Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Reitora: Ivete Alves do Sacramento; Vice-Reitor: Monsenhor Antônio Raimundo dos Anjos
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS I
Diretora: Ângela Maria Camargo Rodrigues; Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade – PEC/
UNEB – Coordenadora: Jaci Maria Ferraz de Menezes
COMISSÃO DE EDITORAÇÃO
Editora Geral: Yara Dulce Bandeira de Ataide
Editor Executivo: Jacques Jules Sonneville
Editora Administrativa: Maria Nadja Nunes Bittencourt
CONSELHO CONSULTIVO: Ângela Maria Camargo Rodrigues (UNEB), Alexandre Tocchetto Pauperio (FAPESB),
Edivaldo Machado Boaventura (A Tarde), Jaci Maria Ferraz de Menezes (UNEB), Lourisvaldo Valentim (UNEB),
Cesário Francisco das Virgens (UNEB), Marcel Lavallée (Université de Québec), Nadia Hage Fialho (UNEB), Robert
E. Verhine (UFBa).
CONSELHO EDITORIAL
Conselheiros nacionais Maria Nadja Nunes Bittencourt
Adélia Luiza Portela Universidade do Estado da Bahia
Universidade Federal da Bahia Nadia Hage Fialho
Cipriano Carlos Luckesi Universidade do Estado da Bahia
Universidade Federal da Bahia Paulo Batista Machado
Edivaldo Machado Boaventura Universidade do Estado da Bahia
Universidade Federal da Bahia Raquel Salek Fiad
Jaci Maria Ferraz de Menezes Universidade de Campinas
Universidade do Estado da Bahia Robert Evan Verhine
Jacques Jules Sonneville Universidade Federal da Bahia
Universidade do Estado da Bahia Walter Esteves Garcia
João Wanderley Geraldi Associação Brasileira de Tecnologia Educacional /
Universidade de Campinas Instituto Paulo Freire
Ivete Alves do Sacramento Yara Dulce Bandeira de Ataíde
Universidade do Estado da Bahia Universidade do Estado da Bahia
Jonas de Araújo Romualdo Conselheiros internacionais
Universidade de Campinas Antônio Gomes Ferreira
José Carlos Sebe Bom Meihy Universidade de Coimbra, Portugal
Universidade de São Paulo Edmundo Anibal Heredia
José Crisóstomo de Souza Universidade Nacional de Córdoba, Argentina
Universidade Federal da Bahia Ellen Bigler
Kátia Siqueira de Freitas Rhode Island College, USA
Universidade Federal da Bahia Luís Reis Torgal
Marcos Silva Palácios Universidade de Coimbra, Portugal
Universidade Federal da Bahia Marcel Lavallée
Maria José Palmeira Université du Québec à Montréal, Canada
Universidade do Estado da Bahia e Universidade Mercedes Vilanova
Católica de Salvador Universidade de Barcelona, España
Maria Luiza Marcílio Rosalba Guerini
Universidade de São Paulo Universidade de Pádova, Itália
Pareceristas ad hoc (n.22): Alexandra Lilaváti Pereira Okada (PUC-SP), Alfredo Matta, Arnaud Lima Junior, Cristina
d´Ávila, Lynn Alves (UNEB), Marco Silva (UERJ), Edméa Oliveira dos Santos, Marcos Palácios (UFBa).
Equipe de produção deste número:
Jacques Jules Sonneville (organização); Regina Helena Araújo Soares (revisão); Débora Toniolo Rau (bibliotecária); Éric
Maheu (versão para o inglês); Uilson Moraes (capa); Joseh Caldas (editoração); Elen Barbosa Simplício (estagiária).
Revista financiada com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa da Estado da Bahia – FAPESB e do
Departamento de Educação I da UNEB
ISSN 0104-7043
Revista da FAEEBA
Educação
e Contemporaneidade
CDD: 370.5
CDU: 37(05)
249 Editorial
250 Temas e prazos dos próximos números da Revista da FAEEBA – Educação e
Contemporaneidade
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 241-474, jul./dez., 2004
385 A utilização do chat como ferramenta didática
Luís Paulo Leopoldo Mercado
401 Tecnologias intelectuais e educação: explicitando o princípio proposicional/hipertextual como
metáfora para educação e o currículo
Arnaud S. de Lima Junior
417 Idéias sobre currículo, caminhos e descaminhos de um labirinto
Edméa Oliveira dos Santos
431 Tecnologias para a colaboração
Alfredo Eurico Rodrigues Matta
441 Trabalho, qualificação, ciência e tecnologia no mundo contemporâneo: fundamentos teóricos
para uma análise da política de educação profissional
José dos Santos Souza
455 O educador na contemporaneidade: formação e profissão
Jacques Jules Sonneville
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 241-474, jul./dez., 2004
SUMMARY
249 Editorial
250 Themes and Time Limit to Submit Manuscript for the Next Volumes of Revista da FAEEBA
– Education and Contemporaneanity
253 Information and Communication Technologies and the Possibilities for Interactivity in
Education
Simone de Lucena Ferreira; Lucídio Bianchetti
265 Shared knowledge in the collaborative space of virtual learning communities
Cristina d’Ávila
275 Tutorships: the Faces of Online Education
Ana María Schmid
287 Teacher’s Blogs: Stories which Intersect in Learning Society
Adriane Lizbehd Halmann
297 Identity-difference, Information and Communication Technologies and groups culture: the
interstitial contexts as agents of change
Daniela Maria Barreto Martins
305 Virtual Learning Communities – VLCs: a Vision of an Interactive Learning Environment
Annelisse Rettori; Helen Guimarães
313 Computer and Internet in Basic Education: a New Frame for Learning’s Autonomy?
Lúcia Regina Goulart Vilarinho; Fátima Pinto Gomes
327 Pedagogical Mediation and Information and Communication Technologies: a Way through
Digital Inclusion?
Alexandra Okada
341 Interactivity in Online Pedagogical Practice: Relating an Experience
Cláudia Regina Dantas Aragão
353 The Computer in Teenagers’ Development Process: the Experience of the Vida Project
Eunides Nogueira Santos; Warlley Ferreira Sahb
365 Electronic Games and Violence: a Kaleidoscope of Images
Lynn Alves
375 To set up an online radio in school: interactivity and cooperation in a Learning Environment
Siddharta Fernandes; Marco Silva
385 Chat as a Didactic Tool
Luís Paulo Leopoldo Mercado
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 241-474, jul./dez., 2004
401 Intellectual Technologies and Education: Making more explicit the Propositional and
Hypertextual Principles as a Metaphor for Education and Curriculum
Arnaud S. de Lima Junior
417 Labyrinthic Ideas about Curriculum
Edméa Oliveira dos Santos
431 Technologies Made for Collaboration
Alfredo Eurico Rodrigues Matta
441 Work, qualification science and technology in the contemporary world: a theoretical
framework for an analysis of the politics of professional education
José dos Santos Souza
455 The Contemporaneous Educator: Formation and Profession
Jacques Jules Sonneville
THESIS ABSTRACTS
469 The Knowledge of Oneself: Narratives of School Itinerary and Teachers’ Formation. Ph.D.
Thesis. UFBA, Salvador, 2004.
Elizeu Clementino de Souza
470 Interactivity in Online Pedagogical Practice. A Case Study from the Course: Learning
Communities and Online Teaching. Master thesis. UNEB, Salvador, 2004.
Cláudia Regina Dantas Aragão
471 Professional Development and Pedagogical Practice: a Study upon the permanent Formation
of Teachers in the city of Alagoinhas, Bahia, Brazil. Master thesis. UNEB, Salvador, 2004.
Gerusa Oliveira Moura
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 241-474, jul./dez., 2004
EDITORIAL
EDUCAÇÃO E NOVAS TECNOLOGIAS é o tema do número 22 da
Revista da FAEEBA – EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE. Sem
dúvida, a introdução maciça da informática em todos os níveis da sociedade
abriu espaço para um novo modo de viver e de pensar a educação. Devido à
atualidade da temática, esperávamos receber um bom número de contribuições.
De fato, chegaram textos de todos os estados do Brasil e até do exterior
(Argentina), tendo como autores doutores(as), doutorandos(as), mestres e
mestrandos(as), e até graduandos(as), demonstrando que a temática está sendo
objeto de pesquisa em todos os níveis da academia.
Mas recebemos e foram aprovados tantos artigos, que fomos obrigados a
selecionar uma primeira parte para ser publicada neste número 22, tendo como
único critério a disponibilidade imediata dos textos, e a deixar o restante para
uma próxima edição sobre o mesmo tema, junto com outros estudos. Dividimos
os textos desta edição em três blocos.
O primeiro consiste em seis artigos que analisam propostas para o desenvol-
vimento de uma outra educação, propiciada pelas tecnologias da informação e
da comunicação. A temática dos textos é construída a partir de alguns conceitos
básicos sobre o uso das novas tecnologias na educação, tais como: interativida-
de; aprendizagem colaborativa; tutoria; diários eletrônicos; identidade; ambien-
tes virtuais de aprendizagem. Deram origem aos seguintes artigos: 1) As tecno-
logias da informação e da comunicação e as possibilidades de interativi-
dade para a educação; 2) Conhecimento compartilhado no espaço
colaborativo das comunidades virtuais de aprendizagem; 3) Tutoría: los
rostros de la educación a distancia; 4) Diários (eletrônicos) de profes-
sores: histórias que se cruzam na sociedade aprendente; 5) Identidade-
diferença, novas TICs e a cultura dos grupos: os contextos intersticiais
como agentes de transformação; e 6) Comunidades virtuais de aprendiza-
gem – CVAs: uma visão dos ambientes interativos de aprendizagem.
O segundo bloco contém sete textos, desta vez dedicados à descrição e
análise de pesquisas, experiências ou projetos, em que se mostra como o uso
das novas tecnologias de informação e comunicação de fato leva a uma nova
abordagem da prática educativa. Os textos mostram, por exemplo, como
computador e rede no ensino fundamental levam a uma outra dimensão
para a autonomia na aprendizagem; ou que mediação pedagógica e
tecnologias de comunicação e informação são um caminho para inclusão
digital. Um terceiro texto faz um relato da experiência sobre a interatividade
na prática pedagógica online; enquanto outro descreve o uso do
computador no processo de desenvolvimento dos adolescentes, segundo
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, jul./dez., 2004 249
a experiência do Projeto Vida. O bloco finaliza com três temas bem
específicos, a saber: jogos eletrônicos e violência; criação e desenvolvimento
de uma rádio online na escola; e a utilização do chat como ferramenta
didática.
O terceiro e último bloco consiste em cinco artigos, que colocam o tema
das novas tecnologias num contexto mais amplo, como: o currículo na educação,
a evolução do modelo capitalista contemporâneo e a profissionalização do
educador. Assim temos: 1) Tecnologias intelectuais e educação: explicitando
o princípio proposicional/hipertextual como metáfora para educação e o
currículo; 2) Idéias sobre currículo, caminhos e descaminhos de um labirin-
to; 3) Tecnologias para a Colaboração; 4) Trabalho, qualificação, ciência
e tecnologia no mundo contemporâneo: fundamentos teóricos para uma
análise da política de educação profissional; e 5) O educador na contempo-
raneidade: formação e profissão.
Os leitores já perceberam que, no decorrer dos dezoito textos, alguns temas
e conceitos deverão ser repetidos, sendo tratados sob diversos ângulos, de
acordo com o enfoque que lhes é dado. Assim terão a oportunidade de comparar
as diversas abordagens do uso das novas tecnologias na educação, mostrando
como, junto com a interconexão mundial dos computadores, a tecnologia digital
e online criou um novo ambiente comunicacional, abrindo um novo espaço de
comunicação, organização e informação, com conseqüências profundas para
a produção do conhecimento e a prática educacional.
1
O n. 23 terá os demais artigos do tema Novas Tecnologias e um Dossiê sobre História Oral,
com previsão de lançamento em julho 2005.
250 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, jul./dez., 2004
Simone de Lucena Ferreira; Lucídio Bianchetti
RESUMO
Por meio deste artigo, objetivamos discutir sobre a interatividade presente
propiciada pelas tecnologias da informação e da comunicação como elemento
determinante para o desenvolvimento de uma outra educação, seja ela
presencial, semi-presencial ou a distância. Ressaltamos que a tecnologia por si
só não irá transformar o modelo de educação tradicional ainda presente nos
dias atuais. O desenvolvimento de uma outra educação mais interativa depende
muito mais de uma mudança na lógica de comunicação do professor do que
dos meios tecnológicos de que ele possa vir a dispor e utilizar no processo de
aprendizagem. Em síntese: as tecnologias podem constituir-se em condição
necessária, mas certamente não suficientes para garantir a interatividade.
Palavras-chave: Educação – Interatividade – Tecnologias da Informação e
Comunicação
ABSTRACT
INFORMATION AND COMMUNICATION TECHNOLOGIES AND
THE POSSIBILITIES FOR INTERACTIVITY IN EDUCATION
This paper aims at discussing the present interactivity established by the
information and communication technologies, as a determinant element to develop
another Education, which could be traditional, on line or in between. We stress
that technology alone will not transform the prevalent model of Education.
Another kind of education depends more of a transformation in the teacher
communication logic than in the technological tools he or she may use in the
learning process. We conclude that technologies constitute a necessary condition
but are in themselves insufficient to assure interactivity.
Keywords: Education – Interactivity – Information and Communication
Technologies
* Doutoranda em Educação na UFBA; Mestre em Educação pela UFSC; professora da Faculdade Hélio Rocha no curso
de Comunicação Social: Produção Editorial, Salvador/BA; professora do Núcleo de Tecnologia Educacional NTE2 da
Secretaria de Educação do Estado da Bahia. Endereço para correspondência: Faculdade de Educação / UFBA, Programa
de Pós-graduação, Avenida Reitor Miguel Calmon s/n, Campus Canela – 40110-100 Salvador/ BA. E-mail: slucen@ufba.br
** Doutor em História e Filosofia da Educação pela PUC/SP; Mestre em Educação pela PUC/RJ; professor no Centro
de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, SC. Endereço para correspondência: Universidade
Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Educação, Caixa Postal 476 – 88040-900 Florianópolis/SC.
E-mail: lucidiob@uol.com.br
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 253-263, jul./dez., 2004 253
As tecnologias da informação e da comunicação e as possibilidades de interatividade para a educação
254 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 253-263, jul./dez., 2004
Simone de Lucena Ferreira; Lucídio Bianchetti
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 253-263, jul./dez., 2004 255
As tecnologias da informação e da comunicação e as possibilidades de interatividade para a educação
256 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 253-263, jul./dez., 2004
Simone de Lucena Ferreira; Lucídio Bianchetti
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 253-263, jul./dez., 2004 257
As tecnologias da informação e da comunicação e as possibilidades de interatividade para a educação
cional e uma outra educação que poderá ser servirão apenas para ilustrar as velhas práticas
presencial, semi-presencial ou a distância, mas pedagógicas. (PRETTO, 1996).
que perceba o aluno como sujeito interagente Desde 1996, quando a atual Lei de Diretrizes
do processo de construção de conhecimentos. e Bases (LDB) da educação nacional entrou
em vigor, as instituições de ensino passaram a
contar com a possibilidade de oferecer cursos
A interatividade na educação de educação a distância em todos os níveis de
a distância ensino. Esta mesma lei também estabeleceu que
todos os professores de ensino fundamental e
A análise de alguns cursos a distância, dispo- médio deveriam ter curso superior e, para
níveis na internet, permite-nos perceber que aqueles que ainda não o possuíam, foi dado um
quase todos eles utilizam, no processo ensino- prazo relativamente curto para a sua realização.
aprendizagem, a lógica tradicional e linear de Nesse contexto, os cursos de EAD passaram a
transmissão de conteúdos. Assim sendo, vimos ser uma alternativa para o cumprimento da lei.
páginas web com conteúdos seqüenciais que, Nos últimos anos, temos percebido um
em alguns casos, oferecem um hipertexto aumento no número de cursos de EAD. Hoje o
fechado onde o aluno não tem a possibilidade Brasil possui cerca de 84.713 alunos5 freqüen-
de participar e intervir. tando cursos virtuais. Deste total, 54.757 pes-
Os cursos de EAD no Brasil, com a utili- soas estão em cursos autorizados pelo MEC,
zação de aparatos tecnológicos, tiveram seu iní- enquanto os demais estão matriculados em
cio por meio de transmissões via rádio e poste- cursos autorizados por conselhos estaduais de
riormente via TV, visando promover a qualifica- educação. Atualmente uma das metas do Minis-
ção profissional de trabalhadores que moravam tério da Educação é ampliar este número, aten-
distante das instituições escolares. Esses proje- dendo a alunos de diversos níveis de ensino, pois,
tos tinham uma perspectiva de auto-aprendi- do ponto de vista do ministério, a EAD é uma
zagem. Programas utilizando conjuntamente das formas de diminuir a exclusão social e digital
vídeo e TV só começaram a aparecer a partir do país. Nessa empreitada, articulam-se institui-
da década de 1980. Outros, utilizando tecnolo- ções públicas e privadas, oferecendo variados
gias mais atuais como CD-ROM e internet, cursos que utilizam os mais diferentes meios de
começam a surgir a partir do início dos anos comunicação a distância, como telefone, fax,
1990, porém com a mesma perspectiva dos material impresso, internet, TV e vídeo. Ainda
primeiros3. há, no entanto, muitas interferências de ordem
Uma das instituições pioneiras em cursos de tecnológica, organizacional e política. Nesta
EAD no Brasil foi o Instituto Universal Brasi- última perspectiva, percebe-se que a indicação
leiro4, que, desde a década de 1940 do século para uma padronização do ensino no sentido de
passado, realizava as aulas por correspondência; torná-lo universal está vinculada a diretrizes
o aluno recebia o material didático em casa, políticas internacionais recomendadas por insti-
respondia às questões e mandava-as de volta tuições financeiras, como o Banco Mundial
ao Instituto. Hoje, essa mesma instituição utiliza (BIRD), para os países menos desenvolvidos
a internet para oferecer cursos a distância com como o Brasil. Essas indicações feitas pelas
a mesma perspectiva anterior. As aulas restrin-
gem-se à leitura de textos e resolução de ques- 3
Alves e Nova (2003) apresentam uma coletânea de textos
tionários. Podemos perceber que esta é uma que trata da EAD. Nesta obra, há um texto nosso, onde
analisamos o uso da Internet na construção do conheci-
forma de subutilizar a internet e de torná-la mento (FERREIRA, 2003).
apenas um instrumento didático motivador de 4
Disponível em: http://www.uniub.com.br, acessado em: 23
aulas tradicionais. Se o paradigma educacional fev. 2004.
5
Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/useg/eco-
não muda, possibilitando ao sujeito ser autor e nomia/mundovirtual/artigo/0,,1099812,00.html, acessado
construtor do seu conhecimento, então as TIC em: 20 fev. 2003.
258 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 253-263, jul./dez., 2004
Simone de Lucena Ferreira; Lucídio Bianchetti
agências financeiras interferem na soberania formando uma teia, onde os conhecimentos são
nacional e desrespeitam os direitos de cidadania, permanentemente (re)construídos, a partir das
pois elas retiram o caráter educativo de ensino, inter-relações entre os sujeitos.
tornando-o um processo rápido e de baixo custo É possível afirmar que, com as tecnologias
(FONSECA, 1999). já disponibilizadas, as páginas criadas na internet
Atualmente, as indicações do Banco Mundial podem conter uma outra lógica, mais interativa,
para a formação de professores apontam para sendo a todos possibilitado interagir com todos;
a necessidade de que sejam organizados cursos em que cada sujeito possa, além de acessar
em forma de treinamento, mais aligeirados e informações, disponibilizar também as suas pro-
também mais baratos, ao invés de uma forma- duções, partilhando, trocando, intervindo na
ção stricto sensu. Essas sugestões têm por base mensagem do outro.
uma pesquisa feita pelo Banco no qual fica Será que a educação a distância, na era tec-
evidenciado que “o desempenho dos alunos não nológica, diante de uma geração digital que tem
depende mais da formação do professor e sim uma outra maneira de perceber e de se rela-
do que chamam de ‘pacotes instrumentais’, ou cionar com o mundo, poderá deixar de contem-
seja, do livro didático, do material pedagógico plar a interatividade na relação de aprendizagem?
etc” (FONSECA, 1999, p. 73). Por que não pensarmos em construir ambientes
Nessa perspectiva, a EAD transformou-se virtuais para a educação online que desafiem o
em estratégia rápida de oferecer a qualificação aluno a interagir, a construir o conhecimento,
necessária para um grande número de profes- escolhendo seus próprios caminhos?
sores. Dessa maneira, podemos denominá-la de Apesar da internet ser um dos espaços que
educação de massa, na qual as tecnologias da melhor possibilita a interatividade para os cursos
comunicação passaram a ser utilizadas como o de EAD, nem sempre esse meio é o mais usado
instrumento pedagógico que melhor atende ao pelo fato da maior parte da população brasileira
modelo de educação tradicional, revestido de ainda não estar conectada à rede mundial de
uma lógica de comunicação no sentido broad- computadores. Contudo, o fato de termos um
casting6. Essa forma de comunicação distribui baixo índice da população conectada não pode
a informação em larga escala sem considerar servir de justificativa para não criarmos alterna-
as especificidades de cada cultura e da realidade tivas de cursos interativos na internet. É neces-
escolar. Certamente, em muito pouco esta sário pensar no desenvolvimento de espaços
maneira de ensinar e aprender se diferencia da virtuais interativos e buscar meios de garantir o
“educação bancária”, criticada por Paulo Freire acesso ao maior número possível de pessoas a
(1979). essa tecnologia. Por esse motivo, a implemen-
As tecnologias da informação e da comuni- tação de políticas públicas é imprescindível para
cação vêm contribuindo para a modificação da garantir o acesso de todos às tecnologias.
forma de as pessoas se relacionarem e de cons- Criar uma tevê na internet que possa trans-
truírem conhecimentos, pois elas proporcionam mitir diariamente programas voltados para a
múltiplas disposições à intervenção do interagen- educação poderia ser uma alternativa para a
te (PRIMO, 2002). Essas novas modalidades EAD. Essa tevê, no entanto, não deveria ser
comunicacionais proporcionadas pela presença unidirecional; ela precisaria estar baseada nos
das TIC criam novos tempos e espaços interati-
vos descentralizados, não lineares e provocam 6
Ou seja, uma comunicação no sentido UM-TODOS em que
mudanças estruturais na forma de se produzir, a informação é criada por um pólo emissor para diversos
receptores. (LÉVY, 1999).
distribuir e compartilhar a informação, passando 7
Gilson Schwartz, coordenador do projeto “Cidade do co-
de um sistema “Um-Todos” para “Todos- nhecimento” (http://www.cidade.usp.br/), menciona a ins-
Todos” (BRECHET, citado por DANTAS, crição na torre da praça do relógio na USP onde está escrito
que “no mundo da cultura, o centro está em toda parte”,
1996; LÉVY, 1999; LEMOS, 2001). Na rede, como referência para realizarmos conexões em todos as
todos os nós são centros 7, ligados entre si, direções e sentidos.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 253-263, jul./dez., 2004 259
As tecnologias da informação e da comunicação e as possibilidades de interatividade para a educação
fundamentos da interatividade e, dessa forma, zando a rede também como meio disponibiliza-
disponibilizar a participação-intervenção, a bidi- dor de suas produções.
recionalidade-hibridação e a permutabilidade- Para trabalhar com as tecnologias da infor-
potencialidade. Proporcionar um amplo espaço mação e da comunicação na sala de aula, o
educacional como este significaria oportunizar professor terá que se colocar aberto para o novo,
a formação de alunos críticos, participativos, o inesperado, pois cada aluno irá trilhar caminhos
autônomos e dinâmicos. Além da tevê na diferentes e difíceis de serem previstos. É neste
internet, o ambiente virtual para a EAD poderá sentido que acreditamos que com a interativida-
contar ainda com listas de discussão, fóruns, de não será possível haver determinações a
blogs e demais possibilidades que permitam aos priori e o professor não será mais transmissor
sujeitos interagirem e serem autores e co-autores de conteúdos. É de se esperar que ele esteja
de conhecimentos coletivos. disposto e disponível a abrir um leque de
As possibilidades tecnológicas para o desen- possibilidades para que o aluno realize suas
volvimento de uma EAD interativa já existem; escolhas, relacionando os novos saberes com
contudo, os desafios colocados hoje para a outros já construídos.
educação são sobretudo de ordem pedagógica O que se tem observado atualmente é que,
e econômica. Há, agora, uma necessidade de embora a educação a distância esteja sendo
preparar os professores para atuar com essas desenvolvida em diversas instituições, nem
tecnologias, pois, como já percebemos, eles não sempre encontramos o professor atuando de
poderão mais ser simplesmente professores maneira interativa. Em geral, os cursos de EAD
convencionais com a mesma postura de dissemi- ainda estão presos a uma perspectiva educa-
nador de informações. Será importante que o cional que pode ser caracterizada como tradi-
professor, além dos conhecimentos teóricos e cional e que já não funciona mais nem presen-
tecnológicos, esteja aberto para o mais comu- cialmente, tampouco a distância. Alguns propo-
nicacional, para deixar o aluno expor suas nentes e participantes de cursos disponíveis na
idéias e trilhar seus próprios caminhos. O profes- internet realizam discussões por meio de salas
sor não poderá mais ser aquele que “conduz o de bate-papo. Nessa atividade, entretanto, o
aluno a”, mas quem o desafiará a entrar no professor permanece com a mesma postura
labirinto, mergulhar no mar de informações, centralizadora da sala de aula presencial, onde
interligar os saberes e buscar as soluções para ele organiza e coordena as discussões. Ele
os seus problemas, construindo conhecimentos. provavelmente não percebe que, na ambiência
virtual, assim como na aula presencial, não
precisa ser o centro do processo e responder a
Tecendo outros nós todas as perguntas, pois caso haja, por exemplo,
20 alunos no bate-papo, poderão existir 20
As discussões iniciadas neste trabalho leva- perguntas e será praticamente impossível a um
ram-nos a perceber que a escola poderá ser professor responder a todas simultaneamente.
um espaço de aprendizagens que emerge de Um chat é um espaço onde todos interagem com
várias experimentações, incluindo também as todos e não apenas no sentido professor-aluno.
experiências realizadas com as TIC. Contudo, Diante desta situação, reforçamos que a
isso nos leva a questionar qual será a função do interatividade depende muito mais de uma
professor nesse novo ambiente virtual onde tudo mudança de postura do professor e do aluno do
acontece ao mesmo tempo agora, o tempo que da inserção das novas tecnologias. As TIC
todo? 8 Com certeza, ele não será mais o não irão resolver por si só os problemas da
centralizador do conhecimento e, por esse
motivo, é importante que esteja aberto ao mais 8
Esta expressão é utilizada na propaganda publicitária da
comunicacional com os alunos para que juntos tevê on line ALLTV analisada na dissertação de Ferreira
possam exercitar a autoria e a co-autoria, utili- (2004).
260 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 253-263, jul./dez., 2004
Simone de Lucena Ferreira; Lucídio Bianchetti
educação, uma vez que a interatividade não está com poucos recursos tecnológicos capazes de
nas tecnologias; ela está presente nas relações propiciar conexões. Como, assim, desenvolver
sociais que poderão ser mediadas pelas tecno- uma educação desafiadora à atual geração?
logias. Insiste-se, no entanto, que esposar essa Os alunos questionadores estão a todo o ins-
postura de não sucumbir ao determinismo tecno- tante sinalizando que a escola não está mais
lógico não significa abrir mão da luta para ga- atendendo a seus anseios, necessidades e ex-
rantir que todos, sem exceção, possam dispor pectativas e, por isso, é importante haver mudan-
de conexões. Isto significa radicalizar nas rei- ças. Contudo, nem os responsáveis por imple-
vindicações e no engajamento, no sentido de mentar políticas públicas nem os professores
contar com políticas públicas voltadas para a conseguem perceber as indicações dadas pelos
inclusão digital. alunos. Esta é uma das explicações que pode
Do nosso ponto de vista, acreditamos que, nos ajudar a entender a razão de a escola con-
para desenvolver uma educação com o uso das tinuar trabalhando praticamente os mesmos con-
TIC, seja ela presencial, semi-presencial ou a teúdos e realizando as mesmas atividades que
distância, será importante um grande esforço dos desenvolvia com as gerações passadas.
profissionais da educação no sentido de concre- Percebe-se, ainda, que há um descompasso
tizar a construção de ambientes de aprendizagem entre aquilo que o aluno deseja da escola e o
alternativos, onde os sujeitos envolvidos nesse que a escola está podendo oferecer-lhe. Ou dito
processo tenham a possibilidade de criar, recriar, de outra forma: há um descompasso entre o
modificar, agir em tempo real, ser autores e co- mundo da vida e o mundo da escola. Isto acaba
autores de produções. Nesse espaço de apren- gerando relações conflituosas entre educadores
dizagem não haverá necessidade de “desinter- e educandos. Não havendo passagem para outro
mediação” – retirada – do professor do processo patamar de comunicação/educação, acaba
comunicacional/educacional, pois ele será o ocorrendo que os alunos ou sucumbem ao statu
agente mediador que desafiará constantemente quo ou revoltam-se, desestruturando a ‘ordem’
o aluno no seu desenvolvimento cognitivo. da aula/escola ou – saída-limite – evadem-se.
Dessa forma, o processo de aprendizagem E os professores e autoridades educacionais
tornar-se-á uma produção coletiva, em que a ficam a perguntar-se sobre o porquê dessa gera-
construção do conhecimento poderá ser com- ção assim se portar. Com certeza, ao ser ‘vítima’
parada a uma viagem no labirinto da informação dessa escola, a geração digital não perde tempo
(web), em que nenhuma parada (link) está com esses porquês!
definida e cada ´obstáculo´ (nó) poderá ser um Estas análises nos levam a questionar: qual
recomeço. Para navegar no labirinto, a alternativa o futuro da escola quando não há convergência
não está em usar o fio de Ariadne, mas na dança de proposta e de ação entre os atores que dela
dos gêranos9, em que todas as possibilidades fazem parte? Que futuro poderá ter uma escola
poderão ser vivenciadas em tempos e espaços quando um dos agentes quer mais interação,
simultâneos. mais comunicação, mais produção e a outra
Nesse sentido, nós, educadores, temos muito parte não consegue satisfazer tais anseios ou
a aprender com a chamada geração digital, que não dispõe de meios para tal?
interage íntima e familiarmente com a tecnolo-
gia, criando, recriando, analisando e criticando
9
tudo aquilo que lhe é pro(im)posto. Assim sendo, A dança dos Gêranos ou a Dança do Grou é um tipo de
coreografia típica da Ilha de Creta. Nessa dança rapazes e
é preciso questionar-se a respeito das implica- moças dançam de mãos dadas em fila simulando o percurso
ções que esta geração trará para uma escola do labirinto. Em cada ponta da fila há um guia. Desta forma
eles podem correr em cada um dos sentidos. Quando uma das
que não é interativa e que nem sempre é per- pontas encontra dificuldades no caminho, o guia sinaliza para
meável a mudanças. A educação vive momentos que o guia da outra ponta procure outra saída. “A beleza e a
astúcia da estrutura do labirinto estão na multiplicidade das
de crise, com professores despreparados, com possibilidades e na vivência de tempos e espaços simultâne-
baixos salários e desmotivados e, principalmente, os” (MACHADO, 1997, p. 257).
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 253-263, jul./dez., 2004 261
As tecnologias da informação e da comunicação e as possibilidades de interatividade para a educação
REFERÊNCIAS
ALVES, Lynn; NOVA Cristiane (Orgs.). Educação e tecnologia: trilhando caminhos. Salvador: Editora da
UNEB, 2003.
BIANCHETTI, Lucídio. Os trabalhos e os dias dos deuses e dos homens: a mitologia como fonte para refletir
sobre normalidade e deficiência. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 7, n. 1, p. 61-76, 2001.
_____. Da chave de fenda ao laptop: tecnologia digital e novas qualificações: desafios à educação. Petrópolis:
Vozes, 2001.
BONILLA, Maria Helena Silveira. Escola aprendente: desafios e possibilidades postos no contexto da
sociedade do conhecimento. Tese (Doutorado em Educação) – Do Programa de Pós-graduação em Educa-
ção. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação, Salvador, 2002.
COUCHOT, Edmund. A arte pode ainda ser um relógio que adianta? O autor, a obra e o espectador na hora
do tempo real. In: DOMINGUES, Diana (Org.). A arte no século XXI: a humanização das tecnologias. São
Paulo, SP: Editora da UNESP, 1997. p. 135-154.
DANTAS, Marcos. A lógica do capital-informação: a fragmentação dos monopólios e a monopolização
dos fragmentos num mundo de comunicações globais. Rio e Janeiro, RJ: Contraponto, 1996.
FERREIRA, Simone de Lucena. A internet como espaço de construção do conhecimento. In: ALVES, Lynn;
NOVA Cristiane (Orgs.). Educação e tecnologia: trilhando caminhos. Salvador: Editora da UNEB, 2003. p.
232-246.
_____. Um estudo sobre a interatividade nos ambientes virtuais da internet e sua relação com a educa-
ção: o caso da AllTV. 164 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Educação) – Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, 2004.
FONSECA, Marília. O banco mundial e a educação a distância. In: PRETTO, Nelson (org.). Globalização
& educação: mercado de trabalho, tecnologias de comunicação, educação a distância e sociedade planetá-
ria. Ijuí: Unijuí, 1999.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 12 ed. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1977.
_____. Educação e mudança. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1979.
LEMOS, André. Anjos interativos e retribalização do mundo: sobre interatividade e interfaces digitais.
Disponível em: http://www.facom.ufba.br/pesq/cyber/lemos/interac.html. Acessado em: 02 dez. 2001.
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. Rio de Janeiro, RJ: Editora 34, 1993.
_____. O que é virtual? São Paulo, SP: Editora 34, 1996.
_____. Cibercultura. São Paulo, SP: Editora 34, 1999.
262 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 253-263, jul./dez., 2004
Simone de Lucena Ferreira; Lucídio Bianchetti
Recebido em 30.09.04
Aprovado em 14.12.04
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 253-263, jul./dez., 2004 263
Cristina d´Ávila
CONHECIMENTO COMPARTILHADO
NO ESPAÇO COLABORATIVO
DAS COMUNIDADES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM
Cristina d’Ávila∗
RESUMO
ABSTRACT
*
Doutora em Educação pela UFBA, com estágio doutoral na Université de Montréal, Canadá. Professora adjunta da
Faculdade de Educação – FACED/UFBA. Professora adjunta do Departamento de Educação Campus I e do Mestrado
em Educação e Contemporaneidade – UNEB. Endereço para correspondência: Universidade do Estado da Bahia -
UNEB, Campus I, Mestrado em Educação e Contemporaneidade, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula, 41150-000
SALVADOR/BA. E-mail: cmdt@ufba.br .
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 265-273, jul./dez., 2004 265
Conhecimento compartilhado no espaço colaborativo das comunidades virtuais de aprendizagem
Introdução
Num primeiro momento, explicitaremos o
Aprender significa muito mais que reter conceito de construtivismo e socioconstrutivis-
informações esparsas. E, nesse sentido, ensinar mo; em seguida, como são constituídas as
vai além da transmissão de um saber abstrato comunidades de aprendizagem, concluindo pela
– essa espécie de entidade autônoma e ser de- construção de um processo pedagógico colabo-
sencarnado. O saber se constrói; a aprendiza- rativo no espaço das comunidades virtuais.
gem, por isso mesmo, não é um traço herdado Tomamos como referencial teórico os
ou ajuntado a ferro e fogo na memória. A teoria estudos de Jean Piaget (1965a, 1970b, 1970c),
construtivista oferece subsídios valiosos à com- Deheinzelin (1996), César Coll (2001), Lev
preensão da aprendizagem como um processo Vygotsky (1984; 1987) para explicitação do
construtivo e significativo, além de poder gerar conceito de construtivismo e socioconstrutivis-
uma nova abordagem de Educação a Distância mo, Paulo Freire (1999) a fim de abordar a idéia
– EAD. Indo um pouco mais além, o sociocons- de diálogo pedagógico e cooperação, David
trutivismo – que incorpora as relações sociocul- Jonassen (1996) e Guimarães (2001) para tratar
turais no processo de construção do conheci- da questão dos ambientes virtuais de aprendiza-
mento – pode garantir um arcabouço teórico gem, aprendizagem construtivista em EAD,
que possibilite pensar num modelo educacional dentre outros.
mais coerente com os reclamos da sociedade Esperamos, assim, poder contribuir para as
contemporânea. As comunidades virtuais de reflexões na área da formação e prática docen-
aprendizagem poderão se constituir, nessa pers- te, especificamente em EAD, com o intuito de
pectiva, em ambiente propício à construção e promover mudanças de atitudes que rompam
prática de uma pedagogia cooperativa, conside- com o paradigma do magister convencional e
rando os sujeitos envolvidos (professor e alunos) inaugurem práticas pedagógicas mais dialógicas
como partícipes em todo o processo. e colaborativas.
Neste artigo, objetivamos apresentar uma
proposta pedagógica em EAD que alia o socio-
construtivismo à idéia de comunidades virtuais Construtivismo e socioconstrutivis-
de aprendizagem, acreditando nestas como mo: de Piaget a Vygotsky
espaço privilegiado ao diálogo, ao trabalho
cooperativo e, por isso mesmo, à aprendizagem O construtivismo pode ser compreendido
significativa e reconstrução de conhecimentos. como um referencial explicativo de natureza
266 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 265-273, jul./dez., 2004
Cristina d´Ávila
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 265-273, jul./dez., 2004 267
Conhecimento compartilhado no espaço colaborativo das comunidades virtuais de aprendizagem
268 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 265-273, jul./dez., 2004
Cristina d´Ávila
entre os homens e entre estes e o mundo é ções como produtos históricos, são processos
mediada por signos culturalmente constituídos, possíveis graças à linguagem. São os sistemas
tendo a linguagem particular destaque nessa simbólicos os elementos mediadores da cultura.
interpretação. Sua hipótese está assentada na Segundo Vygotsky (1987), o acesso ao objeto
tese marxista que sustenta a idéia de objetivação é sempre mediado por representações do real
da atividade humana através do trabalho. Para e requer dois aspectos complementares :
Marx, é a categoria do trabalho o elemento res- a) a representação mental que se refere a re-
ponsável pela mediação entre o homem e o cortes do real operados pelos sistemas sim-
mundo. Então, para Vygotsky, o instrumento (ori- bólicos de que dispõe o sujeito;
ginalmente do trabalho, o arco, a flecha, etc.) é b) a capacidade de fazer relações mentais na
produzido pelo homem como resposta às suas ausência dos referentes concretos, o que
necessidades e evocar a sua função, a fim de equivale a dizer do desenvolvimento da abs-
transmitir e perpetuar culturalmente esses ins- tração e da generalização.
trumentos, é característica eminentemente hu- A transposição das idéias vygotskianas para
mana. Os outros animais podem até ser capazes o contexto pedagógico (do saber científico para
de criar instrumentos, mas evocar as suas fun- o fazer pedagógico) foi tarefa possível para
ções, conferindo-lhe um significado que perdure alguns educadores, na atualidade, dentre os quais
através do tempo (passado para outras gera- cabe destacar Coll e Solé (2001), Teberosky
ções) é função especificamente humana. Disse (1993) e Deheinzelin (1996), dentre outros, que
Vygotsky: viram na sua teoria os elementos necessários e
... a invenção e o uso de signos auxiliares para complementares à obra de Piaget (não opostos),
solucionar um determinado problema psicológi- quanto à explicitação dos processos que envol-
co (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher vem aprendizagem e desenvolvimento cognitivo.
etc.) é análoga à invenção e uso de instrumen- Descobrir, daí, os aspectos que se prestam
tos, só que agora no campo psicológico. O sig- também à compreensão do processo de ensino
no age como um instrumento da atividade psi- e buscar modos de intervenção pedagógica que
cológica de maneira análogo ao papel de um ins-
sejam, de fato, significativos para o desenvolvi-
trumento no trabalho. (1984, p. 59-60).
mento dos educandos, foi, e é ainda, um grande
Sem dúvida, com o uso dos signos, o homem desafio. São vários os conceitos que, uma vez
pode controlar e, mesmo, ampliar sua atividade bem compreendidos, poderão garantir uma ação
psicológica, como, por exemplo, anotar os com- pedagógica muito mais consistente, como se
promisso numa agenda, escrever suas memórias, pode atestar da síntese que apresento a seguir:
consultar um dicionário para verificar o significa- a) zona proximal de conhecimento: significa
do de palavras, consultar um atlas para se locali- a distância entre o nível real de desenvolvi-
zar no espaço etc. mento, determinado pela capacidade de re-
A linguagem representa, pois, o sistema sim- solver independentemente um problema, e o
bólico fundamental na relação entre os grupos nível de desenvolvimento potencial, determi-
humanos, organizando os signos, historicamente, nado através da resolução de um problema
em estruturas complexas e permitindo, primeiro, sob a orientação de alguém mais capaz (pais,
que o homem se relacione com os objetos do colegas, amigos ou professor). Para uma ação
mundo exterior, mesmo que ausentes; segundo, pedagógica eficaz, basta que o professor re-
permite abstrair e generalizar (por exemplo, uma conheça essa distância nos seus alunos e sai-
palavra como “árvore” designa qualquer tipo de ba ensinar de acordo, fazendo com que estes
árvore) através do uso de categorias, em que se avancem rumo às novas descobertas do sa-
inserem os objetos. Resumindo, a formação de ber. Logo, a intervenção pedagógica deve ser
conceitos e sua organização em categorias espe- facilitadora da ampliação da zona proximal
cíficas, a comunicação social que garante a de conhecimento e da criação, eventualmen-
transmissão e preservação de valores/informa- te, de zonas novas;
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 265-273, jul./dez., 2004 269
Conhecimento compartilhado no espaço colaborativo das comunidades virtuais de aprendizagem
b) todo conhecimento humano brota das re- rentes apresentadas (a epistemologia construti-
lações do sujeito com seu meio sócio-cul- vista de Piaget e socioconstrutiva de Vygotsky),
tural: logo, o que o aluno traz para a sala de a cooperação social se faz presente, conside-
aula é um manancial riquíssimo de conteú- rando-se, para os efeitos pedagógicos deseja-
dos a serem explorados no ambiente esco- dos, que a busca da reciprocidade entre pontos
lar e relacionados ao saber sistematizado; de vista distintos conduz à reordenação do
c) a consciência humana é produto da his- conhecimento e do pensamento lógico. Na
tória social: como é a universidade o espa- teoria vygotskyana esse aspecto é ainda mais
ço formador, por excelência, das consciên- enfatizado, levando-se em conta a premissa de
cias humanas, não se pode deixar de desen- que todo conhecimento humano medra das
volver uma postura pedagógica sensível à relações entre sujeito e meio social.
história dos seus sujeitos; a escuta sensível O objetivo de aliar o socioconstrutivismo ao
é, pois, um expediente pedagógico de im- ensino à distância, reside em afastar essa
portância vital no processo educativo; modalidade de educação dos métodos instrucio-
d) Interações cognitivas: a busca do conheci- nais tradicionais. O processo educativo deve
mento corresponde a necessidades da vida estar centrado no sujeito cognoscente e também
social, evocando, assim, as relações interpes- afetivo-relacional, no qual o professor não é a
soais; logo um aluno aprenderá mais e melhor única fonte do saber. A autonomia do aprendiz
se estiver em companhia solidária de outros. assume forte impacto nessa tendência.
Ao invés de oposição, há complementaridade É tarefa do aluno buscar, pesquisar, proble-
entre as obras de Vygotsky e seus seguidores da matizar o conhecimento, contextualizar, desco-
Escola Sócio-Histórica de Moscou e a obra de brir. E as tecnologias do computador devem
Jean Piaget e de seus colaboradores da Escola apoiar a aprendizagem construtiva do aluno
de Genebra. O elemento da cultura, tão criticado através das variadas ferramentas de que dispõe.
e tido como alheio na obra de Piaget, deve ser, Assim, a perspectiva instrucionista de ensino
então, incorporado ao que se pode chamar de cederia espaço à construção do conhecimento,
socioconstrutivismo. A compreensão de uma e desenvolvida em ambientes de aprendizagem
de outra teoria é de importância capital na estru- propícios, contextualizados, e em estratégias de
turação de um novo pensamento pedagógico que ensino/aprendizagem compartilhadas. Ao pro-
tem na cooperação sua força motriz. fessor caberia criar situações problematizadoras
e instigantes, capazes de favorecer a busca de
respostas e conseqüente ressignificação do
Por que a abordagem construtivista na saber.
constituição e implementação das co- Com tais características, poderíamos incorrer
munidades virtuais de aprendizagem? no risco da compreensão apressada capaz de
ver o professor como uma peça descartável nessa
Segundo Jonassen (1996), os ambientes de engrenagem, destituindo-o de toda e qualquer
aprendizagem devem ser ambientes instigantes, possibilidade de transmissão do saber e respon-
constituídos de problemas relevantes, sobre os sabilidade pedagógica. Todavia, não é isso que
quais os alunos devem refletir e buscar soluções. se propõe. O professor não poderá se furtar de
As tarefas a serem disponibilizadas devem origi- fornecer explicações, de acompanhar, criar situa-
nar-se do real, a fim de que a aprendizagem seja, ções de conflito, estando atento, porém, à ne-
de fato, significativa. Além disso, recuperando cessidade de reequilibrações cognitivas do grupo.
aqui o ideário pedagógico cooperativo, devem ser Esse sujeito é um mediador de saberes e não
apoiadas pela colaboração entre os participantes pode estar alijado do processo de aprendizagem
e constituídas pelo diálogo pedagógico. construtiva do aluno.
Estes princípios encontram sustentação na Ainda Jonassen (1996, p. 4-5) cita algumas
epistemologia construtivista. Em ambas as cor- características importantes à aprendizagem
270 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 265-273, jul./dez., 2004
Cristina d´Ávila
significativa que poderiam ser suscitadas a partir será significativa. Disso decorre a necessi-
de um trabalho desse tipo. Trago aqui as suas dade de se envolver o aprendiz em experiên-
idéias, com algumas modificações: cias que tenham alguma ressonância com sua
– A aprendizagem deve ser ativa: isto é, re- vida, que toque seus objetivos pessoais e, pos-
sultar de experiências genuínas, comprome- teriormente, coletivos também. Longe do
tendo-se o aprendiz com atividades nas quais intelectualismo abstrato das pedagogias mais
se encontre implicado, e dispondo de ferra- tradicionais, o que deve se levar em conta
mentas que possam ser manipuladas ativa- nessa perspectiva, é a conexão do saber ao
mente pelo aprendiz. contexto sociocultural dos educandos.
– A aprendizagem deve ser construtiva, pro- – A aprendizagem deve ser socializadora: ao
priamente: onde os alunos possam integrar que Jonassen chama de coloquial, chama-
experiências novas aos esquemas concei- rei aqui de aprendizagem socializadora. Visa
tuais já constituídos, tornando-se capazes, ensejar a troca de opiniões, de idéias e a
também, de imprimir significado próprio às organização de novos conceitos na estrutu-
novas aprendizagens. ra cognitiva dos alunos. Esse aspecto será
– A aprendizagem deve ser reflexiva: pois, muito beneficiado na EAD, uma vez que
sem reflexão, não há como se constituir con- estarão conectadas pessoas de várias par-
ceitos próprios. Ao contrário da aprendiza- tes – a troca de experiência e de saberes
gem mecânica e reflexa, baseada no esque- poderá ser extremamente rica se o profes-
ma estímulo/resposta (S — R), a aprendiza- sor for habilidoso o suficiente para favore-
gem reflexiva evoca no aprendiz as possí- cer o clima de socialização no grupo. Aqui a
veis análises e críticas daquilo que leu ou dimensão de comunidade se explicita: não
aprendeu. Principalmente na EAD, deve-se faz sentido a aprendizagem de novos conhe-
exigir dos alunos que analisem a tarefa, as cimentos se não se pode compartilhar de seus
estratégias e ferramentas que utilizaram, bem resultados e construir uma realidade melhor.
como as respostas obtidas para que, assim, A partir dessas dimensões, poderemos
sejam capazes de aplicar esse conhecimen- visualizar a idéia de rede que Jonassen (1996,
to em outras situações. p. 5) concebeu (com a modificação introduzida
– A aprendizagem deve ser cooperativa: isto nesse texto de aprendizagem coloquial para
é, desenvolvida a partir das múltiplas intera- socializadora e exclusão da idéia de aprendi-
ções entre os pares; assim, o conhecimento zagem complexa) (Fig. 1).
construído e compartilhado será ainda mais
significativo, vez que exposto, discutido, di-
alogado.
– A aprendizagem deve ser intencional: a partir
de objetivos pessoais, inicialmente, e coleti-
vos, quando a interação com o grupo (nas
comunidades) se fizer sentir. Quando uma
intenção se revela ao aprendiz, ele se sentirá
imediatamente, comprometido com todo o
processo de aprendizagem. Quando essa in-
tenção se transformar em objetivo coletivo,
mais ainda envolvido com os destinos de todo
o processo educativo ele estará. Figura 1 – Aprendizagem significativa
– A aprendizagem deve ser contextualizada:
quanto mais as atividades de ensino/apren-
dizagem forem elaboradas para um contex- As comunidades virtuais de aprendizagem
to específico, muito mais a aprendizagem podem ensejar o encontro afetivo-relacional e
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 265-273, jul./dez., 2004 271
Conhecimento compartilhado no espaço colaborativo das comunidades virtuais de aprendizagem
REFERÊNCIAS
2
A esse respeito sugere-se leitura do artigo da autora “Pedagogia cooperativa e EAD: uma aliança possível”. (D’AVILA, 2003).
272 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 265-273, jul./dez., 2004
Cristina d´Ávila
HARASIM, Linda; HILTZ, Starr; TELES, Lucio; TUROFF, Murray. Redes de aprendizagem: guia de campo
para ensino e aprendizagem online. Disponível em: http://labead.fe.unb.br. Acessado em: 28 jul. 2000.
JONASSEN, David. O uso das novas tecnologias na educação a distância e a aprendizagem construtivista.
Revista em Aberto sobre Educação a Distância. INEP/MEC, Brasília, DF, v. 16, n. 70, abr./jun., 1996.
Disponível em: http://www.inep.gov.br/cibec/word_docs/em_aberto_70.doc.p.1-20. Acessado em 28 jul.
2000.
PIAGET, Jean. La psychologie de l’intelligence. 8. éd. Paris: Librairie Armand Colin, 1965.
_____. L‘épistémologie génétique. Paris: Presses Universitaires de France, 1970a.
_____. Psychologie et épistémologie. Paris: Denoël, 1970b.
REGO, T. C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
TAILLE, Y. KOHL, M. E DANTAS, H. Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São
Paulo, SP: Summus, 1992.
TEBEROSKY, Ana. Psicopedagogia da linguagem escrita. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1993.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo, SP: Martins Fontes, 1984.
_____. Pensamento e linguagem. São Paulo, SP: Martins Fontes, 1987.
Recebido em 23.08.04
Aprovado em 05.11.04
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 265-273, jul./dez., 2004 273
Ana Maria Schmid
TUTORÍAS:
LOS ROSTROS DE LA EDUCACIÓN A DISTANCIA
RESUMEN
ABSTRACT
*
Lic. en Ciencias de la Educación, Doctoranda en Educación con orientación en Educación a Distancia. Postgrado en
Educación de Adultos y Educación a Distancia en UNED-España (1983). Coordinadora de carreras y cursos de
capacitación a distancia. Coautora y tutora del Curso de Postgrado en Educación a Distancia - Universidad Nacional del
Comahue. Directora General de la CAPTEL – EDUCACIÓN A DISTANCIA. Dirección: Av. Medrano 233 – 2º ‘6’ –
(1178) Ciudad Autónoma de Buenos Aires – Argentina. E-mail: aschmid@fibertel.com.ar
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 275-285, jul./dez., 2004 275
Tutorías: los rostros de la educación a distancia
reales, que sienten, viven y palpitan. Y no es una realidad fácilmente comprobable a través
que no se haya hablado lo suficiente acerca de de las innumerables ofertas de carreras, cursos
los tutores; de hecho, colegas de diferentes y capacitaciones en la modalidad que diaria-
países (1) han cubierto interesantes y valiosas mente nos sorprenden y convocan.
páginas describiendo y explicando el rol tutorial También es evidente que las tecnologías de
y los efectos que mejores o peores prácticas la información y las comunicaciones ha resultado
pueden causar en el desarrollo de los programas. un poderoso estímulo para el desarrollo de la
Simplemente creo que en los últimos cinco EAD. Así, el principio esencial de acercar los
años hemos estado ocupados y fascinados con beneficios de la educación a todos, en cualquier
las tecnologías de la información y la comunica- lugar y durante toda la vida, parece cada vez
ción (TIC), con la utilización de Internet, con el más próximo y realizable.
desarrollo de plataformas, con los avances en Del mismo modo, las posibilidades de comu-
las videoconferencias, con el mejor aprovecha- nicación de los diversos actores del sistema
miento de las redes y últimamente con las entre sí y con la institución, parecen haber aboli-
weblogs. do el concepto de distancia limitando la diferen-
Tal vez el arrollador avance y el agresivo cia entre la EAD y la educación convencional
marketing que han desarrollado las empresas a los aspectos recintuales en que se desarrollan
responsables de las mismas, nos ha confundido. los procesos de enseñanza. De todos modos,
O distraído respecto de aquello que es sustancial los entornos virtuales más o menos sofisticados
en los procesos educativos a distancia: las perso- que permiten el uso de plataformas, ya van en
nas, el conocimiento, las ideas, los contextos, las pos de los espacios compartidos.
relaciones inter e intrapersonales, los procesos. Sin embargo, el escenario sobre el que trans-
No obstante, reconozco el fantástico univer- curren tales cambios no resulta plenamente
so que nos abren estas TIC y las oportunidades auspicioso: el mundo es cada vez más desigual
de ampliar, expandir, profundizar, compartir y (GALEANO, 1997), entendiendo por ello que
resignificar permanentemente el conocimiento cada vez más un grupo más pequeño de perso-
que nos permiten. Sólo que no olvido que en nas detentan el poder económico, la riqueza y
nuestros países sólo un 10% de la población está sus beneficios en detrimento de un cada vez
conectada a Internet regularmente y que el 90% mayor número de habitantes. Del mismo modo,
restante también tiene derecho a acceder a la información y las comunicaciones se han
propuestas educativas a distancia de similar concentrado en un reducido número de empresas
calidad a las que transportan las TIC. que informan y moldean la opinión de una enorme
Voy entonces a revivir algunas cuestiones cantidad de sujetos que, curiosamente, parecen
acerca de los tutores y las tutorías, deteniéndo- cada vez más sordos y aislados.
me especialmente en las ocasiones de contacto El segundo proceso de globalización, causa
personal, individual o grupal que, incluidas en y consecuencia de las TIC, ha cambiado para
los programas a distancia, ahora sabemos que siempre los procesos de producción y consumo,
los enriquecen. ha transnacionalizado la economía, la política y
Pero antes, quiero proponer algunos comen- la seguridad de los estados, ha logrado la inter-
tarios a modo de reflexiones acerca del escenario dependencia de países y bloques, ha abolido las
en el que nos toca actuar. fronteras culturales, desdibujado las identidades
nacionales, instaurado la dictadura del discurso
y la imagen únicas, ha fragmentado la historia
EL ESCENARIO de modo tal que las mayorías han quedado sin
pasado conciente y sin futuro deseable, desola-
Que la educación a distancia (EAD) se ha dos y desorientados.
transformado de crisálida en mariposa o de Hace unos pocos años, Roberto Aparici
Cenicienta en niña bonita (MENA, 1999), resulta (2000) proponía la existencia de, al menos, diez
276 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 275-285, jul./dez., 2004
Ana Maria Schmid
mitos1 acerca de las TIC y la EAD, y a través Sin dejar de reivindicar el importante papel
del análisis de cada uno de ellos mostraba que que desempeñan las TIC, sostengo que hoy más
dentro de las actuales condiciones planetarias que nunca la EAD de calidad puede – y debe –
– y sin desconocer la importancia de estos avan- ser desarrollada en todos los soportes necesarios
ces – las TIC podían no sólo segmentar el acceso para responder a las posibilidades de acceso a
de la población a la EAD sino que ésta podía la educación de todos los aspirantes, indepen-
resultar cada vez más autoritaria mientras los dientemente de los requerimientos tecnológicos
modelos pedagógicos y comunicativos no de que dispongan.
sufrieran profundas transformaciones. Ambas En este mismo contexto, que delineo con
situaciones remiten al modelo ideológico al cual trazos muy gruesos, propongo recuperar los
sirve y/o debe servir la educación, sin interesar retos a superar por educadores e instituciones
su modalidad. de EAD. Los que se mencionan más frecuente-
Para la misma época, David Moursund mente remiten a la superación de los hiatos o
(2004) lanzaba al mercado las diez ideas brechas sociales, culturales, económicas y ge-
poderosas2 que incidirían en el desarrollo de las neracionales que desarrollos tecnológicos desi-
TIC dentro de la educación. De todas ellas guales producen en los distintos países y que
resaltamos la conectividad y la comunicación condicionan la accesibilidad a las ofertas EAD
en el ciberespacio como motores del conoci- y, simultáneamente, al logro de procesos educa-
miento y la integración de contenidos relaciona- tivos más flexibles, significativos y personali-
dos con las TI aún en aquellas disciplinas que zados que consoliden la credibilidad de la EAD
no son TI, como recursos del docente y la como modalidad educativa con especificidades
enseñanza y como reconocimiento a su condi- propias (SANGRÁ MORER, 2002; MENA,
ción de transversalidad. 1999).
Resulta interesante observar la tensión entre
ambas propuestas y la carga que conllevan: ya
que no es posible mostrar indiferencia ante las LAS CARAS DE LA EAD
tecnologías ni su decisiva participación en la vida
cotidiana bajo las más variadas formas, como Las condiciones de flexibilidad, significativi-
tampoco es posible cifrar en su utilización el dad y personalización de los procesos educativos
éxito de la gestión institucional y curricular. Parte a distancia están, en gran medida, en manos de
de esa tensión podría resolverse aprendiendo a los tutores. ¿Qué es un tutor? Los tutores,
utilizarlas correcta, crítica y criteriosamente ¿nacen o se hacen? ¿Qué funciones cumplen
durante la formación de grado. los tutores? ¿Quiénes pueden ser tutores? ¿Los
En la última reunión del CREAD 3, los
representantes de instituciones educativas del
1
MERCOSUR y de otros países americanos, Los mitos: Que las TIC producen bienestar universal en
todo el planeta; Que con las TIC podemos cambiar la EAD,
mostraron que el eje actual de la discusión Que las TIC favorecen la comunicación entre todos, El
pasa ahora por los contenidos y los procesos mito de la globalización, El mito de la sociedad de la
información, El mito de la democracia y la interactividad,
de enseñanza. Esta laudable reorientación de El mito de la libertad de expresión, El mito del libre merca-
las propuestas pareció mostrar tanto la com- do, El mito de la participación en la red, El mito de la
igualdad de oportunidades. (APARICI, 2000).
prensión de que la calidad de la EAD no se 2
Conectividad; artefactos inteligentes; procedimiento efecti-
reduce a la menor o mayor sofisticación de las vo; interfaz de usuario; las TI como parte integral del conteni-
plataformas y demás componentes tecnológicos do de las disciplinas que no son TI; solución de problemas con
ayuda de las TI; modelación y simulación; comunicación en
y, paralelamente, que los mismas ya han dejado el ciberespacio; empoderamiento de estudiantes mediante el
de ser un objeto de estudio en sí mismos para aprendizaje basado en proyectos; aprender durante toda la
vida, en cualquier lugar y en cualquier momento.
convertirse en el soporte de diversos procesos. 3
CREAD: Consorcio Red de Educación a Distancia de las
Se han transformado en los artefactos inteligen- tres Américas, con sede en la NOVA Southern University de
tes de que habla Moursund. Florida, USA.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 275-285, jul./dez., 2004 277
Tutorías: los rostros de la educación a distancia
278 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 275-285, jul./dez., 2004
Ana Maria Schmid
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 275-285, jul./dez., 2004 279
Tutorías: los rostros de la educación a distancia
280 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 275-285, jul./dez., 2004
Ana Maria Schmid
de su proceso así lo requieren. Para el caso cificidad de las temáticas abordadas o las parti-
de las evaluaciones finales, también podría culares características de los cursantes o la
hacerlo pero contando con la autorización índole del problema que resolverá el programa
de la coordinación. Esta actividad tutorial los a distancia, ameritan otra combinación de fun-
coloca en condiciones de informar acerca ciones.
de la adecuación de los niveles de dificultad Me estoy refiriendo a la posibilidad de con-
de cada ítem de las mismas, así como de su centrar en un solo profesional las funciones de
pertinencia en relación con los objetivos especialista en contenidos, tutor y evaluador.
iniciales y su consistencia en relación con los Esta combinación muestra las siguientes venta-
materiales, bibliografía y actividades desar- jas: el tutor posee aptitudes suficientes para mo-
rolladas durante el curso. dificar y/o actualizar contenidos, puede transfor-
• En relación con el subsistema de organiza- mar actividades porque reúne la información del
ción y administración, el tutor ejerce una alumno, de la disciplinar y de la metodología,
suerte de control de gestión indirecto al cono- puede articular nuevas actividades y propuestas
cer y compartir con los estudiantes las instan- de trabajo, puede evaluar y calificar ponderando
cias relacionadas con inscripciones, calenda- otros elementos de juicio.
rios de exámenes, requisitos para mantener Si el programa prevé encuentros presencia-
la situación de regularidad en los cursados, les, este tutor que llamaremos integrado, es quien
etc. En cierto modo el tutor representa para se encuentra en mejores condiciones no sólo de
el estudiante la encarnación de las políticas coordinar el evento sino de diseñar actividades
institucionales y para la institución, la posibi- de aprendizaje que permitan la generación de
lidad de validación de las mismas. nuevas síntesis a partir de los logros previos
• En cuanto al coordinador, el tutor represen- obtenidos con el proceso a distancia.
ta la cara y la voz de la institución. Es la También ha resultado valiosa la elección y
cara ante los estudiantes y la voz de éstos posterior capacitación de figuras de autoridad.
ante el sistema. Sus observaciones y suge- Con esta denominación me refiero a supervi-
rencias deben ser evaluadas críticamente ya sores que se desempeñan como tutores en
que es el nexo entre los propósitos de la programas de capacitación de docentes o jefes
organización y los logros de los alumnos. Es de personal que lo hacen con sus empleados,
conveniente sistematizar esas observaciones por citar sólo estos ejemplos.
y registrarlas adecuadamente en formatos Si el proceso de selección logra evitar la in-
específicos. corporación de personas con rasgos autoritarios,
afectivamente distantes y más comprometidos
consigo mismos que con los objetivos institu-
¿Quiénes pueden ser tutores? cionales, los resultados de su tarea suelen resultar
positivos para los cursantes, para el sistema y
Nunca resulta demasiada la insistencia en para el contexto en general.
la necesidad de seleccionar y formar adecuada-
mente a los tutores si se desea asegurar el éxito
de un programa. Ya hemos visto las importantes ¿De qué tutorías hablamos?
funciones que desempeñan como interlocutores,
orientadores, asesores y motivadores de los De todas las que resulten adecuadas para
cursantes. cualificar la ‘distancia transaccional’ que existe
Ahora bien, no todos los programas cuentan en las relaciones educativas y que varía de
con una estructura interdisciplinaria completa acuerdo con la cantidad y calidad de los inter-
ni un financiamiento tal que permita la división cambios que se produzcan espontánea o planifi-
de roles y tareas. En otros casos, si bien se cadamente por el tutor o por el diseño del progra-
cuenta con las condiciones adecuadas, la espe- ma. Estas siempre deberán resultar adecuadas
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 275-285, jul./dez., 2004 281
Tutorías: los rostros de la educación a distancia
a las características y posibilidades de los cur- Otros recaudos debemos tomar cuando la
santes y de la disciplina de que se trate. tutoría se hace por teléfono, por correo electró-
En los albores de la educación a distancia la nico con voz, con la ayuda de una webcam, por
tutoría se resolvía epistolarmente. El tutor se radio o grabadas en casete.
comunicaba con sus alumnos a través de cartas Estamos hablando de tutorías sincrónicas
enviadas por el correo convencional, con los (teléfono, webcam) y asincrónicas (e-mail con
inconvenientes que hoy conocemos: disminución voz). La radio puede ser utilizada de ambas
de la motivación por la lentitud del intercambio, formas, ya sea con canal abierto o con lectura
dificultades para expresar adecuadamente las o grabación de consultas.
dudas y respuestas que a veces no resultaban Aquí las recomendaciones las refiero no sólo
todo lo completas que se deseaban. Sin embar- al uso de la voz.
go, pensemos en los comienzos del siglo pasado • Durante las primeras consultas con el tutor,
– o en épocas anteriores5 – y en el beneficio que el alumno manifiesta algún grado de ansie-
la modalidad llevó a personas alejadas de las dad debido en parte a la expectativa de cons-
grandes ciudades, con inquietudes pero con obstá- trucción del vínculo. Por tanto, recíbalo con
culos de diferente tipo que la EAD franqueaba. entusiasmo. Salúdelo, llámelo por su nombre,
Hoy el correo convencional está casi totalmente pregunte acerca de su situación general y
reemplazado por el correo electrónico y el fax. particular y, fundamentalmente, sonría. La
Sin embargo, hay recomendaciones a los tutores persona que habla sonriendo se percibe
que todavía resultan útiles, tales como: como un otro amistoso y predispuesto, es-
• Sea cuidadoso al escribir, corrija el escrito pecialmente si esa sonrisa es sincera.
cuantas veces sea necesario para asegurar- • Escuche atentamente lo que le dicen y lo que
se de que dice exactamente lo que quiere se callan. Ambos niveles de conversación son
decir y que además, lo hace claramente y importantes. No interrumpa ni presione. Una
sin errores ortográficos. Si la cuestión que vez que escuchó con atención (si es posible,
está tratando es particularmente delicada, so- vaya tomando notas de la consulta), respon-
licite a algún colega la lectura del mensaje da pausadamente a cada uno de los puntos,
para garantizar su amplia comprensión. verificando la comprensión de sus respuestas.
• Piense siempre que está hablando con otro… No prometa nunca lo que no pueda cumplir.
por carta. La tutoría siempre es un diálogo • Cumpla con su horario de atención telefónica.
mediado. Por tanto, no omita el saludo ni fra- Es muy lamentable y desmotivador esperar
ses introductorias; interrogue a su alumno el día y el horario establecido para la con-
acerca de las dificultades que manifiesta e sulta y encontrar que el tutor está ausente.
indague por otras posibles, utilice un regis- Piense que hay personas que deben trasla-
tro amistoso aunque formal, despídase ade- darse muchos kilómetros para efectuar una
cuadamente. No vacile en explicar lo que llamada telefónica. No los defraude.
resulte necesario aunque lleve algunas hojas • En el caso de los medios asincrónicos, cuide
y si debe incorporar materiales complemen- el tono y la modulación de las palabras, sea
tarios o actividades extraordinarias, éste será coloquial pero preciso e incorpore en su dis-
el mejor momento para hacerlo. Recuerde curso los principales conceptos que se están
que las ventajas que se obtienen de una flui- tratando en el programa. Piense que tanto
da comunicación, recompensan el tiempo que en la radio como en el e-mail con voz o a
insume la confección del texto. Estas reco- través del casete grabado puede haber una
mendaciones resultan igualmente pertinen- 5
¿Cuándo nació la EAD? ¿De qué fecha es su partida de
tes para el tráfico electrónico. nacimiento? Existen varias alternativas para escoger: el
• Responda siempre lo más rápidamente que nacimiento de la escritura, la invención de la imprenta, la
creación del primer sello postal, la demanda de los colonos
pueda. No agregue tiempo a los tiempos del ingleses en Australia reclamando educación para sus hijos y
correo. la respuesta bajo la forma de envíos por correspondencia…
282 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 275-285, jul./dez., 2004
Ana Maria Schmid
audiencia desconocida a la que también be- cuando percibe que este control está en relación
neficiar. Para el caso específico de la web- con la calidad de los intercambios con el tutor.
cam, no olvide mirar directamente a la cáma- Es por estas situaciones que la educación a
ra y sonreír. Es la llave para establecer una distancia es una modalidad personalizante.
corriente empática significativa. Los procesos de interacción en los estudios
En cuanto al uso de la videoconferencia, la on line se realizan entre los estudiantes y entre
televisión o los videos, la primera es el vehículo los estudiantes y el tutor. Prefiero reservar el
para una tutoría sincrónica del tipo uno-a-uno o término interactividad para la relación que esta-
uno-a-muchos, la segunda puede ser utilizada blece el estudiante con la interfase comunicativa
de cualquiera de ambos modos y el tercero es sobre la que se desarrolla el programa.
eminentemente asincrónico. También aquí es el tutor el encargado de
Como estos medios reúnen audio e imagen, ‘tirar la primera piedra’, de comenzar el juego,
redes, movimiento y color, es interesante utilizar- de estimular a los cursantes para participar en
los adecuadamente. Con ello quiero decir que conversaciones electrónicas, en foros, o simple-
esta oportunidad de conocer al tutor, verlo, mente a través de intercambios por e-mail. El
observar cómo se mueve y gesticula, escuchar tutor es como un pescador que arroja la red
su voz y verificar dónde enfatiza más su dis- cada semana en procura de contactos con sus
curso, es importante. Tan importante como apro- estudiantes. No espera a que lo llamen, va hacia
vechar el medio para construir o mostrar esque- ellos con solicitud y compromiso.
mas, gráficos, láminas, imágenes, a otros cursan- En ese arrojar la red, deberá poner especial
tes o tutores, al especialista en contenidos o al cuidado en respetar las condiciones del contexto,
especialista en evaluación. Es decir, no adoptar especialmente del contexto social: no es infre-
el estilo de ‘busto parlante’ o de ‘conversación cuente encontrar cursantes que se inhiben ante
en el estar de la casa’ que resulta monótono y la sola posibilidad de manifestarse por escrito o
poco provechoso. Es sumamente gratificante que reconocen desventajas en este sentido. Será
para educadores y estudiantes disponer de tec- preciso procurar alternativas y/o asumir las difi-
nologías avanzadas para apoyar el proceso de cultades con mesura y procesualmente, brin-
dando indicaciones y sugerencias para la mejora
aprendizaje. Pero resulta más estimulante aún
de la escritura.
cuando las mismas son correctamente utilizadas,
respetando los lenguajes que les son propios.
CONCLUSIÓN
¿Y el tutor on line? Si bien ya hemos ingresado en la era de las
respuestas automatizadas y hace mucho tiempo
Participa de las características y merece las que existen los tutorials, creo que la educación a
recomendaciones dadas para los tutores a distancia, para continuar llamándose así, seguirá
distancia que utilizan otras tecnologías diferentes requiriendo de la figura del ‘tutor humano’.
a las electrónicas. Seguramente será preciso ajustar los diseños
Sin embargo, siguiendo a Adell y Siges del subsistema tutorial, mejorar las condiciones
(1999) resulta apropiado hacer aquí algunas de trabajo, proveer a una mejor selección y a
consideraciones acerca de la distancia transac- una capacitación permanente de los tutores como
cional, los procesos de interacción, el control miembros del equipo que diseña y desarrolla el
de los procesos y el contexto social. programa.
Ya mencioné que la distancia transaccional Pero la función del tutor como agente vincu-
es la cantidad y calidad de las relaciones que se lante entre el medio exterior y el equipo EAD
establecen entre el tutor y el cursante. Esta dis- continúa prevaleciendo a la hora de estimular,
tancia percibida se modifica drásticamente cuan- orientar, personalizar, contextualizar y resignificar
do el alumno siente que cada vez asume mayor con el alumno los procesos de aprendizaje y
control sobre su propio proceso de aprendizaje y enseñanza.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 275-285, jul./dez., 2004 283
Tutorías: los rostros de la educación a distancia
REFERENCIAS
ADELL, Jordi; SIGES, Auxi. El profesor on line: elementos para la definición de un nuevo rol docente.
EDUTEC, 1999. Disponible en: www.quadernsdigital.net/hemeroteca. Accedido en: 30 sept. 2004.
APARICI, Roberto. Mitos de la educación a distancia y de las nuevas tecnologías. En: CONFERENCIA
CENTRAL, En: CONGRESO INTERNACIONAL DE EAD, 4., Anales... Córdoba, 2000., Córdoba: RUEDA,
2000.
ARIZMENDI POSADA, Octavio; GONZÁLEZ Stella de. Diversos tipos de tutoría: posibilidades y
limitaciones. Boletín Asociación Iberoamericana de Estudios Superiores a Distancia, Madrid, p. 20-28,
1988.
CABERO ALMENARA, Julio. Nuevas tecnologías, comunicación y educación. EDUTEC, n. 1, 1996.
Disponible en: www.quadernsdigitals.net/hemeroteca. Accedido en: 21 sept. 2004.
CASTILLO ARREDONDO, Santiago. La necesaria formación del profesor tutor. Revista Iberoamericana de
Estudios Superiores a Distancia, Madrid, v. 7, n. 2, p. 107-112, mayo, 1995.
CEBRIÁN DE LA SERNA, Manuel. Nuevas competencias para la formación inicial y permanente del
profesorado. EDUTEC, n. 6/97. Disponible en: www.quadernsdigitals.net/hemeroteca. Accedido en: 30
sept. 2004.
CORIA, Adela y otros. La necesidad del encuentro en el marco de las propuestas tecnológicas: las tutorías.
Revista Iberoamericana de Educación Superior a Distancia, Madrid, v. 8, n. 2, p.23-29, nov. 1996.
EXPINOZA PADIERNA, Luz. La asesoría telefónica y por fax: una cercanía a distancia. Revista
Iberoamericana de Educación Superior a Distancia, Madrid, v. 7, n. 2, p. 113-119, mayo, 1995.
ESPINOSA VILLARREAL, Mónica. Estrategias de moderación como mecanismo de participación y
construcción de conocimiento en grupos de discusión electrónicos. EDUTEC, n. 11, 2000. Disponible en:
www.quadernsdigitals.net/hemeroteca. Accedido en: 30 sept. 2004.
GALINDO RODRÍGUEZ, Enrique. El asesor a distancia. Quaderns Digitals, n. 20, 2000. Disponible en :
www.quadernsdigitals.net. Accedido en : 7 oct. 2004.
GALEANO, Eduardo. Hacia una sociedad de la incomunicación. Signos: teoría y práctica de la educación,
n. 21, abril-junio de 1997. Disponible en: www.quadernsdigitals.net/hemeroteca. Accedido en: 30 sept. 2004.
LIMA, Graciela. Tutorías, encuentro de ambientes que ponen en común alumnos y docentes. En: REUNIÓN
REGIONAL DE AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE, 3., São Paulo, SP. 2000. Anales...São Paulo, SP: [s. n.],
2000.
MARTÍNEZ, Francisco. Educación y Nuevas Tecnologías. EDUTEC, n. 1, 1996. Disponible en:
www.quadernsdigitals.net/hemeroteca. Accedido en: 10 oct. 2004.
MAYA BETANCOURT, Arnobio. La educación a distancia y la función tutorial. Oficina Subregional de
Educación de la UNESCO para Centroamérica y Panamá, San José de Costa Rica, 1993.
MENA, Marta. Curso de Formación de Tutores en Educación a Distancia. Facultad de Derecho y
Ciencias Sociales. Comisión Sectorial de Enseñanza. Universidad de la República, Uruguay, 2001
MENA, Marta. Formación a distancia: implicaciones y desafíos actuales. Entrevista en Asoc.
Hispanoamericana de Centros de Investigación y Empresas de Telecomunicaciones, 1999. Disponible en:
www.ahciet.com.ar. Accedido en: 1 oct. 2004.
MOURSUND, David. Diez ideas poderosas que moldearán el presente y el futuro de las Tecnologías de la
Información en la Educación. Ed. 19. 2004. Disponible en www.edutecka.org. Accedido en: 1 oct. 2004
PÉREZ SERRANO, Gloria. El profesor tutor: perspectiva humana de la EAD. Revista Iberoamericana de
Estudios Superiores a Distancia, Madrid, v. 6, n. 2, p. 67-74, feb. 1994.
_____. El aprendizaje adulto en la enseñanza abierta. Boletín Informativo de la AIESAD, Madrid, v. 3, n. 12,
p.1-7, 1986.
284 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 275-285, jul./dez., 2004
Ana Maria Schmid
SANGRA MORER, Albert. Educación a distancia, educación presencial y usos de la tecnología: una tríada
para el progreso educativo. EDUTEC, n.15, mayo, 2002. Disponible en www.quadernsdigitals.net. Accedido
en: 30 sept. 2004.
SCHMID, Ana. El sistema semipresencial como modalidad de la educación a distancia. Revista
Iberoamericana de Educación a Distancia, Madrid, v. 2, n. 1, p. 67-80, oct. 1989.
Recebido em 30.09.04
Aprovado em 19.11.04
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 275-285, jul./dez., 2004 285
Adriane Lizbehd Halmann
RESUMO
ABSTRACT
*
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, Grupo de Pesquisa em Educação, Comunicação e Tecnologias,
Universidade Federal da Bahia. Endereço para correspondência: GEC, Faculdade de Educação – UFBA, Av. Reitor
Miguel Calmon, Vale do Canela, s/n. – 40110-100 Salvador/BA. E-mail: adriane_halmann@yahoo.com.br.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 287-295, jul./dez., 2004 287
Diários (eletrônicos) de professores: histórias que se cruzam na sociedade aprendente
register practice but making it reflexive and shared, looking up for solution to
common problems. We conclude to the possibility for the blogs, linked to other
tools of communication and production (lists, forum, and collective word
processing) to present an invitation to cooperative learning, which is the base
of a learning society.
Keywords: Teachers formation – Blogs – Information and Communication
Technologies – Reflexive educational practice
288 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 287-295, jul./dez., 2004
Adriane Lizbehd Halmann
do. A reflexão ajuda a pôr juntos pedaços para Isso só é possível quando é criada/estabele-
formar uma educação mais efetiva (PETERS, cida uma cultura de reflexão na e sobre a ação
2004). (SCHÖN, 1983). Refletir na ação é olhar para
A insatisfação da prática pode ser promis- ver o problema, observar a reação dos alunos e
sora no sentido de motivar o professor para utilizar isto para ajustar as ações. A reflexão
refletir, observar os alunos, sua postura, a escola; sobre a ação ocorre antes da aula, quando faze-
buscar leituras de autores e tentar “ler” a reali- mos o planejamento, e depois, quando conside-
dade. A reflexão, ao contrário da ação-rotina, ramos o que aconteceu.
implica em um espírito aberto, disposto a falar A reflexão implica na imersão consciente do
e a ouvir com sinceridade, com um espírito de homem no mundo de sua experiência, um mundo
responsabilidade, ciente de seu compromisso carregado de conotações, valores, intercâmbios
político (DEWEY, 1959; ZEICHNER, 1993; simbólicos, correspondências afetivas, interesses
KINCHELOE, 1997). Ao repensar a prática, o sociais e cenários políticos; supõe um sistemático
professor está olhando para quem está direcio- esforço de análise, que captura e orienta a ação.
nado seus esforços, o que essas pessoas que- Implica no enfrentamento dos não saberes, do
rem e precisam, como atingir objetivos. Um pensamento em uma ação educativa mais
trabalho transformador, disposto a questionar- provocadora e instigante, que “envolve o exame
se, avaliar-se e reformular a prática (HYPO- cuidadoso de toda crença ou espécie hipotética
LITTO, 2004). de conhecimento, aspirando à construção de
Um exercício interessante para refletir sobre significações” (MARTINS, 2004).
o que se está fazendo e suas conseqüências no A reflexão denota para o reconhecimento do pa-
contexto educacional, é a escrita (MARQUES, pel ativo dos educadores, a valorização de suas
2001). Ela, aliada à troca de experiências, pode próprias teorias pautadas na riqueza da experi-
facilitar e tornar mais coerente as transforma- ência de sua ação pedagógica, e a necessidade
ções do instituído, auxiliando na construção de de um processo de aprender a ensinar que se
uma nova epistemologia da prática, na constru- prolongue durante toda sua carreira profissio-
nal. (MARTINS, 2004)
ção de saberes e resoluções de problemas
(PERRENOUD, 2002). Peters (2004) fala da reflexão como um pro-
Essa escrita pode estar orientada em um cesso de descrição, análise/interpretação e de
diário (PORLÁN, 1997), onde ficam registrados atitude. Em um primeiro momento, se descre-
os planejamentos, as ações, as angústias, cren- veria em detalhes a ação (o que cada um fez,
ças e (in)certezas, os medos, as raivas, esse quais foram as reações, o que as causaram, o
conjunto que faz do professor e de sua prática que funcionou e o não funcionou, quais evidên-
educativa, única, singular, ao mesmo tempo que cias existem de que os alunos estão apren-
parte de um todo. É o processo de juntar pensa- dendo...). Depois, se partiria para um processo
mentos e experiências, colocar em ordem (se é de análise e interpretação, que é quando tenta-
que ela existe), articular isto com teorias, exami- mos simbolizar/representar o motivo de o que
nar e aprender com isto. aconteceu e o que poderia ter acontecido,
Reiman (1999) defende que a prática refle- tentando ver isto por diferentes perspectivas e
xiva passa pela descrição, análise, explanação articulando com teorias (quais são os outros
e reflexão. Isto se traduz em contar como ocorre modos de olhar para o que aconteceu, quais
o processo de ensino-aprendizagem (ver, clarifi- teorias podem ajudar a entender melhor o que
car os problemas), pensar em soluções/alterna- aconteceu, isto tem relação com fatos anterio-
tivas para os problemas, examinando o que é res, posso analisar isto mais profundamente).
efetivo ou não, comunicação (oral ou escrita) Segundo o autor, isso daria condições para o
dos efeitos desse processo, além da identifi- que ele chama de “take a intelligent action”,
cação dos significados e das significações da que é o que acontece quando fazemos este
prática. movimento pensando em como gerar atitudes
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 287-295, jul./dez., 2004 289
Diários (eletrônicos) de professores: histórias que se cruzam na sociedade aprendente
transformadoras do ambiente de aula. Assim, todos), fazem desta uma máquina cada vez mais
ele também indica os diários como um consis- presente na vida das pessoas, necessária.
tente caminho para a reflexão. O desenvolvimento dessas tecnologias pare-
Efetivar a reflexão oferece um auxílio para ce encurtar distâncias, globalizar, e nos mostra
o melhor conhecimento de si mesmo, dos um universo de culturas singulares que se
momentos significativos dos percursos profissio- (re)constroem em uma época de dilúvio infor-
nais e pessoais do professor (NÓVOA, 1992). macional, que demonstra a pluralidade, a diver-
Dá subsídios para analisar os motivos que origi- sidade e a desigualdade entre os grupos. Esse
naram sua prática, as formas atuais como se desenvolvimento traz novas possibilidades, como
pode refletir sobre seu desempenho no sentido a TVDigital (que permite a interatividade e
de superar-se e ser cada dia melhor professor- comunicação todos-todos através de um aparelho
pessoa, na visão muito particular como se arti- de tv), novos softwares (que deixa de ser de
culam estes dois sujeitos dentro de si mesmo interesse puramente técnico para, por vezes, ser
(KENSKI, 1997) considerado até movimento social, como acontece
com os Projetos Software Livre espalhados pelo
país) e as comunidades virtuais, que vem
Tecnologias e suas implicações no revolucionando os relacionamentos interpessoais.
contexto educativo Este contexto aponta novas necessidades,
causando certo desconforto para os que
Quando retomamos alguns aspectos históri- acreditam nas ditas ‘verdades científicas’ crista-
cos, vemos que a sociedade vem se reconfigu- lizadas (SIQUEIRA, 1999) e, ao mesmo tempo,
rando, contínua e mundialmente. Um conjunto gera um ‘estado de desapossamento’ (LEVY,
de fatos históricos desencadeou uma série de 1999a), que pode ser promissor, alternativa para
processos sociais e políticos que caracterizam uma educação que leva em conta a comple-
nossa sociedade atual. Os meios de transporte xidade da sociedade e seus movimentos.
e comunicações facilitam e agilizam a produção, Nunca se falou tanto e tão genericamente
venda e distribuição de produtos, o que acelera de tecnologias, o que traz as mais diversas inter-
as transformações econômicas e sociais. pretações e aplicações do termo, que, por vezes,
Algumas tecnologias, estrategicamente, são atingem resultados inovadores e, por outras, aca-
desenvolvidas cada vez mais rapidamente. O bam por fazer as mesmas coisas, mas com
rádio e a televisão (comunicação unidirecional, recursos novos. Isto nos faz deter um pouco de
um-todos) se fazem presentes na maioria dos atenção para o que é Tecnologia e, conseqüen-
lares e influenciam diretamente algumas deci- temente, Tecnologias de Informação e Comuni-
sões das pessoas. O telefone (comunicação um- cação (TICs), Tecnologias Educacionais (TEs)
um) é uma ferramenta que facilita – ou pode e ‘Novas’ Tecnologias (NTs).
facilitar – a vida das pessoas. E o computador, Por muito tempo cultivamos a cultura de o
que primeiramente era visto como uma grande que é novo é bom e que todos devemos aban-
máquina de calcular, inútil ao usuário “domésti- donar os sistemas tradicionais para adotar o
co”, fica cada vez mais leve e menor (chips), inovador. Mas será que o novo sempre é bom?
assim como passa a interagir com o usuário Para que adotar o novo? Para fazer o velho de
(teclado, monitor...) a ponto de este conseguir um modo mais “na moda”? E se resolvermos
inserir dados e manipulá-los com facilidade. Os trabalhar com a Inclusão Digital (que soa sem
softwares se encarregaram de dar uma aplica- sentido se falarmos sem levar em conta uma
ção do computador ao usuário que precisava Inclusão Social), devemos pensar para quem é
calcular, monitorar e manipular informações com dirigido isto, com que propósitos, incluir onde
rapidez. A digitalização, simulação e hipertextua- (BONILLA, 2002a).
lidade, associadas a computadores ligados em Muitas vezes, nesta busca da troca pelo novo,
redes (comunicação multidirecional, todos- chegamos à conclusão de que o ‘velho’ não é
290 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 287-295, jul./dez., 2004
Adriane Lizbehd Halmann
tão ruim. Outras vezes, temos a certeza de que tecnologias de informação e comunicação po-
os recursos, espaços, meios e métodos de que dem auxiliar neste processo, sendo necessário
dispomos não nos servem mais. Mas como agir repensarmos os usos destas, considerando novas
até que tenhamos novos espaços, técnicas e possibilidades, como a interatividade, as comuni-
métodos? De quem estes devem vir? Com dades virtuais, a construção coletiva através de
tantas possibilidades, deveríamos (ou podería- informações partilhadas.
mos) esquecer os espaços não formais de apren- A idéia é utilizar os diários eletrônicos, não
dizagem? só para registrar os planejamentos (o que já era
Com todas estas novas tecnologias, nos feito nos diários de navegação – um dos primei-
vemos diante de uma diversidade de modos de ros diários amplamente difundidos – Oliveira,
fazer educação. Podemos fazer Educação a 2004) e as reflexões, e sim, para poder partilhar
distância (o que já era feito antes deste boom esses saberes e articulá-los com os recursos
tecnológico) e, além disso, fazer educação em disponibilizados pelas tecnologias contemporâ-
diferentes espaços e tempos, tornando as ações neas, especialmente a web.
em EAD e presencial cada vez mais intrínsecas Isto faz com que esta não seja mais uma
uma da outra, cada vez mais difícil (e até injusti- experiência educativa isolada, sem repercussão
ficável) a sua cisão. social. Um aspecto para o qual temos de dirigir
Caminha-se para que nos comuniquemos esforços é a socialização e a difusão dos conhe-
mais (e mais eficientemente), colaboremos uns cimentos em educação, pois, hoje, não faz mais
com os outros, estabeleçamos sistemas de sentido reconstruirmos grandes bancos de dados
cooperação para a construção coletiva de obje- a partir do zero, e sim verificar o que já existe,
tos comuns. Porém, só conseguiremos caminhar trocar idéias, partilhar, adaptar para contextos
rumo a uma inteligência coletiva, se repensarmos específicos, experimentar e reunir esforços em
a educação e a formação dos professores, no um movimento convergente à ampliação dos
ponto em que se insere o tema do projeto que saberes.
gerou este artigo: os diários como convite à Lévy (1999a) aponta que é necessário, na
reflexão docente e possibilidade de aprendi- educação, estabelecer-se uma nova relação com
zagem cooperativa. o saber. Estamos em uma época em que é sur-
Nessa perspectiva, toda a comunidade esco- preendente a velocidade de surgimento e de
lar, em especial os professores, deve estar aten- renovação dos saberes; pela primeira vez na
ta às novas formas de educar, ressignificar espa- historia, a maioria das competências adquiridas
ços e metodologias que levem em conta as diver- na formação inicial de uma pessoa, estarão
sidades em um contexto global (não universa- obsoletas no fim de sua carreira (ou até bem
lizante, não homogêneo). antes disso). Assim como os saberes são produ-
zidos rapidamente, eles também são transmitidos
a outras pessoas, sendo assim produzidos novos
Diários: prática reflexiva partilhada saberes, o que, associado às tecnologias intelec-
tuais que amplificam, exteriorizam e modificam
É necessário pensarmos uma formação de numerosas funções humanas (memória – banco
professores que dê espaço para olhar as práticas de dados, hiperdocumentos; imaginação – simu-
educativas em uma perspectiva crítica, disposta lações; percepção – sensores digitais, telepre-
a repensar conceitos e práticas instituídas, que sença; raciocínios – inteligência artificial), de-
reconheça a importância de se estar levando monstra-nos uma nova perspectiva na formação
em consideração o mundo que envolve o aluno, de novos saberes, tanto como forma de aprendi-
disposta a conversar sobre a prática (leia-se zagem ou trabalho: a Aprendizagem Coope-
estar comprometido também com a prática dos rativa Assistida por Computadores. A aprendi-
outros e abrir a sua prática para as críticas dos zagem cooperativa parece ser a direção mais
outros), disposta a reformular a prática. As promissora, que, por sinal, traduz a perspectiva
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 287-295, jul./dez., 2004 291
Diários (eletrônicos) de professores: histórias que se cruzam na sociedade aprendente
de uma inteligência coletiva para a humanidade. possuem, suas crenças, os obstáculos que
O aprendizado firma-se tanto pelos formandos encontram, suas necessidades e condutas que
como pelos formadores, que atualizam continua- apresentam frente aos problemas. Isto propor-
mente seus saberes, não apenas os “disci- ciona um novo “desenho” da realidade:
plinares”. El intercambio, la contrastación y el análisis de
Isto é possibilitado, inclusive, pelas redes, que los aspectos mencionados facilitan la ampliación
ampliam as possibilidades de comunicação, que de los puntos de vista iniciales y favorece, por
acentuam e generalizam outras e novas possi- tanto, la evolución de las concepciones. Estas
bilidade de ser e agir, no momento em que pro- nuevas ideas deben traducirse en el diseño de
cessos e estruturas organizam e movimentam, una nueva intervención, los cambios en las ideas
(“el saber”) han de tener un reflejo de los cambios
em escala mundial, as perspectivas do indivíduo.
en el programa (“en el saber hacer”). (PORLÁN,
Esta nova configuração pede uma atenção 1997, p. 38)
especial aos processos de formação de profes-
sores. Se esperamos que ele seja um ‘animador Este novo desenho, ainda, não deveria dar-
da inteligência coletiva’, é necessário que ele se apenas sobre os problemas concretos,
consiga participar efetivamente desta ‘constru- podendo ampliá-los para uma escala mais global.
ção coletiva da inteligência’. El diseño de la nueva intervención no debería
Paulo Freire (1996) nos aponta a importância centrarse sólo en el tratamiento de problemas
do processo contínuo de formação, ou seja, o concretos, ya que éstos están inmersos en un
contexto que generalmente determina el origen
formador se faz formando quando forma. Isto,
y las causas de los mismos... Por tanto, es
porém, só se efetiva quando existe uma reflexão deseable que, partiendo de los problemas con-
sobre a prática, o que é proposto por Porlán cretos detectados en las reuniones de equipo, el
(1997) quando ele fala sobre os diários, não diseño de la nueva práctica se aborde desde
apenas como forma de relato (utilizado nas planteamientos más globales, a través de la
práticas de ensino), mas como forma de reflexão elaboración y experimentación de centros de
sobre as ações (e reações) das práticas, os senti- interés o unidades didácticas. (PORLÁN, 1997,
mentos, as angústias, que fazem do professor- p. 39)
pessoa (se é que é possível fazer a cisão destes Esta colocação nos indica a importância dos
dois sujeitos) inquieto, investigativo, pesquisador múltiplos canais de comunicação, como as Lis-
e participante. tas de Discussão, que abordam problemáticas
Porlán (1997) lembra que a mudança na emergentes da realidade que causam inquie-
forma de pensar não altera, por si só, a maneira tação; Fóruns; que possibilitam, inclusive, abrir
de atuar; porém, dificilmente mudaremos nossa o diálogo para além da disciplina; ou ainda como
forma de atuar sem refletirmos sobre nossas a construção conjunta de novos saberes, como
concepções. artigos coletivos (propiciados pelas plataformas/
Além disso, o diário pode ser uma construção ferramentas de escrita coletiva/colaborativa).
em equipe. Isto pode ser imaginado na forma de Pensando nessas possibilidades, foi construí-
uma reunião na escola, ou em uma comunidade do o seguinte projeto: “Diários da prática peda-
virtual, refletindo sobre a ação. Assim, quando gógica como dispositivo para a reflexão parti-
ampliamos o horizonte e compartilhamos crítica lhada e aprendizagem cooperativa : análise de
e rigorosamente em uma equipe, os problemas experiências com diários eletrônicos”, que con-
passam a não ser somente os meus problemas: sidera os seguintes problemas de pesquisa:
são problemas compartilhados e melhor objetivá- 1. partindo de experiências de relatos/reflexões
veis. Esse intercâmbio de pontos de vista deveria docentes (diários) existentes em meios ele-
abarcar as visões que os professores têm de sua trônicos (internet), verifica-se se estes ser-
autonomia profissional, a opinião que têm do vem/se prestam para promover/facilitar a
sistema educativo, dos alunos, dos outros profes- prática educativa reflexiva, partilhada no
sores, dos esquemas de conhecimento que processo de formação de professores;
292 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 287-295, jul./dez., 2004
Adriane Lizbehd Halmann
2. esta prática educativa reflexiva partilhada bientes (relevância para o contexto educativo),
pode encaminhar um processo de aprendi- as perspectivas de continuidade (que esteja
zagem cooperativa (construtos de objetos disponível, pelo menos, durante o período de coleta
comuns). Se esta acontece, como ela se dá? de dados) e se esses ambientes possibilitam a
Sendo assim, a pesquisa pretende: interação entre os professores e a vinculação a
1) identificar experiências que dêem espaço outros meios de comunicação. A coleta será
para relatos/reflexões sobre a prática docen- realizada através de ambientes virtuais, verifican-
te (diários) em meios eletrônicos e verificar do o que está disponível na internet.
se/como propiciam um ambiente que auxi- Nos ambientes, estará se olhando para os
lie/facilite a formação de professores com diários, se estes possibilitam (e de que maneira)
uma prática reflexiva partilhada; a reflexão sobre a e na prática, de forma partilha-
2) verificar se são estabelecidas trocas de in- da. Busca-se identificar, nos diários, fluxos de
formações entre/a partir dos diários (refe- informações e referências de outros diários, além
rências de uns em outros) e se/como estas de verificar elementos que demonstrem a preo-
são utilizadas para a construção conjunta de cupação em repensar a prática em um processo
saberes novos e respostas a problemas. coletivo.
Este projeto de pesquisa pretende estudar Vinculando isto a outros ambientes, preten-
casos de diários eletrônicos sobre a prática de de-se propor chats, fóruns, listas de discussão,
ensino, visando investigar se/como podem ser a fim de captar as mesmas informações citadas
um espaço para reflexões partilhadas e que anteriormente, fazendo um acompanhamento
promovam construções de objetos comuns. Esta contínuo do processo de construção dos diários
pesquisa surge da preocupação com a formação e das reflexões, das conversas e construções.
de professores, no sentido de que esta seja Assim, pretendemos analisar os diários como
contextualizada (levando em consideração as dispositivo para relato, partilha, reflexões e
possibilidades das tecnologias existentes) e que construções conjuntas.
remeta a uma prática reflexiva dialógica. Pre- Quem sabe seja utopia, mas os diários ele-
tende-se utilizar como espaço de pesquisa trônicos de prática podem se estabelecer como
alguns ambientes disponíveis na internet, sendo meio de formação e comunicação, onde não
que será realizado um levantamento de ambien- apenas professores em formação inicial, mas
tes existentes para que se possa selecionar os aqueles que já estão em atuação, possam efetivar
mais propícios para a pesquisa. uma reflexão partilhada baseada nas práticas de
Os ambientes, publicamente disponibilizados uns e outros professores, que também têm angús-
na internet, podem ser estruturantes de análises tias e esperanças, assim como problemas que os
sobre os relatos e reflexões sobre as práticas fazem ir adiante...
de docentes que não têm localização geográfica
necessariamente determinada. As pessoas en-
volvidas no processo são, assim, professores que Perspectivas: construção de sabe-
se dispõem a relatar publicamente, através de res comuns
diários eletrônicos (na web), suas práticas, per-
mitindo que haja reflexões, o compartilhamento A nova sociedade configura-se como uma
destas, além da possibilidade de construções massa fluida, móvel, que vai tomando as formas
coletivas. Após identificar ambientes que dêem dos grupos num universal intotalizável, que vai
espaço para que os professores disponibilizem se moldando e se fazendo uma “sociedade
relatos de práticas e reflexões, podendo partilhá- aprendente”. O presente contexto, formado por
las e construir sobre isto, serão escolhidos alguns visões singulares, pede uma construção que
ambientes. valorize o individual em um coletivo. Tudo isto
Para escolher tais ambientes, estará se le- sinaliza uma nova perspectiva para a educação:
vando em conta a significatividade desses am- o uso das tecnologias de informação e
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 287-295, jul./dez., 2004 293
Diários (eletrônicos) de professores: histórias que se cruzam na sociedade aprendente
comunicação como forma de desencadear a que não funciona assim tão bem. (BONILLA,
aprendizagem cooperativa e construção de co- 2002)
nhecimentos rumo a uma inteligência coletiva. Ao professor também não cabe a solução
Pensando nisso, estamos propondo o uso de de todos os problemas do mundo, mas é neces-
‘diários de bordo’ / ‘diários de classe’ (onde os sário que ele se saiba como “ser” no mundo e
professores registram seus planejamentos e a seja consciente de sua atuação em seu contexto.
reflexão sobre a prática) na web, visando inves- É por esta razão que nós pretendemos analisar
tigar a possibilidade destes atuarem como meio alternativas que propiciem/facilitem a reflexão
para publicar e partilhar experiências e refle- docente, coerentemente com as necessidades
xões. Mais ainda, a combinação/articulação com e possibilitadas que nos são colocadas (e cons-
outros canais de produção e comunicação pode truídas por nós) na sociedade atual. Mas, talvez,
compor o processo de forma mais efetiva. Pen- o mais difícil seja mudar toda uma cultura já
sa-se este como um espaço onde os professores instituída de que o professor é um ser pronto,
atuem trocando informações, colaborando uns que “transmite” saberes superiores e acabados,
com os outros e construindo, cooperativamente, inquestionáveis. É necessário que parta do pro-
novos saberes e respostas a problemas comuns. fessor a vontade/necessidade de mudar o instituí-
Sabemos, porém, que não basta termos boas do. É a atitude inquietante que o vai levar a
ferramentas (e podemos encontrar várias ferra- buscar alternativas para seus problemas, para
mentas, que atendem ou não, em diferentes a qual acreditamos que as reflexões nos diários
níveis, certas necessidades), é necessário mudar eletrônicos sejam promissoras.
o jeito de “fazer educação” em vários aspectos. A práxis pedagógica só vai ter um sentido
As tecnologias, por exemplo, são cada vez mais social no momento em que nos comunicarmos e
presentes na vida das pessoas, logo, não faz construírmos conhecimentos cooperativamente,
sentido utilizá-las como meras ferramentas para levando em consideração os saberes da co-
fazer de um jeito “mais na moda” as mesmas munidade inserida no global, com diversidades,
coisas que se fazia antes. Ou utilizá-las como conhecimentos não lineares, compartilhando
algo à parte, como uma disciplina ou apenas nossas angústias e saberes em uma sociedade
aquele instrumental que nos permite “digitar um que abra espaço para uma ‘moldagem conjun-
texto”. De nada adianta comprar novos “atrati- ta’, que permita a construção de saberes comuns,
vos” para fazer a velha educação, que se sabe aplicáveis à resolução de nossos problemas.
REFERÊNCIAS
BONILLA, Maria Helena. Escola Aprendente: desafios e possibilidades postos no contexto da Sociedade
do Conhecimento. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2002.
_____. Inclusão digital e formação de professores. Revista de Educação, Lisboa, v. 11, n. 1, p. 43-50, 2002a.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo, SP: Paz e Terra, 1999. (A era da informação:
economia, sociedade e cultura; v. 1).
DEWEY, John. Como pensamos. São Paulo, SP: Nacional, 1959.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, SP: Paz e
Terra, 1996.
HYPOLITTO, Dinéia. O professor como profissional reflexivo. Disponível em: <http://www.usjt.br/col_prof/
008_prof_reflexivo.phtml>. Acessado em: 08 mar. 2005.
IANNI, Octavio. A sociedade global. 3. ed. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1995.
KENSKI, Vani. Memórias e formação de professores: interfaces com as Novas Tecnologias de Comunica-
ção. In: CATANI, Denice Babara (Org.) et al. Docência, memória e gênero: estudos sobre formação. São
Paulo, SP: Escrituras, 1997. p.87-97.
294 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 287-295, jul./dez., 2004
Adriane Lizbehd Halmann
Recebido em 30.09.04
Aprovado em 16.11.04
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 287-295, jul./dez., 2004 295
Daniela Maria Barreto Martins
RESUMO
ABSTRACT
*
Mestranda em Educação e Contemporaneidade / UNEB, Especialista em Educação e Tecnologias da Comunicação e
da Informação / UNEB, Psicóloga, membro do Conselho Diretor da COMUNGOS – conexões comunitárias, Organiza-
ção da Sociedade Civil voltada à constituição de ambientes educativos-formativos, Coordenadora do Programa de
Assistência Integral à Família em Capim Grosso – BA. Endereço para correspondência: Mestrado em Educação e
Contemporaneidade, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula – 41150-000 SALVADOR/BA. E-mail: dabamartins@ig.com.br
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 297-304, jul./dez., 2004 297
Identidade-diferença, novas TICs e a cultura dos grupos: os contextos intersticiais como agentes de transformação
Nem a cultura localizada no tempo e no espaço, nem os indivíduos nos quais ela se encarna definem um
nível de identificação básico aquém do qual nenhuma alteridade seria pensável.
(Marc Augé)
298 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 297-304, jul./dez., 2004
Daniela Maria Barreto Martins
de uma tolerância vazia que não provoca 75), Augé nos fala do conceito de lugar antro-
transformações. pológico, o que, em sua opinião, equivale ao “lugar
Nesse sentido, Bhabha (2003) apresenta-nos praticado”, à animação do lugar por uma força
os espaços híbridos de formação, compreendi- motriz, o que, para o lugar, equivaleria ao que se
dos enquanto entre-lugares, espaços de encon- torna a palavra quando é falada. Em contra-
tro e articulação de diferenças, lugares de fron- posição, estão os não-lugares, espaços de circu-
teira, de negociação complexa, que podem ser lação, passagem e consumo: as vias aéreas,
tanto consensuais quanto conflituosos. E, como ferroviárias, rodoviárias, os próprios meios de
o próprio autor adverte, a diferença não deve transporte, os aeroportos, as estações, as grandes
ser tomada precipitadamente como reflexo de cadeias de hotéis, lugares em que predomina o
traços culturais ou étnicos preestabelecidos, anonimato e em que “nunca as histórias individuais
inscritos na lápide fixa da tradição. O direito foram tão explicitamente referidas pela história
de se expressar a partir da periferia do poder e coletiva, mas nunca, também, os pontos de
do privilégio autorizados não depende da persis- identificação coletiva foram tão flutuantes”
tência da tradição; ele é alimentado pelo poder (AUGÉ, 1994, p. 39)
da tradição de se reinscrever através das condi- Para Augé, os pontos flutuantes de iden-
ções de contingência e contraditoriedade que tificação, ampliados pelo poder de intrusão das
presidem a vida dos que estão na minoria. mensagens (de identificação, comando e/ou com
As diferenças sociais não são simplesmente da- fins publicitários) que perpassam os lugares e
das à experiência através de uma tradição cultu- não-lugares, possuem um caráter singular que
ral já autenticada; elas são os signos da emer- expressa toda uma “linhagem política”, cujo eixo
gência da comunidade concebida como projeto é o tema das liberdades individuais e que se
– ao mesmo tempo uma visão e uma construção originam a partir de esquemas de representação
– que leva alguém para “além” de si para poder nos quais são informadas as categorias da
retornar, com um espírito de revisão e reconstru-
identidade e da alteridade.
ção, às condições políticas do presente”
(BHABHA, 2003, p.22) Felix Guattari (1986) torna este ponto da dis-
cussão ainda mais crítico, ao afirmar que a noção
Os entre-lugares, pois, se constituem enquan- de ideologia e emancipação, associada à questão
to universos de possibilidades comuns e interes- da conscientização das massas, sustenta o dis-
ses compartilhados, como não hegemônicos1. curso democrático, que orienta um processo de
Propõem uma nova tônica para as concepções semiotização e subjetivação concernente às
atuais acerca dos processos educativo-formati- “necessidades das grandes máquinas produtivas
vos, que passam, então, a ser compreendidos em escala mundial, das grandes máquinas de
como: controle social e das instâncias psíquicas que
... uma ‘construção simbólica’, portanto, algo definem a maneira de perceber o mundo” (p. 27).
que, historicamente, pode e deve ser ‘re-signifi- Dessa forma, uma prática política que pretenda
cado’ e, conseqüentemente, conter uma ‘polisse- subverter a subjetividade, num plano micropo-
mia’, pois o conhecimento não é algo único, de- lítico, de modo que permita o agenciamento de
finitivo e acabado, mas uma ‘configuração’ singularidades desejantes, deve revelar a sub-
contextualizada, limitada, inacabada; um proces- jetividade dominante, ao invés de denunciá-la. Em
so ‘transitório’, ‘aberto’, ‘conflituoso’, ‘prová-
lugar do discurso emancipatório (noção direta-
vel’, ao mesmo tempo que legítimo e necessário.
(LIMA Jr., 2003b, p. 1 – grifos do autor) mente ligada à problemática da consciência, de
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 297-304, jul./dez., 2004 299
Identidade-diferença, novas TICs e a cultura dos grupos: os contextos intersticiais como agentes de transformação
acordo com Guattari) e da conclamação das mas- que fala de um fenômeno que cresce exata-
sas, inventar subjetividades delirantes, movimen- mente em oposição aos mass media.
tos caosmóticos que, num embate com a sub- A emancipação consiste mais no desenraiza-
jetividade capitalística, possam enfraquecê-la. mento, que é também, e ao mesmo tempo, liber-
Importante notar é o fato de que o discurso tação das diferenças, dos elementos locais, da-
incorporado pelos grupos que se insurgem con- quilo que poderíamos chamar, globalmente,
tra os “detentores do poder” é necessário e, dialecto (...) A libertação das diversidades é um
muitas vezes, produzido dentro dos limites de ato com que elas (as diferenças) «tomam a pala-
vra», se apresentam, se «põem em forma» de
tal “dominação”, como uma forma de equilíbrio modo a poderem tornar-se reconhecidas”
entrópico, produção de contra-força, que justi- (VATTIMO, 1992, p.15 - grifos do autor).
fica a força. E é parte desse repertório a fabu-
lação da liberdade, como resultado de um Um novo movimento de apropriação das mí-
processo de conscientização e emancipação, de dias foi fortuitamente beneficiado pela populari-
forma tal que não são raras as situações em zação das novas tecnologias. A partir de mani-
que esses conceitos são “vendidos” como mer- festações periféricas, tem sido possível fazer
cadorias ou ainda como promessas caras asso- com que grupos e indivíduos, antes meros recep-
ciadas a um hábito de consumo. tores de informações, entrem em cena e criem
Gianni Vattimo (1992), ao abordar o fenô- seus próprios nichos identitários, a exemplo das
meno da comunicação generalizada da socie- rádios comunitárias e das centrais de mídia
dade contemporânea, define os mass media2 independentes, apenas para citar alguns. Isso,
como um forte dispositivo de mobilização política obviamente, diz respeito a uma produção subjeti-
e emancipação em favor das sociedades. Esse va, mas, nestes casos, pratica-se, comumente, a
entusiasmo pode parecer exagerado diante do subversão de lógicas hegemônicas, a partir da
fato de que, como o próprio autor menciona, propagação de mosaicos de devires minoritá-
Adorno, Orwell (com o grande irmão de 1984), rios, alguns deles incidentais, transitórios, fractais.
Nietzsche e outros pensadores já denunciavam O que pretendemos afirmar é a) que no nasci-
a ação funesta da modelagem subjetiva que, mento de uma sociedade pós-moderna um papel
não raro, é o caminho traçado pelos mass media determinante é desempenhado pelos mass me-
dia; b) que estes caracterizam esta sociedade
para o controle e assentamento de uma realida- não como uma sociedade mais «transparente»,
de sólida e fértil, na qual se desenvolvam as mais consciente de si, mais «iluminada» mas
instituições de seu interesse, ou melhor, a do como uma sociedade mais complexa, até caóti-
cliente. ca; e por fim, c) que é precisamente neste relati-
Os mass media, na atualidade, se constituem vo «caos» que residem as nossas esperanças
basicamente como grandes empresas, com de emancipação (VATTIMO, 1992, p.10 – grifos
faturamentos suficientes para concorrerem no do autor)
mercado e se manterem influentes na opinião É no amálgama dessas tensões de represen-
pública. Muitas dessas empresas de comunica- tatividades e identidades sociais que vem cres-
ção estão a serviço de grupos políticos e, ne- cendo a cultura dos grupos. Ora maiores, ora
cessariamente, de grupos econômicos, que são menores, com contornos mais ou menos defi-
nada menos que os patrocinadores. A maioria nidos, funcionam como nichos identitários, ao
dos jornais, por exemplo, reclama que a tiragem tempo em que se singularizam, compondo com
não cobre nem mesmo o preço de custo. O a diversidade. Para Serpa (2004a), os processos
critério explícito dos mass media não se reduz educativos vivenciados em grupos, à medida que
à difusão, o alcance, mas o grau de audiência e incorporam a diferença enquanto base fundante
também a relação com os diversos grupos da formação dos seres em relação, autorizam-
atuantes, se concorrentes ou parceiros, etc. lhes a gestar os seus processos identitários, en-
No entanto, Vattimo (1992), em sua visão
otimista dos mass media, dá a impressão de 2
Mídias de massa.
300 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 297-304, jul./dez., 2004
Daniela Maria Barreto Martins
quanto também são gestados por eles. Tal dinâ- O ciberespaço3, nesta perspectiva, “tornar-
mica pressupõe uma disposição horizontal rizo- se-ia o espaço móvel das interações entre co-
mática em que cada ser, singular, exerce uma nhecimentos e conhecedores de coletivos inteli-
centralidade em relação aos seus próprios pro- gentes desterritorializados” (LÉVY, 2000, p. 29).
cessos, ao tempo em que se conecta com outras Esta imagem móvel de inter-relações entre pro-
subjetividades e é identificado pelo grupo, em jetos, competências, singularidades diversas,
um jogo permanente instituído-instituinte. enfim, constituiria zonas de possíveis identifica-
ções sociais, em que os laços entre indivíduos e
As pedagogias que tenham como fundante o
grupos se formariam por aproximações de inte-
diferente na diferença des-constroem o discur-
so teórico vigente das teorias pedagógicas, pois, resses, afinidades, segundo uma “economia das
para qualquer pedagogia da diferença, são im- qualidades humanas e uma estética da invenção”
portantes o acontecimento, a contextualização (LÉVY, 2000, p. 29).
da linguagem e seu sentido e a singularidade. Vattimo (1992) sustenta a sua idéia positiva
Sob o ponto de vista da práxis, a vivência de dos mass media ao analisar a produção e veicu-
contextos e a convivência das múltiplas subjeti- lação de imagens como fenômeno contem-
vidades em uma contigüidade virtual e/ou real
porâneo, cujo sentido dado à produção tecnoló-
formam o caráter dos processos educativos que
tenham como base qualquer pedagogia da dife- gica não se reduziria ao domínio da natureza
rença. (SERPA, 2004c, p.157) através das máquinas, ou, como expresso em
Habermas (1968), dos subsistemas de ação
A questão em voga, que concerne à multipli- racional teleológica4, mas amplia-se no sentido
cação dos saberes face à intensificação da co- do desenvolvimento específico da informação
municação entre indivíduos e grupos, bem como e da construção do mundo como imagem.
o pluridimensão dos espaços de formação e A partir disso, Vattimo (1992) faz duas cons-
informação, é a da conjunção de conhecimentos truções bastante esclarecedoras: 1) Ao invés
num campo de co-construção de saberes coleti- da transparência esperada pelas instituições
vos e/ou coletivizados. Para tanto, é imprescindí- modernas (inspirados em ideais iluministas), em
vel pensar-se numa vivência comum, na abertura que o homem estivesse liberto das ilusões e
das possibilidades de convivência entre diversas falsas interpretações do mundo, os mass media
formas de saber, no compartilhamento desses teriam corroborado para a fabulação do mundo
saberes na perspectiva de horizontalidade, e, conseqüentemente, tornado essas imagens
buscando decidir conjuntamente quais seriam as falsas em verdadeiras, ou melhor, objetivas,
formas mais adequadas e legítimas para proceder reais porque funcionais, ou seja, parte inerente
desta ou daquela forma, destituindo, assim, a da autoconsciência da sociedade. Citando
condição de soberania e verdade última, associada Nietzsche, postula “Não nos fizeram apenas
comumente aos conhecimentos oficiais. interpretações, o mundo verdadeiro tornou-se
Segundo Lévy (2000, p.26) e sua visão de fábula” (NIETZSCHE, apud VATTIMO, 1992,
futuro, dois eixos complementares estariam rela- p. 32).
cionados a estas novas organizações do Espaço Para o autor, esta mesma sociedade em que
do saber: o da renovação do laço social por a tecnologia tem o seu apogeu na informação
intermédio do conhecimento e o da inteligên- é também, essencialmente, a sociedade das
cia coletiva propriamente dita. Esses processos ciências humanas – no duplo sentido, objetivo
seriam especialmente sensíveis ao momento atual
de perda de referenciais, implosão de grupos 3
Espaço criado por via das tecnologias digitais contempo-
humanos pela produção sectária de comunidades râneas, que permite a interconexão intensa de indivíduos e
grupos em todo o mundo, transformando-se, na atualidade,
por pertença étnica, nacional ou religiosa, que no espaço com maior potencial de encontros sincronizados
historicamente conduziram às intolerâncias, lutas entre grupos humanos. A sua realização depende, funda-
mentalmente, de uma rede de computadores conectados,
sangrentas e injustiças sociais, conhecidas e ainda largamente utilizada e conhecida: a Internet.
muito presentes na atualidade. 4
Ação racional dirigida a fins.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 297-304, jul./dez., 2004 301
Identidade-diferença, novas TICs e a cultura dos grupos: os contextos intersticiais como agentes de transformação
e subjetivo, do genitivo: aquela que é conhe- Como pano de fundo de uma movimentação
cida e construída pelas ciências humanas como social nos arredores, que assume formas singu-
o seu objeto adequado; e aquela que se exprime lares, figuram ideologias que por vezes contras-
de forma determinante para essas ciências. tam, incitando a participação civil num plano
...mas tem mais sentido reconhecer que aquilo moral que determina rigidamente os termos em
que chamamos «realidade do mundo» é alguma que se deve dar essa participação, que a torna
coisa que se constitui como «contexto» das um processo mecânico, reterritorializa, man-
múltiplas fabulações – e tematizar o mundo nes- tém a estabilidade e reinscreve representações
tes termos é precisamente o dever e o significa- do cotidiano e ordinário das instituições.
do das ciências humanas. (...) Para a educação na contemporaneidade, isto
Se (já?) não pudermos iludir-nos sobre a pos- significa que, no que se refere aos novos espa-
sibilidade de revelar as mentiras das ideologias ços de experimentação e relacionamento, poten-
e atingir um fundamento último e estável, cializados pela introdução das novas TICs, há
podemos, porém, explicitar o caráter plural das um tênue limiar entre a apropriação de caráter
«narrações», fazê-lo agir como elemento de estruturante e relacional, processo constituído
libertação da rigidez das narrações monológicas, pelas diferenças na diferença e uma outra
dos sistemas dogmáticos do mito (VATTIMO, apropriação fundamentada no domínio e expan-
1992, p. 32/33 – grifos do autor). são de um maquinário ideológico, que hierarquiza
A propiciação de uma maior comunicabi- e verticaliza, colocando-se no centro, reservando
lidade entre heterogêneos, que advém de uma a outros grupos, quando muito, o estatuto de
movimentação social nas fronteiras, de um consumidores.
fluxo pluridirecionado de produções e constru- Quando as Instituições Educacionais aumen-
ções, em que não se pode determinar de ante- tam a circulação e o intercâmbio com forças
mão algum domínio de base (econômico, polí- sociais, internas e externas, tornando-se mais
tico, artístico etc.) (vide DELEUZE; GUATTA- permeáveis, também podem explorar outros
RI, 1996, p.85), tem determinado a necessidade modos de inserção na vida das sociedades,
de reformulações conceituais, que tendem a intensificando as relações inter-institucionais
agregar, ou talvez reagrupar as disjunções pro- que implicam em desdobramentos e transfor-
duzidas pela capitalização do conhecimento, que mações sociais expressivas. Desse modo, vêm
definiu de maneira hostil os limites para o re- “compartilhando sua autoridade social e histó-
conhecimento dos saberes humanos. rica na formação do homem e mulher contem-
Abre-se caminho para o reconhecimento porâneos, bem como na mediação entre o indi-
dos saberes extra-curriculares, para a composi- víduo social e a sociedade.” 5. A escola vem sen-
ção dos conteúdos previstos com os imprevistos, do, então, recolocada no centro das discussões,
para uma certa “singularização dos modos de como recurso fundamental para o implemento
práxis” (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p.30). das transformações sociais necessárias, sobre-
Recentemente os seres desse mundo conse- tudo no que diz respeito à produção de novas
guiram produzir artefatos que permitiram criar um subjetividades.
espaço-tempo virtual, isomorfo ao originário da As tecnologias de comunicação potenciali-
sua mitologia. Nos acontecimentos, o tempo zaram construções subjetivas em torno da
apresenta-se espacializado e o espaço torna-se grande horda, a idéia de uma grande aldeia glo-
sincrônico. Nesse momento, esses seres vêem a bal – para utilizar a expressão cunhada por Mar-
possibilidade de tornar sua mitologia, através shall McLuhan (1971) –, produzindo um certo
do espaço-tempo produzido por seus artefatos,
a base de múltiplos processos educativos. (...)
Dessa maneira seres e artefatos são isomorfos, 5
Conforme interlocução com Arnaud Soares de Lima Jr,
desfazendo-se o ser no artefato, e este ganhan- professor do Mestrado em Educação e Contemporaneidade
– PEC/UNEB, por ocasião de orientação no curso de espe-
do sentido no ser. (SERPA, 2004b) cialização em Educação e Tecnologias da Comunicação e da
Informação, UNEB, 2003.
302 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 297-304, jul./dez., 2004
Daniela Maria Barreto Martins
REFERÊNCIAS
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 297-304, jul./dez., 2004 303
Identidade-diferença, novas TICs e a cultura dos grupos: os contextos intersticiais como agentes de transformação
LIMA Jr., Arnaud S. Uma abordagem antropológica da questão epistemológica da pesquisa científica e
da prática curricular a partir de um diálogo metafórico com “Projeto e Metamorfose” de Gilberto Velho.
Salvador: [s. n.], 2003b (Mimeo).
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de janeiro, RJ: José Olympio, 2002.
MCLUHAN, Marshall; FIORE, Quentin. Guerra e paz na aldeia global. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1971.
SERPA, F.P. Palestra: Educação e tecnologias contemporâneas. Rascunho Digital, disponível em http://
www.faced.ufba.br/rascunho_digital/textos/22.htm. Acessado em: 22 jan. 2004a.
_____. Tentando me ver, ver a humanidade e ver o universo. In: Rascunho Digital, disponível em http://
www.faced.ufba.br/rascunho_digital/textos/22.htm. Acessado em: 17 jan. 2004b.
_____. Rascunho Digital: Diálogos com Felippe Serpa. Salvador: Edufba, 2004c.
VATTIMO, G. Sociedade Transparente. Lisboa: Relógio d’ Agua, 1989.
Recebido em 30.09.04
Aprovado em 11.11.04
304 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 297-304, jul./dez., 2004
Annelise Rettori; Helen Guimarães
Annelisse Rettori *
Helen Guimarães ∗∗
RESUMO
ABSTRACT
*
Graduanda em Pedagogia para educação básica, no DEDC I/ Salvador, Universidade do Estado da Bahia - UNEB na
Rua Silveira Martins, 2555 - Cabula / Salvador-Bahia-Brasil / CEP.: 41.150-000 / Tel.: 0xx(71) 387-5000. Bolsista pelo
PIBIC. Endereço para contato: Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação I, Rua Silveira Martins,
2555, Cabula – 41150-000 SALVADOR/BA. E-mail: annerettori@yahoo.com.br.
**
Graduanda em Pedagogia para Educação Básica, no DEDC.I/ Salvador, Universidade do Estado da Bahia - UNEB na
Rua Silveira Martins, 2555 - Cabula / Salvador-Bahia-Brasil / CEP.: 41.150-000 / Tel.: 0xx(71) 387-5000. Bolsista pela
FAPESB. Endereço para contato: Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação I, Rua Silveira Martins,
2555, Cabula – 41150-000 SALVADOR/BA. E-mail: hewwi2002@yahoo.com.br .
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 305-312, jul./dez., 2004 305
Comunidades virtuais de aprendizagem – CVAs: uma visão dos ambientes interativos de aprendizagem
306 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 305-312, jul./dez., 2004
Annelise Rettori; Helen Guimarães
que se relacionam com educação, como Moodle2; Para Lemos (2004), há três níveis de intera-
simulação, como o jogo Vivo Em Ação3, e entre- ção: a interação técnica, tipo analógico mecâni-
tenimento, como Orkut4. co, que se refere a uma relação do homem com
a máquina propriamente dita, com os botões de
um teclado, por exemplo; a interação técnica,
2. Percepção da interatividade e tipo eletrônico digital, em que não há a interação
ferramentas interativas (em es- apenas com o objeto, mas com o conteúdo, no
paços virtuais) qual a interatividade permite alterações diretas
nas informações que as ferramentas lhe ofere-
Para conhecermos mais sobre os atuais locus cem; e, além dessas, há também a interação
de construção do conhecimento, os AVAs e as social, denominada a relação homem com o
CVs, faz-se necessário abordarmos alguns mundo. Com isso, percebe-se que Lemos não
aspectos da sua constituição. Para isso, optamos considerava as novas tecnologias como
por tratar aqui da Interatividade presente nos criadoras da interatividade, mas como mediado-
ambientes e, por conseguinte, nas comunidades ras na evolução da mesma.
virtuais de aprendizagem, visto que as ferra- Steuer, citado por Primo e Cassol (2004),
mentas disponibilizadas nesses ambientes neces- por exemplo, considera como interatividade
sitam ter um nível de interatividade tal que auxi- apenas a provinda das novas tecnologias, limi-
liem no desenvolvimento do processo de apren- tando-se unicamente à relação homem-com-
dizagem e/ou relacionamento que ocorre nesses putador e entendendo-a como interação em
espaços. tempo real, ou seja, apenas a ação instantânea
É interessante dizer que o termo interativi- do usuário que altera o ambiente, afirmativa essa
dade não é algo proveniente da era digital. A que se opõe a Lemos. Para este último, as mídias
Interatividade surgiu através da arte, na década tradicionais, como o rádio, a televisão ou os li-
de 1960, com a chamada “obra aberta”. Encon- vros, impõem uma interação passiva, havendo
tramos, como um dos melhores exemplos dessa somente a recepção de informações, com pe-
obra, o “Parangolé” do artista plástico Hélio quenas escolhas entre o que já está programado
Oiticica, que rompe com o objetivo de somente para ser transmitido. As tecnologias digitais, ao
fazer da arte um mero transmissor, tornando o contrário, distinguindo-se das anteriores, pro-
público apenas espectadores contemplativos. A põem uma nova forma de transmissão de infor-
intenção de Oiticica foi promover a participação mações descentralizadas e não definidas, no qual
na criação da obra, que não estava acabada e, todos são emissores e transmissores simul-
sim, disposta a modificações e manipulações, em taneamente.
que o “participador” inscreve “sua emoção, sua Dessa forma, “acompanha-se então, uma
intuição, seus anseios, seu gosto, sua imagina- passagem do modelo transmissionista ‘ÜM-
ção, sua inteligência“ (SILVA, 2004, p. 4). Apesar TODOS’, para outro modelo, ‘TODOS-
disso, o termo interatividade só veio realmente TODOS’, que constitui uma forma descentrali-
à tona e a tornar-se conhecido com a chegada zada e universal de circulação de informações”.
das novas tecnologias a partir de 1970, sendo (PRIMO e CASSOL, 2004).
considerada por pesquisadores, como Machado Como exemplo dessa interação “TODOS-
(2001) e Lemos (2004), não como uma inovação, TODOS”, existente nas tecnologias síncronas,
mas, sim, como uma ampliação na relação ho-
mem-máquina. Segundo Lemos (apud PRIMO 2
Ambiente a distância criado em 1999 por Martin Dou-
e CASSOL, 2004) “o que se compreende hoje giamas e quer dizer Modular Objective Oriented Dinamic
por interatividade é nada mais que uma nova Learnig Environment; http://www.moodle.org. A UNEB vem
utilizando atualmente a mediação do moodle em suas disci-
forma de interação técnica, de característica plinas presenciais. Ver URL: www.moodle.uneb.br
eletrônico-digital, diferenciando-se da interação 3
Disponível em: http://vivoemacao.vivo.com.br/
analógica que caracteriza a mídia tradicional”. 4
Site de convivência que abordaremos mais à frente.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 305-312, jul./dez., 2004 307
Comunidades virtuais de aprendizagem – CVAs: uma visão dos ambientes interativos de aprendizagem
temos hoje a Internet (LÉVY, 1999). Por ter videoconferência. Esta permite aos participan-
um alto potencial de interatividade, ou melhor, tes de diversas localidades conversarem simul-
por ser a interação propriamente dita, esta auxilia taneamente não por uma via textual, como a
na promoção de verdadeiras comunidades Chat, e sim áudio-visual. Nos cursos de EAD
virtuais, que são definidas, de acordo com Rhein- os alunos e professores podem ter um contato
gold (apud FREITAS, 2003), como redes eletrô- visual, percebendo todas as ações e reações
nicas de comunicação interativa, organizadas expostas durante a interação. Essa ferramenta
em torno de um interesse ou uma finalidade permite a locomoção do usuário por diversos
compartilhados, ajudando muito no aumento dos lugares sem a necessidade de gastar com via-
cursos a distância. gens. Mas não é uma realidade popular devido
Devido à crescente demanda por formação aos grandes custos com o material necessário:
continuada e procurando supri-la, dando suporte placa processadora de som e imagem, câmara,
a essa modalidade de ensino, surge, assim, a ne- microfone, dentre outros, além de uma infra-
cessidade do uso das mídias telemáticas5, pelo estrutura de telecomunicações adequada.
fato destas apresentarem a possibilidade de man- Nas ferramentas assíncronas, a interação
ter, de forma simultânea e fácil, a interação aluno- não é simultânea. As trocas de texto e mensa-
professor, além de romper com as barreiras de gens entre as pessoas ocorrem de acordo com
espaço e tempo, dando, assim, início aos cursos a disponibilidade de tempo de cada uma. Como
online. Estes se constituem basicamente de uma exemplo desse tipo de ferramenta, temos o e-
variedade de multimídias, de possibilidades de mail, dentre os demais, o mais conhecido e
trocas de mensagens síncronas e assíncronas e utilizado.
de uma lógica não linear, sendo essas possibi- A comunicação ocorre através de transfe-
lidades responsáveis por um maior nível de inte- rência de textos e mensagens entre as pessoas
ratividade nessa modalidade de ensino. que apresentam endereços individuais, podendo,
Para a realização de cursos a distância nos também, haver envio de mensagem coletiva se
ambientes de ensino online há a necessidade esta for mandada para mais de um endereço,
da utilização de diversas ferramentas que estão assemelhando-se à dinâmica de uma lista de
divididas em síncronas e assíncronas. Nas sín- discussão, já que há um grupo de endereços
cronas a interação ocorre em tempo real, simul- cadastrados em um único endereço, facilitando
taneamente, ou seja, o aluno e professor intera- o envio da correspondência. Já nas listas de dis-
gem no mesmo momento cronológico. cussão a comunicação pode ser controlada
A exemplo dessas ferramentas, temos o quanto à transmissão de informações que não
Chat ou Bate-papo, nos quais os participantes, correspondem a um determinado assunto que
com novas identidades e avatares6, enviam e está sendo discutido, ou pode ser livre, ou seja,
recebem mensagens coletivamente ou até mes- sem restrições, dependendo da forma como o
mo reservadamente. Esse espaço pode ser mui- moderador a determina quando a constrói.
to bem aproveitado nos cursos online, sendo Assim como o e-mail e listas de discussão
utilizado para discutir os textos lidos e tirar dú- há também o Fórum. Este apresenta espaços
vidas, tendo um melhor rendimento quando rea-
lizado com um grupo pequeno, limitando-se no 5
A telemática é a combinação da informática com a telefo-
máximo a quinze integrantes, pois, dessa forma, nia, tendo como exemplo a Internet.
6
diminui-se a chance de haver excesso de infor- O avatar pode ser designado como a identidade assumida
pelo jogador em um determinado ambiente, sendo este des-
mação relacionada ao assunto ou não, ocorren- crito como uma figura gráfica similar ao personagem de um
do, assim, a não dispersão do mesmo, facilitando videogame. Segundo Machado (2002, p. 9), sua utilização
resulta em “um processo de negociação entre, de um lado,
a interação e proporcionando, também, a oportu- as iniciativas, as fantasias e os desejos de um jogador real
nidade de todos participarem. projetados em um avatar e, de outro, as convenções, atribu-
tos e possibilidades previstas no programa” que, podem apre-
Outra ferramenta relevante, considerada sentar avatares pré-estabelecidos ou permitem ao usuário a
uma das melhores, utilizada em tempo real, é a escolha de diferentes personalidades.
308 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 305-312, jul./dez., 2004
Annelise Rettori; Helen Guimarães
apropriados para discussões de diversos assun- tizam relações sociais no ciberespaço por tempo
tos, em que os participantes colocam suas opi- suficiente para constituir “sentimentos huma-
niões a qualquer momento, estando os assuntos nos”, como vínculos sócio-culturais de colabora-
divididos em temas e as mensagens organizadas ção e afetividade.
de forma seqüencial a fim de serem facilmente Matta (2002, p.386) enfatiza que, apesar de
identificadas. terem um encontro virtual assíncrono e indepen-
Há também ferramentas para construção de dente da posição geográfica, “as comunidades
textos em grupos: o TWiki7, por exemplo. Nessa são reais e não virtuais e seus efeitos e influen-
ferramenta assíncrona, há a troca entre diversas cias são concretos”. Essa afirmação torna-se
pessoas para o desenvolvimento de trabalhos mais perceptível quando nos deparamos com
coletivos, ou seja, há uma composição dinâmica comunidades de práxis como as de aprendiza-
do conteúdo. Um texto pode ser escrito e rees- gem, entretenimento (muito comum entre os
crito por diversas pessoas, qualquer um tem jovens) e as que fomentam a produção de mate-
acesso ao texto, podendo modificá-lo ou riais, tendo essas comunidades a Gestão do
completá-lo como bem entender. Conhecimento. É como destaca Nina e Teixeira
Filho (2004), ao afirmar que “... a popularização
da Internet e das comunidades virtuais vem ao
3. Visão de comunidade encontro da abordagem da Gestão do Conheci-
mento, favorecendo o estabelecimento de uma
Quanto à nossa visão sobre as comunidades cultura favorável ao compartilhamento de expe-
virtuais, podemos afirmar que são notórias as riências, conhecimentos e melhores práticas nas
mudanças ocorridas nos padrões clássicos de organizações.”
interação e relacionamento humanos, que foram Assim, tendo Matta como referência, nos
reeditados a partir do surgimento dos ambientes interessa a concepção de que os partícipes des-
em rede, possibilitando novas construções sociais tas comunidades são capazes de manter diálo-
e/ou relações produtivas, como a construção de gos e tomar decisões, encontrar soluções, isto
comunidades que se “encontram e trabalham de forma colaborativa, que talvez contemplem
virtualmente através da rede mundial de compu- apenas um participante, mas que envolvam os
tadores” (MATTA, 2003, p.398). integrantes da comunidade como se estivessem
A investigação do conceito Comunidade em um mesmo local.
Virtual nos remete às bases da sociologia, bem É de grande valia fazermos aqui uma breve
contextualizada por Recuero, ao demonstrar referência às comunidades de entretenimento
que, na visão de autores da sociologia clássica, como, por exemplo, o Orkut8. É um sistema,
o conceito de comunidade estava baseado na ainda em protótipo, criado em fevereiro de 2004
orientação da ação social, envolvendo inter- por um funcionário da Google, Orkut Buyukkok-
relações emocionais e afetivas em seu âmbito. ten, turco de 29 anos. Pode ser caracterizado
A autora descreve que, para Weber, “Chama- como uma ferramenta para construção de rede
mos de comunidade a uma relação social na social9, o “social network”. Sua estrutura de
medida em que a orientação da ação social, na funcionamento é simples, usual para um Ambien-
média ou no tipo ideal, baseia-se em um sentido te Virtual; nele, só se pode entrar com convite,
de solidariedade: o resultado de ligações emo- o que evidencia uma organização sociocultural
cionais ou tradicionais dos participantes”.
(WEBER, apud RECUERO, 2002, p.2) 7
Disponível em: http://twiki.im.Ufba.br/bin/view/Main/
Para contextualizar as comunidades, Recue- WebHome
ro também se baseia em teóricos contemporâ- 8
Disponível em: www.orkut.com
neos, como Rheingold, um dos autores que se 9
Compreendemos rede social como um termo referente à
formação das inter-relações que ocorrem na rede, possibili-
apropriaram do termo Comunidades Virtuais, tando relacionamentos sociais, pessoais e/ou comunitários,
para definir os indivíduos/sujeitos que concre- ou seja, uma articulação de grupos através da Internet.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 305-312, jul./dez., 2004 309
Comunidades virtuais de aprendizagem – CVAs: uma visão dos ambientes interativos de aprendizagem
310 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 305-312, jul./dez., 2004
Annelise Rettori; Helen Guimarães
REFERÊNCIAS
BRITO, Mário Sérgio da Silva. Tecnologias para a EAD via internet. In: ALVES, Lynn; NOVA, Cristiane.
Educação e tecnologia: trilhando caminhos. Salvador: Editora da UNEB, 2003.
BRAUM, Adriana et al. Ambientes virtuais interativos e inteligentes: fundamentos, implementação e apli-
cações práticas. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE COMPUTAÇÃO, 24., Salvador, 2004.
Anais... Salvador: SBC, 2004.
FRAGOSO, Suely. De interações e interatividade. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIO-
NAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO. Brasília, DF. 2001. Anais... Brasília,
DF. 2001.
FREITAS, Jackeline Spinola de. Interatividade nas mídias digitais em rede. Disponível em: http://
www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/seminario/jackeline.htm. Acessado em: 15 out. 2003.
LEAL, Renata; NOGUEIRA, Tânia; TERMERO, Maíra. Festa brasileira na rede. ÉPOCA, n. 326, p. 96-102,
ago. 2004.
LEMOS, André. Anjos interativos e retribalização do mundo: sobre interatividade e interfaces digitais.
Disponível em: <www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/lemos/interativo.pdf.>. Acessado em: 15 jul. 2004.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo,SP: Ed. 34, 1999.
15
Curso realizado pelo Professor Dr. Rommel Barbosa e pela Professora Dra. Lynn Alves, no período de março a junho/2004
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 305-312, jul./dez., 2004 311
Comunidades virtuais de aprendizagem – CVAs: uma visão dos ambientes interativos de aprendizagem
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo, SP: Loyola, 1998.
_____. As tecnologias da inteligência. São Paulo, SP: Ed. 34, 1993.
MACHADO, Arlindo. Regimes de imersão e modos de agenciamento. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 25., Salvador, 2002. Anais... Salvador: INTERCOM: UNEB 2002.
MATTA, Alfredo E. Rodrigues. Transurbanidades e ambientes colaborativos em redes de computadores.
Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 11, n. 18, p. 383-389, jul/dez. 2002.
NINA, Gisela; TEIXEIRA FILHO, Jayme. Comunidades virtuais de práticas. Disponível em: <http://
geocities.yahoo.com.br/claudiohamilton/praticas.htm>. Acessado em: 20 set. 2004.
OKADA, Alexandra L. Pereira. A mediação pedagógica e a construção de ecologias cognitivas: um novo
caminho para a educação a distancia. In: ALVES, Lynn; NOVA, Cristiane (orgs). Educação a distância. São
Paulo, SP: Futura, 2003. p 63-75.
PRIMO, Alex Fernando Teixeira; CASSOL, Marcio Borges Fortes. Explorando o conceito de interatividade:
definições e taxonomias. Disponível em: http://www.psico.ufrgs.br/~aprimo/pb/pgie.htm. Acessado em: 15
jul. 2004.
RECUERO, Raquel da Cunha. Comunidades virtuais: uma abordagem teórica. In: SEMINÁRIO INTERNA-
CIONAL DE COMUNICAÇÃO, NO GT DE COMUNICAÇÃO E TECNOLOGIA DAS MÍDIAS, 5., Porto
Alegre, 2002. Anais... Porto Alegre: PUC/RS, 2002.
SANTOS, Edméa Oliveira dos. Ambientes virtuais de aprendizagem: por autorias livres, plurais e gratuitas.
Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 11, n. 18, p. 425-435, jul/dez. 2002.
SILVA, Marco. Sala de aula interativa: a educação presencial e a distância em sintonia com a era digital e
com a cidadania. Disponível em: http://www.senac.br/informativo/BTS/272/boltec272e.htm. Acessado em:
20 set. 2004.
Recebido em 29.09.04
Aprovado em 28.11.04
312 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 305-312, jul./dez., 2004
Lúcia Regina Goulart Vilarinho; Fátima Pinto Gomes
RESUMO
ABSTRACT
*
Doutora em Educação (UFRJ). Docente do Curso de Mestrado em Educação da Universidade Estácio de Sá (UNESA).
Endereço para correspondência: Universidade Estácio de Sá, Campus Centro – Avenida Presidente Vargas, 642, 22o
andar, Centro – 20071.001 Rio de Janeiro, RJ. E-mail: lgvilarinho@netbotanic.com.br
**
Mestre em Educação (UNESA). Coordenadora Acadêmica do campus Ilha do Governador da Universidade Estácio
de Sá. Endereço para correspondência: Universidade Estácio de Sá – Estrada do Galeão, 1900, Ilha do Governador –
21931.002 Rio de Janeiro, RJ. E-mail: fgomes@estacio.br
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 313-326, jul./dez., 2004 313
Computador e rede no ensino fundamental: uma outra dimensão para a autonomia na aprendizagem?
technologies. The inquiry was constructed upon answers to a form, and fieldwork
observations. The form was sent to professors and specialists in the field of
computing. The data obtained was submitted to content analysis and interpreted
to the light of a theoretical frame constituted by a synthesis of ideas from
Edgar Morin, Pierre Lévy, Paulo Freire, Otto Peters, Séraphin Alva, among
others. The research led to three major conclusions. First, in the present
transitional phase, it is important to have within the school, the presence of
computing specialist. Second, when a school have a coherent pedagogical project,
any technological based work flows in a more harmonious way. Third, teachers
are only able to perceive transformations in the student’s performance, they
don’t perceive themselves as part of the technology-education relation.
Keywords: Information and communication technology – Learning’s autonomy
– Basic education
314 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 313-326, jul./dez., 2004
Lúcia Regina Goulart Vilarinho; Fátima Pinto Gomes
são as tecnologias que vão revolucionar o ensino bilizada pela força dos que possuem acesso a
e, por extensão, a educação, mas o modo como um novo fator discricionário: a informação. Tal
são utilizadas. perspectiva já tinha sido explorada por Schaff
Essas preocupações aqui esboçadas nos en- (1990, p.62), quando este sinalizou que a
corajaram a procurar respostas para as seguin- sociedade da informação representava “o maior
tes indagações: (a) que objetivos educacionais perigo de uma divisão entre os que possuem e os
tem o professor quando utiliza o computador e que não possuem as informações adequadas”.
a rede em sua disciplina de ensino? (b) como o Que implicações educacionais derivam-se
professor introduz esses recursos na sala de dessas colocações? Muitas, evidentemente; aqui,
aula? (c) em que medida o uso dessa tecnologia, porém, nos parece importante reconhecer a con-
em salas de aulas do ensino fundamental, ajuda tribuição de Morin (2000b). Para ele, o funda-
os docentes a romperem com práticas tradicio- mental é reformar o pensamento. Significa dizer
nais de ensino, em especial a simples exposição que a escola é o local mais apropriado para se
didática? (d) qual o lugar da ‘autonomia na começar a mudança. É nela que alunos e profes-
aprendizagem’ no contexto da sala de aula sores podem tomar consciência da complexi-
situada como objeto de pesquisa? dade do real, compreendendo que há outras
formas de organizar as idéias, as quais extra-
polam o que este autor chama de “inteligência
Contribuições teóricas à compreen- cega”, isto é, uma inteligência iluminada pelos
são do estudo princípios da disjunção, redução e abstração, os
quais têm marcado a racionalidade científica,
Na revisão inicial da literatura que conduzi- isto é, o paradigma dominante no mundo ociden-
mos para nos aproximar do problema de estudo, tal (SANTOS, 2003). Trata-se, portanto, de um
emergiram duas questões fundamentais, a saber: esforço enorme no sentido de se buscar uma
a primeira referiu-se ao papel que a educação visão multidimensional e a contextualização dos
deve cumprir na era da tecnociência; a segunda conteúdos estudados na escola. Como bem diz
relacionou-se aos objetivos educacionais do pro- Morin (2000b), o problema fundamental do novo
fessor, quando procura integrar o uso das tecno- milênio é fazer com que cada cidadão (aluno)
logias ao ensino presencial. Essas questões foram tenha acesso às informações sobre o mundo,
aprofundadas ao longo da pesquisa em duas com a possibilidade de articulá-las e organizá-
dimensões: na pesquisa de campo e no estudo las, o que exige uma reforma paradigmática e
teórico. As contribuições teóricas são a seguir não programática. A reforma do pensamento
resumidas; foi a partir delas que analisamos os poderá minimizar os efeitos do uso cego da
resultados da pesquisa de campo. tecnologia, isto é, de um uso orientado apenas
Para compreender melhor o papel da educa- pela racionalidade técnica (GIROUX, 1986).
ção na contemporaneidade, recorremos a Lom- Assim, entendemos que as TIC não podem
bardi (2000). Ele nos esclarece que a atual revo- ser incorporadas à educação por mero modismo,
lução científica e tecnológica vem provocando sob pena de cairmos novamente no criticado
um amplo conjunto de transformações na socie- “tecnicismo educacional”. Como resultantes do
dade, afetando não apenas a produção dos servi- desenvolvimento científico-tecnológico, devem
ços, mas as relações sociais, os processos de contribuir para consolidar o novo papel da escola:
comunicação, a produção teórica, literária, artís- um papel que vá além da mera relação de
tica, a relação do homem com a natureza. Este ensinar e aprender, dirigindo-se à formação de
autor salienta que o impacto da informatização cidadãos críticos, capazes, inclusive, de questio-
na sociedade é de tal ordem, que a velha divisão nar o próprio uso das tecnologias.
de classes sociais, antes produzida pela diferen- Ao assumirmos essa mudança no papel da
ça entre os que detêm e os que não possuem os educação, torna-se indispensável repensar os
meios de produção, começa a ser desesta- objetivos educacionais do professor, esteja ele
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 313-326, jul./dez., 2004 315
Computador e rede no ensino fundamental: uma outra dimensão para a autonomia na aprendizagem?
valendo-se ou não das TIC no processo ensino- consciência, amorosidade, esperança e ética
aprendizagem. Segundo Lévy (1993), o ciberes- (FREIRE, 2003).
paço convida para a comunicação direta, intera- Peters (2001) acredita que o termo autono-
tiva e coletiva, uma vez que permite múltiplas mia é muito mais abrangente e complexo do
possibilidades de acesso às informações. Alava que a idéia de estudo auto-dirigido. Para ele, a
e colaboradores (2002) esclarecem que o ci- autonomia tem três dimensões, a saber: filosófica
berespaço foi pensado, sobretudo, para ser um – implica na capacidade do aprendiz libertar-se
espaço social de comunicação e de trabalho do outro (que educa); pedagógica – traduz-se
coletivo. No âmbito educacional, leva à des- na capacidade do aluno ser sujeito de sua
construção da idéia de saber “pronto e acabado”, própria educação; e didática – quando o apren-
isto é, de conhecimento como produto consoli- diz estuda autonomamente. Para este autor, os
dado. Por meio de seus hipertextos, enseja a alunos tornam-se autônomos quando: reco-
co-autoria, aumentando “o potencial de inteli- nhecem suas necessidades de aprendizagem;
gência coletiva de grupos humanos” (LÉVY, sabem definir seus objetivos de estudo; selecio-
1993, p.157). A perspectiva desses autores, nam os conteúdos que lhes são mais pertinentes;
impregnada de uma visão construtivista de buscam materiais didáticos complementares;
aprendizagem, enfatiza que estamos, hoje, diante conseguem identificar fontes básicas e adicionais
do desafio de buscar novas práticas que concor- de pesquisa e fazem bom uso delas; dirigem,
ram para a autoformação. Considerando a im- controlam e avaliam seu processo de aprendiza-
portância do aluno tornar-se sujeito de sua gem. Isso mostra que a autonomia na aprendiza-
aprendizagem, o que implica em desejar saber gem depende de uma metacognição, o que
e ter o controle do que sabe, condição impres- significa não apenas construir conhecimentos,
cindível para que possa conduzir-se neste mundo mas refletir sobre o construído e os respectivos
cada vez mais diversificado, veloz e tecnológico, processos mentais realizados. Este significado
então se colocam na “ordem do dia” questões de autonomia se articula ao novo papel da
antigas como a da autonomia. Como compreen- educação na contemporaneidade.
der melhor essa questão e explorá-la pedagogi- Outros autores têm-se ocupado desta ques-
camente quando se insere o computador e a tão. Alava e colaboradores (2002), por exemplo,
rede na sala de aula? partem do pressuposto de que a aprendizagem
A autonomia, na história da educação, tem é atividade autônoma, isto é, só ocorre quando
se expressado de modos distintos. Sócrates há uma mudança no sujeito, sendo muitas vezes
(século V, AC), ao aplicar sua maiêutica, en- solitária. Acreditam, no entanto, que quando o
quanto “ensinamento que buscava dar à luz os processo de ensino pode contar com o computa-
conhecimentos que se formavam nas mentes dor e a rede, facilita-se o autodidatismo. Para
de seus alunos” (ABBAGNANO, 1962, p.610), esses autores, “o ciberespaço aumenta a mar-
estava potencializando a autonomia dos alunos. gem de manobra dos aprendizes e exige uma
No movimento da “Escola Nova”, ela aparece modificação das dinâmicas de interação entre
subjacente ao (re)conhecido princípio pedagó- formadores e aprendizes” (p.16). Considerando
gico do “aprender a aprender”, o qual visava, que o ciberespaço é mais do que um simples
sobretudo, levar os alunos à “utilização sistemá- dispositivo midiático, que oferece ferramentas
tica do método científico como padrão ideal do e oportunidades inimagináveis de comunicação,
estudo inteligente e da busca das potencialidades esclarecem que essas novas dinâmicas de inte-
inerentes à experiência” (DEWEY, 1971, p.90). ração “colocam, de forma contundente, o pro-
Mais recentemente, a autonomia do educando blema do poder do aprendiz e de seu controle
vem sendo considerada em uma perspectiva sobre os processos de formação” (p.16). Admi-
emancipatória, sendo alcançada por meio de diá- tem, também, que o desenvolvimento de compe-
logo, pesquisa, criticidade, respeito à diversidade, tências metacognitivas parece ser o cerne da
comprometimento, reflexão crítica, tomada de aprendizagem autônoma. Já Kenski (2003) situa
316 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 313-326, jul./dez., 2004
Lúcia Regina Goulart Vilarinho; Fátima Pinto Gomes
o foco da autonomia para além da sala de aula, textual, heterogênea (CORREIA; ANTONY,
esclarecendo que nele também se inscreve a 2003). A interatividade se expressa no hipertexto
capacidade de criticar as tecnologias, entenden- por meio das possibilidades que o aluno tem de
do-as como espaço de luta e transformação. poder interferir e transformar o texto, tornando-
É, pois, a construção da autonomia um dos se, nesse caso, um co-autor. A não linearidade
principais objetivos educacionais do professor refere-se às múltiplas associações que podem
contemporâneo. Que alternativas de ensino po- ser feitas entre os diferentes pontos do hipertex-
demos utilizar nessa construção? to, seja por meio de uma ação intencional (refle-
Alguns caminhos metodológicos têm contri- tida) ou por uma opção aleatória; significa,
buído para a consecução desse objetivo, quando portanto, que não há uma ordem ou percurso
se utiliza o computador e a rede na sala de aula. pré-definido a ser seguido. Já a intertextualidade
Entre esses caminhos, destacam-se as seguintes relaciona-se à idéia de que a aprendizagem
formas de aprendizagem: colaborativa, proble- realizada pelo aluno é tanto individual, única,
matizadora, hipertextualizada e dialógica. inédita, como, também, é resultante de aprendi-
Silva (2000) esclarece que aprender zados concretizados por outros sujeitos. A hete-
colaborativamente envolve planejar e desenvol- rogeneidade significa a possibilidade de se
ver ações, tais como: receber, selecionar e enviar integrar atos comunicacionais bastante diversos,
informações; estabelecer conexões; refletir sobre como, por exemplo: lingüísticos, perceptivos,
o processo em desenvolvimento juntamente com gestuais, cognitivos, imagens fixas e em movi-
seus pares; desenvolver a competência de resol- mento. A associação de diversas fontes percepti-
ver problemas em grupo; buscar e fazer por si vas é um diferencial do computador / rede.
mesmo, o que implica em autonomia. Para Al- A aprendizagem dialógica baseia-se, funda-
meida (2001), o grupo que trabalha em colabora- mentalmente, na disponibilidade do professor
ção é autor e condutor de um processo de para o diálogo, na capacidade de saber escutar
interação e criação. Trabalhar colaborativamen- o aluno, estimulando-o a falar. Freire (2003)
te exige a redefinição dos papéis tradicionais esclarece que escutar o aluno vai muito além
de aluno e professor. da escuta auditiva; implica em respeito ao outro,
A aprendizagem problematizadora é aquela tolerância, humildade, abertura ao novo, disponi-
que se dá a partir de problemas concretos, rela- bilidade à mudança, persistência na luta, recusa
cionados à vida real, de forma a envolver os ao fatalismo, abertura à justiça, pois o diálogo
alunos. Nela é fundamental que todos os partici- não se faz apenas com ciência e técnica.
pantes, em contexto de aprendizagem colabora- Essas dimensões de aprendizagem aqui
tiva, possam relatar e trocar suas experiências, consideradas ajudam a construir a autonomia
pronunciar-se a respeito das questões em estu- em ambientes de aprendizagem que incorporam
do. Palloff e Pratt (2002) afirmam que relacionar as TIC.
o aprendizado feito no cotidiano à aprendizagem
formal não só confere uma maior sensação de
importância aos participantes de um curso, Traçado metodológico do estudo
como também valoriza as pessoas que possuem
os conhecimentos e que podem aplicá-los a Considerando o teor das questões de pesqui-
outros contextos. sa, centrado nas falas de professores, entende-
Segundo Parente (1999, p.87), a hipertextua- mos que a abordagem qualitativa seria a mais
lidade implica numa forma de pensamento em adequada para conduzir o estudo. Nessa aborda-
rede que se contrapõe à ideologia de uma leitura gem, segundo Rey (2002), é fundamental a
passiva, guiada pela ordem linear do discurso. qualidade dos participantes, isto é, que estes
Assim, aprendizagem hipertextualiza refere-se possuam algum conhecimento do problema que
à capacidade de lidar com os conteúdos de está sendo pesquisado, de modo que possam
ensino de forma interativa, não linear, inter- oferecer respostas significativas às questões
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 313-326, jul./dez., 2004 317
Computador e rede no ensino fundamental: uma outra dimensão para a autonomia na aprendizagem?
investigativas. Em função dessa premissa, esco- dos docentes com as dos especialistas e o con-
lhemos uma escola muito conceituada na área junto dessas respostas com os dados coletados
educacional, localizada na zona sul do município na observação das aulas contribuiu para ampliar
do Rio de Janeiro, que atende a crianças das a confiabilidade dos achados da pesquisa.
classes média alta e alta, para ser o contexto As respostas dos questionários, oriundas das
do estudo. A escolha se deveu ao fato de que a questões fechadas, foram tratadas em termos
maioria dos professores do ensino fundamental numéricos. Já as informações apresentadas nas
da escola era pós-graduada, isto é, possuía o perguntas abertas sofreram um processo de
título de especialista ou mestre, sendo que alguns análise de conteúdo, baseado nas orientações
deles cursavam o doutorado. Essa caracterís- de Bardin (1992). Nessa análise, buscamos de-
tica dos docentes foi tomada como um indicador purar o que se evidenciava como mais recor-
de que o trabalho ali desenvolvido seria merece- rente nas respostas, procurando, ainda, inferir
dor de estudos mais detalhados. idéias que, embora não ditas, estavam implícitas
A investigação contou com a participação no conjunto das respostas.
de 16 sujeitos, dos quais 10 eram docentes Como esse estudo foi conduzido em uma
atuando em turmas de 5a e 7a séries do ensino escola que foge aos padrões existentes em
fundamental e os demais integrantes da equipe nosso país – situa-se em um espaço pedagógico
de informática da escola. muito bem equipado; seus professores possuem
Para atender aos propósitos da pesquisa, uti- elevada titulação; os alunos são oriundos de
lizamos os seguintes instrumentos: dois questio- classes sócio-econômicas privilegiadas – enten-
nários e um roteiro de observação. Os ques- demos que seus resultados se restringem ao
tionários foram aplicados aos docentes e espe- contexto da pesquisa. No entanto, não podemos
cialistas, sendo compostos de duas partes: a deixar de admitir que a forma como essa escola
primeira, englobando perguntas fechadas, tinha vem incorporando o uso das tecnologias em tela
por objetivo estabelecer o perfil básico dos oferece pistas para outras instituições de ensino
sujeitos do estudo quanto a: sexo, idade, titulação, e, até mesmo, para secretarias de educação no
disciplina lecionada, tempo de magistério; e a que se refere à forma de organizar e planejar o
segunda, integrada por quinze questões abertas, trabalho nos laboratórios de informática, tendo
visava coletar as informações pertinentes aos em vista que, hoje, já é significativo o número
propósitos da pesquisa. Cabe destacar que os de escolas públicas que dispõem desse espaço
questionários, antes de serem aplicados, foram pedagógico.
validados por duas especialistas na área da
Educação a Distância, as quais, além de recebe-
rem os instrumentos, foram informadas dos Resultados da pesquisa de campo
objetivos da pesquisa. Tivemos, também, o cui-
dado de apresentar a essas especialistas um Para uma melhor compreensão dos dados
resumo, retirado da revisão inicial da literatura, depurados dos questionários, aplicados aos
sobre o significado de autonomia na situação professores e especialistas, e das observações
de ensino-aprendizagem apoiada pelo compu- das aulas, conduzidas no Laboratório de Infor-
tador/rede e das principais alternativas didáticas mática, torna-se indispensável explicitar alguns
favorecedoras da construção da autonomia. Tais aspectos que caracterizam essa escola.
medidas foram tomadas para facilitar a análise Trata-se de uma instituição de ensino fun-
da pertinência das perguntas dos questionários damental e médio, de origem religiosa, cuja filo-
às questões do estudo. O roteiro de observação, sofia educacional se projeta para o aperfeiçoa-
utilizado para dar maior objetividade às observa- mento do aluno em uma relação humana e social
ções conduzidas no Laboratório de Informática, com o mundo em que se insere. Atende a alunos
foi derivado das perguntas validadas pelas espe- de famílias de classes média alta e alta, distri-
cialistas. A estratégia de confrontar as respostas buídos nos dois turnos diurnos, oferecendo,
318 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 313-326, jul./dez., 2004
Lúcia Regina Goulart Vilarinho; Fátima Pinto Gomes
também, à noite, ensino supletivo gratuito para Para implementar a Informática Educativa,
jovens e adultos de baixo nível sócio-econômico. a instituição envolveu a comunidade escolar:
O corpo docente, em sua maioria, é pós-gra- docentes, administração, alunos e pais; promo-
duado. Além de professores e funcionários de veu programas de capacitação e aperfeiçoa-
apoio, a escola tem vários diretores, assessores mento de professores com acompanhamento
pedagógicos, coordenadores de séries, orien- sistemático, visando à formação continuada. Se-
tadores educacionais e uma equipe de Infor- gundo depoimentos informais dos docentes, a
mática Educativa, esta formada por seis profes- integração à proposta pedagógica exigiu assu-
sores, sendo que cinco deles já possuem o mir reflexivamente os objetivos propostos, ba-
Mestrado e dois destes estavam cursando o seados na visão construtivista do processo ensi-
Doutorado (um em Educação e o outro em In- no-aprendizagem.
formática). A instituição possui: quatro labo- Por essa descrição pode-se ter uma idéia,
ratórios (de Química, Ciências, Física e Bio- ainda que incompleta, das condições favoráveis
logia); salas ambiente para Matemática, Geo- de que a escola dispõe para atender às mais dife-
grafia, História, Português, Religião, Inglês/ rentes necessidades de seus alunos. Não ape-
Francês; um anfiteatro; piscina semi-olímpica; nas o espaço físico e seus recursos são privi-
campo de futebol de salão; ginásio de esportes; legiados; o corpo docente também possui titula-
sala de projeção; três laboratórios de informáti- ção muito mais elevada que a exigida. A esses
ca com microcomputadores ligados em rede; dois aspectos soma-se a existência de equipes
um departamento de Informática Educativa pedagógicas específicas, tudo e todos contribuin-
equipado para o desenvolvimento de softwares do para a qualidade do processo educacional.
e CD-Rooms; bibliotecas central e setoriais; Como ficou anteriormente indicado, o foco
além de outros recursos, como filmoteca, video- da pesquisa estava na questão da introdução
teca, mapoteca e uma gráfica própria com mo- das TIC (computador e rede) no processo ensi-
derna tecnologia de computação gráfica. no-aprendizagem. Os resultados a seguir apre-
Desde 1991, os alunos utilizam o computador sentados foram coletados em campo. Não foi
nas tarefas escolares; assim, o domínio dessa tec- possível aplicar o questionário a todos os profes-
nologia, como apoio à aprendizagem, tornou-se sores que atuam no nível fundamental e observar
parte integrante do currículo escolar. Para atender sua prática pedagógica, por serem muitos, com
aos seus objetivos educacionais, referentes ao turmas nos horários matutino e vespertino. Já
uso das TIC, a escola estruturou uma equipe de todos os seis especialistas em informática res-
especialistas em informática. No início do ano, ponderam ao questionário. Visando facilitar o
professores das diferentes disciplinas e docentes acesso aos professores, solicitamos à Coordena-
especialistas do Departamento de Informática ção de ensino fundamental que nos indicasse
reúnem-se para definir os conteúdos que podem um total de dez professores para participarem
ser trabalhados pelas múltiplas linguagens das do estudo. Essa escolha teve como critérios:
tecnologias. A partir daí, inicia-se um processo ser o horário das aulas no Laboratório de Infor-
contínuo de planejamento e criação. O Logo foi mática compatível com a possibilidade de uma
a linguagem escolhida por permitir operações das pesquisadoras estar em campo para proce-
dentro de subunidades conhecidas como der à coleta de dados; e a opção por distintas
micromundos, que oferecem a oportunidade de disciplinas, uma vez que cada uma delas mantém
explorar idéias e resolver problemas de uma área uma relação específica com a tecnologia em
específica como, por exemplo, o programa de questão. Cabe destacar que a escolha de dez
Geometria da Tartaruga; este, além de propor- docentes respaldou-se em Rey (2002): afirma
cionar um ambiente de aprendizagem onde o ele que a abordagem qualitativa não se legitima
aluno interage com os objetos nele existentes, pela quantidade dos sujeitos a serem pesquisa-
facilita o desenvolvimento de conceitos e o dos, mas pela qualidade de sua expressão. Nessa
controle do próprio processo de aprendizagem. linha de raciocínio, tendo em vista a homoge-
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 313-326, jul./dez., 2004 319
Computador e rede no ensino fundamental: uma outra dimensão para a autonomia na aprendizagem?
neidade do corpo docente, considerou-se que necessidade de criar novas situações porque as
dez sujeitos seriam representativos do conjunto do Laboratório de Informática já fazem parte do
de professores vinculados ao segundo segmento planejamento curricular e o trabalho desenvol-
vido já é rotina.
do ensino fundamental.
Os professores que participaram da pesquisa – Embora as aulas façam parte da rotina, costu-
assim se distribuíam: 2 de Matemática; 3 de mo agendar um chat, distribuindo, via e-mail para
Português; 3 de Geografia; 2 de Artes, todos todos os participantes, o guia de acesso com os
atuando em turmas de 5ª e 7ª séries. Desses 10 passos e telas que acrescentam novas informa-
docentes, 6 eram do sexo feminino e 4 do mas- ções ao que está sendo trabalhado, além de pla-
culino, sendo que 7 deles se encontravam na nejar outras atividades envolvendo o uso de
programas e softwares.
faixa dos 40 aos 59 anos e 3 estavam entre os
30–39 anos. Cinco professores tinham mais de A relação de dependência dos docentes à
10 anos de experiência de magistério e quatro equipe de especialistas também pode ser sentida
mais de 20. Somente um desses docentes era em falas destes, como as seguir apresentadas.
apenas graduado; os demais possuíam pós- – No encontro com os professores de turma são
graduação, sendo 5 mestres e 4 especialistas. selecionados os conteúdos a serem trabalhados
A faixa etária e a experiência profissional desses nas aulas que envolvem a informática e também
sujeitos sugerem que se tratava de um grupo as formas como vão ser explorados.
maduro, com uma trajetória no magistério. – Geralmente, no início da parceria, a equipe ele-
Os especialistas, também pós-graduados, ge os conteúdos mais complexos e as múltiplas
enquadravam-se em uma faixa etária similar à linguagens passíveis de serem trabalhadas no
dos docentes. Laboratório de Informática. A partir daí, começa
o trabalho semanal de planejamento e criação.
Todos os docentes utilizam regularmente
(uma vez por semana) o Laboratório de Infor- Os docentes, ao falarem sobre os objetivos
mática para desenvolver suas atividades de educacionais que buscam alcançar quando
ensino. As aulas no Laboratório seguem o que apóiam a aprendizagem dos alunos no compu-
fica definido no planejamento didático, realizado tador e na rede, foram unânimes em afirmar
em conjunto com os especialistas. As reuniões que o principal objetivo é a conquista da auto-
envolvendo docentes e especialistas são sema- nomia na aprendizagem. Ao mesmo tempo,
nais. Pelas explicações oferecidas em uma das salientaram que visam à interatividade e ao
perguntas do questionário, depreendemos que trabalho colaborativo. Preocupam-se, também,
a integração dos docentes com os especialistas com a capacidade seletiva (selecionar informa-
acaba gerando duas modalidades de prática: em ções na internet) e organizativa (organizar as
número maior (7 docentes), sobressai a que informações) dos conteúdos, o que exige a
evidencia uma “acomodação” ao que é definido consolidação do senso de responsabilidade dos
no planejamento conjunto. Já um número bem alunos. Dois docentes destacaram que os objeti-
menor (3 docentes) registrou que o planejamento vos educacionais são processuais, isto é,
é uma base para o trabalho pedagógico, que desenvolvem-se a longo prazo, evidenciando
deve ser sempre ampliada para enriquecer os que vêem a educação como processo contínuo.
objetivos de ensino. Duas respostas são a seguir Eles afirmaram, também, que existem limitações
transcritas para ilustrar a relação de “acomoda- para o alcance dos objetivos; entre essas aponta-
ção” e de “ampliação” que esses docentes man- ram: o número de alunos por turma, que ainda é
têm com o planejamento das aulas no Labora- grande, atingindo um total de 40; a resistência
tório. de alguns alunos ao trabalho colaborativo; a
– O planejamento é feito nas reuniões semanais dispersão de outros. Disseram, também, que
com a equipe de informática para desenvolver derivam seus objetivos de ensino de abordagens
atividades com a utilização de programas relacio- teóricas e pedagógicas construtivistas (uma
nados com os conteúdos trabalhados. Não há abordagem que vise à construção do
320 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 313-326, jul./dez., 2004
Lúcia Regina Goulart Vilarinho; Fátima Pinto Gomes
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 313-326, jul./dez., 2004 321
Computador e rede no ensino fundamental: uma outra dimensão para a autonomia na aprendizagem?
322 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 313-326, jul./dez., 2004
Lúcia Regina Goulart Vilarinho; Fátima Pinto Gomes
As duplas deviam cumprir todas as etapas e da rede, uma vez que o hipertexto e a
da atividade e, quando estas ficavam concluídas comunicação direta imediata levam o “ciber-
antes do tempo previsto, os alunos podiam utili- nauta” não só a acessar uma quantidade signifi-
zar outros programas que estavam à sua dis- cativa de informações, como ainda a entrar em
posição, como, por exemplo, o jogo de batalha contato com outras realidades, pessoas e
naval que envolve o conhecimento de coorde- diferentes modos de organizar o pensamento,
nadas geográficas. favorecendo não apenas a interatividade
Ao final de cada aula, os alunos tinham de (LÉVY, 1993), mas, também, uma visão mais
fechar os seus arquivos no computador, guardar abrangente (complexa) da realidade.
seus roteiros preenchidos com os resultados das Essa nova forma de pensar não surge es-
atividades realizadas, assinalando as etapas a pontaneamente, ela é construída e o melhor lugar
serem cumpridas no próximo encontro, deixando para a sua construção ainda é a escola, com a
o laboratório arrumado para a turma seguinte. orientação de docentes capazes não apenas de
É digno de registro que os alunos interagiam refletir criticamente sobre a realidade, mas de
sem dificuldade com a tecnologia pelo fato da transformá-la; docentes que saibam ajudar seus
mesma já ser usual em suas vidas, tendo acesso alunos a se tornarem paulatinamente autônomos
na escola e em casa. na construção do seu conhecimento (FREIRE,
1998), uma autonomia que expresse a capaci-
Conclusões inferidas da pesquisa dade do próprio aluno reconhecer suas necessi-
dades, dificuldades e processos de aprendiza-
Como anunciamos no início deste trabalho, gem (PETERS, 2001).
nossa preocupação de pesquisa estava na ques- A conquista da autonomia, em ambientes de
tão da introdução do computador e da rede na aprendizagem que incorporaram o computador
sala de aula, com especial enfoque para os e a rede, pode ser favorecida com a utilização
objetivos educacionais do professor ao se valer de atividades baseadas no trabalho colaborativo
dessas tecnologias, o modo como delas se utiliza, (SILVA, 2000), na problematização (PALLOFF
as mudanças que produzem nesse ambiente e e PRATT, 2002), no hipertexto (PARENTE,
o destaque dado à autonomia na aprendizagem. 1999), no diálogo (FREIRE, 2003).
A revisão da literatura evidenciou-nos que o Foi com essas idéias que buscamos interpre-
impacto das tecnologias, em especial do com- tar os dados coletados nos questionários e na
putador e da rede, é, hoje, tão marcante que observação de campo e essa interpretação re-
não há como a educação deixar de ser atingida, presenta as conclusões de nosso estudo.
sob as mais diversas formas. Quando se fala Os recursos em tela são utilizados pelos
em impacto das tecnologias é indispensável alunos regularmente, uma vez por semana, nas
compreender que nele se insere uma gama de aulas desenvolvidas no Laboratório de Informá-
fenômenos inusitados: novas formas de relação tica, seguindo um planejamento integrado, reali-
social, circulação rápida e infinita de informa- zado por docentes e especialistas em informá-
ções, novas formas de trabalho e produção do tica. Inicialmente, os especialistas têm como
conhecimento. Tudo isso vem exigir uma mu- tarefa básica selecionar os softwares que mais
dança substancial em nosso modo de pensar: se ajustam ao conteúdo programático; em segui-
trocar as visões simplificadas da realidade pelo da, todos juntos discutem e definem os modos
esforço contínuo de olhar fatos, fenômenos, de operacionalização dos temas e problemas de
problemas, situações do cotidiano, por uma estudo. Esse planejamento integrado se projeta
perspectiva complexa, isto é, uma visão que tanto para o ensino no âmbito de uma disciplina
saiba, sobretudo, contextualizar e relacionar as específica, como para as possibilidades de
partes de um todo, mantendo a integridade desse integração entre as disciplinas.
todo (MORIN, 2000b). Esta forma de pensar A equipe de informática, pela sua experiên-
pode ser estimulada com o uso do computador cia, acaba dando o “rumo” das aulas no
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 313-326, jul./dez., 2004 323
Computador e rede no ensino fundamental: uma outra dimensão para a autonomia na aprendizagem?
Laboratório. Pensamos que esse “rumo” do uso educacionais em uma perspectiva de processo,
didático da tecnologia pode induzir o docente a deram-nos a entender que os conteúdos e a
ficar atrelado apenas ao que está no seu roteiro tecnologia são meios de que a prática pedagó-
de trabalho, deixando de visualizar a aula como gica pode lançar mão para a obtenção de algo
acontecimento único, que exige arte, criatividade muito mais amplo e complexo que é o desenvol-
e capacidade de se apropriar das dificuldades vimento do sujeito para enfrentar os desafios
que ocorrem no ato do ensino como outras possi- da vida. Os objetivos desses professores e espe-
bilidades para a aprendizagem (PENIN, 1996). cialistas, enriquecidos pelas leituras atualizadas
Mais uma vez, ficou evidente que em todo grupo que realizam, convergem para uma prática que
docente há sempre os que querem “ir além”; visa, sobretudo, a construção ativa e coletiva
que não conseguem se cingir às amarras de um do conhecimento, baseada na problematização.
planejamento; foi o caso dos docentes que agen- Os resultados obtidos revelam o empenho da
dam chats, usam o correio eletrônico, a internet instituição de ensino em superar o paradigma
para pesquisa e outros softwares que não cons- tradicional de ensino e implantar o paradigma
tam no planejamento. Essa vontade de “ir além” educacional emergente (MORAES, 2000). Há
ultrapassa o tecnicismo ou instrucionismo que uma preocupação em romper com o ensino
nega a condição de sujeito por parte do aluno. repetitivo, em que a expressão do aluno é igno-
Giraffa (2002) afirma que, há muitos anos, rada. Os professores, conscientemente ou não,
defende a idéia de que só teremos informática assumiram o compromisso com a renovação.
na educação quando o professor dominar a Neste ponto situamos nossa segunda con-
tecnologia e usá-la de forma crítica. Acredita clusão: quando a escola tem um projeto claro
que é a partir do domínio que se pode esta- sobre o uso das TIC, quando facilita o aperfei-
belecer novas metodologias e alternativas de çoamento de seus professores e apóia o trabalho
aprendizagem. A visão desta autora se expres- que desenvolvem, então se torna bem mais fácil
sou na pesquisa: os docentes que estavam mais a consecução de seus objetivos educacionais.
seguros em relação à tecnologia foram aqueles Os dados coletados / analisados evidenciaram-
que ultrapassaram os limites do planejamento, nos a atualidade e a consistência das aulas apoia-
levando os alunos a atividades complementares. das pelo computador e pela rede. A construção
Aqui cabe nossa primeira conclusão: esta- da autonomia revelou-se como foco principal
mos em uma fase de transição, com uns pro- dessas aulas. Para essa construção, os docentes
fessores sabendo mais e outros menos (ou quase e especialistas valeram-se de alternativas que
nada) em relação ao uso educacional do compu- vêm sendo bastante destacadas na literatura
tador e da rede. Nesta etapa, acreditamos ser referente à utilização pedagógica desses recur-
importante o apoio direto de especialistas em sos. Eles problematizaram, levaram os alunos a
informática; no entanto, um cuidado deve ser buscar respostas para os problemas de forma
tomado, que é o de estimular os docentes a “irem colaborativa, estimularam a procura de informa-
além” do planejado. Esta conclusão se impõe ções e a troca de saberes, facilitaram e horizon-
até que tenhamos alcançado o patamar “sonha- talizaram o diálogo, criando, ainda, um espaço
do” por Giraffa. para a avaliação do construído. A lacuna que
Os objetivos perseguidos por esses atores, encontramos em relação à construção da auto-
compreendidos como finalidades educacionais nomia desses alunos referiu-se à metacognição,
mais amplas, coincidem com as possibilidades mas talvez seja o caso de indagarmos se esse
de aprendizagem que a literatura específica processo já é factível de ser vivenciado por
destaca para o ensino apoiado pelas TIC. Pro- alunos de 5a e 7a séries.
fessores e especialistas também visavam: auto- Todos os docentes afirmaram que o uso do
nomia, interatividade, cooperação, desenvolvi- computador e da rede trouxe mudanças no
mento da capacidade seletiva e organizativa, desempenho dos alunos: maior motivação, mais
responsabilidade. Ao perceberem os objetivos interesse e participação, melhor compreensão
324 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 313-326, jul./dez., 2004
Lúcia Regina Goulart Vilarinho; Fátima Pinto Gomes
dos conteúdos. Não foram capazes, no entanto, naridade; aceitarem que seus alunos estabele-
de se verem no contexto das mudanças. Pode- cessem outros diálogos, isto é, saíssem da rela-
mos, então, perguntar: em que eles, professores, ção vertical professor-aprendiz; colocarem os
mudaram? Como ficou sua prática? Ela ficou discentes diante de inúmeros desafios inerentes
mais criativa e rica? Em que “cresceram” como à tecnologia escolhida. Para Alves (2001, p 119),
profissionais de ensino? Estariam as mudanças a rede está, hoje, no “âmago da nova forma de
no desempenho dos alunos interferindo na sala construir o conhecimento, em todas as áreas
de aula convencional? Por que esses docentes de atividades humanas – das ciências aos movi-
não se viram como parte integrante do projeto, mentos sociais, do mundo do trabalho à comu-
sendo passíveis também de mudança? Não nicação social”. Esta autora complementa: o
podemos deixar de retomar Freire (1998, p. 30) desafio está, então, na capacidade de pensarmos
quando nos diz que ensinar exige reflexão crítica criticamente sobre esse processo, para nele atuar
sobre a prática: “quanto mais me assumo como mais agilmente, decidindo a favor de quem vai
estou sendo e percebo as razões de ser, de ser exercido.
porque estou sendo assim, mais me torno capaz Os alunos foram estimulados a criar, expres-
de mudar, de promover-me, no caso, do estado sar suas idéias e a fazer uma leitura crítica da
de curiosidade ingênua para o de curiosidade informação. Os professores buscavam desen-
epistemológica”. Desta mesma linha de racio- volver a autoconfiança e as potencialidades de
cínio, extraímos nossa terceira conclusão: é váli- cada um. Havia satisfação no trabalho, entusias-
do supor que os docentes ainda carecem de uma mo. As crianças gostavam, participavam. Não
reflexão mais abrangente (complexa) sobre as podemos, portanto, deixar de destacar o pionei-
alterações que as tecnologias vêm trazendo à rismo da instituição no enfrentamento dos desa-
própria prática pedagógica. fios postos pelo uso didático das tecnologias,
O uso do computador e da rede nessa escola admitindo que a mesma encontrou um caminho
obrigou os docentes a: trabalharem com o hiper- para trabalhar com o computador e a rede,
texto; promoverem relações mais amplas entre valorizando a construção da autonomia.
os conteúdos, ou seja, praticarem a interdiscipli-
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo, SP: Mestre Ju, 1962.
ALAVA, Séraphin et al. Ciberespaço e formações abertas: rumo a novas práticas educacionais? Porto
Alegre: Artmed, 2002.
ALVES, Nilda. Tecer conhecimentos em rede. In: ALVES, Nilda; GARCIA, Regina Leite (Orgs.). O sentido
da escola. Rio de Janeiro, RJ: DP&A, 2001. p.111-120.
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1992.
CORREIA, Ângela Alvarez; ANTONY, Geórgia. Educação hipertextual: diversidade e interação como mate-
riais didáticos. In: FIORENTINI, Leda Maria Rangearo; MORAES, Raquel de Almeida (Orgs.). Linguagens
e interatividade na educação a distância. Rio de Janeiro, RJ: DP&A, 2003. p.51-74.
DEWEY, John. Experiência e educação. São Paulo, SP: Editora Nacional, 1971.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz
e Terra, 1998.
_____. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, SP: Paz e Terra,
2003.
GIRAFFA, Lúcia. A formação de professores e o uso das tecnologias de informação no ambiente escolar.
ABC Educativo, São Paulo, ano 3, n.14, p. 25-26, 2002.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 313-326, jul./dez., 2004 325
Computador e rede no ensino fundamental: uma outra dimensão para a autonomia na aprendizagem?
Recebido em 30.09.04
Aprovado em 05.12.04
326 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 313-326, jul./dez., 2004
Alexandra Okada
A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA
E TECNOLOGIAS DE COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO:
UM CAMINHO PARA INCLUSÃO DIGITAL?
Alexandra Okada ∗
RESUMO
ABSTRACT
*
Graduada em Computação pelo ITA, Mestre e Doutoranda pela PUC-SP, atualmente pesquisa cartografia - mapas de
informação para construção de redes de conhecimento, principalmente em projetos de investigação acadêmica. Endere-
ço para correspondência: Rua Ministro Godoi, 969, 4º andar, Bloco A – 05015-901 São Paulo, SP. E-mail:
coopan@uol.com.br .
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 327-340, jul./dez., 2004 327
A mediação pedagógica e tecnologias de comunicação e informação: um caminho para inclusão digital?
O cenário atual, marcado pelas mudanças no Ensino Médio e Fundamental3 e, dentre eles,
rápidas e contrastes dramáticos1 – globalização uma parte bem significativa está se direcionando
e exclusão, superabundância e escassez, gran- para a “inclusão no mundo da globalização, da
des avanços da tecnologia e do conhecimento tecnologia e do conhecimento”.
paralelamente ao aumento dos índices de pobre- Isto vem ocorrendo na área de Educação e
za e ignorância – é um forte convite para repen- é prioridade máxima de muitos governos em
sar o papel da Escola, em especial, da Uni- diversas nações, fato que pode ser observado
versidade. nas páginas principais dos sites de cada país,
Araújo Filho (2000, p. 7), presidente do Fórum na Agenda 21 e no Relatório de Desenvolvi-
Nacional de Extensão, resgata a missão do Ensino mento Humano e, inclusive, com o crescimento
Superior, destacando não só a importância de de Telecentros4 no mundo e no Brasil.
construir conhecimentos mas, também, de torná- Não restam dúvidas sobre a importância da
lo acessível a todos e, principalmente, útil para o inclusão no cenário mundial e nacional como
indivíduo e para o coletivo. meio de propiciar a construção-reconstrução e
Como terceira função da Universidade (além do socialização de conhecimentos, visando a trans-
Ensino e da Pesquisa), a Extensão é, hoje, com- formação da realidade para um melhor contexto
preendida como uma das atividades que a Uni- individual e social. Nesse sentido, a integração
versidade realiza, de forma indissociada das duas da pesquisa, ensino e extensão e principalmente
outras, para alcançar o seu objetivo: produzir o o entrelaçamento da teoria e da prática é essen-
conhecimento e torná-lo acessível. A Extensão é cial para encontrar o caminho da práxis5.
dimensionada, para usar a terminologia do Pla- Agora, a grande questão é: “como articular
no Nacional de Extensão brasileiro, “(...) como
a teoria com a prática”? Como entrelaçá-las
filosofia, ação vinculada, política, estratégia
democratizante, metodologia, sinalizando para em prol da inclusão? Como utilizar a tecnologia
uma Universidade voltada para os problemas neste processo?
sociais com o objetivo de encontrar soluções
por meio de pesquisas básicas e aplicadas, vi- 1
Segundo o relatório da ONU(1997), dos 5,5 bilhões de
sando a realimentar o processo ensino-aprendi- habitantes no mundo: 1,5 bilhões são desesperadamente
zagem como um todo e intervindo na realidade pobres e mais de um bilhão sobrevivem com uma renda
diária que não chega a um dólar, inclusive nos países desen-
concreta.” volvidos. O Brasil tem cerca de 160 milhões de habitantes e
10º maior PIB (Produto Interno Bruto) do mundo. Entre-
Segundo a Declaração Mundial sobre a tanto, cerca de 40% da população são analfabetos, 47%
Educação Superior no Século XXI, é funda- pobres e indigentes.
2
mental criar oportunidades para que as pessoas No VI Congresso Iberoamericano de Extensão (2001)
http://vicongressoibero.epm.br/indexportugues.htm foram
possam inserir-se na sociedade do conheci- apresentados mais de 500 trabalhos de Universidades Brasi-
mento, visando atender às necessidades sociais. leiras, sendo que mais de 100 voltados para a área de Educa-
ção. Nesse conjunto, 80% voltados para inclusão com atu-
... os sistemas de educação superior devem au- ação não só no Brasil, como também no Exterior - Temas
como, por exemplo: Alfabetização de Jovens e Adultos,
mentar sua capacidade para viver em meio da Formação de Alfabetizadores, Alfabetização solidária em
incerteza, para transformar-se e provocar a tro- Tímor Leste, em Moçambique, Informática para idosos,
ca, para atender as necessidades sociais e fo- Compromisso social com o conhecimento adquirido na for-
mação profissional...)
mentar a solidariedade e igualdade, preservar e 3
No Ensino Médio e Fundamental existem projetos como,
exercer o rigor e a originalidade científica com por exemplo, Escola Voluntária de Informática – Colégio
espírito imparcial por ser um requisito prévio Dante Alighieri http://www.dantealighieri.com.br/ , Ética e
decisivo para alcançar e manter um nível indis- Cidadania – Escola Santa Cruz http://www.santacruz.g12.br/,
Programa Cidadania – Colégio Bandeirantes http://www.
pensável de qualidade, e colocar os estudantes colband.com.br/
em primeiro plano numa perspectiva de uma edu- 4
Segundo Dimenstein (Folha de São Paulo, 12 ago. 2001),
cação ao longo da vida a fim de que possam “recém-implantados no Brasil, os chamados telecentros
integrar plenamente na sociedade mundial do públicos, destinados a facilitar o acesso da população caren-
te à internet, já funcionam há quatro anos em Moçambique,
conhecimento. na África, considerado um dos países mais miseráveis do
planeta”
Com esse intuito, muitos projetos estão sur- 5
Segundo Freire (1987), práxis é a ação e a reflexão para
gindo tanto no Ensino Superior2 como também transformação da realidade visando um mundo melhor.
328 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 327-340, jul./dez., 2004
Alexandra Okada
Esses foram alguns dos desafios que sur- do outro, e conseguem distinguir as ambigüida-
giram na disciplina “Inclusão e Alfabetização des, dicotomias, singularidades.
Digital” 6 no curso superior de pós-graduação, Dussel (2000) enfatiza que esse processo
Educação: Currículo PUC/SP para os professo- só é possível quando os próprios sujeitos se dão
res, mestrandos e doutorandos que integraram conta da realidade que os cerca. Então, através
pesquisa, ensino e extensão através de ativida- do consenso, alcançam a validade intersubjetiva.
des em conjunto com professores alfabetizado- E, considerando-se sujeitos capazes (factibilida-
res da Rede Municipal de Ensino de São Paulo. de ético-crítica), são capazes de criticar o siste-
O objetivo principal dessas atividades foi buscar, ma (alcançar a validade anti-hegemônica a par-
através da fundamentação teórica e prática, tir da comunidade das vítimas) e, assim, buscar
uma metodologia para a inclusão e alfabetização efetivamente a práxis.
digital. A tecnologia poderia ser utilizada neste senti-
Colocando em evidência a atualidade, a rele- do? Muitos autores destacam várias vantagens
vância do tema e os desafios acima, centrare- do uso da tecnologia no processo de ensino-
mos nosso estudo no tema deste trabalho – A aprendizagem. Dentre eles, Almeida (2001)
mediação pedagógica: um caminho para in- sublinha a “Tecnologia de informação e
clusão? Como? comunicação na educação: aprendizagem e
Segundo Masetto (2000), a mediação peda- produção da escrita”, citando como contribui-
gógica significa a atitude, o comportamento do ções da TCI: o desenvolvimento da escrita e da
professor que se coloca como um facilitador, leitura de forma prazerosa, a representação do
incentivador e motivador da aprendizagem, ou pensamento, a construção do conhecimento, o
seja, uma ponte móvel entre o aprendiz e sua incentivo à autoria e cooperação entre sujeitos.
aprendizagem, que ativamente contribui para que Valente (1999) mostra “Diferentes usos do
o aprendiz chegue aos seus objetivos. Computador na Educação”: ferramenta edu-
Para isso, através do estudo de caso, investi- cacional para desenvolvimento da autoria e auto-
garemos como a mediação pedagógica ocorreu nomia do aluno, resolução de problemas através
entre os professores organizadores desta disci- de desafios, controle de processos com coleta,
análise e representação de dados, transmissão
plina, os pesquisadores alunos do curso,
de informação, comunicação, enriquecimento da
professores alfabetizadores da Rede Municipal
aprendizagem com o redimensionamento dos
de Ensino de São Paulo e alunos alfabeti-
conceitos já conhecidos e possibilidades de
zandos jovens e adultos.
compreensão através do processo de descrever,
Freire (1987) e Dussel (2000) enfatizam que
refletir e depurar.
é essencial que o sujeito ocupe espaço próprio,
Os próprios alunos pesquisadores desta disci-
construa e se faça oportunidade. É através da
plina (2001) complementam os autores, indican-
construção da própria história através da capa-
do como outras contribuições da tecnologia: pos-
cidade de fazer-se, inserir-se e de interferir na
sibilidade de registro, resgate e acesso à grande
realidade, construir e reconstruir conhecimentos
diversidade de informações, alteração e atuali-
que os sujeitos podem transformá-la para um zação rápida, grande facilidade de seleção, clas-
contexto melhor tanto para si quanto para o sificação e reorganização e, assim, construção e
coletivo – o foco desta investigação é analisar reconstrução de conhecimentos, comunicação
como a Mediação Pedagógica, usufruindo rica através de recursos, como a multimídia e o
da tecnologia, pode contribuir para a hipertexto, rapidez, flexibilidade, descentrali-
formação de sujeitos históricos. zação, agilidade na troca de informações, favo-
Destacamos assim a importância da media- recendo trabalho coletivo e cooperativo...
ção pedagógica: propiciar a conscientização
transitivo-crítica na qual, segundo Freire (1987), 6
Disciplina ministrada pelo Prof. Dr. Fernando José Almeida
– atual Secretário da Educação de São Paulo e pela Prof.
os sujeitos se colocam como seres de relações, Dra. Maria Elizabeth Almeida – consultora do Programa
capazes de identificar a sua própria palavra, a Nacional de Informática PROINFO.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 327-340, jul./dez., 2004 329
A mediação pedagógica e tecnologias de comunicação e informação: um caminho para inclusão digital?
330 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 327-340, jul./dez., 2004
Alexandra Okada
das teorias8 que deram origem às pesquisas plo, eles pediram para trabalhar com tipos de si-
(como este próprio trabalho) como também o tuações que vivenciam no cotidiano: como se
entrelaçamento com a prática 9 que iniciou o portar numa entrevista; como se apresentar no
emprego; (...) o que vestir; ...
processo com os alfabetizadores da rede
municipal de ensino de São Paulo para Nesse processo de mergulhar no contexto
elaboração da metodologia do Mova Digital.10 do outro e possibilitar que o outro estenda tam-
Nesse primeiro momento, destacamos a bém no seu próprio contexto, Freire adverte que,
importância do(s) mediador(es) definirem e em relação à extensão, é fundamental estar
explicitarem claramente os seus objetivos/ ciente de que “O conhecimento não se estende
intencionalidades no curso, e ouvir também do que se julga sabedor até aqueles que se julga
os participantes. E, então, convidar todos não saberem, o conhecimento se constitui nas
para a co-construção. Construir em conjunto relações homem/mundo, relações de transfor-
possibilita a co-autoria e, assim, maior envolvi- mações, e se aperfeiçoa na problematização
mento, comprometimento, reflexão da própria crítica destas relações” (FREIRE, 1975, p.36)
ação e também a valorização de cada um. A vivência e a contextualização, ou seja,
Isto pode ser destacado tanto na fala dos esse olhar voltado para aquilo que traz sentido
pesquisadores: “Surgiu o desafio para constru- para si e para o outro, internamente e externa-
ção coletiva. E, assim, a valorização de cada mente facilitou muito a mediação pedagógica
um.” E, também, nos depoimentos dos alfabeti- no incentivo à reconstrução das dinâmicas e
zadores: “Quando o aluno tem a oportunidade práticas pedagógicas, cada qual dentro do seu
de sentir-se “capaz de”, tem a oportunidade de cenário.
aumentar a sua auto-estima”. Assim, neste terceiro momento, destacamos
De acordo com Freire (1987, p. 68): “O como outro ponto importante da mediação –
educador já não é o que apenas educa, mas o possibilitar a reconstrução de conhecimen-
que, enquanto educa, é educado, em diálogo tos a partir do que traz significado articu-
com o educando que ao ser educado também lado com a vivência e principalmente com
educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do o contexto investigado.
processo em que crescem juntos.” Neste caso investigado, observamos que
Num segundo momento, sublinhamos a ocorreu uma “cascata” de processos (reflexões
importância do mediador não só mergulhar no e ações), possibilitando os sujeitos reconstruírem
contexto de atuação do aprendiz para com- e construírem conhecimentos, e também, se
preender a sua problemática e desenvolver as tornarem mediadores no processo (Quadro I).
ações de formação mas também possibilitar Oferecer apoio necessário para que os
que o aprendiz mergulhe, se possível, no con- aprendizes possam reconstruir os seus co-
texto do objeto a ser estudado. (ALMEIDA, nhecimentos é outro ponto de destaque da me-
2000). diação pedagógica.
Também evidenciamos isto nos depoimentos Demo (2000, p.4) destaca o termo recons-
dos pesquisadores: trutivismo para “indicar que aprendemos do que
Conhecemos o contexto desses professores nos já aprendemos, conhecemos do que já conhece-
seus relatos de experiência como alfabetizadores. mos, em contexto histórico-hermenêutico.
No primeiro dia, estávamos separados, mas no
final nos constituímos num grupo, sem separa- 8
Por exemplo, as teorias de Freire nas quais cada pesquisa-
ções entre acadêmicos e alfabetizadores – teoria dor reescreveu sua história de vida e, a partir da apresenta-
e prática. ção em duplas, foram destacados temas geradores.
9
Por exemplo, a construção coletiva da dinâmica para fa-
E, também, dos alfabetizadores: zer emergir os temas geradores dos alfabetizadores, o con-
vite para co-autoria e reflexão do processo.
Nossos alunos gostam mais de trabalhar com 10
O nome Mova Digital foi escolhido para enfatizar o pro-
aquilo que é dos seus próprios interesses, que jeto já existente MOVA – Movimento de Alfabetização de
faz parte da realidade deles. Neste ano, por exem- Jovens e Adultos, abrangendo também a inclusão digital.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 327-340, jul./dez., 2004 331
A mediação pedagógica e tecnologias de comunicação e informação: um caminho para inclusão digital?
Quadro I
332 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 327-340, jul./dez., 2004
Alexandra Okada
Quadro II
Reconstruímos conhecimento mais do que quisador pudesse reconstruir melhor o seu tema
construímos”. (Quadro II). de investigação. (Quadro III)
Outro item importante para a mediação pe- Segundo Freire, os temas geradores têm o
dagógica é fazer a intervenção quando ne- desafio de gerar situações-limites, incentivando
cessário, e principalmente convidar o outro o homem a romper suas fronteiras e agir. As
a fazer intervenções também. É a interven- ações tornam-se atos-limites, visando superar
ção que possibilita dar “saltos qualitativos no os desafios.
processo de aprendizagem”. No momento em que estes as percebem não mais
Almeida (2001, p. 4) destaca que é importan- como uma fronteira entre o ser e o nada, mas
te “fazer as intervenções no momento apropria- como uma fronteira entre o ser e o mais ser” se
do de modo a desestabilizar as certezas inade- fazem mais críticos na sua ação, ligados àquela
quadas e impulsionar a busca do rigor científico percepção. Percepção em que está implícito o
na investigação e na transformação do conheci- inédito viável como algo definido, a cuja
concretização se dirigirá sua ação. (FREIRE, 1987,
mento do senso comum em conhecimento
p. 94).
científico”.
Essa intervenção pode ser desde um comen- Nesse sentido, a mediação pedagógica é
tário crítico, um elogio, uma orientação, um fundamental para:
convite à reflexão, a uma revisão de pensamento • conduzir os aprendizes para que cada um
e postura, até mesmo à desconstrução. Cada estabeleça seus próprios desafios,
aprendiz tem seu ritmo, é importante estar atento • oferecer apoio durante a caminhada possi-
ao processo e identificar o momento de fazer bilitando a percepção da realidade e a re-
as intervenções. Este é um momento importante construção do seu desafio de acordo com
e rico, no qual a mediação pedagógica pode tra- esta percepção.
zer contribuições significativas para o aprendi- Como a tecnologia foi utilizada para trazer
zado do aluno. contribuições no processo? Segundo Burd
Observar as intervenções dos alunos é uma (1997b, p. 1):
possibilidade de perceber os avanços no proces-
... não existe software que por si só seja capaz de
so de aprendizagem, inclusive, também, uma educar uma pessoa ou gerar aprendizado. O que
oportunidade de uma nova intervenção. existe, de fato, são atividades que propiciam si-
Podemos observar a seguir, como as inter- tuações favoráveis para que uma pessoa refor-
venções foram importantes para que o pes- mule/construa conhecimento, e sistemas compu-
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 327-340, jul./dez., 2004 333
A mediação pedagógica e tecnologias de comunicação e informação: um caminho para inclusão digital?
334 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 327-340, jul./dez., 2004
Alexandra Okada
tacionais que oferecem maior ou menor suporte rações são acionadas por situações bem espe-
a este tipo de atividade. Para isto, o que pode ser cíficas, automáticas ou instintivas.
feito é “aplicar/adaptar o corpo teórico da Teoria O conhecimento seria atingido através da
da Atividade da escola russa de psicologia ao
inter-relação entre homem e natureza num pro-
desenvolvimento de programas de computador
mais adequados à atividade a que se dirigem. cesso de internalização e externalização, visto
no sócio-interacionismo. E, também num proces-
Leontiev, psicólogo soviético, consolidou a so de conceitualização (transformação das
Teoria da Atividade cujas origens se deram nas operações para as ações) e operacionalização
pesquisas de Vygostky (seu professor) com raí- (das ações para operações) para realizar as ati-
zes nas idéias de Marx e Engels (década de 20). vidades. Este seria um trânsito entre consciência
O ponto de partida para a concepção dessa teoria e não-consciência.
é o conceito de atividade como integração entre Considerando a teoria da atividade, o com-
o mundo mental e o mundo físico. Nesta putador pode ser utilizado como um artefato
abordagem, o conhecimento é construído através entre o mundo mental e o mundo físico. Segundo
da integração das atividades mentais e práticas Bellamy (1996, 125):
do sujeito visando também a integração do ho-
mem com o mundo. O enfoque desta teoria não Todo artefato tem o potencial de alterar uma ati-
vidade, mas é necessário todo um contexto para
está nas estruturas genéticas, como exemplo dos determinar o que de fato acontecerá: a atividade
esquemas piagetianos, mas sim nas interações é influenciada pelas ferramentas e símbolos usa-
sociais, no sócio-interacionismo. As suas inves- dos no objeto, pelo papel que o indivíduo tem
tigações não são só epistemológicas, mas também em sua comunidade, e pela divisão do trabalho
filosóficas. O que leva as pessoas a agirem? (como a atividade é distribuída entre os mem-
Desse modo, define a atividade como tendo bros da comunidade, algo fundamental para que
algumas características essenciais. Toda ativi- a comunidade atinja um objetivo comum).
dade envolve motivo, contexto e interatividade. Observamos que durante as atividades da dis-
As atividades podem ser individuais e coletivas, ciplina os computadores foram utilizados pelos pro-
compostas por ações e estas por um conjunto fessores, pesquisadores, alfabetizadores e al-fa-
de operações. As atividades são orientadas por betizandos não só como um instrumento para
motivos (desejos, necessidades). As ações são construção e expressão do pensamento, como
estabelecidas por metas conscientes. E as ope- também para trocas e intervenções. (Quadro IV)
Quadro IV
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 327-340, jul./dez., 2004 335
A mediação pedagógica e tecnologias de comunicação e informação: um caminho para inclusão digital?
Figura 1
Atividade: conscientização do uso do computador como instrumento
para leitura e reescrita
Figura 2
336 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 327-340, jul./dez., 2004
Alexandra Okada
Figura 3
Figura 4
Com referência aos tópicos analisados sobre sibilitar que o aprendiz mergulhe, se
a mediação pedagógica, observamos algumas possível, no contexto do objeto a ser
contribuições decorrentes do uso da tecnologia: estudado.
Os registros (sobre aula, teorias, leituras,
1. Definir e explicitar objetivos/intencio- entrevistas, relatos etc ) durante a trajetória dos
nalidades em conjunto, convidando to- cursos socializados na Internet permitiram
dos para a co-construção. perceber mais o contexto dos pesquisadores e
As intenções tanto coletivas como individuais dos alfabetizadores.
podem ser discutidas e resgatadas no início do
curso e durante o percurso, tanto presencial- 3. Possibilitar a reconstrução de conheci-
mente como através da Internet. Isto ocorreu mentos a partir do que traz significado
na mediação entre os pesquisadores e profes- articulado com a vivência e principal-
sores (nas listas de discussão e no ambiente mente com o contexto investigado.
Teleduc). Algumas atividades foram criadas no com-
putador com este objetivo: reescrita da história
2. Mergulhar no contexto de atuação do de vida, do significado do nome, do documento
aprendiz para compreender a sua pro- de identidade. Para isto, foram utilizados
blemática e desenvolver as ações e pos- editores de texto e de desenho.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 327-340, jul./dez., 2004 337
A mediação pedagógica e tecnologias de comunicação e informação: um caminho para inclusão digital?
4. Oferecer apoio necessário para que os fruir muito mais em relação à comunicação e à
aprendizes possam reconstruir os seus troca de informações .
conhecimentos é outro ponto de desta- Tendo como referência o diagrama da Teoria
que da mediação pedagógica. de Organizações Ativas (LEWONTIN, 1982,
Muitas informações foram trocadas na p. 163), poderíamos analisar as relações entre
Internet (lista de discussão) entre pesquisadores, sujeitos, comunidades e objetos tendo como
professores: notícias de jornal (por exemplo, G. artefato as tecnologias de comunicação e infor-
Dimeinstein “Sem Telas”) textos (Information mação para intermediar essas relações.
Ecologies, Teoria da Atividade ...). As interações entre professor, pesquisador,
alfabetizador e alfabetizando e suas comunida-
5. Fazer a intervenção quando necessário des podem ser realizadas também através das
e convidar o outro a fazer intervenções tecnologias de comunicação e informação.
também. Segundo Freire (1987), os sujeitos cons-
Tanto no ambiente Teleduc, como na Lista troem o conhecimento um com o outro me-
de discussão temos as intervenções dos diatizados pelo mundo. Nesta construção e
professores e dos colegas. A grande vantagem reconstrução, o diálogo, a reflexão, a negocia-
é que as comunidades podem trocar informações ção, a definição de metas, intencionalidades,
entre si (e um ser mediador do outro). objetivos, teorias são importantes, principal-
mente quando ocorrem em conjunto, coleti-
6. Conduzir os aprendizes para que cada vamente entre todos os participantes. Além
um estabeleça seus próprios desafios, disso, é necessário também existir possibili-
incentivando a percepção da realidade dades e oportunidades para a ação, o traba-
e a reconstrução do seu desafio de acor- lho, a prática, a divisão de tarefas de forma
do com esta percepção. também consensual e cooperativa. Neste
Isto também ocorreu na Internet durante o contexto, a mediação pedagógica ocupa um
processo: nas interações entre os sujeitos, nas papel fundamental para integrar a reflexão e
discussões sobre as atividades, nas produções a ação, as teorias e as práticas entre os sujeitos
dos trabalhos de investigação. envolvidos (minhas e dos outros, da minha
Se os alfabetizadores e alfabetizandos tives- comunidade e da comunidade dos outros) em
sem acesso à Internet na escola, poderiam usu- que todos são co-autores. (Figura 5)
Figura 5
338 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 327-340, jul./dez., 2004
Alexandra Okada
Os homens (...), ao terem consciência de sua ati- presença criadora através da transformação que
vidade e do mundo em que estão, ao atuarem em realizam nele, na medida em que dele podem se-
função de finalidades que propõem e se pro- parar-se e separando-se, podem com ele ficar, os
põem, ao terem o ponto de decisão de sua busca homens, ao contrário do animal, não somente
em si e em suas relações com o mundo de sua vivem, mas existem, e sua existência é histórica”.
(FREIRE,1987, p.89)
REFERÊNCIAS
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 327-340, jul./dez., 2004 339
A mediação pedagógica e tecnologias de comunicação e informação: um caminho para inclusão digital?
MACHADO, N. J. Possibilidades e riscos com relação ao uso da tecnologia na educação. São Paulo, SP:
USP, 2001. (mimeo).
MASETTO, M. T. Mediação pedagógica e o uso da tecnologia. In: MORAN, J. M.; MASETTO, M. T.;
BEHRENS, M. A. Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas: Papirus, 2000. p. 133-173.
MORAES, M. C. O Paradigma educacional emergente. Campinas: Papirus, 1997.
NOGUEIRA, M. D. Extensão universitária: diretrizes conceituais e políticas. Belo Horizonte: Proex/UFMG,
2000.
VALENTE, J. A. Diferentes usos do computador na educação. Disponível em: <http://upf.tche.br/~carolina/
pos/valente.html >. Unicamp, 1999. Acessado em: 16. jan. 2005.
Recebido em 30.09.04
Aprovado em 10.01.05
340 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 327-340, jul./dez., 2004
Cláudia Regina Dantas Aragão
RESUMO
ABSTRACT
*
Mestre em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB; Especialista em Educação
e Novas Tecnologias da Comunicação e Informação. Professora do curso de Comunicação Social da UNEB - Campus
I. Endereço para Correspondência: Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Campus I, Departamento de Ciências
Humanas, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula, 41150-000 Salvador-BA. E-mail: caragao@uneb.br
1
Este estudo foi feito em função da minha Dissertação (Mestrado em Educação e Contemporaneidade – UNEB), intitulada
“A interatividade na prática pedagógica da EAD online: um estudo de caso no curso Comunidades de aprendizagem e
ensino online”, realizada sob orientação do Profº Dr. Jacques Jules Sonneville, que colaborou também na redação deste
texto.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 341-351, jul./dez., 2004 341
A interatividade na prática pedagógica online: relato de uma experiência
342 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 341-351, jul./dez., 2004
Cláudia Regina Dantas Aragão
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 341-351, jul./dez., 2004 343
A interatividade na prática pedagógica online: relato de uma experiência
Entende-se que, se por um lado às tecnolo- nova modalidade de educação, são utilizados
gias contribuem para aumentar de modo signifi- meios tecnológicos digitais para mediar as
cativo nosso acesso à informação, por outro, por relações no processo de aprendizagem, incluindo
si só, elas não implicam em conhecimento. Os as hipermídias, as redes de comunicação intera-
educadores devem lutar contra posturas ingê- tiva e todas as tecnologias intelectuais, num
nuas e considerações de ordem quase “mági- novo estilo de pedagogia, que favorece a apren-
cas” no que se refere à tecnologia e a suas po- dizagem coletiva em rede.
tencialidades, pois o uso das tecnologias não
produzirá relações comunicativas diferentes sem
novas posturas sobre as formas de ensinar, apren- Mapeando a interatividade no cur-
der e comunicar. Caso contrário, é bastante so Comunidades de aprendizagem e
concreta a possibilidade de usar-se novas tecno- ensino online
logias com velhas concepções pedagógicas.
Nessa lógica, é preciso que o professor não Compreender a interatividade e as potenciali-
seja mais visto como o detentor do saber, mas dades que podem ser trazidas para a prática
como um parceiro da aprendizagem. Esse pedagógica online é uma tarefa bastante com-
professor tem que organizar suas estratégias e plexa, pois se trata de perceber como os sujeitos
dinâmicas pedagógicas, levando em considera- se comportam, se comunicam e constroem
ção não só o conhecimento formal e científico, conhecimentos através de ambientes de apren-
mas os diversos tipos de saberes e práticas cultu- dizagem.
rais, sociais e políticas dos sujeitos envolvidos. Para analisar mais profundamente a questão
Na realidade, em tempos de mudanças acelera- da interatividade na educação online, utilizamos
das nessa sociedade da informação, interessa o curso de extensão Comunidades de aprendi-
aprofundar mudanças de mentalidade, valores, zagem e do ensino online, realizado através
atitudes, posturas, práticas e paradigmas. Estas da parceria Universidade do Estado da Bahia
não são simples, nem fáceis, nem rápidas. (UNEB) e Universidade Federal da Bahia
O desafio, aqui apontado aos professores e (UFBA), utilizando o ambiente TelEduc2. O
à sua prática, consiste em dar conta do estilo curso teve uma carga horária de 60 horas, subdi-
de conhecimento engendrado pelas tecnologias vididas em 8 horas presenciais e 52 horas à
da informação e comunicação. Para enfrentar distância e foi organizado e mediado por um
esse desafio, é preciso haver uma mudança na grupo de cinco professores das duas instituições.
postura comunicacional, baseada nos funda- A interatividade, categoria-chave desse tra-
mentos da interatividade defendidos por Silva balho, foi compreendida baseando-se em Silva
(2000; 2003). O autor se refere à disposição de (2000, 2001), como a possibilidade real de
o professor promover participação, intervenção, participação/intervenção dos sujeitos (alunos e
bidirecionalidade-hibridação e permutabilidade- professores) no processo de comunicação/edu-
potencialidade, rompendo com a prevalência da cação. O nosso objetivo foi perceber a interati-
transmissão. Nesse sentido, o professor pode vidade vivenciada por esses sujeitos no curso,
redimensionar sua prática, modificando a base o feixe de relações que se estabeleceram e suas
comunicacional e inspirando-se na digital. Ele articulações com interfaces do ambiente utiliza-
passa a disponibilizar ao aluno autoria, partici- do para o curso, o TelEduc, e ir mapeando o
pação, co-autoria e informações as mais varia-
das possíveis, permitindo associações, reformu- 2
O TelEduc é um ambiente para a EaD, que foi desenvolvi-
lações e novas construções. do tendo como alvo a formação de professores para
informática na educação. Seu desenvolvimento teve início,
Com base nestas reflexões, questiona-se co- em 1997, no Núcleo de Informática Aplicada à Educação
mo são estabelecidas essas relações, especifi- (NIED), em parceria com o Instituto de Computação (IC),
ambos da UNICAMP, apoiando-se em estudos e pesquisas a
camente na educação a distância em ambientes respeito do processo construcionista de formação de pro-
online, que é o foco central deste estudo. Nessa fessores.
344 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 341-351, jul./dez., 2004
Cláudia Regina Dantas Aragão
processo da prática pedagógica online com seus digma comunicacional e pedagógico). A sala de
entraves e suas potencialidades. aula online não pode ser vista como uma sala
de aula no sentido tradicional, mas um encontro
em que se busca o conhecimento, ao invés de
Explorando a Interatividade ser exclusivamente transmitido. Como bem
aponta Freire: “A verdadeira comunicação não
Os fundamentos da interatividade podem ser nos parece estar na exclusiva transferência ou
tomados como modificadores da práxis comu- transmissão do conhecimento de um sujeito a
nicacional em sala de aula e, conseqüentemente, outro, mas em sua co-participação no ato de
da prática pedagógica. A interatividade deve ser compreender a significação do significado.”
compreendida a partir dos seus fundamentos (1977, p. 70).
que trazem em si a perspectiva da comunicação Para realizar o exercício de romper com o
como co-criação. É a partir destas três cate- modelo de prática tradicional, centrada no
gorias que será analisada a interatividade no discurso do professor, foram utilizadas, a fim
curso em questão. (SILVA, 2000; 2003), de proporcionar a bidirecionalidade, as diversas
• Participação/intervenção: implica na pos- interfaces do ambiente, com momentos
sibilidade de intervenção do sujeito, modifi- síncronos e assíncronos. Contudo, a experiência
cando o curso da mensagem como co-cria- de aprender/produzir coletivamente apresentou
ção. diferentes dinâmicas.
• Bidirecionalidade/hibridação: a comuni- A cada semana era apresentado um tema a
cação é produção conjunta da emissão e da ser debatido através das várias interfaces do
recepção, é co-criação. Os dois pólos codi- ambiente, proporcionando a participação/
ficam e decodificam o que sinaliza uma co- intervenção dos sujeitos no processo pedagógi-
municação bidirecional em que desaparecem co. Observa-se que o ambiente TelEduc, com
as diferenças entre professor e aluno. suas várias interfaces3, possibilita essa flexibi-
• Permutabilidade/potencialidade: consis- lidade, permitindo o registro e a partilha de
te na oferta de múltiplas alternativas de significados no sentido “todos-todos”. Os com-
aprendizagem para que os sujeitos constru- ponentes integrados que compõem o ambiente
am articulações e significados. permitem uma comunicação interativa, uma vez
É importante deixar claro que, na tentativa que cada sujeito tem a liberdade plena para usar
de mostrar, através das relações dos sujeitos e qualquer interface e partilhar suas idéias com
de suas ações, como as três categorias se todos. Com isso, ele pode construir seu discurso
evidenciaram no processo do curso, não pode e interferir no do outro. Isso atende aos pres-
ser esquecido que essas categorias, como afirma supostos do dialogismo freireano, na medida em
Silva (2000), apesar de trazerem aspectos que cada sujeito deixa de ser receptor passivo
distintos, não são independentes; ao contrário, de informação e passa a ser construtor e
se combinam e dialogam. Assim, esses ele- socializador de conhecimento.
mentos encontram-se imbricados no decorrer A bidirecionalidade/hibridação foi per-
do processo, mas serão enfatizados separada- cebida em vários momentos do curso, mas ficou
mente em alguns momentos, por motivos mais evidenciada quando a emissão e recepção
metodológicos. se imbricavam e se confundiam, permitindo que
A escolha metodológica adotada pelos pro- a mensagem não fosse apenas transmitida, mas
fessores no curso em questão exigia a partici- (re)significada e co-criada pelos sujeitos do
pação/intervenção ativa dos sujeitos, indo além processo.
da mera recepção de informações. Assim, a
interatividade pôde ser percebida pelo modo
3
A descrição detalhada das interfaces utilizadas no curso foi
como os conhecimentos são propostos e não amplamente descrita na dissertação que serviu de base para
meramente transmitidos (modificação do para- produção deste artigo.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 341-351, jul./dez., 2004 345
A interatividade na prática pedagógica online: relato de uma experiência
346 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 341-351, jul./dez., 2004
Cláudia Regina Dantas Aragão
sujeitos dialogam. Na educação, o que se cons- C@ fala para R: Acho que seria interessante
tata é que existe um aproveitamento muito redu- construir um roteiro coletivo, mas teríamos que
zido do potencial de interatividade, seja na EaD, pensar numa estrutura ... talvez pudesse ser um
seja no presencial. Prevalece ainda hoje o mode- produto legal de um curso como esse.
lo tradicional de educação, baseado na trans- R fala para C@:Concordo, seria um exercício
missão para a memorização, ou na distribuição interessante e talvez pioneiro.
de pacotes fechados de informação. Acho que a
C@ fala para R: Acho que poderíamos pensar
questão é: como a interatividade pode ser
em um roteiro que fizéssemos coletivamente, em
potencializada no sentido de promover a partici-
html, com links .... depois, faríamos uma limpeza
pação, intervenção dos sujeitos?
e produziríamos mídias para conectar os links...
Alguns fóruns levantaram mais polêmicas e iria ser um bom exercício.
participações. A seguir, os três que tiveram um A idéia se concretizou com a participação de
maior número de mensagens postadas: alunos e professores numa escrita hipertextual
• Qual a importância da interatividade para o coletiva. Para a criação do roteiro foi criado um
ensino, com 37 mensagens postadas; fórum. É interessante ressaltar que foi um dos
• Ambientes EaD, com 33 mensagens posta- fóruns que mais mobilizou as pessoas a
das; interagirem; a narrativa ia tomando rumos inusi-
• Avaliação, com 28 mensagens postadas. tados com participação dos sujeitos, concreti-
Mas, observou-se que dois fóruns, não zando o verdadeiro sentido da interatividade. O
contemplados na relação acima, possibilitaram roteiro inicia-se a partir da leitura de um texto de
maior interatividade. Neles ficou claro que a Borges: O livro de areia. Daí, a história come-
interatividade não depende da simples parti- ça a ser criada, (re)significada, hipertextualizada.
cipação, no sentido de colocar uma mensagem Essa escrita coletiva foi um momento muito
no fórum, e sim no sentido de intervir no rico para o curso, trazendo à tona a concreti-
processo. Um deles foi o primeiro fórum do cur- zação da interatividade, unindo os princípios da
so, que teve como tema Limites e possibili- participação, bidirecionalidade e permutabilidade,
dades da EaD, e foi realizado através da lista e de várias das categorias acima apontadas, a
de discussão, pois o ambiente ainda não havia fim de repensar EaD numa perspectiva mais
sido liberado para o curso. Nesse fórum, talvez interativa, como a colaboração e a cooperação,
por ter sido o primeiro, sentiu-se uma partici- à medida que os sujeitos construíram o texto
pação/intervenção ativa dos alunos, não só coletivamente, colaborando uns com os outros,
enviando mensagens, mas questionando, criti- todos cooperando com todos para a concreti-
cando, (re)significando a questão norteadora do zação da atividade.
fórum com outras questões. Um dos alunos
construiu um texto sobre o tema: Os Chats
Oi pessoal, A interface Bate-Papo foi eleita pelos parti-
Aproveitando a discussão do chat de ontem (21/ cipantes do curso como um importante espaço
05/03), estou socializando um texto que escrevi para a socialização:
sobre as interfaces de EaD free.
Os chats foram de suma importância, apesar de
Um outro fórum que não estava previsto e alguns não defenderem que seja essencial, mas
que também promoveu intensa interatividade foi sem eles acredito que o curso perderia sua
o fórum do roteiro coletivo, que teve 35 humanização, pois, na minha opinião, é através
deles que conhecemos mais as pessoas com quem
mensagens postadas. A idéia da construção de estamos interagindo, devido ao fato de ser um
um roteiro coletivo surgiu em um dos chats e momento em que as pessoas estão desprovidas
não estava previsto como atividade no curso. de muita racionalidade, externando os sentimen-
R fala para C@: Poderíamos participar da cria- tos, reagindo diretamente às provocações.
ção de um roteiro interativo (permanente), usar Eu, pessoalmente, gosto muito do Chat, pois é
avatares, imergir na criação de personagens, uma expressão mais espontânea, just-in-time, em
interagir com outros e agenciar ações... que as pessoas demonstram com menos censu-
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 341-351, jul./dez., 2004 347
A interatividade na prática pedagógica online: relato de uma experiência
ra aquilo que pensam e sentem diante das opi- e discutir, respaldados por um conhecimento já
niões do outro”. construído teoricamente.
Mas, o mais interativo é o Bate-Papo, pois atra- A partir dessa afirmação, deduziu-se que os
vés dele se consegue troca de idéias e informa- alunos, muitas vezes, ainda se sentiam ame-
ções com rapidez. Melhor, só ao vivo.
drontados e acanhados em aprofundar os conhe-
Os chats são caracterizados por Borba cimentos e discussões mediante a interlocução
(2004) como o acontecimento de diversos com os autores, mesmo que isso pudesse ser
diálogos entrecruzados, denominados pelos feito em “tempo real”, pois havia textos, para
autores como multidiálogos, e a possibilidade de discussão, de autoria dos próprios professores
os sujeitos participarem de várias discussões ao do curso. Isso ainda demonstra o peso dos
mesmo tempo. O ritmo da discussão nos chats vínculos com a educação tradicional, na qual o
foi determinado pela quantidade de participa- professor é o detentor do saber.
ções. Quanto mais mensagens eram escritas, Outro problema percebido, no início, foi o
mais rápida era a discussão. Os sujeitos que já grande número de pessoas participando num
tinham experiência em chats, que envolve a mesmo horário. Isso fazia com que os chats se
habilidade com o teclado e sincronia com as tornassem uma grande “torre de Babel”, onde
mensagens que vão sendo colocadas, habilidade
muitos falavam quase ao mesmo tempo, num
de participar de vários diálogos ao mesmo
ritmo acelerado, e outros não conseguiam acom-
tempo, interagiam mais; outros ficavam apenas
panhar. Uma das estratégias encontradas pelos
observando a discussão se desenvolvendo e, de
professores para tentar melhor organizar os chats
vez em quando, interferiam na discussão. A
e fazer com que fossem mais produtivos,
leitura ou não dos textos indicados também
evitando que determinado horário ficasse com
interferia na interatividade, pois quem não havia
muitos participantes e outros vazios, foi disponi-
lido ficava sem saber sobre aquele aspecto que
estava sendo discutido e ficava sem elementos bilizar quatro horários em três dias diferentes e
para interferir na mensagem do outro. Isso foi os alunos iam fazendo suas opções. Isso não
percebido nas falas: significava que eles não pudessem participar fora
do seu horário, o que aconteceu muitas vezes.
Acho que durante os chats, muitas discussões Um outro aspecto importante nos chats, que
ficaram soltas e havia pessoas que falavam, ou
seja, na verdade escreviam textos, pressupondo merece uma análise, foi a postura dos professo-
que vc já possuía aquele conhecimento. Senti- res. Muitas vezes havia mais de um professor
me um peixe fora d’água. participando, o que enriquecia o debate. Foi ado-
... muitas vezes o chat começava por uma linha e tada a conduta de mediador, atuando, conforme
as pessoas conduziam complemente para outra.... define Vigotsky (1994), na “Zona de Desenvol-
Nesse sentido, apesar de o chat potencializar vimento Proximal”4, realizando questiona-
a socialização online, promovendo uma integra- mentos sobre aspectos importantes, para o tema
ção maior dos sujeitos, o que foi colocado pelos em discussão, valorizando as contribuições e a
participantes como positivo, muitas vezes as experiência pessoal de cada um, motivando a
temáticas propostas para os chats se perdiam participação dos que pouco opinaram e tentando
e as discussões ficavam na “superficialidade”, evitar a dispersão da temática proposta, o que
apesar das constantes chamadas realizadas sempre era possível.
pelos professores que as mediavam. Isso sinali- Essa forma de mediação também reflete a
za, segundo uma das professoras do curso, a postura pedagógica dos professores no curso,
dificuldade em pensar teoricamente sobre os que se avalia como interativa.
problemas que envolvem a prática pedagógica
em ambientes de aprendizagem, acentuando,
4
assim, um fato que se observa cotidianamente Para Vygotsky, “zona de desenvolvimento proximal” é a
relação entre o conhecimento real – o que sabemos – e o
em sua experiência como professora: a conhecimento potencial – o que queremos e podemos apren-
dificuldade que os alunos têm de ler, sistematizar der.
348 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 341-351, jul./dez., 2004
Cláudia Regina Dantas Aragão
A lista de discussão jar, como você fez no diário. Cada um com a sua
singularidade vai deixando a sua contribuição.
A lista de discussão5 foi uma interface bas-
tante utilizada, principalmente no início do curso Solidão no ambiente
quando o TelEduc ainda não havia sido disponi-
bilizado, como apontado acima. Esta serviu para Quando estou no ambiente TelEduc, sinto falta
a comunicação assíncrona dos participantes e, de discutir com os colegas algumas dúvidas ou
para garantir que a comunicação entre os sujei- emitir uma opinião sobre algum assunto. Isto
porque o ambiente TelEduc não possibilita sa-
tos não fosse interrompida por algum eventual
ber quem está online.
problema com o ambiente, sendo utilizada, então,
uma lista de discussão fora do TelEduc. Ela Comentário
serviu para recados, detalhes administrativos e, Você tem razão. Essa pode ser uma das limita-
até mesmo, para a realização do primeiro fórum. ções do TelEduc, mas quando você está online
Isso ocasionou um grande uso da mesma, com pode ver os demais companheiros de discussão
o recebimento de mais de cem mensagens nos através do MSN que se constitui em um canal de
primeiros dias do curso. comunicação instantânea. Bjs
A interface Diário de bordo foi extrema- Esta semana está sendo diferente, pois estou
conseguindo interagir mais com o curso no sen-
mente rica para conhecer alguns detalhes que tido que estou conseguindo cumprir com mais
no fórum ou no chat dificilmente são percebidos. “tarefas” que nas semanas passadas. O texto
É utilizado como um “espaço de catarse” no sobre planejamento foi o que mais me chamou a
qual os alunos colocaram suas angústias, medos, atenção, pois, de certa forma, tive que deter um
dificuldades em relação à participação no curso, tempo maior para poder lê-lo devido aos vários
mas também seus progressos e suas descober- links. Mesmo no chat: esta semana, senti maior
tas. O problema é que nem todos interagiram facilidade para colocar minha opinião. Com cer-
teza foi pelo fato de, por ter lido o texto, sentir
com a interface por timidez, medo de se expor
mais segurança para opinar. É isso...
ou pela própria dificuldade em lidar com a
tecnologia. A maioria dos participantes fez so-
mente uma ou duas interações no Diário de O messenger do MSN
bordo. Essa interface também possibilita que
Constituiu-se como um canal de comunica-
tanto os professores como os alunos façam
ção instantâneo para os participantes. Essa possi-
comentários sobre falas colocadas, ajudando os
bilidade de “conversa online” foi utilizada com
que expuseram dificuldades, parabenizando,
diversos objetivos: esclarecimento de dúvidas,
incentivando, enfim, interagindo com o outro.
pedidos de socorro, ou como o próprio espaço
Em muitas falas percebem-se os mais diversos
para o chat. A interface Bate-Papo no TeleEduc
sentimentos:
teve alguns problemas técnicos e o os chats
Timidez foram realizados através do Messenger. Essa
interface também possibilitou as conversas
Sou tímida e por isso tenho dificuldade de informais entre os alunos e professores,
interagir, isso não vale apenas para este curso
(online), sou assim também nos cursos presen-
proporcionando uma aproximação maior entre
ciais. Isso não quer dizer que eu não leio, muito os mesmos, fora do ambiente do curso.
menos que não tenho interesse.
5
A lista de discussão é uma ferramenta de comunicação
Comentário feito por um dos professores assíncrona que objetiva agregar um grupo de pessoas que
visam discutir uma determinada temática. No curso em ques-
O espaço deste curso contempla a diversidade. tão foi usada a lista do yahoogrupos: http:// www. yahoo
Todos podem se colocar no momento que dese- grupos.com.br
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 341-351, jul./dez., 2004 349
A interatividade na prática pedagógica online: relato de uma experiência
350 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 341-351, jul./dez., 2004
Cláudia Regina Dantas Aragão
Um dos entraves, talvez o mais forte e mais definem e que contam um pouco da nossa
difícil de ser rompido, seja a formação que rece- trajetória e da experiência vivenciada. Monta-
bemos, nossa forma de ver o mundo, de partici- mos, assim, uma espécie de hipertexto, que se
par, de comunicar, que ainda está muito centrada altera constantemente a partir da consciência e
em modelos tradicionais, como o modelo de distri- da necessidade de mudanças na nossa maneira
buição e transmissão de informação. Por isso, o de pensar, agir e comunicar na educação online.
fato de um quinto dos participantes ter interagido Consideramos que para a interatividade tornar-
no sentido da bidirecionalidade, co-autoria e se efetiva em todas as suas potencialidades,
intervenção no processo, também pode ser visto promovendo a participação e intervenção dos
como um fato positivo, no sentido de mostrar um sujeitos na prática pedagógica online, não exis-
início de ruptura, por uma parte dos participantes, tem fórmulas prontas nem modelos a seguir.
com o modelo tradicional de aprendizagem. Apontamos como possíveis caminhos alguns
elementos que julgamos essenciais para uma
EaD mais interativa, entre eles: a autonomia, a
Considerações finais cooperação, a colaboração, a hipertextualidade,
a dialogicidade, a mediação. Todos esses
Em síntese, trouxemos, através da pesquisa aspectos devem atuar em conjunto com atores
realizada, algumas construções teóricas que nos e autores da comunicação.
REFERÊNCIAS
ARAGÃO, Cláudia Regina Dantas. A interatividade na prática pedagógica da EAD online: um estudo de
caso no curso Comunidades de aprendizagem e ensino online. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-
graduação em Educação e Contemporaneidade. Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Salvador, 2004.
BELONI, Maria Luiza. Educação a distância. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2001.
BORBA, Marcelo de C. Dimensões da Educação Matemática a Distância. In: BICUDO, Maria Aparecida V. e
BORBA, Marcelo de C. Educação matemática: pesquisa em movimento. São Paulo, SP: Cortez, 2004.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação. 3. ed. São Paulo, SP: Paz e Terra, 1977.
_____. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 24. ed. São Paulo, SP: Paz e
Terra, 1996 (Coleção Leitura).
KENSKI, Vani. Tecnologias e ensino presencial e a distância. Campinas: Papirus, 2003.
LÉVY, Pierre. Entrevista concedida ao “Programa Roda Viva”, da TV Cultura, agosto/2000
MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas & pós-cinemas. Campinas: Papirus, 1997.
PRIMO, Alex. Interação mútua e interação reativa: uma proposta de estudo. In: CONGRESSO DA
INTERCOM, 21., Recife, 1998. Anais... Recife: 1998.
SANTOS, Edméa Oliveira dos. Articulação de saberes na EAD online: por uma rede interdisciplinar e
interativa de conhecimento em ambientes virtuais de aprendizagem. In: SILVA, Marco (org). Educação
online. São Paulo, SP: Loyola, 2003.
SILVA, Marco (org). Educação online. São Paulo, SP: Edições Loyola, 2003.
_____. Educação na cibercultura: o desafio comunicacional do professor presencial e online. Revista da
FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, v. 12, n. 20, p.261-271, jul./dez., 2003.
_____. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro, RJ: Quartet, 2000.
VIGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 5.ed. São Paulo, SP: Martins Fontes,1994.
VITTADINI, Nicoleta. Comunicar con nuevos media. In: BETTETINI, Gianfranco; COLOMBO, Fausto. Las
nuevas tecnologías de la comunicación. Tradução de Juan Carlos Gentile Vitale. Barcelona: Paidós, 1995.
Recebido em 30.09.04
Aprovado em 22.11.04
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 341-351, jul./dez., 2004 351
Eunides Nogueira Santos; Warlley Ferreira Sahb
O COMPUTADOR NO PROCESSO DE
DESENVOLVIMENTO DOS ADOLESCENTES:
a experiência do Projeto Vida
RESUMO
ABSTRACT
*
Especialista em Informática na Educação pela PUC Minas. Técnico de Laboratório - PUC Minas Contagem. Endereço
para correspondência: PUC Minas Contagem, Rua Rio Comprido, nº 4.580, CINCO – 32285.040 Contagem/MG. E-
mail: eunides@pucminas.br
**
Mestrando em Educação pela PUC Minas. Analista de Projetos – Coordenadoria de Extensão da PUC Minas
Contagem. Endereço para correspondência: PUC Minas Contagem, Rua Rio Comprido, nº 4.580, CINCO – 32285.040
Contagem/MG. E-mail: warley@pucminas.br
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 353-363, jul./dez., 2004 353
O computador no processo de desenvolvimento dos adolescentes: a experiência do Projeto Vida
difficulties. We try to demonstrate that the problem is not part of the students but
part of a school model which does not meet their need. In this model, the teens
show no interest for classes, extremely theoretical and disconnect from their
reality. From this point, they are labeled as young with learning difficulties. In this
system, they are no consideration for the students’ previous knowledge which
excludes some of them. In this context, the computer can be used as a tool to
support and facilitate the teacher’s and student’s task, provoking possibilities of a
increasing of the student’s cognitive capacity. The teacher while choosing some
computer related activity, can make use of various software or technologies
which can be used to reach his or her objectives. There is a need of using computing
technology, not as a school matter but as a potent tool to support teachers.
Keywords: Learning - Educator - Technology - Information - Computer
354 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 353-363, jul./dez., 2004
Eunides Nogueira Santos; Warlley Ferreira Sahb
da Vila Beatriz, uma vila carente do Município saber informática? Como poderão esses jovens
de Contagem, em Minas Gerais. Por meio de ter acesso à informática, se a escola onde estu-
um trabalho com a comunidade, pretende-se a dam não oferece a disciplina? O mundo do
transformação da realidade de crianças, jovens, trabalho formal exige que os novos trabalhadores
adolescentes e adultos, com vistas à sua melhoria saibam informática, porém as escolas municipais
e superação. É importante ter presente que o de Contagem não oferecem essa disciplina aos
conceito de promoção passa, cada vez mais, pela seus alunos. Diante desse quadro social tão
elevação da qualidade de vida, pela eqüidade controverso, como ficarão os futuros trabalha-
social e pela sustentabilidade ambiental. dores neste mercado tão competitivo?
Nas primeiras aulas em que se utilizou o O trabalho realizado no Projeto Vida procura
computador, foi possível perceber a grande ser uma contribuição à formação humana desses
dificuldade de aprendizagem apresentada por 20 adolescentes, visando ao seu crescimento
muitos adolescentes. Apenas três deles estão como seres sociais ativos e participativos na
na faixa etária escolar. Os outros estão repetin- sociedade. Antes de chegar ao ponto central do
do, pelo menos uma vez, a mesma série do ensino trabalho, dá-se um olhar nas tecnologias da
fundamental. São alunos do 2º e do 3º ciclos, informação e da educação, no uso do computador
mas alguns mostram dificuldades referentes ao na Educação; avalia-se como as crianças caren-
1º ciclo, que ainda não foram superadas. Com tes utilizam o computador, mostrando o desenvol-
isso, surgiu o interesse de se utilizar a informá-
vimento do trabalho com os jovens do Projeto
tica, não apenas como uma ponte para inseri-
Vida.
los no mercado de trabalho, mas também para
Este trabalho não se encerra por si só; ele
que o computador se tornasse uma ferramenta
apenas dá os indícios de uma longa e árdua
aliada ao processo de desenvolvimento cognitivo
jornada a ser trilhada, que deve se refletir na
desses jovens.
construção de um sistema de ensino inclusivo,
Ao longo das aulas, foi possível perceber
que, quando o educador está próximo dos alunos que atenda às especificidades de seus alunos.
que apresentam maior dificuldade na apreensão
de determinado conteúdo, há um desenvolvi-
mento mais ordenado das atividades. Isso fez Um olhar sobre as tecnologias da
surgir o questionamento: será que, realmente, o informação e da comunicação
aluno rotulado com “dificuldades de aprendiza-
gem” tem tal dificuldade, ou ele se desenvolve O grande avanço das tecnologias da infor-
normalmente quando acompanhado de perto mação e da comunicação leva vários pensado-
pelo educador? res a terem diferentes pontos de vista sobre o
Cabe aqui questionar se, realmente, eles assunto. Um ponto discutido, atualmente, é a
apresentam dificuldades de aprendizagem ou se questão do livro impresso. As grandes mudan-
os meios e técnicas utilizadas nas escolas públi- ças nos hábitos sociais das pessoas que utilizam
cas não estão atendendo às crianças. Vale lem- o computador várias horas por dia acabam des-
brar que os recursos didáticos disponíveis nas pertando o interesse da pesquisa e levam autores
escolas públicas de Contagem não são suficien- a afirmar que o livro entrará em extinção. Ou-
tes para uma melhoria na qualidade do ensino, tros, mais otimistas, acreditam na perpetuação
uma vez que são escassos e/ou muito velhos, do livro e da leitura, apesar dos avanços da tec-
sobrando ao educador, na maioria das vezes, nologia computacional.
apenas o giz, o quadro negro e a sua voz. Para Cagliari (2000), a televisão terá, dentre
Para os educadores da Rede Municipal de outras funções, o papel de livro do futuro. Os
Contagem, da Rede Estadual de Ensino, que computadores serão os responsáveis pela rein-
atuam no desenvolvimento desse projeto, surgi- venção do livro, porém, agora, em formato ele-
ram ainda outras indagações: como ficarão esses trônico. Para as crianças do futuro, segurar uma
adolescentes no mundo do trabalho formal, sem caneta para escrever será um gesto conhecido
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 353-363, jul./dez., 2004 355
O computador no processo de desenvolvimento dos adolescentes: a experiência do Projeto Vida
apenas pela História. O papel vai ser um material árdua tarefa da condução dos processos de
associado mais a outras tarefas do que à de ensino e de aprendizagem.
veicular escrita. Para o autor, os textos, basica- Tanto os novos professores como os já
mente, voltarão a ser orais ou, então, convertidos atuantes deverão ter boa formação, planejar e
em orais para uso comum. elaborar projetos de trabalho que estejam num
Já Freitag (2000) não compartilha tal idéia. caminho, pelo menos, multidisciplinar, mas com
Apresenta, sim, um pensamento mais otimista, vistas ao processo interdisciplinar. Eles deverão
dizendo que o livro persistirá enquanto houver organizar seus espaços e tempo, criando novi-
leitores. Anunciar o fim do livro seria pressupor dades, ter conhecimento da gestão em sala de
o fim da cultura letrada e, até mesmo, o fim da aula e ter uma visão sobre a avaliação de hoje,
cultura geral. Sendo assim, se não houver livro pensando em mudar os caminhos e, sobretudo,
e nem cultura letrada, certamente estaremos em ter ética e compromisso.
próximos do fim da cultura em geral. Para criar ambientes que sejam construti-
Aqui, concordamos com Freitag, pois o que vistas, os educadores deverão partir da realidade
se percebe, hoje em dia, nos cursos de graduação que os cerca. Não há nenhuma necessidade de
e até mesmo em cursos a distância, é que os se copiar aquilo que é dos outros, pois nem
alunos, muitas vezes, preferem o papel impresso sempre a realidade, advinda da Europa ou dos
a ficarem lendo na tela do computador. Eles ale- E.U.A., serve para ser implantada em nossas
salas de aula. Como diz Freire (1979, p. 35): “É
gam que, através da tela, poucas páginas con-
preciso partir de nossas possibilidades para
seguem ser lidas, pois o cansaço abate-os rapida-
sermos nós mesmos. O erro não está na imitação,
mente. Ao passo que um livro pode ser lido horas
mas na passividade com que se recebe a imitação
a fio sem que sentissem os olhos cansados ou
ou na falta de análise ou de autocrítica.”
pesados, facilitando inclusive o manuseio.
Os ambientes construtivistas criam condi-
Tal como a agricultura e a escrita que foram
ções de desenvolvimento que resultam de uma
inventadas diversas vezes e pelas grandes ação em parceria, quando alunos e professores
civilizações da Antigüidade, as novas tecnologias aprendem juntos. De acordo com a pedagogia
da informação e da comunicação são um cami- de Freire, para que isso aconteça, deve-se dei-
nho sem volta (LÉVY, 1998). Resta, agora, aos xar espaço para o aluno construir seu próprio
pensadores e educadores se equipar com tais conhecimento, sem se preocupar em repassar
conceitos e aprender a lidar, da melhor forma conceitos prontos, como ainda acontece freqüen-
possível, com as ferramentas capazes de auxiliar temente na prática tradicional, que faz do aluno
o processo de ensino-aprendizagem, a fim de um ser passivo, mero depositário dos conheci-
preparar os educandos para o futuro. mentos.
Se aos professores-educadores cabe lidar Quando se fala que o aluno aprende e, em
com tais tecnologias, então, devem ser criados, contrapartida, o professor aprende com aquele,
nas escolas, ambientes informatizados de apren- trata-se de um ambiente cuja abordagem é cons-
dizagem, a fim de que se utilize o computador trucionista. Em um ambiente desse tipo, cabe ao
como um recurso pedagógico, pois, sozinho, o professor promover a aprendizagem do aluno
mesmo não tem nenhuma autonomia para para que este possa construir o seu próprio conhe-
conduzir qualquer processo de ensino-apren- cimento. “As teorias interacionistas explicam o
dizagem. conhecimento mediante a participação tanto do
Mas isso não é uma tarefa fácil. Para tanto, sujeito quanto dos objetos do conhecimento, o
os educadores deverão equipar-se e preparar- que resulta não só na organização do real como
se para enfrentar o que é proposto. Os professo- também na construção das estruturas do sujeito.”
res deverão valer-se das tecnologias da informa- (COUTINHO, 1992, p. 81).
ção e da comunicação, para criar ambientes que Para Piaget, o conhecimento não é transmiti-
sejam construtivistas. Atualização permanente do. Ele é construído progressivamente por meio
é o primeiro passo, para depois se investir na de ações e coordenações de ações que são
356 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 353-363, jul./dez., 2004
Eunides Nogueira Santos; Warlley Ferreira Sahb
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 353-363, jul./dez., 2004 357
O computador no processo de desenvolvimento dos adolescentes: a experiência do Projeto Vida
É notório – e vem sendo veiculado pelos É por isso que Freire (1995) diz que a pedagogia
pensadores das Novas Tecnologias, tais como deve, então, deixar espaço para que o aluno
Costa (2002), Oliveira, Costa e Moreira (2001) possa construir seu próprio conhecimento, sem
e Valente (1996; 1998) – que as atividades pro- se preocupar em repassar conceitos prontos,
porcionadas pelo uso de comunicação, mediada ao contrário da prática tradicional de ensino, na
pelo computador, permitem ao estudante uma qual os alunos são seres passivos, em quem se
compreensão mais imediata e profunda do “depositam” os conhecimentos apenas para se
mundo em que vive, enriquecendo a formação criar um banco de respostas mentais.
de conhecimentos em várias áreas de estudo. Em função desse pensamento, muito se tem
O computador pode ser usado também como fer- discutido e questionado sobre o uso dos compu-
ramenta educacional. Segundo esta modalidade tadores nas escolas. O fato é que o mundo da
o computador não é mais o instrumento que en- educação não pode se isolar dos processos de
sina o aprendiz, mas a ferramenta com a qual o transformação econômica e social, como tam-
aluno desenvolve algo, e, portanto, o aprendiza- bém não pode deixar de incorporar, no sistema
do ocorre pelo fato de estar executando uma ta- educacional, os novos recursos tecnológicos dis-
refa por intermédio do computador. (VALENTE,
poníveis. A utilização da informática como instru-
1998, p.12).
mento de aprendizagem e busca do conhecimento
O computador não deve ser usado mera- vem aumentando de forma rápida. Nesse sentido,
mente como um método de instrução programa- a educação vem passando por mudanças estrutu-
da, fazendo o papel apenas de, como nos rais e funcionais frente a essa nova tecnologia:
métodos tradicionais, transmitir informações ao mudanças tais como a reorganização do espaço
aluno. Deve, sim, ser utilizado de modo que, escolar, na medida em que a implementação
através do software, o aluno possa “ensinar” dessas novas tecnologias altera o ambiente de
ao computador. Para Valente (1998), o com- aprendizagem, estendendo-a para além da sala
putador ensina ao aluno e, como tal, assume o de aula, com a utilização de salas de bate-papo,
papel de máquina de ensinar, utilizando um tipo uso de conferência à distância, troca de e-mails,
de abordagem que tem suas raízes nos métodos dentre outros recursos disponíveis.
de instrução programada tradicionais, apenas A introdução do computador na educação
substituindo o papel ou o livro pelo computador. vem causando uma revolução na concepção do
Contudo, o computador deverá ser utilizado, na ensino e da aprendizagem. Para tanto, Valente
educação, como uma ferramenta que vai auxiliar (1996) diz que o computador pode ser utilizado
e facilitar o trabalho do professor e do aluno, como uma máquina de ensinar ou, então, como
criando possibilidades de ampliação da capaci- meio para incentivar e propiciar a construção do
dade cognitiva deste último. Ao escolher alguma conhecimento. No primeiro caso, o mesmo con-
atividade que seja apoiada pelo computador, o siste apenas na informatização dos métodos de
professor contará com vários tipos de software ensino tradicionais; no segundo caso, a utilização
ou de recursos tecnológicos que poderão ser do computador é caracterizada como sendo a
usados para atingir os objetivos pretendidos. abordagem voltada para o construtivismo.
Assim, como diz Almeida (2000), o professor
precisa estar atento e conhecer os interesses e
necessidades dos alunos, observando as capaci- A EXPERIÊNCIA DO PROJETO VIDA
dades e as experiências anteriores de cada um,
a fim de propor planos cuja concepção possa O uso do computador com crianças
resultar em um trabalho cooperativo, realizado carentes
por todos os envolvidos no processo de aprendi-
... cada aluno, com sua individualidade, interes-
zagem. Dessa forma, o desenvolvimento da se e capacidade está se apropriando do compu-
atividade resultará em uma ação de parceria, tador como uma ferramenta para satisfazer as suas
em que alunos e professores aprendem juntos. necessidades e para desenvolver o seu poten-
358 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 353-363, jul./dez., 2004
Eunides Nogueira Santos; Warlley Ferreira Sahb
cial. Naturalmente, uns com mais ou menos in- sem à inserção no mercado de trabalho. Para o
tensidade; porém, o que importa é que essa apro- desenvolvimento das atividades de informática,
priação seja personalizada, parta do interesse do ficou definido que seria utilizado um dos labora-
aluno e não seja imposta pelo professor ou pela
tórios da PUC Minas, Contagem. As aulas se-
estrutura da escola. (VALENTE, 1998, p. 189)
riam ministradas uma vez por semana.
O Brasil apresenta uma das maiores taxas O primeiro objetivo dessas aulas foi pro-
de analfabetismo da América Latina. Com o porcionar aos alunos os conhecimentos elemen-
avanço da tecnologia e da competição industrial tares em informática, para que eles pudessem
em níveis mundiais, esse contingente fica cada começar a sua trajetória de inserção no merca-
vez mais à margem do mercado de trabalho e, do de trabalho.
conseqüentemente, da possibilidade de alcançar Já é fato notório, nos meios de comunicação,
ou manter condições mínimas de uma vida digna. que a informática pode revolucionar a educa-
O analfabetismo é encontrado em várias ção, o que despertou a curiosidade e o interesse
partes do país. Diante desse quadro, alguns seg- desses alunos para o nível cognitivo que certa-
mentos da sociedade brasileira, que têm a grande mente iriam adquirir ao participarem desse
responsabilidade de contribuir para a elevação processo. Ao interagirem com esse novo objeto
do nível educacional, têm-se mobilizado a fim de em suas vidas, eles estariam tendo a possibili-
mostrar resultados positivos para todos. dade de ampliar suas idéias e seus pensamentos,
De acordo com Valente (1998), o trabalho uma vez que, “a captação da realidade através
com crianças carentes e a literatura sobre o das NTS potencializa o multienvolvimento
assunto mostram que essa população é bastante sensorial, afetivo e intelectual dos indivíduos
heterogênea. Com o objetivo de contribuir para inseridos nos sistemas de informação”.
amenizar esse quadro social, as aulas de (COSTA, 2002, p. 2).
informática, para os adolescentes participantes A primeira aula começou com uma conversa
do Projeto Vida, tiveram início no dia primeiro informal. Constatou-se que quase todos estuda-
de março de 2002. vam na Escola Municipal Josefina de Souza
Esses adolescentes freqüentam diariamente Lima, situada no Bairro Bela Vista. A maior parte
o Centro de Apoio Promocional e Educacional das 20 crianças era moradora do mesmo bairro
Santo Hermann José (CEPA), que acolhe crian- onde fica a escola; os demais residiam no
ças e adolescentes carentes dos bairros Bernar- Bernardo Monteiro ou no Beatriz, dois bairros
do Monteiro, Bela Vista e, principalmente, da próximos, e estudam nas escolas desses bairros.
Vila Beatriz do município de Contagem, buscan- A idade dos alunos variava entre 13 e 16
do a promoção humana. anos. Apenas 3 não estavam fora da faixa etária
O Projeto Vida foi idealizado pela Professora escolar. São alunos do 2º e 3º ciclos do Ensino
Dilma Silva que almejava desenvolver um traba- Fundamental (antiga 5ª a 8ª série). Seis deles
lho voltado para a formação dos valores e da estão cursando a mesma série pela 3ª vez. Na
consciência de cidadão nos membros da co- primeira aula, a atenção deles foi chamada para
munidade e para que cada um conhecesse seus uma coincidência que, certamente, os identificou
direitos e deveres, o valor da justiça, do diálogo com o professor, que, entre seus 10 e 15 anos
da solidariedade e da família. Buscava, ainda, de idade, morou nos mesmos três bairros: Ber-
resgatar a importância de um processo educa- nardo Monteiro, Bela Vista e Beatriz, respecti-
cional que mostrasse que teoria e prática são vamente. Sendo assim, ele conhecia a realidade
interligadas. vivida por esses jovens. Além disso, foi um in-
Como atividade desenvolvida pelo Projeto centivo a mais para os alunos, mostrando que
Vida, foi proposto, dentre tantas outras ativida- eles também são capazes de progredir.
des, que os alunos tivessem aulas de informática O objetivo da 1ª aula foi deixar os alunos
para que, ao adquirirem a competência neces- bem à vontade. Todos sentados diante da má-
sária para manusear o computador, se habilitas- quina, apenas esperando as instruções para
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 353-363, jul./dez., 2004 359
O computador no processo de desenvolvimento dos adolescentes: a experiência do Projeto Vida
360 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 353-363, jul./dez., 2004
Eunides Nogueira Santos; Warlley Ferreira Sahb
dade de concentrar-se e inseguro ao tentar fazer final. Aquilo demonstrou que ela estava adquirin-
alguma coisa no computador. É extremamente do autonomia e, o mais importante, estava
carente, tanto financeira quanto afetivamente. aprendendo. Melhor do que aprender a fazer a
Tem uma grande necessidade de atenção, cari- atividade sozinha foi aprender a lidar com difi-
nho e gosta muito quando se diz que ele está-se culdades que certamente atrapalhavam seu
saindo bem. Realmente, ele parecia ter sérias aprendizado: a timidez e o medo constante de
dificuldades de aprendizagem, mas o que se errar. Parece que ela estava começando a com-
pode perceber é que ele precisava, apenas, criar preender que, errando, a gente também aprende.
independência e autonomia. Ele gosta muito de Ela demonstrou um grande interesse pela
poemas e, ao acessar a internet, procura logo internet. Apesar de não ter conseguido criar
as páginas relacionadas a poemas. Como ele sozinha seu e-mail, ela, insistentemente, em
ainda não superou totalmente a fase da leitura, quase todas as aulas, quer ficar navegando. Na
nas primeiras vezes ficou lendo, para despertar última aula, desenvolveu um trabalho cujo tema
mais o gosto com o texto escrito. Na última aula, era: o que é internet. Ela pesquisou na internet,
no mês de novembro de 2002, por incrível que leu e escreveu o que entendia.
pareça, ele solicitou a presença do educador O terceiro caso é o relato de uma aluna que
somente uma vez. Conseguiu fazer a atividade tem 14 anos, mora no bairro Bernardo Monteiro,
proposta quase toda sozinho e correta. está cursando a 8ª série do ensino fundamental.
O segundo caso refere-se a uma aluna de Ela é uma das três crianças que não faz parte
15 anos, moradora do bairro Bela Vista, cursan- daquelas que repetem a série de ano, mas era,
do a 5ª série do ensino fundamental. Extrema- também, considerada uma menina com dificul-
mente introvertida, nas primeiras aulas não fazia dade de aprendizagem. Durante as aulas, po-
nada. Tudo que ela conseguia realizar era com rém, pôde ser verificado que ela era uma garota
a ajuda de sua colega. Gostava de sentar-se normal como qualquer outra. Aparentemente
sempre nos últimos micros do laboratório. Ao não apresenta nenhum distúrbio e sempre acom-
se notar que ela tinha um problema agudo de panhou as aulas com muita atenção. Sempre
visão, o professor passou a aumentar a letra do buscava ajudar quem estava ao lado. Sempre
monitor em que fosse trabalhar. Assim, foi foi uma das primeiras a terminar todas as ativi-
substancial a sua melhoria nas aulas seguintes. dades. A esta altura do projeto, ela já virou moni-
Quando o professor chegava perto, ela sim- tora da turma.
plesmente parava com a atividade que estava Como se vê, ela é um daqueles casos de
fazendo. Tinha medo de errar. Nesse caso, a crianças em que, em determinado momento de
observação do educador é de extrema importân- sua vida, alguém a impediu de fazer perguntas,
cia. Ela, ao contrário do caso anterior, em ne- interrompendo seu processo de crescimento. É
nhum momento, solicitava a presença do profes- visível que a adolescente não apresenta ne-
sor. Houve aulas em que, quase no final, ela nhuma dificuldade de aprendizagem. Ao come-
nem havia saído do início da atividade proposta. çar as aulas, sempre foi uma das alunas mais
Ao ser indagada, ela simplesmente dizia que não atentas a tudo que se passava e sua aprendi-
sabia como fazer. Aos poucos, durante as aulas, zagem acontece normalmente.
a aproximação foi acontecendo. Hoje, apesar O quarto e último caso é o de uma aluna,
da timidez com o docente, já adquiriu uma certa que faz parte da turma nova. No início, perce-
autonomia e já aprendeu a pedir ajuda. bemos que ela era muito quieta. Sempre recebia
Em uma das últimas aulas (mês de novem- ajuda da sua amiga inseparável. Na escola, ela
bro), foi distribuída uma atividade. De imediato, tem muita dificuldade no português e na mate-
vários pediram ajuda. Alguns conseguiram ter- mática. Nunca ouvíamos sua voz. Foi quando
minar na metade da aula e outros não. Mesmo descobrimos a grande dificuldade que tem para
o professor chegando perto da aluna, ela não falar. Mas sua dificuldade de falar é proveniente
parou de fazer a atividade e já estava quase no de problemas de audição. Ela não escuta direito
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 353-363, jul./dez., 2004 361
O computador no processo de desenvolvimento dos adolescentes: a experiência do Projeto Vida
e isso a impede de aprender mais rápido. É uma ajudando essa população de alunos margina-
ótima desenhista e estamos trabalhando mais lizados da sociedade a serem responsáveis pelos
no desenvolvimento deste tipo de atividade. seus próprios destinos, ao invés de viverem à
Estamos buscando alternativas para trabalhar mercê da sociedade que os discrimina.
melhor este caso, levando-a a se desenvolver Algumas escolas estão sendo equipadas
melhor. com computadores, fazendo uso de multimídia,
Os quatro casos demonstram que, na verda- e a internet passou a ser uma das principais
de, é o sistema escolar que não dá conta de fontes de busca de informação. Com o avanço
atender às necessidades das crianças que che- da tecnologia e da competição industrial em
gam à escola. Os professores, muitas vezes mal níveis mundiais, um contingente de analfabetos,
preparados, não sabem como lidar com essas no Brasil, fica, cada vez mais, à margem do
crianças. Além disso, as escolas mal equipadas mercado de trabalho e, conseqüentemente, da
não oferecem condições à criação de ambientes possibilidade de alcançar ou manter condições
informatizados de aprendizagem. A falta de mínimas de uma vida digna. Para tanto, cabe a
investimentos públicos nas escolas está, cada todos os segmentos da sociedade brasileira lutar
vez mais, contribuindo para o fracasso escolar na tentativa de banir ou amenizar as desigual-
dos alunos. dades sociais.
Entretanto, é bom que se tenha consciência
de que o computador, por si só, não é a solução
Considerações finais para resolver todos os problemas ora apresen-
tados. A idéia de que esses adolescentes e tantos
Certamente o trabalho com o computador outros têm dificuldade de aprendizagem precisa
teve um papel importante no progresso desses ser revista pela comunidade de educadores.
adolescentes. É claro que, mesmo participando Muitas dessas crianças estão defasadas na escola
de um projeto como este, eles ainda terão um simplesmente por uma questão circunstancial. O
longo caminho a percorrer para superar suas fato é que o sistema escolar atual não está pre-
deficiências. Através das aulas, vários alunos parado para trabalhar com essa população mais
têm demonstrado que podem conhecer melhor carente. Valente (1998) afirma que falta conhe-
a si mesmos do ponto de vista intelectual e cimento aos educadores e aos órgãos compe-
emocional. Muitos deles dizem que têm melho- tentes sobre essa população de crianças e ado-
rado até mesmo no relacionamento com os lescentes. Esse dado faz com que o professor
colegas, pois têm sempre um fato novo para não tenha meios para penetrar no mundo dessas
contar sobre computador.2 Não se pode esque- crianças, a fim de conhecê-las e poder estabe-
cer que vários desses alunos são considerados lecer vínculos intelectuais que permitam a criação
os piores nas escolas onde estudam, tanto em de um ambiente de aprendizagem que esteja
comportamento, quanto em desenvolvimento voltado para as necessidades delas.
escolar. Desse modo, o que se tem percebido em
Cada aluno tem a sua história para ser conta- projetos desenvolvidos, utilizando computadores,
da, cada uma revelando um caminho percorrido é que esses alunos, considerados como pessoas
no processo de construção do conhecimento e com dificuldades de aprendizagem, têm desen-
do desenvolvimento cognitivo. De acordo com volvimento cognitivo normal. É claro que não
Valente, no contexto educacional, os ambientes vemos o computador como o solucionador de
informatizados de aprendizagem já existentes todos os problemas da educação nem que esse
permitem que cada aluno possa utilizar os recur- possa substituir o professor ou algum material
sos disponíveis na escola e que se aproprie deles pedagógico. Ele é mais um recurso, com uma
de maneira particularizada, de modo a satisfazer
suas necessidades e seus interesses. Somente 2
Neste sentido foram registrados depoimentos de 11 alunos
dessa forma, a escola estará sendo efetiva, da turma 1 e de 5 alunos da turma 2.
362 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 353-363, jul./dez., 2004
Eunides Nogueira Santos; Warlley Ferreira Sahb
função de facilitar ao aluno e ao professor enten- PUC Contagem, os projetos sociais existentes,
derem o processo de raciocínio. Deve ser usado o governo e a escola pública. Tais instituições
integrado a uma abordagem pedagógica diferen- possuem qualidades suficientes para agir, con-
te, que seja voltada às reais necessidades do juntamente, no intuito de transformar a socieda-
aprendiz, ao invés do currículo escolar pré- de. Sem a educação, a sociedade não muda,
estabelecido. embora, sozinha, a educação também não trans-
Espera-se que este trabalho sirva de incen- forme a sociedade. É por isso que se faz ne-
tivo e de base para uma ação conjunta entre a cessário unir forças.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Maria Elizabeth de. Proinfo: informática e formação de professores. Brasília, DF: Ministério da
Educação: SEED, 2000. 2 v. (Série de Estudos).
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e lingüística. 10. ed. São Paulo, SP: Scipione, 2000.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro, RJ: Campus, 1992.
COSTA, José Wilson da. Ambientes informatizados de aprendizagem. Belo Horizonte: PUC Minas, 2001.
(mimeo).
COUTINHO, Maria Tereza da Cunha; MOREIRA, Mércia. Psicologia da educação: um estudo dos proces-
sos psicológicos de desenvolvimento e aprendizagem humanos, voltado para a educação: ênfase nas
Abordagens Interacionistas do Psiquismo Humano. Belo Horizonte: Lê, 1992.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 20. ed. Rio de janeiro, RJ: Paz e Terra, 1979.
FREITAG, Bárbara; LIMA, Lauro de Oliveira. Piaget: sugestões aos educadores. 2. ed. Petrópolis: Vozes,
2000.
INSTITUTO ETHOS. O que as empresas podem fazer pela educação. Disponível em <http://
www.ethos.org.br>. Acessado em: 22 jan. 2002.
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. São Paulo, SP:
Editora 34, 1998.
_____. O que é virtual. São Paulo, SP: Editora 34, 1998.
LUCENA, Marisa. Um modelo de escola aberta na Internet: Kidlink no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Brasport,
1997.
OLIVEIRA, Celina Couto de; COSTA, José Wilson da; MOREIRA, Mércia. Ambientes informatizados de
aprendizagem: produção e avaliação de software educativo. Campinas: Papirus, 2001.
PAPERT, Seymour. A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1994.
PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 1967.
SAHB, Warlley Ferreira. A informática na inclusão de portadores de necessidades especiais. Educação,
Maceió, n. 19, p.117-129, dez. 2003.
VALENTE, José Armando (Org.). Computadores e conhecimento: repensando a educação. 2. ed. Campi-
nas: UNICAMP/NIED, 1998.
_____. (Org.). O professor no ambiente logo: formação e atuação. Campinas: UNICAMP/NIED, 1996.
Recebido em 30.09.04
Aprovado em 05.01.05
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 353-363, jul./dez., 2004 363
Lynn Alves
Lynn Alves ∗
RESUMO
ABSTRACT
*
Doutora em Educação e Comunicação; professora da Universidade do Estado da Bahia - UNEB. Endereço para
correspondência: Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Campus I, Mestrado em Educação e Contemporaneidade,
Rua Silveira Martins, 2555, Cabula, 41150-000 SALVADOR/BA. E-mail: lynnalves@yahoo.com.br
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 365-373, jul./dez., 2004 365
Jogos eletrônicos e violência: um caleidoscópio de imagens
Estrangeiro... é essa a sensação de um pes- mento dos sujeitos que vivem imersos no mundo
quisador quando imerge em um mundo, a priori, tecnológico?
desconhecido. Investida da minha intenção de 2) Qual a concepção de violência dos jovens
averiguar o mundo dos jogos eletrônicos, mer- que interagem com os jogos eletrônicos consi-
gulhei nesse novo universo, o que se constituiu derados violentos?
em um grande desafio, principalmente porque 3) Quais as relações que os jovens estabele-
nunca havia jogado antes, mas apenas observa- cem em torno dos jogos eletrônicos com a vio-
do os jovens na fruição dos games. lência?
Com um gravador e uma câmera na mão, 4) As pessoas que interagem com os jogos
estava determinada a escutar os sujeitos da eletrônicos, considerados violentos, saem repro-
pesquisa, acompanhada da minha hipótese inicial duzindo no cotidiano as cenas de violência exibi-
de que a interação com os jogos eletrônicos não das nesses programas?
produzia comportamentos violentos nos jovens. Esses questionamentos se constituíram em
Imersa nessa cultura da simulação1, apro- trilhas que subsidiaram as entrevistas e as obser-
priei-me dos novos códigos e procurei estabele- vações das atividades realizadas pelos jovens
cer relação com os referenciais teóricos que envolvendo jogos eletrônicos ou não.
nortearam a construção da tese Game over: Depois de uma imersão no referencial teórico
jogos eletrônicos e violência2, o que efetivou que subsidiaria a leitura e organização das
a assimilação da linguagem dos jogos. informações colhidas, durante a pesquisa foi
Assim, durante o percurso, pude concretizar possível realizar o trabalho de campo, partindo
os objetivos inicialmente estabelecidos no proje- das seguintes hipóteses a respeito da violência:
to de pesquisa, o qual se propunha a analisar a – deve ser vista de forma construtiva e se
influência dos jogos eletrônicos no cotidiano dos constitui em uma linguagem, uma forma de
jogadores e suas possíveis implicações em um dizer algo;
comportamento “violento”, que poderia se refle- – vende por favorecer um efeito terapêutico,
tir nos ambientes sociais e, principalmente, na possibilitando aos sujeitos uma catarse, na
escola. medida em que canaliza os seus medos, de-
A escuta sistemática dos “participantes en- sejos e frustrações no Outro, identificando-
trevistados” permitiu a estruturação da tese, que se ora com o vencedor ora com o perdedor
traz à tona o olhar dos sujeitos que jogam e cons- das batalhas;
troem inúmeras relações entre os games e suas – a violência, vista desta maneira, passa a ser
vidas. considerada de forma construtiva, como um
Ao ouvir os sujeitos e trazer para esta inves- dos motores propulsores do desenvolvimen-
tigação o olhar e o discurso de cinco jovens que to afetivo e cognitivo dos sujeitos. Nesse
vivem intensamente no universo dos games, sentido, os jogos podem se constituir em es-
pude confirmar que, na perspectiva destes auto- paços de elaboração de conflitos, medos e
res e atores, os games, estes agenciamentos angústias.
sociotécnicos constituem-se em espaços de ela- A violência, presente no mundo contempo-
boração das questões ligadas às suas subjeti- râneo, vem se constituindo em uma linguagem,
vidades. (LÈVY, 1993).
Outro objetivo também concretizado foi a 1
Na perspectiva de Turkle (1997, 1989), a cultura da simu-
sistematização teórica dos referenciais que nor- lação emerge mediante os modelos computacionais como
teiam a relação jogos eletrônicos e violência. seus representantes e os jogos eletrônicos como elementos
que compõem essas representações. Representações estas
As questões norteadoras que permitiram que instauram uma lógica não linear e fazem parte do uni-
alcançar os objetivos propostos foram: verso da Geração Screenagers.
1) A interação com os jogos eletrônicos que 2
Tese de doutorado defendida em 07/06/04 na Faculdade de
Educação da UFBa. A tese encontra-se, na integra, na URL:
exibem e disponibilizam informações e cenas www.comunidadesvirtuais.pro.br e foi publicada pela Edito-
de violência provocam alterações no comporta- ra Futura.
366 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 365-373, jul./dez., 2004
Lynn Alves
isto é, uma forma de dizer (ROCHA, 1997; É fundamental analisar o fenômeno da vio-
DIOGENES, 1998). Os sujeitos que utilizam a lência mediante os aspectos sociais, econômicos,
violência enquanto linguagem podem estar sinali- culturais, afetivos etc.
zando a necessidade da mediação dos adultos, Outra aprendizagem importante relaciona-
já que o contato com os seus familiares está se ao fato de compreender os jogos como espa-
cada vez mais esparso, devido às necessidades ços de aprendizagem que devem ser explorados
de ordem econômica, que tem levado os adultos principalmente nos ambientes escolares, já que
(e até alguns jovens) a longas jornadas de tra- possibilitam a construção de conceitos vincula-
balho para manter o orçamento familiar. Estes, dos aos aspectos sociais, cognitivos, afetivos e
portanto, cada vez mais vivem entregues a si culturais.
próprios, perdendo a referência dos indivíduos Enfim, os jogos eletrônicos de diferentes nar-
que podem lhes possibilitar a sua estruturação rativas e conteúdos atuam na Zona de Desenvol-
como sujeito, levando-os a uma perda de identi- vimento Proximal dos sujeitos, de forma lúdica,
ficação e de ressignificação de valores. Esses prazerosa e atrativa.
valores passam a ser reconstruídos mediante
os diferentes grupos em que o jovem se insere
para ser aceito. Esse processo de aceitação pode O lugar dos jogos eletrônicos
levar a comportamentos transgressores, como
a utilização de drogas, vandalismos, enfim, atos Apresento uma análise das categorias inves-
que os distanciam dos adultos e os aproximam tigadas durante as entrevistas e que permitiram
dos seus pares. construir um olhar diferenciado sobre a relação
Considerando o desenvolvimento de todo o jogos eletrônicos e violência.
trabalho de pesquisa, penso que a interação com Os consoles de videogame foram os pri-
os jogos eletrônicos não produz comportamentos meiros elementos da cultura da simulação pre-
violentos nos jovens. A violência emerge como sentes na vida dos “participantes entrevistados”.
um sintoma que sinaliza questões afetivas (de- Para Caótico, Conan e Expert, eles constituí-
sestruturação familiar, ausência de limites etc) ram um passaporte para os jogos de computa-
e socioeconômicas (queda do poder aquisitivo, dores. Tony e Narciso acompanharam a evolu-
desemprego etc.). ção de suas plataformas e ainda se mantêm fiéis
Essa averiguação tomou como referencial à estrutura dos videogames3.
metodológico a abordagem qualitativa, que não Esses Screenagers 4 buscam interagir com
objetivava “provar” nada, mas demonstrar como os jogos eletrônicos mais recentes, que exigem
foram apreendidas as questões que nortearam rapidez de movimentos e demandam uma inteli-
a investigação, analisados os problemas e o al- gência sensório-motora, o que ratifica a idéia
cance dos resultados. Esse percurso permitiu a de que essas gerações apresentam formas dis-
concretização dos objetivos e a construção de tintas de pensar e compreender o mundo. Abrem
um olhar diferenciado sobre a relação jogos muitas janelas simultaneamente, interagem com
eletrônicos e violência. as tecnologias de forma diferenciada, isto é,
É importante ressaltar que, em alguns mo- escutam música, vêm televisão, estudam, usam
mentos, as conclusões referentes aos sujeitos o computador, batem papo nos chats, fazem tudo
não puderam ser universalizadas, uma vez que ao mesmo tempo, exigem, portanto, interativi-
os “participantes entrevistados” apresentaram dade.
posturas e discursos diferentes em relação à
problemática da pesquisa. 3
Narciso e Expert foram nomeados de acordo com suas
Contudo, a conclusão deste trabalho ratificou histórias de vida e os demais indicaram os nomes que gos-
a tese de que os jogos eletrônicos, considerados tam de utilizar.
4
Expressão utilizada por Rushkoff (1999) para referir-se à
violentos, não geram violência, isto é, a relação geração que nasceu a partir da década de oitenta, depois do
não é de causa e efeito. controle remoto, joystick, mouse, etc...
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 365-373, jul./dez., 2004 367
Jogos eletrônicos e violência: um caleidoscópio de imagens
368 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 365-373, jul./dez., 2004
Lynn Alves
a emergência de um outro código – uma escri- violência que incomoda mais o grupo da pesquisa:
tura dinâmica. a violência simbólica, principalmente, se ela vem
Trata-se de uma escrita que se dá através dos seus pares ou de figuras parentais.
de ícones e da incorporação de “imagens de Os sujeitos acreditam que a violência é inata
síntese”, que são construídas com base em um e, dessa forma, somos todos potencialmente
modelo que irá engendrar outras imagens alter- violentos, cabendo à cultura o papel de nos
nativas, formando, assim, uma nova escrita, que controlar. Assim, são ignorados os aspectos eco-
modificará profundamente nossos métodos de nômicos, políticos, sociais e culturais que envol-
representação, hábitos visuais, modos de traba- vem a problemática da violência.
lhar e de produzir, tocar os sentidos e criar uma As informações coletadas durante pesquisa,
impressão física forte e envolvente. Esse surgi- mediante o discurso e as observações feitas en-
mento de uma nova escrita pode ser denomi- quanto acompanhava os sujeitos nos jogos, apon-
nada de “ideografia dinâmica”, de acordo com taram para a idéia dos jogos como espaço de
Lévy (1998), supondo infinitas interfaces ho- ressignificação e de catarse. Os autores e ato-
mem/máquina, o que se configura em uma tec- res da pesquisa defendem o argumento de que a
nologia intelectual de grande flexibilidade. interação com esses suportes tecnológicos tem
Esta escrita utilizada pelos “participantes en- uma ação terapêutica, na medida em que o jogador
trevistados” nas salas de bate papo, nos fóruns, pode extravasar as suas energias e emoções
nos blogers, também está repleta de imagens. reprimidas, desviando, assim, esses sentimentos
E a imagem, como uma técnica cognitiva, possi- do seu semelhante. Dessa forma, o sujeito libera
bilita ao leitor/escritor associações lineares e o stress através da participação vicária.
não-lineares, na medida em que organiza uma Os “participantes entrevistados” ilustravam
linguagem do pensamento com representações essas conclusões com exemplos do seu coti-
do inconsciente, no qual a concepção de tempo diano, nos quais, muitas vezes, o simples fato
não é linear e, sim, atemporal. Atemporal, por- de jogar fazia com que se sentissem aliviados,
que as imagens e conteúdos que permeiam essa ratificando, assim, as premissas da teoria da
instância psíquica não seguem a ordem seqüen- catarse, tanto no que se refere à psicologia
cial dos fatos ocorridos.
(SANTOS, 2003; LAPLANCHE e PONTA-
Os livros de RPG ocupam um lugar diferen-
LIS, 1992) quanto à área de comunicação (SÍL-
ciado no universo dos “participantes entrevis-
BERMAN e LIRA, 2000) que, ao estabelecer
tados”. Conan, que além de jogar, mestra as
interlocução com essa concepção, descarta os
partidas de RPG, sempre busca novas inspira-
efeitos nocivos das mensagens das mídias.
ções para as suas histórias nos livros, articulando,
Narciso defende claramente a concepção
inclusive, o conteúdo literário da faculdade na
de que os jogos o tornaram mais violento, na
qual estuda, com os enredos que cria nos jogos.
medida em que associa o seu nível de agressivi-
As narrativas das histórias dos games, prin-
dade ao seu contato com os jogos desde a
cipalmente dos RPGs, mobilizam Caótico, Co-
infância. Porém, uma análise detalhada da sua
nan e Narciso a buscar nesses jogos um con-
junto de aspectos, que vão além da repetição história é suficiente para percebermos que
de movimentos e comportamentos violentos. existem questões de ordem afetiva relacionadas
Estes sujeitos querem atuar e criar novas possi- a sua estrutura familiar que potencializam o seu
bilidades de ação. comportamento agressivo, manifestado mais
fortemente na sua relação com os objetos,
principalmente, os suportes e periféricos dos
A violência e os jogos eletrônicos videogames, como, por exemplo: joystick, Cd-
rom, o próprio videogame; cada vez que se
Pude apreender que, para os entrevistados, defronta com a perda, os destrói.
o conceito de violência não se limita apenas à Logo, confirma-se a proposição de que a
violência física e estrutural. Existe um tipo de violência emerge muito mais como uma lingua-
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 365-373, jul./dez., 2004 369
Jogos eletrônicos e violência: um caleidoscópio de imagens
gem, uma forma de dizer, que marca questões as horas de prazer e lazer como um mero
afetivas (desestruturação familiar, ausência de passatempo, portanto, não sendo encarados
limites, etc) e sócio-econômicas (queda do poder como uma compulsão. Embora os “participantes
aquisitivo, desemprego, etc...). No caso de Nar- entrevistados” joguem diariamente, no caso es-
ciso, este dado foi confirmado, ao narrar a sua pecífico deste grupo, isso não se constitui em
trajetória de vida, na qual pontua sua difícil uma compulsão, uma vez que eles desenvolvem
relação com o pai, a fuga para as drogas, o pro- outras atividades sociais, nas quais os jogos não
cesso de depressão em que vive imerso e o leva, entram em cena. Jogam para relaxar, para co-
muitas vezes, à perda do sentido da vida. meçar um novo dia, para deixar fluir as emoções.
Tais comportamentos registram a necessi- Os sujeitos da pesquisa, em nenhum mo-
dade da mediação dos adultos na vida dos mento, fazem a transposição do universo ficcio-
jovens, que precisam ser aceitos. Esse processo nal dos jogos para o seu cotidiano; pontuam,
de aceitação, quando não intermediado, pode inclusive, que aqueles que o fazem apresentam
levar a comportamentos transgressores, como algum distúrbio psíquico.
utilização de drogas, vandalismos, inserção em Em consonância com as idéias dos autores e
uma cultura diferenciada do seu grupo, como é atores da pesquisa, ratifico o meu posicionamento
o caso de Caótico8, enfim, atos que os distan- anterior de que os jovens que fazem a transpo-
ciam dos adultos ou marcam um outro lugar e sição da tela, do virtual para o real, utilizam a
os aproximam dos seus pares.
linguagem da violência como uma forma de dizer
Portanto, a violência apresentada, nestes su-
algo, apontando aos adultos questões de ordem
portes tecnológicos, favorece um efeito terapêu-
emocional, social, cultural e econômica. Estes
tico que possibilita aos sujeitos uma catarse, na
sujeitos podem estar a demandar uma atenção
medida em que canaliza os seus medos, desejos
maior dos seus pais e ou pares e buscam expe-
e frustrações para o outro, para os personagens
rimentar situações de risco no intuito de (re)sig-
que permeiam o universo de imagens dos games.
Os gamers se identificam, ora com o vencedor, nificar o seu lugar enquanto sujeito.
ora com o perdedor das batalhas. Vista dessa É importante ressaltar que os autores e atores
forma, a violência passa a ser considerada de da pesquisa, em nenhum momento, se mostra-
forma construtiva, como motor propulsor do ram violentos e que não apresentam em suas
desenvolvimento desses indivíduos. Nesse histórias dados que os coloquem nesse lugar.
sentido, os jogos se constituem em espaços de Isso confirma a idéia de que não devemos
elaboração de conflitos, medos e angústias. proibir os jovens de jogarem games violentos,
Logo, é possível dizer que, por meio das mesmo porque as narrativas dos jogos estão se
imagens ficcionais e reais, o sujeito, através dos tornando mais complexas e ampliam as
jogos, realiza os seus desejos e necessidades possibilidades de interatividade, palavra-chave
afetivas, visto que pode projetar idéias e fan- no discurso desses sujeitos9.
tasias, em que a tela atuaria como um espelho Todos eles enfatizam a importância de ver
que possibilita um novo espaço (virtual) para os resultados, de se aproximar do real; são fasci-
aprender a viver. O sujeito passaria a se consti- nados pelo universo do jogo que, dentre os su-
tuir através de uma “linguagem da tela”, em portes tecnológicos existentes, é o que mais pos-
que intercambiaria significantes e em que cada sibilita a imersão em outros mundos.
um deles é uma multiplicidade de partes, frag-
mentos e conexões. 8
Caótico é gótico e o seu nickname emerge a partir da
Assim, na perspectiva desses jovens, os jogos junção das expressões que designam a cultura gótica e a
cultura do caos.
funcionam como uma válvula de escape, libera- 9
Para Murray, “quanto mais construtivo for o ambiente da
dora de questões intrínsecas aos sujeitos e que história, mais oportunidades oferecerão para ser algo mais
precisam ser resolvidas. que a repetição de padrões destrutivos. O objetivo dos am-
bientes maduros de ficção não é de excluir o material
Isso promove um efeito catártico para a antisocial, senão incluí-lo de modo que o usuário possa
agressividade existente em todos nós, ocupando enfrentá-lo, dando-lhe forma e trabalho” (1999, p.184).
370 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 365-373, jul./dez., 2004
Lynn Alves
Esses jogos atraem diferentes níveis gera- Os atores e autores da pesquisa imergem
cionais porque estimulam a competição, o desa- no mundo dos games e da rede mediados por
fio de vencer a máquina e o outro, o que, muitas avatares14, que permitem o exercício do faz-
vezes, pode se constituir em uma experiência de-conta e uma maior interatividade, possibilitam
excitante que promove níveis de dificuldade nas a aprendizagem, a comunicação, o estabeleci-
diferentes fases do jogo. Um exemplo interes- mento de novos vínculos, relacionamentos,
sante é a famosa derrota, em 1997, de Gary desenvolvem habilidades motoras, lingüísticas
Kasparov – campeão mundial de xadrez – pelo e sociais e potencializam a construção de novos
programa Deep Blue. Contudo, não se trata de olhares, significados e significantes para a socie-
resgatar a dicotomia homem/máquina, mas de dade na qual estão inseridos. Essas múltiplas
pensar que existe ainda uma dificuldade, em possibilidades dos games tornam possível apren-
especial da imprensa, em compreender que essa der diferentes conteúdos, caracterizando esse
relação não é mais de disputa, na qual existe agenciamento sociotécnico como um novo espa-
um lado que domina e outro que obedece, o que ço de aprendizagem que se constitui em espaço
reifica a máquina. O homem não abre mão de do saber vivo, real, exigindo o rompimento com
sua autonomia e controle das coisas, o que torna a linearidade que ainda se institui na sala de
distante a situação retratada no filme clássico aula convencional, com práticas pedagógicas
da ficção científica da década de 60, 2001 – pautadas no paradigma moderno.
Uma Odisséia no espaço10, no qual o compu- 10
Título original: 2001: A Space Odyssey. Tempo de Dura-
tador Hall assume o controle da nave e dos ção: 148 minutos. Ano de Lançamento (Japão): 1968. Di-
tripulantes e simboliza a primazia da máquina reção: Stanley Kubrick. Com Keir Dullea e Gary Lockwood,
William Sylvester, Daniel Richter, Douglas Rain, Margaret
sobre o homem. Ou ainda, numa versão mais Tyzack, Leonard Rossiter Robert Beatty e Sean Sullivam
atualizada, o exemplo de Matrix11 ou a animação 11
Título original: THE MATRIX Reloaded. Direção: Larry
Metropolis12. A eterna dicotomia homem/máqui- e Andy Wachowski. Com: Keanu Reeves, Laurence
Fishburne, Carrie Anne-Moss, Jada Pinkett-Smith, Hugo
na perde seu significado neste início de um novo Weaving, Monica Belucci. Estados Unidos, 2003, duração:
milênio. Os meios tecnológicos de comunicação 138 minutos.
e informação assumem, assim, o papel de rearti- 12
Título Original: Metropolis. Tempo de Duração: 90 minu-
tos. Ano de Lançamento (Japão): 2001. Direção: Rintauro.
culadores e reorganizadores de toda a socie- Roteiro: Katsuhiro Otomo. Fotografia: August Jakobsson.
dade. A imaginação, em contraponto com a Vozes: Yuka Imoto, Kei Kobayashi, Kohki Okada.
razão da era antropocêntrica, passa a predo- 13
No que se refere ao papel ocupado pelos jogos, Caótico
afirma: “O videogame é, acima de tudo, o contato com o
minar e os ícones assumem um papel relevante; lúdico, mas o lúdico traz contribuições. Assim, uma coisa
os conhecimentos construídos no mundo da que muita gente fala é que os jogos desenvolvem o pensa-
mento lógico e a inteligência. Porque, no computador, você
razão são rearranjados pelos meios de comuni- esta interagindo com uma mente digital, vamos dizer assim,
cação, podendo desaparecer ou sofrer colora- que oferece algum desafio e, às vezes, é bastante inteligen-
ções diferentes. Caótico, por exemplo, quando te. Tem esse contato com o lúdico e tem o desenvolvimen-
to da inteligência.“
nos traz a “mente digital”13, sinaliza uma com- 14
Os avatares se caracterizam como uma persona virtual,
preensão da técnica que não se limita à extensão assumida pelos participantes de jogos e de diferentes comu-
nidades virtuais, “... que inclui uma representação gráfica de
da mente humana. um modelo estrutural de corpo (presença de braços, tentá-
O que os sujeitos desejam é se sentirem culos, antenas, etc.), modelo de movimento (o espectro de
interatores do processo, falantes e não-falantes movimento que esses elementos, juntos, podem ter), mode-
lo físico (peso, altura, etc.), e outras características. Um
e, ao mesmo tempo, obter respostas imediatas, avatar não necessita ter a forma de um corpo humano, pode
utilizar a tela do computador, da TV e/ou das ser um animal, planta, alienígena, máquina, ou outro tipo e/
ou figura qualquer. Alguns sistemas interativos no ciberes-
máquinas de jogos eletrônicos como um espaço paço, que incorporam o conceito de avatar, foram criados a
para novas formas de escrever o mundo, o que partir de 1995, em função da tecnologia VRML Virtual
Reality Modeling Language), e são conhecidos como MUD
caracteriza, assim, uma dimensão comunitária, (Multi-Users Domains). São espaços virtuais onde estabele-
baseada na reciprocidade, o que permite a cemos contatos sensoriais com outros indivíduos, de dife-
rentes partes do mundo, que estão se transformando tam-
criação e interferência por parte dos indivíduos bém em palco de experimentações artísticas (PRADO; AS-
(MACHADO, 2002). SIS, [2001-]).
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 365-373, jul./dez., 2004 371
Jogos eletrônicos e violência: um caleidoscópio de imagens
Diante do exposto, pude aprender e apreen- The Sims)17, nos quais o jogador deve desen-
der, através do processo de investigação, que a volver novas formas de vida, gerir sistemas
interação com os jogos eletrônicos considerados econômicos, constituir famílias, enfim, simular
violentos não geram comportamentos semelhan- o real, antecipar e planejar ações, desenvolver
tes. Essas atitudes estão relacionadas a outros estratégias, projetar os seus conteúdos afetivos
aspectos como, por exemplo: questões de ordem e sociais. Como não tem regras rígidas, esses
familiar, afetiva e socioeconômica, a exemplo games admitem a emergência de vários estilos
das histórias de Expert15 e Narciso, que sinaliza- de jogos singulares, construindo uma narrativa
ram dados importantes do relacionamento bem particular, idiossincrática. Nesses enredos,
familiar que podem estar refletindo no comporta- é possível projetar questões particulares dos
mento dos “participantes entrevistados”. envolvidos nos games, ressignificando-as, isto
Logo, a agressividade que emerge na dinâ- é, tornando-se autor e ator de suas histórias,
mica dos jogos atua de forma construtiva, na como, por exemplo, o caso de Conan que sempre
medida em que possibilita aos sujeitos ressignifi- trazia para a trama aspectos do seu cotidiano.
carem as suas insatisfações e, portanto, exercem Os jogos de RPG, em especial, também
um efeito catártico, um potencial dos games, permitem uma riqueza pedagógica que deve ser
que se constituiu num dos aspectos mais enfati- explorada; a constituição de clans ou clãs permi-
zados pelos sujeitos da pesquisa. te a troca de novos conhecimentos nos diferen-
Outro dado importante refere-se a espetacu- tes níveis, o que fomenta a criação de comuni-
larização e à estetização das imagens violentas dades virtuais que intercambiam diferentes
apresentadas nos jogos eletrônicos, que podem saberes (RHEINGOLD, 1997). Estas tendem
levar a uma banalização da violência, tornando a se tornar permanentes, mesmo depois do tér-
necessária a mediação de outros sujeitos para mino das partidas, o que as torna espaços que
fomentar a discussão acerca do que está sendo possibilitam aos seus gamers, players a partilha
visto. No discurso dos sujeitos, foi possível per- de algo importante. Essa magia não implica,
ceber que esse universo imagético não é visto necessariamente, em especial, no caso dos su-
de forma maniqueísta, isto é, as imagens violen- jeitos dessa pesquisa, na transposição das reali-
tas são naturalizadas. Tal constatação me reme- dades apresentadas na tela para a vida real, isto
teu ao filme A Primeira Vista16, no qual o prota- é, os conteúdos violentos são vivenciados dentro
gonista, cego, ao fazer uma cirurgia e voltar a do enquadre do jogo, sem nenhuma repercussão
enxergar, se depara com imagens nada belas no dia a dia.
do cotidiano, como a miséria dos pedintes. Tais As conclusões aqui apresentadas foram fun-
cenas o incomodam e fazem com que questione damentadas no discurso dos sujeitos da pesquisa,
o fato de a mocinha da história passar pela calça- na interlocução com os autores e na imersão
da sem demonstrar nenhum tipo de constrangi- no locus dos jogadores.
mento e avaliar a importância de enxergar Ressalto que os autores e atores, ao longo
cenas tão violentas e ficar indiferente. Tratava- da pesquisa, passaram por um processo de me-
se de uma violência que tem causas estruturais.
Cenas como essas se repetem em vários 15
Refiro-me ao seguinte episódio narrado por Expert: “Eu já
momentos do nosso dia-a-dia, seja presencial- fui vítima de violência. Eu já fui assaltado, mas eu consegui
mente, seja através das inúmeras telas que recuperar. Eu não me dei por vencido e fui atrás dele. E eu
pergunto: Você não teve medo? Ele não estava armado? E ele
inundam o nosso universo. responde: não. Eu estava com raiva. Ele estava com a faca,
No que se refere à aprendizagem, os “parti- ele levou meu boné. Aí eu esperei ele. Eu estava de bicicleta.
cipantes entrevistados” confirmaram que é pos- Aí eu esperei ele sair um pouquinho, foi na orla, passei na
menina do caldo de cana e pedi o facão como se fosse para
sível aprender e construir conceitos cognitivos, puder ajeitar alguma coisa, sentei na bicicleta e fui atrás dele.”
afetivos e sociais na interação com os jogos 16
Título Original: At First Sight. Tempo de Duração: 129
eletrônicos, principalmente, os classificados minutos. Ano de Lançamento (EUA): 1999. Direção: Irwin
Winkler. Com Val Kilmer, Mira Sorvino e Kelly McGillis.
como de simulação, a exemplo dos jogos da série 17
O primeiro e o último são mais conhecidos no Brasil e
Sim (SimCity, SimLife, SimAnt, SimHealth e citados pelos entrevistados.
372 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 365-373, jul./dez., 2004
Lynn Alves
tamorfose em suas ações e narrativas, o que nova configuração, visto que o cotidiano desses
permitiu adentrar no seu universo, atenta para sujeitos tinha dinamicidade e permitia uma apro-
o fato de que, cada vez que olhava o caleidos- ximação das suas vidas. Vidas e histórias que,
cópio constituinte dos sujeitos, ele tinha uma como no caleidoscópio, se entrecruzavam.
REFERÊNCIAS
DIÓGENES, Glória. Cartografia da cultura e da violência: gangues, galeras e o movimento hip hop. São
Paulo, SP: Anna Blume, 1998.
FRAGOSO, Suely. Computer games: a proposal for a structured classification. In: VELDERS, T. (org.).
Beeldenstorm in Deventer: selected papers from the 4th International Research Symposium on Visual Verbal
Literacy, Rijkshogeschool Ijselland, Deventer, Holanda, 1996. v. 1, n. 1.
LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, J. B. Vocabulário da psicanálise. São Paulo, SP: Martins Fontes, 1992.
LÈVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro,
RJ: Ed. 34, 1993.
_____. A ideografia dinâmica: rumo a uma imaginação artificial? São Paulo, SP: Edições Loyola, 1998.
MACHADO, Arlindo. Regimes de Imersão e Modos de Agenciamento. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 25. Salvador, 2002. Anais... Salvador: INTERCON: UNEB, 2002.
MURRAY, Janet H. Hamlet em la holocubierta: el futuro de la narrativa em el ciberespacio. Barcelona:
Paidós, 1999.
PAVÃO, Andréa. A aventura da leitura e da escrita entre mestres de role-playing games. São Paulo, SP:
Devir, 2000.
PRADO, Gilberto; ASSIS, Jesus de Paula. Dois experimentos recentes em ambientes virtuais multiusuário:
imateriais 99 e desertesejo. Disponível em: <http://wawrwt.iar.unicamp.br/GTcompos2001/gtto_assis.html>.
Acessado em: 30 mar. 2003.
RHEINGOLD, Howard. A comunidade virtual. Lisboa: Gradiva, 1997
ROCHA, Rosamaria Luiza de Melo. Estética da violência: por uma arqueologia dos vestígios. 285 f. Tese
(Doutorado em Comunicação) – Escola de Comunicação e Artes. Universidade de São Paulo, São Paulo., SP,
1997.
RUSHKOFF, Douglas. Um jogo chamado futuro: como a cultura dos garotos pode nos ensinar a sobreviver
na era do caos. Rio de Janeiro, RJ: Revan, 1999.
RONDELLI, Elizabeth. Imagens da violência e práticas discursivas. In. PEREIRA, Carlos Alberto Messeder.
et al. (org). Linguagens da violência. Rio de Janeiro, RJ: Rocco, 2000, p.144-162.
SANTOS, Juracy Marques dos. Contribuições da psicanálise e psicologia social para as ciências da arte:
Freud e Vygotsky em discussão. In: ESTADOS GERAIS DA PSICANÁLISE: Segundo Encontro Mundial,
Rio de Janeiro, RJ: [s. n.], 2003.
SÍLBERMAN, Sarah García; LIRA, Luciana Ramos. Médios de comunicación y violencia. México: Institu-
to Mexicano de Psiquiatria – Fondo de Cultura Econômica, 2000.
TURKLE, Sherry. A vida no ecrã: a identidade na era da Internet. Lisboa: Relógio D’Água, 1997.
_____. O segundo EU: os computadores e o espírito humano. Lisboa: Presença, 1989.
VYGOTSKY, Lev Semynovitch. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológi-
cos superiores. São Paulo, SP.: Martins Fontes, 1994.
Recebido em 11.09.04
Aprovado em 24.10.04
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 365-373, jul./dez., 2004 373
Siddharta Fernandes; Marco Silva
Siddharta Fernandes ∗
Marco Silva ∗∗
RESUMO
ABSTRACT
*
Mestre em Educação pela Universidade Estácio de Sá. Professor adjunto e Coordenador do Curso de Matemática da
Universidade Estácio de Sá. Endereço para correspondência: Colégio Teresiano, Rua Marquês de São Vicente, 331,
Gávea – 22451.041 Rio de Janeiro/RJ. E-mail: siddhartaf@bol.com.br
**
Sociólogo, doutor em educação pela USP, professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Estácio de Sá – UNESA, e da Licenciatura da UERJ – Universidade do Estado de Rio de Janeiro. Autor dos livros Sala
de aula interativa. 3. ed. Rio de Janeiro, RJ: Quartet, 2003; e Educação online (Org.). São Paulo, SP: Loyola, 2003.
Endereço para correspondência: Mestrado em Educação da Universidade Estácio de Sá. Av. Presidente Vargas, 642, 22º
andar, Centro – 20071.001 Rio de Janeiro/RJ. E-mail: marco@msm.com.br - site: www.saladeaulainterativa.pro.br
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 375-384, jul./dez., 2004 375
Criar e desenvolver uma rádio online na escola: interatividade e cooperação no ambiente de aprendizagem
376 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 375-384, jul./dez., 2004
Siddharta Fernandes; Marco Silva
Interação Colaboração
(constante negociação)
Tomada de decisão
Relações em grupo
heterárquicas
Objetivos
Descentralização Comuns
do pensamento
(1) Postura Cooperativa
Trocas e conflitos
Responsabilidade do aprendiz sócio-cognitivos
pelo seu aprendizado
e pelo do grupo
Consciência
social
Ações conjuntas
e coordenadas
Reflexão
Individual/Social
Tolerância e convi-
vência com diferenças
Construção de uma
inteligência coletiva
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 375-384, jul./dez., 2004 377
Criar e desenvolver uma rádio online na escola: interatividade e cooperação no ambiente de aprendizagem
(2) Estrutura do
(1) Postura Cooperativa
ambiente
Feed-back (todos-todos)
Autonomia na tomada
de decisão Organização legitimada
pelo grupo
Organização da dinâmica
(transmissão) para a lógica da comunicação (inte- estatuto de mensagem emitida. Assim, parece
ratividade). Isso significa modificação radical no claramente que o esquema clássico da infor-
esquema clássico da informação baseado na mação, que se baseava numa ligação unilateral
ligação unilateral emissor-mensagem-receptor: ou unidirecional emissor-mensagem-receptor, se
• O emissor não emite mais, no sentido que acha mal colocado em situação de interati-
se entende habitualmente, uma mensagem vidade.
fechada, oferece um leque de elementos e Mas essa perspectiva educacional ainda está
possibilidades à manipulação do receptor. muito distante da prática educacional atual. No
• A mensagem não é mais “emitida”, não é geral, as experiências que aproximam educação
mais um mundo fechado, paralisado, imutá- e comunicação não colocam educadores e
vel, intocável, sagrado, é um mundo aberto, alunos como potenciais produtores de suas
modificável na medida em que responde às próprias aprendizagens, mas, sim, como meros
solicitações daquele que a consulta. consumidores das informações de fontes fecha-
• O receptor não está mais em posição de re- das, separando emissão e recepção – livro, jornal,
cepção clássica, é convidado à livre criação, vídeo, rádio analógica.
e a mensagem ganha sentido sob sua inter- O professor, muitas vezes, atribui às mídias
venção (MARCHAND, 1986). funções como ilustrar, introduzir o tema ou trans-
Trata-se, portanto, de mudança paradigmá- mitir um conteúdo. Não vislumbra a possibilidade
tica na teoria e pragmática comunicacionais. A de promover a discussão, de criar espaços inte-
mensagem só toma todo o seu significado sob a rativos para a aprendizagem cooperativa.
intervenção do receptor que se torna, de certa A Rádio online surge como uma possível
maneira, criador. Enfim, a mensagem que agora estratégia para se estabelecer a comunicação
pode ser recomposta, reorganizada, modificada interativa no ambiente educacional. Baseada em
em permanência sob o impacto das intervenções um trabalho cooperativo, na interatividade entre
do receptor dos ditames do sistema, perde seu os participantes e no compartilhamento de idéias
378 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 375-384, jul./dez., 2004
Siddharta Fernandes; Marco Silva
e de propostas, a Rádio online apresenta-se que não existe interatividade porque tem um
como uma mídia em que os alunos se sentem centro emissor e uma multiplicidade de recep-
parte importante e ativa do processo de comu- tores. Esse primeiro dispositivo chama-se “Um-
nicação e, com isso, passam a assumir uma pos- Todos”. Um segundo dispositivo é o tipo “Um-
tura de responsabilidade com relação a sua pró- Um”, que pode ser interativo, mas que não tem
pria aprendizagem e a do grupo como um todo. uma emergência do coletivo da comunicação,
Isso nos leva a uma proposta de ruptura do modelo como é o caso do uso do telefone. O ciberespaço
educacional tradicional baseado na transmissão introduz um terceiro tipo: o interativo que supõe
linear de conteúdos disciplinares, em que se um mais comunicacional na perspectiva do
separam emissão e recepção. Ou seja, o rádio “Todos-Todos” e de uma inteligência coletiva
como um espaço privilegiado para o aluno con- (LÉVY, 1994a).
viver com outros sujeitos (alunos, professores, A inteligência coletiva desfaz a polaridade
pais, ...) através de relações que estimulem a entre um centro emissor ativo e receptores pas-
cooperação e o respeito mútuo, ao invés de sivos. A imagem, o som e o texto surgem como
relações baseadas no prestígio e na autoridade campo aberto de possibilidades diante da ação
hierárquica e unidirecional próprias do ambiente exploratória do usuário. Essa plasticidade, sus-
escolar tradicional. tentada pelas tecnologias comunicacionais – a
hipermídia e as redes digitais – funda o novo
ambiente comunicacional interativo.
A comunicação interativa A comunicação interativa aparece no ci-
berespaço em diversos momentos. Os canais
A origem do termo comunicação (communi- de bate-papo (chat) são um exemplo. Cada um
care) nos remete a “tornar comum”. Mas o ato entra na sala que mais lhe interessa, na hora
de tornar comum pode ser um ato individual ou que deseja, com a identidade que quiser se
coletivo, pode ser algo transmitido ou construído. mostrar. Conversa em grupo ou individualmente,
Com relação a essa diversidade de sentido, Salo- em tempo real. Vale destacar que, nas salas de
mon (1981) propôs a distinção de eventos em: chat, todos podem “falar” com todos simulta-
informativos (transmitem aos sujeitos fatos neamente, sempre de acordo com a sua escolha.
relacionados ao próprio evento) e comunicacio- É a essência da comunicação interativa.
nais (abertos ao diálogo, a intervenções dos A construção dos programas da Rádio on-
sujeitos). Nos eventos informativos, encontram- line é mais um exemplo da comunicação inte-
se as mídias de massa: o rádio, a televisão, a rativa, agora no ambiente educacional. E, para
imprensa e o livro. Por outro lado, o caráter ampliarmos a discussão sobre as possíveis mu-
comunicacional existe “sempre e quando duas danças na escola com a comunicação “todos-
pessoas interagem e, intencionalmente ou não, todos”, trazemos a redefinição da mensagem,
negociam o significado de um determinado do emissor e do receptor proposta por Silva
fenômeno” (PEARSON; TODD-MANCIL- (2000, p.73). O autor propõe as seguintes dis-
LAS, 1993, p.29). tinções no Quadro 1.
As distinções entre as duas modalidades Assim, para se situar dentro da lógica comu-
encontram-se na elaboração da mensagem, na nicacional, o rádio tem que pressupor a mensa-
sua forma de disponibilização e na sua leitura. gem como fruto da recursão entre a emissão e
Na modalidade comunicacional, na qual a Rádio recepção, um processo compartilhado de codifi-
online se insere, cada leitura torna-se um ato cação e decodificação. E, para ter o cunho edu-
de escrita. Cada pessoa torna-se uma emissora, cacional, tem que se basear na flexibilidade, em
o que, obviamente, não acontece nas mídias de relação tanto aos conteúdos quanto às formas
massa. Essa diferença na postura dos espec- de apresentação, à organização, ao momento
tadores faz surgir uma tipologia sobre o uso dos de acesso, à definição do ambiente da aprendi-
dispositivos de comunicação. Há um tipo em zagem e à constituição do grupo humano com o
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 375-384, jul./dez., 2004 379
Criar e desenvolver uma rádio online na escola: interatividade e cooperação no ambiente de aprendizagem
Quadro 1 – COMUNICAÇÃO
Modalidade unidirecional Modalidade interativa
MENSAGEM: fechada, imutável, linear, MENSAGEM: modificável, em mutação, na medida em que
seqüencial. responde às solicitações daquele que a manipula.
EMISSOR: “contador de histórias”, narrador EMISSOR: “designer de software”, constrói uma rede (não uma
que atrai o receptor (de maneira mais ou menos rota) e define um conjunto de territórios a explorar; ele não oferece
sedutora e/ou por imposição) para o seu uma história a ouvir, mas um conjunto intrincado (labirinto) de
universo mental, seu imaginário, sua récita. territórios abertos à navegação e dispostos a interferências, a
modificações.
RECEPTOR: assimilador passivo. RECEPTOR: “usuário”, manipula a mensagem como co-autor,
co-criador, verdadeiro conceptor.
qual se trabalha. Uma mídia pouco formalizada, a implicação da imagem dos participantes nas
porém muito estruturada quanto às possíveis mensagens.
situações de aprendizagem. A nossa proposta com esse trabalho é retor-
Essas características fazem do ciberespaço nar ao rádio, agora online, a conotação comuni-
o ambiente favorável para o rádio se re-configu- cacional que favorece a troca entre os interlo-
rar. O ciberespaço propõe uma ruptura ao mo- cutores. Troca no sentido da possibilidade de
delo unidirecional. Funda-se na busca da bidire- agir, de intervir sobre os programas. E, de certa
cionalidade: a liberdade de expressão, de experi- forma, estabelecer uma conotação educacional
mentação e, particularmente, o questionamento no sentido de favorecer o uso das mídias con-
à manipulação exercida pelas mídias unidire- forme mudanças descritas no Quadro 2.
cionais. Assim visto, o rádio online delimita bem a
Para ilustrar o grau de comprometimento do aproximação entre a educação e a comunica-
rádio online com a bidirecionalidade, vemos em ção. Permite compreender o ensino e a aprendi-
Lévy (1999, p.82) alguns indícios dos quais zagem como um único momento que envolve
destacamos: as possibilidades de apropriação e um processo de comunicação interativa. Isso
de personalização da mensagem recebida, seja muda a concepção de ensino-aprendizagem
qual for a natureza dessa mensagem; a recipro- porque, com a interação, não se transmite algo,
cidade da comunicação (a saber, um dispositivo mas se produz coletivamente.
comunicacional “Um-Um” ou “Todos-Todos”);
380 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 375-384, jul./dez., 2004
Siddharta Fernandes; Marco Silva
Rádio GETUP, uma rádio online Pode-se utilizar uma mesa de som, mas é op-
cional. A mesa permite acoplar, simultaneamente,
Para aprofundar a investigação sobre a rela- diversos dispositivos de entrada de som ao com-
ção Comunicação e Educação, optamos por de- putador (microfones, gravador, mesa de efeitos,
senvolver uma pesquisa a partir da criação de dentre outros) e, também, “brincar” com efeitos
uma rádio online em uma escola particular como eco, delay, distorção e outros. Mas os efei-
situada no bairro de Jacarepaguá, na cidade do tos podem ser inseridos através dos softwares
Rio de Janeiro, que atende, aproximadamente, de edição. O editor que escolhemos chama-se
a 1.200 alunos do Ensino Fundamental ao Sound Forge. A sua escolha deveu-se à riqueza
Ensino Médio. O trabalho de campo foi realizado de recursos aliada à facilidade de operação.
entre os meses de abril e agosto de 2003. Quanto à parte musical da rádio, deve ser
Optamos pela pesquisa-participante, uma feita em tecnologia streaming para evitar que se
vez que essa concepção de pesquisa coloca “baixe” todo o programa da rádio para escutá-
como prioridade à participação dos envolvidos, lo. Assim, escuta-se o som enquanto o arquivo é
prática condizente com a própria modalidade transferido simultaneamente pela internet. Não
comunicacional a ser engendrada coletivamente, precisa fazer download. Os programas mais
acolhendo e potencializando os saberes afins já usuais no momento são Real Player (Real Áudio)
presentes na ambiência pesquisada. e Media Player (Windows), disponíveis inclusive
A nossa chegada à escola coincidiu com um em versões gratuitas no site do fabricante.2
momento em que se iniciava uma reformulação Nossos encontros foram semanais com du-
educacional. Reformulação no sentido de buscar ração aproximada de três horas. Uma hora des-
novas diretrizes para a escola, de redefinir a tinada ao planejamento do programa e duas horas
atividade docente e de ampliar a participação dos para a gravação. A equipe da rádio foi constituída
alunos na sua aprendizagem. Ações que vão ao inicialmente por um grupo de 24 alunos voluntários
encontro da proposta deste trabalho e que nos do Ensino Médio. Como se trata de uma proposta
fizeram sentir como participantes dessa reflexão. pedagógica, toda essa produção dos alunos deve
Antes de propormos a construção de uma ser acompanhada por, pelo menos, um professor.
mídia interativa como a Rádio online, fomos Na escola em questão, esse acompanhamento
conhecer a visão da equipe docente sobre Co- aos alunos foi assumido por uma Coordenadora
municação. Deparamo-nos com o modelo que e pela professora de Informática.
associa comunicação a algo informativo. Na Grupo formado, momento então de se orga-
verdade, não é só a escola, mas a sociedade nizar o que cada um vai fazer. Parte do grupo
como um todo que vê as mídias tradicionais ficou responsável por desenvolver o site da
(jornal, televisão e rádio) como o principal canal rádio, e outra parte por produzir os programas
de comunicação. Não enxergam a massificação, a serem veiculados. Os conteúdos do site são
a uniformização a que estamos submetidos. E referentes aos programas, mas abordados com
na escola não é diferente. Nós, educadores, outro enfoque, com uma outra linguagem. En-
ainda não nos demos conta de que comunicação quanto na rádio predomina a linguagem oral, no
é diálogo, é troca. site, em geral, a informação encontra-se em
A criação da rádio envolveu a montagem de forma de texto e imagem. Mas ambas as produ-
um “estúdio”. Para isso, a escola reservou uma ções, as páginas e os programas, compõem a
sala, ou mesmo o laboratório de informática, Rádio. Assim, devem ser elaborados, produzidos
onde os alunos produziram o site, gravaram os e disponibilizados concomitantemente. E para
programas e planejaram o trabalho. Utilizamos isso funcionar, somente com os grupos cami-
um, ou mais, computadores multimídia com pelo nhando em conjunto.
menos 128 Mb de memória RAM. Arquivos de
som são grandes e requerem também um 2
Real Player – http://www.real.com/realone/?src=realplayer
espaço em disco razoável. Media Player – www.windows.com.br
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 375-384, jul./dez., 2004 381
Criar e desenvolver uma rádio online na escola: interatividade e cooperação no ambiente de aprendizagem
382 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 375-384, jul./dez., 2004
Siddharta Fernandes; Marco Silva
algo (nesse caso uma rádio) para que a escola ção relacional e simbólica, da individualização
lhes atribuísse uma identidade. Para que fossem dos percursos de aprendizado.
“promovidas” e reconhecidas pelo diretor e O processo de elaboração da Rádio online
pelos professores. despontou como uma possibilidade de se
Baseado nessas observações, podemos di- estabelecer o diálogo na escola. Essa constata-
zer que a Rádio online favoreceu a mudança ção se deu no momento em que o Diretor da
da postura dos alunos. Mudança no sentido de escola vislumbrou a possibilidade de o aluno “se
uma maior participação colaborativa no cotidiano comunicar, saber solicitar as coisas ou discutir
escolar. Mudança nas relações que se estabele- as coisas, saber conversar com as pessoas,
cem entre os alunos e os demais sujeitos. Mu- saber ouvir, (...) porque quando se tem uma
danças na organização de um novo laço social, rádio, tem que ter muita troca na comunicação”.
agora reunido em torno de centros de interesses Processo que nos leva a crer que surgiu a
comuns, com sua configuração singular, deli- possibilidade de se estabelecer um novo modelo
neado pela própria coletividade, não mais de- comunicacional na escola a partir da Rádio
marcada por questões territoriais ou por ques- online. Um modelo baseado no diálogo entre
tões de poder. alunos, pais, professores e equipe de direção.
Apesar de a Rádio GETUP não ter concreti- Todos com voz ativa, ou seja, sem um centro
zado uma mudança na postura dos professores, emissivo que dita uniformizações para uma re-
podemos observar que houve uma mudança no cepção passiva. Estamos nos referindo a uma
centro de atuação: os alunos convidaram os pro- comunicação do tipo “todos-todos” fundada na
fessores a participar de uma atividade pedagó- bidirecionalidade, na intervenção na mensagem.
gica. Verificamos que somente com dois pro- Estamos nos referindo à comunicação interativa.
gramas a Rádio online rompeu com as situa- Concluímos, então, que a Rádio online surge
ções de aprendizagem centradas no interesse como uma estratégia de criação de ambientes
dos professores. Os alunos convidaram o pro- de comunicação e de aprendizagem baseados
fessor a participar de algo que eles queriam na interatividade e na cooperação.
abordar, e da forma que achavam interessante. “A educação é comunicação, é diálogo, na
Essa discussão nos permite concluir que a medida em que não é a transferência de saber,
Rádio online surge como uma possibilidade de mas um encontro de sujeitos interlocutores que
abandonar a prática de “difusão dos conheci- buscam a significação dos significados”. (FREI-
mentos”, executada com uma eficácia maior RE, 1988, p. 69). É necessário, portanto, investir
por outras mídias de comunicação. Surge como em outros trabalhos sobre o novo campo de
uma possibilidade de o docente desenvolver em intervenção social que aproxima Comunicação
seus alunos o seu lado inventivo, a sua com- e Educação, no qual a Rádio online se insere.
petência de aprender a aprender. Colaborati- Os resultados obtidos com este trabalho nos fa-
vamente, como disse Lévy (1999), transformar zem crer que repensar a educação no ciberespa-
o docente em um animador da inteligência ço significa muito mais do que prover a escola
coletiva dos grupos dos quais se encarregou. de novos recursos ou tecnologias. Trata-se de
Centrar sua atividade no acompanhamento e investir na criação de novas estratégias educa-
no gerenciamento dos aprendizados, através da cionais que reformulem a dinâmica de ensino-
incitação ao intercâmbio dos saberes, da media- aprendizagem.
REFERÊNCIAS
BARROS, Lígia A. Suporte a ambientes distribuídos para aprendizagem cooperativa. 1994. 250 f. Tese
(Doutorado em Engenharia de Produção) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, 1994.
FERNANDES, Siddharta D. A. Rádio online: uma possibilidade de comunicação interativa na escola. 2004.
130 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, RJ, 2004.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 375-384, jul./dez., 2004 383
Criar e desenvolver uma rádio online na escola: interatividade e cooperação no ambiente de aprendizagem
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 10. ed. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1988.
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro,
RJ: Ed. 34, 1994.
_____. A emergência do cyberspace e as mutações culturais. Palestra realizada no Festival Usina de Arte
e Cultura, promovido pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre, outubro, 1994a. Tradução Suely Rolnik.
Disponível em: http://empresa.portoweb.com.br/pierrelevy/aemergen.html. Acessado em: 16 set. 2003.
_____. Cibercultura. Tradução. Carlos I. Costa. São Paulo, SP: Ed. 34, 1999.
MAÇADA, Debora L.; TIJIBOY, Ana V. Aprendizagem cooperativa em ambientes telemáticos. In: CONGRES-
SO RIBIE, 4, Brasília, DF, 1998. Disponível em: http://lsm.dei.uc.pt/ribie/docfiles/txt200342414721274.PDF.
Acessado em 10 jun. 2003.
MARCHAND, Marie. Les paradis informationnels: du Minitel aux services de commmunication du futur.
Paris: Masson, 1987.
PEARSON, D.; HANNA, E.; TODD-MANCILLAS, W. Comunicación y género. Barcelona: Paidós, 1993.
SALOMON, G. Communication and education. Beverly Hills: Sage, 1981.
SILVA, Marco. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro, RJ: Quartet, 2000.
SOARES, Ismar de Oliveira. Comunicação – Educação: a emergência de um novo campo e o perfil de seus
profissionais. Revista Brasileira de Comunicação, Arte e Educação, Brasília, DF, v. 1, n. 2, p.5-75, jan./mar.,
1999.
Recebido em 30.09.04
Aprovado em 08.11.04
384 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 375-384, jul./dez., 2004
Luís Paulo Leopoldo Mercado
RESUMO
Este artigo tem como objetivo explorar a natureza do chat como ferramenta
didática de interação na sala de aula. Aborda os usos, vantagens, possibilidades
e limitações para a realização de aprendizagem cooperativa. Apresenta o uso
do chat na exploração de distintos temas em sala de aula, como Internet na
educação e educação a distância; avaliação do uso da Internet na educação;
avaliação do uso do chat na sala de aula; chat a partir da leitura de um texto e
sugestões de atividades envolvendo o uso pedagógico do chat por professores.
Palavras-chave: Internet – Chat – Professores
ABSTRACT
1. Introdução
dos com seu uso como ferramenta de comuni-
O chat como ferramenta de comunicação cação e ferramenta pedagógica, gerando apren-
sincrônica é um meio com potencial didático a dizagem e mecanismos de superação das difi-
ser estudado. Observamos que, apesar de suas culdades e limitações oferecidas no uso do chat
potencialidades na educação, o chat é ainda na aprendizagem.
pouco utilizado nas atividades pedagógicas ou Apresentaremos exemplos de utilização do
é visto como algo sem uso didático. chat envolvendo: exploração de distintos temas
Estudos na literatura sobre o uso pedagógico em sala de aula, como internet na educação e
do chat ainda são iniciais; a maior parte desses educação a distância; avaliação do uso da inter-
materiais se limita a assinalar suas característi- net na educação; avaliação do uso da ferramenta
cas gerais, sem entrar em detalhes sobre suas chat na sala de aula; chat a partir da leitura de
possibilidades concretas. Assim, faz-se neces- um texto e sugestões de atividades envolvendo
sário realizar estudos experimentais relaciona- o uso pedagógico do chat por professores.
*
Doutor em Educação (PUC/SP); coordenador do Mestrado em Educação Brasileira, Universidade Federal de Alagoas.
Endereço para correspondência: Universidade Federal de Alagoas, Centro de Educação, Av. Lourival Melo Mota, s/n,
Campus A.C. Simões, km 14, BR 101, Tabuleiro do Martins – 57072-970 Maceió/AL. E-mail: lpm@fapeal.br .
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 385-400, jul./dez., 2004 385
A utilização do chat como ferramenta didática
386 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 385-400, jul./dez., 2004
Luís Paulo Leopoldo Mercado
nenhum indício de quem vai participar até o no plano estilístico, é uma das grandes diferen-
momento de a mensagem aparecer na tela. Em ças em relação ao processo habitual da criação
uma conversa entre dois atores através da tela de textos. Neste deve ser incluído o processo
do computador, o papel do silêncio se traduz na de escritura de uma mensagem que será envia-
ausência de textos. É de supor que o interlocutor da por correio eletrônico, já que é muito reco-
esteja preparando uma intervenção um pouco mendável que se revise antes de pressionar a
mais extensa ou tenha necessidade de um tempo tecla enviar. Não obstante, o uso tão ágil dessa
de resposta mais longo, ou pode ocorrer, sim- ferramenta (e-mail), tanto no campo profissional
plesmente, que as redes demorem alguns segun- como no pessoal, faz com que tende a criar uma
dos a mais em deixar no destino a mensagem. estrutura que rompa com os convencionalismos
Esse silêncio faz com que o emissor fique impa- da linguagem epistolar e cujo registro lingüístico
ciente e trate de interrompê-lo com uma nova se acerque da linguagem coloquial.
mensagem em que parafraseie o dito (o emissor g) Uso de “emoticons” – a escrita no chat
pode pensar que talvez não tenha se expressado desenvolveu uma própria simbologia, os já co-
bem) ou se estenda em alguma explicação a nhecidos emoticons, que são pequenos conjuntos
respeito. Isso se deve a que não se tem emis- de caracteres que pretendem transmitir uma
sões de quem escuta, que guie o que se fala de emoção ou estado de espírito durante um bate-
forma evidente, alguns desses reguladores da papo. Conhecidos comumente como carinhas,
conversação, retroalimentadores próprios da lín- contribuem para enfatizar a parte expressiva da
gua oral, os quais tentam também se intercalar mensagem: (;–), :–o, :D, :*, etc.). A intenção em
na conversação escrita, precisamente para evitar usar esses símbolos é transmitir ao receptor uma
produzir os vazios que mal-interpretam o desen- reação que, de outra maneira, não seria possível.
volvimento da situação entre os participantes. Assim, temos as gargalhadas, as dúvidas, o choro,
As frases são curtas e interrompidas devido inclusive o abraço no ciberespaço. Vide alguns
à agilidade que se trata de imprimir nas inter- exemplos de emoticons (Quadro 1)
venções para não perder o turno da palavra. Por ser síncrono, o chat gera uma tensão
As mensagens longas podem ser enviadas por maior, pois o tempo de participação é normal-
partes, ou seja, remete-se uma parte enquanto mente dividido entre vários participantes, sendo,
o emissor segue escrevendo o resto da mensa- portanto, quase sempre limitado. As mensagens
gem. Produz-se, lê-se e interpreta-se ao mesmo também precisam ser curtas o suficiente para
tempo em que se escreve o resto do texto, sem serem lidas no espaço exíguo oferecido pelas
esperar o final da intervenção, buscando a simul- ferramentas de “bate-papo”.
taneidade do ato. A tensão imposta pelo pouco tempo e a li-
d) Presença de ruídos de comunicação mitação de espaço nos chats se manifestam na
– que se produzem e que se fazem incômodos; linguagem, que costuma ser caracterizada por
há uma intenção de controlar a comunicação formas lingüísticas e expressivas bastante sim-
com perguntas do tipo: “está aí?” que veríamos plificadas como abreviaturas (vc em lugar de
escrita como *“esta ahi??????????”, “leu o que “você”; tb em lugar de “também”; pq em lugar
acabei de contar?” etc. As intervenções tendem, de ‘porque’) e acrônimos (EMHO para dizer
por este motivo, dentre outros, a ser breves, o “em minha humilde opinião”).
que permite o discurso ágil. Trentin (1999, apud CARVAJAL, 2002)
e) Falhas ortográficas e estilísticas – é coloca que a interação no chat pode ajudar a
habitual encontrar falhas de ortografia, pela mudar as atitudes com respeito à redação, me-
rapidez com que se trata de escrever os textos lhorando as habilidades literárias e convertendo-
(que, por suposto, não se revisam). Os acentos se numa ferramenta social. Este autor desen-
gráficos são bastante prejudicados em áreas de volveu um projeto piloto de dois anos de duração
agilidade da emissão da mensagem. cujo objetivo era promover a literatura e incenti-
f) Ausência de revisão – a ausência de var a redação colaborativa de poemas e contos
revisão do texto, tanto no plano conceitual como em estudantes italianos de bacharelado.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 385-400, jul./dez., 2004 387
A utilização do chat como ferramenta didática
Quadro 1
:–) estou alegre ou sorriso :–X beijões []’s abraços
:–( estou triste (:–) sou careca :–* com soluços
:–D desconectar sorrindo :–x beijinhos :–O bocejando
}:–> sacana P–) sou pirata: :/i não fume
:–] sorriso sarcástico –# censurado :–C inacreditável
;–) piscando o olho |–) estou com sono :–B estou babando
:–P careta c/ a língua p/ fora :’( chorando :–| muito desgostoso
8–) uso óculos |–O morrendo de sono :–? lambendo os lábios
(:–|K– mensagem formal <:–) palhaço :–)) gargalhada
||*( aperto de mão oferecido O:–) anjo / inocente (:–$ doente
||*) aperto de mão aceito :–{) tenho bigode (:–& com raiva
?:–) não entendi @:–) novo penteado (:–( muito triste
@&:–) estou confuso :–V gritando :–(=) linguarudo
(:–...msg de cortar o coração :–W falando forçado %–) quebrei o óculos
:–S assunto sigiloso :–)<? não sei responder :–)<* falando várias coisas
A escrita no chat é tão importante que pode autores, se forem respeitados certos pontos, tais
inibir as pessoas que têm dificuldades de reda- como: número de participantes reduzido, clareza
ção. Normalmente na conversação oral, recor- nas instruções e atendimento ao horário definido,
remos a elementos do contexto (tom de voz, esse encontro em rede pode ser dinâmico e
gestos, a situação em si) para evitar interpre- produtivo, podendo facilitar o intercâmbio de
tações erradas, confusões ou inferências erra- idéias e levar a uma aprendizagem.
das. Durante a conversação em rede, não dispo- O chat é extremamente útil nos processos
mos de todos esses mecanismos, o que nos leva de tomada de decisão, resolução de problemas,
a suplantar alguns deles por outros, por exemplo, brainstorming, criação e fortalecimento de
algumas vezes, recorremos aos emoticons, sím- laços sociais; mas, por outro lado, não é
bolos como J, utilizados para mostrar algum adequado a atividades em que se exija tempo
sentido particular. maior de reflexão e elaboração de conteúdos
Além disso, a velocidade ou lentidão do tipo mais complexos.
de usuário se converte em outro elemento que A sensação de presença social existe, já que
envolve um papel importante durante o acontece em tempo real (há alguém ao vivo do
desenvolvimento dessa conversação em rede. outro lado da tela), vivencia-se uma experiência
Às vezes, esse fator ocasiona o rompimento do de fluxo, na qual a ação e atenção caminham
fluxo da conversação, obrigando a retomar juntas; não se percebe o tempo passar e o
algum ponto, ou simplesmente a mudar de tema, engajamento é profundo.
levando a uma interrupção do discurso prévio. O chat, quando utilizado para fins educativos,
Pallof & Pratt (2002) argumentam que, muitas apresenta algumas limitações, como: não é
vezes, a discussão sincrônica via chat não leva a adequado a exposições longas e palestras;
uma discussão ou participação produtiva. Para participantes que morem em regiões com
os autores, o participante com maior facilidade diferentes fusos horários, ou os que só podem
de escrever tende a dominar a discussão, inclusi- acessar a Internet em horários diferenciados;
ve a sincronia se perde quando a resposta a grupos muito grandes e não moderados;
determinado comentário se dá várias linhas mais participantes com baixa habilidade de digitação,
tarde. Outro problema surge quando o participan- pouca familiaridade com o ferramental,
te se confunde devido à falta de clareza entre as dificuldade em digitar e simultaneamente ler as
instruções que guiam o encontro. Mas, para estes mensagens na tela. (CHAVES, 2002)
388 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 385-400, jul./dez., 2004
Luís Paulo Leopoldo Mercado
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 385-400, jul./dez., 2004 389
A utilização do chat como ferramenta didática
O chat iniciou com a pergunta: você acredita numa aprendizagem a distância? Existe uma construção
do conhecimento neste ensino? (Quadro 2)
Quadro 2
(08:48:41) Lais e Veronica fala para Professor: sim, pq a construcao do conhecimento esta
ligada a motivacao do aluno... (08:49:02) she-ha/he-man fala para Professor: A
aprendizagem à distancia merece crédito, até pq é realizada para um público específico.
(08:52:52) vit@l czr & josman reservadamente fala para Professor: Sim, ao nosso ver a
EAD adicionou novos significados para a aprendizagem e as possibilidades para entrega
de conhecimento e informacao para os estudantes. Abriu um novo mundo para a
transferencia de conhecimentos, vemos que a educacao ON LINE veio para ficar. (08:53:26)
Professor: A discussão est;á interessante, pelas falas c olocadas a EAD é uma realidade
e dependendo da forma como o curso está construído, pode levar a uma construção do
conhecimento. Esta construção vai acontecer se o curso tiver atividades e propostas
que exijam do aluno pensar e relacionar com situações concretas. (08:56:54) vit@l czr &
josman grita com TODOS: Vemos que a parte interessante do curso EAD eh a diversidade
no uso das diversas midias e a questao do tempo. (08:57:34) kk & jojo reservadamente
fala para Professor: os recursos utilizados permite o acesso a muitas informações, porém,
o acumulo de conhecimentos sem um direcionamento poderá ocasionar um desvio de
conhecimento. (08:58:22) vit@l czr & josman grita com Professor: Vemos que a parte
interessante do curso EAD eh a diversidade no uso das diversas midias e a questao do
tempo, ou seja podemos adequa-lo de acordo com a disponibilidade. A parte
desinteressante o alto custo dos equipamentos. (08:58:34) ada e antonio responde para
Professor: Para quem ja tem um conhecimento prévio o ensino à distancia é grandioso.
Mas precisamos saber lidar com as diferenças culturais. Como lidar com seres humanos
que nao sabem sequer o que é telefone imaginemos o que seja internet?. (08:59:03)
andrea e ana paula fala para Professor: o conhecimento pode ser adquirido de várias
formas, e o universo de aprendizagem se torna mais extenso e atrativo, e o que não é
interessante é a falta de socializacão que as aulas presenciais proporcionam. (08:59:05)
Lais e Veronica fala para Professor: A EAD possibilita aquisicao de conhecimento de
uma forma mais abrangente dando autonomia ao aluno p/ navegar na direcao do seu
interesse.... Mas se esse conhecimento nao for bem direcionado acaba se dando uma
evasao e consequentemente o resultado sera negativo....
(21:40:27) Aluno Fabio: Estou tentando finalizar “minhas tarefas”. encontrei dificuldades
nas pesquisas sobre “questões da tecnologia” e dos custos. Professora, espero que a
conexão te deixe plugada. Sobre a rede: parece ser um problema em nossos cursos.
(21:42:11) Tutora - Pois Fabio, o seu problema e comum a muitos, pesquisar os custos.
Com este curso percebi que temos um nicho de mercado a atender, já pensou um portal
com informacões sobre fornecedores de EAD (21:42:23) Aluno Fabio - Eu fiquei encantado
com o material enviado. O texto e muito bom. Eu aprendi bastante. Tenho certeza de que
minhas opiniões a dimensão do EaD não e a mesma. (21:43:51) Tutora - Que bom que
você esta aproveitando e gostando dos materiais. Quanto à rede, e bom deixar claro que
390 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 385-400, jul./dez., 2004
Luís Paulo Leopoldo Mercado
quando digo nossa rede, falo em termos de Brasil. (21:44:02) Aluno Fabio - E, acho que a
instituição que trabalho seria um cliente em potencial do portal.Falta informações sobre
os custos e os recursos. (21:45:29) Tutora - Pois verifiquei que a dificuldade para muitos
ficou na hora de realizar esta pesquisa. Mas por outro lado não concebo a imagem de um
estrategista e tomador de decisão que não pesquisa estas referencias. você não
concordas..(21:49:44) Aluno Fabio - Sobre a rede. A Senhora tem parâmetros de outros
países Como e o funcionamento da rede na Espanha, por exemplo. Sobre o estrategista e
a pesquisa. Li hoje na revista “@prender virtual” que não podemos tomar decisão sem
referencias de pesquisas. Concordo com a Senhora. Portanto, a instituição que quer
investir em EaD precisa de uma equipe capaz de pensar, pesquisar, produzir e entender o
significado e as perspectivas da EaD. E esse o caminho. O material que consultamos
durante o curso reforça a importância da equipe de trabalho. (21:51:14) Aluno Fabio -
Desculpa, e uma pergunta. E esse o caminho Sobre equipe, pesquisa....(a afirmação feita
anteriormente). (21:53:40) Tutora - Sobre a rede em outros paises, pelo que tenho certeza
funciona bem em paises como EUA, Canadá, Austrália, Suíça. Na Espanha e Europa
quando por lá estive no final de 1999, te falo que achei bem lenta, mas estavam tomando
ações para melhorar. Veja só, aqui em casa tenho Net Verta e mesmo assim, hoje foi difícil.
Quanto à equipe de trabalho, a EAD sem ela não de nada, pois são muitas as funções. Por
exemplo, aonde eu trabalho, na unisul virtual acompanho o trabalho de outros colegas da
equipe e todo dia alguma pesquisa de fornecedor e custos de equipamentos esta sendo
feita. (21:56:49) Tutora - Desculpe citar a Suíça, e depois a Europa como duas coisas, mas
o texto saiu assim... (21:59:39) Tutora - Veja que nas ferramentas síncronas, como este
plugados, o improviso e que rege o andamento. A digitação precisa ser precisa, mas como
somos humanos, estamos fadados a erros. Mas já que estamos por hora dialogando entre
nos. Me fale sobre a sua instituição, vocês estão implantando ou já possuem cursos na
modalidade EAD. (22:00:05) Aluno Fabio - Professora, e uma dica interessante. Percebo
que não existe solução simples para problemas complexos. Talvez esteja ai o fracasso de
projetos em EaD. No UNISAL, perguntaram: quanto custa um projeto de EaD Não
conheciam o impacto, as possibilidades e a dimensão do EaD. Por exemplo. Acho muito
importante a UNISUL conciliar projetos mistos - material impresso e aprendizado no
ambiente virtual. A UNISU diversifica as mídias. O que quero dizer: não podemos quantificar
o EaD sem saber o que queremos, qual o objetivo, qual o publico. Acompanhar diariamente
os custos e uma demonstração de seriedade. Do UNISAL temos 2 pessoas fazendo o
curso. Acredito que temos uma missão: apontar caminhos, sensibilizar. (22:03:30) Tutora
- Fabio, uma instituição assumir a EAD e uma questão de mudança de cultura. Realmente
precisa de tempo, vocês estão no caminho certo, primeiro precisam formar agentes
multiplicadores da idéia, convencer uma boa parte do grupo e ai aos poucos realizar a
aquisição da tecnologia... (22:04:46) Tutora - Sem duvida, e interessante realizar um bom
planejamento estratégico, saber aonde se espera ir, a quem atender, o que fazer, o que
comprar pronto, etc. (22:08:58) Tutora - Sem duvida Fabio, quando a gente percebe a
dimensão de coisas que envolver oferecer serviço educacional a distancia, verifica a
necessidade do planejamento, da pesquisa, do design,da produção dos materiais, do
apoio e suporte ao aluno e tecnologias. (22:10:13) Tutora - Oi Verônica, estamos falando
sobre a experiência do Fabio e a implantação da EAD da instituição dele, junto com os
princípios da EAD, e isso Fábio. (22:12:21) Aluno Verônica – tenho experiência com EAD,
mais com material impresso e uma proposta pedagógica bem articulada que de conta da
distancia , o que nem sempre acontece quando ficamos na expectativa de responder pela
Internet o material tem que ser auto-explicativo para isso. (22:15:50) Aluno Fabio - Verônica.
E interessante perceber que o EaD modifica a concepção de produção do material impresso.
Não e o mesmo que escrever uma apostila para o ensino presencial ou um artigo para uma
revista. Estou correta As IES precisam formar e investir em pedagogos que pensem no
“perfil” do material e na metodologia de ensino. (22:16:18) Aluno Verônica - neste curso
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 385-400, jul./dez., 2004 391
A utilização do chat como ferramenta didática
392 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 385-400, jul./dez., 2004
Luís Paulo Leopoldo Mercado
Quadro 4
(11:28:30) lucimar/luciana fala para Professor: Hoje estamos passando um momento de
transição com relação ao ensino da matemática. Requer que seja ensinado matemática
com significado, mas temos diante de nós enormes dificuldades: na nossa própria
formação(tradicional), falta de estrutura na escola pública. Sabemos que apesar disto
precisamos estudar para nos atualizarmos, mas isto significa um sacrifício pessoal. Isso
nos leva a pensar em desistir da profissão. (11:30:35) rosselin/cristiane fala para Professor:
Como podemos trabalhar utilizando o banco de dados da internet se o governo não
investe em educação, existe alguma pressão da comunidade acadêmica para que a aula
virtual faça parte do processo ensino/aprendizagem?
Quadro 5
(16:30:54) Professor: Vamos iniciar nossa interação sobre o tema Internet na Educação.
Inicialmente gostaria que voces escrevessem sobre como foi a experiência de ter usado a
Internet e que perspectivas vêem no uso na educação. (16:33:30) magda fala para Professor:
A experiência é sempre agradável pq traz o sabor da novidade e da interação possibilitando
um momento muito agradável de discussão. (16:36:18) amelzia sorri para TODOS: Mesmo
para os estudos, pesquisas, sinto que minha curiosidade é pouca. Sou da cultura livresca.
São raras as vezes que conecto com a rede. É algo que estou em busca de mudanças.
(16:36:35) irailde: possibilita romper com com a aula enquanto transmissão do conhecimento,
viabiliza a pesquisa. (16:36:36) Severina: Amelzia, sinto que a internet , por um lado, veio
acrescer também frustrações pois tenho pouco tempo paraela e também ainda é uma
ferramenta car... (16:37:39) Professor fala para magda: como lidar com a frustração de não
encontrarmos o que procuramos na Internet ou de não termos tempo para fazer estas
buscas?. (16:38:29) magda fala para Professor: Acredito que nada de efetivo acontece se
não houver primeiramente uma intenção/propósito e um planejamento para que haja uma
aprendizagem significativa. (16:39:12) Severina: para mim a internet tem possibilitado
realmente muitas informações e também acesso aos livros também... (16:41:18) amelzia
sorri para TODOS: Vejo adolescente e jovens têm muita curosidade e vão aprendendo
com mais facilidade tanto para utilizar e aprender, manter contatos,etc. (16:43:02) magda
fala para Professor: De fato a frustração é algo q incomoda,principalmente pq não sinto
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 385-400, jul./dez., 2004 393
A utilização do chat como ferramenta didática
nenhuma atração pelo uso da internet e tenho muito mais intimidade com o livro. Gosto de
grifar, sou detalhista e não acompanho a velocidade e o ritmo virtual.Esse é um dos
motivos pelos quias rejeito sempre que posso seu uso, apesar de saber de sua importância
vital. (16:45:04) Professor fala para magda: diante dessa situação, como conviver com
estas possibilidades? (16:46:37) Professor fala para magda: severina e magda estão
colocando um ponto muito importante, que é o texto escrito diante do texto digital. Em
nenhum momento se discute a extinção de um em detrimento do outro e sim as
possibilidades de termos os dois num mesmo contexto.ea e precia. (16:47:16) Severina:
Amelzia, concordo com a questão “ o mundo parece pequeno“ também me preocupa a
falta de acesso só que dentro de uma biblioteca o mundo também fica pequeno, vc acha?.
(16:47:37) magda fala para Professor: Não há como retroceder.É uma questão de adaptação,
a qual, na medida do possível, estou buscando. Acredito q não desenvolverei o prazer
mas farei uso como instrumento mediador, por necessidade. (16:48:22) Professor fala para
magda: a partir da necessidade precisamos buscar formas prazeroras de atingir o que se
busca.s (16:49:04) amelzia sorri para TODOS: O texto escrito é nossa praia. Foi um
aprendizado ter prazer pela leitura e pelo estudo .Certamente esta possibilidade surgirá
com ste novo aprendizado com a informática.
e) Aula virtual – o chat se converte em um tos benefícios, mas também existem algumas
espaço de encontros virtuais para discutir as desvantagens, como a distração dos participan-
tarefas, construir um texto, rediscutir um projeto, tes do grupo, fugindo da temática proposta e
realizar trabalhos ou promover o intercâmbio entrando em conversas sem propósito, reforçando
de idéias sobre algum tema. A possibilidade de a mediocridade, incrementando a ansiedade, pro-
termos várias pessoas em vários lugares, a partir vocando enfrentamentos culturais. Nessas
de computadores interligados em rede, permite interações, é fundamental o papel moderador do
criar uma comunidade virtual. O chat seria um professor ou de quem estiver assim responsável:
exemplo desse tipo de comunidade, devido à controlar a situação e as trocas entre os alunos,
sua capacidade para promover o sentimento de examinar os elementos que possam estar
pertencer e estar num grupo na medida em que produzindo confusão ou se distanciando do foco
conversam ou discutem sobre assuntos comuns. principal, sugerir vias alternativas de discussão.
A capacidade de interação grupal dá lugar a No registro do chat abaixo, realizado no dia
distintas formas de aprendizagem colaborativa 25/01/03 pelos alunos da disciplina Metodologia
e nela os estudantes trabalham em equipe do Ensino Superior II do Curso de Especialização
ajudando-se reciprocamente. em Docência no Ensino Superior do Centro de
As discussões grupais que se realizam atra- Estudos Superiores de Maceió, temos uma aula
vés do chat constituem uma das categorias de ativi- discutida online, a partir da leitura do texto Ensinar
dades grupais que exigem uma tomada de decisões no século 21 de Alvin e Heidi Tofler, publicado
conjunta e a resolução criativa de um problema. na Folha de São Paulo de 08/03/1998 e disponível
Algumas atividades em grupo oferecem mui- no site: www.folha.com.br. (Quadro 6)
Quadro 6
(16:41:33) Professor fala para Todos – Na leitura do texto Ensinar o século 21, os autores
Heide e Alvin Tofler colocam cinco elementos necessários para uma educação no século
21: informática, mídia, pais, comunidade e professores. Voces concordam com a escolha
destes elementos? Que relações trazem ao nosso contexto de docência?. (16:42:34) Everton
Fabiano fala para Professor – MUDA O PAPEL DO PROFESSOR E DO ALUNO NO
PROCESSO DE APRENDIZADO. (16:44:46) Everton Fabiano fala para Professor –
PROFESSOR PASSA A SER UM ORIENTADOR NO QUE SE REFERE A SELECIONAR
394 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 385-400, jul./dez., 2004
Luís Paulo Leopoldo Mercado
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 385-400, jul./dez., 2004 395
A utilização do chat como ferramenta didática
f) Avaliação – pode-se utilizar o chat para série de perguntas e as coloca durante a realiza-
avaliar formativamente os grupos ou cada aluno, ção da sessão de chat. Todos os participantes
pois cada encontro pode ser gravado. Nesses respondem e, ao mesmo tempo, podem fazer
registros o professor poderá avaliar o desempe- observações sobre os comentários expressados
nho dos alunos e seu próprio desempenho nessa pelos demais alunos.
interação e revisar seu desempenho, traçando No trecho do chat abaixo, realizado no dia
novas estratégias para os próximos encontros 08/03/03 pelos alunos disciplina Metodologia
virtuais. Na avaliação, o professor prepara uma do Ensino Superior II do Curso de Especializa-
396 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 385-400, jul./dez., 2004
Luís Paulo Leopoldo Mercado
Quadro 7
(09:05:39) Professor: Pessoal, já deu para sentir o clima de uma interação no chat. Vamos
agora para a etapa final desta atividade que é dizer se acharam esta ferramenta (Chat)
interessante e dizer como usariam na sua aula presencial ou numa aula a distância. (09:07:15)
Josenil e Luiz Car: o chat é muito interessante, que deve ser uma ferrramenta no processo
de ensino /aprendizagem. (09:08:35) BRÍCIO/FÁTIMA pergunta para Professor: O chat,
professor é um momento de grande interação e satisfação do usuário. (09:08:45) vit@l &
risoleta fala com Professor: Achamos interessante ateh demais, jamais utilizei para
discursao sobre tema isolado, tentaremos nas proximas navegadas, escolhermos temas
com enfase em educacao superior, pois soh achavamos que Chat só servia para abobrinhas.
Valeu professor. (09:08:48) ada e antonio responde para Professor: Usaria sempre utilizando
e incentivando a pesquisa, a organizacao metodologica do conhecimento e , na medida
do possivel, para propiciar novas formas de interacao social. (09:08:56) andrea e ana
paula fala para Professor: o chat é interessante,mais é preciso que o docente trace suas
estratégias e objetivos para que o resultado seja alcançado. (09:12:02) cesar: o chat e bem
interessante, so que precisa de uma coordenacao qie origanize os dialogos, se nao hah
uma poluicao visual. (09:12:25) rosilene/margarida fala para Professor: É de suma
importância o processo de aprendizagem, sendo vivenciado de forma interativa.Obrigada.
(09:15:49) lucila sorri para Professor: aula torna-se dinâmica e rica possibilitando contato
com vàrias opiniões ao mesmo tempo ‘ seria usada esta tècnica no labòratorio como este.
(09:16:18) sonia: A ferramenta (Chat) com certeza além de interessante para a comunicação
de um grupo independente de ser dentro da prática pedagógica; tanto na sala de aula
presencial como na aula a distância. Com certeza o docente como o discente se não se
atualizar na área/informática ficará marginalizado. Enfatizamos ainda a praticidade e
eficiência de aplicarmos nas práticas pedagógicas o arsenal disponível para aprendizagem.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 385-400, jul./dez., 2004 397
A utilização do chat como ferramenta didática
visão com a imagem que os demais têm sobre da conversação com base em um planejamento
esta. Aprendem sobre a cultura dos demais prévio detalhado, posto que, se não está dirigida,
grupos participantes e enriquecem a imagem os alunos só conversarão para socializarem-se.
prévia que tinham destes. É importante que o Com o devido planejamento, podem realizar
professor contate previamente os “companhei- “emparelhamento” a cada aluno com um aluno
ros de conversação”, selecionando um tempo ou pessoa de outro lugar ou grupo, ou um curso
acordado para a conversação. O professor completo com outro curso de outra localidade.
precisa comentar com os alunos as expectativas (Quadro 8)
Quadro 8
398 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 385-400, jul./dez., 2004
Luís Paulo Leopoldo Mercado
e interagir com alunos de outras universidades, tica. Por exemplo, o professor poderá ter dificul-
outras realidades, novas idéias; 8) um professor dades em interagir com várias pessoas ao mes-
pode orientar uma pesquisa para cada aluno, mo tempo e, também, em interagir a partir da
individualmente, executá-la e, em dia e hora escrita, que demora e exige tempo para organi-
marcado, todos entrarem no chat para discutir zação da mensagem. Ter contato simultanea-
o conteúdo pesquisado; 9) o chat pode ser uma mente com várias pessoas ao mesmo tempo é
excelente ferramenta para os tímidos, permitindo interessante, pois alguns concordam, outros
que aconteçam contribuições dessa forma, discordam, mas a presença física não deve ser
enquanto pessoalmente não seria possível para substituída em todas as situações, pois nem
eles colocar um determinado assunto. sempre se pode avaliar e observar a expressão
O uso do chat como ferramenta de comunica- facial do outro. É preciso criar formas de traba-
ção possibilita a troca de informações em tempo lhar o texto, evitando um intercâmbio desorgani-
real, discussões colaborativas e construções em zado. Outras dificuldades são: a dispersão dos
grupo. O chat permite interagir e assimilar várias alunos numa sala de chat por falta de interesse
opiniões a respeito de qualquer assunto. Ao no assunto, as brincadeiras entre os alunos; a
contrário de muitas opiniões, o chat não é ferra- falta de autonomia no estudo, levando à
menta para jogar conversa fora. Ele pode, sim, dispersão e fuga do assunto.
ser usado com finalidade educativa e bem usado. Cada vez mais se percebe a utilidade dos chats
Não podemos esquecer que o chat ainda é um para o desenvolvimento de trabalhos cola-
recurso disponibilizado para poucos – vivemos borativos e discussões focadas, juntamente com
num contexto em que a grande maioria vai à as mídias assíncronas e eventuais discussões pre-
escola para comer, outros vão para satisfazer senciais. Eles permitem um senso de comuni-
as necessidades ou expectativas de seus pais. cação imediata, de presença pessoal (o que se
Mas, quando mal utilizado, se torna um passa- ressente na comunicação assíncrona). Os diálo-
tempo para pessoas desocupadas que perdem gos gerados nesta forma de comunicação, quando
tempo com banalidades. bem estruturados, podem ser uma boa saída para
Algumas situações conflitantes no uso do diminuir a sensação de isolamento e a distância
chat em sala de aula ou a distância exigem uma transacional, e questões pendentes podem ser
revisão da forma do seu uso e novas pesquisas resolvidas rapidamente e mal entendidos, solu-
sobre a utilização do chat como ferramenta didá- cionados.
REFERÊNCIAS
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 385-400, jul./dez., 2004 399
A utilização do chat como ferramenta didática
PALOFF, Rena M.; PRATT, Keith. Construindo comunidades de aprendizagem no ciberespaço: estratégi-
as eficientes para salas de aulas on-line. Porto Alegre: Artmed, 2002.
PRADO, Maria E. Educação a distância: os ambientes virtuais e algumas possibilidades pedagógicas.
Salto para o Futuro/SEED/MEC. Brasília, DF: MEC/SEED, 2001. p. 20-25. (Tecnologias e educação: novos
tempos, outros rumos).
Recebido em 02.09.04
Aprovado em 16.11.04
400 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 385-400, jul./dez., 2004
Arnaud S. de Lima Junior
RESUMO
ABSTRACT
*
Doutor em Educação e Comunicação. Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia – UNEB; coordenador
da Linha de Pesquisa “Educação, Tecnologias Intelectuais, Currículo e Formação do Educador”, do Mestrado em
Educação e Contemporaneidade – PEC/UNEB. Endereço para correspondência: Universidade do Estado da Bahia -
UNEB, Mestrado em Educação e Contemporaneidade, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula, 41150-000 SALVADOR/
BA. E-mail: arnaud@atarde.com.br
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 401-416, jul./dez., 2004 401
Tecnologias intelectuais e educação: explicitando o princípio proposicional/hipertextual como metáfora para educação e o currículo
Conceito grego de teckné: uma vi- potencialização que a ciência trouxe para a
são histórico-antropológica (a no- técnica, tornando-a mecânica, instrumental e
ção do imbricamento homemáquina) uma instância pretensamente independente da
subjetividade humana, fora do contexto cultural,
Este artigo1 visa especificar uma perspectiva numa vertente da tecnociência moderna
não instrumental e não mecanicista da tecnolo- (SERPA, 1991). Embora tais dimensões sejam
gia, isto é, defini-la a partir da abordagem da pressupostas, a tecnologia abordada aqui retorna
filosofia grega de técnica, rompendo-se com a à matriz grega de teckné que, segundo Jacques
dicotomia homem-máquina, em nome de um Perrin:
imbricamento “homemáquina”. Em conseqüên- ... a teckné designava ‘o método, a maneira de
cia, visa demonstrar o computador, dentre as fazer eficaz’ para atingir um objetivo (...) [hoje]
tecnologias digitais de comunicação e informa- Retomando o sentido original da teckné, definir-
ção, como tecnologia proposicional. A partir se-ão as técnicas de produção como o conjunto
de meios necessários para atingir determinado
dessas definições, aponto um certo significado
objetivo de produção (...); esses conjuntos de
da relação Educação e Tecnologias da Comuni- meios são muito diversos, pois vão dos conhe-
cação e Informação, enfatizando suas conse- cimentos e das habilidades às ferramentas e má-
qüências e seus significados para a aproximação quinas, passando pela organização (as empre-
e ressignificação da base epistemológica do sas, por exemplo), as instituições (que fixam as
currículo. regras e as normas), sem esquecer as represen-
O significado da relação Educação e Tec- tações simbólicas que usamos a propósito das
nologias de Comunicação e Informação (TCI), técnicas, que lhes conferem, a nossos olhos, certo
valor (...). Abordamo-las [as técnicas] por vários
centrado no caráter proposicional do compu-
ângulos, iluminando-as, a cada vez, de maneira
tador, lança as bases para a compreensão e parcial, ao passo que, para entender a história
construção de um novo horizonte para a Educa- das técnicas e tentar imaginar seu futuro, é ne-
ção em geral e, para o currículo, em particular. cessário levar em conta o conjunto de seus com-
A dinâmica, característica e lógica de funciona- ponentes (artefatos, conhecimentos, organiza-
mento do atual contexto tecnológico de comuni- ções, instituições, símbolos). (apud BAYLE, 1996,
cação e informação servem como metáfora 104-105).
para uma abordagem do Currículo numa pers- Logo, a tecnologia tem uma gênese histórica
pectiva comunicacional e informacional. e, como tal, é inerente ao ser humano que a
Como o contexto comunicacional e informa- cria dentro de um complexo humano-coisas-
cional contemporâneo foi profundamente ressig- instituições-sociedade, de modo que não se
nificado pela emergência das tecnologias digitais, restringe aos suportes materiais nem tão pouco
com especial destaque para os micro-processa- aos métodos (formas) de consecução de fina-
dores (computadores) e sua dinâmica de rede, lidades e objetivos produtivos, muito menos
torna-se necessário perceber/compreender/re- ainda, não se limita à assimilação e à reprodução
fletir sobre os significados dessa emergência de modos de fazer (saber fazer) pré-determi-
tecnológica a fim de se poder entender quais as nados, estanques e definitivos; mas, ao contrário,
possibilidades que trazem ao se articular/inte- podemos dizer que consiste em: um processo
ragir/situar com o mundo pedagógico escolar, criativo através do qual o ser humano utiliza-
especialmente do currículo. se de recursos materiais e imateriais, ou os
Nessa perspectiva, a tecnologia não é enten- cria a partir do que está disponível na natu-
dida apenas enquanto aparato maquínico (base reza e no seu contexto vivencial, a fim de
material), potencializador do trabalho e de habi- encontrar respostas para os problemas de seu
lidades humanas, nem no sentido mecânico contexto, superando-os.
oriundo da industrialização, ligado à idéia de
produtividade e de mediação instrumental, senti- 1
Adaptado do primeiro capítulo da minha Tese de Doutora-
do esse que a modernidade forjou com a do (LIMA JR, 2003).
402 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 401-416, jul./dez., 2004
Arnaud S. de Lima Junior
Nesse processo, o ser humano transforma o currículo, a partir de suas bases científicas,
a realidade da qual participa e, ao mesmo tem- da dinâmica de seu funcionamento e de suas
po, transforma a si mesmo, descobre formas características peculiares, já que contrastam
de atuação e produz conhecimento sobre com as bases científicas, a dinâmica e as carac-
elas, inventa meios e produz conhecimento terísticas da Educação escolar e de currículo e,
sobre tal processo, no qual está implicado. por isso mesmo, trazem possibilidades de mu-
Aqui, interessa-me destacar que o ser huma- danças.
no, ao vivenciar um tal processo criativo, trans- O processo tecnológico, de acordo com a
formativo, tecnológico, também se percebe matriz grega, relaciona e articula indissociavel-
nesse processo, reflete sobre o próprio processo, mente o ser humano e os utensílios e recursos
representando-o para si mesmo e para os outros, materiais ou imateriais por ele criados, de modo
de modo que gera conhecimentos específicos que não há como concebê-los como realidades
sobre a tecnologia e sobre a técnica, sobre independentes, autônomas. A constituição da
formas e meios de atuação, expressando-os tecnologia (vinculando-a à noção de teckné) e
através de linguagens e instituindo-os a partir da técnica é humana, já que é conseqüência da
de interesses diversos e do jogo de poder aí ação imaginativa, reflexiva e motora do ser
existente. Tal processo e os conhecimentos que humano. Então, inerentemente, é humanizada;
lhe são inerentes são transmitidos, mas também bem como, por outro lado, o ser humano é tecno-
são ressignificados no desenrolar histórico. logizado, uma vez que se ressignifica, recria-se
Portanto, nesta acepção, técnica tem a ver e se transforma no processo de criação e
com arte, criação, intervenção humana e com utilização de recursos e instrumentos para atuar
transformação. Tecnologia, em decorrência, no seu contexto vivencial.
refere-se a esse processo produtivo, criativo Logo, refletir a tecnologia é refletir o próprio
e transformativo. Como já afirmara Marx homem, porque o ser humano está totalmente
(1978) sobre o trabalho humano, o ser humano, implicado na tecnologia e a tecnologia está total-
ao criar artifícios materiais e imateriais para mente implicada no humano, mesmo no contexto
atuar no seu meio, transformando-o, transforma, do advento da industrialização, com a tecno-
também, a si mesmo, ressignificando seu con- cientifização da sociedade, enquanto uma insti-
texto e se ressignificando com ele. tuição social, política, econômica, cultural, sim-
A tecnologia, portanto, para além de sua base bólica. Por isso, também, nas reflexões e políti-
material e do enfoque que a ciência moderna cas na área de Educação e TCI não se trata de
lhe conferiu, está ligada à idéia de processo deslocar a ênfase do humano para o maquínico,
criativo e transformativo. Isso, do ponto de nem o inverso, visto que há um imbricamento
vista da relação Educação-TCI, significa que, homemáquina inevitável e inesgotável, o qual
independentemente da presença do suporte rompe com a visão dicotômica dominante no
material da comunicação informação no con- discurso pedagógico e na matriz do pensamento
texto educacional escolar, a compreensão mais moderno que o sustenta.
aprofundada do significado da tecnologia para A tecnologia tem uma gênese histórica e
a educação escolar, em todos os seus aspectos, antropológica e o ser humano, por seu turno,
é essa perspectiva criativa e de transformação. tem uma gênese histórico-tecnológica (MAR-
Evidentemente, a presença dos recursos tecno- CONDES, 1998). Esse processo de imbrica-
lógicos é indispensável, mas, desde que os mento homemáquina dá-se ao modo de um
mesmos possam ser entendidos e explorados campo virtual, ou seja, enquanto um campo de
com essa ênfase na criatividade e na metamor- possibilidades que pode originar, eventual e
fose (mudança, transformação de si e do con- indefinidamente, qualquer tipo de atualização
texto local). tanto para o ser humano quanto para a máquina.
Urge explicitar quais os potenciais de mudan- A questão tecnológica, a meu ver, para além
ças que as TCI trazem para a Educação e para do mero aspecto material e instrumental,
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 401-416, jul./dez., 2004 403
Tecnologias intelectuais e educação: explicitando o princípio proposicional/hipertextual como metáfora para educação e o currículo
404 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 401-416, jul./dez., 2004
Arnaud S. de Lima Junior
rica, social e imaginária, contendo um complexo bém elementos instituintes e instituídos da/pela
de significados, um nó aberto de possibilidades. cognição humana, compreendida a partir de uma
(CASTORIADIS, 1982; LÉVY, 1998). relação complexa entre indivíduos-sociedade-
No imaginário pedagógico, fruto da mentali- coisas-instituições, conforme:
dade dicotômica, a tecnologia é sempre vista Qual a imagem que sobressai desta dissolução
como um concorrente do professor, como algo do sujeito cognitivo em uma microssociedade
estranho e autônomo que pode lhe tirar o controle biológica e funcional na base, e de sua imbricação
eficaz do processo pedagógico. Tal perspectiva em uma megassociedade povoada por homens,
desconsidera a gênese histórica e antropológica representações, técnicas de transmissão e de
da tecnologia, gerando resistências, distorções, dispositivos de armazenamento, no topo? Quem
pensa? Não há mais sujeito ou substância
equívocos e mesmices no trato com as TCI.
pensante, nem “material”, nem “espiritual”. O
Dado que, a partir da perspectiva aqui adota- pensamento se dá em uma rede na qual neurô-
da, a tecnologia que dá suporte aos processos nios, módulos cognitivos, humanos, instituições
contemporâneos de comunicação e informação de ensino, línguas, sistemas de escrita, livros e
é da ordem da complexidade, podendo, por isso computadores se interconectam, transformam e
mesmo, ser tratada sob vários aspectos (econô- traduzem as representações. (LÉVY, 1998, p.135 -
mico, social, cultural, psicológico etc), cumpre- grifos meus).
me delimitar que meu interesse é discutir a base Contudo, neste trabalho faço uma distinção
científica que fundamenta a dinâmica e a lógica ante o conceito de Lévy, ressignificando a
dos computadores, principais responsáveis pela categoria tecnologia intelectual, restringindo-
generalização da comunicação e informação, a a ao computador por sua característica propo-
fim de apontá-la como um fundamento para sicional, oriunda de sua base matemática. Cum-
indicação de possíveis significados e trajetórias pre-me, pois, explicar o computador como uma
para o currículo em seu aspecto epistemológico. tecnologia proposicional, a partir de sua base
Nesse sentido, não serão analisados todos matemática e como essa característica exterio-
os suportes de comunicação e informação con- riza o modus operandi (modo de funcionamen-
temporâneos, mas apenas o computador como to) do pensar humano e, enfim, suas implicações
uma tecnologia proposicional e, por essa sua epistemológicas e curriculares, escopo principal
característica, considerando-o uma nova tecno- desta reflexão.
logia. Esse seu caráter proposicional, uma vez Segundo Robinson Tenório (1991, p. 11), os
explicitado, poderá servir como base para computadores são máquinas abstratas4, pois
pensar sua relação com o currículo e suas “Em vez de lidarem com materiais ou energias,
conseqüentes possibilidades de mudança no que como as máquinas da Revolução Industrial
se refere aos conhecimentos e aos modos de faziam, os computadores tratam informação.”
os produzir e articular. Tais equipamentos têm sua gênese nas má-
quinas abstratas de Post e Turing e só podem
ser compreendidos a partir de sua base lógica
O computador: uma tecnologia de funcionamento.
proposicional
4
Conceito elaborado por Turing (matemático inglês 1912-
Pierre Lévy (1998) considera qualquer 1954), foi a base da teoria dos autômatos e da calculabilidade:
tecnologia, dentre as quais os suportes materiais representada por uma sucessão de instruções que agem
seqüencialmente sobre valores de entrada e fornecem valo-
de comunicação e informação hodiernos e, por res de saída. Portanto, são cálculos matemáticos que produ-
sua vez, dentre estes o computador, como sendo zem uma mecânica (movimento físico) no suporte materi-
al, a partir do controle da passagem de energia, ao tempo
intelectual porque, numa abordagem cultural, em que permitem uma infinidade de combinações ao usuá-
interferem na organização e instituição histórico- rio. Tais máquinas foram os primeiros protótipos dos atuais
computadores, cujo hardware funciona a partir dos progra-
social da ecologia cognitiva do ser humano. mas, os softwares utilizados, os quais são também cálculos
Ou seja, os dispositivos tecnológicos são tam- matemáticos traduzidos em linguagem de máquina.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 401-416, jul./dez., 2004 405
Tecnologias intelectuais e educação: explicitando o princípio proposicional/hipertextual como metáfora para educação e o currículo
Para Tenório, a compreensão das limitações máquina funcionar. Os programas das máqui-
do computador está relacionada às limitações nas, portanto, as abstrações ou proposições
da lógica formal e suas possibilidades são (conceituais/formais ou não formais e matemáti-
relativas à virada epistemológica da matemática, cas) fazem-na funcionar: “O funcionamento da
na qual se baseia o computador. Assim, a des- máquina consiste no movimento do carro e na
mistificação do computador e, conseqüentemen- impressão ou eliminação de marcas nas casas.
te, o aprofundamento de sua compreensão, Esse funcionamento ocorre de acordo com um
dependem da compreensão de sua lógica ou de conjunto de instruções [algoritmos] que cons-
sua dinâmica de funcionamento e, por outro tituem o programa da máquina de Post. (TE-
lado, consiste em superar a visão dicotômica NÓRIO, 1991, p. 43)5.
que coloca como pólos antagônicos e mutua- Esse funcionamento da máquina, por sua vez,
mente excludentes o ser humano e a máquina, provoca efeitos e significações no contexto onde
ou a cultura e a tecnologia. está inserido, abrindo um campo de possibilida-
O computador, segundo Tenório, tem uma des infinitas, ou seja, virtualizando o contexto,
estrutura lógico-operacional, daí explicita sua engendrando, por seu turno, uma rede aconteci-
natureza proposicional ou abstrata. É neces- mental.
sário tirar todas as conseqüências da compreen- As criações de Post e de Turing surgem no
são da estrutura lógico-operacional a fim de momento histórico em que se coloca a questão
transpô-la para o currículo. São essas estruturas da obtenção de um método mecânico universal
lógicas que Tenório chama de máquinas abs- (TENÓRIO, 1991, p. 46), além de que a
tratas e Serpa de máquinas proposicionais, estrutura dessas criações tem implicações para
as quais utilizarei como sinônimo de tecnologias o problema da decidibilidade de Hilbert. Este
inteligentes ou intelectuais, ressignificando e aspecto é fundamental para podermos, também,
especificando o sentido destas últimas categorias compreender as implicações qualitativas e revo-
utilizadas por Lévy para se referir a qualquer lucionárias para a educação e o currículo.
tecnologia e, ao mesmo tempo, restringindo-as As máquinas de Turing e de Post derrubam
ao âmbito do computador. as pretensões hilbertianas ao demonstrarem que
É de suma importância a nota feita por
existem funções não-calculáveis:
Tenório a esse respeito: “O excepcional nestes
artigos aqui considerados [de Turing e Post] é 1. Não existe método comum para decidir a ver-
que ambos, independentemente, antecipam, dade ou falsidade de todas as sentenças lógicas
formuladas. Isto porque (...) Gödel mostrou a
através desses arquétipos (as máquinas abstra-
incompletude de sistemas formais abrangentes.
tas), o funcionamento dos modernos compu- 2. Mesmo as sentenças matemáticas demons-
tadores digitais eletrônicos, antes mesmo do tráveis não podem ser provadas a partir de um
aparecimento destes.” (1991, p. 15). conjunto de axiomas da lógica formal. Crurch,
Tenório explica porque denomina as máqui- Post e Turing mostraram a existência de funções
nas de Post e Turing de máquinas abstratas: não-calculáveis em seus sistemas lógicos.
(TENÓRIO, 1991, p. 59).
A máquina de Post – e também a máquina de
Turing – são estruturas conceituais e, por isso, O desenvolvimento das máquinas abstratas
chamadas máquinas comutadoras abstratas. e, portanto, também a base de funcionamento
Poderiam ser construídas com algum material dos atuais computadores, estão relacionados ao
apropriado mas, não o sendo necessariamente,
avanço na matemática no que diz respeito ao
são máquinas virtuais e não reais; ressalte-se,
contudo, que as suas existências, enquanto es- seu rompimento com a lógica formal.
truturas conceituais, asseguram a sua concretu-
de, ou seja, a possibilidade de serem conceitual- 5
Trata-se de um invento que contém um suporte móvel,
mente operadas. (1991, p. 41-42 – grifos meus). chamado carro, que ao se mover imprime marcas ou carac-
teres previamente programados com base em cálculos ma-
Destaco, sobretudo, que as máquinas, sendo temáticos; portanto são as operações lógicas e conceituais
abstratas, operam. As abstrações fazem a que desencadeiam um movimente físico, mecânico.
406 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 401-416, jul./dez., 2004
Arnaud S. de Lima Junior
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 401-416, jul./dez., 2004 407
Tecnologias intelectuais e educação: explicitando o princípio proposicional/hipertextual como metáfora para educação e o currículo
ções para os problemas do seu contexto viven- um fundamento para o entendimento da relação
cial, alterando tal contexto e a si mesmo, sendo entre a Educação escolar e as TCI para além
todo esse processo permeado de interesses, de sua possibilidade instrumental, abrindo pos-
valores, possibilidades cognitivas; todos transi- sibilidades de releitura e de transformações da
tórios e diversificados, porém, válidos. prática pedagógica e do currículo, discutido aqui
É em conseqüência da compreensão do cará- do ponto de vista epistemológico.
ter proposicional do computador que podemos A virada matemática de Gödel, que está na
pensar a sua relação com a Educação, no que base do computador, tem uma relevância epis-
diz respeito à questão da práxis curricular, não temológica que se constitui, ao mesmo tempo,
no sentido convencional de mera utilização do no elemento fundamental e fundante da compre-
suporte material para o aprimoramento e eficácia ensão das possibilidades que a tecnologia propo-
do modelo formal que serve de base à concepção sicional traz para a educação e para o currículo
e ao fazer pedagógico da Educação e do currículo que, em certo sentido, independe do aparato
escolares; mas, no sentido de estender sua base tecnológico disponibilizado no sistema educacio-
lógico-operacional à práxis curricular e educa- nal, mas servindo como metáfora e uma lógica/
cional. Isto é, identificando-a e instituindo-a ao inteligibilidade na concepção e desenvolvimento
modo proposicional, ao mesmo tempo em que, da educação e, especificamente, da prática cur-
fruto dessa compreensão, explorar/experimentar/ ricular.
vivenciar o suporte material para o desenvolvi- Isto significa que, mesmo sem a presença
mento e aprofundamento de competências, es- dos suportes materiais da comunicação e da
tratégias, dinâmicas e performances que rom- informação contemporâneos, pode-se ter uma
pam, na prática, com a matriz racional moderna postura e um agir tecnológico comunicacional/
subjacente aos modelos curriculares vigentes na informacional no âmbito educativo, como reflexo
educação escolar brasileira. de sua articulação dialética com o contexto tec-
O rompimento da matemática com a lógica nologizado da sociedade em geral, a partir da
formal, que serve de estrutura para o computa- apropriação de seu modo de funcionamento, de
dor, representa um salto qualitativo na compreen- suas características e, particularmente, de sua
são epistemológica. Importa, pois, considerar as base científica. Cabe, portanto, explicitar sinteti-
implicações que essa ruptura epistemológica camente as implicações epistemológicas da
(base estrutural do computador enquanto tecno- tecnologia intelectual.
logia proposicional) traz para a questão do co- O primeiro núcleo de considerações episte-
nhecimento e do seu modo de produção; bem mológicas é relativo ao próprio conceito de
como, explicitar seu significado potencial para conhecimento. No enfoque tradicional da lógica
o currículo. Ou seja, demonstrar as possibilida- formal – vigente na Modernidade e com o qual
des de mudanças que o computador, a partir de as dinâmicas da tecnologia proposicional rom-
sua base científica, representa para a concepção pem – o conhecimento consiste em leis exterio-
de conhecimento e do modo de produção/cria- res ao ser humano, pertencente à realidade
ção de conhecimento que dá sustentação ao natural fora do homem, pretensamente capta-
currículo escolar – portanto, enfatizando a base das através de abstrações lógico-matemáticas,
epistemológica da questão. expressas em conceitos e/ou sentenças
matemáticas, supondo-se sempre uma identi-
dade entre tais leis e a realidade, conferindo a
Epistemologia proposicional: maqui- esta última uma estrutura lógico-formal; como
nização do conhecimento humano sendo algo regular, estático, organizado coe-
rentemente, plenamente apreensível e exprimí-
Em resumo, vê-se que a natureza e a gênese vel através de linguagem matemática; analisável
proposicional do computador, enquanto tecnolo- a partir de divisões ou fragmentos e, por conse-
gia de comunicação e informação, emerge como guinte, plenamente manipulável e controlável.
408 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 401-416, jul./dez., 2004
Arnaud S. de Lima Junior
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 401-416, jul./dez., 2004 409
Tecnologias intelectuais e educação: explicitando o princípio proposicional/hipertextual como metáfora para educação e o currículo
410 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 401-416, jul./dez., 2004
Arnaud S. de Lima Junior
Boaventura Santos, embora refletindo sobre não consista em se buscar a identidade entre
o novo estatuto do conhecimento científico, traz leis abstratas e os fenômenos da realidade, todo
a noção de auto-conhecimento (1998, p. 52). Mas, sentido produzido a partir da interioridade do
isso vale para o conhecimento em geral: toda sujeito visa algo bem concreto, que é incidir
forma de conhecimento é autoconhecimento. Esta sobre a vida, melhorando e respondendo às
discussão se refere à relação sujeito/objeto e ao demandas contextuais, materiais, imateriais
questionamento do status quo metodológico e (espirituais) da vida, em sua complexidade.
às noções de distância social em que ele assenta. Então, a subjetividade do conhecimento su-
Hoje, percebe-se, a partir de descobertas científi- põe a objetividade, que também não se inscreve
cas e pela emergência de fenômenos contempo- no estabelecimento de leis abstratas, uniformes
râneos, a continuidade entre sujeito/objeto, de e universais, acima da história, da sociedade,
modo que se torna recorrente o questionamento da cultura e do indivíduo (objetivismo). Mas,
metodológico e da problemática da primazia do objetividade no mesmo sentido de ter implica-
conhecimento científico. ções na vida concreta, cotidiana, contextual,
Esta consideração tem um desdobramento histórico-social; portanto, respondendo a inte-
na concepção de conhecimento, logo um resses e demandas humanos bem concretos e
desdobramento epistemológico imediato: situados no tempo e no espaço, no entre-lugar
A ciência moderna não é a única explicação pos- das relações intersubjetivas, dos conflitos, das
sível da realidade e não há sequer qualquer ra- negociações, da dinâmica da vida.
zão científica para a considerar melhor que as Nesse sentido, sobre a ciência, Boaventura
explicações alternativas da metafísica, da astro- Santos (1998) identifica que esta não busca mais
logia, da religião, da arte ou da poesia. A razão a sobrevivência, a partir do domínio do modo
por que privilegiamos hoje uma forma de conhe- de funcionamento do mundo, mas a compreen-
cimento assente na previsão e no controle dos
fenômenos nada tem de científico. É um juízo de são do mundo, a fim de se viver melhor.
valor. A explicação científica dos fenômenos é a Essa noção, que hoje emerge na racionali-
auto-justificação da ciência enquanto fenôme- dade científica, já estava presente milenarmente
no central da nossa contemporaneidade. A ciên- noutras racionalidades, como é o exemplo do
cia é, assim, autobiográfica. (SANTOS, 1998, p. conhecimento oriundo da fé judaica, depreen-
52). dida das narrativas bíblicas do Antigo Testamento
O uso social que se faz do computador e (A.T.), e da fé cristã, a partir da ênfase que se
das redes de comunicação e informação tem dá no mistério da encarnação, contido nos
essa característica, pois toda produção neste relatos do Novo Testamento (N.T.), que, segun-
contexto é autobiográfica, uma vez que remete do os exegetas, é o escopo do A.T., já que tudo
aos desejos, interesses dos que interagem na o que se narra daquele contexto religioso é figura
rede, a partir de competências, formas de co- do que se realiza no evento Jesus Cristo8.
nhecimento, experiências e tipos de aprendi- Na experiência religiosa judaica, o povo
zagem os mais diversos. tomava consciência de sua experiência com a
No contexto comunicacional e informacional, divindade, tratando-se de uma vivência com
pode-se escolher as trajetórias, os tipos de troca, Deus. Dessa tomada de consciência, vivida
a aplicabilidade das informações, partindo-se do numa dimensão de fé, emergiam princípios e
disponibilizado e programado, assimilando-os, noções alheias a sua experiência histórica
portanto, mas, ao mesmo tempo, atingindo-se anterior, que inclusive rompiam com sua lógica
novas configurações de significados, de co- e sua mentalidade, tais como a noção de justiça,
nhecimentos, de textos, de aprendizagens, de de serviço, de amor, cuja validade estava em se
vivências, num permanente transitar/produzir
(pelas) paisagens de sentido. (LÉVY, 1998). 8
Para aprofundar essa questão, para além dos comentários
A subjetividade do conhecimento não é específicos e úteis à minha argumentação, ver: Bentzen
subjetivismo, porque, embora o conhecimento (1968), Gopegui (1977), Goffi e Secondin (1992).
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 401-416, jul./dez., 2004 411
Tecnologias intelectuais e educação: explicitando o princípio proposicional/hipertextual como metáfora para educação e o currículo
412 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 401-416, jul./dez., 2004
Arnaud S. de Lima Junior
caráter prático. Ao mesmo tempo, isto também no período moderno, com a ciência moderna,
remete à explicitação dos modos sociais de torna-se também um delírio, quando pretende a
produzi-lo e de comunicá-lo; tornando-o refle- plena justificação e realização do sonho e do
xivo e auto-referente (recursivo), em perma- desejo na escrita da ciência, com sua gramática
nente transformação por seu vínculo com a e seus cânones.
realidade, complexa e dinâmica, em um fluxo Então, tinha-se uma cristalização no conheci-
aberto, nunca definitivo e nem final. mento como formalização abstrata (objetiva) de
Para Santos, a ruptura epistemológica pós- leis e, atualmente, rompendo com tal cristaliza-
moderna consiste em estabelecer uma racionali- ção, a possibilidade do transitar e da interação
dade feita de racionalidades (1998). Nisso ele entre os saberes, num jogo aberto entre as
permanece moderno, porque ainda pensa em racionalidades distintas, como um novo momento
termos de uma única e suficiente metanarrativa de instituição histórico-social do conhecimento,
que contenha todas as racionalidades, sendo tal mas sem perder de vista seu caráter de atuali-
missão a vocação da ciência pós-moderna. zação histórica, ao modo de uma nova inscrição
Ao contrário, romper com esse esquema do arquétipo original, que embora venha à
epistemológico moderno (muito ao modo do superfície da história numa forma concreta de
programa hilbertiano) consiste em permanecer conhecimento, como satisfação parcial da busca
na diversidade e singularidade de cada tipo de de sentido e de explicação da vida e do real,
saber, ao mesmo tempo em que confere a cada tem também seu lado de fantasia e de delírio,
um deles o estatuto de conhecimento, tudo isso porque a vida e a realidade, e o próprio modo
num permanente exercício epistemológico de de conhecer, são transitórios, sujeitos aos impre-
convivência, diálogo, combinações, jogo, ten- vistos e à dinâmica interminável da história.
sões, não construído a partir de exigência lógica A produção de conhecimento não é um
apenas, mas a partir dos problemas contextuais processo de simplificação, mas é contextual e
da vida humana, histórico-social – pano de fun- complexo. Na realidade, o ser humano, indivi-
do de toda trama do conhecimento e de seus dual e coletivamente, é desafiado a encontrar
modos de instituição. saídas e respostas aos problemas colocados por
Não se trata de dar hegemonia a uma racio- suas demandas, necessidades, interesses (ma-
nalidade que contenha as demais, mas de se teriais e imateriais), dentro de certos contextos
superar o princípio hegemônico no campo epis- existenciais, condicionados e marcados pelo
temológico por uma convivência/co-existência espaço-tempo, em contínua relação consigo
das racionalidades como princípio histórico dos mesmo e com os outros, semelhantes e
processos de produção de conhecimento da diferentes de si mesmo.
humanidade. Nesse processo, percebe a si mesmo em
Assim, torna-se cada vez mais necessário múltiplas relações e atuações, traduzindo tal
conviver com a incerteza, como forma de com- percepção em linguagens, a fim de comunicá-
preender a dinâmica mesma da vida e de lidar la. Desse modo, institui saberes diversos e es-
melhor com ela. Não só do ponto de vista da pecíficos, a partir de diferentes fontes subje-
ciência, mas do conhecimento de um modo geral. tivas (percepção sensorial, imaginação, emoção,
Mais uma vez, torna-se recorrente o arqué- raciocínio, abstração, inconsciente) e objetivas
tipo como metáfora do conhecimento, pois, (tudo do exterior com que interage e se articula
como visto na citação acima, o conhecimento de forma variada), que são articulados e combi-
científico, de um lado, corresponde ao mais nados no contexto, a depender das necessidades,
antigo sonho e desejo da humanidade de atuar demandas e interesses, sempre abertos e dinâ-
na realidade de modo seguro, de explicação do micos. Nessa rica vivência, humanizando-se e
sentido da vida; de outro, como é próprio do humanizando o mundo, porque o transforma e
desejo humano, nunca se realiza plenamente, se transforma ao modificá-lo, dependendo inevi-
de modo que a atualização histórica do arquétipo tavelmente dessa relação para sobreviver e
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 401-416, jul./dez., 2004 413
Tecnologias intelectuais e educação: explicitando o princípio proposicional/hipertextual como metáfora para educação e o currículo
REFERÊNCIAS
BACON, Francis. A sabedoria dos antigos. São Paulo, SP: Ed. UNESP, 2002.
BARBOSA, Joaquim (Org.). Reflexões em torno da abordagem multirreferencial. São Carlos: EdUFSCar,
1998.
BAYLE, F. et al. O império das técnicas. Campinas: Papirus, 1996.
BENTZEN, A. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo, SP: ASTE, 1968.
BOHM, D.; PEAT, F. D. Ciência, ordem e criatividade. Lisboa: Godovia, 1989.
BURNHAM, Teresinha Fróes. Complexidade, multirreferencialidade, subjetividade: três referências polêmi-
cas para a compreensão do currículo escolar. In: BARBOSA, Joaquim (Org.). Reflexões em torno da abor-
dagem multirreferencial. São Carlos: Ed. UFSCar, 1998.
414 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 401-416, jul./dez., 2004
Arnaud S. de Lima Junior
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. São Paulo, SP: Cultrix,
1999.
CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. Tradução de Guy Reynaud. 3. ed. Rio
de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1982.
CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Tradução de Bruno Magne Porto
Alegre: Artes Médicas, 2000.
DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Rio de Janeiro, RJ: Rocco,
1991.
DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Rio de Janeiro, RJ: Graal, 1988.
DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo, SP: Ouro, [19—?].
DOLL JR., William E. Currículo: uma perspectiva pós-moderna. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
FEYERABEND, Paul. Contra o método. Lisboa: Relógio D’Água, 1988.
_____. Diálogo sobre o método. Lisboa: Presença, 1991.
GARFINKEL, H. Studies in etnomethodology. Cambridge: Polity, 1994.
GOFFI, Tullo; SECONDIN, Bruno (Orgs.). Problemas e perspectivas de espiritualidade. São Paulo, SP:
Loyola, 1992.
GOODSON, Ivor F. Currículo: teoria e história. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1995.
GOPEGUI, Ruiz de. Deus nos caminhos da história: iniciação à leitura da Bíblia. 7. ed. São Paulo, SP:
Loyola, 1977.
GUATTARI, Felix. As três ecologias. Campinas: Papirus, 1990.
_____. Caosmose: um novo paradigma estético. Rio de Janeiro, RJ: Ed. 34, 1992.
HABERMAS, Jürgen. Teoria de la accion comunicativa. Madrid: Taurus, 1987.
HILLER, Egmont. Humanismo e técnica. São Paulo, SP: Editora Pedagógica e Universitária, 1973.
JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 2000.
LATOUR, Bruno. Do humano nas técnicas. In: BAYLE, F. et. al. O império das técnicas. Campinas: Papirus,
1996.
LÉVY, Pierre. A ideografia dinâmica: rumo a uma imaginação artificial? São Paulo, SP: Loyola, 1998.
_____. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo, SP: Loyola, 1998.
_____. A inteligência e seus novos instrumentos. In: BAYLE, F. et. al. O império das técnicas. Campinas:
Papirus, 1996.
_____. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro, RJ:
Ed. 34, 1998.
LIMA JR, Arnaud S. de. Tecnologização do currículo escolar: um possível significado proposicional e
hipertextual do currículo contemporâneo. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, UFBA,
Salvador, 2003.
_____. O currículo como hipertexto: em busca de novos caminhos. Revista de Educação:CEAP, Salvador,
v. 6, n. 20, p. 37-43, mar. 1998.
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 2.ed. Lisboa: Gradativa, 1989.
MACEDO, Roberto Sidnei. Chrysallís, currículo e complexidade: a perspectiva crítico-multirreferencial e
o currículo contempor6aneo. Salvador: EDUFBA, 2002.
MARCONDES FILHO, Ciro. A nova sociedade da era tecnológica. São Paulo, SP: Ática, 1992.
_____. Quem manipula quem? 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1992.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 401-416, jul./dez., 2004 415
Tecnologias intelectuais e educação: explicitando o princípio proposicional/hipertextual como metáfora para educação e o currículo
MARX, Karl. Manuscritos económicos-filosóficos e outros textos escolhidos. São Paulo, SP: Nova Cultu-
ra, 1987.
MORIN, Edgar; MOIGNE, Jean-Louis Le. A inteligência da complexidade. São Paulo, SP: Petrópolis, 2000.
PICON, Antoine. O dinamismo das técnicas. In: BAYLE, F. et. al. O império das técnicas. Campinas:
Papirus, 1996.
PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas: tempo, caos e leis da natureza. São Paulo, SP: Editora da Universidade
Estadual Paulista, 1996.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 10. ed. Porto: Afrontamentos, 1998.
_____. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro, RJ: Graal, [199-].
SERPA, Luiz Felipe P. Ciência e historicidade. Salvador: Microarte, 1991.
SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Pedagogia dos monstros: os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras.
Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
TENÓRIO, Robinson Moreira. Computadores de papel: máquinas abstratas para o ensino concreto. 2. ed.
São Paulo, SP: Cortez, 2001.
Recebido em 30.09.04
Aprovado em 17.11.04
416 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 401-416, jul./dez., 2004
Edméa Oliveira dos Santos
RESUMO
ABSTRACT
*
Doutoranda pela FACED/UFBA, atualmente pesquisa a relação entre a cibercultura e a formação de professoras.
Endereço para correspondência: Av. Paralela, Cond. Vilas do Imbuí, Ed. Jaciara, ap 102, Salvador, Bahia. E-mail:
mea2@uol.com.br
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 417-430, jul./dez., 2004 417
Idéias sobre currículo, caminhos e descaminhos de um labirinto
418 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 417-430, jul./dez., 2004
Edméa Oliveira dos Santos
para a teoria educacional e do currículo. Supu- mundo, proporcionando-lhes não apenas um las-
nha-se, e ainda se supõe, que o currículo deve tro de conhecimentos e de outras vivências que
ser organizado em passos graduais. Lacunas, contribuam para a sua inserção no processo da
rompimentos ou furos não só estão ausentes do história, como sujeito do fazer dessa história,
currículo como também são vistos exclusivamen- mas também para a construção como sujeito (qui-
te em termos cumulativos, como mais longo o çá autônomo) que participa ativamente do pro-
tempo, mais aprendizagem se acumula. cesso de produção e de socialização do conhe-
cimento e, assim, da instituição histórico-social
O currículo, nesta perspectiva, é visto como de sua sociedade. (BURNHAM, 1998, p. 37).
uma experiência acumulativa, descontextualiza- As diversas abordagens acima coincidem no
da, com objetivos comportamentais definidos a tratamento do currículo para além do “conjunto
priori, pautado em conteúdos definidos exterior- de matérias”. O currículo apresenta-se como uma
mente, fora do contexto sócio-histórico dos sujei- rede de relações complexa e interativa que
tos da aprendizagem. Essa construção cultural articula os “nós” da prática dos espaços de apren-
de currículo vem sendo questionada na contem- dizagem com os “nós” dos arranjos sociais,
poraneidade, dentre outros motivos, devido à econômicos, culturais e políticos. Em outras pala-
própria crise da ciência moderna e pela emer- vras, temos uma implicação mútua entre escola
gência de novos espaços de trabalho e aprendi- e sociedade. Por estarmos envolvidos numa
zagem, muitos destes estruturados pelo paradig- sociedade cada vez mais estruturada pelas
ma digital. Nesse contexto, elenco a seguir novas tecnologias de comunicação e de informação, é
idéias sobre o currículo na contemporaneidade: fundamental percebermos como o paradigma
O currículo é uma construção de atores e atrizes digital vem também influenciando as práticas
educativos de natureza ideológica, plural e en- curriculares na construção de novas formas de
carnada. Dessa forma é histórico e contextuali- trabalhar e aprender no mundo contemporâneo.
zado. Constitui um processo identitário das prá- Urge discutir como as influências sócio-
ticas educativas de uma instituição, em meio à
técnicas das tecnologias digitais de comunicação
diversidade das suas relações. É um processo
de socialização dialógica e dialética, constitui- e informação podem estruturar ou estão estrutu-
se, portanto, na interação. Em sendo uma cons- rando o campo do currículo em nosso tempo. O
trução sócio-cultural e histórica, o currículo nu- que vimos até aqui é apenas um pequeno de-
tre-se da sua irremediável natureza mutável. O monstrativo da polifonia que existe a respeito
currículo possibilita a formação: técnica – cons- do currículo. Entretanto, o debate sobre o currí-
trução/apreensão de conteúdos/saberes; ética culo ainda está muito preso a velhos ranços
– âmbito dos valores; política – campo das op- teóricos modernos. Por isso, procurarei adentrar
ções, dos interesses e luta do poder nas suas
um pouco mais no labirinto traçado pela ciência
diversas manifestações. (MACEDO, 2000, p. 43).
moderna e em suas implicações para o campo
O currículo não é veículo de algo a ser transmiti- do currículo.
do e passivamente absorvido, mas o terreno em
que ativamente se criará e produzirá cultura. O
currículo é, assim, um terreno de produção e de
política cultural, no qual os materiais existentes A parceria com a ciência
funcionam como matéria-prima de criação e, so- moderna
bretudo, de contestação e transgressão. (SIL-
VA; MOREIRA, 1995, p. 28). Dentre as diversas inquietações que vêm
Processo social que se realiza no espaço con- incomodando educadores e educadoras, pelo
creto da escola, cujo papel principal é o de con- menos os mais “antenados” com a contempora-
tribuir para o acesso, daqueles sujeitos que aí neidade, podemos destacar o problema da frag-
interagem, a diferentes referenciais de leitura de mentação dos saberes. A disjunção dos sabe-
mundo e de relacionamento com este mesmo res compartimentalizados em disciplinas nos
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 417-430, jul./dez., 2004 419
Idéias sobre currículo, caminhos e descaminhos de um labirinto
espaços de aprendizagem não combina mais científico moderno, ilustrado pela metáfora da
com as novas demandas de aprendizagem na cadeia, onde conhecer é encadear linearmente
contemporaneidade que exige percepções e uma seqüência de dados partindo do simples
encaminhamentos cada vez mais glocais, trans- para o complexo e da parte para o todo.
diciplinares, multirreferenciais. Neste contexto, o currículo é estruturado
Falta uma visão mais abrangente na produ- pela presença da sequencialização de pré-requi-
ção e socialização de saberes e conhecimentos sitos – “pensar de maneira ordenada” como os
nos espaços de aprendizagem, sobretudo nas antigos geômetras com suas “longas cadeias de
instituições formais. Tanto as escolas básicas raciocínio”, sempre prosseguindo gradualmente,
quanto as instituições de ensino superior estão daquilo que é “mais simples e fácil de compreen-
cada vez mais sendo questionadas neste século der” para o mais complexo1; pela linearidade
que se iniciou sob o signo emergente da “socie- da fragmentação – dividir cada dificuldade “em
dade da informação”, da “sociedade em rede“, tantas partes quanto possível” para solução mais
da “era digital” ou da “cibercultura”. fácil2; pela memorização e acúmulo de infor-
As atuais discussões sobre o campo do mações – aceitar apenas o que se apresenta
currículo vêm ganhando macro dimensões que para a mente “tão clara e distintamente” que a
emergem desde a reforma das políticas públicas, sua verdade é auto-evidente3; e pela visão de
estruturadas pelo currículo nacional/oficial totalidade no que se refere ao ato de conhe-
até a gestão dos conhecimentos nos espaços cer – revisar tudo o que foi dito acima, para ter
micros – currículo-ação – onde professores e “certeza de que nada foi omitido”4.
estudantes constroem conhecimentos. Elemen- Quando Descartes desenvolve as quatro re-
tos paradigmáticos que caracterizavam e que gras metodológicas para a orientação do pro-
ainda caracterizam a gestão do currículo estão cesso de desenvolvimento do conhecimento
sendo postos em xeque devido, dentre outros científico, ele imprime e demarca uma lógica
fatores, à multiplicidade de formas de participa- que orientará todo um processo histórico de
ção, intervenção e criação de processos de apren- fragmentação do conhecimento. Conhecer está
dizagem estruturados, dentre outros fatores, pela associado à idéia de cadeia:
interação com as novas tecnologias da comunica- ... se a cadeia for, digamos A=>B=>F=>G=>X=.>
ção e da informação, principalmente pelos S=>D=>>..., então a não abordagem do tema G
suportes das redes digitais. impossibilitaria o tratamento do tema X, reten-
Tais mudanças nos processos de aprendiza- do-se o aluno no ponto G até que o mesmo seja
gem vêm exigindo uma compreensão mais con- aprendido. Apesar de multiplicarem-se os exem-
textualizada do paradigma moderno de constru- plos, de que o conhecimento de S favoreceu o
ção do conhecimento para que possamos, no conhecimento de X, ou de que o conhecimento
de X é possível sem o perfeito conhecimento de
contexto de uma transição paradigmática, resig-
G, a linearidade, como um dogma, nunca parece
nificar as práticas curriculares. É conhecido e
ser posta em questão” (MACHADO, 2000, p.
vivido pelos atores sociais o problema da frag- 129).
mentação disciplinar das áreas de conhecimento,
onde a relação professor-estudantes-conheci- Tal paradigma mais tarde foi reforçado por
mentos configura grandes divórcios. outros personagens, como Comte, na implemen-
A concepção de conhecimento está, quase tação da disciplinaridade, e por Taylor e Ford,
sempre, relacionada a uma figura imagética, com a fragmentação do processo de produção
metafórica, que representa a ação curricular tan-
1
Terceira regra metodológica criada por Descartes. (DOLL,
to no discurso dos documentos oficiais como 1997, p.46).
na organização das práticas docentes: o enca- 2
Segunda regra. (DOLL, 1997, p.46).
deamento linear. Esse modelo está vinculado 3
Primeira regra. (DOLL, 1997, p.46).
ao paradigma que fundamenta o conhecimento 4
Quarta regra. (DOLL, 1997, p.46).
420 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 417-430, jul./dez., 2004
Edméa Oliveira dos Santos
industrial, que por sua vez influenciaram signifi- científico moderno, influenciando conseqüente-
cativamente o campo do currículo. mente as relações dos processos curriculares.
Com a racionalidade científica “surge um Para Marques (1993, p. 46):
novo modelo de saber. Este não é mais tradição Colocam-se as leis do universo sob o domínio
daquilo que já se sabia, mas a procura do que da razão ao mesmo passo que a sociedade e a
não se sabe” (JAPIASSU, 1976, p. 48). Dessa cultura são naturalizadas, sujeitas a leis ao mes-
forma, configurou-se um conjunto de metanarra- mo tempo racionais, naturais e universais, de uma
tivas que legitimaram a ciência como o conheci- natureza humana comum, livre dos elementos
mento hegemônico da modernidade. A diversi- históricos e culturais das épocas e lugares, par-
dade de saberes religiosa, mística, mítica e coti- ticular e colocado na dinâmica do progresso in-
definido.
diana não legitimava a verdade universal que
imprimia bandeiras de “ordem e progresso”. Pro- No entanto, a fragmentação do conheci-
gresso esse, bastante questionado e proble- mento científico não conseguiu comandar o
matizado contemporaneamente, como nos alerta conhecimento sobre a vida na sua multi-
Edgar Morin: dimensionalidade biológica, social, física,
Desde a já longínqua Hiroxima, sabemos que a cultural, espiritual, psicológica. Mesmo assim,
energia atômica significa potencialidade suicida esse modo de produção científica imprimiu
para a humanidade; sabemos que, mesmo pacífi- uma lógica mecanicista em vários espaços de
ca, ela comporta perigos não só biológicos, mas, aprendizagem, dentre eles a escola, sendo o
também e, sobretudo, sociais e políticos. Pres- rompimento da mesma um grande desafio.
sentimos que a engenharia genética tanto pode Desafio no sentido de criar formas de gestão
industrializar a vida como biologizar a indústria.
e articulação de saberes, que rompam com os
Adivinhamos que a elucidação dos processos
bioquímicos do cérebro permitirá intervenções processos de “imprinting”, isto é, “marca
em nossa afetividade, nossa inteligência, nosso original irreversível que é impressa no cére-
espírito. (1999, p. 18). bro. Segundo Morin (1999, p. 50), “na escola
e na universidade, sofremos imprinting terríveis,
Segundo Doll (1997), o método científico sem que possamos, então, abandoná-los.
desenvolvido por Descartes separa a realidade Depois disso, a invenção acontecerá entre
em duas qualidades, constituindo o homem mo- aqueles que sofreram menos imprinting e que
derno como um ser separado da natureza. A serão considerados como dissidentes ou
primeira qualidade denominada primária/mate- discordantes”.
mática é de caráter objetivo da natureza, que É através do currículo materializado pelas
se constitui de formas, tamanho, posição e mo- rotinas de tarefas, discursos e materiais signifi-
vimento; já a segunda, denominada secundária, cantes que imprintings são criados. O conceito
conseqüentemente inferior, de caráter subjetivo de ordem, instituído pelo modo de produção do
é aquela reconhecida pelos sentidos – cor, pala- conhecimento moderno, é de base seqüencial
dar, audição, tato. “Ao lado dessas novas formas linear e toda relação é baseada na lógica de
de produção, a ciência passou a exigir a instau- causa e efeito. O processo de organização cur-
ração de uma nova relação entre o homem e a ricular forjado de forma seriada e gradual, orga-
natureza, pela necessidade de manipular o con- nizado por faixa etária; os planos de curso, uni-
texto para realizar observações quantitativas”. dade, aula, bem como os livros didáticos e tam-
(SERPA, 2000, p. 182). bém alguns softwares educativos são organiza-
É no divórcio do homem com a natureza que dos por etapas uniformes e adicionais – das
emergem as diversas dicotomias – tempo ver- partes para o todo. A aprendizagem é estrutura-
sus espaço, observador versus observável, sujei- da por unidades disciplinares que territorializam
to versus objeto, emissor versus receptor – que o conhecimento, inviabilizando uma formação
caracterizam a fragmentação do conhecimento humana interativa e complexa.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 417-430, jul./dez., 2004 421
Idéias sobre currículo, caminhos e descaminhos de um labirinto
422 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 417-430, jul./dez., 2004
Edméa Oliveira dos Santos
tarefa fácil. Ao mesmo tempo que a discipli- nacionais da educação – principalmente no que
naridade ainda é um domínio sectário de estudo, tange a gestão dos saberes, qualquer tentativa
a mesma vem criando um processo histórico de comunicação entre as áreas de conhecimen-
cheio de obstáculos. tos é diretamente classificada como interdiscipli-
A cultura da especialização disciplinar impri- naridade.
me, nos sujeitos que instituem o campo disci- Nesse sentido, torna-se necessário apontar-
plinar, uma territorialização existencial profunda. mos algumas modalidades que na prática curri-
Podemos ilustrar a afirmação recorrendo à aná- cular, ganham o status de interdisciplinaridade
lise do comportamento científico representado sem, na verdade, contemplar o mínimo de cri-
pelo protagonista do filme Franskteim. Na narra- térios que a caracterizam como tal. As modali-
tiva cinematográfica, o protagonista, que repre- dades que ilustraremos a seguir, incluindo a
senta um cientista moderno, produz conheci- própria interdisciplinaridade, refere-se às formas
mento científico sem se dar conta da complexi- de relação entre as disciplinas, bem como a
dade humana. A ciência é construída de forma qualidade da interação entre as especialidades.
isolada e inconseqüente, sem consciência. Nes-
se sentido nos alerta Edgar Morin:
Abordagem multidisciplinar
O conhecimento não é uma coisa pura, indepen-
dente de seus instrumentos e não só de suas Quando uma prática curricular necessita ape-
ferramentas materiais, mas também de seus ins- nas da participação de várias disciplinas na com-
trumentos mentais que são os conceitos; a teo- posição e exercício de um trabalho, seja de ensi-
ria científica é uma atividade organizadora da
no e ou de pesquisa, sem estabelecer claramen-
mente, que implanta as observações que implan-
ta, também, o diálogo com o mundo dos fenôme- te os links 7 de interligação entre elas, estamos
nos. Isso quer dizer que é preciso conceber teo- diante da modalidade multidisciplinar8. Para
ria científica como uma construção. (1999, p. 44). Santomé, (1998, p. 71), a multidisciplinaridade
“caracteriza-se pela justaposição de matérias
diferentes, oferecidas de maneira simultânea,
com a intenção de esclarecer alguns dos seus
Tentativas de articulação elementos comuns, mas na verdade nunca se
dos saberes explicam claramente as possíveis relações entre
elas”. Nessa modalidade, o objeto de estudo é
Paradoxalmente, é dentro do processo da visto sobre diferentes olhares em forma de agru-
fragmentação disciplinar do conhecimento que pamentos disciplinares, mas sem a integração de
emergem modalidades diversas de articulação conceitos, procedimentos e atitudes. O trabalho
de saberes. A mais conhecida modalidade de entre os sujeitos não
integração disciplinar é comumente denominada MULTIDISCIPLINARIDADE é cooperativo, sendo
de interdisciplinaridade. Esse conceito é apre- que cada disciplina
sentado pela literatura através de uma polisse- mantém seus próprios
mia notável. “Trata-se de um neologismo cuja objetivos, formas e
significação nem sempre é a mesma e cujo papel dinâmicas de traba-
nem sempre é compreendido da mesma forma” lho. (Fig. 1)
FIG. 1
(JAPIASSU, 1976, p. 72).
O termo interdisciplinaridade chega a ser 7
O termo link emerge da linguagem informática significan-
contemporaneamente um significante bastante do uma conexão entre hipertextos. Utilizei o termo com o
objetivo de ilustrar a possibilidade de interação na diferença
banalizado. Devido à necessidade de resignificar das disciplinas, criando relações que extrapolem e poten-
as práticas curriculares – seja pelo desejo dos cializem as fronteiras das mesmas.
educadores e educadoras, seja pela pressão dos 8
A imagens que ilustram as abordagens multi/pluri/inter e
transdisciplinar foram inspiradas a partir de transparências
discursos apresentados pelos documentos apresentadas pela professor Teresinha Fróes em conferên-
oficiais, a exemplo dos parâmetros e diretrizes cia realizada na FACED/UFBA em outubro de 2000.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 417-430, jul./dez., 2004 423
Idéias sobre currículo, caminhos e descaminhos de um labirinto
424 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 417-430, jul./dez., 2004
Edméa Oliveira dos Santos
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 417-430, jul./dez., 2004 425
Idéias sobre currículo, caminhos e descaminhos de um labirinto
FIG. 4
Para além das disciplinaridades: a
abordagem multirreferencial
Não é possível separar o ser humano das
suas próprias construções – sociedade, cultura Nós que passamos apressados pelas
e técnica. Sendo a ciência uma construção só- ruas da cidade merecemos ler as le-
cio-técnica, devemos entendê-la, também, como tras e as palavras de Gentileza11, por
isso eu pergunto a vocês no mundo
uma construção complexa, sem fragmentá-la
se mais inteligente o livro ou a sabe-
em territórios ou sub-conjuntos estanques e com doria, o mundo é uma escola, a vida é
parcas interações. É nesse contexto que o con- o circo...”. (Marisa Monte)
ceito de transdisciplinaridade torna-se importan-
te. A transdisciplinaridade procura religar as Dentre as diversas críticas à produção, so-
diversas modalidades científicas, fragmentadas cialização e legitimação de saberes e conheci-
no próprio contexto da história das ciências. mentos na atualidade, podemos destacar a ciên-
Ainda segundo Edgar Morin: cia como mais uma referência e não mais uma
grande narrativa. “A exuberância, a abundância,
É, portanto, necessário enraizar o conhecimento a riqueza das práticas sociais proíbem concreta-
físico, e igualmente biológico, numa cultura,
mente sua análise clássica por meio da decom-
numa sociedade, numa história, numa humani-
dade. A partir daí, cria-se à possibilidade de co- posição-redução”. (ARDOINO, 1998, p. 26).
municação entre as ciências, e a ciência trans- Ademais, os próprios acontecimentos
disciplinar é que poderá desenvolver-se a partir científicos12, ao longo da história da ciência
dessas comunicações, dado que o antropos-
social remete ao biológico, que remete ao físico,
que remete ao antropossocial”. (1999, p. 139 - 11
Segundo a artista brasileira Marisa Monte – em show
grifo meu). realizado no Teatro Castro Alves, em 13 jan. 2000 – Gen-
tileza era um cidadão carioca que saia pelas ruas do Rio de
Dentre as diversas modalidades das relações Janeiro “pregando” solidariedade e compartilhando seus
conhecimentos do/no cotidiano da cidade. Nesse contexto,
disciplinares discutidas até agora, seja no âmbito produziu uma obra de arte nos pilares de um viaduto no Rio
epistemológico e/ou metodológico, o conceito de Janeiro. Sua obra foi brutamente apagada pela compa-
nhia de limpeza pública do Estado, sendo – ainda bem –
de transdisciplinaridade é o conceito que mais restaurada por uma ONG batizada Gentileza. A destruição de
avança na questão da superação da fragmenta- sua obra é um exemplo da falta de valorização dos saberes
ção disciplinar do conhecimento. No meio esco- produzidos pela experiência do cotidiano.
12
“Por um lado, as potencialidades da tradução tecnológica
lar podemos notar a ressignificação de estraté- dos conhecimentos acumulados fazem-nos crer no limiar de
gias, como, por exemplo, a Pedagogia de Proje- uma sociedade de comunicação e interactiva libertada das
426 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 417-430, jul./dez., 2004
Edméa Oliveira dos Santos
FIG. 5 – MULTIRREFERENCIALIDADE
permitem que iniciemos não só uma discussão plicam tanto visões específicas quanto lingua-
sobre a necessidade de construção de uma nova gens apropriadas às descrições exigidas, em fun-
ciência, “ciência transdisciplinar”, como nos ção de sistemas de referenciais distintos, consi-
alerta Morin, mas sobretudo a possibilidade de derados, reconhecidos explicitamente como não
redutíveis uns aos outros, ou seja, heterogêne-
legitimar outras referências e/ou saberes e co- os” (ARDOINO, 1998, p. 24).
nhecimentos. Tal preocupação vem ganhando
destaque devido às diversas mutações sócio- A multirreferencialidade como um novo pa-
técnicas, vividas neste novo século que se inicia. radigma torna-se hoje grande desafio. Desafio
Nesse contexto, podemos lançar mão de mais que precisa ser gestado e vivido, principalmente
uma abordagem epistemológica e metodológica, pelos espaços formais de aprendizagem, que
a multirreferencialidade. ainda são norteados pelos princípios e pelas
O conceito de multirreferencialidade é perti- práticas de uma ciência moderna. Por outro lado,
nente para contemplar, nos espaços de aprendi- diferentes parcelas da sociedade vêm criando
zagem, uma: novas possibilidades de educação e de formação
inicial e continuada. (Fig. 5)
...leitura plural de seus objetos (práticos ou teó-
A emergência de atividades (presenciais e/
ricos), sob diferentes pontos de vistas, que im-
ou a distância, estruturadas por dispositivos
comunicacionais diversos), cursos (livres, suple-
carências e inseguranças que ainda hoje compõem os dias de
muitos de nós: o século XXI a começar antes de começar. tivos; qualificação profissional), atividades cultu-
Por outro lado, uma reflexão cada vez mais aprofundada rais diversas, artísticas, religiosas, esportistas,
sobre os limites do rigor científico ecológico ou da guerra
nuclear fazem-nos temer que o século XXI termine antes de comunitárias começam a ganhar, neste novo
começar”. (SANTOS, 1997, p. 6). tempo, uma relevância social bastante fecunda.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 417-430, jul./dez., 2004 427
Idéias sobre currículo, caminhos e descaminhos de um labirinto
Tal acontecimento vem promovendo a legitima- mas arborescentes são sistemas hierárquicos
ção de novos espaços de aprendizagem, espaços que comportam centros de significância e de
esses que tentam “fugir do reducionismo que subjetivação, autômatos centrais como memó-
separa os ambientes de produção e os de apren- rias organizadas” (DELEUZE; GUATTARI,
dizagem (...), espaços que articulam, intencio- 1995, p. 26). Dessa forma, os currículos são
nalmente, processos de aprendizagem e de tra- compostos por programas que dificultam a nave-
balho”. (BURNHAM, 2000, p. 299). gação na complexidade das teias de relações
Os sujeitos que vivem e interagem nos espa- vividas pela humanidade.
ços multirreferenciais de aprendizagem expres- Operacionalizar a multirreferencialidade é
sam, na escola, insatisfações profundas, pondo tentar compor, nos processos de construção e
em xeque o currículo fragmentado, legitimando socialização de saberes e conhecimentos, uma
inclusive espaços diversos – espaços esses que imagem dinâmica, uma rede de relações.
há bem pouco tempo não gozavam do status Deleuze & Guattari nos sugerem a metáfora
de espaços de aprendizagem – através da auto- do rizoma, que é uma possibilidade de romper
ria dos sujeitos construídos pela itinerância dos com a lógica linear dos processos curriculares.
processos nesses espaços. É pela necessidade Segundo os autores:
de legitimar tais saberes e também competên- ... os principais caracteres de um rizoma: diferen-
cias que diversos espaços de trabalho estão temente das árvores ou de suas raízes, o rizoma
certificando os sujeitos pelo reconhecimento do conecta um ponto qualquer com outro ponto
saber fazer – competência – independentemen- qualquer e cada um de seus traços não remete
te de uma suposta formação institucional espe- necessariamente a traços de mesma natureza; ele
cífica, como, por exemplo, as experiências “for- põe em jogo regimes de signos muito diferentes,
inclusive estados de não signos. (DELEUZE;
mais” de formação inicial.
GUATTARI, 1995, p. 32).
A noção de espaço de aprendizagem vai além
dos limites do conceito de espaço/lugar. Com a Pensar num currículo rizomático é também
emergência da “sociedade em rede”13, novos pensar em ações que contemplem a dinâmica
espaços digitais e virtuais de aprendizagem vêm das “redes locais que as pessoas tecem intra e
se estabelecendo a partir do acesso e do uso intersubjetivamente: num mesmo período de suas
criativo14 das novas tecnologias da comunicação vidas, elas convivem muito proximamente (no
e da informação. Novas relações com o saber tempo e no espaço) nos ambientes da escola, do
vão-se instituindo num processo híbrido entre o lar, do parque de lazer, do terreiro de candomblé,
homem e a máquina, tecendo teias complexas do shopping center...” (BURNHAM, 2000, p.
de relacionamentos com o mundo. 301).
Para que a diversidade de linguagens, pro- Diante da necessidade de intencionalizar
duções e experiências de vida sejam de fato práticas multirreferenciais para que os sujeitos
contempladas de forma multirreferencializada, aproveitem melhor suas aquisições de saberes
nos e pelos espaços de aprendizagem, os sabe- e conhecimentos, como poderemos visualizar
res precisam ganhar visibilidade e mobilidade as competências dos sujeitos em um espaço de
coletiva, ou seja, os sujeitos do conhecimento aprendizagem? Como poderemos reconhecer
precisam ter sua alteridade reconhecida, sen- e legitimar as competências? Como gestar um
tindo-se implicados numa produção coletiva, percurso de aprendizagem individual e coletiva?
dinâmica e interativa que rompa com os limites Como formar parcerias e construções mais cole-
do tempo e do espaço geográfico.
Nesse sentido, precisamos operacionalizar 13
Expressão utilizada por Manuel Castells (1999) para ilus-
novas metáforas que rompam com as imagens trar a dinâmica econômica e social da nova era da informa-
ção, estruturada por tecnologias de natureza digital.
de um currículo linear estruturado pela imagem 14
Uso criativo no sentido de uso para produção de conheci-
da cadeia e/ou pelas imagens dos fluxogramas mentos e não para execução de tarefas de automação de
arborescentes das disciplinaridades. “Os siste- processos.
428 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 417-430, jul./dez., 2004
Edméa Oliveira dos Santos
tivas e colaborativas sem necessariamente estar plexa e dinâmica. Obviamente, o uso de dispo-
num mesmo tempo/espaço? sitivos comunicacionais por si só não construirá
O desafio de criar um currículo que contem- um currículo em rede; entretanto, pode potencia-
ple a diversidade do coletivo, permitindo que as lizá-lo.
singularidades possam emergir, potencializando Para construir conhecimentos numa aborda-
as experiências multirreferenciais dos sujeitos, gem complexa e multirreferencial, é necessário
requer não só uma mudança paradigmática das que os sujeitos da ação curricular sejam, eles
concepções de currículo, como requer também ou elas, docentes, estudantes, pesquisadores, de
o uso de dispositivos comunicacionais, interfaces competência polivalente, que tenham capacida-
digitais, que permitam uma dinâmica social que de reflexiva para poder reconhecer a diversida-
rompa com as limitações espaço/temporais dos de, a incerteza e certeza, ordem e desordem,
encontros presenciais. Nesse sentido, o acesso os acontecimentos, o caos dos processos de
e uso criativo das tecnologias em rede podem formação. “Ter medo do caos, da dissipação
estruturar as relações curriculares de forma com- de energia é ter medo da vida”15.
REFERÊNCIAS
ALAVA, Séraphin (org). Ciberespaço e formações abertas: rumo a novas práticas educacionais? Porto
Alegre: Artmed, 2001.
ARDOINO, Jacques. Abordagem multirreferencial (plural) das situações educativas e formativas. In: BAR-
BOSA, Joaquim (Org.). Multirreferencialidade nas ciências e na educação. São Carlos: EdUFSCar, 1998.
p. 24-41.
BARBOSA, Joaquim Gonçalves (Org.). Reflexões em torno da abordagem multirreferencial. São Carlos:
EdUFSCar, 1998.
BURNHAM, Teresinha Fróes. Sociedade da Informação, Sociedade do Conhecimento, Sociedade da apren-
dizagem: implicações ético-políticas no limiar do século. In: LUBISCO, Nédia M. L.; BRANDÃO, Lídia M. B.
(Orgs.). Informação & Informática. Salvador: EDUFBA, 2000. p. 283-307.
BURNHAM, Teresinha Fróes. Complexidade, multirreferencialidade, subjetividade: três referências polêmi-
cas para a compreensão do currículo escolar. In: BARBOSA, Joaquim Gonçalves (org). Reflexões em torno
da abordagem multirreferencial. São Carlos: EdUFSCar, 1998. p. 35-55.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo, SP: Paz e Terra, 1999.
COMTE, Auguste. Discurso sobre o espírito positivo. São Paulo, SP: Martins Fonte, 1990.
DELEUZE, Gilles; GUATARRI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro, RJ: 34, 1995.
v. 1.
DOLL Jr, Willian E. Currículo: uma perspectiva pós-moderna. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre:
ArtMed, 1998.
JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1976.
MACEDO, Roberto Sidnei. Por uma epistemologia multirreferencial e complexa nos meios educacionais. In:
BARBOSA, Joaquim (Org.). Reflexões em torno das abordagem multirreferencial. São Carlos: Ed. UFSCar,
1998. p. 57-71.
_____. A etnopesquisa crítica e multirreferencial nas ciências humanas e na educação. Salvador:
EDUFBA, 2000.
15
Fala do professor Felippe Serpa em conferência proferida no Seminário Currículo e Formação de professores: questões
atuais, realizado na UEFS no dia 16 out. 2000.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 417-430, jul./dez., 2004 429
Idéias sobre currículo, caminhos e descaminhos de um labirinto
MACEDO, Roberto Sidnei. A raiz e a flor. A gestão dos saberes para o desenvolvimento humana: inflexões
multirreferenciais em currículo. NOESIS: Revista do Núcleo de Currículo, Comunicação e Cultura, Salva-
dor, v. 1, n. 1. p.29-47, 2000.
MACHADO, Nilson José. Educação: projetos e valores. São Paulo, SP: Escrituras, 2000.
MAFFESOLI, Michel. A sociologia como conhecimento da socialidade. In: BARBOSA, Joaquim (Org.).
Multirreferencialidade nas ciências e na educação. São Carlos: EdUFSCar, 1998. p. 98-105.
MARQUES, Mário Osório. A escola no computador: linguagens rearticuladas, educação outra. Ijuí:
UNIJUÍ, 1999.
_____. Conhecimento e modernidade em reconstrução. Ijuí: UNIJUÍ, 1993.
MCLAREN, Peter; GIROUX. A. Henry. Por uma pedagogia crítica da representação. In: MOREIRA,
Antonio Flávio; SILVA, Tomaz Tadeu da (orgs). Territórios contestados: o currículo e as novos mapas
políticos e culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
MOREIRA, Antonio Flávio; SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo, Cultura e Sociedade. São Paulo, SP:
Cortez, 1995.
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 3. ed. Rio de Janeiro, RJ: Bertrand, 1999.
_____. A cabeça bem feita: repensar e reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro, RJ: Bertrand, 2000.
_____. Da necessidade de um pensamento complexo. In: MACHADO, Juremir (Org.). Para navegar no
século XXI. Porto Alegre: Sulina, 1999.
SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1998.
SANTOS, Boaventura de Sousa Santos. Um discurso sobre as ciências. Porto: Afrantamento, 1997.
SERPA, Luiz Felipe Perret. O paradigma da virtualidade. In: LUBISCO, Nédia M. L.; BRANDÃO, Lídia M. B.
(Orgs.). Informação & Informática. Salvador: EDUFBA, 2000.
SILVA, Marco. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro, RJ: Quartet, 2000.
SILVA, Tomaz Tadeu da. O currículo como fetiche: a poética e a política do texto curricular. Belo Horizonte:
Autêntica, 1999.
_____. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica,
1999.
Recebido em 31.07.02
Aprovado em 16.03.03
430 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 417-430, jul./dez., 2004
Alfredo Eurico Rodrigues Matta
RESUMO
ABSTRACT
*
Doutor em Educação pela UFBA/FACED. Professor de Educação a Distância do Mestrado em Educação e
Contemporaneidade, da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, e do Departamento de História da Universidade
Católica do Salvador – UCSal. Endereço para correspondência: Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Mestrado
em Educação e Contemporaneidade, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula, 41150-000 SALVADOR/BA. E-mail:
alfredo@matta.pro.br.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 431-439, jul./dez., 2004 431
Tecnologias para a colaboração
432 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 431-439, jul./dez., 2004
Alfredo Eurico Rodrigues Matta
espécie sobre tais novidades, e muito menos Vivemos em um período de modas intelec-
evidência de alteração na vida concreta da so- tuais retratadas na sucessão de autores e livros
ciedade em nossa volta. do momento e, para entrar nesse fashion inte-
As relações sociais capitalistas são todas as lectual, alguém inventa um termo benquisto,
mesmas velhas conhecidas e continuam total- justifica com elucubrações que não refletem ne-
mente hegemônicas, o que não justificaria ne- nhuma realidade concreta, para então entrar na
nhuma afirmação pós-moderna do tipo referido graça da indústria editorial, sempre preocupada
acima, exceto como marketing ou sonho. En- em propagar aquilo que interessa à hegemonia
quanto a extrema exploração e o imperialismo de classes. A realização de edições voltadas
continuam vigorando mais fortes do que nunca, para a divulgação de tais idéias cria rapidamente
crescentes mesmo, parte dos estudos sobre o clima do “novo”, da “nova tendência”. Divul-
essas tecnologias caminha fingindo que tudo no gam a idéia e todos começam a repetir a mesma
mundo mudou. Sabemos, porém, que tecnologia coisa, mesmo que não haja nenhuma evidência
em si nada muda. ou discussão aprofundada. Depois de um tempo,
Quantas vezes, somos testemunhas de sujei- aquele autor passa, a moda passa, mas logo é
tos que tomam para si representarem o avanço posto outro no lugar. O conhecimento sobre a
tecnológico e estarem a serviço de alguma ini- aplicação das tecnologias da informação está
ciativa futurista e de até pregarem que são um muito influenciado por este processo tão histori-
exemplo daquilo que será o padrão daqui a 10 camente atual quanto a própria tecnologia.
anos. O pior é que, há uns 20 anos, estamos Esse tipo de argumentação parece se ali-
escutando isso e muitas dessas visões messiâni- mentar de dúvidas. Argumenta-se que está tudo
cas das tecnologias, que prometiam futuro e em construção, tudo por fazer e, com isso, está-
sucesso, já desapareceram; a última a entrar se criando espaço para que qualquer discussão
em baixa foi o e-learning mecanicista e as ou opinião ganhe capacidade de influenciar
enciclopédias multimídia. Aí se diz que as mu- decisões e pesquisas, sem o necessário exame
danças são tão rápidas que o que vale hoje não rigoroso de suas proposições. O pior é que
valerá daqui a 2 anos e isso serve para movi- passam uma falsa impressão de que o mundo
mentar mais o mercado de sistemas e a chama- está mudando, de que o melhor está por vir, que
da Nova Economia. As tecnologias parecem está chegando uma nova “ciber-época” de es-
hoje substituir a perspectiva de terra prometida plendor, o que significa dar um caráter quase
ou de julgamento final, que antes serviam para religioso, certamente messiânico, às novas tec-
reduzir o efeito das contradições sociais. nologias e ao futuro da sociedade, pleno de novas
Mas o pior é quando a pós-modernidade características e novos paradigmas possibili-
messiânica resolve atacar aquele professor que tados pelo surgimento das novidades tecnoló-
há 20 anos tem alfabetizado e educado con- gicas.
cretamente milhares de pessoas em um município Essa espécie de “oba-oba” tecnológico, mui-
do interior. Aí chega o especialista em novas tas vezes, não é detida nem mesmo pela consta-
tecnologias e diz que ele é pré-histórico, que sua tação da existência dos “flanelinhas”, não só
aula não mudou nada desde 1814, ou desde 3000 em Salvador ou São Paulo, mas no centro de
a.C., e que seu conhecimento prático não presta. Nova York, Montreal ou Londres. Parece claro
Na maioria das vezes, o crítico tecnológico nunca que, se as relações sociais não mudaram, a
alfabetizou ninguém nem entende nada da introdução das tecnologias não pode ser avaliada
educação da comunidade na qual o professor como determinante de um novo quadro de orga-
está presente. Quando a pregação tecnológica nização social, que justifique chamar a socie-
atinge tal proporção, passa mesmo a ser danosa dade de nova nisso ou naquilo. Se as relações
e a contribuir para deslegitimizar comunidades e sociais não mudaram, se as relações de poder
relações entre sujeitos concretos, o que contribui e as de consumo não mudaram, se a práxis
para o processo de alienação capitalista. cultural não mudou, mesmo que tenhamos
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 431-439, jul./dez., 2004 433
Tecnologias para a colaboração
mudado alguns hábitos, estes estão apenas formática e as tecnologias da informação são
ocupando estruturalmente o lugar dos velhos respostas claras da práxis humana para essa
hábitos – onde está então a novíssima sociedade demanda por colaboração e interação entre os
e seus novíssimos paradigmas? diversos atores individuais, sejam empresas,
Muitos estudos bastante conhecidos, advin- ONGs, setor público, ou simples sujeitos singu-
dos de tradições pós-modernas e pós-estrutura- lares. A anterior propensão do sistema produtivo
listas, do chamado culturalismo, podem ser por investir em mais produtividade individual,
analisados a partir destes argumentos (MORIN, para alimentar a disputa entre concorrentes, aos
1996; GERTZ, 1978; CANTON, 2001; NE- poucos tem dado lugar à propensão ao inves-
GROPONTE, 2001; LEVY, 1997; PARENTE, timento em otimização. Investir em otimização
1996). é pensar no contexto, na complexidade de todas
Não se trata de criticar as tecnologias nem as relações envolvidas em um processo. Dessa
sua expansão, principalmente porque, sabendo forma, o processo social do presente passou a
da elevada produtividade e de sua penetração estimular maior cooperação e colaboração, em
em todas as atividades humanas, nem se cogita detrimento da competição, como elemento
em não aceitá-las. Desejamos oferecer um ou- reprodutor de suas relações de existência. A
tro caminho explicativo, menos voltado à visão informática e os computadores são artefatos que
tecnicista ou individualista, que vê no advento surgiram a partir dessas necessidades e, por-
da tecnologia por si só a novidade social, para tanto, respondem a uma dada tecnologia para
trilhar alternativamente leituras focalizadas na a colaboração. Vista assim, a informatização
característica colaborativa e de intensa intera- da sociedade pode ser interpretada como uma
tividade social das redes de computadores e demanda por abordagens menos individualistas
tecnologias da informação. Parece mais adequa- e voltadas para maior e crescente esforço por
do caracterizá-las como tecnologias para a colaboração.
colaboração, já que, desde os anos 40 do século Mas, para chegar ao exame do potencial de
XX, elas têm respondido à demanda por otimi- transformação social concreta das chamadas
zação, eficácia e maior integração das relações Tecnologias da Informação, é necessário an-
humanas, contribuído para a construção da tes depurar os conceitos vigentes sobre as mes-
práxis e do conhecimento coletivizados. Há um mas, que já se tornaram uma espécie de senso
potencial de transformação social e da prática comum e que escamoteiam possibilidades dialé-
humana no relacionamento colaborativo e pleno ticas de interpretação. Aí chegamos ao nosso
de interatividade, possibilitado às comunidades segundo ponto de discussão sobre como tem
humanas pelas tecnologias da informação. Mas sido discutido o significado dos textos, das fontes
esse potencial se realiza a partir do diálogo de interpretação e sobre como se pode inter-
concreto entre as necessidades dos sujeitos e pretar a comunicação e a interação entre os su-
das coletividades e a capacidade das tecnologias jeitos realizada a partir dos meios de comunicação.
de atender a essas necessidades. Os estudos Preocupam-nos, por exemplo, as posturas
que investigam os casos de sucesso desse tipo pós-estruturalistas que pressupõem uma neu-
de interação têm oferecido progressos científi- tralidade disfarçada do cientista e uma “des-
cos concretos capazes de sobreviver à tempo- conexão” da localidade com o contexto global,
ralidade dos modismos intelectuais. isso em plena expansão da mundialização das
Nas últimas décadas, ficou cada vez mais relações sociais. Ao analisar o discurso de forma
evidente a dificuldade e até a falência das inicia- individualizada e sem possibilidade outra que não
tivas tradicionalmente individualistas e não cola- a da coerência interna do argumento, dissocia-
borativas do capitalismo competitivo tradicional. se o sujeito de sua ação. Dissocia-se também a
De fato, cada vez maior número de estudiosos práxis do sujeito daquela práxis coletiva, na qual
identifica os limites e a insustentabilidade do sempre estão situadas as práxis singulares
sistema capitalista (MEZSAROS, 2002). A in- individuais, do significado do texto, que mesmo
434 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 431-439, jul./dez., 2004
Alfredo Eurico Rodrigues Matta
referente a uma autoria individual, por convi- sua formação social e a participação de todas
vência e interação desse indivíduo com seu meio, as interações de sua experiência em sua vida,
pertence sempre ao coletivo mais amplo do qual parece ser o ponto mais importante a ser criti-
o autor participa. A análise de discurso pós- cado dentre todos os argumentos pós-estrutura-
estruturalista não permite assumir cada fonte listas e pós-modernos, que acabam embasando
como produto de realidades mais abrangentes a interpretação das novas tecnologias mais
que o micro e a localidade. Vem daí certo “lo- conhecidas, realizada por essas correntes.
calismo”. A análise de discurso e de suas coe- A idéia de separar o pré-concebido, o con-
rências internas transfere para o formato e a texto, supõe o texto como representação social
lógica formal do processo discursivo, para a do individuo que o gerou, representação indivi-
organização e interlocução simbólica e para a dualizada, e a conseqüente idéia de que o co-
tecnologia de comunicação, o papel de deter- letivo só pode ser realizado por igualdades
minação das interações e do processo histórico. identitárias criadas e traduzidas em mensagens,
O texto e a vida são, então, vistos como uma códigos e decodificações, reduzindo a vasta
criação de espaços identitários sem nenhuma complexidade da experiência humana a pro-
perspectiva dialética ou concreta, que esteja fora cessos de ação comunicativa e à decodificação
dos simbolismos e do relativismo da subjetivi- simbólica. O homem reduzido à condição de
dade introjetada de cada um, expressa na ordem código, nem sei se a pouco mais que um soft-
das idéias do discurso desvinculado à práxis da ware. O texto, isolado do contexto, seria capaz
existência. Essa visão, bem calcada nos estudos de revelar, no seu interior, no intertexto, as
e sugestões metodológicas de Foucault (1972) coerências internas do discurso dos indivíduos
e Derrida (1973), está situada em posição total- que “criam, inventam” olhares e as realidades,
mente oposta ao sócio-construtivismo necessa- independentemente da práxis de suas vidas e
riamente contextualizado, que trabalha com inte- das relações concretas, cheias de contradições
ração, com mediação, com zona proximal de e lutas de interesses, inclusive de classes, que,
aprendizagem, e com construção social do co- caso fossem consideradas, detonariam a pers-
nhecimento, que podem ser lastro para a com- pectiva pós-estruturalista toda, inviabilizando-a.
preensão dialética do emergir das tecnologias Aceitar a práxis para além de reduzi-la ao dis-
da informação. curso revelaria que todo significado é social-
A situação é pior, ao constatarmos que, nas mente construído e, portanto, impossível de ser
últimas décadas, esses estudos das contradições individualizado no texto.
do processo de construção do significado, tão Esta questão nos põe diante da contradição
bem estudado pelo sócio-construtivismo dialético entre idealismo e materialismo como aborda-
de Liev Vigotsky, foram absorvidos por certas gens úteis para a interpretação da própria exis-
tendências da ciência norte-americana, que tência e das suas evidencias históricas, assim
descaracterizaram algumas perspectivas funda- como para interpretar e compreender as tecnolo-
mentais dos estudos vigotskianos, distorcendo- gias da informação. É a visão das fontes, como
os, para que pudessem ser utilizados em parceria sendo discurso ou unicamente organização sim-
com a pós-modernidade pós-estruturalista bólica subjetiva de coerência individual, que abre
(FRAWLEY, 2000). espaço para que se considere o mundo mudando
A idéia de separar o contexto social, o exame e a história sendo determinada pelas chamadas
das pré-condições e articulações sociais pre- ações comunicativas e pela evolução de novís-
sentes nos textos, vistos como representação simas tecnologias inventadas pelo imaginário
social exclusiva da subjetividade de um autor privilegiado humano, ou de alguns homens donos
individual, a idéia de “des-historicizar” o autor do futuro e da globalização. Esses donos do
do discurso e da oralidade de sua práxis coletiva futuro, da história, do que será daqui a 15 anos,
e de seu processo de reprodução metabólico, são então capazes de dizer o que os outros
como sujeito parte do coletivo, desconsiderando devem aprender e fazer, chamando essa atitude
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 431-439, jul./dez., 2004 435
Tecnologias para a colaboração
“inclusão” social, ou “digital”. Essas atitudes, arbitrariamente escolhidos, sem práxis ou con-
por terem origem “no futuro”, não encontrariam cretude, e por ele generalizados para toda a
restrição, nem aguardariam observação ou vali- humanidade e para toda a história..
dação em experiências concretas. A questão está relacionada ao discurso da
Um terceiro ponto de análise trata das tecno- verdade que, por sua vez, se relaciona com a
logias da escrita e de uma proposta de expli- práxis social ou cultural hegemônica em uma
cação historiográfica materialista para o surgi- sociedade. Toda verdade só o é na práxis.
mento da tecnologia associada a ela. A cons- Então vejamos: a verdade oral, aquela imediata
trução histórica da tecnologia da escrita retirou e que media a práxis do cotidiano mesmo,
dos sujeitos comuns, da maioria da população respondia bem à necessidade social de caracte-
de uma dada sociedade e de sua práxis de rísticas que precisam ter suas verdades cole-
participação no cotidiano, a capacidade imediata tivas resolvidas em cada caso, em cada momen-
de articular construções coletivas existenciais, to e sem uma hegemonia contínua de alguém
a partir da escrita, sempre dirigidas, ao menos ou algum subgrupo sobre os outros. O oral é
em parte, pela verdade registrada. A hegemonia suficiente para muitos casos, como, por exem-
de uma parte, sempre menos numerosa, da plo, para a prática de um jogo de futebol ou
sociedade sobre outra é facilitada por quem para a realização de uma caçada. Cada dia uma
“congela” a práxis “certa” e socialmente aceita nova caçada, um novo jogo, um novo desafio
como verdade genérica e aplicável a muitas com características singulares, o que equivale
situações, independentemente do contexto, o que à construção de uma nova verdade resolvida e
cria uma supremacia do “registro” sobre a prá- negociada no coletivo ali, no calor do próprio
tica e a necessidade imediata dos sujeitos. A evento cotidiano. Essa foi a única forma de
escrita não é uma simples “invenção” ou des- construção da comunicação e da verdade por
coberta tecnológica do gênio subjetivo humano. pelo menos 150.000 ou 100.000 anos de hu-
Não é uma representação linear e seqüencial manidade (LEROI-GOURHAN, 1981; TIME-
da realidade nem implica em que a sociedade, LIFE (eds.), 1996). A escrita só foi inventada
a partir dela, pensa e faz tudo linearmente ou há uns 10.000 anos e em várias partes diferentes
seqüencialmente, reduzindo sua flexibilidade. do globo. Se a ciência sabe que o ser humano
Tudo isso são interpretações apressadas da pós- não mudou há 150.000 anos, que é o mesmo
modernidade e do pós-estruturalismo. Ela é uma Homo Sapiens, que teria levado a escrita a
construção social de uma coletividade que pre- demorar tanto tempo para ser criada? O método
cisou daquele tipo de tecnologia em um momento científico não existia então, ou seja, não existiam
histórico. Esta perspectiva de análise é de fato projetos científicos e busca por soluções a
uma possibilidade de explicação histórica para problemas de forma sistematizada. Isso quer
a emergência da escrita muito mais próxima das dizer que, na hora da necessidade, é que eram
posições teóricas de Vigotsky (2001), Freire construídas as novidades e soluções, e assim é
(1980) ou Gramsci (1991) ou de Raymond provável que tenha sido com a escrita; ela pro-
Williams (apud HIGGINS, 1999) ou Bakhtin vavelmente foi criada quase que imediatamente
(2004), ou de Marx (1999; 2002), do que a à emergência de demanda social por uma
perspectiva defendida por Lévy, Habermas e tecnologia do registro. Não por método comple-
outros de tendência pós-estruturalista, ou próxi- xo, nem por “genialidade individual”, mas por
ma a ela. De fato, essa abordagem está em uma necessidade coletiva. É importante então
oposição à explicação de Lévy sobre a questão tentarmos perceber essa necessidade.
da linearidade da escrita do texto impresso de Na medida em que as populações humanas
Gutenberg e do advento da hipermídia. Também se adensavam pelo planeta, cada vez mais vito-
se opõe à sua visão sobre espaços antropológi- riosas sobre as pressões da natureza e da con-
cos, perspectiva na qual Levy fragmenta a exis- corrência com outros animais, dentre 30.000 e
tência em quatro espaços de convivência, 5.000 anos atrás; na medida em que suas
436 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 431-439, jul./dez., 2004
Alfredo Eurico Rodrigues Matta
sociedades pré-históricas, que chamaremos eco- Ela foi capaz de “congelar”, fixar ou registrar a
interativas, pois que se reproduziam sociometa- verdade hegemônica, aquela que prevalecia em
bolicamente em interação ecológica e atitude práxis e que necessitava ser repetida com igual
coletiva e colaborativa ao contexto ambiental que eficiência no dia seguinte. As soluções nego-
habitavam, se multiplicavam e conquistavam mais ciadas para cada evento, para cada caso não
espaço físico ambiental para a humanidade em tinham a mesma eficiência. A verdade registrada
detrimento de outras espécies vivas, passaram a necessitava ser repetida, para que se mantivesse
contar com menos condições de sobrevivência e não só a hegemonia da então recente primeira
cada vez menos recursos. Pior, passaram a con- classe dominante, como também para repro-
correr seriamente com outros seres humanos e duzir a sociedade bem sucedida em seu controle
grupos de característica similar, concorrência bem da natureza e na eficiência reprodutiva socio-
mais séria que a oferecida por outras espécies metabólica, para que ela continuasse bem suce-
de animais. As sociedades eco-interativas foram- dida no dia seguinte, expandindo-se em detri-
se tornando insuficientes, ineficientes, para a mento de outras menos capazes.
sustentação da reprodução sociometabólica, A escrita foi solução para que fossem consti-
necessária a todos os grupos e sujeitos que viviam tuídos traços permanentes, verdades social-
segundo aquela práxis. mente aceitáveis e repetíveis. Mitos, justifica-
Isso resultou na necessidade desses sujeitos tivas, legitimações, processos técnicos bem su-
e grupos atuarem no sentido de construir siste- cedidos passavam então a ser reproduzidos. Os
mas de sujeição do ambiente para que se pu- registros, porém, não mediam a ação por si
desse extrair mais energia deste, em benefício somente, exceto quando de novo transformados
de suas comunidades cada vez maiores e com na práxis do cotidiano pela classe dominante
mais demandas. Formas menos eco-interativas senhorial emergente, que traduzia a verdade
começaram a aparecer, com cada vez maior ca- escrita para o formato de ação coletiva. A ver-
pacidade de extrair energia do sistema ambiental, dade agora tendia a ser a de uns sobre a de
para que pudessem ser capazes de reproduzir outros, necessitando ser reproduzida continua-
sociedades cada vez maiores e mais complexas, mente e não mais em cada caso ou necessidade
capazes de concorrer com outras sociedades específica. Era necessário repetir a melhor ca-
rivais. çada, aquela forma de plantar, a maneira exata
O surgimento dessa relação desequilibrada de chegar a um dado recurso, ou se o perderia
com a natureza fez emergir a hegemonia de para um grupo concorrente. A escrita era, então,
alguns que conseguiam organizar a maioria em uma tecnologia vantajosa.
esforços coletivos cada vez mais complexos e Não é difícil perceber que a tecnologia social
eficientes, mais especializados e mais fortes que da escrita é efetivada em dois estágios subse-
os esforços das comunidades de eco-interação, qüentes. No primeiro estágio, o senhorial, pode-
como sistema de práxis social e poder. Isso se identificar a escrita legitimando o poder e o
gerou condição para o surgimento de sociedades processo social. As técnicas são mitificadas, per-
mais complexas, que sobreviviam e se reprodu- tencem à religião, às tradições, aos ritos que
ziam como dominantes, reprimindo e reduzindo todos devem seguir. O segundo estágio é bur-
o espaço de outras formas de interação social guês. A verdade continua escrita, mas é cientí-
e organização humana. Esse processo é mais fica, mecanicista e determinista, e todos devem
ou menos notável entre 30.000 e 5.000 anos segui-la devido à força da demonstração. A
em várias partes do planeta ao mesmo tempo. burguesia fabrica então sua verdade neutra e
Trata-se de uma transformação social conduzida devidamente escrita, objetivando os contextos
pela interação dialética entre ação humana e e as condições e retirando da natureza a condi-
condicionamento ambiental, interação esta reali- ção dialética de diálogo e mútua realização entre
zada pela existência em contexto sócio-ambien- as condições ambientais e a subjetividade e a
tal. A escrita era necessária naquela situação. existência humana. A natureza e as condições
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 431-439, jul./dez., 2004 437
Tecnologias para a colaboração
são tratadas como objeto frio e passivo e, não tas ou hiperescritas, ou teremos que conviver com
mais, como parceira e conjunto condicionante/ a alienação e o fetiche registrado em favor de
condicionado da existência. alguma versão parcial das verdades, conveniente
Então, o que “congela”, o que é linear, o que apenas a uma parte do conjunto da coletividade,
é determinista e mecanicista é a necessidade a classe dominante. Não há nada de estruturante
da classe hegemônica no poder de impor sua em modalidades de comunicação e nem elas têm
verdade, que não é cotidiana, nem relativa à relação exclusiva com o processo de significação
práxis do dia-a-dia. São verdades que serão da construção coletiva, cuja práxis é muito mais
reproduzidas pelos atos e atividades regidos pela complexa do que poderia ser interpretada quando
leitura e decodificação de registros, que virão reduzida apenas ao discurso e ao simbólico. Visto
repletas de fetiches e falsos determinismos, ca- assim, tanto a oralidade, como a escrita, ou a
pazes de reproduzir, ao lado das formas coletivas hiper-escrita, são dinâmicas não lineares e com-
sociometabólicas necessárias à comunidade, as plexas, integradas à dialética da vida, caso este-
relações de exploração e controle social dese- jam em diálogo com a práxis de uma comunidade
jadas pela ordem e classe dominantes. em processo existencial plenamente colaborativo.
De nada adiantam as interpretações idealis- Estão assim em cheque, e demandando resposta,
tas e subjetivistas sobre a emergência das tecno- as argumentações pós-estruturalistas.
logias e sobre as novidades dos hipertextos e
possibilidades de leituras e escritas não lineares,
se essa relação de poder e de validação de Conclusão
verdades não for superada, e ela não pode ser
superada tecnicamente, ou seja, devido a inten- Nas últimas décadas, temos assistido à emer-
ções e implementações técnicas. Transforma- gência esmagadora de perspectivas pós-estru-
ções que implementem alternativas de relações turalistas, que aos poucos se fizeram pós-mo-
mais colaborativas e que caminhem para a cons- dernas, de explicação sobre a sociedade huma-
trução de uma alternativa de sociedade mais justa na e, em particular, sobre o fenômeno da emer-
só podem ser implementadas em práxis social e gência das tecnologias da informática e comuni-
em vida cotidiana. Portanto, enquanto a vida cação. Este crescimento criou uma explicação
cotidiana ou a experiência de uma coletividade que, embora defenda a diversidade, o faz apenas
for dominada pela práxis burguesa, todo texto ou enquanto seja parte do imaginário e do simbólico,
hipertexto será linear e determinista, não devido desestimulando leituras alternativas da realidade
a características técnicas implícitas, mas devido e da práxis concreta, reduzida à ação discursiva.
à necessidade da práxis sociometabólica por Isso acabou por criar uma explicação monolítica
reproduzir verdades pertencentes a alguma e endógena sobre o assunto, dificultando que
hegemonia de classe. Todos acabarão seguindo os movimentos sociais tomem posse e argumen-
os registros de verdade morta da classe hege- tem sobre a questão, para assim poderem contar
mônica, no caso a burguesia, que ressuscitará com estudos sobre as tecnologias que sejam
cada vez que sua práxis for aplicada e, junto dela, úteis a suas demandas.
as relações de domínio e controle que as Aos poucos, parece que esta situação está
constituem. se tornando evidente, e isso tem provocado, no
A linearidade ou não de um argumento não Brasil, mas também no ambiente internacional,
está caracterizada pela tecnologia de sua ex- uma reação e a possibilidade de buscar explicar
pressão, pelo fato desta expressão ser oral, escrita o problema sob outras perspectivas teóricas,
ou hiperescrita, mas sim pela presença ou não dentre as quais vem-se destacando a abordagem
das relações de classe e de hegemonia e explo- dialética aplicada à necessidade da construção
ração entre classes. A depender dessa relação de uma sociedade socialista sustentável.
de classes, teremos versões comunitárias e cola- Uma elemento que parece não dar mais para
borativas das verdades sociais, sejam elas escri- desconsiderar é que se tornou cada vez mais
438 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 431-439, jul./dez., 2004
Alfredo Eurico Rodrigues Matta
evidente ser impossível discutir seriamente a social, sem considerar seu processo de constru-
questão das tecnologias da informação e da ção histórica e sua presença estratégica com
comunicação, sua emergência e grande alcance relação à luta de classes.
REFERÊNCIAS
Recebido em 25.07.04
Aprovado em 29.10.04
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 431-439, jul./dez., 2004 439
José dos Santos Souza
RESUMO
As análises sobre a política de educação profissional, freqüentemente, partem
da mera descrição empírica das mudanças recentes no mundo do trabalho. Isto
implica na ausência de crítica a tal política, cuja orientação tem se pautado na
lógica mercadológica de garantia de empregabilidade. A partir de revisão de
literatura, este artigo sistematiza elementos teóricos capazes de oferecer uma
visão para além do pragmatismo corrente. Fruto da revisão de literatura que
fundamenta o quadro teórico-metodológico do projeto de pesquisa intitulado
“Diagnóstico da Política de Formação Profissional em Vitória da Conquista”, o
artigo compreende as mudanças recentes na política de educação profissional
como decorrência do avanço da base científica e tecnológica do trabalho e da
vida urbano-industrial inerente ao desenvolvimento do capital. Diante da crise de
acumulação desencadeada desde 1970, a burguesia tem sido obrigada a redefinir
sua ação política, passando a utilizar-se de estratégias inusitadas em busca do
consentimento ativo das massas em detrimento do uso da coerção; ao mesmo
tempo tem sido obrigada a intensificar o uso da ciência e da tecnologia e implantar
estratégias de flexibilização do trabalho para aumentar a produtividade. A análise
da política de educação profissional se insere nesse contexto.
Palavras-Chave: Reestruturação Produtiva – Trabalho – Qualificação –
Ciência e Tecnologia – Formação Profissional
ABSTRACT
WORK, QUALIFICATION SCIENCE AND TECHNOLOGY IN THE
CONTEMPORARY WORLD: a theoretical framework for an analysis
of the politics of professional education
Analysis about politics of professional education is frequently limited to a simple
empirical description of the recent change in the world of work. It implies the
absence of any critical stance of this kind of politics, which orientations have
been based upon the market logic of workability. Starting from a revision of the
*
Doutor em Sociologia pela UNICAMP, professor de política educacional do Departamento de Filosofia e Ciências
Humanas da UESB e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre Trabalho Política e Sociedade (NETPS)
desta universidade; é autor do livro “Trabalho, Educação e Sindicalismo no Brasil”, e co-autor do livro “Educação e
Política no Limiar do Século XXI”, ambos da Editora Autores Associados. Endereço para correspondência: UNIVER-
SIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA. Departamento de Filosofia e Ciências Humanas – DFCH.
Estrada do Bem Querer, Km 04 - Cx. Postal 95 – 45083-900 Vitória da Conquista/BA. E-mail: jsantos@uesb.br
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 441-454, jul./dez., 2004 441
Trabalho, qualificação, ciência e tecnologia no mundo contemporâneo: fundamentos teóricos para uma análise da política de...
442 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 441-454, jul./dez., 2004
José dos Santos Souza
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 441-454, jul./dez., 2004 443
Trabalho, qualificação, ciência e tecnologia no mundo contemporâneo: fundamentos teóricos para uma análise da política de...
444 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 441-454, jul./dez., 2004
José dos Santos Souza
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 441-454, jul./dez., 2004 445
Trabalho, qualificação, ciência e tecnologia no mundo contemporâneo: fundamentos teóricos para uma análise da política de...
teórica solidária” (DIAS, 1996, p. 48)5. O obje- governados, mediatizada pelos intelectuais, se
tivo central dessa ofensiva do capital no mundo estabelece graças a uma ação orgânica, possi-
do trabalho e da produção, bem como dessa bilitada pela hegemonia, propiciando a troca de
reconfiguração de seus mecanismos de manu- elementos individuais entre governantes e go-
tenção da hegemonia, é a desregulamentação vernados, entre dirigentes e dirigidos, consoli-
das relações de produção, a flexibilização do dando-se assim o sentimento de unidade entre
contrato de trabalho, a privatização das políticas intelectuais e massa, entre filosofia e senso
sociais e a exaltação da lei do mercado como comum, de onde emana a vida do conjunto
instrumento regulador da sociedade. E isso se (GRAMSCI, 1999; 2000; PORTELLI, 1997).
expressa no âmbito do Estado da seguinte forma: Como não poderia deixar de ser, a resposta
Mais do que um Estado como articulação parti- atual do capital à sua crise estrutural mantém-
cular das classes em luta, com seu aparelho se na superfície do problema, agindo na sua
institucional próprio e capacidade real de sobe- dimensão fenomênica, sem atingir os pilares es-
rania, ele se transforma, mais e mais, em simples senciais do seu modo de produção. Sua preocu-
esferas de influência de um capital que se inter- pação central é reestruturar o regime de acumu-
nacionalizou. Este capital não (re)conhece mais lação taylorista-fordista em busca de condições
as fronteiras nacionais. Pelo contrário, conse- de flexibilidade do trabalho e da produção, bem
gue, graças à articulação dos seus intelectuais
(no fundamental, no interior do sistema finan-
como romper com o modo de regulação social
ceiro internacional), seus práticos e dirigentes, próprio do Estado de Bem-Estar Social e rede-
criar em todos os países um mesmo terreno de finir o papel do Estado, especialmente no que
absoluta liberdade institucional. Este capital in- concerne a questões sociais, enxugando a apare-
ternacionalizado constrói e destrói políticas eco- lhagem estatal, com vistas no controle do déficit
nômicas, sociais, de emprego, enfim, exerce sua público, uma marca registrada do esgotamento
cidadania sem limitações. Por isso é necessário desse modelo de regulação social (ANDER-
que a reforma política do Estado se faça em to-
SON, 1995). Assim, o capital procura implantar
dos os países (abstração jurídico-política) e em
todas as partes. A destruição dos limites é sua
um novo industrialismo,6 isto é, uma forma reno-
condição máxima de existência. (DIAS, 1996,
p. 50).
5
O Termo “Solidário” parece ser a palavra-chave para acio-
Ainda a título de apreensões oferecidas pelo nar os sentimentos de cooperação mútua de todos os segmen-
tos sociais para a solução dos problemas gerados pela crise do
processo histórico do desenvolvimento do capi- capital, embora com a mínima ajuda do Estado. Traz consigo
tal, é possível observar que os períodos de crise uma ideologia que se opõe à do Estado provedor e sugere uma
outra, de Estado parceiro dos segmentos sociais que, sob a
e, em decorrência, os períodos cada vez mais aura da solidariedade, funciona como dinamizador das inicia-
tênues de estabilidade do capital são fenômenos tivas individuais para a solução dos problemas sociais. Assim,
que se expressam no cotidiano social em forma o termo “solidário” funciona como um chamado para que
cada um faça a sua parte, um convite à cultura do individua-
de um conjunto complexo de mudanças per- lismo, uma porta para um novo tipo de corporativismo.
manentes no seu processo de desenvolvimento, 6
Utilizamo-nos do termo “industrialismo” para fazer refe-
rência à unidade contraditória e discordante constituída, de
que abrange, desde as forças produtivas e as um lado, pelas ações e formulações decorrentes da inserção
relações de produção, até as relações de poder, de ciência e tecnologia nos processos de produção, da im-
passando pelo imaginário social, a cultura, a arte, plantação de novos modelos de gestão da força de trabalho,
de surgimento de novos requisitos de formação e qualifica-
a religião etc. A amplitude multidimensional desse ção profissional, de flexibilização do trabalho e das relações
processo de recomposição do capital constitui, de produção; de outro, pela reconfiguração dos mecanismos
de mediação do conflito de classe, pela complexificação das
em determinados momentos históricos, uma uni- relações de poder, pela renovação da idéia das leis de merca-
dade contraditória e discordante entre o econô- do enquanto reguladoras da vida em sociedade, pelo culto ao
individualismo, pela ofensiva ao modelo de Estado de Bem-
mico e o político, entre a natureza e o espírito, Estar Social, minimização do papel do Estado na gestão das
unidade dos contrários e dos distintos. A isto, políticas sociais, redefinição da relação entre Estado e soci-
edade civil. Compreendemos “Industrialismo” enquanto um
Gramsci chamou de bloco histórico, ou seja, equilíbrio entre as esferas estrutural e superestrutural da so-
estágio em que a relação entre governantes e ciedade que conforma um tipo determinado de metabolismo
446 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 441-454, jul./dez., 2004
José dos Santos Souza
vada de metabolismo social, numa luta visceral mudanças significativas nas áreas social, política,
de recomposição de suas bases de acumulação, econômica e cultural, seus princípios fundamen-
utilizando-se de novos e velhos mecanismos de tais, pelo menos em sua essência, não se altera-
gestão do trabalho e da produção, combinando ram: a apropriação privada da produção social, a
sua vocação antidemocrática com inusitadas extração de mais-valia, a alienação do trabalho
estratégias de socialização da política, dando etc. Tantas mudanças, como se pode notar,
corpo a um novo tipo de metabolismo social capaz ocorrem apenas na dinâmica da acumulação de
de dar sustentabilidade a uma nova configuração capital, mas a essência da ordem social capitalista
do bloco histórico. permanece inalterada ou, talvez, radicalizada.
Em suma, poderíamos afirmar que o conjunto No bojo desse processo de mudanças pro-
de transformações vivenciadas desde os anos fundas vivenciadas desde o início dos anos 70,
70 significa a materialização da crise de um é possível verificar um maior estreitamento entre
modelo de desenvolvimento do capital fundado a ciência e os processos produtivos, entre a
no regime de acumulação rígida, que possuía educação e o trabalho, de tal sorte que, inevita-
no taylorismo/fordismo seu modelo de organi- velmente, os limites da dicotomia entre trabalho
zação produtiva e, no Estado de Bem-Estar So- manual e trabalho intelectual, entre a concepção
cial, seu modelo de regulação social. O esgota- e a execução de atividades produtivas, têm
mento desse modelo de desenvolvimento funda- sofrido mudanças significativas. Tais mudanças
do no pós II Guerra Mundial, somado ao acú- se articulam com a elaboração de uma nova
mulo de inovações tecnológicas no campo da cultura organizacional suficientemente respal-
microeletrônica e da informática e ao avanço dada nas ações políticas de flexibilização das
das conquistas políticas da própria classe traba- relações de trabalho e na redefinição dos meca-
lhadora, constituíram as condições objetivas que nismos de mediação do conflito de classe.
condicionam a empreitada do capital no nível As ações do empresariado para garantir
mundial para recompor suas bases de acumu- maior flexibilização dos direitos trabalhistas e
lação e implantar novas modalidades de produ- condições renovadas de mediação do conflito
ção e de mediação do conflito capital/trabalho. de classe se dão, de forma privilegiada, no âm-
A expressão política dessa recomposição do bito do Estado7. Por meio do desmantelamento
capital se consubstancia em uma verdadeira das instituições do Estado de Bem-Estar Social,
redefinição do papel do Estado e no fomento respaldado no discurso do Estado Mínimo, a
de uma “nova” cultura cidadã fundada no indi- atual redefinição do papel do Estado articula-
vidualismo e na competitividade, regulada pela se ao desenvolvimento de novas tecnologias de
lógica mercadológica, compondo a formação de produção e à flexibilização do trabalho e da
um novo bloco histórico, um novo industrialismo, produção. No bojo desse fenômeno, surgem
um novo tipo de metabolismo do capital. novas demandas de qualificação para o trabalho
É oportuno ressaltar que, embora essa recom- e para a vida social. Um novo valor é atribuído
posição do capital mundial venha provocando à formação do trabalhador, seja no nível da
educação básica ou da educação profissional.
social que garante a reprodução da vida social. O indus- Nesse sentido, a reformulação do modelo de
trialismo é um estágio da vida em sociedade determinado desenvolvimento do capital sob a hegemonia
pelo seu patamar de desenvolvimento científico e tecnoló-
gico e pelo seu nível de complexificação das relações de neoliberal tem se materializado no campo edu-
poder na sociedade civil. No contexto do conflito de classe, cacional na forma de políticas públicas para a
o industrialismo pressupõe, em sua dimensão estrutural, as
condições objetivas e subjetivas para a sustentabilidade da adaptação dos sistemas educacionais às
acumulação de capital e, em sua dimensão superestrutural, a
efetividade dos mecanismos de mediação do conflito capi- 7
Entretanto, o conjunto de mudanças na gestão do trabalho
tal/trabalho, de modo a sustentar a hegemonia da concep- e da produção tem trazido para o âmbito da empresa capita-
ção de mundo burguesa, obtida por meio do consentimento lista inúmeros mecanismos para tornar o trabalhador um
passivo das camadas subalternas, enquanto modo de vida parceiro ativo no processo de flexibilização de direitos tra-
socialmente aceito. Ao equilíbrio destas duas dimensões é o balhistas e de renovação dos mecanismos de mediação do
que denominamos de metabolismo social. conflito de classe.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 441-454, jul./dez., 2004 447
Trabalho, qualificação, ciência e tecnologia no mundo contemporâneo: fundamentos teóricos para uma análise da política de...
448 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 441-454, jul./dez., 2004
José dos Santos Souza
desconsiderando que a principal força produtiva compreender seu significado. Pretendemos evi-
é o próprio homem, o qual se constitui como tal tar, desse modo, o risco de explicarmos as trans-
justamente quando ele põe em ação outras for- formações atuais no mundo do trabalho como
ças produtivas no contexto das relações sociais. uma revolução científica e tecnológica, em vez
A tecnologia, na realidade, “é a condensação de uma revolução no (e não do) industrialismo
das contradições classistas buscando dar-lhe como alternativa do capital para conservar suas
sentido e direção, ou seja, solução” (DIAS, 1996, bases de acumulação no século XXI.8
p. 13). Mas a ordem de reflexão economicista Isto implica também em conceber a tecnolo-
concebe a tecnologia como um elemento neutro, gia muito mais como uma materialização das
imune às contradições do processo de acumu- relações de produção do que como força pro-
lação. dutiva. Isso porque ela condensa a contradição
Em nossa análise, entretanto, partilhamos de fundamental da relação capital/trabalho: a extra-
uma compreensão do papel da ciência e da ção de mais-valia – justamente o que lhe dá
tecnologia no processo de desenvolvimento do sentido. A sua identificação como força produtiva
capital a partir das leis do valor, conforme – conforme lhe é freqüentemente atribuída, até
apontadas n’O Capital de Marx (1994). Nosso mesmo por alguns marxistas – contribui incon-
propósito é, em princípio, evitar uma leitura tal testavelmente para sua fetichização, obscure-
que atribua às mudanças no campo das forças cendo ainda mais seu papel determinante na
produtivas uma natureza própria que subordina extração de mais-valia relativa (KATZ, 1996b).
tudo e todos a uma realidade pré-determinada, Assim, o que permeia as transformações
recusando a possibilidade do homem se consti- ocorridas no mundo do trabalho e da produção,
tuir como sujeito da história. Essa leitura das desde o final do século passado, é o conflito de
mudanças atuais que pretendemos evitar é a classe (DIAS, 1996; KATZ, 1996a/b; e
forma mais perversa do positivismo, conforme COGGIOLA, 1996). E essas transformações
nos indica Dias: são, ao mesmo tempo, determinantes e deter-
O economicismo procede por reduções. O con- minadas pela correlação de forças políticas na
ceito de formação social desaparece diante do sociedade. Por isso, elas não ocorrem senão
conceito de modo de produção, que é tomado mediante a alteração do metabolismo social,
como uma abstração que tende a coincidir com o evento que significa, como já dito antes, um novo
real. O modo de produção é reduzido à esfera do tipo de conformação das camadas subalternas
“econômico”. Logo, reduz-se o conjunto das
sob renovados mecanismos de mediação do
forças produtivas às relações de produção, vis-
tas como base e motor da história. Um outro erro conflito de classe – um novo industrialismo.
dessa visão é a redução das forças produtivas à Esse novo industrialismo – o qual muitos
tecnologia. Concluído esse círculo vicioso o autores vêm denominando de regime de acu-
marxismo está devidamente reduzido a um con- mulação flexível – não é algo verdadeiramente
junto de dogmas. De redução em redução cai-se novo, já que a flexibilização é uma característica
na famosa contradição trabalho-capital, tomada, histórico-ontológica das condições de produção
universal e abstratamente. Trata-se não de uma
racionalidade classista, mas de uma abstração
capitalista, bem como também o é a inserção
vazia, com o que caímos na mais brutal metafísica: cada vez maior de ciência e tecnologia nos pro-
“as forças produtivas são a expressão da liber- cesso de trabalho e de produção. Alves (2000,
dade dos homens em relação às forças da natu- p. 23), inclusive, nos recorda os ensinamentos
reza”. Todas as demais contradições parecem de Marx ao afirmar que “um dos traços ontoló-
desaparecer em uma espécie de Triângulo das gicos do capital é a sua notável capacidade em
Bermudas. Este é um dos erros fundamentais do ‘desmanchar tudo que é sólido’, revolucionar,
esquematismo economicista. (1996, p. 13).
Procuraremos aqui, então, resgatar o sentido 8
Um debate interessante sobre a distinção entre a visão
marxista e a visão economicista desse processo pode ser
do processo recente de avanço científico e tec- consultada em: Katz, 1996a e 1996b; Coggiola, 1996; Dias,
nológico na sociedade de classes em busca de 1996.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 441-454, jul./dez., 2004 449
Trabalho, qualificação, ciência e tecnologia no mundo contemporâneo: fundamentos teóricos para uma análise da política de...
de modo constante, as condições de produção deslocada para postos, máquinas, funções e se-
e reprodução; pôr – e repor – novos patamares tores diversos, esses requisitos também favore-
de mobilidade do processo de valorização nos cem a ampla utilização das potencialidades do
seus vários aspectos”. Mas em que consiste, trabalhador, intensificando seu trabalho.
afinal, o novo patamar histórico da flexibilidade Além da flexibilização da força de trabalho
no novo industrialismo? A nova manifestação em si, o capital também implementa ações no
da categoria “flexibilidade” é uma realidade sentido de flexibilizar as formas de organização
histórica e política de novo tipo, justamente pelo do trabalho e gestão da produção. Com a preo-
seu caráter descontínuo no interior de uma con- cupação de tornar o processo de produção ver-
tinuidade plena, ou seja: sátil e integrado, capaz de dar respostas rápidas
O que torna a nova manifestação da categoria às demandas do mercado, o capital adota formas
de flexibilidade algo essencialmente novo, em flexíveis de organização do trabalho como um
termos qualitativos, é sua vinculação estrutural elemento propulsor da cadeia produtiva, inspi-
ao estágio, também recente, do desenvolvimen- rando-se no modelo japonês de produção. Com
to capitalista: a mundialização do capital. O pre- tais reformulações, além de aumentar a produ-
domínio da financeirização sob o capitalismo
tividade das empresas, aumenta também a ex-
mundial tende a incrementar a velocidade, inten-
sidade e amplitude do ser-precisamente-assim tração da mais-valia relativa e absoluta.
do capital, propiciando um salto qualitativo em Essa flexibilização acarreta uma maior capa-
seu potencial ofensivo sobre o trabalho assala- cidade de adaptação do capital às demandas do
riado, fomentando a sua “robustez ontológica”. mercado, graças à introdução da microeletrônica
O capitalismo mundial sob a dominância finan- e da informática no processo de trabalho e de
ceira, a mundialização do capital, tende a promo-
produção. Tais transformações na organização
ver a perpétua sublevação das condições de pro-
dução (e reprodução) das mercadorias. Por con- do trabalho carregam em seu bojo uma nova
seguinte, incrementa-se o poder das corpora- cultura organizacional para dar suporte ideológico
ções transnacionais, verdadeiros “agentes” do à redefinição da forma de organização e gestão
capital em geral. São elas que tendem a impulsi- da força de trabalho – a administração capitalista.
onar o novo modo de acumulação do capital – a Novos conceitos relacionados ao processo
“acumulação flexível”. (ALVES, 2000, p. 26).
produtivo, organização do trabalho e qualificação
É justamente o atual patamar de desenvolvi- do trabalhador surgem como elementos-chave
mento das forças produtivas e as conquistas da para garantir os saltos de produtividade e
classe trabalhadora o que tem demandado a competitividade perseguidos pelo capital.
flexibilização da força de trabalhado e de suas Esse processo de flexibilização do trabalho
formas de gestão. Para garantir suas condições e da produção é, na realidade, uma universali-
de acumulação, o capital passa a implementar zação do modelo japonês de produção por parte
medidas de gestão do trabalho e da produção, do capital como forma de implementar mecanis-
no sentido de proporcionar maior maleabilidade mos renovados de controle sobre o processo
aos processos produtivos, aumentar a capaci- de trabalho e de conformação psicofísica do
dade de adaptação da força de trabalho confor- trabalhador. A flexibilização toyotista incorpora,
me a necessidade, criar nela a disposição para de forma bem mais intensa, a subjetividade
ceder a mudanças de circunstâncias. Desse operária ao processo de valorização do capital
modo, o capital passa a dispor de múltiplos usos do que a rigidez do modelo fordista. Esse pro-
da capacidade de trabalho, desenvolve a multi- cesso, permeado de implicações sociais e políti-
funcionalidade ou a polivalência do trabalhador. cas, remonta à experiência de Ohno, engenheiro
Esses atributos, que antes não faziam parte das da Toyota, empresa japonesa que, nos anos de
preocupações tayloristas-fordistas, hoje, passam 50, introduziu conceitos interpretados ora como
a ser pré-requisitos indispensáveis. Além de rompimento, ora como renovação e re-
proporcionar ao capital maior mobilidade da significação do taylorismo-fordismo (FIDAL-
força de trabalho, tornando-a apta para ser GO, 2000).
450 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 441-454, jul./dez., 2004
José dos Santos Souza
Mas o toyotismo é muito mais que uma mera ta” – continua sendo incrementar a acumulação
propagação de um modelo de gestão do trabalho do capital, por meio do incremento da produtivi-
dade do trabalho, o que o vincula à lógica
e da produção. A universalização desse modelo
produtivista da grande indústria, que dominou
de produção constitui, na atualidade, o surgimento o século XX. Ele pertence, tal como taylorismo e
de uma nova lógica de produção de mercadorias, o fordismo, ao processo geral de racionalização
de novos princípios de administração da produção do trabalho (e, portanto, de sua intensificação)
capitalista, de gestão da força de trabalho, cujo instaurado pela grande indústria. Por outro lado,
valor universal é constituir uma nova hegemonia cabe a ele – o toyotismo – articular, na nova
etapa da mundialização do capital, uma opera-
do capital na produção capaz de produzir
ção de novo tipo de captura da subjetividade
condições renovadas de subsunção real do operária, uma nova forma organizacional capaz
trabalho ao capital. O toyotismo, enquanto uma de aprofundar – e dar uma nova qualidade – a
nova lógica de produção, “é um estágio superior subsunção real do trabalho ao capital inscrita na
de racionalização do trabalho, que não rompe, a nova forma material do capitalismo da Terceira
rigor, com a lógica do taylorismo-fordismo” Revolução Científica e Tecnológica. (ALVES,
2000, p. 36).
(ALVES, 2000, p. 31). Nesse sentido, seria o
que se pode denominar de “neofordismo”. É no contexto de desenvolvimento da nova
Um dos elementos distintivos do toyotismo base técnica da produção microeletrônica e de
em relação ao fordismo é o salto qualitativo que mundialização do capital que a cultura organi-
ele proporciona na captura da subjetividade zacional do toyotismo encontrará o solo fértil
operária pela lógica do capital (ALVES, 2000, adequado às necessidades técnicas do novo in-
p. 31). Os princípios (e técnicas) organizacionais dustrialismo, pois o avanço das iniciativas orga-
do toyotismo são capazes de garantir, em maior nizacionais de envolvimento do trabalhador, a
ou menor proporção, a constituição de uma nova captura da subjetividade operária, a inserção en-
subjetividade operária, capaz de promover uma gajada dos trabalhadores no processo produtivo
nova via de racionalização do trabalho. Nesse (a auto-racionalização operária) constituem os
aspecto, a experiência do toyotismo atende per- ingredientes indispensáveis para a atual recom-
feitamente às necessidades da acumulação do posição das bases de acumulação do capital.
capital no contexto do novo industrialismo, ao Talvez por isso Alves aponte a vigência da
mesmo tempo em que se ajusta à sua nova base “manipulação” do consentimento operário como
técnica da produção, sendo capaz de desen- uma característica central do toyotismo, mate-
volver suas plenas potencialidades de flexibili- rializada em um conjunto de inovações orga-
dade e de manipulação da subjetividade operária nizacionais e institucionais no mundo da produ-
(ALVES, 2000, p. 32). ção, que permitem “superar” os limites postos
A originalidade do toyotismo consiste, exata- pelo taylorismo-fordismo. É nesse sentido que
mente, na sua capacidade de articular a conti- o toyotismo, para Alves:
nuidade da racionalização do trabalho, intrínseca É um novo tipo de ofensiva do capital na produ-
ao taylorismo-fordismo, com as novas necessi- ção que reconstitui as práticas tayloristas e
dades de acumulação capitalista, superando, no fordistas na perspectiva do que poderíamos de-
sentido dialético (superar conservando), alguns nominar uma captura da subjetividade operá-
ria pela produção do capital. É uma via de racio-
aspectos predominantes da gestão da produção
nalização do trabalho que instaura uma solução
inspirada no modelo de produção massificada e diferente – que, a rigor, não deixa de ser a mes-
nas formas rígidas de trabalho. Ao mesmo tempo ma, mais que na dimensão subjetiva é outra – da
em que significa uma “ruptura” com a lógica experimentada por Taylor e Ford, para desenvol-
taylorista-fordista, o toyotismo corresponde a ver, nas novas condições do capitalismo mundi-
uma continuidade no aperfeiçoamento da forma al, um dos problemas estruturais da produção
de mercadorias: o consentimento operário (ou
de acumulação do capital.
de como romper a resistência operária à sanha
Tal como o taylorismo e fordismo, o objetivo de valorização do capital, no plano da produ-
supremo do toyotismo – ou da “produção enxu- ção). (2000, p. 38-39 – grifos do autor).
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 441-454, jul./dez., 2004 451
Trabalho, qualificação, ciência e tecnologia no mundo contemporâneo: fundamentos teóricos para uma análise da política de...
452 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 441-454, jul./dez., 2004
José dos Santos Souza
ra. Tais possibilidades se materializam nas ações rações. A primeira delas é que, diante do desen-
e formulações do Estado e do empresariado volvimento social e político do país, combinado
nacional no campo da formação/qualificação so- com as transformações tecnológicas no mundo
cial e profissional da classe trabalhadora. Diante do trabalho e da produção, a formação para o
da necessidade de formação de novas compe- trabalho passa a constituir-se não apenas em um
tências sociais e profissionais, o empresariado campo estratégico para o aumento da produ-
nacional, em parceria com o Estado, busca a tividade e competitividade da indústria nacional,
adesão dos trabalhadores na promoção e univer- mas também um campo privilegiado de disputa
salização da educação básica e das oportuni- pela hegemonia. A segunda é que a disputa po-
dades de educação profissional. Paradoxalmen- lítica travada no campo da formação/qualifica-
te, é inerente a essa política a diminuição (e ção profissional, na atualidade, possui o mérito
não sua extinção) da dicotomia entre teoria e de abrir novas possibilidades para a classe tra-
prática, trabalho e educação, ciência e vida, em- balhadora organizada construir um projeto alter-
bora ainda nos marcos estreitos impostos pela nativo ao do capital para a formação da classe
valorização do capital. Da mesma forma, para trabalhadora. E, por fim, justamente no momento
promover a universalização da educação básica em que o capital se vê obrigado a ampliar suas
e ampliação das oportunidades de formação/ contradições no campo da formação/qualifica-
qualificação profissional com a participação ati- ção profissional, o sindicalismo brasileiro – e de
va da classe trabalhadora, torna-se necessário toda a América Latina – passa por uma verda-
o alargamento dos mecanismos de controle deira recomposição diante da ofensiva neoliberal.
social sobre as decisões estatais. Em contrapartida, o empresariado nacional
Não obstante, alguns avanços têm sido con- vem apresentando maior desenvoltura na incor-
tabilizados no que tange ao tratamento dado pelo poração das massas ao seu projeto de sociedade,
movimento sindical à relação entre educação bá- obtida através de sua ação em busca do consen-
sica e educação profissional. Mas as demandas so, tanto no âmbito dos aparelhos privados de
impostas pelo desemprego e a ação do Estado e hegemonia quanto no âmbito da aparelhagem
do empresariado na implementação de novos estatal. Além disso, esse setor tem-se mostrado
mecanismos de manutenção da hegemonia têm mais atento às necessidades impostas pela crise
imposto limites consideráveis ao movimento do capital a um país ameaçado pela baixa produ-
sindical nesse campo. Muitas vezes, compelido tividade e qualidade do trabalho, antecipando-
pelo imediatismo da luta pela manutenção e gera- se, na maioria das vezes, na proposição de alter-
ção dos postos de trabalho, o sindicalismo brasi- nativas para a inserção do País no mercado glo-
leiro tem sido obrigado a fazer concessões no cam- balizado, embora em condição subalterna. Na
po da política de educação profissional. Devem maioria das vezes, esse segmento social tem
ser somados a tudo isto dois elementos importantes, encontrado pouca resistência para a efetivação
de cujas repercussões se ressentem as ações e de suas proposições no campo educacional. Isso
formulações do movimento sindical brasileiro na tem contribuído para que o Bloco no Poder tenha
atualidade: a crise do paradigma socialista e do uma agenda clara e bem definida para o encami-
movimento sindical em todo o mundo. nhamento da política educacional no país, condi-
Estes fatos trazem à tona algumas conside- ção básica para a realização de seus interesses.
REFERÊNCIAS
ALVES, Giovanni. O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo.
São Paulo, SP: Boitempo, 2000.
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, E.; GENTILI, P. (Orgs.). Pós-neoliberalismo:
as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 9-23.
ANDRADE, Flávio A. A Formação do “Cidadão-Trabalhador”: educação e cidadania no contexto do “Novo
Industrialismo”. In: NEVES, Lúcia M. W. (Org.). Educação e política no limiar do século XXI. Campinas,
SP: Autores Associados, 2000. p. 59-78.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 441-454, jul./dez., 2004 453
Trabalho, qualificação, ciência e tecnologia no mundo contemporâneo: fundamentos teóricos para uma análise da política de...
Recebido em 30.09.04
Aprovado em 06.12.04
454 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 441-454, jul./dez., 2004
Jacques Jules Sonneville
O EDUCADOR NA CONTEMPORANEIDADE:
FORMAÇÃO E PROFISSÃO
RESUMO
Neste ensaio, o objetivo é fazer uma leitura reflexiva sobre alguns aspectos
importantes abordados na Revista da FAEEBA – Educação e Contemporanei-
dade, n. 20, dedicado ao tema Educação e Formação do Educador, a fim de
destacar sua relação com a profissão do educador. Os assuntos aqui abordados
foram agrupados ao redor de um tema central: a educação na contemporanei-
dade. Pretendemos mostrar que a qualificação do educador tem uma relação
direta com a qualidade da sua profissão. Não há como pedir uma qualificação
cada vez mais intensa ao educador cuja profissão não oferece as condições
essenciais de qualidade. Qualificação profissional e condições de trabalho são
os dois pólos inerentes à profissão do educador.1
Palavras-chave: Formação do educador – Profissão do educador – Educação
na contemporaneidade – Formação continuada – Condições de trabalho
ABSTRACT
*
Mestre em Ciências Sociais pela UFBA. Doutor pela Universidade Católica de Louvain – Bélgica. Professor na linha
de pesquisa 2 do Mestrado em Educação e Contemporaneidade da UNEB – PEC/UNEB. Editor executivo da Revista
da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade. Endereço para correspondência: Universidade do Estado da Bahia -
UNEB, Mestrado em Educação e Contemporaneidade, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula, 41150-000 SALVADOR/
BA. E-mail: jacques.sonneville@terra.com.br
1
A relação direta da qualificação do educador com a sua profissão deixa claro que o termo “qualificação” deve ser entendido
no sentido de “profissionalização”, cujo conteúdo será explicitado no decorrer deste trabalho. Rejeitamos a qualificação
como estratégia de formação de mão-de-obra nas empresas, de acordo com as políticas neoliberais.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 455-465, jul./dez., 2004 455
O educador na contemporaneidade: formação e profissão
456 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 455-465, jul./dez., 2004
Jacques Jules Sonneville
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 455-465, jul./dez., 2004 457
O educador na contemporaneidade: formação e profissão
65; 81).4 Seria ingenuidade (ou grave erro de comunicação que se faz entre emissão e recep-
interpretação dos argumentos acima citados) ção entendida como co-criação da mensagem.”
afirmar que a simples melhoria das condições (SILVA, 2003a, p.262). Esta nova modalidade
de trabalho, por si só, provocaria uma elevação comunicacional tem conseqüências radicais
significativa da qualificação ou do preparo dos para a educação, levando o professor a
educadores no país. Todo o número da Revista modificar sua ação em sala de aula, modificando
da FAEEBA, dedicado ao tema da Formação seu modo de comunicar.
do Educador, diz exatamente o contrário: é cada Isto significa modificação em seu clássico
vez mais urgente a necessidade de aperfeiçoar posicionamento na sala de aula. Significa antes
a competência e o senso de compromisso dos de tudo que ele não mais se posiciona como o
educadores. O que se pretende mostrar, porém, detentor do monopólio do saber, mas como o
é que a formação do educador está intrinseca- que disponibiliza a experiência do conhecimen-
to. (...) De mero transmissor de saberes, “parcei-
mente ligada à valorização concreta da sua ro” ou “conselheiro”, ele torna-se um formulador
profissão. de problemas, provocador de situações, arqui-
Neste texto, abordamos alguns aspectos da teto de percursos, enfim, agenciador da cons-
Formação do Educador na perspectiva da educa- trução do conhecimento na experiência viva da
ção na contemporaneidade. A partir das idéias sala de aula. (SILVA, 2003a, p. 267)
expostas, teremos maior clareza em relação ao A aprendizagem digital surge num novo
objetivo proposto: a exigência de melhoria na contexto sócio-econômico-tecnológico, exigindo
qualificação do educador é o fundamento para do professor, acostumado ao primado da mera
exigir melhores condições profissionais para este transmissão na educação, a sua imaginação
educador. criadora, para atender às novas demandas so-
ciais de aprendizagem interativa.
Uma primeira conclusão se impõe: ao con-
A educação na contemporaneidade trário do que se imaginava, a informática não
diminuiu o papel central do educador; mais do
Sem dúvida, a introdução maciça da informá- que antes, é da sua competência e dedicação
tica em todos os níveis da sociedade abriu que depende a qualidade do processo ensino/
espaço para um novo modo de viver e de pensar aprendizagem.
a educação. É importante frisar: abriu espaço “Aprendizagem interativa” lembra outro
ou potencializou, porque a simples presença conceito importante: “aprendizagem coopera-
ou o uso das novas tecnologias nas escolas, por tiva”, baseado na pedagogia de Freinet, que,
si só, não modifica o modelo tradicional de trans- na primeira metade do século XX, definia a
missão dos conhecimentos. Ao contrário, em cooperação como a essência do trabalho peda-
muitos casos, elas significam apenas um atrativo gógico. (D´ÁVILA, 2003).
comercial ou a criação de um novo mercado A esse respeito, não podemos deixar de lem-
para a comercialização dos produtos, a cada ano brar que o estudo da Educação na contempo-
renovados, da indústria da informática. Por outro raneidade não dispensa a retomada atenta das
lado, a cibercultura, como novo ambiente co- idéias dos grandes pedagogos do passado. Estes,
municacional que surge com a interconexão sem dúvida, não dão conta de toda a problemá-
mundial de computadores, criou um novo espaço tica dos tempos atuais, cada vez mais complexa
de comunicação, de conhecimento e de edu- e em constante mutação. De outro lado, deve-
cação. (SILVA, 2003a).
A cibercultura introduziu uma nova modali- 4
Na seleção de 2004 para o Mestrado em Educação e
Contemporaneidade, UNEB, havia várias centenas de can-
dade comunicacional, superando a mera trans- didatos para 30 vagas (posteriormente aumentadas para 40,
missão e recepção passiva de mensagens, po- por causa da enorme demanda). Para a disciplina optativa
de Formação de Educador, no 2º semestre de 2004, havia
dendo ser definida como Interatividade. Mais nada menos que 280 candidatos para 13 vagas de alunos
do que um modismo, este termo “significa a especiais.
458 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 455-465, jul./dez., 2004
Jacques Jules Sonneville
mos ficar atentos ao aspecto revolucionário das vista. Na década de 90 do século passado, esta
idéias inovadoras dos pedagogos clássicos, sob impôs-se com uma força tal, como se fosse a
pena de querer reinventar o que já foi defendido solução de todos os problemas (sobretudo os
e amplamente divulgado no passado. altos índices de fracasso escolar e abandono)
Freinet propôs um trabalho pedagógico, no que afligiam a educação nas séries iniciais do
qual não existiam “responsabilidades individuais, ensino fundamental. Em vários estados e muni-
mas co-responsabilidade; não existia produção cípios, foi adotada a educação construtivista e
individual, mas compartilhada; não existia o em Salvador ela foi aplicada em toda a rede
poder da cátedra, mas o diálogo.” (D´ÁVILA, municipal. Os resultados foram, no mínimo,
2003, p. 275). Segundo Freinet: decepcionantes (SONNEVILLE, 1997). É que
... o trabalho cooperativo exige autodisciplina e estes dependiam, antes de tudo, da qualificação
desperta o entusiasmo dos alunos. A classe dei- dos professores, a fim de pôr em prática uma
xa de ser um espaço estranho à vida; incorpo- concepção revolucionária da construção do
rando-a, passa a ser uma comunidade de indiví- saber. A educação construtivista, antes de ser
duos capazes de regular a vida em grupo a partir uma metodologia de ensino, exige uma postura
de objetivos comuns. Esse aspecto está extre-
mamente presente na abordagem cooperativa da
radicalmente nova em relação ao processo
atualidade. É através do compartilhamento de ensino/aprendizagem.
objetivos e responsabilidades que o educando Ao contrário das posturas anteriores – empirista
constrói sua trajetória como sujeito cognoscente e racionalista – , o construtivismo valoriza o pa-
e cidadão. (D´ÁVILA, 2003, p. 276). pel do sujeito na construção do saber, bem como
No Brasil, encontramos em Paulo Freire os sua interação efetiva com o objeto do conheci-
mento e com outros sujeitos. A bipolarização, no
mesmos princípios do ideário cooperativo, se-
processo de produção do conhecimento, é re-
gundo o qual “a relação dialógica é o selo do pensada, enquanto os processos interativos na
ato cognoscitivo, no qual o objeto cognoscível, relação sujeito-objeto-sujeito é pressuposto ini-
mediatizando os sujeitos cognoscentes, se en- cial.
trega a seu desvelamento crítico” (FREIRE, Há, na educação construtivista, uma mudança
1985, p. 18). Assim, não há educador do edu- radical de natureza qualitativa no processo ensi-
cando, nem educando do educador, mas educa- no-aprendizagem, e na forma como a produção
dor-educando e educando-educador. de conhecimento é pensada.
O ser humano construtivo é aquele ser capaz de
Também a teoria socioconstrutiva de Vygots-
realizar mudanças, tentar novas soluções para
ky embasa o ideário pedagógico cooperativo, os problemas e situações que se lhe apresentam
sendo a sala de aula um espaço definido, por na vida pessoal e grupal. São atores, atrizes, au-
excelência, para as interações cognitivas e tam- tores, autoras e críticos(as) da realidade, que
bém sociais, exigindo a colaboração de todos percebem a complexidade da dinâmica do mun-
os membros do grupo e acentuando a responsa- do, buscando (re)construí-lo e (re)significá-lo.
bilidade individual e a reciprocidade. (D´ÁVILA, (SANTOS, 2003, p. 302).
2003). A necessidade de uma maior qualificação
A educação, na contemporaneidade, com o dos professores fica ainda mais patente com a
uso da informática, seja na modalidade presen- crítica de Morin à teoria de Piaget, que teria
cial, seja na modalidade a distância5, não pode permanecido no terreno da ciência positiva e
mais ser projetada nem aplicada fora dos prin- experimental – o conhecimento científico, lógico,
cípios da pedagogia cooperativa, ou seja, da racional, matemático e universal – de modo que
interatividade, exigindo do educador competên- sua teoria pretendia ter um alcance universal,
cia e engajamento cada vez maiores. independente do processo histórico-cultural.
Outro exemplo da importância do papel do Contra essa visão, Morin propõe sua teoria da
educador, especificamente da sua competência
e qualificação, foi a introdução da teoria de 5
A legislação atual permite que 20% do programa escolar
Piaget, que deu origem à educação construti- seja dado na modalidade a distância.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 455-465, jul./dez., 2004 459
O educador na contemporaneidade: formação e profissão
460 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 455-465, jul./dez., 2004
Jacques Jules Sonneville
te, responsável e ética. A educação ética pode tada e testada quanto às suas reais condições
ser descrita por outra expressão: pedagogia para de alterar o fazer pedagógico.
a autonomia. (FREIRE, 2004). É a capacidade Para isso, são necessários profissionais com-
da pessoa para agir de modo responsável, com- petentes e motivados, dispostos a fazer uma
petente e fundamentado, de acordo com os inte- constante reflexão sobre seu fazer pedagógico
resses da comunidade, estabelecendo laços de sob pena de transformar-se em meras práticas
cooperação com os outros, para construir algo receitadas e petrificadas. Isso ainda é mais im-
que beneficia a todos. É a educação pluricultural, perativo, tendo em vista as constantes trans-
que consiste na aceitação dos valores essenciais formações da educação na contemporaneidade,
dos diversos grupos culturais que compõem o tais como foram descritas acima. (MENEZES,
povo brasileiro, estimulando referências e práti- 2003). É a chamada formação continuada,
cas que permitam a todos seus cidadãos cons- quando se quer fazer uma distinção da formação
truir uma sociedade que proporcione inclusão e inicial, prevendo-se uma separação entre o
justiça social.8 tempo escolar, como preparação para a vida, e
Sem educação para a autonomia ética, habi- o tempo de exercício profissional da vida, dire-
lidades e conhecimentos fazem pessoas compe- cionada para a mudança.
tentes e bem informadas, mas sem nenhum Uma forma cada vez mais utilizada para pro-
compromisso crítico de natureza ética ou políti- mover a formação continuada e, conseqüen-
ca, bem ao gosto de um modelo político-social, temente, o desenvolvimento profissional do
em que impera o individualismo ou a lei do mais educador, é a Educação a Distância – EAD,
forte, a exemplo do modelo sócio-econômico especialmente com a utilização da internet, pos-
vigente, o neoliberalismo. sibilitando o acesso rápido e seguro a um deter-
Um exemplo da importância do papel do minado número de alunos, espalhados em qual-
educador para a formação ética dos educandos quer ponto do território nacional (MAGNA-
é o estudo de caso realizado por Cunha e Lordelo VITA, 2003). Em poucos anos, surgiu uma
(2003), em que realizam uma análise detalhada infinidade de cursos a distância, tanto a partir
e crítica do trabalho pedagógico numa escola das universidades, quanto através de iniciativas
diversas, ligadas a uma instituição de ensino ou
de educação infantil, encontrando fortes diferen-
uma empresa.9 Em pouco tempo, também, o
ças quanto às práticas pedagógicas relacionadas
fenômeno tornou-se objeto de inúmeros estudos
à formação de valores morais. O mais
em livros (SILVA, 2003b), periódicos10 e pes-
importante neste estudo foi mostrar como a
quisas acadêmicas (ARAGÃO, 2004).
educação infantil, antes que ensinar habilidades
O conceito Interatividade, no sentido da
ou conhecimentos, deve contribuir para criar um
bidirecionalidade, co-autoria e intervenção no
ambiente sócio-moral que seja propício ao
processo, tornou-se o centro destes estudos, a
desenvolvimento da autonomia ética.
fim de superar o tradicional paradigma do
Ficaram, assim, definidos os conceitos bási-
processo ensino-aprendizagem, o ditar/falar do
cos que norteiam a educação na contempora-
professor e o assimilar/reproduzir do aluno. A
neidade: Cibercultura e Interatividade, Peda- Ead abriu a “possibilidade” de substituir o esque-
gogia e Aprendizagem Cooperativa, Educação
Construtivista e Conhecimento Complexo, Me-
diação Pedagógica Crítica dos Meios de Comu- 8
Vide a Revista da FAEEBA: Educação e Contemporanei-
nicação, Educação Ética. São conceitos que dade, Salvador, v. 12, n. 19, jan../jun. 2003, dedicada inte-
exigem uma mudança radical na postura e na gralmente ao tema Educação e Pluralidade Cultural.
9
Para dados mais recentes, acessar o site da Associação
competência do profissional da Educação. A Brasileira de Educação a Distância – ABED: http://www.abed.
educação na contemporaneidade, se não quiser org.br
ficar limitada apenas a um conjunto de conceitos, 10
O n. 22 da Revista da FAEEBA – Educação e Contempora-
neidade é dedicado ao tema Educação e Novas Tecnologias,
sem nenhuma modificação na realidade educa- cuja maioria dos artigos tem alguma ligação com a Educa-
cional, deve ser posta em prática, experimen- ção em Rede ou a Distância.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 455-465, jul./dez., 2004 461
O educador na contemporaneidade: formação e profissão
462 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 455-465, jul./dez., 2004
Jacques Jules Sonneville
2) O segundo item importante para a quali- porém, por si só, insuficientes sem as condições
dade da profissão de educador é o limite de de trabalho dos profissionais.
horas-aula por semana. Boa parte dos profis- Alguns leitores podem achar essas condições
sionais está sendo obrigada a trabalhar 2 ou 3 de trabalho uma utopia ou incompatíveis com
turnos, ou seja, 40 a 70 horas por semana, as possibilidades econômicas do país. Parecem
impedindo um trabalho sério como educador e ser uma utopia, apenas porque nos acostuma-
qualquer tipo de formação continuada, além de mos com as circunstâncias aviltantes em que a
levar o profissional a sérios problemas de saúde educação é praticada no Brasil. Quanto às pos-
física e/ou mental. Deste modo, mesmo que este sibilidades econômicas do país, a sociedade
volume de trabalho talvez possa levar a uma como um todo e as autoridades políticas, junto
remuneração de acordo com a proposta acima, com as associações dos profissionais em educa-
ele é altamente prejudicial para os educandos e ção, precisam decidir, de uma vez por todas,
para o próprio educador. sobre a qualidade de educação básica a ser ofe-
Limitando o número de horas-aula por recida no país, como condição primordial para
semana para o professor (em tempo integral e seu pleno desenvolvimento, a fim de tirar as devi-
dedicação exclusiva)14, as aulas poderão ser das conclusões quanto aos investimentos indis-
dadas com todo empenho e entusiasmo, dei- pensáveis a serem feitos.
xando um espaço de tempo disponível para Sem esta decisão e as medidas conseqüentes,
preparação das aulas, para leituras, pesquisas nenhum programa para aumentar o acesso à
e cursos de formação continuada, além de universidade terá pleno êxito. Ao contrário, estes
adquirir os conhecimentos e as habilidades em programas governamentais podem criar a falsa
relação ao potencial e às especificidades das ilusão de que o acesso democrático à universi-
tecnologias intelectuais no processo educacio- dade possa ser realizado somente por decreto
nal. Somente assim, o profissional terá as ou medidas burocráticas, deixando de lado a
condições indispensáveis para desenvolver sua verdadeira questão a ser resolvida: a qualidade
atividade educativa com uma postura inte- da educação publica no ensino fundamental e
rativa, construtiva e cooperativa junto aos médio, como caminho seguro para o acesso ao
educandos, de acordo com as exigências da ensino superior.
educação na contemporaneidade acima No setor da educação pública, porém, a omis-
descritas. são dos governos é o fator fundamental para o
3) O número de alunos em sala de aula, a fim estado lamentável em que se encontra o proces-
de possibilitar essa atuação profissional, não deve so de ensino/aprendizagem, omissão que se re-
ultrapassar vinte a vinte e cinco. Salas de aula vela não apenas nas aviltantes condições de tra-
com 40, 50 ou mais alunos obrigam o professor a balho impostos aos educadores, mas também
trabalhar em circunstâncias incompatíveis com na falta de acompanhamento sistemático do
as exigências da educação na contemporanei- processo de processo de ensino/aprendizagem
dade, impedindo-o de ter um relacionamento nas escolas e nas turmas de alunos. Há um
direto com todos os educandos, além de submeter sentimento generalizado de que a qualidade do
o profissional e os próprios alunos a vários ensino público é o que menos importa para as
problemas, como indisciplina, desordem e outros. autoridades responsáveis. Por isso, existe a ne-
Além disso, é evidente a necessidade de cessidade urgente de um tipo de fiscalização, a
planejamento e gestão pedagógicos em todos ser estabelecida em conjunto com os órgãos de
os níveis, federal, estadual, local e em cada classe, a fim de definir seus objetivos, seus
escola, sem os quais nenhum sistema educacio- procedimentos e suas medidas. De algum modo,
nal pode funcionar a contento. Devem ser acres-
centados os investimentos em infra-estrutura de 14
Vinte horas-aula por semana podem ser consideradas como
acordo com as exigências pedagógicas atuais, um bom parâmetro.
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 455-465, jul./dez., 2004 463
O educador na contemporaneidade: formação e profissão
é preciso introduzir uma sistemática de fiscali- e dos jovens do nosso país. Se é o dever do
zação/acompanhamento do processo de ensino- Estado assegurar uma educação de qualidade
aprendizagem nas instituições de ensino público a todos os cidadãos, cabe a ele a obrigação de
nas quais estuda a grande maioria das crianças fiscalizar e de cobrar.
REFERÊNCIAS
ARAGÃO, Cláudia Regina Dantas. A interatividade na prática pedagógica da Ead online: um estudo de
caso no curso Comunidades de Aprendizagem e Ensino Online. 2004. 151 f. Dissertação (Mestrado) –
Programa de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade. Universidade do Estado da Bahia (UNEB),
Salvador, 2004.
BLASCHKAUER, Dani. País corre risco de ficar sem professores na rede pública em 15 anos. Folha Online
Educação. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/> 2003. Acessado em: 20 dez.
2003.
CUNHA, Débora Anunciação da Silva Bastos; LORDELO, Eulina da Rocha. Educação sócio-moral e traba-
lho pedagógico na pré-escola. Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. 20,
p. 363-379, jul./dez., 2003.
D’ÁVILA, Cristina Maria. Pedagogia cooperativa e educação a distância: uma aliança possível. Revista da
FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. 20, p. 273-282, jul./dez., 2003.
DIMENSTEIN, Gilberto. Seleção brasileira de ignorantes. Folha de São Paulo, 12 dez./04.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler, em três artigos que se completam. 11.ed. São Paulo, SP:
Autores Associados, 1985.
_____. Pedagogia da Autonomia. Disponível em: http://www.paulofreire.ufpb.br/paulofreire/principal.jsp.
Acessado em: 22 nov. 2004.
LINS, Maria Judith Sucupira da Costa. Formação do educador e a questão da ética. Revista da FAEEBA:
Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. 20, p. 353-362, jul./dez., 2003.
MAGNAVITA, Cláudia Regina Aragão. Educação a distância: novas perspectivas para a formação de
professores. Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. 20, p. 333-341, jul./
dez., 2003.
MENEZES, Cecília Maria de Alencar. Educação continuada de educadores: superando ambigüidades
conceituais. Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. 20, p. 311-320, jul./dez.,
2003.
PASSOS, Maria Sigmar Coutinho. Navegar é impreciso: considerações sobre a formação de professores e
as TIC. Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. 20, p. 343-351, jul./dez.,
2003.
REVISTA DA FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. 20, p. 239-520, jul./dez., 2003
SANTOS, Ana Kátia Alves dos Santos. (Re)significando a produção construtiva do conhecimento: da
epistemologia genética à epistemologia da complexidade. Revista da FAEEBA: Educação e
Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. 20, p. 299-310, jul./dez., 2003.
SANTOS, Edméa Oliveira dos; OKADA, Alexandra Lilaváti Pereira. A imagem no currículo: da crítica à mídia
de massa a mediações de autorias dialógicas na prática pedagógica. Revista da FAEEBA: Educação e
Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. 20, p. 287-297, jul./dez., 2003.
SILVA, Marco. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro, RJ: Quartet, 2000.
_____. Educação na cibercultura: o desafio comunicacional do professor presencial e online. Revista da
FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. 20, p. 261-271, jul./dez., 2003a
_____. (Org.). Educação online. São Paulo, SP: Loyola: 2003b.
_____. Criar e professorar um curso online: relato de uma experiência. In: _____. (Org.). Educação online.
São Paulo, SP: Loyola: 2003c. p.51-73.
464 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 455-465, jul./dez., 2004
Jacques Jules Sonneville
SONNEVILLE, Jacques Jules. Os alunos de pedagogia: um estudo de caso. Revista da FAEEBA, n. 5, p. 61-
86, jan./jun. 1996.
_____; AGGIO, Lucinete Chaves de Oliveira; DANTAS, Tânia Regina. O CEB da rede municipal de
Salvador. Salvador: UNEB, 1997. Mimeo.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
UOL News com Líllian Witte Fibe. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/uolnews/. Acessado em: 17
dez. 2004.
Recebido em 29.09.04
Aprovado em 15.02.05
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 455-465, jul./dez., 2004 465
Elizeu Clementino de Souza
*
Doutor em Educação pela FACED/UFBA. Professor do Departamento de Educação I, Universidade do Estado da
Bahia – UNEB, e das Faculdades Integradas Olga Mettig. Endereço para correspondência: Universidade do Estado da
Bahia - UNEB, Mestrado em Educação e Contemporaneidade, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula, 41150-000 SALVA-
DOR/BA. E-mail: esclementino@uol.com.br
**
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Ornélia Marques (FACED/UFBA), Co-orientador Prof. Dr. António Nóvoa (FPCE/
UL); tese defendida no dia 17 de setembro de 2004; banca: Prof.ª Dr.ª Denice Bárbara Catani (FEUSP), Prof.ª Dr.ª Stela
Rodrigues dos Santos (UNEB), Prof.ª Dr.ª Yara Dulce Bandeira de Atahide (UNEB) e Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo
(FACED/UFBA).
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 469-471, jul./dez., 2004 469
O conhecimento de si: narrativas do itinerário escolar e formação de professores.
A interatividade vem emergindo como um ele- apontaram-se aspectos julgados essenciais para
mento chave da educação contemporânea, prin- uma EaD online, de fato, interativa – autonomia,
cipalmente com a inserção das tecnologias da cooperação, colaboração, hipertextualidade,
informação e comunicação, trazendo novas pos- dialogicidade e mediação.
sibilidades de mediação pedagógica à distância.
Palavras-chave: Interatividade − Ead online
O objetivo maior deste trabalho consistiu em
− Tecnologias da Informação e Comunicação
compreender de que modo e sob que condições
− Prática pedagógica
estabeleceu-se a interatividade dos sujeitos na
prática pedagógica online. O campo de investi-
gação dessa pesquisa foi o curso Comunidades ABSTRACT: Interactivity in Online Pedagogical
de aprendizagem e ensino online, realizado Practice. A Case Study from the Course:
Learning Communities and Online Teaching
através do ambiente TelEduc. Inicialmente, es-
tudou-se o conceito de interatividade, buscando- The main objective of this research consists in
se interlocutores nas teorias da comunicação, understanding the pros and cons of interactivity
nas novas tecnologias da informação e no cam- and its link with pedagogical practice in online
po da educação. Refletiu-se também sobre inte- education in interactive learning environment. The
research’s fieldwork was the course: Learning
ratividade e educação no universo da cibercultu-
community and online teaching, which was realized
ra e suas contribuições para a Ead online. A through the learning environment TelEduc. We
análise dos dados evidenciou que o aparato studied initially the notion of interactivity, looking
tecnológico, por si só, não garante a interativi- for interlocutors in communication theories, in
dade nem a qualidade do processo, pois, apesar information and communication technologies and
de meios propícios de interatividade oferecidos in the field of education. We also reflected upon
no curso, apenas um quinto dos participantes interactivity and education in the cyberculture
interagiu no sentido da bidirecionalidade, co- universe and from the point of view of its contribu-
autoria e intervenção no processo. Portanto, tion to online education.
mostrou-se que não bastam ferramentas e cir- Keywords: Interactivity − Online Education −
cunstâncias adequadas, é preciso considerar a Information and Communication Technologies −
forma como os sujeitos interagem. Diante disso, Pedagogical practice
*
Mestre em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB; Especialista em Educação
e Novas Tecnologias da Comunicação e Informação. Professora do curso de Comunicação Social da UNEB - Campus
I. Endereço para Correspondência: Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Campus I, Departamento de Ciências
Humanas, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula, 41150-000 Salvador-BA. E-mail: caragao@uneb.br
**
Orientador: Prof. Dr. Jacques Jules Sonneville (UNEB); data: 09 de setembro de 2004; banca: Prof. Dr. Marco Silva
(UERJ), Prof. Dr Arnaud Soares de Lima Jr.(UNEB).
470 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 469-471, jul./dez., 2004
Elizeu Clementino de Souza
Este trabalho de pesquisa é um estudo de caso professores, concebendo essa formação como
etnográfico, de base qualitativa, que centra sua elemento isolado das ações institucionais.
atenção nas contribuições do “curso de
Palavras-chave: Formação de professores –
formação de professores (em serviço) para as
Prática pedagógica – Desenvolvimento profis-
séries iniciais do ensino fundamental” para o
sional
desenvolvimento profissional e possíveis ressig-
nificações e mudanças da prática pedagógica ABSTRACT: Professional development and
das professoras/sujeitos do estudo. A funda- pedagogical practice: a study upon the
mentação teórica é lastreada por Paulo Freire, permanent formation of teachers in the city
Kenneth Zeichner, Antonio Nóvoa, Antonio of Alagoinhas - Bahia
Joaquim Severino, dentre outros. Tem como This master’s thesis is a case study focused on
campo empírico 06 escolas da Rede Municipal contributions made by a program of professional
de Educação de Alagoinhas-BA, nas quais formation addressed to elementary school teachers.
trabalham professoras egressas da primeira fase We have evaluated these contributions in terms of
do Projeto Rede UNEB 2000. Como instrumen- professional development and possible new
meanings and forms in the teachers’ pedagogical
tos de pesquisa, utilizamos observações, entre-
practices. The theoretical framework is based upon
vistas semi-estruturadas e análise dos relatórios works of Paulo Freire, Kenneth Zeichner, Antonio
(de supervisão em processo e de observação Nóvoa and Antonio Joaquim Severino, among
participada). A análise dos dados está organizada others. The fieldwork took place in six schools from
em três categorias: vivência pessoal, vivência the municipal school network of Alagoinhas, Bahia,
profissional e vivência institucional. Como Brazil. We used as research’s tool: fieldwork
principais resultados temos que as contribuições observations, half-structured interviews and reports
do curso e as mudanças foram pontuais, porém analysis. We conclude that the contributions of the
consistentes, e referem-se ao fortalecimento da programs as well as the change were punctual but
auto-estima das professoras, ao acesso de consistent, concerning the reinforcement of the
conhecimento acadêmico/científico, ao olhar teachers’ self-esteem, access to academic know-
ledge, the glance upon the child and the conception
sobre a criança e à concepção de aprendiza-
of learning, the fact the school institution does not
gem. Com referência à terceira categoria – Vi- perceive itself as responsible for the teachers’
vência institucional – pode-se afirmar que mui- formation, conceiving it as isolated from institutional
tas questões estão em aberto e necessitam de actions.
reflexão por parte dos sujeitos e população da
Keywords: Teachers’ formation – Pedagogical
pesquisa, uma vez que a escola ainda não se
practice – Professional development
sente responsável pela formação dos seus
*
Mestre em Educação e Contemporaneidade, pela Universidade do Estado da Bahia; Especialista em Planejamento de
Currículo e Ações Educacionais, pela UCSal. Professora da disciplina Fundamentos Teóricos e Metodológicos do
Ensino Médio no Curso de Pedagogia da Faculdade Social da Bahia; professora do Curso de Pedagogia das Faculdades
Santíssimo Sacramento, Alagoinhas-BA. Endereço para correspondência: Faculdades Santíssimo Sacramento, Rua
Marechal Deodoro, s/n, Centro – Alagoinhas-BA. E-mail: gerus@terra.com.br
**
Orientador: Prof. Dr. Jacques Jules Sonneville (UNEB); Co-orientadora Profa. Dra. Cristina d´Ávila Maheu (UNEB);
data: 30 de julho de 2004; Banca: Profa. Dra. Regina Céli Oliveira da Cunha (UFRJ), Profa. Dra. Kátia Mota (UNEB).
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 469-471, jul./dez., 2004 471
INSTRUÇÕES AOS COLABORADORES
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, jul./dez., 2004 473
h)Livro em formato eletrônico:
SÃO PAULO (Estado). Entendendo o meio ambiente. São Paulo, SP, 1999. v. 3. Disponível em: <http:/
/www.bdt.org.br/sma/entendendo/atual/htm >. Acessado: em 19 out. 2003.
i) Decreto, Leis:
BRASIL. Decreto n. 89.271, de 4 de janeiro de 1984. Dispõe sobre documentos e procedimentos para
despacho de aeronave em serviço internacional. Lex: Coletânea de legislação e Jurisprudência, São
Paulo, SP, v. 48, p. 3-4, jan./mar., 1. trim. 1984. Legislação Federal e marginalia.
j) Dissertações e teses:
SILVIA, M. C. da. Fracasso escolar: uma perspectiva em questão. 1996. 160 f. Dissertação (Mestrado)
– Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1996.
k)Trabalho publicado em Congresso:
LIMA, Maria José Rocha. Professor, objeto da trama da ignorância: análise de discursos de autoridades
brasileiras, no império e na república. In: ENCONTRO DE PESQUISA EDUCACIONAL DO NORDESTE:
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 13., 1997. Natal. Anais... Natal: EDURFRN, 1997. p. 95-107.
IMPORTANTE: Ao organizar a lista de referências, o autor deve observar o correto emprego da
pontuação, de maneira que esta figure de forma uniforme. Por exemplo: após cada ponto, deixar
dois espaços antes de iniciar a parte seguinte da referência.
5. O sistema de citação adotado por este periódico é o de autor-data, de acordo com a NBR
10520 de 2003. As citações bibliográficas ou de site, inseridas no próprio texto, devem vir
entre aspas ou em parágrafo com recuo e sem aspas, remetendo ao autor. Quando o autor faz
parte do texto, este deve aparecer em letra cursiva, observando e respeitando a língua portu-
guesa. Exemplo: De acordo com Freire (1982, p.35), etc. Já quando o autor não faz parte do
texto, este deve aparecer no final do parágrafo, entre parênteses e em letra maiúscula, como
no exemplo a seguir: A pedagogia das minorias está à disposição de todos (FREIRE, 1982,
p.35). As citações extraídas de sites devem, além disso, conter o endereço (URL) entre parên-
teses angulares e a data de acesso. Para qualquer referência a um autor deve ser adotado igual
procedimento. Deste modo, no rodapé das páginas do texto, devem constar apenas as notas
explicativas estritamente necessárias, que devem obedecer à NBR 10520, de 2003.
6. As notas numeradas devem vir no rodapé da mesma página em que aparecem, assim como os
agradecimentos, apêndices e informes complementares.
7. Os artigos devem ter, no máximo, 30 páginas, e as resenhas até 4 páginas. Os resumos de
teses/dissertações devem ter, no máximo, 250 palavras, e conter título, número de folhas, autor
(e seus dados), palavras-chave, orientador, banca, instituição, e data da defesa pública.
Atenção: os textos só serão aceitos nas seguintes dimensões no Winword 97 ou 2000:
• letra: Times New Roman 12;
• tamanho da folha: A4;
• margens: 2,5 cm;
• espaçamento entre as linhas: 1,5 linha;
• parágrafo justificado.
8. As colaborações encaminhadas à revista são submetidas à análise do Conselho Editorial, aten-
dendo a critérios de seleção de conteúdo e normas formais de editoração, sem identificação da
autoria para preservar isenção e neutralidade de avaliação. A aceitação da matéria para publi-
cação implica na transferência de direitos autorais para a revista.
A Comissão de Editoração
474 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, jul./dez., 2004