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Luana Teixeira
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quilombo, passou a significar um direito constitucional. Como prevê o artigo:
“Aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando as
suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhe
os títulos”.
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Por fim, o texto do decreto explicita o que a constituição já
considerava: a questão do direito étnico. Isso significa o reconhecimento por
parte do estado brasileiro de sua formação social diversa e desigual. E como
direito étnico, tornou-se necessário que os sujeitos de direito, as comunidades
remanescentes de quilombos, fossem compreendidas para além de um
aspecto jurídico formal, posto que etnicidade faz parte de um arcabouço teórico
estranho a maior parte da bibliografia jurídica. Por isso, desde a Constituição
de 1988 os antropólogos foram fundamentais no processo de aplicação da lei
constitucional, colocando questões e esclarecendo conceitos específicos de
sua área de estudo.
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suas diferenças” (O’Dwyer, 2002, pg. 15). Ou seja, a identidade não é
compreendida a partir de características culturais permanentes, fixas e
determinadas. A questão central é, esta sim, a relação, bem como a definição
das fronteiras entre um “nós” e um “eles”. Nessa compreensão “o princípio
classificatório que fundamenta a existência do grupo emana da construção de
um repertório de ações coletivas e de representações em face de outros
grupos” (Almeida, 2002, pg. 74). É nesse sentido que os critérios de auto-
atribuição se tornam importantes para a compreensão dos limites de um grupo
étnico. Estes não são definidos por caracteres culturais estanques, fixos e
comumente aplicados por aqueles que olham de fora. Estes elementos podem
ser importantes para se compreender a relação (muitas vezes estigmatizada)
construída no bojo das relações sociais, mas não explicam, tampouco tem
utilidade para a compreensão das características étnicas que constituem o
grupo. Conforme O’Dwyer:
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tais como uma origem ou ancestrais em comum, hábitos, rituais ou
religiosidade compartilhados, vínculo territorial centenário, parentesco
social generalizado, homogeneidade racial, entre outros. Nenhuma
destas características, porém está presente em todas as situações,
assim como não há nenhum traço substantivo capaz de traduzir uma
unidade entre experiências e configurações sociais e históricas tão
distintas” (Arruti, 2006, pg. 39).
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vista daqueles que os formaram, essas comunidades permitiram que
historiadores fizessem a crítica à noção tradicional de quilombo histórico,
percebendo que esta visão tinha sido construída tão somente a partir da ótica
de uma elite colonial e imperial preocupada unicamente em destruir e subjugar
os quilombolas.
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trabalho, a vadiagem. De uma forma geral essa perspectiva sobre quilombo o
coloca para fora do mundo da produção e do trabalho. É uma perspectiva que
não compreende os escravos como sujeitos de ação própria, que, além de
resistir através da fuga a uma situação de opressão, também elaboravam
projetos de vida diferenciados e próprios. De modo geral, essa idéia traz
consigo uma percepção reativa das ações dos sujeitos, destituídas de projetos
e propostas que visassem sociabilidades diferenciadas dos padrões
estabelecidos pelos povos europeus ou europeizados. E por isso, nesta visão,
sua existência na história do Brasil apenas teria sentido através dos esforços
mobilizados para destruí-los, pois eles em si não seriam portadores de uma
significação histórica que tivesse contribuído na formação da sociedade
brasileira. Por fim, posto que somente existiram enquanto associação de
escravos fugidos, sem projetos, sem sociabilidade própria, sem singularidade
específica, sem portar uma significância histórica em si, a conclusão deste
pensamento leva a inevitável constatação que após o fim da escravidão, os
quilombos teriam também deixado de existir.
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aprisionar seus construtores (Gomes, 2005; Volpato, 1996). Ou seja, cada vez
mais os autores têm buscado demonstrar que, de forma geral, os quilombos na
história do Brasil não estavam fora do mundo da produção e do trabalho, e sim,
ao seu modo e pela sua ação, se integravam a ele.
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de forma geral era só acessível à elite (conhecedora dos códigos jurídicos e,
principalmente, alfabetizada), mesmo que permanecendo em suas terras, os
quilombolas não as puderam legitimar. Daí o longo processo de luta e exclusão
que atravessou o século XX, e agora, no século XXI continua em andamento.
O artigo 68 da Constituição é hoje um importante mecanismo de busca pelo
direito historicamente negado. Uma nova significação de uma luta que já tem
mais de quatrocentos anos, e que, como historiadores tem percebido, se
destaca pela impressionante variedade de formas e estratégias que ela tomou
ao longo do tempo em todo território brasileiro.
Referências bibliográficas
FUNES, Eurípedes. ‘Nasci nas matas, nunca tive senhor: história e memória
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dos mocambos do baixo amazonas’. In: REIS, João José; GOMES, Flávio dos
Santos (orgs). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996.
REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos (orgs). Liberdade por um fio:
história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
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VARNHAGEN, Francisco A.. História geral do Brasil antes de sua separação e
independência de Portugal. Rio de Janeiro: Ed. Melhoramentos, 4º Ed., 3º
tomo, 1950.
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