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PROGRAMA Manejo das

Doenças e
DE EDUCAÇÃO
Agravos mais
PERMANENTE frequentes
EM SAÚDE na Atenção
DA FAMÍLIA Primária à Saúde

UNIDADE
Diagnóstico
1
de Saúde da
Comunidade

João Batista Cavalcante Filho


Ana Rosvita de Alcântara Macedo Junta
Eric Conceição Jardim
Aula 1: Como levantar os problemas
de saúde da comunidade e qual sua
importância?

Vamos iniciar o nosso aprendizado? Em nosso cotidiano na Atenção Primária em saúde


observamos empiricamente que algumas doenças ou condições são mais frequentes que
outras... Qual a importância de descobrir o perfil dos agravos e condições mais frequentes
para uma equipe de atenção primária? E quais outros diagnósticos poderiam ser feitos?

Podemos analisar o diagnóstico de saúde pelo olhar dos atores que constroem, utilizam
e trabalham no Sistema Único de Saúde. Para os gestores, os números que envolvem o
trabalho na APS são fundamentais para o planejamento de ampliação da estrutura física,
aquisição de equipamentos e materiais, contratação de pessoal, definição de estratégias de
educação permanente, enfim, a preparação do sistema de saúde para acolher as necessida-
des que se apresentarem.

Para os trabalhadores, além de ajudar no diálogo com a gestão para melhorar a infraestru-
tura das unidades de saúde, o diagnóstico de saúde também favorece o planejamento de
ações e fluxos de forma a deixar a equipe mais preparada para prestar o cuidado mais inte-
gral possível. E ainda orienta estudos para as doenças mais prevalentes. Para a população,
auxilia tanto na participação das instâncias de controle social quanto na própria promoção
da saúde e prevenção de doenças.

Também podemos analisar o diagnóstico de saúde em dois âmbitos: municipal ou local.


Para buscar os dados municipais, temos as mais variadas fontes: Sistemas de Informações
oficiais do Ministério da Saúde, de Secretarias Estaduais, IBGE... Estes dados podem nos
dar parâmetros de como anda a saúde na nossa cidade, tais como: mortalidade infantil,
expectativa de vida, população total, dados de saneamento básico, principais causas de
internação, entre outros.

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Há um site do Ministério da Saúde chamado de Sala de Apoio à Gestão
Estratégica (SAGE). Em seu link de Situação de Saúde, fornece indi-
cadores de mortalidade, morbidade, violência, entre outros, sendo
possível realizar diversos recortes. Lá também temos acessos aos
gráficos de muitos desses indicadores.

Vamos conhecer a SAGE? Basta acessar o endereço eletrônico:


<http://sage.saude.gov.br/>. Cheque no link de situação de saúde
como estão os indicadores de sua cidade e do seu estado.

Pensando numa equipe de saúde da família, são muitas as informações que podem nos aju-
dar a organizar um processo de trabalho ou escolha de prioridades. Desde a quantidade de
pessoas na população adscrita, passando por quantidade de crianças menores de um ano,
percentual de crianças com situação vacinal em dia, quantidade de gestantes, as com pré-natal
em dia, quantidade de hipertensos e diabéticos, até a classificação de risco de cada um desses
pacientes, quantas pessoas da área adscrita tem planos de saúde e o número de tabagistas.

Definir quais os números serão levantados e acompanhados dependerá da reunião da


equipe e do diálogo com a gestão, e com a própria comunidade. Mas dependerá também
de alguns números que estão para além da percepção dos atores, números que precisam
ser estudados e levados em consideração para o diagnóstico de saúde. Os números que
auxiliam ações específicas e necessárias ao controle de determinadas doenças são os
coeficientes de morbidade, que também auxiliam em estudos de causa e efeito.

Segundo o livro clássico Epidemiologia e Saúde (ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 2003),


denota-se morbidade ao comportamento das doenças e dos agravos à saúde em uma
população exposta. Assim, os números de morbidade podem ser pesquisados por meio
de inquérito domiciliar (que tem a vantagem de alcançar as pessoas que não buscam o
sistema de saúde) ou pela demanda das pessoas que se apresentam espontaneamente
aos serviços de saúde.

Então, caro aluno, o que estamos propondo para você é uma coleta e análise de dados
estruturada, para conhecermos melhor o perfil de agravos que existe na nossa comunidade
adscrita. E propomos que isso seja parte de um modus operandi no processo de trabalho da
equipe, para que utilizemos essas informações para planejamento e avaliação desse traba-
lho. Ou seja, avançarmos para trazer valor de uso para as informações que coletamos, e não
somente utilizá-las para preencher mecanicamente fichas e formulários que são exigidos.

Para que esse processo possa ser divulgado e experiências possam ser trocadas, e ainda
para mostrar a produção de conhecimento no âmbito da atenção primária, o ideal é que
esse processo de levantamento, análise de dados e suas consequências estejam registrados
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no formato de pesquisa. Ou seja, criar um projeto de pesquisa, elaborar os instrumentos
de coleta e inserir esse projeto na Plataforma Brasil, sempre com atenção para a escolha da
fonte de dados e o tamanho da amostra que você irá utilizar.

Para este módulo do nosso curso, vamos nos concentrar em estudos de demanda. Como
a Atenção Primária se caracteriza pelo cuidado das pessoas independente de sua queixa
ou ciclo da vida, temos uma ampla gama de motivos para a consulta e procedimentos nas
nossas Unidades Básicas.

A população busca a UBS para várias situações em que entende


afetar sua autonomia nas atividades de vida diária, o seu “andar na
vida”. Buscam enquadrar estas situações em necessidades de saúde,
a demanda referida, geralmente apresentadas como repercussões
no “corpo biológico”, sendo a questão orgânica causa ou uma con-
sequência. Cabe ao profissional de saúde reconhecer, no encontro
com os usuários do sistema, essas necessidades de saúde.

Acolher as necessidades da população é uma oportunidade de instituir novas formas de


produzir o cuidado (CAVALCANTE FILHO et al., 2009). Diversos estudos demonstram que se
uma equipe de APS reconhecer os 50 diagnósticos mais frequentes na população adscrita e
se aperfeiçoar nos manejos desses diagnósticos, essas equipes poderiam resolver mais da
metade dos problemas de saúde dessa população (PIMENTEL et al., 2011).

Reconhecer o perfil da demanda faz com que possamos tornar nosso processo de traba-
lho mais eficiente, melhorando nosso planejamento e avaliação. Além disso, permite que
possamos nos aproximar da imagem de uma APS com qualidade, o que pode resolver de 80
a 90% dos problemas de saúde de uma população.

Acesse a Comunidade de Práticas da Atenção Primária em


<https://novo.atencaobasica.org.br/>, na qual há relatos de equipes
sobre a construção de Diagnósticos de Saúde da Comunidade. Veja
um desses relatos acessando <https://cursos.atencaobasica.org.br/
relato/5561>.

Landsberg et al. (2012) afirmam que, em Porto Alegre, de 7849 atendimentos 91% foram resol-
vidos por Médicos de Família e Comunidade (MFC), sem a necessidade de encaminhamentos
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para outros níveis do sistema. Já em Florianópolis, no ano de 2008, de 5698 encontros avalia-
dos 753 resultaram em encaminhamentos a outras especialidades médicas – ou seja, cerca de
13,2%. Além desses, 305 foram referidos a outros profissionais de saúde, não-médicos (5,3%).

Como podemos realizar esses levantamentos?


Conhecer e caracterizar a demanda por assistência em uma equipe de saúde da família pode
auxiliar para o planejamento de ações assistenciais, o planejamento de ações de educação
permanente, em processos avaliativos. As doenças crônicas não transmissíveis, pela sua
alta prevalência, invariavelmente assumem lugar de destaque nessa caracterização, pois
fazem parte do cotidiano das equipes de saúde da família no país e, segundo a Organização
Mundial de Saúde (2003), são responsáveis por 60% do ônus por doenças no mundo.

Apesar da grande representatividade das doenças crônicas no âmbito de uma equipe de saú-
de da família, é preciso se ter em mente que as mais diversas necessidades de saúde chegam
para ser acolhidas em uma Unidade Básica de Saúde. Muitas vezes, sintomas inespecíficos,
indiferenciados, caracterizando estágios iniciais de alguma doença ou mesmo processos que
não chegarão a um diagnóstico formal são atendidos pelo médico de atenção primária.

Landsberg et al. (2012) apontam no estudo clássico de Crombie, que


as especificidades da APS determinam que neste nível de atenção
apenas 50% das consultas chegam a um diagnóstico preciso. Os
autores elencam as razões disso a seguir:

1. M uitos “problemas” são autolimitados e requerem apenas


observação ativa.

2. Muitos pacientes demandam apenas serviços administrativos.

3. A fisiopatologia de base de “problemas” indefinidos e não graves


é desconhecida.

4. Exames laboratoriais e a tecnologia nem sempre colaboram para


o complexo processo diagnóstico de “problemas” frequentes.

5. É má prática tentar vigorosamente a definição de um diagnóstico


para um “problema” vago, especialmente se esse está acompanhado
de componentes psicológicos.

Assim, visando construir uma classificação mais adequada para a aten-


ção primária, desde meados dos anos 70 a WONCA (World Organization
of National Colleges, Academies and Academic Associations of General
Practitioners/Family Physicians – A organização mundial dos médi-
cos de família) busca desenvolver uma classificação que avance da
Classificação Internacional de Doenças (CID). Isso porque esta tem
seu foco na doença e é essencial para os estudos de mortalidade.

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A partir da Conferência de Alma-Ata a busca por uma nova classificação, mais adequada
para ser utilizada na APS, ganhou reforço devido ao reconhecimento que uma boa política
de Atenção Primária constituía o passo principal em direção à “saúde para todos até o ano
2000”, como defendido nessa conferência. Consequentemente, tanto a WONCA como a
Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceram que só seria possível construir uma
APS de qualidade se os profissionais tivessem acesso às informações certas. Essa constata-
ção conduziu ao desenvolvimento de novos sistemas de classificação (WONCA, 2009).

Diversos estudos e projetos pilotos foram estruturados para se chegar a uma classificação
que incorporasse o motivo da consulta, o diagnóstico do problema percebido pelo profis-
sional de saúde e a intervenção resultante. Foi criada, então, a Classificação Internacional
de Atenção Primária (CIAP). Dessa forma, como aborda muitas questões frequentes em APS,
avança na classificação do CID sem propor sua substituição.

É considerada a classificação mais adequada para ser utilizada em APS. A primeira versão
publicada pela WONCA é de 1987 e desde a sua publicação a CIAP tem recebido reconheci-
mento progressivamente maior em nível mundial como uma classificação apropriada para
medicina de família e comunidade e atenção primária, e vem sendo usada intensamente em
algumas partes do mundo.

Uma segunda edição da CIAP foi publicada essencialmente por duas razões: estabelecer
uma ligação com a 10ª edição da CID, CID-10, publicada pela OMS em 1992, e adicionar cri-
térios de inclusão e referências cruzadas em algumas rubricas.

O Brasil adquiriu a licença para utilizar a CIAP-2 em 2006. Em 2009,


a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, com
o apoio do Departamento de Atenção Básica do Ministério da
Saúde do Brasil, publicou uma edição revisada em português do
CIAP-2, que está disponível em: <http://www.sbmfc.org.br/default.
asp?site_Acao=mostraPagina&paginaId=72>.

De posse de um sistema de classificação reconhecido internacionalmente como adequado


para ser utilizado em atenção primária, vamos organizar um trabalho de levantamento das
situações mais comuns que chegam à Unidade Básica?

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Como dissemos anteriormente, é importante que nos atentemos ao
registro desse levantamento. Elaborar um protocolo de pesquisa e
registrá-lo na Plataforma Brasil <http://plataformabrasil.saude.gov.
br/login.jsf> é um passo essencial para que o nosso levantamento/
pesquisa seja aprovado por um comitê de ética em pesquisa e que
possamos divulgar resultados e compartilhar com outras equipes o
caminho percorrido.

Além disso, contribui para a produção de conhecimento em APS. No Tratado de Medicina


de Família e Comunidade (GUSSO; LOPES, 2012), encontramos os principais tópicos de um
protocolo de pesquisa:

• Introdução – apresentação clara a respeito do tema a ser pesquisado e, por meio de uma revisão
da literatura, explicação sobre o problema de pesquisa incluindo apresentação de um histórico a
respeito do que existe publicado e uma descrição simplificada das variáveis em estudo;

• Justificativa – breve demonstração sobre a importância do tema, os motivos pelos quais se deseja
fazer a pesquisa e seus benefícios para a população estudada;

• Objetivos – descrevem o que se pretende alcançar por meio da aplicação do protocolo. São comu-
mente divididos em primários e secundários (ou gerais e específicos). Contemplam o tema de
pesquisa e são realistas em relação aos meios disponíveis. O objetivo determinará o desenho do
estudo, cálculo de tamanho amostral, coleta e análise dos dados;

• Metodologia – descrição detalhada de todo o processo a ser desenvolvido na prática da pesquisa.


Inclui, entre outros itens, definição das variáveis, descrição de instrumentos, equipe, logística,
plano de análise, aspectos éticos e cálculo de tamanho de amostra;

• Cálculo de tamanho de amostra – é necessário para determinar uma prevalência ou identificar a


relação entre o “n” e o poder para se detectar uma diferença de médias ou proporções, ou risco
relativo pré-estabelecido com determinado nível de confiança;

• Cronograma e orçamento – é onde os investigadores fazem a previsão de tempo e gastos que a


pesquisa demandará. O tempo é previsto para cada tarefa da pesquisa e o orçamento contempla
todo material necessário para a realização do estudo;

• Referências bibliográficas – lista completa de referências utilizadas no processo de escrita do protocolo;

• Anexos/Apêndices – espaço destinado a documentos utilizados na pesquisa como ofícios, questio-


nários, manuais e termos de consentimento.

Fonte: Gusso e Lopes (2012)

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Atenção especial ao instrumento de pesquisa a ser aplicado!!! Busque
trabalhos já publicados, faça uma revisão de literatura e veja quais
dados estão disponíveis em outras fontes, mas isso sempre “de olho”
nos objetivos que você colocou para a sua pesquisa. Sempre é bom
dar atenção aos questionários validados!

Um questionário não pode ser muito extenso ou complicado. Suas


perguntas devem ser diretas, simples e inteligíveis para a população
que participará da pesquisa.

De posse dos instrumentos de pesquisa, que conterá os dados os


quais você quer colher da sua população, é importante agora definir
com a pesquisa vai acontecer e com quem podemos contar para exe-
cutá-la. Nesse momento, visitar a metodologia adotada por estudos
já realizados também ajuda muito.

Alguns estudos optaram por fazer sorteio de alguns domicílios e o


instrumento da pesquisa ser aplicado pelo agente comunitário de
saúde. Outros optaram por determinar um período em que, no aco-
lhimento, estudantes de instituições de ensino superior que realizam
estágio supervisionado nas unidades aplicavam os questionários com
os pacientes acolhidos no dia. E ainda houve quem optasse por um
questionário a ser aplicado no início da consulta médica, pelo médico
ou residente de medicina de família. Enfim, podemos bolar diversas
formas de fazer essa coleta de dados.

História em quadrinhos 1

Lembra a situação problema deste módulo? Vamos observar uma reunião de equipe na
História em Quadrinhos 1?

A equipe então resolveu montar uma ficha simples para ser preenchida quando fosse reali-
zado o acolhimento. Construiu um termo de consentimento livre e esclarecido para ser assi-
nado por quem buscava o acolhimento, para assinado pelos usuários que fossem participar
da pesquisa. Vamos dar uma olhada no esboço do instrumento produzido pela equipe?

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Unidade Básica de Saúde
Acolhimento

Nome:

Gênero: Idade:

Endereço:

Pasta Família: Data

Motivo Principal da Consulta:

Outros Motivos:

Classificação (CIAP 2)

Grau de Instrução

1. Analfabeto 2. Ensino Fundamental/incompleto

3. Ensino médio completo/ incompleto 4. Ensino Superior completo/ incompleto

5. Não quiseram responder

Renda Familiar

1.Até um salário mínimo 2. Entre 01 e 03 salários mínimos

3. Entre 03 e 05 salários mínimos 4. Acima de 05 salários mínimos

5. Não responderam

Qual o seu grau de satisfação com o atendimento dos profissionais da Equipe:

Médico:

Muito satisfeito Satisfeito Insatisfeito Muito insatisfeito NR/NS

Enfermeira:

Muito satisfeito Satisfeito Insatisfeito Muito insatisfeito NR/NS

ACS:

Muito satisfeito Satisfeito Insatisfeito Muito insatisfeito NR/NS

Figura 1 - Ficha de acolhimento.

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De posse desses dados, a equipe sistematizou seus resultados e respondeu sua pergunta.
O próximo passo agora é ver como a equipe se organiza melhor para atender as situações
mais frequentes levantadas por eles.

E assim concluímos nossa aula 1 deste módulo!! Que tal você fazer um diagnóstico de saúde
com a caracterização da demanda em sua unidade?

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