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INTRODUÇÃO
Nas últimas três décadas do século XX, a questão quilombola voltou a fazer parte do cenário
social brasileiro, pois houve uma revalorização da ideia de quilombo no imaginário racial e na
trajetória dos movimentos sociais. Apropriando-se das narrativas da memória e que foram
transmitidas de geração a geração através da oralidade, o quilombo passou a ser visto como
um símbolo do processo de construção e afirmação social, política, cultural e identitária do
movimento negro contemporâneo no Brasil.
Contudo, a questão quilombola somente passou a fazer parte da agenda política de forma mais
contundente a partir da promulgação da Constituição Federal em 1988, que possibilitou a
vários grupos, dentre eles dos negros, a reivindicação de seus direitos, principalmente o
direito à permanência e ao reconhecimento legal de posse das terras ocupadas e cultivadas por
eles.
Apesar do avanço referente ao reconhecimento dos direitos dos quilombolas do acesso a terra,
como a aprovação do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que
reconhece a propriedade das terras ocupadas por comunidades quilombolas, na década de
1990 pouco se progrediu nessa questão.
Foi somente em 2003, com o Decreto 4.887 que “regulamenta o procedimento para
identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por
remanescentes das comunidades dos quilombos”, que os processos de titulação e
reconhecimento dessas comunidades evoluíram.
E, é neste universo repleto de lutas por reconhecimento de direitos territoriais, identitários e
culturais, que se encontra a Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telhas, localizada
em Guarapuava, Paraná.
As lutas empreendidas por essa comunidade pela posse do território deixado em testamento
por Balbina de Siqueira Cortes é centenária.
Essa comunidade formada pelos descendentes dos escravos libertos e herdeiros da donatária,
viu seu território ser alvo de inúmeras contestações e apropriações por vezes indevidas desde
1868. E, com o intuito de garantir o direito à permanência e a posse legal de suas terras, bem
como o livre exercício de suas práticas, crenças e valores, essa comunidade composta por
trabalhadores rurais negros, divididos em núcleos distintos, e contando com as garantias
adquiridas pela promulgação da Constituição Federal e pelo Decreto nº 4.887/2003, no ano de
2005 abriu um processo administrativo no INCRA para regularizar a situação de seu território
expropriado.
Portanto, é neste contexto repleto de conflitos relacionados à regulamentação territorial, que
se insere o objeto deste estudo sobre a memória, que pretende por meio de reflexões teóricas e
metodológicas da história oral, por meio de entrevistas às lideranças comunitárias,
compreender e dar visibilidade aos processos identitários e culturais pelos quais esse grupo
passou ao longo de todo esse processo de reconhecimento territorial que acabou
possibilitando ao mesmo a se constituir numa comunidade quilombola.
Esse trabalho é parte preliminar da constituição da dissertação de mestrado em História,
Cultura e Identidades da Universidade Estadual de Ponta Grossa, cuja defesa está prevista
para fevereiro de 2016, e está dividido em quatro partes principais.
As três primeiras constituem-se de reflexões sobre a saga quilombola e a luta pelo
reconhecimento e posse do território ocupado; a segunda refere-se a gênese histórica das lutas
pelo reconhecimento territorial e de autorreconhecimento identitário e cultural da
Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telhas; e, a terceira, refere-se aos aspectos
teóricos e metodológicos da História Oral e a questão da memória que servirão de alicerce,
juntamente com outras fontes de pesquisa, para a confecção da referida dissertação, buscando-
se com isso compreender e dar visibilidades aos processos identitários e culturais pelos quais
essa comunidade passou até se constituir como comunidade quilombola. Por fim, apresentam-
se algumas considerações sobre como se pretende executar o referido trabalho.
DESENVOLVIMENTO
1
Diáspora africana, também chamada de Diáspora Negra: é o nome que se dá ao fenômeno sociocultural e
histórico que ocorreu em países além África devido à imigração forçada, por fins escravagistas mercantis que
perduraram da Idade Moderna ao final do século XIX, de africanos. O termo foi cunhado por historiadores,
movimentos civis e descendência de ex-escravos recentes.
Contudo, a questão quilombola somente passou a fazer parte da agenda política de forma mais
contundente a partir da promulgação da Constituição Federal em 05 de outubro de 1988,
conforme da Silva (2008, p. 9), pois o período de redemocratização iniciado em fins dos anos
1980 e que culminou com a promulgação da referida Constituição, possibilitou a vários
grupos, inclusive aos negros, a reivindicação de seus direitos, que levaram a intensificar
pressões em âmbito governamental, que se traduziram, inclusive em mudanças legais, como a
aprovação do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que reconhece a
propriedade das terras ocupadas por comunidades quilombolas, sendo o Estado obrigado a
emitir-lhes títulos pertinentes. (LARA, 2009, p. 3-4)
Embora esse dispositivo legal represente um grande avanço, uma conquista para o movimento
negro do país, conforme da Silva (2008, p. 10), não se pode deixar de fazer sua crítica e
analisa-lo no contexto em que foi aprovado:
A União Africana definiu a Diáspora Africana como “consistindo de pessoas de origem africana vivendo fora do
continente, independentemente da sua cidadania e nacionalidade e que estão dispostos a contribuir para o
desenvolvimento do continente e a construção da união africana”. Daí vem o termo afro-diaspórico.
territorialidade indicada pelas comunidades a serem reconhecidas, e ao Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a identificação, o reconhecimento, a delimitação e
a titulação das terras ocupadas pelos remanescentes de quilombos, bem como à Secretaria
Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) acompanhar as ações da
regularização fundiária para garantir os direitos étnicos e territoriais promovidos pelo INCRA,
e ao Ministério da Cultura, por meio da Fundação Palmares, fiscalizar a preservação da
identidade cultural das referidas comunidades. (LARA, 2009, p. 4)
Portanto, a promulgação da Constituição Federal em 1988 possibilitou, não só aos
interessados pela causa das minorias, como também à sociedade brasileira, a oportunidade de
conhecer, compreender e analisar a complexa constituição de uma comunidade de
remanescentes quilombolas, e o que está por trás de todo processo que envolve a luta pelo
reconhecimento e posse do território ocupado por eles, além da permanência cultural e
identitária de cada grupo e, é nesse contexto de lutas e conquistas que se insere a Comunidade
Quilombola Invernada Paiol de Telhas.
Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telhas: gênese histórica das lutas pelo
reconhecimento territorial e autorreconhecimento identitário
REFERÊNCIAS