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Adriana ROESEb
Marta Julia Marques LOPESc
RESUMO
Trata-se de um relato de experiência que descreve e analisa a visita domiciliar na modalidade de busca
ativa como instrumento de coleta de dados para a prática de pesquisa e vigilância em saúde. Tem como base
as anotações em diário de campo. Discute as potencialidades da utilização das visitas domiciliares em pesquisas
acadêmicas e na prática de vigilância em saúde. Conclui-se que a visita domiciliar é um instrumento eficiente
de coleta de dados e de vigilância em saúde, e representa um meio de execução de técnicas ágeis e fidedignas
de pesquisa, ainda pouco divulgado.
RESUMEN
Es un relato de experiencia que describe y analiza la visita domiciliario en la modalidad de busca activa
como un instrumento de colecta de datos para la práctica de investigación y vigilancia en la salud. Es basado
en las anotaciones de un diario del campo. Discute las potencialidades de el uso de la visita domiciliario en
las investigaciones académicas y en la práctica de vigilancia de salud. Nosotros concluimos que la visita
domiciliario es un instrumento eficaz de colecta de datos y de vigilancia en la salud; representa una manera
de ejecutar técnicas ágiles y fidedignas de investigación, todavía poco publicadas.
ABSTRACT
This is an experience report that describes and analyzes home visiting, while a modality of activate
search, to work as an instrument to collect data for the practice of health research and surveillance. It is mainly
based on fieldnotes. It discusses the potentialities of the home visiting applicability in academic researches
and in the practice of health surveillance. We conclude that home visiting is an efficient instrument to collect
data and to do health surveillance, and it represents a way of executing agile and trustworthy techniques
of research, which is still not well explored.
a
Baseado no trabalho: A mortalidade por homicídios em adolescentes em Porto Alegre de 1998 a 2000.
b
Enfermeira. Mestranda da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bolsista de Iniciação Científica no período
do desenvolvimento deste estudo.
c
Doutora em Sociologia pela Université de Paris VII. Professora Titular do Departamento de Assistência e Orientação Profissional da Escola
de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Roese A, Lopes MJM. El visita domiciliario como un instrumento Roese A, Lopes MJM. Home visiting as an instrument of data
de colecta de datos de pesquisa y vigilancia en la salud: relato de collecting and health surveillance: experience report [abstract].
experiencia [resumen]. Rev Gaúcha Enferm, Porto Alegre (RS) 2004 Rev Gaúcha Enferm, Porto Alegre (RS) 2004 abr;25(1):98.
abr;25(1):98.
Roese A, Lopes MJM. A visita domiciliar como instrumento de co-
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dos problemas enfrentados nas visitas do- indicadores epidemiológicos de risco que se
miciliares no desenvolvimento do primeiro concentram em bairros menos favorecidos
estudo de 1997, repetiram-se e constataram- do município.
se inúmeras evidências interessantes e se- Parmar(14) ao referir-se aos problemas
melhantes nos dois momentos. de saúde no Brasil vincula-os aos de ordem
No estudo de 1997 as autoras relatam socioeconômicos e às estruturas de poder
que a equipe de pesquisadores de campo rea- existentes. Segundo o autor, a assistência
lizou as visitas domiciliares de segunda a primária deve tentar desenvolver a capaci-
sexta-feira, no período da manhã e à tarde dade da comunidade resolver seus próprios
e, evitavam transitar nas vilas depois das problemas.
16 horas, pois iniciava-se a organização do Corroborando com essas afirmações,
tráfico de drogas. Por esse motivo, aos sába- Ceccim e Machado(2) salientam que os proble-
dos utilizavam apenas o turno da manhã. mas socioeconômicos são prioritários para o
Utilizou-se esta informação nas poucas atendimento domiciliar. Referem que os cri-
vezes em que se ultrapassou às 16 horas. térios epidemiológicos e populacionais des-
Constatou-se formas diversas, inclusive de crevem a vida da população de determina-
constrangimento físico e psicológico, im- da localidade e assim pode-se estimar condi-
posto pelo tráfico nas vilas. ções de risco e as formas de sujeição ao risco.
No contato inicial com a comunidade Essa reflexão dos autores remete à vigi-
os entrevistadores se identificavam e apre- lância à saúde que, segundo Souza e Kalich-
sentavam o trabalho, bem como seus obje- man(15) obriga a pensar na problemática da
tivos. Sant’Anna(13) refere o uso de crachá eqüidade na qualidade de vida e seu real
com o nome do visitador e do pesquisador conteúdo. Essa problemática leva a uma
responsável. Assim, utilizou-se o crachá for- complexa discussão relacionada à promo-
necido pela universidade e o jaleco branco, ção da saúde em populações segregadas
como forma de identificação e proteção. econômica e socialmente com caracterís-
A aproximação com o campo permitiu ticas das famílias deste estudo.
a visualização das limitações na realização Nesse contexto, também surge a vigilân-
de visitas domiciliares como instrumento de cia epidemiológica que é discutida por Gaze
coleta de dados em pesquisa e vigilância e Perez(16) quando referem que seu princi-
em saúde. Por outro lado, constatou-se a pal objetivo é coletar dados para o desen-
sua importância, corroborada por Ceccim e cadeamento de ações de prevenção e contro-
Machado(2) quando relatam que a visita do- le. Segundo estes autores, a organização das
miciliar é um bom instrumento para a pes- atividades de vigilância epidemiológica ga-
quisa qualitativa. rante o cumprimento de suas principais fun-
Nesse sentido, Mazza (7) corrobora e ções: coleta, processamento, análise e in-
vai além quando afirma que um dos prin- terpretação dos dados; recomendação, pro-
cipais objetivos da visita domiciliar é a cole- moção e avaliação da efetividade e eficácia
ta de informações sobre as condições sócio- das medidas utilizadas como controle e di-
sanitárias da família, baseada em entrevis- vulgação dos resultados encontrados.
tas e na observação do visitador.
Assim, a experiência somada ao emba- 3 AS VISITAS DOMICILIARES NA CO-
samento teórico, permitiu identificar mui- LETA DE DADOS: nossa experiência
tas famílias em situação de risco, principal-
mente àquelas que habitam bairros e vilas que A partir da utilização dos critérios do
atestam as desigualdades sociais e a segre- capítulo acima, elaborou-se categorias para
gação urbana. Essa situação caracteriza os a sistematização da experiência de utilização
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das visitas domiciliares como forma de coleta as visitas domiciliares às famílias. Esses en-
de dados, são elas: organização da coleta de contros ocorriam em locais públicos, como o
dados e das visitas domiciliares; localização Mercado Público de Porto Alegre, pela sua
das famílias; as reações dos familiares e da posição em relação ao acesso ao transporte
comunidade; desigualdades sociais e cultu- coletivo ou na casa de uma das entrevista-
ras locais. Passa-se a descrevê-las. doras. Esse recurso foi importante para a
articulação das visitas do dia seguinte.
3.1 Organização da coleta de dados e das A experiência vivenciada é salientada
visitas domiciliares por Ceccim e Machado(2) quando referem que
uma das principais etapas para o contato do-
A coleta de dados no trabalho referente miciliar em saúde coletiva é o planejamento
aos anos de 1998 a 2000 foi precedida de específico, onde deve-se definir as atividades
algumas reuniões entre os pesquisadores e os prioritárias e organizar o material a ser utili-
visitadores, onde foram abordadas experiên- zado na visita. Mattos(3) também acrescenta
cias em visitas domiciliares e problemas que a necessidade de refletir-se sobre o tempo
poderiam ocorrer durante o desenvolvimento disponível para a realização da visita, o ho-
das mesmas. Também foram realizadas reu- rário que não atrapalhe a atividade das fa-
niões durante o processo de coleta de dados, mílias e o itinerário que facilite a locomoção
onde analisava-se o andamento do trabalho até o local da execução da visita.
e a necessidade de acompanhamento para Essa forma de organização possibilitou
os entrevistadores. a redução do desperdício de tempo em bus-
Esta preocupação evidencia-se no estu- cas sem sucesso. Isso diminuiu os riscos
do de Sant’Anna (13), onde o grupo de entre- dentro das vilas, já que o conhecimento pré-
vistadores vivenciou situações de ansiedade vio dos locais permitiu o deslocamento mais
e de desgaste perante a realidade encontra- rápido e a freqüente solicitação de informa-
da. Isso ocasionou muito sofrimento e revol- ções a pessoas da comunidade.
ta entre os mesmos e foi o principal motivo A realização das visitas domiciliares
de realização de consecutivas reuniões. ocorreu em diversos bairros da cidade de
Acredita-se na importância da realiza- Porto Alegre, sendo que em alguns deles a
ção de reuniões entre o grupo durante a reali- irregularidade na urbanização dificultou a
zação de visitas domiciliares, pois as vivên- localização dos endereços. Nesses casos
cias são discutidas e trabalhadas, além da algumas unidades e serviços de saúde fo-
coleta de dados obedecer a critérios de base ram fontes de informação para agilizar o
para todos os entrevistadores. trabalho e evitar riscos desnecessários.
A organização dos instrumentos para Em alguns serviços a receptividade foi
a abordagem das famílias é outro fator de limitada e desestimulante e foi salientado
grande relevância em estudos que utili- o risco a que se estava exposto.
zam visitas domiciliares como forma de co- Já em alguns dos serviços recorridos,
leta de dados. Sua importância reflete-se na obteve-se auxílio e acompanhamento de
qualidade dessa abordagem na residên- agentes de saúde para localização das
cia da família. A organização dos trajetos residências. Segundo eles, eram locais peri-
a serem percorridos para racionalizar e di- gosos onde não seria conveniente chegar de-
minuir riscos evitáveis é outro aspecto a sacompanhadas. Para a visita, nas residências
considerar. de menor risco, indicaram caminhos e forne-
No estudo de base a organização do ins- ceram informações que auxiliaram na entre-
trumento deu-se através de encontros após vista. Para esses serviços, experiências como
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esta são relevantes, pois fornecem subsídios desenvolveu-se em todo o município de Porto
para as ações de saúde e prevenção. Alegre e o meio de locomoção foi o transpor-
A recepção pouco cordial em alguns ser- te coletivo. É um meio bastante dispendioso,
viços remete à reflexão sobre as condições pois é financeiramente oneroso e demanda
assistenciais prestadas aos indivíduos que muito tempo, tanto de espera para ir e vir,
dependem do Sistema Único de Saúde. Vas- quanto para o trajeto em si.
concelos(17) alerta para a necessidade de aten- Neste sentido, Padilha, Carvalho, Silva e
tar-se para o trabalho dos profissionais da Pinto(5), Mazza(7) e Mattos(3) corroboram com
área da saúde. O autor salienta que estas a constatação de que a visita domiciliar é
pessoas são trabalhadores assalariados sub- uma forma bastante onerosa, tanto em rela-
metidos às normas e limitações impostas pe- ção aos custos, quanto ao tempo. Segundo
las instituições a que estão trabalhando e eles essa estratégia exige transporte até a
submetidos à dominação do poder econômi- casa a ser visitada e há um grande gasto de
co. Essa reflexão aponta para a contextua- tempo na execução da visita.
lização dos cotidianos dessas pessoas que Ainda relacionado ao transporte, enfren-
tou-se a dificuldade quanto à incorreção de
são profissionais de saúde. O mesmo autor
informações. Este problema foi contornado,
refere que muitos profissionais ficam angus-
pois contava-se com uma lista que continha
tiados com tanto sofrimento, trabalhando
os trajetos dos ônibus utilizados. Outra difi-
muito e obstinados por melhorar a realidade
culdade imposta pelo transporte coletivo é a
e frustram-se ao ver que seu esforço não irá
falta de opções para ir de um local a outro,
mudá-la. interligação entre alguns bairros da cidade.
Desta forma, Vasconcelos(17) refere que Nesse sentido, constatou-se que a loco-
os profissionais têm de conhecer suas limita- moção é um importante obstáculo enfrenta-
ções e ver que existem outras pessoas ajudan- do por pesquisadores. O financiamento nes-
do no processo de busca de saúde para a te caso foi decisivo, do contrário a realiza-
comunidade, assim conseguirá ser feliz e tra- ção das visitas domiciliares seria pratica-
balhar com mais energia. Esta forma de inter- mente inviável.
pretação da realidade faz aflorar a discussão
sobre o atendimento nos serviços básicos de 3.2 Localização das famílias
saúde e o comportamento dos profissionais
que exercem sua atividade nesses locais. A dificuldade de encontrar os endereços
A receptividade dos serviços depende dos familiares dos adolescentes mortos foi
de como é o relacionamento entre as equipes um dos maiores problemas enfrentados para
e as pessoas entre si e também da forma com a realização da visita domiciliar.
que trabalham e como vêem os problemas Essa dificuldade foi levantada e discuti-
sociais e a realidade dos que vivem no local da durante as reuniões preparatórias. Por
onde atuam. Não esquecendo ainda dos esse motivo, realizou-se a classificação das
diferentes tipos de pressão imposta a estes Declarações de Óbito (DOs) por bairros da ci-
profissionais. dade, anexando a estas, a cópia do mapa das
Considerando esses aspectos, as visitas ruas para facilitar a localização das famílias.
domiciliares foram realizadas em duplas, O contato com os cartórios de Porto
devido ao risco que a temática impõe e a Alegre forneceu os nomes dos declarantes e
maioria do grupo tinha experiência anterior seus endereços e, em alguns casos, até o
em visitas domiciliares. complemento dos endereços. Mesmo com
Uma das maiores limitações impostas no toda essa organização surgiram muitas di-
dia-a-dia foi a locomoção. O estudo de base ficuldades em campo.
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revela o descaso no preenchimento dos pa- seu ambiente familiar. As autoras referem a
péis e registros e no fornecimento das infor- importância de o visitador ser hábil, ter bom
mações. relacionamento, mostrar seu interesse e von-
tade de ajudar a família. Dizem elas que, para
3.3 As reações dos familiares e da comuni- se conhecer a família, é preciso ouvir e buscar
dade o significado do choro, do silêncio, da dor
de seus membros. Mazza(7) acrescenta que o
Um obstáculo importante para a realiza- visitador deve manter a neutralidade para
ção das visitas domiciliares foi a reação de al- que não haja prejuízo em sua interação com
gumas pessoas, tanto familiares como ami- a família, além de ser cordial, criativo e
gos dos jovens assassinados da comunidade. gostar do que está se propondo a realizar.
O relato de algumas dessas reações e senti- É preciso salientar que se identificou
mentos ilustram, não só os obstáculos, como também desconfiança em algumas pessoas
as reações de acolhida. que manifestavam medo e isso refletia-se em
apreensão de nossa parte. Algumas famílias
3.3.1 Os familiares visitadas confundiam os visitadores com
policiais. A maioria se tranqüilizava após a
Os familiares das vítimas de homicídio, apresentação pessoal e do motivo da visita.
em sua maioria, acolheram muito bem e con- Em uma residência foi necessário apresentar
tribuíram com a pesquisa. Muitos encontra- vários documentos de identificação e telefo-
vam, naquele momento, uma forma de desa- nes de autoras do projeto base. A insegurança
bafo, de poder conversar com pessoas de persistiu e houve manifestação sobre a possi-
fora que dispunham-se a ouvir suas histórias bilidade dos documentos terem sido forjados.
e angústias. Segundo Mattos(3) não é conveniente fornecer
Na experiência relatada por Sant’Anna(13) dados pessoais, mas neste caso foi inevitável.
a receptividade das famílias dos jovens foi Em estudos como o de Ceccim e Macha-
semelhante e acolhedora em sua maioria. do(2) encontrou-se respaldo para o enfrenta-
Agradeciam muito por ter alguém que os mento dessas situações. Os autores situam
ouvisse, inclusive aqueles que se negaram a três momentos na visita domiciliar: o primei-
responder as questões da entrevista. A autora ro é a identificação, explicação do motivo de
refere que algumas pessoas falavam da dor estar ali; o segundo, é quando se desenvolve
da perda como motivo para não conceder o objetivo da visita; e, no encerramento, pode-
a entrevista. No entanto, constatou-se, na- se fazer um feedback dos assuntos conversa-
quele momento, que, em muitos casos de dos, reforçar pontos positivos e promover a
recusa, havia o medo dos agressores que per- auto-estima.
maneciam ameaçando a família. Estas etapas foram úteis para um bom
Neste trabalho, vivenciou-se muitos mo- entendimento com a família visitada, sendo
mentos de emoção em que os familiares cho- relevantes em visitas que tratem de proble-
ravam relembrando seus mortos e mostravam mas tão complexos e dolorosos como nas si-
fotos dos mesmos. Muitas dessas pessoas tuações que envolvem homicídios de jovens.
evidenciavam carência de afeto, de escuta, Um sentimento manifestado pelos pais
de alguém que pudesse entender e respei- durante a visita foi o de culpa por terem
tar seus sentimentos. deixado os filhos caírem no mundo das
Esta situação é referenciada por Padilha, drogas e, alguns deles, tinham inclusive
Carvalho, Silva e Pinto(5), quando afirmam que medo de falar sobre o fato, pois estavam sen-
a visita domiciliar visa conhecer a pessoa em do pressionados por traficantes.
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se que não é preciso dominar a técnica perfei- saúde; a oportunidade de (re)ligar teoria e
ta ou decorar o que falar na hora certa, basta prática; a possibilidade de ouvir as pessoas
reconhecer que os caminhos precisam ser e não vê-las como números ou índices; a ob-
traçados compreendendo e respeitando cada tenção de dados fidedignos; o incentivo ao
realidade. trabalho em saúde coletiva.
O diário de campo possibilitou a visua- Por fim, salienta-se que os benefícios da
lização das limitações e das vantagens opor- visita domiciliar como instrumento de coleta
tunizadas pela realização da visita domici- de dados e de vigilância em saúde são mais
liar na busca ativa como instrumento de cole- significativos do que suas limitações. Estas
ta de dados em pesquisa e vigilância em acabam se tornando transponíveis com o de-
saúde. correr do trabalho e com a experiência em
Considera-se que as vantagens e desvan- visitas.
tagens apresentadas por diferentes autores Portanto, acredita-se que a visita domi-
durante a discussão são evidentes e atuais. ciliar é um método eficaz e meio de execu-
Porém, a experiência durante o trabalho de ção de técnicas ágeis e fidedignas de pesqui-
campo, mostra que existem mais situações a sa, ainda pouco divulgado. É utilizada em ser-
serem relatadas, especialmente no que diz viços de atenção básica, sendo pouco explo-
respeito ao tema da violência. Acredita-se rado do ponto de vista da avaliação de ser-
que os profissionais que atuam nas unidades viços e pouco relatado ao público em geral
de saúde e realizam visitas domiciliares, en- e em publicações de pesquisa.
frentam muitas das dificuldades encontradas, Neste sentido, este artigo pretende ser-
bem como evidenciam também outros bene- vir de incentivo à realização de mais traba-
fícios das visitas no planejamento de ações lhos nesta área, de incentivo a pessoas que
em saúde comunitária. se deparam diariamente com os diversos
A visita domiciliar é um instrumento aspectos da visita domiciliar e possibilitar
eficaz para a vigilância em saúde. A partir da maior embasamento teórico sobre visitas
aproximação com o campo, é possível sinte- domiciliares para profissionais que desen-
tizar considerações sobre a visita como con- volvem programas governamentais, como
tribuição para diferentes tipos de estudos, o Programa de Saúde da Família (PSF) e o
não apenas de mortalidade. Programa de Agentes Comunitários de Saú-
Salientam-se entre os benefícios: o co- de (PACS) ou outros trabalhos em comuni-
nhecimento do contexto social em que vivem dade. Outro aspecto é o de discutir em meio
as famílias e comunidades; a visualização in acadêmico a riqueza e a viabilidade da rea-
loco do que os documentos oficiais mostram lização de pesquisas de fonte primária.
de forma limitada; a identificação do perfil
epidemiológico das comunidades; a avalia- REFERÊNCIAS
ção do impacto das ações dos serviços de
saúde; a identificação de situações de risco; 1 Lopes MJM, Sant’Anna AR, Aerts DRG. A morta-
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AGRADECIMENTOS
As autoras agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS) pelo apoio
financeiro e ao Programa Interno de Iniciação Científica (PROPESQ/UFRGS) pela concessão de bolsa à
pesquisa intitulada A mortalidade por homicídios em adolescentes em Porto Alegre de 1998 a 2000.