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A sociedade da inf ormação no Br

informação asil:
Brasil:
um ensaio sobr
sobree os desaf ios do Es
desafios Esttado
Rubens da Silva Ferreira INTR ODUÇÃO
INTRODUÇÃO
Mestrando em Planejamento do Desenvolvimento pelo Núcleo de
Altos Estudos Amazônicos-NAEA/UFPa, com área de concentração
em Políticas Públicas. Graduado em Biblioteconomia pela Universi-
A sociedade da informação traz novas responsabilidades
dade Federal do Pará (2000). para todos os atores sociais nela inseridos. Essas
E-mail: rubenspa@yahoo.com responsabilidades denotam o dever desses atores para a
provisão de um fluxo constante de informações que
possibilitem a geração de novos conhecimentos e tomada
Resumo de decisão nas várias instâncias da sociedade, inclusive
no Estado. Vista sob esta ótica funcional, a informação
Aborda os desafios do Estado na consolidação de uma pode ser entendida como um recurso redutor de
sociedade da informação no Brasil. Esses desafios são incertezas (Wetherbe, 1987; Chiavenato, 1993), e, no
representados pelo analfabetismo, pela necessidade de
capacitação dos recursos humanos da burocracia do Estado que concerne ao desenvolvimento, ela pode viabilizar a
e pela dificuldade do cidadão comum ao acesso às elaboração, implementação e avaliação de políticas
tecnologias de informação. Entende que a sociedade da públicas com maior grau de eficácia e eficiência, a partir
informação é algo ambivalente para o Estado brasileiro.
Ela representa os desafios e as oportunidades para o
da análise da complexidade social em suas demandas e
desenvolvimento em uma ordem informacional, caracterizada contradições. Há, portanto, no uso desse recurso, um
pela velocidade das mudanças no contexto da sociedade continuum que o coloca em uma posição de destaque no
contemporânea. Portanto, o Estado precisa elaborar e aplicar
políticas públicas comprometidas com a real superação
pós-industrialismo, em que a informação gera
desses desafios, para a construção de uma sociedade da conhecimento, e este, por sua vez, gera mais informação,
informação mais eqüitativa no Brasil. dentro de uma estrutura circular virtuosa. Por
conseguinte, tal estrutura, geradora desse fluxo perene
Palavras-chave
de informação, tem levado estudiosos como Masuda
Estado brasileiro; Sociedade da informação; Analfabetismo;
(1982), Touraine (1999) e Castells (1999) a atribuir-lhe
Capacitação de recursos humanos; Tecnologia da o status de recurso fundamental para o desenvolvimento
informação; Políticas públicas. da sociedade, tendo adquirido essa posição em função
das transformações tecnológicas que a tornaram cada
vez mais difusa no século XX.
Information society in Brazil: an essay about the
challenges of the State
Assim, para os diferentes atores da sociedade, a
informação assume finalidades específicas. No âmbito
Abstract
do mercado, o acesso à informação visa à geração de
vantagem competitiva sobre a concorrência, descoberta
This article treats of the challenges the State faces for
consolidating an information society in Brazil. These de novos nichos de consumidores; pesquisa e
challenges are illiteracy, the need of developing human desenvolvimento de novos produtos e serviços, bem como
resources and the difficulty of any citizen in accessing
o monitoramento do ambiente externo, a fim de
information technology. Information society is understood as
something ambivalen for the Brazilian State. It represents identificar ameaças e/ou novas oportunidades de
challenges but at the same time opportunities for developing negócios para as empresas que o compõem. Por isso,
an informational order, characterized by very quick changes cada vez mais, grandes corporações vêm realizando
in a contemporary society. Therefore, the State has to
elaborate and apply relevant public policies for overcoming investimentos vultosos em sistemas de informação,
these challenges in order to build up a more evenly objetivando interagir de forma mais rápida e dinâmica
accessible information society in Brazil. em áreas de produção, distribuição e comercialização de
produtos estrategicamente espalhadas pelo planeta
Keywords (Ferreira, 2000).
Brazilian state; Information society; Illiteracy; Human No campo do Estado, enquanto conjunto de instituições
resources development; Information technology; Public
policies. de poder legitimadas pela sociedade (Banco Mundial,

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A sociedade da informação no Brasil: um ensaio sobre os desafios do Estado

1997), o acesso à informação tem por finalidade a Partindo dessa perspectiva de mudança em que o
manutenção da sua soberania. Nessa direção, o uso desse paradigma pós-industrial imprime uma nova dinâmica
recurso é orientado no sentido de coordenar a à sociedade, ao Estado e aos agentes econômicos, países
complexidade social no que se refere à ordem, por de diferentes realidades tecnológicas, políticas, sociais e
intermédio de suas instituições legislativas, executivas e culturais têm procurado se adaptar a este contexto.
judiciárias. Em caráter específico, a informação no Reconhecida oficialmente como um recurso estratégico
contexto do Estado está voltada para a análise da realidade e propulsor do desenvolvimento pelo governo brasileiro
social e subseqüente elaboração, aplicação e controle de por meio do Programa Sociedade da Informação,* o qual
políticas públicas* que promovam o bem-estar da teve suas diretrizes expressas no chamado Livro Verde
coletividade. (Sociedade, 2000)12 , tal iniciativa visa a promover o uso
das novas tecnologias de comunicação na esfera social,
Para a sociedade civil, o aceso à informação tem como estatal e privada. Conforme evidencia o Livro Verde, o
propósito desenvolver o potencial criativo e intelectual programa é um conjunto de ações governamentais
dos indivíduos; entreter; dar sentido às ações dos homens ousadas e marcadas por muitos desafios. Porém, tais ações
no cotidiano; tornar públicas as proposições políticas e são necessárias em um mundo cada vez mais globalizado
decisões que, tomadas na esfera do Estado, têm reflexos e competitivo, de forma que os países em
diretos sobre a qualidade de vida das populações. E, de desenvolvimento que se posicionarem de modo
um modo geral, permitir o exercício da cidadania, o que negligente a esta realidade ainda em conformação podem
só é possível se os cidadãos tiverem o pleno incorrer em atraso e isolamento tecnológico e econômico,
conhecimento de seus direitos e deveres (Araújo, 1999; provavelmente de difícil reversão, se contrastados com
Rocha, 2000) enquanto membros da nação. Dessa os países desenvolvidos que já puseram em curso seus
maneira, formas organizativas da sociedade civil como projetos de construção de sociedades baseadas no uso
ONGs, movimentos sociais, sindicatos e associações de intensivo de informação.
bairro podem contribuir para que os cidadãos exerçam
sua cidadania mediante provisão de informações Neste contexto, o objetivo deste ensaio situa-se em um
relacionadas aos seus direitos políticos, civis e sociais esforço de reflexão sobre os desafios que o Estado precisa
conquistados historicamente. enfrentar, a fim de que possa tornar-se efetiva a
construção de uma sociedade da informação no Brasil,
Em um cenário em que as ciências sociais e suas subáreas tal como tem almejado o governo federal em seu
analisam a crise do Estado como conseqüência dos ajustes Programa Sociedade da Informação. Seguindo essa linha,
estruturais ditados pelas reformas neoliberais para a serão discutidos três fatores considerados críticos para
implantação de uma lógica de mercado nas relações que o Estado possa produzir o resultado que espera. São
Estado/sociedade, os movimentos sociais e ONGs vêm eles: o analfabetismo, o acesso do cidadão comum às
proliferando anualmente no Brasil. Essa proliferação é novas tecnologias de informação e a capacitação dos
interpretada, neste sentido, como uma atitude de reação recursos humanos lotados na burocracia estatal.
e auto-iniciativa da sociedade civil, para se ocupar dos
problemas sociais negligenciados pelo poder público e O ES
ESTTADO BRASILEIR
BRASILEIROO E SEUS DES AFIOS
DESAFIOS
pelo mercado e, assim, “humanizar” o capitalismo
(Pablo Falconer, 1999; Offe apud Rocha, op. cit.). Antes de qualquer coisa, o Estado precisa encarar a
A ascendência dessa reação social resulta, portanto, de informação como um recurso de gestão e
uma descrença na capacidade de as instituições estatais desenvolvimento para o país. Nessa ótica, assim como
e econômicas lidarem de forma efetiva com as questões se concebem políticas direcionadas para os setores de
de interesse da coletividade, principalmente em países habitação, saúde, educação, segurança pública e geração
com sérios entraves sociais, políticos e econômicos, para
alcançar um nível satisfatório de desenvolvimento, como * O Programa Sociedade da Informação resultou de ampla discussão
é o caso do Brasil. promovida pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, realizada
no ano de 1996, da qual participaram intelectuais, técnicos e
* Entenda-se por políticas públicas a tomada de posição do Estado especialistas de diferentes formações, organizados em temas
diante das demandas da sociedade, que se traduz, entre outras coisas, desdobrados nos seguintes grupos de trabalho (GT): administração
em legislações, programas e projetos de ação voltados à segurança, à pública; ações empresariais; conteúdo e identidade cultural;
educação, à geração de emprego e renda, à saúde, à regulação da cooperação internacional; divulgação à sociedade; educação; infra-
economia, ao uso dos recursos naturais, à seguridade social e a estrutura de redes e backbones; integração e regionalização; pesquisa e
tantos outros aspectos da vida econômica e social que puderem ser desenvolvimento; planejamento; processamento de alto desempenho
enumerados. e trabalho (Sociedade, 2000).

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Rubens da Silva Ferreira

de emprego e renda, cabe aos governos, em sua escala e o que a realidade social brasileira é de fato*. Tal
federal, estadual e municipal, desenvolver políticas de antinomia pode, neste sentido, ameaçar as expectativas
informação. Tais políticas, de natureza particular, do programa quanto aos resultados esperados pelo poder
referem-se às diretrizes e ações estratégicas capazes de público federal. De maneira mais precisa, enquanto o
orientar o uso eficaz desse recurso no campo da cultura, Estado pretende acabar com o “analfabetismo digital” –
da política e da economia brasileira na sociedade da condição necessária para a inserção do cidadão na
informação de acordo com os novos paradigmas, tais sociedade virtual em rede –, muitos brasileiros ainda
como a descentralização de processos, otimização de permanecem à parte da produção e da compreensão da
custos, participação social direta nas decisões políticas e palavra escrita, a qual soa mais como um privilégio de
gestão dos serviços públicos, bem como o livre acesso poucos, do que como um direito de todo o cidadão.
do cidadão à informação pública. Portanto, o analfabetismo é o maior desafio a ser
enfrentado pelo Estado para a consolidação de uma
No atual momento em que se discute e revê o papel do sociedade da informação no Brasil, uma vez que os
Estado, torna-se oportuna a ref lexão sobre as estoques de informação disponíveis na Internet
responsabilidades informacionais do poder público para encontram-se, em sua maioria, sob a forma de texto
com a sociedade. E, embora autores como Castells (apud escrito, inacessíveis para cerca de 20 milhões de
Silveira, 2000) afirmem que o Estado é pequeno demais brasileiros que não sabem ler e escrever (Baggio, 2000).
para enfrentar os desafios de uma sociedade da Este desafio evidencia, portanto, que a educação ainda é
informação, cabe ressaltar que a capacidade adaptativa a melhor via para que um país alavanque seu processo
das instituições e seus reordenamentos estruturais de desenvolvimento, com maiores possibilidades de
manifestam-se em espaços temporais imprevisíveis e inclusão e igualdade de oportunidades para o cidadão.
imensuráveis, principalmente se considerarmos a
conjuntura ainda recente dos acontecimentos que se O projeto Alfabetização Solidária, implementado pelo
desencadearam a partir do século XX, aos quais os programa Comunidade Solidária, é uma iniciativa de
Estados nacionais vêm se ajustando em maior ou menor capital importância no combate ao analfabetismo no
ritmo e escala de tempo. Assim, não convém acreditar Brasil. Contudo, nas escolas públicas, pouco inovou-se
em um determinismo negativo que subjuga o poder de nos métodos de ensino diante das possibilidades ainda
reação do Estado em seu conjunto de instituições, em inexploradas de aprendizado oferecidas pelas novas
face das mudanças paradigmáticas que bem representam tecnologias de comunicação e informação, as quais
a sociedade da informação. permitem a manipulação de diferentes mídias (texto,
imagem e som) em uma relação mais interativa entre
No Brasil, o governo federal, por meio do Conselho sujeito cognoscente e conhecimento. De modo geral,
Nacional de Ciência e Tecnologia, tem mostrado sua podem contribuir para essa “estagnação metodológica”,
capacidade de reação ao paradigma tecnoinformacional. tanto a resistência (Assmann, 2000) quanto a falta de
De acordo com o Programa Sociedade da Informação, preparo dos professores para lidar com a metamorfose
idealizado em 1996, pretende-se, por intermédio de do processo ensino/aprendizado na sociedade da
serviços de computação, comunicação e informação, informação. Demanda-se, neste caso, a preparação desses
estruturar as bases para uma ação de alcance nacional, docentes para atuar em um ambiente escolar no qual o
voltada para a sociedade civil, para a pesquisa, para a papel do educador aumenta em grau de importância, no
educação e para o setor econômico, com o propósito de sentido de que o processo ensino/aprendizado precisa
construir uma sociedade da informação brasileira ser administrado de maneira mais dinâmica e criativa.
(Miranda, 2000). O fator-chave desse programa está
concentrado em uma complexa plataforma tecnológica,
pela qual se espera elevar o número de cidadãos
conectados à Internet, possibilitando, desse modo, o
amplo acesso à informação, inclusive àquela produzida * Entenda-se, no sentido de uma realidade social brasileira enquanto
pelo próprio Estado e disponibilizada em web sites tal, o emaranhado de problemas sociais historicamente não resolvidos,
como é o caso da reforma agrária, emperrada na agenda política do
governamentais (Pimenta, 1998).
Estado por uma tradição de três séculos de escravismo colonial (Silva,
1996), responsável pela acentuada concentração fundiária no Brasil
Em que pesem os objetivos do programa, a crítica que se até os dias de hoje. SILVA, Francisco Carlos T. da. A modernização
faz pousa em grande paradoxo entre o que o governo autoritária: do golpe militar à redemocratização 1964/1984. In:
LINHARES, Maria Y. (Org.). História geral do Brasil. Rio de Janeiro:
federal almeja alcançar em termos de objetivos e metas Campus, 1996. p. 301-334

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A sociedade da informação no Brasil: um ensaio sobre os desafios do Estado

Do ponto de vista tecnológico, a dificuldade para a Contudo, é um erro pensar que a democratização da
construção de uma sociedade da informação brasileira informática irá levar à completa democratização da
não é menos tênue que o problema do analfabetismo. informação. A primeira forma representa apenas uma
Para muitos trabalhadores assalariados, o computador e contribuição para a segunda, a qual constitui um processo
a Internet ainda são categorizados como bens de luxo, mais amplo e que envolve não apenas os conteúdos
pois o preço médio desse equipamento corresponde a informacionais disponíveis na Internet, mas toda a
cerca de um terço da renda média anual per capita do informação produzida na sociedade, registrada nos
Brasil (Sociedade, 2000, p. 37). E, apesar de algumas mais diferentes suportes e de interesse público.
escolas do ensino público contarem com esses recursos A democratização da informática é, portanto, um meio
para seus alunos, os cidadãos não matriculados nesses para um fim maior, dado que os recursos computacionais
estabelecimentos de ensino permanecem excluídos do e telemáticos são apenas ferramentas que podem
usufruto das novas tecnologias de comunicação e potencializar a disseminação da informação, ao eliminar
informação. velhas barreiras espaciais e temporais que limitavam o
fluxo informacional entre sociedades até a segunda
Dessa maneira, se o governo federal pretende ampliar o metade do século XX.
número de brasileiros conectados à Internet, terá
também de realizar a democratização da informática, tal No que se refere à Internet, cabe lembrar que ela
como vem fazendo o Comitê para Democratização da apresenta muitas questões a serem consideradas quanto
Informática (CDI), uma ONG idealizada por Rodrigo à democratização da informação. A popularização dessa
Baggio, em 1993, que tem como objetivo permitir o acesso rede mundial, por exemplo, trouxe consigo uma
de cegos, doentes mentais, presos, minorias étnicas e quantidade expressiva de informação, muitas vezes de
comunidades carentes em geral ao uso de recursos qualidade duvidosa, servindo mais para desinformar do
computacionais e telemáticos essenciais no advento da que informar o cidadão. Basta lembrar, nessa perspectiva,
sociedade da informação (Baggio, op. cit.). Embora o CDI a propagação de sites neonazistas, que difundem
esteja presente em 23 cidades brasileiras e quatro países livremente informações de conteúdo racista e
(Japão, México, Colômbia e Uruguai), tendo capacitado preconceituoso, divulgando uma visão artificial e
até 1995 cerca de 48 mil brasileiros (idem), o Estado distorcida sobre o que foi o Holocausto promovido por
continua cada vez mais necessário na sociedade, no que Hitler a partir de 1933, ou ainda, sites estruturados com
se refere à elaboração e execução de políticas sociais de conteúdos de pedofilia, acessados mundialmente por uma
inclusão de longo alcance, principalmente se o poder rede de indivíduos investigados pela polícia
público somar esforços com a iniciativa de outros atores internacional. Cabe ao Estado, portanto, discutir, junto
sociais – como o CDI –, para intervir em questões que à sociedade civil e atores econômicos, ações capazes de
ele não consegue resolver sozinho em seu momento de coibir a veiculação de informações dessa natureza. E, da
crise e reajuste institucional. mesma forma, pensar e estimular a disponibilização de
conteúdos informacionais na Internet que promovam a
A democratização da informática no contexto de uma formação intelectual e cultural do indivíduo, uma vez
ação estatal precisa, a nosso ver, transpor os muros das que a rede mundial de computadores – enquanto espaço
escolas e universidades e atingir o maior número possível até o momento livre de qualquer regulamentação
de cidadãos não-alunos. Pode-se pensar, neste caso, na consistente – tem publicizado informações sem
construção de unidades de informação pública, considerar os princípios humanos e éticos sobre os quais
distribuídas em bairros populares, estruturadas com a democratização da informação deve fundamentar-se.
computadores ligados à Internet e administradas por
membros da comunidade habilitados para cadastrar e A reflexão sobre as possibilidades de atuação do poder
orientar o cidadão na busca da informação desejada, seja público na sociedade pós-industrial – no que se refere à
em web sites governamentais, científicos, de arte, turismo democratização da informação e da informática – traz à
ou lazer. Ações dessa natureza têm sido executadas, por tona a questão da capacitação dos recursos humanos
exemplo, em Curitiba, como resultado da parceria entre que irão atuar nesse novo modelo de sociedade.
a prefeitura e o CDI (Sociedade, 2000, p. 38) na Capacitação que precisa ir além do simples
disponibilização de serviços gratuitos de acesso à Internet “adestramento tecnológico”, pois no trabalho
em pontos estratégicos da cidade. informacional a atenção deve concentrar-se na produção
e disseminação de conteúdos informacionais
qualitativos. Assim, o quadro funcional tutelado pelo

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poder público precisa ser preparado para trabalhar sob CONSIDERAÇÕES FINAIS
a perspectiva do processo de que se constituem as práticas
de coleta, processamento e disseminação da informação, Em resumo, para o poder público, a sociedade da
a fim de prestar serviços informacionais mais eficientes informação é algo ambivalente, como abordamos até
à sociedade. aqui. Ela representa para o Estado os desafios e as
oportunidades de um novo arranjo político, social,
Um aspecto relevante que precisa ser considerado na econômico e tecnológico. Desafio que o leva a rever sua
capacitação de pessoal corresponde ao emprego de legislação civil, comercial e penal, para dar conta dos
abordagens comportamentais positivas. Tais abordagens novos comportamentos sociais que emergem de uma
precisam estimular o desenvolvimento de uma cultura ordem agora informacional. A pensar formas de educação
organizacional comprometida com a provisão de um inovadoras para o ensino público, com o advento dos
fluxo constante de informação, livre de erros, sempre computadores pessoais e da telemática. A buscar novos
atualizado e sem redundância (Ferreira, op. cit.). mecanismos de fazer política, com a participação popular
A reforma administrativa é o momento oportuno para e o livre acesso do cidadão à informação pública.
que o governo federal inclua, em seu Programa Nacional A capacitar os recursos humanos do aparelho estatal
de Capacitação do Servidor Público, cursos voltados para para o trabalho informacional. A produzir conteúdos
o aprendizado e o trabalho informacional nas nacionais qualitativos, de interesse público e com valor
organizações estatais, envolvendo não apenas o pessoal agregado, capazes de promover o desenvolvimento
situado no nível alto e intermediário da burocracia, mas político e cultural da coletividade.
também os servidores inseridos no nível operacional
que lidam diretamente com o cidadão, haja vista que a Entretanto, a sociedade da informação desponta como
reforma administrativa, na agenda do Estado, tem entre oportunidade no que se refere ao uso dos novos métodos
seus princípios a ênfase na prestação de serviços públicos e técnicas para o processamento da informação, sem os
de qualidade para o cidadão (Pimenta, op. cit.), e quais esse recurso não teria adquirido o caráter de
qualidade é algo diretamente ligado à informação (Moura, fenômeno na modernidade. É por meio desses recursos
1995), no sentido de que ela gera conhecimentos sobre tecnológicos que o poder público pode interagir mais
o grau de satisfação dos consumidores de serviços com a sociedade, conhecendo novas demandas e
públicos e privados. proposições políticas de grupos sociais antes limitados
em seus canais de comunicação com o Estado.
Escolas públicas de governo, como a Escola Nacional Oportunidade de investir em ciência e tecnologia, a fim
de Administração Pública (Enap), têm importante papel de que o conhecimento produzido seja revertido na
no atendimento das demandas dos servidores públicos qualidade de vida da população. De ampliar o acesso do
por capacitação, cabendo aos governos federal, estadual cidadão à educação, com a participação de sindicatos,
e municipal buscar parcerias com instituições empresas privadas, ONGs e outras formas organizativas
tradicionalmente dedicadas à formação de profissionais da sociedade comprometidas com o desenvolvimento
na área de informação, para a oferta de cursos que da cidadania. Cidadania cuja prerrogativa do seu exercício
contribuam para o melhor desempenho do trabalho passa, necessariamente, pelo direito de acesso à
informacional nas repartições públicas. Em síntese, a informação, como condição elementar para a conquista
capacitação técnica do quadro humano em atuação no de novos direitos políticos, civis e sociais, em uma
poder público é um fator crítico para a construção de sociedade cada vez mais caracterizada pela velocidade
uma sociedade da informação no Brasil, como tem das mudanças que nela ocorrem, exigindo, assim, grande
objetivado o governo federal em seu programa, pois a capacidade adaptativa das instituições e grupos sociais
qualidade das informações publicizadas para a sociedade que a constituem.
dependerá, essencialmente, do modo como ela foi tratada
em seu trâmite no corpo burocrático do Estado. A consolidação de uma sociedade da informação mais
eqüitativa depende, portanto, da superação dos desafios
elementares arrolados neste ensaio, no sentido de que
as oportunidades que se abrem possam ser mais bem
aproveitadas pelo Estado e pela sociedade civil. Ao
colocar em prática um projeto de valor estratégico para
o desenvolvimento brasileiro, antes que tenham sido
resolvidas antigas questões da agenda política, o Estado

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A sociedade da informação no Brasil: um ensaio sobre os desafios do Estado

pode, na mais simples das hipóteses, reproduzir uma FERREIRA, Rubens da Silva. Gerenciamento da informação no contexto
empresarial: uma abordagem sob o prisma da ecologia da informação.
estrutura social cada vez mais excludente e desigual, muito 2000. 75 f. Monografia (Curso de Biblioteconomia – UFPa) - UFBA,
distante da concepção masudiana de uma sociedade da Belém, 2000.
informação democrática e igualitária. Daí a necessidade MASUDA, Yoneji. A sociedade da informação como sociedade pós-industrial.
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