tais como a conteúdo a esse processo de aprendizagem (DHAR;
descrição dos produtos, indústrias e pessoas DHAR, 2007). Langdell criou o primeiro com-
envolvidas, usando dados qualitativos e pêndio de casos a partir de uma série de episódios
quantitativos; legais compilados. Adepto da maiêutica, ou o
• apresentam um estilo de narrativa bastante “método socrático”, ensinava por perguntas. Ele
pessoal, incluindo os pontos de vista dos questionava os alunos sobre o caso, suas doutrinas
participantes e suas declarações e descri- e princípios subjacentes, seus principais pontos
ções de processos organizacionais formais e como cada situação se comparava com outros
e informais; casos. A preparação para as aulas envolvia mais
• são bem estruturados, geralmente contendo do que simplesmente memorizar fatos e recitá-los;
uma introdução seguida de exploração do estudantes eram obrigados a discutir, interpretar e
contexto e apresentação do dilema ou de- analisar o caso, algo inovador para a época.
cisões a serem tomadas; A reação inicial foi bastante negativa, enfrentan-
• contêm entre dez e vinte páginas de texto e do a resistência tanto de alunos quanto de profes-
até cinco páginas de anexos. sores. Em 1920, no entanto, o método tornou-se a
O estilo de escrita de um caso deve ser neutro e principal ferramenta pedagógica no ensino jurídico
atraente. O tempo passado é usualmente emprega- em Harvard (JACKSON, 2011). Ao adaptar os
do. O nome original da empresa e os personagens casos para o mundo da gestão no início do século
envolvidos podem ser alterados para preservar XX, professores de Harvard focaram-se em como
o anonimato, mas há uma grande ênfase em re- transformar fatos organizacionais e suas implica-
fletir situações reais. Um caso Harvard deve ser ções em fonte de discussão em sala de aula. Melvin
acompanhado de notas de ensino detalhadas, que Copeland, professor de marketing, tornou-se o
permanecem inacessíveis aos alunos, contendo primeiro a compilar um livro de casos de negócios,
indicações sobre a forma como o caso pode ser em 1921 (WILLIAMSON, 2012).
usado e sugerindo ao professor abordagens para O recente aumento da popularidade dos estudos
fomentar a discussão e análise. de caso é devido em grande parte à explosão de
Casos geralmente não são lineares ou simplis- escolas de gestão e programas de MBA em todo o
tas, tentando assim reproduzir a complexidade de mundo, bem como a facilidade de acesso às prin-

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Marcos Lima; Thierry Fabiani

cipais bases de dados de casos disponíveis através A literatura sobre as competências desenvolvi-
da Internet. Harvard continua a ser o epicentro da das pelo método caso é vasta (BRULHART, 2009;
produção e distribuição dos casos em todo o mun- PILKIENE, 2012; PITT et al, 2012). Sabe-se que os
do, mas outros centros muito prolíficos surgiram casos estimulam um comportamento similar ao de
em países como Inglaterra, França e Índia. gestores reais, incentivando estudantes a considerar
Vários autores (DHAR; DHAR, 2007; HEATH, cenários alternativos, desenvolver seu senso de auto-
2006; SKUDIENNE, 2012; SRINIVASAN et al, nomia e favorecer a atitude de colaboração. O método
2005) sistematizaram os benefícios pedagógicos leva os professores a descer de seu púlpito, saindo do
do método caso. Algumas de suas virtudes incluem: seu papel de “fonte de conhecimento” para assumir
• aplicação do conhecimento gerencial em uma atitude muito mais relevante de provocador
decisões e planos de ação; de discernimento e mediador de descobertas. Para
• aquisição de um senso de autocontrole so- resumir, nas palavras de Dhar e Dhar (2007, p. 88),
bre o processo de aprendizagem; Em vez de ouvir ou ler as regras gerais de alguma
• experimentação de diferentes situações num fonte não examinada de autoridade, aceitá-los e,
mesmo contexto ou, inversamente, a mesma em seguida, esperar que os alunos captem os seus
situação em contextos diferentes; princípios, estudos de caso fornecem uma excelente
• desenvolvimento do hábito da leitura em oportunidade para desenvolver a confiança na análise
profundidade; de situações e resolução de problemas.
• adoção de uma abordagem mais dinâmica Pode-se facilmente constatar, na literatura,
/ interativa de aprendizagem; como os casos abordam todas as dimensões da
• estímulo para que os alunos questionem taxonomia de objetivos educacionais de Bloom
seus axiomas e pressuposições; (1956 apud PITT et al, 2012):
• desenvolvimento de competências de co-
municação e apresentação em público; • Conhecimento: a exposição a diferentes
• redução do fosso entre teoria e prática; situações em diversos domínios de proble-
• uso de dados qualitativos e quantitativos mas ajuda os alunos a se familiarizar com as
para discutir cenários gerenciais; melhores práticas em determinados setores,
• prática da tomada de decisão; com estruturas e terminologias específicas.
• desenvolvimento de um senso de confiança • Compreensão: mais do que simplesmente
e responsabilidade por suas intervenções; reunir informações e conhecimento, dis-
• exercício da virtude de ouvir antes de falar; cussões de casos levam à compreensão de
• ponderação de diferentes cursos decisórios como certas decisões são tomadas, como as
antes de agir; categorias em um modelo ou estrutura se
• manipulação de opiniões e inferências; inter-relacionam, como certas abordagens
• apresentação de perspectivas e pontos de são mais ou menos arriscados e quais são as
vista; competências necessárias para desenvolver
• uso de ferramentas, modelos de aná- julgamento justo.
lises (frameworks) como “check-lists • Aplicação: a aplicação imediata dos prin-
conceituais”. cípios de raciocínio ou modelos de análise
Casos invertem a configuração típica da aula em situações concretas de negócios é tal-
magistral, em que o professor fala o tempo todo. vez uma das qualidades mais visíveis do
Em um bom ambiente de caso, o professor é um método caso.
mero facilitador e deve se expressar muito menos • Análise, síntese e avaliação: estas compe-
do que os alunos. Os estudantes são obrigados a tências fazem parte das habilidades críticas
pensar e a participar, eles são convidados a tomar e criativas de pensamento que são neces-
decisões e desenvolver soluções, e, ao fazê-lo, aca- sários para transformar informação em
bam por desempenhar o papel dos futuros gestores conhecimento acionável. Os detalhes sobre
que vão se tornar. essas competências cognitivas e como eles

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são estimulados pelo estudo de caso serão uma expressão que enfatiza os dois elementos
discutidos mais adiante. básicos dessa abordagem. Baseia-se nos seguintes
pressupostos pedagógicos:
Elementos Socioconstrutivistas dos a) O conhecimento é construído na mente do
Estudos de Caso aprendiz, o que significa que ele pode ser
Do ponto de vista pedagógico, o método Har- estimulado através da comunicação de in-
vard pertence ao paradigma socioconstrutivista: é formações e dados estimulantes, percebidos
realista, interativo, contingente, crítico e indutivo como relevantes pelo aprendiz;
(LIMA, 2003; SKUDIENE, 2012). Cada uma destas b) A construção do conhecimento é em grande
características é descrita em mais detalhe a seguir: parte o resultado da manipulação simbólica,
o que significa que a aprendizagem muitas
• Realista: esta característica é consistente vezes requer interação proativa com objetos
com o princípio construtivista de autenti- informacionais;
cidade situacional. Segundo esse princípio, c) Essa interação é mais rica quando ocorre
os alunos sentem-se mais legítimos quando não só entre o indivíduo e o objeto, mas
lidam com fatos que refletem a realidade. também entre os indivíduos que comparti-
• Interativo: a fim de resolver os estudos de lham os seus conhecimentos;
caso, os alunos devem colaborar entre si e d) O conhecimento está profundamente enrai-
com o professor. Isso favorece o contraste zado no contexto em que as ações ocorrem.
de opiniões e uma construção intersubjetiva
de planos de ação que refletem a maneira Como corolário dessas premissas, temos que:
como os tomadores de decisão geralmente a) existem múltiplas perspectivas do mundo; b)
trabalham em organizações modernas. a aprendizagem é impulsionada por situações-
• Contingente: a profundidade da análise e as -problema de grande significado para o aluno; c) a
discussões dependem do nível dos alunos, a aprendizagem requer articulação e representação
do conhecimento; d) o significado das mensagens
sua experiência profissional, sua formação
deve ser socialmente negociado e compartilhado
cultural e sua familiaridade com o método
(JONASSEN et al, 1999).
caso. Não há uma “melhor solução”, mas
Se essas premissas são aceitas como válidas,
sim argumentos mais ou menos consistentes
os alunos devem ter quatro condições interde-
e propostas com base no nível de maturida-
pendentes, a fim de “construir o conhecimento”,
de dos alunos.
quais sejam: o processo de aprendizagem deve
• Crítico: o método caso não é sobre o que
encorajar a manipulação simbólica do objeto de
pensar, mas como pensar. Como será discu-
estudo (interação); deve haver discussão constante
tido brevemente, estudos de caso estimulam
entre os alunos para incentivar a partilha de suas
os alunos a discutir de forma construtiva,
ideias (colaboração); os alunos devem ser enco-
analisar de forma sistêmica, comparar,
rajados a pensar de forma crítica e criativa sobre
questionar e avaliar. Existem vários prós e
suas interações individuais com os objetos, assim
contras de cada argumento.
como suas colaborações com colegas (reflexão);
• Indutivos: casos são, por natureza, basea-
e, finalmente, todo esse processo de aprendizagem
dos em situações particulares que podem ou
deve ocorrer em um ambiente de informação que é
não ser generalizadas. Em vez de impor teo-
autêntico, relevante e complexo (contextualização).
rias “de cima para baixo” (top-bottom, abor-
Assim, a Interatividade Colaborativa pode ser en-
dagem dedutiva), o método caso favorece a
tendida como a construção do conhecimento com
observação e o uso de questões que levam à
base na manipulação autorregulada de conceitos e
descoberta individual e colaborativa.
informações que envolvem a reflexão individual e
A essência do socioconstrutivismo é o que Lima colaboração em um contexto autêntico. A Figura
(2003) chamou de “Interatividade Colaborativa”, 1 ilustra esse conceito.

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Marcos Lima; Thierry Fabiani

Figura 1 – Conceito de Interatividade Colaborativa boração alunos podem compartilhar uma variedade
de estratégias de aprendizagem complementares no
processo de resolução de problemas. Isto aconte-
ce, de acordo com Greer e colaboradores (2000),
porque a colaboração coloca os indivíduos na
posição de ter que explicar e convencer os outros
sobre seus próprios processos cognitivos, o que
facilita a metacognição (“saber o que se sabe”
ou “aprender como se aprende”). Um benefício
fundamental deste processo colaborativo são as
múltiplas perspectivas inerentes às discussões. Em
domínios de conhecimento pouco estruturados,
como as ciências sociais, utilizar diferentes pontos
de vista é uma estratégia adequada para reconstruir
uma realidade intersubjetiva.
O terceiro elemento, “a reflexão crítica e
criativa”, é uma consequência natural de ambos
os processos mencionados acima (colaboração e
interação). De fato, de acordo com a perspectiva
Fonte: Adaptado de Lima (2003, p. 87). construtivista adotada aqui, a construção do co-
nhecimento ocorre quando os alunos têm a opor-
No processo de criação de conhecimento, a tunidade de aplicar suas estruturas mentais para
manipulação de objetos informacionais (sejam um objeto ou problema específico, resultando em
empíricos ou conceituais) é também conhecida ajustes na sua estrutura mental (TOBIN, 2000).
simplesmente como learning-by-doing (aprender Embora este processo possa ser enriquecido com
fazendo) ou learning-by-exploring (aprender ex- a contribuição intersubjetiva de outros observado-
plorando). O conhecimento tácito é difícil de ser res, é importante que os estudantes formem uma
codificado e, portanto, requer participação social e opinião individual, pessoal do problema antes de
experimentação para ser internalizado. De acordo participar na discussão em grupo. Assim, Sandholtz
com os resultados de um experimento bem conhe- (1996) sugere que, em muitos casos, um professor
cido (SPENCER, 1991), as pessoas lembram-se pode ser mais eficaz fazendo perguntas provocati-
de apenas cerca de 10% do que leem, 20% do que vas ao invés de fornecer respostas, particularmente
ouvem, 30% do que veem, 50% do que veem e em áreas de conhecimento pouco estruturadas
ouvem, 70% do que eles falam durante uma pa- como as ciências sociais. Este é o princípio básico
lestra e 90% do que elas dizem ao executar ações do já mencionado método milenar do diálogo so-
relacionadas ao conteúdo do discurso. Jonassen crático: levar o aluno à descoberta de nuances nos
e colaboradores (1999) sugerem que devemos, fenômenos observados, através de provocações
portanto, estimular os alunos a organizar as suas intelectuais.
próprias informações, para gerar hipóteses e testá- Ao contrário dos elementos interação, cola-
-las a fim de internalizar o conhecimento resultante. boração e reflexão, a contextualização não é uma
Quando eles simplesmente recebem e reprocessam atividade, mas uma qualidade inerente ao ambiente
as informações fornecidas pelo professor, o seu ní- de aprendizagem baseado em Interatividade Cola-
vel de envolvimento com o contexto informacional borativa. Pesquisas mostram que a aprendizagem
é muito inferior. pode ser mais eficaz quando ocorre em um contexto
Quanto à dimensão “colaboração”, sabe-se por mais próximo da realidade vivida pelo aluno em
experiência que as discussões de grupo são uma sua vida profissional ou quotidiana (JONASSEN
parte essencial do seu processo de aprendizagem. et al, 1999; MASETTO, 2001; MATTA, 2001). Se-
Lucena e Fuks (2000) sugerem que através da cola- linger (2001) define como autênticas as tarefas que

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os alunos reconhecem como relevantes de acordo afetar o resultado do trabalho em grupo. Esta lista
com as suas experiências anteriores. Deve-se ter o de atributos ideais ilustra como a autenticidade
cuidado de criar situações-problema que emulem o contextual está completamente relacionada com
ambiente profissional passado ou futuro. O fato de os outros componentes do modelo de Interativi-
os alunos estarem em contato com a sua realidade dade Colaborativa. Tomados isoladamente, ne-
profissional é altamente motivador. Essa autenti- nhum deles desenvolve ao máximo o potencial de
cidade ajuda a dar sentido às teorias e conceitos aprendizagem socioconstrutivista; é preciso criar
que eles devem aprender e ajuda a integrar esse ambientes de aprendizagem em que os quatro ele-
conhecimento em suas estruturas intelectuais. Pro- mentos estejam presentes.
blemas autênticos colocam os alunos em contato Como mencionado anteriormente, as habili-
com o mundo dos praticantes, que estão envolvidos dades desenvolvidas pela abordagem sociocons-
em situações específicas da vida real. trutivista de ensino de gestão são relevantes não
Young (1995) enfatiza dez atributos essenciais só no ambiente escolar, mas também, e acima de
ou problemas do “mundo real” que devem ser res- tudo, na vida profissional dos estudantes. Em um
peitados em contextos de aprendizagem autêntica: contexto hipercompetitivo e hiperconectado, as
1) a solução de tais problemas deve solicitar a coor- organizações hierárquicas aproximam-se cada vez
denação de vários processos cognitivos, tais como mais de estruturas em redes de aprendizagem, em
análise, planejamento, identificação de problemas uma tentativa de aumentar a sua capacidade de agi-
e metacognição; 2) o contexto deve estimular lizar a adaptação de novos produtos e processos às
percepções críticas sobre situações viáveis; 3) a mudanças constantes do mercado. Segundo Robins
solução deve ser interpessoal ou negociada inter- e Webster (1999, p. 203-204), essas mudanças estão
subjetivamente; 4) a tecnologia pode desempenhar ocorrendo porque
um papel fundamental neste processo de resolução [...] Burocracias hierárquicas perdem muito do seu
de problemas interpessoais, facilitando a comuni- propósito quando redes de informação facilitam a
cação entre os participantes; 5) os alunos devem tomada de decisão e a implementação colaborativa
estar alertas para os problemas adicionais que sur- de soluções (e quando o fator velocidade é mais
gem quando eles propõem uma solução preliminar imperativo do que nunca). [...] Se por um lado os
para uma situação real; eles devem ser encorajados cortes de níveis hierárquicos são feitos por razões
a lidar com esses subprodutos de seu processo de economia e porque as tecnologias facilitam a
intersubjetivo; 6) o processo de solução também comunicação em rede, por outro lado os herdeiros
deve exigir uma abordagem interdisciplinar e dessas estruturas flexíveis têm muito mais poder.
deve, se possível, envolver pessoas com diferentes Em suma, há um consenso na literatura de que
habilidades / conhecimentos; 7) A solução desses os casos favorecem um ambiente de aprendizagem
problemas do mundo real deve permitir prazos pro- lúdico e rico, complementando a aula tradicional
longados de reflexão; a complexidade situacional com atividades dinâmicas baseadas no inquérito
raramente pode ser resolvida em poucos minutos; individual e na discussão coletiva. Trata-se de
8) esses problemas muitas vezes suscitam várias uma excelente oportunidade de desenvolver os
soluções, que devem competir entre si; não deve princípios da manipulação, reflexão e colabora-
haver respostas “corretas”, mas diferentes graus de ção em um contexto autêntico. A seção seguinte
viabilidade; 9) deve ser necessário distinguir entre explora as competências cognitivas envolvidas
as informações relevantes e informações de pouca nesse processo.
utilidade: problemas do mundo real geralmente
são acompanhados de informações supérfluas – Competências cognitivas
tal discernimento faz parte das habilidades que os desenvolvidas pelo Método Caso
estudantes devem desenvolver; 10) a resolução de
problemas do mundo real deve facilitar a tomada Os benefícios que os alunos obtêm a partir de
de consciência dos valores pessoais próprios e estudos de caso são diretamente proporcionais aos
preconceitos do aprendiz, e como eles podem esforços de preparação que eles estão dispostos

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Marcos Lima; Thierry Fabiani

a fazer. A preparação básica envolve a leitura do ção de Iowa (1989). A Figura 2 ilustra esse conceito
caso, pelo menos duas vezes individualmente, de “modelo de raciocínio integrado” (MRI).
antes de formarem grupos de discussão (BUCIU-
NIENE, 2012; DHAR; DHAR, 2007). Durante Figura 2 – Modelo de Raciocínio Integrado de
a primeira leitura (também chamada de “visão aprendizagem com estudos de caso
geral”), os alunos são encorajados a simplesmen-
te folhear o texto para ter uma perspectiva geral
do que o caso trata, quem são os protagonistas e
qual é o principal problema. Durante uma segun-
da leitura, mais cuidadosa (também chamada de
“leitura ativa”), os alunos devem fazer anotações,
destacar indícios e procurar elementos que podem
responder a eventuais perguntas sobre o problema.
Esses elementos coletados individualmente devem
ser discutidos em grupo durante as fases de análise
colaborativa do caso. Essas são as atividades que,
junto com a discussão plenária em sala de aula e
trabalhos extraclasse, formam a essência do pro-
cesso de aprendizagem ativa em estudos de caso
de gestão.
Naumes e Naumes (2012) apresentam uma
excelente síntese dos processos mentais relevantes Fonte: Adaptado de Lima (2003).
que ocorrem durante a análise de um estudo. De
acordo com eles, há oito domínios de competências Esse modelo assume que o objetivo final da
cognitivas que são estimuladas pelo método caso: educação em gestão é fazer com que os alunos de-
senvolvam o que pode ser chamado de “raciocínio
• Foco: a capacidade de definir os problemas acionável” (a capacidade de aplicar conceitos, re-
e definir metas; solver problemas e tomar decisões). Tal habilidade
• Coleta de informações: tomar nota de requer competências de raciocínio crítico (analisar,
dados disponíveis ou procurar dados avaliar, estabelecer conexões) e criativo (sintetizar,
adicionais; elaborar cenários / imaginar).
• Memorização: habilidades de codificação Cada uma das três competências de raciocínio
e recordação de informações críticas; básico nos moldes do MRI pode ser associada com
• Organização: comparar, classificar, orde- os tipos de casos descritos por Ellet (2007). Assim,
nar e representar a informação; casos do tipo “problema” reforçam as habilidades
• Análise: identificar atributos e componen- de “resolver” (compreender o problema, pesquisar
tes do problema, estabelecendo relações e formular o problema, encontrar alternativas,
e padrões, identificando ideias principais; escolher uma solução e facilitar a sua aceitação);
• Geração de cenários: a partir de inferên- casos de avaliação estimulam o desenvolvimento
cias, previsões e projeções; da capacidade de “aplicar conceitos” (imaginar
• Integração: capacidade de resumir e rees- objetivos, conceber um produto / serviço, avaliá-lo
truturar informações; e reconcebê-lo), enquanto os casos decisórios inci-
• Avaliação: capacidade de estabelecer cri- dem sobre as competências de tomada de decisão
térios e verificá-los. (identificar um problema, gerar alternativas, avaliar
Uma abordagem mais visualmente estruturada a consequências, fazer escolhas e avaliá-las).
de como essas habilidades são desenvolvidas em es- O pilar do “raciocínio crítico” do modelo MRI
tudos de caso é fornecida por Lima (2003), baseado abrange as competências de análise (reconhecer
em um estudo genérico do Departamento de Educa- padrões, classificar, identificar pressupostos e

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ideias principais, encontrar sequências), avaliação de dados de gestão para reunir os elementos
(avaliar informações, determinar critérios de prio- necessários para o diagnóstico);
rização, reconhecer falácias, verificar) e estabele- • ao se concentrar exclusivamente em uma
cimento de conexões (comparar / contrastar, pensar questão (ou poucos pontos), os casos ten-
logicamente, inferir de forma dedutiva e indutiva, dem a simplificar a interdependência dos
identificar relações causais). problemas de gestão. Um problema de
Por fim, o componente “raciocínio criativo” do marketing raramente é desconectado dos
modelo MRI é baseado na capacidade de sintetizar outros domínios de conhecimento de ne-
(pensar analogicamente, resumir, formular hipóte- gócios, como finanças, recursos humanos
ses, planejar), elaborar cenários e imaginar (prever, e produção. Isto pode levar ao que Jackson
especular, visualizar, expandir ideias). (2011) chama de síndrome de resolver “o
problema errado com grande precisão”;
Limitações do Método Caso • o caso geralmente “congela” um problema
de negócio no tempo e no espaço, o que ge-
O método caso comporta, evidentemente, várias ralmente inibe o pensamento a longo prazo;
limitações. Em primeiro lugar, ele não deve ser • por serem baseados em fatos reais, casos
considerado como uma panaceia que vai resolver são construídos a partir de entrevistas com
todos os problemas da educação em gestão. Ele os protagonistas. Eles são, frequentemente,
não deve, absolutamente, ser usado como única propensos ao que Jackson (2011) chama de
abordagem pedagógica; sendo na sua maioria de “viés da retrospectiva” (hindsight bias), ou
natureza indutiva, os casos devem ser combinados seja, a tendência a olhar para o passado de
com abordagens dedutivas como palestras e discus- forma superotimista ou pessimista;
sões de livros didáticos convencionais. Listamos a • casos em papel sofrem de todas as limita-
seguir uma série de limitações citadas na literatura, ções inerentes à tecnologia da imprensa,
muitas das quais estão claramente relacionadas inventada no século XV. Eles são difíceis
com a natureza indutiva dos casos (BUCIUNIENE, de atualizar, não são muito interativos e não
2012; DHAR; DHAR, 2007; JACKSON, 2011; têm recursos multimídia ou mecanismos in-
LIMA, 2003; SKUDIENE, 2012): trínsecos de colaboração. Na era das mídias
sociais, os casos precisam ser adaptados
• o realismo dos casos é limitado, na medida para capturar a versatilidade, acessibilidade
em que contrariamente aos protagonistas e riqueza de recursos midiáticos oferecidos
da narrativa, os alunos não sofrerão as pela Internet.
consequências de decisões ou diagnósticos
mal feitos; O último aspecto é justamente o que justifica
• gerentes da vida real reúnem as “peças do repensar a abordagem de casos no contexto tecno-
quebra-cabeça” através de interações longas lógico moderno. Na seção final, a seguir, vamos
e árduas com a organização e o seu ambien- explorar como essas competências tipicamente
associadas com a abordagem clássica de Harvard
te; eles não vão encontrar o problema e as
podem ser enriquecidas em dois ambientes de
informações necessárias para resolvê-lo
aprendizagem mediados tecnologicamente para
prontamente disponíveis em uma dúzia
facilitar a discussão de casos.
de páginas com quadros cuidadosamente
preparados. A busca da informação é uma
das competências que são muito raramente Repensando o método caso para o
exploradas em estudos de caso (no entan- século XXI: duas experiências
to, essa deficiência pode ser parcialmente
compensada quando se escrevem casos com O experimento Panteon
informações deliberadamente escassas e se Dez anos atrás, um dos autores, Lima (2003),
incentiva os alunos a usar a Internet e bases defendeu sua tese de doutorado sobre o tema Po-

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Marcos Lima; Thierry Fabiani

tencial de Suporte Cognitivo das Interfaces Hiper- a interface foi usada tanto em ambientes acadê-
textuais Dinâmicas: o Sistema Panteon como uma micos quanto corporativos, seguidos por grupos
Alternativa aos Casos tipo Harvard. Sua hipótese focais, discussões para debater e lançar luz sobre
principal era de que as propriedades de armazena- os resultados obtidos.
mento de informação, processamento e distribuição Como fundamentação teórica, tanto para a cria-
inerentes às interfaces web poderiam facilitar o uso ção quanto aplicação de Panteon, ele explorou as
de habilidades críticas e criativas durante a análise possíveis relações entre os campos da tecnologia de
organizacional baseada em estudos de caso, seja comunicação e habilidades cognitivas. Ele discutiu
para fins de planejamento estratégico ou de ensi- como, na “Era da Informação”, a gestão do conhe-
no / aprendizagem. Partindo desse pressuposto, cimento dentro das organizações depende tanto da
Lima criou a Interface Panteon, uma ferramenta interação entre as pessoas como de dispositivos de
hipertextual para análise organizacional com base mídia que podem ajudar a minimizar os problemas
em estudos de caso. A plataforma consiste de um relacionados com o armazenamento, processamen-
motor de busca que recupera depoimentos de to e distribuição da informação.
vários atores envolvidos direta ou indiretamente Depois de avaliar as experiências com Panteon,
com um problema organizacional (protagonistas, ele concluiu que a flexibilidade dos seus meca-
mas também clientes, fornecedores, colegas de nismos de processamento de informação poderia
outros departamentos da empresa, concorrentes realmente enriquecer a análise organizacional
etc.) Estas citações diretas podem ser navegadas baseado no método de estudo de caso, tanto para
de acordo com vários critérios: estrutura organi- o ensino / aprendizagem como para fins de plane-
zacional (marketing, finanças, recursos humanos jamento estratégico. Os experimentos mostraram
etc.), palavra-chave (declarações contendo a que, quando usados em um contexto no qual a
palavra “concorrentes” ou “crise”), as diferentes interação, reflexão e conversa são estimulados
situações-problema (o problema de fluxo de caixa, através de múltiplas perspectivas, interfaces web
uma questão de motivação, uma crise insatisfação podem facilitar o desenvolvimento de habilidades
do cliente etc.). Os critérios de busca / navegação críticas e criativas em profissionais e estudantes.
podem também abranger as categorias de qualquer Pode-se encontrar uma síntese da experiência
modelo dado de análise (SWOT, Rivalidade Am- Panteon (com fotos de um protótipo de interface)
pliada de Porter, Marketing Mix etc.). no Journal of Educational Computing Research
Esses critérios podem ser combinados para (LIMA, KOEHLER; SPIRO, 2004).
satisfazer uma consulta particular; assim, por
exemplo, pode-se perguntar: “o que é que as pes- Usando mídia social para estimular o racio-
soas do departamento de vendas têm a dizer sobre cínio crítico e criativo: a experiência Organixis
as ameaças do problema FLUXO DE CAIXA?”. Uma experiência mais recente (LIMA et al,
Os usuários podem, em seguida, comentar o que 2014) em nossa escola de gestão (EMLV, Paris)
pensam de cada percepção ou declaração resultante pode lançar luz sobre os potenciais benefícios e
de suas consultas. Equipes de estudantes podem dificuldades ao se combinar princípios de aprendi-
usar a ferramenta para compilar esses comentários zagem socioconstrutiva com as ferramentas de mí-
e comparar suas diferentes percepções sobre as dia social, como discutido anteriormente. Usando
declarações fundamentais. Assim, um diagnósti- o Google Sites, Youtube e Facebook, criamos um
co colaborativo é facilitado pelo sistema. Lima estudo de caso interativo que facilita a criação de
concluiu que esta abordagem não linear assistida conteúdo enriquecido com vídeos, imagens e texto
por computador pode melhorar e estimular o (comentários, links, tags etc.).
pensamento crítico e criativo ainda mais do que a O caso, que chamamos de “Organixis”, descreve
abordagem tradicional de Harvard. uma empresa de software fictícia que produz jogos
A fim de testar o protótipo Panteon e sua para telefones celulares. Foi necessário o trabalho
premissa subjacente, Lima realizou uma série de de uma dúzia de professores de três departamentos
experimentos de observação participante em que (finanças, marketing e recursos humanos) durante

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Repensando o método caso em cursos de administração: desafios e oportunidades da abordagem socioconstrutivista com ferramentas da web 2.0

cerca de três meses para criar uma descrição deta- em finanças, um em recursos humanos, um em
lhada dos problemas da empresa em cada domínio, marketing estratégico e um em marketing tático)
incluindo links para recursos externos, vídeos e deram-lhes três “cartões Metaplan” (codificados
embutidos com temas relacionados e gráficos con- por cores dos cartões que podem ser facilmente
ceituais para ajudar os alunos a entender como cada ligados a uma parede ou folha flipchart). Pediu-se
“árvore” cabe na “floresta” em geral. aos estudantes que descrevessem os três problemas
O site para este caso (em francês), construído principais enfrentados por Organixis em todos os
com ferramentas Google do site, está disponível domínios. Os 12 problemas foram publicados em
em https://sites.google.com/site/organixis2/. A folhas de flipchart colados à parede ao redor da sala.
abordagem pedagógica consistia em atribuir fun- Quando o facilitador identificava temas comuns, ele
ções de consultor em finanças, recursos humanos ou ela os agrupava em um único cluster temático.
ou marketing a cada um dos 80 alunos do quarto Em seguida, cada aluno recebeu três mini-post-its
ano que participaram do experimento. Esta foi (pequenos autoadesivos quadrados coloridos) que
uma amostra de conveniência de estudantes que eles poderiam usar para “votar” nos três problemas
foram obrigados a participar de um seminário de que, pessoalmente, achavam que eram os mais re-
empreendedorismo com duração de três dias. Como levantes. Como resultado, o “pensamento coletivo”
parte das atividades para esse seminário, decidimos de cada classe tornou-se claramente visível.
criar um ambiente organizacional imersivo para Finalmente, demos 3 horas a cada grupo para
confrontar os alunos com os problemas de lança- preparar um diagnóstico detalhado dos problemas,
mento de um novo produto. Os estudantes tiveram como eles se inter-relacionam e como eles pode-
duas semanas para percorrer as dezenas de páginas riam ser resolvidos. Na parte da tarde os quatro
do Google Sites, concentrando-se principalmente grupos apresentaram soluções e debateram a sua
no seu “domínio de conhecimento” e, ao mesmo implementação. Após essas atividades, realizamos
tempo, tentando obter uma visão geral dos proble- entrevistas e conversas informais aleatórias com
mas nos outros domínios. Eles foram convidados alguns participantes da amostra sobre os desafios
a colaborar à distância em fóruns específicos de e oportunidades associados a este tipo de aborda-
discussão que foram criados usando uma página gem pedagógica. Também revisitamos os tópicos
no Facebook, e eles foram incentivados a compar- de discussão reais no Facebook sobre o caso e sua
tilhar suas ideias, materiais adicionais relativos a
implementação.
questões específicas ou problemas, links e vídeos
Alguns extratos dos insumos Facebook dos
sobre essa plataforma.
grupos amostrados são reproduzidas abaixo (tradu-
Após as duas semanas de colaboração à dis-
zidos da página Organixis Facebook em francês).
tância, eles se encontraram em quatro classes
Estas reações ilustram como os princípios de In-
distintas de 20 alunos para uma maratona de 8 ho-
teratividade Colaborativa em torno de problemas
ras de análises e recomendações. Como primeiro
autênticos usando ferramentas de mídia social po-
passo, em cada aula, os alunos foram convidados
dem promover algumas das competências de pen-
a “interrogar” o que aprenderam em seus domí-
samento crítico / criativo descritos anteriormente:
nios de especialização durante as duas semanas
de “colaboração assíncrona”. Os especialistas em Analisar:
finanças, marketing e RH expuseram diante da Concordo com você, Janaína. Além disso, os
classe as principais questões que identificaram homens entre 30 e 40 podem se dar ao luxo de
ao navegar o seu domínio individualmente; uma gastar mais em jogos do que os outros alvos.
vídeo-projeção do conteúdo compartilhado via Devemos tentar fazer um estudo sobre que tipo
Facebook ajudou a sintetizar os principais pontos de jogos pode agradá-los... para melhor atender
discutidos on-line. as suas expectativas. No entanto, também temos
Uma vez que todas as questões-chave foram de tentar de novo encontrar um jogo que pode-
identificadas por via oral, os facilitadores em cada ria apelar para ‘adolescentes’ porque Vampyx
turma formaram 5 grupos de 4 especialistas (um não foi um sucesso.

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Marcos Lima; Thierry Fabiani

Avaliar: Do lado dos professores, eles sentiram que as


Sim, eu concordo. Mas a respeito da escolha habilidades semelhantes de raciocínio crítico e
do produto, não estamos falando bastante sobre criativo podem ser mais facilmente estimuladas
o marketing operacional? Bem, podemos dar- com métodos tradicionais de discussão de estudos
-lhes ideias. Quanto à segmentação, parece que de caso em sala de aula, sem a ajuda de tecnolo-
os adolescentes e jovens de 30-40 anos são os gia baseada na web. Eles também apontaram que
dois grupos de idade para se concentrar e para a preparação de casos multimídia para ensino à
explorar. distância baseado em uma empresa fictícia é tanto
mais exigente e menos autêntica do que o uso do
Estabeler conexões:
mundo real, como acontece nos casos baseados em
É verdade que não há muitos jogos concebidos
papel. Ainda que estivessem dispostos a colaborar
para as mulheres. .. Ainda assim, vemos mais e
virtualmente, eles argumentaram que o esforço
mais mulheres jogando com consoles ... Como o
de coordenação necessário para criar uma abor-
Wii. Os consoles desenvolveram jogos com base
dagem multidisciplinar consistente na web torna
nas necessidades das mulheres e conquistaram
essa abordagem impraticável como um método
um monte de clientes. Por que não tentar fazer de ensino regular. Além disso, eles argumentaram
o mesmo com os jogos no celular? que nem todos eles têm as habilidades técnicas
Sintetizar: para prosperar nesse ambiente. Muito poucos entre
Nossas sugestões: encontrar novos critérios os professores se declararam prontos a repetir a
de segmentação; modificar as faixas etárias do experiência por conta própria ou a incorporar essa
alvo; encontrar o equilíbrio certo de recursos colaboração baseada na Web como um elemento
nos segmentos-alvo; melhorar a comunicação de rotina de seus cursos.
externa (promoção através das redes sociais). Do lado dos estudantes, eles reconheceram que,
embora seja “legal” simular ambientes de ensino à
Elaborar / Imaginar:
distância com navegação não linear e recursos mul-
Para os ‘adolescentes’, poderíamos fazer uma
timídia, a realidade é que a colaboração em grupo
competição com prêmios para os vencedores...
face a face lhes é muito mais fácil / familiar. Houve
poderíamos estimulá-los a jogar mais. E sobre
uma sensação de que “barreiras artificiais de tempo
o alvo de 30-40 anos de idade, prefiro sugerir / espaço” foram criadas com a finalidade de viabi-
jogos que os lembrem do que faziam quando lizar o experimento durante as quatro semanas de
eles eram jovens; poderíamos fazer novas ver- colaboração à distância. Os estudantes também no-
sões de jogos antigos. taram que o caráter “fictício” do caso (que facilitou
Essas declarações amostrais validam claramente o desenvolvimento da abordagem interdisciplinar)
as suposições feitas relativas ao potencial de racio- tornou-o menos autêntico do que os cenários reais
cínio crítico e criativo das ferramentas on-line para habitualmente tratados. Essa observação reforça a
a aprendizagem por casos. Tais indícios qualitativos importância do princípio elementar de Harvard de
parecerem confirmar o potencial de uso de ferra- sempre usar situações reais.
mentas de colaboração on-line para a aprendiza- Apesar desses inconvenientes, os componentes
gem socioconstrutivista. No entanto, entrevistas de “nova geração” do experimento foram bastante
e conversas informais que tivemos com alunos e apreciados. Os estudantes gostaram da possibilida-
professores após a experiência revelam um cenário de de discutir o caso no Facebook, apreciaram os
mais complexo. Embora tenha havido uma atitude componentes multimídia do caso e a navegação de
geral positiva em relação a esse tipo de ferramenta um espaço de informação não linear. Eles também
de ambos os lados, havia também uma sensação de entenderam que há uma tendência para a colabo-
que o esforço para criar e coordenar tais ambientes ração baseada na web nos ambientes empresariais
virtuais de aprendizagem é desproporcional aos modernos e desejaram que continuássemos a fazer
benefícios reais. De fato, várias das objeções pu- experiências com ferramentas on-line para replicar
deram ser identificadas entre professores e alunos. esse ambiente. Os estudantes mostraram-se bas-

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Repensando o método caso em cursos de administração: desafios e oportunidades da abordagem socioconstrutivista com ferramentas da web 2.0

tante consciente dos limites do formato de aula fóruns de discussão ou wikis sendo usados depois da
tradicional e manifestaram o desejo de evoluir para aula para os alunos desenvolverem recomendações.
um ambiente mais participativo, baseado em tec- (NAUMES; NAUMES, 2012, p. 158).
nologias de aprendizagem semelhantes às criadas Esses são, talvez, estágios iniciais de uma
em torno do caso virtual Organixis. tendência irreversível. Acreditamos que, even-
tualmente, os benefícios cognitivos do uso de
Conclusões interfaces web para análise de estudo de caso e à
natureza colaborativa da Mídia Social irão criar
Ainda que com perspectivas promissoras, as alternativas viáveis para essa antiga tradição em
experiências Panteon e Organixis nos mostraram educação empresarial.
que uma das vantagens do método caso tradicional No curto prazo, os depoimentos dos partici-
reside justamente na sua simplicidade. Os profes- pantes em nossa experiência recente nos dão uma
sores, em particular, são muitas vezes resistentes perspectiva ambígua. Os professores relutam em
a curvas acentuadas de aprendizagem típicas de mudar a sua pedagogia tradicional, que conside-
novos projetos de tecnologia; eles preferem ter ram mais produtiva e rentável, enquanto os alunos
uma solução pronta para uso, tipo turn-key, sob a descobrem que algumas das barreiras de espaço /
forma de casos impressos com notas de ensino. À tempo impostas são um tanto artificiais, preferindo
medida que a Geração Y amadurece, no entanto, ainda trabalhar face a face. Apesar dessas objeções,
esse cenário pode mudar. Outras tentativas de a maioria dos alunos apreciou a natureza não linear
adaptação do método caso para a web estão em e os recursos multimídia do ambiente de aprendiza-
andamento, como, por exemplo, a plataforma Caso gem inovador e desejaram poder desenvolver mais
3.0 de Jackson (2011). Naumes e Naumes (2012) tais atividades. Isto sugere que o futuro da apren-
discutem a possibilidade de usar ferramentas de dizagem socioconstrutivista de base tecnológica
colaboração como wikis (plataformas web, como é muito promissor, apesar de sua infância difícil.
o Google Drive ou Microsoft 365) para trabalhar Finalmente, deve-se notar que este estudo está
à distância antes de vir à aula para discutir os re- ainda na sua fase exploratória. Baseia-se nos insi-
sultados. Em suas palavras: ghts de mais de uma década obtidos com o Panteon,
Os alunos podem desenvolver a sua análise de casos assim como na observação de uma amostra limitada
em grupos de wikis, chegando à classe já preparados em uma escola de gestão de Paris. Mais pesquisas
para comparar, criticar e construir sobre essas aná- qualitativas e quantitativas devem ser desenvol-
lises. Como alternativa, o período de aula poderia vidas para entender como fazer o melhor uso da
incidir sobre a criação de uma análise comum, com Interatividade Colaborativa no ensino superior.

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Recebido em: 16.07.2014


Aprovado em: 01.10.2014

106 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 91-106, jul./dez. 2014
Hilda Maria Martins Bandeira; Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina

PRÁTICA EDUCATIVA:
ENTRE O ESSENCIALISMO E A PRÁXIS

Hilda Maria Martins Bandeira∗


Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina∗∗

RESUMO

A prática educativa é utilizada com frequência na literatura como equivalente à


pedagógica, à docente e à práxis. Este artigo pretende analisar a prática educativa a
partir de sua interação com a educação da Grécia Clássica e a influência iluminista
e romântica de Rousseau, bem como sua contribuição para compreensão na tripla
dimensão da prática educativa. Parte da premissa de que a prática educativa é
multidimensional e de que prática pedagógica e prática docente são modalidades
daquela. Os resultados deste estudo bibliográfico de tese de doutorado focalizam que
a prática educativa se desenvolve e se atualiza conforme as necessidades do contexto
sócio-histórico, e que a práxis entendida como relação intrínseca entre teoria e prática
constitui a possibilidade emergente da prática transformadora.
Palavras-chaves: Prática educativa. Prática pedagógica. Prática docente. Práxis.

ABSTRACT

EDUCATIONAL PRACTICE: BETWEEN ESSENTIALISM AND PRAXIS


Educational practice is often used in literature as equivalent to pedagogical practice,
teaching practice and praxis. This article aims to analyze the educational practice
from its interaction with the education of Classical Greece and the enlightenment and
romantic influence of Rousseau as well as its contribution to understanding the triple
dimension of educational practice. It starts from the premise that educational practice
is multidimensional and that pedagogical practice and teaching practice are modalities
from the first one. The results of this bibliographical study of doctoral thesis show
that educational practice is developed and updated as required for the socio-historical
context, and that praxis understood as an intrinsic relationship between theory and
practice is the emerging possibility of transformational practice.
Keywords: Educational practice. Pedagogical practice. Teaching practice. Praxis.


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Professora Adjunta DE. Endereço para correspondência: UFPI,
Campus Ministro Petrônio Portella, Centro de Ciências da Educação/DMTE. CEP: 64049-550 - Teresina, PI. hildabandeira@
ufpi.edu.br ou hildabandeira@hotmail.com
∗∗
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professora Associada DE. Endereço para
correspondência: UFPI, Campus Ministro Petrônio Portella, Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEd). CEP: 64049-
550 - Teresina, PI. ivanaibiapina@ufpi.edu.br

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Prática educativa: entre o essencialismo e a práxis

Tecendo o diálogo da sociedade, que naturalmente é compelida a


necessitar de educação, emerge a escola como
A expressão prática educativa é utilizada atividade setorizada, conferida a especialistas. O
com frequência na literatura como equivalente a ato de educar, que antes era difuso e exercido por
prática pedagógica, a prática docente e a práxis todos, torna-se privilégio de algumas pessoas, que
(SOUZA; BATISTA NETO; SANTIAGO, 2009; são os professores, e, de modo geral, realizado em
ZABALA, 1998), notadamente, quando se rela- lugares específicos, as escolas. O termo educação,
ciona à atividade desenvolvida no âmbito escolar. comumente referido ao ato educativo, designa a
É primordial examinarmos seus fundamentos. prática educativa social, situada num determina-
É possível perguntar: esses conceitos de prática do tempo e espaço. A educação é decorrente das
educativa não estariam sendo utilizados de forma relações entre os seres humanos, e, uma vez que
restrita? O que é educação? Qual seria a natureza o desenvolvimento social é tributário da consci-
da prática educativa e em que ela se distingue ou ência das produções que orientam a vida humana,
se aproxima daquelas formas de práticas? Como a história da prática educativa está condicionada
Vázquez (2007), ao desenvolver a categoria pela transformação dessas relações e produções
filosófica práxis, e Freire (2005) constroem o consideradas adequadas a cada sociedade.
movimento de superação do essencialismo e do O retorno às fontes reside na necessidade
naturalismo pedagógico? existencial do ser humano em conhecer a herança
Considerando o exposto, estruturamos o artigo cultural e a influência que ela exerce sobre o meio
em três momentos. No primeiro, contextualizamos e as pessoas. Da Grécia Clássica, apreenderam-se
a temática a partir do diálogo com a Grécia Clás- as formas de pensamento, a oratória, a filosofia,
sica, situando a problemática a partir do ideal de dentre outros aspectos. O povo grego não criou
educação da Paideia (JAEGER, 2010); e rever do códigos, leis para serem aplicadas, mas buscou a
“Emílio, ou da Educação” (ROUSSEAU, 2004), a lei a partir das próprias coisas para orientar a vida
natureza da prática educativa. No segundo momen- e o pensamento. “Os Gregos viram pela primeira
to, o foco está na prática educativa, evidenciando vez que a educação tem de ser um processo de
os atributos pedagógico e docente. E no terceiro construção consciente” (JAEGER, 2010, p. 13). A
momento, as possibilidades da articulação com a formação do homem grego pressupunha a formação
práxis (VÁZQUEZ, 2007). nas dimensões corpo e espírito. Os gregos perspec-
Compreender o que é a prática educativa impli- tivaram que o ato de educar é uma ação complexa.
ca entender que tipo de atividade é a educação. No A prática educativa desenvolvida pelos gregos
mundo ocidental, a referência é a Grécia Clássica. tinha como eixo central a formação do homem em
Desde a sua origem, a educação foi uma tarefa seus vários aspectos. Era uma educação essen-
coletiva. Inicialmente, quando ainda não existiam cialmente antropológica, considerava o homem
escolas como as de hoje, a educação era ministrada dotado de razão e que carecia de saber autônomo,
pela própria família, em consonância com a tradi- sistemático e rigoroso. Nesse contexto, nasceu o
ção religiosa. Com o advento da polis1, surgiram pensamento adotado pela educação ocidental, como
as primeiras escolas. A educação é pensada desde episteme, e não mais como práxis. A propósito, essa
a Antiguidade, a prática de educar constitui o prin- “práxis em grego antigo significa a ação de levar
cípio pelo qual os grupos humanos conservam e algo a cabo, mas uma ação que tem um fim em si
asseguram suas peculiaridades físicas e espirituais. mesma [...]” (VÁZQUEZ, 2007, p. 28).
Se desde a sua gênese a educação era uma ta- Educação e formação não são provenientes do
refa compartilhada coletivamente, nas sociedades acaso, mas decorrentes de um trabalho consciente,
primitivas cabia aos adultos apresentar às crianças e procederam do tipo de aristocracia cavalheires-
e aos jovens as normas e os valores do grupo. Em ca na Grécia. A princípio, educação e formação
decorrência, dado o grau de desenvolvimento eram limitadas à reduzida classe social, a nobreza.
1 Modo de vida urbano, base da civilização ocidental. Entre os séculos Quando a sociedade burguesa dominante adotou-
V e VI começa a formação da polis. -as como formas, aqueles ideais converteram-

108 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 107-117, jul./dez. 2014
Hilda Maria Martins Bandeira; Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina

-se em bem universal e em norma para todos, da aristocracia da época, orientada em torno das
consolidando-se, pois, como prática educativa. convenções sociais. No projeto educativo de Rous-
Cada sociedade prepara o indivíduo para partici- seau, traçado para educar seu aluno fictício, Emílio,
pação nas várias instâncias da vida. Toda sociedade a educação era a expressão livre do indivíduo no
tem sua prática educativa, ambas se exigem e se contato com a natureza, cujo objetivo refere-se a
interpenetram. A educação desenvolvida na Grécia “formar um homem livre, capaz de se defender
possibilitou a produção de prática educativa. Prá- contra todos os constrangimentos.” (ROUSSEAU,
tica essa manifestada nas ações, nas atitudes, nas 2004, p. XXI). Para o filósofo, o único modo de
aptidões e nos conhecimentos, ou seja, gestada e formar esse homem era considerá-lo como ser livre
limitada à nobreza. Nesse cenário, destacava-se a desde a sua infância.
influência dos sofistas e de Sócrates com o poder Rousseau (2004), mesmo influenciado pelo
da retórica, do discurso, a fim de bem educar o cenário da modernidade, desconfiava que as luzes
cidadão. da razão viessem a se acender em cada indivíduo
Os sofistas representavam pensadores ambu- e, em decorrência, viabilizar um homem melhor.
lantes que se apresentavam como professores e Ele acreditava no poder da educação: “tudo o que
ensinavam de forma remunerada. Para eles, não não temos ao nascer e de que precisamos quando
interessava que a ideia defendida fosse errada, o grandes nos é dado pela educação” (ROUSSEAU,
que interessava era convencer o outro pela oratória. 2004, p. IX). A educação começou com o existir da
Os pressupostos de Sócrates, ainda que não inten- vida e no contato com a natureza, com os homens e
cionassem educar o homem, contrapunham-se à com as coisas. O desenvolvimento das capacidades
educação perspectivada pelos sofistas, pois o eixo do homem era a educação pela natureza; o modo
era a preocupação com a ação do homem no mundo como ensinado a usufruir desse desenvolvimento
a partir de seus próprios conhecimentos, com base é a educação dos homens; e a aquisição da própria
na reflexão dialógica. Nesse entorno, destacavam- experiência sobre os objetos que afetam o homem
-se dois tipos de educadores: o sofista, que ensinava era a educação pelas coisas.
com base na intuição e no adestramento, através de Se a prática educativa é parte integrante da
forma estandardizada de educar; e o socrático, para educação e da sociedade, aquela que foi desen-
quem o saber era o alimento do espírito, submetido volvida na Grécia, e a educação natural, proposta
à análise, a fim de averiguar se esse seria adequado. por Rousseau, além de exigência da vida social,
Na Grécia Clássica, o projeto educativo era re- também constituem forma de prover as pessoas dos
servado à formação aristocrática, ou seja, destinado conhecimentos e das experiências culturais confor-
à educação de alguns cidadãos da polis. Os gregos me o meio social e em razão de suas necessidades,
não educavam para a profissão ou negócio. Os so- num determinado tempo e lugar. Tanto na Paideia
fistas educavam os homens de Estado e dirigentes quanto no Emílio de Rousseau fica evidente que a
para atuarem na vida pública. Com eles, a educação condição humana é a vocação comum do indivíduo.
era qualificada como arte ou técnica. Sócrates, por Os gregos descreveram a educação como a
meio da interrogação maiêutica2, tentava combater virtude3 humana mais difícil de adquirir, e que sua
os sofistas. essência emerge quando se abandona a ideia de
Com os filósofos das luzes, do século XVIII, a adestramento. Os gregos dedicaram-se com afinco
educação tornou-se, pelo menos em princípio, um ao seu projeto de educação do homem. No entendi-
direito de todos. O filósofo e pedagogo Rousseau, mento de Jaeger (2010, p. 14), “A [...] descoberta do
influenciado pelas luzes da razão, disseminou os Homem não é a do eu subjetivo, mas a consciência
fundamentos sobre os quais é edificado o sistema gradual das leis gerais que determina a essência
de ensino da cultura ocidental. Para ele, educar humana. O princípio espiritual dos gregos não é o
era, sobretudo, distanciar o homem dos costumes individualismo, mas o humanismo [...]”. Para os
gregos, a palavra educar contém configuração ar-
2 “Maiêutica”, em grego, quer dizer “parto das ideias”. Consiste
em fazer perguntas e analisar as respostas sucessivas até chegar à 3 Virtude para os gregos se aproximava da palavra areté. É uma
verdade do enunciado (CHAUÍ, 2003, p. 123). disposição para a prática do bem.

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Prática educativa: entre o essencialismo e a práxis

tística e plástica, cuja essência consiste em moldar ele, constituía o meio para o homem sair da história
a pessoa pela norma da comunidade. e retomar ao seu estado natural, ou seja, criar um
Por meio dessa imagem do homem real, indivíduo livre dos males da sociedade. Essa cor-
conforme as leis da comunidade, os gregos, rupção do homem, segundo Rousseau, aconteceu
paulatinamente, adquiriram consciência clara do em decorrência do homem ter se afastado demais
significado do problema da educação. A inter- do seu estado de natureza. Na verdade, Rousseau
-relação entre educação natural e educação moral (2004) não faz referência à forma de ensino coleti-
perpassa todo o projeto educativo de Rousseau, vo, embora isso já fosse realidade naquele contexto
com o seguinte fundamento: “Homens, sede hu- da modernidade. A influência do seu pensamento
manos, este é vosso primeiro dever; sede humanos teve poucos efeitos sobre as práticas educativas dos
para todas as condições, para todas as idades, para dois séculos posteriores (XVIII e XIX). O filósofo
tudo o que não é alheio ao homem” (ROUSSEAU, e pedagogo Pestalozzi (1746-1821) pôs em prática
2004, p. 72). as ideias de Rousseau (ARANHA, 2006). Salva-
Na prática educativa desenvolvida na Grécia, guardando essa experiência, as ideias de Rousseau
a razão estava acima dos mitos e o homem era o reapareceram no Século XX, com o movimento da
ser mais importante, os instrumentos estavam a Pedagogia Nova.
seu serviço. Essa prática apresentava duas finali- Não é possível falar de um começo da educa-
dades: desenvolvimento do cidadão fiel ao Estado; ção, pois na verdade ela principia com a própria
e a formação do homem equilibrado com domínio humanidade e se atualiza para cada contexto
de si. Um menino ateniense começava sua vida social, histórico, político e cultural em um de-
escolar aos seis anos e ficava sob os cuidados do terminado tempo e lugar. Toda sociedade educa,
pedagogo, que ensinava Aritmética, Literatura, haja vista transmitir às gerações costumes, hábi-
Música, Escrita, Educação Física, além de vigiar tos, maneiras de fazer e de conhecer. Por outro
seu comportamento moral. A ação educativa não se lado, o ensino não nasceu colado à humanidade,
limitava à escola, o teatro também era a escola de começou com os gregos, quando questionaram
todos os cidadãos. Meninas não recebiam qualquer a natureza, a sociedade, os hábitos, a maneira
educação formal, aprendiam os ofícios domésticos de governar e de educar. Foi nesse contexto que
e os trabalhos manuais com as mães. sofistas, Sócrates e Platão, propuseram uma ma-
Na Grécia Clássica, a vida em sociedade, re- neira de educar. Os sofistas4 são considerados os
gulada por leis e pela maneira correta de agir em primeiros professores.
comunidade, possibilitou um modo de fazer educa- Se a educação existe em toda parte, o que dizer
ção que perpassou a modernidade, cujo eixo era a da natureza da prática educativa? A intenção de
dimensão antropológica. Em Rousseau, essa prática expressá-la pressupõe tomar a educação como
fundamentava-se em um projeto que foi fruto de objeto da prática já vivenciada, produzida. Por
mais de 20 anos de meditação e três anos de escrita, exemplo, na Grécia, o modelo vivido representa
cujo foco era a dimensão antropológico-filosófica, a essência, tanto a reflexão quanto a prática dos
visando ao desenvolvimento sensitivo, cognitivo homens estão a serviço dessa essência, e a edu-
e moral do homem em um meio de possibilidades cação sustenta a cultura e impede a manifestação
abstratas de relações com o mundo real. Na pe- da ideologia. Embora ainda não se possa falar de
dagogia naturalista de Rousseau, o homem, com projeto pedagógico, haja vista não existisse peda-
sua individualidade, representava o eixo central, o gogia no sentido estrito entre os gregos, é possível
homem diante de si mesmo e de seu preceptor. E o expressar que eles desenvolveram reflexão sobre
mundo e as relações sociais diante desse homem? os fundamentos da educação e, como consequên-
Como integrar a proposta de Rousseau ao ensino cia, a prática educativa conforme as necessidades
de um grupo de alunos em face da realidade do daquele contexto.
mundo da modernidade?
4 Para Sócrates, Platão e Aristóteles, os sofistas são sujeitos que usam
Os valores veiculados por Rousseau são indivi- argumentos capciosos em favor do falso, dando-lhe aparência de
dualismo, liberdade e bondade. A educação, para verdadeiro.

110 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 107-117, jul./dez. 2014
Hilda Maria Martins Bandeira; Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina

Da educação desenvolvida na Grécia, a huma- Prática educativa:


nidade herdou a reflexão dos grandes princípios a tridimensionalidade
básicos centrados no racionalismo e no humanismo.
Não se trata ainda da instrução de crianças na sala A educação existe em diferentes espaços e tem-
de aula, pois humanismo, racionalismo e espírito pos, nas mais variadas formas, faz parte do conjunto
crítico são ideais educativos e privilégios de uma de necessidades humanas e é condição precípua do
minoria de homens adultos. A partir da contribui- processo de humanização. O desenvolvimento da
ção de Rousseau, instala-se um discurso que não sociedade, entre outros aspectos, trouxe a exigência
situa mais o adulto, mas a criança no centro da de mais educação, por conseguinte, influencia na
educação. Um dos principais legados deixados maneira que cada grupo social constrói sua prática
pelos gregos às gerações futuras foi a prática educativa. O sentido e o significado da prática edu-
educativa desenvolvida com adultos já formados cativa não permanecem indiferentes a essas crises
e que precisavam do discurso para se transformar. sociais, culturais e ideológicas. Se a compreensão
As crianças5, notadamente na Grécia Antiga, eram do processo de ensino passa pela consideração
educadas na família, pois, de fato, os gregos não do conjunto das atividades educativas exigidas
conheceram a instituição escola, concebida como pela sociedade, logo não se pode pensar a prática
espaço coletivo sob a orientação de professores que educativa restrita ao espaço da sala de aula. Como
ensinam determinado programa. é corroborada na Paideia (JAEGER, 2010, p. 4),
Passados mais de 200 anos, a âncora lançada a educação não é propriedade de um indivíduo,
por Rousseau (2004) para se perceber a criança “mas pertence por essência à comunidade”. Essa,
nela mesma, ainda que no plano teórico, expressa pois, tem grande influência no esforço de educar
um programa educativo e chama atenção para a seus membros de acordo com o sentir de cada nova
importância das regras práticas de orientação dos geração.
educadores para o trabalho com os alunos. Embora A prática educativa é ação social intencional, é
ocorram diferenças substanciais entre os pressupos- parte integrante da vida, do crescimento da socie-
tos da educação grega e de Rousseau, é possível dade. Todos nós desenvolvemos prática educativa,
encontrar elementos comuns, como, por exemplo, independentemente do contexto, da concepção
o fato de que a prática educativa desenvolvida filosófica e pedagógica. Tanto na Paideia quanto
em ambas as modalidades privilegia a dimensão em Rousseau, encontramos alusão apenas à prática
antropológica, a condição existencial das necessi- educativa. Como essas práticas se distinguem?
dades naturais, físicas e imediatas em face de sua O trabalho de Souza, Batista Neto e Santiago
realidade. Com o processo de democratização da (2009) anuncia esses conflitos e defende a hipóte-
sociedade, a educação é dirigida para todas as clas- se de que a formação de professores envolve um
ses, ou seja, o professor ensina para a coletividade coletivo de instituições, de sujeitos e de práticas.
e num espaço específico, conserva os referenciais O sentido da prática educativa, tal como a defini-
humanistas de influência da Grécia (JAEGER, ção de sociedade, tem mudado e tem relação com
2010) e da educação naturalística de Rousseau a concepção educacional e com as necessidades
(2004). A educação tem alcançado projeções para produzidas em cada contexto sócio-histórico. Para a
além das nossas necessidades imediatas, o que discussão neste trabalho, defende-se o pressuposto
justifica, em parte, a celeuma em torno da busca de de que a prática educativa é multidimensional, e de
uma denominação de prática que coadune com as que a prática pedagógica e a prática docente são
necessidades e com o contexto social emergente. modalidades daquela. Se é possível falar em prática
Depois de trilhar na contextualização da prática educativa em qualquer sociedade, logo, ela sempre
educativa, segue a discussão referente à sua tripla existiu, ainda que de modo assistemático. Outro
faceta. aspecto, que é preciso esclarecer, é que, em sentido
lato, a prática é genérica, existe em grande varieda-
5 Exclusivamente para uma minoria de meninos adolescentes, pois a de. Em sentido estrito, é possível vinculá-la a uma
educação grega não atingiu a infância. instituição específica com finalidades explícitas de

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 107-117, jul./dez. 2014 111
Prática educativa: entre o essencialismo e a práxis

instrução e de ensino por meio de ação consciente, terísticas, tais como: educação escolar, educação
deliberada e planejada. Ainda assim, não se separa paralela, religiosa, profissional, entre outras. Tam-
daquela forma de prática geral. São diversas as bém tem ocorrido esse movimento com a prática
modalidades que assumem a prática educativa, educativa, que na tentativa de esclarecer, há quem
sejam intencionais ou não intencionais, formais crie mais atributos, muitas vezes não garantindo
ou não formais, escolares ou extraescolares, mas diferença substancial. Por exemplo, Souza, Batis-
todas se interpenetram, a atividade educativa é ta Neto e Santiago (2009, p. 35 e 69) substituem
sempre situada e tributária do modelo de sociedade por práxis: “[...] entendemos a prática pedagógica
que lhe faz exigência e determina suas finalidades. como uma práxis. [...] prática educativa analisada
Nessa conjuntura, a que prática educativa nós nos reflexivamente, teorizada e realizada pelo coletivo
referimos ao abordarmos prática pedagógica e institucional é o que denomino de práxis pedagó-
prática docente? gica.” Em decorrência, prática educativa, prática
Essa indagação remete a duas alternativas: a pedagógica e prática docente estão interconectadas
sociedade que se tem; e a consequente educação e confinadas por meio de objetivos específicos de
veiculada. A educação é atividade desenvolvida há educação.
milhares de anos, e isso implica que a prática educa- Os pensadores gregos lançaram as sementes da
tiva também é milenar, enquanto a escola é secular. reflexão para fundamentar a educação, enquanto a
Mesmo que a gênese da educação seja anterior à reflexão sobre os problemas relacionados à escola,
escola, a associação entre ambas naturalizou-se de à instrução e à prática educativa apareceram mais
tal forma que comumente é remetida para o espaço tarde na História. Não restam dúvidas que tanto
escolar. Nesses termos, o desenvolvimento das Jaeger (2010) quanto Rousseau (2004, 2010) in-
condições de vida humana, as mudanças do cenário fluenciaram sobremaneira a educação atual, mas a
social e do trabalho também influenciaram a ativi- sociedade é dinâmica e prenhe de necessidades que
dade educativa. Na medida em que o indivíduo se se remetem há um tempo e a um lugar.
relaciona com o outro e com o meio ambiente, ele Quando Rousseau prioriza a educação pelas
é compelido a ter necessidades. Essas necessidades coisas em detrimento da educação pelas palavras,
estão associadas ao conjunto das relações sociais. avança em relação à concepção essencialista,
Heller (1986), ao analisar a teoria das necessi- pois substitui o conhecimento da essência pelo
dades em Marx, ressalta que ela tem raiz histórico- conhecimento do homem e de suas sensações. No
-filosófico-antropológica. No processo de produção entanto, o eixo fundamental no âmbito da prática
da sociedade, essas necessidades se desenvolvem e educativa não é a negação do logos para ação ou
se modificam, e isso delineia nova forma de orga- seu contrário, mas a compreensão sinérgica de cada
nizar a prática educativa. Nesse âmbito, na Grécia um dos intervenientes na atividade educativa, na
e em Rousseau não se fazia referência à prática sua universalidade e singularidade.
pedagógica e à prática docente, talvez porque não Assim, não é possível negar que a influência
constituíssem a necessidade fundamental. A ativi- do pensamento moderno decorre da cosmovisão7
dade educativa tem caráter pedagógico, por isso grega, e que na atualidade esses pressupostos têm
convém tecer algumas considerações para escla- deixado suas marcas. O esforço de buscar avançar
recimento do triângulo prática educativa, prática tanto com o essencialismo quanto com o natura-
docente e prática pedagógica. lismo idealista pode ser encontrado na proposta
A educação ainda conserva o ideal educativo da pedagógica da práxis dialógica freireana e na ar-
Paideia, que é contribuir para o processo de huma- gumentação da filosofia da práxis em Vázquez.
nização6 das pessoas, em seus diversos aspectos. Nas circunstâncias atuais, a prática educativa que
Seus objetivos vêm adquirindo diferentes carac- faz sentido não é só a que se firma apenas no ideal
de humanização, mas também está impregnada da
6 Para os gregos, a humanização não está diretamente relacionada
à subjetividade, mas especialmente à consciencialização das leis 7
Conjunto das ideias presentes e vigentes numa determinada socie-
gerais que determinam a essência humana. Nas palavras de Jaeger dade ou implícitas numa teoria sistematizada. Pode-se consultar
(2010, p. 14-15): “Humanismo vem de humanitas”. Severino (2007, p. 53).

112 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 107-117, jul./dez. 2014
Hilda Maria Martins Bandeira; Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina

práxis designada como prática humana objetiva e correndo para sua compreensão e transformação.
subjetiva com intencionalidade reflexiva, ou seja, Para Cheptulin (2004), a consciência antecipa a
com um elevado nível de consciência dela. realidade inexistente, transforma dada possibilida-
Em Freire (2005) e Vásquez (2007), o homem de da matéria em realidade. Por conseguinte, sem
não é produto da natureza, mas da História. Dessa esse plano antecipado, indicando os caminhos da
maneira, ao longo do desenvolvimento histórico realidade conforme as necessidades, torna-se im-
e filosófico no pensamento pedagógico aparece a possível a transformação, pois “[...] a consciência
contraposição teoria e prática. Há momentos em [é] aspecto necessário da atividade produtiva”
que a teoria apresenta-se tão onipotente em suas (CHEPTULIN, 2004, p. 104). Produção e consci-
relações com a realidade que só se vê a si mesma ência são desenvolvidas concomitantemente.
e configura-se de tal modo que, aparentemente, Num sentido amplo, prática educativa, como
pode mostrar-se como práxis8. Também ocorre já explicitado, é ação intencional que acontece em
com a prática, que às vezes é apreciada como diferentes lugares e tempos; prática pedagógica é
simples aplicação ou degradação da teoria, como, um processo educativo que também se dá em vários
por exemplo, foi o ponto de vista do pensamento espaços, no atendimento das necessidades sociais
grego antigo. Nas duas situações, não se reconhe- práticas e teóricas; prática docente traz o atributo
ce a unidade indissolúvel entre teoria e prática, de ser exercida por profissional do ensino, cuja
ou seja, a práxis. ação, seja ela sistemática ou assistemática, dá-se
Considerando o exposto, o trabalho de Franco sempre no ambiente escolar. Souza, Batista Neto e
(2012) discute as práticas pedagógicas a partir Santiago (2009, p. 24) asseguram: “[...] temos de
da relação com o objeto da Didática. Segundo a afinar nossa reflexão para não confundir ou não re-
autora, prática pedagógica diz respeito às práticas duzir a concepção de prática ou práxis pedagógica
sociais com propósito intencional de realiza-se no à prática docente”.
pedagógico, e prática docente torna-se pedagógica É necessário admitir que a prática docente,
quando, além de ser prevista a intencionalidade, atribuída à função do professor em contexto esco-
ocorre que a consciência mantém-se ativada tanto lar, traz a expectativa de que quem a desenvolve
no planejado quanto no realizado. volta-se para finalidades e objetivos intencionais
Não desprezamos a faceta educacional das reflexivos-críticos. Todavia, considerando que a
práticas como processos, tal fundamentação é profissão docente engloba profissionais de diferen-
genérica na sua qualificação. Vamos procurar os tes áreas, portando diferentes concepções, dentre
fios para tecer a singularidade. Todas as práticas outros aspectos, advém a explicação da ausência
constituem campos que partilham a ação educativa, ou da insuficiência de conhecimentos pedagógi-
a intencionalidade, pois a vida social é fundamen- cos. Prática docente remete à ação do professor
talmente prática. Agimos sobre e a partir das suas e ao contexto escolar, mas isso não é suficiente
necessidades (MARX; ENGELS, 2002). Entende- e necessário para qualificá-la de pedagógica. É
mos que três aspectos influenciam a compreensão pedagógica quando a intencionalidade é ação pla-
das práticas, sejam elas educativas, pedagógicas ou nejada e concretamente realizada com estado ativo
docentes: as necessidades, o nível de consciência da consciência, tanto no ato idealizado quanto na
e o estado de intencionalidade. sua operacionalização.
Condições sócio-históricas, pressupostos, con- Então, considerando a tridimensionalidade da
ceitos e volitividade contribuem na produção das prática educativa, compreende-se que os níveis de
manifestações das práticas referidas. Antecipação práxis destacados por Vázquez (2007), incluindo
dessa prática, baseada no conhecimento e nas liga- desde ação espontânea, reiterativa, reflexiva, e que,
ções necessárias do objeto e sobre a compreensão com maior grau de expansão, chega-se à criativa,
do que se passa na realidade imediata e mediata, de fato são esses níveis que qualificam as faces
constituem trabalho do pensamento e da ação, con- dessas práticas.
8 Característica, sobretudo, do idealismo, especialmente em Hegel. Destarte, necessidades advêm da prática, são
Maiores esclarecimentos em Vázquez (2007, p. 243). manifestadas no trabalho, na criação ou na práxis,

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 107-117, jul./dez. 2014 113
Prática educativa: entre o essencialismo e a práxis

têm finalidades, cuja realização exige trabalho ativo (2007), o trabalho de educação da consciência está
da consciência e das condições materiais. Como a entre a atividade teórica e a prática transformado-
realidade não está determinada na sua completude, ra, envolvendo a organização dos procedimentos
a necessidade em desenvolver práxis no contexto materiais e da planificação da ação. Dessa posição,
das práticas existe em possibilidades, cuja realidade deduz-se que a unidade teoria-prática dá-se por
carrega a premissa abstrata do devir. Sendo assim, meio de várias mediações, pois a atividade da
o docente é parte responsável na construção de consciência é “[...] inseparável de toda verdadeira
sua história, de suas necessidades da vida pessoal atividade humana, apresenta-se [...] como elabora-
e profissional. Nesse processo, compreender a re- ção de fins e produção de conhecimentos em íntima
lação teoria e prática é condição fundamental para unidade” (VÁZQUEZ, 2007, p. 224).
possibilitar práxis. Na intenção de analisar os posicionamentos
Em Freire (2005, 2011), a natureza humana não teóricos referentes ao conceito de práxis, optamos
é portadora de uma especificidade da qual se extrai por discutir aspectos fundamentais destacados es-
sua essência, como entendia a pedagogia da essên- pecialmente por Vázquez (2007), Marx e Engels
cia. O ser humano se constrói historicamente, logo (2002) no entendimento da categoria práxis, na
não é possível distanciar o homem do contexto, relação produzida entre teoria e prática e a dupla
dos constrangimentos, dos aspectos negativos ou função da práxis: práxis criadora perante a práxis
contraditórios. Nesses termos, embora aconteçam reiterativa, práxis reflexiva perante a práxis espon-
circunstâncias de opressão, ainda existe a possibi- tânea, focalizando as possibilidades na docência.
lidade de que o indivíduo se transforme.
O problema de quem ensina e aprende não está Práxis e possibilidade na docência
limitado ao ato de comunicar o conhecimento e o
processo pelo qual se chegou a ele, mas, notada- A formulação de problema é condição para
mente, ao problema de permitir vivência produtiva qualquer desenvolvimento do conhecimento
de conhecimento. Entendemos que, nesse processo, científico. Contudo, como expressamos a práxis?
os envolvidos tornam-se conscientes de sua educa- Esse é o impasse sobre o qual se pretende refletir.
ção ou de sua prática educativa, no sentido de que Incialmente apresenta-se o problema da lingua-
a entendam e a expandam. gem, da consciência da práxis e da linguagem no
A consciência do inacabamento do indivíduo vocabulário materialista, assim como as condições
implica em sua educabilidade. O ato educativo está que tornam possível a transição da teoria à prática,
associado à tomada de consciência da situação real assegurando a unidade entre ambas.
dos que nela interagem. “O estado e as palavras O termo práxis é empregado com sentido equi-
são igualmente expressões da prática dos homens, valente de prática; tanto na língua espanhola, como
e conscientizar é assumir a consciência deste fato” na portuguesa e na alemã, advém da antiguidade
(FREIRE, 2011, p. 20). Nesse âmbito, consciência grega, ao designar ação acabada. O emprego indis-
tem caráter teórico-prático, está vinculada à vida tinto dessa linguagem, que encerra a ação em si ou
social. Por essa via, o autor, indica: “[...] cons- fora dela, contribuiu para a banalização desse uso
cientização muitas vezes significa o começo de dominante na linguagem comum; a práxis, quando
uma posição de luta.” (FREIRE, 2011, p. 15). O é devidamente reconhecida, advém do vocabulário
agir consciente, nesse ponto, sugere não somente filosófico. Vázquez (2007) reconhece o uso restrito
o conhecimento de si mesmo, mas o indispensável do termo práxis e o elege, assim, pelas seguintes
reconhecimento da relação com o outro e com o razões: precaver do sentido de prática em seu uso
contexto. cotidiano utilitário; o significado de práxis não
Quanto à dimensão da prática educativa, esta se identifica com o original da língua grega; tem
tem alcance pedagógico, filosófico, social e históri- aproximação com “poiésis” (poesia, poeta ou poé-
co, e por isso é apropriado falar de uma consciência tico), dado o sentido de criação, tem configuração
da práxis educativa como articulação entre ativi- específica que dissimula a práxis no sentido mais
dade objetiva e subjetiva do homem. Em Vázquez amplo. Considerando a insuficiência da origem

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Hilda Maria Martins Bandeira; Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina

do termo e o sentido pragmático, Vázquez (2007, volvimento ulterior do pensamento de Marx em “A


p. 28) designa práxis: “atividade consciente obje- Ideologia Alemã” propicia expansão do conceito
tiva”, cujo lugar central na filosofia não se limita de práxis, ao considerar a formação da história
a interpretar o mundo, mas também como aspecto humana. Essa descontinuidade não é absoluta, só
de transformação. pode ser entendida com grau de implicação de certa
Essas explicações terminológicas do sentido da continuidade ou unidade (VÁZQUEZ, 2007).
práxis são fundamentais no entendimento de sua his- A teoria da práxis, nas 11 teses sobre Feuerba-
tória, sua estrutura e sua organização. Nesses termos, ch, supera o sentido da prática como ideia de ação
a Filosofia, como área do conhecimento, interpreta pragmática. A práxis surge nas suas vertentes:
o desenvolvimento da natureza, da sociedade e do ontológica, considera o homem na relação como o
pensamento, e expressa as conquistas da ciência e meio e outros seres; gnosiológica, conhecimento
das atividades práticas (AFANASIEV, 1968). como critério de verdade; e revolucionária, como
Necessidades da prática social constitui dispo- meio de transformação das circunstâncias. Essa
sitivo para ação e transformação da realidade. Tal concepção materialista da História correlacionada
premissa surgiu na consciência filosófica moderna, à práxis, em suas diferentes vertentes, representa
concepção, em geral, alheia ao mundo grego. No condição necessária para expansão da consciência
pensamento grego, atividades teórica e prática se filosófica da prática educativa em seu sentido pleno
davam em campos separados: a primeira para os de práxis que, além de interpretar, transforma.
filósofos, e a segunda para os escravos, cujo fim O problema das relações entre teoria e prática é
era o atendimento das necessidades humanas. A desenvolvido ao longo das 11 teses, notadamente
consciência filosófica da práxis, na fase do Re- nas Teses 1, 2, 3 e 11. Na primeira tese, é colocada
nascimento, sofreu alteração ao realçar o papel da em suspeição a dialética idealista do século XVIII
criação, limitada a personalidades iluminadas, ou e princípio do século XIX, em face de a realidade
seja, a teoria continuava com status superior ao ser contemplativa, do conhecimento ser criado
da prática. Nesses contextos, o trabalho carecia fora da sociedade. A contribuição dessa tese está
de estrutura material-social. A compreensão de na prática como fundamento do conhecimento e a
que se produz e age na realidade material implica rejeição da possibilidade de conhecer a margem da
em práxis, mas como a consciência comum pode prática. Na segunda tese, é demonstrada a função
desligar-se dessa concepção ingênua e espontânea da prática na compreensão da realidade; à medida
para expandir-se a uma consciência reflexiva? que é processo e produto de nossa atividade, a teo-
Buscam-se esclarecimentos a esse problema, ria ganha corpo no movimento da realidade, sob a
a partir das teses de Marx e Engels (2002) sobre forma de atividade prática. A terceira tese tem como
Feuerbach, por compreender que nelas encontram- expressão “a práxis revolucionária”, que acontece
-se a afirmação da práxis como processo teórico e à medida que transformamos as circunstâncias e a
prático da atividade material produtiva do domínio nós também (VÁZQUEZ, 2007). Torna-se indis-
do homem sobre a natureza e de sua própria condi- pensável saber quem são os educadores e se suas
ção de a ela transformar e por ela ser transformado. opções são meramente pedagógicas ou se estão no
O problema da relação entre o ser cognoscente e o caminho da prática revolucionária, pois a práxis
objeto cognoscível aparece no pensamento de Marx que se constitui unidade entre teoria e prática não
(2001), em “Manuscritos Econômicos e Filosófi- se contenta em interpretar, mas, com base nessa,
cos”, ou seja, antes da elaboração das teses surgem transformar (Tese 11).
como conteúdo explícito, nos quais as ligações da O processo do conhecimento baseia-se na
prática são atadas como fundamento de recipro- prática, na atividade produtiva. Desde o início da
cidade entre homem e natureza e entre sujeito e história humana, há necessidades de elaboração
objeto. Essas considerações permitem expressar dos instrumentos para suprir a própria vida. Sob a
que nos “Manuscritos Econômicos e Filosóficos,” influência dessas necessidades práticas, a capaci-
o conceito de práxis material predomina o caráter dade cognoscitiva se desenvolveu; em decorrência,
antropológico da influência feurbachiana. O desen- outras necessidades surgiram. Inclusive é proce-

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 107-117, jul./dez. 2014 115
Prática educativa: entre o essencialismo e a práxis

dente a assertiva: “o conhecimento é a atividade contextos e decorrem das relações com a História,
teórica dos homens” (AFANASIEV, 1968, p. 182), com a sociedade e com a cultura existente, ou
e a teoria só se concretiza na medida em que é a seja, produzir a prática é uma necessidade que é
realização das necessidades humanas. atualizada em cada conjuntura, seja profissional,
Nesses termos, Vázquez (2007) destaca algumas pessoal ou social, que se teve, tem e que terá. Os
condições para a práxis verdadeira: a aceitação de significados, inicialmente abrangentes, entram em
uma determinada teoria; análise dessa teoria aceita simbiose com os sentidos produzidos por cada
e de suas implicações na realidade; compreender ato pessoal e grupal, resultando, pois, em práticas
quem aceitou e analisou a referida teoria. A anu- que se interpenetram, têm unidade, ainda que não
ência da teoria é condição principal de uma práxis se caracterizem em identidade. Por conseguinte,
verdadeira, todavia não é ainda atividade trans- prática educativa, prática pedagógica e prática
formadora, dada a exigência da análise do tipo de docente, em determinado momento, se constitu-
teoria e de homem. A produção dessa crítica precisa íram em práxis.
ser radical, compreender o homem em seu contexto A práxis é uma totalidade prático-social que
concreto e nas suas necessidades e relações media- pode adquirir diferentes formas e níveis se levar-
das. Em síntese, nas relações entre teoria e práxis -se em conta a matéria sobre a qual é exercida a
a teoria em si não se materializa, sua articulação é prática transformadora. Partindo dessas relações,
condicionada pela existência de uma necessidade é possível produzir nova realidade, conforme dois
radical que se explica como crítica também severa, critérios niveladores vazquezianos: grau de pene-
que torna possível sua aceitação. tração da consciência no processo ativo da prática;
e grau de criação ou de humanização demonstrado
Considerações finais na matéria transformada. Assim, produzir práxis
constitui necessidade e possibilidade emergente
As práticas e as necessidades não existem em da prática educativa no cenário atual do contexto
si. Elas são sempre relativas aos indivíduos, aos sócio-histórico e cultural.

REFERÊNCIAS

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ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2006.
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003.
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FRANCO, Maria Amélia Santoro. Práticas pedagógicas nas múltiplas redes educativas. In: LIBÂNEO, Carlos;
ALVES, Nilda. Temas de Pedagogia: diálogos entre didática e currículo. São Paulo: Cortez, 2012. p. 169-188.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 49. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
______. Educação como prática de liberdade. 14. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
HELLER, Agnes. Teoría de las necessidades em Marx. 2. ed. Barcelona: Feltrinelli Editore, 1986.
JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
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MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: teses sobre Feuerbach. São Paulo: Centauro, 2002.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
______. Discurso sobre as ciências e as artes: discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre
os homens. São Paulo: Martin Claret, 2010.

116 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 107-117, jul./dez. 2014
Hilda Maria Martins Bandeira; Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina

SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2007.


SOUZA, João Francisco de; BATISTA NETO, José; SANTIAGO, Eliete (Org.). Prática pedagógica e formação
de professores. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2009.
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da práxis. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciências Sociales
– CLACSO; São Paulo: Expressão Popular, 2007.
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

Recebido em: 30.05.2014


Aprovado em: 02.10.2014

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 107-117, jul./dez. 2014 117
Vera Horn

A LINGUAGEM DO MATERIAL DIDÁTICO IMPRESSO


DE CURSOS A DISTÂNCIA

Vera Horn∗

De certa forma, elaborar um material didático é sempre enfrentar sem subterfúgios a realidade
concreta, a vida da sala de aula, do ensino; enfrentar as próprias limitações pedagógicas;
descobrir o valor extraordinário da clareza como pressuposto, mais que didático, ético da
linguagem; localizar com mais nitidez as relevâncias e as irrelevâncias do processo de apren-
dizagem; atualizar conteúdos; e, talvez o mais importante, a preparação de um material é em
si um modo objetivo de prestar atenção em quem nos ouve, não por democratismo demagógico,
mas para saber de fato para quem estamos falando. (TEZZA, 2002).

Resumo

Este artigo tem como objetivo demonstrar a relevância da linguagem na concepção de


materiais didáticos impressos e seu papel mediador em cursos a distância. Descreve
a necessidade, já apontada pelos Referenciais de Qualidade para a Educação Superior
a Distância (BRASIL, 2007), de conceber um material didático impresso que detenha
características próprias e não seja um apêndice dos cursos presenciais. Para isso, ele
deverá ser dinâmico e apresentar-se como um diálogo com o aluno, de modo a promover
a autonomia do educando e a responsabilização deste pelo processo de aprendizagem,
fundamental em cursos desenvolvidos na modalidade a distância. Para refletir sobre a
relevância da linguagem na concepção e elaboração de materiais didáticos impressos,
usamos os conceitos bakhtinianos de dialogismo, interação verbal e gêneros do discurso
a partir das obras Marxismo e filosofia da linguagem (BAKHTIN, 2006) e Estética da
criação verbal (BAKHTIN, 1997). Através do desenvolvimento do presente estudo,
foi possível observar que é preciso atentar para a importância da aproximação do
discurso científico escrito às condições do discurso narrativo (oral), para a adoção de
uma concepção de linguagem que conduza o educando à construção do conhecimento
e para a utilização de recursos linguísticos que de fato favoreçam a interação.
Palavras–chave: Material didático impresso. Linguagem. Dialogismo.

Abstract

THE LANGUAGE OF PRINTED LEARNING MATERIAL FOR DISTANCE


LEARNING COURSES
This article aims to demonstrate the importance of language for the development of printed
learning materials and their role as a mediator in distance courses. It describes the need
to design printed learning materials that present their own features and not be simply an

Doutora em Estudos de Italianística pela Università di Pisa, Itália. Professora de Língua Portuguesa na Università Ca’ Foscari
di Venezia. Endereço para correspondência: Rua Monjolo, 101 - Ilha do Governador. CEP: 21930-376. Rio de Janeiro–RJ.
vhverahorn@gmail / vera.horn@unive.it

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 119-130, jul./dez. 2014 119
A linguagem do material didático impresso de cursos a distância

appendix of lessons conducted in traditional classes, what has already been identified by
the Quality Benchmarks for Distance Learning Higher Education (BRASIL, 2007). For
that, it must be dynamic and presented as a dialogue with the student, in order to promote
the autonomy of the student as well as their accountability to the learning process which is
key for the development of the distance courses. To reflect on the importance of language
in the design and the creation of teaching printed materials we are based on Bakhtinian
concepts of dialogue, verbal interaction and genres of discourse from Marxism and
Philosophy of Language (BAKHTIN, 2006) and Aesthetic of Verbal Creation (BAKHTIN,
1997). According to the findings of this study, it is possible to realize the importance of
approaching scientific discourse to narrative discourse, particularly to adopt a conception
of language that enables the learner to develop the knowledge as well as the practical use
of linguistic capabilities that encourage interaction.
Keywords: Printed learning materials. Language. Dialogism.

Introdução. A especificidade do Ela age como facilitadora da aprendizagem e é


material didático impresso no através dela que o aluno realizará a interação com
contexto da educação a distância o professor e com o conteúdo/tema e, dessa forma,
deverá ser concebida de modo a propiciar um diálo-
Programas, cursos, disciplinas ou mesmo conteúdos go com ele. Neste artigo, tal interação é concebida
oferecidos a distância exigem administração, dese- à luz das reflexões de Bakhtin sobre os gêneros do
nho, lógica, linguagem, acompanhamento, avalia- discurso (BAKHTIN, 1997), dialogismo e interação
ção, recursos técnicos, tecnológicos e pedagógicos, verbal (BAKHTIN, 2006), e a partir desse lugar
que não são mera transposição do presencial. Ou
teórico serão focalizadas as questões concernentes
seja, a educação a distância tem sua identidade
própria. (BRASIL, 2003).
a esse aspecto da linguagem. Considerando-se os
desafios da educação a distância, sugere Silva, I.
A educação a distância vem sofrendo um in- (2011, p. 335), o professor descobre-se autor de
cremento ao longo dos tempos (ASSOCIAÇÃO conteúdos pedagógicos, ou seja, autor de materiais
BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA, didáticos que “precisam desenvolver competências
2013; SANCHEZ, 2008), e essa contínua expansão comunicativas e priorizar uma abordagem dialógica
leva à necessidade de rever e reformular tecnologias na produção textual”. É, pois, fundamental refletir
e materiais didáticos de apoio. Nessa modalidade sobre o material didático impresso para educação
de ensino, a construção do saber é apoiada por uma a distância que ressignifique a prática pedagógica
interação de mídias e, sobretudo, por uma liberdade e constitua um apoio ao processo de aprendizagem
de tempo e espaço no que se refere ao processo de do aluno, ancorado na autonomia.
aprendizado. Essa liberdade, no entanto, deve resul- A tecnologia da informação é fator preponde-
tar em qualidade, e para que isso ocorra, é necessário rante na constituição da modernidade líquida, como
que o material didático apresentado ao aluno seja afirma Zygmunt Bauman (2001), expressão que
estruturado “de acordo com os princípios epistemo- designa a época atual, caracterizada pela liquefação
lógicos, metodológicos e políticos explicitados no das estruturas e instituições sociais. Nesta época,
projeto pedagógico, [...] além de ser dialógico e tra- marcada pela constante mobilidade, dinamismo
balhar com a hipertextualidade [...]” (CATAPAN et e transformabilidade, insere-se a educação a dis-
al, 2010). O material didático impresso é o elemento tância, doravante denominada EAD, processo de
essencial para o processo de ensino-aprendizagem ensino-aprendizagem mediado por tecnologias. A
a distância, principalmente porque é o responsável tecnologia da informação tem, ademais, uma fun-
pela comunicação professor-aluno. Nos materiais ção mediadora de grande importância nessa época,
didáticos para cursos a distância, mormente os im- contribuindo para alterar inclusive as relações entre
pressos, a linguagem tem um papel preponderante. os sujeitos e as relações espaço-temporais.

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Vera Horn

Embora a Educação a Distância (EAD) como de liderança nos cursos a distância. De acordo com
metodologia educacional não seja novidade, é Moran (2007), a mídia predominante em 84% das
inegável sua expansão crescente no Brasil, o que instituições brasileiras é o MDI. Moore e Kearsley
pode ser explicado por vários fatores, dentre eles (2007) também afirmam a preponderância do MDI
a necessidade de democratizar o ensino, sobretudo sobre outros “meios de comunicação” na EAD. As
universitário, expandindo-o aos trabalhadores que razões que explicam essa preferência estão relacio-
não podem frequentar uma sala de aula, aos que nadas à utilização tradicional do meio impresso no
moram em centros distantes das universidades e processo de ensino-aprendizagem (familiaridade),
ao mundo corporativo, sem contar a flexibilização facilidade de manuseio e transporte e possibilidade
de vínculos espaço-temporais que a educação a de leitura sem a necessidade de equipamentos ou
distância proporciona. A exigência de qualifica- acessórios.
ção e atualização sempre maiores no mercado de Como aponta Barrenechea (2001 apud BELI-
trabalho também contribui para a expansão de SÁRIO, 2006), as aulas em EAD estão organizadas
cursos a distância. Segundo o Anuário Brasileiro em um espaço pedagógico chamado material didá-
Estatístico de Educação Aberta e a Distância 2008 tico. Decorre daí a importância do material didático
(SANCHEZ, 2008), de 2003 a 2006, o número de para o ensino a distância que, como sabemos, não
cursos de graduação a distância passou de 52 para conta com a presença física do professor e com a
349, equivalente a um aumento de 571%, de acordo convivência de professores e alunos em um mesmo
com o levantamento feito pelo Instituto Nacional de espaço e tempo, ou seja, o material didático medeia
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira o processo de ensino-aprendizagem. Por esse moti-
(INEP). Da mesma forma, o ingresso de alunos vo, ele deve estimular e motivar o aluno através de
em cursos a distância passou de 49 mil em 2003 recursos que despertem sua atenção e estabeleçam
para 207 mil em 2006, equivalente a um aumento uma interação com ele, tais como dialogismo, in-
de 315%. A Associação Brasileira de Educação a teratividade, estímulo à autonomia e à pesquisa. O
Distância (ABED) calcula que em 2007 mais de processo de construção de material didático para
dois milhões de brasileiros fizeram uso de cursos EAD opera uma ruptura radical no sistema tradicio-
a distância. As matrículas em cursos a distância nal emissor-mensagem-receptor, pois o emissor não
aumentaram 400%, segundo o INEP. A EAD, emite apenas, como se entende tradicionalmente,
segundo o ABRAEAD 2008, integra o Plano de mas oferece um leque de elementos e possibilidades
Desenvolvimento da Educação (PDE). A oferta de para a manipulação do receptor (SILVA, 2000 apud
cursos a distância através do sistema Universidade BELISÁRIO, 2006). Segundo Belisário (2006, p.
Aberta do Brasil (UAB) é distribuída em 289 muni- 137), “entre os diversos problemas que se identi-
cípios brasileiros e inclui 49 instituições de ensino ficam no desenvolvimento de programas de EaD,
superior. Segundo o Censo EAD 2013, nos cursos a um dos mais importantes é o que diz respeito ao
distância há uma média de 390,67 alunos por curso material didático”. Segundo esse autor, a análise
(ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO de propostas encontradas em sites de universidades
A DISTÂNCIA, 2013, p. 21). revela a fragilidade desse material, que por vezes
Essa rápida expansão impõe a necessidade de se consiste em simples tutoriais, apostilas ou suges-
discutirem tecnologias de informação e comunica- tões de leituras apenas. A importância do material
ção (TIC) e materiais didáticos adequados ao ensi- didático em EAD foi resumida por Elizabeth Ron-
no a distância. No desenvolvimento e implantação delli (2007) em termos de relevância da interação,
de cursos a distância diversas questões devem ser qualidade da apresentação, clareza de metodologia
consideradas para o êxito e a qualidade, uma das e linguagem, riqueza de sugestões, potencialidade
quais diz respeito à produção do material didático atrativa e qualidade:
(impressos, audiovisuais ou digitais) e, mais especi- O material didático representa uma das principais
ficamente, do material didático impresso, doravante relações que o aluno estabelece com aquilo que
denominado MDI. Mesmo com o incremento sem- aprende. É um meio importante de interação entre
pre crescente das TIC, os MDI ainda detêm posição o professor e o aluno, pois é uma forma de orientar

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A linguagem do material didático impresso de cursos a distância

o aluno em um oceano de possibilidades. Por isso, o lógicos, metodológicos e políticos explicitados no


material didático precisa ser de ótima qualidade, ter projeto pedagógico, de modo a facilitar a constru-
uma apresentação impecável, revelar a metodologia ção do conhecimento e mediar a interlocução entre
implícita no processo de elaboração, dar conta dos estudante e professor, devendo passar por rigoroso
temas abordados de modo claro, trazer um roteiro processo de avaliação prévia (pré-testagem), com o
rico em possibilidades de leituras, pesquisas e ati- objetivo de identificar necessidades de ajustes, visan-
vidades, além de estimular o aluno a ter o prazer de do ao seu aperfeiçoamento. (BRASIL, 2007, p. 13).
voltar para ali; ou seja, seduzi-lo. Produzir material
didático é uma tarefa complexa, que demanda uma Os outros itens que devem constar desse projeto
equipe com excelente formação acadêmica e cultural. são: concepção de educação e currículo no processo
(RONDELLI, 2007). de ensino e aprendizagem; sistemas de comunica-
ção; avaliação; equipe multidisciplinar; infraestru-
Como afirma Rondelli (2007), a criação de tura de apoio; gestão acadêmico-administrativa;
material didático ou de MDI é uma tarefa com- sustentabilidade financeira. Como afirmam os Re-
plexa a ser realizada por uma equipe formada por ferenciais de Qualidade para a Educação Superior
profissionais diversos: professores conteudistas, a Distância lançados pelo MEC em 2007 (BRASIL,
designers (gráficos e web designers), revisores, 2007), esses tópicos podem se interpenetrar e se
ilustradores, entre outros. A articulação entre as desdobrar, dando origem a outros tópicos menores.
diversas áreas relativas à elaboração de material Nesse sentido, no que se refere ao material didático,
didático dá-se através do design instrucional, que o documento sublinha a necessidade de se compre-
também é responsável, nesse contexto específico, ender a diferença entre material didático concebido
pela concepção e desenvolvimento de materiais, para cursos presenciais e a distância. Os materiais
assumindo nesse processo diversas funções, como didáticos, ainda segundo o documento, devem “ser
criação de roteiros; seleção de conteúdos e recursos estruturados em linguagem dialógica, de modo a
gráficos; desenvolvimento da estrutura do material, promover autonomia do estudante desenvolvendo
com a definição de sequências e apresentação de sua capacidade para aprender e controlar o próprio
atividades; elaboração de associações entre con- desenvolvimento” (BRASIL, 2007, p. 15). Uma
teúdos; adequação de conteúdos e propostas de das características primárias da EAD é o fato de
avaliação ao curso e ao perfil do público-alvo. O o professor não estar presente quando o aluno
design instrucional agrega as áreas específicas do tem em mãos o MDI e, dessa forma, a linguagem
conhecimento às pedagógicas (e eventualmente às dialógica reiterada pelo documento constitui não
tecnológicas, quando se trata de material audiovi- só uma exigência do MDI para cursos a distância,
sual ou digital) sem perder de vista os objetivos e o bem como o diferencia do material didático con-
projeto político-pedagógico do curso. A relevância cebido para cursos presenciais, que contam com
do profissional responsável pelo design instrucional outros recursos.
na elaboração de material didático ou MDI é fa- Não é possível transferir o material didático
cilmente compreendida quando Moore e Kearsley elaborado para cursos presenciais aos cursos a
(2007, p. 116) afirmam que “uma das razões pela distância que, em vista de suas peculiaridades, re-
qual uma pessoa se matricula em um curso de querem material próprio elaborado por uma equipe
aprendizado a distância em vez de simplesmente multidisciplinar, como sublinham os Referenciais
pesquisar somente a matéria é que um curso de de Qualidade do MEC. Rondelli (2007) destaca a
estudos proporciona uma estrutura do conteúdo e diferença entre materiais concebidos para cursos
do processo de aprendizado”. presenciais e a distância, salientando a importância
O projeto político-pedagógico de um curso a da interatividade e da colaboração, fundamentos
distância deve explicitar o material didático como da EAD:
um dos itens obrigatórios:
Em linhas gerais, o material utilizado na EaD deve
[...] o material didático, tanto do ponto de vista da propor atividades que o aluno realize mesmo estando
abordagem do conteúdo, quanto da forma, deve estar só, ou com um pequeno grupo de colegas virtuais.
concebido de acordo com os princípios epistemo- Também deve potencializar a interatividade, de

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modo que a construção do conhecimento seja feita novos conhecimentos, como nos ensina o parangolé
de maneira colaborativa, para que o aluno não se de Oiticica. O texto deve, portanto, ser interativo,
sinta isolado no tempo e no espaço. pois, de acordo com Crescitelli e Campos (2006),
quanto mais interativo ele for, melhor será a com-
O material didático impresso para EAD preensão dos novos conhecimentos, como também
e a importância da linguagem a organização dos conhecimentos já adquiridos.
Essa interação, cujos fundamentos remontam a
A vida começa apenas no momento em que uma Bakhtin, pode ser construída através de recursos
enunciação encontra outra, isto é, quando começa linguísticos e só se realiza de fato na leitura do
a interação verbal, mesmo que não seja direta, ‘de texto, dirigido a um interlocutor.
pessoa a pessoa’, mas mediatizada pela literatura.
Os Referenciais de Qualidade para a Educação
(BAKHTIN, 2006, p. 183, grifo do autor).
Superior a Distância (BRASIL, 2007, p. 13) ex-
Hélio Oiticica, na obra Aspiro ao grande la- plicitam claramente que a experiência com cursos
birinto, ao definir o parangolé, estabelece “uma presenciais não é suficiente para assegurar a pro-
relação que torna o que era conhecido num novo dução de material didático adequado para cursos
conhecimento e o que resta a ser apreendido, um a distância: “A produção de material impresso,
lado poder-se-ia dizer desconhecido, que é o resto vídeos, programas televisivos e radiofônicos, vi-
que permanece aberto à imaginação que sobre essa deoconferências, CD-Rom, páginas WEB, objetos
obra se recria” (OITICICA,1986, p. 66). Podemos de aprendizagem e outros, para uso a distância,
associar essa relação à elaboração do MDI para atende a diferentes lógicas de concepção, produção,
EAD, pois o conhecimento precisa ser construído linguagem, estudo e controle de tempo”.
através da linguagem e do layout/imagem, em O mesmo documento reitera que o material di-
sintonia com o conteúdo específico e os aspectos dático deve facilitar a construção do conhecimento
pedagógicos, articulados pelo design instrucional. e mediar a interlocução entre professor e aluno e
Como afirmam Catapan e colaboradores (2010), propiciar interação entre os diversos sujeitos en-
para a elaboração de um material didático de exce- volvidos no processo e, para isso, ele deve, entre
lência que alcance seus objetivos, alguns princípios outros requisitos, “ser estruturado em linguagem
devem ser atendidos, dentre os quais: dialógica, de modo a promover autonomia do estu-
[...] acesso aos conhecimentos fundamentais à dante desenvolvendo sua capacidade para aprender
compreensão crítica da situação apresentada e à sua e controlar o próprio desenvolvimento” (BRASIL,
intervenção no contexto social, político e cultural; 2007, p. 15).
estímulo à reflexão sobre os meios, recursos e es- Os Referenciais de Qualidade apontam, portan-
tratégias de transformação da realidade vivenciada to, para a importância da linguagem no processo
durante a construção do conhecimento; acesso a de produção de materiais didáticos para cursos
informações mínimas que possibilitem a organiza- superiores a distância a partir de três elementos
ção do conhecimento prévio trazido pelo estudante; principais: o material didático tem uma linguagem
referências básicas e complementares com o intuito específica; ele exerce um papel mediador entre
de instigar o próprio estudante a explorar mais os professor e aluno; e, finalmente, ele deve propiciar
assuntos apresentados a partir das suas necessidades.
interação entre os sujeitos envolvidos (BRASIL,
Oiticica (1986, p. 74, grifo do autor) reitera que 2007). Todos esses elementos apontam para a im-
“a antiga posição frente à obra de arte já não pro- portância da elaboração do material didático em
cede mais - mesmo nas obras que hoje não exijam cursos a distância e, em particular, da linguagem
a participação do espectador, o que propõem não utilizada em tais materiais.
é uma contemplação transcendente mas um ‘estar’ Na educação a distância, afirma Mill (2009),
no mundo”. Podemos mais uma vez associar a observamos um redimensionamento da definição de
questão postulada pelo artista ao material didático, aula na Idade Mídia e, por consequência, da figura
pois o aluno-leitor terá que participar dele através do docente e do educando. O que diferencia uma
da interação, como também permanecerá aberto a aula presencial de uma aula a distância? Segundo o

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 119-130, jul./dez. 2014 123
A linguagem do material didático impresso de cursos a distância

autor, “a linguagem e as tecnologias utilizadas, as da especificidade dos recursos linguísticos quando


estratégias docentes de sedução e motivação (ou de afirma que a utilização da língua efetua-se na forma
persuasão), a interatividade, a relação com o saber, de enunciados e que estes refletem as condições e
entre outros, são algumas diferenças” (MILL, 2009, finalidades do âmbito ou da esfera da comunicação,
p. 41). Como atualmente a educação a distância é não só pelo conteúdo, mas também pela seleção dos
baseada, sobretudo, na mídia impressa ou digital, é recursos da língua: fraseológicos, lexicais e grama-
fundamentada, na maioria das vezes, na linguagem ticais. Dentre os recursos linguísticos, Bakhtin cita o
escrita, trazendo “diferenciações na natureza do uso de formas pronominais, modais, verbais e ora-
ensinar-aprender” (MILL, 2009, p. 41). ções, que serão escolhidos a partir de “uma reserva
Artigos científicos, manuais, ensaios e livros- imensa de recursos” (BAKHTIN, 1997, p. 327) da
-texto são frequentemente utilizados em cursos língua em função do enunciado e do destinatário.
superiores presenciais como corolários das aulas. Quando considerado isoladamente, um enunciado é
Em cursos a distância, a utilização exclusiva de tais individual, mas, como afirma o autor, cada esfera de
textos pode incorrer em determinados obstáculos utilização da língua elabora seus tipos relativamente
justamente pelo fato de o curso ser a distância, isto estáveis de enunciados, os quais chamamos gêneros
é, pelo fato de professor e aluno não compartilha- do discurso. Para Bakhtin (1997, p. 279), ainda,
rem o mesmo espaço e tempo. Esse aspecto faz do “a riqueza e a variedade dos gêneros do discurso
aluno que estuda a distância o foco do processo são infinitas, pois a variedade virtual da atividade
de ensino-aprendizagem e exige que ele seja o humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade
agente do processo, sem a intermediação direta do comporta um repertório de gêneros do discurso que
professor. A não presencialidade do professor exige vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que
do aluno maior responsabilidade por sua aprendi- a própria esfera se desenvolve”.
zagem e vivência com a linguagem. Para isso, a O processo de elaboração do material didáti-
linguagem adotada no material didático deverá ser co impresso para EAD (MDI) deve, pois, levar
caracterizada como um diálogo com o leitor-aluno. em conta dois aspectos que podemos auferir em
Segundo Moore (1989), são três as interações Bakhtin (2007): trata-se de um gênero específico,
presentes no ensino a distância: aprendente-con- como já evidenciaram os Parâmetros de Qualida-
teúdo (material didático), aprendente-professor e de para o Ensino Superior a Distância (BRASIL,
aprendente-aprendente. A primeira, definida pelo 2007), e como tal deverá lançar mão de recursos
autor como uma qualidade distintiva da educação, lexicais, fraseológicos e gramaticas para concre-
também diz respeito à qualidade do material di- tizar seus objetivos. O uso de tais recursos está
dático. As reflexões de Moore (1989) aliadas aos relacionado ao estilo do gênero.
princípios expostos nos Referenciais de Qualidade Ao constatarmos que o MDI constitui um gêne-
para cursos superiores a distância apontam para ro específico, torna-se necessário defini-lo a partir
a mediação e a interação como aspectos funda- dessa perspectiva. Em um interessante artigo, fruto
mentais do ensino a distância. Nesse contexto, a de uma pesquisa sobre o gênero discursivo relacio-
linguagem desempenha papel fundamental. nado à elaboração de material para EAD, Sousa
(2009) definiu-o gênero discursivo mediacional.
Que linguagem para o material Como afirma a autora, em um curso presencial,
didático impresso para EAD? o docente conta com recursos paralinguísticos
(olhar, gestos, movimentos corporais, entonação),
O texto é um produto cujo destino interpretativo deve além de recursos linguísticos, como a repetição,
fazer parte do próprio mecanismo gerativo. Gerar a paráfrase, a reiteração, entre outros, que contri-
um texto significa executar uma estratégia de que buem para o processo de aprendizagem. Em um
fazem parte as previsões dos movimentos dos outros. curso a distância, o professor não está presente, e
(ECO, 1985, p. 39).
a distância é por vezes responsável pela evasão dos
Bakhtin (1997), ao introduzir suas reflexões alunos. Torna-se necessário, pois, atentar para que
sobre os gêneros do discurso, aponta para a questão o material didático, em particular o MDI, preencha

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essa distância física e proporcione ao aluno uma Percebemos que vários dos recursos utilizados
sensação amigável de presença e envolvimento e no gênero mediacional têm origem na linguagem
o mantenha interessado e motivado no curso. Para oral ou coloquial e são estruturados como uma
Sousa (2009), o gênero discursivo mediacional forma de diálogo com o leitor ou aluno virtual.
é caracterizado por aspectos linguísticos, discur- Dessa forma, constrói-se com o aluno uma espécie
sivos, sociais e interativos próprios. Trata-se de de conversa amigável/diálogo, que contribui para
um pressuposto com raízes em Bakthin, quando preencher o sentimento de solidão relacionado a
afirma que a escolha de um gênero do discurso é cursos a distância e ausência física do professor.
determinada pela especificidade de uma dada esfera Mas que recursos específicos são necessários para
da comunicação, das necessidades de uma temá- que o MDI garanta um envolvimento razoável do
tica (BAKHTIN, 1997). Que recursos definem, aluno e contribua efetivamente para a construção
portanto, o gênero mediacional? Trata-se de um de seu conhecimento? O que de fato constitui a
gênero híbrido, que pode ter em sua composição interação em um MDI?
registro de outros gêneros e linguagem não verbal Para Bakhtin (2006), toda enunciação é o pro-
(ilustrações, gráficos etc.). duto de uma interação verbal entre indivíduos que
No caso específico do MDI, e no que se refere participam de um território comum; ela procede
especificamente à linguagem, o gênero mediacional de um alguém e se destina a outro alguém. Para o
tem o objetivo de envolver o leitor, isto é, ele deve autor, a verdadeira substância, a realidade funda-
preencher na escrita o que o curso a distância não mental da língua está contida nessa interação ver-
pode proporcionar por suas próprias característi- bal. O locutor enuncia, esperando do interlocutor
cas. Sousa (2009), ao analisar materiais direcio- uma forma responsiva. Essa é a base do movimento
nados a um curso de formação continuada para dialógico da enunciação. O dialogismo é princípio
professores, indica elementos que pertencem ao constitutivo da linguagem. O diálogo,
gênero mediacional: contextualização (referência [...] no sentido estrito do termo, não constitui, é
a conteúdos tratados anteriormente, se for o caso; claro, senão uma das formas, é verdade que das
expressões de acolhimento; formalização da aula); mais importantes, da interação verbal. Mas pode-se
paráfrase (como estratégia de reformulação do tex- compreender a palavra ‘diálogo’ num sentido mais
to); expressões que marcam fluxo de informação amplo, isto é, não apenas como a comunicação em
(características da linguagem oral, manifesta-se voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda
através do uso de expressões, tais como: além do comunicação verbal, de qualquer tipo que seja.
mais; até aqui; voltemos ao exemplo etc.); tipolo- (BAKHTIN, 2006, p. 125).
gias discursivas (discurso direto e indireto); inter- O diálogo como condição da linguagem, tal
textualidade; perífrase (uso de expressões típicas como descrito por Bakhtin, dá ensejo a uma re-
da linguagem coloquial, tais como: vamos fazer; lação pessoal no material didático que favorece a
vamos conversar etc.); uso de dêiticos (pronomes motivação e predispõe o aluno para o aprendizado
pessoais e advérbios de tempo e de lugar que dão com maior facilidade, de acordo com Crescitelli e
o tom do envolvimento entre professor e aluno Campos (2006). Dessa forma, a linguagem realiza
virtual); repetição (constitui inclusive um recurso a mediação entre professor e aluno e entre aluno
mais utilizado na linguagem oral do que na escri- e material didático. Segundo Bakhtin (1927 apud
ta). Essas informações são acrescidas do aspecto BRAIT, 2002), a obra de arte só se torna tal na
multimodal (uso de recursos semióticos articula- interação entre criador e contemplador, pois do
dos aos recursos linguísticos) e das atividades de contrário ela consiste em um artefato físico ou um
sistematização. Segundo Sousa (2009), o termo exercício linguístico. De forma similar, estenden-
gênero mediacional refere-se à mediação operada do a questão da interação para outras situações
no processo de construção de conhecimento por comunicativas, no MDI a linguagem adquire
meio de recursos linguísticos que promovam uma seu significado mais profundo na interação entre
interação envolvente do texto (autor, professor) falante (professor), interlocutor (leitor/aluno) e
com o destinatário do texto (aluno, leitor). tópico (conteúdo). O material didático para EAD

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A linguagem do material didático impresso de cursos a distância

é, portanto, um canal privilegiado do processo de um em relação ao outro” (BAKHTIN, 2006, p.


aprendizagem na direção da autonomia do edu- 115). No MDI, ambos têm um papel importante,
cando. Como conclui Silva, I. (2011, p. 336, grifo pois o locutor (professor autor) deve ressignificar
do autor): a função de autor calcada na transmissão de in-
O material didático impresso, amplamente revisi- formações, fazendo-se presente no texto, em uma
tado, debatido, discutido, analisado, agora se torna simulação de diálogo com o interlocutor (aluno/
alvo de outras abordagens, novas leituras, diante público-alvo) em consonância, inclusive, com
das características da Educação a Distância como o redimensionamento da figura do professor na
modalidade educacional que aposta na integração cibercultura, o qual deixa de ser um “fornecedor
de tecnologias no processo de mediação entre do- direto de conhecimentos” (LÉVY, 1999, p. 158).
centes e discentes, valorizando a troca, a relação, Como pondera Bakhtin (2006, p. 115), a “orien-
a interação, o diálogo como eixos fundamentais na tação da palavra em função do interlocutor tem
redução das distâncias físicas, promovendo-se uma uma importância muito grande”. No MDI, torna-se
‘educação sem distância’, na qual todos aprendem
ainda mais notória a importância dessa orientação,
e ensinam.
uma vez que o aluno deverá responsabilizar-se
Podemos, portanto, conceber o texto que en- por sua aprendizagem. A linguagem que favo-
gendra o MDI como um diálogo entre o professor rece a interlocução contribui para o processo de
autor e o aluno. No entanto, diante da concepção aprendizagem e a construção do conhecimento.
dialógica do texto, fundamental para a interação do Bakhtin (2006) especifica ainda que a forma e o
aluno com o MDI, é preciso considerar que estilo da enunciação são determinados pela situa-
[...] a língua existe não por si mesma, mas somente ção e pelos participantes mais imediatos. O autor,
em conjunção com a estrutura individual de uma ao construir o material, leva em consideração as
enunciação concreta. É apenas através da enuncia- possíveis reações do aluno/público/interlocutor.
ção que a língua toma contato com a comunicação, Cada resposta do interlocutor, questionando, in-
imbui-se do seu poder vital e torna-se uma realidade. terpretando, criando, sugerindo, constituirá então
As condições da comunicação verbal, suas formas uma nova resposta. A resposta do interlocutor tam-
e seus métodos de diferenciação são determinados bém será imbuída de suas leituras, de sua visão de
pelas condições sociais e econômicas da época. mundo, experiências, discursos, em um processo
(BAKHTIN, 2006, p. 157). intertextual, ou como afirma Bakhtin (2006, p. 96):
A partir das reflexões de Bakhtin (2006), con- “A palavra está sempre carregada de um conteúdo
cluímos que os recursos a serem utilizados no MDI ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim
em razão da interação verbal e da sua componente que compreendemos as palavras e somente reagi-
dialógica devem levar em consideração que o mos àquelas que despertam em nós ressonâncias
enunciado está inserido em um determinado con- ideológicas ou concernentes à vida.”
texto (universitário/graduação/pós-graduação/a O MDI elaborado com essa orientação da
distância) e imbuído das características expressi- palavra em função do interlocutor coloca o pro-
vas de quem o enuncia. Os recursos selecionados fessor autor frente a um desafio, qual seja, utilizar
pelo professor autor devem contemplar o leitor recursos linguísticos que propiciem uma interação
virtual: “É sob uma maior ou menor influência com um leitor virtual ativo. Tais recursos já foram
do destinatário e da sua presumida resposta que em parte explicitados por Sousa (2009) na defini-
o locutor seleciona todos os recursos linguísticos ção do gênero mediacional. Entretanto há outras
de que necessita” (BAKHTIN, 1997, p. 327, grifo possibilidades de concretizar efetivamente essa
do autor). interação com o interlocutor. Cazaroto (2007), ao
O produto da interação do locutor e do interlo- analisar o material didático de um Curso Normal
cutor, como explica Bakhtin (2006), é constituído Superior a distância concebido à luz do dialogis-
pela palavra, que comporta duas faces, determina- mo bakhtiniano e estruturado em duas tipologias
das pelo fato de que procede de alguém e é dirigida textuais diferentes, científico e dialógico, obser-
para alguém: “toda palavra serve de expressão a va que este último, concebido sob a forma de

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balões, dialoga tanto com o interlocutor (através os riscos de mal-entendidos, de perdas e de erros
do pronome você, mesmo que de forma elíptica) que isso implica.”
quanto com os conteúdos (intertextualidade). No A própria natureza da educação a distância
primeiro caso, simula-se a interação professor- impõe um redimensionamento do processo de
-aluno e, no segundo, faz-se presente no interior ensino-aprendizagem que se reflete nas funções
do discurso a intertextualidade, através de um do docente e do educando e, por consequência,
diálogo entre os diversos tipos de texto que fazem na própria linguagem que fundamenta o processo.
parte de nossos discursos. O discurso dos textos Não se trata de uma simples transformação de um
que simulam uma interação entre professor e alu- processo presencial em outro, a distância, mas,
no tem marcas características da linguagem oral, segundo Lévy (1999, p. 171), de “estabelecer
entre os quais a redundância. Além de dialogar novas formas de aquisição de conhecimentos e de
com o aluno e aproximar-se dele, antecipando constituição dos saberes”. A linguagem redimen-
seus possíveis questionamentos, o texto também sionada segundo os critérios anteriormente citados
procura direcionar seus estudos, organizando-os ultrapassa o limite da transmissão de informações
e procurando estabelecer uma associação entre o na elaboração de MDIs interativos e de qualidade
conteúdo teórico e a prática pedagógica. para constituir-se em mediadora da aprendizagem
A construção de um discurso que simule uma na direção da construção do conhecimento. Para
conversação real, adotada inclusive no material isso, a linguagem do MDI para EAD deve engajar
analisado por Cazaroto (2007), contribui para o leitor, estimular a reflexão, as relações entre
promover a interação e com isso favorece uma conteúdos previamente estudados, outros discursos
aprendizagem mais eficiente. Para que o MDI seja pertinentes e os do próprio material em estudo, a
eficiente para a interação entre o aluno e o conteú- resolução de problemas e o questionamento crítico,
do e entre o aluno e professor, segundo Holmberg contribuindo, dessa forma, para que o estudante
(1995 apud CRESCITELLI; CAMPOS, 2006), seja o foco do processo de ensino-aprendizagem,
deve conter: apresentação acessível do conteúdo, sujeito do conhecimento e autônomo, como a
através de linguagem clara e simples, mais voltada modalidade a distância exige. Falando de Flaubert,
para o nível informal; conselhos e sugestões para de quem foi tradutor, o escritor Milton Hatoum
o estudante, acompanhados de justificativas; con- afirma que “Flaubert inaugurou o romance mo-
vites para questionamentos e mudança de opinião; derno porque problematizou a linguagem: contar
tentativas de envolver emocionalmente o aluno, de uma história implica na seguinte pergunta: como
modo que se sinta pessoalmente interessado; estilo contá-la?” (HATOUM, 2012). Essa constatação de
pessoal, incluindo uso de pronomes pessoais e Hatoum remete-nos ao universo da linguagem dos
possessivos. As estratégias linguísticas ou textuais MDIs pelo mesmo motivo que a associa a Flaubert.
que estabelecem interação no MDI contribuem para No MDI, o professor autor problematiza a lingua-
um estudo mais prazeroso e motivado, segundo gem, preocupando-se em como narrar determinada
Crescitelli e Campos (2006). história para seu aluno virtual, sem limitar-se à
A clareza da linguagem é, pois, um aliado na transmissão de informações. Ao preocupar-se com
elaboração do MDI para que possa envolver o in- seu interlocutor, o professor autor exerce sua narra-
terlocutor com maior facilidade, na ausência física tividade, tornando-se capaz de contar histórias. No
do professor. Torna-se, portanto, imprescindível mesmo texto, Hatoum (2012) revela que “quase ao
que se minimize a eventualidade de obstáculos na mesmo tempo ele revela ao leitor que escrever bem
compreensão ou interpretação, mal entendidos e não basta: é necessário que a linguagem exata – le
erros. Lévy (1993 apud MILL, 2009, p. 42) chama mot juste – se transforme em literatura”. Da mes-
a atenção para o fato de a comunicação baseada na ma forma, no MDI, escrever bem não basta para
escrita ser de tipo diferido e, por isso, passível de que o material seja funcional e de qualidade, mas
erros e mal entendidos: “A escrita, ao intercalar um é preciso que a linguagem exata (clara, objetiva,
intervalo de tempo entre a emissão e a da mensa- concisa) se transforme em exercício narrativo que
gem, instaura a comunicação diferida, com todos envolve o interlocutor.

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A linguagem do material didático impresso de cursos a distância

Conclusões sos linguísticos, como as paráfrases, repetições de


palavras e fonemas, uso de pronomes de primeira
A palavra penetra literalmente em todas relações e segunda pessoa e uso de marcadores conver-
entre indivíduos, nas relações de colaboração, nas sacionais imprimem um ritmo de conversação
de base ideológica, nos encontros fortuitos da vida ao texto. É igualmente profícua a formulação de
cotidiana, nas relações de caráter político, etc. perguntas, pedidos e solicitações, como postulam
As palavras são tecidas a partir de uma multidão
Crescitelli e Campos (2006), além de remissões a
de fios ideológicos e servem de trama a todas as
relações sociais em todos os domínios. (BAKHTIN,
conhecimentos prévios, perífrases, sem perder de
2006, p. 40). vista o contexto em que serão inseridos e o leitor
potencial, com que se relacionam dinamicamente.
Como vimos anteriormente, o material didático O dialogismo pode também ser caracterizado por
constitui um dos aspectos mais importantes no de- um diálogo com outros textos e com a situação
senvolvimento de um curso a distância. Na EAD, sociocultural do aluno, por meio de uma dimensão
o material didático medeia o processo de ensino- dialógica entre linguagem e mundo, como adverte
-aprendizagem, na direção de uma aprendizagem Silva, I. (2011, p. 328). De acordo com Sousa
significativa. Pelas próprias características desse (2009), tais estratégias e características fazem parte
processo, ou seja, o deslocamento espaço-temporal de um gênero híbrido, o gênero mediacional.
entre professores e alunos e a ausência física do Não obstante a variedade e evolução tecnoló-
professor, esse material didático deve ser concebido gicas à disposição hoje, a EAD é em grande parte
de forma a motivar o aluno, manter sua atenção e baseada na mídia impressa e, consequentemente,
interesse vivos, estimular sua autonomia e dialogar fundamentada na linguagem escrita. Nesse senti-
com ele. Nesse sentido, o material didático, que do, além de provocar um redimensionamento do
tanto pode atrair alunos através de sua estrutura conceito de aula e do processo de ensino-aprendi-
e apresentação, como sugerem Moore e Kearsley zagem, a preponderância da palavra sobre outras
(2007), como também repeli-los, deve atentar para linguagens permite maior estimulação do aluno-
determinados critérios que contribuirão conjunta- -leitor: “a palavra escrita […] estimula a formação
mente para sua qualidade e potencial interativo. de imagens e evoca metáforas cujo significado de-
A atenção à linguagem é fundamental para o pende sobretudo da imaginação e das experiências
êxito do material didático, especialmente no que do leitor.” (BARRETO, 2000 apud BELISÁRIO,
se refere ao impresso. A linguagem constitui um 2006, p. 140).
elemento fundamental na interação do aluno com Para Bakhtin (2006, p. 114), “a palavra dirige-
o conteúdo. Ela também engendra uma ligação -se a um interlocutor”, mesmo que este não seja
entre o professor e o aluno com características di- real, e, portanto, variará de acordo com o interlo-
versas das tradicionais relações entre pessoas que cutor, a situação na qual se insere e o que o autor
ocupam um mesmo espaço-tempo. A presença da chama de “auditório social” (deduções interiores,
linguagem no MDI está estreitamente relacionada motivações, apreciações etc.). A palavra, segundo
ao redimensionamento do conceito de aula, docente Bakhtin (2006), procede de alguém e se dirige a
e do processo de ensino-aprendizagem na Idade outro alguém, cujo horizonte deve ser definido a
Mídia (MILL, 2009, p. 41). priori, e é o produto da interação entre o locutor e o
A linguagem exerce uma função fundamental ouvinte: “a palavra é o território comum do locutor
na elaboração do material didático de qualidade e do interlocutor” (BAKHTIN, 2006, p. 115). A
que serve de apoio à aprendizagem, pois ela não palavra, portanto, não pertence exclusivamente ao
só deve propiciar o acesso ao conhecimento es- locutor. Esse dado torna-se muito importante na
pecífico, mas deve ser elaborada de acordo com elaboração de MDI para EAD, pois há que se pensar
determinados critérios linguísticos e fundamentada no interlocutor: “a situação e os participantes mais
no princípio da interação ou do diálogo como con- imediatos determinam a forma e o estilo ocasionais
dição da linguagem, teorizado por Mikhail Bakhtin da enunciação” (BAKHTIN, 2006, p. 116) e no
(1997, 2006). A utilização de determinados recur- auditório social que o envolve. Por esse prisma, a

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Vera Horn

linguagem deixa de ser um canal de transmissão O professor que deseja alcançar o aluno que
de informações e volta-se para a construção do estuda na modalidade a distância não pode basear-
conhecimento e interação pela linguagem. -se no estilo que utilizaria para a redação de artigos
A elaboração de um texto para o MDI deve en- científicos ou monografias. Contudo a utilização
volver locutor e interlocutor, em uma ação conjunta de uma linguagem coloquial que o aproxime do
que favoreça a interação e participação do leitor- aluno não é suficiente para que o MDI seja de
-aluno-interlocutor, levando-se em consideração qualidade: “O grande desafio do autor de texto
que o locutor é o dono da palavra em determinado didático é aproximar o discurso científico (escrito)
momento, mas é o instante fisiológico da materia- às condições do discurso narrativo (oral).” (PRE-
lização da palavra (ato físico). Contudo, de acordo TI, 2009, p. 15). A linguagem do MDI insere-se,
com Bakhtin (2006, p. 115), se considerarmos a portanto, nesse intervalo entre o discurso científico
materialização da palavra como signo, “a palavra moderado (considerando-se a necessidade de dosar
[…] é extraída pelo locutor de um estoque social a profundidade do conteúdo ao interlocutor em
de signos disponíveis, a própria realização deste questão – seu background –, o tipo de curso – gra-
signo social na enunciação concreta é inteiramente duação ou pós-graduação – e o relativo semestre, se
determinada pelas relações sociais”. A enunciação graduação, entre outros) e o discurso narrativo oral.
concreta que se traduz, nesse caso, no MDI, será É fundamental refletir sobre o desafio salientado
determinada pela relação professor-aluno em que o por Preti (2009) em relação à aproximação entre
professor autor se materializa no texto, exercendo discurso científico e discurso narrativo oral. Preti
sua narratividade e potencialidade autoral, envol- (2009) também se refere à dificuldade de deter-
minados docentes em adaptarem-se à linguagem
vendo o aluno ou interlocutor em uma relação de
para esse tipo de material: alguns encaminham
aproximação e cumplicidade e promovendo um artigos científicos e teses e a preparação do texto
diálogo que contribui para a motivação (fundamen- e adequação para a modalidade a distância ficam
tal em um curso a distância para evitar a evasão), a cargo do revisor didático (ou designer educa-
curiosidade (e pesquisa) e reflexão do aluno-in- cional); outros o consideram um espaço exclusivo
terlocutor. Todavia, a dialogicidade, característica para exposição de conteúdo sem atentar para as
inerente da linguagem, segundo Bakhtin (2006), características da EAD. Faz-se necessário optar
não se exprime somente na saudação informal ou no por uma concepção de linguagem que orientará o
apelo esporádico ao interlocutor, mas, como afirma MDI e destacar os recursos linguísticos e textuais
Belisário (2006, p. 146), é “aqui entendida como que devem ser utilizados para conduzir o aluno-
-interlocutor à reflexão, à resolução de problemas,
a capacidade de produção de um material no qual
ao questionamento crítico e ao desenvolvimento de
os textos, por exemplo, reproduzam, simulem ou posicionamentos pessoais: “o guia de estudo tem
antecipem a possibilidade de um diálogo entre autor por finalidade substituir as explicações usuais dadas
e leitor, que permita a este último uma percepção por um instrutor em sua sala ou na sala de aula, e a
de igualdade e não de inferioridade ou passividade linguagem deve refletir essa situação” (MOORE;
frente ao ‘professor.’”. KEARSLEY, 2007, p. 118).

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Recebido em: 02.06.2014


Aprovado em: 06.10.2014

130 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 119-130, jul./dez. 2014
Ormezinda Maria Ribeiro; Carmem Jená Machado Caetano

TEMPOS E REDES: A ARQUITETURA


DE UMA SALA DE AULA EM EAD

Ormezinda Maria Ribeiro∗


Carmem Jená Machado Caetano∗∗

Resumo

Nos últimos anos, tem-se intensificado a implantação de cursos de graduação na


modalidade a distância nas instituições públicas, permitindo que a investigação de
elementos importantes em relação ao processo de ensino aprendizagem realizado em
EAD também faça parte de discussões relevantes no âmbito acadêmico. O desafio é
o de incorporar as tecnologias de informação e comunicação, as TIC, tendo em vista
esses aspectos, sem incorrer no equívoco de aliar o recurso tecnológico à concepção
empirista da educação. Em tempos de educação em rede, o tempo pedagógico assume
a dimensão temporal dedicada à produção de experiências significativas que levem
o estudante à autonomia no processo ensino aprendizagem. A inserção das TIC é,
em geral, vista como simples instrumentalização, mas sendo novas tecnologias sua
relevância toma outros sentidos, compondo as assim ditas habilidades do século XXI.
Nosso aporte teórico encontra respaldos nos trabalhos desenvolvidos por Lévy (2009)
e Pais (2004). Nosso objetivo é assumir a postura de pesquisadoras que acreditam
que é preciso encarar o desafio que está mais do lado educacional do que tecnológico
e repensar o papel que a pedagogia assume nos dias atuais, bem como trazer à tona
reflexões de trabalhos desenvolvidos com resultados positivos.
Palavras-chave: Tecnologia. Educação. Tempo pedagógico.

Abstract

TIMES AND NETWORKS: THE ARCHITECTURE OF AN E-LEARNING


CLASSROOM
In recent years, the implantation of undergraduate courses by public institutions in the
modality of distance learning has increased, allowing the investigation of important
elements related to the process of teaching-learning done through e-learning (EaD
in Portuguese) also be part of relevant discussions in the academic community.
The challenge is to incorporate information and communication technologies
(TIC), taking into account these aspects, without incurring the error of connecting
the technological resource to the empirical conception of education. In an era of


Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp- Araraquara).
Professora adjunta na Universidade de Brasília (UnB). Endereço Institucional: Departamento de Linguística, Português e Línguas
Clássicas - LIP- ICC SUL - Campus Universitário Darcy Ribeiro, Brasília-DF. CEP: 70910-900. aya.ribeiro@yahoo.com.br
∗∗
Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Universidade de Brasília (UnB). Professora adjunta na Universidade de
Brasília (UnB). Endereço Institucional: Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas - LIP- ICC SUL - Campus
Universitário Darcy Ribeiro, Brasília-DF. CEP: 70910-900. carmemjena@gmail.com

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Tempos e redes: a arquitetura de uma sala de aula em ead

networking education, the pedagogical time has a temporal dimension dedicated to


the production of significant experiences that provide the student with autonomy in
the teaching-learning process. TIC is generally seen as an instrument, but, being new
technology, its relevance has other meanings, composing the so-called twenty-first
century skills. Theoretical contributions here include works by Lévy (2009) and
by Pais (2004). Our aim is, as researchers who believe that it is necessary to face
the challenge that is more on the educational side than on the technological side, to
rethink the role that pedagogy plays nowadays, as well as to reflect on developed
works that had positive results.
Keywords: Technology. Education. Pedagogical time.

Palavras iniciais respondia, também, à época, na sua história de vida,


que o homem dedicava à formação profissional. No
Na última década, a Internet agregou uma entanto, as velozes transformações tecnológicas
perspectiva hipermidiática à nossa rede de inter- da atualidade impõem novos ritmos e dimensões
-relações, mudando, inclusive, nossa visão de à tarefa de ensinar e aprender. É preciso que se
tempo e espaço. Mais recentemente, as ferramentas esteja em permanente estado de aprendizagem e de
da web 2.0 (blogs, wikis, postcasts etc.) vêm am- adaptação ao novo. Não existe mais a possibilidade
pliando as possibilidades para interações síncronas de se considerar a pessoa totalmente formada, inde-
e assíncronas entre os alunos de diferentes partes pendentemente do grau de escolarização alcançado.
do mundo que têm interesse em aprender juntos, Além disso, múltiplas são as agências que apresen-
colaborando para a coconstrução do conhecimento. tam informações e conhecimentos a que se pode
Além disso, as tecnologias fundamentadas no ter acesso, sem a obrigatoriedade de deslocamentos
conhecimento em ação do professor, representadas físicos até às instituições tradicionais de ensino para
pelas suas decisões de como ensinar conteúdos aprender. Universidades virtuais oferecem vários
específicos, num certo tempo, com a finalidade de tipos de ensinamentos on-line, além das inúme-
alcançar metas preestabelecidas, num determinado ras possibilidades de se estar informado, a partir
contexto sociocultural, formam soluções criativas das interações com todos os tipos de tecnologias
para o processo de ensino aprendizagem. mediáticas.
Tradicionalmente, a aprendizagem de informa- Em verdade “na atualidade, o que se desloca é
ções e conceitos era tarefa exclusiva da escola. Os a informação”, diz Virilio (1993). E esses novos
conhecimentos teóricos eram apresentados gradati- conhecimentos deslocam-se em dois sentidos:
vamente aos alunos após o ingresso nas instituições o primeiro, o da espacialidade física, em tempo
de ensino básico e logo depois, médio e superior. real, sendo possível de serem acessados através
Eles eram finitos e determinados. Ao final de um das tecnologias mediáticas de última geração. O
determinado número de créditos em disciplinas segundo, pela sua alteração constante, transforma-
no ensino superior, a pessoa podia considerar- ções permanentes, sua temporalidade intensiva e
-se formada, ou seja, já possuía conhecimentos e fugaz. Velocidade. Este é o termo síntese do status
informações suficientes para iniciar-se em alguma espaço-temporal do conhecimento na atualidade.
profissão. Velocidade para aprender e velocidade para es-
O espaço e tempo de ensinar eram determina- quecer. Velocidade para acessar as informações,
dos. “Ir à faculdade” representava um movimento, interagir com elas e superá-las com outras inova-
um deslocamento até à instituição designada para a ções. Se essa explosão de informação, de um lado,
tarefa de ensinar e aprender. O “tempo da faculda- presta-se a criar meios cada vez mais eficientes
de”, também determinado, era considerado como para o armazenamento e a circulação instantânea
o tempo diário que, tradicionalmente, o homem de informações, de outro, desenvolve softwares e
dedicava à sua aprendizagem sistematizada. Cor- programas de busca e de filtro que nos ajudam a

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Ormezinda Maria Ribeiro; Carmem Jená Machado Caetano

administrar um espaço que já beira o infinito, são A aceleração das transmissões faz desaparecer
as novas tecnologias, o redimensionamento do a separação entre o próximo e o distante. O tempo
espaço e do tempo e os seus impactos no trabalho eletrônico ignora o tempo real. “O tempo veloz é
docente que vale a pena ser pensado. É claro que o um tempo ultracurto, contraído, em contraposição
fato de o homem viver entre diversos tipos de tem- ao tempo extensivo, das longas durações”, diz
poralidades será levado em conta. Na realidade, há Moraes (1997, p. 28). As linhas divisórias entre o
uma percepção geral e intuitiva de que os múltiplos aqui e o além dependem do tráfego eletrônico e do
sentidos de tempo se entrecruzam na vida cotidiana. horário das programações midiáticas. O tempo fica
Como nos lembra Kenski (1997), a percepção sem referencias, “sem raízes”, como nos diz o autor.
mecânica e objetiva, definida pelos relógios e ca- Velocidade tecnológica estabelece uma nova
lendários, orienta as nossas atividades rotineiras. relação entre o tempo e o espaço. O espaço como
Estabelece ritmos e nos auxilia operacionalmente territorialidade, se altera. Assim como na tela da
a definir prazos e compromissos. Em um sentido televisão, novos espaços invadem a sala de estar,
consensual geral, o tempo determinado espacial- e a tecnologia das redes midiáticas acelera a visita
mente pelos cronômetros, pela periodicidade dos a novos espaços. Atualmente, a aceleração tecno-
meses e das estações do ano, ou pela delimitação lógica, que se materializa na vida social, faz com
de períodos ou eras, é uma imensa abstração. O que nosso tempo interno, imaginário, sofra pressões
homem ocidental subordina-se pragmaticamente da vida urbana, e o externo tenha maior influência
às suas determinações – horas, minutos, segundos, sobre o interno. A regulação do tempo exacerba-se.
meses, anos... – e orienta as ações de acordo com a A complexidade da temática faz-nos buscar
sua imagem de “continuidade” e progressão. algumas reflexões que discutem a questão sob
A relatividade do tempo estudada pela Física diferentes perspectivas, e em acréscimo a estas
aparentemente não interfere no sentido que o constatações, nos parece ser viável pensar a comu-
homem compreende o tempo na vida cotidiana. nicação assíncrona, via tempos em rede, como algo
Nesta, o tempo do trabalho ou o tempo industrial que possibilita que professor e alunos aproveitem
é praticamente o denominador comum através do e organizem melhor seu tempo.
qual a grande maioria da população urbana atual se O “tempo pedagogizado” aparece como uma ca-
orienta e obedece. Essa temporalidade industrial, tegoria abstrata, relativa a um tempo sem variação.
típica da sociedade capitalista, é vivida em todos Por isso entendemos que a Educação a Distância,
os momentos, no trabalho ou fora dele. quando pensada no impulso criativo de um tempo
Ainda de acordo com Kenski (1997), em nossas de qualidade, o tempo Kairós, apropriando-se dos
relações cotidianas não podemos deixar de sentir recursos do movimento, da imagem e do som, pode,
que as tecnologias – velhas, como a escrita, ou certamente, ajudar na aprendizagem, sendo ponto
novas, como as agendas eletrônicas – transformam de ligação ou conexão para uma maior compreen-
o modo como nós dispomos, compreendemos e re- são de vida, que impulsiona e desenvolve as nossas
presentamos o tempo e o espaço à nossa volta. Sem capacidades, mediadas pelas tecnologias a serviço
nos darmos conta, o mundo tecnológico invade a da educação.
nossa vida e nos ajuda a viver com as necessidades Nessa perspectiva, o papel do professor su-
e exigências da atualidade. Secretárias, agendas, pervisor pode ser analogamente comparado ao de
correios, listas, bancos e tantos outros serviços ele- um arquiteto. Mais do que propor uma forma para
trônicos redimensionam as nossas disponibilidades sua disciplina, no desenho curricular do curso, o
temporais e os nossos deslocamentos espaciais. O professor é o responsável pela arquitetura de um
tempo, o espaço, a memória, a história, a noção de espaço virtual de aprendizagem que coopera para a
progresso, a realidade, a virtualidade e a ficção são superação das distâncias e da visão de que educar
algumas das muitas categorias que são reconside- vai além de uma boa transmissão de conhecimen-
radas em novas concepções a partir dos impactos tos, colocando mais qualidade no processo do que
que, na atualidade, as tecnologias eletrônicas têm quantidade, explorando o tempo Kairós bem mais
em nossas vidas. do que o tempo cronológico.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 131-139, jul./dez. 2014 133
Tempos e redes: a arquitetura de uma sala de aula em ead

Nossa proposta neste trabalho é a de refletir ao trágico destino que o aguardava, vindo poste-
sobre a atuação do professor supervisor no curso riormente a destronar o pai e a tornar-se rei dos
de Letras da Universidade de Brasília, mostrando deuses. Ao lembrar essa passagem mitológica nos
os desafios e as possibilidades que as ferramentas deparamos com a constatação de que, por vezes,
tecnológicas permitem a fim de criar um espaço sentimos, na perspectiva de cumprir o calendário
que aproxime as distâncias, em um tempo de qua- escolar entre programas e horários pré-fixados,
lidade, e propicie o desejo de aprender. Nesse am- que Cronos ainda continua reinando na educação.
biente, a criatividade e a interatividade tornam-se A noção dominante de tempo que tem preva-
possíveis quando o professor se posiciona como o lecido na Universidade assenta-se sobre a preva-
modelador desse espaço partilhado, onde o aluno lência de Cronos, cuja dimensão de temporalidade
não é colocado como consumidor de informação, representa uma delimitação temporal a partir da
mas como parte do processo educativo, coautor qual se desenvolvem as atividades escolares.
desse desenho curricular. Nesse espaço, quanto Como se o saber a ser germinado naquele espaço
maior a interatividade, menor a possibilidade de de tempo estivesse preso a uma linha delimitada
desistências e maior a sua autonomia e desempe- pelo calendário, fixado no planejamento e amarrado
nho acadêmico. aos blocos de aulas. Pode-se dizer, assim, que o
Nessa perspectiva é que precisamos lembrar das currículo escolar no ensino presencial reflete uma
palavras de Villard e Oliveira (2005) que nos ensi- expressão da noção de ordem temporal personifi-
nam que dentro da história da Educação a Distância cada por Cronos.
no Brasil, tem-se inicialmente, antes do advento O mito de Cronos pode nos subsidiar com
da TIC, um aluno solitário tentando estabelecer elementos simbólicos para refletirmos sobre a
relação pedagógica como material didático que, questão da temporalidade que nos limita no tra-
por sua vez, em muitos casos, era o único material balho acadêmico, sobretudo se pensarmos sobre
acadêmico disponível e este, que em tantos outros as características que o tempo pode assumir,
casos, fez o papel de professor. Ou quando não, inclusive como instrumento de poder. Nesse sen-
um aluno tentando estabelecer comunicações que tido, é preciso voltar à simbologia do mito para
dependiam de meios de comunicação presos às ponderarmos sobre o que representa a castração de
limitações do espaço e do tempo, dentro de um Urano: a repressão da intuição e da criatividade,
capazes de antever o futuro. De outro modo, ao
paradigma da educação informativa e instrucional.
engolir seus filhos, Cronos pretende resguardar o
A utilização das novas tecnologias de comunicação
poder, controlando possibilidades e estabelecen-
e informação na educação foi “[...] o que permitiu
do limites para o futuro. Todavia, para pensar na
libertar a Educação a Distância da perspectiva
probabilidade de fugir do domínio de Cronos, a
marcante instrucional e informativa” (VILLARD;
exemplo de Zeus, lembramos a possibilidade de
OLIVEIRA, 2005, p. 54).
chamar a figura de Kairós como alternativa para
Depois de nossas palavras iniciais, gostaríamos não sermos devorados pelo tempo, senhor abso-
de abrir a próxima sessão com uma reflexão acerca luto do passado e do futuro.
do tempo cronológico, que já tecemos algumas Kairós, outra personagem da mitologia, é tam-
considerações, e o tempo Kairós, que será alvo de bém uma antiga noção grega para referir-se a um
nossa atenção a partir de agora. aspecto qualitativo do tempo. Kairós, em grego,
significa o momento apropriado. Na mitologia
Cronos e Kairós e a educação dos grega, Kairós representa uma ideia de movimen-
novos tempos to. Metaforicamente, ele descreve uma noção
peculiar de tempo, uma qualidade complementar
Segundo a mitologia grega, Cronos, deus do em relação à noção de temporalidade que Cronos
tempo, devorava os próprios filhos para que ne- representa. Kairós é o melhor instante no presente,
nhum deles pudesse um dia roubar-lhe o trono. porque representa um tempo não absoluto, contínuo
Salvo pela mãe, Réia, Zeus conseguiu escapar ou linear, diferente do que propõe a concepção

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Ormezinda Maria Ribeiro; Carmem Jená Machado Caetano

newtoniana refletida no tempo cronológico. Kairós Sala de aula sem paredes: por uma
é a dinâmica que simboliza o instante especial, o educação sem distâncias
momento oportuno (GARCIA, 2006).
A dimensão temporal representada por Kairós Em tempo de educação em rede, o tempo pe-
tem seu significado associado ao saber “quando” dagógico assume a dimensão temporal dedicada à
e “como” utilizar o momento adequado. Seria o produção de vivências prazerosas de ser senhor e
tempo qualitativo, enquanto Cronos é de natureza não escravo do tempo. No tempo pedagógico reina
quantitativa. É nesta perspectiva que refletimos Kairós, no movimento das novas tecnologias da in-
sobre a arquitetura de uma sala de aula em EAD. formação e comunicação, em conjunto com novos
paradigmas educacionais, em que o aluno deve ser
Tempos em rede. Tempos & redes na sujeito aprendente e não mais uma “tábula rasa” que
construção de uma sala de aula sem deve ser preenchida pelo conhecimento vindo do
paredes professor. E este, destronado da condição de “dono
do saber”, é condutor do processo educacional e
Falar do tempo aqui não é falar do relógio, mas não mais reprodutor vivo do conhecimento.
do contínuo em que se desenvolve tudo o que é Dessa forma, estende-se o tempo de sala de
presente. Depois de Einstein, o tempo tornou-se aula, sem efetivamente aumentar o tempo cro-
relativo e perdeu sua envergadura de imutabilidade, nológico. Ao desenharmos uma sala de aula em
levando-nos, assim, a outros limites, a outros espa- EAD, vislumbrando uma educação sem distância,
ços. Viajar no tempo sempre foi considerado delírio consideramos fundamental a reflexão inicial sobre
de sonhadores, mas pode se tornar realidade cientí- como trabalhar com o apoio pedagógico em um
fica com o passar das décadas e séculos. Entretanto, ambiente não presencial, fazendo a ponte entre a
em tempos de rede, viajar no tempo é impedir que técnica e a educação, entre uma linguagem e outra.
Cronos prevaleça e que a criatividade seja limitada Assim, interrogamo-nos como Moran (2003, grifo
por um contador. Nesse sentido, a tecnologia surge do autor):
como a grande mãe: Réia, a que supera o tempo Quando alunos e professores estão conectados,
e liberta o mundo da herança da castração e da surgem novas oportunidades de interação, antes
limitação impingida pela linearidade e rigidez do simplesmente impensáveis. O que vale a pena fazer
tempo governado por Cronos, que ousou superar o quando estamos em sala de aula e quando estamos
pai Urano, cuja simbologia denota o aprisionamen- só conectados? Como combinar, integrar, gerenciar
to da criatividade e do movimento. Nascer sem ter a interação presencial e a virtual? Como ‘dar aula’
quando alunos estão distantes geograficamente e
espaço de ação, vir à luz sem poder se manifestar.
podem estar conectados virtualmente?
Eis a imagem da contenção provocada por Urano
em sua tirania, sucedida por Cronos, que repete o E reportamo-nos também a questionamentos os
modelo paterno para não perder o poder. quais fizemos em outro momento: nesse ambiente
Viajemos para além da tecnologia, vislumbran- virtual e também de ludicidade poderá ser possível
do as possibilidades de seu uso em um reinado romper com a ordem que mantém inúmeras ações.
de Kairós: as TIC, como Réia, podem destronar Quais seriam esses rompimentos? Não sabemos,
Cronos, em tempo de educação a distância mediada mas não é difícil supor que verdades estabelecidas
por tecnologias, quando professores e alunos sepa- pela instituição escolar e implementadas ao longo do
rados espacial e/ou temporalmente não se limitam tempo serão fortemente problematizadas. Fica-nos
à tirania cronológica. então a pergunta: Com que parâmetros podemos
A educação a distância pode ter ou não momen- fazer considerações a respeito de um mundo a partir
tos presenciais, mas acontece fundamentalmente de uma relação homem-máquina, ou seja, a partir
com professores e alunos separados fisicamente no de uma realidade virtual? (RIBEIRO et al, 2005).
espaço e ou no tempo, mas podendo estar juntos Em busca dessas respostas, destacamos os
por intermédio de tecnologias de comunicação. desafios que devem ser considerados nessa arqui-

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 131-139, jul./dez. 2014 135
Tempos e redes: a arquitetura de uma sala de aula em ead

tetura de uma sala de aula, que tem como objetivo a criação dos cursos de graduação em diversas
primordial aproximar distâncias geográficas, cul- áreas como âncora para o processo de inclusão de
turais, temporais e pedagógicas. Um dos aspectos indivíduos que não teriam outra possibilidade de
a ser lembrado é o nível de letramento dos atores realizar um curso em nível superior. Inicialmente,
envolvidos no processo de educação em relação ao encurtar a distância geográfica era a meta. A fle-
conteúdo que deve ser trabalhado. Outro aspecto xibilidade dos horários, a não obrigatoriedade da
diz respeito às múltiplas inteligências e também frequência diária, a utilização do computador como
aos velhos e novos paradigmas educacionais em ferramenta, entre outros elementos, são condições
contraponto com a rotina acadêmica. que ampliam consideravelmente o leque de inte-
Atualmente, nosso desafio é o de incorporar ressados em se incluírem em um processo de for-
as tecnologias de informação e comunicação, as mação institucional. A distância física é encurtada
TIC, tendo em vista esses aspectos, sem incorrer pelas tecnologias de comunicação, que aproximam
no equívoco de aliar o recurso tecnológico à con- professores, alunos e tutores fisicamente distantes,
cepção empirista da educação. mas não necessariamente aproximam saberes e
O cotidiano da sala de aula é sempre instável interesses. Para tal é necessário, também, consi-
e exige do professor a reinterpretação de cada si- derar o nível de letramento dos atores envolvidos
tuação problemática em decorrência do confronto no processo de educação em relação ao conteúdo
da (in) experiência de lidar com a modalidade de que deve ser trabalhado no ambiente virtual de
educação não presencial com outra experiência já aprendizagem (AVA); as múltiplas inteligências
vivida, entendendo, numa concepção heraclitiana, e também a rotina acadêmica, uma vez que o
que ambas são irrepetíveis. tempo virtual não se sobrepõe ao tempo real e as
Inicialmente, há que se considerar que as con- exigências acadêmicas, sejam elas burocráticas ou
dições de ensino, em qualquer modalidade, mudam pedagógicas, não se transformam nesse movimento
dia a dia e que não existe a segurança do que “dá de “virtualização” do tempo.
certo”, mesmo na educação presencial. Nessa pers- Concordamos com Lévy (2009) quando afirma
pectiva, o professor necessita ser um pesquisador que o virtual existe como potência, não é, portanto,
que questiona o seu pensamento e a sua prática, que um conceito oposto ao real, mas é oposto ao con-
age reflexivamente em seu ambiente de trabalho, ceito atual. Assim, compreendemos que atualização
que toma decisões e cria respostas mais adequadas, e virtualização são dois conceitos diferentes. Lévy
porque elas são construídas a cada momento e em (2009, p. 17) define a atualização como “uma
cada situação concreta. criação, invenção de uma forma a partir de uma
Assim, instaura o processo de construção que configuração dinâmica de forças e de finalidades.”
vai elaborando pouco a pouco o novo conhecimento A virtualização é oposta à atualização, uma vez que
profissional, necessário na conformação de um não se trata de uma solução, mas de uma “mutação
espaço de interação educativa, possibilitando uma de entidade”, um deslocamento da entidade no
melhor compreensão da realidade e que reforça a espaço. Segundo Lévy (2009), para se compreen-
responsabilidade pela decisão tomada. der o virtual é preciso fazer a distinção entre estes
Não podemos ignorar que o surgimento da quatro polos do conhecimento: o real, o possível,
EAD teve suas bases consolidadas no modelo for- o atual e o virtual.
dista de produção, cuja proposta é a produção em O real está relacionado com a materialidade,
larga escala para atender o consumo de massa. No pertence à ordem imediata das substâncias, das
campo da educação, essa lógica vai evidenciar-se propriedades físicas e das determinações. Os obje-
na expansão da oferta de educação, inicialmente tos reais são perceptíveis aos nossos sentidos e têm
inaugurada com a universalização do ensino fun- seus limites claramente definidos. O possível existe
damental e médio e, mais tardiamente, ampliada apenas no plano das ideias. É quando um objeto tem
para o ensino superior. sua existência apenas idealizada no plano abstrato
A tecnologia educacional constituiu-se, inicial- de um projeto ainda não executado. Pode se tornar
mente, como uma disciplina de base e fundamentou real, caso se materialize.

136 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 131-139, jul./dez. 2014
Ormezinda Maria Ribeiro; Carmem Jená Machado Caetano

O virtual é algo que existe em estado de latência tempo e a falta de percepção da noção espaço-
e de potencialidade e não como um acontecimen- -tempo ou a redefinição dessas duas categorias
to da atualidade. O virtual, no contexto geral da provoca o isolamento e a sensação de abandono no
EAD, evidencia a existência de um sistema mais aluno, pois, como pondera Harvey (1989, p. 275),
caracterizado por suas potencialidades do que como “A compressão do tempo-espaço sempre cobra
uma fonte de soluções prontas e acabadas. Nesse o seu preço da nossa capacidade de lidar com as
sentido, a noção de virtualidade está fortemente realidades que se revelam à nossa volta”.
associada à criatividade, e é nesse aspecto que Na concepção de uma sala de aula sem pare-
o potencial educativo pode ter uma dimensão de des, o professor precisa abandonar sua posição
qualidade, pois está mais próximo de uma proposta tradicional de transmissor de conhecimentos, en-
desafiadora do que de uma fonte de soluções para raizada numa disposição espaço-temporal linear
os problemas particulares. A dinâmica virtual pos- e cronológica para se transformar num arquiteto
sibilita novas oportunidades de criação diante de si- de um espaço em construção permanente, em um
tuações cujas soluções são resistentes às condições orientador que se move na direção apontada pelo
do momento considerado, assevera Pais (2004). aluno e em um mediador que não impõe seu conhe-
Para esse autor, o virtual não é o oposto do real, cimento, mas que propicia a interação.
apenas possui uma realidade que lhe é própria, e Em outras palavras, o professor é um gestor
sua natureza vai distanciar-se do atual pelo fato de de informações que serão transformadas em co-
não estar no território do imediato. Está próximo nhecimentos no amálgama possibilitado pelas
do possível, mas não é da mesma natureza, pois já ferramentas de interação, conteúdo, metodologias
tem implícita a resolução do problema, faltando de aprendizagem e pelos saberes pessoais e pro-
apenas a realização. Assim, esses quatro polos do fissionais dos alunos, ajustados de acordo com
conhecimento: possibilidade, realidade, virtualida- o potencial criativo que se ancora nas múltiplas
de e atualidade estão fortemente correlacionados. inteligências dos atores da EAD.
Os diversos movimentos envolvidos na passagem Entretanto, observa-se que, quebrada a resis-
de um para outro desses polos caracterizam di- tência inicial de integrar o quadro de professores
ferentes situações da aprendizagem de um novo de uma nova modalidade, na Universidade de
conhecimento. Brasília, como na maioria dos programas de
Compreendendo essas noções e concordando EAD, o professor é oriundo do ensino presencial
com Santos (2003, p. 109), que “a realidade virtual da universidade e apresenta pouca ou nenhuma
é o resultado da interação homem-computador”, experiência na modalidade, embora tenha bastante
assumimos que a abordagem do tempo Kairós está experiência e domínio do conteúdo das disciplinas
diretamente relacionada com a “quebra” da tempo- sob sua responsabilidade. Necessariamente, esses
ralidade, e com a noção de oportunidade, já que o professores tiveram de mudar sua posição de mestre
aluno pode acessar o material em diversos momen- que tem o total controle de seu espaço acadêmico,
tos, de acordo com seu interesse e possibilidade. que administra suas aulas, assumindo a posição
As orientações e aulas estão no AVA ininterrupta- de parceiro, pronto a mediar a receber o aluno no
mente e cabe ao aluno aproveitar o momento mais tempo em que esse considera oportuno.
adequado para interagir com o material. A questão Em vez de se atualizar em sua área específica,
mais paradoxal é que a maior vantagem da EAD o professor passou a perceber que precisava se
configura-se também como a razão do insucesso atualizar constantemente não só de sua disciplina.
dos alunos. A liberdade de administrar o tempo e Assim, ele teve que sair do monólogo da sala de
a flexibilidade propiciada pela metodologia e pelas aula para o diálogo dinâmico e para a interação
ferramentas de interação, principal atrativo para os professor-conteúdo, proporcionado pelas diversas
alunos que não podem ou não desejam frequentar ferramentas do ambiente virtual de aprendizagem,
as aulas em tempo cronológico e espaço concreto, abandonando o monopólio do saber para aderir à
torna-se o maior obstáculo no desenvolvimento da partilha de saberes e o isolamento individual para
aprendizagem. A dificuldade em administrar esse fazer parte da construção coletiva e processual do

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 131-139, jul./dez. 2014 137
Tempos e redes: a arquitetura de uma sala de aula em ead

conhecimento, por meio da integração de conteúdos Usar tecnologias digitais para o desenho de um
e mídias e dos trabalhos em equipes interdiscipli- curso em EAD requer tempo, mudança de hábitos
nares e complexos. e costumes, implica mudanças nos currículos
Essa complexidade nas relações na EAD pode escolares, dedicação para adquirir novas habilida-
ser exemplificada pela quantidade de pessoal en- des ou competências, mas, sobretudo, requer um
volvido para ofertar apenas uma disciplina. Entre estudo epistemológico que sustente as práticas
tutores, autores, revisores, coordenadores de tuto- pedagógicas mediadas pelas tecnologias digitais.
ria, coordenadores pedagógicos, especialistas de Isso significa que a mudança principal é a do pa-
EAD, webdesigners, dentre outros, a formatação pel do professor, já que é o professor no papel de
final da disciplina torna-se uma construção coletiva. constante aprendiz e facilitador que fará com que
O que, inevitavelmente, potencializa os conflitos mude a forma de se dar aulas. Assim, ele tem a
durante o processo. importante tarefa de construir o espaço pedagógico,
Por outro lado, além de enfrentar o desafio numa arquitetura dinâmica e interativa.
da mudança de sair de sua zona de conforto de À guisa de conclusão, para essas reflexões ainda
administrador único de seu espaço pedagógico, o em construção, apropriamo-nos do que afirma o
professor precisa assumir a sua limitação em lidar escritor mexicano, prêmio Nobel de Literatura em
com novas ferramentas e se dispor a conhecê- 1990, Octávio Paz, para reafirmar que a EAD pre-
-las, sabendo que, possivelmente, irá se deparar cisa ser pensada no impulso criativo de um tempo
com alunos familiarizados com essas ferramentas de qualidade, o tempo Kairós, pois o tempo não
dentre outros que, como ele, estão em processo de está fora de nós, nem é algo que passa diante dos
letramento digital. nossos olhos como os ponteiros do relógio: nós
Diante dessa perspectiva, enfrenta o desafio somos o tempo, não são os anos que passam, mas
de deixar de ser autoridade para ser parceiro do nós que passamos. O tempo possui uma direção,
aluno na construção de uma sala de aula, com- um sentido, porque ele é nós mesmos.
preendendo inicialmente a mudança na aquisição “O ritmo realiza uma operação contrária à de
do conhecimento provocada pelas tecnologias relógios e calendários: o tempo deixa de ser medida
para se apropriar dos benefícios proporcionados abstrata e volta a ser o que é: algo concreto e dotado
por elas. de uma direção” (PAZ, 1982, p. 69).

Referências

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138 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 131-139, jul./dez. 2014
Ormezinda Maria Ribeiro; Carmem Jená Machado Caetano

br/congresso2005/por/pdf/164tcf3.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2014.


SANTOS, Laymert Garcia dos. Politizar as novas tecnologias: o impacto sócio técnico da informação digital e
genérica. Rio de Janeiro: Editora 34, 2003.
VILLARD, Raquel; OLIVEIRA, Eloíza. Tecnologia na educação: uma perspectiva sócio-interacionista. Rio de
Janeiro: Dúnya, 2005.
VIRILIO, P. O espaço crítico. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.

Recebido em: 29.05.2014


Aprovado em: 16.07.2014

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 131-139, jul./dez. 2014 139
Javier Collado Ruano; Dante Augusto Galeffi; Roberto Leon Inacio Ponczek

O PARADIGMA DA COSMODERNIDADE:
UMA ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR À EDUCAÇÃO
PARA A CIDADANIA GLOBAL PROPOSTA PELA UNESCO

Javier Collado Ruano∗


Dante Augusto Galeffi∗∗
Roberto Leon Inacio Ponczek∗∗∗

RESUMO

O presente artigo tem como objeto de estudo refletir sobre a Educação para a Cidadania
Global (GCE) proposta pela UNESCO na Agenda pós-2015 para o Desenvolvimento
das Nações Unidas. Trata-se de uma pesquisa de triplo campo teórico-epistemológico-
metodológico que procura desenvolver uma consciência-identidade de “Terra-Pátria”,
na qual o ser humano seja visto como uma mesma espécie com uma mesma evolução,
pois a história futura da humanidade precisa de uma evolução do conhecimento para
novos conceitos dialéticos transculturais e trans-humanistas. Visando o entendimento
e o respeito das caraterísticas histórico-culturais de cada comunidade, partimos do
paradigma da cosmodernidade formulado por Nicolescu, da complexidade de Morin,
e da polilógica de Galeffi para abordar o conhecimento através de uma epistemologia
complexa, criativa, transdisciplinar, polissêmica, transcultural, transnacional e
transpolítica, que promova a GCE como o principio de energia causal do processo
de transformação do ser humano e da sociedade-mundo. Como resultado, propomos
a criação de uma constelação de escolas-ONGs irmãs que desenvolvam projetos
educativos altruístas de cooperação em todos os rincões do planeta para construir,
em última instância, um novo horizonte transdemocrático na GCE proposta pela
UNESCO para o século XXI.
Palavras-chave: Educação para a Cidadania Global. Cosmodernidade. Constelação
de escolas-ONGs irmãs. Transdisciplinaridade. Transdemocracia.


Diretor de Edição da Revista Global Education Magazine. Doutorando do Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em
Difusão do Conhecimento (DMMDC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e doutorando em Filosofia da Universidade
de Salamanca (Espanha). Endereço para correspondência: Universidade Federal da Bahia / Faculdade de Educação (FACED/
UFBA) – Doutorado em Difusão do Conhecimento. Av. Reitor Miguel Calmon - s/nº – Vale do Canela – Salvador-BA – CEP
40110-100. dmmdc@ufba.br; javiercolladoruano@gmail.com
∗∗
Doutor em Educação (Filosofia da Educação) pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor Associado IV – DE
(UFBA). Professor permanente do DMMDC. Coordenador do DMMDC (2009-2013). Endereço para correspondência: Uni-
versidade Federal da Bahia / Faculdade de Educação (FACED/UFBA) – Doutorado em Difusão do Conhecimento. Av. Reitor
Miguel Calmon - s/nº – Vale do Canela – Salvador-BA – CEP 40110-100. dgaleffi@uol.com.br; dmmdc@ufba.br
Mestre em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Doutor em Educação pela Universidade
∗∗∗

Federal da Bahia. Professor aposentado da UFBA. Professor permanente no Doutorado em Difusão do Conhecimento (DMMDC/
UFBA). Endereço para correspondência: Universidade Federal da Bahia / Faculdade de Educação (FACED/UFBA) – Doutorado
em Difusão do Conhecimento. Av. Reitor Miguel Calmon - s/nº – Vale do Canela – Salvador-BA – CEP 40110-100. dgaleffi@
uol.com.br; ponczek@ufba.br; dmmdc@ufba.br

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 141-152, jul./dez. 2014 141
O paradigma da cosmodernidade: uma abordagem transdisciplinar à educação para a cidadania global proposta pela unesco

ABSTRACT

THE COSMODERNITY PARADIGM: A TRANSDISCIPLINARY APPROACH


TO THE GLOBAL CITIZENSHIP EDUCATION PROPOSED BY UNESCO
The nature of this paper is to study and reflect upon the Global Citizenship Education
(GCE) proposed by UNESCO in the post-2015 Development Agenda led by the United
Nations. It is a research presented by a triumverate made up of epistemological-
theoretical-methodological field that seeks to develop anidentity-consciousness
of “Earth-Homeland”, where human beings are seen as a same biological species
with the same evolution, because the future history of humanity requires evolution
of knowledge towards new transcultural and transhumanism dialectical concepts.
Toward an understanding and respect for the historic-cultural characteristics of each
community, we start from the Cosmodernity paradigm formulated by Nicolescu, the
complexity of Morin and the poli-logic of Galeffi in order toto approach knowledge
through a complex, creative, transdisciplinary, polysemous, transcultural, transnational
and transpolitical epistemology that promotes GCE as the causal energy principle of the
transformation process of human being and the world-society. As a result, we propose
the creation of a Constellation of Twinned NGO-Schools which develop altruistic
educational cooperation projects in all corners of the planet to build, ultimately, a
new trans democratic horizon in the GCE proposed by UNESCO for the twenty-first
Century.
Keywords: Global Citizenship Education. Cosmodernity. Constellation of Twinned
NGOs-schools. Transdiciplinarity. Transdemocracy.

Introdução de salvaguardar o gênero humano a partir de um


campo intencional centrado na conjugação de uma
O motivo principal do presente trabalho é re- tríplice área da condição humana: epistemológica,
fletir sobre o ponto de não retorno alcançado pela política e educativa. Para tal fim, nos apoiaremos
espécie humana em sua evolução histórica. Desde na Teoria da Complexidade para desenvolver a
a metade do século XX, e pela primeira vez na his- compreensão multirreferencial da interdependência
tória conhecida da humanidade, o ser humano tem a universal da própria vida no planeta Terra.
potencialidade tecnológico-nuclear de destruir tudo Desse modo, intencionamos criar pontos de fuga
o que lhe rodeia. Nesta linha de acontecimentos, para a construção de novas discussões filosóficas
a emergente sociedade-mundo do século XXI ne- sobre a complexidade dos problemas globais da hu-
cessita criar e construir metapontos de vista para manidade do terceiro milênio. Propomos também
o favorecimento do encontro entre as diferentes um marco educativo transdisciplinar, transnacional
culturas e civilizações coexistentes no planeta, com e transcultural com a intencionalidade de estimular
o intuito de criar possibilidades de sustentabilidade o desenvolvimento de uma nova sociedade humana
para todos os povos. Diante disso, abordaremos a trieticamente sustentável, ou seja, uma sociedade
discussão da “Educação para a Cidadania Global”1 curadora da ética ambiental, social e mental (espi-
iniciada pela UNESCO, utilizando uma metodo- ritual) simultaneamente. Trata-se de uma proposta
logia transdisciplinar com a intencionalidade de epistemológica, política e educativa que requer
pensar o problema transnacional e transcultural olhar para o futuro numa perspectiva polilógica2
1 Global Citizenship Education ou Educação para a Cidadania Global 2 A perspectiva polilógica, segundo Galeffi (2001), compreende a co-
tem como sigla GCE tradução em inglês que será utilizada em todo existência de múltiplas lógicas no processamento do conhecimento
o texto. humano, reunindo diferentes planos de constituição do Real sem a

142 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 141-152, jul./dez. 2014
Javier Collado Ruano; Dante Augusto Galeffi; Roberto Leon Inacio Ponczek

que se abre para o que Nicolescu (2014) chama de Perspectivas comuns que, longe de formula-
consciência cosmoderna, afirmando a substituição rem respostas mágicas para o futuro comum da
do objeto epistemológico pela relação, a interação sociedade-mundo, representam uma oportunidade
e a interconexão dos fenômenos naturais, enten- aberta para uma visão transnacional e transcultu-
dendo os fenômenos como uma totalidade, ou seja, ral de maneira que as novas gerações possam se
como uma matriz cósmica extensa em que tudo se tornar “cidadãs do mundo”. A GCE instiga-nos
encontra em movimento perpétuo e estruturando-se a desenvolver uma consciência cosmoderna que
energeticamente, confirmando que esta unidade do compreenda a dignidade e a liberdade do ser hu-
mundo não é estática, implicando a diferenciação, mano na sua conjuntura planetária e cósmica. O
a diversidade e a contradição. A consciência cos- surgimento do ser humano na Terra é só mais um
moderna concebida por Nicolescu se harmoniza, instante do universo. Somos seres ecodependentes,
por um lado, com o que Galeffi (2013a) chamou com uma dupla identidade: uma própria, que nos
de emergência triética planetária, compreendendo a distingue, e outra de interdependência ao ambiente.
insustentabilidade atual da vida humana ambiental, Um ambiente constituído por todos os seres que
social e mental; e por outro lado, com a unidade nele vivem.
do indivíduo-sociedade-espécie proposta por Mo- Uma consciência cosmoderna que julgamos
rin em “O Método” (2001, 2002a, 2002b, 2002c, complementar ao ponto 2.1.2 do documento da
2003, 2005). UNESCO já mencionado neste texto:
Em todos os casos, a cidadania global não implica um
O que é a Global Citizenship Education status jurídico. Refere-se mais a um sentimento de
pertencimento à comunidade global e a humanidade
(GCE)?
comum, com os seus supostos membros experimen-
tando a solidariedade e a identidade coletiva entre
No mês de dezembro de 2013, a UNESCO si e a responsabilidade coletiva em nível global.
promoveu o I Fórum Internacional com o título A cidadania global pode ser vista como um ethos
“Global Citizenship Education: Preparing learners / metáfora, ao invés de um compromisso formal.
for the challenge of the 21st Century”, em Ban- (UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIEN-
gkok, Tailândia. O Fórum, organizado em apoio TIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION, 2013,
à campanha lançada pelo Secretário Geral das p. 3, tradução nossa).
Nações Unidas, Ban Ki-moon, a Global Education
A GCE se propõe a contribuir para o esclare-
First Initiative (GEFI) reuniu pessoas de diferentes
cimento da cidadania global sem perder de vista
governos, parceiros de desenvolvimento e da socie-
as diferentes culturas do planeta, evitando uma
dade civil, assim como pesquisadores da academia.
homogeneização de uma ideia de cidadania global
O propósito era esclarecer as ações da perspectiva
que atenda apenas a uma minoria e não a todos,
emergente nas áreas políticas, de pesquisa e da
como é sua proposição. Considerando a própria
prática educativa. Como resultado dos debates e
vida na sua complexidade como o foco para todos
das discussões técnicas sobre a GCE, a UNES-
na construção de um sentido de cidadania global
CO formulou o documento “Global Citizenship
que atenda ao principio da alteridade, do respeito
Education: An Emerging Perspective” (UNITED
mútuo, da amorosidade compartilhada pelo prin-
NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND
cipio da diferença e não apenas da identidade, que
CULTURAL ORGANIZATION, 2013), no qual
contemple dialogicamente a contradição implícita
foram elaboradas perspectivas comuns emergentes
dos fenômenos. A educação precisa promover o
da consulta das três questões, a saber: Porque cida-
desenvolvimento dos sentimentos de pertença e
dania global e GCE agora? O que é GCE?
de compreensão da totalidade vivente. As pessoas
O que tem que ser feito no nível global para
precisam sentir-se cidadãs do mundo em uma
apoiar e promover a GCE?
perspectiva de cosmodania, ou seja, numa relação
redução monológica a um único plano de Realidade, como ocorre
com a totalidade conjuntural ser humano-natureza
no racionalismo moderno ocidental. (GALEFFI, 2013a).

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 141-152, jul./dez. 2014 143
O paradigma da cosmodernidade: uma abordagem transdisciplinar à educação para a cidadania global proposta pela unesco

O processo de aquisição do conhecimento hu- nova consciência-identidade-diferença humana ao


mano é uma relação dialógica significativa entre modo de uma criança, baseada em uma concepção
o saber e o fazer, mediada pela consciência do pluralista e polilógica do agir ético inspirador de
indivíduo. Deste modo, o passado e o futuro estão novos horizontes transnacionais e transculturais
presentes no processo de pesquisa espiritual e/ou no processo de construção multidimensional da
científica, sendo indagações complementares de sociedade-mundo interdependente atual e futura.
uma realidade comum conformada pela totalidade Para isto é necessária a modelagem de uma atitude
indivisa entre a consciência e a matéria. transdisciplinar cujos horizontes epistemológicos
Trata-se, portanto, de organizar o conhecimento estejam abertos à natureza ontológica do amor
numa perspectiva transdisciplinar, transnacional como dialógica da espécie humana. A semente
e transcultural que vislumbre a unidade da atual do amor representa, neste sentido, o fenômeno
civilização planetária, caracterizada pela cons- ecológico de ação vital para alcançar uma com-
ciência de uma cidadania global portadora de preensão ética e solidária entre o próprio gênero
infinita diversidade cultural em um mundo finito. humano. Esta consideração supõe, efetivamente, a
Metaforicamente, a humanidade é uma unidade formação de autênticos mundólogos e mundólogas,
transorgânica em contínuo processo evolutivo, expressões inspiradas no escritor argentino Ernesto
em que seus indivíduos têm que florescer com os Sábato, que utilizou a expressão mundólogos expri-
mesmos cuidados que uma criança requisita. Uma mindo a urgente necessidade da sociedade de contar
criança que representa a semente que simboliza a com pessoas que estejam atentas aos problemas
beleza da singularidade em sua novidade radical, mais urgentes e globais. Assim, inspirado em Sá-
sendo a imagem do transdisciplinar, pois nela re- bato, Edgar Morin, Emilio-Roger Ciurana e Raúl
side a totalidade de possibilidades culturalmente Motta (2003) afirmam que a educação planetária
diferentes. deve propiciar uma mundologia da vida cotidiana.
Seguindo os pontos 2.2.1 e 2.2.2 do documento
que aborda os objetivos da GCE, parece-nos que A metodologia transdisciplinar: rumo
a GCE poderia representar a abertura da metáfora ao paradigma da cosmodernidade
evocada:
Nos albores do terceiro milênio, a compreensão
Objetivo: A Educação para a Cidadania Global tem
da condição humana necessita de uma contextua-
como intenção empoderar os aprendentes a partici-
parem e assumirem papéis ativos tanto locais como lização adequada e pertinente, pois as partículas
globais para enfrentarem e resolverem os desafios atômicas que compõem a vida no nosso planeta
globais e, finalmente, se tornarem colaboradores e que nos compõem nasceram nos primeiros se-
pró-ativos para um mundo mais justo, pacífico, gundos do cosmos, os nossos átomos de carbono
tolerante, inclusivo, seguro e sustentável. se criaram em um sol anterior ao nosso sol, e as
A Educação para a Cidadania Global é transfor- nossas moléculas se formaram na Terra (MORIN,
mativa, dando aos aprendentes a oportunidade e as 2011). A espécie humana é uma entidade cosmo-
competências para realizarem seus direitos e obriga- -bio-genética procedente de uma mesma evolução
ções para a promoção de um mundo melhor e futuro. galáctica pós Big-Bang cujo futuro devir está inter-
Baseia-se na aprendizagem de outros processos edu- ligado no espaço-tempo. Deste modo, a coevolução
cativos transformadores, incluindo a educação em do ser humano com o universo requer uma nova
direitos humanos, educação para a sustentabilidade, metodologia, fora do pensamento positivista dos
educação para a compreensão internacional/intercul- séculos XIX e XX, que reduz e separa o sujeito
tural e educação para a paz. (UNITED NATIONS do objeto.
EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL Essa nova metodologia é necessariamente
ORGANIZATION, 2013, p. 3, tradução nossa).
abrangente, holística, polilógica e transdimen-
Desse modo, para um bom cultivo dessas sional, compreendendo o ser humano como parte
sementes de gerações futuras é imprescindível integrante de uma totalidade cósmica autopoética.
que a GCE promova o desenvolvimento de uma Neste sentido, os três pilares da metodologia trans-

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Javier Collado Ruano; Dante Augusto Galeffi; Roberto Leon Inacio Ponczek

disciplinar formulados por Nicolescu (2010) são Portanto, evidencia-se a necessidade de tomar
paradigmáticos: 1. Há na natureza e na sociedade consciência da consciência e consciência da in-
diferentes níveis de Realidade e de percepção; 2. consciência (LUPASCO, 1994) sobre a interde-
A passagem de um nível de Realidade para outro pendência universal da sociedade-mundo atual para
se dá pela lógica do terceiro incluído; 3. A teoria desenvolver uma nova consciência-identidade-
da complexidade. Estes pilares representam uma -diferença de “Terra-Pátria”, expressão usada por
nova abordagem epistemológica multidimensional Morin (2011), onde a educação seja entendida
e multirreferencial, uma ecologia transdisciplinar como um processo global de conscientização e de
que está lançada na aventura indefinida e infinita reconstrução cultural da sociedade-mundo. Desse
do conhecimento humano, complexo e aberto à modo, dado que o microcosmo escolar encarna
criação radicalmente nova. o macrocosmo das estruturas sociais, o futuro da
O complexo desafio de construir uma cidadania humanidade requer uma tripla reforma episte-
global é um problema que ultrapassa a essência mológica, política e educativa, que faça frente às
do gênero humano e, portanto, requer uma tripla dinâmicas técno-economicistas globalizadoras, e
reforma: epistemológica, política e educativa. Re- cuja convergência suponha uma transformação
fletir sobre o valor e a significação da GCE na era radical na direção da vida inteligente e curadora
globalizada do século XXI exige abordar as dinâ- de seu poder-ser mais próprio.
micas mundiais (econômicas, políticas, culturais, Trata-se de um desafio de talante mundial
sociais, educativas etc.) com uma visão holística e que, como vimos, requer uma nova consciência-
transnacional que proponha alternativas criativas -identidade-diferença comum, cuja perspectiva
de mudança. Para fazer esta “leitura do mundo”, trans-humanista perceba polilogicamente os
é preciso começar a observar a sua complexida- diferentes níveis de Realidade que compõem o
de, multidimensionalidade e interdependência, mundo e o cosmos conhecido humanamente. Do
compreendendo a educação como um processo mesmo modo que a própria ontologia estrutura a
em contínua expansão, como o próprio universo natureza em diferentes níveis de Realidade, o ser
(COLLADO RUANO; GALEFFI, 2012a). humano tem diferentes estratos, níveis e planos de
Contudo, como criar um programa educativo percepção gnoseológica que estruturam e concreti-
mundial, como a GCE, que respeite as caracte- zam a sua complexidade histórica no seu contexto
rísticas histórico-culturais definidoras de cada cosmológico. Portanto, o problema presente de
comunidade sem homogeneizar e sem alienar? refletir sobre a harmonização da Terra-Pátria, como
Como preparar para a democracia e para uma horizonte pacífico e trans-histórico comum supõe o
cidadania global crítica e responsável em escolas complexo desafio de desenvolver o conhecimento
que não ensinam a tomar decisões transnacionais transdisciplinarmente para propiciar novas con-
e transculturais? Será possível desenvolver uma cepções transnacionais e transculturais dialógicas
consciência planetária de comum-responsabilidade capazes de prever futuros conflitos e alcançar um
para alcançar um desenvolvimento sustentável desenvolvimento sustentável global, para o todo
presente e futuro? Aprenderemos a conviver na da vida. Com palavras de Nicolescu (2014, p. 14,
unidade/diversidade humana para evitarmos a au- tradução nossa):
todestruição durante o terceiro milênio? Responder
a essas questões relativas à GCE exige-nos uma O instante presente é, estritamente falando, um não
profunda mudança nas estruturas de construção do tempo, uma experiência de relação entre o Sujeito e
o Objeto; então, contem potencialmente nele mesmo,
pensamento e uma nova organização do conheci-
o passado e o futuro, um fluxo total de informação
mento, em que os Direitos Humanos suponham um
e um fluxo total de consciência, que ultrapassa os
metaponto de vista articulador do esforço humano diferentes níveis de Realidade. O tempo presente é
de tomar consciência da sustentabilidade ética da verdadeiramente a origem do futuro e a origem do
sociedade-mundo, a qual requer uma epistemolo- passado. Diferentes culturas, presentes e futuras,
gia complexa, criativa, transversal, polissêmica, desenvolvem-se no tempo histórico, o qual é o tem-
transpolítica e transcultural (GALEFFI, 2013a). po de mudança no estado de ser das pessoas e das

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O paradigma da cosmodernidade: uma abordagem transdisciplinar à educação para a cidadania global proposta pela unesco

nações. A transculturalidade concerne ao tempo pre- rizando-se como forma de governança baseada na
sente em uma trans-história, uma noção introduzida decisão de uma maioria simples entre aqueles que
por Mircea Eliade, que concerne ao impensável e à são investidos de poder em determinado território
epifania. A transculturalidade é a condição necessária povoado. A palavra “povo”, então, é ambígua
para a existência da cultura.
na cultura grega, porque não diz respeito a todo
É nessa visão cosmoderna da transculturalidade ser humano natural de um determinado lugar ou
que reside a complexidade da construção e mode- território, mas aos poderosos de um determinado
lagem da formação humana através da proposta agrupamento humano. Então, no horizonte cul-
GCE. Uma complexidade que deve partir da poli- tural grego, a democracia é uma forma de poder
lógica tri-identitária que identifique os diferentes de uma determinada classe dominante, em parte
níveis de Realidade e de percepção do indivíduo- aristocrática e em parte comerciante e rica. Uma
-sociedade-espécie, visando realizar uma teoriação forma de poder que não realiza os ideais modernos
transformadora do mundo no presente e no futuro e iluministas de igualdade, liberdade e fraternidade
comum da humanidade. Para compreender me- (GALEFFI, 2013b).
lhor a polilógica tri-identitária, temos que aplicar A democracia de origem grega foi deixada para
a lógica do terceiro incluído, matematicamente trás em sua consumação histórica na Atenas de Pé-
formalizada por Stephane Lupasco. ricles, porque na afirmação dos Direitos Humanos
Universais encontra-se presente a aspiração cristã
A transdemocracia: um novo horizonte pela fraternidade universal. A aspiração democráti-
político para o futuro? ca pela fraternidade universal é, sem ambiguidade,
um traço evidente do cristianismo em sua aspiração
Sem dúvida, um dos maiores desafios da futura de amor ao todo da humanidade. A fraternidade,
GCE será o processo de encaminhar a humanidade assim, seria um apelo afetivo fundamental para
para novas formas de cooperação e organização a construção de sociedades democráticas livres,
social democrática, que integrem a diversidade igualitárias, cujo fim seria conduzirem-se no amor
cultural como uma fonte de riqueza, assim como ao divino, a si mesmos e aos outros (GALEFFI,
relações justas e ecologicamente sustentáveis com 2013b).
o meio ambiente. Na atualidade, há um consenso De qualquer modo, todo regime político deno-
universal em considerar a democracia como a única minado democrático tem a sua soberania fundada
alternativa política para que as sociedades plurais no poder do povo que o sustenta, um povo que deve,
em desenvolvimento possam garantir o direito ina- por direito, ser instruído para exercer plenamente a
lienável de todo ser humano. Mas que outra forma sua soberania. Entretanto, como conciliar no seio
de governo poderia ser a alternativa para uma polí- dos regimes democráticos vigentes em muitos
tica libertadora das sociedades humanas do estado países do mundo o estado de pobreza e desigual-
atual de ignorância, pobreza, de indigência social, dade social gritante existente entre seres humanos
submissão simbólica e interdição ontológica? Faz- ontologicamente iguais? Como uma democracia
-se necessário reinventar a democracia? Caberia já plena pode admitir a desigualdade entre os seres
pensar em uma transdemocracia? humanos? Por que muitas sociedades democráticas
Com estas questões, procura-se imaginar o que não alcançam o êxito erradicando a pobreza e a
poderia ser um regime político transdemocrático, miséria? Não alcançam simplesmente porque os
sem a perda dos princípios orientadores da demo- seus indivíduos não realizaram em si mesmos a
cracia ideal e real historicamente constituída. Na liberdade, a igualdade e a fraternidade. Então, os
sua gênese histórica grega, démokratía é kratía, a regimes democráticos vigentes não dão conta da
força, o poder do “dêmos”, do “povo”. Aqui o sen- tarefa premente de superação dos horizontes de um
tido de “povo” é imediatamente ligado a “poder”. processo civilizatório marcado por desigualdades
“Demos” é um derivado de dynamis, o “poder”. humanas gritantes, sendo preciso reunir forças
Portanto, a démokratía grega se pode traduzir de transnacionais e transculturais para arquitetar e
modo provocante como “povo de poder”, caracte- construir alternativas garantidoras de repúblicas

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Javier Collado Ruano; Dante Augusto Galeffi; Roberto Leon Inacio Ponczek

curadoras do ser humano em todos os seus momen- direitos humanos ou da sua constituição nacional?
tos existenciais, universalmente falando. Qual é a verdadeira potencialidade da GCE para
A menos que se queira admitir que o imperati- transgredir o atual paradigma da ignorância global?
vo ético da igualdade entre os seres humanos seja Seguramente, estamos diante de um verdadei-
meramente retórico, apenas servindo de ardil para ro salto de natureza na ordem política do mundo
esconder os verdadeiros intuitos de uma suposta globalizado. Um salto de natureza que implica,
minoria governante, é preciso projetar novos efetivamente, uma profunda transformação tri-
constructos sociais que garantam o direito de todo ética do indivíduo-sociedade-espécie: mental-
ser humano por uma vida livre, igual e fraternal. -espiritual, social-planetária e cósmica-ambiental.
Entretanto a tríade da revolução francesa que se Uma emergência triética que decorre do acelerado
incorpora plenamente nos ideais democráticos progresso tecnocientífico e telemático global, e
das Repúblicas modernas permaneceu apenas que requer um novo tipo de auto-eco-organização
no plano ideal, porque o próprio ser humano, em epistemológica, política e educativa para criar
suas formulações capitalistas, parece lutar para consciências cosmodernas na cidadania global atual
que a democracia universal permaneça sendo uma e futura. Neste sentido, a proposta da constelação
quimera e uma efabulação apenas útil para manter de escolas-ONGs irmãs tem que se entender como
a submissão involuntária das massas humanas ig- um fenômeno convergente dentro do marco hete-
naras de seu poder-ser mais próprio. De fato, toda rotópico3 criado pelos movimentos altermundistas
forma democrática de governo atualmente existente do Fórum Social Mundial, a Rainbow Gathering,
configura-se na dimensão política de uma cidadania os YoungOs, os princípios éticos da declaração da
global sustentada por estados de direito fundados Carta da Terra etc.
no poder econômico concentrado nas mãos de uma
minoria, o que propriamente se pode denominar de A Constelação de Escolas-ONGs Irmãs:
poder oligárquico ou plutocrático, mesmo quando uma proposta utópica para a GCE da
este poder econômico esteja em mãos de grandes UNESCO?
corporações multinacionais ou de governos como
G7, G8, G20 etc. Citando o item 1.1.3 do mencionado documento
É uma evidência como ainda não alcançamos da UNESCO, “há uma oportunidade clara para
o estado de democracia plena, o que elevaria a incluir uma referência à GCE na agenda pós-2015
humanidade ao pleno exercício dos seus direitos de desenvolvimento como parte de conhecimento,
universais fundados no ethos da fraternidade entre habilidades e competências que os aprendentes
todos os seres humanos do planeta. Apareceria, requerem no século XXI e além” (UNITED NA-
então, a transdemocracia em sua forma plena: a TIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND
aspiração humana pelo alcance do estado de direito CULTURAL ORGANIZATION, 2013, p. 2, tra-
universal por meio de uma racionalidade polilógica, dução nossa). A GCE não só tem que ser incluída
uma racionalidade garantidora do estado de direito na agenda para o desenvolvimento pós-2015, como
à liberdade e imprevisibilidade dos acontecimentos tem que ser vista como um fenômeno da própria
migratórios transculturais e transnacionais que condição humana que ultrapasse transversalmente
caracterizam o ser humano desde a sua aparição as futuras metas do milênio das Nações Unidas.
no planeta Terra. A GCE não pode ser considerada um conceito ou
Todavia, como alcançar o estado de plena atu- expressão de moda entre a academia, a sociedade
alidade dos direitos universais da pessoa humana civil ou os governos, pois isso significa a introdução
quando ainda há os poucos que governam e os de pequenas alterações nos conteúdos curriculares
muitos que são governados? Como empoderar a ci- das escolas, sem contribuir na mudança de para-
dadania global para que se torne o poder de lutar por
seus direitos básicos e por sua dignidade humana? 3 Em ciências políticas, heterotopia é um conceito elaborado pelo
filósofo Michel Focault para descrever a coexistência de diferentes
Como é possível que os nossos jovens conheçam utopias que funcionam sem hegemonia alguma no mesmo tempo e
os dorsais dos futebolistas, mas não os artigos dos espaço.

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O paradigma da cosmodernidade: uma abordagem transdisciplinar à educação para a cidadania global proposta pela unesco

digma que a sociedade-mundo do terceiro milênio ender a polilógica tri-identitária dos diferentes
está reclamando. Um bom exemplo seria a presente níveis de Realidade gnoseológica que constituem
década batizada pela UNESCO como a Educação o indivíduo-sociedade-espécie?
para o Desenvolvimento Sustentável (2005-2014). Evidentemente, responder essas perguntas re-
Se for certo que a sua intencionalidade tem mobi- presenta um desafio antropológico, social e político
lizado milhões de pessoas ao redor do mundo para a um só tempo, que haverá de ser abordado desde
caminhar nesta direção, o fracasso se fez patente na uma nova cosmovisão filosófica e geopolítica que
incapacidade de determinar e concretizar acordos dê uma ênfase especial à interdependência indis-
comuns por parte dos representantes de governo sociável das dimensões locais-globais e globais-lo-
que participaram da Conferência de Desenvolvi- cais. Uma nova cosmovisão que compreenda que
mento Sustentável das Nações Unidas, conhecida todo dogma, ideologia política e teoria materialista
como Rio+20, em 2012. (como o capitalismo, o marxismo, o nazismo, o
A GCE não tem que encontrar solução para os estalinismo etc.) devastaram o século XX por causa
problemas cada vez mais complexos que surgem da estrutura lineal do pensamento fundamentado
no atual sistema de referência econômico da socie- em um único nível de Realidade, derivado da física
dade-mundo. A GCE deveria promover a mudança clássica, pois achavam que estavam de posse da
do próprio sistema de referência capitalista, intro- totalidade e, portanto, da verdade absoluta.
duzindo uma compreensão polilógica que abarque a Por esse motivo, a nossa proposta da constela-
dialógica entre os fenômenos micro-locais-simples ção de escolas-ONGs irmãs, baseada na Teoria da
e os macro-globais-complexos. Portanto, temos Complexidade, procura aprofundar nos avanços da
que observar a GCE através de estímulos criativos física quântica, na cosmologia quântica, e da bio-
que surjam do complexo contexto planetário atual, logia molecular para desenvolver uma consciência
e que sirvam para reestruturar transversalmente o cosmoderna que permita identificar a pluralidade
futuro do nosso mundo diante do devir da humani- da diversidade cultural como uma fonte de riqueza
dade como espécie. E esta concepção transnacional do único “estado-nação” legítimo do ser humano:
e transcultural da educação implica uma ruptura o planeta Terra.
radical com as estruturas político-econômicas e Para tal fim, podemos lembrar o nascimento
socioeducativas do passado, pois não existe dúvida das Nações Unidas no seu contexto histórico com
de que a educação tecnocrática, ainda vigente, é o problema de salvaguardar a sociedade-mundo da
a consequência do modelo de organização social autodestruição nuclear. Desde a metade do século
alienante que o capitalismo tem imposto, após a XX a humanidade entraria em um novo estágio
Revolução Industrial, para reduzir os estudantes civilizatório que nos exige o esforço metacognitivo
a consumidores submissos e a cidadãos passivos de compreender a diferença do outro. Deste modo,
(COLLADO; GALEFFI, 2012b). a GCE proposta pela UNESCO teria que vislum-
O que se pretende com a proposição da cons- brar as Nações Unidas como a totalidade de um
telação de escolas-ONGs irmãs é estabelecer uma sistema complexo: a Terra. Um sistema complexo
alternativa que possa contribuir na criação de uma composto por uma teia de interligações dos 193
rede virtual de conscientização para a cidadania estados membros4 (mais a Palestina e a Santa Sé
global. Contudo, como criar espaços virtuais/ como convidados): econômica, cultural, política,
atuais que possam apoiar a liderança dos jovens religiosa etc. Estados membros interdependentes
e que possam constituir soluções eficazes para a que estão interligados pelos sete princípios da
formulação de uma GCE verdadeiramente trans- complexidade definidos por Morin (2011): sis-
formadora da crise econômica, epistemológica, têmico ou organizacional, o hologramático, do
política, educativa e humana atual? Como formular círculo retroativo, do círculo recursivo, da auto-
propostas que suponham novas simbioses trans-
culturais e transnacionais dentro da diversidade 4 Devemos mencionar que existem 243 países, dos quais 193 são
Estados Membros nas Nações Unidas e os demais se encontram em
da civilização planetária atual? Como desenvolver situação de independência não reconhecida internacionalmente ou
uma atitude trans-humanista que permita compre- de dependência em relação a outros países.

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Javier Collado Ruano; Dante Augusto Galeffi; Roberto Leon Inacio Ponczek

-eco-organização (autonomia e dependência), o ativa participação cidadã sobre as problemáticas


dialógico e da reintrodução do conhecimento em locais/regionais/nacionais/globais. Imaginemos
todo conhecimento. que cada escola-ONG tivesse o sua próprio web
Nessa percepção da Teoria da Complexidade, site para ser consultado na base de dados comum
a proposta de uma constelação de escolas-ONGs da UNESCO, para facilitar as livres interconexões
irmãs baseia-se, por um lado, na reinterpretação do entre elas mesmas. Seria possível que os próprios
conceito de cidades irmãs. Um conceito que tem discentes explicassem as festividades e os cos-
como objetivo criar laços de cooperação, essencial- tumes dos seus povos a outros estudantes, para
mente nas relações econômicas e culturais, entre compreender melhor as diferencias culturais desde
duas cidades de áreas geográficas distintas, as quais crianças? Poderia isso ajudar a compreender melhor
costumam ter características semelhantes. Então, as diferenças culturais e as situações reais de cada
tratar-se-ia de estender o conceito de cidades irmãs comunidade, evitando a “contaminação” das mídias
ao campo educativo, criando novas redes virtuais/ controladas pelos grupos de poder econômico? É
atuais entre as escolas de todo o mundo. E, por possível imaginar tal processo em um nível trans-
outro lado, a proposta também estaria baseada no dismensional que ultrapasse o âmbito macroglobal
caráter catalizador, filantrópico e humanista que e microlocal ao mesmo tempo?
as organizações sem fins lucrativos (sejam ONGs, Olhemos agora a sociedade-mundo atual as-
associações culturais, fundações etc.) trazem ao tronomicamente, como já fizeram as civilizações
processo de conscientização das novas gerações antigas, chinesas, hindus, incas, pré-colombianas
para dotar-lhes de criticidade, sensibilidade, auto- etc. Vislumbremos a sociedade-mundo como uma
nomia e liderança. galáxia composta por um conjunto de planetas,
Imaginemos agora que as partes do nosso sis- com os seus satélites; com cometas e meteoroides;
tema complexo, ou seja, os países integrantes das estrelas e matéria interestelar; a matéria escura;
Nações Unidas fizessem o esforço de enviar uma as nuvens de gás e o próprio pó cósmico. Todos
lista de suas escolas nacionais para uma instituição eles são corpos celestes unidos pela mesma força
neutra de caráter supranacional como a própria gravitacional, que denominaremos de UNESCO no
UNESCO. Uma lista ou base de dados que, a prio- nosso sistema complexo. Imaginemos que as co-
ri, já estaria pronta na grande maioria dos países munidades locais formam sistemas solares em que
altamente burocratizados. Imaginemos que antes as escolas são as estrelas e no entorno delas giram
disso as subpartes que compõem estas partes do planetas de diversas índoles como organizações
nosso sistema complexo, ou seja, as partículas que culturais, partidos políticos, associações religiosas
denominaremos de escolas, fizessem o esforço de etc. Imaginemos, então, que a GCE proposta pela
enviar uma descrição detalhada das suas caracte- UNESCO agrupasse milhões de estrelas (escolas-
rísticas definidoras (número de estudantes, línguas -ONGs) em constelações (irmanamentos), criando
que são aprendidas, status público ou privado, uma grande base de dados virtual no Espaço-Tempo
problemáticas próprias etc.), na qual estivessem Cibernético (ETC). Constelações responsáveis pela
incluídas também as informações relativas à sua ci- realização de projetos de cooperação e desenvol-
dade, bairro ou comunidade em que estão inseridas vimento nas microssituações de emergência local-
e das quais fazem parte os seus estudantes-cidadãos -global, com o objetivo de repercutir nas estruturas
(como, por exemplo, a situação geográfica, demo- emergentes das problemáticas macroglobais. Dito
grafia, clima etc.). de outra forma, a soma das ações politico-educati-
Imaginemos agora que no nível local fossem vas no nível local-global terminariam modificando
criadas organizações sem fins lucrativos entre os entropicamente as tendências globais-locais do pro-
vizinhos da sua comunidade, onde caberiam pes- cesso de homogeneização derivado das estruturas
soas de todas as idades, assim como os campos da técno-econômicas da globalização
educação formal e informal. Imaginemos também Em essência, a constelação de escolas-ONGs
que essas organizações comunais formassem pe- irmãs não só representaria um Espaço-Tempo
quenos núcleos políticos para desenvolver uma Cibernético (ETC) transcultural e transnacional,

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O paradigma da cosmodernidade: uma abordagem transdisciplinar à educação para a cidadania global proposta pela unesco

tratando problemáticas globais como a erradicação uma tri-identidade transcultural e transnacional


da pobreza, o desenvolvimento sustentável ou a que atue em prol do alcance de uma convivência
confraternização humana; seria também trans- pacífica e transdemocrática durante o terceiro mi-
disciplinar, pois quando se trata de música, arte, lênio: construindo um autêntico e revolucionário
literatura, filosofia e pensamento, a mundialização movimento de cidadania global.
cultural não tende à homogeneidade; ao contrário,
as culturas do mundo inteiro se fecundam entre Conclusões
elas engendrando filhos e filhas planetárias. Neste
sentido, refletir sobre a GCE supõe olhar a unidade O objetivo principal da proposta de constelações
transcendental do indivíduo-sociedade-espécie – a de escolas-ONGs irmãs é criar um novo modelo
unitas multiplex – através dos três eixos trans- teórico transdisciplinar, transcultural e transna-
disciplinares propostos durante o II Congresso cional que possa contribuir ao debate aberto para
Mundial sobre a Transdisciplinaridade: atitude a implementação da GCE na agenda pós-2015.
transdisciplinar, pesquisa transdisciplinar e ação Obviamente, refletir na proposta de constela-
transdisciplinar. Ou seja, pesquisas ou currículos ções de escolas-ONGs irmãs traz muitos questio-
transdisciplinares cuja pluralidade epistemológica namentos. Neste sentido, o conceito tem que ser
introduza a atitude transdisciplinar de construir compreendido como um projeto conscientizador
uma grande família humana – fundamentada nos em construção, aberto a reinterpretações, comple-
princípios de justiça e solidariedade – e que derive mentações e considerações, pois o seu objetivo é
em última instância na ação transdisciplinar do humanizar a ação educativa por meio de novos
ser humano: propondo a articulação da formação compassos pedagógicos que componham as me-
em relação ao mundo (eco-formação) com outras lodias pacíficas do século XXI e além. Melodias
pessoas (hetero e coformação), consigo mesmo harmoniosas de metamorfose social, individual
(autoformação), como ser (ontoformação), assim e antropológica, que deverão estar baseadas no
como com o conhecimento formal e não formal. fundamento polifônico-trans-humanista para al-
Em palavras de Nicolescu (2008, p. 92): “O Espaço- cançar um novo estágio humano, mais altruísta e
-Tempo Cibernético não é nem determinista nem ecologicamente sustentável.
indeterminista. Ele é o espaço de escolha humana. Não existem dúvidas que a sociedade-mundo
Na medida em que o ETC permite que a noção de deverá desenvolver novas sinergias multidimensio-
níveis de Realidade e da lógica do terceiro incluído nais de caráter global para alcançar o cumprimento
seja colocada em jogo, ele é potencialmente um das futuras metas do milênio da agenda pós-2015
espaço transcultural, transnacional e transpolítico.” das Nações Unidas, pois são metas sistêmicas,
Para nós, esse seria o verdadeiro “tesouro a interligadas e interdependentes: como as conexões
descobrir” pela educação, que o político francês Ja- neuronais dos nossos cérebros. Consequentemente,
cques Delors refletia no final do século XX: a aposta devemos contextualizar as metas através de uma
da GCE através da criação de um Espaço Tempo consciência cosmoderna, baseada na polilógica
Cibernético transnacional, transcultural, transpolíti- tri-identitaria do indivíduo-sociedade-espécie,
co, transreligioso e trans-humaista que engendrasse para identificar a sociedade-mundo como uma
filhos e filhas planetárias (COLLADO RUANO, totalidade integrada, e não como a soma das suas
2013). Um ETC que identifique polilogicamente partes dissociadas entre si. Uma mudança epis-
os diferentes níveis de Realidade que compõem temológica, política, educativa e espiritual, cujo
a tri-identidade do indivíduo-sociedade-espécie, enfoque transdisciplinar, transpolítico, transcultural
como indivíduo de uma comunidade local especí- e transreligioso esteja baseado simultaneamente
fica, como cidadão de uma sociedade determinada na pluralidade e na unidade da atual emergência
pertencente a um estado/nação e como uma mesma planetária da sociedade do conhecimento, o que
espécie cosmo-bio-genética em constante processo corresponde à comum-responsabilidade de todos
de evolução. Uma identidade aberta à diversidade com todos. Portanto, a humanidade deve promover
infinita da cidadania global. Em outras palavras, novas redes educativas de cooperação altruísta no

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Javier Collado Ruano; Dante Augusto Galeffi; Roberto Leon Inacio Ponczek

ETC que simbolizem uma orquestra sinfónica di- deriva academicista e trasladando-as à esfera da
vulgadora da paz mundial. Internet não é só uma va- realidade social mundial. Portanto, a nossa propo-
riável a mais no famoso Índice de Desenvolvimento sição da constelação de escolas-ONGs irmãs tem
Humano, representa um elemento emergente que a intencionalidade de ajudar a ampliar o horizonte
permite reestruturar e reformular a complexidade aberto da GCE, com o objetivo de criar e desen-
dos problemas globais encontrados nos albores do volver projetos educativos altruístas de cooperação
terceiro milênio. em todos os rincões da Terra-Pátria.
É preciso, então, que a GCE crie uma estra- Diante do exposto, temos que refletir e tomar
tégia de educação global no ETC que atue como consciência da responsabilidade de construir, hoje,
um novo padrão transcultural e transnacional tri- a sociedade-mundo de amanhã. Uma sociedade-
-identitário. Fazendo um paralelo com o passado, -mundo que terá que se organizar internacional-
a GCE tem que utilizar o ETC com a mesma mente, de forma pacífica e não violenta, como uma
potencialidade que a comunidade protestante fez autêntica orquestra sinfônica de galáxias-escolas
com a imprensa para reestruturar as ideias sacras interconectadas, pois delas dependerá a verda-
no século XVI, pois o ETC simboliza um autêntico deira práxis política-educativa transformadora do
universo transdemocrático para propor reflexões mundo. Portanto, é preciso entrever o futuro para
criativas que suponham soluções efetivas nesta estarmos preparados quando ele chegar, pois não
conjuntura histórica que Edgar Morin (2003) de- existe dúvida de que os computadores quânticos,
nominou como “a idade de pedra da civilização a inteligência artificial, a nanotecnologia, as lentes
planetária”. Portanto, o conceito da constelação de contato com aceso à internet, a mutação genética
de escolas-ONGs irmãs terá que ser interpretado do DNA e as viagens no espaço modificarão radi-
como uma ferramenta pré-histórica para que a calmente os nossos hábitos em um curto período
civilização planetária possa começar a escrever de tempo: contextualizando o gênero humano no
conjuntamente a sua trans-história neste início de paradigma da cosmodernidade. Talvez fosse uma
milênio. A história é feita por todos nós, e por isso boa ideia começar a mudar o sistema de referên-
todos nós temos que escrevê-la conjuntamente e cia compreendendo que a atual sociedade-mundo
sem hierarquizações culturais no espaço-tempo. não é um presente dos nossos pais e mães, mas
O Espaço Tempo Cibernético representa, efetiva- um empréstimo dos nossos filhos e filhas. E o que
mente, o nível de Realidade propício para desen- acharão as futuras gerações dos seus pais e avôs
volver o paradigma da cosmodernidade baseado se não fizerem tudo o que estiver em suas mãos
na aceitação, na compreensão e na superposição para melhorar e salvaguardar a sociedade-mundo?
da diversidade cultural. Seguramente nada de promissor para o futuro da
Tratar-se-ia, em essência, de reconceitualizar vida em nosso modesto planeta nos espera caso não
as escolas e a sua função social de construção se faça o esforço criador para mudar o rumo do de-
psicológica das futuras gerações cidadãs. Para isso senvolvimento humano global. E daí a emergência
teríamos que empoderar as escolas, salvando-as da de uma educação para a cidadania global.

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Recebido em: 07.04.2014


Aprovado em: 26.09.2014

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Miguel Corrêa Monteiro

O ENSINO NUMA ESCOLA PLURAL

Miguel Corrêa Monteiro∗

RESUMO

É inegável que a educação inter/multicultural tem vindo a ganhar uma importância


cada vez maior devido, em parte, ao próprio fenômeno do racismo na Europa, que
tem sido, no nosso entender, provocado pelas políticas de imigração mal reguladas
e não integradoras, em parte derivadas da própria lógica cega de mercado associada
ao fenômeno da globalização. A mudança que a escola confronta é correlativa da
mudança em curso nas sociedades ocidentais – a passagem de sociedades de figurino
predominantemente nacional e relativamente estáveis na sua fisionomia sociocultural
da primeira metade do século XX, às sociedades características do pós anos 1960,
crescentemente multiculturais e multiétnicas, numa sociedade global onde as fronteiras
se esbatem, onde a circulação de informação e de pessoas é uma constante, onde os
níveis de bem-estar subiram, mas os fenômenos de exclusão se agravaram.
Palavras-chave: Formação de professores. Multiculturalismo. Formação plural.

ABSTRACT

TEACHING IN A PLURAL SCHOOL


It is undeniable that inter/multicultural education has become more important due in
part to the phenomenon of racism in Europe that has been, in our point of view, caused
by poorly regulated and non-integrating immigration policies, partly derived from
the own blind logic of market associated with the phenomenon of globalization. The
change the school is confronted with is a correlated to the ongoing change in Western
societies – the passage of predominantly national companies that are relatively stable
in its socio-cultural physiognomy of the first half of the 20th century to companies
of the postwar years after the sixties which are increasingly multicultural and
multiethnic societies in a global society where there are no borders and the circulation
of information and people is a constant, where welfare levels have increased, but the
phenomena of exclusion have exacerbated.
Keywords: Teacher training. Multiculturalism. Plural formation.


Doutor em História pela Universidade de Lisboa. Professor agregado no Departamento de História da Faculdade de Letras
da Universidade de Lisboa. Diretor do Mestrado em Didática da História. Coordenador da Comissão Científica do Mestrado
em Formação em Ensino de História/Geografia da Universidade de Lisboa. Rua José Carlos da Maia 123 –A 2775-214 Parede
Portugal. miguelscmonteiro@gmail.com.

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O ensino numa escola plural

Introdução próprio fenômeno do racismo na Europa, que tem


sido, no nosso entender, provocado pelas políticas
O presente artigo aborda na primeira parte um de imigração mal reguladas e não integradoras, em
tema que nos parece ser fundamental na formação parte derivadas da própria lógica cega de mercado
inicial de professores, nomeadamente em História: associada ao fenômeno da globalização.
a educação inter/multicultural. Assim, procuramos A ideologia igualitária adotada na Comunidade
focalizar diversas situações próprias de uma socie- Europeia estimula os Estados a proteger os direitos
dade que tem uma dimensão multicultural inegável humanos e a promover a igualdade de oportunida-
em Portugal, e tem vindo a ganhar uma importância des para todos, assegurando a inclusão estrutural de
cada vez maior na Europa, sendo alvo de políticas diferentes grupos raciais, étnicos e socioculturais
de imigração mal reguladas e não integradoras, na sociedade. Mesmo com esta preocupação com
no nosso entender, em parte derivadas da própria ideias democráticas essenciais, há claras evidên-
lógica cega de mercado associada ao fenômeno de cias de que na nossa sociedade, e, aliás também
globalização. no restante da Comunidade Econômica Europeia,
Como é que este fenômeno afeta a Escola? A subsistem ainda desigualdades de acesso e sucesso,
mudança que esta confronta é correlativa da mu- raciais, étnicos e de classe social. As instituições
dança em curso nas sociedades ocidentais – a passa- educativas são geralmente consideradas como ins-
gem de sociedades de figurino predominantemente tituições que desempenham um papel importante
nacional e relativamente estáveis na sua fisionomia na distribuição da igualdade de oportunidades,
sociocultural da primeira metade do século XX, às bem como na socialização dos alunos na cultura do
sociedades características de finais pós anos 1960, Estado-Nação. Daí a importância de tentar intervir
crescentemente multiculturais e multiétnicas, numa na nossa sociedade procurando assegurar que ela
sociedade global onde as fronteiras se esbatem, aceite a diversidade étnica e sociocultural dos alu-
onde a circulação de informação e de pessoas é uma nos ao promover a igualdade de oportunidades nas
constante, onde os níveis de bem-estar subiram, instituições de educação, em particular nas escolas
mas os fenômenos de exclusão se agravaram. (CORTESÃO, 1995).
Na segunda parte abordamos a problemática Essa problemática exige um sério exame de
da formação inicial de professores, que no nosso conceitos, enquadramentos teóricos desenvolvi-
entender deve ser mais qualitativa do que quan- dos na educação multicultural na união europeia,
titativa, e onde se deve investir na humanização bem como o conhecimento profundo do estado do
dos processos de ensino. A formação inicial faz problema em Portugal. Em seguida exigirá uma
todo o sentido se tiver como ponto de partida uma urgente necessidade de conceber, implementar e
sólida preparação científica, for seguida de uma avaliar programas que estimulem a educação dos
preparação para a realidade social muito diversa alunos com diversas culturas. Daí a importância de
das escolas portuguesas. desenvolver saberes e qualidades dos professores
e formadores de professores que lhes permitirão
A educação inter/multicultural enfrentar de modo eficaz esta problemática.
na Comunidade Europeia – o caso O problema que se irá enfrentar será o decorren-
Português te do fato da Escola Portuguesa, através das suas
práticas habituais, não considerar nem valorizar as
Se a educação multicultural estava focalizada diferentes culturas presentes no processo de ensino-
inicialmente em grupos raciais minoritários, hoje -aprendizagem. Aqui reside muito provavelmente
em dia esta realidade aplica-se de igual modo a uma das causas da maciça incidência do insucesso
uma série de diferenciações linguísticas, de classe escolar que ocorre com crianças culturalmente mais
e de gênero sexual, bem como em outras de ordem distantes da norma cultural escolarmente aceite
social e étnica. De fato, é inegável que a educa- (ciganos, cabo-verdianos, crianças oriundas de
ção inter/multicultural tem vindo a ganhar uma bairros degradados etc.). Ao tratar este problema
importância cada vez maior devido, em parte, ao inicia-se uma tentativa de promover um processo

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Miguel Corrêa Monteiro

educativo com características tais que assegure não os autores apontam para a possibilidade de haver
a integração, mas certos aspetos de aculturação e, uma espécie de democracia constitucional que
sobretudo, de acomodação de diferentes culturas proporcione essa política, baseada não na classe, na
existentes na nossa sociedade (CORTESÃO, 1995). etnia, no sexo ou na nacionalidade, mas sim numa
Não estaremos a tratar este problema com novos cidadania democrática de liberdades, oportunida-
guetos, agora em altura, que só são diferentes des e responsabilidades iguais para os indivíduos
dos do século XVI porque não têm portas que se (GUTMANN, 1994).
fecham à noite?
2. As sociedades multiculturais e
1.1. Multiculturalismos e direitos as dimensões curricular e social da
individuais Escola

Outra das principais questões com que se depara As sociedades do século XX foram, sem dúvida
o multiculturalismo é a relação problemática entre alguma, sociedades multiculturais, e porventura
o reconhecimento de identidades coletivas, o ideal virão a sê-lo ainda mais durante o século atual. Não
da autenticidade individual e a sobrevivência das estamos, portanto, em presença de um fenômeno
culturas. Gostaríamos de salientar o pensamento que tenha origem na escola, mas que nela se revela,
do filósofo político Jürgen Habermas, que tem sobretudo porque a escola é uma das instituições em
dado importantes contributos à discussão atual de que mais frequentemente se encontram pessoas de
dimensão multicultural sobre a relação entre demo- origens diferentes. E, se aparentemente na socieda-
cracia constitucional e uma política que reconhece de portuguesa a integração da diferença cultural se
diversas identidades culturais, fez com menores problemas do que noutros países
distingue entre cultura, no sentido lato, que não pre- ocidentais, há também sinais de alguma incomo-
cisa de ser partilhada por todos os cidadãos, e uma didade e conflito, havendo mesmo quem defenda
cultura política comum caracterizada pelo respeito a existência de um “racismo oculto”. E “oculto”
mútuo dos direitos. A democracia constitucional de- porque os portugueses teriam dificuldade em o
dica-se a esta distinção ao garantir aos membros das reconhecer, já que a História os afirma como um
culturas minoritárias ‘direitos iguais de coexistência’ povo aberto aos outros, capaz de tecer laços fáceis
com as culturas maioritárias. Tratar-se-á de direitos com a diferença cultural (FIGUEIREDO, 1999).
de grupo ou de direitos individuais? Habermas sus- Contudo, essa tradicional “tolerância” tem sido
tenta que são direitos individuais de associação livre posta em causa, não só em relação ao passado (à
e de não-discriminação, direitos esses que, por isso, história da colonização portuguesa) como, so-
não garantem a sobrevivência para nenhuma cultura.
bretudo, no presente. A partir dos anos 1980, e à
O projeto político de conservar as culturas como se
medida que Portugal foi recebendo cada vez mais
de espécies em vias de extinção se tratasse priva-as
da sua vitalidade e aos indivíduos da sua liberda- emigrantes, os sinais de intolerância começaram
de para rever e até mesmo rejeitar as identidades a surgir nas grandes cidades e nos meios rurais.
culturais herdadas. As democracias constitucionais Talvez porque, como afirmou Perrotti (2003, p. 9),
respeitam um vasto leque de identidades culturais, enquanto a economia, as finanças, a tecnologia da
mas não asseguram a sobrevivência a nenhuma delas. informação e da comunicação se propagam cada
(GUTMANN, 1994, p. 12, grifo do autor). vez mais, a cultura tem tendência a localizar-se, a
Tanto Habermas como K. Anthony Appiah, tomar dimensões comunitárias, num certo sentido, a
professor catedrático de Estudos Afro-Americanos tribalizar-se, o que pode desencadear processos nega-
tivos de exclusão, de discriminação, de intolerância.
e de Filosofia, de Harvard, apresentam respostas
complexas em relação à questão de poder existir A escola portuguesa está a assumir, princi-
uma política de reconhecimento que respeite a palmente nas grandes cidades como Lisboa, uma
pluralidade de identidades culturais e que não dimensão multicultural, o que em si mesmo não
restrinja demasiado a vida de uma pessoa. Ambos consideramos como uma realidade negativa. O

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O ensino numa escola plural

que entendemos ser negativo é não vermos uma A escola constitui-se historicamente – repor-
verdadeira política de integração que combata o es- tando-nos à escola instituição pública tal como se
tigma que carregam certas etnias na sociedade que estabelece depois do século XVIII e ao longo do
as identifica como subculturas, e que têm muitas século XIX e para assegurar de forma sistemática,
vezes na origem problemas de raiz socioeconômica relativamente eficaz e econômica, um conjunto de
e de exclusão. Não são as diferenças econômicas aprendizagens que socialmente se tinham como
ou étnicas que vão contra o princípio fundamental necessárias para um determinado tempo, contexto
que é o significado da família na formação do e setor da população. É, pois, esse conjunto de
indivíduo, estando a força dos laços existentes aprendizagens necessárias, mutável e socialmente
na razão direta dos comportamentos socialmente construído – que hoje designamos por currículo –,
enquadrados. Contudo, o que fazer aos jovens da que a sociedade remete à escola para que garanta
segunda geração, os revoltados, os desenraizados a sua passagem/apropriação. Segundo Maria do
que recusam ser integrados e a língua e cultura Céu Roldão,
portuguesa? O que fazer dos que se servem de pode assim conceitualizar-se a escola como uma
Portugal e se consideram com todos os direitos e instituição curricular, tornando desta forma clara a
sem deveres para com o país que acolheu os seus especificidade da sua função social que se integra –
pais e onde, bem o mal, vivem? Será que aqueles mas não se confunde – num conjunto mais vasto de
finalidades educativas socialmente visadas, para as
que aqui vêm ganhar o pão têm o direito de atentar
quais concorrem, mas por vias diversas, instituições
contra o esforço dos que querem aprender e, deste tão distintas como as famílias e a escola. A constru-
modo, tentam sair do círculo vicioso da miséria e ção das desejáveis parcerias entre a diversidade de
do não-futuro? agentes educativos numa sociedade exige que cada
A escola tem enfrentado esse novo desafio. E uma não se dilua numa miscelânea difusa de fun-
distinguimos, nesse desafio, dois objetivos dife- ções nem se descaracterize em sucessivas funções
rentes, embora interligados. Por um lado, trata-se supletivas de outras, mas assuma adequadamente as
da escola ter capacidade de promover a integração suas contribuições específicas, concebendo-as com
uma visão global lúcida do todo de que são parte.
social desses jovens, face à sua dupla missão socia-
(ROLDÃO, 2000, p. 70).
lizadora e integradora. Mas também aqui terá que
se encarar a socialização de um modo diferente, É a partir da matriz organizativa original, his-
pois a forma como tradicionalmente é encarada tem toricamente situada, que esta instituição que hoje
conduzido os educadores apenas ao trabalho sobre se naturalizou na representação social comum
regras e hábitos de conduta aceites e desejáveis pela evoluiu, construiu a sua organização, estruturou
cultura dominante (FIGUEIREDO, 1999). o seu funcionamento e foi gerindo as dinâmicas
internas e externas que foi gerando e enfrentan-
A complexidade das situações sociais atuais, que
do. A aprendizagem escolar, inicialmente olhada
hoje se visualiza agudamente na escola, tem sido
como predominantemente instrutiva e funcional,
frequentemente absorvida e, de certa forma, esvazia-
da de conteúdo, na retórica recorrente e persistente apropriou também no currículo, desde o início
centrada na mudança. Fala-se, escreve-se e legisla-se da sua história institucional, a sua quota-parte de
tomando como referente a mudança, a preparação funções educativas mais amplas (valores, atitudes,
para a mudança, a alegada resistência à mudança, práticas), quer pela vertente de socialização que lhe
sem que se explique e analise com clareza a natureza é inerente, quer pela carga sociocultural que todas
e a especificidade desta mudança particular que a as aprendizagens curriculares comportam, quer
escola deste tempo enfrenta, nomeia, mas raramente ainda pela importância que essas aprendizagens
desmonta. Referencia-se a mudança como se fosse curriculares assumem na definição do tecido cultu-
fator único, determinante e exclusivo da época atual, ral, político e simbólico que uma sociedade partilha
como se mudar não fosse inerente à própria natureza e com que se define como identidade.1
da vida, quer dos indivíduos, quer dos grupos, quer
1 Segundo a autora, “A escola pode caracterizar-se socialmente como
das sociedades, quer das organizações (ROLDÃO, instituição curricular, tomando currículo no sentido de conjunto de
2000, p. 69). aprendizagens consideradas necessárias à inserção de cada indivíduo

156 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 153-162, jul./dez. 2014
Miguel Corrêa Monteiro

A escola tem sido organizada como uma institui- do ensino superior, gerando fenômenos educa-
ção com uma série determinada de características cionais quase inteiramente novos. Destacam-se:
que têm por finalidade a formação segundo um a subida da procura da educação como bem social
padrão curricular disciplinar, em que o mesmo e como um direito de todos; a presença na escola
sucesso curricular está em primeiro lugar, segundo de todas as classes sociais, todas as minorias e
projetos de formação massificante. culturas, todas as situações que a regulação social
As aprendizagens curriculares que socialmen- anterior remetia para saídas não escolares ou de
te se esperam da escola estabelecem-se por uma escolaridade mais curta; a coexistência na vida
permanente construção social, nunca neutral, que das escolas de valores dissonantes ou antagônicos
reflete quer o tempo que se vive, quer a negociação que é difícil pôr em diálogo; a incomunicação da
dos interesses em presença, seja ela sob forma de cultura escolar e do seu registro discursivo face
debate aberto entre os atores sociais envolvidos, aos novos públicos, gerando e alimentando os dois
seja sob modos de imposição ou persuasão pelos maiores indicadores de desajuste e disfunção hoje
mais fortes, influência de lobbies diversos, pressão evidentes nos sistemas educativos e, muito parti-
de grupos profissionais e interesses econômicos e cularmente, no sistema português, que emergiu de
inúmeras outras formas através das quais os inte- vicissitudes históricas particulares: o insucesso e
resses em presença lutam e se fazem atuantes no o abandono escolares (ROLDÃO, 2000).
corpo social (APPLE, 1997).
A função curricular definidora da escola com- 2.1 O que mudou na Escola?
porta uma vertente explícita e formalizadora, em
diversos graus e registros, que é necessariamente O que mudou, entretanto, na escola, herdeira
mediatizada pela vertente implícita que impregna a do modelo organizativo taylorista de que falamos
vida, as práticas e a cultura de qualquer organização atrás, confrontadas há pelo menos três décadas com
e se faz passar, com fortíssimo impacto, através da esta nova realidade? Abandonou ou reformulou a
vivência institucional e interpessoal quotidiana e sua organização estrutural? Substituiu as turmas
pela natureza eminentemente socializadora que a uniformes por outras formas de agrupamento e
escola assume. de trabalho? Reformulou o uso dos espaços e a
A mudança que a escola confronta é correlativa quadrícula horária para atender de outro modo
da mudança em curso nas sociedades ocidentais os alunos que hoje tem? Repensou a organização
– a passagem de sociedades de figurino predomi- essencialmente individual do trabalho docente
nantemente nacional e relativamente estáveis na de forma a garantir uma melhor consecução de
sua fisionomia sociocultural da primeira metade aprendizagens? Nestes aspetos, e num conjunto
do século XX, às sociedades características do bem vasto de sistemas educativos, quase nada da
pós anos 1960, crescentemente multiculturais matriz organizacional inicial foi alterado no essen-
e multiétnicas, numa sociedade global onde as cial (ROLDÃO, 2000).
fronteiras se esbatem, onde a circulação de in- Como afirmava Leonardo Coimbra (1926, p. 9),
formação e de pessoas é uma constante, onde os a Educação há-de ser “mais voltada para o futuro
níveis de bem-estar subiram, mas os fenômenos do que para o passado ou presente”. Contudo, ele
de exclusão se agravaram. Nestas sociedades, e próprio se perguntava: quer isto dizer que a edu-
sob o impulso quer do reforço dos valores demo- cação se perca num futurismo de simples forma?
cráticos no pós-guerra, quer das novas pressões Não – respondia de imediato -; ela terá de ser [...]
resultantes de desenvolvimentos do mercado de o principal elemento da própria continuidade histó-
trabalho, a escolarização longa, outrora reserva- rica da Cultura”, e assinalava que a Educação “não
das apenas a alguns na estratificação social então pode fazer-se por simples ministério”, ela é “uma
aceite, massificou-se, num primeiro momento, e obra de conjunto em que todos terão de intervir”. As
prolongou-se depois, em extensão, até aos níveis incompatibilidades culturais são a causa de muitos
num dado quadro social, num dado momento e contexto histórico” juízos de valor de professores em relação aos alunos
(ROLDÃO, 2000, p. 70). e vice-versa. Reparemos nesta carta escrita por um

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 153-162, jul./dez. 2014 157
O ensino numa escola plural

pai americano nativo ao professor do seu filho. Portugal, “uma terra que ansiava pelo mar”, como
Não poderia a mesma aplicar-se perfeitamente à afirmou Pessoa, e que se confirmou no relaciona-
realidade portuguesa, onde em muitas escolas os mento miscigenado por onde andamos, e que nos
alunos das minorias étnicas estão a constituir-se confere uma importantíssima responsabilidade que
como a maioria em muitas turmas do terceiro ciclo é a da transmissão às futuras gerações dos valores
do ensino básico? mais profundos da nossa alma coletiva, razão de
Ele não é culturalmente ‘desfavorecido’, mas é cul- sermos portugueses.
turalmente diferente! [...] Ele foi apanhado no meio
de dois mundos, cada um com sistemas culturais 3. A formação inicial em História no
completamente distintos. Quero que o meu filho Ramo de Formação Educacional da
tenha sucesso na escola e na vida. Não quero que Universidade de Lisboa
ele seja um desistente ou um jovem delinquente ou
ainda que acabe na droga ou no álcool por causa da
Encontrando-nos ligados, desde 1987, ao Ramo
discriminação. Quero que ele se orgulhe da sua he-
rança e cultura ricas e gostaria que ele desenvolvesse
de Formação Educacional da Faculdade de Letras
as capacidades necessárias à adaptação e ao sucesso da Universidade de Lisboa pelo Departamento de
em ambas as culturas. Mas preciso da sua ajuda. O História, gostaríamos de partilhar com os colegas
que diz e o que faz na aula, o que ensina e o modo e demais leitores, as nossas certezas e também as
como o faz, bem como o que não diz o que não ensina nossas dúvidas quanto aos modelos e práticas de
terão um efeito significativo no potencial sucesso formação inicial de professores.2 O fato da for-
ou fracasso do meu filho. [...] O que lhe peço é que mação de professores só muito recentemente ter
trabalhe comigo, não contra mim, na melhor forma constituído objeto de reflexão sistematicamente
de educar o meu filho. O meu Wind-Wolf não é um organizada e fonte de preocupação dos responsá-
copo vazio para encher na sua aula. Ele é um cesto veis pelos sistemas de ensino é bem revelador da
cheio colocado num ambiente e numa sociedade
existência de uma autonomia relativa entre a refle-
diferentes com algo para partilhar. Por favor, deixe
que ele partilhe o que sabe, a herança e a cultura xão e o objeto refletido, e entre este e os sistemas
dele, quer com os colegas, quer consigo. (LAKE, mais vastos onde ele se insere (CORREIA, 1989).
1990 apud WAYMAN, 2000 p. 22). À maneira se Rui Grácio (1973, p. 31, grifo do
autor) diremos que
Partilhamos a opinião de John Dewey (1959), ao
escolher o valor democrático e liberal da diversida- se nos inspirarmos numa pedagogia quantitativa de
de e ao relacioná-lo com o valor de alargamento de ‘indigestão mental’, como referia António Sérgio,
então há-de parecer não só razoável como necessá-
horizontes culturais, intelectuais e espirituais. Nesta
rio, que os futuros professores tenham uma longa
perspectiva, o contributo da História, juntamente formação académica de base, parecendo igualmente
com todas as restantes disciplinas curriculares é razoável considerar desnecessária, ou dispensável,
vital numa verdadeira política de integração assu- ou quando muito subsidiária e marginal, a formação
mida sem complexos de culpa. Diremos então com pedagógica. Se ao contrário, nos inspirarmos numa
Marc Bloch, “evitemos retirar à nossa ciência o seu pedagogia qualitativa de intenção formativa, a al-
quinhão de poesia. [...] Seria espantosa tolice julgar ternativa é outra: formação académica e formação
que, pelo facto de exercer sobre a sensibilidade um pedagógica hão-de integrar-se num todo em que
apelo tão poderoso, a História fosse menos capaz de existam, com a harmonia possível, uma pela outra.
satisfazer também a nossa inteligência” (BLOCH, Isso coloca um desafio a qualquer professor
1977, p. 77). de Didática, que deve demonstrar competências
Não é possível assumirmos a nossa responsabi- científicas, curriculares e pedagógico-didáticas,
lidade histórica (cuja fatura está a ser apresentada que deverão convergir na resolução de questões de
agora) se recusarmos a inspiração dos valores de
civilização e de cultura que nos caracterizam como 2 Tratou-se do Seminário intitulado “Modelos e Práticas de Formação
Inicial de Professores”, promovido pelo Grupo de Trabalho sobre For-
povo e são um dos suportes da nossa identidade na- mação Inicial de Professores da Universidade de Lisboa na Faculdade
cional, e da dimensão humanista e universalista de de Psicologia e Ciências da Educação. Lisboa, em outubro de 2001.

158 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 153-162, jul./dez. 2014
Miguel Corrêa Monteiro

prática pedagógica. É que o professor de didática a teoria e a prática pedagógica. Não queremos com
movimenta saberes de três áreas: a do especia- isto dizer que a vertente científica deva ficar em-
lista, neste caso de História, que conhecendo os pobrecida na formação. Ainda que os professores
programas, seleciona os conteúdos e organiza-os estagiários sejam autênticos professores nas escolas
didaticamente; a do psicólogo, que realiza a aná- onde ficaram colocados (com todos os direitos e
lise da matéria a ensinar segundo os indivíduos a deveres inerentes), não devem perder de vista que
que se destina; e a do pedagogo, cuja tarefa será a são também alunos do Ensino Superior, numa re-
de adequar o discurso científico ao nível etário e alidade pós-licenciatura, que a dimensão científica
cognitivo dos alunos. ligada à prática de investigação é fundamental na
Quando se subestima o conhecimento científico Universidade.
sobre educação, fica posto em causa o princípio O que defendemos é um equilíbrio das com-
orientador da própria formação inicial, que consiste ponentes científica, pedagógica e didática, que
numa articulação entre a fundamentação teórica permitam aos licenciados chegar aos núcleos de
e a atividade prática do professor. Quando existe estágio com uma rigorosa preparação científica
desarticulação entre os programas universitários e de base, e sabendo o que fazer na sala de aula. Os
a realidade com que se deparam os professores es- conteúdos abordados foram os seguintes:
tagiários, os seminários de ensino superior passam
a) A problemática do papel e do lugar da
a ser meros continuadores do último ano de licen-
História no contexto dos Ensinos Básico e
ciatura, com clara apetência para a discussão de
Secundário:
conteúdos científicos e em que a estratégia se centra
na figura do professor e no método expositivo. • Finalidades do ensino da História na esco-
Com afirmou Jean Maisonneuve (1970, p. 70), laridade obrigatória;
• A História como disciplina curricular;
[...] do ponto de vista cultural não há dúvida que a • Análise de programas e manuais;
tradição didática, a todos os níveis, na Universidade, • O lugar da História face às componentes
encoraja a adoção de uma atitude diretiva, apesar de
curriculares, disciplinar e não-disciplinar.
pretender ser crítica e eclética. Consiste em fornecer
informações, apresentar métodos, prescrever normas b) A planificação didática:
e em impor um sistema mais ou menos rígido de • Fatores condicionantes;
comunicação, operações que se destinam a realizar
• Planificação a longo, médio e curto prazo;
uma determinada aprendizagem e que serão no
final sancionadas por provas de tipo normativo ou
• Modelos de planificação aplicados à
competitivo. O jovem professor, mergulhado neste História;
contexto, familiarizado com estes esquemas, ele pró- • Aplicação da planificação a unidades de
prio imbuído destes modelos durante o seu passado ensino;
escolar, dispõe de parcos recursos para adotar na sua • Os principais problemas do ensino da histó-
turma atitudes menos diretivas; dispões também de ria (modelos, técnicas e estratégias);
fraca experiência anterior para aprender e controlar • Os conceitos e o papel da linguagem;
os processos coletivos em que se vê envolvido.3 • Princípios gerais de metodologia do ensino
Por conseguinte, se na Formação Educacional da História;
se insistir demasiado no aprofundamento exclusi- • Estratégias e recursos no ensino da Histó-
vo de conteúdos científicos, corre-se o risco de a ria – a importância das novas tecnologias;
tornar uma extensão das licenciaturas e os modelos • O ensino da História e a relação com o meio.
expositivos continuarão a ser praticados, e nunca c) Avaliação:
haverá uma articulação desejável e proveitosa entre • A problemática da avaliação;
3 Sobre este assunto achamos que os alunos do Ramo de Formação • Tipos e instrumentos de avaliação;
Educacional precisam de mais formação ao nível das teorias rela- • Funções e técnicas de avaliação;
cionais, bem como o reforço da aprendizagem das grandes questões
relacionadas com a indisciplina e comportamentos desviantes dos
• Confronto entre diversos tipos de avaliação;
alunos na aula e na Escola. • A metodologia de projeto.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 153-162, jul./dez. 2014 159
O ensino numa escola plural

4. A Teoria curricular e a Didática de A a Z, mas para fornecer instrumentos concep-


específica tuais que permitam aos licenciados pensar, criticar,
investigar, uma vez que é muito comum, durante
Pensamos ser fundamental que os professores os dois anos de formação profissionalizante, en-
em formação inicial, num momento em que a His- contrarmos alunos a atribuir culpa da sua falta de
tória e a Geografia se vão separar no Mestrado em preparação aos antigos professores.
Ensino do Instituto de Educação da Universidade O uso profissional do conhecimento científico
de Lisboa, reconheçam a importância da Didática, sobre educação é fundamental para servir de base
não só como disciplina científica, mas também a aos aspetos teórico-práticos das metodologias de
sua integração com as Ciências da Educação. Se ensino que passam pela valorização da atitude geral
houver desarticulação entre as diversas disciplinas da educação (o que implica a noção de formador
curriculares, haverá sempre conteúdos que são du- e não somente de instrutor), pelas modalidades de
plamente abordados, muitas vezes com perspetivas ação pedagógica, pelo papel do profissional face ao
antagônicas, o que causa desnecessária confusão saber, pelos aspetos relacionais, pelo conhecimento
nos alunos. da didática aplicada aos espaços psicopedagógicos,
É muito importante que haja uma articulação pela motivação, pela valorização, sem exageros
estreita entre a Teoria Curricular e a Didática duran- das potencialidades formativas da História numa
te o primeiro ano de formação, para não se correr época de grandes desafios para a disciplina e para
o risco de transformar a primeira numa realidade as escolas.
demasiado teórica, complexa e árida, o mesmo Como afirmou Gilles Ferry,
ocorrendo com a segunda, ao perder-se de vista a
realidade escolar dos ensinos Básico e Secundário. […] a intervenção das Ciências da Educação na for-
mação dos professores não deve ser encarada como a
Entendo que a atuação do professor de Didática
aquisição de um conjunto de conhecimentos aplicá-
em geral e da História, no meu caso, no que diz veis à prática pedagógica, mas como um conjunto de
respeito à ligação do seminário com os núcleos mediações utilizáveis para perceber e compreender
de estágio sediados nas Escolas do Ensino Básico os múltiplos aspetos do drama educativo, dar sentido
e Secundário que cooperam com a Faculdade de a um projeto, controlar os efeitos de um método ou
Letras de Lisboa, é importantíssima não somente de um dispositivo. (FERRY, 1975, p. 71).
em relação à experiência de âmbito científico e
Sem conhecimento científico sobre educação,
pedagógico-didático trazida pelos professores
nunca haverá uma articulação concreta entre as ati-
estagiários da sua prática letiva e não só, como na
vidades realizadas pelos professores estagiários nas
procura de um entrosamento em relação à própria
escolas e os seminários de ensino superior. Aliás,
equipe de formadores.
O professor de Didática da História deve pro- a nível do ensino superior, quer o exercício da ativi-
curar que os seus alunos, futuros professores, se dade profissional, quer as condições simbólicas ne-
conscientizem do seu papel nos múltiplos saberes cessárias à sua integração na classe profissional, não
da Escola Moderna, conheçam o contributo da exigem uma informação pedagógica. A progressão
História da Educação para melhor compreenderem na carreira faz-se através de um processo de avalia-
ção das suas competências científicas, o que é bem
o papel dos modelos educativos e os seus objetivos,
revelador da sobrevalorização do seu papel enquanto
adquirindo sólidas bases que irão aplicar na prática
transmissor de conhecimentos. A organização da car-
letiva e docente, depois de terem adquirido, como
reira profissional faz pensar que é suficiente possuir
já afirmamos, uma sólida formação científica. os conhecimentos para que se possa transmiti-los.
Contudo, a formação inicial de professores não Em última análise, este processo de reconhecimento
serve para fornecer todo o saber sobre Pedagogia implícito de competências profissionais é funcional-
e Didática, tal como nas licenciaturas não se pode mente coerente com as características sociológicas
ensinar tudo. de um público utente homogeneizado pelo processo
Insistimos muito na perspetiva de que a Univer- de seleção social e/ou aculturado através da realida-
sidade não serve para ensinar todo o conhecimento de. (CORREIA, 1989, p. 92).

160 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 153-162, jul./dez. 2014
Miguel Corrêa Monteiro

Apesar das variações que são possíveis identi- Conclusão


ficar no sistema (formal ou informal) de formação
de professores, de acordo com os diferentes graus A discussão das teorias de aprendizagem sem
de ensino, este apresenta um conjunto de carac- perspectivas de aplicação na realidade educativa,
terísticas comuns que pressupõe uma imagem que é muito diversa, porque abrange uma rede de
do professor como um transmissor de conheci- escolas diferentes, conforme as zonas geográficas e
mentos desenvolvendo-se segundo um processo que, em alguns casos assume uma dimensão multi-
cumulativo resultante do avanço da investigação étnica muito evidente, tornará o ensino demasiado
científica. teórico e desadequado às efetivas necessidades dos
[…] O sistema é, assim, um sistema reprodutor. Ele
alunos. Se não forem dadas condições para que os
reproduz saberes e saber-fazer, ele reproduz resul- docentes universitários envolvidos nos Mestrados
tados de investigação realizados pela instituição em Ensino – continuadores do Ramo de Formação
universitária, em suma, ele reproduz-se reproduzindo Educacional da Faculdade de Letras da Univer-
as condições sociológicas e sócio-pedagógico-cien- sidade de Lisboa – possam fazer uma constante
tíficas que justificam a sua existência e estruturação. atualização científica e pedagógico-didática, será
Ele reproduz, pois, não só o saber, mas também o po- mais agravada a desarticulação entre as componen-
der que a posse deste saber legitima, induzindo uma tes curriculares da referida formação e as necessi-
relação pedagógica profundamente autoritária onde o dades exigidas pela prática letiva dos professores
formador é considerado como o sujeito de formação, estagiários, além da supervisão pedagógica perder
já que ele é suposto possuir o saber legítimo, exerce
eficácia. A formação deixará, então, de fazer senti-
um poder explícito sobre o formando, considerado
este como um objeto de formação desprovido de do, e os alunos não verão qualquer utilidade, antes
saber e desejoso de o absorver. (CORREIA, 1989, uma perda de tempo, nas deslocações semanais à
p. 92-94). Faculdade.

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O ensino numa escola plural

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WYMAN, Sarah LaBrec. Como responder à diversidade cultural dos alunos. Lisboa: Edições ASA, 2000.

Recebido em: 30.05.2014


Aprovado em: 10.09.2014

162 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 153-162, jul./dez. 2014
Maria Olivia de Matos Oliveira; Maria de Lourdes Soares Ornellas

MÍDIA E EDUCAÇÃO:
INTERFACE PROCESSUAL NA TEORIA
DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Maria Olivia de Matos Oliveira∗


Maria de Lourdes Soares Ornellas∗∗

Resumo

O presente artigo trata das relações entre mídia e educação, na interface com as
representações sociais, discutindo o papel das mídias na formação da sociedade
contemporânea, criticando os impactos sociais da globalização e da tecnologia. O
estudo também analisa as mensagens veiculadas e organizadas pelos atores sociais,
a partir de critérios cognitivos, afetivos, ideológicos, sociais, históricos e culturais, à
luz da teoria das Representações Sociais conceituada como o conhecimento do senso
comum e formada em razão do cotidiano do sujeito. Tomando como base teóricos que
são referências nas Representações Sociais – Moscovici (1976, 1978); Jodelet (2009);
Jovchelovitch (2004); Alves-Mazzotti (1994); Sá (1998) – e da Mídia – Thompson
(2007, 2011); McLuhan (2005); Martín-Barbero e Rey (2001); Dizard (2000) –,
as autoras aprofundam o debate sobre os limites e as potencialidades dos meios de
comunicação de massa, sua capacidade de modelação da opinião pública, resgatando o
sujeito que expressa um saber prático de assimilação, aprendizagem e interpretação do
mundo, que é produzido coletivamente na prática social e nas relações interpessoais.
É uma abordagem que se encontra hoje no centro de um debate interdisciplinar, pois
tenta nomear e fazer relações entre as construções simbólicas e a realidade social.
Por outro lado, é intenção das autoras, que vêm estudando essa temática, quer nos
respectivos grupos de pesquisa, quer nas publicações, deixar sementes que possam
germinar, abrindo novos recortes e outras perspectivas de análises da escuta da mídia
e de seu saber-fazer, para futuros pesquisadores e acadêmicos.
Palavras-chave: Mídia. Recepção crítica. Sujeito. Representações sociais.


Professora Pleno da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) Programa de Pós-Graduação PPGeDUC/UNEB. Vice-Coor-
denadora do Mestrado Profissional em EJA/MPEJA. Grupo de pesquisa: Sociedade em Rede, Pluralidade Cultural e Conteúdos
Digitais Educacionais. Endereço: Condomínio Parque Encontro das Águas, Quadra Q, Lote 08, Lauro de Freitas-BA. CEP:
42700-000. mariaoliviamatos@gmail.com
∗∗
Professora titular da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicanálise e Edu-
cação e Representação Social (GEPPERS) do PPGEduC, na UNEB, que abriga duas linhas de pesquisa: Psicanálise e Educação
e Educação e Representação Social. É Coordenadora do Núcleo de Estudos em Representação Social e Afeto na Educação
(NEARS). Membro da Associação de Psicanálise da Bahia. Endereço: Rua Tenente Fernando Tuy, Mansão Central Park, 318,
apto 702 - Alto do Parque, Salvador-BA. CEP: 41.840498. ornells1@terra.com.br

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 163-172, jul./dez. 2014 163
Mídia e educação: interface processual na teoria das representações sociais

Abstract

MEDIA AND EDUCATION: PROCEDURAL INTERFACE IN SOCIAL


REPRESENTATIONS THEORY
This article discusses the relationship between media and educationat the interface with
the social representations, and it debates the role of different media in the formation
of contemporary society, as well as criticizes the social impacts of globalization
and technology. The study also analyzes broadcast messages organized by social
actors, based on cognitive, affective, ideological, social, historical and cultural
criteria from a Social Representation viewpoint, conceived of as commonsense
knowledge and formed by the daily life of the subject. Taking as theoretical base
researchers who are reference in the two fields of study presented here as, in social
representation, MOSCOVICI (1976; 1978); JODELET (2009; JOVCHELOVITCH
(2004); ALVES – MAZZOTTI (1997); SÁ (1994), and in media, (THOMPSON,
2007; 2011); McLUHAN (2005); MARTÍN-BARBERO (2001); DIZARD (2000),
the authors deepen the debate about the limits and potentialities of the means of mass
communication, their ability to manipulate public opinion, bringing back the subject
who expresses a practical knowledge of assimilation, learning and interpretation
of the world, which is produced collectively in social practice and in interpersonal
relationships. It is an approach which is now at the center of an interdisciplinary
debate because it attempts to name and establish relationships between symbolic
constructions and the social reality. On the other hand, the authors, who have been
studying this theme, both in study groups and in publications, intend to plant seeds
that can germinate, thus opening new horizons and perspectives of analysis of listening
to the media and its expertise for future researchers and scholars.
Keywords: Media – Critical Reception – Subject – Social Representations

Contextualizando o cenário atual: Boaventura Santos (1988), ao mostrar o sujeito


crises, mudanças e incertezas no contexto das transformações sociais, também
discorre sobre as injustiças e as irracionalidades
Com o desenvolvimento da sociedade moderna da sociedade capitalista, que deixa um vazio nos
e a globalização surgem novas relações de produ- sujeitos, dificultando-os de pensarem uma so-
ção, trazendo o desemprego estrutural decorrente ciedade melhor e mais justa, acrescentando que
da automação do processo produtivo, tendo como “a pós-modernidade representa uma ruptura não
consequência a precariedade nas relações traba- apenas no âmbito da política e da economia, mas
lhistas, naturalização do mercado e um retorno às sobretudo no pensamento das pessoas” (SANTOS,
utopias políticas e religiosas. 1988, p. 71).
O cenário da modernidade, marcado pela racio- Hall (2009) sinaliza que estamos numa época de
nalidade e pela divisão do conhecimento em cam- pós-paradigmas. Segundo ele, o termo “pós” não
pos distintos, provoca uma crise na ciência, com o indica novos patamares, mas um movimento em
esgotamento da epistemologia da verdade única, direção a outra situação, que se traduz pela inten-
o fim das “grandes narrativas”, a reinterpretação sidade do fluxo de migração, fazendo surgir uma
das situações de vida, trazendo no seu bojo “um mistura de culturas, criando diásporas1 pelo mundo,
movimento de retorno ao sujeito”, ativo e pensante, na contramão da lógica da globalização neoliberal.
enunciador e produtor das representações “assim Morin (2005), criticando a divisão do conheci-
como uma nova interrogação sobre o vínculo so- 1 O fenômeno das diásporas ou da imigração provocado pela globa-
cial” (JODELET, 2009, p. 685). lização é discutido pelo autor nas suas obras.

164 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 163-172, jul./dez. 2014
Maria Olivia de Matos Oliveira; Maria de Lourdes Soares Ornellas

mento em campos especializados e a subsequente sociedade em rede, teóricos como Castells (2003),
visão fragmentada do homem, descreve o cenário Thompson (2011) e Santaella (2010) defendem
atual como cheio de crises e incertezas, no qual se uma ética compartilhada, em escala sempre mais
reconhece a instabilidade do mundo e a imprevi- ampla, que irá desempenhar um papel importante
sibilidade dos eventos. Destarte, o citado teórico na responsabilidade das pessoas pelo destino co-
acredita que é possível superar a crise, criando-se letivo, em que a reciprocidade, a solidariedade, a
espaços de diálogo e consenso, através do pensa- participação e o diálogo devem estar presentes.
mento complexo e interdisciplinar. Além dessas qualidades, fundamentais no pro-
As tecnologias da informação e da comunicação cesso de construção da cidadania, acrescentamos
cada vez mais intensificam os processos subjeti- mais uma palavra, aqui representada pelo nome
vos e novas formas de identificação que Martín- de compaixão, não no sentido de piedade, mas da
-Barbero e Rey (2001) chamam de renovação das capacidade de o ser humano querer para o outro
identidades. Ainda segundo os autores, os sujeitos o que deseja para si. Tanto os ensinamentos do
estão incorporando a tecnologia ao seu cotidiano, Dalai Lama5 como Milton Santos (2001), o pri-
produzindo assim uma revolução das tecnicidades, meiro religioso e o outro geógrafo e antropólogo,
oportunizando a esses sujeitos a apropriação de afirmam que, sem compaixão, nenhuma fórmula
novos saberes e linguagens. As TIC2 também estão econômica ou educativa será capaz de dar conta
mudando a cultura local, mostrando o seu potencial da crise no mundo.
e sua visibilidade, ao colocar em cheque a cultura Nessa linha de raciocínio, os teóricos da Mídia
de caráter universal. (DIZARD, 2000; MARTÍN BARBERO, 2001;
Pombo (1994), ao citar McLuhan, em obra deste MCLUHAN, 2005; THOMPSON, 2007, 2011), ao
publicada em 1967,3 já afirmava que o progresso lado dos teóricos das Representações Sociais (JO-
tecnológico, reduzindo o planeta à situação de DELET, 2001, 2009; JOVCHELOVITCH, 2004;
uma aldeia global, possibilita a intercomunicação MOSCOVICI, 1976, 1978, 1990), são convidados
de pessoas oriundas de localidades distantes, fato a contribuir nesse escrito, com vistas ao debate
que muito contribui para a existência de um mun- crítico, quando se enlaça mídia, subjetividade, re-
do retribalizado,4 em que a consciência coletiva
presentação e identidades, analisando como estas
é retomada, um novo entendimento é estabele-
categorias se relacionam e ao mesmo tempo cons-
cido, rompendo as barreiras do isolamento e do
tituem a vida e o contexto cotidiano dos sujeitos.
individualismo.
Pelo exposto, o presente artigo elege a mídia e a
Assim posto, percebe-se que as contradições
educação para estudo e, na interface processual das
vividas pelo sujeito, no cenário atual, refletem, por
representações sociais, tenta demarcar suas aproxi-
um lado, o paradoxo expresso com o advento da
ciência e das tecnologias avançadas, e por outro, a mações e distanciamentos para encontrar os pontos
exclusão social de uma parcela representativa da de ancoragens, a fim de fomentar a discursividade.
humanidade. Este modelo de sociedade, no tempo
e espaço em que a economia e a política revelam- O sujeito na abordagem das
-se amalgamadas, expressa um viver e um estar no representações sociais
mundo sob o império dessas duas lógicas: o avanço
tecnológico e a exclusão social e digital, atingindo O conceito de representação social aqui traba-
os segmentos mais pobres da sociedade. lhado se assenta na abordagem processual defendi-
Apesar das crises e face aos desafios postos pela da por Moscovici (1978) e Jodelet (2001, 2009). A
representação social é um conhecimento do senso
2 Expressão comumente usada para se referir às Tecnologias da comum e é formada em razão do cotidiano do sujei-
Informação e da Comunicação.
3 O citado livro de Marshall Mcluhan possui várias edições, publica- to. É uma abordagem que se encontra hoje no centro
das em épocas distintas. de um debate interdisciplinar, na medida em que se
4 Mcluhan denomina de retribalização o período em que o homem
retoma à consciência coletiva, na qual se estabelece um novo 5
Dalai Lama foi um religioso tibetano, um Bodhisattva, ser iluminado
entendimento, em oposição à era da tradição escrita chamada pelo que adiou sua entrada no nirvana e escolheu renascer para servir à
autor de destribalização. humanidade.

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Mídia e educação: interface processual na teoria das representações sociais

tenta nomear, fazer relações entre as construções social, ao estudar o sujeito em processo de interação
simbólicas e a realidade social. As representações com outros sujeitos, expressa uma espécie de saber
sociais dirigem seu olhar epistêmico para entender prático de como os sujeitos sentem, assimilam,
como esta realidade constrói a leitura dos símbolos aprendem e interpretam o mundo, inseridos no
presentes no nosso cotidiano. Neste entendimento, seu cotidiano, sendo produzidos coletivamente na
a fala do autor instiga à reflexão do conceito: prática da sociedade e no decorrer da comunica-
Por representações sociais entendemos um conjunto ção entre os sujeitos. Nesta lógica, Jodelet (2001,
de conceitos, proposições e explicações na vida coti- p. 41) aprofunda o construto: “As representações
diana, no curso de comunicações interpessoais. Elas sociais devem ser estudadas articulando elementos
são o equivalente, em nossa sociedade, aos mitos afetivos, mentais e sociais e integrando, ao lado
e sistemas de crenças das sociedades tradicionais; da cognição da linguagem e da comunicação, as
podem também ser vistas como a versão contempo- relações sociais que afetam as representações e
rânea do senso comum (MOSCOVICI, 1978, p. 181). a realidade material, social e ideal sobre as quais
O autor supracitado sustenta que as represen- elas intervirão”.
tações sociais estão inseridas na vida cotidiana, É possível pontuar-se que esse conhecimento
engendradas num saber contemporâneo advindo do tem uma base cognitiva e afetiva e que, portanto,
senso comum. Os estudos desenvolvidos no campo não constitui uma categoria bipolar, podendo-se
das representações sociais, nos últimos trinta anos, também afirmar que as representações sociais não
são saberes articulados apenas ao cognitivo, mas
consensualmente reportam-se ao conceito trabalha-
que se tecem, de forma dinâmica, em um processo
do por Moscovici (1978) e tomam como referência
histórico que envolve tanto a racionalidade quan-
o seu estudo publicado em La psychanalyse, son
to a afetividade. Na última década, o estudo das
image et son public (MOSCOVICI, 1976).
representações sociais tem espaço garantido na
A obra aponta para a dificuldade de conceituar
Educação e, de modo específico, na Psicologia da
as representações sociais, admitindo que, se por
Educação. Observa-se hoje um número cada vez
um lado o fenômeno é passível de observação e de
maior de pesquisas nessa área, o que pode contri-
identificação, por outro, o conceito, pela sua com-
buir para a construção de um novo olhar no que se
plexidade, escapa e requer um tempo de maturação refere aos processos educativos e subjetivos que
para que a definição seja construída de modo con- interagem na sala de aula. Nesse sentido, Souza
sistente. Essa história, além de sinalizar a origem, (2002, p. 286, grifo do autor) nos diz:
pontua os terrenos demarcados pela representação
social. Trata-se de um conceito germinado nesta No final da década de 1980 e início dos anos 90,
as investigações nas áreas de educação passaram a
complexidade; no entanto, não é apenas a soma
exigir construções teóricas que conciliassem pontos
das contribuições advindas dos estudiosos, é a de vista do autor individual e do autor social e de
construção de algo de novo que pretende observar perspectiva micro e macro. É nesse contexto que a
um fenômeno básico da realidade cotidiana. ‘descoberta’ da teoria das representações sociais,
As argumentações de Moscovici (1978) e pelos educadores, surge como uma das possibi-
Ibañez (1988) sinalizam duas justificativas para lidades teóricas relevantes da área da Psicologia,
essa complexidade conceitual: a primeira refere-se possibilitando a compreensão de um sujeito sócio-
ao fato da representação social ser um conceito hí- -historicamente situado e, ao mesmo tempo, forman-
brido, não pertencendo a uma única área do conhe- do condições para a análise de dinâmicas subjetivas.
cimento, sua origem vincula-se tanto à Sociologia Escutar esse sujeito sócio-histórico sinaliza dois
quanto à Psicologia – o que leva a pensar que a argumentos para a complexidade conceptual cuja
representação social é um conceito psicossocial. A abordagem processual defendida por Moscovici
outra justificativa deriva da primeira, pois os con- (1978) se reveste: o primeiro refere-se ao fato da
ceitos aglutinados de outras áreas são mais restritos, representação social ser um conceito híbrido, e ter
uma vez que tratam basicamente de objetos e não pertencimento de modo singular com duas áreas de
de fenômenos. Pode-se dizer que a representação conhecimento, ou seja, a sociologia e a psicologia

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Maria Olivia de Matos Oliveira; Maria de Lourdes Soares Ornellas

– assim podemos pontuar que as representações Essa demonstração a que o teórico se refere
sociais têm seus fundamentos epistêmicos no psi- diz que a representação é entendida na lógica da
cossocial. O outro argumento é que já se percebe correspondência acima referida. Tornar um sen-
um exercício intelectual no sentido de articular tido duplicado por uma figura pela qual se dá a
conceitos vindos de outras áreas, em busca das materialidade a um objeto abstrato realiza-se pelo
interfaces teóricas com outros saberes e conhe- processo de objetivação. Tornar a figura duplicada
cimentos, numa tentativa de expandir seu campo por um sentido pelo qual se esboça um campo
de argumentação. Pode-se inferir, de acordo com inteligível ao objeto faz-se pelo processo de an-
Moscovici (1978), que para a pesquisa educacio- coragem. Em síntese, uma representação social
nal ter maior impacto sobre a prática educativa, elabora-se de acordo com esses dois processos.
ela precisa adotar “um olhar psicossocial”, de um A objetivação consiste numa operação estrutu-
lado preenchendo o sujeito social com seu mundo rante pela qual se dá uma forma específica ao
interior, e de outro restituindo o sujeito individual conhecimento acerca do objeto, tornando concreto
ao mundo social. o conceito abstrato. Portanto, para Moscovici
Moscovici (1978) teoriza sobre a influência da (1978), objetivar é reproduzir um conceito em
comunicação no processo de construção das repre- uma imagem. Segundo Alves-Mazzotti (1994, p.
sentações sociais. Nessa lógica, faz-se pertinente 289, grifo do autor), “a objetivação representa a
acrescentar inicialmente que o citado autor traz sua descoberta da capacidade icônica de representar
discussão epistemológica na qual a representação é uma ideia, a passagem de conceitos ou ideias para
estruturada em três dimensões: imagem, atitude e esquemas ou imagens concretas, os quais, pela
informação. Em primeiro lugar, uma representação generalidade de seu emprego, se transformam em
é sempre organizada por imagens que expressam ‘supostos reflexos do real’”.
iconicamente o objeto representado. A atitude cor- Para Jodelet (2001), a ancoragem é a integração
responde à orientação global, favorável ou desfavo- cognitiva do objeto representado em um sistema de
rável ao objeto da representação, relacionando-se a pensamento social preexistente e nas transforma-
uma escolha, orientada por experiências e valores ções implicadas em tal processo. A referida autora
do sujeito, a partir dos vínculos que possui com o ainda acrescenta que a ancoragem acumula três
objeto. A atitude é a mais frequente das dimensões funções básicas da representação: cognitiva ou de
citadas, porque uma pessoa só representa alguma interpretação da realidade, orientação das condutas
coisa em razão da posição adotada. A informação e das relações sociais. Nesta lógica, os processos de
se refere à organização dos conhecimentos que objetivação e ancoragem permitem escutar como
o grupo possui, a respeito do objeto, podendo-se o sujeito se posiciona sobre determinado objeto.
pontuar que essas dimensões se articulam com os A análise desses processos constitui a contribui-
processos da comunicação social. ção mais significativa e original do trabalho de
Para Moscovici (1976, p. 631), “A estruturação Moscovici (1978), uma vez que permite compre-
de cada representação social tem duas faces tão ender como o funcionamento do sistema cognitivo
pouco dissociáveis quanto a frente e o verso de uma interfere no social e como o social interfere na
folha de papel: a face figurativa e a face simbólica”. elaboração cognitiva. Nesse sentido, a concepção
Em toda figura há um sentido e em todo sentido processual moscoviciana de representação social
uma figura, como se observa no esquema a seguir revelou a necessidade de um retorno à concepção
de sujeito, no viés da relação entre o individual e
Figura 1: Proposição teórica o social.
Figura Ao analisar as representações sociais produ-
zidas pelos indivíduos e grupos localizados em
Representação ---------------- espaços concretos da vida, Jodelet (2009) procu-
rou ultrapassar o estágio da simples descrição de
Significação
estados representacionais, propondo um quadro
Fonte: Moscovici, 1976, p.63. analítico que nos permite situar o estudo das

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Mídia e educação: interface processual na teoria das representações sociais

representações sociais no jogo da subjetividade, Figura 3: Os Elementos Constituintes e o Modo


delimitando as três esferas ou universos de per- de Produção da Representação.
tença das representações e definindo as respecti-
vas modalidades das ações transformadoras, em Objeto
cada uma dessas esferas apresentas no esquema
Ação comunicativa Ação comunicativa
a seguir.
Figura 2: As esferas de pertença das representações
sociais. Representação
Sujeito Sujeito
Não há sujeito Não há pensamento
isolado descarnado Ação comunicativa

Fonte: JOVCHELOVITCH, 2004, p.22.


Sá (1998) também defende que, na construção
Intersubjetividade Subjetividade do objeto de pesquisa, precisamos levar em conta
simultaneamente o sujeito e o objeto da represen-
RS
tação que se deseja estudar. Esse objeto ilumina
o debate, posto que as autoras do presente artigo
estudam e teorizam essa temática nos seus grupos
Transubjetividade de pesquisa e em publicações, na tentativa de reunir
algumas peças de um mosaico da representação
social do fenômeno investigado. São sementes que
podem germinar, abrigando mais estudos sobre a
Contexto Social de Espaço Social formação docente nesse momento contemporâneo
Interação e Intervenção e Público
em que o pesquisador tenta articular a configuração
Fonte: JODELET, 2009, p. 687. das tramas conceituais, de forma que os passos
dados descortinem novos recortes, abram outras
A interação entre as esferas de pertença das perspectivas de análises, de escuta da mídia e de
representações sociais mostra a materialidade do seu saber-fazer.
sujeito, situado num espaço social e público onde Sem dúvida, a condição atual do espaço social,
sofre intervenções, ao tempo em que interage com com a criação de novos vínculos, novas formas de
o meio. Portanto, falar de sujeito no campo das relação espaço-cultura, com o aumento da mobili-
representações sociais é discorrer sobre pensa- dade e acessibilidade pelos diferentes mass media,
mento e suas implicações, tornando concretas as possibilita a extensão das formas simbólicas no
representações reveladas nos atos, palavras, trocas, tempo e no espaço, e que se constituem significan-
parcerias e conflitos das subjetividades historica- tes para análises mais abrangentes e globalizantes
mente constituídas. como o fizeram Thompson (2007, 2011), Hall
Ao enfatizar a tríade Sujeito-Objeto-Sujeito, Jo- (2009) e Bauman (2001).
vechelovitch (2004) argumenta uma aproximação Schaff (1995), por outro lado, preconizava a
conceitual com Habermas quando explica que “a terceira revolução, a da sociedade informática,
representação se estrutura através de um trabalho representada pelos avanços da microbiologia, da
de ação comunicativa que liga sujeitos a outros energia nuclear e da microeletrônica. Nessa mes-
sujeitos e ao objeto-mundo, através de práticas ma perspectiva, Thompson (2011) também afirma
do cotidiano nas instituições sociais ou estruturas que todas essas transformações colocam o sujeito
informais do mundo vivido (JOVECHELOVITCH, no lugar e na posição de experimentar eventos si-
2004, p. 22). A Figura 3 ilustra a concepção apre- multâneos, em lugares distintos, direcionadas pelo
sentada pela autora. movimento instantâneo através da comunicação

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Maria Olivia de Matos Oliveira; Maria de Lourdes Soares Ornellas

quase mediada,6 que propicia novos padrões de preendemos, é o resultado dos milhões de relações
interação social, gerando mudanças no contexto que o vão construindo, e através das quais ele vai
sociocultural. continuamente se transformando”.
Portanto, os meios de comunicação não podem
Comunicação mediada e recepção ser estudados apenas pelos avanços tecnológicos
crítica: aportes teóricos ou comerciais da sua oferta, mas pelos impactos
socioculturais que produzem nos sujeitos e nos seus
Inicialmente queremos aprofundar os conceitos contextos de vida e de relações.
de comunicação mediada e recepção crítica, que O manejo subliminar dos efeitos dos meios de
são fundantes para quem quer entender o papel comunicação tem revelado que, em muitas situa-
dos meios de comunicação de massa na sociedade ções, a mensagem que é veiculada tem o poder de
contemporânea. formar a opinião pública de determinado fenômeno.
O sociólogo inglês Thompson (2007, 2011), en- Contudo, nem “[...] as ideias dos grupos dominantes
fatizando suas análises nos meios de comunicação são sempre propagadas e, dessa forma, a consciência
de massa (MCM) e no papel que eles desempenham dos grupos dominados é sempre manipulada”, como
na formação das sociedades modernas, afirma que coloca com propriedade Thompson (2011, p. 31).
interagimos, cada vez mais, com a “comunicação As grandes “massas” não são passivas, os sujeitos
mediada”, substituindo o processo comunicativo são receptores que reagem, muitas vezes de forma
simétrico, face a face e dialógico, por outro que crítica, às mensagens veiculadas pelos MCM.
é assimétrico e viabilizado por meios técnicos de Wagner (1998, p. 4), mostrando o quanto a
produção e difusão do conhecimento. comunicação está situada na categoria das práticas
A atividade de recepção se constitui em um sociais, afirma a existência de três mecanismos no
processo complexo de interpretação pelos sujeitos sistema de comunicação social que se encarregam
e (re) significação em outros contextos singulares. do seu funcionamento: 1 – “Esquematização”: o
Thompson (2011, p. 66) afirma que “a recepção é discurso equivale àquilo que é possível de ser dito
um processo hermenêutico porque seus receptores e apreendido pelos atores sociais sobre o real; 2 –
estão envolvidos num processo de interpretação, “Internalização”: significa dizer que cada sujeito
de caráter pessoal ou social, através do qual essas ou grupo de pertencimento constrói o seu próprio
mensagens adquirem sentido”. ponto de vista, sua realidade; e 3 – “Naturalização”,
Ao seu turno, McLuhan (2005), ao proferir a em que os discursos cotidianos materializam abs-
conhecida frase “O meio é a mensagem” esclarece trações psíquicas, culturais, ideológicas, políticas
que o meio, o canal e a tecnologia em que a co- etc., assimiladas e acomodadas pelos atores sociais,
municação se estabelece não podem ser pensados conforme critérios subjetivos e sociais aos quais
como simples canais de passagem do conteúdo estão articulados.
comunicativo ou meros veículos de transmissão da Inicialmente existe um mecanismo que corres-
mensagem, mas como elementos determinantes da ponde ao processo pelo qual o sujeito se apropria
comunicação. Vale frisar que o processo de comu- das informações e dos saberes sobre um dado
nicação se realiza entre sujeitos e não entre meios. objeto. Nessa apropriação, alguns elementos são
O sujeito do qual falamos é o mesmo concebido retidos, enquanto outros são ignorados ou rapida-
por Guareschi (1991, p. 79), aquele de relações mente esquecidos. As informações que circulam
e que vai se transformando continuamente: “[...] sobre o objeto vão sofrer uma triagem em razão
nossa concepção de ser humano é que ele é uma de condicionantes culturais (acesso diferenciado
pessoa = relação [...] O ser humano, como o com- às informações em decorrência da inserção grupal
6 A expressão interação e comunicação quase-mediada, ou midiatizada
do sujeito) e, sobretudo, de critérios normativos
é defendida por Thompson (2011) para designar a experimentação (só se retém o que está de acordo com o sistema
pelos indivíduos de eventos, através da mídia, de fenômenos que de valores circundante).
estão espacialmente e temporalmente distantes dos contextos prá-
ticos das suas vidas. “A experiência mediada é uma experiência Moscovici (1978) pontua que as mensagens
recontextualizada” (THOMPSON, 2011, p. 287). vinculadas entre os emissores e os receptores da

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Mídia e educação: interface processual na teoria das representações sociais

comunicação são estrategicamente organizadas Mídia, visibilidade e poder


pelos atores sociais a partir de critérios cognitivos,
afetivos, ideológicos, sociais, políticos, históricos A mídia, aqui entendida em sentido amplo, pode
e culturais. Vale acrescentar que os sentidos das ser analisada a partir de três características, a saber:
mensagens veiculadas pela mídia dependem do a) a mídia impressa (jornais, revistas e livros); b)
contexto sociocultural e das singularidades de a mídia eletrônica (rádio e televisão), também
cada sujeito. chamadas mídias tradicionais ou clássicas; e c) a
Nessa lógica, faz-se pertinente pensar que esse nova mídia, derivada do uso dos computadores e
sujeito encontra-se engendrado nas inter-relações da eletrônica digital (DIZARD, 2000).
que se constroem e (re)constroem a si próprios e o Nos limites deste estudo, nossos enfoques se
seu cotidiano, sem perder de vista a mídia presente prendem à mídia eletrônica (rádio e TV) não apenas
nas suas interações sociais. pela capacidade de convergência com as outras
Assim posto, Matos Oliveira (2009, p. 214) mídias, como também pelos impactos produzidos
elucida esse debate entre mídia e representações em todos os segmentos sociais. Entretanto, convém
sociais mostrando que frisar que a relação entre a mídia tradicional e a
[...] as representações dependem da qualidade e do tipo nova mídia não pode ser narrada apenas em termos
de informações que a mídia disponibiliza sobre determi- de avanços tecnológicos, mas de um processo de
nado objeto social para os sujeitos. São determinantes reformulação das novas mídias por meio de cone-
a influência social do meio, no sentido de pressionar o xões interativas entre usuário e consumidor, como
indivíduo a utilizar informações dominantes do grupo, explica com propriedade o autor:
sem descartar naturalmente outras variáveis relaciona-
das às características individuais do sujeito [...] [...] abordar a questão sobre o prisma sócio-econô-
mico e político, em que forças da invenção, da cria-
Como foi abordado anteriormente, o ato de tividade, da demanda do mercado estão formatando
recepção envolve processos cognitivos e afetivos uma nova mídia e provocando na mídia tradicional
do sujeito e, por essa razão, põe em jogo diferentes um processo de reformulação, num grande esforço
estruturas perceptivas, desencadeando diferentes para sobreviver nessa nova era da comunicação em
mecanismos de compreensão. A atividade de que a nova mídia está expandindo, cada vez mais,
recepção dos produtos da mídia não se constitui sua gama de recursos para os consumidores da in-
um processo simples, tampouco os seus recepto- ternet, possibilitando conexões interativas entre o
res podem ser considerados sujeitos passivos ou consumidor e o provedor de informação. (DIZARD,
acríticos, nem se deve exagerar a capacidade de 2000, p. 40).
autonomia e defesa perceptual de quem consome Essa conectividade favorece outras formas de
os programas midiáticos.
poder bastante diferenciadas de épocas anterio-
Nesse entendimento, existe um distanciamento
res. Fazendo uma retrospectiva histórica na vida
entre o contexto de quem produz a mensagem e
sociopolítica da sociedade do final do século XX
aquele que a recebe, razão pela qual os recepto-
e início do século XXI pode-se observar uma mu-
res tornam-se parceiros desiguais no processo de
intercambio simbólico, porque a mídia possibilita dança nas formas de poder, na medida em que o
aos sujeitos reelaborarem as mensagens de forma controle da Igreja e do Estado foram substituídos
alheia às intenções dos seus produtores. por outras redes de poder simbólico, controladas
Por intermédio dos sistemas simbólicos, tanto pelo capital, alterando assim as condições do seu
no campo singular quanto no plural, o universo de exercício em todas as esferas da vida do cidadão.
significados e significantes permite ao indivíduo Constata-se que administrar a visibilidade através
construir uma ordenação de processos comunica- dos meios de comunicação de massa é hoje um
cionais e, neste movimento, o sujeito internaliza aspecto inevitável da vida política moderna. Como
e expressa dialeticamente aquilo com o qual se nos ensina com propriedade Thompson (2011, p.
identifica, assim como reifica ou não aquilo que é 28), “na era dos MCM a política não se separa da
difundido pela cultura midiática. arte de administrar a visibilidade”.

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Maria Olivia de Matos Oliveira; Maria de Lourdes Soares Ornellas

Nesse sentido, a comunicação mediada, não Dando visibilidade às lembranças ou tentando


mais separada da partilha de um lugar comum, apagar o vivido não desejável, as mídias estão sem-
mas dissociada da comunicação face a face, pre presentes no nosso cotidiano, não apenas pelas
fornece meios para que muitos possam ter infor- características do mundo tecnológico em que vive-
mações sobre poucos, transformando a natureza mos, mas porque ela está situada no entre-lugar de/
da esfera pública e privada, trazendo riscos e/ou na constituição das subjetividades dos indivíduos.
oportunidades para a classe política ou as cha-
madas “celebridades”, na medida em que aqueles Conclusões possíveis
que exercem o poder ou estão constantemente
expostos na mídia são submetidos a certo tipo A escuta da mídia abre um canal de comuni-
de visibilidade e têm que se preocupar com as cação, posto que o instrumento da escuta envolve
audiências que não estão presentes (THOMP- não somente o sentido de ouvir, mas o de fazer uma
SON, 2011). O poder, em todas as épocas, foi leitura subjetiva da fala, apresentada pelo sujeito
exercido através de diferentes posições ocupadas escutante.
pelos indivíduos, nos seus respectivos campos De fato, a subjetividade engloba as idiossincra-
de interação, seja o político, advindo com o de- sias imanentes à condição de sujeito, o que significa
senvolvimento dos meios de comunicação, seja marcar o enlaçamento das dimensões afetivas,
o simbólico, que nasce na atividade de produção cognitivas e sociais que fazem parte desse sujeito
e recepção de formas simbólicas. pensante, somado a necessidades de desejos, an-
Há, portanto, uma necessidade de aprofunda- gústias e os afetos ambivalentes.
mento nesse campo de discussão sobre os limites Se as representações sociais podem contribuir,
e potencialidades da mídia, sua capacidade de de alguma forma, para a ética da mídia, seus estudos
modelação da opinião pública, percebendo em devem propiciar a escuta dos ditos e os não ditos,
que medida a cultura midiática nos transforma e com vistas a produzirmos, ampliarmos e construir-
às nossas instituições, para abrir um debate crítico mos uma nova versão do sujeito psicossocial, em
sobre as novas condições comunicativas, suas de- que o individual amalgame-se com o social, e o
terminações e seus efeitos. singular engendre-se com o plural. É nesse lugar
Desse modo, pode-se referir aos meios de co- que se encontram as interfaces processuais entre
municação de massa como estratégias discursivas mídias e representações sociais. Não é mais possí-
produtoras do senso comum. Como aponta Mos- vel impedir a voz da mídia, no entanto, precisamos
covici (1978), o que inscreve a análise da imprensa estar atentos para questionar o seu papel, efeitos e
de grande difusão é a similitude entre a imagem determinações.
que ela produz e aquela que revelam os sujeitos O fato de que vivemos numa sociedade em que
escutados. Este fato elucida que a apreensão de a midiatização é cada vez mais empoderada de
uma representação social passa necessariamente sedução e apresenta sinais de subjugar as pessoas
por trocas que se travam entre a mídia e seu leitor a um processo de mediocratização cada vez mais
escutante ou receptor crítico. O campo das repre- preocupante, compete ao sujeito, na concepção
sentações sociais estabelece relações com a mídia, jodeliana, estar mais aberto, flexível e vigilante
quando ambos se movem nas construções simbóli- para questionar o passado, entender o presente e,
cas de seu campo epistêmico para entender como assim, contribuir, na coletividade, para um futuro
o sujeito constrói a leitura das inscrições presentes mais digno e solidário que espera a sociedade
no seu contexto sociocultural. contemporânea.

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Recebido em: 04.04.2014


Aprovado em: 09.07.2014

172 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 163-172, jul./dez. 2014
Patricia Haertel Giusti

A NORMALIZAÇÃO DO IDOSO NA MÍDIA IMPRESSA:


PROVOCAÇÕES FOUCAULTIANAS

Patricia Haertel Giusti∗

RESUMO

O envelhecimento tem sido uma temática de intensa discussão na atualidade. A mídia


tem se encarregado de apresentar formas de ser e viver a velhice na contemporaneidade.
O objetivo deste artigo é mapear acontecimentos discursivos que dão condições de
possibilidade para emergência da velhice enquanto uma população. O estudo traz
algumas ferramentas de uma análise discursiva sobre o processo de envelhecimento, a
partir da utilização da mídia impressa, presente em reportagens de capa dos cadernos
de saúde de dois jornais do Rio Grande do Sul, de 2004 a 2010. O campo teórico
apresenta, especialmente, os estudos de Michel Foucault. Finalizamos problematizando
uma velhice pautada pelo discurso da promoção da saúde, que aparece recorrentemente
nas reportagens analisadas, e refletindo sobre todo investimento feito em prevenção
para que a vida seja cada vez mais longa e melhor.
Palavras-chave: Saúde. Velhice. Mídia impressa. Estudos foucaultianos. Biopolítica.

ABSTRACT

Normalization of the elderly in Print Media: Foucault’s


provocations
Aging has been a theme of intense discussion in the present. The media has taken
charge of presenting forms of being old and living in old age in contemporary times.
The goal of this article is to map discursive events that make the emergency of old
age as a population possible. The study brings some tools of a discursive analysis of
the aging process, from the use of print media present in covers of reports on health
from two newspapers of Rio Grande do Sul, from 2004 to 2010. The theoretical field
is especially based on Michel Foucault’s studies. We finish by contextualizing an
old age guided by the discourse of health promotion that recurrently appears in the
analyzed reports, and reflecting on all investment made for prevention in order to
achieve a longer and better life.
Keywords: Health. Old age. Print media. Foucault studies. Biopolitics.


Fisioterapeuta. Mestre em Saúde e Comportamento pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel-RS). Doutoranda do Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e da Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande
(FURG-RS). Endereço institucional: Universidade Federal do Rio Grande, Av Itália, Km 8 -– Carreiros – Rio Grande-RS.
phgiustia@gmail.com

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 173-185, jul./dez. 2014 173
A normalização do idoso na mídia impressa: provocações foucaultianas

Introdução ferramentas analíticas principais. Estes são co-


locados a funcionar a partir do momento em que
O Brasil está envelhecendo! Estamos diante os velhos são classificados como uma população
de uma transição epidemiológica na população e no momento em que há uma modificação de
do país onde vivemos. É diante deste cenário que cenário que coloca em funcionamento ações de
podemos dizer que estar na terceira idade, falar de promoção de saúde, com o objetivo de garantir
longevidade, buscar constantemente o auxílio da a longevidade.
ciência médica tem sido algumas enunciações pre- Baseado nesse olhar sobre o envelhecimento
sentes na vida de milhares de pessoas que querem é que as reportagens apresentam um velho que
viver e compreender o processo de envelhecimento. vive mais, e que, para isso, reconhece, em muitos
Crianças, jovens, adultos, profissionais da saúde, momentos da sua vida, atitudes e ações que devem
seres humanos que diariamente escutam, produzem ser seguidas no intuito de chegar a essa faixa etária
e reproduzem ações, seja na escola, em casa, nos com qualidade. São estas problematizações que
consultórios ou em qualquer lugar em que estejam, faremos a fim de verificar a que preço chegamos a
o foco está voltado para o prolongamento da vida, tal idade, de que forma e com que responsabilidade
para viver com qualidade de vida. Não há dúvida individual e de Estado. São estes questionamentos
de que vivemos um tempo de intensificação das que nos inquietam e nos colocam a pensar sobre
formas de enxergar a população de idosos. aquilo que está anunciado para essa população.
Refletir sobre essa população requer saber que o Iniciaremos, então, por alguns fragmentos genea-
velho, em tempos anteriores visto como indigente, lógicos da velhice.
não produtivo, surge na emergência de caracterizar
os estágios da vida nas sociedades ocidentais, a Traçados Genealógicos da Velhice:
partir do século XIX. De acordo com Silva (2008), provocações ao pensamento
a institucionalização da aposentadoria e os novos
saberes médicos sobre o corpo do velho aparecem Apresentar alguns traçados da genealogia da ve-
como os principais marcadores de ingresso neste lhice a partir de Michel Foucault requer dizer aqui
novo ciclo. que mostraremos uma história que não pretende
Neste estudo apresentamos o recorte de uma buscar a origem, nem sequer desvendar a verdade
tese de doutoramento que analisa o dispositivo da que repousa em sua essência original, mas, sim,
velhice no cenário contemporâneo, a partir de sua mostrar uma reunião de acontecimentos a partir de
constituição na mídia impressa. Para este artigo memórias locais, que possibilitam a constituição de
traz-se, como questão principal, a tentativa de olhar um saber histórico e a utilização deste nas estraté-
para a História e perceber como se constituiu aquilo gias de ação apresentadas na atualidade.
que hoje denominamos de terceira idade. Nesse O corpo do velho que, sob olhares atentos
sentido, aproximamo-nos do filósofo francês do da medicina nos séculos XVIII e XIX, era tratado
século XX, Michel Foucault, para apresentar alguns como o dos jovens, passa a ser analisado pelos
traçados de uma história genealógica que coloca em saberes da geriatria e da gerontologia. Tais saberes
pauta condições de possibilidade para emergência emergem para estudar a velhice como problema
da velhice enquanto uma população. clínico proveniente de um estado fisiológico es-
Também entram em discussão algumas reporta- pecífico. Embora saibamos que as preocupações
gens da mídia impressa sobre envelhecimento, pre- com a longevidade, no sentido de possuirmos uma
sentes em cadernos de saúde de dois jornais, um de vida eterna, estivessem presentes nas observações
circulação regional da Metade Sul do Rio Grande da mitologia grega e em textos bíblicos, foi apenas
do Sul e outro de circulação estadual, também do no início do século XX que a geriatria surge como
solo gaúcho, que possibilitarão uma interlocução uma especialidade médica. De origem grega, a
com algumas temáticas do estudo foucaultiano. palavra geriatria (geras – velhice e iatria – cura)
Biopolítica, sociedade de normalização e representa um ramo da medicina especializado no
população são alguns dos temas debatidos como cuidado dos velhos.

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Patricia Haertel Giusti

O médico Ignatz Nascher, através da escrita de através da realização de campanhas de higiene e


um artigo em 1909 para o New York Medical Jour- medicalização da população.
nal, parece ter sido o responsável pela introdução O aparecimento da velhice como objeto de
na comunidade médica do termo geriatria. Em intervenção não ficou restrito ao corpo envelhe-
seguida, a publicação de seu livro Geriactrics: the cido, pois, associado a isso, o comportamento e
diseases of old age and their treatments, em 1914, as condições sociais dos velhos o categorizaram
pode ser entendida como uma das condições de como uma entidade demográfica, ou seja, uma
possibilidade para o início desse novo campo de população. O saber especializado da geriatria
saber (PAPALÉO-NETTO, 1996). também direcionou seus estudos para os hábitos,
Nessa época, o detalhamento do corpo do velho, as práticas, as necessidades psicológicas e sociais
através de traços de atrofia, degeneração, de mu- dos velhos. Pautada pela conceituação foucaultiana
danças visíveis na estrutura corporal do indivíduo, de sociedade disciplinar (FOUCAULT, 2009), é
caracterizava o envelhecimento como uma patolo- possível dizer que a velhice surge como produção
gia. A transformação do estado patológico em fisio- discursiva a partir da inserção dos sujeitos na série
lógico exigiu, da área médica, o entendimento das moderna de disciplinamento, sendo, sobretudo, o
condições “normais” do envelhecimento. Relatos resultado do investimento do discurso médico sobre
anunciam que, desde os primeiros estudos médicos o corpo envelhecido.
da geriatria, haveria dificuldades em diferenciar o Nessa mesma linha, é possível dizer que o
estado patológico do estado “normal” na velhice surgimento dos idosos como uma categoria etária
(HABER, 1986). Este entendimento dos processos se dá também por uma forte constituição de poder
patológicos como próprios de uma velhice parece que incide sobre a sociedade ocidental a partir do
ter sido ponto em destaque dos primeiros especia- século XVIII. É na esteira de um poder disciplinar
listas no início do século XX. que os velhos são tomados como um problema so-
O percurso histórico do saber sobre os velhos cial, sendo necessário criar estratégias de controle
parece confundir-se com a própria história da medi- e docilização desses corpos.
cina, que também nos séculos XVIII e XIX sofreu Foucault (2009) localiza o momento histórico
grandes modificações no modo como a doença era das disciplinas como o momento que nasce uma
percebida pelos médicos. Antes de tais modifica- arte do corpo humano, arte esta que visa não uni-
ções, há uma demonstração de que o indivíduo, de camente o aumento de suas habilidades e o apro-
alguma forma, praticava a medicina. fundamento da sujeição, mas a formação de uma
Dadas algumas modificações nesse cenário, relação que no mesmo mecanismo o torna tanto
a medicina, a partir do século XIX, através do mais obediente quanto é mais útil e vice-versa. A
exercício da anatomia patológica, enfatizou a geriatria, presente neste contexto, se articula não
busca pelos sinais da doença na superfície do apenas à disciplina-saber, mas também à disciplina-
corpo. Com o investimento no olhar sobre o corpo, -corpo.1 Os saberes especializados sobre e para os
os médicos romperam com o modelo secular da velhos são focados em um trabalho direto no corpo,
prática médica, que via a doença como produto com manipulações previstas nos seus gestos, nos
da relação do indivíduo com forças divinas ou seus comportamentos.
cósmicas. Esse novo modelo possibilitaria o A prática médica instituída para a velhice fa-
reconhecimento do corpo envelhecido, uma vez brica corpos submissos, corpos “dóceis”, que vão
que seria diferenciado do corpo jovem. É no sendo constituídos ao longo dos tempos. Este é o
fim do século XVIII, como nos mostra Foucault primeiro efeito produzido pelas relações de poder
(2011), que a doença passa a ser um fenômeno da oriundas da disciplina, que vão sendo responsáveis
população. Ela traz a introdução de uma medicina pela constituição de um saber permanente sobre
que tem como função maior a higiene pública, 1 De acordo com Foucault (2009), a disciplina-saber refere-se ao
conquistada através de organismos de coordena- investimento nos saberes sobre determinado campo dedicado a
estudar o sujeito e suas relações. A disciplina-corpo refere-se ao
ção dos tratamentos médicos, de centralização da investimento na utilidade e adestramento do corpo individual do
informação, de normalização dos saberes e, ainda, sujeito

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A normalização do idoso na mídia impressa: provocações foucaultianas

o velho. Este sujeito vincula-se a determinado A geriatria, nos dias de hoje, está disposta a
espaço e é acompanhado por um olhar contínuo, disciplinar e esquadrinhar a vida humana em toda
que visualiza sua evolução, sua cura, aquisição do sua extensão. Cabe pensar aqui que as ações de
seu saber etc. promoção da saúde, instituídas para as mais varia-
Cabe citar aqui que os asilos e os hospitais das populações, estão postas como estratégias de
são alguns desses espaços que, ainda, abrigam a captura dos corpos.
população de velhos. Nestes lugares encontramos Nesse pensamento é oportuno descrever que
indivíduos sendo cuidados e tratados sob um olhar inúmeras dessas ações de promoção iniciam não
vigilante de uma equipe de saúde. Nas instituições na “melhor idade” – como são apresentadas as pes-
asilares havia e ainda há uma preocupação com os soas com mais de 60 anos –, mas na menor idade,
velhos de forma singular, para que eles fossem/ quando cuidados com uma boa alimentação dos
sejam disciplinados e docilizados. Nos dias de hoje, infantis, com sua reduzida exposição ao sol ou até
até mesmo nestes espaços, o investimento se dá mesmo com grande incentivo de práticas regulares
também pelo entendimento de que esses indivíduos, de atividade física estão sob os olhares atentos da
agora, são um grupo populacional, necessitando de ciência médica e do Estado. Prevenir doenças típi-
um controle social que incide sobre o corpo-espé- cas da terceira idade como a osteoporose, a doença
cie, atrelando aquilo que Foucault (2008a, 2008b, pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), o câncer de
2010b) chamou de biopolítica, um investimento pele ou outras tantas patologias que aparecem com
sobre a vida na coletividade. A constituição desta o avançar da idade tem sido um desafio iniciado na
população passa, a partir da década de 60 e 70 do família e/ou nos bancos escolares.
século XX, a ter uma visibilidade social e se tornar Em relação a essas questões, podemos refletir
um problema coletivo. com Ortega (2008) quando ele nos diz que quanto
De acordo com Debert (1999), a transformação mais jovens formos, quanto mais saudáveis pare-
da velhice em questão coletiva configura-se a partir cermos, quanto mais cuidarmos de nossa saúde
da institucionalização generalizada das aposen- – ou seja, quanto mais regramos nossa existência
tadorias, em que, sobretudo o Estado, passa a se pelos saberes e poderes da racionalidade médica
responsabilizar por um número maior de sujeitos ocidental –, mais seremos acolhidos socialmente.
e, ainda, pelas consequências econômicas dessa O autor ainda acrescenta que tudo o que é passível
universalização dos sistemas de aposentadoria. de ser vivido está submetido a um filtro moral,
Neste momento, vemos a criação de regulamentos que disciplina os corpos e ordena cada um deles.
e serviços próprios à velhice, em que o sistema Vemos, com isso, o convite para a construção de
hospitalar, a assistência e a seguridade social sepa- uma juventude eterna, que precisa ser permanen-
ram de vez o cuidado anteriormente destinado aos temente buscada.
indigentes. Na esteira dos estudos foucaultianos, Ampliando o olhar na história genealógica da
vemos aí a articulação de dois poderes potentes velhice, percebemos a importância da emergência
que fazem funcionar essa nova categoria etária: o de diferentes documentos legais que se preocu-
poder disciplinar e o biopoder. pam em dar visibilidade a essa população. Vale
A fragmentação entre velhice e indigência, citar que, no Brasil, antes da década de 70 do
também fortalecida pela unificação dos discursos século XX, os idosos recebiam, especialmente,
especializados, apresenta a noção de terceira idade. atenção de ordem caritativa de instituições não
Substitui-se a ideia de isolamento, solidão, invali- governamentais, como as entidades filantrópicas e
dez, por um espaço de lazer, complemento daquilo religiosas. Conforme Rodrigues (2001), os artigos
que não foi possível efetivar na juventude, de novas do Código Civil (1916), do Código Penal (1940) e
habilidades e hábitos. Vê-se criar uma espécie de do Código Eleitoral (1965), além da Lei nº 6.179,
“política da velhice”, na qual o controle social dos de 1974, que criou a Renda Mensal Vitalícia, são
velhos continua a operar sobre o corpo, através das alguns destes documentos que abordaram a cate-
práticas de saúde que também permanecem inseri- goria etária em questão. Entretanto, as discussões
das nesse processo de controle e disciplinamento. sobre o processo de envelhecimento tomam como

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Patricia Haertel Giusti

marco a primeira Assembleia Mundial sobre En- O Estatuto hoje representa o principal documen-
velhecimento, da Organização das Nações Unidas, to de regulação dos idosos, já que funciona como
ocorrida em 1982, na Áustria, onde participantes um guia das ações do Estado e da sociedade civil
de vários países, incluindo o Brasil, reuniram-se para todos os processos de investimentos em pre-
para estudar e aprimorar questões sobre a velhice venção e/ou tratamento dessa população. Podemos
e estabeleceram o Plano de Ação Internacional para dizer que é o modelo de como a velhice é vista e
o Envelhecimento. significada na atualidade. E ainda, citando Foucault
Nas discussões ocorridas nesse evento e, espe- (2010a), é possível elucidar que este documento
cialmente, no documento que apresenta esse Plano, engloba ferramentas de controle da população,
fica evidente que todas as reflexões partem do em que são apresentadas tecnologias que visam
reconhecimento de que há um aumento expressivo ao equilíbrio global.
da população de velhos e que, por este motivo, pre- Torna-se evidente que a implantação dessas
cisam ser criadas, individualmente e coletivamente políticas específicas para o idoso está diretamente
nas e pelas nações, estratégias que garantam a se- relacionada às relações de saber-poder que se
gurança econômica e social das pessoas com mais multiplicam a partir de vozes autorizadas – os
idade, além da apresentação de oportunidades para geriatras, por exemplo – a determinar diretrizes e
que estas pessoas sejam úteis e contribuam para o dar condições de possibilidade para constituição
desenvolvimento de seus países. dessa população. O campo de saber da geriatria
Dentre as orientações para execução do Plano, impulsiona o interesse do Estado e a produção
destacamos o importante papel dos governos na de uma série de conhecimentos sobre a velhice.
identificação dos seus objetivos e prioridades, vis- Podemos, ainda, como já sugerido anteriormente,
tas as particularidades de cada sociedade, cultura enxergar a instituição de uma terceira idade, en-
ou região. quanto ideal de idoso saudável e ativo, como um
Uma importante função dos governos com relação modo de subjetivação, implementado através de
ao Plano de Ação consiste em avaliar e examinar um dispositivo saber-poder, em que especialistas
o processo de envelhecimento desde os pontos da medicina geriátrica fazem valer o discurso de
individuais e demográficos, para determinar suas verdade2 e prescrevem um modo de ser e existir
consequências no desenvolvimento do seu país, à para o idoso.
luz de sua situação política, social, cultural, religiosa
O velho, nessa relação de poder e de saber, dis-
e econômica. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES
UNIDAS, 1982, p. 42).
põe de um corpo alvo de controle de uma ciência à
qual se atribui a meta de prolongar a vida, evitando
No Brasil, o reconhecimento desse Plano, a morte. Os profissionais do saber arvoram-se,
como um importante documento para direcionar muitas vezes, em condutores do modo de se viver,
as estratégias com o olhar econômico, cultural e instituindo nos viventes a cultura pelos malefícios
social, culminou com a inserção mais presente que venham a sofrer. Na pretensão de dirigir a
do idoso na Constituição Federal de 1988 e, mais vida, controlando o seu processo, com o intuito de
tarde, com a aprovação da Lei n° 8.842/1994, que melhorá-la, multiplicam-se as prescrições a serem
estabelece a Política Nacional do Idoso. Conso- seguidas como modelos gerais (TÓTORA, 2006).
lidando os direitos assegurados a esta população O que nos é descrito pela autora reforça o
nesses dois documentos, temos, ainda, a criação entrelaçamento entre as estratégias disciplinares
do Estatuto do Idoso em 2004. Estes documentos, e os mecanismos de segurança pensados para a
entendidos como uma ferramenta do Estado, são população de idosos. Os saberes produzidos pelos
compostos por inúmeras regras e diretrizes, parte de especialistas auxiliam fortemente na condução de
um conjunto de práticas discursivas, ou seja, de um formas de viver que colocam o sujeito como alvo
encontro de várias vozes, socialmente construídas,
que falam da velhice, e ao falarem dela criam os 2 Entendemos o conceito de verdade a partir de Foucault (2010a). A
verdade é uma produção discursiva. Sendo assim, entendemos a
sentidos pelos quais os sujeitos a reconhecem e se medicina geriátrica como potente ferramenta que constitui e legitima
reconhecem como idosos. verdades através de seus saberes.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 173-185, jul./dez. 2014 177
A normalização do idoso na mídia impressa: provocações foucaultianas

de políticas econômicas e sociais. É desta e por Na tentativa de encontrar fragmentos, cenas,


esta forma que a geriatria se constitui como uma episódios que permitam esse olhar sobre o enve-
condição de possibilidade para emergência da lhecimento, buscamos reportagens que trazem as
população de idosos. É esta ciência proposta por enunciações da velhice no período de 2004 a 2010,
especialistas, atrelada a documentos oficiais, que uma vez que é dada grande visibilidade a esta po-
produz verdades sobre os idosos, que dá vez e voz pulação a partir de 2004, ano que foi instituído o
à população de velhos. Estatuto do Idoso. É a partir de uma análise teórica
Diante disso, fizemos a escolha de um material com material empírico de sete anos que pretende-
empírico que vem fortemente constituindo ver- mos apresentar as enunciações produzidas nestes
dades e determinando formas de vida, pautadas, materiais impressos.
muitas vezes, nos saberes produzidos pelos es- Cabe destacar, ainda, em termos de escolhas
pecialistas. Na próxima seção serão apresentadas para esta pesquisa, que o uso desses jornais como
algumas reportagens de dois jornais gaúchos, que fonte de análise é por acreditarmos que a mídia na
abordam o tema envelhecimento. atualidade é parte integrante de nossas vidas, uma
vez que participa da construção e educa os sujeitos.
De acordo com Gomes (2003), o jornalismo interfe-
Verdades fabricadas sobre re na modelização social, pois disponibiliza espaços
Envelhecimento na mídia impressa por onde os discursos têm seu ponto máximo de
difusão. Complementa a autora: “[...] ficará fácil
Na busca por pensar nas enunciações midi-
compreender que onde quer que haja discurso há
áticas acerca do envelhecimento na atualidade,
palavras de ordem, a disciplina e o controle com
buscamos colocar em funcionamento algumas
que ele alimenta, e dos quais se alimenta. Por todo
ferramentas da análise discursiva. Como foi dito
espaço, a todo tempo, enuncia-se o visível e, por-
no início deste artigo, queremos trazer à tona si-
tanto, o vivível” (GOMES, 2003, p. 103).
tuações, atitudes e ações que são anunciadas por A mídia, por sua vez, apresenta aquilo que deve
especialistas para serem seguidas por um número ser dito, indicando a forma como deve ser dito, para
expressivo de pessoas a fim de alcançar a “melhor que seja utilizado como guia, como um manual de
idade” com qualidade de vida. Para isso, utiliza- orientações capaz de adestrar os sujeitos ao longo
mos a mídia, a partir de algumas reportagens de de suas vidas. É este, como diz Hara (2007), o pri-
capa dos cadernos de saúde de dois conceituados mado da comunicação: minuto a minuto ela molda
jornais, como um dispositivo pedagógico. Esse nossa subjetividade com os ideais da massa ao nos
dispositivo, apresentado por Fischer (1996), é convidar a participar, ao nos persuadir a jogar.
entendido como uma ferramenta de constituição Acompanhada dessa problematização teórica
de sujeitos e subjetividades, a partir da produção iniciamos a análise dos dados, querendo dar visi-
de saberes que de alguma forma conduzem as bilidade às formas de ser e viver a velhice na atu-
pessoas a determinadas formas de ser e viver na alidade. Com isso, queremos evidenciar o quanto
sociedade contemporânea. uma velhice pautada no tratamento e na cura das
Um dos cadernos de saúde analisado é o Viva doenças vem sendo esvaziada de significados e
Bem, do Diário Popular, com edições semanais, vem tomando força um envelhecimento marcado
levadas a milhares de pessoas do sul do Rio Gran- pela prevenção e cuidado com o corpo. A gestão
de do Sul. O outro é chamado Caderno Vida, que da velhice, que durante algum tempo esteve sob
integra todos os sábados o Jornal Zero Hora, pro- a guarda da família e do indivíduo, com foco pri-
duzido na capital do Rio Grande do Sul, com mais mordial nos processos patológicos, transforma-se,
de 180 mil exemplares distribuídos diariamente. agora, em uma questão de esfera pública, cujo foco
Em ambos os materiais de estudo encontramos primordial é a promoção da saúde.
reportagens focadas na área da saúde, com discus- A ampliação do conceito de saúde pautada não
sões atuais apresentadas, na maioria das vezes, por mais pela ausência da doença, mas, sim, por um
especialistas. bem-estar físico, emocional, social e espiritual faz

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com que a prática diária dos idosos esteja focada em ter para nos tornarmos um velho com saúde, tem
ações de prolongamento da vida. São estas ações como título Prepare-se bem para a terceira idade
que iniciamos agora a apresentar. Na reportagem (PREPARE-SE..., 2009, p. 1). Nesta matéria o lei-
intitulada Em busca da felicidade, matéria de capa tor encontra algumas estratégias de adestramento
do caderno Viva Bem, somos convidados a refletir para o corpo saudável, como a prática regular de
sobre um velho-saudável, da atualidade, quando exercícios, o tipo de alimentação saudável.
lemos que o progresso da medicina nos permite vi- Com a prática regular de exercícios físicos, o
ver mais e com mais saúde, podemos nos alimentar indivíduo emagrece, aumenta a sua força mus-
bem, podemos nos defender do calor e do frio com cular, melhora a sua capacidade respiratória e,
meios sofisticados, enfim, gozamos de uma série de consequentemente, previne ou controla diversas
regalias que eram impensáveis aos nossos bisavós3 doenças. Sozinha, a atividade física não garante
(EM BUSCA..., 2004, p. 1). a longevidade, mas certamente fortalece o orga-
Indo ao encontro desse velho atual, também nismo e colabora para elevar a expectativa média
destacamos duas reportagens do caderno Vida do de vida de uma população. A prática de atividades
Jornal Zero Hora. Uma produzida especialmente físicas com comprometimento é essencial para a
para a milésima edição deste conceituado caderno, longevidade e para melhorar a qualidade de vida
O que será do Homem (O QUE..., 2010, p. 1), — defende o médico.
que evidencia a longevidade como fio condutor, Percebemos nessas enunciações um tipo de
apresentando uma reportagem dedicada à saúde poder que cada vez mais intervém para fazer viver,
do futuro, que será revolucionada pela prevenção, que intervém na forma e na maneira de viver, com
promoção da saúde e o tratamento de doenças. o foco de aumentar a vida. Este poder, descrito por
Avanços da medicina vão dominar doenças hoje in- Foucault, está centrado na vida.
curáveis e ajudar a estender ainda mais a expectativa
É uma tecnologia que agrupa os efeitos de massas
de vida do homem. A engenharia genética já é capaz
próprios de uma população, que procura controlar a
de selecionar embriões e dar continuidade apenas à
série de eventos fortuitos que podem ocorrer numa
gestação de bebês saudáveis. Pesquisas em células-
massa viva... [...] É uma tecnologia que visa, portan-
-tronco e o estudo de medicamentos inteligentes
to, não o treinamento individual, mas, pelo equilíbrio
apontam uma esperança de cura para doenças como
o câncer. Vacinas para prevenir o HIV estão em fase global, algo como uma homeostase: a segurança
final de estudo. Todas essas novidades fazem parte do conjunto em relação aos seus perigos internos.
de um conjunto de avanços da ciência que ao longo (FOUCAULT, 2010b, p. 209).
dos anos vêm propiciando uma vida mais longa ao É o biopoder que, a partir do final do século
homem. Como reflexo dessa revolução médica, XVIII, atua como mecanismo de intervenção na
nas últimas cinco décadas houve um aumento de
condução de uma população, aqui a população de
600% no contingente de idosos no Brasil, conforme
dados do IBGE. Os homens da época Medieval, por
velhos. Este poder de regulamentação tem produzi-
exemplo, eram considerados velhos aos 30 anos. do inúmeras reflexões que perpassam os interesses
Nos anos 2000, um indivíduo de 80 vai à academia, políticos, midiáticos e mercadológicos acerca do
faz caminhadas, dança e dá um baile em muitos “novo velho”, que são justificados em alguns mo-
mocinhos. Generosas, as projeções apontam uma vimentos na história do país e na própria criação
expectativa de vida de 85 anos em 2025, e não será do Estatuto do Idoso.
nada surpreendente pessoas chegando aos 120 por Outras enunciações que apresentam esse foco do
volta de 2050. Essa reviravolta na área médica já poder centrado na vida, capaz de agrupar os efeitos
era premonitória há quase duas décadas. (O QUE...,
próprios de uma população, estão apresentados para
2010, p. 3).
os milhares de idosos, adultos e jovens através das
A segunda reportagem do Caderno Vida, que mídias impressas escolhidas no estudo. Citamos
também faz referência às condutas que devemos aqui a fala de Foucault (2010b) que expressa a
3 Para distinguir das citações diretas dos autores, os excertos do
velhice como uma das áreas de intervenção da
material empírico estarão em itálico. biopolítica.

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A normalização do idoso na mídia impressa: provocações foucaultianas

De que se trata nessa nova tecnologia do poder, nessa Dóceis e úteis, esses cidadãos são capturados
biopolítica, nesse biopoder que está se instalando? por serviços e produtos de todos os tipos, como
Eu lhes dizia em duas palavras agora há pouco: trata- grupos de atividades físicas, de turismo, univer-
-se de um conjunto de processos como a produção sidades para terceira idade, praças públicas com
dos nascimentos, dos óbitos, a taxa de reprodução, diversos equipamentos destinados à “melhor ida-
a fecundidade de uma população, etc. São esses
de”, cosméticos exclusivos para esta faixa etária,
processos de natalidade, de mortalidade, de longe-
vidade que, justamente na segunda metade do século
vestuário específico, cirurgias plásticas. Implicados
XVIII, juntamente com uma porção de problemas nestes discursos dominantes, os idosos viram o jogo
econômicos e políticos (os quais não retomo agora), e são agora criados investimentos biopolíticos para
constituíram, acho eu, os principais objetos de saber o controle social desta população.
e os primeiros alvos de controle dessa biopolítica. Na reportagem do Caderno Viva Bem (É PROI-
(FOUCAULT, 2010b, p. 204). BIDO..., 2004, p. 1) É proibido envelhecer, exem-
plificamos esse convite ao mundo do consumo, uma
Os alarmantes dados demográficos que
aproximação com a juventude, capaz de mostrar
projetam a aceleração do envelhecimento da
maneiras de produzir o velho-jovem.
população, com trágicas consequências no setor
econômico, são responsáveis pelo recente desper- Envelhecer sem perder a juventude e sem precisar
tar da sociedade brasileira em relação às condi- se submeter a uma cirurgia plástica é um desejo an-
tigo da humanidade e que faz a indústria da estética
ções de vida dos idosos e aos lugares destinados
faturar cada vez mais alto em todo mundo. M. S.
a eles no cenário social. Em se tratando de condi- (médico) oferece em sua clínica muitos tratamentos
ções de vida e novos espaços para habitação dessa – invasivos ou não... [...] Diz o médico: – a ciência
população, basta olhar para os nossos familiares da beleza obteve progressos memoráveis que estão
com mais idade e reconhecer neles utensílios de ao nosso alcance com custos nada absurdos. (É
uso diário. Vejamos alguns: sapatos confortáveis, PROIBIDO..., 2004, p. 1).
fáceis de calçar e ainda modernos; cremes de uso Muitas outras enunciações reportam-se a esse
contínuo, com fator de proteção para exposição convite, relacionando sempre a busca constante
solar; diálogos de participação em bailes para pela longevidade. Substâncias para rejuvenesci-
terceira idade ou até mesmo planejamento de mento (SUBSTÂNCIAS..., 2004, p. 1), Antibiótico
uma viagem. Não há dúvida, o modo de encarar natural (ANTIBIÓTICO..., 2004, p. 1), A ginástica
a velhice mudou. I Qi Gong (A GINÁSTICA..., 2005, p. 1), Entre
O envelhecimento constitui-se de outro modo 2011 com novos hábitos (ENTRE 2011..., 2010, p.
nas sociedades contemporâneas. O idoso encontra- 1), evidenciam a ênfase em cuidados preventivos
-se mais isento de conotações depreciativas e se para o indivíduo viver bem tanto fisicamente quanto
sente pronto para atender os interesses de um emocionalmente e garantir o não aparecimento de
mercado de consumo emergente, que se prepara, doenças com o avançar da idade. Com tais enun-
especialmente, com atividades de lazer e de saú- ciações, os jornais vão educando para um controle
de capazes de satisfazer esta população. Há uma cotidiano das ações de determinada população,
modificação no cenário, onde a improdutividade normalizando a vida em toda sua extensão.
decorrente do tempo de trabalho e apresentada pela No contexto descrito, cabe apresentar a discus-
aposentadoria é modificada pela inserção do velho são de norma feita por Foucault (2010b), no sentido
no mundo do consumo, o que o torna novamente de que esta pode se aplicar tanto a um corpo que
útil para a sociedade. A única velhice acolhida no se quer disciplinar, quanto a uma população que se
presente parece ser aquela vinculada diretamente quer regulamentar. Trazemos à tona o conceito de
à saúde, à jovialidade e à produtividade, obtidas sociedade de normalização que para o autor
mediante o cumprimento de uma agenda sanitária [...] é uma sociedade em que se cruzam, conforme
que engloba medicamentos adequados, exercícios uma articulação ortogonal, a norma da disciplina e
corretos e o consumo de tudo quanto potencialize a norma da regulamentação. Dizer que o poder, no
a juventude eterna. século XIX, tomou posse da vida, dizer pelo menos

180 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 173-185, jul./dez. 2014
Patricia Haertel Giusti

que o poder, no século XIX, incumbiu-se da vida, de possibilidade para colocar em funcionamento
é dizer que ele conseguiu cobrir toda a superfície esse novo tipo de poder, seja através dos inúmeros
que se estende do orgânico ao biológico, do corpo à efeitos que ela produz, ou até mesmo pelo próprio
população, mediante o jogo duplo das tecnologias de conhecimento científico produzido para o corpo
disciplina, de uma parte, e das tecnologias de regu-
envelhecido. Estamos falando aqui de idosos
lamentação, de outra. (FOUCAULT, 2010b, p. 213).
adestrados que estão expostos a um controle per-
Podemos dizer que muitas são as táticas de manente, conduzindo suas ações para aquilo que
regulamentação para população de idosos, que os convencionamos chamar de um “envelhecimento
normalizam. Há assim uma concepção de idoso saudável”. “A disciplina normaliza, e creio que isso
normal e de um “possível” velho anormal, patológi- é algo que não pode ser contestado” (FOUCAULT,
co, construído através de critérios que são definidos 2008b, p. 74).
por um conjunto de saber, neste caso a geriatria. Refletindo sobre o processo de envelhecimento,
Com isso, vemos o quanto os saberes nada têm de fica evidente a produção de outro sujeito, prescrito
neutros. Muito pelo contrário, estão marcados por pela sociedade de normalização. Vale dizer aqui que
poderes que, em uma relação de forças, de saber para este novo modelo é necessário a criação de
e poder, produzem e determinam formas de vida. saberes, determinando modos de vida. Para deixar
Em todas as ações projetadas hoje para o corpo do mais claro, podemos dizer que, no processo de
velho percebemos uma grande vontade de trazê-los normalização disciplinar, o que importa é a norma,
para a zona de normalização.4 aquilo que é estabelecido como norma, e só a partir
Um exemplo bastante claro do quanto os idosos, disso que se determina quem é o normal e o anor-
nos dias de hoje, são convidados para fazer parte mal. É por este motivo que Foucault (2008b) traz
de uma sociedade de normalização está explicitado o conceito de normação, uma vez que no processo
no site do Ministério da Saúde, quando descreve: de normalização disciplinar partimos da norma.
Dito isso, precisamos trazer essa conceituação
A proposta de envelhecimento ativo e saudável busca
para os dias de hoje, quando não basta para os
oferecer qualidade de vida por meio da alimentação
idosos, enquanto uma população, apenas dar se-
adequada e balanceada, prática regular de exercícios
físicos, convivência social estimulante, diminuição guimento às condutas de um ser saudável e ativo,
dos danos decorrentes do consumo de álcool e tabaco e sim, precisa ser acrescentado a isso estratégias
e diminuição significativa da automedicação. O idoso e técnicas de regulamentação dessas pessoas com
saudável tem sua autonomia preservada, tanto a inde- mais idade. A discussão da norma aqui extrapola
pendência física, como a psíquica. (BRASIL, 2013). sua localização em arquiteturas e instituições e
alcança a necessidade de gestão da população de
Nesse convite fica evidente que o trabalho do
velhos. Assim é que na sociedade marcada pelo
Estado é baseado na promoção de um envelheci-
biopoder não partimos da norma, mas do normal. A
mento ativo e saudável, capaz de normalizar essa
partir dos estudos da normalidade, fixamos aquilo
população. É preciso referir que a partir do refe-
que, num dado momento, é atribuído como normal
rencial foucaultiano (FOUCAULT, 2001, 2009), o
(FOUCAULT, 2008b). Estamos falando de uma
poder não é da ordem da repressão, mas é entendido
gestão acionada por estratégias governamentais,
como produtivo. O autor também reforça que foi
que definem formas, práticas e maneiras de se ter
a partir das disciplinas e da normalização que este
um velho-saudável. Citamos aqui os investimentos
tipo de poder passa a funcionar vinculado direta-
atuais feitos em espaços públicos destinados ao
mente a um saber.
acolhimento de pessoas na “melhor idade”, onde
A geriatria, ciência apresentada neste estudo,
equipamentos para realização da atividade física
deve ser considerada como uma das condições
estão à disposição desta população. Cabe ainda
4 Para François Ewald (1993), embasado em Foucault, todos estão na ressaltar as inúmeras apresentações trazidas por
norma, porém há alguns que se encontram na zona de normalização profissionais do mundo arquitetônico para o coti-
e outros que estão à margem desta zona. É com afinco que as es-
tratégias de poder investem nos ditos anormais para cada vez mais diano do lar do idoso. São projeções com aberturas
trazê-los para esta zona e então podermos chamá-los de “normais”. mais espaçosas, com menos irregularidades, apoios

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 173-185, jul./dez. 2014 181
A normalização do idoso na mídia impressa: provocações foucaultianas

de segurança, entre tantas outras táticas e estraté- mecanismos de controle para reduzi-los ao estado
gias para garantia de um viver mais e melhor neste de normalidade global.
estágio da vida. Verificamos, por esse exemplo, que os dis-
São muitas as formas de explicitar as estraté- positivos de segurança se constituem diante das
gias de regulamentação que, no nível biopolítico, necessidades apresentadas por uma determinada
normalizam uma população. E é diante deste en- população, no intuito de trazê-la para a norma, de
tendimento que sugerimos revisitar as discussões controlá-la. Fica evidente que o que estava posto
de caso, risco, perigo e crise apresentadas por em termos de uma sociedade de normalização da
Michel Foucault na aula de 25 de janeiro de 1978 disciplina não dá conta do que hoje a população de
no Collège de France, descrita no livro Segurança, velhos necessita para um envelhecimento saudável,
Território, População, a fim de aprofundar o enten- de todo investimento que precisa ser feito para
dimento que a emergência destas novas noções nos que tenham acesso às condições que circundam
trazem para as reflexões que aqui fizemos. e determinam esse processo de viver mais e viver
A discussão, a partir desses quatro elementos melhor. Para deixar ainda mais claro, buscamos,
dos dispositivos de segurança, nos coloca a pensar nas palavras de Foucault (2008b), a diferenciação
sobre a gestão que é realizada atualmente para e clara entre a sociedade de normalização da disci-
sobre os idosos. Há muitas formas de apresentar plina e a discutida nos dias de hoje, em um tempo
e refletir sobre isso. Refletir como hoje os velhos de biopolíticas:
são normalizados. Trazemos uma para apreciação: Nas disciplinas, partia-se de uma norma e era em
de conhecimento global, a Influenza, mais conhe- relação ao adestramento efetuado pela norma que
cida como H1N1 ou gripe A, tem sido motivo de era possível distinguir depois o normal do anormal.
grandes investimentos governamentais. Foi a partir Aqui, ao contrário, vamos ter uma identificação do
da identificação de casos desta patologia, da men- normal e do anormal, vamos ter uma identificação
suração dos riscos em que a população em geral das diferentes curvas de normalidade, e a operação de
estava exposta, da quantificação e da qualificação normalização vai consistir em fazer essas diferentes
do processo, a ponto de dizer que os idosos eram distribuições de normalidade funcionarem umas em
indivíduos vulneráveis em termos de exposição, e relação às outras e [em] fazer de sorte que as mais
desfavoráves sejam trazidas às que são mais favo-
ainda da verificação de uma proliferação mundial
ráveis. Temos, portanto, aqui uma coisa que parte
da patologia, descrevendo uma situação de crise, do normal e que se serve de certas distribuições
que se tornou evidente a necessidade do apareci- consideradas, digamos assim, mais normais que as
mento de mecanismos de segurança apoiados aos outras, mais favoráveis em todo caso que as outras.
já existentes, os disciplinares, para dar condições A norma está em jogo no interior das normalidades
de continuidade da existência dessa população. diferenciais. O normal é que é primeiro, e a norma
Partindo do exemplo da gripe H1N1, podemos se deduz dele, ou é a partir desse estudo das norma-
dizer que depois de instaurada e controlada a crise, lidades que a norma se fixa e desempenha seu papel
conseguiu-se aprofundar os conhecimentos sobre operatório. Logo, eu diria que não se trata mais de
esta patologia e determinar o que seria esperado uma normação, mas sim, no sentido estrito, de uma
normalização. (FOUCAULT, 2008b, p. 82).
para os próximos tempos em termos de morbidade
e mortalidade, ou seja, as estatísticas apresenta- A partir desses estudos podemos verificar que a
ram aquilo que seria normalmente esperado desta reportagem Ponte para a qualidade de vida, apre-
doença para determinados grupos populacionais. sentada no Caderno Viva Bem (PONTE..., 2009,
Ainda pela classificação de faixa etária e do esta- p. 1-2), coloca em funcionamento a aproximação
do imunológico, foi possível produzir diferentes de uma determinada população a uma zona de
curvas consideradas normais. Citamos os próprios normalização, uma vez que, já no início da repor-
idosos, as gestantes, as crianças com menos de dois tagem, é apresentado o número atual e futuro de
anos de idade, grupos estes que, em determinado participantes de um grupo de fisioterapia preventiva
momento de crise, foram considerados de risco, e para indivíduos com Parkinson e, ainda, a intenção
para prevenção dos mesmos foi necessário criar de trazer os idosos com esta patologia para uma

182 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 173-185, jul./dez. 2014
Patricia Haertel Giusti

inserção mais ativa na sociedade, na busca pelo que comemora os 30 anos longe do cigarro. Em 11
“envelhecer saudável”. Com a idade em torno dos de maio de 1979, Volmar trocou o vício pela saúde,
60 anos, portadores do Mal de Parkinson descobri- depois de 12 anos fumando em média um maço
ram a chance de vencer os obstáculos da doença, por dia. Na avaliação dos benefícios para a saúde
buscando qualidade de vida e interação social. diante da escolha feita pelo aposentado, podemos
No decorrer dessa matéria, temos também a fala visualizar a fala do médico:
da esposa de um idoso parkinsoniano que mostra A troca é por saúde, como fez Volmar, ao abandonar
todo seu empenho em construir espaços de discus- um hábito que pode trazer 26 enfermidades fatais,
são e convivência para estes sujeitos vivenciarem dentre elas 11 tipos de câncer. Perto de completar
de forma mais tranquila a doença. 60 anos, Volmar joga futebol de sete semanalmente
Na mesma linha produzida por essa reportagem, com três grupos diferentes, faz caminhadas na esteira
podemos olhar para a temática do tabagismo, discu- de casa. Paladar e olfato ganharam em qualidade
tida muitas vezes nas reportagens. Está posto para e, fisicamente, o aposentado aparenta ter dez anos
menos. (RECORDE..., 2009, p. 1).
a sociedade que o cigarro provoca uma quantidade
expressiva de doenças na população, especialmen- Assim como na enunciação sobre os indivíduos
te nos idosos. Foi com o objetivo de mostrar ao com Parkinson e a aproximação com a realidade
ser humano os malefícios causados pelo tabaco social, nas apresentadas sobre tabagismo e DPOC,
que muitas dessas reportagens foram produzidas. fica evidente a preocupação de trazer todas as
Trazemos aqui algumas destas publicações: Um pessoas para um controle maior. Olhando para
alerta às mulheres (UM ALERTA..., 2010, p. 1), esta necessidade de ter todos sobre o mesmo foco,
Recorde a favor da saúde (RECORDE..., 2009, p. podemos citar Foucault (2001, p. 62): “[...] a norma
1), Dia de combate a DPOC (DIA..., 2009, p. 1) não tem por função excluir, rejeitar. Ao contrário,
e Uma doença incapacitante (UMA DOENÇA..., ela está sempre ligada a uma técnica positiva de
2010, p. 1). intervenção e de transformação, a uma espécie de
Na primeira é apresentada a problemática social poder normativo.”
e econômica que o cigarro traz nos dias de hoje. De Dessa forma, podemos mencionar que nossa so-
acordo com as estimativas da Organização Mun- ciedade constitui-se naquilo que Foucault anunciou
dial da Saúde (OMS) há um bilhão de fumantes como uma sociedade de normalização. A partir do
no planeta (UM ALERTA..., 2010, p. 1) Com esta século XVIII é que percebemos todo um investi-
afirmação complementada ainda nessa matéria, mento nas populações, a fim de se tornar meta final
pelos resultados de um estudo feito pela OMS, a do governo. Na discussão aqui apresentada, refor-
pesquisa revelou também dados preocupantes sobre çamos que o investimento na população de idosos
os danos causados pela dependência de nicotina. está presente desde a infância, na qual a criança,
Se o quadro atual persistir, em 2030 o número de conduzida por hábitos adequados, se torna a grande
mortes causadas pelo cigarro e seus derivados responsável pelas modificações estatísticas que
deve pular para 8 milhões; vemos a interlocução envolvem a redução da mortalidade, dos casos de
com o que está apresentado na terceira e quarta doença e, consequentemente, a garantia de uma
publicações, nas quais o foco é dizer à comunidade vida melhor e mais longa.
em geral que o tabaco é o principal causador da Pensar que, tanto nas reportagens que tratavam
DPOC. Outra medida de suma importância é que de hábitos e ações adequadas para se realizar ao
a população atente às campanhas antitabagistas, já longo da vida, quanto nas que explicitaram as
que a maior parte dos casos de DPOC – entre 80 táticas e estratégias para uma aproximação com a
e 85% – está relacionada ao cigarro e, portanto, juventude, é perceber que ao dar visibilidade ao ser
poderá ser evitada (DIA..., 2009, p. 1). e viver a velhice na atualidade, a mídia impressa
Continuando o diálogo do tema tabagismo, per- retrata a busca constante pela longevidade. Mostra,
cebemos na reportagem Recorde a favor da Vida, para uma população específica, a maneira de viver
já citada anteriormente, o relato de um aposentado e levar a vida nos dias de hoje.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 173-185, jul./dez. 2014 183
A normalização do idoso na mídia impressa: provocações foucaultianas

Considerações finais da saúde, isto é, um envelhecimento saudável. As


enunciações de promoção adotadas atualmente,
Ao colocarmos ponto final neste artigo, muitas que enquadra todos os sujeitos como passíveis
questões, certamente, ainda nos passam e nos de intervenção, mostra-nos o projeto determi-
produzem uma sensação de estranheza. Escolher nado pela geriatria, que direciona o controle da
a velhice como temática de investigação e anali- vida humana em toda sua extensão. A promoção
sar na mídia impressa a forte modelagem descrita da saúde hegemônica atual pode ser interpretada
para esta população, no mínimo, continuará nos como uma política de neo-higiene interna, de
causando inquietação. forte conteúdo moral com vistas à longevidade
Vale referir que o que está em jogo neste texto (CASTIEL; DIAZ, 2007). A constituição desta
não é um posicionamento favorável ou contrário nova figura do velho está pautada na necessidade
a todas essas intervenções de promoção de saúde de adaptação desta população para acompanhar o
evidenciadas por especialistas ou garantidas em acelerado fluxo de acontecimentos que marcam a
documentos legais para construção de um enve- nossa época.
lhecimento melhor, nem mesmo a intenção de Podemos pensar, a partir dos estudos desses
propor uma nova forma de dizer ou fazer isso. autores, que a emergência da terceira idade nos
Nosso propósito é, isto sim, possibilitar um tipo de coloca no movimento de problematizar as ações de
problematização ao ver e/ou falar sobre a velhice. educação em saúde para esta população, refletindo
Tentar olhar para a História e perceber a consti- sobre todo o investimento feito em estratégias de
tuição da população de idosos foi o que propomos prevenção para que a vida seja cada vez mais longa
desde o início. Através, especialmente, da criação, e melhor.
no início do século XX, da geriatria, é que conse- Parece-nos que, ser provocados por alguns
guimos contar uma história, selecionando alguns fragmentos do percurso histórico da velhice e,
de seus acontecimentos. No decorrer dos tempos, ainda, pelo produto de análise escolhido para
dadas as condições de possibilidade do ingresso este artigo abala nossas certezas sobre esse grupo
dos velhos em legislações e ainda a criação de re- populacional. Olhá-lo, entendendo-o como grupo
gulamentos específicos para esta população, foram descontinuísta e marcado por discursos que com-
precisos outros investimentos além do disciplina- põem as verdades de cada época, é o convite que
mento individual de cada corpo envelhecido. Foi nos deixou Foucault. Quem sabe com essa história
necessária uma modificação nas relações de poder provocativa que aqui escrevemos, possamos res-
englobando os mecanismos de regulamentação, tão ponder, minimamente, como nos tornamos aquilo
utilizados na atualidade. que somos enquanto sujeitos de saber e sujeitos de
Esses mecanismos foram apresentados no poder na atualidade, provocando nosso pensamento
decorrer das reportagens analisadas, em que se a discutir a história diferente do que se pensa e
evidenciou uma velhice pautada pela promoção tornar-se diferente do que se é.

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Recebido em: 30.05.2014


Aprovado em: 30.08.2014

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 173-185, jul./dez. 2014 185
Lúcia Helena Schuchter; Adriana Rocha Bruno

INVESTIGANDO ESPAÇOS ESCOLARES DE LETRAMENTOS:


A BIBLIOTECA E O LABORATÓRIO DE INFORMÁTICA

Lúcia Helena Schuchter∗


Adriana Rocha Bruno ∗∗

RESUMO

Este artigo configura-se a partir de uma pesquisa, que buscou compreender como são
utilizados a Biblioteca Escolar e o Laboratório de Informática, enquanto ambientes
de produção de leitura, escrita e conhecimento. Buscou-se fundamentação teórico-
metodológica na pesquisa qualitativa de abordagem histórico-cultural, respaldada por
Lev S. Vygotsky e Mikhail Bakhtin. O campo de pesquisa constituiu-se de duas escolas
situadas na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais. A investigação desenvolveu-se por
meio de: (a) entrevistas semiestruturadas com dois bibliotecários, uma professora
responsável pelo laboratório de informática, três professores e duas coordenadoras
pedagógicas; (b) análise documental; (c) observação; e (d) questionário. A pesquisa
aponta a possibilidade de trabalhos integrados na biblioteca escolar, no laboratório
de informática e na sala de aula, e mostra a necessidade da formação para o uso das
tecnologias a toda comunidade escolar.
Palavras-chave: Biblioteca escolar. Laboratório de informática. Letramentos.
Formação de professores.

ABSTRACT

INVESTIGATING LITERACY SPACES IN SCHOOL: the school


library and the computer lab
This article sets up from a research which aims to understand how the School Library
and the Computer Lab are being used as reading, writing and knowledge production
environments. It is based on qualitative research according to the historical and cultural
approach and Lev S. Vygotsky and Mikhail Bakhtin studies. The field of research was
two schools located in the city of Juiz de Fora in the state of Minas Gerais. The research
developed by: (a) semi-structured interviews with two librarians, a teacher who was

Doutoranda e Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF). Professora da Rede Municipal de Ensino de Juiz de Fora. Membro do Grupo de Pesquisa Aprendizagem em Rede
(GRUPAR) desde 2009. Docente (Estágio docência) na disciplina Educação online: reflexões e práticas no Curso de Pedagogia
(FACED/UFJF) a partir de 2013. Tutora da Coordenação de Inovação Acadêmica e Pedagógica no Ensino Superior (CIAPES/
PROGRAD/ UFJF) entre 2013-2014. Endereço para correspondência: Rua José Lourenço, 265, São Pedro, Juiz de Fora, MG.
CEP: 36036-230. luciahschuchter@yahoo.com.br
∗∗
Mestre e doutora em Educação: Currículo (PUCSP). Professora da Faculdade de Educação/PPGE/PPGP da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF-MG). Coordenadora de tutores a distância do Curso de Pedagogia (FACED-UFJF-UAB). Líder
do Grupo de Pesquisa Aprendizagem em Rede (GRUPAR/UFJF). Coordenou a Coordenação de Inovação Acadêmica e Pe-
dagógica no Ensino Superior (CIAPES /PROGRAD/UFJF) entre 2011 a 2014. Endereço para correspondência: Programa de
Pós-Graduação em Educação – Universidade Federal de Juiz de Fora. Av. Presidente Costa e Silva, s/nº, Martelos, Juiz de Fora,
MG. CEP: 36036-330. adriana.bruno@ufjf.edu.br

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 187-195, jul./dez. 2014 187
Investigando espaços escolares de letramentos: a biblioteca e o laboratório de informática

responsible for the computer lab, three teachers and two pedagogical coordinators;
(b) document analysis; (c) observation; and (d) questionnaire. The research indicates
the possibility of integrated activities in the school library, in the computer lab and
in the classroom, and it also shows the need for training the school community in the
use of technology.
Keywords: School library. Computer lab. Literacies. Teacher Training.

Introdução em diferentes universidades brasileiras (UFPE,


UFRGS, UFMG, UFRJ e Unicamp). Destaca que
As temáticas que envolvem o uso das tecnolo- com a criação do PROINFO2 a formação de pro-
gias da informação e da comunicação (TIC) nas fessores é sistematizada e inicia-se a distribuição
diversas áreas do conhecimento no contexto esco- de computadores às escolas públicas de todo o
lar, aliadas à formação docente, têm sido frequentes país. Lopes e Furkotter (2010, p. 15) afirmam que,
nas pesquisas educacionais. ainda, “nas licenciaturas, os futuros professores
O movimento de informatização das escolas aguardam por uma formação que, enfim, substitua
iniciou-se em alguns estados brasileiros em meados temor por motivação e resistência ao desconheci-
da década de 1980. Foi um período fértil, marcado do por determinação em superar o desafio que o
pelo que foi batizado de Informática Educativa, em ‘novo’ representa”. Vizentim e Pesce (2010, p. 13)
que pesquisadores e estudiosos vislumbravam na apontam que há no processo de formação vários
Linguagem Logo, de Seymour Papert (1985) e nos fatores envolvidos: o desenho didático, os recursos,
contatos e subsídios do Media Lab do Massachus- o envolvimento dos professores em formação e a
sets Institute of Technology (MIT), os caminhos proposta do formador, que deve “possibilitar aos
para a incorporação tecnológica na educação. Nesse futuros docentes uma experiência cultural, para
período, no Brasil, surgiram projetos e ações que além da experiência instrumental com as interfaces
buscavam implantar as tecnologias disponíveis digitais”.
nas escolas e formar professores para o uso pe- As pesquisas continuam focalizando a relevân-
dagógico do computador. Passadas três décadas, cia da prática pedagógica na promoção do letra-
poderíamos achar que a falta de formação docente mento digital de alunos e professores, tomando a
para o uso das tecnologias estaria superada, já formação docente como núcleo fundamental desse
que hoje vivemos na cibercultura, temos a Web processo.
2.0, Web 3.0, ambientes imersivos, redes sociais, No cenário escolar contemporâneo, encontra-
mídias locativas. Infelizmente, o que as pesquisas mos os espaços tradicionais de fomento à leitura
realizadas recentemente sobre o uso das TIC na e à escrita – como as salas de aula e a biblioteca
educação retratam não é um cenário de incorpo- escolar – e os espaços emergentes – laboratórios
ração e apropriação tecnológica no lócus escolar. de informática, sala de multimeios, rádio escola
Podemos encontrar subsídios para estas refle- etc. Acreditamos que todos esses espaços escola-
xões em trabalhos apresentados na ANPEd.1 Silva res devem ser utilizados visando à tão almejada
melhoria da qualidade da educação. A escola tem
(2007) faz um resgate histórico das pesquisas, no
a função social, cultural e pedagógica de promover
Brasil, sobre a formação dos professores para o uso
do computador na educação e afirma que se iniciam 2 “O Programa Nacional de Tecnologia Educacional (PROINFO) é
em 1985 por meio de projetos-piloto implantados um programa educacional criado pela Portaria nº 522/MEC, de 9
de abril de 1997, para promover o uso pedagógico de Tecnologias
1 A ANPEd – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em de Informática e Comunicações (TIC) na rede pública de ensino
Educação – é uma sociedade civil, sem fins lucrativos, fundada em fundamental e médio. O MEC compra, distribui e instala labora-
1976. A finalidade da Associação é a busca do desenvolvimento e tórios de informática nas escolas públicas de educação básica. Em
da consolidação do ensino de pós-graduação e da pesquisa na área contrapartida, os governos locais (prefeituras e governos estaduais)
da Educação no Brasil (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS- devem providenciar a infraestrutura das escolas, indispensável para
-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 2013).. que elas recebam os computadores” (BRASIL, 2013).

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Lúcia Helena Schuchter; Adriana Rocha Bruno

aprendizagem, de produzir conhecimento nos/com o letramento digital, isto é, “um certo estado ou
os aprendentes; logo, deve fornecer instrumental condição que adquirem os que se apropriam da
para que possam interagir com o conhecimento acu- nova tecnologia digital”.
mulado pelas várias disciplinas do currículo escolar Há, assim, “diferentes tipos e níveis de le-
através dos diversos dispositivos informacionais. tramento” (SOARES, 1998, p. 49), que estão
associados ao desenvolvimento da criticidade e
1. Os letramentos: a leitura e a escrita da cidadania, pois implicam em ações de inter-
em diferentes suportes textuais venção social e cultural dos sujeitos por meio das
linguagens. Soares (2002) propõe o uso do plural
O Ministério da Educação do Brasil, através da letramentos para enfatizar a ideia de que diferentes
“Política de Formação de Leitores”,3 apresenta a tecnologias de escrita geram diferentes estados ou
defesa da leitura como prática sociocultural, que condições naqueles que fazem uso dessas tecno-
deve estar inserida em um conjunto de ações sociais logias. Marcuschi (2005) também afirma que os
e culturais e não exclusivamente escolarizadas. gêneros textuais multiplicam-se a cada tecnologia
Afirma que pensar políticas de leitura extrapola o que surge, e o termo letramento precisa ser expres-
âmbito da escola – como lócus e como função –, so no plural. Vários são os letramentos, que estão
mas sem dúvida não pode prescindir dela. A leitura intimamente ligados à materialidade histórica,
deve ser feita em variados suportes, a partir de múl- social e cultural da escrita. Logo, acreditamos que
tiplas linguagens, relacionadas ao cinema, música, ao dinamizar e ampliar o trabalho com a leitura-
teatro, pintura, livro, computador. Esta prática é -escrita em seus vários suportes, a escola oferece
indispensável para o domínio da complexidade ao aluno a possibilidade de tornar-se letrado,
de gêneros textuais que circulam na sociedade acessar e produzir conhecimento. Os Parâmetros
contemporânea: leis, manuais de instrução, contas Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa do
a pagar, jornais, livros, receitas culinárias, receitas Brasil (BRASIL, 1998) indicam, como um dos
objetivos do ensino fundamental, que os alunos se-
médicas, filmes, e-mail etc.
jam capazes de “saber utilizar diferentes fontes de
Paulo Freire (1983) já sinalizava a necessária
informação e recursos tecnológicos para adquirir e
compreensão crítica do que se lê, implicando numa
construir conhecimentos”. Neste viés, a Biblioteca
percepção das relações entre texto e contexto. Nesta
Escolar e o Laboratório de Informática são espaços
perspectiva, em se tratando de leitura e da escrita,
que oferecem essas fontes e recursos – impressos e
Soares (1998) nos traz um conceito que vai além
digitais – e ilustram todo o processo de mudanças
da decodificação da palavra escrita. É um termo
tecnológicas, sociais, culturais e educacionais da
que veio do inglês literacy e foi traduzido para o
atualidade.
português como letramento, que é “o estado ou
A leitura e a escrita perpassam todas as disci-
condição de quem não apenas sabe ler e escrever,
plinas – com suas respectivas especificidades – e
mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam
todos os professores são agentes de letramento,
a escrita” (SOARES, 1998, p. 47).
responsáveis por propiciar aos alunos o acesso e a
Atravessamos uma época de profundas transfor-
produção do conhecimento, de forma colaborativa
mações tecnológicas que modificam as formas de
e crítica. Livros e computadores podem contribuir
ler e escrever. A educação reflete as características
para que esse processo seja efetivado. Assim, com
do tempo no qual está inserida. Surgem novos
o intuito de suscitar na comunidade escolar uma
suportes de textos, mecanismos de produção, re-
reflexão sobre as possibilidades do uso desses es-
produção e difusão da escrita, o que para Soares
paços e sobre a leitura e a escrita em seus diferentes
(2002, p. 151) configura em um novo conceito:
suportes (livro e computador), desenvolvemos
3 “Um conjunto de documentos elaborados pelo Departamento de uma pesquisa de mestrado que perseguiu pistas
Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental, da Secretaria para a seguinte questão: no cenário tecnológico e
de Educação Básica do MEC, com o objetivo de incentivar o debate
acerca do papel da escola no desenvolvimento da competência globalizado no qual estão inseridos, busca-se com-
leitora dos alunos.” (BRASIL, 2006). preender como são utilizados, dentro da escola, a

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Investigando espaços escolares de letramentos: a biblioteca e o laboratório de informática

Biblioteca Escolar e o Laboratório de Informática, social, histórica e contextualmente: é uma rela-


enquanto ambientes de produção de leitura, escrita ção intersubjetiva possibilitada pela linguagem.
e conhecimento. Assim, compreendem-se os sujeitos através dos
seus textos-palavras e seu contexto de trabalho,
2. A pesquisa e seu percurso a partir dos fatos em seu processo histórico de
teórico-metodológico: achados e acontecimento, compreendendo e descrevendo
compartilhados os fenômenos em estudo, estabelecendo relações
intersubjetivas e participação ativa dos envolvidos
Para desenvolver a pesquisa, buscamos funda- na pesquisa (FREITAS, 2003). Convém ressaltar
mentação teórico-metodológica na pesquisa quali- que a pesquisa, nesse enfoque, não é somente diag-
tativa, de abordagem histórico-cultural, respaldada nóstica. É uma compreensão que Bakhtin (2003)
por Vygotsky (1994, 2000) e Bakhtin (1988, 2003), denomina como ativa – que provoca uma ação/
encontrando suporte teórico nos estudos de Freitas reflexão – e responsiva – que provoca uma reação/
(2003) e Pereira (2003). resposta. Este tipo de compreensão da realidade
Com o texto “Concepções teóricas da pesquisa inevitavelmente leva a um processo reflexivo e
em educação”, Pereira (2003) objetiva contribuir e interventivo, provocando transformações naqueles
dialogar com aqueles que se iniciam na pesquisa, que participam da pesquisa.
colocando que uma das questões centrais é saber A pesquisa com base na abordagem histórico-
que princípios, métodos e técnicas lhes possibilitam -cultural reflete sobre o indivíduo em sua totalida-
o estudo das problemáticas que se pretende estudar. de, abrangendo os aspectos pessoais e sociais que
A autora esclarece que a pesquisa em educação estão constantemente interligados. Este enfoque
situa-se no âmbito do saber metódico, isto é, a ela metodológico deve compreender o homem como
cabem resultados racionais, compreensões, expli- um sujeito social, histórico e cultural, cujas ações
cações dos fenômenos, intencionalidade e atitude sobre o mundo produzem a realidade.
reflexiva por parte do pesquisador. O caráter da Orientando-nos por essa perspectiva, desenvol-
intencionalidade vem das opções filosóficas, que vemos nosso trabalho investigativo. O campo de
definem as concepções de ciência, homem, socie- pesquisa constituiu-se de duas escolas públicas da
dade, educação do pesquisador (que a partir delas cidade de Juiz de Fora, onde funcionam a Biblio-
indaga, elabora hipóteses, analisa os fenômenos). teca Escolar (BE) e o Laboratório de Informática
Assim, os resultados da pesquisa são históricos e (LI). Foram utilizados os seguintes instrumentos
podem ser revistos à luz de novos questionamentos de construção de dados: questionário, entrevistas
e instrumentos de aprofundamento. semiestruturadas (feitas a partir de um esquema
Ao analisar as pesquisas em educação do pon- básico, permitem que o entrevistador faça as
to de vista do materialismo histórico-dialético, necessárias adaptações), observação e análise
esclarece que a relação sujeito-objeto se faz por documental. Os sujeitos entrevistados – formados
um processo de implicação de um no outro, o que em diferentes áreas e com diferentes tempos de
significa que os objetos se constituem na práxis do serviço – foram: dois professores responsáveis pela
pesquisador. O saber científico é marcado pela his- biblioteca escolar, um responsável pelo laboratório
tória, pela existência social, que é contraditória. As de informática, três regentes e duas coordenadoras
pesquisas que se orientam à luz dessa perspectiva pedagógicas.
visam entender os fenômenos da educação na gêne- Utilizamo-nos da observação, que segundo
se e movimento dos próprios processos históricos, Lüdke e André (1986, p. 26) “possibilita um contato
neles se desvelando e evidenciando constituições, pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno
permanências, mudanças. pesquisado [...] E permite também que o observador
Segundo Freitas (2003), nessa abordagem há chegue mais perto da ‘perspectiva dos sujeitos’,
uma nova postura do pesquisador em sua relação um importante alvo nas abordagens qualitativas”.
com o pesquisado: o pesquisador fala com o su- O conteúdo das observações envolveu uma parte
jeito e não sobre o sujeito. A pesquisa se constrói descritiva – que compreende um registro detalhado

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Lúcia Helena Schuchter; Adriana Rocha Bruno

do que ocorre “no campo”, ou seja: descrição dos Os dados de apenas um instrumento desta
sujeitos; reconstrução de diálogos; descrição de pesquisa já indicam um cenário pouco distinto do
locais; descrição de eventos especiais; descrição apresentado nas décadas de 1980 e 1990 sobre o
de atividades; comportamentos do observador. En- uso do computador nas escolas.
volveu também uma parte reflexiva das anotações A pesquisa em questão apresentou outras análi-
– inclui as observações pessoais do pesquisador: ses importantes: ainda há professores que não têm
suas especulações, sentimentos, problemas, ideias, acesso às tecnologias. Nas Escolas A e B, 17% e
impressões (BOGDAN; BIKLEN, 1994). 9%, respectivamente, não usam o computador. Ou-
Recorremos, ainda, à análise documental, com tro fato que se destaca é que esses docentes dizem
o intuito de complementar informações. Guba e não saber como utilizá-lo.
Lincoln (1981 apud LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. Tais dados nos permitem afirmar que o que de-
39) resumem a vantagem do uso de documentos veria estar superado – se considerarmos os quase
dizendo que “uma fonte tão repleta de informa- trinta anos de início do processo de implantação
ções sobre a natureza do contexto nunca deve ser do computador nas escolas – revela-se como algo
ignorada, quaisquer que sejam os outros métodos a ser trabalhado: é preciso um redimensionamen-
de investigação escolhidos”. to da prática docente no que concerne ao uso do
Os registros das observações, das entrevistas e computador e (ainda!) do livro.
de todo o percurso de pesquisa foram realizados Desta forma, a questão que emerge nesse mo-
por notas de campo. mento envolve a relação que os docentes estabele-
Houve uma triangulação dos dados, buscando cem com livros e computadores, pois percebemos
respostas à questão investigativa. As entrevistas nos que cada professor tem uma visão singular e, muitas
permitiram evidenciar o perfil, a formação dos su- vezes, contrastante, que incide sobre suas práticas
jeitos e suas visões sobre os espaços investigados; na escola:
os questionários e os Projetos Político-Pedagógicos
A3: Não uso computador porque ainda não tive
(PPP) nos mostraram os contextos das escolas; as
nenhuma vocação para conseguir gostar.
observações e os projetos de trabalho,4 as práticas
pedagógicas dos professores no ambiente escolar. Pesquisadora: Você acha que precisa de vocação para
Foi aplicado um questionário com a finalidade usar o computador?
de fazer o mapeamento do uso da biblioteca escolar A3: É preciso ter jeito, paciência. E eu ainda não tive
e do laboratório de informática por parte de todos tempo para parar, me dedicar a isso.
os professores das duas escolas. Tivemos retorno
A fala de A3 revela uma situação bastante co-
de 29 dos 45 questionários, na Escola A. Na Escola
mum nas escolas atuais: os professores nasceram
B, 37 retornaram, de um total de 54.
numa época bastante diferenciada – em termos
Em relação à pergunta “Você utiliza a biblioteca
tecnológicos, culturais, sociais – do contexto
escolar?”, na Escola A, 28% dos professores dizem
histórico dos alunos que educam. Criam-se, em
que sempre usam; em contrapartida, 28% afirmam
que nunca usam, enquanto 44% a utilizam raramen- determinados momentos, verdadeiros “fossos”,
te. Já na Escola B, 22% nunca utilizam a biblioteca principalmente em relação ao uso das tecnolo-
escolar, 40% utilizam raramente e 38%, sempre. gias. Mamede-Neves e Duarte (2008, p. 777) nos
Em relação ao Laboratório de Informática, esclarecem:
na Escola A, apenas 17% sempre o utilizam para Crianças e jovens ‘nativos digitais’ (PRENSKY,
atividades com alunos, enquanto 38% utilizam 2001), os que chegaram ao mundo após a popula-
raramente e 45%, nunca. Na Escola B, 54% nunca rização dos computadores pessoais e a criação da
o utilizam, 35%, raramente e apenas 11% sempre internet, compõem um segmento de usuários de
utilizam. TIC que não só faz uso corrente das mesmas como,
também, antecipa o que está por vir, explora de forma
4 Projetos de trabalhos: planejamentos de ações que serão realizadas
pelos profissionais visando a um determinado objetivo. Apresenta-se
criativa e diversificada tudo o que essas tecnologias
o tema, justificativa, objetivos, cronograma de atividades, recursos têm a oferecer, ultrapassando, inclusive, os limites
que serão usados, critérios de avaliação. originalmente estabelecidos para o uso regular delas.

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Investigando espaços escolares de letramentos: a biblioteca e o laboratório de informática

Esta situação tão característica da época ho- envolve múltiplas fontes de conhecimento, que
dierna5 é bastante focada na fala do bibliotecário: interagem e exercem influência mútua”. Logo,
B1: Eu tenho uma neta de quatro anos, que aprendeu o foco da questão investigativa desta pesquisa
a mexer no computador antes de aprender a ler. No apresentada não pode estar na relação livro versus
fim, ela tá lendo no computador. computador, mas: (a) nas diferentes habilidades e
possibilidades de leitura nestes suportes textuais,
Todavia, temos consciência de que muitos
(b) na maneira como a escola pode e deve incorpo-
dos professores atuais são “estrangeiros digitais”
rar e promover esses diversos tipos de letramentos
(PRENSKY, 2001 apud SANTOS, 2008, p. 112),
e; (c) nos benefícios – para a comunidade escolar
que não nasceram nesse contexto tecnologizado.
e para toda sociedade – advindos destas práticas.
Algumas enunciações dos sujeitos são altamente
Como nos ensina Larrosa (2006), é preciso ler no
ilustradoras dessa situação nas escolas:
heterogêneo, multiplicar suas possibilidades de
A2: A maioria dos professores ainda não é letrada em sentido, pois uma pedagogia não trata de buscar
relação ao computador e principalmente à Internet. a homogeneidade dos saberes (que restringe a
Muitos não gostam e não querem entender. Outros diferença), e sim a heterogeneidade do aprender
não se envolvem porque desconhecem. Outros têm
(que produz e dá espaço à diferença). Acreditamos
medo ou vergonha e também não fazem por onde se
interessar pela tecnologia. que, assim, garante-se a manutenção da alteridade,
da possibilidade de crescimento, enriquecimento
B3: Porque, na verdade, é o seguinte: eu não tenho e constituição a partir do “outro”, do “novo”, do
práticas de ensino voltadas para, eu não tenho for-
“diferente”.
mação para práticas de ensino mediadas pelo com-
Essa opção, todavia, envolve os saberes e o
putador. Não tenho mesmo, tenho muita vontade, eu
acho fundamental, mas eu não tive tempo hábil pra comprometimento de todos os profissionais inseri-
fazer isso ainda. dos na escola para que se possa vencer um grande
desafio da educação: preparar os indivíduos para
Diante dessas falas, as palavras de Gonçal- se viver (bem) numa sociedade tecnologicamente
ves e Nunes (2006) ganham destaque, pois, em instrumentalizada. Novas formas de transformar
sua pesquisa, os autores perceberam que parcela a prática pedagógica – entre uma nova postura
significativa dos docentes investigados não rece- do professor, uma nova cultura de ensino e de
bera formação específica para lidar com as TIC. E aprendizagem – devem ser concebidas. Do mesmo
lançam a pergunta: “Se os docentes não possuem
modo, vislumbramos a possibilidade de trabalhos
formação adequada para trabalhar com tecnologias,
integrados na biblioteca escolar, no laboratório
como irão investir na formação dos discentes para
de informática e na sala de aula. Como exemplo,
as TIC?” (GONÇALVES; NUNES, 2006, p. 15).
podemos citar algumas atividades, inspiradas pelos
Lévy (1999, p. 157) assinala que qualquer re-
contextos das próprias escolas pesquisadas: uma
flexão sobre formação na cibercultura deve levar
professora, que todos os anos trabalha com livros
em conta a mutação (qualitativa e quantitativa), a
de Monteiro Lobato, pode propor uma pesquisa
renovação e a velocidade do saber, alertando que:
em que envolva o universo deste autor em sites,
“pela primeira vez na história da humanidade, a
tais como:
maioria das competências adquiridas por uma pes-
soa no início de seu percurso profissional estarão a) lobato.globo.com;
obsoletas no fim de sua carreira”. b) www.projetomemoria.art.br/MonteiroLo-
bato/index2.html;
c) almanaque.folha.uol.com.br/monteiroloba-
Considerações finais to.htm;
Para Pfromm Netto (2001, p. 195), “a aprendi- d) www.memoriaviva.com.br/mlobato/in-
zagem humana é um processo multifacetado que dex2.htm.
5 Hodierno (do latim hodiernus): que diz respeito ao tempo de hoje, Nestes sites, como é comum, há vários links,
ao tempo recente, atual. onde se podem obter informações sobre a vida,

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Lúcia Helena Schuchter; Adriana Rocha Bruno

a obra, os personagens, as músicas do Sítio do dições de trabalho, e é notória a necessidade de se


Pica-Pau Amarelo, as receitas da Tia Nastácia etc. criar reais condições para que os professores pos-
Será um exercício onde cada leitura irá conduzir a sam ter acesso às mais variadas tecnologias, aos
diferentes produções de sentidos, de acordo com bens culturais em geral, a cursos de formação para
o caminho escolhido pelo aluno-leitor. o desenvolvimento dos letramentos. Lembrando
As professoras que trabalham no Ensino Médio que, como afirma Rangel (2009), o letramento é
com livros de literatura voltados para o Vestibular um processo ininterrupto, no mundo que sempre
podem fazer a leitura nos livros, porém podem, exige novas aprendizagens. Acreditamos que se
juntamente com os alunos, pesquisar na internet temos hoje professores que não estão incluídos
sobre os movimentos e estilos de literatura, bio- e nem são letrados digitalmente, os programas
grafias de autores, acessar exames vestibulares de formação precisam estabelecer critérios, pro-
dos anos anteriores, visitar blogs literários, criar postas e objetivos para ajudar a sanar esta defa-
espaços de produção e de discussão online com os sagem. Há a necessidade de uma nova estrutura,
alunos, dentre outros. um novo currículo, uma nova mentalidade, uma
É imensamente importante destacar que os nova postura nos formadores de professores e
trabalhos que envolvam a biblioteca escolar e o novas pesquisas voltadas para metodologias de
laboratório de informática devam estar previstos ensino – focalizando a leitura, os letramentos, o
nas ações dos profissionais que neles atuam, dos conhecimento tecnológico. Estes formadores têm
professores regentes, dos coordenadores pedagó- de ser comprometidos ética e politicamente com
gicos, e no Projeto Político-Pedagógico da escola. a melhoria da qualidade dos cursos de formação,
Livros e computadores são mediadores do podendo gerar outra utilização do livro e do
conhecimento, enquanto elementos da cultura que computador/internet dentro destes cursos, o que,
engendram diferentes processos de ler, de escrever, logicamente, irá se refletir nas práticas docentes
de se informar, de estabelecer relações sociais, de exercidas na escola.
construir identidades. É tarefa da escola possibilitar Assim, considerando a diversidade encontrada
o acesso a estes diferentes suportes, proporcionar entre os profissionais, a disponibilidade apresen-
aos alunos o convívio e o uso de diferentes gêne- tada por eles, as demandas impostas pelo avanço
ros textuais presentes na sociedade e desenvolver das TIC e as condições espaço-temporais nos
estratégias que habilitem o aluno à participação ambientes escolares, podemos pensar também
ativa nas práticas sociais letradas. na importância da formação continuada na mo-
Vivemos num mundo de múltiplas linguagens dalidade a distância. Essa modalidade de ensino
(impressa, digital, televisiva, musical, imagética, está prevista pelo MEC desde 1996, na Lei de
cinematográfica etc.), e a escola, entretanto, nem Diretrizes e Bases, como uma das possibilidades
sempre as integra ao seu fazer pedagógico. As de ampliação do ensino superior brasileiro, sendo
escolas precisam de suportes (livros, televisão, considerada uma ferramenta eficaz, pois amplia o
jornais, DVD, computador etc.) para trabalhar leque de opções de estudo.
com essas linguagens, e os espaços para que elas A escola, a universidade e o poder público de-
coexistam têm de ser ofertados e devem “conviver” vem (co)responsabilizar-se pelo desenvolvimento,
cotidianamente com todas as atividades escolares nos docentes e discentes, de habilidades de leitura
e não estar segregados em um ambiente à parte, e escrita em diferentes suportes, promovendo os
isolados, para eventuais “visitas”. Para isso, não plurais e necessários letramentos e garantindo o
basta a existência de recursos “materiais”, como acesso desses leitores às novas mídias.
livros e computadores; é preciso uma reflexão co- Enfim, é tempo de ressignificar a biblioteca
letiva sobre o seu uso e disponibilizar seus acessos, escolar e o laboratório de informática – que pre-
aliados a uma formação docente condizente com cisam ser mais utilizados na escola –, para que se
os desafios da sociedade hodierna. transmutem em espaços coletivos de leitura, escrita,
Sabemos da ineficiência das políticas de valo- pesquisa, interação, produção de conhecimento.
rização dos professores, da precariedade das con- É tempo de, imbuídos do espírito investigativo

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Investigando espaços escolares de letramentos: a biblioteca e o laboratório de informática

e reflexivo inerente a nós professores e pesqui- impresso-digital, entre a vida-educação, enquanto


sadores, criar possibilidades de relações entre vamos nos constituindo como seres inconclusos e
o possível-desejável, entre o real-ideal, entre o imperfeitos em eterna (trans)formação.

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Recebido em: 04.04.2014


Aprovado em: 23.09.2014

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 187-195, jul./dez. 2014 195
Ana Paula Rufino dos Santos

IMAGEM DO PROFESSOR
E ATRATIVIDADE DA DOCÊNCIA: ENUNCIADOS SOBRE
CARREIRA DOCENTE NA MÍDIA IMPRESSA

Ana Paula Rufino dos Santos∗

RESUMO
O presente texto investe na análise da produção de discursos sobre a atratividade da
carreira docente em textos jornalísticos que abordam diversos assuntos relacionados à
educação básica, com vistas a compreender, a partir da intersecção entre “imagem do
professor na mídia” e “atratividade da docência”, práticas discursivas de produção de
representações da docência enunciadas em textos de reportagem sobre a atratividade
da carreira docente divulgados pela mídia impressa. Para o exame de 04 reportagens
veiculadas entre 2010 e 2013 sobre a carreira docente no Brasil do arquivo on-line
da Fundação Victor Civita sobre a importância dos professores e a qualidade da
educação, opera com a analítica foucaultiana do discurso com vistas a ler, descrever e
discutir “como o discurso atua e como se revela” (FOUCAULT, 2006). A análise dos
enunciados da mídia impressa permite afirmar que as formações discursivas produzidas
selecionam e orientam processos de representação da docência e de valorização do
professor como práticas de significação.
Palavras-chave: Atratividade da docência. Discurso. Imagem do professor.

ABSTRACT
THE IMAGE OF THE TEACHER AND THE ATTRACTIVENESS OF
TEACHING: STATEMENTS ABOUT THE TEACHING CAREER IN PRINT
MEDIA
This text invests in analyzing the production of discourses on the attractiveness of
the teaching career in journalistic texts addressing various issues related to basic
education, in order to understand, from the intersection between “the image of the
teacher in media” and “the attractiveness of teaching”, discursive production practices
of representations of teaching set out in reports on attractiveness of teaching published
by print media. For the analysis of 04 reports published between 2010 and 2013 on
the teaching career in Brazil from Victor Civita Foundation online archive about the
importance of teachers and quality of education, we operate Foucault’s analytical
discourse in order to read, describe and discuss “how discourse operates and how it
reveals” (FOUCAULT, 2006). The analysis of statements of print media suggests that
the discursive formations select and direct the representation processes of teaching
and appreciation of teachers as signifying practices.
Keywords: Attractiveness of teaching. Discourse. Teacher´s image.


Mestra em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professora de disciplinas pedagógicas na graduação
e pós-graduação da Faculdade Europeia de Administração e Marketing (FEPAM/ISEAD) e Universidade do Vale do Acaraú
(UVA/ISEAD), em Recife. Professora substituta no Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE). Doutoranda em Educação na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). aprsantosufpe@yahoo.com.br

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Imagem do professor e atratividade da docência: enunciados sobre carreira docente na mídia impressa

Introduzindo a questão constituição da profissionalização docente e são


examinadas no estudo citado: legislação, caracte-
O debate sobre a atratividade da docência situa- rísticas da formação inicial presencial e a distância,
-se no âmbito das discussões sobre valorização da modelos especiais de formação implementados por
docência. E esta, segundo Neto (2006), junto com administrações públicas, perfil dos professores e
outras questões, forma um campo temático do qual dos licenciandos, aspectos relativos à educação
a profissionalização, a formação e a carreira são continuada nas redes de ensino, dados gerais
parte integrantes. Vale dizer que no campo da for- sobre salário e carreira. Gatti e Barretto (2009, p.
mação de professores esse debate envolve estudos 255) destacam que “salta à vista a necessidade de
sobre as políticas de formação e profissionalização adoção de uma estratégia de ação articulada entre
e seu processo de profissionalidade. Tal questão tem as diferentes instâncias que formam professores e
ocupado, nas últimas décadas, grande espaço nas as que os admitem como docentes”, bem como a
pesquisas educacionais, em especial nos estudos necessidade de “conseguir-se consensos quanto aos
sobre formação de professores. rumos da educação nacional, das estruturas forma-
Nos últimos anos, não só no Brasil como em tivas de docentes para a educação básica e dos cur-
outros países, estudos na área da formação de rículos respectivos”, questões estas que remetem
professores apontam a crescente preocupação diretamente à questão das políticas educacionais e,
de pesquisadores, de governos e de gestores de dentro destas, às políticas voltadas aos docentes.
políticas públicas para a educação com o atual ou A atenção a essa temática e a preocupação
iminente déficit de professores em todos os níveis dos vários segmentos da sociedade quanto ao
de ensino. Como apontam Paiva e Souto (2013), desempenho da educação básica, de acordo com
esse fato decorre, fortemente, tanto do abandono Gatti, Barreto e André (2011), têm aparecido na
do magistério quanto da baixa procura dos jovens mídia com frequência, ao lado de movimentos
pela profissão de professor. Isso se explica, prin- de organizações civis e de entidades científicas e
cipalmente, pela pouca atratividade da profissão profissionais, na perspectiva de discutir a qualidade
docente em relação a várias outras profissões que da educação brasileira, tida como insatisfatória
exigem o mesmo nível de formação acadêmica. em vários aspectos, ainda que muitas vezes em
Tais pesquisas assinalam um quadro de des- direções opostas.
valorização da carreira docente, como propõem Diante das questões apresentadas, a presente
Gatti, Barreto e André (2011), se fazendo neces- discussão intenta abordar a atratividade docente na
sário considerar o problema e discutir que fatores forma como a mídia impressa retrata este evento
interferem nesse posicionamento, ou seja, por que discursivo.
tem decrescido a demanda pelas carreiras docentes, Para desenvolver discussão, toma como base o
especialmente na educação básica. debate sobre atratividade da docência, como Gatti
Contudo, também revelam que, no Brasil, “a e Barreto (2009), Gatti e colaboradores (2010) e
importância dos professores no conjunto geral dos Gatti, Barreto e André (2011), os quais investem
empregados formais, não é menor do que nos países na análise de questões no âmbito da formação de
desenvolvidos” (GATTI; BARRETO; ANDRÉ, professores, a atratividade da carreira docente, as-
2011, p. 20), além de representar 80% do funcio- sociado a estudos no campo dos Estudos Culturais
nalismo público. Ainda que a sociedade brasileira (EC), como Costa (2003), Giroux (1995) e Silva
tenha como discurso a importância da educação, (1995), que têm como ênfase a análise do conjunto
não há ainda a percepção dessa temática como da produção cultural de uma sociedade em seus
uma questão de urgência, prioritária, que deve ser, diferentes textos e suas práticas.
portanto, objeto de políticas incisivas por parte do O presente texto associa-se a estudos no campo
poder público, e de ações diretivas capitaneadas da formação de professores que apontam um con-
por organizações civis e sindicatos. junto de proposições que dizem respeito à dimensão
Nesta acepção, Gatti, Barreto e André (2011) cultural relacionada à docência e à representação
apontam várias facetas que se entrecruzam na docente presente no imaginário brasileiro, desta-

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Ana Paula Rufino dos Santos

cando o papel da mídia na construção do imaginá- E acrescentam que outra questão a ser consi-
rio social de valorização do professor e do ensino derada diz respeito à existência de concurso para
público. Na medida em que investe na análise da ingresso na carreira, sendo este considerado fator
produção de discursos sobre a atratividade da car- primeiro de detecção da qualificação dos candidatos
reira docente na mídia, em revistas que abordam à docência. O concurso para a carreira de magis-
diversos assuntos relacionados à educação e à edu- tério no setor público é obrigatório pela legislação
cação escolar, com vistas a compreender as práticas brasileira. No entanto, muitas vezes esses concursos
de produção de subjetividade docente enunciadas ou não são realizados, contratando-se professores
em textos de reportagens sobre a atratividade da em condição transitória, ou deixam muito a dese-
carreira de professor/professora da educação básica jar em sua concepção e execução, o que os torna
divulgados pela mídia especializada. De maneira insuficientes para verificação de qualificação pro-
mais específica, analisa as intersecções entre fissional mínima.
“imagem do professor na mídia” e “atratividade da Outro ponto a ser considerado nessa análise é
docência” nos enunciados da mídia impressa nos a avaliação de desempenho em estágio probatório,
textos de reportagem. que não tem sido regulamentada, portanto, não é
praticamente implementada. Para Gatti e Barreto
(2009) e Gatti e colaboradores (2010), com quem
Valorização da carreira docente no concordamos, o estágio probatório, quando bem
Brasil: algumas questões conduzido, cria uma aura de responsabilidade e uma
imagem pública de seriedade, na ideia de garantia
Em pesquisa encomendada pela UNESCO so-
para os pais de competência profissional. Agregaria
bre carreira docente, Gatti e Barreto (2009) consi-
valor à carreira. Além da regulamentação e da im-
deram que a valorização da profissão de professor
plementação do estágio probatório como elemento
da educação básica passa pela própria formação
de valorização profissional, outra questão a ser con-
dos docentes e pelas condições de carreira e de siderada são as políticas de formação de professores
salários vinculadas a ela, bem como pelas condi- na direção de qualificar melhor a educação básica,
ções concretas de trabalho nas escolas e políticas que passam pela formação pré-serviço e continuada
que visem contribuir para o desenvolvimento da dos docentes, mas passam também pela renovação
profissionalidade (competência, qualificação mais constante da motivação para o trabalho do ensino,
aprofundada). Além disso, indicam que a profis- pela satisfação com a remuneração e a carreira, o
sionalização dos professores demanda a superação que implica a implementação de várias ações de
de alguns entraves para o exercício da docência na gestão do pessoal do ensino de modo integrado. E
direção de melhoria da formação e das aprendiza- lembram que políticas isoladas, ações pontuais não
gens das novas gerações e apresentam uma série interligadas por uma finalidade comum, na direção
de aspectos fundamentais para uma análise sobre a de construção de um valor social profissional, não
valorização/desvalorização da docência no âmbito conseguem impacto suficiente para a melhoria das
das discussões sobre a educação básica. Dentre aprendizagens nos sistemas escolares.
esses aspectos apontam que para a valorização Nesta perspectiva, Gatti e Barreto (2009), ao
da carreira de professor, o primeiro a ser desta- pontuarem sobre a profissionalização e profissio-
cado diz respeito aos cuidados com sua formação nalidade docente, destacam que ações de diversas
na graduação. O prestígio pode começar por aí, naturezas em relação à profissionalização docente
donde a colocação enfática da necessidade de se necessitariam evidenciar melhorias nas perspec-
reformular e manter constantemente atualizada a tivas de carreira e alterar o imaginário coletivo
formação inicial básica dos professores, contando relativo a essa profissão, tanto na sociedade em
com formadores de professores preparados para geral, como entre os próprios professores, o que
conseguir que seus alunos (futuros professores) passa por devolver a esses profissionais a confiança
aprendam a ensinar. Ou seja, começar a qualificar em si mesmos, o que pode ser conseguido com po-
melhor os futuros professores na graduação. líticas adequadas que perdurem no tempo. Em sua

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Imagem do professor e atratividade da docência: enunciados sobre carreira docente na mídia impressa

opinião, se faz necessário considerar que docentes que não oferecem clareza de percurso, imaginário
não são autômatos sociais cujas ações obedecem coletivo de desmotivação.
unicamente a estímulos externos, tais como as leis, Diante do exposto concordamos com a afirma-
decretos, circulares e regulamentos. São pessoas ção de Gatti e Barreto (2009), de que complexa é
com ideias, imaginação, representações, e gozam a trama que nos oferecem os dados trazidos nos
de certa autonomia, mesmo que seja parcial. Daí diversos estudos, considerando, de um lado, os
a importância de conhecer a subjetividade dos aspectos relativos ao trabalho dos professores, as
agentes sociais para compreender o que fazem e características dos docentes, da formação em servi-
por que o fazem. ço e continuada – como elementos que compõem o
Nesse sentido, as políticas públicas não podem cenário das atividades de ensino-aprendizagem nas
ignorar esse fato. O sentimento de menos-valia1 escolas do país –, e, de outro, as posturas normati-
da categoria, expresso em tantos e tantos estudos, vas, as condições de formação e socioculturais dos
passa pela condição salarial e as perspectivas de licenciandos em diversas áreas, sinalizando pers-
carreira, como sinalizam as pesquisas. Gatti e pectivas de futuro para a qualidade da educação.
Barreto (2009) alertam que os planos de carreira
encontrados nas redes não mostram a possibilida- A atratividade docente e a mídia
de real de professores “subirem na carreira” sem impressa: o corpus de análise
deixar a sala de aula. Tal situação desmotiva bons
candidatos a professor, e também os bons profes- Para este estudo foi realizada uma pesquisa
sores, que se sentem desvalorizados e acabam por exploratória, no site da Fundação Victor Civita2
procurar outra função fora da sala de aula para (FVC), de textos de relatórios e artigos de pesquisas
obter promoção significativa. Além de também educacionais sobre atratividade da docência a partir
criar a representação de que ficar na sala de aula da intersecção dos conceitos de atratividade, carrei-
não propicia uma carreira recompensadora social ra e docência. Dentre os diversos textos midiáticos
e financeiramente. escolhemos analisar a reportagem.
Para além dessas questões, Scheibe (2010) Por se tratar de um texto de divulgação que
lembra que há uma grande pressão para que os utiliza determinados procedimentos discursivos
professores apresentem melhor desempenho, que têm características específicas em razão de
principalmente para que os estudantes obtenham sua função social, “Em sua engrenagem discur-
melhores resultados nos exames nacionais e in- siva utiliza informações procedentes do discurso
ternacionais. As críticas ressaltam, sobretudo, os técnico-científico, o modo de elaboração deste novo
professores como mal formados e pouco imbu- discurso é específico, pois está determinado por
ídos de sua responsabilidade pelo desempenho concepções próprias de produção e de difusão pelo
dos estudantes. A partir daí, os diversos níveis uso das palavras, mesmo em um mundo governado
governamentais vêm criando mecanismos que pela imagem” (CATALDI, 2007, p. 158).
visam ampliar o controle do exercício profissional, De um conjunto de 17 textos jornalísticos esco-
mediante exames de certificação de competência, lhidos, foram selecionadas quatro (04) reportagens
associados à implantação de incentivos financei- publicadas entre 2010 e 2013, sobre carreira do-
ros. Ao passo que os salários de professores da cente no Brasil. Tais textos fazem parte do arquivo
educação básica continuam baixos, com carreiras on-line da área de Estudos e Pesquisas da Fundação
1 É importante lembrar que, segundo Karl Marx, o valor do trabalho Victor Civita (FVC), a qual reúne relatórios de
não é uma grandeza concreta: o operário não vende sua força ou pesquisas e reportagens de diversos veículos de
sua habilidade. Pelo contrário, o progresso da mecanização ga-
rante um padrão uniforme de produtividade dentro de cada ramo 2 A Área de Estudos e Pesquisas da FVC, criada em 2007, tem como
de atividade e para cada tipo de ocupação, igualando-os. O termo principal objetivo a produção e disseminação de informações re-
“menos-valia” está sendo empregado no texto buscando caracterizar sultantes de pesquisas educacionais entre formuladores de políticas
a sobrevalorização dos aspectos econômicos que contribui para a públicas, pesquisadores, institutos e universidades dedicados à
desvalorização salarial de profissões, como é o caso da docência em pesquisa educacional e à formação de educadores e gestores, bem
relação a outras profissões e suas implicações de efeitos na criação como entre Organizações Não Governamentais (ONGs) com foco
de uma representação dos profissionais da área. na Educação.

200 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 197-206, jul./dez. 2014
Ana Paula Rufino dos Santos

comunicação/informação sobre a importância dos e valor enquanto meio de aprendizagem, informa-


professores na qualidade da educação, em parceria ção e produtora de narrativas de nosso tempo.
com a Fundação Carlos Chagas (FCC). Sob este entendimento, como propõe Silva
(1995), as narrativas constituem uma das práticas
Imagem do professor e atratividade: discursivas mais importantes. Elas contam histórias
discursos sobre docência na mídia sobre nós e o mundo e nos ajudam a dar sentido,
impressa ordem, às coisas do mundo e a estabilizar e fixar
nosso eu. E o poder de narrar está estritamente liga-
A metodologia adotada opera com a analítica do à produção das identidades sociais. As narrativas
foucaultiana do discurso utilizando-se das catego- não apenas nos ajudam a dar sentido ao mundo,
rias de interdição e exclusão – consiste, portanto, a torná-lo inteligível; elas constituem o mundo e
em ler, descrever e discutir como o currículo da fornecem elementos para nos construir. Na medida
mídia atua, “como funciona, como o discurso se em que elas são cruzadas pelas linhas de poder, não
revela” (FOUCAULT, 2006, p. 37). Isso significa existem num campo tranquilo de imposição.
colocar foco nas estratégias e técnicas discursivas Nessa abordagem, a relação entre linguagem
para descrever e analisar o que o discurso “faz apa- e pedagogia deve ser entendida, para além de sua
recer” no terreno da educação, “como objetiva”, o importância pedagógica estrita, como veículo de
que produz e o que subjetiva. Para tanto, atenta-se interpretação. Ela deve ser também entendida como
ao vocabulário utilizado, às estratégias e táticas um local de contestação social. “Como parte de
adotadas, bem como às técnicas corporificadas no uma luta mais ampla; como um discurso de pos-
discurso investigado. sibilidade, considerando a linguagem tanto como
Nessa acepção, as imagens, fotografias, cores, uma política da representação quanto como uma
personagens, mapas, quadros, gráficos, tabelas, prática social através da qual as identidades são re-
desenhos são considerados táticas que contribuem -configuradas” (SILVA, 1995, p. 96). Pode-se dizer
para dar efeito de verdade ao discurso divulgado. que na perspectiva dos Estudos Culturais, como
Assim, elas não são tomadas de modo separado das afirma Costa (2003) nas práticas de significação, o
“coisas ditas” e escritas nesses materiais. conhecimento está sob o peso das relações de poder.
Nesta seção estaremos, à moda foucaultiana, A publicidade, os textos jornalísticos, a lite-
fazendo uma reescrita dos discursos sobre a atra- ratura, a televisão, a música, o cinema são peças
tividade da carreira docente na mídia, em textos importantes de análise para os Estudos Culturais.
midiáticos que abordam a educação e a educação E estão unidos por uma abordagem cuja ênfase
escolar, com vistas a compreender as práticas de recai na importância de se analisar o conjunto da
produção de subjetividade docente enunciadas em produção cultural de uma sociedade, seus diferentes
textos de reportagens sobre a atratividade da car- textos e suas práticas, para entender os padrões de
reira de professor/professora da educação básica comportamento e a constelação de ideias compar-
divulgados pela mídia impressa. tilhadas por homens e mulheres que nela vivem.
A presente investigação foi desenvolvida Foucault (1995) propõe que as formas moder-
apoiando-se na epistemologia dos Estudos Cultu- nas de poder atuam na subjetividade do indivíduo
rais (EC), os quais estão profundamente preocu- à sujeição desse indivíduo (ser controlado por
pados com a relação entre cultura, conhecimento outro) e explora a articulação entre poder e saber,
e poder. Sobre os quais vale pontuar que em seus em cujo interior se produz o sujeito. “Os processos
desdobramentos, os EC investem intensamente de subjetivação estão diretamente relacionados às
nas discussões sobre a cultura, colocando a ênfase experiências que o sujeito faz de si mesmo, num
no seu significado político; estão profundamente jogo de verdade em que é fundamental a relação
preocupados com a relação entre cultura, conhe- consigo” (FOUCAULT, 1995, p. 14). São sempre
cimento e poder (GIROUX, 1995). E mostram que situados e amplamente diversos, nos modos de
a sociedade contemporânea encontra-se imersa no existência que produzem, de acordo com a época
mundo audiovisual, atribuindo à mídia importância e o tipo de construção social.

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Imagem do professor e atratividade da docência: enunciados sobre carreira docente na mídia impressa

Assim, entende-se que o conceito de subjetiva- de “operário” e “apóstolo”, a qual considerava que
ção sugere pensar que as identidades são formadas e os professores tinham um papel central na civili-
transformadas continuamente em relação às formas zação e nacionalização do país: “Aos professores
pelas quais somos representados ou interpelados só há uma coisa a dizer, escrevia o inspetor: [...] a
nos sistemas culturais que nos rodeiam (HALL, vossa vida precisa ser um espelho cristalino onde
2000), bem como constituídas em muitas instâncias se resistam e donde irradiem todas as virtudes pos-
e espaços. síveis e imagináveis. Instruí, mas educai — educai
Assim como a identidade do professor também principalmente”. (NORTE, 1920 apud MADEIRA,
não é algo dado, mas, antes, como afirma Nóvoa 2010, p. 68).
(2009), um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço Nessa análise, aos professores caberia a respon-
de construção de maneiras de ser e de estar na pro- sabilidade pelo progresso e a confiança depositada.
fissão. Por isso um processo identitário sob a mescla Um discurso pautado no reconhecimento de que a
dinâmica que caracteriza a maneira como cada um se civilização e o progresso do país seriam produtos
sente e se diz professor. Contudo, é preciso lembrar do trabalho e da educação. Contudo, Gatti e colabo-
que na sociedade da “cultura da mídia e do consumo” radoras (2011) lembram que a docência pertence a
(COSTA, 2009), a mídia, por meio de diferentes um campo profissional e que o reconhecimento dos
estratégias de subjetivação produz enunciados que docentes da educação básica como profissionais es-
fazem emergir um discurso pela qualidade da edu- senciais ao país passa pela oferta de carreira digna
cação tecido na enunciação de uma representação de e remuneração condizente com a formação deles
professor a partir de aspectos subjetivos como aquele exigida e com o trabalho deles esperado. E acres-
que precisa possuir habilidade técnica para atender centa que não se pode camuflar isso com sofismas
as demandas tecnológicas e que seja emocional e que não contribuem com a profissionalização dos
relacionalmente “o exemplo”, aquele que inspira professores e a construção de sua identidade pro-
ou, na mesma moeda, desestimula a escolha pela fissional com características comuns valorizadas.
docência para as próximas gerações. Para além desses aspectos, há outros elementos
igualmente importantes em direção à melhoria da
Filha de professor cresceu vendo o exemplo do pai. qualidade da educação, como a valorização social
‘Um entusiasta pela profissão’, afirma. [...] ‘Minha da profissão, os salários, as condições de trabalho, a
motivação e gosto por ensinar veio do exemplo dele’.
infraestrutura das escolas, as formas de organização
(VALENZA, 2010, p. 4).
do trabalho escolar, a carreira – “que devem fazer
[...]. A principal joia da coroa de uma estrutura edu- parte de uma política geral de apoio aos docentes.
cacional deve ser a sala de aula. Esses são os metros Sendo estes alguns dos fatores que não podem ser
quadrados mais nobres, e quando o seu entorno não esquecidos, nem desconsiderados no delineamento
é bom, a sala também é maculada. Aos governantes
de políticas para os professores” (GATTI et al.
compete instituir planos de carreira estimulantes e
2011, p. 15).
critérios de meritocracia. [...] Não conheço missão
maior e mais nobre que a dirigir as inteligências Parece evidente nessa construção discursiva o
jovens e preparar os homens do futuro. (VALENZA, que Foucault (1995) denomina de procedimentos
2010, p. 1). de exclusão do discurso, que oculta ou deixa de
evidenciar elementos do discurso para aparecerem
Nessa construção discursiva, na forma como na forma de acontecimento. Nesta perspectiva, os
elege os elementos do discurso pela educação aspectos socioeconômicos e políticos apontados
básica aparece uma interdiscursividade com o por vários estudos sobre a valorização da carreira
discurso da escola republicana,3 onde o professor docente são silenciados.
se faz representado por uma identidade simultânea Vale lembrar, como apontam Gatti e Barreto
3 Neste sentido, como propõe Brayner (2008) a educação na perspec- (2009), mencionadas anteriormente, que a va-
tiva republicana representa o discurso da possibilidade de superação lorização da profissão de professor da educação
das desigualdades sociais. Uma escola voltada para as classes mais
fragilizadas da sociedade e poder lhes oferecer a possibilidade de básica passa pela formação dos docentes e pelas
se tornarem visíveis através da palavra e da ação. condições de carreira e de salários vinculadas a ela,

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Ana Paula Rufino dos Santos

bem como pelas condições concretas de trabalho enunciados oriundos da experiência social cotidia-
nas escolas, políticas que visem contribuir para o na sobre o professor e a profissão docente. Assim,
desenvolvimento da profissionalidade (competên- o discurso midiático aparece estruturado com
cia, qualificação mais aprofundada); são aspectos enunciações que tendem a ressaltar a importância
fundamentais para uma análise sobre a valorização/ da educação, mas oferece à mesma um tratamento
desvalorização da docência no âmbito das discus- aligeirado em relação aos enunciados que apontam
sões sobre a educação básica. a relevância dos professores, porém enxergam a
A análise das formações discursivas produzidas docência como uma profissão indesejada.
advindas das reportagens evidenciou também a O discurso pela qualidade da educação básica
emergência de certas imagens que orientam pro- emerge da contradição entre a imagem do professor
cessos de representação. As representações, por e a representação da profissão docente: “ao mesmo
sua vez, envolvem as relações entre os planos da tempo em que a docência é louvável, o professor é
significação, da realidade e as imagens decorrentes, desvalorizado, social e profissionalmente” (GATTI
possuem vínculos com a realidade, porém corres- et al, 2011, p. 20).
pondem a um nível de construção e não de repro- O conceito de representação, da forma como
dução estrita do mundo. Este aspecto é submetido está sendo apreendida neste texto, diz respeito a
a estratégias de disfarce, no discurso midiático. um processo cultural que, por sua vez, diz respeito
Quem se depara com Mário Gattica, óculos escuros, às práticas de significação e aos sistemas simbóli-
terno preto, alto, musculoso, lutador de arte marciais, cos por meio dos quais se produzem significados,
cuidando da segurança de uma casa noturna da rua posicionando-nos como sujeito, ou seja, ao produ-
Augusta, jamais poderia imaginá-lo como professor zirmos significados damos sentido à experiência, ao
de filosofia de escola pública. ‘Gostaria apenas de
que somos. Ou seja, “é por meio dos significados
dar aulas’, conta – apesar de, algumas vezes, ele se
sentir mais vulnerável fisicamente dentro de uma produzidos pelas representações que damos sentido
escola do que evitando ou assaltos na madrugada. à nossa experiência e àquilo que somos” (SILVA,
(DIMENSTEIN, 2010). 2009, p. 17).
Assim, tal como defende Louro (1997), as
[...] ‘Eles passam por problemas de saúde, estresse,
depressão, porque a pressão do dia a dia é muito
representações são apresentações, são formas
grande’, destaca. A consequência é o índice de re- culturais de referir, mostrar e nomear um grupo
novação constante. [...] ‘Na iniciativa pública essa ou um sujeito. A autora entende, portanto, que as
rotatividade não é alta porque a grande maioria é representações dos sujeitos dizem algo sobre esses
concursado e estável’, diz o presidente do Sinteemar, sujeitos, delineiam seus modos e traços, definem
Éder Adão Rossato. (VERZOLA, 2013). seus contornos, enfim, são formas culturais de
Nessa construção discursiva Citelli (2012) referir-se aos sujeitos e de afirmar se um indivíduo
ajuda-nos a perceber que duas grandes categorias pode ou não ser identificado como pertencendo a
narrativas tendem a representar a figura do pro- um determinado grupo. “[...] as representações
fessor: uma representação comprovadora e outra produzem sentido e certamente se transformam e
de predicação. A primeira é composta tanto por se distinguem – histórica e socialmente” (LOURO,
registros e discursos negativos (falta de preparo dos 1997, p. 99). Ou como aventa Silva (2009, p. 18),
professores, violência escolar, greves etc.), quanto quando afirma que esses sentidos que as represen-
pela menção a experiências de sucesso. Na repre- tações produzem são criações sociais múltiplas,
sentação predicativa, o discurso indica sucessos e pois diversos grupos e vozes desenham os sujeitos,
fracassos, mas é observado, nos estudos de caso os quais, por sua vez, se adaptam ou contrapõem
sobre o espaço do trabalho, o professor, bem como a essa caricatura, ou seja, os significados que as
suas entidades e órgãos de classe. representações acabam produzindo não preexis-
Observa-se nos enunciados em questão uma tem no mundo, mas eles têm que ser criados, e
espécie de representação comprovadora. Um cru- são criados socialmente, são criados através de
zamento de enunciados do campo midiático e os relações de poder.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 197-206, jul./dez. 2014 203
Imagem do professor e atratividade da docência: enunciados sobre carreira docente na mídia impressa

A análise dos enunciados fez emergir outro provavelmente da sociedade como um todo – é que
enunciado sobre a educação básica na intersecção a docência possui uma remuneração baixa, com
entre os conceitos de imagem do professor e atra- condições de trabalho ruins e com reconhecimento
tividade da docência, o enunciado do inevitável social menor do que sua importância.
fim da profissão. Na forma como se estruturam no Apesar de reconhecer a importância do professor,
título de reportagens: os jovens pesquisados afirmam que a profissão é
O que você não quer ser quando crescer? (DIMENS- desvalorizada socialmente, mal remunerada e com
TEIN, 2010). rotina desgastante. (BERTOLOTI, 2010).
Professor vai virar artigo de luxo. (VALENZA, Um terço dos alunos entrevistados até pensou em
2010). ser professor, mas desistiu pelos seguintes motivos:
Prestígio zero. (BERTOLOTI, 2010). 1) falta de valorização social; 2) salários baixos e 3)
rotina desgastante. (DIMENSTEIN, 2010).
Os enunciados se instituem sob um discurso de
naturalização da desvalorização da profissão do- Nos enunciados examinados, atratividade da
cente como se profissão não fosse uma construção docência e imagem do professor são conceitos
social, em uma realidade dinâmica e contingente que se interseccionam e se constroem associados
calcada em ações coletivas e produzida pelas ações a termos como trabalhar muito, mal remunerado,
dos atores sociais, no caso, os docentes. Negando nenhum reconhecimento, desvalorizada, rotina des-
que esta seja “uma questão de urgência, prioritária, gastante, em uma construção discursiva que coloca
que deve ser, portanto, objeto de políticas incisivas em evidencia práticas de significação e sistemas
por parte do poder público e de ações diretivas simbólicos por meio dos quais produz significados
capitaneadas por organizações civis e sindicatos” sobre o que é ser professor.
(GATTI et al, 2011, p. 20). Sendo assim, o discurso ultrapassa a simples
Foucault (1995) postula que os discursos não referência a coisas, existe para além da mera uti-
confrontam nem associam realidade e língua, léxico lização de letras, palavras e frases, não pode ser
e experiência; nem devem ser vistos como conjunto entendido como um fenômeno de mera expressão
de signos que aí estão para remeter a este ou àquele de algo: apresenta regularidades intrínsecas a si
conteúdo, a esta ou àquela representação. mesmo, através das quais é possível definir uma
Os discursos são sempre práticas que efeti- rede conceitual que lhe é própria. É a esse mais
vamente formam os objetos que falam, e não se que o autor se refere, sugerindo que seja descrito
reduzem a um conjunto de falas, de imagens ou de e apanhado a partir do próprio discurso, até porque
textos que relacionamos para analisar. Na verdade, as regras de formação dos conceitos, para Foucault
tudo é prática em Foucault. Isto significa dizer que (1995), não residem na mentalidade nem na consci-
na análise foucaultiana não há nada por desvelar-se, ência dos indivíduos; pelo contrário, elas estão no
tudo está imerso em relações de poder e saber que próprio discurso e se impõem a todos aqueles que
se implicam mutuamente. “Enunciados e visibi- falam ou tentam falar dentro de um determinado
lidades, textos e instituições, falar e ver constitui campo discursivo.
práticas sociais por definição permanentemente
presas, amarradas às relações de poder, que as Algumas considerações
supõem e as atualizam” (FISCHER, 2002, p. 7).
Citelli (2012), tomando dados de pesquisas edu- A discussão em tela investiu na análise da
cacionais, como as desenvolvidas por Bernadete produção de discursos sobre a atratividade da
Gatti, aponta uma tendência de mudança no perfil carreira docente na mídia, em textos jornalísticos
dos estudantes das licenciaturas, com mais alunos que abordam diversos assuntos relacionados à
oriundos de famílias das classes populares, com educação e à educação escolar, com vistas a com-
formação em escolas públicas, até a graduação, preender as práticas de produção de subjetividade
e instituições privadas neste nível. Um aspecto docente enunciadas em textos de reportagem sobre
constatado sobre a percepção dos estudantes – e a atratividade da carreira de professor/professora

204 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 197-206, jul./dez. 2014
Ana Paula Rufino dos Santos

da educação básica divulgados pela mídia impressa A análise dos discursos sobre a atratividade da
especializada. E buscou focalizar as intersecções carreira docente na mídia, em textos jornalísticos,
entre “imagem do professor na mídia” e “atrativi- nos permite afirmar que as formações discursivas
dade da docência” nesta produção discursiva. produzidas pelos meios de comunicação que
Nessa direção, da forma como se apresenta, é evidenciam determinadas imagens do professor
inegável a percepção de que no conjunto das práticas operam a partir de matrizes argumentativas que
discursivas e de subjetivação, a mídia em seu dis- selecionam, evidenciam e orientam processos de
positivo pedagógico, como propõe Fischer (1976), representação. E que os modos de anunciação
se configura em um artefato cultural que ocupa um de identidades sociais e de uma profissão estão
lugar singular no tecido social, articulando múltiplos implicados com a produção de uma percepção
discursos e acionando uma política de identidade. sobre esta. Ou seja, um conjunto das práticas
O exame dos enunciados da mídia coloca em discursivas sobre a docência no discurso midiático
evidência a existência de uma intencionalidade que intersecciona os conceitos de “imagem do
estrutural e discursiva na mídia impressa nos textos professor na mídia” e “atratividade da docência”,
de divulgação. Na medida em que a aproximação em que o segundo está relacionado à importância
entre o que Cataldi (2007) denomina de dois uni- dos professores na qualidade da educação por
versos discursivos completamente distintos – o meio dos procedimentos de exclusão, em um jogo
conhecimento técnico, por um lado, e o conhe- de interdições dos enunciados pela qualidade da
cimento social e cotidiano, por outro –, ratifica a educação básica “formando uma grade complexa
emergência de uma construção discursiva que ao que não cessa de se modificar” (FOUCAULT,
mesmo tempo em que informa o discurso técnico 2006, p. 9). E estão implicadas com a construção
científico, seleciona e transmite aqueles conheci- de uma imagem da docência e de valorização do
mentos que estabeleçam alguma relação com o professor e do ensino público como práticas de
mundo da experiência social cotidiana. significação.

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20 jul. 2013.

Recebido em: 07.05.2014


Aprovado em: 03.10.2014

206 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 197-206, jul./dez. 2014
Marco Silva; Sheilane Avellar Cilento

FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA DOCÊNCIA ONLINE:


CONSIDERAÇÕES SOBRE UM ESTUDO DE CASO

Marco Silva∗

Sheilane Avellar Cilento∗∗

RESUMO

No Brasil, cresce exponencialmente a oferta de graduações na modalidade online,


na medida em que a legislação oficial específica e as políticas públicas de inclusão
social no ensino superior contam com as tecnologias digitais invadindo os mais
distintos setores da vida social. No entanto, a expansão da modalidade online não
tem sido acompanhada de formação docente adequada, particularmente entre os
graduandos em pedagogia e aqueles professores que atuam em cursos na web. Este
texto reúne algumas considerações sobre formação de professores para docência
online extraídas de investigação acadêmica realizada com base no estudo de um
caso brasileiro. O quadro teórico articula abordagens sobre: a) educação e cultura
digital; b) docência no ensino superior; e c) formação para a docência online.
As conclusões apontam para a necessidade de: a) desenvolver saberes docentes
que contemplem a especificidades do meio online; b) desenvolver o diálogo
entre professores e alunos enquanto parceiros que compartilham a construção
do conhecimento e da comunicação; c) superar o uso das interfaces fórum e chat
baseado na interação sem articulação, em favor da colaboração e interatividade; d)
investir na formação continuada que proporcione ao docente aptidões pedagógicas
específicas como expressão socioafetiva nas relações interpessoais com os cursistas
e expertise tecnológica para promover a inclusão do cursista na dinâmica específica
da aprendizagem online. Focado nesses desafios, o texto espera contribuir com o
debate sobre a qualidade da formação de professores para docência online, quando
a tendência ainda é a subutilização das potencialidades interativas da web e a
reprodução de práticas unidirecionais da sala de aula presencial.
Palavras-chave: Docência online. Cultura digital. Formação de professores.

ABSTRACT

TEACHER TRAINING FOR ONLINE TEACHING: CONSIDERATIONS ON


A CASE STUDY
In Brazil, the offer of online graduation courses grows exponentially. This is due to
the country´s legislation, the public policies for social inclusion in higher education

Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Educação pela Fundação
Getúlio Vargas (FGV-Rio). Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Faculdade de Educação
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Endereço para contato: Av. Nossa Senhora de Copacabana, nº 02, ap.
101, Leme, Rio de Janeiro- RJ. CEP: 22010-121. mparangole@gmail.com
∗∗
Graduada em Português–Inglês e Literaturas pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP). Mestre em Educação online
pela Universidade Estácio de Sá (UNESA). Coordenadora do Curso de Pós- Graduação em Educação a Distância do Senac-RJ.
smacrb@gmail.com

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 207-218, jul./dez. 2014 207
Formação de professores para docência online: considerações sobre um estudo de caso

and the invasion of digital technologies in the various aspects of our social lives.
Nevertheless, the expansion of the online model has not yet been accompanied by the
offering of adequate teacher training, particularly among Pedagogy undergraduates and
online teachers. The present article presents some considerations on teacher training
for online teaching, drawn from an academic research based on a Brazilian case study.
The theoretical framework for this study includes: a) education and digital culture; b)
higher education teaching and c) teacher training for online teaching. The research
findings point to the need for: a) developing teacher knowledge which contemplates the
specific pedagogical and technical characteristics of the online medium; b) developing
a dialog between teachers and learners as partners who share knowledge building and
communication; c) overcoming the use of forums and chat rooms as interfaces for
interactions without exchange of knowledge between participants, in favour of peer
collaboration and interactivity; d) investing in continuous professional development
programmes, that enable the development of specific teaching skills, such as the
acquisition of technological expertise and the development of socio-affective skills, in
order to promote the inclusion of learners in the specific dynamics of online learning.
Focusing on these challenges, this article aims at contributing to the discussion about
the quality of teacher training for online teaching, in relation to the ongoing trend of
underutilization of the interactive potential of the web and the repetition of traditional
classroom teaching practices.
Keywords: Online teaching. Digital culture.Teacher training

Introdução capaz de atender às demandas sociais, culturais e


profissionais em sintonia com o espírito do nosso
A modalidade educacional online que emerge tempo digital.
com a web é recente, ganha centralidade no cenário Para reinventar-se, é necessário que a educa-
da educação superior e, por isso mesmo, demanda ção possibilite dinâmicas pedagógicas capazes de
pesquisas acadêmicas capazes de operar com o superar a simples transmissão ou distribuição de
novo desafio que se apresenta à gestão dos sistemas informações. Para isso, o professor deveria estar
de ensino e às teorizações pedagógicas consolida- inserido no contexto da cultura digital, desenvol-
das na sala de aula presencial. Na cultura digital vendo atitudes, modos de pensamento e práticas
ou cibercultura (LEMOS, 2007; LEMOS; LÉVY, comunicacionais interativas no ciberespaço através
2010; LÉVY, 1997; SILVA, 2008), isto é, no cená- de interfaces de autoria e de colaboração, como e-
rio baseado na relação simbiótica entre sociedade, -mails, wikis, redes sociais, blogs, chats.
cultura e novas tecnologias de base microeletrônica O uso instrumental das tecnologias digitais e da
conectadas à internet avançada, não basta o pro- web resulta na distribuição de informações e na ad-
fessor ter acesso e saber usar computador, tablet ministração burocrática do feedback dos cursistas.
e celular conectados à internet, para lecionar na Para superar esse prejuízo à educação autêntica,
modalidade online. Ele precisa desenvolver saberes o professor precisará operar com as tecnologias
docentes específicos em diálogo permanente com digitais de informação e comunicação em sintonia
os saberes construídos na modalidade presencial. com uma estrutura curricular aberta, flexível e
É necessário mais investimento em pesquisas ca- com um desenho didático interativo e hipertextual
pazes de propiciar o fortalecimento e a oferta da (SANTOS; SILVA, 2009).
formação para docência online. Os professores po- Espera-se que, na cultura digital, o docente saiba
dem reinventar as práticas docentes classicamente operar com a informação em hipertexto e explorar
construídas entre quatro paredes. Precisarão, para as redes de comunicação em interatividade, isto é,
isso, construir uma nova identidade profissional como articulação da emissão e da recepção na cons-

208 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 207-218, jul./dez. 2014
Marco Silva; Sheilane Avellar Cilento

trução da mensagem e do conhecimento. Espera-se superação da prevalência da prática docente uni-


que saiba desenvolver uma pedagogia que contem- direcional. Seu desafio aumenta na sala de aula
ple a dinâmica hipertextual e interativa da web. online, onde os ambientes de gestão, docência e
E que saiba lançar mão das potencialidades das aprendizagem – plataforma de e-learning ou LMS
interfaces online para proporcionar um aprendizado (Learning Management System) – possuem ca-
significativo aos sujeitos culturalmente imersos no racterísticas muito próprias e diferentes daquelas
novo cenário sociotécnico. Interfaces online são que conformam o ambiente físico da sala de aula
espaços de interlocução, de encontro das faces na presencial. A transição de um ambiente a outro não
web, potencialmente interativos, que permitem a tem sido fácil para os docentes excluídos digitais
mediação interpessoal, compartilhamento, socia- e/ou habituados à pedagogia da transmissão. Isso
lização e construção colaborativa, ainda que na revela a necessidade de formação específica que
dispersão geográfica dos interlocutores. Essas dis- contemple o conhecimento da cultura digital ou
posições comunicacionais favoráveis à prática edu- cibercultura, bem como dos conteúdos, técnicas
cacional dialógica e colaborativa demandam novos e metodologias a serem utilizadas em sintonia
saberes docentes que podem ser desenvolvidos na com o novo cenário sociotécnico (SILVA, 2012a;
formação continuada dos professores sintonizados 2012b, 2012c).
com as mudanças sociotécnicas que emergem com A pesquisa que dá origem a este texto dedicou-
a cultura digital (SILVA, 2005, 2014). -se a estudar os desdobramentos de um curso
O docente precisa atentar para as especificida- online recente, destinado à formação de profes-
des da cultura digital no que tange às suas práticas sores para docência no “campus virtual” de uma
comunicacionais, envolvendo e-mails, listas, blogs, universidade privada de grande porte situada no
jornalismo online, webcams, chats e novos em- Brasil.1 Tomou como objetivo geral investigar a
preendimentos que aglutinam grupos de interesse atuação dos professores-cursistas nesse curso e
(cibercidades, games, software livre, ciberativismo, verificar seu aproveitamento traduzido em práticas
arte digital etc.). Com as possibilidades abertas pelo de docência online nos cursos de graduação dessa
computador, verificamos novas possibilidades de universidade. Seus objetivos específicos são: a)
tratamento da informação e da comunicação com identificar as mudanças ocorridas na mediação
infinitas articulações e caminhos a explorar, que da aprendizagem realizada por esses docentes a
vão exigir cada vez mais o uso dos sentidos (visão, partir do curso; b) contrastar as concepções dos
audição, tato e voz), permitindo um maior envol- professores sobre a docência online antes e depois
vimento entre alunos e docentes. Temos, assim, a do curso; e c) apontar sugestões para a melhoria
possibilidade de um processo educativo em que da docência online a partir das falas dos docentes,
o aluno pode construir e expressar sua autoria de após a realização do curso.
forma participativa, compartilhando com outros A composição deste texto traz inicialmente
sujeitos, com base na troca interativa de saberes e aspectos gerais do contexto da pesquisa realiza-
na inteligência coletiva (SILVA, 2010; 2011). da e de seus procedimentos metodológicos. Em
O professor que não se mobilizou para operar seguida, trata dos itens principais do seu quadro
em sala de aula com ajuda dos meios rádio e TV teórico, como cultura digital, saberes docentes,
tem agora o desafio inarredável de se apropriar do docência online no ensino superior e formação para
laptop, do tablet e do celular conectados à web. docência online. Por fim, ao tratar das conclusões
Os primeiros, fundados na lógica da transmissão da pesquisa explicita os impasses e sucessos, bem
unidirecional massiva, são, portanto, de mais fácil como sugestões a favor da qualidade da formação
apropriação docente, porque operam no mesmo de professores para a docência online.
paradigma comunicacional da sala de aula tra-
dicional: a pedagogia da transmissão. Os meios 1 Omitimos o nome da universidade que patrocinou o curso de for-
digitais, mais complexos, fundados na autoria do mação docente investigado, visando garantir a privacidade dos seus
professores-cursistas que, enquanto sujeitos da pesquisa, gentilmen-
usuário e na lógica da interatividade, demandam te atenderam às solicitações dos pesquisadores com transparência
do professor nova postura comunicacional e inquestionável.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 207-218, jul./dez. 2014 209
Formação de professores para docência online: considerações sobre um estudo de caso

Contexto da pesquisa e seus tempo e lugar, que contempla uma procura circuns-
procedimentos metodológicos tanciada de informações. Os estudos de caso mais
comuns visam à unidade, ou seja, têm caráter único,
O curso “Formação para docência online” mas há também os que se caracterizam por serem
investigado contou com a participação de 334 do- múltiplos, nos quais vários estudos são realizados
centes da universidade, distribuídos em dez turmas ao mesmo tempo, podendo se referir a indivíduos
de 33 professores-cursistas cada. Teve a duração ou instituições. Para o âmbito desta investigação,
de 40 horas online distribuídas em três meses, voltada para um grupo de professores convidados
incluindo mais 10 horas presenciais destinadas a à docência em uma instituição de ensino superior,
dois encontros presenciais de cinco horas cada: um a partir de seu engajamento bem avaliado em um
no início, para motivação e esclarecimentos sobre curso específico promovido a convite da mesma
a formação, e outro no final, para avaliação da instituição, e que passou a exercer de forma espe-
formação. Após seu término, 100 docentes seriam cífica a docência online nessa instituição, admitiu-
escolhidos por indicação de seus coordenadores -se a configuração do estudo de caso intrínseco ou
e por seu desempenho no curso de formação para particular (ANDRÉ, 1989; YIN, 2009).
compor o grupo que ministra todas as disciplinas Para a coleta de dados, foram utilizados ques-
online da mesma instituição, atuando como auto- tionários antes e depois do curso, de forma a iden-
res dos conteúdos específicos de suas disciplinas tificar nas expressões dos professores-cursistas
específicas (“conteudistas”) e como docentes suas percepções a respeito da docência online e
dessas disciplinas. Eles trabalhariam reunidos em possíveis mudanças na mediação da aprendizagem
presença física na instituição, em regime de 10, 30 construídas a partir do curso. Foram colhidas e
e 40 horas semanais, juntamente com toda a equipe mapeadas as falas desses professores, registradas
responsável pela coordenação, gestão, implemen- em suas participações nas interfaces da platafor-
tação e “suporte de EAD”. Essa característica ma de e-learning do curso, bem como em seus
particular favoreceu a investigação in loco sobre depoimentos e reflexões durante os encontros
os objetivos pretendidos pela pesquisa no pós- presenciais ocorridos no início e no final do curso.
-curso, especificamente conviver com os docentes Durante o semestre letivo transcorrido imediata-
e, assim, criar um clima propício para descobrir as mente após o curso de formação, foram realizadas
esperadas mudanças na mediação da aprendizagem entrevistas individuais e grupos focais com os
que vinha correndo no “campus virtual” daquela professores-cursistas engajados na docência de
universidade. disciplinas das graduações no “campus virtual”
O processo investigativo iniciado com um da universidade. Na ocasião, ainda principiante
mergulho no curso online destinado à formação de na oferta de disciplinas online respaldada pela
professores para a docência online, valendo-se da legislação brasileira (Portaria n. 4.059/2004) que
observação detalhada das atuações dos professores- permite, em graduações presenciais, a oferta de
-cursistas nas diversas interfaces da plataforma até 20% das disciplinas regulares na modalidade
de e-learning da universidade, aprofundou-se no online, essa universidade exigia a presença física
pós-curso, tendo como base de observação o retrato de cada docente no espaço físico do seu “campus
vivo dos docentes em serviço, por meio de entrevis- virtual” para o cumprimento da sua carga horária
tas individuais e em grupos focais. Trata-se, portan- na plataforma de e-learning. Justificava essa po-
to, de uma pesquisa que buscou a compreensão do sição com o argumento da formação continuada
modus operandi da mediação docente promovido “em serviço”. Em suma, ter reunidos em um único
por uma formação específica, em uma instituição espaço físico os professores que participaram do
específica. Por essas características, entendeu-se curso de formação favoreceu a realização das
que a pesquisa constitui um estudo de caso. entrevistas individuais, os grupos focais e até
O estudo de caso é uma metodologia específica mesmo o acompanhamento da performance de
para orientar investigações de um caso individual, alguns docentes operando com seus alunos na tela
específico, bem delimitado, contextualizado em dos seus computadores pessoais. Em observação

210 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 207-218, jul./dez. 2014
Marco Silva; Sheilane Avellar Cilento

participante, os pesquisadores puderam estar O ensino superior, e certamente também o


mais próximos da realidade institucional, captar escolar, requer mudança na postura docente. O es-
os conflitos e tensões cotidianas, unindo o objeto pecialista que transmite seu conhecimento precisa
a seu contexto, numa tentativa de identificar ali formar-se para atuar como mediador que promove
a sensibilidade e a motivação para as mudanças a construção da comunicação e do conhecimento,
pretendidas (QUEIROZ et al., 2007). nas modalidades presencial e online. Ainda segun-
do Masetto (2003), o principal foco de mudança
Docência no ensino superior encontra-se na própria ação do professor, que
deixa de ser o centro do processo e passa para um
A estrutura em que se organiza o ensino superior cenário de aprendizagem em que o aprendiz (aqui
no Brasil, desde seu início, privilegia o domínio de compreendendo tanto o professor como o aluno)
conhecimentos e experiências profissionais, como ocupa a centralidade. É preciso que docente e aluno
requisitos suficientes para se lecionar em cursos tornem-se parceiros e coparticipantes do mesmo
universitários (MASETTO, 2008). Essa estrutura processo.
privilegia a transmissão de conhecimentos e experi- Essa transformação supõe uma formação em que
ências de um professor que sabe para um aluno que se repensem as competências básicas para realização
não sabe e não conhece. A crença é a de que quem da docência no ensino superior. Juntamente com a
detém o conhecimento sabe e, por conseguinte, competência pedagógica e técnica, o professor po-
pode ensinar. Contudo, há a crescente consciência derá desenvolver: a) competências socioafetivas que
de que o papel da docência no ensino superior permitam estabelecer relações interpessoais com os
precisa mudar, tendo em vista que, assim como em alunos e favorecer a criação de um ambiente propí-
qualquer outra atividade profissional, os docentes cio à aprendizagem; b) competências para organizar
necessitam de uma formação própria e específica, seu tempo, para gerenciar as atividades e procedi-
que “não se restringe a ter um diploma de bacharel, mentos do curso; e c) competências tecnológicas que
ou mesmo de mestre ou doutor, ou ainda, apenas orientem a inclusão do aluno na dinâmica específica
o exercício de uma profissão” (MASETTO, 2003, da plataforma de e-learning. Igualmente relevante
p. 13). Falta-lhe a competência pedagógica para é a atenção dada ao aluno, de forma individual, em
mediar a aprendizagem. pequenos grupos ou no grupo como um todo. O
O modus operandi da docência no ensino su- termo “competência”, aqui utilizado, diz respeito
perior segue basicamente o mesmo padrão conso- à “aptidão para enfrentar um conjunto de situações
lidado na experiência discente de cada professor análogas, mobilizando, de uma forma correta, rápi-
desde sua escola básica. Esse padrão, segundo da, pertinente e criativa, múltiplos recursos cogni-
Vilarinho (1984), pode ser assim identificado: a) o tivos: saberes, capacidades, informações, valores,
objetivo básico do ensino é o domínio do conteúdo atitudes, esquemas de percepção, de avaliação e de
de estudo; b) o ensino é sinônimo de transmissão raciocínio” (MASETTO, 2003, p. 25).
de conhecimentos; c) o professor é o elemento O docente precisará ainda preparar-se para lidar
mais importante do processo, pois representa a com os aprendizes que operam facilmente com a hi-
autoridade máxima, que detém o saber e o poder permídia e que, quando lidam com texto, fazem-no
de avaliar o aluno; d) o aluno recebe, aceita e re- mais facilmente através de links, de palavras-chave,
produz o conhecimento transmitido; e) o conteúdo como hipertexto. Portanto, precisará situar-se mais
de aprendizagem é um fim em si mesmo, sendo próximo da sensibilidade deles, das suas formas
organizado segundo a lógica do professor para ser mais imediatas de compreensão. Ao mesmo tem-
memorizada pelo aluno; f) o método da docência po, poderá levar em consideração o mundo e a
é a exposição oral, ou seja, tem cunho verba- cultura dos aprendizes, para que possa atender
lista, transmissivo e se projeta para a dimensão aos seus anseios, curiosidades e questionamentos,
intelectual do aprendiz; g) as orientações da diminuindo a distância entre o mundo do professor
aprendizagem são coletivas, desconsiderando-se (aqui compreendidas também as instituições) e o
as diferenças individuais. mundo do aluno.

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Formação de professores para docência online: considerações sobre um estudo de caso

A sociedade imersa no cenário midiático massa para a interatividade encontrada na cultura


dinâmico, aberto, em rede e interativo requer digital é fator decisivo para se operar com o perfil
processos pedagógicos também dinâmicos, aber- comunicacional e cognitivo do aprendiz, bem
tos, rizomáticos e interativos. Para contemplar como para se reinventar a formação continuada da
essa demanda sociotécnica, a mediação docente docência online no ensino superior.
precisará operar fluentemente com a autoria,
compartilhamento, conectividade e colaboração, A formação para a docência online
possibilitando ao aprendiz relacionar-se e posicio-
nar-se nessa ambiência cibercultural. O docente O professor na modalidade online traz, natu-
poderá equipar a sala de aula com agenciamentos ralmente, consigo os saberes docentes adquiridos
de comunicação capazes de contemplar o perfil ao longo de sua prática presencial. Tardif (2007),
comunicacional do novo espectador, permitindo um renomado pesquisador dos “saberes docen-
que os alunos desenvolvam com ele interatividade tes”, não aborda a extensão do modus operandi
efetiva, entendida, por sua vez, como articulação presencial na modalidade online, mas sugere que,
viva da emissão-mensagem-recepção que promo-
quando não teve formação específica para operar
ve a construção colaborativa do conhecimento e
na modalidade online, o docente certamente trará
da própria comunicação.
consigo a sua experiência construída. Para esse
O cenário midiático na era digital amplia os
autor, os saberes docentes construídos ao longo da
mercados culturais e é responsável pela expansão
carreira profissional levam o professor a aprender,
e criação de novos hábitos de consumo, tendo
progressivamente, a dominar o ambiente em que
no computador, tablet e celular os veículos que
trabalha. O saber docente consolida-se essencial-
possibilitam converter a mensagem em texto,
mente na prática pessoal da sala de aula, estando
som, imagem, vídeo numa linguagem acessível a
ligado à pessoa, sua identidade, experiência de vida
todos. A digitalização, a compressão e a conver-
gência das mídias digitais favorecem a manipu- e trajetória profissional. A pesquisa observou que
lação, armazenamento, reprodução, modificação o curso de formação investigado atentou para essa
e distribuição fácil dos dados. Há, portanto, uma abordagem e a tomou como quadro teórico, com a
mudança na relação receptiva de sentido único finalidade de incentivar o diálogo entre os saberes
com o televisor, para o modo interativo e mul- docentes consolidados na modalidade presencial e
tidirecional nas telas digitais conectadas à web aqueles demandados pela modalidade online.
(SANTAELLA, 2008). Existenciais, sociais e pragmáticos, os saberes
Imersos e desenvoltos nesse cenário, os apren- docentes trazidos da história de vida do professor
dizes são capazes de, ao mesmo tempo, assistir em sala de aula presencial podem ser transpostos
a um vídeo, enviar uma mensagem de texto para para a sala de aula online. Contra a tendência da
diferentes destinatários e conversar em tempo mera transposição que se acomoda à nova moda-
real. Eles gostam de experimentar novos games, lidade, será necessária a atitude de investigação, a
participar de redes sociais online, visitar blogs e ser mantida pelo professor, sobre o seu ambiente
sites, compartilhar dados e conversar via MSM, sociotécnico e sobre sua atuação na plataforma de
Hangout, WhatsApp, Skype etc. Essa expertise e-learning. Para não subutilizar as potencialidades
favorece sua atuação na plataforma de e-learning, comunicacionais desta, para não subestimar o perfil
ainda que aqui o nível de engajamento exigido comunicacional dos cursistas, para não comprome-
seja diferenciado, o que vai demandar do professor ter a formação e a educação, será preciso promover
sensibilidade, proximidade e desenvoltura digital o diálogo constante dos saberes em jogo.
semelhante associadas aos saberes docentes espe- Através das mediações nas interfaces de
cíficos. No entanto, os professores ainda estão se comunicação e colaboração utilizadas, o curso
integrando à mídia digital e muitos ainda o fazem “Formação para docência online” insistiu com os
com restrições. Nesse contexto, entender a transi- professores cursistas nos aspectos sintetizados no
ção da cultura audiovisual própria dos meios de subtítulo anterior e no diálogo entre os saberes

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Marco Silva; Sheilane Avellar Cilento

docentes. Os questionários aplicados, as entre- • Avaliação formativa e contínua: é preciso


vistas e grupos focais realizados revelaram que superar o modelo de avaliação da aprendi-
os professores-cursistas que concluíram satisfa- zagem baseada no exame pontual solitário,
toriamente o curso de formação se sentiram mais em favor da avaliação formativa e contínua,
desafiados e motivados diante de três conteúdos de que opera nas interfaces de comunicação
aprendizagem trabalhados: 1) ser docente na web é e colaboração com base em critérios,
estar pessoal e coletivamente engajado na autoria indicadores e instrumentos previamente
de um novo estilo de mediação da aprendizagem; 2) negociados coletivamente como compe-
comunicar não é simplesmente distribuir conteúdos tentes para resultar em salto qualitativo na
de aprendizagem e cobrar o feedback solitário do comunicação todos-todos, na aprendizagem
aluno, mas oferecer múltiplas disposições à inter- e na formação.
venção do interlocutor, que participa por meio de A análise da atuação dos professores-cursistas
coautoria da mensagem e da aprendizagem; e 3) que concluíram satisfatoriamente o curso “Forma-
o conhecimento é construído por meio de interlo- ção para docência online” permitiu constatar que
cuções, transformações e enriquecimentos entre eles tiveram oportunidade de vivenciar desafios
professores e alunos, uma vez que ambos ensinam da docência e da aprendizagem na cultura digital,
e aprendem em colaboração, em coautoria. diante do aluno a exigir deles um novo modus
O curso de formação enfatizou que não se operandi. Foram alertados insistentemente para
trata de negar o ensino tradicional, mas de dialogar o risco de serem atropelados pela força do hábito
com ele e, assim, redimensionar a ação docente
sedimentado no saber docente que faz reproduzir
e discente nas modalidades presencial e online.
nas aulas online os mesmos métodos já questio-
Os professores-cursistas puderam experimentar
nados em suas aulas presenciais, resultando na
aspectos essenciais da formação operando com o
sua insatisfação existencial e profissional, bem
desenho didático do curso – arquitetura hipertextual
como em grave prejuízo na formação e educação
que articula conteúdos, atividades e avaliações – e
dos cursistas. E compreenderam que o docente
com a mediação docente. As exigências de quali-
pode mobilizar os seus alunos para a conquista do
dade mais enfatizadas no curso foram:
• Hipertexto: é preciso contemplar o hipertex- direito de se situarem na cultura digital, de dialo-
to que, em sua forma não sequencial, per- gar com ela e de criticar seus usos e abusos em
mite: 1) articular nas interfaces conteúdos e consumos banais e inconsequentes, construindo,
atividades de aprendizagem em hipermídia, a partir da interlocução competente na plataforma
isto é, em convergência de vários suportes de e-learning, a cibercidadania que diz respeito à
midiáticos abertos a novos links e agrega- construção da democracia participativa no espaço
ções e de várias linguagens – som, texto, e no ciberespaço.
imagens, vídeo, mapas; 2) transformar a Será preciso, portanto, que o sistema educacio-
leitura em escritura através de conexões nal em geral e cada instituição de ensino em parti-
autorais em rede. cular se organizem estruturalmente para investir na
• Mediação docente interativa: é preciso in- formação continuada dos seus docentes, de maneira
ternalizar que mediar a aprendizagem não é a mobilizá-los para a nova sala aula feita à base de
meramente distribuir conteúdos e atividades fóruns, chats, wikis, blogs, webconferências etc.,
de aprendizagem, tirar dúvidas e cobrar o inserindo-os na cultura digital e na construção da
feedback dos cursistas; é potencializar suas expertise necessária à dinâmica interativa do ensi-
autorias colaborativas nas interfaces, seja no online. Em suma, é preciso ter bem claro que a
formulando problemas, provocando inter- formação contínua para docência online é essencial.
rogações, coordenando grupos de trabalho, Entretanto, a última palavra estará sempre com o
sistematizando experiências e conhecimen- professor atento, inquieto e mobilizado a realizar
tos construídos com base no diálogo entre o diálogo dos saberes, em sintonia com o cenário
interlocutores. sociotécnico passado, presente e futuro.

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Formação de professores para docência online: considerações sobre um estudo de caso

Conclusão online precisará criar uma atmosfera amigável e


de proximidade entre os cursistas, que possibilite
Esta conclusão vem finalizar o tratamento dos a convivência de interlocutores em comunidade de
dados da pesquisa que investigou o curso “Formação comunicação e aprendizagem. Precisará motivá-los
para docência online” e o pós-curso, isto é, a atuação a estabelecer parcerias e colaboração, essenciais
docente dos professores-cursistas no “campus vir- para a construção coletiva do conhecimento. De
tual” da sua universidade durante o semestre letivo resto, o mesmo vale para a sala de aula presencial,
imediatamente posterior a esse curso. Até aqui, o quando se pretende educação autêntica.
texto explorou os principais itens do quadro teórico O questionário aplicado no início do curso
adotado pelo curso: cultura digital, saberes docentes, revela ainda que os docentes, responsáveis por
docência no ensino superior e formação para docên- disciplinas online na universidade há um ou dois
cia online. Ao fazê-lo, assume sua relevância para o anos, encontravam-se em diversas dificuldades. A
tratamento do tema investigado e cria expectativas mediação interpessoal, a troca e o compartilhamen-
sobre seu impacto na atuação dos professores-cur- to entre cursistas era incipiente. Suas disciplinas
sistas no curso, bem como sobre seu aproveitamento eram oferecidas com conteúdos e atividades de
traduzido em novas práticas de docência online. A aprendizagem para o trabalho solitário dos cursis-
seguir, o tratamento do impacto e do aproveitamento tas, na lógica da atuação tarefeira e na ausência da
diz respeito à prestação de contas aos objetivos da mediação docente.
pesquisa apresentados na introdução. O e-mail cadastrado na plataforma é a inter-
Os depoimentos dos professores-cursistas no face mais utilizada pelo professor (36%) para
início do curso de formação revelam o perfil típico encaminhar e cobrar atividades, tirar dúvidas,
do docente despreparado para a modalidade onli- lembrar tarefas pendentes e agenda da disciplina.
ne. Três de suas expressões revelam o mal-estar O fórum é a segunda interface mais usada pelos
comum a muitos deles: “sinto falta da presença docentes (35%). Em sua maioria, na lógica da
do aluno”; “somente o contato com suas fotogra- interação sem articulação, isto é, há um enunciado
fias no ambiente virtual não satisfaz”; “não tenho e diversas mensagens individuais referentes a ele.
segurança de que meus alunos estão aprendendo Não é costumeiro cursista conversar com cursista.
efetivamente os conteúdos, já que não posso olhar Interlocução, colaboração, construção coletiva do
o olhar deles e vigiar de perto suas avaliações”. conhecimento é raridade. E o que é mais grave: as
Essa inquietação revela, de antemão, que mensagens se avolumam em resposta a um enun-
esses professores subutilizavam as interfaces de ciado, e o professor nem sempre aparece para se
interlocução e colaboração da plataforma de e- posicionar a respeito. O efeito disso é a diminuição
-learning. Revela que eles não sabiam construir das participações dos cursistas nos fóruns e a subu-
o olho-no-olho nos fóruns ou chats. Certamente tilização de uma potente interface para o exercício
que a intensidade do presencial é insubstituível, da mediação docente. Quanto ao chat, 40% dos
entretanto é preciso considerar que muitas vezes, docentes não utilizam essa interface de comuni-
no presencial, nosso olhar pode ser extremamente cação síncrona, na qual poderiam estar em tempo
superficial e distante, como um olhar que não vê. real com toda a turma ou com grupos isolados. E
Ao passo que em uma clássica correspondência há ainda o “diário de bordo”, ferramenta com que
via cartas em papel pode-se viver a experiência cada aluno registra sua itinerância, suas reflexões
de uma profunda proximidade. A inquietação em pessoais, podendo tornar-se interface, quando
busca do controle dos alunos através do olhar e do aberta aos outros cursistas para leitura, interlocução
vigiar físicos é herdeira da sala de aula presencial e cocriação dos seus conteúdos. Apenas 29% dos
e revela, por sua vez, o desafio da formação de pro- professores lançaram mão desse quarto recurso.
fessores que passa necessariamente pela construção A justificativa mais citada pelos professores-
da inclusão cibercultural capaz de permitir o estar- -cursistas para a baixa apropriação e utilização
-junto online, mais intenso que aquele mais comum dos recursos de interatividade disponíveis na
nas redes sociais da web. O professor que leciona plataforma de e-learning é a ocupação excessiva

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à frente de turmas numerosas. De fato, muitas Enfrentar e superar as fragilidades da mediação


turmas numerosas resultam em um grande volume docente tornou-se, portanto, foco principal do curso
de postagens nas interfaces, o que inviabiliza a “Formação para docência online”. Os professores-
mediação docente. Os professores com dez horas/ -cursistas foram estimulados a trazer para o debate
aula semanais eram responsáveis por cinco turmas suas dificuldades explicitadas ou não no questio-
que totalizavam 300 alunos. Com 30 horas/aula, 15 nário inicial. A respeito do número excessivo de
turmas e até 900 alunos. E os professores com 40 alunos por professor, a formação deu o exemplo:
horas semanais eram responsáveis por 20 turmas dividiu os 334 professores-cursistas em dez turmas
e 1.200 alunos. Um absurdo! Entretanto, o maior com pouco mais de 30 docentes cada e lançou mão
disparate apareceu na justificativa da direção do da mesma plataforma de e-learning, tendo em vista,
“campus virtual” para o exagerado número de inclusive, a formação para seu uso adequado. Ao
cursistas por docente: “poucos alunos participam”. mesmo tempo, deixou claro que não ter autonomia
A própria instituição universitária legitima a não para gerir o desenho didático de suas disciplinas é
participação dos cursistas, dos professores e ainda fragilizar a mediação docente.
tira proveito financeiro disso! Para além do tratamento específico de fragili-
Problemas de usabilidade e funcionalidade na dades da mediação docente, o tema de base mais
plataforma de e-learning são a segunda justificativa trabalhado, a partir da confluência dos itens do
mais citada pelos professores-cursistas para a baixa quadro teórico da pesquisa, foi a mediação docen-
utilização dos recursos de interatividade. Associa- te baseada na prática da colaboração e interativida-
do a isso, alegaram a centralização da gestão da de, como superação da interação sem articulação
infraestrutura da sala de aula online nas mãos da (Figura 1). Dez professores-mediadores foram
equipe técnica do “campus virtual”. Abertura e fe- convidados para atuar na formação, todos hábeis
chamento de fóruns, chats ou ajustes nos conteúdos e sabendo como promover a superação da intera-
de aprendizagem era responsabilidade da equipe ção sem articulação. Cada um, dedicado a uma
técnica, que, assoberbada com muitas demandas única turma com pouco mais de 30 professores-
dos professores, atrasava na apresentação de so- -cursistas, mostrou na prática como desenvolver
luções, gerando um acúmulo de prejuízos para a colaboração e interatividade nas interfaces fórum
mediação docente e para a aprendizagem. e chat.

Figura 1 – Modelos de interação no fórum e no chat

Fonte: Elaborada pelos autores.

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Formação de professores para docência online: considerações sobre um estudo de caso

Os professores-docentes do curso de formação conceitos e procedimentos;


puseram em prática um conjunto de ações visando • implementar situações de aprendizagem
à criação de uma ambiência comunicacional muito que considerem as experiências, os conheci-
precisa. Todas previamente acordadas em reuniões mentos e as expectativas que os estudantes
com a coordenação da formação. São elas: já trazem consigo;
• provocar situações de inquietação criadora; • desenvolver atividades que não só propi-
• promover ocasiões que despertem a co- ciem a livre expressão, o confronto de ideias
ragem do enfrentamento online diante de e a colaboração entre os estudantes, mas
situações que provoquem reações indivi- que permitam, também, o aguçamento da
duais e grupais; observação e da interpretação das atitudes
• encorajar esforços no sentido da troca en- dos atores envolvidos;
tre todos os envolvidos, juntamente com a • responder às postagens dos cursistas em até
definição conjunta de atitudes de respeito 24 horas, não mais.
à diversidade e à solidariedade; A pesquisa verificou que essas ações pro-
• incentivar a participação dos cursistas na moveram a construção do aprendizado sobre
resolução de problemas apresentados, de como superar o modus operandi com o qual os
forma autônoma e cooperativa; professores-cursistas estavam habituados. Na fase
• elaborar problemas que convoquem os pós-curso, o questionário, as entrevistas individuais
cursistas a apresentar, defender e, se ne- e os grupos focais revelaram que os professores-
cessário, reformular seus pontos de vista -cursistas que concluíram satisfatoriamente a
constantemente; formação tornaram-se críticos da interação sem
• formular problemas voltados para o de- articulação e se entusiasmaram com o salto de
senvolvimento de competências que pos- qualidade possível baseado na colaboração e na
sibilitem ao aprendiz ressignificar ideias, interatividade (Quadro 1).

Quadro 1 – Modelos de mediação docente

Interação sem articulação Colaboração e interatividade

Instrucionista, transmissiva e tarefista. Construcionista, interacionista e


A aprendizagem é centrada na atuação colaborativa. Relações horizontais
Mediação solitária do cursista e nas relações abertas à colaboração e à coautoria. O
docente nas assimétricas, verticais: autor/emissor docente é um proponente da formação.
interfaces da
plataforma de separado de aprendiz/receptor. Juntamente com os cursistas promove
e-learning Cursista pouco interage com cursista. a cocriação da comunicação e do
Vinculação um-todos separados pela conhecimento. Vinculação todos-todos
distância físico-geográfica em presença “virtual” nas interfaces.

Fonte: Elaborado pelos autores deste artigo.

Nem todos os professores-cursistas concluí- siderada tendo em vista a maior correspondência


ram a formação satisfatoriamente. Os critérios de com a mediação docente baseada na colaboração
avaliação do aproveitamento no curso de forma- e interatividade. Definiu-se como maior aprovei-
ção foram definidos em comum acordo com os tamento aquele garantido mediante participação
professores-docentes e os professores-cursistas, acima de 70%; aproveitamento mediano, de 50 a
com base na participação quantitativa e qualitativa 70%; e menor aproveitamento, de 20 a 49%. Assim,
nas interfaces fórum, chat, diário de bordo e e-mail. somente 25% dos professores-cursistas tiveram
A participação de maior qualidade foi assim con- avaliação máxima, 14% tiveram avaliação mediana

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Marco Silva; Sheilane Avellar Cilento

e 42% tiveram menor aproveitamento. Dos 334 Quanto aos docentes que não acessaram o curso,
professores inscritos, 19% não acessaram uma vez eles somaram 19% ou 63 inscritos. À primeira vista
sequer o curso de formação. esse parece um número bastante elevado, tendo em
As justificativas para as participações mediana vista que a instituição ofereceu o curso gratuitamente
e menor, que somadas são 56%, variam em torno e online, com apenas dois encontros presenciais.
de queixas que podem ser resumidas na fala de Entretanto, entre esses docentes, verificou-se que
um dos professores-cursistas: “nas conversas alguns foram inscritos como observadores da ins-
de corredores, tenho constatado que nós, agora tituição, outros como membros da equipe técnica
alunos, não estamos conseguindo acompanhar as do “campus virtual” que acompanharam de perto a
atividades propostas, pois, como professores, temos funcionalidade da plataforma de e-learning e, ainda,
muitas obrigações urgentes a serem cumpridas aqueles inscritos muito depois do início do curso e
também. Escuto muitos, como eu, a lamentar por que não se encorajaram a “pegar o bonde andando”.
não poderem fazer o curso com mais calma, com O aproveitamento traduzido em novas práticas
leituras mais atentas, maiores participações nos no “campus virtual” ou em sugestões de melhoria
fóruns e nos chats, por não conseguirem cumprir para a docência online apareceu nos depoimentos
os prazos de postagem em fóruns, por exemplo”. Os dos professores-cursistas que concluíram satisfa-
professores-docentes manifestaram respeito a esse toriamente o curso de formação. No pós-curso,
tipo de justificativa, tendo em vista que, durante através do questionário, das entrevistas e dos gru-
a formação, permaneceu o regime de 10, 30 e 40 pos focais, acusaram entusiasmados uma melhoria
horas/aula, com turmas que totalizam respectiva- substancial em sua desenvoltura para a construção
mente 300, 900 e 1200 alunos. Diante desse quadro colaborativa da comunicação todos-todos e da
esdrúxulo, praticamente todos revelaram admiração aprendizagem nas interfaces da plataforma de
pela força de vontade dos 25% que tiveram maior e-learning. Ressaltaram as trocas realizadas, os
aproveitamento. Ainda assim se engajaram no relatos de experiências e as discussões ocorridas
que ficou conhecido como “operações-resgate”, nos diversos fóruns temáticos, demonstrando que
lançando mão de expedientes como “chats queijos a interatividade é possível quando ocorre hori-
e vinhos” para encontros online festivos, vídeos de zontalidade, proximidade e cocriação. Os fóruns,
motivação e e-mails personalizados. inspirados no modus operandi da colaboração e
Nas avaliações negativas feitas pelos profes- interatividade, motivaram os cursistas à mediação
sores-cursistas à formação, apareceram outras docente capaz de superar a reatividade burocrática
explicações para a média e baixa participação. Para e solitária diante de um enunciado. Os chats, por
alguns, houve um excesso de leituras propostas nas sua vez, reunindo pequenos grupos em horários
primeiras aulas que, somadas aos afazeres docentes alternativos, possibilitaram vivenciar a multidire-
no “campus virtual”, prejudicaram o aproveitamen- cionalidade todos-todos em tempo real para tomada
to. Outros criticaram a instabilidade da plataforma de decisões ou esclarecimentos e foram percebidos
de e-learning, alegando que não conseguiram aces- como espaços privilegiados para construção do
sar, navegar, operar com suas interfaces em finais sentimento de pertencimento e de vínculos de
de semana, quando a plataforma esteve “fora do afetividade.
ar” para manutenção. Por último, aqueles que cri- A formação para professorar online materiali-
ticaram sua baixa funcionalidade ou usabilidade e zou em sua prática engajamentos específicos da
não puderam contar com o helpdesck para tratar de mediação docente nos fóruns e chats. Ofereceu
questões de ordem prática e técnicas referentes ao diretrizes claras para a atuação dos cursistas, in-
uso de chats, fóruns e diário de bordo. Essa queixa centivou e acompanhou os trabalhos em grupos,
surpreendeu os professores-docentes, uma vez que estimulou e orientou a cooperação na apresentação
os cursistas eram docentes online na instituição há de projetos, nas tarefas desafiadoras, nos estudos
pelo menos dois semestres e, além disso, tiveram o de caso, respeitou os diferentes talentos e estilos de
passo-a-passo para o uso das interfaces da platafor- aprendizagem, valorizou as participações, resgatou
ma de e-learning oferecido no início da formação. postagens dos cursistas e tornou-as proposições de

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Formação de professores para docência online: considerações sobre um estudo de caso

aprendizagem, incentivou a contribuição discente curso, da avaliação da aprendizagem e da própria


na melhoria do desenho didático, valorizou a ex- formação para docência online.
pressão de diferentes pontos de vista sobre temas Em suma, as conclusões confirmam prioridades
polêmicos e mostrou a importância de se tentar e encaminhamentos para a construção da qualidade
consensos provisórios. Por fim e por princípio, mo- na modalidade educacional online, particularmente
bilizou a participação ativa e coautoral dos cursistas no campo específico da mediação docente da co-
para a construção dos critérios de funcionamento do municação e da aprendizagem.

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Recebido em: 13.06.2014
Aprovado em: 01.10.2014

218 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 207-218, jul./dez. 2014
José Licínio Backes; Ruth Pavan

AS IDENTIDADES DOS ALUNOS EM TEMPOS


DE CULTURA DIGITAL: A PERCEPÇÃO DOS
PROFESSORES DE EDUCAÇÃO BÁSICA

José Licínio Backes∗


Ruth Pavan∗∗

RESUMO

O artigo centra-se nos efeitos percebidos pelos professores nas identidades dos
alunos da educação básica em razão da cultura digital. Inspira-se no campo
teórico dos Estudos Culturais, que tem como uma de suas preocupações mostrar
os inúmeros efeitos que as TICs, como invenções humanas, produzem sobre nós e
as transformações que elas trazem para a educação, problematizando os diferentes
significados do ato de educar em tempos de cultura digital. Para identificar as
mudanças observadas, foram aplicados questionários abertos para 20 professores
de educação básica de uma escola da rede estadual localizada na região Centro-
Oeste do Brasil. De acordo com nossas discussões teóricas, as características dos
estudantes apontadas pelos professores podem ser vistas como prejudiciais ao
processo educativo (desinteresse, agitação, distração, comodismo, dispersão),
favoráveis (criatividade, interlocução, interesse, curiosidade, mais informação)
ou, ainda, como uma mescla de ambos os tipos. De qualquer modo, elas mostram
a condição dos estudantes pós-modernos, sujeitos que são um efeito dos inúmeros
discursos que se dobram em seus corpos, incluindo os discursos midiáticos. Em
razão desses discursos, suas identidades são constantemente ressignificadas.
Palavras-chave: Cultura digital. Identidades. Educação básica.

ABSTRACT

STUDENTS´ IDENTITIES IN TIMES OF DIGITAL CULTURE: THE


PERCEPTION OF TEACHERS OF BASIC EDUCATION
This paper focuses on the effects of digital culture on students´ identities perceived
by teachers of basic education. It is based on the theoretical field of Cultural
Studies, which is concerned with the effects that ICT, as human inventions, have
produced in us and the changes they have brought to education, problematizing
the different meanings of educating in times of digital culture. In order to identify
such changes, open questionnaires were applied to 20 teachers of basic education


Doutor em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Professor do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Editor da Revista Série-Estudos. Endereço para correspondência:
Avenida Tamandaré, n. 6000, Bairro Jardim Seminário, Campo Grande-MS. CEP:79117-900. backes@ucdb.br
∗∗
Doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Professora do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Editora da Revista Série-Estudos. Endereço para correspondência:
Avenida Tamandaré, n. 6000, Bairro Jardim Seminário, Campo Grande-MS. CEP:79117-900. ruth@ucdb.br

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 219-227, jul./dez. 2014 219
As identidades dos alunos em tempos de cultura digital: a percepção dos professores de educação básica

from a state school located in the middle-west of Brazil. According to our theoretical
discussions, the characteristics of students identified by the teachers can be seen as
either harmful (lack of interest, inquietude, distraction, self-indulgence, dispersion)
or favorable (creativity, interlocution, interest, curiosity, more information) to the
education process, or even as a combination of both. Anyway, they reveal the post-
modern students’ condition as subjects that are an effect of a range of discourses
folded in their bodies, including the media discourse. Due to these discourses, their
identities are constantly resignified.
Keywords: Digital culture. Identities. Basic education.

Situando a temática Há diferentes modos de explicar essas mu-


danças. Um grupo de pesquisadores entende que
Os teóricos que problematizam os processos as TICs são a solução de todos os problemas da
identitários apontam como um dos fatores mais educação; usá-las significa ser criativo, competente
significativos para a implosão do sujeito moderno e inovador; significa também otimizar os recursos,
(HALL, 2007), e consequente crise da identidade baratear a educação e torná-la acessível a todos.
como algo fixo e essencial, a intensificação da Segundo Barreto (2010), as políticas educacionais
circulação dos fluxos culturais em razão do de- dos últimos anos seguem essa tendência, inclusive
senvolvimento sem precedentes de tecnologias de pressupondo que as tecnologias podem ocupar o lu-
informação e comunicação (TICs). Elas produzem gar dos professores. Conforme a autora, as políticas
a compressão do espaço/tempo (HARVEY, 1996), atuais de educação, pela forma como lidam com as
de tal modo que as identidades locais e globais tecnologias e o papel que lhes atribuem, promovem
estão em permanente interação. Mesmo com essa “[...] a fetichização máxima ao atribuir as ações/
interação, as identidades locais não são simples- transformações listadas a um sistema tecnológico,
mente absorvidas pelos movimentos globais. Elas em deslocamento sintático radical, posicionando
são ressignificadas e, embora em escala menor, as tecnologias no lugar dos sujeitos” (BARRETO,
ressignificam as identidades globais. 2010, p. 1305). Um segundo grupo de pesquisa-
Nesse contexto, o sujeito é interpelado sistema- dores vê as TICs como o surgimento de novos
ticamente por um conjunto de apelos oriundos de problemas para o campo da educação: precarização
diferentes territórios – apelos esses que ele pode da profissão docente (substituição do professor
negar ou aos quais pode aderir parcial ou totalmen- pelo monitor), fragmentação e superficialidade
te, fazendo com que sua identidade torne-se uma dos conhecimentos, confusão entre produção do
celebração móvel (HALL, 2007). Tais apelos estão conhecimento (atividade que exige rigor e método)
presentes no espaço escolar, seja porque os alunos com acesso a informações superficiais disponíveis
e os professores também são um efeito, ainda que na rede mundial de computadores. Barreto (2010)
não exclusivo, desse contexto, seja porque estão salienta que esse grupo costuma ser visto pelo pri-
conectados com as TICs, inclusive durante o tem- meiro grupo como tecnofóbico, atrasado, formado
po/espaço escolar. Portanto, suas identidades não por sujeitos fora do seu tempo, jurássicos. Há, ain-
são as mesmas. Elas são cada vez mais instáveis, da, um grupo que está mais preocupado em entender
movediças, fugidias, migrantes, diaspóricas. “A as profundas transformações que as TICs estão
cultura midiatizada opera dispositivos poderosos provocando no campo da educação, principalmente
com profundas repercussões na reconfiguração nos sujeitos e suas identidades. A preocupação é
de todas as instâncias e dimensões da condição evitar posturas maniqueístas e prescritivas. Nesse
humana nas sociedades contemporâneas” (COSTA, grupo, situam-se os Estudos Culturais, que, segundo
2010, p. 138). Estão também ocorrendo muitas Paraíso (2004), fazem parte de um grupo maior
reconfigurações no campo da educação em suas denominado de estudos pós-críticos. Segundo a
múltiplas dimensões. autora, os estudos pós-críticos envolvem uma gama

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de diferentes campos teóricos, tais como filosofia da É essa perspectiva que está presente neste artigo.
diferença, estudos pós-coloniais, pós-estruturalistas Ao trazer os efeitos percebidos pelos professores
e pós-modernos, teoria queer, estudos de gênero e nas identidades dos alunos da educação básica,
feministas, estudos culturais, estudos étnico-raciais intenciona-se contribuir para uma educação que
e multiculturais. Particularmente, em nossas pesqui- considere as “[...] questões centrais desses novos
sas, temos procurado buscar inspiração no campo tempos com suas múltiplas, complexas, divergentes
dos Estudos Culturais, e neste artigo também é e sempre renovadas demandas” (COSTA, 2010,
nele que nos inspiramos. Os estudos pós-críticos, p. 148).
e, portanto, os Estudos Culturais, têm “[...] aberto Muitos são os estudos realizados em torno
mão da função de prescrever, de dizer aos outros da temática das identidades. Grande parte deles
como devem ser, fazer e agir. Têm, acima de tudo, tem se ocupado em problematizar as identidades
buscado implodir e radicalizar a crítica àquilo que raciais, de gênero, geração, crença etc., mostrando
já foi significado na educação e procurado fazer que essas identidades são construções históricas e
aparecer o que não estava ainda significado” (PA- culturais, e não determinadas pela natureza ou pela
RAÍSO, 2004, p. 287, grifo nosso). constituição genética. Esses estudos argumentam
Abrindo mão da prescrição, os Estudos Cul- que há uma identidade normal e normalizadora
turais como subgrupo dos estudos pós-críticos, (branca, masculina, heterossexual, cristã...) que
pretendem nos fazer “[...] olhar e encontrar trilhas procura impor, a todos e a todas, a sua identidade
diferentes a serem seguidas, possibilidades de particular como se fosse universal e, portanto, como
transgressões em práticas que supomos permanen- se fosse a única legítima. Eles mostram, ainda, que
tes, em sentidos que nos parecem fixos demais, em esse processo tem desencadeado inúmeros precon-
direções que nos parecem lineares em excesso” ceitos e discriminações, produzindo dor e sofrimen-
(PARAÍSO, 2004, p. 295). Dessa forma, a preocu- to aos grupos que estão fora da lógica hegemônica.
pação nos estudos relacionados com as TICs não Entretanto, mostram também que essa lógica não
é prescrever se devem ou não devem ser usadas, é linear. Os grupos de outras identidades histori-
nem como devem ser utilizadas, mas mostrar os camente têm subvertido e transgredido a normali-
inúmeros efeitos que elas produzem sobre nós e as zação e a padronização identitária. Esses estudos
transformações que elas trazem para a educação, têm sido de suma importância para que a educação
problematizando os diferentes significados do ato básica seja desenvolvida numa dimensão plural,
de educar em tempos de cultura digital. Costa, num não sexista e antirracista; os estudos pós-críticos
diálogo com Ramos do Ó (RAMOS DO Ó; COS- e, mais especificamente, os Estudos Culturais têm
TA, 2007), observa que, no contexto atual, é recor- sido recorrentemente acionados nessas pesquisas
rente a tendência de desqualificar as experiências (BACKES, 2011; PARAÍSO, 2004).
relacionadas às TICs, vendo-as como uma cultura Há outras identidades presentes nas escolas. Da
inútil e sem importância que somente atrapalha o mesma forma que a escola contribui para legitimar
processo de aprendizagem. Argumenta, ainda, que determinadas identidades de raça, gênero e etnia,
valorizar as novas experiências não significa que ela também, no contexto atual, está sendo desafiada
tudo o que a escola fez até agora não serve mais. a lidar com sujeitos cujas identidades carregam as
Contudo, como Costa aponta no mesmo diálogo, marcas da cultura digital. Essas novas identidades
que circulam na escola e que são nela reforçadas/
[...] está em curso outro universo, cheio de novas ex- negligenciadas/produzidas também têm sido objeto
periências, com novos significados, novos compor-
dos estudos pós-críticos, com destaque para os Es-
tamentos, novos interesses e novas formas de vida.
Esse universo está invadindo a vida das crianças e
tudos Culturais. Wortmann (2010, p. 106) afirma
precisaria ser considerado pela escola. Os professo- ser “[...] quase impossível a um pesquisador que
res, a meu ver, necessitam preparar-se para perceber busca inspiração nos Estudos Culturais realizar
isso, para entender e reconhecer a importância dessas análises que deixem de lado a multiplicidade de
transformações. E daí capacitarem-se para lidar com artefatos midiáticos disponibilizados no mundo
elas. (RAMOS DO Ó; COSTA, 2007, p. 113). contemporâneo”.

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As identidades dos alunos em tempos de cultura digital: a percepção dos professores de educação básica

Neste artigo, os artefatos midiáticos interessam- questões, mas este artigo baseia-se na resposta de
-nos, uma vez que eles produzem outras identi- três questões: a) Você usa as novas tecnologias
dades. Os alunos convivem com um conjunto de em suas aulas? Quais? Por quê? b) Você percebe
tecnologias que muda profundamente o seu modo mudanças em seus alunos em função de viverem
de estar em sala de aula, assim como a forma num mundo repleto de novas tecnologias? Em
como aprendem e constroem seus conhecimentos. caso afirmativo, quais? c) Esse mundo das novas
Segundo Almeida e Silva (2011), os efeitos desses tecnologias interfere no processo educativo? Em
artefatos mudam as identidades dos alunos, pois caso afirmativo, como? Todos os professores são da
estes nascem e vivem numa cultura tecnológica, mesma escola pública da rede estadual, localizada
o que afeta seu modo de pensar, criar, aprender, na capital de um estado da região Centro-Oeste do
viver, comunicar-se e relacionar-se. Bauman (2012) Brasil. A escola atende, além de alunos do próprio
argumenta que o uso intenso das novas tecnologias bairro onde está localizada, alunos de bairros peri-
afetou tanto nosso modo de ser, isto é, nossa iden- féricos da capital. Não indicaremos a formação de
tidade, que cada vez mais somos sujeitos “multita- cada um nem em que anos atuam, para preservar o
refas”. Os que nascem hoje e os jovens são os mais anonimato, já que são todos professores da mesma
hábeis para lidarem simultaneamente com vários escola. Todos os professores são nomeados com
aparatos tecnológicos, mas esse processo está atin- letras. Com essas precauções, mantemos o anoni-
gindo a todos. Com isso, a aprendizagem, segundo mato dos sujeitos, garantido quando da aplicação
Bauman (2012), torna-se constante, mas não há do questionário. As respostas são articuladas com
mais uma preocupação de que ela seja duradoura. o campo teórico dos Estudos Culturais, que, como
Pelo contrário, a virtude de ter uma boa memória argumentamos, têm buscado entender, entre outras
(de guardar um conhecimento) tornou-se um vício, coisas, os efeitos das TICs nos sujeitos, produzindo
pois ela dificulta a capacidade de receber novas determinadas identidades.
informações. Entender como a educação escolar Uma primeira observação a fazer em relação
lida e como lidar com esses sujeitos “multitarefas” às respostas dos professores é que todos respon-
parece ser um dos grandes desafios do século XXI. deram que utilizam as TICs em suas aulas, com
destaque para o computador, citado por 16 dos 20
A percepção dos professores de professores. Além do computador, foram citados:
educação básica DVD, celular, MP3 e rádio. Para justificar seu
uso, a maioria apontou que as aulas ficam mais
Para saber os efeitos percebidos pelos professo- atrativas, interessantes e dinâmicas (11 de 20),
res nas identidades dos alunos da educação básica, três responderam que são boas para introduzir
aplicamos um questionário aberto a 20 professores. um novo conteúdo, dois disseram que facilitam a
Os critérios de escolha dos sujeitos da pesquisa fo- aprendizagem e quatro não justificaram o uso. Esse
ram os constantes no projeto de pesquisa aprovado dado é importante, pois mostra que os sujeitos de
pelo CNPq (Edital nº 07/2011 – Ciências Humanas, nossa pesquisa estão familiarizados com as TICs
Sociais e Sociais Aplicadas) que originou este ar- e apostam no seu potencial pedagógico para que
tigo: a) que os professores estivessem inseridos na suas aulas atendam aos interesses dos seus alunos,
educação básica formal da rede pública da região hoje notadamente tecnológicos.
Centro-Oeste do país e que esse não fosse um tra- Observamos pelas respostas da questão dois e
balho ocasional, eventual, episódico ou voluntário três que, ainda que todos os professores tenham
na vida do professor, e sim parte da sua vida profis- notado mudanças nos seus alunos em razão das
sional; b) que os professores fossem de diferentes TICs, há três formas de percebê-las: a) grupo que
níveis de ensino da educação básica (educação observa que as mudanças provocadas nos alunos
infantil, séries iniciais do ensino fundamental, sé- prejudicam e dificultam o processo educativo; b)
ries finais do ensino fundamental, ensino médio); grupo que observa que as mudanças provocadas nos
c) que os professores tivessem formação em nível alunos trazem facilidades e qualificam o processo
superior. O questionário aberto abordava várias educativo; c) grupo que observa que as mudanças

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José Licínio Backes; Ruth Pavan

provocadas em seus alunos facilitam, mas também Hiperatividade, agressividade. (Professor “M”).
prejudicam o processo educativo. [...] A maioria só pensa em internet. (Professor “N”).
No grupo que observa que as mudanças provo-
cadas nos alunos prejudicam e dificultam o proces- Percebo que, muitas vezes, eles deixam de viver
so educativo, parte dos professores afirmou que as coisas simples do cotidiano, como conversar com os
amigos, brincar. Ficam meio bitolados, não sabem
TICs contribuem para produzir alunos preguiçosos
aproveitar as coisas boas que são oferecidas fora
e acomodados:
da era da tecnologia. (Professor “O”)
Estão um tanto acomodados, pois acham que basta
Estão mais inquietos, querem ser ouvidos e atendidos
clicar, que encontram todas as respostas que querem.
no momento. Estão sem paciência consigo e com os
Não querem mais ler, produzir textos, nem tampouco
colegas (Professor “Q”).
solucionar problemas. Estão ficando com preguiça
de pensar. (Professor “A”). Sentem-se muito livres para receber qualquer tipo
de informação. Muitas vezes, não querem obedecer
[...] os alunos, com o avanço da tecnologia, ficaram
todos com muita preguiça de pensar para resolver aos comandos do professor, pois em casa são eles
suas atividades sozinhos. (Professor “B”). que ditam as regras. (Professor “U”).

Os alunos têm mais facilidade em obter informações, O grupo que observa que as mudanças provo-
o que os torna mais preguiçosos na elaboração de cadas nos alunos trazem facilidades e qualifica o
trabalhos. [...] Simplesmente sabem o básico para processo educativo destaca a maior interação com
trivialidade e raramente demonstram interesse em os alunos, curiosidade, interesse e facilidade:
se aprofundar em algum conhecimento. (Professor
Ótimas respostas, pois grande parte dos alunos tem
“C”).
algum tipo de acesso à internet ou a aparelho ele-
[...] Em relação aos alunos, estão mais acomodados, trônico. Desse modo, é possível uma interação entre
acham quase tudo pronto. Deve ser bem supervisio- as informações trazidas pelos alunos e professores.
nado e consciente de como usar essas tecnologias. (Professor “R”).
(Professor “F”).
Os alunos com os quais trabalho hoje já são da
[...] A facilidade da pesquisa tornou os alunos muito geração da tecnologia. Já trazem a curiosidade de
acomodados, [...] tornam-se preguiçosos e cheios de pesquisar ou buscar informações, principalmente
reclamações; tornam-se uma geração sem limites. através da internet. As novidades na área tecno-
Confundem educação devido a tanta informação, e lógica sempre trazem ou despertam interesse nos
dificulta o amadurecimento do educando (Professor alunos. (Professor “S”).
“P”).
As crianças têm muita facilidade e gostam do com-
Ainda dentro desse grupo, outros afirmaram que putador e outros recursos. (Professor “T”).
as TICs produzem alunos mais distraídos, desinte-
No grupo que observou que as mudanças pro-
ressados, agitados e indisciplinados:
vocadas em seus alunos facilitam, mas também
Distraídos, muito ligados em assuntos de pouca re- prejudicam o processo educativo, temos as seguin-
levância cultural. Pouco interessados em atividades tes ponderações:
que exigem esforço mental, como focar na leitura,
localizar informações. (Professor “D”). São mais informados, porém não fazem uma avalia-
ção do que é bom, do que não tem serventia cultural
Mais agitação, euforia, porque sinto que os alunos e educacional. (Professor “G”).
buscam as tecnologias de forma errada, com excesso
de uso indiscriminado e abusivo em jogos e porno- Estão mais críticos, sabem articular mais, têm uma
grafias. (Professor “E”). visão maior de mundo, mas infelizmente não usam
isso a seu favor. (Professor “H”).
Muito agitados, sem paciência para ouvir os profes-
sores. Alguns passaram a usar essa tecnologia não Por um lado, há aquisição de conhecimento, pois o
para aprimorar seus conhecimentos relacionados mesmo tornou-se mais atraente, devido aos diversos
aos estudos, mas com assuntos banais. (Professor sites, programas e jogos que encontram na internet.
“L”) Por outro lado, os jovens ficam dispersos em sala

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As identidades dos alunos em tempos de cultura digital: a percepção dos professores de educação básica

de aula pelo mau uso das diversas tecnologias. lação com seus alunos, na percepção dos próprios
(Professor “I”). alunos, era justamente uma professora que não
O mundo tecnológico deixou os alunos mais infor- tinha internet em casa e se declarava em sala de
mados e, ao mesmo tempo, mais lentos na questão aula uma excluída digital (num universo de doze
que envolve leitura. Eles preferem navegar no mundo professores, dos quais onze possuíam computador
tecnológico a ler um bom livro. (Professor “V”). em casa e dez tinham internet em casa). Isso coloca
Como podemos observar, os professores ques- em xeque grande parte do que se tem dito, sobretu-
tionados foram unânimes em afirmar que as TICs do nos espaços midiáticos, sobre o bom professor
estão provocando mudanças em seus alunos. A em tempos de cultura digital.
maioria (13 de 20) dos professores associa as novas A primeira tendência parece ser, quando so-
tecnologias com as dificuldades enfrentadas na mos confrontados com situações novas, associar
sala de aula: falta de interesse, ausência de regras, a mudança a algo negativo e prejudicial, como a
preguiça, falta de sociabilidade, falta de interesse maioria (13 de 20) dos professores apontou (desin-
pela leitura, acomodação, impaciência, distração, teresse, agitação, distração, comodismo, disper-
dispersão. Outros (três de 20) tendem a enfatizar são). Leite (2011) não descarta a hipótese de que
apenas aspectos que estão contribuindo para a os estudantes de hoje talvez tenham menor poder
educação, tais como: maior interesse, curiosidade, de concentração e talvez sejam dispersos, como
facilidade em aprender, criticidade, mais informa- os professores entrevistados em sua pesquisa
ção, maior interação de conhecimentos. Por fim, apontaram (e grande parte de nossos professores
quatro dos 20 professores apontaram ao mesmo questionados também). Entretanto, salienta que é
tempo dificuldades e facilidades: mais informação, nesse contexto que se deve buscar a negociação
porém sem avaliação do que serve; mais criticidade, entre docentes e discentes para criar um ambiente
mas sem saber utilizá-la; mais informação, mas propício ao processo educativo:
sem vontade de ler; mais informação, mas mais É possível que as novas gerações de estudantes, ou
preguiça. que parcelas significativas dessas gerações, tenham
Consideramos que as ponderações dos profes- menor capacidade de concentração do que as ante-
sores questionados em nossa pesquisa expressam riores devido à sua vivência no mundo digital, e é
mesmo possível que se trate de uma geração zap-
parte das tensões vividas no espaço educativo em
ping: são hipóteses que parecem fazer sentido, mas
tempos de cultura digital. Ainda que grande par- que ainda não contam com pesquisas que permitam
te das dificuldades apontadas pelos professores afirmações mais seguras e que possam fundamentar
não seja efeito exclusivo das TICs, as pesquisas opções docentes no contexto da prática curricular.
(COSTA, 2010; FISCHER, 2007) mostram que Contudo, seja pela influência da cultura cibernética,
efetivamente os alunos estão tendo seus modos de seja por vivermos uma situação de crise de auto-
viver, ser e sentir, ou seja, suas identidades ressig- ridade, o professor contemporâneo se depara com
nificadas. Portanto, a questão que está em jogo é a essas (e outras) novas características discentes, que
de como nós, como educadores ou formadores de não parecem exclusivas do ambiente pesquisado.
educadores, podemos lidar com essas novas iden- (LEITE, 2011, p. 358).
tidades estudantis. Sobretudo, em como lidar com De acordo com nossas discussões teóricas, as
essas novas identidades dos alunos, sem pressupor características apontadas pelos professores – sejam
que o uso puro e simples das TICs significa ser um elas vistas como prejudiciais ao processo educati-
professor inovador, criativo e crítico, enfim, um vo (desinteresse, agitação, distração, comodismo,
bom professor. dispersão), favoráveis (criatividade, interlocução,
Nesse sentido, consideramos interessante a interesse, curiosidade, mais informação) ou, ainda,
pesquisa de Leite (2009), realizada em uma es- uma mescla de ambos os tipos – mostram a con-
cola pública municipal do Rio de Janeiro. Nela, dição dos estudantes pós-modernos, sujeitos que
observou-se que a professora que apareceu com são efeito dos inúmeros discursos que se dobram
destaque profissional e como tendo a melhor re- em seus corpos, incluindo os discursos midiáticos.

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José Licínio Backes; Ruth Pavan

Trata-se de sujeitos que são efeito de um tipo de forma, isso causa um conjunto de efeitos e formas
sociedade e cultura em que a informação “[...] específicas de se ver o tempo/espaço da escola.
passa a viajar independente de seus portadores e Bauman (2001), ao mostrar como, na sociedade
numa velocidade muito além da capacidade dos atual, os sujeitos são produzidos para se verem
meios mais avançados de transporte” (BAUMAN, como os únicos responsáveis, tanto pelos seus
2003, p. 19). fracassos quanto pelo seu sucesso, afirma: “isto
Leite (2009), ao discutir as possibilidades de é, em todo caso, o que lhes é dito hoje e aquilo
um diálogo intercultural num contexto de TICs, em que passaram a acreditar; de modo que agora
salienta que os estudantes dialogam, sejam eles se comportam como se essa fosse a verdade”
usuários diretos ou não, com (BAUMAN, 2001, p. 43).
[...] discursos da cultura do computador e da internet, Sabemos muito pouco ainda sobre como po-
do videogame e do celular. Se é certo que a midiatiza- tencializar a energia vital de nossos alunos, ou
ção e a espetacularização da vida pública e privada já seja, ainda não sabemos como educar em tempos
marcaram as últimas gerações, a interconectividade, de cultura digital: “o advento da instantaneidade
por outro lado, pertence aos tempos atuais. (LEITE, conduz a cultura e a ética humanas a um território
2009, p. 126). não-mapeado e inexplorado, onde a maioria dos
A questão do acesso facilitado à informação, hábitos aprendidos para lidar com os afazeres da
trazida por vários professores e algumas vezes vida perdeu sua utilidade e sentido” (BAUMAN,
associada com dispersão e distração, vem ao encon- 2001, p. 149). Embora o autor não mencione nesse
tro do que Fischer (2007) aponta quando escreve momento, especificamente, a escola, pode-se dizer
sobre as alterações que estão ocorrendo na cultura que esta vive um momento em que muitas práticas
e transformando o cotidiano das escolas. Entre desenvolvidas perderam o sentido ou que, pelo
as alterações, ela cita “o excesso e o acúmulo de menos como educadores, não temos tido êxito para
informações, em relação ao tipo de experiência convencer nossos estudantes da pertinência dessas
correspondente, de modo particular para crianças práticas. Os efeitos dessas práticas sem sentido para
e adolescentes” (FISCHER, 2007, p. 291). nossos alunos constituem grande parte das dificul-
O fluxo de informações provenientes de dades em nossos processos educativos, inclusive
diferentes culturas, com uma velocidade quase as identificadas pelos professores questionados em
instantânea, conforme apontado por Bauman nossa pesquisa.
(2001), o excesso e o acúmulo de informações, Fischer (2007), ao discutir as relações entre
salientados por Fischer (2007), e a interconecti- mídia e a atuação pedagógica escolar, argumenta
vidade, mencionada por Leite (2009), contribuem que estão ocorrendo profundas mudanças da nossa
para produzir um sujeito que assume diferentes existência humana, as quais têm alterado também
identidades, que não são mais sólidas, mas líqui- as práticas cotidianas na escola: “[...] particular-
das, como destaca Bauman (2001). Por serem mente no que se refere às nossas experiências com
líquidas, têm dificuldade de ver sentido em um os saberes, às trocas com os outros, às formas de
espaço como a escola, que ainda está, como in- inscrever-nos no social, de escrever, de falar, de
venção da modernidade sólida, presa ao tempo pensar o mundo e a nós mesmos” (FISCHER,
duradouro, rígido, inflexível, controlado por 2007, p. 291).
uma lógica exterior, portanto, bem diferente do Continuamos tendo o desafio de entender me-
mundo das TICs, que traz consigo a sensação de lhor os sujeitos com quem lidamos cotidianamente
que o indivíduo está no controle do tempo, um em nossos espaços educativos. Para além de clas-
tempo marcado pela instantaneidade (o tempo sificações binárias (interessado/desinteressado,
de um clique). Cabe destacar que, para os Estu- preguiçoso/dedicado, criativo/sem criatividade...),
dos Culturais, mais do que perguntar se é uma cabe buscar modos pelos quais poderemos de-
sensação verdadeira, trata-se de perceber que, senvolver experiências significativas em nossos
ao se produzirem sujeitos para se verem dessa ambientes educativos.

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As identidades dos alunos em tempos de cultura digital: a percepção dos professores de educação básica

Observações finais Pensamos também que grande parte das difi-


culdades apontadas pelos professores está ligada
Ao concluirmos este artigo, queremos des- ao contexto atual da educação. Embora seja de
tacar que os professores, nas suas ponderações, conhecimento público que os professores de escolas
mostraram parte das angústias, conflitos e tensões públicas estão sobrecarregados e mal remunerados,
inerentes ao processo educativo, em grande medida não se pode deixar de salientar que isso faz com
intensificados pelo contexto das TICs. que eles tenham pouco tempo para a sua formação
O que chamou muito a atenção é o fato de a continuada e para planejar aulas voltadas aos inte-
maioria dos professores associar as novas tecno- resses das identidades dos alunos, articuladas com
logias com as dificuldades enfrentadas na sala de os objetivos da educação.
aula (desinteresse, distração, dispersão, impaciên- Por fim, parece que a pesquisa aponta para alguns
cia, comodismo...). Todavia, conforme mostra a grandes desafios que, se não exclusivamente, serão
pesquisa, isso não faz com que os professores não superados com a contribuição de pesquisas compro-
utilizem as tecnologias; pelo contrário, todos res- metidas com uma educação que considere as trans-
ponderam que as utilizam em suas aulas. A questão formações das identidades dos alunos em razão das
parece ser como fazer com que as TICs estejam a TICs. Nesse sentido, parece-nos oportuno salientar
serviço do processo educativo e contribuam siste- três dimensões presentes neste artigo: os Estudos
maticamente com os objetivos estabelecidos pela Culturais, a identitária e a tecnológica. A dimensão
escola. Afinal, se os alunos mostram desinteresse dos Estudos Culturais ajuda-nos a olhar para as tec-
nas aulas, é porque têm interesse em outras coisas. nologias como um campo aberto de possibilidades
Parece ainda existir uma lacuna muito grande, para a educação (sem maniqueísmos), sobre as quais
mesmo com o ponto em comum (professores e devemos refletir constantemente, sem perder de vista
alunos utilizam tecnologias, portanto, são afetados o objetivo principal, isto é, produzir uma vida, uma
por elas e têm interesse nelas), que é o de usá-las educação e uma sociedade mais justa e igualitária. A
com o mesmo objetivo. Isso tem a ver com as mu- dimensão identitária contribui para sabermos como
danças das identidades dos alunos. Como mostra são os nossos alunos, quais seus interesses, como
Bauman (2012), os sujeitos, quanto mais jovens, pensam, agem, aprendem, conhecem. A dimensão
mais multitarefas são. Talvez o que os professores tecnológica refere-se ao domínio das tecnologias e à
estejam vendo como desinteresse seja apenas a interação com elas, suas linguagens e suas funciona-
condição do sujeito (aluno) na cultura atual. Os lidades, aprendendo a pensar e desenvolver práticas
alunos têm uma capacidade maior de fazer várias pedagógicas em consonância com as identidades dos
coisas ao mesmo tempo do que os professores. alunos e os objetivos da educação.
Nesse sentido, parece que a questão passa a ser Finalizando, destacamos que, no contexto atual,
como fazer com que as tarefas escolares não es- trazer para o centro do debate as identidades dos
tejam dissociadas da realidade dos alunos, o que, alunos, as TICs e sua vinculação com a educação
no contexto atual, implica dizer que não estejam não significa aderir a um modismo. Significa tentar
dissociadas das TICs. Pela pesquisa, observamos contribuir para uma educação que reflita sobre os
que todos os professores estão preocupados com grandes dilemas pelos quais a humanidade está
isso; eles procuram incorporar as tecnologias em passando neste início de século, entre o quais se
suas aulas, com o intuito de torná-las mais dinâ- destaca saber qual o lugar que as TICs podem
micas, interessantes e criativas. ocupar na educação.

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Recebido em: 21.05.2014


Aprovado em: 03.10.2014

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 219-227, jul./dez. 2014 227
ESTUDOS
Raylane Andreza Dias Navarro Barreto; Joaquim Francisco Soares Guimarães

PELO ENRAIZAMENTO DA HISTÓRIA, MEMÓRIAS DE


EDUCADORAS SERGIPANAS SE REVELAM

Raylane Andreza Dias Navarro Barreto∗


Joaquim Francisco Soares Guimarães∗∗

RESUMO
O presente artigo é fruto de uma pesquisa em Educação e toma por objeto de estudo
as narrativas orais das professoras Acinete Almeida Bispo (1932), Janete Aguiar de
Souza Cruz (1939), Josefina Batista Hora (1928), Maria Isabel dos Santos (1930),
Maria Lita Silveira (1936), Maura Fontes Hora (1933) e Risoneuma Soares Feitosa
(1943), residentes no município de Umbaúba, cidade localizada no sul sergipano; e tem
como problemática as seguintes questões: Como as fontes orais podem ser utilizadas na
pesquisa histórica? Como as memórias de educadores podem fazer parte dos domínios
da História da Educação? O objetivo foi compreender como a pesquisa historiográfica
pode se valer de relatos orais, sobretudo, de professoras idosas. Ao nos apropriarmos
das memórias das professoras e concebê-las como fruto de sujeito fazedor de sua
própria história, buscamos na História Cultural e Social Inglesa, segundo Edward P.
Thompson (1981), respaldo teórico para operarmos historiograficamente por lentes
“vistas de baixo”. Para tal, fizemos uso do conceito de memória de Raphael Samuel
(1997). O referencial teórico-metodológico foi construído a partir da metodologia
da história oral, segundo as análises realizadas por Alberti (2005). Assim, podemos
concluir que, muito embora existam múltiplos debates e discussões sobre o uso da
memória na pesquisa historiográfica, aqui, neste trabalho, identificamos que a memória
oral em muito alimentou a História. Neste caso específico, pode-se contemplar que o
uso da memória nos fez entender as práticas escolares e a cultura escolar no município
de Umbaúba-SE, no período de 1955 a 1989.
Palavras-chave: Memória. Professoras. Umbaúba.

ABSTRACT
ESTABLISHED HISTORY, MEMORIES OF SERGIPEAN EDUCATORS ARE
REVEALED
This article is based on a research in education and takes as its object of study the
oral narratives of the teachers Acinete Bispo Almeida (1932), Janete Aguiar de Souza


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professora PPG1 do Programa de Pós-Graduação
em Educação. Líder do Grupo de Pesquisa Sociedade, Educação, His­tória e Memória (GPSEHM) da Universidade Tiradentes (UNIT).
Coordenadora do projeto de pesquisa “Memória oral da educação sergipana: modos de educar e práticas escolares no território sergi-
pano”. raylane_navarro@unit.br. Endereço institucional: Av. Murilo Dantas, 300 - Farolândia, Aracaju-SE. CEP: 49032-490 Endereço
residencial: Av. Beira Mar, 1500. Edf. Champs Elysée, ap.904. Bairro: 13 de julho. CEP: 49020-210. Aracaju-SE.
∗∗
Mestre em Educação pela Universidade Tiradentes (UNIT). Graduado em Letras Português-Inglês pela Universidade Tiradentes
(UNIT). Pós-Graduado em Gestão Administrativa da Educação pela Faculdade Pio Décimo. Membro do Grupo de Pesquisa Socie-
dade, Educação, História e Memória (GPSEHM). joaquimsoaresguimaraes@ig.com.br. Endereço institucional: Av. Murilo Dantas,
300 - Farolândia. CEP: 49032-490 Aracaju-SE. Endereço residencial: Rua Aniceto Lima, 14 - Centro. CEP: 49260-000. Umbaúba-SE.

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Pelo enraizamento da história, memórias de educadoras sergipanas se revelam

Cruz (1939), Josefina Batista Hora (1928), Maria Isabel dos Santos (1930), Maria Lita
Silveira (1936), Maura Fontes Hora (1933) and Risoneuma Soares Feitosa (1943),who
live in the city of Umbaúba, that is located in the southern Sergipe, and it has the
following research problems: how oral sources can be used in historical research?
How memories of educators can be part of the fields of the History of Education? Our
aim was to understand how historical research can make use of oral reports, especially
of older teachers. When we analyze the memories of the teachers and interpret them
as the result of subjects who make their own history, we take Cultural and Social
English History, according to Edward P. Thompson (1981) as the theoretical basis
to historiographically interpret the data from the “selves” point of view. For that,
we bring the concept of memory of Raphael Samuel (1997). The theoretical and
methodological framework was built from the oral history methodology, according to
analyzes conducted by Alberti (2005). Thus we can conclude that although there are
multiple debates and discussions on the use of memory in historical research, in this
study, we identified that memory helps a lot to know and understand history. In this
particular case, we can consider that the memory data helped us understand the school
practices and the school culture of Umbaúba/SE during the period from 1955 to 1989.
Keywords: Memory. Teachers. Umbaúba.

Palavras iniciais compreender como a pesquisa historiográfica pode


se valer de relatos orais, sobretudo, de professoras
A história implica uma série de rasuras, emendas e idosas, elegemos como objeto de estudo as traje-
amálgamas bastante análogas às que Freud expõe em tórias de vida das educadoras Risoneuma Soares
sua narrativa sobre as “memórias encobridoras”, em Feitosa, 69 anos; Janete Aguiar de Souza Cruz, 72
que a mente inconsciente – desagregando, encaixan-
anos; Maria Lita Silveira, 76 anos; Maura Fontes
do as peças umas nas outras, deslocando e projetando
– transpõe incidentes de um registro do tempo para Hora, 79 anos; Acinete Almeida Bispo, 80 anos;
outro e materializa o pensamento em imagens. [...] Maria Isabel dos Santos, 82 anos; e Josefina Batista
a memória traz o meio-esquecido de volta à vida, Hora, 83 anos, todas residentes no município de
de uma forma muito parecida à dos pensamentos Umbaúba, cidade localizada no sul sergipano. Des-
oníricos. (SAMUEL, 1997, p. 45). te modo, nosso cenário de estudo é protagonizado
Tomamos as palavras do historiador Raphael pelas sete educadoras, cujos relatos orais em muito
Samuel como incentivo para tecer considerações contribuem para a História da Educação sergipana,
sobre o uso das fontes orais na pesquisa históri- pois elas, entre 1955 e 1989, foram fundamentais
ca. O pressuposto que perseguimos é que, muito para a concepção do cenário pedagógico de um
embora existam múltiplos debates sobre o lugar tempo e lugar.
ocupado pela memória na pesquisa historiográfica, Tais sujeitos considerados anônimos, sujeitos
a memória em muito alimenta a História. O pre- da vida comum, cujas ações se desenvolvem em
sente artigo é fruto de uma pesquisa em Educação um cotidiano trivial, e cujas biografias, bustos e
intitulada Memórias de Educadoras Sergipanas: legados não se faziam conhecidas, são pessoas que
práticas escolares e cultura escolar no Municí- não apresentam fatos e cenários exuberantes. E por
pio de Umbaúba/SE no período de 1955-1989 isso não se encontravam elencadas nas listas de
(GUIMARÃES, 2013).1 Assim, com o objetivo de filhos ilustres de sua terra, tampouco seus nomes
constavam nas teses e dissertações acadêmicas,
1 Essa dissertação de mestrado, juntamente com mais outros sete
subprojetos, fixam suas raízes no Projeto Guarda-Chuva Memória estavam, pois, no “limbo” da historiografia. Deste
Oral da Educação Sergipana, coordenado pela Professora Raylane modo, adentrar os meandros das histórias de vida de
Andreza Dias Navarro Barreto. O projeto conta com o financiamento
do CNPQ através dos recursos obtidos no edital MCTI/CNPq/MEC/
pessoas desconhecidas pode inicialmente causar em
CAPES n.º18/2012 e bolsas Pibic/Cnpq e Probic/UNIT. muitos uma relativa aversão, pois suas trajetórias

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Raylane Andreza Dias Navarro Barreto; Joaquim Francisco Soares Guimarães

de vida podem aparentar ser desinteressantes, por modo de escrever a História, enveredando pela
se tratarem de mulheres simples, nascidas e criadas História Social e Cultural. Ao se apropriar da clas-
em cidades pacatas do sul sergipano, no início do se operária inglesa, proporcionou uma renovação
século XX. Contudo, buscamos destacar aquilo que no que tange às fontes, aos objetos e aos métodos
elas trazem consigo: suas memórias, suas reminis- de pesquisa, reconfigurando a narrativa histórica.
cências que foram capazes de revelar muito de si Esta renovação consolidou-se com a publicação,
mesmas, da história da educação sergipana, bem em 1963, da obra A formação da classe operária
como da história local. inglesa (THOMPSON, 1987), na qual procurou
No primeiro momento deste texto nos dedica- mostrar como a “classe operária” se compôs pelas
remos a analisar, com base nas experiências de experiências vividas e não necessariamente pela
Edward P. Thompson, Raphael Samuel e Verena divisão de classes.
Alberti, o modo como a memória foi e é usada E. P. Thompson (1981), assim como outros
na pesquisa histórica. No segundo momento do membros do grupo dos Historiadores do Partido
trabalho trazemos para dentro do texto as nossas Comunista, a exemplo de Raphael Samuel, estive-
experiências de pesquisa. Nesta etapa operamos ram engajados durante um tempo significativo das
com as narrativas das professoras envolvidas na suas vidas como educadores de jovens e adultos em
pesquisa, a saber: Risoneuma Soares Feitosa, 69 escolas situadas nas zonas periféricas da Inglaterra.
anos; Janete Aguiar de Souza Cruz, 72 anos; Maria Neste período, eles estabeleceram um contato mais
Lita Silveira, 76 anos; Maura Fontes Hora, 79 anos; estreito com a classe operária. Até então, seu nome
Acinete Almeida Bispo, 80 anos; Maria Isabel dos não circulava nas bibliotecas das Universidades,
Santos, 82 anos; e Josefina Batista Hora, 83 anos, uma vez que não possuía um trabalho voltado
e, a partir das suas narrativas sobre a história da para a tradição acadêmica. Dentre o seu legado
educação de Umbaúba-SE, em um arco de tempo está o empenho junto às causas relacionadas ao
entre 1955-1989, procuramos tecer considerações meio ambiente e pacifismo, mais precisamente
sobre a importância da memória para a pesquisa entre as décadas de 1970 e 1980. Neste período
histórica. pesquisou em vários países do mundo, a exemplo
dos Estados Unidos e Canadá, onde se dedicou à
No caminho com a História e a memória: produção científica.
o encontro com Edward P. Thompson, Uma de suas grandes contribuições à historio-
Raphael Samuel e Verena Alberti grafia é o conceito de “experiência”. Ao analisar
e interpretar o processo de formação da classe
Ancorados na História Cultural e Social Inglesa, operária inglesa, ele evidencia que esta não se fez
operamos historiograficamente por lentes “vistas de somente pelas experiências vividas nas “chaminés
baixo”. A história vista de baixo surgiu com o his- das fábricas”, mas pelas relações sociais estabele-
toriador inglês Edward P. Thompson, sendo ele um cidas com o mundo. O estudo de suas obras pela
dos principais expoentes do movimento que ficou terceira geração da escola dos Annales na década
conhecido como History From Below, a história 1970 se justifica na razão de seu pensamento estar
da classe trabalhadora inglesa privilegiando seus em sintonia com a proposta historiográfica do refe-
líderes, as organizações trabalhistas, bem como, rido movimento, que em suas publicações difundiu
e principalmente, o trabalhador não engajado. Da uma nova noção de documento, método, tempo,
mesma forma que Thompson, o historiador francês fonte e objeto, com o interesse voltado para todas as
Emanuel Le Roy Ladurrie, em 1970, escreve Mon- atividades humanas, concebendo a realidade como
taillow, no qual ele destaca como os moradores de uma construção social, para além de privilegiar os
uma vila viviam. Para isso, pesquisou os processos ditos esquecidos da “história oficial”. Nessa pers-
da inquisição (LADURIE, 1997). Suas ideias cor- pectiva, a operação historiográfica tomou novos
roeram as teorias do marxismo ortodoxo. Dessa rumos, dentre eles o lugar que a memória passou
forma, proporcionou rupturas epistemológicas no a ocupar na pesquisa histórica.

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Pelo enraizamento da história, memórias de educadoras sergipanas se revelam

[...] a memória, longe de ser meramente um recep- a memória é historicamente condicionada, mudan-
táculo passivo ou um sistema de armazenagem, do de cor e forma de acordo com o que emerge no
um banco de imagens do passado, é, isto sim, uma momento; de modo que, longe de ser transmitida
força ativa, que molda; que é dinâmica – o que ela pelo modo intemporal da ‘tradição’, ela é progres-
sintomaticamente planeja esquecer é tão importante sivamente alterada de geração em geração. Ela porta
quanto o que ela lembra – e que ela é dialeticamente a marca da experiência, por maiores mediações que
relacionada ao pensamento histórico, ao invés de ser esta tenha sofrido. Têm estampadas, as paixões
apenas uma espécie de seu negativo. (SAMUEL, dominantes de seu tempo. Como a história, a me-
1997, p. 41-45). mória é inerentemente revisionista, e nunca é tão
camaleônica como quando parece permanecer igual
Nesse sentido, entendemos que a memória (SAMUEL, 1997, p. 41-45).
sedimenta e calcifica o passado, projetando o pre-
sente a partir do vivido em outrora. Desse modo, Mesmo a memória sendo historicamente forja-
tomamos de empréstimo as inferências acima para da, sujeita a mudanças em sua composição, como
elucidar a força ativa da memória, que está longe elucida o autor, “mudando de cor e forma”, ela é
de ser um receptáculo passivo ou um sistema de uma representação do vivido. O que importa não é
armazenagem e tabulação de informações, mas a verdade dos fatos, mas como eles se representam
possui a capacidade de se moldar pela dinâmica em quem os viveu. Um dos caminhos trilhados pela
do constante ir e vir entre passado e presente, lem- história nas terras da memória é a História Oral. Ve-
brança e esquecimento. Desse modo, a memória rena Alberti (2005), com relação à metodologia da
resolve apagar, bem como fixar, e, de forma inten- história oral, a concebe como uma possibilidade de
cional, planeja lembrar e esquecer. O historiador pesquisa mediada pelos processos de rememoração
Raphael Samuel (1997), entre outros, dedicou-se do passado pelo sujeito que lembra/esquece fatos,
a escrever a história protagonizada por “pessoas acontecimentos, personagens, tempos e lugares
simples”, cujos nomes ainda não eram conhecidos vividos. Assim, é fecundo estabelecer um paralelo
em meios eruditos. Um dos grandes legados dessa com os fatos passados contextualizando o presente
corrente é a corrosão da “história única”, linear e por meio da memória como grade intermediadora
evolutiva, protagonizada por um “sujeito único”, desse processo, uma vez que os modos de lembrar
e a possibilidade de construção de uma nova ope- o passado colocam o sujeito em contato com as
ração historiográfica. experiências do tempo presente. Dessa forma,
Raphael Samuel (1990), no intuito de fazer o privilegiamos o indivíduo como valor central, pois
uso de novas fontes históricas, apropriou-se dos o mesmo é o lócus da memória, é nele que estão
testemunhos orais para a produção da história lo- registradas as vivências.
cal, ligado à vida cotidiana do povo em seu tempo Segundo Alberti (2005), a peculiaridade da
e lugar, bem como as mais diversas refrações das história oral é privilegiar a recuperação do vivido
tradições orais, contemplando também, a “história conforme o concebido por quem viveu, e isto se dá
vista de baixo.” Para tal, fez uso da metodologia com o intuito de preencher as lacunas deixadas pe-
da história oral. Em sua obra Teatros da Memória: los documentos escritos ou iconográficos. Portanto,
passado e presente na história contemporânea a metodologia da história oral permite se apropriar
(SAMUEL, 1997), o autor faz uso de fotografias de recorte ou seleção de partes que compõe o todo,
na perspectiva de desmistificar as ilusões da reali- pelas vozes e versões dos indivíduos. Aí se encontra
dade representada nas imagens. A partir de então a a importância de “ouvir contar” as narrativas de
memória serviu de caro fio condutor para orientar quem viveu. Assim, podemos estabelecer media-
os seus estudos, pois para o autor a memória não é ções ente o geral e particular. Ou como melhor
somente um sistema de armazenamento, mas está explicou Alberti (2005, p. 19):
sujeita a intervenções da temporalidade, invenções, ampliar o conhecimento sobre acontecimentos e con-
seleções, lapsos, mutações, fissuras e plenamente junturas do passado através do estudo aprofundado
rebatida ao esquecimento, formando um lugar de de experiências e versões particulares; de procurar
experiências quebradas: compreender a sociedade através do indivíduo que

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Raylane Andreza Dias Navarro Barreto; Joaquim Francisco Soares Guimarães

nela viveu; de estabelecer relações entre o geral e de sua formação, de sua comunidade etc., elas devem
o particular através da análise comparativa de dife- ser tomadas como fatos, e não como ‘construções’
rentes testemunhos, e de tomar as formas como o desprovidas de relação com a realidade. É claro que
passado é apreendido e interpretado por indivíduos a análise desses fatos não é simples, devendo-se
e grupos como dado objetivo para compreender levar em conta a relação da entrevista, as intenções
suas ações. do entrevistado e as opiniões de outras fontes (in-
clusive entrevistas). Antes de tudo, é preciso saber
A natureza do fascínio revela-se na vivacidade ‘ouvir contar’: apurar o ouvido e reconhecer esses
do passado e pelas formas de elaboração do real, fatos, que muitas vezes podem passar despercebidos.
bem como pela possibilidade de revivê-lo pela ex- (ALBERTI, 2005, p. 10, grifo do autor).
periência do entrevistado. Por isso, diversos autores
a nomeiam de história (ou memória) “viva”, pois Para tal empreendimento, realizamos sessões
a entrevista revela frações do passado centradas de entrevistas2 em consonância com a metodolo-
nas narrativas. Isso porque a memória do entre- gia da história oral, que foram concedidas pelas
vistado dá significado ao vivido, além de trazer, professoras Risoneuma Soares Feitosa, em 27 de
para o tempo presente, a presença do passado, em outubro de 2012; Janete de Aguiar Souza Cruz, em
conformidade com as suas formas de apropriação e 28 de outubro de 2012; Maria Lita Silveira, em 09
significação, pois, conforme Alberti (2005, p. 18), de agosto de 2012; Maura Fontes Hora, em 11 de
“[...] só é possível recuperar o vivido pelo viés do fevereiro de 2012; Acinete Almeida Bispo, em 17
concebido”, que, por sua vez, são as categorias de de agosto de 2012; Maria Isabel dos Santos, em 15
apreensão do real. As formas de ver o mundo são de setembro de 2011; e Josefina Batista Hora, em
plurais. 16 de setembro de 2012, todas residentes na cidade
Dessa forma, a história oral permite várias de Umbaúba, estado de Sergipe. Vale ressaltar que
possibilidades de pesquisa. No entanto, algumas todas as entrevistas3 encontram-se armazenadas,
recomendações são deixadas por Alberti (2005). transcritas e analisadas de acordo com o modelo
Segundo ela, não é tarefa fácil construir a histó- do Centro de Pesquisa e Documentação de História
ria cotidiana das pessoas, visto que geralmente Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio
se faz revelar em situações triviais, corriqueiras, Vargas (CPDOC/FGV), atualmente coordenado
sem muita importância para quem vivencia. Por por Verena Alberti.
serem informações sem complexidade, abrangem
os assuntos ligados ao ritmo cotidiano. Já a His- Passeios da Memória em terras com
tória Política não se dedica a estudar somente a História. Com a palavra: Risoneuma
história de grandes homens ou grandes feitos, mas Soares Feitosa, Janete Aguiar de
também se interessa pelas diferentes formas de Souza Cruz, Maria Lita Silveira, Maura
articulação de atores e grupos sociais, incluindo Fontes Hora, Acinete Almeida Bispo,
padrões de socialização e trajetórias de indivíduos Maria Isabel dos Santos e Josefina
e grupos pertencentes às diferentes camadas sociais Batista Hora.
ou critérios referentes a sexo, cor, religião. Isso
Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver,
evidencia que a história oral é um procedimento
mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e
metodológico aplicável e que serve a diferentes
idéias de hoje, as experiências do passado. A me-
versões da história.
mória não é sonho, é trabalho. Se assim é, deve-se
A história oral tem o grande mérito de permitir que duvidar da sobrevivência do passado, ‘tal como
os fenômenos subjetivos se tornem inteligíveis – isto
é, que se reconheça, neles, um estatuto tão concreto 2 As entrevistas foram cedidas pelas professoras, a partir da Carta de
Cessão de direitos, dispondo sobre os direitos e deveres do entre-
e capaz de incidir sobre a realidade quanto qualquer vistado, bem como o esclarecimento sobre uso das entrevistas para
outro fato. Representações são tão reais quanto meios fins de pesquisa acadêmica.
de transporte ou técnicas agrícolas, por exemplo. 3 As entrevistas totalizam mais de 15 horas de gravação em áudio e
Quando um entrevistado nos deixa entrever determi- vídeo, devidamente transcritas em Microsoft Word 2010. Estas se
encontram armazenadas em HD e constituem o acervo do futuro
nadas representações características de sua geração, Centro de Memória da Educação Sergipana.

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Pelo enraizamento da história, memórias de educadoras sergipanas se revelam

foi’, e que se daria no inconsciente de cada sujeito. de um passado, que vai além dos fatos registrados
(BOSI, 1995, p. 55, grifo do autor). pelas fontes oficiais e que nos deixa mais próximos
O que buscamos é entender a ponte do começo do vivido.
ao fim e ligar o passado ao presente. Por isso a As palavras da professora Maria Lita Silveira
necessidade de “ouvir contar” as sete professoras retumbam os anseios por uma historiografia da
aposentadas. Parafraseando Bosi (1995), lembrar educação local. Vemos então a possibilidade de
não é reviver, como um sonho ou até mesmo um contar a história da educação de Umbaúba, mes-
devaneio do pensamento, mas um trabalho de refle- mo que parcial, através dos olhares e das práticas
xão, de compreensão do agora a partir do outrora, das testemunhas oculares dos seus fatos. Ainda
é sentimento, reaparição do feito e do ido, não sua que haja a impossibilidade de uma história total,
mera repetição. De tal modo, pode-se conjecturar de uma afirmação categórica e afirmativa sobre a
que a ação de rememorar tempos, personagens, institucionalização da educação na cidade de Um-
lugares, acontecimentos e fatos não é o simples baúba, buscamos indícios que permitem fazer uma
lembrar por lembrar, ou seja, uma ação voltada reflexão acerca desse espaço temporal estudado.
para dentro de si mesmo, mas um processo de sig- No diálogo com as professoras ficou evidente a
nificação, moldagem e seleção feita pela memória. utilidade das fontes orais na pesquisa histórica;
Através das memórias narradas pelas sete pro- evidência disso é a narrativa da professora Aci-
fessoras aposentadas do município de Umbaúba, nete de Almeida Bispo, quando faz referência ao
que demarcam suas trajetórias em tempos e locais, desenvolvimento/evolução do campo educacional
há um fragmento que chamou a nossa atenção, de Umbaúba sobre a década de 1970:
pois o vivido/experienciado é colocado de modo
[...] foram muitos os investimentos que o Prefeito
subjetivo, carregado de emoções, mas que fica bem
Adelvan Cavalcante Batista fez na educação e ensi-
perceptível, em especial na fala da professora Maria
nou aos seus sucessores como fazer do mesmo jeito
Lita Silveira: dele. Olha, foi assim também com o prefeito Manoel
[...] a maior tristeza na minha vida, porque moro Cardoso das Virgens [Senhor Né das Virgens], e com
em uma cidade que não tem história [...] Sabe meu o Prefeito Florisval Macedo Silva [Senhor Flori],
filho: olho e não vejo nada escrito dos meus tempos tudo nessa mesma época. Eu lembro muito e fiquei fe-
de menina, sobre Umbaúba [...] Aqui tinha muita liz quando foi criada a Biblioteca Municipal, quando
coisa bonita, que as escolas mostravam para o fez convênio com o MEC [Ministério da Educação e
povo. E agora só tem as nossas lembranças, que Cultura] para vir livros para o município. Foi uma
se perderão já, pois a gente morre logo. Umbaúba beleza para nossa gente. A biblioteca levou o nome
não tem nada registrado sobre a educação, sobre os do Professor Dirson Maciel de Barros. Teve também
professores [...] O que tem, está solto, sei lá onde. a criação do Ginásio particular, mas tinha bolsa de
estudo dada pelo prefeito. Esses investimentos foram
A emoção aflorada na narrativa saudosa da
muito importantes para a educação da nossa cidade.
professora Maria Lita Silveira, quando rememora
sobre tempos e lugares que estão ameaçados pelo Outro aspecto que ganhou protuberância na
esquecimento, nos preocupa quanto à necessidade narrativa das nossas personagens foi a forma
de preservação da memória da cidade. Para que como as professoras eram admitidas. Deste modo,
não se cumpra o esquecimento preconizado nas rememorou Maria Lita Silveira sobre sua nomea-
palavras da professora. Assim, a súplica implícita ção na Escola Rural Municipal, na fazenda Major,
é por nós ouvida e mais uma vez visualizamos o município de Umbaúba:
passeio na memória em terras de história. Ouvindo- O prefeito queria arrumar uma pessoa, para botar
-a, buscamos evidências que retratem esse tempo escola na fazenda Major [...] Aí perguntaram a mi-
e lugar (quase) esquecidos. Desse modo, vimos nha irmã se ela queria. Ela disse: ‘eu não, mas eu
em sua voz e na sua forma de lembrar, uma rede tenho uma irmã que sabe ler’. Aí o prefeito disse:
de significados que será útil para tecer os fios da ‘mande chamar a sua irmã’. Aí fui. [...] ele mandou
história da educação de Umbaúba no período pro- fazer uma conta. Passou um ditado de palavras [...]
posto, cujo viés nos possibilita chegar mais perto passou uma composição, que hoje é uma redação.

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Raylane Andreza Dias Navarro Barreto; Joaquim Francisco Soares Guimarães

Mandou fazer uma cópia, uma carta, para redigir ouvimos atentamente a narrativa da professora
mesmo. Quando foi a tarde ele disse: ‘traga ela para Maura Fontes Hora, muito embora sua narrativa
saber do resultado’. Aí quando foi duas horas, meu tivesse atravessada por lapsos de esquecimento,
tio me levou lá onde era a prefeitura. Aí ele disse mas ainda assim não perdeu o sentido histórico.
que eu tinha sido aprovada para trabalhar.
Segundo Bosi (2003, p. 64), “Os lapsos, incertezas
Maria Lita Silveira foi nomeada professora das testemunhas são o selo da autenticidade [...] O
mediante aprovação em uma prova aplicada pelo silêncio do velho seria bom se correspondesse ao
então prefeito da época, Adelvan Cavalcante Batis- silêncio do pesquisador. Aprendizagem é difícil
ta. O que se percebe com esse depoimento é que a porque vivemos num moinho de palavras”. Por
escolha das professoras para as “Escolas Isoladas” certo, o depoimento é um trabalho do idoso, pois o
espalhadas no município de Umbaúba perpassava narrador, ao testemunhar seu passado, não descan-
pelo olhar atento do empregador, neste caso es- sa, mas está envolvido em uma ação cercada por
pecífico, do prefeito. Assim, era por meio de uma intencionalidades e esforço de elaborar/transformar
avaliação escrita que o pretendente ao cargo apre- o vivido em linguagem. Assim trabalhou professora
sentava alguns conhecimentos básicos de escrita, Maura Fontes Hora:
através de uma redação ou composição, como era [...] agora aqui [Umbaúba,] quando eu vim ensinar...
chamada na época. Em alguns casos exploravam-se Meu Deus! Onde era que eu não lembro... Depois foi
também os conhecimentos matemáticos, através que fizerem o grupo Doutor Antonio Garcia Filho.
das quatro operações. Tais práticas contratuais Não! Tinha a Escola Rural. [...] Ensinei no Grupo
revelam princípio de organização da estrutura do Escolar Dr. Antonio Garcia Filho uns trinta anos.
quadro funcional do município. Sobre o mesmo Sempre na primeira série, mas eu sempre pedia
aspecto narrou a professora Maria Isabel dos Santos porque era menorzinhos. Os menores são melhores
(D. Consuelo): de pelejar com eles, na brincadeira. Eu trabalhava
com zelo, carinho e dedicação.
Antigamente a gente não fazia concurso. A gente
quando dizia: ‘terminou de ler esses livros pesados’ Também Josefina Batista Hora (Dona Zeolita)
chamava-se a prestar exame, a gente prestava exame lembrou e esqueceu ao narrar sobre o crescimento/
e estava pronta. [...] Meus filhos são formados e eu progresso da cidade de Umbaúba:
chego e ensino aos meus filhos com esse estudo.
Quando eu fiz o exame, já tinha lido aqueles livros [...] Eu entrei, comecei a ensinar mesmo, de verda-
todos, de cor e salteado [...] o certificado que ela de, sendo fichada pela Prefeitura de Umbaúba, em
dava: ‘Essa aqui está pronta’, pelas aquelas pergun- 1955. Era no prédio da Escola Rural Municipal,
tas. Eu não tive como continuar meus estudos, que mas ficava quase dentro da cidade. Cidade não, que
eu vim para aqui [Umbaúba] Meu pai adoeceu, eu naquela época só tinha duas ruas. Eram essas duas
tinha que trabalhar duro para dar comida a ele. Eu avenidas de hoje, pois a Escola ficava bem pertinho
sabia ler um pouquinho e vim fazer uma prova aqui dessas ruas, mas era Escola Rural que chamava. Só
na prefeitura, pois o prefeito tinha criado mais car- depois de uns 15 anos foi que o Prefeito Adelvan e o
gos, vagas de professora primária. Fiz a prova aí me Governo do Estado começaram a construir outras
deram emprego como professora [...] Eu fui morar escolas. Primeiro veio o Grupo Escolar Dr. Antonio
em uma fazenda que precisava de um professor... Eu Garcia Filho e depois foi o Grupo Escolar Municipal
fiz o teste para essa fazenda Cruvelo, foi o prefeito Adelvan Cavalcante Batista e mais outras nos po-
Adelvan Cavalcante. Lá não existia escola, era uma voados que eu não lembro os nomes, sei que foram
casa. Eu ensinava aos filhos de empregado, filho várias. Sim, teve também o Ginásio que o prefeito
de patrão, alunos que vinham de outras fazendas: fez o convênio com o Instituto Diocesano da Estân-
Vitória, Triunfo, Dois Riachos, de longe eles vinham. cia e colocou um núcleo aqui em Umbaúba. Esse
[...] hoje em dia é contrato, mas eu fui nomeada era particular, mas como tinha um convênio com a
Prefeitura ficava mais barato. Era uma Escola muito
Através da narrativa da referida professora é famosa em Estância, pois era de Padres. Aí o Prefeito
possível perceber meandros de uma história feita construiu outra escola na cidade que funcionava
pelo enraizamento da memória. Girando o nosso pelo dia para o município com o ensino primário e
olhar para a história contada por quem viveu, pela noite com o ginásio da 5ª a 8ª série. Eu lembro

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Pelo enraizamento da história, memórias de educadoras sergipanas se revelam

que o prefeito dava bolsa de estudo para quem material que a professora Alaíde Martins utilizava
entrasse no ginásio. Naquele tempo muita gente com seus alunos em suas aulas de Português e Ma-
queria estudar, mas não tinha como pagar. Então ele temática, na Escola Isolada localizada na sede do
ajudava. O nome dessa escola que funcionava pelo município. Assim rememora Josefina Batista Hora:
dia era Grupo Escolar Municipal Castelo Branco.
Foram muitas obras e muitas leis que seu Adelvan Naquela época já tinha caderno e tinha papel pauta-
fez. Lembro que logo ele criou o Órgão Municipal do também. Tinha caderno já, tinha até uns cadernos
de Educação que ele fundou para tomar conta dos que já vinha com umas palavras. As frases. Eu vejo
papéis, documentos de alunos e professores das muitas delas, professoras, falando que quando não
escolas municipais, foi muito serviço na cidade toda. tinha caderno se escrevia numa pedra. Eu alcancei
esse tempo. Era isso... tinha um lapisinho. Aí fazia
Desse modo, a memória combativa ao “olvido” conta depois apagava. Apagava, era... fazia conta
e suas falhas provocadas pela formidável capaci- na pedrinha. Fazia limpinha pra poder... quando ela
dade de esquecer conferem à memória um caráter pedir, fazia número, os números eram tudo copiado
especial. Tal capacidade nos faz lembrar as palavras nas pedras, era tudo assim, depois desapareceu.
de Barreto, Mesquita e Santos (2013, p. 79): “No Eu não lembro o nome do autor, eu sei que nós es-
movimento de percepção da matéria-prima que tudamos no Coração de Criança. Depois de muitos
compõe os fios da memória, sentimos que esta é anos, veio o Pequeno Escolar, agora o Coração de
carregada de conhecimentos, é combativa ao esque- Criança foi primeiro, segundo, terceiro e quarto.
cimento é plena de esquecimentos, é individual e Professora Alaíde fazia sabatina. Os meninos estu-
davam a tabuada e fazia as perguntas e quem não
coletiva, é movida no entrecruzamento de espaços
soubesse apanhava do outro com uma palmatória.
e tempos.” Nessa perspectiva, também esclareceu
Eu não apanhava muito não. Só batia. Foi assim
Gagnebin (1999, p. 3) sobre a importância e razão que eu aprendi a tabuada, pois precisava para fazer
de olvidar: “[...] esquecimento que seria não só as contas na loja [Bodega] de meus pais. Eu sabia
uma falha, um ‘branco’ de memória, mas também muito ler e contar.
atividade que apaga, renuncia, recorta, opõe ao
infinito da memória a finitude necessária da morte Pela narrativa evidenciada acima podemos
e a inscreve no âmago da narração.” Assim, é indis- conjecturar que a memória, além de ser individual,
pensável tal reflexão para compreender os passeios também é coletiva, pois a nossa entrevistada trouxe,
da memória em terras de história. por meio de suas lembranças, um conjunto de im-
Corroborando com Ferreira, Fernandes e Alberti pressos que marcaram a memória de uma geração
(2000), para que a pesquisa oral cumpra inteira- de professores e alunos, uma vez que educou e
mente seu papel é preciso conhecer seus limites e deixou perpetuado em um cronotopo compêndios,
até mesmo fazer deles uma força. Deste modo, o livros, cartilhas, lições, autores que marcaram as
silêncio e o esquecimento da professora Josefina lembranças do viver na escola. Tais lembranças
Batista Hora, para muitos, podem ser entendidos evocadas nos remetem aos primeiros indícios sobre
como fraquezas da memória. Porém, Ferreira, “os saberes e os métodos de ensino” utilizados nas
Fernandes e Alberti (2000, p. 34) asseveram que Escolas Isoladas e nos Grupos Escolares do mu-
a memória, na “[...] sua formidável capacidade de nicípio de Umbaúba, no período de 1955 a 1989.
esquecer, pode variar em função do tempo presente, Tais saberes e métodos estão implícitos nas nar-
suas deformações e seus equívocos, sua tendência rativas da professora Maura Fontes Hora, quando
para a lenda e o mito. Estes mesmos limites talvez narrou sobre o ensino verbalizado e memorizado
constituam um de seus principais interesses”. das disciplinas de Português e Matemática. Assim
E como se precisasse de um tempo para respirar relembrou:
e/ou como se necessitasse restaurar as forças para Eu escrevia no quadro para os alunos mais adian-
prosseguir sua narrativa, “Dona Zeolita”, como é tados. Era assim que eu fazia meu filho, tinha que
conhecida, enveredou por caminhos que esclare- escrever no quadro. Os alunos já tinham caderno.
ceram melhor o modo como ela foi alfabetizada Já os menorzinhos eu ensinava o Abcezinho deles,
do que como alfabetizou, recorrendo desta vez ao que eles levavam. E eu ensinava soletrando para

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Raylane Andreza Dias Navarro Barreto; Joaquim Francisco Soares Guimarães

juntar as sílabas e depois as palavrinhas pequenas. do “ensino popular”, e que dá condições aos alunos
Naquela época as mães também ajudavam, e eles de assegurarem os conhecimentos de forma lógica
iam aprendendo as letras, e iam alfabetizando, e e prática para atuarem nas suas vidas pessoais e
assim continuava até que já passava pra ser mais... profissionais. Tal método partia da apresentação dos
Já conhecendo o alfabeto, já tava alfabetizado, já
objetos às crianças, seguida do seu nome e da sua
passava pra um primeiro ano, do pré. Aí eu ensi-
estampa ou desenho, exatamente o oposto do mé-
nava as Noções de Português e Matemática, era só
o que podia dá naquela época né? Em Português, todo sintético. Pelas prescrições do novo método,
a gente ensinava o que se ensina hoje ainda né? A a professora deveria escrever ao lado do desenho
desenvolver a leitura, escrever, fazer os exercícios, ou gravura o nome do objeto para que as crianças
falar das datas comemorativas que eu gostava muito, aprendessem a distinguir o objeto, a sua imagem e
gostava de fazer muitas festinhas com eles, gostava a palavra que o nomeia. Assim, tomo emprestada a
muito de poesia. Fazia vários desenhos e levava, definição de Vera Teresa Valdemarin (1998, p. 70):
por exemplo: verduras para eles verem e tocarem e “[...] o método consiste na colocação de fatos e ob-
aprenderem vendo. jetos que seriam observados pelos alunos, criando
Referindo-se ao método usado nas disciplinas de situações de aprendizagem em que o conhecimento
Ciências, Matemática, Geografia e Estudos Sociais, não é meramente transmitido e memorizado, mas
relembrou Risoneuma Soares Feitosa: emerge no entendimento da criança a partir dos
dados inerentes ao próprio objeto”.
Era assim: eu dava aula de Ciências com o esqueleto
Assim, as memórias aqui revelaram uma histó-
humano, usava o livro e mostrava os ossos no es-
queleto, fazia experiência com plantas, com animais.
ria por quem viveu, pois suas falas trouxeram à tona
Eu dava aula de Matemática e utilizava desenhos, cenas e capítulos até então inéditos, se consultados
figuras para trabalhar com fração, com geometria. os decretos e leis educacionais. Assim, o que vem
Era assim: todo assunto que eu dava de Matemática à tona é uma história distante do que ditavam os
ensinava desse jeito. Fazia leitura, fazia ditado de regulamentos oficiais, é a representação do que
palavras, cópia e composição. Era assim eu colo- era possível fazer dadas as circunstâncias locais,
cava um cartaz no quadro e pedia pra os alunos intelectuais e materiais e, portanto, nos provando
escreverem o que estavam vendo ali no cartaz. Já que a memória em muito sustenta a História. As
Geografia e História, que era Estudos Sociais, eu narrativas aqui enunciadas fizeram referência ao
fazia muitos passeios com os alunos na região para
desenvolvimento do campo educacional de Um-
observar a natureza, o povo do povoado, os rios, a
floresta, os trabalhadores e a história de cada po-
baúba no arco de tempo estudado, sobre a forma
voado, a história da cidade. Era tudo ensinado aos como as professoras eram selecionadas e poste-
alunos. Era assim que eu ensinava na quarta série. riormente admitidas, bem como os pressupostos
dos saberes e os postulados do uso do “método
Em relação aos passeios que eram usados en- intuitivo”.
quanto ilustração para o ensino das disciplinas de
Canto, Religião, Higiene etc., evocou Janete Aguiar
de Souza Cruz: Palavras finais
Ensinava com o maior prazer, fazia porque amava
a docência. Ensinava canto, religião, higiene. Fazia “A memória das pessoas também dependeria desse
passeios com os meus alunos para as fazendas da longo e amplo processo, pelo qual ‘fica’ o que sig-
região, para ensinar geografia, ciências, leitura, nifica”. (BOSI, 1995, p. 66, grifo do autor).
cópia, ditado, poesia. Já tinha livros de português, Essas páginas que seguiram pelos olhos dos lei-
matemática e moral e cívica. Era tudo bem melhor tores estiveram revestidas com a intencionalidade
do que na época que eu estudava.
de compreender como a pesquisa histórica pode
Os saberes e os métodos de ensino utilizados por se valer de relatos orais, sobretudo das memórias
algumas delas tiveram como fio condutor os pos- pertencentes às professoras idosas. Nessa busca
tulados do “método intuitivo”, que segundo Teive seguimos um pressuposto, que aqui foi confirmado.
e Dallabrida (2011) é visto também como método Assim, podemos concluir que muito embora exis-

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Pelo enraizamento da história, memórias de educadoras sergipanas se revelam

tam múltiplos debates e discussões sobre o uso da reviver, mas é reconstruir o passado, mesmo que
memória na pesquisa, neste trabalho identificamos incompleto, e entre cortes e seleções fica apenas o
que a memória, sobretudo aquela obtida a partir da que significa. Somamos as sábias palavras de Bosi
metodologia da história oral, em muito alimentou (1995) às de Raphael Samuel (1997), quando afir-
a História. Evidências disso são as narrativas que mou que a memória está longe de ser meramente
aqui nos conduzem a uma historiografia, por certo um receptáculo passivo, onde as informações são
pequena, mas que exemplifica significativamente tabuladas de forma linear e tranquila, mas muda de
como as narrativas orais são legitimas ao contar/ cor e forma no momento em que relembra. De igual
revelar/dar a ler páginas de que compõem uma maneira, o percurso da história em terras de memó-
“grande” história. ria só foi possível graças ao diálogo com as pro-
Os percursos das memórias, sobretudo aquelas fessoras, já anunciadas, Risoneuma Soares Feitosa,
que emergem com a referida metodologia e cujo Janete Aguiar de Souza Cruz, Maria Lita Silveira,
produto, em terras de história, não seria possível Maura Fontes Hora, Acinete Almeida Bispo, Maria
sem as aberturas feitas no campo pelos historia- Isabel dos Santos e Josefina Batista Hora, cujas
dores ingleses E. P. Thompson (1981) e Raphael narrativas, trazidas para dentro do texto, serviram
Samuel (1997), foram para nós valiosos, pois nos não somente para evidenciar a necessidade dos
permitiram ver por outras lentes e nos posicionar a registros das histórias locais, mas, também, uma
partir de outro lugar, caracterizado pela simplicidade vez dentro da história, desvelar indícios ou mesmo
de professoras primárias do interior do pequeno evidências dos seus grotões. O que, nesse caso,
estado de Sergipe, e que se não fosse a ausculta de passa pelo modo de contratação dos professores, o
suas lembranças/memórias acerca das suas expe- que inclui os processos seletivos e as “exigências”
riências, não comporiam as fontes que revelam a para assumir o cargo; os mecanismos, táticas e/ou
história da educação sergipana. Ambos os autores estratégias para dotar um município de escolas; o
nos fizeram refletir sobre o caráter inesgotável da desenvolvimento do campo educacional, o que tam-
pesquisa/escrita histórica, para além de legitimar bém passa pela estrutura dos prédios escolares, bem
historiograficamente a presença de sujeitos até então como pela cultura e as práticas escolares exercidas
desconhecidos das páginas da história dita “oficial”. e pelos postulados do uso do “método intuitivo”, o
Como nos faz refletir Bosi (1995), que tam- que nos revela o quão importante e “significativo”
bém conduziu essas considerações, lembrar não é é o fazer historiográfico pelas narrativas orais.

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Cadernos CEDES, Campinas, SP, v. 52, p. 74-78, 1998.

Recebido em: 18.05.2014


Aprovado em: 25.09.2014

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 231-241, jul./dez. 2014 241
RESUMOS
DE TESES E
DISSERTAÇÕES
PACHECO, Moreno Laborda*. “A magoa de ver hir esquecendo...”: escrita conventual
feminina no Portugal do século XVII. 2013. 291 f. Tese (Doutorado em História Social)
– Programa de Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal da Bahia**, Salvador, 2013.

O século XVII português assistiu ao florescimento ABSTRACT


de uma escrita conventual feminina concentrada majo-
ritariamente na epistolografia, na lírica e na elaboração “The sorrow of forgetting...”: women’s conventual
de registros de cariz biográfico sobre religiosas crescidas writing in the 17th century in Portugal.
em virtude. Defendida em setembro de 2013, “A magoa The 17th century in Portugal witnessed the flowering of a
de ver hir esquecendo...” se dedica a estudar outra fração feminine conventual writing, which focused mainly on epis-
dessa produção, mais intimamente ligada a registros tolography, on lyrics and on biographical records of virtuous
memorialísticos de tipo institucional. No centro da religious women. Defended in September 2013, “The sorrow
análise estão o Tratado da antiga e curiosa fundação of forgetting...” addresses another fragment of this produc-
do Convento de Jesus de Setúbal (redigido entre 1630 e tion, closely related to institutional reports. At the centre of
1644) e a Notícia da fundação do Convento da Madre de analysis there are two works: Tratado da antiga e curiosa
Deus das religiosas descalças de Lisboa (1639-1652). fundação do Convento de Jesus de Setúbal (1630-1644) and
Amparando-se em obras coevas e de perfil semelhante, a Notícia da fundação do Convento da Madre de Deus das
investigação lança luz sobre alguns dos modelos que in- religiosas descalças de Lisboa (1639-1652).With the support
fluenciaram suas autoras, mas sem descurar dos diálogos of contemporaneous pieces and other works with similar
que elas estabelecem com outras modalidades de escrita structure, the investigation sheds light on some models that
conventual feminina – incluídas aí aquelas de tipo admi- inspired their authors,without neglecting the dialogue they
nistrativo, ligadas à governança dessas instituições. Este have established with other modalities of women´s conventual
estudo também indica que, por comando ou moto pró- writing – including the administrative records, related to the
prio, mulheres de vida consagrada do Portugal Moderno governance of such institutions. This study indicates that by
empunharam penas e escreveram livros, manejando a command or by own initiative, religious women in Modern
memória de suas comunidades. Na tarefa, elas seguiram Portugal wielded pens, wrote books and handled the memory
modelos mais ou menos conformados de uma escrita of their communities. In doing so, they followed more or less
histórica e confessional, mas também souberam inserir conformed models of historical and confessional writing.
discussões que lhes interessavam ou mesmo vergar However, they also managed to insert arguments of interest in
esses formatos para que servissem a outros propósitos. those writings and even used some of those formats in order
Por fim, os destinos desses livros de fundação também to make them serve other purposes. Finally, the trajectories of
servem para perceber os múltiplos agenciamentos que those foundation books help us to realize the multiple inter-
interferiam no caminho das religiosas modernas até o ferences in the modern religious women’s way to the press.
prelo, assim como iluminar de que maneira as zonas de It also helps to understand how the interaction between the
interação entre as culturas do impresso e do manuscrito printing culture and the manuscript culture offered ways to
ofereciam um caminho para evitá-los. avoid those interferences.
Palavras-chave: Escrita conventual feminina. Keywords: Women’s conventual writing. Foundation
Livros de fundação. Publicação manuscrita. Portugal. books. Manuscript publication. Portugal. Early modern period.
Época moderna.

*
Doutor em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor substituto no Departamento de História da UFBA.
Esta tese recebeu menção honrosa no Prêmio Capes de teses em 2014. Endereço para correspondência: Rua Pancararé, 71 –
Piatã. Salvador-BA. CEP: 41650-640. morenopacheco@gmail.com.
Orientadora: Profa. Dra. Lígia Bellini (Universidade Federal da Bahia – UFBA). Data de defesa: 20 de Setembro de 2013.
**

Banca Examinadora: Profa. Dra. Leila Mezan Algranti (Universidade de Campinas – Unicamp), Profa. Dra. Zulmira C. Santos
(Universidade do Porto), Prof. Dr. Cândido da Costa e Silva (Universidade Católica do Salvador – UCSal), Prof. Dr. Evergton
Sales Souza (Universidade Federal da Bahia – UFBA).

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, jul./dez. 2014 245
SANTANA, Gean Paulo Gonçalves∗. Vozes e versos quilombolas: uma poética
identitária e de resistência em Helvécia. 2014. 265 f. Tese (Doutorado em Letras) –
Programa de Pós-Graduação em Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul – PUCRS∗∗, Porto Alegre, 2014.

Esta tese tem como objeto de estudo os cantos- ABSTRACT


-poemas, uma expressão poética oral do quilombo de
Helvécia, no Extremo Sul da Bahia. Registrar, descrever Voices and verses of escaped slaves: identity and resis-
e analisar essa poética no que traz de expressões que tance poetry in Helvécia
lidam com a representação da herança africana, suas This thesis has as its object of study song-poems, an oral
identidades, ressignificações e resistência se constituem poetic expression of Quilombo Helvécia , located in the ex-
objetivos norteadores desta tese. Tais cantos-poemas, treme south of Bahia. Record, describe and analyze the poetic
quando vocalizados pelas cantadoras ao toque do expressions that deal with the representation of African heri-
tambor deitado, ganham corpo, ritmo e significação tage, their identities, resignifications and resistance constitute
nas performances do bate-barriga, do embarreiro, nas the guiding objectives of this thesis. The song-poems when
litanias, ao explicitarem histórias ancestrais, louvores e voiced by specific female singers in the rhythm of drums
orações, conflitos, amores e trabalho. Destaca-se nesta beating take shape, rhythm and meaning in belly dance and
tese, o papel que o canto-poema revela, a partir de seus “embarreiro” performances, in the litanies by presenting an-
discursos poéticos e vozes sociais, em relação a Helvé- cestral stories, praises and prayers, conflicts, love and work. It
cia, sua história e sua gente, e a sua devida importância is highlighted in this thesis the role that the song-poem reveals,
no processo de reconhecimento quilombola. Esta tese, from its poetic discourses and social voices related to Helvécia,
no percurso da escrita, promove um diálogo direto entre its history and its people, and its importance in the recognition
os discursos das mulheres cantadoras e o aporte teórico, process of the “quilambola” culture. This thesis promotes a
assim como culminou com a produção de um DVD, para direct dialogue between the discourses of such women singers
demonstrar a performance tão importante da poética and the theoretical basis, and it culminated with a production
das mulheres cantadoras de Helvécia e a transcrição de of a DVD to demonstrate these women singers of Helvécia´s
todos os cantos-poemas por elas vocalizados, importante performance that is a very important poetic performance, and
destacar, registrados pela primeira vez. Os resultados da the transcription of every song-poem voiced by them. It is
pesquisa e as análises que sustentam esta tese dialogam important to mention that these poems were for the first time
com a concepção de alteridade, proposta por Bakhtin; recorded. The results of this research and the analyzes that
com as teorias da tradição viva, segundo Hampâté Bâ; a support this thesis dialogue with the conception of otherness
presença da voz e oralidade poética, em Paul Zumthor; proposed by Bakhtin; the theories of the living tradition, ac-
literalização da oralidade em Jean Derrive; conceito de cording to HampâtéBâ; the presence of voice and poetic orality
narrador e história, em Walter Benjamin; e em Walter in Paul Zumthor; the literalization of orality in Jean Derrive;
Ong, a psicodinâmica sobre a oralidade. the concept of narrator and story in Walter Benjamin; and the
Palavras-chave: Cantos-poemas. Tradição. Per- psychodynamics of orality of Walter Ong.
formances: bate-barriga e embarreiro. Poética oral de Keywords: Song-poems. Tradition. Performances: Belly
Helvécia. dances and embarreiro. Oral poetic of Helvécia.

*
Doutor em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) com a Universidade do Estado da
Bahia (UNEB) – Doutorado Interinstitucional (Dinter). Professor assistente do Campus XVIII da Universidade do Estado da
Bahia (UNEB).
**
Orientador: Dr. Antônio Hohlfeldt (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS). Data da defesa: 18 de
agosto de 2014. Banca examinadora: Dra. Maria da Glória Corrêa di Fanti (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul – PUCRS), Dr. Biagio D’Angelo (Universidade de Brasília – UnB), Dra. Sônia Queiroz (Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG), Dra. Lívia Alessandra Fialho da Costa (Universidade do Estado da Bahia – UNEB).

246 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, jul./dez. 2014
A Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade é um periódico temático e semestral,
que tem como objetivo incentivar e promover o intercâmbio de informações e resultados de estudos e
pesquisas de natureza científica, no campo da educação, em interação com as demais ciências sociais,
relacionando-se com a comunidade regional, nacional e internacional. Aceita trabalhos originais, que
analisam e discutem assuntos de interesse científico-cultural, e que sejam classificados em uma das
seguintes modalidades:
- ensaios: estudos teóricos, com análise de conceitos;
- resultados de pesquisa: texto baseado em dados de pesquisa;
- estudos bibliográficos: análise crítica e abrangente da literatura sobre tema definido;
- resenhas: revisão crítica de uma publicação recente;
- entrevistas com cientistas e pesquisadores renomados;
- resumos de teses ou dissertações.
Os trabalhos devem ser inéditos, não sendo permitido o encaminhamento simultâneo para outro pe-
riódico. A titulação mínima para os autores é o mestrado. Mestrandos podem enviar artigos desde que
em co-autoria com seus orientadores.
A revista recebe artigos redigidos em português, espanhol, francês e inglês, sendo que os pontos de
vista apresentados são da exclusiva responsabilidade de seus autores. Os originais em francês e inglês
poderão ser traduzidos para o português, com a revisão realizada sob a coordenação do autor ou de alguém
indicado por ele. Os autores e co-autores que tiveram artigos publicados devem ficar com um intervalo
de dois números sem publicar. Os textos não devem exceder a três autores.
Os temas dos futuros números e os prazos para a entrega dos textos são publicados nos últimos
números da revista, assim como no site www.revistadafaeeba.uneb.br, ou podem ser informados pelo
editor executivo a pedido. Também será publicada, em cada número, a lista dos periódicos com os quais
a Revista da FAEEBA mantém intercâmbio.

Os textos recebidos são apreciados inicialmente pelo editor executivo, que enviará aos autores a
confirmação do recebimento. Se forem apresentados de acordo com as normas da Revista da FAEEBA:
Educação e Contemporaneidade, serão encaminhados para os membros do Conselho Editorial ou para
pareceristas ad hoc de reconhecida competência na temática do número, sem identificação da autoria
para preservar isenção e neutralidade de avaliação.
Os pareceres têm como finalidade atestar a qualidade científica dos textos para fins de publicação e
são apresentados de acordo com as quatro categorias a seguir: a) publicável sem restrições; b) publicável
com restrições; c) publicável com restrições e sugestões de modificações, sujeitas a novo parecer; d) não
publicável. Os pareceres são encaminhados para os autores, igualmente sem identificação da sua autoria.
Os textos com o parecer b) ou c) deverão ser modificados de acordo com as sugestões do conselheiro
ou parecerista ad hoc, no prazo a ser definido pelo editor executivo, em comum acordo com o(s) autor(es).
As modificações introduzidas no texto, com o parecer b), deverão ser colocadas em vermelho, para efeito
de verificação pelo editor executivo.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, jul./dez. 2014 247
Após a revisão gramatical do texto, a correção das referências e a revisão das partes em inglês, o(s)
autor(es) receberão o texto para uma revisão final no prazo de sete dias, tendo a oportunidade de introduzir
eventuais correções de pequenos detalhes.

O encaminhamento dos textos para a revista implica a autorização para publicação. A aceitação da
matéria para publicação implica na transferência de direitos autorais para a revista. A reprodução total ou
parcial (mais de 500 palavras do texto) requer autorização por escrito da comissão editorial. Os autores
dos textos assumem a responsabilidade jurídica pela divulgação de entrevistas, depoimentos, fotografias
e imagens.
Sendo a Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade um periódico temático, será dada pre-
ferência à publicação de textos que têm relação com o tema de cada número. Os outros textos aprovados
somente serão publicados numa seção especial, denominada Estudos, na medida da disponibilidade de
espaço em cada número, ou em um futuro número, quando sua temática estiver de acordo com o conteúdo
do trabalho. Se, depois de um ano, não surgir uma perspectiva concreta de publicação do texto, este pode
ser liberado para ser publicado em outro periódico, a pedido do(s) autor(es).
O autor principal de um artigo receberá três exemplares da edição em que este foi publicado. Para o
autor de resenha ou resumo de tese ou dissertação será destinado um exemplar.

Os textos devem ser encaminhados para a Plataforma www.revistadafaeeba.uneb.br e para o endereço


eletrônico do editor executivo (fialho2021@gmail.com / livia.fialho@yahoo.com.br). O mesmo proce-
dimento deve ser adotado para os contatos posteriores. Ao encaminhar o texto, neste devem constar: a) a
indicação de uma das modalidades citadas no item I; b) a garantia de observação de procedimentos éticos;
c) a concessão de direitos autorais à Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade.
Os trabalhos devem ser apresentados segundo as normas definidas a seguir:
1. Na primeira página devem constar: a) título do artigo; b) nome(s) do(s) autor(es), endereços
residencial (somente para envio dos exemplares dos autores) e institucional (publicado junto com os
dados em relação a cada autor), telefones (para contato emergencial), e-mail; c) titulação principal; d)
instituição a que pertence(m) e cargo que ocupa(m).
2. Resumo, Abstract e Resumen: cada um com no máximo 200 palavras, incluindo objetivo, método,
resultado e conclusão. Logo em seguida, as Palavras-chave, Keywords e Palabras clave, cujo número
desejado é de, no mínimo, três e, no máximo, cinco. Traduzir, também, o título do artigo e do resumo, assim
como do trabalho resenhado. Atenção: cabe aos autores entregar traduções em inglês de boa qualidade.
3. As figuras, gráficos, tabelas ou fotografias (em formato TIF, cor cinza, dpi 300), quando apresen-
tados em separado, devem ter indicação dos locais onde devem ser incluídos, ser titulados e apresentar
referências de sua autoria/fonte. Para tanto, devem seguir a Norma de apresentação tabular, estabelecida
pelo Conselho Nacional de Estatística e publicada pelo IBGE em 1979.
4. Sob o título Referências deve vir, após a parte final do artigo, em ordem alfabética, a lista dos
autores e das publicações conforme as normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas).
Vide os seguintes exemplos:
a) Livro de um só autor:
BENJAMIM, Walter. Rua de mão única. São Paulo: Brasiliense, 1986.
b) Livro até três autores:
NORTON, Peter; AITKEN, Peter; WILTON, Richard. Peter Norton: a bíblia do programador. Tra-
dução de Geraldo Costa Filho. Rio de Janeiro: Campos, 1994.

248 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, jul./dez. 2014
c) Livro de mais de três autores:
CASTELS, Manuel et al. Novas perspectivas críticas em educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
d) Capítulo de livro:
BARBIER, René. A escuta sensível na abordagem transversal. In: BARBOSA Joaquim (Org.). Mul-
tirreferencialidade nas ciências e na educação. São Carlos: EdUFSCar, 1998. p. 168-198.
e) Artigo de periódico:
MOTA, Kátia Maria Santos. A linguagem da vida, a linguagem da escola: inclusão ou exclusão? uma
breve reflexão lingüística para não lingüistas. Revista da FAEEBA: educação e contemporaneidade,
Salvador, v. 11, n. 17, p. 13-26, jan./jun. 2002.
f) Artigo de jornais:
SOUZA, Marcus. Falta de qualidade no magistério é a falha mais séria no ensino privado e público.
O Globo, Rio de Janeiro, 06 dez. 2001. Caderno 2, p. 4.
g) Artigo de periódico (formato eletrônico):
TRINDADE, Judite Maria Barbosa. O abandono de crianças ou a negação do óbvio. Revista Brasileira de
História, São Paulo, v. 19, n. 37, 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 14 ago. 2000.
h) Livro em formato eletrônico:
SÃO PAULO (Estado). Entendendo o meio ambiente. São Paulo, 1999. v. 3. Disponível em: <http://
www.bdt.org.br/sma/entendendo/atual/htm>. Acesso em: 19 out. 2003.
i) Decreto, Leis:
BRASIL. Decreto n. 89.271, de 4 de janeiro de 1984. Dispõe sobre documentos e procedimentos para
despacho de aeronave em serviço internacional. Lex: coletânea de legislação e jurisprudência, São
Paulo, v. 48, p. 3-4, jan./mar, 1984. Legislação Federal e marginalia.
j) Dissertações e teses:
SILVIA, M. C. da. Fracasso escolar: uma perspectiva em questão. 1996. 160 f. Dissertação (Mestra-
do) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1996.
k) Trabalho publicado em Congresso:
LIMA, Maria José Rocha. Professor, objeto da trama da ignorância: análise de discursos de autorida-
des brasileiras, no império e na república. In: ENCONTRO DE PESQUISA EDUCACIONAL DO
NORDESTE: história da educação, 13, 1997. Natal. Anais... Natal: EDURFRN, 1997. p. 95-107.
IMPORTANTE: Ao organizar a lista de referências, o autor deve observar o correto emprego da
pontuação, de maneira que esta figure de forma uniforme.
5. O sistema de citação adotado por este periódico é o de autor-data, de acordo com a NBR 10520
de 2003. As citações bibliográficas ou de site, inseridas no próprio texto, devem vir entre aspas ou,
quando ultrapassa três linhas, em parágrafo com recuo e sem aspas, remetendo ao autor. Quando o autor
faz parte do texto, este deve aparecer em letra cursiva e submeter-se aos procedimentos gramaticais da
língua. Exemplo: De acordo com Freire (1982, p.35), etc. Já quando o autor não faz parte do texto, este
deve aparecer no final do parágrafo, entre parênteses e em letra maiúscula, como no exemplo a seguir:
A pedagogia das minorias está à disposição de todos (FREIRE, 1982, p.35). As citações extraídas de
sites devem, além disso, conter o endereço (URL) entre parênteses angulares e a data de acesso. Para
qualquer referência a um autor deve ser adotado igual procedimento. Deste modo, no rodapé das páginas
do texto devem constar apenas as notas explicativas estritamente necessárias, que devem obedecer à
NBR 10520, de 2003.
6. As notas numeradas devem vir no rodapé da mesma página em que aparecem, assim como os
agradecimentos, apêndices e informes complementares.
7. Os artigos devem ter, no máximo, 50 mil caracteres com espaços e, no mínimo, 30 mil caracteres
com espaços; as resenhas podem ter até 20 mil caracteres com espaço. Os títulos devem ter no máximo 90
caracteres, incluindo os espaços. Os resumos de teses/dissertações devem ter, no máximo, 250 palavras,

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, jul./dez. 2014 249
e conter título, número de folhas, autor (e seus dados), palavras-chave, orientador, banca, instituição, e
data da defesa pública, assim como a tradução em inglês do título, resumo e das palavras-chave.
8-As referências bibliográficas devem listar somente os autores efetivamente citados no corpo do texto.
Atenção: os textos só serão aceitos nas seguintes dimensões no processador Word for Windows ou
equivalente:
• letra: Times New Roman 12
• tamanho da folha: A4
• margens: 2,5 cm
• espaçamento entre as linhas: 1,5;
• parágrafo justificado.
Os autores são convidados a conferir todos os itens das Normas para Publicação antes de encaminhar
os textos. Deste modo, será mais rápido o processo de avaliação e possível publicação.

Para contatos e informações:

Administração:
Secretária: Dinamar Ferreira
E-mail: dferreira@uneb.br
Tel. 71.3117.2316

Editor Geral:
Eduardo Fernandes Nunes
E-mail: eduardo_nns@yahoo.com

Editora Executiva:
Lívia Fialho Costa
E-mail: fialho2021@gmail.com
livia.fialho@yahoo.com.br

Site da Revista da FAEEBA: www.revistadafaeeba.uneb.br

250 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, jul./dez. 2014
The Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade is a thematic and semestral periodic
which have for objective to stimulate and promote the exchange of informations and of results of scien-
tific research, in the field of education, interacting with the other social sciences, interconnected to the
regional, national and international community.
The Revista da FAEEBA receive only original works which analyze and discuss matters of scientific
and cultural interest and that can be classified according to one of the following modalities:
- essays: theoretical studies with analysis of concepts;
- research results: text based on research data
- reviews of literatures: ample critical analysis of the literature upon some specific theme;
- critical review of a recent publication;
- interviews with recognized researchers;
- abstract of PhD and master thesis.
Submitted works should be unpublished and should not be submitted simultaneously to other journal.
Papers written in Portuguese, Spanish, French and English are received. Views published remain their
authors’ responsibility. Texts originally in French and English may be translated into Portuguese and
published after a revision made by the author or by someone he has suggested. Authors who published
in this journal should wait two volumes to become newly authorized to publish. No paper should have
more than 3 authors.
Themes and terms of the futures volumes are published in the last volumes are also available on-line
at www.revistadafaeeba.uneb.br. In each volume, appears also the list of academic journals with which
the Revista da FAEEBA have established cooperation.

Texts submitted are initially appreciated by the Editor which will confirm reception. If they are edited
in accordance with the norms, they will be sent, anonymously so to assure neutrality, to other member
of the editorial committee or to ad hoc evaluators of known competence .
Evaluators’ reports will confer the submitted work scientific quality and class them in four categories:
a) publishable without restrictions b) publishable with restrictions; c) publishable with restrictions and
modifications after new evaluation; d) unpublishable. Evaluators’ reports are sent anonymously to the
authors.
In the b) or c) case, the works should be modified according to the report’ suggestion in the terms
determined by the editor in agreement with the authors. Modifications made should appear in red so as
to permit verification.
After the grammatical revision of the text, the correction of the bibliography, and the revision of the
part in English, the authors(s) will receive the text for an ultimate opportunity to make small corrections
in a week.

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, jul./dez. 2014 251
Submitting text to the journal means authorizing for publication. Accepting a text for publication imply
the transfer of copyrights to the journal. Whatever complete or partial reproduction (more than 500 hun-
dreds words) requires the written authorization of the editorial committee. Papers’ authors should assume
juridical responsibility for divulging interviews, photographies or images. As the Revista da FAEEBA:
Educação e Contemporaneidade is a periodic journal, preference will be given to the publication of texts
related to the theme of each volume. Other selected approved text may only be published in a special
section called Studies depending of available space in each volume or in a future volume more in touch
with the text content. If, after a year, no possibility of a publication emerges, the text can be liberated for
publication in another journal if this is the will of the author.
The main author of a paper will receive three copies of the volume in which his paper was published.
The author of an abstract or a review will receive one.

Texts as well as ulterior communication should be sent exclusively to the e-mail address of the editor
(liegefornari@gmail.com/ lsitja@uneb.br ). In should be explicited initially a) at which modality the
text pertains; b) ethical procedures; c) copyrights concession to the Revista da FAEEBA: Educação e
Contemporaneidade.
Works should respect the following norms:
1. In the first page, should appear: a) the paper’s title; b) authors’ name, address, telephones, e-mail;
c) main title; d) institutional affiliation and post.
2. Resumo, Abstract and Resumen: each with no more than 200 words including objective, method,
results and conclusion. Immediately after, the Palavras-chave, Keywords and Palabras clave, which
desired number is between 3 and 5. Authors should submit high quality translation.
3. Figures, graphics, tables and photographies (TIF, grey, dpi 300), if presented separately should
come with indication of their localization in the text, have a title and indicates author and reference. In
this sense, the tabular norms of tabular presentation, established by the Brazilian Conselho Nacional de
Estatística and published by the IBGE in 1979.
4. Under the title Referências should appear, at the end of the paper, in alphabetic order, the list of
authors and publication according to the norms of the ABNT (Associação Brasileira de Normas Técni-
cas). See the following examples:
a) Book of one author only:
BENJAMIM, Walter. Rua de mão única. São Paulo: Brasiliense, 1986.
b) Book of two or three authors:
NORTON, Peter; AITKEN, Peter; WILTON, Richard. Peter Norton: a bíblia do programador. Tra-
dução de Geraldo Costa Filho. Rio de Janeiro: Campos, 1994.
c) Book of more than three authors:
CASTELS, Manuel et al. Novas perspectivas críticas em educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
d) Book chapter:
BARBIER, René. A escuta sensível na abordagem transversal. In: BARBOSA Joaquim (Org.). Mul-
tirreferencialidade nas ciências e na educação. São Carlos: EdUFSCar, 1998. p. 168-198.
e) Journal’s paper:
MOTA, Kátia Maria Santos. A linguagem da vida, a linguagem da escola: inclusão ou exclusão? uma
breve reflexão lingüística para não lingüistas. Revista da FAEEBA: educação e contemporaneidade,
Salvador, v. 11, n. 17, p. 13-26, jan./jun. 2002.

252 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, jul./dez. 2014
f) Newspaper:
SOUZA, Marcus. Falta de qualidade no magistério é a falha mais séria no ensino privado e público.
O Globo, Rio de Janeiro, 06 dez. 2001. Caderno 2, p. 4.
g) On-line paper :
TRINDADE, Judite Maria Barbosa. O abandono de crianças ou a negação do óbvio. Revista Brasileira de
História, São Paulo, v. 19, n. 37, 1999. Available at: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 14 ago. 2000.
h) E-book:
SÃO PAULO (Estado). Entendendo o meio ambiente. São Paulo, 1999. v. 3. Disponível em: <http://www.
bdt.org.br/sma/entendendo/atual/htm>. Acesso em: 19 out. 2003.
i) Laws:
BRASIL. Decreto n. 89.271, de 4 de janeiro de 1984. Dispõe sobre documentos e procedimentos para
despacho de aeronave em serviço internacional. Lex: coletânea de legislação e jurisprudência, São Paulo,
v. 48, p. 3-4, jan./mar, 1984. Legislação Federal e marginalia.
j) Thesis:
SILVIA, M. C. da. Fracasso escolar: uma perspectiva em questão. 1996. 160 f. Dissertação (Mestra-
do) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1996.
k) Congress annals:
LIMA, Maria José Rocha. Professor, objeto da trama da ignorância: análise de discursos de autori-
dades brasileiras, no império e na república. In: ENCONTRO DE PESQUISA EDUCACIONAL DO
NORDESTE: história da educação, 13, 1997. Natal. Anais... Natal: EDURFRN, 1997. p. 95-107.
IMPORTANT: Organizing references, the author should take care of punctuation correct use, so as
to preserve uniformity.
5. This journal use the author-date quote system, according to the NBR 10520 de 2003. Biblio-
graphical quotes or quotes from on-line publications, if inserted into the text, should appear between
quotation marks or if the quotation is more than three lines long, distanced and without quotation marks
with author reference. Examples: 1- According to Freire (1982: p.35), etc. 2-Minority pedagogy is for
all (Freire, 1982, p.35). On-line quotes should indicate the URL and access date. Footnotes should only
contain explanatory notes strictly necessary respecting the NBR 10520, of 2003.
6. Texts can contain footnotes, thanks, annexes and complementary informations.
7. Papers should have no more than 50.000 characteres and no less than 20.000 characteres includ-
ing spaces. Titles should have no more than 90 characteres including spaces. Reviews are limited to 5
pages. Thesis abstracts should contain no more than 250 words and should include title, number of page,
author data, key-words, name of the director and university affiliation, as well as the date of the defense
and the English translation of text, abstract and key-words.
Look out: texts will only be accepted formated in Word for Windows or equivalent:
• font: Times New Roman 12
• paper dimension: A4
• margins: 2,5 cm
• line spacing: 1,5;
• paragraph justified.
Authors are invited to check the norms for publication before sending their work. It will ease the
process of evaluation and facilitate an eventual publication.
Contact and informations:
Secretary: Dinamar Ferreira - Email: dferreira@uneb.br - Tel. 71.3117.2316
General Editor: Eduardo Fernandes Nunes - E-mail: eduardo_nns@yahoo.com
Executive Editor: Lívia Fialho Costa - E-mail: fialho2021@gmail.com
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