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Resumo
O presente artigo analisa algumas imbricações existentes entre a esfera
econômica e o Estado. Nesse sentido, inicialmente discorre sobre o surgimento do
liberalismo, sobretudo quanto aos seus contornos políticos e econômicos – os quais
revelam uma ideologia preponderantemente individualista e defensora do Estado
mínimo – enfatizando também os reflexos deste paradigma para a constituição da
democracia. Na esteira das crises do modelo liberal, aborda os aspectos
econômicos inerentes ao Estado intervencionista, destacando as experiências de
Weimar em 1919, na Alemanha e do New Deal, em 1929, nos Estados Unidos – as
quais demonstraram a necessidade de regulação da economia, sobretudo para a
garantia e proteção dos direitos sociais. Por fim, analisa a função econômica do
Estado na contemporaneidade, considerando o contexto paradoxal de emergência
do pensamento neoliberal e de expansão dos direitos sociais e garantias
constitucionais, bem como a necessidade de regulação/regulamentação do
mercado e as consequências da desnacionalização econômica.
Palavras-chave: Liberalismo. Estado mínimo. Intervenção econômica.
Direitos sociais. Neoliberalismo.
Abstract
This paper analyses some imbrications between the economic sphere and
the State. It discourses about the origins of the liberalism, especially as its political
1
Artigo recebido em: 12/07/2012. Pareceres emitidos em: 26/08/2011 e 29/08/2011. Aceito para
publicação em: 12/09/2012.
2
Bacharel em Direito e Sociologia pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul – UNIJUI. Advogada. Mestranda em Direitos Humanos pela mesma Universidade.
anarc1@gmail.com.
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Bacharel em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul –
UNIJUI. Advogado. Mestrando em Direitos Humanos pela mesma Universidade. gbedin@msn.com
4
Bacharel em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul –
UNIJUI. Assessor de Juiz. Mestrando em Direitos Humanos pela mesma Universidade.
ricardofischer@tj.rs.gov.br.
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INTRODUÇÃO
Com o intuito de contribuir para essa análise, ainda que de forma breve, o
presente trabalho aborda, num primeiro momento, características gerais do
liberalismo, pontuando seus vieses político e econômico. Na sequência, trata do
declínio dessa ideologia e, sobretudo, do modelo de Estado liberal, e da emergência
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Ana Righi Cenci / Gabriel de Lima Bedin / Ricardo Santi Fischer
René Passet (2002, p. 220) afirma que, no campo econômico, Adam Smith e
Hayek
Finalmente, é elementar destacar que liberalismo, por não ser uma doutrina
homogênea, comporta entendimentos distintos – e mesmo divergentes – a exemplo
da cisão detectada por Macpherson (1991) entre liberalismo possessivo e liberalismo
desenvolvimentista. O autor britânico entende que o liberalismo do século XVII
inaugura uma concepção de indivíduo racional e atômico, fundamentado em alguns
valores centrais – tais como a “vida”, a “liberdade” e a “propriedade” –, vinculados,
genericamente, à liberdade da natureza humana (ideia de direitos naturais). Em sua
trajetória histórica, no entanto, o incorporou outros elementos à teoria, sobretudo no
século XIX, período em que foi superado o paradigma dos direitos naturais e
concebida a ideia de “trocas compensatórias” (trade-off) – entendida pelo autor como
o elemento central do liberalismo recente.
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A Constituição de Weimar foi uma “solução de compromissos” ou “compromisso constitucional”,
com o objetivo de impedir as aspirações revolucionárias de uma parte do operariado alemão,
mesmo depois da derrota do movimento Spartakista, em 1918, que desejava instalar na Alemanha
um Estado Socialista nos moldes da Revolução Russa de 1917.
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Ressalte-se que nenhuma empresa fora nacionalizada.
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“era constituída por um regime de propriedade e direitos contratuais que não eram nem
espontâneos nem auto-regulados, mas sim uma criação positiva do Estado” (tradução livre)
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“o núcleo da liberdade a ser protegida contra a interferência governamental era a liberdade do
contrato, o que para eles significava liberdade nos assuntos econômicos (tradução livre).
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“Os progressistas reformularam o conceito de liberdade para oferecer, pelo menos a nível retórico,
um rompimento com o passado. No lugar da antiga definição de liberdade como libertação da
arbitrariedade, conceituada como liberdade negativa, eles argumentavam por uma noção positiva
de liberdade que media o poder do individuo para efetivar seus desejos. Abarcando a premissa
socialista de que a fonte primária de poder era o bem-estar, os progressistas argumentaram que o
estado, pela promoção de uma maior igualdade econômica através de programas compulsórios de
redistribuição, estaria de fato defendendo a causa de liberdade”. (tradução livre)
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O Estado de direito, contemporaneamente, é adjetivado pelo termo “democrático”, entendendo-se
o Estado democrático de direito como um processo de incorporação e superação dialética (haja
vista a contradição política) dos Estados liberal e social (BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p.
213). Para José Joaquim Gomes Canotilho (1999), o Estado de direito em sua versão
contemporânea, além de caracterizado como democrático, deve ser compreendido
necessariamente como constitucional.
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“O que se tem ocultado pela ideologia liberal é que a autonomia que embasa o mercado é um
poder e que por isso o princípio da legalidade, que exclui a existência de poderes absolutos no
estado de direito, exige que essa autonomia esteja sujeita a limites e vínculos na tutela dos
direitos e dos bens fundamentais”. (tradução livre)
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“é à esfera pública, a suas instituições de governo e sobretudo a específicas instituições de
garantia, funcionalmente encarregadas da tutela dos interesses gerais e dos direitos fundamentais
de todos, que é necessariamente confiada a heterorregulação do mercado, através da imposição
de limites e vínculos legais aos poderes empresariais”. (tradução livre).
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3.2 Desnacionalização
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa visão liberal, contudo, mostra-se falaciosa, uma vez que os resultados
das práticas de mercado resultam em um sistema insubsistente para sua própria
manutenção, porque não se revela capaz de promover o bem comum. Pelo
contrário, inclusive, o enaltecimento da livre concorrência e da liberdade contratual
(princípios basilares do liberalismo) resultou historicamente na acumulação de
capital e num contexto de ampla desigualdade social. Ademais, o mercado
tampouco é capaz de se autorregular, uma vez que depende da intervenção estatal
para contornar suas crises recorrentes.
A reflexão sobre esses sistemas revela uma importante questão: que tipo
sociedade se almeja construir e que vínculos existem nesta sociedade entre o
Estado e a economia? Que valores devem ter sua proteção priorizada pelo Direito?
As implicações decorrentes de ambos os contextos – tanto aquele tendente a
interesses privados e de ganhos individuais, com sobreposição da economia, como
aquele voltado a interesses da coletividade e à promoção do bem-estar social, com
predomínio do direito – são muitas. Vislumbra-se, no entanto, após analisar as
potencialidade e as fragilidades de cada um destes “tipos” de Estado, que este,
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