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Patrocínio:

A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber


Organizadores:
May Christine Modenesi-Gauttieri
Andrea Bartorelli
Virginio Mantesso-Neto
Celso Dal Ré Carneiro
Matias B. de Andrade Lima Lisboa

2010
Título: A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
Primeira edição: 2010
.Beca-BALL Edições Ltda.
Rua Capote Valente, 779
CEP 05409-002 São Paulo SP Brasil

www.editorabeca.com.br
Direção: Murilo de Andrade Lima Lisboa
muriloli@editorabeca.com.br
8 2010

A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber/ organizado por May Christine


Modenesi-Gauttieri; Andrea Bartorelli; Virginio Mantesso-Neto; Celso dal
Ré Carneiro; Matias Barbosa de Andrade Lima Lisboa. - - São Paulo: Beca-
BALL edições, 2010.
ISBN: 978-85-62768-05-7

Bibliografia.

Patrocínio: PETROBRAS

1. Geografia - Brasil. 2. Geomorfologia. I. Ab'Sáber, Aziz N. II. Modenesi-


Gauttieri, May C., Org. III. Bartorelli, Andrea, Org. IV. Mantesso-Neto,
Virginio, Org. V. Carneiro, Celso D. R., Org. VI. Lisboa, Matias A. L., Org.
VII. Título.

Depósito Legal na Biblioteca Nacional,
conforme Decreto nº 1825, de 20 de dezembro de 1907.

Conselho Editorial:
Diretor: Murilo de Andrade Lima Lisboa
Presidente: Celso Dal Ré Carneiro
Mediador: Virginio Mantesso-Neto
Andrea Bartorelli
Antonio Carlos Robert Moraes
Benjamim Bley de Brito Neves
Fernando Flávio Marques de Almeida
Rualdo Menegat
Silvia Fernanda de Mendonça Figueirôa
Patrocínio:

A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber


Organizadores:
May Christine Modenesi-Gauttieri
Andrea Bartorelli
Virginio Mantesso-Neto
Celso Dal Ré Carneiro
Matias B. de Andrade Lima Lisboa

2010
A Petrobras se sente honrada quando participa da divulgação da
obra de brasileiros que dedicam sua vida para o progresso do nosso país. É o caso deste
livro, que apresenta a obra acadêmica completa do geógrafo Aziz Nacib Ab'Sáber.

A notoriedade como geógrafo, geomorfólogo e cientista das geociências


não o entrincheirou no meio acadêmico; sempre esteve presente nos grandes debates
nacionais, sobretudo quando os temas se relacionam com meio ambiente ou, como ele
mesmo diz, com "a parte menos aquinhoada da sociedade brasileira".

Foi laureado com as mais altas honrarias da ciência: Membro Honorário


da Sociedade de Arqueologia Brasileira, Grão Cruz em Ciências da Terra pela Ordem
Nacional do Mérito Científico, Prêmio Internacional de Ecologia de 1998 e Prêmio
Unesco para Ciência e Meio Ambiente, Professor Emérito da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Professor Honorário do
Instituto de Estudos Avançados da mesma Universidade, Presidente, na gestão de 1993
a 1995, e atual Presidente de Honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
-SBPC. Embora tenha se aposentado compulsoriamente, ainda se mantém em atividade
orientando alunos, e intervindo no cenário político nacional com seus questionamentos.

Cientista renomado, quando entrevistado respondeu: "parto do princípio


de que as pessoas precisam entender o que é cultura para, depois, entender o que é
ciência. A pesquisa agrega conhecimento à cultura, alimenta a ciência e acelera os
processos evolutivos das sociedades".

Fez isso quando, na primeira metade da década de 1980, participou do


grupo de especialistas na formulação da estratégia de exploração e produção da Província
Petrolífera de Urucu, no meio da floresta amazônica – uma iniciativa pioneira, que talvez
continue sendo o melhor exemplo no mundo de como conciliar o aproveitamento de um
bem natural com preservação ambiental e inclusão socioeconômica da população local.

A Petrobras deve seu êxito nas atividades exploratórias aos mesmos


princípios e se norteia pela política empresarial comprometida com o treinamento
contínuo, com programas de pós-graduação, e com a integração na comunidade científica,
acadêmica e industrial.

A exploração de recursos minerais abre um leque de desafios para os


profissionais da área das geociências e, sobretudo, cobra dos mesmos a motivação para
que esta seja uma atividade econômica indutora de desenvolvimento com inclusão social
e de forma ambientalmente responsável.

Ao Professor Aziz Nacib Ab'Sáber, as homenagens da Petrobras


por seu legado intelectual e formação de gerações que trabalham com a Geociência.

Guilherme de Oliveira Estrella

Diretor de Exploração e Produção


Palavras da Sociedade Brasileira de Geologia

Muitos dos quase 3.000 participantes do 45º Congresso Brasileiro de Geologia,


evento onde este livro vem a público, podem ter uma certa dificuldade em imaginar uma época
em que todos os geólogos brasileiros se conheciam pessoalmente... Eram apenas algumas
poucas dezenas!
Nosso homenageado neste belo livro viveu aquela época, pois formou-se
no curso de História e Geografia da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Universidade de São Paulo, em 1948.
A Sociedade Brasileira de Geologia ainda engatinhava: criada oficialmente
em dezembro de 1945, com cinco (5!) sócios, já havia crescido para vinte e cinco (25!) sócios
quando da eleição da primeira Diretoria, 4 meses depois.
De 1948 a 2010 passaram-se mais de seis décadas. Nosso geógrafo, no ambiente
do Palacete da Al. Glete, em São Paulo, onde era ministrado o Curso de Geologia, desenvolveu
uma conexão com esta ciência ainda quase desconhecida no Brasil, e sólidos conhecimentos
que faziam pontes entre as duas ciências-irmãs. Começou a produzir trabalhos, e praticamente
não parou mais, vivenciando várias etapas de crescimento da USP, com passagens também
por outras instituições de ensino superior em vários estados do Brasil. Continua escrevendo,
fazendo palestras, criando discípulos e admiradores até hoje. Sua especialidade principal é a
geomorfologia, mas boa parte de seus trabalhos cobre temas afins, entre eles a geografia física,
a geografia humana, o urbanismo, e a preservação do meio ambiente. Além de cientista, é um
cidadão atuante e participante ativo da discussão das grandes questões que interessam ao Brasil.
Na sua própria opinião, como se pode ouvir na entrevista apresentada no DVD anexo, ele se
considera acima de tudo um educador.
Este livro apresenta todos os seus artigos até os dias atuais, em reprodução
integral, com destaque para diversos deles apresentados por seus colegas em diversas frentes de
atuação. Com esse conteúdo, está seguramente destinado a ser uma obra de referência.
A SBG, consciente de suas funções de não apenas alavancar o desenvolvimento
das geociências neste século XXI, mas também de preservar a memória do seu nascimento e
desenvolvimento no Brasil, vê esses dois objetivos plenamente atingidos nesta obra, e sente-se
orgulhosa de dar-lhe o seu apoio.

Herbet Conceição
Presidente
Sociedade Brasileira de Geologia
Nota da Editora
A Beca, com o patrocínio da PETROBRAS, tem o privilégio de publicar mais um livro
dedicado à integralidade da obra acadêmica de um grande mestre das Ciências da Terra: Aziz Nacib
Ab’Sáber.
Devido ao volume de artigos desta proposta editorial, a Beca recorre às possibilidades pro-
porcionadas pelos novos meios digitais para armazenar dados, acreditando que, mesmo para os mais refra-
tários à leitura em tela, é fundamental o conhecimento desta ferramenta, indispensável, nos dias de hoje,
para a boa pesquisa. Assim, além da publicação em livro, segue anexo um DVD, parte essencial da obra.
Este gênero de publicação, em que a proposta fundamental é apresentar a integralidade da
obra de um autor, exige dos organizadores um trabalho árduo de pesquisa. No caso desta publicação em
particular, em determinado momento, os organizadores se depararam com a existência de mais de 400
títulos, muitos dos quais o próprio Professor Aziz não se lembrava, ou desconhecia o percurso de sua
publicação. As republicações em coletâneas, boletins, jornais e revistas acadêmicas obrigaram a um exaus-
tivo trabalho de reconhecimento e busca do original. Para outros artigos, a dificuldade era a de encontrar
um exemplar impresso. À medida que o trabalho evoluía, se descortinava o amplo terreno de atuação do
Professor Aziz, que poucas pessoas conhecem. O agradável e solícito convívio com o autor deixou claro
que sua principal preocupação é a educação e a formação de um povo consciente de sua responsabilida-
de com a Terra e com o próximo. Por isso, a tarefa de reunir sua obra em uma só publicação muito nos
honra.
Cada um dos organizadores teve um papel fundamental para que o resultado desejado fosse
atingido, e a Beca agradece a todos:
May Christine Modenesi-Gauttieri, Mestre e Doutor em Geografia Física (Geomorfo-
logia) pela Universidade de São Paulo. Pesquisador-Científico-VI do Instituto Geológico–SMA, atua
no presente como pesquisador-visitante e Editor-Chefe da Revista do Instituto Geológico. Desenvolve
pesquisas nas áreas cimeiras do Brasil de SE, voltadas especialmente às relações entre intemperismo e
morfogênese e suas implicações paleoclimáticas e paleoecológicas. Tem vários artigos publicados em
periódicos nacionais e internacionais. Indicada pelo Professor Paulo Emílio Vanzolini, foi peça funda-
mental na organização dessa publicação, convidando autores para apresentar alguns dos principais artigos
do Professor Aziz.
Andrea Bartorelli, geólogo, é autor de diversos livros e artigos técnicos e científicos sobre
geologia e mineralogia. Coorganizador das outras duas publicações desta série e coautor do livro
Minerais e Pedras Preciosas do Brasil. Com a colaboração do Professor Aziz escreve, nesta publicação,
“Dunas do Jalapão: uma paisagem insólita no interior do Brasil”.
Virginio Mantesso Neto, geólogo e bacharel em História, foi o propositor da ideia e
organizador sênior do volume que deu início a esta coleção da Editora Beca, Geologia do Continente
Sul-Americano: Evolução da Obra de Fernando Flávio Marques de Almeida. É ainda autor ou coautor de
diversos livros, capítulos de livros, artigos de periódicos e trabalhos de congressos focados principalmente
na preservação da memória da geologia brasileira e do nosso patrimônio geológico.
Celso Dal Ré Carneiro é geólogo, mestre e doutor pelo Instituto de Geociências USP
e livre-docente pelo Instituto de Geociências da Unicamp; participou da edição do livro Geologia do
Continente Sul-Americano e possui interesse na pesquisa e formação de mestres e doutores na área de
Ensino e História de Ciências da Terra. É autor e coautor de livros, capítulos de livros e dezenas de
artigos técnicos e de divulgação científica em Geologia e Ensino de Geociências.
Matias B. de A. L. Lisboa, formando em Geografia, foi responsável pela busca, identificação
e organização dos artigos originais publicados pelo Professor Aziz Ab’Sáber.
Apresentação dos Organizadores

Introdução
Uma rápida análise da vasta produção bibliográfica do Professor Aziz, iniciada em 1948,
mostra um período inicial composto principalmente por trabalhos acadêmicos focados em geomor-
fologia e geologia, e um pouco em aspectos históricos. Os primeiros temas ligados ao meio ambiente
e ecologia aparecem no final da década de 1960 e início da seguinte, e se acentuam na década de
1980, na qual ele tem também crescente participação em grandes debates nacionais, como a Cons-
tituinte, a questão da Amazônia e questões ambientais. O século XXI vê a continuação das mesmas
atividades e marca também o início de importante série de artigos de uma página na Scientific
American Brasil, e participação crescente em temas relativos à preservação ambiental, incluindo
problemas climáticos, além de coletâneas de trabalhos anteriores e a publicação de livros que pode-
ríamos classificar de monumentais, com belíssimas fotos e impressão primorosa.
Toda essa atividade foi entremeada por participações em eventos dos mais variados tipos,
publicações de artigos, entrevistas, notas, resenhas etc., em periódicos de grande circulação, mas
também em periódicos de pequeno alcance, ativismo ecológico, ativismo político, participação em
programas de televisão etc.
Naturalmente, tentar catalogar, organizar e reapresentar toda essa riquíssima produção
intelectual é um grande desafio. Nosso objetivo não é apenas apresentá-la, é fazer isso de uma
maneira prática, que permita aos interessados fazer consultas utilizando vários parâmetros e facilite
seu acesso às fontes originais.
Este texto mostra como, com a aprovação do Professor Aziz, os Organizadores tentaram
achar caminhos para atingir a maior parte desses objetivos.

Critérios de edição e organização


Ao longo de mais de seis décadas, o Professor Aziz produziu cerca de 400 trabalhos,
cobrindo vários campos da Geografia e áreas afins. Se juntarmos a isso o acervo das obras referidas,
veremos que houve muitas variações na linguagem utilizada (inclusive por várias reformas ortográ-
ficas), nos próprios conceitos técnicos e na forma de expressá-los, e nos recursos para sua publicação.
Na parte impressa, por exemplo, passou-se desde o papel grosseiro, usado no período da Segunda
Guerra Mundial e por alguns anos após seu término, que impossibilitavam uma boa impressão de
fotos (que na época eram só em branco e preto), até as belíssimas impressões a laser em papel couchê
de alguns de seus livros mais recentes.
Admitimos que o leitor atual tenha alguma familiaridade com o uso dos recursos de
computação, mas que eventualmente não seja um especialista. Assim, para trazer a ele esse grande
acervo de informação de maneira prática, os Organizadores tiveram que fazer diversas opções, ten-
tando reconciliar e integrar situações muitas vezes antagônicas e até mutuamente exclusivas. Essas
opções são difíceis de serem definidas, pois cada uma das alternativas tem prós e contras; assim, por
exemplo:
- no texto, deve-se privilegiar o aspecto histórico ou a capacidade de busca da informação?
No primeiro caso, haveria que respeitar a grafia original; no segundo, atualizar a grafia para permitir
a busca eletrônica por termo, no texto digitalizado. O problema é que, eletronicamente, qualquer
pequena mudança pode fazer a diferença entre encontrar um termo ou não. Vejamos o caso da cida-
de natal do Professor Aziz: é São Luis do Paraitinga, ou São Luís, ou São Luiz?
- as fotos originais dos trabalhos, principalmente dos mais antigos, frequentemente são de
baixa qualidade para a impressão. O ideal seria ter uma igual de boa qualidade, mas isso geralmente
é impossível, por diversos motivos. Por outro lado, muitas vezes as fotos originais têm, além de seu
valor histórico, a condição de serem as únicas disponíveis, ou mesmo de serem insubstituíveis, por
exemplo por apresentar uma imagem de algo que não existe mais - uma feição natural que foi des-
truída, uma cidade que cresceu, ou algo assim.
As principais opções
Nesse contexto, e objetivando primordialmente a possibilidade de busca eletrônica por
termo, os Organizadores fizeram algumas opções, das quais as principais vão aqui relatadas:
1. o texto principal, e as eventuais citações nele incluídas, de todos os artigos, foi atuali-
zado para seguir o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa;
2. nas bibliografias, foi mantida a grafia original, para possibilitar a respectiva localização
em bibliotecas (ver também item “A Bibliografia”);
3) a terminologia geológica seguiu o Glossário Geológico da UnB;
4) a grafia dos nomes de cidades seguiu a lista de municípios do IBGE;
5) os nomes de localidades menores, não listados no IBGE, seguiram a grafia original
utilizada no respectivo texto;
6) em certos casos, com autorização do Professor Aziz, foram feitas pequenas alterações
no texto original aqui reproduzido, basicamente para corrigir falhas evidentes da composição tipo-
gráfica ou para ajustar a pontuação às práticas atualmente vigentes;
7) as fotos originais foram digitalizadas, melhorando-se sua qualidade gráfica na medida
do tecnicamente possível.

A Bibliografia
Especificamente na questão da Bibliografia, foram adotados os seguintes critérios:
- no levantamento bibliográfico do Prof. Aziz, foram separados os diversos tipos de pro-
duções, priorizando a apresentação integral de sua obra acadêmica e, para as outras, estabelecendo
uma divisão em grandes categorias.
- a bibliografia propriamente dita segue, em princípio, a norma ABNT. Em muitos casos,
porém, os Organizadores consideraram que essa norma rígida seria um tanto restritiva e limitante
para os objetivos da publicação, e adotou-se uma prática do tipo “bibliografia comentada”. No caso,
isso significa colocar, após a referência bibliográfica tradicional, e entre colchetes, toda e qualquer
observação complementar que ajudará o leitor que queira aprofundar seu conhecimento ou seu
contato com aquela obra específica. Essas observações podem incluir, por exemplo, informações
complementares sobre a publicação ou o acesso a ela, comentários da relação da obra com outros
trabalhos etc.
- a apresentação das bibliografias dos artigos do livro é feita de duas maneiras distintas: as
referências bibliográficas utilizadas pelo Professor Aziz nos trabalhos originais estão listadas, artigo
por artigo, apenas nas suas respectivas versões digitais; aquelas utilizadas pelos autores dos textos
de apresentação de cada capítulo estão tanto na versão impressa quanto na digital.

A busca por termos nos artigos apresentados no DVD


Todos os artigos incluídos no DVD estão em formato .pdf, com possibilidade de busca
por termos; a busca é feita seguindo as regras específicas para esse tipo de arquivo, e depende
parcialmente da versão do programa usado para leitura; em linhas gerais, quanto mais novo o pro-
grama, melhores seus recursos de busca.
Assim, para maximizar os resultados da busca por termos, recomenda-se que o leitor
tente se familiarizar com os recursos de seu programa de leitura de arquivos .pdf, e se necessário -
particularmente para encontrar o termo nos títulos dos itens mais antigos das bibliografias - faça
a busca incluindo a grafia antiga das palavras de seu interesse, pois, conforme explicado acima,
temos no DVD a convivência de textos seguindo a última Reforma Ortográfica com bibliografias
nas quais foi mantida a grafia original.
Sobre o Livro
O livro é composto por trinta capítulos, que trazem artigos escolhidos do Professor Aziz que
são introduzidos pelos autores convidados, com exceção dos três primeiros. O primeiro capítulo traz o
comentário de um relatório do Professor Aziz, seguido da sua cópia fac-similar e de sua transcrição. O
segundo capítulo traz um belo painel da obra do Professor Aziz feito por seu colega Carlos Augusto de
Figueiredo Monteiro. O terceiro capítulo, de autoria de Olga Cruz, comenta os mapas produzidos pelo
Professor Aziz.

Sobre o DVD
O DVD, como já ressaltado, é parte essencial do projeto, e nele o leitor terá acesso aos textos do
livro e aos artigos do Professor Aziz, alguns deles inéditos, bem como a uma coletânea de fotos e mapas de
sua autoria. Terá acesso, também, a um vídeo que registra o encontro, em agosto de 2010, dos professores
Fernando Flávio Marques de Almeida e Aziz Ab’Sáber.

Sobre o Projeto
Como não poderia deixar de ser, o projeto exigiu o trabalho árduo de uma equipe de pessoas que
se dedicaram com afinco à boa conclusão da obra. O estabelecimento da lista completa dos trabalhos, a
procura em bibliotecas, o escaneamento ou datilografia, o cotejo, a diagramação, a revisão, o tratamento de
imagens de um número tão grande de documentos exigiu de todos grande comprometimento. Os organi-
zadores agradecem a todos.
O convívio com o Professor Aziz foi sempre muito agradável e estimulante, a ele também
agradecemos.
PROFESSOR AZIZ NACIB
AB’SáBER
Súmula Biográfica

As origens, a infância e as primeiras lembranças da paisagem nos tempos de menino

Filho de Nacib, imigrante libanês, e de Juventina, brasileira de ascendência portuguesa oriunda do sertão florestal
do nordeste de São Paulo, Aziz Nacib Ab’Sáber nasceu em São Luiz do Paraitinga, nas serranias paulistas das cabeceiras
do Rio Paraíba do Sul, em 24 de outubro de 1924. Guarda vivas na memória as lembranças das paisagens do Planalto
Atlântico, da Serra do Mar e da Planície Litorânea na região de Ubatuba, que foram de importância fundamental na sua
formação de geógrafo. Quando tinha seis anos, em 1930, seu pai, antes de se mudar de São Luiz para Caçapava, no Vale
do Paraíba, teve a iniciativa de empreender viagem para mostrar à família o mar do litoral paulista. O trajeto de São Luiz
a Ubatuba foi feito a cavalo, ao longo do caminho dos tropeiros que antigamente levavam as sacas de café para o porto.
Aziz e seus irmãos, com os filhos de um amigo de seu pai que foi com eles, viajaram em jacás, espécie de cestos, dispostos
de ambos os lados dos cavalos. A viagem durou dois dias e ficaram marcados na lembrança de Aziz aspectos da trilha sob
a copa das árvores, a umidade da floresta, as frutas nativas, e a deserta cidade de Ubatuba, já não mais um movimentado
porto para embarque de café.
A segunda viagem foi a mudança para Caçapava, quando gravou na lembrança o Morro da Samambaia que delimi-
tava os meandros do Rio Paraitinga em São Luiz. Mais tarde, em visita a São Luiz, quis ver o morro, situado no divisor de
águas dos altos Paraitinga e Paraibuna com os rios que drenam diretamente para o Rio Paraíba, atravessando o domínio
de morros baixos e em seguida as colinas de Taubaté. A lembrança que tinha do Morro da Samambaia era como se fosse
uma escarpa que descia para o rio, mas a visita quando já adulto revelou-lhe a presença de um pequeno morro, com encostas
bastante suaves.
Em Caçapava, Aziz foi para o jardim de infância e a seguir para um grupo escolar, onde sofreu algum preconceito,
por ser filho de libanês, e teve dificuldades de relacionamento. Cursou o ginásio em cinco anos, divididos entre Caçapava e
Taubaté. Tinha um aguçado discernimento a respeito dos professores, reparando que os jovens professores vindos da recém-
criada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo tinham boa formação, sobretudo a
partir de 1938. Era estudioso e dotado de certo pensamento crítico, sem muito interesse pela Geografia, matéria
em que os professores exigiam que os alunos decorassem muitos nomes de capitais, cidades, rios, sem qualquer
menção a cenários e paisagens. O seu interesse foi despertado pelo professor de História, Hilton Friedericci, que
situava os episódios no espaço, estimulando sua curiosidade pela interface entre o tempo e o espaço.
Terminou o ginásio quando tinha 17 anos e, inspirado no professor Friedericci, resolveu ir a São Paulo
para um reconhecimento do curso de História e Geografia, com especial interesse pela História. Eram muitas
disciplinas que haveria que estudar para o vestibular e, receando não conseguir ser aprovado, entrou em contato
com um professor particular de Ciências Sociais, com quem teve apenas algumas aulas. Por outro lado, seu forte
era desenho e aprendeu a desenhar razoavelmente no ginásio, em Caçapava, graças a uma professora
que admirava. Em 1939 mudou-se para São Paulo e foi morar numa pensão na Alameda Glete, para
prestar os exames. Obteve boa média e foi aprovado graças às notas tiradas em desenho.

A universidade e os primeiros contatos com os mestres geógrafos

No mural com a lista dos aprovados no vestibular, Aziz ficou


entusiasmado com uma nota do professor Pierre Monbeig convocando
os alunos do curso de Geografia para uma excursão de campo. A ex-
cursão referia-se a visita para a região de Sorocaba, Itu, Salto e Cam-
pinas, tendo sido essa excursão a responsável pela definição do rumo
que Aziz tomou. O professor Monbeig foi seu grande inspirador, que
mostrou-se um arguto observador. A vida de geógrafo de Aziz co-
meçou nessa oportunidade, em que ficou observando a paisagem, a
sequência de cenários nos diferentes espaços, procurando já fazer suas
primeiras interpretações. Começou a perceber que muitos professores
transmitiam sínteses curtas de assuntos de livros importan- contratá-lo como assistente sênior mas, na falta de vagas, foi
tes, e que a biblioteca dispunha de publicações mais abran- contratado como jardineiro. Em função da precariedade das
gentes do que as indicadas pelos docentes. Na excursão com finanças domésticas, Aziz aceitou a contratação. Quando os
o professor Monbeig tomou conhecimento dos diferentes geógrafos do Departamento de Geografia descobriram que
relevos do Estado de São Paulo, como o litoral, a Serra do ele era bacharel, licenciado e especialista, e recebia salários
Mar, o Planalto Atlântico e a Depressão Periférica, essa úl- aviltantes de jardineiro, conseguiram nomeá-lo prático de
tima, mais tarde, objeto de suas pesquisas. laboratório, cargo que ocupou até defender a Livre Docên-
Aziz adorava a universidade e os primeiros cursos que cia, em 1965.
frequentou foram de alto nível, particularmente na área de Assim, na cidade de São Paulo Aziz iniciou sua car-
humanas, com aulas ministradas por professores da missão reira acadêmica, tendo chegado a conclusões importantes
francesa, como Jean Gagé, de Historia, e Pierre Monbeig, quanto à geografia e geomorfologia da área metropolitana.
de Geografia. Deslumbrava-se com as aulas de Jean Gagé, Destacou a importância do bonde elétrico na estruturação
que era um medievalista famoso na Europa e veio ao Bra- da cidade, pois as linhas irradiavam do centro para os limi-
sil como chefe da missão francesa em Ciências Humanas, tes com a zona rural, de onde saíam caminhos em direção
em substituição a Fernand Braudel, que permaneceu pouco ao interior. Alugou um barco com um colega para navegar
tempo. Aziz tinha grande interesse por História e apreciava pelo Rio Tietê até o Clube Corinthians. Já havia observado
as aulas dessa matéria, devido à metodologia de ensino, onde a várzea do rio a partir de áreas mais elevadas, como a Vila
não era mais obrigatória a decoreba, como nos tempos de Maria, onde residia na época. Associou essas observações
ginásio. Os alunos deviam, a partir de datas e eventos histó- com as realizadas por ocasião do início da construção da
ricos, comentar a trajetória dos eventos e não apenas situá- Via Dutra, quando foram expostas seções das várzeas com
los nas datas históricas. Mas um fato relevante fez com que solos argilosos escuros muito espessos (helobioma). Por ou-
ele desistisse de História e enveredasse definitivamente para tro lado, perto da Ponte da Vila Maria existiam matacões de
a Geografia: o convite do Professor Eurípedes Simões de granito, que fizeram com que Aziz notasse a grande irregu-
Paula para visitar sua biblioteca particular, no apartamen- laridade do embasamento da Bacia de São Paulo.
to onde morava, em Santa Cecília. A vasta literatura sobre Depois disso Aziz passou a se interessar pelos aflo-
História exigia a obtenção de muitos livros caros, que Aziz ramentos rochosos e pelas serras ao redor da cidade, como
não tinha recursos para adquirir, mal conseguindo pagar a o Pico do Jaraguá, as serras da Cantareira, de São Roque e
condução do Tatuapé, onde morava, para a faculdade, na do Japi. Analisou a sedimentação terciária a partir dessas
Praça da República. Seus pais vieram de Caçapava e ele foi serras, sedimentação que gerou a Bacia de São Paulo, onde
morar com eles, saindo da pensão da Alameda Glete. foi modelado o sistema de colinas do Planalto Paulistano.
Aziz “viajava” pela cidade de São Paulo tentando ler a
paisagem. Ia até os pontos finais das diversas linhas de bonde
e a partir deles andava pelos arredores, procurando entender A influência dos mestres da literatura e da pesquisa
a região metropolitana da época. Cursou durante três anos acadêmica no pensamento de Aziz Ab’Sáber
Geografia e História e mais um ano de Pedagogia e Ciências
Educacionais, para continuar estudando por mais dois anos
e se especializar. O Professor Roger Dion, como Aziz, tam- Aziz se impressionava, ainda no tempo da faculdade,
bém gostava de observar os arredores de São Paulo, a partir com os mestres franceses, como Pierre Monbeig, Roger Dion,
dos terminais das linhas de bonde. Suas observações foram Louis Papi e outros, pelos trabalhos que desenvolviam. “À
compartilhadas por Aziz, com referência à passagem direta margem do império do café” foi um trabalho de Papi muito
do ciclo do muar e das carroças para o do bonde elétrico, apreciado por Aziz e que analisava a zona costeira de São
sem o ciclo intermediário das carruagens, como aconteceu Paulo. Nos fins de semana costumava frequentar a bibliote-
na Europa. No lugar das carruagens, as pessoas mais abasta- ca, alternando com vistas aos arredores de São Paulo. Nessa
das da São Paulo colonial eram carregadas em liteiras pelos época chegou a conviver bastante com o sociólogo Flores-
escravos. tan Fernandes, colega das aulas de Antropologia Cultural e
também assíduo frequentador da biblioteca. A influência do
Contratação pela Faculdade de Filosofia, Ciências e sociólogo foi grande na formação de Aziz, redirecionando-o
Letras da USP e observações geomorfológicas no início para os fatos sociais e antropológicos importantes e ajudan-
da carreira de pesquisador do-o a assimilar as aulas do Professor Emílio Willems. O
interesse de Aziz pela interdisciplinaridade foi despertado
nas aulas de ciências humanas e fisiográficas dos grandes
O ingresso do professor Aziz no quadro da USP é mestres, entre eles o próprio Willems, além de Plínio Ayro-
uma história bastante singular. Quando estava terminando sa e Roger Bastide.
o curso de pós-graduação, seu amigo Miguel Costa Junior Florestan, com suas críticas sociais e análises das di-
indicou-o, elogiando-o muito (talvez não merecidamente, ferenças socioeconômicas em São Paulo e no Brasil, fez com
segundo Aziz), ao professor Kenneth Caster, que ensina- que Aziz adquirisse uma percepção maior das diferenças
va Geologia Histórica. Caster chamou Aziz, que de início, culturais e sociais, como os fazendeiros e banqueiros com
por timidez e não gostar de favorecimentos, se furtou a um suas ricas mansões na Avenida Paulista e em Higienópo-
encontro, até que um dia, durante uma aula, Caster pediu lis, e o resto da população, mais sofrida. Até a década de
a Aziz que o procurasse em seguida. Propôs-lhe Caster de 1950, São Paulo ainda não possuía favelas, apenas alguns
bairros carentes. Essa percepção mostrou a Aziz, mais tarde, Teixeira Guerra, Pasquale Petrone, Nice Lecoq Müller, José
a dependência das favelas em relação às atividades da zona Ribeiro de Araújo Filho e Ari França. Na Bahia sobressai-se
central da cidade. Milton Santos, em Pernambuco são importantes Mário La-
Segundo suas próprias declarações, Aziz foi influen- cerda de Melo e Manuel Correia de Andrade, enquanto no
ciado, ao longo de sua vida, diretamente ou indiretamente, por Pará destacam-se Eidorfe Moreira e Leandro Tocantins.
Kenneth Caster, Luiz Flores de Moraes Rego, Fernando
Flávio Marques de Almeida, Josué Camargo Mendes, Jean As experiências de viagem e o resultado das observações
Tricart, Orlando Ribeiro. Quem mais o impressionou, por de campo
meio do livro Geografia Ativa, foi Pierre George, que usava
uma metodologia de trabalho afinada com o entendimento Nas primeiras excursões de campo, Aziz percebeu que
de Aziz. Marcou-o, também, o discípulo de Pierre George, mais importante do que consultar livros era ler a paisagem.
Professor Bernard, que escreveu trabalhos fundamentais, Empreendeu assim suas primeiras viagens, documentando
como o intitulado “Tipologia dos Espaços nos Países Subde- as paisagens por meio de desenhos, já que desenhava bem
senvolvidos”. Esses dois pesquisadores do grupo de Toulouse e não dispunha de máquina fotográfica. Principiou a anali-
alertaram-no para o problema de escalas e para a introdução sar as paisagens como um todo, mas logo especializou-se em
da ideia de geossistema, que possibilita a compreensão da Geomorfologia, talvez um pouco precocemente, no seu en-
evolução integrada de paisagens naturais e paisagens huma- tendimento.
nas, essencial na Geografia moderna. Entre 1944, quando obteve o título de bacharel e se
Alguns grandes romancistas da literatura brasileira licenciou em Geografia e História, e 1965, quando se tornou
atraíram a atenção de Aziz, pelas descrições dos aspectos livre-docente, procurou conhecer o Brasil, aproveitando a
geográficos, como Graciliano Ramos, com suas obras Infân- filiação na Associação dos Geógrafos Brasileiros, que pro-
cia, Memórias do cárcere, Vidas secas e S. Bernardo. A obra que movia reuniões anuais em diversos locais do país. Como as
mais o impressionou, e que não deixa de ser um estudo de reuniões se davam em pequenas cidades, em lugar de capitais
Geografia, foi Os sertões de Euclydes da Cunha. No capítulo estaduais, houve a oportunidade de desenvolver pesquisas de
“A Terra” há referências ao relevo e ao clima, com especial campo nos arredores dessas cidades. A Associação dos Geó-
atenção às secas, além de um esboço geológico e um geo- grafos foi fundamental na vida de Aziz, pois permitiu-lhe
gráfico da região onde se desenrolou a luta de Canudos. No conhecer o Brasil e divulgar suas observações em pequenas
capítulo “O Homem” é descrita a complexidade do problema notas sobre as áreas visitadas. Foi assim empreendida viagem
etnológico no Brasil, a gênese do jagunço e do sertanejo e os pioneira com os colegas de pós-graduação Miguel Costa Jú-
antecedentes de Canudos. Nesse capítulo consta um mapa de nior e Pasquale Petrone fora dos domínios paulistanos, com
distribuição da flora sertaneja, onde são assinaladas as áreas destino ao Vale do Paraíba e algumas regiões de transição
de mata, cerrados agrestes, tabuleiros com campos gerais e para a Depressão Periférica.
caatingas. Nesse contexto foi realizada viagem em 1946, quando
Foram também marcantes na formação de Aziz as tinha 22 anos de idade, com os mesmos colegas, quando Mi-
obras Casa-Grande e Senzala e Ordem e Progresso, de Gilber- guel Costa Júnior sugeriu que economizassem recursos para
to Freyre e, com particular importância, a obra Geografia da viajar a algum lugar distante. Assim, com poucos recursos e
Fome, de Josué de Castro, além da grande obra “Formação do ajuda da Fundação Brasil Central, Aziz, Miguel e Petrone
Brasil Contemporâneo”, de Caio Prado Jr.. Aziz enxergava a viajaram a Uberlândia, Aragarças e Barra do Garças. Essa
Geografia também em livros como A carne, de Julio Ribeiro, viagem foi fundamental na carreira de Aziz, que ficou im-
em que o personagem, em carta para a amada, descreve em pressionado com o Brasil Central, os chapadões interminá-
detalhe a viagem para Santos, com observações da Baixada, veis, cerrados e florestas de galeria, conformando paisagem
com seus bananais e uns certos boulders. Outros autores que completamente distinta da região de morros onde havia pas-
atraíram sua atenção pela conotação geográfica são Dalcídio sado a infância. Resultou dessa viagem seu primeiro trabalho
Jurandir, José Lins do Rego e Jorge Amado. de fôlego, antes do qual havia publicado apenas notas sobre a
Na área da Geomorfologia (geografia física), Aziz se geomorfologia do Jaraguá e suas vizinhanças. Todo seu tra-
baseava essencialmente na produção científica dos franceses, balho, daí em diante, decorreu dessa viagem ao Brasil Cen-
sendo a maior influência indireta aquela de Emmannuel De tral e de outra, feita mais tarde, em 1951 ou 1952, ao Nor-
Martonne, com seu livro Traité de geographie physique, se bem deste, quando teve a oportunidade de transpor o Planalto da
que há também alguns autores de origem alemã e atuantes Borborema no percurso entre Campina Grande e Patos, na
nos Estados Unidos, como Von Engel. Quando surgiu a Re- Paraíba. Foi quando viu pela primeira vez uma serra seca,
vista Brasileira de Geografia, em 1939, e o Boletim Geográfico a com cristas elaboradas em camadas quartzíticas inclinadas,
seguir, em paralelo com a criação do IBGE, houve uma pro- adentrando a seguir o alto sertão rebaixado, ondulado, com
dução de trabalhos geográficos muito importantes, sobretudo caatingas extensivas, rios intermitentes e morrotes bizarros,
os de Francis Ruellan e Orlando Valverde. Coube, ainda, ao inselbergs do tipo pães de açúcar. Foi nessa ocasião que perce-
Professor Pierre Deffontaines a publicação de artigos impor- beu estar diante do terceiro domínio da natureza brasileira.
tantes sobre a geografia humana do Brasil, enquanto a Pierre Publicou depois, na Ciência Hoje, o artigo “Os sertões – a
Monbeig devem-se estudos sobre a expansão do café, aliada originalidade da terra”, um dos primeiros trabalhos de con-
à construção de ferrovias e ao aparecimento de cidades nas junto sobre a região dos sertões.
pontas dos trilhos, a partir de vilas conhecidas como “boca Nessa primeira fase de sua carreira, Aziz procurou
do sertão”. entender a compartimentação topográfica do Brasil, tendo
Estavam se consolidando, na época, os grandes nomes em vista já ter percebido três domínios integrados de nature-
nacionais da Geografia, destacando-se o embaixador Carlos za, hoje denominados domínios morfoclimáticos e fitogeo-
Miguel Delgado de Carvalho, que publicou um livro sobre gráficos, e três domínios de geografia humana, com relações
o sul do Brasil e foi pioneiro com a edição da Geografia do homem-ambiente muito rústicas e sofridas. Seu objetivo era
Brasil, para ensino na Escola Militar do Rio de Janeiro. Logo entender o relevo geral do Brasil, uma vez que os mapas da
a seguir surge o célebre professor Aroldo de Azevedo e, no época nada diziam, quando assinalavam, por exemplo, um
Rio de Janeiro, destaca-se o trabalho de Hilgard O’ Reilly Espigão Mestre, sem esclarecer se se tratava de uma crista
Sternberg. A partir desses mestres pioneiros, formaram-se ou de um platô divisor. As regiões entre o Planalto Central
discípulos importantes, entre os quais citam-se Lysia Caval- e o Vale do São Francisco e o espaço até a Amazônia eram
canti Bernardes, Nilo Bernardes, Caio Prado Jr., Antonio desconhecidas.
As viagens de Aziz eram feitas sem recursos e sem A viagem ao Nordeste, na companhia de Jean Tri-
planejamento, aproveitando oportunidades que surgiam oca- cart, André Cailleux e Jean Dresch, foi muito profícua para
sionalmente, como foi o caso da primeira visita à Amazônia. o jovem Aziz. Dresch fez uma observação muito interessante
Ary França, um dos professores do Departamento de Geo- e, sendo um especialista do Saara, que conheceu profunda-
grafia, tinha um irmão piloto da FAB que tinha que fazer um mente, ao conhecer o Nordeste seco, fez várias observações.
voo de treinamento de São Paulo a Manaus e sugeriu que pe- Reconheceu que o sertão não é um deserto mas, por sua vez,
gassem uma carona. Candidatou-se para a viagem, também, é a região semiárida mais povoada do mundo, com muitos
o professor de oceanografia Wladimir Besnard, um francês problemas devido ao excesso de gente em espaço de grande
que também marcou muito a vida de Aziz. A viagem durou rusticidade. Um dos trabalhos mais recentes de Aziz, publi-
três dias com pernoites em Salvador e Belém, e foi feita numa cado no Boletim 36 do Instituto de Estudos Avançados, é o
fortaleza voadora americana usada na Segunda Guerra Mun- dossiê “Nordeste seco, sertões e sertanejos”, o qual é iniciado
dial e fornecida à FAB após o término do conflito. Voaram com a observação de Dresch.
acantonados no bico do avião, sob a carlinga dos pilotos, du- Em viagem a Mossoró, no Rio Grande do Norte, para
rante intermináveis horas. O segundo pernoite foi em Belém, participar de assembleia anual da Associação dos Geógrafos
no quartel-general construído pelos americanos que serviu Brasileiros, circunstancialmente Aziz foi convocado para dar
de trampolim aos aviões usados em missões para combater o um parecer sobre a ocorrência de petróleo no Rio Grande
Eixo, no norte da África. do Norte, pelo diretor da Escola de Agricultura da cidade,
Aziz começou a ver a Amazônia pela primeira vez Vingt’Un Rosado Maia. Após muita insistência desse, ten-
ainda no avião e conheceu, no destino, um professor manaua- do em vista que não era geólogo, Aziz emitiu o parecer sob
ra, Mário Ipiranga Monteiro, bom conhecedor dos fatos da o pseudônimo de Antonio Natércio de Almeida, proposto
Amazônia, que ofereceu-lhe para participar de uma peque- pelo próprio Vingt’Un Rosado, que se inspirou nas iniciais
na excursão pelo Rio Negro. Nessa oportunidade Aziz tirou do nome verdadeiro de Aziz Nacib Ab’Sáber. Nesse traba-
fotos que para ele resultaram memoráveis. Ele e o professor lho Aziz identificou uma estrutura dômica, com drenagem
Mário aproveitaram de tudo para conhecer a geografia hu- radial, que mais tarde revelou-se promissora.
mana e social, além da física. As casas de palafitas ficavam Um sonho de Aziz era conhecer a Bahia, tendo sur-
no nível máximo das águas do Rio Negro e chegavam até gido essa oportunidade durante um congresso da Associação
a borda de uma notável falésia fluvial. Nessa ocasião come- dos Geógrafos Brasileiros em Uberlândia, quando conheceu
çou a capacidade de Aziz de transpor o que aprendeu sobre o geógrafo baiano Milton Santos, que o convidou para visita
a França através da literatura para o caso da zona equatorial a Salvador. Resultou dessa viagem o trabalho “A cidade de
brasileira. Na França, aqueles terrenos calcários que recua- Salvador”, com muitas fotos legendadas. Aziz reconhece um
ram muito pela abrasão costeira, às vezes recuaram tanto que pequeno defeito nesse trabalho, causado por falta de pessoas
atingiram a cabeceira de algum rio, deixando no alto o con- que conhecessem a situação do Forte São Marcelo, e teve
torno de um vale suspenso, cujo rio corria para o interior. Viu que fazer interpretações por sua conta, não percebendo que
a mesma coisa na Amazônia, onde notou a falésia fluvial com o forte estava parcialmente edificado sobre uma ilhota, e não
uma depressão ligeira no topo, de onde saía um rio fluindo ao dentro do mar na Baía de Todos os Santos. A abordagem de
contrário, na direção do igarapé de Manaus. Essa leitura teve Aziz incluiu também a escarpa de Salvador, perto de Loba-
grande significado para Aziz. to, onde havia sido descoberto petróleo. Concluiu tratar-se
Depois dessa primeira viagem teve oportunidade de de uma “escarpa de linha de falha”, dividindo a cidade alta
conhecer outras áreas da Amazônia, como Acre, Roraima, da cidade baixa. Em viagens a outros domínios Aziz teve a
Amapá e norte de Goiás, hoje Tocantins. Esteve também oportunidade de realizar sobrevoo com monomotor e foto-
no sul e sudoeste da Amazônia, em Cuiabá, de onde partiu grafar vários aspectos do Nordeste, publicando o primeiro
para a Chapada dos Parecis, ainda em área com cerrado, e trabalho sobre a região, intitulado “O Planalto da Borbore-
prosseguiu para a região amazônica pelos rios de cabeceira, ma na Paraíba”.
bordejando a hileia. Impressionou-se muito com essas áreas Aziz não teve chance de viajar ao exterior durante
ao longo do tempo. Perguntou-se como a Amazônia, supe- a vida universitária, sendo que apenas em 1972, a convite
rúmida, pode se encostar no Nordeste seco e, a partir desse do Professor Monbeig, foi para a França, por intermédio
questionamento, criou a ideia de que existem faixas de conta- do Conselho de Pesquisa Científica daquele país. De Paris
to e transição anastomosadas entre os diferentes domínios de viajou para o sul da França, atravessando diversas regiões e
natureza brasileiros, introduzindo a noção de faixas de tran- conhecendo a tão estudada Bacia de Paris. Impressionou-o a
sição e de contato. vida urbana da cidade e as pequenas áreas rurais de cultivo
No ano do Doutoramento de Aziz, houve o Congres- diferenciado da França, com os campos abertos, as vilinhas
so Internacional de Geografia, no Rio de Janeiro, e ele foi in- concentradas no meio das campanhas com agricultura co-
dicado para ser um dos responsáveis para preparar um livro- mercial, com ocasionais indústrias que, certamente, deviam
guia sobre o Nordeste, e para liderar outro livro-guia para o obter o operariado na própria região. Já na maturidade, Aziz
Vale do Paraíba, Serra da Mantiqueira e região de São Paulo. teve ocasião de saciar sua curiosidade de geógrafo em viagens
Contribuiu para esse segundo guia o geógrafo Nilo Bernar- a Portugal, México, Peru, Colômbia, Suíça, Cuba e à terra
des. As viagens a essas duas regiões proporcionaram episódios de seus antepassados, o Líbano, em 1999. Conheceu ainda a
que Aziz considerou fantásticos. Participaram do congresso Síria e o Egito, mais especificamente a cidade do Cairo.
geógrafos, biogeógrafos e pessoas interessadas em conhecer
o mundo tropical da América do Sul. Aziz ficou extasiado Assuntos mais significativos abordados por Aziz,
ao ter contato com aqueles que eram os autores dos livros aspectos de sua produção acadêmica e suas teorias
que lia e consultava, como Max Sorre, Jean Tricart, André
Cailleux, Jean Dresch, nomes que marcaram uma mudan-
ça total em sua vida. Ao acompanhar esses pesquisadores no Vários assuntos de abrangência global e regional cha-
campo, Aziz mantinha-se muito atento, bebendo a conversa maram a atenção de Aziz durante sua vida acadêmica. Ainda
deles sobre as coisas mais diversas. Sorre observou a Superfí- no tempo de seus estudos de especialização, discutiu-se pela
cie dos Altos Campos da Bocaina, que já tinha sido identifi- primeira vez no Brasil o problema das oscilações do nível
cada por De Martonne no curto período que esteve em São do mar no período Quaternário, tendo Ruellan mostrado a
Paulo, sem saber que De Martonne já havia reconhecido essa importância disso na gênese da Baía de Guanabara. No tem-
superfície em 1940. po da última glaciação, denominada Würm IV-Wisconsin
Superior, entre 23.000 e 12.000 anos atrás, o mar estava de- cado para a história física regional. Durante excursão com
zenas de metros abaixo de seu nível atual e, no lugar onde hoje Jean Tricart e seus colegas no Vale do Paraíba, em 1956, teve
se encontra a Baía de Guanabara, havia vegetação de caatinga conhecimento das discussões sobre as linhas de pedra e, tam-
e uma drenagem que atravessava o “boqueirão” que existia no bém em outra ocasião, quando aos 33 anos foi incumbido por
estreitamento entre o Pão de Açúcar e os costões de Niterói, Aroldo de Azevedo para acompanhar Tricart em excursão a
a qual ia desembocar no mar recuado muitos quilômetros a Sorocaba. Nessa oportunidade Tricart lhe explicou o signifi-
leste. cado das linhas de pedra, que representavam coberturas pe-
Aziz imaginou o imenso volume de água estocado nas dregosas semelhantes às do Nordeste semiárido, recobrindo
geleiras da Antárdida, da região ártica e das cadeias monta- superfícies rochosas em tempos pretéritos mais secos. Com a
nhosas, no período quaternário, quando o nível do mar estava tropicalização do clima, o substrato rochoso alterou-se, vi-
100 metros abaixo do atual. Multiplicou os 381 milhões de rando solo de alteração ou residual de rocha, e a superfície
km 2 que os mares ocupam na superfície da terra pela altura pedregosa foi recoberta por espessuras diversas de solos colu-
de 100 metros, e passou a fazer considerações cada vez mais viais, deixando no meio a linha de pedras.
detalhadas sobre esses recuos do nível do mar. Mais tarde in- Essa interpretação abriu a cabeça de Aziz e ele passou
tegrou esses fenômenos com as correntes marinhas e o clima a estudar a ocorrência dessas linhas de pedra desde o Amapá
do passado, procurando explicar por que o clima era mais frio e Roraima até o Uruguai, incluindo o Nordeste seco e as pro-
no Brasil no período Würm IV-Wisconsin Superior. Com a ximidades do Pantanal. A partir dessa experiência, Aziz es-
descida do nível do mar, a corrente fria avançou a latitudes tabeleceu seu próprio roteiro para a Geomorfologia: primeiro
maiores e os ventos úmidos vindos do Atlântico não conse- procurar entender a compartimentação do relevo e formas do
guiam trazer grande umidade e precipitações. terreno e definir as feições de cada compartimento; em segui-
Por outro lado, houve uma “impotencialização” da da há que entender a estrutura, procurando saber um pou-
massa de ar equatorial continental, de tal maneira que tam- co do passado através da estrutura superficial da paisagem;
bém a Amazônia teve modificações climáticas importantes, num terceiro nível, deve-se estudar a fisiologia da paisagem,
por uma série de razões. Esses climas subatuais ocorreram no a influência do clima e da vegetação e a origem dos cursos
período entre 23.000 e 12.000 anos Antes do Presente, afe- d’água.
tando profundamente o mosaico dos domínios de natureza O Pantanal atraiu muito a atenção de Aziz e com o
preexistentes no Brasil. Entre 15.000 e 11.000 anos Antes do aparecimento das imagens de satélite foi possível esclarecer a
Presente, a secura e seus efeitos sobre a paisagem e as vege- história climática-hidrológica e paleoecológica da Depressão
tações aumentaram, ampliaram-se as caatingas e as cactáceas do Pantanal. Num período pretérito mais seco houve saída
ficaram reduzidas aos lajedos e campos de matacões (rupestre- em massa de materiais arenosos, os quais, ao atingir o plaino
bioma), onde permanecem até hoje, sob a forma de minirre- superior da Bacia do Alto Paraguai, formaram grandes leques
dutos e redutos de alta resistência. As florestas voltam a se aluviais onde predominam areias. Posteriormente, os rios que
expandir de 10.000 anos para os nossos dias, mas não numa vêm da Serra de Maracaju atravessaram a pequena escarpa de
progressão muito rápida. O retorno da tropicalização e da Aquidauana, mais uma estreita faixa de rochas cristalinas, e
aglutinação das florestas que estavam nos redutos não foi ime- se esparramaram em leques. Quando o clima se tornou mais
diato, tendo-se processado através de alguns milênios. Esse úmido, os rios passaram a trazer mais argila do que areia,
período de mar mais alto é fundamental para a geomorfologia originando vales rasos com planícies de inundação embuti-
costeira, porque ocorreram ingressões marinhas bem visíveis das nos lençóis arenosos ou entre eles, formando pântanos,
nos pontões rochosos do litoral norte de São Paulo. Houve os quais não existem sem argila. Antes do advento da ima-
a formação de restingas durante oscilações do nível do mar, gem de satélite, Aziz reconhece ter feito interpretação errada
permitindo avaliar a idade dos manguezais, que só surgem do Pantanal Mato-Grossense. Achou que a história dos rios
quando os mares costeiros coalhados de argila desceram para pantaneiros é por derivação lateral. Eram muitos rios, muitas
cotas mais próximas da atual. várzeas, e ora um rio entrava na várzea de outro, ora retornava
Os sambaquis e sítios do Brasil foram objeto da aten- para um terceiro, fato que não foi comprovado.
ção de Aziz no contexto das oscilações marinhas. Ele tornou- A maior parte dos rios fica entre lençóis aluviais e
se amigo do jornalista e pesquisador Paulo Duarte, que trouxe um deles cruza o maior lençol arenoso da região e talvez do
do Musée de L’Homme, em Paris, o casal de jovens cientistas mundo, o Leque do Taquari, no conjunto regional que pos-
Emperaire. Havia a discussão se os sambaquis eram antrópicos sui uma rede hidrográfica extensa e única, onde permanece-
ou naturais e o problema deixou de existir quando percebeu- ram vários ecossistemas e alguns minirredutos de cactáceas
se que sobre o “chão” constituído pela restinga foi depositado muito localizados. No espaço total regional resultaram três
pelo homem pré-histórico um monte de berbigões, conchas, componentes de ecossistemas (geossistemas): campestre, nas
restos de comida e eventuais vértebras de baleia, entre outros areias; cerrados não muito extensivos; e, em função da última
objetos e materiais. Aziz visitou, em companhia de Wladi- fase mais úmida, restaram florestas beiradeiras de diferentes
mir Besnard, também os sambaquis da região de Cananéia e tipos. De forma que o termo “ecossistema pantaneiro” é uma
em Ribeira de Iguape, onde estudou a posição do Sambaqui das aberrações mais graves da linguagem pseudocientífica
num terraço de construção marinha regional ou restinga, que que predominou no Brasil durante muitos anos. Todas as
fica mais alta que o nível do mar. Publicou com Besnard o observações feitas no resto do Brasil, como linhas de pedra,
trabalho “Sambaquis da região lagunar de Cananéia”, onde redutos de cactáceas, paleocanais cascalhentos, paleoleitos
constava a descrição dos objetos encontrados feita por Bes- abandonados de rios, lhe valeram para explicar o palimp-
nard e, numa segunda parte, a interpretação de Aziz, que sesto pantaneiro. Sob o ponto de vista tectônico, foi muito
chegou à conclusão de representarem os sambaquis restos de importante a interpretação da origem da Depressão do Pan-
cozinha dos frutos do mar consumidos pelos pré-históricos, tanal feita por Ruellan, a partir de uma ampla e suave área
denotando as vértebras de baleia indícios de terem funcionado dômica (bouttonnière), que se abateu por falhamento do Qua-
miticamente como cerimônia religiosa dos primeiros homens ternário. Com relação à tectônica, um dos primeiros estudos
que ali viveram, entre 6.000 e 1.500 anos Antes do Presente. importantes de Aziz diz respeito ao controle tectônico da
A contribuição de Aziz aos estudos pré-históricos, através de captura do Rio Tietê pelo Paraíba, no limite entre as bacias
seus conhecimentos de geomorfologia, aparece também em de São Paulo e Taubaté. Esse estudo foi publicado no Boletim
seu trabalho “A geografia humana primária da Pré-História”. Paulista de Geografia em 1957, sob o título “O problema das
Outro objeto das pesquisas de Aziz diz respeito às conexões antigas e da separação da drenagem do Paraíba e
linhas de pedra (stone lines) existentes no solo e seu signifi- do Tietê”.
A Teoria dos Redutos Estudando a região de Itu, Aziz estabeleceu a seguinte
sequência de eventos: com o advento do clima seco do Pleis-
Segundo Aziz as linhas de pedra e a Teoria dos Re- toceno Superior expandiram-se primeiro as caatingas; se-
dutos são grandes aspectos de seus trabalhos fundamentais, gundo, houve a mudança do clima seco para tropical a duas
desenvolvidos a partir das observações pioneiras de Jean estações, responsável pela chegada do cerrado a São Paulo;
Tricart e André Cailleux. Estendeu a questão das linhas de por fim, os climas tropicais de planalto deram origem à reex-
pedra para várias outras partes do Brasil, criando a ideia de pansão das florestas tropicais, criando um palimpsesto muito
uma fase fria e seca muito ampla. Na região equatorial houve curioso. Esse assunto foi fundamental na história do pensa-
mais cerrados e menos matas e na região oriental houve mais mento interdisciplinar de Aziz, quando aconteceu também
caatingas e, igualmente, menos matas. Numa fase posterior a parceria com Vanzolini, no Museu de Zoologia, onde se
dos trabalhos, Aziz percebeu que nem tudo era caatinga na reuniam nos fins das tardes. Vanzolini dizia: “Aziz, se é que
época, sobrando redutos de matas, e concluiu que, durante o você está certo, que houve redução em separado de grandes
tempo em que esses blocos de floresta ficaram isolados, a fau- matas, essas reduções significaram refugiações forjadas das
na ombrofílica se refugiou também. Houve então um processo faunas de clima tropical úmido”. A fauna procurava também
isolado de ordem genética evolutiva. Esse trabalho foi desen- os ambientes de sombra - ombrófilo quer dizer “amigo da
volvido pelo zoólogo Paulo Emílio Vanzolini, na Teoria dos sombra”. A partir daí, concluiu Vanzolini, num reduto hou-
Refúgios. Aziz sempre insistiu em dizer que a Teoria dos Re- ve um processo de evolução genética; em outro, um proces-
dutos é dele e a Teoria dos Refúgios é de Vanzolini. Acredita so diferente do primeiro, e assim por diante. Não houveram
que se no futuro for reconhecido como geógrafo, será pelo seu diferenciações genéticas absolutamente iguais e, quando as
trabalho com as linhas de pedra e os redutos. florestas se recuperaram pela ampliação dos antigos redutos,
Ao pesquisar as encostas voltadas para os ventos úmi- aquelas faunas que haviam passado por uma evolução dife-
dos do Sudeste, onde não existem linhas de pedra, deduziu renciada e sofrido subespeciação ficaram em posições anô-
Aziz que poderia se tratar de um reduto de florestas tropi- malas dentro das matas. Isso resolve o problema dos biólogos,
cais úmidas. Seria como se as linhas, ao perder continuidade, e ajudou-os a entender por que existiam alguns conjuntos de
apontassem para encostas e serras úmidas. Essas ideias fun- espécies com distribuição generalizada, e outros restritos a
damentais ocorreram na carreira de Aziz entre 1956 e 1961, algumas áreas, tidas no passado como endêmicas. A gênese
depois de ter conhecido todos os domínios morfoclimáticos e dos endemismos múltiplos resultou mais ou menos resolvida
fitogeográficos do Brasil. Foi por causa do pensamento per- pela Teoria dos Refúgios e, assim, as anomalias na distribui-
sistente para descobrir quais foram os climas que precederam ção da biota animal em diferentes domínios passaram a ser
as condições atuais, tropicais úmidas, intertropicais úmidas melhor entendidas.
e semiáridas regionais do Nordeste, que chegou à Teoria dos A presença de cactáceas em Mucajaí, em Roraima e
Redutos. Aziz concluiu, assim, ter havido uma redução sinco- em outros lugares a sudoeste da Amazônia, em campestres
pada de florestas em separado, na forma de fragmentos, que ocasionais, além de extensas formações arenosas de Roraima,
teriam proporcionado o retorno das florestas depois que os atravessadas pelo Rio Branco, com aluviões essencialmente
climas voltaram a ser úmidos. O mosaico de ilhas de umidade arenosos, levou Aziz a considerar que houve uma época, tal-
com florestas biodiversas que existem hoje no domínio dos vez anterior à dos cerrados que predominaram na Amazônia
sertões secos do Nordeste é um cenário que poderia ser trans- no fim do Pleistoceno, em que os bordos da região amazônica
ferido para visualizar os acontecimentos ocorridos no passa- também tiveram caatingas, o que não havia sido notado por
do, no Brasil tropical atlântico. ninguém. Vanzolini encaminhou para Aziz, por volta do iní-
Aziz tinha certeza de que algumas ideias como o cio de 2007, um trabalho dele que trata do assunto, intitulado
“panglaciarismo” de Louis Agassiz não podiam ser aceitas “Florestas versus cerrados da Amazônia”, ampliando um pou-
pois, se tivessem existido geleiras em toda a face da Ter- co as ideias de Aziz, publicadas em 1983.
ra, como é que teriam voltado as florestas biodiversas nas
regiões tropicais, intertropicais e equatoriais? Do nada não se
constrói e não se produz nada, concluiu. Essa ideia, segundo A atuação de Aziz Ab’Sáber no planejamento e questões
a qual, para retornar à tropicalidade florestada, tinha que ha- nacionais
ver matrizes preservadas de florestas tropicais biodiversas, as
quais, com a umidificação do clima, se ampliaram e coalesce-
ram, foi oferecida aos biólogos, que imediatamente percebe- São várias e importantes as contribuições de Aziz
ram a importância desses redutos florestais como refúgios de com relação a planejamento e questões nacionais. A de-
fauna. fesa do meio ambiente sempre foi uma das suas principais
Do ponto de vista ambiental, a teoria mostra que o qua- preocupações e, quando esteve pela primeira vez em Manaus,
dro encontrado pelos povos pré-históricos, formado nos últi- começou a se interessar pelo problema da poluição das águas
mos 12.000 anos, se deu a partir dos refúgios. Foi a biodiversi- por ocupações irregulares. Começou a observar tudo que
dade dos refúgios que fez com que, na medida em que o clima acontecia de errado nas cidades brasileiras: lixo não coleta-
foi se tornando mais úmido no Brasil tropical atlântico e na do adequadamente, a poluição das praias, dos rios e outros
Amazônia, as ilhas de umidade fossem coalescendo no espaço aspectos.
total da Amazônia e ao longo da faixa atlântica brasileira. Um dos maiores problemas com os quais se envolveu
Como Aziz não era biólogo, não pôde chegar dire- refere-se à localização de um aeroporto internacional em São
tamente à Teoria dos Refúgios, mas foi analisando a ques- Paulo, no período de Paulo Egídio Martins, em uma reserva
tão da Teoria dos Refúgios em áreas de arquipélagos e ilhas florestal em Caucaia do Alto, a única grande reserva exis-
oceânicas. Essas são separadas por canais de diversas natu- tente a oeste de São Paulo. Como se tratava de área pública,
rezas, originados por um complexo sistema de desvinculação do Estado, não haveria custos de desapropriação, existindo a
glacioeustática. Foi quando Aziz se deu conta de que a Teoria vantagem adicional com a desmobilização do aeroporto de
dos Refúgios nasceu com Darwin, intuitivamente, ao tratar Congonhas e a possibilidade de loteamento imobiliário da
do problema das tartarugas gigantes diferenciadas das Ilhas área ocupada pelo aeroporto. Um plano perfeito de capita-
Galápagos. Os pesquisadores norte-americanos já haviam lismo selvagem, nas palavras de Aziz, que foi procurado por
aplicado o termo “refúgio” em vales glaciais, com relação à ve- pessoas de Embu pedindo-lhe que entrasse na luta em favor
getação, mas Aziz prefere usar redutos para vegetação, sendo o da proteção da reserva, onde existe um importante reservató-
termo refúgio aplicável para a fauna acoplada aos processos. rio de água. Estudando a questão, Aziz constatou o absurdo
de implantar um aeroporto internacional a oeste da cidade de a cidade satélite de Parauapebas e, ao saber que não existia
São Paulo, nos altos aplainados de morros acidentados, sem nenhum, fez suas sugestões. “Todo fim de semana deve-se
considerar a biodiversidade e aguadas ali preservadas. convidar pessoas da cidade do sopé da serra, bancários, ser-
Coligiu todos os argumentos contrários possíveis e en- vidores, pessoas esclarecidas, para virem até aqui almoçar no
viou um relatório para a Aeronáutica. Um dia, o Presidente lugar onde vocês almoçam, no bandejão, para saberem que
Ernesto Geisel, sabendo da controvérsia, veio a São Paulo não é ilha da fantasia, só um lugar de trabalho diferencia-
ver o local onde seria a obra e apoiou os argumentos de Aziz, do”. Ademais: “toda semana, um grupo de crianças da es-
fazendo com que se desistisse do empreendimento. Sugeriu cola deveria vir para brincar com os filhos dos engenheiros,
Aziz então que o novo aeroporto fosse construído onde é geólogos e diretores; outra coisa: no lugar da cancela entre
hoje, em Cumbica. A partir daí começou a fazer planejamen- as duas cidades, seria feito um complexo envolvendo um
tos. Partiu para o exame das construções fundamentais em posto de gasolina - de que as pessoas em trânsito preci-
termos de projeto com a natureza e teve grande satisfação sam - e, ao memso tempo, um bar com mesas, e uma boa
de conhecer as ideias de Garreth Eckbo, o mais importante sala de espera”. Aziz sugeriu ainda mudar o sistema de con-
paisagista americano do século XX. Concluiu que os bio- trole das pessoas que precisavam ir até o aeroporto, mos-
mas continentais brasileiros devem ser considerados como os trando a necessidade de estabelecer um sistema em que as
grandes domínios de natureza, como os zonais (Amazônia) e pessoas deixassem seus documentos e recebessem um cra-
os azonais (Mata Atlântica). xá, ou qualquer coisa do tipo. Esses procedimentos foram
Em 1982 e 1983, quando era diretor do Condephaat, es- adotados mais tarde, mas não houve nem mesmo qualquer
tabeleceu uma estratégia para fazer o tombamento de áre- agradecimento pela proposta de planejamento.
as naturais, na linha que já adotara antes, como membro Quanto ao estado atual de preservação da Amazônia,
do Conselho, atuando no tombamento da Juréia, onde um ela como um todo ainda está relativamente preservada, cons-
grupo de empresários pretendia fazer um ecoturismo agi- tata o professor Aziz, em entrevista publicada na Ciência
gantado. Na sua gestão promoveu os processos para o tom- Hoje, em 1992:
bamento da Serra do Mar quase inteira, uma escarpa de
originalidade planetária, além da Serra do Japi, cabeceiras Mas a parte periférica, próxima ao cerrado,
do Tietê e Pedra Grande, em Atibaia. Promoveu também foi muito facilmente devastada. As pessoas saíam do
o tombamento de teatros, como TBC (Teatro Brasileiro cerrado e iam penetrando mato adentro, devassando
de Comédia), o Teatro São Pedro, o Teatro Oficina e um florestas e fazendo experiências empíricas em solos
teatro central em Santos. Os resultados de análises de Aziz pobres. Descobriam minérios e dominavam o espaço
sobre catástrofes naturais no litoral paulista foram publica- por processos cartoriais: muitos compravam pequenas
dos sob o título “A gestão do espaço natural: relembrando áreas e as registravam como grandes propriedades. Foi
Caraguatatuba (1967) para compreender Cubatão (1985)”, na o caos! Se examinarmos uma imagem de satélite de
Revista de Arquitetura e Urbanismo. uma área crítica da Amazônia ocidental, veremos to-
Aziz foi ainda um dos componentes do grupo que dos os tipos de supressão de florestas, com enormes
a antiga Vale do Rio Doce formou entre cientistas, o qual consequências negativas para a biodiversidade regio-
mostrou como proteger as florestas, como reduzir e limitar as nal. Examinei uma dessas imagens e fiz uma análise
instalações que iam ser feitas nos altos da Serra de Carajás. dos diferentes caminhos da devastação. Há uma es-
Sugeriu a implantação de Parauapebas, embaixo da serra, e trada estadual ligando Belém, Marabá e Carajás, ao
planejou os componentes principais para a cidade: um hospi- longo da qual há um processo contínuo de destruição.
tal regional, já que não havia nenhum num raio de 300 km, Numa distância de dois a cinco quilômetros além das
uma escola para os filhos dos garimpeiros e outros habitantes, margens dessa estrada não se vê qualquer sinal de flo-
e um centro de triagem de trabalhadores. Defendeu, no ar- resta. Há também a ferrovia Carajás-São Luís - de
tigo “Em defesa do patrimônio e contra a privatização”, pu- 890 quilômetros, construída no governo Sarney -, em
blicado na revista Debate Sindical, a não privatização da Vale que se destruiu quase tudo entre cinco e 20 quilôme-
do Rio Doce, dando todas as suas razões. A principal delas tros, de ambos os lados da ferrovia. O governo per-
refere-se ao conhecimento de que nunca mais se encontraria mitiu que ocorressem barbaridades ecológicas durante
no planeta outro conjunto de minérios, outra província mine- sua construção, até mesmo o apossamento selvagem
ral tão concentrada como Carajás. do espaço. Esta é a maior predação já feita na face da
O papel de Aziz foi preponderante também na ques- Terra, em tempo tão curto. O problema era ocupar a
tão dos garimpeiros de Serra Pelada com a Vale do Rio Doce. Amazônia de qualquer jeito. Outro fator de destruição
Os garimpeiros de Serra Pelada, atiçados pelo major Sebas- são as estradas oblíquas e transversais, que conduzem a
tião Curió, que era contra a substituição do garimpo pela mi- colonização em forma de “espinhelas de peixe”, a par-
neração mecanizada de ouro pela Vale, planejaram a invasão tir de todos os tipos de caminhos. Elas resultam da
da Serra dos Carajás. Então, 70 caminhões de garimpeiros venda de pequenos lotes para indivíduos que vivem em
saíram de Serra Pelada, foram tentando incendiar as pontes qualquer parte do país e pensam que vão fazer uma
de madeira nas travessias de igarapés e entraram na cidade aventura formidável na Amazônia. Essas “espinhelas”
de Rio Verde, nos arredores de Parauapebas. Ali queriam são tantas que aquilo que era uma treliça no meio da
queimar o hospital, a escola, mas foram demovidos por um mata se transforma em restos devassados de mata. En-
médico e uma professora, que os conscientizaram que os pa- tão é mentira se alguém diz que nessa área há 50% de
cientes e alunos eram garimpeiros e filhos de garimpeiros. matas preservadas, pois já ocorreu uma interconexão
Aziz, quando soube desses fatos, foi conversar com as pessoas da devastação, prejudicando sobretudo as populações
nas ruas, praças, bares e restaurantes de Parauapebas, fazen- animais, para as quais já não existem nichos ecológi-
do questionários de geografia humana, obtendo ainda reve- cos. Os outros fatores de degradação estão relaciona-
lações sobre outros fatos e acontecimentos. Depois de ouvir dos com os rios e igarapés. Ao longo do Braço Grande
esses relatos, o professor Aziz disse para o pessoal da Vale: e Alto Capim, vê-se a devastação nas duas margens.
“vamos pensar em como resolver esse conflito entre a cidade Os mais pobres fizeram o mesmo ao longo dos iga-
do povo e a “ilha da Fantasia”, como era conhecida a cidade rapés: devastaram, venderam árvores, tentaram so-
dos engenheiros no topo da serra. breviver. As imagens de satélite também revelam al-
Questionou qual o sistema de relacionamento en- guns “linhões” que dão acesso a grandes propriedades
tre o pessoal da Vale, do alto da serra, e o de Rio Verde, agropecuárias ilhadas no coração da floresta.
Em 1990, Aziz e os professores Werner Zulauf e mento não personalizado. É político em termos de pressões
Leopoldo Rodes foram encarregados pela direção do Ins- para um planejamento correto por parte dos governantes. É
tituto de Estudos Avançados da USP, por sugestão do rei- essa atuação que Aziz gosta de trilhar, sem interesse na par-
tor, José Goldemberg, de realizar um projeto intitulado ticipação partidária.
Floram (Florestas para o Meio Ambiente). Nas discussões do O professor Aziz se preocupou sempre com a ques-
projeto, Aziz se inteirou de que não adiantaria plantar árvo- tão social e, em estudos na periferia de grandes cidades, às
res em quantidade em alguns lugares onde era possível im- vezes lhe solicitavam para ensinar como arranjar empre-
plantar florestas plantadas, pois elas iriam captar um pouco go, pois achavam humilhante sobreviver de qualquer jeito,
de gás carbônico, enquanto o primeiro mundo continuaria emprestando, fazendo parcerias etc. Embora cristão e ca-
a jogar gases na atmosfera. Concluiu então que tinham de tólico, Aziz não acredita que Deus participe no processo
pensar de outra maneira. Foi aí que tomou conhecimento do de marginalização de grande parte da população brasilei-
ideário de social forests e transformou o Floram em um projeto ra, pois não escolheria lugares tão distantes, tão rústicos e
diferenciado de florestas sociais: florestas para a sociedade e marginalizados para que crianças nascessem: não se escolhe
a comunidade. o ventre onde se nasce, insiste em dizer.
A ideia central era de, em áreas degradadas, incen- Retornando aos questionamentos políticos do Profes-
tivar a reservar um pequeno setor para árvores de espécies sor Aziz, ele é bastante contundente nas respostas durante
de crescimento rápido em propriedades pequenas e médias, entrevista de 2010, criticando a equipe brasileira enviada à
para reativá-las economicamente. Em seguida, após a es- conferência sobre o clima de Copenhague, o desconheci-
colha dos locais exatos para criação de bosques plantados, mento do Brasil por parte de Marina Silva, que acredita no
seriam introduzidas espécies nativas ao longo e no entor- criacionismo, achando que, no governo, apenas os técnicos
no das cabeceiras de drenagem e nos canais de escoamento mais jovens do Ibama, com auxílio de promotores públicos
que desembocam em pequenos rios da região. A preferên- também jovens, saídos de boas universidades brasileiras, têm
cia por espécies nativas de crescimento mais rápido, como condições de entender as questões ambientais. Repete sem-
palmáceas, foi apoiada pelo conhecimento a ser obtido por pre que no Brasil há que se aprender a contestar os idiotas.
meio da memória dos caboclos, num viés de etnociências. Em outra entrevista, também em 2010, faz severas
Fora das áreas de cabeceira, poderia haver algumas plantas de críticas ao novo código florestal proposto pelo relator Aldo
espécies dotadas de madeiras nobres, além de um bom per- Rebelo, que a seu ver é bastante neófito em matéria de ques-
centual dedicado às atividades agrícolas tradicionais da região, tões ecológicas, espaciais e de futurologia. Salienta que, em
eventualmente com melhoramentos. Essa metodologia é um face do gigantismo do território nacional e da situação real
exemplo típico de social forest. O projeto tinha também um lado em que se encontram os seus macrobiomas, qualquer tentati-
educativo, fazendo com que crianças e adolescentes, filhos dos va de mudança do “Código Florestal” tem que ser conduzida
proprietários, aprendessem a colher plântulas, a obter mudas e por pessoas competentes e bioeticamente sensíveis. Pressio-
a plantar espécies nativas. Infelizmente, nunca houve resposta nar por uma liberação ampla dos processos de desmatamento
da área educacional, pois seria uma maneira de reforçar e reci- significa desconhecer a progressividade dos cenários bióticos,
clar as chamadas escolas rurais. a diferentes espaços de tempo futuro, favorecendo de modo
Durante o governo Collor, Werner Zulauf foi simplório e ignorante os desejos patrimoniais de classes so-
nomeado chefe da antiga Sema (Secretaria do Meio Ambien- ciais que só pensam em seus interesses pessoais, no contexto
te) e foi para Brasília em 1990, levando o projeto à presença de um país dotado de grandes desigualdades sociais.
do Ministro José Lutzemberger, bastante vaidoso e autoritá- O primeiro grande erro dos que lideram no momento
rio, que simplesmente disse: “Não li e não gostei”. Quando a revisão do Código Florestal brasileiro - a favor das classes
Collor caiu ele sumiu do mapa, mas o Projeto Floram conti- sociais privilegiadas - é a chamada “estadualização” dos fa-
nuou e, em 1998, ganhou o prêmio mais importante da eco- tos ecológicos de seu território específico, sem lembrar que as
logia mundial, que Werner acabou indo receber sozinho em delicadíssimas questões referentes à progressividade do des-
Johannesburgo e nem convidou Aziz, fato que o deixou bas- matamento exigem ações conjuntas dos órgãos federais es-
tante triste, tendo em vista seu grande envolvimento nele. pecíficos, em conjunto com órgãos estaduais similares, uma
Aziz resume sua participação em assuntos ambien- Polícia Federal rural, e o Exército Brasileiro, tudo conectado
tais com relação a EIA-Rimas, às vezes encomendados ainda com autoridades municipais. Fica claro que, na previ-
apenas para a aprovação de projetos duvidosos, como o pri- são de impactos a diferentes tempos no futuro, é absoluta-
meiro trecho do Rodoanel de São Paulo, discutido em reu- mente necessário focar para o zoneamento físico e ecológico
nião no IAB e na OAB. Na verdade, acrescenta, num caso de todos os domínios de natureza no Brasil. Pelo exposto,
como esse, o geógrafo não pode fazer nada, não tendo poder Aziz sente-se obrigado a criticar a persistente e repetitiva
para modificar assuntos sobre os quais tem entendimento. argumentação do deputado Aldo Rebelo que, como políti-
O professor Aziz tem recebido pedidos para atuar em de- co, tem que honrar a história de seus partidos, mormente
fesa de oleoduto cruzando a selva amazônica, na questão em relação aos partidos que se dizem de esquerda e jamais
dos invasores de Conceiçãozinha, no litoral paulista, que poderiam fazer projetos totalmente dirigidos para os inte-
precisavam ser realocados, ou ainda com relação ao maciço resses pessoais de latifundiários. Enquanto o mundo inteiro
da Juréia, sem falar dos problemas criados pelo projeto de propugna para a diminuição radical de emissão de CO2 , o
transposição de águas do São Francisco. Se não teve po- projeto de reforma proposto pela Câmara Federal de revi-
der para transformar, pelo menos os pareceres de Aziz fo- são do Código Florestal defende um processo que significará
ram sempre independentes. Toda vez que o conhecimento uma onda de desmatamento e emissões incontroláveis de gás
geográfico é projetado para equipes que trabalham com pla- carbônico, fato observado por muitos críticos em diversos
nejamento, ele passa e ser altamente técnico e humanitário. trabalhos e entrevistas.
São os geógrafos que cuidam das relações entre homens, co- Parece ser muito difícil para pessoas não iniciadas
munidades, sociedades e meio ambiente, em que esses com- em cenários cartográficos perceber os efeitos de um desma-
ponentes básicos do planeta, junto com a vida vegetal e ani- tamento na Amazônia de até 80% das propriedades rurais
mal, têm o seu habitat. silvestres. Seria necessário que os pretensos reformuladores
O geógrafo precisa estar sempre bem informado, ne- do Código Florestal lançassem sobre o papel os limites de
cessitando de todos os livros, documentos e fatos da história glebas de 500 a milhares de km 2 , e dentro de cada parcela
cotidiana, de todos os espaços de seu país e, possivelmente, do das glebas colocasse indicações de 20% correspondentes às
mundo. O envolvimento político dos geógrafos é um envolvi- florestas ditas preservadas. E, observando o resultado desse
mapeamento simulado, poderiam perceber que o caminho de Sorocaba e da Escola de Geologia da Universidade do
da devastação lenta e progressiva iria criar alguns quadros Rio Grande do Sul, em 1959 e 1960, único período em que
de devastação similares ao que já aconteceu nos confins das deixou provisoriamente os quadros da USP.
longas estradas e seus ramais, em áreas de quarteirões im- Quando regressou a São Paulo foi nomeado diretor do
plantados para venda de lotes de 50 a 100 hectares, onde o Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, IBILCE,
arrasamento de florestas no interior de cada quarteirão foi da UNESP de São José do Rio Preto, no período de 1979 a
total e inconsequente. Por isso Aziz defende a implantação 1982, onde fundou outro grupo de pequenas revistas, como
de grandes reservas de biodiversidade não só para o futuro Cráton e Intracráton, Vegetália, Genoma e Interfacies, tendo
da vida no território brasileiro, mas também para preservar sido publicados mais de 150 números dessa última revista.
mundialmente a biodiversidade. Acredita que é a partir dessa Aziz acabou com as “sebentas”, as apostilas dadas pelos pro-
consciência que vão surgir novas propostas para a preservação fessores, estimulou os professores a publicar nos boletins seus
da biodiversidade na Amazônia. melhores trabalhos, induzindo-os a escrever trabalhos mais
O professor Aziz foi convidado por Luiz Inácio da bem pensados, em vez de reproduzir apenas um curso que
Silva, o Lula, para acompanhá-lo em viagem pelo interior do vinha sendo dado há anos. Antes de assumir o IBILCE, Aziz
Brasil e explicar os problemas dos espaços e ocupação huma- fundou em São Paulo uma série chamada Paleoclimas, bole-
na, e ficou impressionado com a perspicácia do futuro presi- tins geográficos que foram citados quase no mundo inteiro.
dente. Aziz se diz sem vocação para a política, e não deseja ser Ao longo dos anos de 1950 Aziz desdobrava-se entre
político. Deseja apenas colaborar com as políticas públicas e pesquisas de campo em todo o Brasil e aulas em diversos
com os políticos que merecem seu respeito. Depois de colabo- lugares, dedicando-se a trabalhos extras, necessários para a
rar com o governo “paralelo” do Partido dos Trabalhadores, sobrevivência de sua primeira família e também de seus pais,
muitos passaram a confundi-lo com uma espécie de candidato muito empobrecidos. Foi nessa época que surgiu a oportu-
a político. De modo geral, não aprecia os políticos brasileiros, nidade de aceitar proposta de trabalhar na Escola de Geo-
independentemente dos partidos a que pertencem, e com rara logia da Faculdade de Filosofia da UFRGS, que aliviava a
lucidez conhece o poder da gestão pública. Porém dá seu aval sua situação econômica. Nessa época escreveu “Sítio urbano
para as exceções, incluindo entre elas o Lula, "uma das inteli- de Porto Alegre – estudo geográfico”, publicado no Boletim
gências mais rústicas e criativas do país". Sente-se fiel servidor Paulista de Geografia, em 1965. No campo pessoal, a mulher
do governo e sua participação política limita-se a fazer diag- de Aziz, Dorath Pinto Uchoa, não se adaptou ao Rio Gran-
nósticos de situações e listar boas propostas para o direciona- de do Sul e voltou a São Paulo com as duas filhas, Juçara e
mento das políticas públicas. Janaína. Nesse período Aziz também perdera o pai, o velho
Nacib. Foi muito profícuo, por outro lado, o período no Rio
Vida acadêmica, cargos ocupados por Aziz Ab’Sáber e Grande do Sul, em que Aziz aprendeu muito. Quando estava
aspectos da vida pessoal para voltar a São Paulo conheceu a jovem gaúcha Cléa Irene
Fraenck Muxfeldt e se casou com ela em 1963, tendo com
Aziz começou a dar aulas no curso secundário, com ela três filhos: Tales Afonso, Alexandre e Carin. Em 1965
ajuda de colegas que arranjaram algumas poucas aulas, prestou concurso para Livre Docência e finalmente pôde en-
às vezes à noite, ganhando muito pouco, durante os anos trar na USP como professor e não mais como jardineiro ou
de 1945 e 1946. Sua primeira contratação, já terminada prático de laboratório.
a especialização, foi no Departamento de Geologia e Na UNESP de Rio Preto, Aziz se preocupou em or-
Paleontologia, a convite de Kenneth Caster. Aceitou o ganizar uma biblioteca de primeira categoria, que servisse à
cargo de jardineiro para ingressar oficialmente no quadro instituição universitária e à população interessada. Introdu-
da universidade, mas nunca cuidou de jardim nenhum. O ziu a leitura de jornais na biblioteca, defendendo a leitura de
salário de jardineiro era o menor possível e, três meses depois, periódicos para avaliar o que acontece no mundo e nas dife-
os geógrafos do Departamento de Geografia, ao saberem que rentes regiões do Brasil. Os bons jornais representam a his-
Aziz já era bacharel, licenciado e especialista e tinha sido tória em processo, o que é fundamental, como exemplificam
nomeado jardineiro, acharam aquilo aviltante e conseguiram os estudos de Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, que
nomeá-lo prático de laboratório, cargo que ocupou até prestar estudou o problema da dinâmica climática do sul do Brasil
exame para a livre-docência, em 1965. Devido a problemas consultando jornais ao longo do ano, com dados climáticos
de saúde Aziz teve receio de fazer exames médicos oficiais diários, e elaborando um dos melhores trabalhos de climato-
para um outro cargo mais adequado à sua formação. Quando logia dinâmica já escritos em todas as Américas.
se doutorou, em 1956, continuou como prático de laboratório O professor Aziz se dedicou também a publicar livros
e não podia assinar os boletins e as aulas, o que era feito por didáticos para o segundo grau, uma vez que não havia prá-
seus colegas. O começo de sua carreira foi trabalhoso, além ticas de ensino dentro dos livrinhos existentes. Assim, em
de economicamente difícil. 1975, acabou preparando um didático mais aperfeiçoado,
Depois de dar aulas no Sedes Sapientiae, Aziz foi tra- Formas de Relevo, dentro do projeto de uma antiga entidade
balhar nas Faculdades Campineiras, hoje PUC-Campinas, chamada “Funbec”. Tratava-se de uma espécie de geomor-
no período em que era prático de laboratório na USP e tinha fologia estrutural, sobretudo, com três direcionamentos: um
que viajar de madrugada para Campinas. Ali montou uma livro para o aluno, um guia para o professor e um cader-
biblioteca geográfica inicial a partir de boletins especializa- no de exercícios. O livro nunca foi aplicado nas escolas, a
dos e separatas, deixando em Campinas um trabalho pionei- edição desapareceu e a editora fechou. Aziz achava que os
ro. Foi a seguir convidado para lecionar na PUC de São Paulo livros apresentados aos alunos não tinham muito domínio do
pelo reitor, Monsenhor Salim. Uma das coisas de princípio conhecimento geográfico, ou eram dirigidos mais a gradua-
de carreira que depois permaneceu na sua vida foi a funda- dos e não a estudantes.
ção de boletins e periódicos geográficos. Nas Faculdades Depois de Rio Preto, Aziz aceitou ficar na área de
Campineiras havia fundado Notícia Geomorfológica e, muito ecologia da UNESP de Rio Claro, onde ficou por dois anos.
depois, no Instituto de Geografia da USP, criou uma série Aziz não apreciou essa fase, em que não gozou de qualquer
de boletins especializados em diversas áreas: geomorfologia, prestígio, principalmente em relação à biblioteca, que aca-
climatologia, geografia urbana, geografia do planejamento. bou se desfazendo de todos os livros conseguidos por ele.
Paralelamente, nessa época, começaram a aparecer pedidos Em todos os lugares por onde passou com cargos de direção
para trabalhar em outras áreas, e Aziz foi ser professor da Es- sempre procurou implantar bibliotecas. Mesmo em São Luiz
cola de Jornalismo Cásper Líbero, da Faculdade de Filosofia do Paraitinga, sua cidadezinha natal, ajudou a revigorar a
biblioteca local, e continua sempre em busca de doações para Ecos do Sino Grande
bibliotecas comunitárias, que organiza com um pequeno
grupo de idealistas, em comunidades carentes, como Capão Ainda oiço. Trago na memória.
Redondo, no sul da cidade de São Paulo, Conceiçãozinha, Na noite de São Luiz
na Ilha de Santo Amaro, além das quadras das escolas de Escuto ainda
samba de São Paulo, penitenciárias femininas e albergues As badaladas arrastadas
de sem-teto. Do sino grande
Quando foi diretor do Instituto de Geografia, Aziz Da matriz.
reuniu muitos livros e organizou um pequeno museu do livro
didático, para as pessoas perceberem como foi a evolução. Os Coisa rara: tivemos que sair
livros didáticos melhoraram, abordando um pouco de geo- Minha mãe, minha madrinha e eu
grafia econômica, de geografia regional e um pouco de demo- Para arejar o pequeno Iussef
grafia, com muitas ilustrações, despertando mais a curiosida- Que estava com tosse comprida.
de dos estudantes. Para Aziz, os livros didáticos devem ser
feitos sempre por pessoas que já tenham uma consolidação de Ruas desertas. Escuridão.
conhecimentos integrados. O principal desafio do livro didá- Barro e chuvinha
tico, hoje, é compatibilizar conhecimentos de boa qualidade Cheiro do mato vindo da outra banda
com uma linguagem que se adeque ao nível de escolaridade Do rio.
de cada faixa etária.
Entre 1988 e 1989, seu amigo historiador, Carlos Gui- No alto do morro
lherme Motta, fazia parte de um grupo que estava fundan- O cruzeiro iluminado que meu pai,
do o Instituto de Estudos Avançados na USP, e convidou-o Poeta introvertido,
para atuar na área de Geografia. Nessa época escreveu um Mandou iluminar.
trabalho extenso sobre a região do Pantanal, intitulado “O Primeiras elétricas luzes,
Pantanal Mato-Grossense e a Teoria dos Refúgios”. Na últi- Que antecediam
ma década tem participado de algumas publicações de luxo, O pontilhado imenso que
que sintetizam sua longa trajetória como geógrafo. marcava as luzes do universo.
Seus escritos mais recentes podem ser lidos na re-
vista Scientific American Brasil, graças a convite de Ulisses Saudades de menino
Capozzoli, superintendente da edição brasileira dessa revista. Entes queridos.
Quase diariamente, ao final da tarde, vai ao seu gabi- Lembranças sentidas.
nete no Instituto de Estudo Avançados, no prédio da antiga E, para completar
reitoria da USP, onde recebe amigos, ex-alunos e colegas. Foi As badaladas arrastadas do sino grande
aí que ocorreu a maior parte dos nossos encontros durante a Que saudades, Deus meu!
organização desta publicação. Aziz continua muito produti-
vo: nos últimos meses finalizou quase uma dezena de artigos
inéditos, que nos entregava manuscritos e que podem ser li-
dos no DVD. No momento escreve artigos para montar uma
coletânea sobre os bastidores dos seus trabalhos de campo.
Em uma das suas visitas à Editora, pediu para que lês-
semos em voz alta um de seus poemas. Pareceu-nos que seria
um bom fecho para esta súmula biográfica:

Fontes:
Depoimentos pessoal aos organizadores do livro durante os anos de 2007, 2008, 2009 e 2010.
Cynara Menezes. 2007. O que é ser geógrafo: memórias profissionais de Aziz Nacib Ab'Sáber. São Paulo Editora Record.
Temas diversos. Postado por alexproenca em julho 7, 2010. “Aziz Ab’Sáber: Do Código Florestal para o Código da Biodiversidade” (Internet).
Fundação Getulio Vargas: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC). Ab’Sáber, Aziz Nacib (depoimento, 1977) Rio
de Janeiro, CPDOC, 2010. 159 p. (Internet).
http://candidoneto.blogspot.com/2010/01/aziz-absaber-aprender-contestar-os.html Blog Língua Ferina. Quarta-feira, 13 de janeiro de 2010. Aziz Ab'Sáber:
“Aprender a contestar os idiotas” (Internet).http://www.canalciencia.ibict.br/notaveis/txt.php?id=5
Ciência Hoje. Entrevista concedida a Carmen Weingrill e Vera Rita da Costa. Publicada em julho de 1992.
Índice
p. 26 Capítulo 1 - Andrea Bartorelli
Comentários a respeito de um relatório do Professor Aziz
p. 46 Capítulo 2 - Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro
Aziz Nacib Ab’Sáber – Geógrafo Brasileiro

p. 56 Capítulo 3 - Olga Cruz


Os mapas de organização natural das paisagens e o Professor Ab’Sáber

p. 65 Capítulo 4 - Antonio Carlos Rocha-Campos


Aziz Ab’Sáber e o varvito de Itu
p. 66 1948 - Sequências de rochas glaciais e subglaciais dos arredores de Itu, São Paulo
1940

p. 70 Capítulo 5 - Olga Cruz


Sobre "Regiões de circundesnudação pós-cretácea, no Planalto Brasileiro"
p. 72 1949 - Regiões de circundesnudação pós-cretácea, no Planalto Brasileiro

p. 82 Capítulo 6 - Gerusa Maria Duarte


O Brasileiro Aziz Nacib Ab’Sáber
p. 91 1952 - Geomorfologia de uma linha de quedas apalachiana típica do Estado de São Paulo

p. 102 Capítulo 7 - Ana Maria Medeiros Furtado


Aziz Ab’Sáber e a Amazônia
p. 111 1953 - A cidade de Manaus (Primeiros Estudos)

p. 124 Capítulo 8 - Olga Cruz


Os estudos do professor Ab’Sáber em áreas costeiras do Brasil
p. 126 1954 - Contribuição à geomorfologia do litoral paulista
1950

p. 146 Capítulo 9 - Silvia F. de M. Figueirôa


Aziz Ab’Sáber, a história das geociências e o papel da universidade: preocupações de longa data
p. 152 1956 - Meditações em torno da notícia e da crítica na geomorfologia brasileira

p. 157 Capítulo 10 - Cláudio Riccomini, Carlos H. Grohmann, Lucy G. Sant’Anna, Silvio T. Hiruma
A captura das cabeceiras do Rio Tietê pelo Rio Paraíba do Sul
p. 170 1957 - O problema das conexões antigas e da separação da drenagem do Paraíba e do Tietê

p. 176 Capítulo 11 - Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro


A contribuição de Ab’Sáber à geografia urbana do Brasil
p. 180 1958 - O sítio urbano de São Paulo
p. 215 Capítulo 12 - João José Bigarella
Depoimento do Professor Bigarella
p. 217 1961 - Ocorrência de pedimentos remanescentes nas fraldas da Serra do Iquererim (Garuva, SC)
p. 226 Capítulo 13 - Silvio Takashi Hiruma, May Christine Modenesi-Gauttieri
Paleopavimentos
p. 230 1962 - Revisão dos conhecimentos sobre o horizonte subsuperficial de cascalhos inhumados do Brasil oriental

p. 244 Capítulo 14 - Adilson Avansi de Abreu


Revisitando um clássico: “O relevo brasileiro e seus problemas” de Aziz Nacib Ab’Sáber
p. 256 1965 - O relevo brasileiro e seus problemas

p. 307 Capítulo 15 - Roberto Verdum


1960

Releitura de “O sítio urbano de Porto Alegre”


p. 314 1965 - O sítio urbano de Porto Alegre: estudo geográfico

p. 325 Capítulo 16 - Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro


Domínios e províncias nos quadros de natureza brasileira, na visão de Ab’Sáber
p. 329 1967 - Domínios morfoclimáticos e províncias fitogeográficas do Brasil

p. 334 Capítulo 17 - Dirce Maria Antunes Suertegaray


Geomorfologia do Rio Grande do Sul, o saber de Ab’Sáber
p. 344 1969 - Participação das superfícies aplainadas nas paisagens do Rio Grande do Sul

p. 353 Capítulo 18 - Celso Dal Ré Carneiro, Mario Sergio de Melo, Antonio Carlos Vitte
Evolução geológica neocenozoica da Depressão Periférica no centro-leste do Estado
de São Paulo: inflexões do pensamento geomorfológico
p. 372 1969 - A Depressão Periférica Paulista: um setor das áreas de circundesnudação pós-cretácica na
Bacia do Paraná
p. 378 Capítulo 19 - May Christine Modenesi-Gauttieri
1960

Sobre "Um conceito de geomorfologia a serviço das pesquisas sobre o Quaternário"


p. 381 1969 - Um conceito de geomorfologia a serviço das pesquisas sobre o Quaternário
p. 388 Capítulo 20 - José Pereira de Queiroz Neto
Mamelonização, pedimentação e outras histórias
p. 404 1971 -A organização natural das paisagens inter e subtropicais brasileiras

p. 397 Capítulo 21 - Michael F. Thomas


The natural landscapes of Brazil and the impact of quaternary dry climates
- a comment on two papers by Aziz Nacib Ab’Sáber
p. 404 1971 - A organização natural das paisagens inter e subtropicais brasileiras
p. 415 1977 - Espaços ocupados pela expansão dos climas secos na América do Sul, por
ocasião dos períodos glaciais quaternários
1970

p. 420 Capítulo 22 - Julio Roberto Katinsky


Geografia e Paisagem: Aziz Nacib Ab’Sáber e o espaço organizado
p. 428 1975 - Tratamento paisagístico: Usina de Paraibuna e Barragem de Paraitinga

p. 440 Capítulo 23 - José Bueno Conti


A contribuiçaõ de Ab’Sáber aos estudos de desertificação no Brasil
p. 449 1977 - Problemática da desertificação e da savanização no Brasil intertropical

p. 456 Capítulo 24 - Paulo César Boggiani


Um minuto para terminar
p. 460 1979 - Geomorfologia e Espeleologia

p. 464 Capítulo 25 - Mario Luis Assine


Pantanal Mato-Grossense: uma paisagem de exceção
p. 490 1988 (2002)- O Pantanal Mato-Grossense e a Teoria dos Refúgios e Redutos

p. 516 Paulo Emílio Vanzolini


A contribuição de Aziz Ab’Sáber à Zoologia Sistemática
1980

p. 517 1988 (2002) - O significado do Pantanal Mato-Grossense para a Teoria dos Refúgios
e Redutos
p. 519 Capítulo 26 - Betty J. Meggers
Interdisciplinary Collaboration
p. 523 1989 - Zoneamento ecológico e econômico da Amazônia
p. 536 Capítulo 27 - Antonio Carlos de Barros Corrêa
O Nordeste do Brasil no pensamento de Aziz Ab’Sáber: uma leitura a partir da teoria
geomorfológica
p. 542 1990 - O Nordeste brasileiro e a Teoria dos Refúgios
1990

p. 550 Capítulo 28 - Teresa Cardoso da Silva


Trajetória do geógrafo rumo ao Nordeste
p. 553 1994 - No Domínio das caatingas

p. 561 Capítulo 29 - Paulo Nogueira-Neto


O Projeto Floram
p. 564 1996 - Projeto Floram e desenvolvimento sustentável

p. 570 Capítulo 30 - Andrea Bartorelli, Mário L. Assine, Antonio G. Pires Neto e Aziz N.
Ab’Sáber
2000

Dunas do Jalapão: uma paisagem insólita no interior do Brasil


p. 583 2006 - O paleodeserto de Xique-Xique

p. 588 Lista de autores e ficha técnica


Comentários a respeito de um
relatório do Professor Aziz

Andrea Bartorelli

“Sobre a ocorrência de cavidades pedocársticas no sítio da


Barragem de Tucuruí – Pará” (1979)

Para revelar o acervo de conhecimento de um intelec-


tual não existe nada melhor do que os manuscritos de um
trabalho realizado. No relatório apresentado a seguir, de ca-
ráter documental, o autor, recorrendo a desenhos, anotações
e esboços, foca o resultado e relega a segundo plano a forma-
lidade acadêmica, o que nos motivou a abrir esta seção com
este trabalho na forma fac-similar, tal como foi produzido
por Aziz N. Ab’Sáber em parecer técnico de 1979.
No ano de 1978, foram descobertas cavidades tubu-
lares em solo residual laterítico das fundações da Barragem
de Terra de Tucuruí, na margem direita do Rio Tocantins
(Cadman e Buosi, 1985). Essas cavidades (figuras 1 e 2), que
ficaram conhecidas como “canalículos”, foram encontradas
em seguida nas áreas das hidrelétricas de Balbina e Samuel,
também situadas na Região Amazônica. Como consequên-
cia da complexa história geomorfológica e paleoclimática da
Bacia Amazônica, foi considerada a possibilidade da presen-
ça de canalículos em outras partes da Amazônia e demais
regiões tropicais.
Tendo em vista a elevada permeabilidade propiciada
pelos canalículos nos solos de fundação de barragens de terra,
surgiu a necessidade de modificações nos projetos de aterros,
envolvendo extensivos tratamentos de fundação, com o obje-
tivo de minimizar o fenômeno de piping sob a barragem.

26
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
1
Figura 1. Geólogo Antônio Valério
examinando canalículos em área
terraplanada das fundações da
Barragem de Terra de Tucuruí, na
margem direita do Rio Tocantins
(Foto: Andrea Bartorelli, 1979).

Na época da descoberta dos


canalículos, foram convocados
vários especialistas para visitas
aos sítios de barramento, tendo
sido sugeridas diversas hipóteses
para sua gênese, não tendo, con-
tudo, sido indicada uma origem
conclusiva. Um dos primeiros a visitar a obra de Tu- senvolvimento durante o Presente pela atividade de
curuí com esse enfoque foi o Prof. Aziz, em 1979, minhocuçus (Cadman e Buosi, 1985).
que emitiu o parecer ora sob análise, acompanhado Fontes (1983) endossou a gênese termítica,
de esboços sobre a evolução do relevo e o condicio- pelo menos com relação às cavidades de menor diâ-
namento litoestrutural na origem pedocárstica dos metro e muito anastomosadas. As cavidades maiores,
canalículos. Outros especialistas envolvidos foram geralmente verticalizadas e com mais de 10 cm de
representados por biólogos, geólogos e engenheiros diâmetro, foram abordadas por esse autor com reser-
de solos, tendo sido aventadas preliminarmente três vas, tendo em vista serem incomuns nas construções
hipóteses sobre a gênese dos canalículos: de cupins. Deste modo, a análise desses canalículos
- origem orgânica pela penetração de raízes e/ou pe- maiores não revelou sinais conclusivos acerca de sua
quenos animais; origem. Em todo caso, independentemente da ori-
- origem por processos de dissolução no solo residual gem termítica ou radicular, o diâmetro dos canalícu-
(pedokarst); los maiores pode ter sido em parte ampliado pela ero-
- origem por processos de laterização que envolve- são subterrânea de água percolante (Fontes, 1983).
ram dissolução de alguns elementos e precipitação A análise de Fontes (1983) permitiu-o distin-
de óxidos de ferro. guir dois tipos distintos de cavidades, um onde há
A relação íntima das cavidades com solos la- claros indícios de atividade termítica ligada a solos
terizados levou a se considerar a influência de tér- residuais de basalto, metabasito e quartzito, além da
mitas no processo de laterização (Machado, 1982 capa laterítica, e outro, associado a solos residuais de
apud Cadman e Buosi, 1985 e Fontes, 1983). Esses metassedimentos e a solo de alteração de metabasito,
autores concluíram serem os canalículos resultado de onde a origem dos canalículos é inconclusiva. As ob-
intensa atividade paleotermítica ocorrida há mais de servações de Ab’Sáber restringiram-se precisamente
10 mil anos atrás, quando na Amazônia dominava aos metabasitos decompostos (solo de alteração) e
clima mais seco e frio e a vegetação era predomi- solos residuais de filitos (metassedimentos), onde
nantemente do tipo cerrado. As cavidades tubulares interpretou as cavidades tubulares como feições pe-
foram assim decisivamente consideradas de origem docársticas.
termítica, com contribuição da vegetação arbórea, Acredita-se na presente análise caber razão a
especialmente da Castanha do Pará, cujas raízes Ab’Sáber quanto à origem pedocárstica dos cana-
têm grande penetração em busca do nível d’água. lículos no local por ele examinado, onde observou
As térmitas provavelmente aproveitaram o sistema conexão do sistema pedocárstico com o substrato
radicular, alimentando-se das raízes e ampliando a rochoso metabasítico e a passagem de cavidades tu-
intricada malha de canalículos. bulares no trecho em solo para fissuras mais estreitas
A origem paleotermítica dos canalículos foi nos metabasitos menos decompostos, além de outros
verificada também na área da Barragem de Balbina, aspectos descritos no relatório aqui enfocado.
no Estado do Amazonas, enquanto que em Samuel, Parece acertada a conclusão, com relação ao
na Rondônia, foram encontrados canalículos em de- local investigado, de que as cavidades tubulares

27
ampliaram-se a partir do próprio aprofunda-
mento da decomposição do manto dos diaba-
sitos (metabasitos), à medida que o conjunto
topográfico dos tabuleiros regionais foi soergui-
do (epirogênese discreta e influências glacioeus-
táticas pronunciadas dos fins do Quaternário).
A ampliação das cavidades desenvolveu-se por
repuxo basal sucessivo (num processo de cres-
cimento e interiorização em profundidade) pari
passu com os períodos de decomposição e pedo-
gênese tropical úmida mais ativas.

Esse comportamento dos canalículos descrito


por Ab’Sáber condiz com decomposição profunda
(até 40 m) dos metabasitos a partir do encerramento
da última glaciação, não tendo os paleocupins como
se aprofundarem tanto em uma época (último perío-
do glacial do Pleistoceno) em que a rocha fresca se
encontrava mais rasa.
Para finalizar conclui-se assim que os canalí-
culos são representados essencialmente por dois tipos
distintos quanto à sua origem. Os existentes em solos
lateríticos e solos residuais de basalto, metabasito e
quartzito são de origem paleotermítica, enquanto os
desenvolvidos em solos residuais de metassedimen-
tos e solo de alteração de metabasito estão associados
a pedocarste. Ambos parecem ter sido submetidos à
influência de raízes na sua formação e sofrido alarga-
mento, ao menos em parte, pela água de percolação
subterrânea. Sob o clima úmido que passou a vigorar
no Holoceno, a percolação da água subterrânea pro-
vavelmente contribuiu para o aprofundamento dos
dois tipos de canalículos, num processo de piping
e/ou “pedocárstico”.

Figura 2. Prof. Yociteru Hasui (esq.) e geólogo John D.


Cadman (de chapéu) observando ensaio de infiltração
de água dos canalículos nas fundações da Barragem de
Terra de Tucuruí.

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Transcrição de “Sobre a ocorrência de cavidades


pedocársticas no sítio da Barragem de Tucuruí – Pará” (1979)

Após a definição do eixo principal da Barra- do que a densidade da biomassa da floresta existen-
gem de Tucuruí (PA), foram descobertas cavidades te nas vertentes do Vale do Tocantins, foi o caráter
fundas no manto de decomposição das rochas me- sobreposto da estrutura geológica - com metabasi-
tabásicas, existentes nas vertentes semiescarpadas tos e filitos cizalhados, recobertos discordantemente
da margem direita do Rio Tocantins. Tal fato, obri- por cascalhos e areias - que impediu o conhecimen-
gou a projetos complementares de obras na ombrei- to da presença de cavidades tubulares subterrâneas,
ra da futura barragem, para prevenir qualquer fuga localizadas em metabasitos decompostos e sempre
maior de águas do reservatório em construção. E, abaixo dos cascalhos basais suspensos nos altos do
pelo inusitado da presença de ocos na estrutura su- tabuleiro regional. Somente por mero acaso, durante
perficial, mais profunda, da paisagem amazônica no a fase de perfurações, é que se poderia ter detectado
local, constituiu-se em uma nova variável a pesqui- cavidades de tipo genético excepcional, a partir dos
sar em situações análogas ou similares, em termos cascalheiros basais da formação recumbente supe-
rigorosamente geotécnicos, para prevenir a escolha rior, composta por lençóis aluviais do Pleistoceno
de alternativas onerosas e problemáticas, em futuros Inferior ou do próprio Plioceno (Formação Barrei-
empreendimentos relativos a barramentos fluviais. ras Superior). A rápida tomada de decisão, para a
No caso da Barragem de Tucuruí, a detecta- construção de uma obra complementar de proteção,
gem, ainda que tardia porém providencial, dos bura- para evitar futuras fugas de águas do reservatório a
cos de origem pedocárstica, tornou necessária uma ser formado, redundou na escavação de uma larga
obra complementar, perfeitamente justificável e trincheira para vedação. Esta obra viabilizou um es-
adequada. Trata-se de um projeto, em execução, de tudo genético das cavidades tubulares, de utilidade
uma larga e profunda trincheira, na ombreira direita para recomendações finais e para a acumulação de
da barragem, para melhor vedação e engaste da ex- um novo tipo de variável, de consideração indispen-
tremidade das obras de barramento. Em relação aos sável, em relação a outros sítios de barramentos flu-
componentes subsuperficiais da estrutura geológica viais na Amazônia.
regional (faixa de metabasitos encimados por filitos,
e recobertos, em pronunciada discordância angular, O sistema de buracos subterrâneos da margem
por cascalhos e areias modernas), a obra comple- direita do Tocantins
mentar de Engenharia proposta para a ombreira,
pareceu-nos plenamente adequada, desde que se A rede de canalículos é complexa, apresentan-
aprofunde o conhecimento do roteiro das águas de do sistemas isolados de ocos tubulares que atingem
infiltração até os setores rochosos ou sub-rochosos níveis situados abaixo da linha d’águas, em pleno
do leito do próprio Rio Tocantins. leito rochoso do Rio Tocantins. Da análise feita no
Ao iniciar a redação de nosso relatório de vis- campo e das informações dos testes feitos com inje-
toria, para melhor entendimento da área de ocor- ção de águas em buracos, pode-se alinhar os seguin-
rência e situação das cavidades subterrâneas pedo- tes fatos, referentes a forma, distribuição interna,
cársticas, vimo-nos na obrigação de assinalar o ca- vinculações com as rochas subjacentes, e destino das
ráter excepcional e imprevisto da presença de tais águas infiltradas:
redes de ocos tubulares no manto de decomposição
de rochas, na área de Tucuruí. Queremos sublinhar 1. as cavidades se iniciam na base dos casca-
que as técnicas convencionais de estudos de geolo- lheiros do tabuleiro, com diâmetro mínimo
gia de superfície, acompanhadas por redes de per- de 5 cm e, um máximo de 15 cm; possuem
furações densas, utilizadas para a escolha de eixos um primeiro setor de interiorização vertical,
alternativos, apesar do seu refinamento, ainda assim inclinando-se, logo depois, na direção do rio,
podem ser insuficientes para atingir os objetivos de com perfis em retardo comparado com a forte
uma locação de eixo de barramento. Em Tucuruí, mais declividade das vertentes;

43
e, metros abaixo, infletem-se para os lados, na
2. a despeito de irregularidades menores de per- direção do rio; essa deriva lateral dos canalículos
fis e trançamento de cavidades secundárias, cada demonstra uma conexão do sistema pedocárstico
sistema isolado de cavidades tende para traçado com o embasamento rochoso dos metabasitos,
hiperbólico, em total oposição à convexidade das que formam o assoalho do leito do Tocantins,
vertentes terminais, das margens altas do rio. nas proximidades da margem direita do rio;
2. as cavidades são circulares no manto rocho-
No que concerne às cavidades naturais, de so e passam a fissuras mais estreitas e angula-
formato tubular, foi possível observar três condições res, no contato com os setores menos decom-
básicas, importantes para a compreensão de sua gê- postos dos metabasitos, onde podem ser vistos
nese, e para testar a proposta geotécnica relativa à casos de desdobramentos de canalículos;
obra de escavação e enchimento da cortina de veda- 3. a infiltração de águas, a partir da base dos
ção da ombreira direita da barragem: cascalheiros do topo dos tabuleiros - por oca-
sião de grandes chuvas - deve seguir o modelo
1. as cavidades somente afetam as rochas de- de “bueiros” naturais, com filtro atenuador de
compostas correspondentes aos metabasitos; velocidade de fluxo. O diâmetro do tubo na-
2. todas as cavidades se iniciam a partir da tural das cavidades equivale a ação cumulati-
base do contato discordante entre as areias e va das águas penetradas abaixo dos cascalhos,
cascalhos fluviais antigos (Pliopleistoceno), tendo aparentemente um limite, em torno da
com o substratum de metabasitos; seção, de 14 a 16 cm;
3. as cavidades são profundas, com algumas 4. não pode ser verificada a ação de seixos even-
dezenas de metros, atingindo, depois, as ro- tualmente removidos dos cascalheiros basais da
chas menos alteradas aflorantes na base dos formação recumbente (Barreiras Superior). De
barrancos escarificados do rio; qualquer forma o processo de formação das ca-
4. a densidade das cavidades existentes na área vidades independe da presença ou ação eventual
é relativamente grande, medindo-se por algu- de seixos tombados no emboque das cavidades;
mas dezenas por hectare; seu espaçamento é 5. o sistema de cizalhamento tectônico anti-
totalmente irregular, e suas conexões na es- go que afetou as estruturas dos metabasitos
trutura superficial da paisagem é certamente e filitos tem mais importância no rumo dos
semilabiríntica, comportando pequenas anas- canalículos do que qualquer outro lineamento
tomoses (disposição em “trança”). tectônico, sobretudo na faixa dos primeiros
metros de interiorização dos buracos subter-
Um acontecimento eventual tornou possível a râneos;
observação das formas de vinculação das cavidades 6. nas rochas semialteradas da base das altas
do solo residual (manto de decomposição) com as barrancas do Tocantins (margem direita), os
rochas metabásicas, alteradas porém, de menor grau canais são menores e múltiplos, corresponden-
de decomposição. Quando do estreitamento do rio, do a um tipo labiríntico que deve conectar-se
forçado pela construção do dique que protege a com o leito do próprio Rio Tocantins, único
grande ensecadeira da usina, houve modificações na fato que nos obriga a solicitar mais estudos,
direção do fluxo das águas, com forte solapamento na direção do leito do rio, para garantir uma
basal, nas barrancas que marginam a área de ocor- total segurança para o reservatório.
rência dos metabasitos. Uma espécie de “abrasão”
fluvial determinou o escorregamento e remoção ir- Gênese das cavidades pedocársticas de Tucuruí
regular do manto de decomposição e dos colúvios
na base das vertentes atingidas pelas águas do rio, Foi considerado importante para as previsões
nas últimas cheias (do primeiro trimestre de 1979). geotécnicas - a nível de segurança do reservatório,
Essa exposição irregular das rochas metabási- em construção - o conhecimento da gênese das ca-
cas semialteradas levou-nos a constatar os seguintes vidades cársticas do manto de decomposição, locali-
fatos com relação à forma de desenvolvimento sub- zadas nas margens altas do Tocantins, em Tucuruí.
terrâneo das cavidades pedocársticas: Aqui são alinhadas as principais ideias, de ordem
interpretativa, a que chegamos, em função dos estu-
1. muitas das cavidades iniciam-se verticalmen- dos de campo e da análise dos conhecimentos geo-
te, na base dos cascalheiros do topo do tabuleiro lógicos e geomorfológicos preexistentes, incluindo-

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
1

se os relatórios técnicos especialmente elaborados ampliação do manto de decomposição dos meta-


para o projeto da própria barragem. diabasitos, sob condições quentes e úmidas, deve
Três pontos de partida foram essenciais para a ter facilitado a ampliação gradual, verticalmente
interpretação ora proposta: passando a lateral, das cavidades pioneiras. Umas
se ampliaram, de centímetros até 12-16 cm de
1. as cavidades só se desenvolvem em meta- diâmetro. Enquanto outras permaneceram pequenas.
basitos; Algumas, mesmo, tendo sido obturadas pela pedo-
2. os emboques das cavidades situam-se sem- gênese e coluviação. Lateralmente, algumas delas,
pre abaixo de areias da Formação Barreiras vinculavam-se aos setores sub-rochosos da base das
Superior, a qual recobre em forte discordância vertentes, abaixo dos solos coluviais, num equilíbrio
angular as estruturas dobradas e truncadas de frágil, sob a ameaça de decapitação. Um processo de
metabasitos e filitos antigos; desbarrancamento, forçado pelo estreitamento do rio,
3. as cavidades se desenvolvem, em profundi- após a construção da ensecadeira da usina, possibilitou
dade, através de curvas hiperbólicas, desem- a percepção do trecho terminal dos buracos em solos,
bocando em rochas semialteradas, através de e da forma mais labiríntica dos pequenos buracos ir-
cavidades menores, porém mais frequentes e regulares que ocupam os interstícios e cruzamentos
labirínticas, o que é certamente perigoso. de pequenas juntas, existentes nos metadiabasitos su-
jeitos a alteração menos intensa e mascaradora.
Tais fatos permitem deduzir que os buracos de O processo genético pioneiro fez-se a partir da
seção tubular (5 a 15 cm de diâmetro) ampliaram-se a dissolução de pequenos corpos rochosos intercalares,
partir do próprio aprofundamento da decomposição situados no eixo de cizalhamento dos metabasitos.
do manto dos diabasitos (metabasitos), à medida que Em diversos casos a dissolução dos metabasitos pode
o conjunto topográfico dos tabuleiros regionais foi ter ocorrido, igualmente, ao longo de cruzamento de
soerguido (epirogênese discreta, e influências glacio- pequenas juntas, por hidratação e dissolução, acom-
eustáticas pronunciadas, dos fins do Quaternário). panhadas de evacuação em profundidade dos produ-
A ampliação das cavidades desenvolveu-se por re- tos residuais. Alternância entre os dois casos pode ter
pucho basal sucessivo (num processo de crescimento ocorrido.
e interiorização em profundidade) pari passu com os Das observações feitas no campo, e, de sua
períodos de decomposição e pedogênese tropical interpretação integrada, posterior, resulta a neces-
úmida mais ativas. Elas não se ampliaram muito sidade de:
em diâmetro porém cresceram em profundidade,
através um eixo grosso modo hiperbólico: iniciam-se 1. aprofundar a trincheira de vedação até o
verticalmente e desviam-se lateralmente, na direção máximo possível na margem do rio, para ga-
do leito do rio. Só tem chance de serem decapitadas rantir sua eficiência;
e expostas, próximo do próprio leito sub-rochoso 2. na fase final de construção da ombreira,
execução de vedação basal na faixa de me-
do rio, em áreas de escorregamentos forçados por
tabasitos, com o maior cuidado possível, sob
solapamentos laterais (tipo abrasão fluvial espasmó-
monitoramento de geólogos, que dominem
dica). o conhecimento prévio das relações entre os
Levando-se em conta a alta pluviosidade re- buracos dos solos e as cavidades da base sub-
gional (que comporta de 2.500 a 3.000 mm anuais), rochosa (e ou) rochosa;
e, a alta porosidade das areias e cascalhos da Forma- 3. se se quiser adiantar o conhecimento
ção Barreiras Superior - que recobrem truncada- continuum das cavidades, até o leito sub-ro-
mente os metabasitos e filitos regionais - pode-se choso do rio, pode-se fazer uma pequena en-
compreender o processo de ataque das águas sobre secadeira para teste, a partir da margem direi-
o assoalho que serve de superfície-suporte para os ta, no eixo da ombreira projetada;
cascalheiros basais da formação arenosa de extensão 4.- deve-se realizar estudos in situ, por ocasião
regional. Por diversas razões, os metabasitos foram das próximas grandes chuvas, para se obser-
atingidos por ações pedocársticas, dando a possibi- var como a água penetra nos buracos do solo e
desemboca nos setores dos barranos de escor-
lidade do estabelecimento de múltiplos pequenos
regamento, e, nas cavidades dos setores sub-
bueiros naturais, de seção irregular.
rochosos, recentemente expostos na base das
Possivelmente as cavidades pioneiras for- vertentes da margem direita do Tocantins.
maram-se abaixo dos cascalhos sob a forma de
pequenos buracos, em rochas pouco alteradas. A

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AZIZ NACIB AB’SÁBER – Geógrafo
Brasileiro
Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro

Meu duplo agradecimento aos organizadores desse


evento*, tanto pela oportunidade de vir ao Estado do Acre
e conhecer pelo menos Rio Branco sua capital, quanto pela
missão de homenagear o grande geógrafo brasileiro Aziz
Nacib Ab’Sáber.
A evolução de nossa geografia nesta virada de século
já permite que, ao lado das pioneiras avaliações que dela
possam ser feitas, também se exalte os nossos geógrafos.
Para mim, apesar da honra e do prazer em executar
tal missão, esta é uma tarefa difícil. Em primeiro lugar,
pela importância e vastidão da obra do mestre Ab’Sáber,
acrescida do incômodo que poderá advir da suspeita de
que, pertencendo à mesma geração de geógrafos brasileiros
– aquela que partindo do meio século passado, deixou sua
contribuição ao longo da segunda metade –, sou, confes-
sadamente, um grande admirador da sua obra e devo a ele
um elevado tributo de gratidão por toda a atenção e ami-
zade que ele me concedeu ao longo desses quase 60 anos
de convivência na comunidade de geógrafos e, sobretudo,
pelos 20 anos de incondicional e efetivo apoio que me dis-
pensou na Universidade de São Paulo, tanto no Depar-
tamento de Geografia da FFLCH-USP quanto no hoje
extinto Instituto de Geografia (IGEOG-USP).
Dizem que no foco da obra de uma figura ex-
ponencial da Cultura, seja nas Artes ou nas Ciências, é
impossível dissociar a obra da vida do sujeito sob análise.
Quanto à vida, nesses últimos anos, nos muitos eventos
em que tem participado, cercado do carinho dos cole-
gas acadêmicos, mas sobretudo dos jovens iniciantes na
ciência geográfica, o próprio Ab’Sáber vem discorrendo
sobre ela. E o faz de um modo muito sincero e comovedor,
para deleite dos que o escutam.
Neste encontro vou limitar-me à apreciação de sua
obra. Além do fato de que, pertencendo à mesma geração,
sempre acompanhei a produção científica do nosso perso-

* Este texto é a transcrição de depoimento preparado para


o XIV Encontro Nacional de Geógrafos, em Rio Branco, Acre, em
julho de 2006.
46
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
2

nagem. Além do que, recentemente - ao ensejo da de julho e agosto. Após a reativação da AGB* e de
preparação de uma obra em sua homenagem - tive suas assembleias em julho, a realização daquela ex-
ocasião de debruçar-me, mais uma vez, sobre a geo- cursão ao Planalto Central dificultava a realização
grafia absaberiana. do encontro, que foi então transferido para o final
Principiarei focalizando os nossos princípios, no do ano**.
exato meado do século XX. Digo nossos porquanto A presença de Aziz sempre foi destacada, tan-
somos membros de uma mesma geração. E eu, cuja to pelo seu físico quanto especialmente pela vivaci-
dose de talento e timidez me levou a um surgimento dade, inteligência na argumentação e veemência na
posterior, pude testemunhar com admiração e res- defesa de seus pontos de vista. Desde então os cario-
peito o brilhante surgimento de Aziz Ab’Sáber na cas foram conquistados pelo brilhantismo de Aziz.
comunidade de geógrafos brasileiros. Em prol de uma boa caracterização daque-
Numa segunda parte procurarei abordar a co- le importante momento na evolução da Geografia
piosa e importante obra de nosso homenageado sob entre nós, é necessário introduzir um parêntesis. As
diferentes ângulos, analisando: a) volume e distribui- relações entre os geógrafos de São Paulo e Rio de
ção cronológica; b) configuração editorial; c) eleição Janeiro eram realizadas sem qualquer resquício de ri-
temática. Procurarei extrair de um tão importante validade bairrista, pelos grupos da USP e da Divisão
acervo o que de mais significativo aflora e se concre- de Geografia do CNG-IBGE. A equipe da FNF-
tiza como contribuição da maior relevância à nossa UB contava com o elo de ligação estabelecido pelo
geografia. Num outro passo, de caráter sintetizante, Professor Francis Ruellan, já que os docentes dali não
procurarei - se isto for possível - esboçar uma “pe- efetivavam presença na AGB. Josué de Castro, um
riodização” ao longo de uma carreira já consideravel- nome já internacionalizado pelo sucesso da Geogra-
mente longa e oferecendo à Geografia feita no Brasil fia da Fome, Victor Ribeiro Leuzinger, um renomado
um acervo de magno valor qualitativo. engenheiro, e até mesmo o jovem Hilgard O’Reilley
O momento atual, de invejável e profícua ativi- Sternberg, recém doutorado em Baton Rouge, Lou-
dade do mestre, também merecerá nossa atenção. siana-USA, não marcaram presença na AGB.
Em 1949 realizou-se, em julho, a assembleia
Meado do século XX, a nossa geração e os da AGB em Goiânia. Lembro-me bem de que na
princípios da Geografia Ciência ocasião as equipes da Divisão de Geografia do CNG-
IBGE e da Geografia da FFLCH-USP voaram em
Sem nenhum demérito para as gerações an- aviões da FAB para a capital de Goiás. Nossa di-
teriores da Geografia no Brasil - aquelas lideradas ligente colega Dora Romariz pleiteou e conseguiu,
pelos Institutos Histórico-Geográficos e Sociedade junto ao Brigadeiro Eduardo Gomes, o transporte
Brasileira (e Estaduais) de Geografia - as Facul- nos aviões da FAB. Diferentemente de hoje, os par-
dades de Filosofia (USP e UB) fundadas em 1934- ticipantes de uma reunião da AGB não chegavam a
35 produziram, embora em número reduzido, uma ultrapassar a lotação de dois pequenos transportes
geração de geógrafos tutelados pela Escola Francesa da FAB. Não participei daquele encontro, mas sou-
que, além de descrever, aprazia-se em explicar, inter- be da repercussão da atividade de Aziz, discutindo
pretar, a realidade do espaço geográfico nacional. O suas ideias com o colega geólogo Fernando Flávio
IBGE – obra do Estado Novo de Vargas (1937) – Marques de Almeida, emérito cientista ainda hoje
concedia à pesquisa geográfica a missão de profícua atuante.
auxiliar do poder público na gestão do Território A Assembleia Geral da AGB de 1950, reali-
Nacional. A Associação dos Geógrafos Brasileiros, zada em Belo Horizonte, a primeira a qual eu com-
a nossa AGB, principiava a congregar os geógrafos, pareci, iria ficar indelevelmente marcada em minha
tanto os gerados pelos cursos de Geografia e Histó- lembrança. Além de haver participado do grupo de
ria nas Universidades recém-criadas, quanto aqueles pesquisa dirigido a Barão de Cocais, orientado pelo
das ciências afins (Geologia, História, Biologia etc.), Professor Aroldo de Azevedo, e das sessões de tra-
para a produção de uma Nova Geografia. Era um balho realizadas no Brasil Palace Hotel, na Praça
movimento que, embora com número pequeno de Sete de Setembro da capital mineira, ali tive o en-
adeptos, compensava em entusiasmo. sejo de admirar a desenvoltura de Aziz e a primei-
Conheci Aziz em reunião da AGB no Rio
de Janeiro, em 1947, ano em que ingressei no Cur- * Fundada em 1935 sob a égide de Pierre
so de Geografia e História da Faculdade Nacional Deffontaines, a AGB enfrentara dificuldades no decênio
de Filosofia da então Universidade do Brasil (atual 1935-1945, quando neste último ano foi reativada pela prá-
UFRJ), no qual fiz meu batismo de campo, numa tica das Assembleias Anuais realizada na cidade de Lorena,
longa excursão liderada pelo professor francês Fran- Vale do Paraíba, Paulista.
cis Ruellan - professor da FNF da UB e Consul- ** Devido a este deslocamento não hou-
tor Técnico do CNG-IBGE - durante os meses ve assembleia em 1948, regularizando-se em 1949 na
Assembleia de Goiânia.
47
ra aparição de Milton Santos, bacharel em Direito, do Colégio Nova Friburgo”, comunicação publicada
então professor de Geografia no Ginásio de Ilhéus, nos ANAIS da AGB (vol. V, Tomo II, p.103-110).
que apresentou uma comunicação sobre a Cultura do Mas, no rol dos trabalhos iniciais de Aziz, en-
Cacau no Sul da Bahia. contra-se um que, além de testemunhar a precocidade
Aziz, desde o início de sua formação acadê- do geógrafo no campo da geomorfologia, deixa claro
mica em Geografia e História, revelou um grande o fato de que a sua maneira de pesquisar assinala um
talento, uma vocação especial para a Geografia, em modo sequencial de analisar problemas.
termos de flagrante precocidade. Suas dificuldades O artigo “Regiões de Circundesnudação pós-
de estudante pobre na capital paulista levaram-no a Cretácea no Planalto Brasileiro”, no número inaugu-
trabalhar desde cedo. Graças à sua inteligência, foi ral do Boletim Paulista de Geografia da Seção Regio-
admitido como auxiliar de laboratório junto ao De- nal da AGB de São Paulo (1949, p. 3-21), aborda uma
partamento de Geologia da FFLCH-USP, cuja bi- das questões fundamentais para a compreensão da
blioteca forneceu à voracidade de saber de Aziz uma dinâmica dos processos geomorfológicos num mo-
sólida fundamentação, que seria de capital impor- mento geológico capital, em que a epirogênese pós-
tância para acurar sua percepção dos fatos e proces- cretácea é o momento decisivo para a estruturação
sos geomorfológicos. das grandes linhas de relevo brasileiro. Este tema,
Contudo, seus primeiros trabalhos já regis- abordado em seu momento de desabrochar, merece-
tram a vocação de geógrafo canalizada para uma rá a atenção do autor em outros desenvolvimentos
visão unitária da Geografia. Seus primeiros estu- subsequentes, até que, de maneira circunstanciada e
dos, publicados no início da carreira, deixam isto segura, reaparece dezesseis anos após em sua tese de
bem claro. E lembro que a data de publicação sofre Livre-Docência, no Departamento de Geografia da
sempre um retardamento quanto à produção; assim FFLCH-USP, em 1965. Esta importante contribui-
é que parte dos primeiros trabalhos publicados foi ção rotulada Da Participação das Depressões Periféri-
produzida quando ele ainda era estudante. Permito- cas na Compartimentação do Planalto Brasileiro, ficou
me aqui me deter na apreciação de suas primeiras restrita à edição do autor, mimeografada; uma ver-
obras. são mais concisa apareceu em Geomorfologia nº 28
Se o seu primeiro artigo, publicado no Boletim (1969).
da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP
(nº 10, ano XII, p. 15-25), “Notas sobre a Geomor- A obra produzida segundo o volume quantitativo
fologia do Jaraguá”, indica sua eleição primordial aos e distribuição cronológica
estudos geomorfológicos, os outros que se lhe avizi-
nham revelam pendores para uma análise geográfica A contribuição de Ab’Sáber à literatura
mais abrangente. Ainda estudante, em companhia geográfica brasileira é, além do maior valor, copio-
dos colegas Pasquale Petrone e Miguel Costa Jú- sa. Um levantamento feito para o período de 1948-
nior, realiza durante as férias excursão ao Estado de 1998 revela um total de 270 títulos. Se, num critério
Goiás, da qual resultaram alguns estudos. Aponto mais rigoroso, limitarmo-nos à computação do le-
aqui o artigo publicado em parceria com o colega gitimamente ligado à temática geografia, separando
Miguel Costa Júnior no Boletim Paulista de Geo- levantamentos bibliográficos, resenhas, críticas etc.,
grafia (nº 4, p. 03-36), “Contribuição ao Estudo do atingimos um total de 240.
Sudoeste Goiano”. Ao longo das cinco décadas que compõem a
Durante a realização da Assembleia Geral da segunda metade do passado século vinte, pode-se
AGB na cidade fluminense de Nova Friburgo (1951), apontar uma média de 53 trabalhos por decênio, o
os geógrafos tomaram conhecimento da instalação que equivale a uma produção média anual de cinco a
de um colégio modelo naquela cidade serrana, um seis títulos. O decênio mais produtivo foi aquele dos
dos notáveis refúgios salubres de altitude aos quais anos 1960, que coincidem com a plena maturidade
recorrem os habitantes do Rio de Janeiro e Baixa- biológica, entre os 30 e 40 anos de idade. Curiosa-
da Fluminense no período de forte calor. Lembro mente, a década seguinte, aquela de 1970, registra o
que foi cogitado, naquele momento, que Aziz fizesse mais baixo percentual, o que só pode ser vinculado
uma temporada como professor daquele educandá- às dificuldades políticas que afetaram a vida do País,
rio (patrocinado pela Fundação Getúlio Vargas, se em especial as universidades, graças ao período da
não me engano) para fazer frente aos problemas de intervenção militar. Creio que a vida universitária foi
saúde com os quais se defrontava. Ainda que benéfi- em geral fortemente afetada e a USP, como um dos
co à sua saúde, o afastamento de São Paulo não teria centros culturais de excelência, não poderia escapar.
favorecido sua carreira. Dessa ocasião restou a pu- Ainda, os anos oitenta – em cujo início Ab’Sáber
blicação de um trabalho de Aziz, em companhia do registra sua aposentadoria da USP – revelam um cres-
carioca Antonio Teixeira Guerra, do IBGE, recém cimento notável, contrariando o que seria de esperar
vindo de uma bolsa de estudos na França, “O Sítio com o afastamento da USP e crescimento em idade.

48
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
2

Assim, nos anos 1990 sua produção vai se aproximar realizadas ao ensejo do Congresso Internacional de
do volume dos anos sessenta. Geografia da UGI, em 1956. O anuário da Faculdade
Convenhamos, contudo, que esta abordagem de Filosofia Sedes Sapientia da PUC de São Paulo con-
quantitativa pouco significa, a não ser quando com- tém um número considerável de artigos de Ab’Sáber.
parada com as avaliações de produtividade das uni- Mas a parte média, ou seja, 34% encontra-
versidades, o que não é o presente caso. Mas, temos se naquela categoria dos folhetos aos quais ele sem-
certeza de que a produção do geógrafo Ab’Sáber se pre recorreu para divulgar seus trabalhos. Fundou
revela muito acima da média. a Notícia Geomorfológica nos seus tempos de cola-
boração com a Geografia na Universidade Católi-
A configuração editorial ca de Campinas, na qual muitas ideias suas foram
apresentadas à comunidade de geógrafos. Quan-
Uma das características mais peculiares da do deixou aquela instituição o colega Antonio
produção científica do geógrafo Ab’Sáber é a ampla Christofoletti continuou sua publicação, embora sem
predominância de artigos sobre livros, consideran- o alcance científico da gestão Ab’Sáber.
do-se nessa segunda categoria os manuais, tratados Em matéria de folhetos, avultam em impor-
ou grandes monografias. tância aqueles lançados durante sua profícua gestão
Embora o surgimento de importantes livros no Instituto de Geografia da USP, localizado no
esteja crescente e caracteristicamente configurando prédio de Geografia e História, criado como órgão
esta fase atual, a trajetória de Ab’Sáber foi marcada concentrador dos laboratórios de pesquisa auxilia-
pela produção de um elevado número de pesquisas res do Departamento de Geografia da FFLCH. A
objetivamente delimitadas. E, na minha interpre- partir de 1966, foram criadas várias séries daqueles
tação pessoal, este fato está ligado a duas grandes folhetos: Geomorfologia, Climatologia, Métodos em
razões. Questão, Planejamento, Ciências da Terra etc. Após
Em primeiro lugar, creio que a postura de sua aposentadoria da USP, ele criaria novas séries de
Ab’Sáber como consciente cientista é de que a in- folhetos em São José do Rio Preto (UNESP), onde
vestigação é um processo contínuo, que mais vale outras contribuições suas tiveram acolhida.
ser sequencialmente conduzido em bem elaboradas
etapas, que forneçam maior segurança no conheci- Eleição temática
mento dos fenômenos estudados, do que atingir vo-
lumosas monografias inconsistentes. A comprovação O mais importante nessa avaliação da produ-
disto, creio eu, pode ser notada no fato de Ab’Sáber ção geográfica de Ab’Sáber repousa na eleição temá-
recorrer com frequência em seus estudos aos rótulos tica, de onde se pode depreender o valor qualitativo
de primeiros estudos e notas prévias. O exemplo que de sua obra. Ao ousar fazê-lo aqui, nesta homena-
dei atrás sobre o caso do estudo das desnudações peri- gem, espero ter a perspicácia e o discernimento ne-
féricas no planalto brasileiro, parece ilustrar bem esta cessário a esta tarefa.
postura. Em primeiro lugar destacaria que a obra de
Ao lado deste fato, penso que um outro, de- Ab’Sáber se abre sobre os mais variados aspectos da
cisivo para entender esta opção, é o princípio de in- Geografia, o que faz dele não apenas um especialista
dependência e caráter prático e antiburocrático de em Geomorfologia, ou dirigido preferencialmente à
Ab’Sáber. Está bem nítido no conjunto de sua obra Geografia Física, mas sim dedicado à Geografia como
que ele sempre inseriu grande parte de sua produção um todo completamente “unitário” e harmonioso. Isto,
em pequenas publicações, editorialmente simples ou ressalto eu, faz dele um geógrafo completo.
despojadas de requintes gráficos, diretamente vin- Como praxe na atividade universitária, onde
culadas às instituições às quais estava ligado. ensino e pesquisa se unificam como faces de uma
A análise da configuração editorial revela que mesma moeda, torna-se obrigatória a eleição de um
42% de sua obra está inserida no domínio dos pe- tema para concentrar a investigação mais sistemática.
riódicos científicos, dentre os quais se destacam o No caso de Aziz Ab’Sáber isto se deu no campo da
Boletim Paulista de Geografia, da AGB de São Paulo, Geomorfologia, tema que representa cerca de 42%
e a Revista Brasileira de Geografia, do CNG-IBGE de seu conjunto de obra. Mas sua contribuição não
do Rio de Janeiro. se fecha neste horizonte. Ela se espalha por vários
Suas obras inseridas em coletâneas perfa- temas, incluindo, significativamente, aqueles ditos
zem um conjunto de 24%, sendo as mais impor- humanos. De tal modo é variado o espectro temático
tantes os ANAIS da AGB e aquelas coletâneas de Ab’Sáber que, para a presente quantificação, usei
produzidas pelo Departamento de Geografia da a estratégia de incluir na avaliação apenas aqueles te-
FFLCH-USP – usualmente sob a coordenação edi- mas que se apresentam mais de dez vezes. Com esta
torial de Aroldo de Azevedo –, sem esquecer sua medida posso propor o seguinte quadro dos subcon-
colaboração à edição dos Livros Guia das excursões juntos mais expressivos:

49
agora o é das imagens dos satélites.
Nº DE % DO Toda a observação sistemática e direta dos
TEMÁTICA
ARTIGOS TOTAL fatos analisados no Brasil foi sempre associada
às ideias teóricas vigentes nas diferentes escolas
Geomorfologia 83 42 geográficas: americana de W. M. Davis; francesa de
De Martonne, Cholley, Dresh, Tricart e Bertrand;
inglesa de Lester King; alemã de K. Troll, e outros
Domínios da mais, consideradas, criticadas, e posteriormente ex-
31 15 pressas em sua própria terminologia.
Natureza
Toda a evolução de suas observações e aná-
lises - pontuais, locais e regionais - convergiu
P. Ambientais 27 12 para uma concepção teórico-metodológica que ele
expressou no seguinte trinômio básico à análise
geomorfológica: (a) compartimentação, (b) estrutura
P. Regionais 25 11 superficial da paisagem, (c) fisiologia da paisagem.
Tomadas em termos mais flexíveis e sem ri-
Arqueologia – gidez, a compartimentação do todo em partes não
15 6 implica em rigidez taxonômica (como na tentativa
Paleogeografia frustada de Bertrand) mas baseia-se nos tradicionais
e flexíveis conceitos espaciais de paisagens, regiões,
Histórico Ciências –
15 6 domínios.
Cientistas A estrutura superficial da paisagem recorre
à epiderme da superfície, onde - após os períodos
Geologia 12 4 geológicos de geração de rochas e linhas gerais do
modelado - os períodos mais recentes deixaram es-
tampados nas formações superficiais (incluindo os
Geomorfologia de solos) evidências herdadas dos processos morfogenéti-
10 4
Sítios Urbanos cos, incluindo as ações antropogênicas.
A designação de fisiologia da paisagem é,
nitidamente, um enriquecimento da proposta labla-
TOTAL 218 100
cheana de fisionomia da paisagem. Enquanto esta
sugere uma apreciação superficial e descritiva da
face, o termo que Ab’Sáber empresta da Biologia en-
Segundo este critério ficam de fora do quadro carece a importância da complexidade genética dos
temas importantes que mereceram a atenção do mes- processos vigentes.
tre, entre eles planejamento, problemas humanos de Tal proposta foi sendo elaborada ao longo de
natureza urbana e rural e até mesmo paisagismo. uma trajetória de efetiva pesquisa, onde as observa-
Para não alongar muito esta palestra, no que ções pessoais e aportes de outros pesquisadores fo-
concerne à apreciação de sua temática, vou ater-me ram enriquecendo a compreensão da realidade geo-
aos dois primeiros no arrolamento figurado no pre- gráfica brasileira, muitas vezes projetadas ao espaço
sente quadro, ou seja: Geomorfologia e Domínios da continental sul-americano.
Natureza. Para comprovar que os temas ditos huma- Mas onde poderá ser encontrada a explicitação
nos ou sociais também estiveram sempre presentes dessa proposta? Poderão perguntar alguns ainda não
nas preocupações e pesquisas de Ab’Sáber, tomo a habituados ao pensamento absaberiano. E eu ousaria
liberdade de escolher uma temática que me parece indicar dois trabalhos onde esta proposição teórica
do mais alto interesse e, atualmente, um dos mais está claramente explicitada. Em termos mais con-
recorrentes nas geografias de diversos países, ou seja, cisos temos o folheto Geomorfologia (18), rotulado
a Geografia Urbana. “Um Conceito de Geomorfologia a Serviço das Pes-
Toda a abordagem geomorfológica de Ab’Sáber, quisas sobre o Quaternário” (1968). De modo mais
assentada em uma base de conhecimentos geológicos amplo e entrosado à realidade geológica, encontra-
muito sólida, é enriquecida por uma extraordinária mos no artigo “Uma Revisão do Quaternário Paulis-
capacidade de observação, aguçada pelo intenso tra- ta: do presente para o passado”, publicado na Revista
balho direto no campo. Este penoso trabalho logo Brasileira de Geografia (Ano XXXI, nº 4, p. 5-51,
seria associado a uma ampliação pelas técnicas de CNG-IBGE, Outubro/Dezembro, 1971). Três anos
análise de aerofotos, das quais foi um entusiasta (do- depois, com maior número de páginas e recursos de
tando o IGEOG-USP de um notável AFA - Ar- ilustração, a proposta teórica está bem mais enrique-
quivo de Fotos Aéreas do território brasileiro), como cida e clara.

50
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
2

Por Domínios de Natureza englobam-se aqui diálogo resultou o interesse e atenção de Ab’Sáber
os grandes quadros de organização natural que se para a Teoria dos Refúgios, que se expressa sobretudo
expressam, sobretudo, pela cobertura vegetal. So- na parceria com o biólogo norte americano Keith S.
bre as formas do relevo (topografia) associadas aos Brown num artigo rotulado: “Ice-age forest refuges
solos e sob as condicionantes climáticas formam-se and evolutions in the neo-tropics: correlation to the
os grandes quadros de organização natural. Quan- pedological data with modern tropical endemism”,
do Ab’Sáber utiliza os termos domínios ou províncias publicado em folheto da série Paleoclimas (nº 5,
fica bem claro que se trata de uma adequação con- IGEOG-USP, 1979).
ceitual à análise geográfica, de vez que a designação Além de sua acurada formação em Geologia
regiões seria inadequada, pois que, neste caso, seria – o que foi de grande valia para a vocação de geo-
obrigatório considerar a presença do homem. E uma morfólogo – Ab’Sáber e os geógrafos paulistas de sua
das grandes qualidades de Ab’Sáber é a precisão geração beneficiaram-se muito com os ensinamen-
conceitual na Geografia. tos de Pierre Monbeig que, também ele um geógrafo
Neste campo, um marco especial foi proposto completo, ministrou Geografia Humana, formando
com o artigo “Domínios Morfoclimáticos e Provín- as primeiras levas de geógrafos da USP, inclusive os
cias Fitogeográficas no Brasil” publicado na revista primeiros doutores, cujo pioneiro foi a saudosa cole-
Orientação (nº 3, IGEG-USP, 1967). Em apenas qua- ga Maria Conceição Vicente de Carvalho (1944).
tro páginas o autor sintetiza opiniões de geógrafos O Aziz, aluno de Monbeig, não poderia deixar de
brasileiros e do exterior sobre os grandes quadros de cultivar os aspectos humanos, socioeconômicos da
vegetação observáveis no território brasileiro e apre- Geografia, como bem ficou registrado na temática
senta sua proposta pessoal, esboçada em um carto- dos seus primeiros trabalhos.
grama extremamente simples e didático, onde o grau Conforme proposição feita atrás, vou
de generalização é admiravelmente adequado à esca- demonstrar esta sua familiaridade e ótimo trânsito na
la adotada. Estão ali representados os seis domínios focalização dos fatos humanos através das abordagens
por ele identificados e em cuja espacialização (escala do fato urbano. Nos seus primórdios, o jovem geó-
cartográfica adotada) os limites não são traçados por grafo paulista já abordava aspectos urbanos e rurais
linhas mas sugeridos por faixas, melhor condizentes na região do cotovelo do Tietê, focalizados em Santa
com a efetiva existência de interfaces. Estas não só ex- Isabel: A Cidade de Salvador (Fotografias e Comen-
primem a situação atual mas tambem as oscilações, tários)” (Boletim Paulista de Geografia, nº 11, AGB,
interpenetrações causadas pelas flutuações climáticas 1952). “Paisagens e Problemas Rurais da Região de
neogênicas. Santa Isabel” (Boletim Paulista de Geografia, nº 10, p.
A qualidade desse cartograma, sobretudo sua 45-70, março de 1951), e “A cidade de Santa Isabel”
clareza, tem revelado um grande sucesso, tendo sido (Paulistana, nº 44, p. 44-47, março a maio de 1951).
reproduzido em livros didáticos de Geografia para Uma das primeiras capitais brasileiras a des-
o nível médio. É raro o ano em que ele não apare- pertar a atenção do jovem Ab’Sáber foi a cidade do
ça - sem indicação de autor, como que apontando Salvador, que mereceu um pequeno artigo rotulado
algo que caiu no domínio público - nas questões de “A Cidade de Salvador (Fotografias e Comentários)”
Geografia dos exames vestibulares às universidades. (Boletim Paulista de Geografia, nº 11, AGB, 1952).
Na realidade esta proposta é síntese de abor- Consta de duas páginas de texto acompanhadas por
dagens anteriores (e posteriores) que Ab’Sáber de- cerca de uma dúzia de fotografias, com extensas le-
dicou a cada um daqueles domínios. Três anos após gendas explicativas.
a publicação do artigo em Orientação, Ab’Sáber en- O grande interesse que a Amazônia sempre
riquece o tema ao acrescentar àquela configuração despertou no geógrafo Ab’Sáber fez a cidade de
fitogeográfica o embasamento geológico. Junto com Manaus merecedora de um primoroso artigo: “A
o artigo anterior e em sintonia de escalas cartográfi- Cidade de Manaus: primeiros estudos” (Boletim
cas é apresentado o cartograma geológico e seu tex- Paulista de Geografia, nº 15, p.18-45, AGB, 1952).
to explicativo. Este trabalho, rotulado “Províncias O artigo estrutura-se em sete capítulos, a saber:
Geológicas e Domínios Morfoclimáticos no Brasil”, Manaus e sua posição geográfica na Amazônia; O
constitui o folheto Geomorfologia nº 20 (São Paulo, Sitio e a Estrutura Urbana de Manaus; As origens
IGEG-USP, 1970). do povoado do Lugar da Barra; O Crescimento da
São várias as contribuições de Ab’Sáber à te- cidade de São José da Barra; Manaus e seu cres-
mática dos domínios fitogeográficos, dirigidos aos cimento moderno; O Porto de Manaus; Paisagem
diferentes domínios. E notável é a consideração de Urbana de Manaus. A bibliografia revela, ao lado de
que a cobertura vegetal não pode ser dissociada da autores brasileiros, uma larga consulta aos viajantes
fauna, o que levou Ab’Sáber a uma proveitosa apro- naturalistas estrangeiros que visitaram e publica-
ximação e intercâmbio de ideias com o eminente ram informes sobre a capital amazonense. Quem
zoólogo brasileiro Paulo Emílio Vanzolini. Desse desejar ter uma boa demonstração de um estudo

51
de Geografia Urbana no meado do século passado, tatuto de geógrafo completo do mestre - focaliza “A
encontrará nesse trabalho do jovem Ab’Sáber (28 Região de Jaú: problemas de urbanização em man-
anos) um primoroso exemplo. chas de solos ricos” (Cadernos de Ciência da Terra, nº
Certamente a magna contribuição de Ab’Sáber 15, IGEOG-USP, 1971). O município paulista de
à Geografia Urbana no Brasil foi aquela que se confi- Jaú está localizado sobre um setor dos planaltos are-
gurou em sua Tese de Doutorado na USP: Geomorfo- nito-basálticos da porção centro ocidental do Estado
logia do Sítio Urbano de São Paulo (Boletim da Facul- de São Paulo, coincidente com uma mancha de ter-
dade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, nº 29, ras roxas associadas a um alinhamento descontínuo
Geografia nº 12, USP, 1957). Pela datação das fotos de basaltos, gerando ali uma paisagem cafeeira que,
que ilustram a tese pode-se estimar que a exaustiva no passado, acolheu algumas das maiores fazendas
pesquisa de campo foi conduzida entre 1949 e 1953. dessa cultura. A alternância de manchas de terras
Embora naquele meado do século, já em acelerado férteis florestadas com outras arenosas, cobertas de
crescimento, a capital paulista - hoje grande me- cerrados ou pastos pobres, ocasionou um contras-
trópole nacional - não atingia a atual complexidade tante conjunto de paisagens agrárias. Naquele então
megalopolitana, o que permitiu ao dedicado geógrafo (1971) Ab’Sáber notara que o crescimento da cida-
uma abordagem que dificilmente poderia ser realiza- de revelava estar se expandindo sobre a mancha de
da nos dias de hoje. terras férteis. Após apresentar uma série de fatos
Não se venha a pensar tratar-se apenas de importantes sobre o caráter regional e o condicio-
análise geomorfológica que se atenha a um sítio ur- namento urbano de Jaú, o autor arremata sua análi-
bano de bacia sedimentar de formação recente, de se oferecendo seis tópicos de diretrizes básicas para
origens fluviolacustres, localizada em compartimen- o crescimento da cidade, planejando uma forma de
tos especiais do planalto, resultante de complicações não conflitar com o espaço agrário circundante.
tectônicas e páleo-hidrográficas do fim do Terciário.
Toda a análise geomorfológica (geoecológica) é in- Uma “Travessia” muito bem sucedida
timamente relacionada ao processo de urbanização,
preocupando-se em apontar os acertos ou inadequa- Designar um desempenho acadêmico como
ções da edificação urbana aos atributos da paisagem carreira tem a enorme desvantagem de associá-lo à
natural. pressa ou voracidade de proveitos. Parafraseando
A consideração do valor crescente e in- Guimarães Rosa prefiro utilizar a “travessia” para os
controlável do preço dos terrenos deixa perceber casos de uma produção relevante, bem desenvolvi-
claramente casos em que um dado tipo de urba- da ao longo do tempo e, sobretudo, para os casos
nização, adequada a um dado compartimento, é - como o de Ab’Sáber - em que este processo não
extravasado para outro compartimento contíguo se encerrou e, ao que tudo indica, e com a proteção
mas de atributos bem diferentes, o que se torna divina, ainda vai se estender. Trata-se sem dúvida de
problemático. A análise da evolução histórica está uma geração de homens fortes, aquela dos luminares
sintonizada ao crescimento da urbanização, tan- da Ciência da Terra no Século XX. O geólogo Fer-
to no traçado basilar das grandes artérias urba- nando Flávio Marques de Almeida, já ultrapassou os
nas e na penetração da rede regional de transpor- noventa e continua produzindo. Ab’Sáber continua a
tes, dos antigos caminhos de mulas às ferrovias do fazê-lo aos oitenta e, certamente, ainda vai brindar a
café, como às rodovias de integração regional. É de Geografia Brasileira com novas contribuições.
admirar que a cidade tenha evoluído para a Como o poeta Carlos Drumond de Andrade,
situação caótica da atualidade dispondo de um lastro um dos poetas brasileiros mais preocupados com o
de informações tão preciosas, como estas apresen- mundo, mas que deixou seu torrão natal apenas para
tadas pelo geógrafo que, em seu amor pela capital visitar a filha em Buenos Aires, casada com um ar-
paulista, dedicou a ela não apenas esta tese mas vá- gentino, o geógrafo Aziz Ab’Sáber, que saiu algu-
rios enfoques. mas vezes do Brasil, marcou sua enorme capacidade
A propósito de geomorfologia de sítios urbanos de viajar concentrando-se no território brasileiro,
Ab’Sáber, em seu programa de orientação à pós- extravasando, algumas vezes, pela América do Sul.
graduandos, estabeleceu uma verdadeira linha de Nativo do domínio dos mares de morros co-
pesquisa, notadamente sobre o território paulista, bertos pela floresta atlântica, espalhou-se ele por
com especial destaque para o Vale do Paraíba, como todos os outros domínios da natureza brasileira, ob-
se pode constatar do significativo número de notas servando, refletindo, interpretando a complexidade
prévias apresentadas nos folhetos do IGEOG em sua geográfica registrada numa volumosa obra que es-
série Geomorfologia. pero tenha podido dar-lhes, nesta homenagem, pelo
Gostaria de destacar, nesta temática do ur- menos, uma aproximada ideia do seu imenso valor.
bano em nossa Geografia, um pequeno estudo de Não apenas o core econômico e a porção mais
Ab’Sáber que - comprovando, mais uma vez, o es- desenvolvida do nosso país mereceu sua atenção.

52
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
2

Bem ao contrário, aquelas vastas regiões proble- Embora aposentado, mantém-se ativo como Profes-
ma – Nordeste e Amazônia – mereceram dele uma sor Honorário, junto ao Instituto de Estudos Avan-
atenção especial. Profundo conhecedor do Nordes- çados (IEA-USP).
te, domínio semiárido da caatinga, não só revelou Sendo difícil focalizar toda a gama de ativi-
muitos traços de sua peculiaridade geográfica e dos dades que mestre Ab’Sáber desenvolve atualmente,
seus problemas, onde aqueles socioeconômicos so- incluindo uma constante presença em diferentes fó-
brepujam os da relação homem-natureza. No mo- runs científicos, me permitiria focalizar aqui, nesta
mento presente o vemos, com a veemência que lhe é fase atual, duas atividades contrastantes mas muito
peculiar, atacar o insensato projeto da transposição significativas.
das águas do São Francisco para o Nordeste Orien- De um lado registramos uma importan-
tal. E a Amazônia o preocupa, tanto na produção de te tarefa de divulgação científica, na qual o grande
conhecimento, como na defesa desse incomparável geógrafo expõe elevada capacidade de comunicação
domínio de biodiversidade. com o público, divulgando com a maior propriedade
Se intentarmos aqui proceder a um balanço do temas relevantes na realidade geográfica brasileira.
já longo processo atravessado por Ab’Sáber no do- Isto pode ser constatado por sua colaboração na re-
mínio da Geografia, no afã de sugerir uma periodi- vista Scientific American Brasil, na secção rotulada
zação, isto não seria difícil no seu trecho inicial. Eu “Observatório”. Desde o número inaugural (junho
me atreveria a sugerir a identificação de um período de 2002), com a publicação do artigo “Linguagem e
inicial, aquele do Jovem Aziz, balizado entre 1948 – Ambiente (os caprichos da natureza e a capacidade
data de suas primeiras publicações – e 1956-57. Nes- evocadora da terminologia científica)”, segue-se uma
te biênio situa-se o momento da realização do Con- longa série de contribuições, das quais aponto algu-
gresso Internacional de Geografia, promovido pela mas, para dar ideia da propriedade e oportunidade
UGI na cidade do Rio de Janeiro, quando o jovem dos temas:
geógrafo de 32 anos se destacou brilhantemente por
sua atuação, tanto nas reuniões do referido certame
quanto nas excursões oferecidas aos visitantes, pres- Cerrados e Mandacarus (Área de Salto-Itu é área
tando valiosa contribuição à elaboração dos guias. de referência para investigações envolvendo con-
Em 1957 obteve o grau de doutor na USP. dições climáticas do passado). Scientific American
Toda a coluna vertebral da produção de Brasil, Ano 1, nº 4, setembro de 2002, São Paulo.
Ab’Sáber esteve ligada a Universidade de São Paulo.
A Rua Direita e o Rocio (Expressões guardam me-
Como esta universidade foi a instituição de maior
mória de antigos espaços urbanos abertos a tropas
vivência em sua atividade, creio que o longo período
e montarias). Scientific American Brasil, Ano 1, nº 7,
de crescente e valiosa produção, refletindo a aliança
dezembro de 2002, São Paulo.
entre sabedoria e maturidade, pode ser balizado até
sua aposentadoria dessa instituição. Não só no ensi-
no – graduação e pós-graduação – mas sobretudo à Relictos, Redutos e Refúgios (Complexidade mar-
frente do extinto Instituto de Geografia, sem esque- ca a trajetória de alguns termos e conceitos em ciên-
cer contribuições paralelas a outras unidades da USP cias). Scientific American Brasil, Ano 2, nº 14, julho
(a FAU, por exemplo). de 2003, São Paulo.
Um período atual poderia ser indicado a partir
de sua aposentadoria (1984). Mas há uma dificul- Geopolítica de Mercado e Soja Transgênica (Medi-
dade. Já que, a modo do ciclo geográfico de W. M. da provisória atendeu a interesses imediatos de pro-
Davis, estivemos falando em juventude e maturi- prietários rurais do Sul). Scientific American Brasil,
dade, não há como identificar velhice, muito menos Ano 2, nº 18, novembro de 2003, São Paulo.
senilidade. Ultrapassando a marca dos oitenta, Aziz
Ab’Sáber, muito longe de encontrar-se recolhido ao Palimpsestos Regionais (Cidades são o último epi-
seio de sua família, curtindo os netos, continua em sódio a mascarar inscrições de longos processos pa-
plena atividade, desafiando os inevitáveis desgastes leoclimáticos). Scientific American Brasil, Ano 2, nº
orgânicos. 23, abril de 2003, São Paulo.
Tendo seu valor reconhecido não só pela co-
munidade de geógrafos brasileiros, como bem o O Legado de Jean Tricart (Pesquisador francês re-
demonstra a presente homenagem, não se limita a voluciona ciências da terra no Brasil ao dar atenção
ela. Assim o demonstram sua presença na Academia à superfície). Scientific American Brasil, Ano 3, nº
Brasileira de Ciências e na Sociedade Brasileira para 32, janeiro de 2005, São Paulo.
o Progresso da Ciência (SBPC) da qual já foi um dos
presidentes (1997-1999). A USP vem de conferir-lhe Etc.
o mais do que merecido título de Professor Emérito.

53
De caráter mais acadêmico, encontramos ar- sertão nordestino, sua indignação não é menor quan-
tigos publicados na Revista do Instituto de Estudos do se trata da Amazônia. Naquela já referida série de
Avançados, alguns deles como retomadas ampliadas artigos da Scientific American, Ab’Sáber apresenta,
de temas focalizados anteriormente. Tal é o caso de em duas oportunidades, uma síntese muito clara das
“O Paleo Deserto de Xique-Xique” (vol. 20, nº 56, bases para o conhecimento da “maior e mais rica flo-
p. 301-310, janeiro-abril de 2006), no qual retoma resta tropical do mundo, berço de riquezas incontá-
um problema observado numa excursão, em 1958, veis para a humanidade, que por sua biodiversidade
agora favorecido pela observação de imagem de sa- transformou-se num espaço de cobiça e crítica que
télite, possibilitando nova visão do campo de dunas fere a autoestima dos que acreditam no Brasil”.
e compreensão dos atuais problemas do uso do solo De um terceiro artigo, “O Futuro da Amazô-
naquele setor do Vale do São Francisco. Ao mesmo nia em Risco - É preciso dar um basta à imprevidên-
tempo, ainda no âmbito dos Estudos Avançados cia com que a região e sua biodiversidade vêm sendo
(IEA-USP), compromete-se em ambiciosos proje- tratadas” (Scientific American Brasil, julho 2004, p.
tos, como o FLORAM. 98), extraio os seguintes trechos:
Em contraste com este viés de jornalismo cien-
tífico (divulgação) e artigos científicos (acadêmicos), Para a infelicidade do destino da biodiversidade
um Ab’Sáber que sempre privilegiou a publicação de amazônica, o mais alto dignitário da nação, através
artigos, primeiros estudos, notas prévias etc., volta- de um ato falho verbal, acenou com uma liberação
se agora para aglutinar aquele parcelamento em con- inoportuna para todos os especuladores devasta-
juntos monográficos. Assim chegamos ao momento dores. A frase dele foi “a Amazônia não pode ser
em que surgem livros, em geral grandes e bem edi- intocável” O problema é outro: em primeiro lugar,
tados, como o caso daqueles recém lançados sobre o há que se saber como ela vem sendo “tocada”. E,
litoral brasileiro e a cidade de São Paulo, com pri- ao mesmo tempo, realizar um esforço imenso para
morosas seleções fotográficas. planejar um desenvolvimento econômico.
Temos informações de várias obras encami-
nhadas à editoração, com as seguintes rotulações: Em rápida síntese podem-se enumerar os se-
Mudanças Climáticas, Variações do Nível do Mar no guintes “caminhos de devastação”: ao longo das
Quaternário e Suas Implicações; A Amazônia Brasi- rodovias construídas em rasgões no entremeio
leira no Século XX; Megageomorfologia do Territó- de tratos das selvas; ao longo de ramais perpen-
rio Brasileiro; Bases para o Estudo dos Ecossistemas diculares às estradas e rodovias; em sub-ramais
da Amazônia Brasileira; Roraima: os paradoxos de de acesso a glebas especulativas; quarteirões no
um grande incêndio ao fim do milênio etc. interior das selvas para venda de lotes (modelo
Se a crítica e a defesa do patrimônio geográfico chamado popularmente de “espinhela de peixe”);
de nosso País sempre foi uma das características de grandes retângulos de devastação conectados às
Ab’Sáber, no momento presente ela está mais acen- rodovias por linhões sob controle, pertencentes a
tuada. E creio, vale a pena citar algumas amostras ricos grupos de fazendeiros alienígenas.
desse fato, recorrendo às próprias palavras do geógra-
fo a quem, neste momento, prestamos homenagem. E o fecho do artigo:

(...) Enquanto os políticos escolhem projetos É lamentável que não se tenha consciência sobre
entrelaçados com interesses de empresários, os destinos da Amazônia. Cabe à nossa geração
empreiteiros e banqueiros, os verdadeiros repre- – ao início do século 21 – exigir um gerencia-
sentantes da consciência crítica da nação ficam mento mais correto e inteligente para garantir a
reduzidos a um silêncio constrangedor. Aqueles preservação das biodiversidades e a sobrevivên-
que isoladamente resistirem ou não concorda- cia dos homens e da sociedade no grande Norte
rem com o direcionamento de algumas políticas Brasileiro.
públicas socialmente inoperantes serão conside-
rados inimigos figadais dos governantes e parti- Eis aí a postura atual do nosso grande geógra-
dos políticos. Espera-se que não seja (re)inven- fo, não apenas o explicador da realidade geográfica
tada a temática da subversividade ("Meditações de nosso País mas um destemido defensor do seu pa-
sobre a Geografia Humana – Da coexistência da trimônio. Uma exemplar demonstração do que é a
riqueza e pobreza, surge uma responsabilidade Geografia e do papel dos Geógrafos. Extremamente
aumentada para intelectuais. Scientific American lúcido e ativo numa idade em que muitos, que tiveram
Brasil. Observatório, janeiro de 2004). o privilégio de atingi-la, repousam tranquilamente.
Tenho testemunhado, nestes últimos anos, o
Se aqui se percebe uma crítica direta ao proje- respeito e o carinho com que o nosso notável geó-
to de transposição de águas do São Francisco para o grafo é recebido pelos jovens estudantes de Geogra-

54
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
2

fia. A AGB, neste momento do encontro em terras sucedida imagem fotográfica publicada na Folha
amazônicas do Estado do Acre, vem apenas confir- de São Paulo, ao ensejo da cerimônia de entrega do
mar o desejo de toda uma comunidade científica em prêmio Conrado Wessel (Ciência Aplicada ao Meio
homenagear um de seus luminares. E espero que o Ambiente), realizada na capital paulista, na Sala São
meu relato esteja em sintonia com a obra e o valor Paulo, na noite de 12 de junho de 2006.
pessoal do querido mestre. Diante de sua imagem - um paliativo que não
Para os estudantes mais jovens, recém in- sana sua lamentada ausência aqui -, neste momento,
gressos em nossa comunidade, que ainda não tive- com uma salva de palmas, demonstremos ao Mestre
ram oportunidade de encontrar o mestre Ab’Sáber, Ab’Sáber nossa gratidão e nosso carinho.
permito-me aqui a projetar no telão uma sua bem

55
OS MAPAS DE ORGANIZAÇÃO NATURAL
DAS PAISAGENS E O PROFESSOR
AB’SáBER

Olga Cruz

No decorrer das atividades profissionais universitá-


rias do Professor Dr. Aziz Nacib Ab’Sáber, algumas dentre
outras características metodológicas têm sido destacadas
em sua vida científica: a. observação das paisagens geográ-
ficas em excursões com atividades de campo, b. consulta e
análise bibliográfica, c. publicação de mapas sobre os gran-
des sistemas geomórficos no Brasil e na América do Sul.
Muitas excursões com trabalhos de campo, contatos
pessoais ou bibliográficos com geólogos e outros estudio-
sos vieram enriquecer os cursos de geografia ministrados
pelo Professor Ab’Sáber nas diversas Universidades em
que trabalhou. Esse substrato deu-lhe o apoio seguro, a
sistematização e a superação de desafios para desenvolver
o saber científico nos métodos da observação e da leitura
geográfica das paisagens, com suas características físicas e
humanas. Ao citar exemplos nas aulas, com desenhos e per-
fis esquemáticos morfológicos-estruturais no quadro negro
ou em painel, o professor levava sempre em conta a didá-
tica do ensino, a par de incrível destreza na formulação do
pensamento geográfico. O grande número de viagens nas
mais diferentes áreas brasileiras, ao esquadrinhar as terras
em que pudesse resolver ou levantar problemas vincula-
dos às indagações sobre suas pesquisas geomorfológicas,
deu-lhe grandes possibilidades para a estruturação de seus
conhecimentos e a oportunidade para colocá-los em nível
didático em aulas, palestras e conferências. Esse embasa-
mento encaminhou-o para a publicação de cadernos-guia
de laboratório sobre formas de relevo e, especialmente, a
edição de mapas murais em escala regional e continental.
Nas décadas de 1950 e 1960, suas publicações apre-
sentaram desenhos originais ou adaptados, esboços, ma-
pas, fotos, perfis geológicos-topográficos, entre os quais
podem ser destacados:
a. Bloco-diagrama geológico da bacia de drenagem do Alto
Paraná (figura 1), muito importante para o entendi-
mento geomorfológico da bacia;
b. Esquema morfológico do Estado de São Paulo
(figura 2); este, provavelmente, um dos seus primei-
ros mapas geomorfológicos do Estado de São Paulo,
mais tarde complementado pelo mapa publicado, já no
IGEOG (Instituto de Geografia-USP);

56
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
3

Figura 1

Figura 2

57
cação, em 1959, sobre uma Divisão Morfoclimática
c. Distribuição das principais unidades geológi- do Brasil Atlântico Central, pelo Departamento de
cas no Estado de São Paulo (figura 3), com um Geografia do Instituto de Geociências da Univer-
significativo esboço de perfil morfológico- sidade Federal da Bahia. Ab’Sáber, já familiarizado
geológico, traçado a partir do Rio Paraná, a oeste, com os problemas do Cenozoico no Brasil e sob a
até a Serra do Mar e a área oceânica da bacia sub- influência bibliográfica de Tricart, Tricart e Cailleux,
mersa de Santos, a leste. dentre outros, propôs-se a estudar e a publicar, no
IGEOG, a respeito dos diversos domínios morfocli-
Desde há muito, as atenções de Ab’Sáber vol- máticos brasileiros e respectivos mapas didáticos em
tavam-se para os problemas paleoclimáticos no Ce- escala continental, para uso em salas de aula. Nesse
nozoico, sobretudo em função dos estudos sobre as intuito, o professor analisou e desenvolveu trabalhos
superfícies de aplainamento e suas influências no de- sobre a potencialidade dos domínios morfoclimáti-
senvolvimento do relevo no Brasil. Além disso, pre- cos da Amazônia, do semiárido das caatingas, dos
ocupavam-no as flutuações paleoclimáticas no Qua- cerrados e dos mares de morros, ou melhor, do Brasil
ternário brasileiro e seus depósitos com pavimenta- Tropical Atlântico com encostas policonvexas. Des-
ção detrítica subsuperficial. Certamente, os trabalhos de então, reforçou os conhecimentos e as correlações
de pesquisadores geógrafos europeus em paleoclima- desses sistemas e domínios morfoclimáticos com os
tologia do Quaternário tiveram, nessa época, grande das províncias geológicas e fitogeográficas brasilei-
influência sobre as pesquisas geomorfológicas brasi- ras, passando a publicar os mapas:
leiras. Entre esses estudiosos pesquisadores, destaca- a. Domínios morfoclimáticos brasileiros (figura 4) e
va-se o Professor Doutor Jean Tricart e equipe, da b. Mapa geomorfológico do Brasil (figura 5).
Universidade de Strasburgo-França, com sua publi-

Figura 3

58
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
3
Suas análises fundamentaram-se na percep- nas Terras Baixas Equatoriais e Morros Tropicais
ção de um relevo compartimentado, como base para Úmidos, nas Terras dos Planaltos Interiores Tropi-
ressaltar o importante princípio sobre a comparti- cais, nas Terras Semiáridas Tropicais e nas Tempera-
mentação topográfico-morfológica nas formas do das Florestadas.
relevo brasileiro, sem deixar de examinar as relações O amadurecimento na evolução de suas ideias
dos domínios morfoclimáticos com as províncias ge- conduziu Ab’Sáber a prosseguir os estudos, ao publi-
ológico-fitogeográficas das paisagens intertropicais e car um texto a respeito de "os espaços ocupados pela
subtropicais brasileiras. Em 1972, incluiu, no mapa expansão dos climas secos na América do Sul, por
das regiões morfoclimáticas do globo, o continente ocasião dos períodos glaciais quaternários" (1977).
sul-americano (figura 6). Este motivou a publicação de mapas murais para uso
O desenvolvimento dos seus trabalhos sobre nas salas de aula, tais como:
o Brasil na década de setenta levaram o professor a a. Domínios morfoclimáticos e fitogeográficos sul-
ampliar os estudos relacionados aos domínios sul- americanos (figura 8), onde o autor indica os
americanos. Reconheceu, na organização natural Domínios Equatoriais e Tropicais-Subtropicais
das paisagens da América do Sul, domínios de áre- e suas subdivisões, distintos dos domínios esté-
as nucleares típicas dotadas de forte individualida- picos- patagônicos, subantárticos, andinos e gla-
de paisagística e ecológica com enclaves, limitadas ciários do extremo sul;
por domínios transicionais. Passou então a publicar b. Domínios naturais da América do Sul há
a carta da vegetação da América do Sul de Kurt 13.000 - 18.000 anos - primeira aproxima-
Hueck (figura 7), com intuito de relacionar as for- ção (figura 9). Este último mapa fornece ou-
mações vegetais ao relevo da América do Sul. Esta tras indicações, como as de correntes oceâni-
incluiu, dentre outras, as zonas nucleares do Brasil cas nas faces oeste e leste do continente sul-

Figura 4

59
americano, aponta eixos de expansão da se- e alunos, principalmente em cursos de graduação em
miaridez, zonas refúgios de matas, brejos geomorfologia estrutural e morfoclimática na área
de encostas, serras úmidas, assim como de de geografia física do Departamento de Geografia-
glaciários de altitude. Isto o leva a sugerir, no FFLCH-USP. Assim pois, com a extensa produção
período analisado, o entendimento dos mecanis- bibliográfica do professor Ab’Sáber, tais mapas e
mos das oscilações paleoclimáticas na América os muitos temas a eles relacionados demonstraram,
do Sul, com a desintegração das paisagens tropi- dentre suas múltiplas qualidades, a capacidade de
cais no Pleistoceno. contribuir para o enriquecimento e a didática do en-
sino geográfico-geomorfológico. Isto sem deixar de
Os mapas acima relacionados e/ou anexados* considerar terem sido seus trabalhos sempre expres-
a suas publicações ajudaram, muitas vezes, a consti- sos dentro de uma sensível percepção de cidadania
tuir substrato metodológico-didático de professores brasileira. Por isso, influenciou e tem marcado toda
uma geração de geógrafos brasileiros.
*N.E. No DVD, os mapas se encontram em alta resolução

Figura 5

60
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
3

Figura 6

61
Figura 7

62
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
3
Figura 8

63
Figura 9

64
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
4

Aziz Ab’sÁber e o
varvito de Itu

Antonio Carlos Rocha-Campos

O envolvimento de Aziz com o famoso varvito de Itu


ocorreu em duas circunstâncias distintas, ao longo de sua car-
reira de pesquisador multifacetado.
Inicialmente, deve-se a ele uma das descrições porme-
norizadas pioneiras dos ritmitos ocorrentes na célebre pedreira
de Itu, São Paulo. Conhecidas desde o início da colonização
da região, as rochas foram identificadas por Leonardos, em
1938 (“Varvitos de Itu”, Mineração e Metalurgia, vol. XII, p.
221-233, Rio de Janeiro) como varvitos (ou varvito), signifi-
cando varves litificadas e depositadas sob controle sazonal, em
corpo de água, sob influência da glaciação neopaleozoica que
afetou o sul e o sudeste do Brasil.
O trabalho de Aziz, publicado em 1948 (“Sequências de
rochas glaciais e subglaciais dos arredores de Itu, São Paulo”.
Mineração e Metalurgia, vol. XIII, maio/jun., p. 43-44. Rio
de Janeiro), é informativo do ponto de vista sedimentológico,
já que inclui uma seção estratigráfica do varvito e de outras
rochas sedimentares associadas, aflorantes ao longo da estrada
de acesso à pedreira, a partir da periferia de Itu. Litologias e
feições sedimentares são identificadas e usadas na interpreta-
ção da história deposicional do varvito, no contexto da glacia-
ção neopaleozoica.
Três décadas após, teve novamente Aziz oportunidade
de referir-se ao varvito, porém no quadro do algo conturbado
processo de tombamento de parte da área da pedreira, inicia-
do em 1969 e então em andamento no Conselho de Defesa
do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turísti-
co - CONDEPHAAT. Na sua qualidade de conselheiro da
instituição, Aziz foi chamado, em 1978, a dar parecer sobre
problema surgido quando da demarcação topográfica da área a
ser tombada, que o topógrafo verificou ter sido estranhamente
mudada de posição por terceiros. A manifestação do pareceris-
ta diante desse fato foi contundente e decisiva: “A tentativa de
relocar, por conta própria, à custa de um laudo de um terceiro
profissional de Geologia, o perímetro da área tombada, nos
parece extremamente grave, sobretudo lamentável”. Termina
ele por pedir que o tombamento seja cumprido tal qual propos-
to, o que realmente acabou acontecendo.
Ainda no âmbito do Conselho, voltou Aziz a prestar
sua valiosa colaboração ao CONDEPHAAT, na condição
de Presidente da entidade, a partir de 1982, e acompanhar
parte do lento e complexo processo, ainda não encerrado, de
desapropriação da área hoje ocupada pelo Parque do Varvito,
construído pela prefeitura de Itu.

65
Sequências de Rochas Glaciais e
SubGlaciais dos Arredores de Itu,
São Paulo
Aziz Nacib Ab’Sáber

Na região de Itu, bem próximo ao limite sinuoso


1948. Sequências de rochas glaciais entre os granitos pré-devonianos e a província sedimentar
e sub-glaciais dos arredores gondwânica, existe uma sequência muito variada de sedi-
de Itu, São Paulo. Mineração e mentos glaciais e glaciolacustres pertencentes à Série Ita-
Metalurgia, Rio de Janeiro raré. A exploração de lages de varvitos e siltitos para ma-
13: 43-44. terial de pavimentação vem sendo feita nos arredores da
cidade há mais de um século. Desta forma, as pedreiras ali
estabelecidas deixam margem para observações pormenori-
zadas com relação à disposição estratigráfica dos folhelhos,
varvitos e siltitos, assim como dos solos deles oriundos.
Othon H. Leonardos, em 1939, certo de que “deve-
riam ser varvitos as chamadas ardósias de Itu” - tal como já
se verificara antes em Santa Catarina com as erroneamente
denominadas ardósias de Anitápolis - visitou a região de
Itu, publicando a primeira nota a respeito dessa outra se-
quência de rochas lacustre-glaciais, que constituíam, a seu
ver, “a mais linda exposição de varvitos encontrada no país”.
Posteriormente, em 1944, J. C. Mendes, em sua “Geologia
dos Arredores de Itu”, publicou novas informações a res-
peito da referida ocorrência. Damos agora uma série de
outros pormenores litológicos, colhidos em 1946, numa
excursão que fizemos em companhia do Prof. Kenneth E.
Caster e do último autor citado, aos quais muito agrade-
cemos o auxílio prestado nas observações de campo.
As duas pedreiras principais onde se observam ex-
posições mais completas, distam 2,5 km de Itu, estando
situadas a W-SW da cidade, na direção de uma estrada
municipal que demanda a zona rural conhecida por Jacuí.
Devido à forma com que foram retiradas as lages de var-
vitos e siltitos, sobraram, nas pedreiras, paredões verticais,
muito lisos, de 12 a 15 metro de altura, nos quais pode-se
observar uma seção geológica e edáfica das mais detalhadas
(foto 1).
Correlacionando-se as observações mais gerais, ob-
tidas do exame dos paredões das duas pedreiras, estabelece-
se uma seção em que, do cabeço da topografia para a base
dos afloramentos, assiste-se a uma passagem de folhelhos
para varvitos, siltitos rítmicos e arenitos de granulação
muito fina com estratificação diagonal. As camadas supe-
riores de folhelhos representam estágios diversos da decom-
posição superficial dos varvitos milimetricamente zonados.
Neles, parece predominar argilas embora existam pequenas
porções de silte. Esses varvitos da superfície, pelo fato de
terem sofrido ação muito mais pronunciada por parte dos
agentes de intemperismo, tomaram aspecto aparentemente
diferente. Note-se também que, nesses horizontes superfi-

66
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
4

ciais, tanto os folhelhos carbonosos como os siltitos


dos varvitos estão zonados em espessuras mínimas
e um tanto equivalentes. Isso e mais a alteração de
cores provocada pelo intemperismo, dá a impressão
de que ali há grande predominância de argilas, apa-
rentemente derivadas de folhelhos verdadeiros. É
devido, também, exclusivamente ao intemperismo
que as camadas mais superficiais dos varvitos - fre-
quentemente nos topos dos espigões semitabulares -
apresentam pequenas dobras devidas à acomodação
superficial e ligeiros intumescimentos provocados
pelas influências mecânicas das raízes de árvores e
arbustos.
Abaixo dessa zona de varvitos alterados, Foto 2. Seixo glacial embutido na massa dos siltitos
segue-se, até mais ou menos 4 a 5 metros, uma zona rítmicos. Note-se que sua base está inteiramente assen-
de varvitos típicos. Daí por diante, a horizontalidade tada nos sedimentos sílticos, dando-nos a impressão
dos estratos é praticamente mantida. Nota-se que a que o pequeno bloco facetado pingou da superfície do
espessura dos sedimentos de cor mais esbranquiçada primitivo lago, vindo amassar o assoalho sedimentário
- no caso, siltitos - aumenta quase que progressi- síltico. Posteriormente novas capas de folhelhos e silti-
vamente no sentido da profundidade. Os estratos tos recobriram as saliências deixadas pelo seu contorno
de siltito que sucedem aos primeiros metros de var- irregular. As camadas de siltito que se observam nitida-
vitos típicos, apesar de possuírem maior espessura, mente na fotografia possuem em média 5 cm de espes-
guardam, entre os sedimentos arenosos finíssimos sura. Foto: V. Leinz, 1937.
que os compõem, zonação milimétrica.
De certo ponto em diante os horizontes de sil- das pedreiras de varvito, acima descrita, é de mais
titos rítmicos passam a revelar sinais de estratificação ou menos 15 metros de espessura. Percorrendo-se,
diagonal, ao mesmo tempo que aumentam de gra- porém, a estrada municipal mais para frente, até o
nulação, passando a arenitos mais finos. Nessa zona entalhe do pequeno córrego Itaim-Mirim, ganham-
notam-se ripple marks de diversas naturezas. Entre se novos elementos para se continuar traçando uma
as cristas dos ripples, notam-se concreções calcárias, seção de maior espessura, posto que menos porme-
dispostas regular ou irregularmente nas concavidades norizada (gráfico 1).
da superfície ondeada. Escolhendo-se um ponto equivalente à base dos
As águas estagnadas existentes na base de um afloramentos da pedreira principal e, caminhando-
se em direção ao córrego, observa-se ainda, por uns
10 metros em face da vertical, a predominância dos
siltitos, zonados ritmicamente em pequenos pacotes
de 10, 15 e 20 cm. Esses estratos de quando em vez
são interrompidos por algumas zonas, onde volta a
transparecer aspecto marcadamente várvico milimé-
trico. Pouco depois, sucedem-se novos horizontes de
siltitos que apresentam um número de seixos glaciais
embutidos na massa interzonada de suas areias fi-
níssimas.
Apareçam depois alguns horizontes de arenitos
progressivamente mais grosseiros, abaixo dos quais
reaparecem camadas de siltito, alternando-se tratos
de arenito preto, carbonoso. Abaixo dos últimos pe-
quenos horizontes de arenito preto, reaparecem os
Foto 1. Paredões de varvitos e siltitos rítmicos a 2,5 km,
siltitos, agora, porém, com estratificação diagonal,
W-SW de Itu. Foto: W. Bufulin, 1942.
fácies que não é mantido por muito espaço. Sob essas
últimas camadas de siltito, denotando, mais uma vez,
dos paredões da pedreira, deram oportunidade para formação em ambiente de águas movimentadas, rea-
que nosso colega Pascoal Petrone, em viagem co- parecem varvitos de horizontalidade muito perfeita.
nosco, reparasse numa inclinação geral do pacote de Uma lente de arenito grosseiro branco, intercala um
varvitos e siltitos em oeste. Medindo a inclinação, pacote destes folhelhos várvicos. Abaixo desses are-
obtivemos mais ou menos E 4° W. nitos brancos, que se decompõem em forma de areias
A seção que obtivemos do exame dos paredões grosseiras, dominam folhelhos de aspecto marcada-

67
Gráfico 1

Seção esquemática, mostrando a sequência de rochas glaciais e subglaciais dos arredores de Itu (S - SW):
1. Siltitos e folhelhos rítmicos, com seixos glaciais de tamanho variado de granito e quartzito, além de blocos erráticos
de 1,50 m de diâmetro, de granito e arenito(?);
2. Folhelhos rítmicos: A) predominantemente sílticos, B) predominantemente argilosos;
3. Lentes de arenito grosseiros;
4. Siltitos rítmicos, apresentando alguns horizontes com estratificação diagonal;
5. Siltitos rítmicos, com tratos de arenito preto intercalado;
6. Arenito branco;
7. Siltitos contendo frequentes seixos glaciais;
8. Siltitos rítmicos. Camadas de 1,10 m a 40 cm de espessura, separadas por estratos delgados de folhelhos argilocar-
bonosos. Os siltitos desta região apresentam, às vezes, estratificação diagonal e ripple marks de diversos tipos. Seixos
glaciais raros;
9. Varvitos. Seixos glaciais raros;
10. Tilito, rico em seixos glaciais possuindo até 80 cm de diâmetro.

mente varvitoide, a princípio predominantemente Apesar de nenhum córrego, ali, de posição


argilosos, depois um tanto sílticos. subsequente ou consequente, rasgar diretamente o
A penúltima zona de rochas sedimentares que embasamento que forma o assoalho para as rochas
se pode observar antes de se atingir o leito do cór- sedimentares carboníferas, podemos conceber a exis-
rego é uma área onde imperam sedimentos glaciola- tência de uma concavidade de tipo lacustre na super-
custres, englobando grande número de seixos, além fície inclinada que ali mergulha definitivamente para
de blocos erráticos, zonados por folhelhos argilosos oeste. Esta concavidade foi esculpida talvez pelas
e sílticos. Abaixo desta zona, seguem-se novamente primeiras glaciações que afetaram o dorso não muito
camadas de siltito, por uns 4 ou 5 metros de espes- movimentado do relevo pré-sedimentação. Após a
sura, até o próprio leito do córrego, segundo obser- fase de esculturação, houve possivelmente regressão
vações que ali pudemos fazer. do glaciário e estabelecimento de fases lacustrinas
Na seção geológica de Itu a Salto, em quase nos períodos interglaciais. Falando-nos sobre a
todo fundo de vale encontram-se afloramentos de paleogeografia destas vastas regiões lacustrinas, de
granito róseo decomposto ou não. À medida, porém, águas calmas, provenientes de períodos interglaciais,
que se caminha para W, NW ou SW da cidade de diz-nos Othon H. Leonardos:
Itu, o mergulho das rochas cristalinas criptozoicas
por sob as rochas sedimentares glaciais e subglaciais O lago eopérmico de Itu deveria ser raso, secan-
torna-se cada vez mais acentuado. Não se torna a en- do de tempos em tempos, talvez nos invernos
contrar rios ou córregos rasgando diretamente a su- mais prolongados, por isto que os leitos negros e
perfície pré-glacial. Isto, como se pode deduzir logo, mais espessos do varvito mostram com frequên-
corresponde a um mergulho maior do assoalho pré- cia fissuras de contração, impressões circulares
Itararé e um aumento progressivo da espessura dos possivelmente devidas a gotas de chuva, e final-
sedimentos em direção a oeste. Queremos lembrar mente, abundantes rastos de vermes e de peque-
que dois quilômetros antes de se atingir as pedreiras, nos animais (crustáceos?).
ainda nos arredores da cidade (ruas Bartolomeu
Taddei e 21 de Abril), observa-se o contato entre A variação rítmica de cores e espessuras entre
o material decomposto pertencente ao assoalho siltitos e folhelhos carbonosos - milimetricamente
cristalino e os folhelhos horizontais pertencentes à zonados no caso dos varvitos - corresponderia ao
Série Itararé. (Ab’Sáber, 1948) ritmo das variações climáticas sofridas pela região

68
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
4

em certo período do Carbonífero Superior. Nesses pudemos examinar são envolvidos parcial ou total-
varvitos, os estratos de siltito devem corresponder à mente pela aludida película escura, argilocarbonosa,
deposição nos períodos de verão, enquanto que os o que vem demonstrar que muitos deles estão ligados
folhelhos - com suas argilas e seu material orgâ- diretamente à sedimentação hibernal. Fatos como
nico, em estratos muito delgados - representam os esses poderiam ser melhor esclarecidos e explicados
períodos de inverno, quando o lago regional era ali- através de um estudo mais detido e cuidadoso.
mentado por sedimentos muito finos e em quanti- Na seção mais ou menos detalhada que con-
dade muito pequena. A finura do material da sedi- seguimos traçar (gráfico 1), o horizonte de sedi-
mentação hibernal, ao lado da pequena porcentagem mentos glaciolacustres rico em seixos e blocos errá-
do material depositado, põe em saliência a consti- ticos - existente quase nas proximidades do leito do
tuição carbonosa dos estratos argilosos dos varvitos. córrego Itaim-Mirim - marcou provavelmente um
Daí a cor mais escura dos mesmos. Note-se que, nos período glacial e, o seu topo, o início de uma longa fase
siltitos, a matéria orgânica, posto que existente, não interglacial. Durante esse tempo de recuo do glaciário,
transparece com a mesma nitidez. Este fato se dá, verificou-se, a princípio, deposição fluvioglacial, e,
provavelmente, devido a maior espessura dos es- depois, deposição lacustre-glacial com ritmação vár-
tratos de verão e à granulação mais grosseira dos se- vica. Os arenitos, siltitos e varvitos que representam
dimentos depositados. essa fase interglacial conformaram um pacote de es-
Há indícios diretos de vida antiga, impressos pessura pouco superior a 50 metros.
nos folhelhos carbonosos, que se traduzem por traços Uma camada de tilito, observada a uns 200
paralelos contínuos ou pontilhados e uma série de metros do término da Rua 21 de Abril, exatamente
outras marcas de difícil identificação. nos barrancos da primeira encruzilhada de estradas
Os raros seixos glaciais de quartzito ou gra- municipais ali existentes - pela posição que possui
nito encontrados nos varvitos foram depositados no no alto do pequeno espigão - capeia todo o pacote
fundo dos primitivos lagos regionais, em períodos de de sedimentos que vai dos siltitos e folhelhos com
degelo (verão?), devido ao transporte possibilitado blocos erráticos e seixos glaciais do fundo do vale até
pelos blocos de gelo flutuantes. Daí, o fato desses os varvitos da superfície. Esse tilito sobreposto aos
seixos glaciais típicos - principalmente os maiores folhelhos várvicos decompostos corresponde a uma
- serem encontrados na massa dos siltitos propria- nova transgressão das línguas de gelo - por sobre o
mente ditos, conforme documenta a fotografia nº 2 dorso dos sedimentos lacustres-glaciais.
(Viktor Leinz). Josué C. Mendes (1944) chamou a
atenção para o fato de existir, na maioria dos seixos A bibliografia deste artigo se encontra no DVD anexo
por ele examinados, uma “película escura” que os en-
volvia por completo, quando retirados da massa dos
varvitos. De fato, a maioria dos pequenos seixos que

Detalhe da sucessão de camadas que caracterizam o varvito, painel explicativo. Foto: Diego Amorim Grola.

69
BIBLIOGRAFIA

AB’SÁBER, A. N. A transição entre o Carbonífero e o Criptozóico na região de Itú,


Mineração e Metalurgia, Rio de Janeiro, v. 12, n. 71, p. 221-223, 1948.
LEONARDOS, O. H. Varvitos de Itú, São Paulo. Mineração e Metalurgia, Rio de
Janeiro, v. 3, n. 15, p. 157-159, 1938.
MENDES, J. C. Geologia dos arredores de Itú. Boletim da Associação dos Geógrafos
Brasileiros, n. 4, p. 41-40, 1944.
COMISSÃO GEOGRAPHICA E GEOLOGICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Folha
de Itú (ed. Prel.), 1908.
Informações verbais dos Profs. Josué C. Mendes, Kenneth E. Caster e Viktor Leinz.
sobre “REGIÕES DE
CIRCUNDESNUDAÇÃO PÓS-CRETÁCEA,
NO PLANALTO BRASILEIRO”

Olga Cruz

É importante e cada vez mais necessário deixar claro, para


os estudiosos em geomorfologia no Brasil, o valor dos trabalhos
do Professor Doutor Aziz Ab’Sáber. Geógrafo, grande conhece-
dor do território brasileiro, Ab’Sáber tem percorrido e estudado
o país como poucos, do Rio Grande do Sul à Amazônia, dos
cerrados no Brasil Central às terras costeiras-litorâneas atlânti-
cas, como bem o demonstra numa de suas primeiras publicações
sobre geomorfologia em 1949: “Regiões de circundesnudação
pós-cretácea, no Planalto Brasileiro”. Foi um dos seus primeiros
trabalhos de fôlego em escala global sobre o tema da circundes-
nudação como expressão geomorfológica. Nele, o autor ressalta
a importância dos processos para a formação de patamares de
erosão deprimidos e periféricos na borda de bacias sedimentares,
ao demonstrar a existência de vastíssimas calhas de circundesnu-
dação no dorso do Planalto Brasileiro, a partir de fenômenos de
desnudação periférica pós-cretácea. Procura então relacionar tais
fenômenos ao velho conceito utilizado pelos geógrafos franceses
para exprimir geomorfologicamente o conjunto de fenômenos
de desnudação periférica nas bordas de sinclinais entulhadas,
após fases de epirogênese positiva.
Publicado em estilo descritivo no Boletim Paulista de
Geografia em 1949, o artigo demonstra, da mesma forma que ou-
tros autores de destaque em Ciências da Terra, o valor científico
das pesquisas de campo e bibliográficas brasileiras. Ao aportar
em trabalhos geográfico-geomorfológicos, com discussões sobre
um Brasil não tão bem conhecido na época quanto ao seu relevo,
Ab’Sáber revela-se como pesquisador e conhecedor das paisa-
gens brasileiras. Uma das questões centrais do artigo, a da for-
mação das cuestas ligadas aos processos de circundesnudação, é
de enorme importância para o entendimento das grandes bacias
sedimentares no esquema geral páleo-hidrográfico e paleomor-
fológico do relevo brasileiro. Isto o leva a relevar a influência
dos processos erosivos nas estruturas diferenciadas periféricas,
ao formar escarpas de erosão ou de circundesnudação, em geral
denominadas cuestas.
No correr do texto, Ab’Sáber cita e examina autores diver-
sos, a partir de Davis, De Martonne e outros, a respeito da forma-
ção do relevo das côtes na bacia sedimentar de Paris, para discutir
a origem da terminologia ligada às cuestas e à circundesnudação.
Como autor, porém, declara, entre outros, ter demorado a perceber
que a gênese das linhas de cuestas e seu afastamento gradual para
o interior era um processo geomorfológico concomitante, inteira-
mente relacionado ao estabelecimento dos patamares deprimidos

70
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
5

e periféricos de uma das principais bacias sedimenta- linhas de cuestas, uma gigantesca rede de circundes-
res estudadas, a do Paraná. nudação pós-cretácea. Outro exemplo, o da calha do
O Professor Aziz refere-se a essa sua pesquisa Médio São Francisco, revela a bacia de desnudação
como um estudo preliminar e de síntese, o qual não periférica entre a Serra do Espinhaço e a Chapada
poderia ter sido feito caso não contasse com o esto- Diamantina a leste e os chapadões areníticos cretá-
que de material geológico e geomorfológico reunido ceos a oeste. Quanto à periferia oriental da Bacia do
nas obras dos pesquisadores citados. A verdade é que Meio Norte, o autor reconhece a importância das
Ab’Sáber demostra ser possuidor de grande conheci- serras do Ibiapaba e Grande como alinhamentos
mento dos autores nacionais e estrangeiros referen- característicos de circundesnudação. O soerguimen-
ciados. Uma de suas características é conseguir con- to dos Andes - ao determinar um jogo isostático
catenar as ideias dos autores consultados, colocando- para com as velhas porções cristalinas e províncias
as num conjunto sintético, com ordem e método. E gondwânicas do leste do continente - é uma das ra-
suas discussões a respeito comprovam essa capacida- zões básicas para explicar a generalização dos proces-
de de leitura, de análise e de interpretação dos fatos. sos de desnudação periférica e de cicundesnudação
Revela-se um estudioso capaz de excelentes propo- nas grandes bacia sedimentares do Planalto. Além
sições, numa massa de informações encadeadas e de disso, outras suas proposições levam o leitor a ter co-
importância fundamental para a compreensão do re- nhecimento a respeito da escassez de água na última
levo brasileiro em escalas regional e continental. Ao bacia acima analisada, cuja origem, na realidade, re-
referir-se aos mecanismos dos processos de desnuda- sulta do regime pluviométrico regional, embora, de-
ção periférica generalizados, a ocorrer numa enorme clara ainda o autor, o capeamento sedimentar, desde
rede de circundesnudação pós-cretácea, torna claro o Ibiapaba até a Borborema, possa agravar a carência
que outras explanações anteriores a essa publicação de água.
eram feitas sobre desnudação marginal em relação às Ao encerrar, o autor lembra ainda os proble-
cuestas e depressões periféricas, mas não tinham sido mas da desnudação pós-cretácea no Sul da Amazô-
aventadas sobre os fenômenos de circundesnudação, nia e na periferia ocidental da Bacia do Meio Norte.
na expressão plena do termo. O desconhecimento topográfico-geológico e a ine-
Ab’Sáber divide o texto em três partes prin- xistência de bibliografia auxiliar dessa área na oca-
cipais: a inicial trata da conceituação e origem dos sião, explica Ab’Sáber, tornaram insolúveis muitas
estudos sobre cuestas e circundesnudação; a segunda questões a respeito.
parte leva o leitor às zonas de desnudação periférica Sua pesquisa bibliográfica exaustiva, seus co-
e seus quadros paleogeográficos no Planalto Brasi- nhecimentos de campo regionais e nacionais devem
leiro. A parte mais desenvolvida, a terceira, contém ter sido, para a época, uma dentre outras revelações
minuciosas descrições sobre a evolução dos fenôme- em geomorfologia. Desta maneira, parece-nos im-
nos de circundesnudação nas três bacias sedimen- portante asseverar que a publicação “Regiões de cir-
tares: do Paraná, da calha do médio São Francisco, cundesnudação pós-cretácea, no Planalto Brasileiro”
compreendida como região de desnudação periférica foi e continua sendo de grande interesse para a geo-
e da periferia oriental da Bacia do Meio Norte. A fi- morfologia brasileira, uma vez que tem o mérito de
gura em anexo mostra, além de outras informações, a trazer à discussão, dentro dos conhecimentos sobre
localização das bacias sedimentares no mapa do Bra- o relevo do Brasil, a questão da gênese e evolução
sil, com entorno ligado às áreas afetadas pelos fenô- de suas grandes bacias sedimentares. As influências
menos de desnudação periférica e circundesnudação, do relevo sobre as paisagens brasileiras resgata o que
com os alinhamentos de cuestas e com o sistema de Ab’Sáber reconhece e esclarece como circundesnuda-
falhas do Planalto Atlântico. ção. O fato de, por vezes, o autor ter que ser extenso,
É importante chamar a atenção para o fato de por força de fazer acentuar as discussões referentes a
que o autor ressalta a provável fase erosiva, denomi- áreas tão amplas, enriquece o valor de sua pesquisa
nada então de peneplanização, bastante pronuncia- bibliográfica; valoriza seus conhecimentos de campo
da em fins do Cretáceo e início do Terciário; como regionais-nacionais e seu poder de síntese, ao conse-
também releva a epirogênese positiva pós-cretácea e guir concatenar e discutir as ideias de muitos autores
outros fatos de forte influência na origem das gran- citados num conjunto coordenado e conciso, quali-
des linhas do relevo atual do país, levando-o a con- dades que enriquecem o trabalho e cativam o leitor.
firmar a generalização dos processos de desnudação
periférica e de circundesnudação nas grandes bacias Bibliografia
sedimentares do Planalto.
Ab’Sáber dá como um dos exemplos a Bacia AB’SÁBER, A.N. 1949. Regiões de circundesnudação pós-
Sedimentar do Paraná, cujo eixo constitui a calha cretácea no Planalto Brasileiro. Boletim Paulista de Geo-
do Rio Paraná. Para o autor, esta bacia abrange, a grafia, São Paulo, 1:1-21.
par dos fenômenos de desnudação marginal e das

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REGIÕES DE CIRCUNDESNUDAÇÃO PÓS-CRETÁCEA,
NO PLANALTO BRASILEIRO

Aziz Nacib Ab’Sáber

1949. Regiões de circundesnuda- A existência de zonas de desnudação periférica, bas-


ção pós-cretácea, no Planalto tante pronunciadas, nas diversas regiões que bordejam as
Brasileiro. Boletim Paulista de grandes bacias sedimentares brasileiras, levou-nos a inda-
Geografia, São Paulo, 1:1-21. gações mais amplas, de caráter geomorfológico, visando
comprovar a existência de vastíssimas calhas de circundes-
nudação, no dorso do Planalto Brasileiro.

Conceito de circundesnudação

Procurando redefinir o termo circundesnudação


como expressão geomorfológica, a fim de poder aplicá-lo
ao estudo do relevo brasileiro, devemos dizer que enten-
demos por tal fenômeno o processo de formação de pa-
tamares de erosão, deprimidos e periféricos, na borda de
bacias sedimentares. Trata-se de um velho conceito usado
pelos geógrafos franceses para exprimir, em termos de geo-
morfologia, o conjunto de fenômenos de desnudação perifé-
rica que se verificam, após fases de epirogênese positiva, nas
bordas de sinclinais entulhadas.
Predominando a forma circular ou semicircular para
o traçado de um grande número de bacias sedimentares,
este fato determinou a conformação de calhas periféricas de
erosão, apresentando idêntico aspecto, circular ou semicir-
cular, devido à extraordinária generalização dos processos
de desnudação por quase todas as margens dessas bacias. As
camadas das bordas das sinclinais soerguidas, sendo, além
de pouco espessas, exatamente as mais expostas à erosão,
representam linhas preferenciais de fragilidade para o en-
talhamento e remoção da cobertura sedimentar periférica.
O processo de circundesnudação é sempre o mesmo
para qualquer bacia do tipo a que nos referimos: cessada a
fase de deposição, quando tiver início fenômenos de epi-
rogênese positiva ou quando houver uma mudança muito
grande de nível de base para a hidrografia regional, há, ime-
diatamente, o reinício de atividades erosivas. Neste instante

72
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
5

da história geológica regional, a hidrografia superim- Origem dos estudos sobre cuestas e circundesnudação
posta ao quadro geral da antiga bacia de sedimen-
tação entalha profundamente as estruturas regionais, Foi a observação dos primeiros mapas geo-
removendo, de um modo mais rápido, as camadas lógicos da Bacia de Paris, aliada às tentativas de
menos espessas da periferia, por intermédio do tra- interpretação da gênese do relevo regional, que
balho intensivo de rios de traçado subsequente. Com conduziu à percepção dos problemas geomorfoló-
isso, ao se iniciar o processo de desnudação marginal gicos oferecidos por aqueles curiosos alinhamentos
generalizado, esboçam-se, também, extensas linhas de cuestas concêntricas ali existentes. Elie de
de cuestas, de conformação geral concêntrica, cuja Beaumont, reparando na disposição das tradicionais
gênese relaciona-se com a inclinação comum das côtes no mapa da região parisiense, propôs, há um sé-
camadas para o eixo da bacia e com as diferenças culo, o nome de falésias concêntricas para as escarpas
de resistência à erosão, oferecidas por cada uma das de erosão regionais (Martonne, 1909, p. 549). Davis,
estruturas regionais. em 1899, propugnou pela adoção do termo cuesta, re-
Numa bacia de forma circular ou semicircular, tirado da terminologia geográfica popular mexicana,
sujeita a desnudação marginal generalizada, as linhas para expressar a forma de detalhe desses acidentes
de cuestas constituem um rendilhado de escarpas geomórficos, de caráter estrutural, correspondentes
dessimétricas, acompanhando a forma geral da bacia, a paredões de erosão, abruptos e dissimétricos. Mar-
de tal modo que a linha geral dos paredões escarpados tonne, em 1909, propôs que na terminologia cien-
apresenta sua frente voltada no sentido das old lands do tífica internacional se conservasse o termo popular
embasamento que circunda a bacia sedimentar. Fato francês côtes, quando se pretendesse classificar aci-
que determina, invariavelmente, para o caso normal dentes idênticos.
de uma sinclinal sujeita a processos de circundesnu- O importante a lembrar, porém, é que os es-
dação, uma seção transversal típica, em que aparecem tudos dos alinhamentos concêntricos de escarpas de
sempre cuestas laterais, dominando, em sentido erosão e de faixas de terrenos geológicos na Bacia de
oposto, calhas de desnudação periférica. As escarpas Paris levaram a uma compreensão geomorfológica,
de erosão dessas regiões constituem sempre côtes mais ou menos clara, dos fenômenos de circundesnu-
arquées à front externe, se quisermos usar de uma ex- dação tomados em seu conjunto.
pressão moderna proposta por Em. De Martonne, Infelizmente, não pudemos atinar com a fonte
em sua tentativa de classificar os dois principais tipos primária dessa expressão, tão feliz como termo cien-
de alinhamentos de cuestas existentes no relevo ter- tífico e, relativamente, tão esquecida na nomencla-
restre (1947, p. 769). tura geomorfológica internacional. A única refe-
Os mapas geológicos de regiões sujeitas a fe- rência que dela tivemos notícia foi a de Vidal de La
nômenos de circundesnudação apresentam alguns Blache, que, em seu Tableau de la Géographie de la
caracteres bastante individualizados, que permitem France (1911, pp. 108-110), procurando explicar a
ao pesquisador experimentado uma interpretação, formação do relevo das côtes da Bacia de Paris, assim
rápida e precisa, dos processos geomórficos a que a se expressava: “Les roches dures ont engendré ce que
região foi submetida. Isso porque os fenômenos de les savants ont appelé d’un mot, d’ailleurs expressif et
circundesnudação fazem aflorar, nas bordas das ba- juste, des montagnes de circumdénudation, ce que le
cias sedimentares, em longas faixas semicirculares peuple apelle des côtes, des monts”.
concêntricas, camadas inferiores, mais antigas, da Convenhamos que côtes ou cuestas são deno-
pilha de sedimentos regionais. Fato que acarreta, minações populares, usadas para expressar, ligeira-
por outro lado, normalmente, para o observador mente, as formas de detalhe dos paredões escarpados,
que partir do embasamento das “terras velhas” em sem maior preocupação geomorfológica. Significam,
direção à bacia sedimentar, o encontro sucessivo de tanto quanto entre nós, a denominação serrinha e
formações estratigraficamente mais recentes, à me- muito menos do que os termos de sentido altamente
dida que se progrida em relação às porções mais in- expressivo, usados para nossas escarpas de erosão no
teriores da bacia. Fenômeno válido para a Bacia de Nordeste, no Leste e no Centro do Brasil, tais como
Paris ou para a Bacia do Paraná no Brasil ou, em aparado, talhado, tombador ou tromba. A antiga ex-
casos normais, para qualquer outra antiga sinclinal pressão francesa montagnes de circumdénudation po-
entulhada, sujeita a processos relativamente recentes deria ser introduzida em nossa jovem nomenclatura
de circundesnudação*. científica sob a designação geomorfológica mais pre-
cisa de escarpas de circundesnudação. Em edições re-
* Paul Maçar, em obra recente (1946), estudou ligei- centes de seu Traité, Em. De Martonne propôs, para
ramente o processo geomórfico da formação de linhas de os alinhamentos de cuestas que desenham “arcos
cuestas de front externo, em structures en bassin. Não analisa, concêntricos com o 'front' voltado para o exterior”,
porém, os fenômenos de circundesnudação propriamente a denominação complexa de côtes arqueés à front
ditos. externe. Não pode haver dúvidas que a expressão es-

73
carpas de circundesnudação exprime melhor e de um relevo da Bacia do Paraná, principalmente no que
modo mais intrínseco o fenômeno geomorfológico se refere a algumas seções do Planalto Meridional
que se pretende pôr em evidência através de todos brasileiro, à altura de São Paulo, não se fez, ainda,
esses termos. nenhum trabalho de maior fôlego, em que se procu-
Para o estudo a que nos propomos, inte- rasse mostrar o conjunto e o detalhe dos fenômenos
ressa salientar, ao fim dessa pequena digressão de de desnudação periférica em nosso território. Não
geomorfologia teórica, que em todas as regiões onde encontramos, mesmo, em nenhum dos trabalhos
linhas de cuestas e regiões deprimidas de erosão periférica desses eminentes pesquisadores, um esboço que seja
possuírem conformação semicircular, ligeiramente con- para uma correlação mais ampla de dados regionais,
cêntrica em relação às bordas do embasamento que as ro- visando uma interpretação de âmbito mais largo. Em
deia, estaremos em presença de zonas onde se processaram outras palavras: até hoje, os melhores trabalhos geo-
fenômenos típicos de circundesnudação. morfológicos sobre o interior do Planalto Brasileiro
têm tratado acidentalmente da gênese das cuestas e
Zonas de desnudação periférica no Planalto das chamadas “depressões periféricas”, na base dos
Brasileiro fenômenos de desnudação marginal; porém não fo-
calizaram com maior insistência os fenômenos ge-
De há muito, no Brasil, ficou evidenciada rais de circundesnudação, tomados na expressão plena
a existência de patamares deprimidos de erosão do termo.
localizados entre os velhos terrenos cristalinos e De nossa parte, após situar paleogeografica-
as linhas de cuestas mais interiores esculpidas nas mente a data mais provável do início do entalha-
províncias sedimentares. Alguns geógrafos de maior mento do Planalto Brasileiro, iremos analisar, regio-
visão geomorfológica passaram a considerar esses nalmente, os processos de desnudação marginal no
patamares intermediários, existentes em diversas Nordeste Oriental e na calha do médio vale do São
porções do interior do Planalto Brasileiro, como Francisco, dedicando maior atenção à Bacia do Pa-
elementos geomorfológicos básicos de nosso relevo raná, onde os fenômenos de desnudação periférica
( James, 1942, e Guimarães, 1943). generalizados constituíram, a nosso ver, uma gigan-
A seção esquemática da estrutura da Bacia do tesca rede de circundesnudação pós-cretácea. Nosso
Paraná, traçada por Washburne (1930), já deixava trabalho, que é um estudo preliminar e de síntese,
evidente a existência de fenômenos de desnudação teria sido absolutamente impossível caso não pu-
marginal generalizados, circundando a imensa bacia déssemos contar com o grande estoque de material
de sedimentação. Para perceber isso, bastaria que geológico e geomorfológico reunido nas obras dos
atentássemos para os patamares de desnudação pe- ilustres pesquisadores citados.
riférica, localizados a leste da cuesta de Botucatu e
a oeste da serra de Maracaju. Achamos mesmo que O quadro paleogeográfico que precedeu os
quem tentar rebater um bloco-diagrama esquemá- fenômenos de desnudação periférica e
tico, na base dessa seção geológica, já antiga, de Wa- circundesnudação no Planalto Brasileiro
shburne, obterá, mais ou menos, o quadro geral do
relevo das bordas da grande bacia, onde aparecem, Provavelmente, a fase de peneplanização mais
inconfundivelmente, os resultados dos fenômenos de importante e de maior interesse à geomorfologia do
circundesnudação. Brasil foi a que se processou nos fins do Cretáceo
Estudos geológicos mais recentes, a respeito de e início do Terciário. A erosão dos rest-bergs, ainda
outras vertentes da Bacia do Paraná, demonstraram muito salientes, dos núcleos cristalinos de Brasília foi
a repetição das mesmas linhas de relevo, apresen- bastante pronunciada, nesse período, resultando em
tando outras tantas escarpas de erosão com front aplainamento parcial de vastas áreas, acompanhado
voltado para o exterior, dominando regiões de des- de entulhamento progressivo das concavidades ainda
nudação periférica típicas. Custou muito entre nós, existentes no eixo de nossas sinclinais principais.
porém, perceber-se que a gênese de nossas linhas de Deve ter sido um clima semiárido predominante, que
cuestas, assim como o fenômeno de seu afastamento foi capaz de criar o sistema de hidrografia endorreica,
gradual para o interior, era um processo geomorfo- responsável pelas formações lacustres e terrígenas do
lógico, concomitante, inteiramente relacionado com Período Cretáceo. O material sedimentário dessas
o estabelecimento dos patamares deprimidos e peri- formações foi, em parte, retirado do capeamento su-
féricos de nossa principal bacia sedimentar. Exceto perior triássico retrabalhado e, em parte, originado
os trabalhos de P. Denis (1927), O. Maull (1930), da erosão nas saliências aflorantes das zonas cripto-
Ch. Washburne (1930), M. Rego (1931), V. Oppe- zoicas ou basálticas triássicas. Na época em questão,
nheim (1934), Em. De Martonne (1943-1944), F. F. as áreas cretáceas deviam abranger extensões muito
Marques de Almeida (1940, 1944 e 1947) e Maack maiores das que os mapas geológicos apresentam
(1947), em que foram tratados alguns problemas do hoje, após tão longo período de desnudação e cir-

74
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
5

cundesnudação. Recobriam quase todas as áreas Rego, 1931a). Oliveira e Leonardos, em um pequeno
das grandes sinclinais brasileiras e, possivelmente, trecho da sua Geologia do Brasil, deixam bem patente
transgrediam mesmo, por sob as bordas dos núcleos a percepção geral desses fatos todos. Não hesitamos
cristalinos aplainados e platôs de lavas, hoje muito em transcrever integralmente a síntese de nosso par-
desnudados. ticular interesse:
Do Cretáceo Médio para diante, os mares co-
meçaram a se acercar cada vez mais da face leste sul- A grande elevação do centro e nordeste do Bra-
americana, ao tempo que grandes massas oceânicas, sil processou-se no fim do Cretáceo e durante
forçadas por um mecanismo tectônico de difícil ex- o Terciário, enquanto do lado do Pacífico tinha
plicação, estrangularam as principais seções do con- lugar o dobramento dos Andes. – Na zona que
tinente de Gondwana. No Brasil, estendiam-se pelo vai do Piauí a Pernambuco, as camadas cretáce-
Nordeste Oriental, ao que tudo leva a crer, isolando as (série Araripe-Serra Grande) foram alçadas
a Borborema e atingindo a fossa da Bahia cuja sub- até mil metros sobre o mar. Também na zona
sidência mais pronunciada se processou no próprio ocidental da Bahia e Minas Gerais, e em gran-
Cretáceo. O novo arranjo de massas oceânicas deve de parte de Goiás e Mato Grosso as camadas
ter amenizado sensivelmente as condições de aridez cretáceas foram igualmente alteadas; mas nes-
imperantes no período anterior, fato que nem sempre sas últimas regiões o movimento ascencional
tem sido considerado nas especulações paleogeográ- se deve ter iniciado no Jurássico, porquanto já
ficas de conjunto para o Brasil. os depósitos cretáceos são continentais. – Pelo
Nos fins do Período Cretáceo e início do Ce- menos em certas zonas do litoral, a elevação do
nozoico, o regime climático, posto que termicamente continente prolongou-se até o Pleistoceno, como
sempre elevado, deve ter feito grandes progressos em demonstram os terraços pliocênicos da costa do
relação à umidade, ao tempo em que um novo ciclo Espírito Santo, Bahia e Nordeste. – A drenagem
de epirogênese positiva se iniciou um tanto irregu- atual do Brasil decorre dessa elevação terciária.
larmente para todo o Planalto Brasileiro. O Atlân- Longo efeito de gliptogênese teria desnudado os
tico começava a se esboçar e atuar climaticamente terrenos mesozoicos nas bacias fluviais, de sor-
como grande massa aquosa intracontinental. Após te que do extensíssimo planalto de sedimentos
muito tempo, o Planalto Brasileiro tendeu a se elevar cretáceos restam hoje apenas estreitos chapadões
a altitudes um tanto mais apreciáveis; elevação que, ao longo dos divisores de águas (1943, p. 689).
ao se completar, atingiu para mais de 1.000 metros
em relação ao Nordeste, balisada pelos peixes fósseis Na realidade, em quase todas as províncias se-
marinhos da Chapada do Araripe. E elevação lenta e dimentares do continente de Gondwana, o levanta-
relativamente menos pronunciada para a porção sul mento pós-cretáceo parece ter sido o maior respon-
do país, onde uma ação de empinamento generali- sável pela fase de esculturação que veio redundar nas
zada, acompanhada de fraturas e falhas, se processou grandes linhas do relevo atual.
na borda cristalina muito soerguida, hoje correspon- Note-se que, em conjunto, o comportamento
dente ao Brasil tropical atlântico (Leme, 1930, 1943; isostático pós-cretáceo da face oriental do continente
Martonne, 1935, 1943-4). sul-americano parece ter sido bastante homogêneo.
A epirogênese positiva pós-cretácea, aliada à O soerguimento dos Andes, como gigantesco sis-
umidificação progressiva do clima, determinou a ins- tema de montanhas jovens, orientado grosso modo de
talação de redes hidrográficas, provavelmente exor- Norte para Sul, através de alguns milhares de quilô-
reicas, fundamentais à modelagem geral do Planalto metros de extensão, determinou um jogo isostático,
Brasileiro, devido aos fenômenos de desnudação e sensivelmente homogêneo, para com as velhas por-
circundesnudação decorrentes. Esboçaram-se, nesse ções cristalinas e províncias gondwânicas do leste do
meio tempo (que medeou os fins do Cretáceo, o Eo- continente, correspondente ao Planalto Brasileiro.
ceno e o Oligoceno), as principais linhas e seções de Razão básica para explicar a generalização dos pro-
relevo do interior do Brasil. cessos de desnudação periférica e circundesnudação,
Quase todos os autores, nacionais e estran- que se fizeram observar nas grandes bacias sedimen-
geiros, embora não detalhem o processo geomórfico tares do planalto.
com maior exatidão, estão de acordo que foi essa ele-
vação pós-cretácea a determinadora da primeira rede Evolução dos fenômenos de circundesnudação, na
de entalhamento responsável pelo atual relevo do Bacia do Paraná
Planalto Brasileiro. É principalmente nos geólogos
de maior experiência e intuição paleogeográfica que É justo que se examine, em primeiro lugar,
vamos encontrar esses rápidos bosquejos de síntese, a gênese do relevo da Bacia do Paraná, pois foi na
essenciais à compreensão dos traços fundamentais periferia dessa enorme sinclinal soerguida que os
da geomorfologia do Brasil (E. de Oliveira, 1922 e fenômenos de desnudação marginal se processaram

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de um modo mais generalizado e normal, vindo a ciando, pelo trabalho de numerosos cursos subse-
corresponder, em conjunto, a um sistema típico de quentes, o entalhamento e a desnudação periférica
circundesnudação, dos mais extensos de que se tem generalizada do grande pacote sedimentário. A calha
notícia no relevo terrestre. do Paraná, pré-estabelecida no eixo mesmo da grande
O quadro do relevo da metade do Planalto sinclinal, continuou sendo sempre o principal canal
Brasileiro, ao finalizar-se o Cretáceo, devia se asse- de drenagem de toda a hidrografia regional.
melhar a uma vasta extensão de terras baixas, nas O fato de a maior parte da grande bacia sedi-
quais se entremeavam os restos, um tanto aplainados mentar sulina, principalmente em sua porção cen-
e esbatidos, dos núcleos cristalinos criptozoicos, além tral, possuir entremeamentos de lavas, sills e lacolitos
de seções aflorantes do platô basáltico e planícies associados às formações sedimentares, facilitou ex-
estabelecidas em extensos planos lacustres. Até há traordinariamente o processo de circundesnudação
pouco, havia imperado para a região um regime en- das áreas periféricas não possuidoras do arcabouço
dorreico, ditado pelas condições de um clima semiá- de rochas eruptivas básicas triássicas. Devido às sin-
rido. Nessa época, talvez já nos inícios do Cenozoico, gularidades do levantamento pós-cretáceo, grandes
o Nordeste do país, até ali parcialmente submerso, cursos consequentes paralelos entalharam epigeneti-
assistia à regressão dos mares rasos que durante os camente o pacote sedimentário, desde os velhos ter-
fins do Cretáceo recobriram algumas porções da renos cristalinos até à calha central correspondente
região. Têm-se algumas evidências de que na zona ao Paraná. Os afluentes subsequentes primitivos des-
ocidental da Bahia, as condições de clima tenham nudaram a periferia da bacia sedimentar, exatamente
sido bastante ásperas, quase desérticas (?), ao fina- na zona de transição, onde as diversas formações do
lizar-se o Mesozoico. Um clima mais úmido e um sistema Santa Catarina eram menos espessas e não
sistema hidrográfico exorreico, estabelecidos depois protegidas pelo edifício basáltico. A borda cristalina,
do Cretáceo, ao tempo em que o planalto entrou em na época, devia possuir extensões apreciáveis de ca-
levantamento, devem ter dado início à fase de en- madas cretáceas sub-horizontais, que serviram de as-
talhamento e esculturação generalizada que vamos soalho fundamental à superimposição hidrográfica e
examinar para o meridião brasileiro. ao entalhamento epigenético. O clima regional, du-
A área cristalina do Centro-Sul de Minas e rante a fase de entalhamento, devia ser sensivelmente
leste de São Paulo – núcleo principal de Austro- mais úmido do que o imperante no Cretáceo.
Brasília – sofreu uma espirogênese positiva pós-cre- Os fenômenos de desnudação marginal es-
tácea muito mais pronunciada e irregular que todas boçaram, aos poucos, uma vasta depressão periférica
as demais porções do relevo brasileiro. Os terrenos subsequente, que pôs a aflorar as estruturas paleo-
cristalinos criptozoicos dessas regiões (onde estão zoicas, realizando, ao mesmo tempo, a escultura de
situados os principais acidentes orográficos do terri- um segundo patamar, que restou como uma espécie
tório brasileiro), sendo muito rígidos para se dobrar, de segunda seção, deprimida e intermediária, na
fraturaram-se todos, frente ao processo irregular de plataforma geral do Planalto Brasileiro. Linhas des-
levantamento, que se fez acompanhar de grandes contínuas de cuestass de front externo sobraram mais
tensões longitudinais. Fato, aliás, comum na história para o interior, vindo a constituir escarpas arenítico-
tectônica dos escudos criptozoicos que, perdendo basálticas erosionais, nos limites do extenso platô
peso, após fases muito prolongadas de aplainamento, basáltico. A Serra Geral, com seu longo S, desde as
tendem a se reequilibrar isostaticamente, através de escarpas de Botucatu, em São Paulo, até a região
fases pronunciadas de epirogênese positiva (Leme, “serrana” do Rio Grande do Sul, foi o elemento
1930 e Freitas, 1947). mais característico e de maior expressão fisiográfica,
A nosso ver, a região altamente positiva de conquistado pelos fenômenos de circundesnudação
Austro-Brasília, localizada nos planaltos e velhas pós-cretácea na porção sudeste da Bacia do Paraná.
montanhas rejuvenescidas do Centro-Sul de Minas A nosso ver, a Serra Geral constitui, em quase toda
e Brasil tropical atlântico (Martonne, 1943 e 1944), a sua extensão, um sistema de escarpas de circundes-
deve ter funcionado como uma espécie de núcleo ou nudação, dos mais típicos e gigantes de que se tem
grande lombo divisor, para com os processos de des- notícia.
nudação e circundesnudação pós-cretáceos, entre as Lembramos de passagem que todas as seções
bacias sedimentares do Sul e as do médio São Fran- geológicas do Planalto Meridional do Brasil refletem
cisco e Meio-Norte. problemas de relevo e hidrografia, mais ou menos
Para o estudo da gênese do relevo do Brasil análogos. No Paraná, as formações devonianas locali-
Meridional, interessa-nos salientar que, ao se pro- zadas abaixo da série glacial carbonífera conformaram
cessar o levantamento do rebordo cristalino situado uma outra linha de cuestas, de relativa expressão mor-
a Leste e Nordeste (Brasil tropical atlântico), uma fológica, com restauração parcial de uma seção do pa-
hidrografia pós-cretácea superimposta estabeleceu- leoplano pré-devoniano, esculpido em rochas da série
se acima das formações areníticas mesozoicas, ini- Açungui, tendo à Serra Geral restado algumas de-

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
5

zenas de quilômetros mais para o interior. Em Santa o estabelecimento das vias da circulação terres-
Catarina, na zona fronteiriça com o Rio Grande do tres que põem em ligação os diversos estados do
Sul, a Serra Geral, pelo contrário, possui suas escarpas Brasil Meridional, conforme bem o salientou Pierre
morrendo nas próprias águas atlânticas, na zona em Monbeig (1947).
que o pacote gondwânico foi interceptado pelo sis- Lembramos, também, que, nas pesquisas
tema de falhas sudoeste-nordeste dos fins do Terciário de petróleo na Bacia do Paraná, foram preferidas
e início do Quaternário. As camadas inferiores do sis- sempre as regiões correspondentes à “depressão pe-
tema Santa Catarina executam aí um mergulho mais riférica”. Nessa zona marginal da grande província
acentuado, implicando em que o assoalho criptozoico sedimentária do sul do país, são muito maiores as
deixe de aflorar localmente na faixa litorânea, para só possibilidades apresentadas à perfuração, devido não
reaparecer no sudeste do Rio Grande do Sul através aparecer aí a série São Bento, com seus arenitos eó-
de um relevo muito mais esbatido, correspondente às licos e sua rede complexa de grandes derrames ba-
coxilhas sulinas. É assim que, de Torres para o sul, a sálticos. Foi, aliás, a ausência do espesso e dificultoso
Serra Geral se coloca excepcionalmente na posição da capeamento triássico, nas bordas orientais da Bacia
Serra do Mar, acompanhando muito de perto a orla do Paraná, que determinou uma política clássica em
litorânea. À altura de Taquara, no Rio Grande do Sul, face da seleção de áreas e pesquisas de óleo no sul
porém, ela se inclina mais diretamente de leste para o do Brasil (Washburne, 1930; Rego, 1931; Oliveira,
oeste, perdendo gradualmente altitude à medida que 1940). O Prof. Otávio Barbosa (1948) é de opinião
demanda o oeste e o sudoeste (calha do Uruguai). contrária, achando que se deve fazer perfurações no
Na metade setentrional do Rio Grande do cimo do planalto arenítico-basáltico (além da linha
Sul, podem ser observados outros tantos fenômenos de cuestas, portanto), a fim de se atingir e captar os
de circundesnudação, de análise relativamente com- bolsões de óleo conservados nas formações paleo-
plexa. A região deprimida, ocupada pelo vale dissimé- zoicas, que teriam sido resguardados pelo anteparo
trico do Rio Jacuí, constitui uma zona de desnudação da grande tampa de efusivas básicas. Dentro desse
marginal pós-cretácea, possivelmente esculturada ao ponto de vista, os fenômenos de circundesnudação
tempo em que a hidrografia regional se fazia de leste deveriam ser tomados como fatores negativos ao
para sudoeste. Caso essa última premissa esteja certa, problema do petróleo no Brasil Meridional, pois,
pode-se dizer que o traçado do Jacuí não é o traçado segundo os argumentos do Prof. Barbosa, a desnu-
de um rio integralmente subsequente, porém, o de dação marginal teria destruído os principais bolsões
um rio recente subsequente mais propriamente dito. ou reservatórios, por acaso existentes nas formações
Geologicamente, os patamares oriundos dos oleíferas das bordas da grande sinclinal.
fenômenos de desnudação marginal e circundesnudação A bibliografia geológica e geomorfológica
no Planalto Brasileiro são constituídos por extensas para o estudo dos fenômenos de desnudação peri-
e alongadas faixas semicirculares, ligeiramente férica, em certas áreas do sul do Brasil, é bem mais
concêntricas, de terrenos paleozoicos. Em alguns rica em conteúdo do que a existente para outras por-
lugares, entre as bordas das formações paleozoicas ções do território brasileiro. Cumpre-nos citar, prin-
e os primeiros terrenos cristalinos, afloram seções cipalmente, os trabalhos de Denis (1927), Du Toit
ainda não totalmente reesculturadas de superfícies (1927), Maull (1930), Washburne (1930 e 1939),
antigas (“superfícies fósseis”, Martonne, 1943-4). Moraes Rego (1931, 1932, 1935a, 1936, 1937-41 e
De Martonne estudou em São Paulo, na região de 1940), Oppenheim (1934), Martonne (1943-1944),
Itu, os vestígios da superfície pré-glacial, enquanto o Preston James (1942, 1946), Almeida (1947) e
Prof. Caster e, mais recentemente, Reinhard Maack Maack (1947).
puseram em evidência a existência de uma seção,
hoje bastante reesculturada, de um paleoplano pré- 
devoniano no chamado 1º planalto do Paraná.
O grande interesse econômico apresentado Na periferia leste e noroeste da sinclinal para-
pela desnudação periférica, no sistema Santa Cata- naense, nas regiões correspondentes a Goiás, Mato
rina, foi o de ocasionar o afloramento de camadas Grosso e Paraguai, os fenômenos de circundesnu-
paleozoicas nas bordas de circundesnudação, pos- dação foram em parte auxiliados, ao mesmo tempo
sibilitando a exploração dos horizontes carboní- que dissimulados, pela intervenção de falhas e mo-
feros da série Tubarão, que ora se apresentam pró- vimentação em blocos, concomitantes ao processo
ximos ao litoral, em regiões de acesso relativamente de epirogênese positiva que alteou o rebordo da sin-
fácil (Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e, em clinal naquelas regiões.
outros pontos, ficam muito para o interior, geo- A oeste das cuestas de Maracaju, até à Baixada
graficamente mal colocados (Paraná). Não poderí- Paraguaia, os detalhes dos processos de desnudação
amos deixar de nos referir, também, à importância marginal estão bem flagrantes, havendo repetição
que tiveram as regiões de circundesnudação para mais ou menos completa das condições de geologia e

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relevo que se observa a leste das cuestas de Botucatu. cias e discussões de caráter geral, feitas na Associação
Uma série de trabalhos geológicos e fisiográficos de dos Geógrafos Brasileiros (seção de São Paulo) e de
Fernando de Almeida (1940, 1943 e 1944) serviram um relatório sintético do primeiro desses pesquisa-
bem para demonstrar esses fatos. dores, já publicado (1947).
No sudoeste de Goiás, as linhas de falhas
afetaram as próprias formações sedimentares pe- A calha do médio São Francisco compreendida
riféricas, antes de uma desnudação mais completa, como região de desnudação periférica
ao contrário do que se observa na borda atlântica,
onde, salvo na costa sul-catarinense e norte do Rio Na zona atual do médio vale do São Francisco,
Grande do Sul, a movimentação em blocos atingiu a hidrografia pós-cretácea entalhou e removeu grande
somente os velhos terrenos criptozoicos, alteando-os faixa de sedimentos mesozoicos, fazendo aflorar as
em forma de semisserras, cujos exemplos mais carac- formações paleozoicas inferiores da série Bambuí.
terísticos são a Mantiqueira e a Serra do Mar. Os es- Veio a formar-se assim, de sul para norte, pela supe-
tudos de Glycon de Paiva (1932), no sudoeste goiano, rimposição hidrográfica, uma extensa calha de des-
fornecem as bases para a percepção das grandes li- nudação periférica, entre as serras cristalinas de leste
nhas da geologia e fisiografia regionais, assim como e os chapadões areníticos cretáceos de oeste (Rego,
dos detalhes essenciais sobre os fenômenos de des- 1936a). A zona predisposta ao entalhamento e à des-
nudação marginal lá existentes. Em 1947, os Pro- nudação rápida, ali como em muitos outros lugares
fessores Kenneth Caster, Otávio Barbosa, Fernando do Brasil, foi a linha de transição antiga entre a bacia
de Almeida e Setembrino Petri, em expedição à sedimentar terrígena de oeste e as velhas montanhas
região sudoeste de Goiás e leste de Mato Grosso, rejuvenescidas proterozoicas de leste (Espinhaço e
estabeleceram novos mapas geológicos preliminares, Chapada Diamantina). Cursos antigos, estabelecidos
de excepcional importância para a compreensão dos do Cretáceo para diante, obedecendo à inclinação
processos de circundesnudação pós-cretáceos, que se geral de Minas para o Nordeste, conformaram uma
fizeram atuar naquelas longínquas porções da Bacia longa e expressiva “depressão periférica subsequente”,
do Paraná. Nos mapas esboçados pelos Profs. Caster na zona de transição entre o embasamento soerguido
e Almeida, ainda não publicados, fica patente a exis- de leste e a bacia sedimentar de oeste (Rego, 1936a).
tência de longas faixas semicirculares concêntricas A esse tempo, muito possivelmente, a bacia hidrográ-
de formações sedimentares paleozoicas, a partir da fica do médio São Francisco alimentava cursos an-
linha de cuestas do Caiapó. De fato, por esses novos tigos da hidrografia amazônica ou nordestina (Rego,
mapas, que tivemos ocasião de examinar, nota-se a 1936a; Valverde, 1944).
sucessão de faixas alongadas e recurvas de terrenos Somente quando o processo de desnudação
permianos, caboníferos e devonianos, estendendo-se periférica pós-cretáceo já se tinha praticamente
logo após as formações triássicas e cretáceas do Pla- completado, houve uma nova e muito pouco expres-
nalto de Rio Verde, quase que numa repetição exata siva fase de deposição, responsável pelos calcários das
dos fatos geológicos e geomorfológicos observáveis caatingas. Para Moraes Rego, a origem desses calcá-
nos mapas da face oriental da Bacia do Paraná. rios modernos deve-se ligar à “dissolução dos calcá-
Muito mais do que em outras regiões brasi- rios antigos e à precipitação dos carbonatos em clima
leiras, permanecem desconhecidos os pormenores que comportava fases semiàridas” (1936a, p. 60). O
da geomorfologia dessas extensas zonas do Centro- Prof. Otávio Barbosa tem ideias inteiramente di-
Oeste brasileiro. Mas, foi precisamente a análise do versas das de Moraes Rego a respeito da gênese dos
conjunto de fatos fisiográficos e geológicos já conhe- referidos calcários. Lembremos, de passagem, que a
cidos em relação à face ocidental da grande bacia sedimentação das formações bastante recentes, ditas
paranaense, que nos levou a perceber o mecanismo das vazantes e das cacimbas (fossilíferas), já pertence
gigante dos fenômenos de circundesnudação, que, de- a um ciclo de sedimentação pleitocênico e holocê-
pois do Cretáceo, se processaram na periferia geral nico, tendo se processado posteriormente à captura
da imensa sinclinal gondwânica soerguida existente do braço do médio São Francisco para a vertente
na metade setentrional do Planalto Brasileiro. atlântica de leste (Rego, 1936a). Corresponde à sedi-
Os trabalhos de maior interesse sobre a gênese mentação do tipo aluvial, forçada por ação de soleiras
das estruturas e do relevo da face oeste da Bacia do e ligadas à complexidade do perfil longitudinal do
Paraná são os de Paiva (1931), Paiva e Leinz (1939), Rio São Francisco.
Almeida (1940, 1943, 1944, 1947a, 1947b e 1948), Citaremos como trabalhos fundamentais ao
e Costa Jr. e Ab’Sáber (1948). Não se devendo es- estudo da geologia e da geomorfologia do médio
quecer os trabalhos ainda inéditos dos Profs. Ken- vale sanfranciscano, dentro dos limites de interesse
neth Caster, Otávio Barbosa e Fernando Almeida, da presente monografia, as obras de Moraes Rego
resultantes dos estudos realizados na expedição de (1926, 1936a), Barbosa e Oppenheim (1937), Mello
1947, dos quais só temos notícia através de conferên- Jr. (1938), Gilvandro Pereira (1943, 1945), Valverde

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
5

(1944), Almeida (1946) e Porto Domingues (1947, nalisando no presente trabalho; e, em conferências
1947a,1948), sem esquecer os trabalhos clássicos de pronunciadas naquela época, salientou a idade pré-
Derby, Branner, Freyberg, Jacques de Moraes e Gui- cretácea da fase de esculturação geral do peneplano
marães, todos de caráter mais propriamente geoló- nordestino.
gico e petrográfico. Note-se que as camadas mesozoicas, que re-
pousavam na plataforma aplainada existente na pe-
Fenômenos de desnudação, na periferia oriental riferia oriental da Bacia do Meio Norte, possuíam
da Bacia do Meio-Norte disposição praticamente horizontal. Daí o relevo
tabular da Chapada do Araripe e outros pequenos
A desnudação parcial das formações lacustres morros testemunhos ainda restantes no sertão do
e marinhas cretáceas da margem oriental da Bacia Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte. As ca-
do Meio-Norte se processou, ao que tudo indica, madas paleozoicas, que à altura da fronteira do Piauí
entre o início do Terciário e o Mioceno. Nesse lapso com o Ceará (Serra do Ibiapaba) apresentam-se na
relativamente grande de tempo geológico, uma rede forma de extensa linha de cuestas, possuem sensível
hidrográfica exorreica, estimulada pela epirogênese mergulho geral para oeste, em direção ao antigo eixo
positiva que se manifestou generalizadamente no re- da velha sinclinal regional. Foi essa inclinação gene-
bordo de leste da grande Bacia, auxiliou a remoção e ralizada que determinou, ao lado dos fenômenos de
o entalhamento do capeamento sedimentar que pre- desnudação periférica, o estabelecimento da linha de
enchia a plataforma cristalina aplainada, existente cuestas da Serra Grande. A seção geológica traçada
entre o costado ocidental da Borborema e a região por Plummer (1946) é altamente sugestiva, tanto sob
do Ibiapaba. Nesse trecho de território, o único tes- o ponto de vista da geologia como da geomorfologia
temunho mais pronunciado de terrenos sedimen- regionais.
tares, que restou no meio da antiga peneplanície Pode-se dizer que, em conjunto, a Serra
cristalina, restaurada e reesculturada, foi a Chapada Grande (Ibiapaba) representa um dos alinhamentos
do Araripe. Os outros resíduos de estruturas sedi- dos mais característicos de escarpas de circundesnu-
mentares existentes no sertão do Nordeste Oriental, dação, relacionada à Bacia do Meio-Norte. Pena é
posto que pouco salientes, têm grande importância que nos faltem elementos para apontar fenômenos
paleogeográfica e geomorfológica, porque lembram idênticos em outras vertentes da grande bacia sedi-
e indicam a extensão do antigo capeamento sedi- mentar regional.
mentar ali existente. Uma das consequências negativas aos interesses
O retalhamento do pacote sedimentário na do homem, diretamente oriundas dos fenômenos de
porção oriental do Nordeste foi sobremaneira fa- desnudação periférica no Nordeste Oriental, é muito
cilitado pela inexistência de eruptivas básicas, tão bem posta em evidência por Leonardos e Oliveira,
comuns à Sinclinal Paranaense e, mesmo, ao eixo quando dizem que as condições de aridez tenderam
principal da Bacia do Meio-Norte. Desta forma, sempre a piorar na porção oriental do Nordeste, “com
o trabalho erosivo da hidrografia pós-cretácea na a destruição progressiva das rochas reservatórias e
porção oriental se fez de um modo relativamente com o aumento do peneplano de rochas cristalinas,
simples, retalhando e removendo as camadas peri- não acumuladas de água no subsolo” (1943, p. 630).
féricas da grande província sedimentar nordestina. Está bem claro que há um grande exagero quando
Esboçou-se, no decorrer do processo de erosão, a esses autores dizem que “em virtude da destruição
topografia tabular das chapadas nordestinas, assim dos reservatórios, que eram os sedimentos arenosos,
como a linha de cuestas da chapada do Ibiapaba, aci- originou-se como fatalidade geológica as secas que
dentes que foram posteriormente remodelados nos flagelam os estados nordestinos”. É fora de dúvida,
detalhes, devido aos novos processos de intempe- porém, que, hoje, em face do atual zoneamento cli-
rismo criados pelos climas semiáridos ali instalados mático imperante no Planalto Brasileiro, a ausência
no Quaternário. quase completa de um capeamento sedimentar na
Foi exclusivamente a desnudação perifé- zona que se estende desde o Ibiapaba até a Borbo-
rica pós-cretácea, na periferia oriental da Bacia do rema agravou o fenômeno da escassez de água, cuja
Meio Norte, forçada por um movimento epirogené- origem, na realidade, resulta do regime pluviomé-
tico positivo, que determinou a restauração parcial trico regional. Serve de contraprova a esse fato, como
do assoalho várias vezes aplainado da peneplanície oportunamente nos lembrou o Prof. Dias da Silveira,
cristalina nordestina, além do ressalientamento do o que ocorre na base da Chapada do Araripe, ma-
lombo de relevo cristalino da Borborema. O Prof. nancial perene da região do Cariri.
João Dias da Silveira, em 1943, após uma viagem de Dentro do grupo de obras básicas para a
estudos ao sertão do Nordeste, discutindo a gênese compreensão da história geológica e alguns fatos
do peneplano cristalino regional, chamou a atenção geomorfológicos do Nordeste, indispensável é
para os aspectos geomorfológicos que estamos rea- citar-se os trabalhos de Small (1923, 1923a), Jacques

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de Moraes (1924), Moraes Rego (1935, 1935b), muito mais a processos erosivos que à sedimentação
Paiva e Miranda (1937), Euzébio de Oliveira (1940), propriamente dita. Nesse segundo caso, teríamos que
Preston James (1942), Oliveira e Leonardos (1943), conceber, durante o Cenozoico, um período de abai-
Silveira (1943, 1943a) e Plummer (1946). xamento por flexura de grande vulto, a fim de poder
explicar a existência daquele enorme abaulamento,
Especulações a respeito dos problemas da observável em toda a extensão do atual anfiteatro
desnudação pós-cretácea no sul da Amazônia e cristalino amazônico.
periferia ocidental da Bacia do Meio-Norte É bem possível que, enquanto o Nordeste
Oriental, a Região Leste e a Região Meridional, de-
Quando se procuram analisar os problemas da pois do Cretáceo, sofriam uma fase de levantamento
gênese do relevo da metade setentrional do Planalto e empinamento generalizado, o sul da Amazônia,
Brasileiro, surgem questões praticamente insolúveis, que permanecera relativamente alteado, até então, daí
ligadas ao desconhecimento geológico e topográfico por diante tenha sido submetido a um vasto movi-
de extensas porções da Amazônia e do Nordeste Oci- mento de flexionamento, cujo eixo central continuou
dental. Há quem suponha ter a sedimentação cre- sendo a velha sinclinal amazônica. A borda ocidental
tácea se estendido por grandes áreas, possuindo, no da sinclinal do Meio-Norte, hoje correspondente aos
caso, ligações com as outras províncias sedimentares estados do Maranhão e Piauí, teria acompanhado,
contíguas, tendo recoberto no passado até mesmo até certo ponto, esse movimento de flexura sul-ama-
os apêndices cristalinos que as separavam anterior- zônico, abatendo-se um tanto mais para oeste e no-
mente. Nesse caso, teria sido a potente hidrografia roeste. Fato que talvez tenha sido o principal respon-
de tipo equatorial, ali posteriormente estabelecida, o sável pela não repetição muito nítida dos fenômenos
que teria feito a desnudação rápida e generalizada de circundesnudação nessa vertente*.
do capeamento mesozoico que deveria encobrir as Praticamente não existe bibliografia auxiliar
encostas cristalinas sul-amazônicas e ocidentais do para especulações geomorfológicas em torno dessas
Maranhão. Por outro lado, porém, é possível que as duas últimas regiões que tentamos examinar; o que
encostas cristalinas, hoje esbatidas do meridião da apresentamos constitui ideias preliminares, dedu-
Amazônia, estivessem muito mais altas durante o zidas do escasso material geológico que conhecemos
decorrer da era secundária. Talvez representassem, sobre a região.
na época, uma área grandemente positiva, sujeita
A bibliografia deste artigo se encontra no DVD anexo

* Sobre as relações paleográficas em face da fossa


tectônica de Marajó, recentemente prevista pelos estudos
geofísicos do Conselho Nacional do Petróleo, nada se pode
deduzir até o estado atual dos acontecimentos. Ver O.H.
Leonardos, in Miner. e Metal., nº 73, 1948, p. 35.
80
BIBLIOGRAFIA

Seleção bibliográfica para o estudo das regiões de circundesnudação no Brasil

AB’SÁBER, A. N.; COSTA JR., M. Contribuição ao estudo do Sudoeste Goiano. Tese


apresentada à Quarta Assembléia Geral da Associação dos Geógrafos Brasileiros,
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ALMEIDA, F. F. M. Traços gerais da geologia do Sul de Mato Grosso. Anuário de
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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
5

81
O Brasileiro Aziz Nacib AB’SÁBER
Gerusa Maria Duarte

“Não é a consciência do homem que determina o seu ser,


mas, pelo contrário,
o seu ser social é que determina a sua consciência”

Alguns aspectos de sua história

A história profissional deste importante brasileiro,


geógrafo, deve explicar muito de sua atuação no cenário na-
cional, com reconhecimento internacional. Nasceu (1924)
em São Luiz do Paraitinga, cidade histórica às margens do
Rio Paraitinga. Depois viveu em Caçapava, outra cidade
que como São Luiz está situada no importante Vale do Rio
Paraíba do Sul. Os rios Paraitinga e Paraibuna vão formar
o Rio Paraíba do Sul, que dá nome à importante bacia
fluvial entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, com
pequeno trecho em Minas Gerais. São nascentes do Pa-
raitinga as consideradas principais do Paraíba do Sul. Em
1948 já escrevia sobre este vale. A este artigo seguiram-se
outros e são exemplos: Ab’Sáber, 1948, 1957, 1957-1958,
1958a, 1969a, d, e, f, 1970, 1972, 1973, 1975; Ab’Sáber et
al., 1954a.
Seus olhos, portanto, “filmaram” durante décadas
a evolução geográfica daquele vale, sustentada pela base
geomorfológica e geológica que tanto embasa seus conhe-
cimentos e sua visão integradora. “Filmaram” igualmente
outros lugares e regiões do Brasil em suas atividades de
campo, na busca de conhecê-los, entendê-los. Ativida-
des que possibilitaram seus registros, tais como sobre o
sudoeste Goiano (Ab’Sáber, 1950, 1951a, 1951/1952,
1952c), ou sobre a Amazônia (Ab’Sáber, 1952a, b, 1958b,
1966a, b, 1967, 1969b, 1980, 1982, 1986, 1987, 1989a, b,
c, 1992a, c, 1993a, b, c, 1994a, 1996a, 1997a, b, 2002a,
2003b, c, 2004c, g, i, 2005a,b, 2006 b), entre outros.
Cursou Geografia e História na USP (1941-1944),
um único curso então naqueles inícios da Universidade de
São Paulo, dentro da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras. Talvez este curso duplo tenha acentuado as quali-
dades de seu modo de ver, pensar e agir, integrando as ca-
racterísticas humanas com a base física dos lugares, regiões
do Brasil - país e nação.
É profissional da USP desde 1946. Obteve o Dou-
torado (1956), Livre Docência (1965), para então tornar-se
Professor Assistente (1965) e em seguida Professor Titu-
lar (1968) do Departamento de Geografia da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, até 1982, quando

82
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
6
se aposenta. Foi professor de várias disciplinas, in- (...) no momento queremos salientar as poten-
clusive de Planejamento (Caderno ALIÁS, ESP, cialidades educativo-formativas das bibliotecas
2004). É Professor honorário do Instituto de Estu- comunitárias dirigidas para periferias distantes
dos Avançados/USP (IEA) desde 1988, e Profes- ou zonas subcentrais degradadas (...) As poten-
sor Emérito da USP, título que é o reconhecimento cialidades das bibliotecas comunitárias na con-
dos seus pares e da própria Universidade. Repre- dição de espaços complementares para educação
sentou (1977) o Departamento de Geografia no é muito maior do que se pensa. No momento
CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimô- em que muitas bibliotecas de bairros de grandes
nio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico) e cidades fracassaram nesses objetivos (...) os pe-
presidiu este órgão entre 1982 e 1983. Foi Diretor quenos estoques de livros reunidos em situações
do Instituto de Geografia da USP de 1969 a 1982, comunitárias, acrescidas por telecentros, podem
apoiando uma série de publicações do mesmo, tais constituir exemplos de estratégias culturais para
como a revista Orientação, as séries Geomorfologia, Ae- menores e adolescentes ávidos por atenção e ati-
rofotogeografia, Paleoclimas, Geografia e Planejamento. vidades laboratoriais (computação e Internet)
Foi Presidente da SBPC de 1993 a 1995. (Ab’Sáber, 2006b:124-127).
Lecionou em várias Faculdades do Estado de
São Paulo antes de tornar-se Professor da USP, bem Defendendo as populações pobres e desas-
como na Universidade do Rio Grande do Sul, hoje sistidas das periferias das grandes cidades propôs
Federal. Trabalhou no IBILCE (Instituto de Bioci- também a criação de Minivilas Olímpicas. Para tal
ências, Letras e Ciências Exatas/UNESP). observou nos arredores de São Paulo o compor-
É um dos mais sérios ambientalistas, defensor tamento de crianças e jovens e suas parcas condi-
da Amazônia, da qual é conhecedor ao longo dos ções de vida e lazer, sem poderem se deslocar para
anos pelo menos desde 1955, quando já publicava usufruírem bens culturais e de lazer situados em
sobre ela; tem se preocupado com o Nordeste seco e áreas mais centrais. Para estas Minivilas Olímpicas,
sua população; a zona costeira; a Serra do Mar e sua Ab’Sáber sugere o uso de espaços vazios públicos ou
floresta. Ele vem, ao longo de sua vida, conhecen- não (a serem comprados ou desapropriados) que já são
do e procurando conhecer mais e mais o Brasil sob usados por elas para jogo de futebol ou outro lazer
várias óticas. em finais de semana. Estas áreas seriam aos poucos
Cidadão e batalhador incansável, tem refleti- equipadas, organizando-se diferentes formas de lazer,
do e reiterado seus pontos de vista sobre o papel dos expressões culturais, festas que unissem a comuni-
governantes e da Universidade brasileiros, e sobre dade que, por sua vez, também ajudaria a construir
uma série de questões importantes para o País como estes espaços, com oficinas de culinária nutritiva, de
a Amazônia, a Educação, a Educação nas periferias computação, enfermagem, desenho, teatro, leitura.
das grandes cidades, as Bibliotecas Comunitárias, as Ab’Sáber (2004a) indica a implantação das mesmas
Minivilas Olímpicas. Há dezenas de anos vem defen- com sugestões passo a passo. E diz,
dendo a Amazônia, seja pela sua biodiversidade, seja
pelas riquezas minerais e suas águas. Na Educação, O que está acima de tudo é a construção de um
defende a aprendizagem baseada no lugar e na região novo e atraente patrimônio da comunidade, capaz
e faz críticas ao academicismo. “Todo professor pre- de dignificar crianças, adolescentes e adultos na
cisa dominar (no sentido de conhecer e entender) seu utilização de valores culturais mais nobres de uma
entorno, sua população e seus problemas” (Ab’Sáber, rica cultura popular (Ab’Sáber, 2004a: 472).
2001 c). Lembra sempre que um bom planejamento
tem que ter em vista o local, o regional e suas subdi- Em julho de 2006 esteve em Florianópolis
visões, e deve ser “areolar” e não linear como algumas mais uma vez, depois de muitas em que partici-
propostas que então tornam-se parciais e inadequa- pou das Semanas de Geografia do Departamen-
das. Enfatiza a necessidade de se lutar por princípios to de Geociências da UFSC, para as quais sempre
e valores(Ab’Sáber, 1994b, 2001a, b, c, d, 2002b, atendeu aos convites para conferências, palestras,
2003e, 2004a, b, d, e, j, 2005e, 2006a, b). minicursos. Desta vez, foi para participar da 58ª
Como Professor e cidadão deve-se sempre Reunião anual da SBPC. Sua conferência “(Re)
lembrar suas iniciativas sobre as Bibliotecas Comu- Pensando o Futuro do Brasil” foi acertadamente
nitárias e Minivilas Olímpicas (Ab’Sáber, 2001c, d, colocada no maior espaço da UFSC, no Centro de
2004a, d) para bairros periféricos da cidade de São Eventos e Cultura. O auditório ficou lotado bem
Paulo. Coerente com o que disse - “(...) todo cida- antes do início da sua fala. A maioria era de jovens
dão consciente deve centrar sua atenção para o social entre 16 e 30 anos, acredito. Na metade do tempo
(...)”(Ab’Sáber, 2006b: 123) - trabalhou para a cons- estipulado faltou energia elétrica que só retornou
tituição de pequenas bibliotecas em 29 bairros caren- quase ao término do mesmo. Foi o único período
tes da Grande São Paulo. Embora declarando que de falta de energia na UFSC durante a realização
nem todas tiveram o sucesso almejado, reafirma: desta Reunião. Mas, ele não parou, e, no final de
83
sua fala, foi aplaudido de pé, uma vez que um Pro- bre a metade dos estados brasileiros. No Brasil publi-
fessor de quase 82 anos ainda tinha e tem energia, ca principalmente em São Paulo e depois no Rio de
ânimo, vontade para estimular os jovens e os de- Janeiro, e em mais oito estados. Tem trabalhos tam-
mais a pensarem sobre e trabalharem no sentido da bém publicados em francês, inglês, italiano, alemão,
construção de um Brasil mais igualitário. Resumiu no Brasil e fora deste, como em Roma e Nova York.
ele: “Isto é que é a SBPC”, não como um autoelo-
gio pela recepção da plateia, mas feliz, acredito, por
ver a força da juventude querendo Ciência e fazer o Vales, rios e águas
Brasil crescer. Depois foi rodeado por muitos, para
uma palavra, uma foto, como sempre. Um tema candente atualmente são as bacias
Rodeado por muitos o vi várias vezes. Na 48ª fluviais ou hidrográficas e os usos da água. Sobre eles
Reunião da SBPC, na PUC em São Paulo, ele como Ab’Sáber escreve ou discute desde 1949, seja sobre
Presidente era requisitado por muitos o tempo todo. situações no Estado de São Paulo (Ab’Sáber, 1949,
Era estranho e surpreendente o movimento de um 1951b, 1952-1953, 1953, 1954a, 1957-1958, 1968a, b,
grupo denso de pessoas que o seguia quando ele se 1972, 1973, 1975, 1978a, b, 1983a, b, 1985, 1992 b,
deslocava a algum setor da PUC. Para onde ia, o 1996b, 2003a), seja sobre o São Francisco (1988a, b,
grupo ia atrás, todos querendo conversar, perguntar 1995, 2004f, 2005c, d, e), ou outras áreas do Brasil -
ou dizer algo. O mesmo aconteceu numa das Sema- Nordeste, Amazônia, Rio Grande do Sul -, ou mes-
nas de Geografia na UFSC. Ele havia sido convida- mo questões teóricas (Ab’Sáber, 1954b, 1955, 1956-
do para ministrar um curso dentro da Semana, para 1957, 1958c, 1966b, 1969c, 1980, 2001 a, f, 2002c,
o qual trouxe muitas imagens de satélite em grandes 2004h, 2005e).
rolos. Mas, muitas pessoas queriam conversar com Quando escreve sobre a planície do Rio Tie-
ele. Não o deixavam parar ou começar o curso. Ele tê no planalto paulistano (1978b), Ab’Sáber o faz
se locomovia segurando o rolo de imagens e o grupo para analisar as possibilidades do projeto do “Parque
similar ao da SBPC/SP ia atrás. Ele com paciência Ecológico do Tietê” de dimensões metropolitanas.
imensa ia ouvindo aqueles que chegavam ao seu lado Apresenta então um grande número de característi-
em rodízio. Deve ser muito cansativo ouvir as mais cas físicogeográficas distribuídas no espaço do vale.
diferentes ideias, informações, perguntas, sem ter Analisa questões ecológicas e demonstra com per-
muita chance para uma resposta calma e completa. tinência as limitações geográficas-geomorfológicas
Nunca o vi ou o ouvi reclamar. Daquela vez em San- para tal proposta; mostra as incoerências; faz suges-
ta Catarina não teve condições de ministrar o seu tões alternativas e fala das situações de alta poluição
curso. Cada um queria falar e ouvir palavras para dos rios Pinheiros, Tietê e de outros afluentes deste,
o próprio caso. Perderam, perdemos muito por não bem como da proposta então existente de grande es-
ouvir e ver o que ele havia preparado. tação para tratamento dos esgotos sanitários da gran-
Nos seus mais de 300 artigos publicados, cer- de cidade. É claro que para despoluir um rio este não
ca de 2/3 tratam de Geomorfologia, mas, não ape- poderá receber mais as cargas poluidoras. Não basta
nas, uma vez que frequentemente evidencia o papel tirar a lama e outros resíduos sólidos do leito. As car-
das rochas e solos; não esquece e amplia referindo- gas poluidoras deverão ser coletadas e tratadas antes
se ao clima, à vegetação, ao mesmo tempo em que de qualquer descarte, seja num rio como o Tietê, seja
descreve e explica o tema e o lugar ou área que está nos córregos seus afluentes ou fora destes. O local do
em debate. Salienta em outros a participação das ati- descarte também faz parte do planejamento e deverá
vidades humanas e a importância do planejamento ser onde o material possa ser usado sem riscos ou
adequado para o uso da cidade ou área considerada. onde o restante dos poluentes possa transformar-se
Dessa maneira, seus demais trabalhos enfo- em inertes por processos naturais, portanto sem ris-
cam Geologia; vegetação: florestas, cerrado, caatin- cos para quaisquer organismos.
ga; clima; paleoclimas; Paleogeografia; Geografia; Faz análises de vários reservatórios, barra-
Geografia Humana - explanam sobre indústria, gens, usinas hidrelétricas, como quando explana
áreas rurais, urbanas, atividades agrárias, povoa- sobre as barragens do Tietê (1972), do Alto Jaguari
mento; sítios arqueológicos; Geo-História; Cultura; (1973), usina de Paraibuna e barragem de Paraitinga
Geografia e Planejamento; Planejamento Regional; (1975), do reservatório do Juqueri (1978a), inclusive
organização do espaço urbano; desenvolvimento in- fazendo a previsão dos impactos de hidrelétricas na
tegrado; estrutura metropolitana e aeroportos; discu- Amazônia (1980). As análises são tanto de Geogra-
tem também barragens e suas relações com o espaço; fia Física como de Geografia Humana. Examina
usinas hidrelétricas; águas; rios; Amazônia; Nordeste as características dos tipos de rochas, solos, relevo,
seco; Brasil; Brasil Central; Brasil Atlântico; Política; vegetação, sugerindo ângulos a serem considerados
Universidade; Educação; fotointerpretação; América no planejamento do uso do entorno dos lagos e suas
do Sul, e também escreve sobre outros autores. possibilidades. Pondera sobre a ocupação humana,
Realizou e publicou trabalhos pelo menos so- tipos e sua história. Evidencia como reconhecer lo-

84
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
6
cais morfológicos próprios e impróprios para pos- têm esclarecido questões importantes ou as deixado
síveis túneis que serão usados para ampliar a força visíveis na proposta.
hidráulica e também em transposição de águas entre
bacias. Discorre sobre lagos e barragens e suas áreas, [É] preciso conhecer todos os sertões, e não
tanto daqueles destinados à hidroeletricidade como pensar apenas num fato linear como um rio só,
para abastecimento público de águas, classificando- pensando que vai resolver o problema de uma
as segundo alguns parâmetros de interesse ao res- área imensa, que é três vezes a área do Estado
pectivo uso, como, por exemplo, quando explana de São Paulo (Ab’Sáber, 2006a).
sobre as barragens do Alto Jaguari (Ab’Sáber, 1973).
Observa as condições de adequação para reserva de Dois canais não irão favorecer toda a popula-
águas de qualidade para o abastecimento, bem como ção do semiárido nordestino, uma vez que os pro-
condições de menor impacto sobre a população resi- blemas não são de rios, mas muitos outros, sócio-
dente e sobre a economia do Estado de São Paulo. históricos e culturais.
Analisa e apresenta em seu trabalho de 1953, O “projeto deve atender a diferentes segmen-
sobre o Estado de São Paulo, uma sequência de que- tos das populações sertanejas residentes na região”,
das de água em rios que atravessam a área de con- como da bacia do Jaguaribe, no Ceará, e Apodi-
tato entre rochas do embasamento pré-cambriano e Mossoró no Rio Grande do Norte. “Para tanto, há
aquelas da Bacia Sedimentar do Paraná, portanto de que se exigir uma reforma agrária regional (Ab’Sáber,
leste para oeste, constituindo de norte a sul do estado 2004f:26).
uma espécie de faixa onde concentram-se cachoeiras
e corredeiras (fall zone). Ab’Sáber salienta os papéis Estudando a região do Jaguaribe, no Ceará,
destas quedas e corredeiras ao longo da história do que pretensamente será a mais beneficiada pela
Estado de São Paulo. Elas funcionaram perante a transposição das águas, (...) fui ao rio. Um senhor
população primeiro como um impedimento ao uso olhava suas culturas de mandioca, milho e feijão.
dos rios como vias de comunicação naquele setor, (...) Perguntei se era econômico o que ele estava
com consequências no “povoamento”, na “circulação” fazendo. Disse que não sabia, mas que era a base
e na “vida econômica”. Mas, por outro lado, em ou- de sua sobrevivência, já que não tinha terras e
tro momento, para a industrialização elas foram im- estava ameaçado por todos os lados. Disse, tam-
portantes na geração de energia hidráulica aplicada bém, que os fazendeiros das terras altas na época
tanto às atividades industriais como para iluminação da seca iam, ao Recife e à Fortaleza, e lá conse-
pública. “Pode-se dizer mesmo que, quanto mais se guiam que fosse liberada a água dos açudes, no
acentuava a decadência do café na região, mais se in- Departamento de Obras. Com isso, a água ala-
tensificava a obtenção de energia hidroelétrica para gava e destruía as culturas de gente como aquele
atividades industriais” (Ab’Sáber, 1953:136). Consi- senhor, que perdia a última forma de resistência
dera ele que estas quedas, portanto, compensaram “a (Ab’Sáber, 2004j).
debacle do café”.
Ab’Sáber cita uma série de situações distri- Por isto existe sempre, na estação seca dos ser-
buídas em vários municípios acompanhada com a tões, água para o gado, mas não há água para o
instalação de “pequenas e médias usinas” bem como homem.” (Ab’Sáber, 2004f:26), [isto é, para os
“verdadeiras usinas domésticas da mais alta impor- mais pobres].
tância como fatores geográficos da vida industrial
regional” (Ab’Sáber, 1953:137). Também “a primei- Veja, não sou contra a ideia da transposição das
ra grande usina hidroelétrica da Light, construída em águas, quero apenas uma previsão de impactos
Parnaíba” (p.137). positivos e negativos. O problema essencial é
que, para o tamanho do Brasil, não basta pegar
Muito embora se tratasse de altos cursos de água, um pequeno ponto e fazer dele uma demagogia
de potencial hidráulico relativamente reduzido, sobre planejamento. Com os R$ 2 bilhões neces-
as condições favoráveis do relevo para a constru- sários para iniciar a transposição do São Francis-
ção de barragens e a posição das quedas próxi- co, seria possível resolver vários outros problemas
mas de cidades-mercados e cidades com marcada do Nordeste. Mas, quando o resultado não for o
aptidão industrial, tornaram possível a multipli- esperado, quem começou a transposição vai dizer
cação de pequenas usinas geradoras (1953:137). que iniciou o projeto e a responsabilidade é de
quem não deu continuidade (Ab’Sáber, 2004j).
No que se refere ao Rio São Francisco,
Ab’Sáber (2004f, j, 2005c, d, e, 2006a, b) tem se Ab’Sáber referia-se a um dos agricultores que
posicionado de certa forma contra a transposição tem na prática do cultivo de vazante a sua sobrevi-
de águas daquele rio. Suas explicações e razões são vência. Então afirma que há necessidade do levanta-
múltiplas, uma vez que propugnantes da mesma não mento dos que praticam este tipo de agricultura, isto

85
é, daqueles agricultores que usam os leitos dos rios de onde vem a água que usam. Assim também al-
para cultivo no período sem chuvas. Estes produtores guém de fora da região e que vai a uma cidade do
abastecem feiras dos sertões (Ab’Sáber, 2004f:26). Amapá não conhecerá a Amazônia. Por outro lado,
Inclusive para melhor uso dos leitos dos rios quem lá vive sabe dos problemas que os afligem, isto
nos períodos secos, já se pratica no Nordeste as bar- é, há aqueles específicos de setores da Amazônia. Por
ragens subterrâneas naqueles leitos, para a manuten- exemplo, a população de Rio Branco, Acre, gosta dos
ção de maior volume de água e por mais tempo. Esta peixes grandes do Solimões, entretanto, no período
técnica praticada em países de climas semiáridos e de águas baixas, não é qualquer barco que navega
áridos tem sido aplicada em rios intermitentes do o Rio Acre/Purus, afluente daquele. Além desta
sertão nordestino. questão, há a grande distância entre a cidade de Rio
Para alcançar objetivos realistas e evitar a per- Branco e o Rio Solimões, ou as cidades que lhe estão
da de dinheiro em projetos Ab’Sáber reitera: às margens, próximas à foz do Rio Purus, as de Co-
dajás e Manacapuru. Como são muitos dias de via-
(...) deverá exigir-se a garantia da continuidade gem, os peixes pescados ou comprados não chegarão
e integração operacional, contando com recur- em bom estado a Rio Branco. Dessa maneira seriam
sos suficientes para assegurar a implantação das adequados barcos de fundo chato e com geladeira,
mesmas e evitar o aumento de custos e abandono barcos cuja tecnologia atenda às necessidades de na-
criminoso de aparelhagem, tal como aconteceu vegação naqueles rios. Esta situação não ocorre no
em numerosos casos de projetos inacabados na Amapá, pelo menos não com a mesma configuração;
região Norte do país.” (Ab’Sáber, 2004f: 26). as necessidades não são do mesmo tipo ou de mesma
intensidade.
Se falarmos no Rio Negro e sua bacia, outras
No que se refere ao interesse internacional pela exigências se fazem presentes. A alta bacia deste rio
Amazônia: caracteriza-se pela maior pluviosidade da Amazônia.
As condições de floresta, relevo baixo, muita chu-
Digo sempre que é também pelos recursos hí- va, áreas empapadas permitem o desenvolvimento de
dricos, minerais e nas espécies de madeira nobre, turfas e turfeiras. Estas liberam ácidos húmicos e fúl-
que tem alto valor aqui e lá fora. O recurso hídri- vicos que dão a cor ao Rio Negro e o pH baixo de suas
co está sempre na ordem do dia porque desperta águas. Este não possibilita maior variedade de peixes
cobiça e a Amazônia é um tesouro de águas do- grandes, devido à baixa produtividade para sustentar
ces (...)” (Ab’Sáber, 2004j). cadeia alimentar mais abundante. Mas, também, não
facilita o desenvolvimento de mosquitos dos mesmos
Também ao tratar da Amazônia, Ab’Sáber tipos ou frequência dos que ocorrem em outros rios e
(2006a) refere-se com indignação às ações precá- suas áreas. Por isso, há preferência para se estabelece-
rias dos governantes. Assim, no que tange ao Mi- rem hotéis. É uma das razões para o estabelecimento
nistério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos de vários deles na área do Rio Negro, não acontecen-
e da Amazônia Legal, ele reclama que o mesmo do o mesmo para o Solimões/Amazonas. Por outro
trabalhou com muitas pessoas de ONGs, isto é, lado, o Rio Negro é muito mais largo e muito menos
deu prioridade para as mesmas em detrimento das sinuoso do que o Rio Purus, se quisermos encetar
Universidades. As queixas pertinentes são de vá- outras comparações e os problemas vivenciados pelas
rios tipos: questões de falta de conhecimento, de populações ribeirinhas.
vozes dúbias junto à Ministra e de dúvidas quanto O que se quer salientar é a correta posição do
às relações público/privado. Sobre a falta de co- Professor Ab’Sáber quanto à visão dos “planejadores”
nhecimentos sobre o Brasil ou suas regiões, rela- e quanto ao tipo de planejamento. Como ele mesmo
tada por Ab’Sáber, demonstrado por membros de tem reiterado: há que se conhecer a região e as carac-
ONGs com vínculos no Ministério, dúvidas emer- terísticas de cada parte da mesma. Há que atender-se
gem como consequência, tais como: que tipo de necessidades distintas na base de levantamentos de
planejamento fazem e que tipo de atuação podem campo e, portanto, conhecimento do real, sem ge-
ter? As verbas são desperdiçadas? A população da neralizações.
região norte poderia usufruir melhor estas verbas? Outro fato é que estas pessoas com acesso à
Estas pessoas defendem o Brasil ou defendem seus Ministra – foram escolhidos por ela? – “(...) fazem
amigos ou seus bolsos? indicações ... sobre o que fazer, como concessões de
Conhecer a Amazônia não é apanágio de to- florestas nacionais (FLONAS) para ONGs estran-
dos que lá vivem. Há pessoas que não saem da área geiras etc.” (Ab’Sáber, 2006a).
do seu igarapé, não saem da sua localidade. É situa- A revista Exame (2006, n° 21) traz dois artigos
ção que se repete em qualquer canto do país em que ampliando as dúvidas sobre o real papel e interesses
grande parte da população, mesmo escolar, não co- de algumas ONGs. Pesquisadores do Chile e Argen-
nhece sua cidade, seu município, o rio que ali está, tina já tem alertado sobre isto. Há ONGs e ONGs.

86
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
6
A afirmação na Exame (2006) de que 50% das verbas permitidos na faixa de fronteira. A Administra-
das ONGs no Brasil são estatais sugere a pergun- ção de Parques Nacionais da Argentina está sob a
ta: elas são Organizações Não Governamentais ou Secretaria de Recursos Naturais. Esta Secretaria es-
são Governamentais? É um tipo de relação público/ teve a cargo de Maria Julia Alzogaray, que por sua vez
privado que traz muitas interrogações e deixa muitas é ex-esposa do que foi presidente (durante a ditadura
dúvidas. argentina) da Administração de Parques Nacionais.
Um exemplo que vem corroborar as preocupa- Ele é também ex-titular da ONG Vida Silvestre. A
ções de Ab’Sáber é dado por Dilito (2006). Segun- denúncia que vem da Argentina é que estas organi-
do este autor e muitos outros, as políticas ambientais zações ali se estabelecem pelas terras como último
constituem atualmente questões determinantes para ativo geopolítico importante(Dilitio, 2006).
o futuro de regiões e países inteiros. O negócio dos Em fins de agosto de 2002, o New York
serviços ambientais move milhões no mundo, mas, Times publicou, sob o título “Patagônia Indepen-
os interesses não são apenas econômicos e sim tam- dente”, do periodista Larry Rother, que a Patagônia
bém geoestratégicos. está separada do desastre argentino; “escassamente
Três casos importantes na Argentina eviden- povoada, porém, seria uma nação próspera, embora
ciam como organizações ecologistas do país se pres- menos de 5% da população argentina viva na região
taram a compras de terras realizadas por um “eco- que compreende quase a metade do território nacio-
logista profundo” Douglas Tompkins. As aplicações nal, reservas de água potável e 80% do petróleo e gás
em terras por este “ecologista” norte-americano auto- natural” (Dilitio, 2006).
denominado filantropo ecologista são tanto no sul do A esposa de Tompkins tem uma fundação cha-
Chile como da Argentina. São cerca de 400.000 ha mada Patagônia Land Trust com um empreendimen-
entre os dois países (Dilitio, 2006). to na zona costeira de Santa Cruz. Com a ponte da
Estas compras, ao serem realizadas sob legis- Fundação Vida Silvestre, ela doou estas terras para o
lação estadunidense e patrocinadas pela UNESCO, Estado com a condição de que ali se estabeleça um
por seu caráter ecologista, quebram a soberania na- Parque Nacional. Entretanto, o seu marido comprou
cional ficando sob o amparo da ONU, mesmo vio- duas propriedades junto a esta área dizendo que pro-
lando as legislações nacionais, uma vez que na “sua porá às autoridades que estas duas zonas se somem ao
reserva” Tompkins pode cruzar sem controle entre sistema de áreas protegidas da Argentina. Por outro
o Chile e a Argentina. Entretanto, segundo a legis- lado, a Patagônia Land Trust é dona de 100.000 ha
lação deste país, um estrangeiro não pode ter terras nos “Esteros del Iberá”, isto é, no Pantanal argentino
a menos de 150 km da fronteira terrestre e a 50 km do Iberá, em Corrientes, e Tompkins adquiriu outros
do mar. Salienta-se que também a União Europeia 4.000 ha no Delta do Paraná, áreas sob administra-
solicitou, em um documento reservado para a OMC ção de duas empresas do magnata norte-americano.
em março de 2002, que estes valores sejam reduzidos Através de sua empresa The Patagônia Land Trust ele
(Dilitio, 2006). reclama junto ao governo da Província de Corrien-
Ao se unirem as peças ver-se-á que uma fun- tes para que este renuncie a estes lugares ficando fi-
dação ecologista (ECOS) impulsiona um plano de nalmente regidos sob leis dos EUA (Dilitio, 2006).
manejo, um proprietário de terras norte-americano Lembra-se que sob estas áreas há o depocentro mais
(Tompkins) o cofinancia junto ao GEF/Banco Mun- importante do Arenito Botucatu da Bacia geológica
dial. Ambos tem o mesmo discurso da sustentabili- do Paraná, portanto, onde fica na Argentina a maior
dade. A primeira tem o discurso sobre animais em expressão do Aquífero Guarani, de acordo com ma-
risco e o segundo fala de Ecologia Profunda. O cír- pas da Petrobrás/Nexpar de 1995.
culo se fecha sem se falar do mais importante: a água
potável. Eles têm terras junto à área dos glaciares, O governo parece que não vê ou “olha para ou-
isto é, a maior área de geleiras da América do Sul, tro lado”, e os argentinos preocupados em comer,
entre a Argentina e o Chile. Portanto, da maior re- não tem tempo de defender a soberania da na-
serva de água superficial. Em Santa Cruz, Tompkins ção. Daqui a 20 anos deveremos lutar pelo nosso
comprou quatro estâncias, segundo alguns para apo- território como o fazem os iraquianos, porém,
derar-se das reservas de água potável mais puras do no lugar do petróleo, deveremos lutar por nos-
planeta, formadas pela bacia de gelos continentais so direito à vida, a comer e a poder tomar água
patagônicos (Dilitio, 2006). (Dilitio, 2006).
A deputada do Partido Justicialista de San-
ta Cruz, Judit Forstmann, objetou os contratos Mas não é apenas Dilitio que registra estes
amparados na Lei 24.441 de fideicomisso, colo- fatos e sim muitos outros cientistas, ambientalistas,
cada em vigor no governo Menen, que permitia a jornalistas (Clarín) e advogados. No site da ACA-
compra de terras por meio destas associações em- PRENA, ONG de Santa Catarina, vê-se referên-
presariais duvidosas junto com a Administração cias românticas a este multimilionário americano.
de Parques Nacionais, ultrapassando os limites Este expulsa os habitantes cujas famílias vivem há

87
150 anos nas áreas adquiridas, como é o caso dos situações de riscos e impactos, atividades fluviais,
banhados do Iberá, no centro e centro-norte da Pro- marinhas e eólicas distribuídas no espaço da zona
víncia de Corrientes. Estes banhados constituem o costeira brasileira. Essas aulas iniciam já na sobre-
segundo Pantanal da América do Sul e desde 1982 capa mostrando a dinâmica entre águas, mangues
é parte da Reserva Natural de Iberá, que compreen- (vida) e sedimentação na zona costeira do Pará, um
de cerca de 14% da área daquela Província. trecho de características únicas no Brasil. Para tal se-
Como diz Dupas(2006) referindo-se às ações leção há que conhecer, há que ter sensibilidade tanto
de ricos como Bill Gates, Warren Buffet, John D. científica como pedagógica e educacional uma vez
Rockfeller e Andrew Mellon: “O dom da filantro- que um livro deste nível é um presente para qualquer
pia pode ser encarado como uma categoria do capi- professor enriquecer suas aulas. É movido novamen-
tal, ligado ao seu próprio processo de reprodução, te por sua cidadania.
‘legitimando’ a imagem dos capitalistas que, com Suas contribuições são muitas, coerentes e
competência e oportunismo, criaram intensos pro- éticas, registrando fatos, fenômenos, situações e
cessos de acumulação.” Este autor faz ainda cita- participando de múltiplas maneiras da vida nacio-
ções de Roosevelt e Schumpeter. De acordo com as nal como cidadão autêntico e atuante que é. É um
mesmas Theodore Roosevelt, em 1912, declarou a Brasileiro que defende sempre o Brasil pensando em
respeito dos novos ricos que “algum grau de carida- fazê-lo crescer na direção de condições mais iguali-
de no gasto dessas fortunas não compensaria o tipo tárias para toda a sua população.
de condutas que permitiu adquiri-las.” E de Joseph Temos que ter sempre diante de nós o que este
Schumpeter: cientista tem para si e repetido em várias oportuni-
dades uma vez que é uma grande verdade:
O homem cujo espírito está todo absorvido na
luta pelo sucesso dos negócios tem, como regra ninguém escolhe o lugar geográfico para nascer,
geral, muito pouca energia para consagrar-se se- nem o ventre para nascer, nem a condição socio-
riamente a qualquer atividade. econômica do pai e da mãe, nem as condições
socioculturais da família, nasce onde o acaso
Para ele, um pouco de filantropia e um pouco determina.
de “colecionismo” fazem geralmente parte do negó-
cio. Dupas(2006) arremata:

A mais recente face da filantropia, na sua versão


soft de “responsabilidade social das empresas”, Referências bibliográficas
se transformou numa espécie de “marketing AB’SÁBER, A. N. 1948. Zona Norte. A denominação clássica do Alto
defensivo-ofensivo” que tenta preencher o vácuo Médio vale do Paraíba em São Paulo. Paulistânia, set., p. 42-44. São
Paulo.
das políticas públicas e a incompetência dos go- AB’SÁBER, A. N. 1949. Algumas observações geológicas e geomorfológi-
vernos, que empurram para o âmbito privado a cas. I. Sedimentos aluviais antigos em terraços fluviais do rio Jaguari,
solução das desigualdades. município de Santa Isabel; II. Seções de peneplano conservadas nos
arredores de São Paulo. Boletim Paulista de Geografia, nº 3, out., p. 84-
85. São Paulo.
E, acrescenta: AB’SÁBER, A. N. 1950. Contribuição ao estudo do Sudoeste Goiano, em
colaboração com Miguel Costa Júnior. Boletim Paulista de Geografia, nº
4, mar., p. 3-26. São Paulo.
Assim grandes empresas poluidoras têm contra- AB’SÁBER, A. N. 1951a.Paisagens rurais do Sudoeste Goiano, entre
tado consultorias especializadas para maquiá-las Itumbiara e Jataí, em colaboração com Miguel Costa Júnior. Boletim
aos olhos do consumidor como “empresas ver- Paulista de Geografia, nº 7, mar., p. 38-63. São Paulo.
AB’SÁBER, A. N. 1951b. Paisagens e problemas rurais da região de Santa
des” porque os consumidores estão inquietos e Isabel. Boletim Paulista de Geografia, nº 10, mar., p. 45-70. São Paulo.
muito sensíveis às questões sociais e ambientais, AB’SÁBER, A. N. 1951-52. Notas sobre o povoamento e a geografia ur-
bana do Sudoeste de Goiás. Anuário da Faculdade de Filosofia “Sedes Sa-
tendendo a criar maior lealdade a marcas que pientiae” da Universidade Católica de São Paulo. p. 97-110. São Paulo.
anunciam serem responsáveis por ações sociais, AB’SÁBER, A. N. 1952-53. Os terraços fluviais da região de São Paulo.
não importa quão verdadeiras e consistentes es- Anuário da Faculdade de Filosofia “Sedes Sapientiae” da Universidade Ca-
tólica de São Paulo. p. 86-104. São Paulo.
sas ações sejam. AB’SÁBER, A. N. 1952a. Na região de Manaus. Fotografias e comentários.
Boletim Paulista de Geografia nº 14, jul., p. 55-66. São Paulo.
Essas empresas, portanto, deveriam ser au- AB’SÁBER, A. N. 1952b. A cidade de Manaus: primeiros estudos. Boletim
Paulista de Geografia, nº 15, out., p. 18-45. São Paulo.
tuadas por propaganda enganosa. AB’SÁBER, A. N. 1952c. O Sudoeste Goiano, em colaboração com Miguel
Ainda com o tema águas, há que se fazer refe- Costa Júnior. Anais da Associação dos Geógrafos Brasileiros, vol. III, tomo
I - 1950-1951, p. 1433. São Paulo.
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uma vez que é uma aula em cada página. Sua sele- chiana típica do Estado de São Paulo. Anuário da Faculdade de Filosofia
ção de imagens e fotos mostra a variedade e riqueza “Sedes Sapientiae” da Universidade Católica de São Paulo, p. 111-138. São
Paulo.
do Brasil e as interrelações entre água, vida, sedi- AB’SÁBER, A. N. 1954a. Vallée du Paraíba, Serra da Mantiqueira et région
mentação, ocupação humana em variados sítios, as de São Paulo. Trabalho em colaboração com Nilo Bernardes. U.G.I.,

88
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
6
Com. Nacional do Brasil, vertido para o francês por Francis e Annete Paulo. São Paulo.
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90
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
6
Geomorfologia de uma linha de
quedas apalachiana típica do
Estado de São Paulo

Aziz Nacib Ab’Sáber

Introdução

A zona de transição entre o relevo medianamente


acidentado dos velhos maciços proterozoicos e as áreas de
1953. Geomorfologia de uma linha de relevo tabuliforme suavizado das formações carboníferas
quedas apalachiana típica do Estado ou permocarboníferas do Estado de São Paulo tem mere-
de São Paulo. Anuário da Faculdade cido estudos e referências preciosas, tanto sob o ponto de
de Filosofia Sedes Sapientiae da vista estritamente geológico, como sob o prisma da geo-
Universidade Católica de São Paulo,
morfologia.
p. 111-138. São Paulo.
Aos geólogos interessou sempre, como problema
fundamental, o conhecimento mais ou menos detalhado da
geologia das diversas formações ali expostas; acumularam-
se, desta forma, alguns dados sobre as condições geológicas
dos sedimentos paleozoicos glaciais e subglaciais da re-
gião de Sorocaba, Ipanema. Itu, Salto e Campinas, assim
como uma série de informações esparsas sobre a estrutura
e a litologia da série São Roque, com seus feixes de xistos,
quartzitos e calcários, associados a stocks de rochas intru-
sivas graníticas. Os pesquisadores melhor avisados, em seu
campo de estudos, foram além, em suas perquirições cien-
tíficas, interessando-se pelo conhecimento dos detalhes da
superfície de contato entre o embasamento pré-devoniano
com as formações permocarboníferas basais do erronea-
mente chamado Sistema Santa Catarina. Passamos, assim.
a saber alguma coisa sobre o relevo pré-glacial no Estado
de São Paulo e a termos base para compará-lo com outras
áreas do sul do Brasil.
Foram, porém, indiscutivelmente, as rápidas e cri-
teriosas pesquisas de Emmanuel De Martonne no Brasil
que vieram abrir novos horizontes à observação geográ-
fica regional. Devemos ao eminente geógrafo francês, além
da primeira análise geomorfológica sobre as superfícies
de erosão inscritas nos maciços antigos do Brasil Tropical
Atlântico, a primeira referência sobre o processo de exu-

91
mação parcial da superfície pré-glacial no Estado de de contato de maciços antigos rejuvenescidos com
São Paulo, assim como sua identificação no terreno formações sedimentares da periferia de uma bacia
(Ab’Sáber, 1948, pp. 222-223). sedimentar gondwânica. Identificando uma fall line
No decorrer de algumas pesquisas por nós efe- típica, em São Paulo, esperamos abrir terreno para
tuadas na região, a partir de 1948, tivemos a felicidade outras pesquisas, nos mais diversos recantos do ter-
de nos deparar com mais um autêntico problema geo- ritório brasileiro, onde tais condições hidrográficas e
morfológico regional, a nosso ver de grande interesse estruturais venham a se repetir.
científico e econômico. Referimo-nos à existência de
uma fall line típica, das mais evidentes e esquemáticas Os agrupamentos de cachoeiras e linhas de quedas
encontradas no território brasileiro, situada exatamente no Estado de São Paulo
na área de contato geológico entre os maciços antigos
pré-devonianos e as formações sedimentares carbo- Na base de um critério exclusivamente geomor-
níferas paulistas. Os rios afluentes e subafluentes do fológico é possível reconhecer-se no Estado de São
Paraná, ao transpor o dorso de estrutura complexa Paulo um determinado número de agrupamentos de
dos velhos maciços rejuvenescidos e semiapala- quedas e acidentes locais similares nos perfis longi-
chianos da Série São Roque e entrar em contato com tudinais dos rios paulistas.
as formações sedimentares sub-horizontais da Bacia As escarpas de falhas das serras do Mar e da
do Paraná, executaram incisões epigênicas locais, as Mantiqueira, por exemplo, asilam um grande nú-
mais díferes, ocasionando a formação de diversas mero de pequenos cursos de água, jovens e subpa-
quedas e corredeiras no ponto de passagem entre os ralelos, que representam um estágio relativamente
dois domínios estruturais e litológicos. Repete-se, na recente no processo de dissecação daqueles excepcio-
área central do Estado de São Paulo, alguma coisa nais acidentes tectônicos do relevo do Brasil Sudeste.
de semelhante ao que se observa na região dos Apa- As falhas e as reativações tectônicas pós-cretácicas
laches, na transição entre os terrenos dobrados apa- foram fatores importantes para a aceleração do tra-
lachianos e as formações sedimentares ligeiramente balho de entalhamento fluvial nos blocos soerguidos
monoclinais da planície costeira atlântica soerguida. e para o estabelecimento de drenagens pós-cedentes,
O objetivo principal das presentes notas geo- em estágio inicial, nos fronts principais das escarpas
morfológicas é expor aos estudiosos do país algumas de falhas. A juventude relativa das escarpas de falhas
das relações entre a drenagem e a estrutura, em áreas regionais não possibilitou ainda uma concentração e

Figura 1. Situação geográfica da fall line apalachiana no Estado de São Paulo. Nos mapas de pequena escala, a linha
de quedas confunde-se com a própria linha de limites entre os terrenos criptozoicos e os fanerozoicos.

92
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
6

periférica e do planalto ocidental, os fatos se passam


de modo extraordinariamente diverso. Nenhuma
das formações sedimentares páleo ou mesozoicas
regionais dispostas em conformação monoclinal foi
capaz de criar embaraços sérios aos grandes cursos
de água consequentes que, nascendo nos maciços an-
tigos de leste, demandam o interior da bacia sedi-
mentar do Rio Paraná. Pelo contrário, foram apenas
os eventuais afloramentos de basaltos e diabásios dos
derrames e dos sills triássicos, existentes de permeio
com as estruturas páleo e mesozoicas da bacia sedi-
mentar paranaense, que vieram a constituir fatores
para a criação de importantes acidentes locais. de
caráter marcadamente epigênicos, nos mais variados
Foto 1. Paredões rochosos do vão principal do Salto de pontos dos perfis longitudinais dos rios. Daí, tanto
Itu. Trata-se de uma ruptura brusca no assoalho rocho- no interior da depressão periférica como nos mais
so do Rio Tietê esculpida pela associação da erosão de variados recantos do planalto ocidental paulista, a
choque da queda de água, a erosão turbilhonar e a ero- existência de grandes quedas e ligeiros trechos de
são regressiva. Note-se a trama das diaclases verticais e canyons, situados em pontos onde os rios de planalto,
horizontais que fragmentam as massas de alaskito do em franco processo de encaixamento, encontraram
salto e que influem ativamente no modelado das saliên- soleiras rochosas amplas e resistentes. Arestas de sills
cias menores dos paredões rochosos. O Salto de Itu é o diabásicos ou massas espessas de derrames basálticos
nível de base local que interessa a todo o trecho apala- constituíram estruturas resistentes ao entalhamento
chiano do Alto Tietê. Foto: Ignácio Takeda, 1950. vertical e cunhas rochosas ligeiramente discordantes
em face do conjunto das estruturas sedimentares re-
gionais.
Lembramos de passagem que, enquanto nos
hierarquização dessa drenagem nova, suficiente para rebordos continentais da Serra do Mar ou nos espo-
interferir no traçado da drenagem antecedente, que rões ocidentais da Mantiqueira, os rios paulistas cons-
se encontra nas terras altas do reverso continental tituem cursos medíocres pelo seu volume de água, no
dos blocos falhados. Sucessivas torrentes, cascatas interior do Estado eles se apresentam como grandes
e riachos de correnteza rápida, aí existem, consti- cursos, perfeitamente hierarquizados, os quais, além
tuindo um verdadeiro alinhamento de pequenos rios de um poderio de entalhamento grande, encontram
encachoeirados. Não há porém, na região, nada que diferenças extraordinárias nas diversas formações
lembre uma típica fall line. geológicas que seccionam. Disso decorre a existência
Nas regiões serranas do alto Paraíba, os traços de um número apreciável de grandes quedas que, pa-
de maturidade do planalto cristalino estão sempre radoxalmente, podem ser tanto maiores quanto mais
presentes nas formas do relevo, como nos perfis lon- internas e em cotas menos altas do perfil longitudinal
gitudinais dos rios e transversais dos vales. Não são dos rios estiverem situadas. No planalto ocidental
raras pequenas quedas, cachoeiras e corredeiras, li- paulista, não há, porém, uma linha de quedas típica,
gadas principalmente às variações locais da litologia mas tão somente grandes quedas nas regiões em que
e à complexidade litológico-estrutural do conjunto o entalhamento hidrográfico se fez atuar em pontos
de rochas granítico-gnáissicas regionais. O encaixa- onde, abaixo das estruturas sedimentares superiores
mento epicíclico dos rios contribui para multiplicar da bacia, existiam massas de eruptivas diabásicas ou
os traçados em baioneta e, consequentemente, mul- efusivas basálticas, de resistência muitas vezes supe-
tiplicar os acidentes no perfil longitudinal dos rios rior a qualquer das rochas sedimentares da grande
serranos, conforme ponderação judiciosa de Francis bacia. Tais soleiras de rochas resistentes estiveram por
Ruellan*. muito tempo ocultas, devido aos depósitos cretácicos
Por outro lado, as faixas de passagem dos rios que capearam extensivamente a bacia paranaense no
pelas áreas de transição dos altos níveis de erosão do Estado de São Paulo. O soerguimento pós-cretácico
Planalto Atlântico são marcadas aí pela existência de da grande bacia redundou numa superimposição
alinhamentos muito irregulares de cachoeiras e cor- hidrográfica generalizada, feita à custa de diversos
redeiras. Não se pode falar porém, ainda nesse caso, cursos consequentes, os quais entalharam profun-
na existência de legítimas fall lines. damente os arenitos mesozoicos, encontrando resis-
Na província geológica sedimentar do Estado tência apenas na ossatura basáltica do edifício geoló-
de São Paulo, constituída pelas terras da depressão gico regional. Sob o ponto de vista geomorfológico,
as quedas existentes em pontos isolados da depressão
*  Observações verbais.

93
contato entre os terrenos cristalinos pré-devonianos
e os terrenos sedimentares já aludidos. Essa área de
acidentes hidrográficos agrupa-se em uma linha que
afeta a todos os rios que saem das terras altas pré-
devonianas e demandam o interior da Bacia do Pa-
raná. Trata-se de uma linha de quedas que coincide
exatamente com os limites entre as duas províncias
geológicas fundamentais do Estado de São Paulo: a
região criptozoica e a região fanerozoica.
A nosso ver, é essa a única área geomórfica
paulista passível de ser considerada como uma fall
line apalachiana típica, a qual repete em linhas ge-
rais os mesmos problemas geomorfológicos e hidro-
Foto 2. Paredões do canyon de Salto de ltu - Grandes gráficos peculiares à costa atlântica da América do
blocos graníticos resultantes do encaixamento local do Norte. Lembramos que, em se considerando o Brasil
Tietê, na região do Salto. Trata-se da área que, após ter Meridional em conjunto, é exatamente em São Paulo
sido entalhada pelas quedas em recuo, foi remanuseada e no Paraná que existe uma fall line típica. Pode-se
pela erosão pluvial e pelo intemperismo químico, per- dizer mesmo que, no caso, trata-se de uma feição
dendo a maior parte dos sinais da erosão turbilhonada geomorfológica peculiar à seção nordeste da peri-
e do polimento fluvial anteriores. À esquerda da foto- feria da bacia sedimentar do Rio Paraná, já que é so-
grafia, ainda se veem os traços da ação direta do tomba- mente aí que os terrenos pré-devonianos continuam
mento e passagem das águas. Os grandes blocos parale- a conservar alguma coisa do seu antigo papel de old
lepipédicos que formam a maior extensão dos paredões land da velha sinclinal páleo e mesozoica regional.
do canyon foram oriundos do alargamento progressivo
da rede de diaclases verticais e horizontais que frag- O contato entre os maciços antigos e as formações sedi-
mentam os alaskitos regionais. Foto: Ab'Sáber, 1950. mentares da Bacia do Paraná, no Estado de São Paulo

periférica paulista e no planalto ocidental de nosso É através de um contato geológico com forte
Estado pertencem àquela província de cachoeiras e discordância angular e de transição topográfica e
diabásios do Brasil Meridional, cuja enorme área de morfológica bastante acentuada, que, no Estado de
extensão abrange toda a área da bacia sedimentar do São Paulo, têm limites as áreas pré-devonianas em
Rio Paraná, desde o Sudoeste Goiano e o Triângulo face da cobertura sedimentar paleozoica da Bacia
Mineiro até o Rio Grande do Sul. do Paraná. O limite entre as duas províncias geo-
Mas, no Estado de São Paulo, há um terceiro lógicas fundamentais do Estado se faz ao longo de
grupo de cachoeiras e corredeiras, exatamente aquele uma linha de contato, em forma de crescente, que
que no momento é de nosso particular interesse sa- atravessa a porção central do território paulista desde
lientar e estudar. Queremos nos referir às quedas, pe- o leste-sudoeste de Minas Gerais até a região de Ita-
quenas cachoeiras e faixas de corredeiras da zona de raré, na fronteira de São Paulo com o Paraná. Aí,

Figura 2. Zona de contato entre as províncias eriptozoica e fanerozoica, entre Itu e Salto; bloco-diagrama esquemático
construído com o auxílio de uma secção geológica de Josué Camargo Mendes (1944).

94
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
6

de um lado, para o oriente, estende-se uma faixa


de terrenos proterozoicos intensamente dobrados e
erodidos, enquanto, para o ocidente, têm início as
primeiras séries sedimentares paleozoicas detríticas
sub-horizontais. que se inclinam ligeira e discreta-
mente para WNW.
Enquanto os xistos, quartzitos, filitos e cal-
cários da Série São Roque, em todos os pontos,
possuem mergulhos que não raro atingem 70, 80 e
mesmo 90°, as formações basais carboníferas em São
Paulo mergulham para W e WNW, segundo incli-
nação extremamente modesta que, grosso modo, gira
em torno de 2 e 4°. Por outro lado, as velhas estru-
turas pré-devonianas da região são complexas e, fre-
quentemente, associam pacotes de xistos dobrados e Foto 4. Paisagem do assoalho rochoso do reverso do
erodidos e stocks de rochas graníticas, fatos que mul- Salto de Itu, vendo‑se o conjunto das marmitas arre-
tiplicam os aspectos locais dos contatos geológicos e bentadas e do assoalho polido pela erosão fluvial tor-
dos tipos de transição do relevo. rencial. Note-se os inúmeros sulcos abertos a partir de
Foram as particularidades estruturais dos diaclases, as arestas ásperas de paredes de antigas mar-
dobramentos huronianos (?) no território paulista, mitas e os blocos alóctonos arrastados pela correnteza
aliadas à duração extremamente longa dos processos até as proximidades do vão principal do salto. A fotogra-
erosivos pós-proterozoicos, que se fizeram atuar fia foi apanhada durante o período em que a barragem
naquele conjunto de estruturas antigas, que redun- existente a montante do salto estava fechada,deixando
daram em uma grande complexidade litoestrutural o assoalho rochoso completamente à mostra. Foto:
para com os remanescentes daquelas formações. Em- Ab’Sáber, 1950.
bora elas estejam profundamente encravadas nas for-
mações arqueozoicas brasileiras são, de modo geral,
muito mais heterogêneas do que aquelas, possuindo A transição entre as duas zonas geomórficas
constantes tendências para um rejuvenescimento di- é, na maioria dos casos, brusca e radical, tanto no
ferencial, em réplica a qualquer esforço epirogênico que concerne às grandes linhas da topografia, quanto
ponderável. principalmente no que se refere às formas de detalhe
Ao contrário, as formações sedimentares pe- do relevo.
riféricas da Bacia do Paraná, a despeito das grandes Transpostos os últimos pequenos maciços
variedades faciológicas que possuem, apresentam cristalinos rejuvenescidos relativamente maduros da
uma relativa homogeneidade quanto ao seu com- Série São Roque (750-1.100 m), penetra-se numa
portamento frente aos processos erosivos regionais. área de horizontes muito abertos e de formas topo-
Opõe-se, portanto, frente ao bloco rígido e hetero- gráficas muito mais aplainadas (550-650 m). Rapi-
gêneo das formações proterozoicas rejuvenescidas, damente o relevo começa a perder a movimentação
uma vasta área de rochas sedimentares paleozoicas anterior, e o que se vai desdobrando ante os olhos
de topografia colinosa e tabuliforme. do observador são extensas colinas de dorso tabular
e vertentes suavizadas, sulcadas por vales relativa-
mente largos. É de se notar, apenas, que, em alguns
pontos, os terrenos cristalinos contíguos à faixa sedi-
mentar, apresentam-se esbatidos e postados ao nível
dos terrenos sedimentares.Trata-se de colinas gnáis-
sicas ou xistosas e outeiros graníticos coalhados de
matacões, formas menores do relevo esculpidas no
assoalho pré‑glacial, as quais representam “restos da
superfície de erosão fossilizada” pelas estruturas car-
boníferas ou permocarboníferas paulistas, segundo
a identificação hábil de Emmanuel De Martonne
(1944). Estudos geológicos e geomorfológicos mais
recentes, por seu turno, têm deixado margem à sus-
peição das falhas (Theodoro Knecht, 1946; Elina de
Foto 3. Efeitos da erosão turbilhonar e do polimento O. Santos, 1952; e John L. Rich, 1953) em alguns
fluvial torrencial num dos canais secundários do reverso pontos da faixa de contato entre as duas províncias
do Salto de Itu. Foto: Ab’Sáber, 1950. geológicas paulistas.

95
Foto 5. Marmitas esculpidas no assoalho rochoso, no Foto 6. O canyon do Tietê esculpido no maciço graníti-
reverso do Salto de Itu - Efeitos da erosão turbilhonar co da Serra de Itaguá - Retrata a fotografia o acidente,
no granito róseo (alaskito) da região de Salto. As mar- a que o Professor Antonio Rocha Penteado chamou
mitas lorais possuem de 30 a 60 cm de diâmetro, sendo de “a passagem heroica do Tietê”. Trata-se da porção
que algumas foram modeladas a partir de finas linhas mais encachoeirada e acidentada do trecho apalachiano
de diaclases, posteriormente alargadas. Foto: Ab’Sáber, do Tietê - área onde a fall line paulista ganha foros
1950. de fall zone. Esta fotografia foi extraída do trabalho de
Antonio Rocha Penteado “Paisagens do Tietê”, cujos
As observações regionais da topografia pré- comentários são de indispensável leitura (Boletim Pau-
glacial em São Paulo nos permitem constatar que, lista de Geografia, n° 6, outubro de 1950). Foto: Paulo
para o conjunto do território, não há grandes irre- Florençano, 1949.
gularidades altimétricas no embasamento que asila a
cobertura sedimentar carbonífera ou permocarboní- que se refere à gênese e à evolução das linhas de quedas
fera. Ao longo da linha de contato geológico, por mais estabelecidas na fronteira entre maciços antigos e es-
de 400 km de extensão, os acidentes da topografia truturas sedimentares não dobradas.
pré-glacial nunca vão além de 40 ou 60 m em relação No Brasil dominam os casos de contatos geo-
à amplitude altimétrica absoluta. Entretanto, se é lógicos com fortes discordâncias angulares, as quais
que a topografia em conjunto é pouco acidentada, no separam fortemente as estruturas criptozoicas das
detalhe apresenta um relevo multiforme e bastante estruturas páleo e mesozoicas. As bacias sedimen-
movimentado, fato que vem criar sérios embaraços tares brasileiras, não dobradas ou apenas sujeitas a
para o trabalho dos rios, constituindo um dos fatores dobras epidérmicas, encontram-se alojadas discor-
genéticos mais importantes para a existência de uma dantemente em sinclinais ou abaulamentos mode-
fall line típica na região. Os rios paulistas, ao saírem rados do dorso dos escudos fundamentais arqueo-
das formações xistosas, graníticas ou gnáissicas, e proterozoicos. Disso resulta que porções arqueadas
galgarem consequentemente as formações sedimen- proeminentes dos grandes núcleos dos escudos, após
tares carboníferas da depressão periférica paulista, terem funcionado como old lands fornecedoras de
executam incisões epigênicas bem marcadas, conse- sedimentos, restam na sua antiga posição paleogeo-
guindo aprofundar-se até o embasamento resistente gráfica, asilando agora, apenas, as cabeceiras das dre-
e, aí, conformar cachoeiras e corredeiras, em pontos nagens, de certa forma radiais, que demandam sub-
preferenciais do relevo e das estruturas pré-glaciais. sequente ou periclinalmente as bacias sedimentares.
Estudando recentemente a geomorfologia O caso paulista enquadra-se perfeitamente nesse es-
geral dos tipos de rebordos de maciços antigos, Jean quema mais geral e apresenta, no detalhe, uma série
Tricart fez notar que “os rebordos de maciços antigos de arranjamentos regionais particulares de formas de
constituem um arranjamento regional particular de relevo, atendendo principalmente às variedades de
formas de relevo”*. Na base das principais observações aspectos litoestruturais dos maciços antigos.
daquele operoso geomorfologista francês, dever-se-ia Relembramos, de passagem, que somente no
entender por rebordo de maciço antigo, “uma região Estado de São Paulo - nos contatos entre as for-
onde terrenos de antiga área dobrada entram em con- mações sedimentares paleozoicas da Bacia do Pa-
tato com uma cobertura sedimentar discordante”. Tal raná com os maciços pré-devonianos do Planalto
conceito, como veremos, interessa particularmente no Atlântico - parecem existir exemplos e combina-
ções regionais de quase todos os tipos de rebordos
*  Jean Tricart. “Cours de Géomorphologie” — “Géomorphologie de maciços antigos estabelecidos por Tricart. Senão,
Structural”, fasc. II — Les types de bordures de massifs anciens, Ed. mimeo- vejamos. Aquele autor, apoiado em uma análise bas-
grafada do Centre de Documentation Universitaire, Tournier & Constans, tante completa de numerosos casos regionais, esta-
Paris, s/ data.

96
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
6

metamórficas dobradas da Série São Roque, espe-


cialmente quando filitos, micaxistos e calcários coe-
xistem com lentes pequenas ou médias de quartzitos
e xistos resistentes ou bossas proeminentes de gra-
nitos. Em nenhum ponto existem casos de maciços
antigos em contato com porções dobradas das es-
truturas sedimentares da Bacia do Paraná, as quais,
além de minúsculas deformações epidérmicas. apre-
sentam-se constantemente em disposição discreta-
mente monoclinal.
Cada modalidade de rebordo regional ou sub-
regional dos maciços antigos paulistas, em face da pe-
Foto 7. Curiosos aspectos da ação turbilhonar e do riferia da bacia sedimentar, criou complicações hidro-
polimento fluvial no reverso do Salto de Itu. Trata-se gráficas, multiplicando ou restringindo os acidentes
de antigas marmitas e paredes de marmitas destruídas do curso dos rios; mas, em conjunto, responderam
irregularmente e transformadas em labirintos rochosos. sempre pela existência de uma fall line típica. Cons-
Foto: Ab’Sáber, 1950. tatamos que, em alguns casos, os tipos de rebordos
regionais ampliaram os acidentes da fall line, trans-
beleceu seis tipos fundamentais de rebordos de ma- formando-a em uma verdadeira fall zone: nesse caso,
ciços antigos, a saber: ao invés de uma linha de quedas em forma de arco de
1. contatos por planos inclinados; círculo, passamos a ter uma zona de quedas, na forma
2. contatos por depressões periféricas generali- de um crescente, de dorso externo irregular.
zadas;
3. contatos por depressões marginais localizadas; A fall line típica do Estado de São Paulo e suas
4. contatos por rebordos falhados; principais características
5. contados acompanhados por formas de erosão
diferenciais no maciço antigo; Ao longo de toda a faixa de contato entre os
6. contatos de maciços antigos incorporados aos maciços pré-devonianos e os terrenos carboníferos
terrenos dobrados. e permocarboníferos, os rios paulistas provindos das
terras altas situadas a leste, sudeste e sul dos limites
Com exceção do último desses casos, ou seja, geológicos possuem acidentes os mais diversos em
o caso de maciços antigos incorporados aos terrenos seus leitos. Desde simples corredeiras e vales encai-
dobrados, é possível reconhecer-se no território pau- xados, de águas torrenciais, até saltos e quedas de
lista - no contato entre a província criptozoica e a fa- águas de certo potencial podem ser observadas, aqui
nerozoica - exemplos locais de quase todos os outros e acolá, na zona de contato entre as duas províncias
cinco tipos fundamentais propostos por Jean Tricart. geológicas essenciais do Estado.
Na região de São Miguel Arcanjo para os A hidrografia que sai das terras mais ele-
campos de Itapetininga, como entre Itatiba e Mogi- vadas é nitidamente periclinal e generalizadamente
Mirim e entre Jundiaí e Campinas, existem alguns consequente, ainda que se trate de uma calota limitada
exemplos de contato em plano inclinado. Por seu da bacia sedimentar do Rio Paraná. Possuindo suas
turno, o conjunto do relevo do 2° patamar do pla- cabeceiras nos contrafortes orientais da Mantiqueira
nalto paulista funciona como vasta área de desnu- (1.500-1.800 m), e no reverso continental da Serra do
dação periférica generalizada, constituindo geomor- Mar e da Paranapiacaba (750-1.100 m), os pequenos
fologicamente uma espécie de gigantesca depressão rios, formadores dos grandes afluentes subsequentes
periférica. Há, por outro lado, exemplos de contatos da margem esquerda do Rio Paraná, rompem normal-
por depressões marginais localizadas e mais perfeitas, mente o arco de círculo da linha geral de limites geo-
constituídas por trechos de vales parcialmente lógicos, sendo obrigados a trabalhar de modo especial
subsequentes, como é o caso do Jundiaí antes de sua na zona de contato geológico, devido aos seguintes
confluência com o Tietê, e o Sorocaba a jusante da fatores:
Cachoeira de Votorantim. Não são raras também 1. forte discordância angular generalizada
evidências de rebordos falhados, situados na área existente entre os maciços antigos e a cober-
geral de contato entre as duas províncias geológicas, tura sedimentar sub-horizontal gondwânica;
como acontece na Serra de São Francisco (Theodoro 2. as importantes irregularidades de detalhe
Knecht, 1946; Elina O. Santos, 1952). Por fim, os peculiares ao assoalho pré-glacial no Estado
contatos acompanhados por formas de erosão dife- de São Paulo (superfície pré-carbonífera);
renciais nos maciços antigos são muito frequentes 3. orientação diversa das linhas gerais de relevo
mormente nas áreas de predomínio das estruturas antigo do embasamento em face do mergulho

97
homonêneo e moderadíssimo da cobertura se- pais ou a base de certas corredeiras funcionam como
dimentar paleozoica. níveis de base locais para todo o sistema de acidentes
situados a montante de cada um dos cursos interes-
O assoalho pré-glacial mergulha para W e sados. O Rio Tietê, como o seu afluente Sorocaba,
WNW, através de uma inclinação geral maior do ilustra bem esses fatos todos.
que a dos estratos carboníferos ou permocarboní- O Tietê participa da fall line principal, à altura
feros; entretanto, devido às suas irregularidades lo- da cidade de Salto, onde forma uma queda razoável,
cais, oferece inúmeros campos de resistência para o ao transpor massas de alaskito róseo do assoalho
entalhamento vertical fluvial, dificultando a erosão pré-glacial. A montante de Salto, porém, ao transpor
regressiva e criando níveis de base locais, represen- outros stocks de rochas graníticas, injetadas na Série
tados por quedas ou trechos encachoeirados. Tal São Roque, forma cachoeiras e pequenos saltos, nos
fato é particularmente notável nos pontos em que os pontos onde as barras de rochas duras foram seccio-
maiores rios vencem a fronteira entre os dois domí- nadas epigenicamente pela sua correnteza.
nios hidrográficos, sendo de se especificar os casos ldenticamente, o Rio Sorocaba possui sua
do Tietê, do Sorocaba, do Jundiaí e do Jaguari. frente atual de trabalho dentro dos quadros da fall
Os rios consequentes da margem esquerda do line regional, em Votorantim, em uma área onde sua
Paraná, desde longa data, vencem o limite geológico, correnteza transpõe normalmente um feixe de xistos
outrora situado um tanto mais para o oriente, por resistentes. A montante dessa área encachoeirada,
meio de processos epigênicos que remontam aos porém, sucedem-se diversas secções do rio, onde se
fins do Mesozoico, ou, pelo menos, aos inícios do repetem os acidentes, desde simples passagens aper-
Cenozoico. Essa superimposição contínua, acompa- tadas de tipo apalachiano, esculpidas na forma de
nhada de desnudação marginal generalizada - feita gaps em xistos resistentes ou calcários silicosos, até
menos pelos rios subsequentes que pelos diversos canyons profundamente incisos em escarpas de falhas
complexos erosivos globais que ali se sucederam de- graníticas restauradas.
pois do Cretáceo - possibilitou a escultura de inú- No caso de Sorocaba, os rápidos e quedas da
meras passagens epigênicas e o estabelecimento de região deixam de participar da fall line geral do Es-
diversas quedas e corredeiras, à medida que os rios tado, para se incluir num sistema sub-regional, cor-
consequentes aprofundaram seu leito e encontraram respondente a uma fall zone. Tal ampliação se deve às
resistências variadas à sua força mecânica de enta- modalidades de rebordos dos maciços antigos regio-
lhamento vertical. nais, onde se conjugam dois dos tipos fundamentais
Dessa forma, tem-se que a fall line principal especificados por Tricart, ou sejam, o caso de contato
atua mais próxima do contato atual, estendendo-se, por rebordos falhados (Serra de São Francisco) e
porém, bem mais para montante, através de uma contato acompanhado por formas de erosão diferen-
faixa variável de acidentes herdados do caminha- ciais no maciço antigo (zona pré-Serra de São Fran-
mento progressivo e irregular da fall zone, de leste cisco). Para melhor compreensão da geomorfologia
para oeste. Paradoxalmente, antes mesmo que a dessa região, recomendamos a leitura do trabalho de
erosão regressiva se complete, o entalhamento dos Elina de Oliveira Santos (1952).
rios na zona de contato geológico determina o apare- Os rios menores, ao transpor o contato geoló-
cimento a jusante de novos acidentes insuspeitados, gico, podem ter duas atitudes predominantes:
de caráter epigênico. É de notar que os saltos princi- 1. adaptar-se a uma direção subsequente por
trechos pequenos do seu curso, nunca supe-
riores a 3 ou 4 km;
2. transpor epigenicamente, sem maiores obs-
táculos, o limite geológico, através de vales
afunilados, os quais por alguns quilômetros
continuam a apresentar, nos talvegues e por-
ções inferiores do vale, afloramentos de ter-
renos cristalinos. Dessa forma, por meio de
percées consequentes muito discretos ou por
Foto 8. Relevos apalachianos típicos na área pré-Serra intermédio de trechos subsequentes limitados,
de São Francisco. Trata-se de cristas apalachianas sec- todos eles ganham periclinalmente o interior
cionadas por gargantas epirogênicas (gaps). As estrutu- da bacia, participando das redes hierarquizadas
ras dominantes nessa área que antecede a escarpa de dos grandes afluentes paulistas subparalelos da
linha de falha da Serra de São Francisco são filitos e vertente esquerda do Paraná.
calcários silicosos, orientados segundo o rumo NE-SW
(direção brasileira de Francis Ruellan). Foto: Ab’Sáber, À saída dos velhos sistemas de relevos
1951. apalachianos paulistas, no contato geológico discor-

98
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
6

Emmanuel De Martonne se referiu à Série São


Roque em São Paulo como uma unidade geomórfica
a que denominou “relevo apalachiano do interior”.
A identificação de uma fall line típica na zona de
limite entre a Série São Roque e suas intrusivas, em
face da bacia sedimentar do interior, amplia inespe-
radamente o número de elementos de comparações
entre as duas regiões. Sabemos bem das grandes dife-
renças que separam as duas áreas geomórficas, tanto
no que se refere aos elementos estruturais, quanto às
feições morfoclimáticas, e ainda quanto à situação
geográfica, mas é absolutamente inegável que elas
Foto 9. O canyon do Rio Sorocaba na Serra de São apresentam analogias surpreendentes até mesmo
Fransisco, réplica da garganta do Tietê na Serra de Ita- em setores inesperados. Pelo menos, em relação à
guá. Em ambos os maciços o topo aplainado das serras, zona de contato entre os maciços pré-devonianos
a partir do qual os rios se encaixaram, encontra-se a paulistas com as estruturas sedimentares gondwâ-
925-950 m. Talvez seja esse o verdadeiro nível do pe- nicas regionais, pode-se falar em quadros de relevos
neplano que precedeu o encaixamento generalizado apalachianos, sem perigo de generalizações forçadas.
pós-eocênico do Alto Tietê o seus afluentes. Foto: Ao contrário, as atividades dos rios que participam
Ab'Sáber, 1949. da fall zone regional deixam de entrever exatamente
uma das fases da construção do sistema de vales apa-
lachianos, através do trabalho dos rios consequentes
dante entre os dois domínios litoestruturais, repete- epigênicos típicos.
se aquilo que foi estudado e descrito, pela primeira
vez, na região sublitorânea pré-apalachiana dos EE. As relações entre o homem e a fall line apalachiana
UU. Para melhor completar os traços de similaridade, paulista
lembramos que não faltam aqui também as mesmas
feições estruturais e geomórficas lá observadas; aqui Inúmeras foram as consequências da existência
a fall line situa-se numa zona de relevo apalachiano e de uma linha de quedas, de tal tipo e de tal posição
pré-apalachiano, antecedendo uma área sedimentar geográfica, em relação ao povoamento, à circulação
suavemente monoclinal, que funciona na posição e à vida econômica da região centro-oriental do Es-
da costal plain norte-americana, a despeito de ser tado de São Paulo.
um dos bordos de uma gigantesca bacia sedimentar Em primeiro lugar, há a citar uma
gondwânica, de história geológica longa e complexa. consequência ligada diretamente à expansão do po-
voamento no planalto paulista. Foi a fall zone apala-
chiana dos rios que seccionam a região serrana das
cristas médias (De Martonne, 1940) que entravou a
circulação fluvial entre a região de São Paulo e a cha-
mada “depressão periférica” paulista. De fato, foram
os acidentes desta zona de quedas que impediram o
estabelecimento da navegação fluvial e, o que é mais
importante, impediram a formação de uma tradição
de circulação fluvial a partir do Piratininga. Até hoje,
toda a circulação na zona serrana, que separa São
Paulo da “depressão periférica”, é feita através dos
sinuosos caminhos dos vales, saltando pelos múlti-
plos colos que seccionam os maciços xistosos rejuve-
nescidos regionais ou aproveitando-se parcialmente
de terrenos suaves e aplainados, correspondentes a
Foto 10. A usina da Ligth and Power no vale do Rio níveis de erosão intermediários. Na “depressão peri-
Sorocaba, localizada nos sopés da Serra de São Francis- férica”, por outro lado, enquanto os rios, após a fall
co - Construiu-se a barragem principal a montante do line, tornavam-se muito menos acidentados, desapa-
canyon do Sorocaba e a usina nos sopés da escarpa, a fim recia a necessidade de utilização intensiva da água
de se aproveitar melhor a ruptura de declive da escarpa para a circulação, mesmo porque o relevo regional,
da serra. A fotografia nos mostra, ainda, um dos gaps constituído por suaves colinas tabuliformes, apresen-
apalachianos mais característicos do Rio Sorocaba na tava grandes facilidades para a circulação terrestre,
região. Foto: Ab’Sáber, 1949. em qualquer direção. Acrescente-se a isso que, pouco

99
região, mais se intensificava a obtenção de energia
hidroelétrica para atividades industriais. De certa
forma, a fall line apalachiana regional compensou a
debacle do café, pelo favorecimento que prestou à
instalação de uma vida industrial de compensação,
nas cidades localizadas na linha de limites entre os
terrenos antigos e as primeiras estruturas sedimen-
tares do interior paulista.
Muito embora se tratasse de altos cursos de
água, de potencial hidráulico relativamente reduzido,
as condições favoráveis do relevo para a construção
de barragens e a posição das quedas próximas de
Foto 11. Front da escarpa de linha de falha da Serra de cidades-mercados e cidades com marcada aptidão
São Francisco, com seu caótico afloramento de mata- industrial tornaram possível a multiplicação de pe-
cões graníticos. A fotografia retrata, além disso, a linha quenas usinas geradoras.
dos tubos que conduzem a água da represa até a usina A fall zone do Rio Sorocaba apresenta um
geradora situada no sopé da escarpa. Foto: Ab’Sáber, verdadeiro sistema de pequenas e médias usinas hi-
1951. droelétricas, cujas barragens se aproveitaram sobre-
modo das condições do relevo apalachiano regional:
o canyon do Rio Sorocaba na Serra de São Francisco,
depois, na direção do oeste, surgiam os entraves os gaps apalachianos típicos da zona pré-Serra de São
das grandes cachoeiras basálticas, só vencidas pelo Francisco, e a garganta encachoeirada de Votorantim,
homem durante o heroico ciclo das monções, que limite da fall line na região de Sorocaba. Através dos
tiveram como ponto de partida Porto Feliz, situada mais engenhosos sistemas, as águas foram barradas
pouco além da fall line apalachiana paulista. a montante das cachoeiras e corredeiras e desviadas
Se deixarmos essa linha de considerações, para as usinas geradoras, por meio de canais laterais
exatamente aquela em que a fall zone apresentou-se dirigidos para o topo de paredões de forte desnível.
num papel marcadamente negativo, iremos reencon- Conseguiu-se, desta forma, obter a energia hidráulica
trar relações entre o homem e as quedas regionais, a poucas centenas de metros dos parques das usinas,
no alvorecer da era industrial em São Paulo - fins quando não, dentro da própria fábrica, como é o caso
do século XIX e inícios do século atual. Aos poucos, das grandes fábricas de tecidos de Votorantim.
as cidades que surgiram naquela tradicional região Em Salto, uma grande fábrica de tecidos foi
de contato geológico do território paulista passaram construída à borda do canyon escavado a jusante do
a se aproveitar das quedas e corredeiras situadas em salto do Tietê, tendo ficado a poucas centenas de
seus arredores, com a finalidade de obter energia hi- metros da usina hidroelétrica particular, ali cons-
dráulica para iluminação pública e movimentação truída. A localização da indústria, ali, coincide sim-
de atividades industriais. Pode-se dizer mesmo que, bolicamente com um dos pontos mais importantes
quanto mais se acentuava a decadência do café na da fall line paulista. Repete-se, na região com o Tietê,
o mesmo que se observa com o Rio Sorocaba, na área
industrial de Votorantim.
O certo é que a fall line paulista favoreceu ex-
tensivamente a industrialização regional, através das
facilidades que apresentou ao homem para a obtenção
de energia hidráulica. Pequenas e médias usinas
foram construídas em toda a fall line e em muitos
pontos da fall zone apalachiana paulista. Muitas
delas pertencem às próprias fábricas localizadas nas
proximidades das cachoeiras. Desta forma a linha de
quedas possibilitou uma proliferação de verdadeiras
usinas domésticas, da mais alta importância como
fatores geográficos da vida industrial regional.
Por outro lado, tratando-se de uma região de
Foto 12. Paisagem da zona industrial de Votorantim - velhas montanhas proterozoicas de tipo apalachiano,
Grandes fábricas de tecidos situadas ao lado da Cachoeira ricas em calcários, compreende-se a importância
de Votorantim, e, portanto exatamente no ponto prin- dessa feliz conjugação de riquezas naturais com fa-
cipal da fall line paulista na região de Sorocaba. Foto: tores de industrialização, fato bem explorado por D.
Ab’Sáber, 1951. Elina de Oliveira Santos em sua tese sobre as “Bases

100
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
6

Foto 14: Paisagem industrial de Salto - A grande fá-


Foto 13. Panorama da cidade de Salto, onde se localiza brica de tecidos da pequena cidade encontra-se num
o nível de base local de maior importância para o Alto dos bordos do canyon do Tietê a jusante do Salto de Itu.
Tietê. Foto: Ab’Sáber, 1953. Ali, como em Sorocaba, a vocação industrial da fall line
paulista é bem evidente. Foto: Ab’Sáber, 1953.
geográficas da industrialização de Sorocaba”, ainda
não publicada. Existe uma verdadeira área industrial
no interior do Estado de São Paulo, coincidindo dustriais de Jundiaí e da zona rural de Sorocaba estão
grosso modo com a fall line apalachiana, em estudo. muito aquém da fall line, incluindo-se, no entanto,
É de se notar que a indústria não surgiu nem inteiramente, dentro do campo da extensa e típica
na zona montanhosa rejuvenescida da Série São fall zone apalachiana regional. Identicamente caberia
Roque, nem nos suaves terrenos da “depressão peri- lembrar que a primeira grande usina hidroelétrica da
férica”, mas em torno dos pontos mais importantes Light, construída em Parnaíba, nos inícios do século,
da fall line, ao longo de uma estreita faixa S-N, que nasceu em plena zona de quedas do alto vale inferior
compreende Votorantim‑Sorocaba, Itu-Salto, In- do Tietê.
daiatuba e Campinas-Jundiaí. Apenas as áreas in-
A bibliografia deste artigo se encontra no DVD anexo

101
BIBLIOGRAFIA

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AZIZ AB’SÁBER E A AMAZÔNIA

Ana Maria Medeiros Furtado

Diante da responsabilidade de discorrer sobre a


produção científica do geógrafo Aziz Nacib Ab’Sáber na
Amazônia, é impossível não fazer alusão à marcante per-
sonalidade do professor - na condição de pesquisador na
área da Geomorfologia e como ambientalista dos mais res-
peitáveis - que conquistou o apreço e a simpatia de seus
ex-alunos e à figura humana invulgar, dada a humildade
que lhe é característica.
Mas para falar de Aziz e Amazônia, é imprescindí-
vel fazer um relato de sua trajetória na região, de suas idas
e vindas, por mais de meio século, conhecer seus trabalhos
amazônicos e dar o testemunho de ex-aluna que teve o pri-
vilégio de usufruir de seus ensinamentos.
Embora só tenha vindo a conhecê-lo pessoalmente
em 1965, já o conhecia através de bibliografia, pois o mes-
mo publicara, em 1953, seus dois primeiros trabalhos so-
bre Manaus: “A Cidade de Manaus” (Primeiros Estudos)
e “Na Região de Manaus” (Fotografias Comentadas). O
estudo sobre Manaus resultou da primeira viagem de Aziz
à Amazônia, acompanhando o professor Ari França e o
oceanógrafo Wladimir Besnard, em 1952.
Publicou ainda, nessa mesma década, uma “Contri-
buição à Geomorfologia do Estado do Maranhão” (1956)
e “Aptidões Agrárias do Solo Maranhense” (1958), todos
inseridos no Boletim Paulista de Geografia, com exceção do
terceiro, publicado no Boletim da Faculdade de Filosofia Se-
des Sapience da PUC. Tais trabalhos me chamaram aten-
ção, ora pela essência de sua abordagem, ora pelo exotismo
do nome do autor, que eu descobrira ao ingressar no curso
de Geografia da antiga Faculdade de Filosofia da Uni-
versidade do Pará e trabalhar como auxiliar de biblioteca
do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), cujo acervo
dispunha da maioria dos periódicos geográficos brasilei-
ros, inclusive o Boletim Paulista; também, a referência aos
trabalhos de Aziz sobre a capital amazonense, feita por
Gilberto Osório de Andrade em “Furos, Paranás, e Iga-
rapés”, (análise genética de alguns elementos do sistema

102
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
7

potamográfico amazônico), apresentado no XVIII e morfoclimática da Amazônia, constantes de todos


Congresso Internacional de Geografia (1956). os relatórios publicados pelo Projeto.
Foi somente em janeiro de 1965 que tive a Em 1974, participou do III Congresso Brasi-
grande oportunidade de conhecer pessoalmente o leiro de Geógrafos realizado em Belém, onde tam-
professor Aziz Ab’Sáber, quando, a convite do en- bém estiveram presentes nomes de destaque como
tão diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi, o Jean Tricart, Pierre Monbeig, Orlando Valverde,
entomólogo Dalcy Albuquerque de Oliveira, veio a Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, Nilo Ber-
Belém junto com dois outros pesquisadores, do Ins- nardes, Lísia Bernardes, Nice Lequoc Müller, Gerd
tituto de Zoologia da USP e do Museu Nacional do Kohlhepp, Olga Cruz, entre outros. Aziz coordenou
Rio de Janeiro, ministrar um curso de Geociências a sessão de Geomorfologia do referido Congresso e,
e História Natural. O curso congregou técnicos de ao término do mesmo, deu orientações, a pedido de
várias áreas, tais como botânicos, farmacêuticos, seu coordenador Mário Simões, aos estagiários da
agrônomos, geólogos, médicos, estudantes das refe- divisão de Arqueologia do Museu, tendo realizado
ridas áreas, pertencentes ao Museu Goeldi, à UFPA, também uma viagem pela Belém-Brasília com Pierre
à Escola de Agronomia da Amazônia etc. Após uma Monbeig.
semana intensiva das aulas de Aziz, o curso culmi- Em 1983, esteve novamente em Belém, para o
nou com uma excursão à região Bragantina, em visi- Congresso da Sociedade Brasileira para o Progres-
ta a Capanema (calcário Pirabas), a Tracuateua (área so da Ciência (SBPC), na condição de um dos seus
granítica) e à formação Barreiras. vice-presidentes.
O carisma e a pragmaticidade de Aziz em- Outras das suas vindas a Belém se sucede-
polgaram a todos, principalmente a mim, na condi- ram, para participar do Encontro Interdisciplinar
ção de única geógrafa do curso. Eu estava prestes a do Meio Ambiente, em 1985, a convite da UFPA.
viajar, para realizar um estágio de Paleontologia no Veio dar consultoria à Companhia Vale do Rio Doce
Museu Nacional, quando Aziz me sugeriu um está- (CVRD), ocasião em que também participou do Sim-
gio de Geomorfologia na USP, mais ligado à minha pósio Internacional do Desenvolvimento Econômico
formação em Geografia. Assim, em 1966, com bolsa e Impacto Ambiental em áreas do Trópico Brasileiro,
da CAPES, fiz parte da primeira turma de estagiá- sobre a experiência da CVRD (1987). Nos idos de
rios do laboratório de Aerofotogeografia do Institu- 1990, visitou o Instituto de Desenvolvimento Econô-
to de Geografia, sob a orientação de Aziz Ab’Sáber mico Social do Pará (IDESP), como consultor do Zo-
e Olga Cruz. neamento Ecológico Econômico do Estado do Pará,
Nesse mesmo ano, Aziz voltou a Belém para após a publicação de seu trabalho "Zoneamento Eco-
participar do I Simpósio sobre a Biota Amazônica, nômico e Ecológico da Amazônia" (1989). Foi ainda
evento científico da maior importância, realizado conferencista na Feira do Livro de 2001, no Encontro
no Museu Paraense Emílio Goeldi, reunindo pes- de “Ecossistemas Costeiros Amazônicos” (Ecolab)
quisadores regionais, nacionais e internacionais. O em 2002, no Museu Paraense Emílio Goeldi, e, no
elenco de trabalhos distribuídos em sete volumes, mesmo ano, fez a abertura do I Simpósio de Geogra-
como Atas do Simpósio, só foi publicado em 1967; fia Física da Amazônia (UFPA). Em 2006, foi convi-
concentrou áreas de Botânica, Zoologia, Antropo- dado para participar, como principal conferencista, da
logia, e, apesar do nome Biota, incluiu uma sessão 2ª Biota Amazônica, em comemoração aos 40 anos
de Geociências, com 28 trabalhos, contemplando desse evento, mas não pôde comparecer.
os temas Geologia da Bacia Amazônica, Aspectos Na análise de sua contribuição científica à Ama-
Geomorfológicos, Hidrografia, Hidrologia, Solos zônia, foi indispensável a consulta ao livro Amazônia:
Regionais e Paleontologia. Esses trabalhos foram do discurso à práxis, em boa hora publicado pela Edusp
muito importantes para o curso de Geologia que (1996). O mesmo agrega a maioria de seus trabalhos
havia sido inaugurado apenas dois anos antes, em amazônicos, os quais incluem temas relacionados à
1964. Dentre as comunicações de caráter geológico e Geomorfologia, bem como aos impactos ambientais
fisiográfico destacou-se, na área de Geomorfologia, vigentes na região. Trata-se de uma verdadeira obra
o trabalho de Aziz Ab’Sáber “Problemas Geomor- prima, que recebeu o prêmio Jabuti de 1997, e hoje
fológicos da Amazônia Brasileira”. Aziz foi também está em sua 2ª edição (2004). Este trabalho o releva
o relator dos trabalhos científicos apresentados na à condição de um dos maiores estudiosos brasileiros
referida sessão. da Amazônia, como geomorfólogo e ambientalista.
Em 1971, como o primeiro consultor de Geo- Os doze trabalhos contidos nesta obra reforçam a pro-
morfologia do projeto RADAM, Aziz fixou alguns fundidade de seus estudos, num contexto abrangente
preceitos normativos para resolver os problemas da em que consegue perpassar os múltiplos problemas da
Cartografia Geomorfológica, muitos dos quais fo- região visualizando a realidade fisiográfica, bem como
ram mantidos pela equipe que o sucedeu, principal- os impactos decorrentes de sua má utilização. O livro
mente aqueles relacionados à divisão morfoestrutural tem 319 páginas, com fotografias primorosas, imagens

103
de satélite, mapa e tabelas, e uma vasta bibliografia que compõem determinado território, sob o contexto
reúne 744 referências; constitui, segundo Luís Ed- desenvolvimentista. Ressalta o papel da metodolo-
mundo Magalhães, seu prefaciador, “um verdadeiro gia a ser utilizada por agrônomos, geógrafos, ecólo-
marco na história do pensamento ambientalista bra- gos, engenheiros florestais e cartógrafos, hoje com o
sileiro” e “nele se constata um perfeito embasamento apoio de documentos básicos como imagens de radar
de conhecimentos científicos e técnicos adquirido ao e satélite, o que torna possível evitar as deformações
longo de muitos anos de pesquisa”. cartográficas decorrentes dos problemas de escalas.
A obra Amazônia: do discurso à práxis reúne em Trata dos graves problemas, sobretudo de planeja-
ordem não cronológica 12 de suas publicações ante- mento dos grandes eixos rodoviários que, traçados
riores: em gabinete, foram responsáveis por uma verdadeira
devastação, por não levar em conta o conhecimen-
1. Zoneamento Ecológico e Econômico da Amazô- to da realidade físico-geográfica, que desencadeou
nia - Questões de escala e de método; a ocorrência de fatos negativos, decorrentes dessa
2. Problemas Geomorfológicos da Amazônia Bra- ocupação sem o necessário conhecimento da região.
sileira; Finalmente, considera 22 espaços de segunda ordem
3. Paleoclima e Paleoecologia da Amazônia Brasi- de grandeza, que contemplam 3 setores ao longo
leira - Estudo introdutório; da calha central do Amazonas (Alto Médio e Bai-
4. Geomorfologia do Corredor Carajás-São Luís; xo curso), 12 setores situados ao sul do Amazonas,
5. Impactos Ambientais na Faixa Carajás-São Luís - distribuídos pelos vales dos grandes rios, e 7 setores
Uma tentativa de previsão; ao norte do Amazonas, onde se insere o projeto Ca-
6. Gênese de uma Nova Região Siderúrgica - Acertos lha Norte.
e distorções de origem na faixa Carajás-São Luís;
7. Amazônia - Proteção ecológica e desenvolvimento Problemas geomorfológicos da Amazônia brasileira
com o máximo da floresta em pé; Este trabalho, apresentado na I Biota, em
8. Carauari: Vicissitudes de uma Comunidade Bei- 1966, despertou uma nova fase na Geomorfolo-
radeira: Médio Juruá, Amazonas; gia Amazônica, motivo pelo qual sua apreciação é
9. A Cidade de Manaus - Primeiros estudos; mais extensa. Apresenta uma quantidade de infor-
10. Documento de Crítica e Contestação; mações sobre a região, onde Aziz reuniu e analisou
11. Da Serra Pelada a Serra dos Carajás - A rebelião com maestria toda a bibliografia dispersa de natu-
(im)prevista dos garimpeiros; ralistas e geógrafos que estiveram anteriormente na
12. O Petróleo na Amazônia - Notícias. Amazônia, alguns dos quais não poderiam deixar
de ser citados e cujas referências estão no 1° volu-
Esses artigos e outros, inseridos em publica- me das Atas da Biota Amazônia. Dentre eles, Pierre
ções diversas, além de algumas entrevistas serão co- Gourou, Pedro de Moura, Takao Sapamoto, Francis
mentados a seguir. Ruellan, Yvone Beigbeder, Paul le Cointe, Harold
Sioli, Hilgard Sternberg, Jaques Huber, Lúcio de
Amazônia: do discurso à práxis: Castro Soares e Teixeira Guerra. Esse acervo de co-
Zoneamento ecológico e econômico da Amazônia nhecimento, a par com perspicazes investigações do
O trabalho sobre zoneamento procura inicial- autor, permitiu-lhe enunciar, mesmo sem a ajuda da
mente conceituar e salientar a importância do tema, cartografia, inexistente 40 anos atrás, os problemas
cuja concretização implica em um conhecimento geomorfológicos da Amazônia brasileira, muitos dos
multidisciplinar pleno, para identificar as potencia- quais permanecem insolúveis.
lidades específicas de cada espaço ou subespaço. Isso Além de comentar a extensão subcontinen-
exige um conhecimento do mosaico de solos, das tal da Amazônia, dimensionada pelas cartas ao
tendências do eixo econômico dos espaços rurais, milionésimo, abrangendo mais de 12 quadrículas,
urbanos e rururbanos, da economicidade dos siste- realizou a compartimentação topográfica regional,
mas de produção, dos fatores de apoio às atividades dando ênfase primeiramente ao setor da bacia se-
agrárias e do balanço das carências de infraestrutura dimentar amazônica, em escala contínua, incluin-
etc. do desde as calhas fluviais e terraços quaternários
Insiste na delimitação dos espaços defendidos do Amazonas até os baixos platôs do Terciário e
pela legislação, como parques, reservas indígenas e as feições cuestiformes do Paleozoico, além das
ecológicas, estações ecológicas e espaços críticos, e áreas cristalinas situadas ao norte e ao sul da grande
na obrigatoriedade de seu cumprimento, bem como bacia sedimentar. A estes compartimentos agregou
à necessidade da participação de especialistas de di- as faixas descontínuas de baixos terraços pedimen-
versas áreas, sob a direção de pessoas habilitadas em tados e de gênese complexa. Refere-se a uma com-
planejamento regional. partimentação peculiar de natureza morfoestrutu-
O estudo detecta a vocação dos espaços que ral, morfoclimática e pedogênica, sugerindo a pos-

104
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
7

sibilidade de sua delimitação por fotointerpretação Paleoclimas e paleoecologia da Amazônia brasileira


apoiada na grande diversidade litológica, morfológi- Seu trabalho sobre paleoclimas, de caráter in-
ca e pedológica. Pelo fato da maioria dos comparti- trodutório, veio elucidar algumas indagações sobre a
mentos estarem em níveis altimétricos até 200 m de frequência das flutuações paleoclimáticas e paleoe-
atitude, cognominou a Amazônia de “domínio das cológicas, pela reconsideração das contribuições de
terras baixas equatoriais florestadas”. Em sua bem Tricart e Cailleux, de suas próprias investigações, dos
elaborada discussão sobre a revisão paleogeográfica estudos de Haffer (1969) e de Vanzolini e Williams
moderna, desmistificou as ideias de Agassis (1882), (1970), que forneceram as bases para novas orien-
ao retomar os aspectos fundamentais da paleogeo- tações sobre o assunto. Tal trabalho constitui uma
morfologia da região entre o Mesozoico e o Terciá- revisão e uma explicação para o entendimento das
rio. Pela fotoanálise de Howard (1965) propugnou a paleopaisagens amazônicas, numa tentativa de sua
necessidade de utilização de aerofotos, com vistas a reconstrução. Esta só pode ser feita pelo cruzamento
identificar litologias diferenciadas. Inseriu a necessi- de dados geomorfológicos e fitogeográficos, capazes
dade de discussão das interferências dos movimentos de fornecer informações sobre a estrutura superficial
eustáticos e paleoclimas na estrutura superficial da em alguns pontos mais acessíveis, que foram úteis
paisagem amazônica, onde os períodos de nível de para o entendimento das flutuações climáticas, ates-
mar baixo corresponderiam aos períodos secos com tadas pelo estudo dos terraços fluviais Belém-Mara-
retomadas de pedimentação e os de nível de mar jó, dos terraços mantidos por cascalheiras no Cara-
alto, aos climas úmidos, os quais tiveram grande in- jás, e pelas demais feições do Quaternário antigo. As
fluência no cenário fitogeográfico atual. linhas de pedras e manchas de areia ocorrentes na
O trabalho apresentado na 1ª Biota sobre os região, aliadas aos tipos correlativos de cobertura ve-
problemas geomorfológicos da Amazônia é ainda getal, só poderão ser explicadas pelo conhecimento
importante por ter sido elaborado numa época em paleoclimático e paleoecológico indispensável para o
que o sensoriamento remoto só contava com algu- desvendamento da paisagem atual.
mas poucas fotos aéreas, de pouquíssimas áreas e em
escalas pequenas, e lembrando que somente em 1971 Geomorfologia do corredor Carajás-São Luís
foi inaugurado o Projeto Radam. Constitui também Ao tratar do estudo geomorfológico do espa-
um alerta às necessidades da região ao mostrar a ço fisiográfico e ecológico correspondente do pro-
lacuna ou quase inexistência de pesquisas geomor- jeto Carajás, Ab’Sáber engloba uma série de consi-
fológicas que se apoiem em estudos básicos impres- derações pertinentes sobre as áreas envolvidas pelo
cindíveis, relacionados à paleotectônica, à gênese da projeto. Faz assim referências à fachada atlântica
Formação Barreiras, ao fenômeno de sedimentação, maranhense e paraense, dando destaque ao golfão
aos aplainamentos, reentalhamento e plainações. marajoara e do Maranhão, à baixada maranhense e
Acrescentam-se a estes aspectos a falta de observa- à geomorfologia dos tabuleiros e baixos chapadões
ções mais consistentes das paleopaisagens da calha florestados da ilha do Maranhão. Numa visão do li-
amazônica, das flutuações climáticas relacionadas às toral para o interior, descreve as unidades geomorfo-
áreas de matas e cerrados, bem como os diferentes lógicas onde se distribuem tabuleiros, os estuários de
níveis de lateritas. Aziz enfatiza a viabilidade das São Marcos, as planícies fluviomarinhas com man-
aplicações de estudos geomorfológicos como funda- guezais, os tabuleiros arenosos, as planícies fluviais
mentais ao planejamento regional, com o reexame de baixadas, os tabuleiros e baixos platôs, as chapa-
das possibilidades hidrelétricas de fall lines (linhas das florestadas e a escarpa de cuestas, e a depressão
de falha) e fall zones (zonas de falha) em ambas as interplanática.
margens da bacia amazônica, para subsidiar projetos Além de mostrar a complexidade geológica
de engenharia que não podem omitir estudos sobre e geomorfológica da região, relaciona-a à história
a compartimentação topográfica regional. paleogeográfica da área contínua e descontínua do
Mas, quem teria lido esse trabalho de alerta do corredor Carajás, destacando os fatores geomorfo-
grande geomorfólogo brasileiro publicado na Biota? lógico e fitogeográfico. Em considerações sobre as
Certamente poucos o leram e, mais uma vez, depre- formações superficiais, sugere a realização de estu-
ende-se que com a publicação deste trabalho Aziz se dos no entorno da Serra dos Carajás, com o objetivo
tornou um pioneiro, ao mostrar os problemas geo- de entender a paisagem e sua dinâmica em relação à
morfológicos existentes na região. Hoje inserido na vegetação, detectando possíveis fases de retração ou
coletânea Amazônia, com os demais trabalhos de sua reexpansão da região da serra.
lavra, espera-se que o mesmo ocupe espaço em todas O estudo dessa área, antes desconhecida no
as bibliotecas científicas da região, notadamente de aspecto geomorfológico, despertou grande interesse
suas universidades, se o objetivo destas for realmente e se tornou possível graças ao material cartográfico
conhecer a Amazônia, ainda desconhecida por mui- e às imagens de radar e de satélite posteriormente
tos. disponíveis.

105
Impactos ambientais na faixa Carajás – São Luís sequência de fracassos na política agropecuária e in-
Este trabalho de 1987, sobre uma das áreas mais digenista da região. A estes se somaram os insuces-
críticas da Amazônia, a do Projeto Grande Carajás, é sos referentes a algumas hidrelétricas inconcluídas
um dos mais polêmicos. As grandes lutas pela posse e mal selecionadas, além dos grandes problemas de
da terra, com a exploração da floresta, a garimpagem desmatamento às margens das rodovias, em desobe-
da Serra Pelada, a pressão política, a valorização das diência à marca estabelecida, e à garimpagem feita
terras, a inexistência de um plano de previsão de im- sem atentar para a previsão de impactos físicos, eco-
pactos da industrialização e o crescimento de cidades lógicos, sociais e fundiários.
como São Luís, Marabá e Imperatriz, são alguns dos Ressalta a verdadeira devastação provocada
tópicos em destaque. A estes se aliam ainda os proble- pelo capitalismo selvagem, os constantes conflitos
mas sociais com a urbanização de baixo padrão, e os de terra entre as populações tradicionais e os latifun-
graves problemas inerentes à preservação, com o sur- diários, fazendeiros e posseiros. O cenário apresen-
gimento de novas estradas. Inclui a imagem de satéli- tado mostra a incompetência dos governantes, que
te da região do Araguaia e Itacaiunas, áreas críticas da relegaram os dois maiores problemas hoje encontra-
região Amazônica. Com um esboço criativo, o autor dos na região: a deterioração do meio ambiente e as
consegue mostrar a compartimentação topográfica tensões sociais insuperáveis.
e a instalação da ferrovia em setores diferenciados, Propõe um macrozoneamento para a região,
com variação das feições de relevo, solos e cobertura alertando que só através deste haverá a percepção de
vegetal, onde vem se sucedendo toda uma cadeia de problemas emergentes que reflitam os diagnósticos
impactos. Tal compartimentação insere uma primei- regionais de cada subsetor. Sugere a necessidade de
ra compreensão morfológica, tornando possível visu- pesquisas multi e interdisciplinares, para detecção das
alizar com mais clareza a relação do relevo com os áreas críticas e áreas de riscos, visando uma política
demais elementos físico-geográficos e antrópicos. O em prol da dignidade do homem amazônico. Con-
estudo resvala para o aspecto sócio-ambiental, geo- sidera espaços de preservação, de conservação e de
político e econômico, foco de muita apreensão sobre o exploração autossustentável e a necessidade de buscar
futuro dessa área estopim do Estado do Pará. seriedade para uma política rodoviária na região, além
Os demais trabalhos enfatizam a preocupação de se preocupar com a biodiversidade. Apresenta um
e a luta de um geógrafo honesto. rol de propostas para a Amazônia, no qual insere um
conhecimento atualizado da região, priorizando a re-
Gênese de uma nova região siderúrgica cuperação de áreas devastadas, além de uma política
O trabalho “Gênese de uma Nova Região não conflitante. Faz um alerta sobre vários proble-
Siderúrgica” mostra a precocidade com que foram mas, como a localização inadequada de indústrias,
construídas as indústrias de transformação primária a utilização de produtos químicos, a necessidade de
das jazidas minerais da Serra dos Carajás e a ferrovia avaliação pelo IBAMA -Instituto Brasileiro de Meio
Carajás-São Luís, praticamente repetindo o erro da Ambiente, e os riscos da especulação imobiliária, en-
ferrovia Macapá-Porto de Santana, com problemas tre outros.
maiores. Isso aconteceu por conta da facilidade com
que foram implantadas inúmeras indústrias, entre Carauari
outras as de ferro gusa, sem atentar para as questões Em seu estudo sobre Carauari, pequeno po-
de poluição, principalmente de natureza hídrica e voado às margens do Rio Juruá, mostra como a che-
climática, para a saturação demográfica e o cresci- gada da Petrobrás proporcionou ao pequeno núcleo
mento desordenado dos sítios urbanos de Marabá e urbano um crescimento populacional, que entretan-
Imperatriz, bem como para as cidades emergentes to resultou em multiplicação da pobreza local. A este
que apareceram em função do PGC (Projeto Gran- problema se acrescentam outros de dinâmica fluvial,
de Carajás). próprios da situação do antigo vilarejo em área de
Em termos de ocupação, o corredor Carajás- meandro do Rio Juruá, e agravados por intervenções
São Luís encontrou tudo o que era necessário: ma- antrópicas.
téria-prima, energia de Tucuruí, mão de obra barata,
enfim um quadro típico de região subdesenvolvida. A cidade de Manaus
As observações de Aziz sobre os impactos do corre- Inicialmente o autor destaca a posição
dor Carajás-São Luís mostram os acertos e distorções geográfica da cidade, ressaltada anteriormente por
relacionados aos grandes problemas de localização das Spix e von Martius (1828) e Bates (1863), consi-
indústrias de transformação na área. derada historicamente a hinterlândia amazôni-
ca. Trata a seguir das condições do sítio urbano,
Amazônia situado em baixo planalto de 20-30 metros acima
No trabalho “Amazônia”, o autor mos- do nível do Rio Negro. Faz comparações com o sítio
tra como, após a década de sessenta, houve uma de Belém em sua amplitude altimétrica, este assen-

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
7

te em um baixo terraço de 5-10 metros. Detém-se Da Serra Pelada à Serra dos Carajás
no tratamento das rias fluviais, referidas por Gou- A situação de conflito que culminou com a
rou (1943), reportando-se aos aspectos do panorama rebelião imprevista dos garimpeiros de Serra Pe-
histórico da fundação de Manaus feito por Monteiro lada contra as instalações da CVRD, em julho de
(1952). Sua dupla formação de historiador e geógra- 1985, é retratada neste artigo. Na época, consultor
fo permitiu-lhe acompanhar, desde os primórdios, da equipe do GEAMAM (Grupo de Estudos e As-
o desenvolvimento do povoado do Lugar da Barra, sessoramento sobre o Meio Ambiente da CVRD),
do Forte e da Vila de São José, surgidos meio sé- Ab’Sáber resgata toda a história do período 1940-
culo após a fundação de Belém. Refere-se à viagem 1960, incluindo os discursos de Getúlio Vargas so-
do casal Agassis (1868) e a suas referências pouco bre o reerguimento do vale amazônico, o papel da
elogiosas ao antigo burgo. Retrata as observações de ICOMI no Amapá, a criação da SPVEA e o início
Le Cointe (1922) sobre a praticidade do porto e o da construção da rodovia Belém-Brasília. O perío-
esplendor e decadência da cidade, com o apogeu e do 1966-1970, considerado de transição para o de-
queda do ciclo da borracha. senvolvimentismo, envolve a criação da SUDAM, a
Ao inserir este trabalho na coletânea Amazô- “descoberta” do minério de ferro em Carajás, o es-
nia: do discurso à práxis acrescentou um adendo onde tabelecimento do PIN-PROTERRA (Plano de In-
faz referência aos novos estudos sobre Manaus e revê tegração Nacional) e a criação do projeto RADAM.
os trabalhos dos viajantes e estudiosos que lá esti- O período 1972-1974 é marcado pelo primeiro PND
veram em diferentes épocas. Trata do crescimento (Plano Nacional de Desenvolvimento), com o início
demográfico da cidade, que reflete a instalação do da construção da Transamazônica, da Eletronor-
Distrito Industrial e da Zona Franca, da expansão te, dos polos de desenvolvimento, e pela conclusão
do sítio, com os eventuais problemas, e das funções dos estudos da barragem de Tucuruí e estimativa da
urbanas etc. cubagem do minério da Serra dos Carajás.
Na década de 80, com a descoberta de ouro na
Documentos de crítica e contestação Serra das Andorinhas e a expansão da garimpagem
Ab’Sáber contesta neste trabalho os argu- na Serra Pelada, desencadeia-se uma série de confli-
mentos do Secretário do Conselho Interministe- tos, relacionados ao aumento da produtividade dos
rial do PGC a favor das siderúrgicas que optaram garimpos, com o afluxo de garimpeiros e aventurei-
pelo uso generalizado do carvão vegetal, o que, ros ali chegados. Ainda nessa década, é estabelecida
segundo o Secretário, não traria danos para a flo- a infraestrutura urbana básica da futura cidade de
resta amazônica e seu meio ambiente. Para Aziz, Parauapebas e surge o núcleo de Rio Verde. A de-
tais propostas revelam falta de conhecimentos e cadência e fechamento dos garimpos, a implantação
de previsão de impactos, sob a alegação de que da Lei Curió da Cooperativa dos Garimpeiros, e o
o desenvolvimento da região sempre acarretaria crescimento demográfico dos núcleos foram motivos
algum tipo de agressão ao meio. Não tendo sido propulsores da invasão de Parauapebas pelos garim-
feito um estudo das bases físicas, geológicas, peiros de Serra Pelada. A equipe do GEAMAM,
bióticas e sociais, mesmo com o mapeamento do que esteve na área um mês depois do atentado, levou
RADAM: 1:250.000 e 1:1.000.000, não se dispu- a efeito um conjunto de proposições encaminhadas à
nha do conhecimento suficiente para um melhor alta direção da CVRD no Rio de Janeiro, buscando,
planejamento. sobretudo, um novo enfoque de harmonização entre
Com firmeza de propostas, Ab’Sáber refere-se a cidade planejada Parauapebas e a cidade espontâ-
aos estudos efetuados em seus muitos anos de pesquisa nea de Rio Verde. O autor trata ainda da organiza-
na Amazônia; começando pela Geomorfologia, hoje ção do MIRAD (Ministério da Reforma Agrária),
preocupa-se mais com os seus ecossistemas, em razão do papel da CPT (Comissão Pastoral da Terra), e
da má utilização do solo. Suas críticas evidenciam o dos problemas decorrentes da garimpagem, inviável
fato da Amazônia ser palco da maior de todas as ex- na época das grandes chuvas. Abordando as condi-
pansões de fronteiras na face da terra. ções fisiográficas, mostra o paradoxo existente entre
Sua grande preocupação e suas proposições, Parauapebas e Rio Verde.
bem fundamentadas pelo conhecimento da região,
poderiam e deveriam contribuir para um redire- O petróleo na Amazônia
cionamento do sistema caótico que hoje constitui o O autor resgata a história das explorações de
espaço amazônico. Concluindo, sugere ainda que o petróleo realizadas pela Petrobrás na Amazônia.
processo de ocupação da região precisa ser feito de Refere-se à descoberta de campos petrolíferos eco-
forma ordenada, sem a indesejada intromissão de nomicamente aproveitáveis no interior da Bacia do
outros povos e governos na conjuntura brasileira, Solimões (região de Urucu) e à ampliação da produ-
pois a Amazônia é questão nacional. ção de gás na região de Urucu-Tefé. Trata da desco-

107
berta de petróleo em estruturas paleozoicas, que para Refere-se ao sucesso do projeto RECA (Re-
sua explicação exige considerações paleogeográficas. florestamento Econômico Condensado e Adensa-
Um dos pontos importantes do artigo é o alerta so- do), iniciado no Acre, o qual pelos bons resultados
bre a geopolítica do petróleo no fim do século, uma apresentados poderá servir de exemplo para a sua
vez que a riqueza significativa de tal descoberta des- expansão pela Amazônia. Por outro lado, tem mani-
perta a cobiça de empresas e governos do Primeiro festado sua oposição veemente contra a implantação
Mundo. das FLONAS (Florestas Nacionais).
Esta breve apreciação de obra tão grandiosa Ao tratar da geografia ambiental do Brasil
deixa evidente, em todos os trabalhos, a preocu- no Atlas do IBGE (2000) retrata todas as regiões
pação e a luta do geógrafo honesto, com quem eu brasileiras e, ao falar sobre a Amazônia, ressalta sua
tive a felicidade de conviver nos bancos da USP. As grandeza territorial e a necessidade de um conhe-
conferências e palestras feitas em quase todas as suas cimento interdisciplinar deste domínio representado
vindas a Belém reforçam este relato sobre o seu vasto por terras baixas equatoriais florestadas e por mosaico
conhecimento da região. de ecossistemas e de agrupamentos regionais e siste-
mas ecológicos. Reporta-se à geografia ambiental da
Outros trabalhos e entrevistas sobre a Amazônia Amazônia como uma das mais complexas, por sua
variável ecológica, vinculada à maior floresta do glo-
A revista Estudos Avançados publicou em 2002 bo, que exige profundidade dos estudos. Sua grande
mais uma contribuição do autor, na qual estabelece preocupação é evidente principalmente a partir da
as bases para o estudo dos ecossistemas da Amazô- década de 60, quando apenas a rodovia bragantina
nia. De início analisa o conceito, infere a existência havia sido desmatada e as demais áreas apresentavam
de um grande número de padrões ecológicos e os se- explorações pontuais e beiradeiras, hoje substituídas
toriza em categorias que mostram sua variedade. A por uma exploração areolar, em função das grandes
leitura do texto reforça a importância da distribuição rodovias. O ideário na região tem sido apenas o de
dos ecossistemas, entre os quais os das terras firmes eliminar a floresta, para produzir espaços agrários
(enclaves), somente explicáveis pela teoria dos refú- destituídos de projetos que incluam previsão de
gios, trabalho da autoria de Haffer (1969) e de Van- impactos e economias autossustentadas. Salien-
zolini e Williams (1970) em áreas intraflorestais, ta a série de consequências ambientais, ecoló-
onde estão presentes outros tipos de vegetação sobre gicas e fundiárias advindas dos desmatamentos
solos pobres, e ecossistemas oriundos de minirrefú- contínuos, que vêm levando a uma devastação múl-
gios. Também trata das planícies aluviais e de suas tipla, principalmente no trajeto da rodovia PA 150.
variações entre o Médio e o Baixo Amazonas. Mos- Esta tem o maior índice de degradação e já apre-
tra as variações internas na composição dos ecos- senta, como habitual, a exploração madeireira, as
sistemas florestais amazônicos, incluindo as áreas agropecuárias, as clareiras, e a proliferação das espi-
de transição. É muito rica a apreciação que faz ao nhelas de peixes (ramais de entradas), além de outras
incluir outras áreas por onde passou na região, den- atividades como a garimpagem e as carvoarias, com
tre as quais o espaço geográfico de Roraima, onde conflitos de terra agravando ainda mais os proble-
se situam as terras baixas dos campos de Boa Vista. mas socioambientais. Outros aspectos da Geografia
Refere-se à Amazônia como a região em que melhor ambiental amazônica ventilados pelo autor dizem
se poderá fazer o reconhecimento dos ecossistemas. respeito aos problemas das barragens de Tucuruí,
Na tentativa de explicar as diversidades existentes, Balbina e Samuel, e constituem um alerta sobre os
inclui ainda à fachada atlântica relacionada com os impactos físicos, ecológicos e bióticos no entorno das
sedimentos do Rio Amazonas. Afirma que só pelo mesmas. Ao falar em previsão de impactos, numa
conceito de ecossistema se poderá fazer uma aborda- visão multidisciplinar, refere-se à necessidade de en-
gem mais aprofundada e integrada dos dados fisio- tendimento do espaço total e de conhecimento dos
gráficos e bióticos e das interferências antrópicas. tipos de subespaços geográficos. Demonstra sua pre-
Em entrevista à revista Estudos Avançados ocupação sobre a utilização inadequada dos mesmos,
(2005), ratifica a influência de Tricart nas suas pes- e sobre as populações indígenas, caboclas tradicio-
quisas sobre a Amazônia, bem como de De Marton- nais, extrativistas e beiradeiras, que têm sido sacrifi-
ne e Ruellan, todos geomorfólogos franceses. cadas notadamente na área do Sul do Pará, Norte do
A grandiosidade da Amazônia, a qual atribui Mato Grosso, Roraima e Acre, ressaltando a falta de
somente a área brasileira, com cerca de 17 vezes o ética existente quanto ao futuro da Amazônia.
Estado de São Paulo, causa-lhe apreensão no que Em outras entrevistas concedidas à Im-
diz respeito às escalas temporais e espaciais, notada- prensa sobre a região Amazônica, quando presi-
mente estas últimas; salienta que projetos têm sido dente de honra da SBPC (1993-1995) e professor
feitos em escalas pequenas para uma área de dimen- do Instituto de Estudos Avançados, mostra sua
são subcontinental como a nossa região. preocupação com a defesa da Amazônia por parte do

108
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
7

Ministério do Meio Ambiente. Embora se disponha AB’SÁBER, A. N. 1980. Previsão de impactos ambientais nos pro-
de elementos de observação por satélites, que detec- jetos de usinas hidroelétricas na Amazônia Brasileira. Inter-
Facies. Escritos e Documentos, 40.
tam o índice de desmatamento na região, crê que há AB’SÁBER, A. N. 1982.The paleoclimate and paleocology of
inoperância por parte do Governo Federal, que não Brasilian Amazonia. In: PRANCE, G.T. (Ed.). Biological di-
toma atitudes corretas em relação a planos, progra- versification in the tropics. New York: Columbras University
Press, p. 41-59.
mas e projetos, em especial no Centro-Sul do Pará, e AB’SÁBER, A. N. 2004. Paleoclimas e paleoecologia da Amazônia
considera a questão social como das mais graves, em brasileira. In: Amazônia: do discurso à práxis. 2 ed. São Paulo:
prejuízo das populações indígenas, e a hegemonia de EDUSP, p. 49-66. (Publicado originalmente em G.T. Prance
seus novos donos. (ed.), 1982. Biological diversification in the tropics. Nova Ior-
que, Columbia University Press.)
Respondendo a questões sobre recursos hídri- AB’SÁBER, A. N. 1986. Geomorfologia da região (Carajás). In:
cos, ressaltou a existência das gigantescas reservas de ALMEIDA JÚNIOR, J.M.G. (Org.). Problemas de localização
água, favorecidas pelas precipitações, e do atrativo das indústrias de ferro-gusa na faixa da Estada de Ferro Carajás
São Luís. São Paulo: CNPq.
dessa riqueza para os interesses de fora. Em relação AB’SÁBER, A. N. 1986. Geomorfologia do corredor Carajás.
à internacionalização da Amazônia foi totalmente São Luís. In: Amazônia: do discurso à práxis. 2 ed. São Paulo:
contra o Projeto de Lei 4776/05, que concede a ges- EDUSP, 2004. p. 67-89.
AB’SÁBER, A. N. 1987. Aspectos geomorfológicos de Carajás:
tão das florestas a empresas nacionais e internacio- previsão de impactos ao longo da faixa Carajás – São Luís. In:
nais, fato este citado por Buarque (2006). Chamou- Seminário Desenvolvimento Econômico e Impacto Ambiental em
o de vergonhoso, repulsivo e inaceitável, por criar o áreas do Trópico Úmido Brasileiro. A experiência na CVRD. p.
risco da privatização de nossas florestas, o que rejei- 201-232..
AB’SÁBER, A. N. 1987. Impactos ambientais na faixa Carajás – São
tou em manifesto ao presidente Lula, afirmando que Luís. In: Amazônia: do discurso à práxis. 2 ed. São Paulo: EDUSP,
isto só traria benefícios para as grandes corporações 2004. p. 91-112.
madeireiras. AB’SÁBER, A. N. 2004. Zoneamento ecológico e econômico da
Amazônia. In: Amazônia: do discurso à práxis. 2 ed. São Paulo:
Ao encerrar meu depoimento sobre a obra EDUSP, p. 11-29.
ímpar deste defensor incansável da Amazônia, cuja AB’SÁBER, A. N. 1992. A teoria dos refúgios: origem e significado.
preocupação é mostrar a todos que o leem e escutam Síntese e bibliografia. Revista do Instituto Florestal, São Paulo, 4:
23-34. (Anais do 2º Congresso Nacional sobre Essências Nati-
que a paisagem é uma herança a ser deixada para as vas, 1992, Ed. Especial).
futuras gerações, peço permissão aos organizadores AB’SÁBER, A. N. 1992. Amazônia, as lições do caos. Nossa América/
deste livro para expressar toda a minha admiração Nuestra America, 5: 50-57.
sobre o total de sua produção científica. Esta certa- AB’SÁBER, A. N. 1996. A formação Boa Vista. Significado Geoló-
gico e Paleoecológico.
mente preservará para o futuro a lembrança de sua AB’SÁBER, A. N. 2002. Bases para o estudo dos ecossistemas da
inteligência extraordinária, na qualidade de um dos Amazônia brasileira. Estudos Avançados, São Paulo, 16(45):
geógrafos mais competentes do país e quiçá do mun- 7-30, mai./ago. (Publicado originalmente em inglês em Amazô-
nia – Heaven of a New Yorld. Rio de Janeiro: Campus, 1998.)
do. A estas suas virtudes alia-se o amor à pesquisa, AB’SÁBER, A. N. 1998.Roraima: os paradoxos de um grande in-
refletido nos artigos da obra fascinante que é a Ama- cêndio ao fim do milênio. Revista Estudos Avançados, 12 (33)
zônia: do Discurso a Práxis e em outras publicações 227-31.
AB’SÁBER, A. N. 2000. Geografia ambiental do Brasil. In: Instituto
sobre a região. Sua determinação em prol da causa Brasileiro de Geografia e Estatística. Atlas Nacional do Brasil. 3
amazônica, é um exemplo a ser seguido. ed. Rio de Janeiro: IBGE, p. 45-53.
AB’SÁBER, A. N. 2002. As etnociências e o legado de Darell Po-
Referências bibliográficas sey: criatividade na investigação permitiu uma abordagem nova
de conhecimentos tradicionais. Observatório, p. 98. Ago.
AB’SÁBER, A. N. 2002. Linguagem e ambiente: Os caprichos da
AB’SÁBER, A. N. 1953. A cidade de Manaus (primeiros estudos). natureza e a capacidade evocadora da terminologia científica.
Boletim Paulista de Geografia, São Paulo, 15: 18-45. Observatório, p. 98. Jun.
AB’SÁBER, A. N. 1953a. Na região de Manaus (fotografias comen- AB’SÁBER, A. N. 2003. Amazônia brasileira I: novo modelo de de-
tadas). Boletim Paulista de Geografia, 14: 55-66. senvolvimento deve ser discutido para preservar megadomínio
AB’SÁBER, A. N. 1958. Aptidões agrárias do solo maranhense tropical. Observatório. p. 98. Fev.
(notas prévias). Boletim Paulista de Geografia, 30: 31-37. AB’SÁBER, A. N. 2003. Amazônia brasileira II: a maior floresta
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ticas do quaternário no Brasil. Boletim da SBPC., 6 (1) 41-48. servatório. p. 98. Mar.
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AB’SÁBER, A. N. 1980. Espaços ocupados pela expansão dos cli- Paulo: EDUSP.
mas secos na América do sul, por ocasião dos períodos glaciais AB’SÁBER, A. N. 2004.O futuro da Amazônia em risco. É preciso
quaternários. Inter-Facies. Escritos e Documento, São José do Rio dar um basta a imprevidência com que a região e sua biodiversi-
Preto, 8: 1-18. dade vem sendo tratada. Observatório. p. 98. jul.

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110
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
7
A cidade de Manaus
Primeiros estudos

Aziz Nacib Ab’Sáber

Manaus e sua posição geográfica na Amazônia

Enquanto Belém é o entreposto da fachada atlântica de toda a


Amazônia brasileira (Penteado, 1949), Manaus é a verdadeira capital
da hinterlândia amazônica. Colocada exatamente entre a Amazônia
In: Amazônia: do discurso à práxis. 2 ed. Ocidental e a Oriental, num ponto do principal eixo da navegação
São Paulo, Editora da Universidade de fluvial do Brasil, é uma espécie de elo entre a navegação fluvial, rudi-
São Paulo, 2004, pp. 201-221 mentar e extensiva, e as grandes rotas marítimas de cabotagem. Possui,
com as imagens da publicação original: por essa razão, uma situação geográfica absolutamente privilegiada em
1953. A cidade de Manaus (primeiros face das extensões amazônicas e do gigantesco quadro de drenagem da
estudos). Boletim Paulista de Geografia, bacia hidrográfica regional.
São Paulo, 15: 18-45. A partir de Manaus, através da confluência do Negro com
o Solimões, tanto para oeste, como para noroeste e sudoeste, o
esqueleto geral da rede hidrográfica do Amazonas apresenta aspecto
marcadamente centrípeto, convergindo de todos esse quadrantes para
o pequenino fragmento de tabuleiro, onde a cidade foi implantada.
Na verdade, um vasto leque formado por grandes rios consequentes
da Amazônia Ocidental possui seu fecho de raios à altura de Manaus.
Se é que esse centripetismo hidrográfico existe em muitas outras
regiões brasileiras, mormente na Bacia do Paraná e em parte da Bacia
do Maranhão-Piauí, foi somente na Amazônia que ele pesou sobre-
maneira no ritmo de desenvolvimento de uma grande cidade. Explica-
se facilmente o fato: ali o aglomerado urbano, por mais de dois séculos,
não dependeu de nenhuma rota terrestre, mas tão somente dos rios de
planície e de uma história econômica ligada intimamente à navegação
fluvial. As outras bacias sedimentares brasileiras foram soerguidas a
planos altimétricos bem mais elevados, redundando na formação de
vastas áreas de planaltos interiores, seccionados por maturos rios de
planalto, acidentados e encachoeirados. Daí não terem engendrado
condições de situação geográfica semelhantes àquelas que nos explicam
a cidade de Manaus.
Tecendo comentários em torno de problemas referentes ao sítio
e à situação de Manaus, Spix e Martius parecem ter sido os primeiros
viajantes e naturalistas a destacar a importância que a posição geográfica
da cidade poderia significar mais tarde (Spix e Martius, 1938):
A Barra-do-Rio-Negro, com o crescimento da população, tor-
nar-se-á praça muito importante para todo o comércio com o
hinterland do Brasil. A sua situação em saudável e aprazível altitude,
dominando todo o Rio Negro, na proximidade do Amazonas e não
distante da foz do Madeira, não poderia ter sido mais felizmente
escolhida. O Rio Negro e seus dois principais afluentes, o Uaupés e
o Branco, são atualmente, na verdade, bem pouco povoados e cul-
tivados; uma vez, porém, que estas férteis terras sejam enobrecidas
pela indústria e civilização, a sua via natural de comércio - a Barra,

111
florescendo em rica e poderosa cidade comercial, cipalmente no que se refere a questões de amplitude
será a chave da parte ocidental do país. altimétrica: enquanto Belém tem por sítio urbano
um nível de baixos terraços, mantidos por crostas li-
Embora lentamente, a marcha dos aconte- moníticas - nível de Belém-Marajó (Moura, 1943;
cimentos vem demonstrando o quanto de acertado Gourou, 1949), Manaus encontra-se sobre um baixo
havia na predição dos dois ilustres sábios que pas- planalto, colocado de 20 a 30 m acima do nível médio
saram pela Amazônia nos fins do primeiro quartel do do Rio Negro (32 m de altitude na região). A ampli-
século XIX. tude altimétrica do sítio de Belém não excede a 6 e
Identicamente, Henry Walter Bates, em al- 8 m em média, através de rampas espaçadas e de um
guns trechos de sua obra, na parte referente a Ma- mosaico de longos patamares rasos de terraços. Em
naus, chama a atenção para a excelência da posição Manaus, a fachada ribeirinha da cidade é marcada
geográfica da cidade (Bates, 1994): por um alinhamento de falésias fluviais de 20 a 50 m
A situação da cidade tinha muitas vantagens; o de altura, com reverso suave ou aplainado para o inte-
clima é salubre; não há pragas e insetos; o solo rior e com uma ruptura de declive brusca e direta em
é fértil [sic] e capaz de dar todos os produtos relação à estreita faixa de praias arenosas de estiagem
tropicais (o café do Rio Negro, especialmente, do Rio Negro. Por outro lado, os igarapés do terraço
é de qualidade muito superior), e está perto da de Belém são representados por sulcos discretos no
confluência de dois grandes rios navegáveis. A terreno e controlados pela oscilação diária das marés
imaginação fica excitada, quando a gente reflete que atingem a Baía de Guarujá; enquanto isso se dá,
sobre as possibilidades futuras desta localidade, os igarapés de Manaus ficam sujeitos apenas à osci-
situada perto da parte equatorial da América do lação natural do nível do Rio Negro.
Sul, no meio de região quase tão vasta como a Os igarapés de Manaus possuem de 7 a 12 m
Europa, da qual cada polegada é da mais exube- de barranca lateral, representando vales que isolam
rante fertilidade [sic], e comunicando por água, os diversos blocos urbanos da cidade. Pontes de certa
de um lado com o Atlântico, e, do outro, com as expressão cruzam os igarapés, demonstrando o vigor
repúblicas da Venezuela, Nova Granada, Equa- dos entalhes, realizados pela ascensão e pelo declínio
dor, Peru e Bolívia. das águas, que anualmente afogam a embocadura dos
antigos córregos regionais. Na realidade, o igarapé
Lembramos, por último, que Manaus, embora típico de Manaus é um baixo vale afogado pela su-
diste 20 km da confluência entre o Negro e o Soli- cessão habitual de cheias do Rio Negro, em pontos
mões, comporta-se rigorosamente como uma cidade da margem de ataque da correnteza do grande caudal.
fluvial de confluência: daí o seu humilde e ajustado Trata-se de um tipo especial de rias internas de água
apelido inicial de “Logar da Barra”. Por outro lado, doce, conforme observação justa de Gourou (1949).
embora diste em média de 1.600 a 1.700 km do Na estiagem, as águas dos igarapés baixam tanto que
Atlântico, e pouco mais de Belém, é um porto fluvial se transformam em modestos ribeirões, sendo que,
continental perfeitamente entrosado com as rotas de pelo menos por 1 ou 2 km do seu curso a partir da
cabotagem e as transatlânticas. A despeito disso, não barra no Rio Negro, sempre possuem água e profun-
é um ponto terminal da navegação amazônica; ao didade para a circulação de toda a sorte de pequenas
contrário, é uma etapa central e obrigatória, coman- barcaças. A cauda do igarapé, por este tempo, é mar-
dando as ligações entre a circulação atlântica em face cada por rasos bancos arenosos, por onde escorrem
das mais distantes e profundas linhas de circulação sinuosamente um ou mais filetes d’água de alguns
fluviais da América do Sul. Esboça-se, por exemplo, decímetros de largura.
atualmente, o transporte do petróleo peruano, através A estrutura urbana de Manaus está ligada, no
do Rio Solimões, com destino a Manaus. Disso po- setor planimétrico, ao traçado sinuoso das colinas in-
derá resultar uma pequena captura econômica da terfluviais que separam os igarapés e, no setor hipso-
maior importância para os destinos da cidade e da métrico, com os diversos níveis intermediários esca-
própria Amazônia brasileira. São fatos inteiramente lonados existentes no dorso dos tabuleiros terciários.
ligados à excelente posição geográfica da metrópole O terraceamento regional nada tem que ver com a
da Amazônia Central. calha do Rio Negro, mas sim com trechos curtos dos
flancos dos pequenos vales constituídos pelos igarapés
O sítio e a estrutura urbana de Manaus que seccionam o tabuleiro. O Rio Negro, próximo
de seu ângulo de confluência com o Solimões, após
A cidade de Manaus assenta-se sobre a porção a fase de encaixamento pós-pliocênica, funcionou
ribeirinha de um sistema de colinas tabuliformes, contínua e rapidamente como margem de ataque,
pertencentes a uma vasta seção de um tabuleiro de esculpindo aquela extensa amurada de falésias, que
sedimentos terciários situado na confluência do Rio atestam um afastamento para o interior da ordem de
Negro com o Solimões. centenas de metros e até de alguns quilômetros, em
O sítio de Manaus difere do de Belém prin- determinados pontos.

112
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
7

elementos tão variados, situados entre as


altas margens do Rio Negro e a embo-
cadura dos igarapés manauenses, os ou-
tros bairros da cidade estendem-se pelo
sistema de colinas esculpido nos ter-
renos arenosos do tabuleiro pliocênico
de Manaus. De modo geral, os bairros
mais pobres e modestos estão nas praias
de estiagem, nos flancos internos dos
igarapés e no verso ondulado da barreira
fluvial, enquanto os mais ricos envolvem
a porção central da cidade, formando um
cinturão irregular nas colinas de altitude
média, dotadas de maior continuidade e
suavidade de formas topográficas.

As origens do povoado Lugar da Barra

Meio século após a fundação de


Belém (1615-1616), os sertões ama-
zônicos do Rio Negro passaram a
Figura 1. Planta de Manaus, focalizando os principais igarapés que
ser objeto das incursões portuguesas
influem na "compartimentação" dos diversos blocos urbanos de Manaus
provenientes dos núcleos atlânticos
(Extraída do trabalho de Pierre Gourou, "Observações Geográficas na
preexistentes (São Luís e Belém).
Amazônia", Rev. Bras. de Geogr., Ano XI N° 3, 1949).
Mormente a partir de 1657 e 1658,
Resumem-se, portanto, os elementos topográ- algumas expedições preadoras - réplica do ban-
ficos que participam da condição de sítio urbano de deirismo paulista ao longo dos caudais amazô-
Manaus: nicos - incursionaram pelo Rio Negro, cruzando
- Em uma “barreira” fluvial alongada e rela- sem maiores reparos o sítio que um dia iria conter
tivamente contínua, na margem esquerda do Rio a grande cidade. Na região, as preferências iniciais
Negro. estiveram ligadas à boca do Tarunã, situada a 30 km
- Em praias de estiagem de 10 a 20 m de lar- da barra do Rio Negro, aproximadamente a três lé-
gura, na base da barreira, totalmente inundáveis du- guas a montante de Manaus.
rante as cheias. Enquanto os soldados expedicionários execu-
- Em colinas suaves e de níveis variáveis no tavam verdadeiras caçadas humanas, os missionários
reverso da barreira. pioneiros procediam à catequese, tentando agrupar
- Em níveis de terraceamento nos flancos dos os índios tarunãs e tribos vizinhas. A lei da época
principais igarapés e ligeiras rampas de acesso entre ordenava que “um sacerdote assistisse sempre ao ca-
os terraços e os diversos níveis de colinas esculpidas çador de escravos” (Monteiro, 1952). A par com os
no dorso do tabuleiro terciário. índios catequizados e aldeados pelos missionários
Alguns bairros oriundos da fase mais recente jesuítas, havia o grupo dos prisioneiros das odiosas
de expansão da cidade estão atingindo os níveis mais expedições de resgate, que eram enviados para Belém
elevados do tabuleiro. O topo do tabuleiro possui a como escravos e ali muito bem recebidos para mão de
forma de extensa esplanada, marcadamente tabuli- obra servil e utilizados nos mais diversos misteres.
forme, enquanto os níveis altimétricos intermediários Por volta de 1661, graves acontecimentos
asilam colinas bem esculpidas que permanecem como históricos se sucederam, chegando a influir no po-
que embutidas entre largos desvãos do nível superior. voamento da região: os jesuítas, que eram uma es-
Às praias de estiagem corresponde uma verda- pécie de fator de equilíbrio entre o apresamento e o
deira cidade palafítica, das mais exóticas e pitorescas povoamento efetivo, foram expulsos. Ao mesmo
encontradas no território brasileiro. Por outro lado, o tempo, as repetidas incursões holandesas pelo Ore-
próprio rio, assim como principalmente os igarapés, noco e espanholas pelo Solimões se intensificaram
asilam casas flutuantes que ficam à mercê do ritmo ameaçadoramente, pondo em jogo o destino de
anual das águas, aproveitando-se dos mais rústicos grandes porções da Amazônia portuguesa. Por su-
espaços urbanos ainda existentes na zona central de gestão do temível preador Costa Favela, após o seu
Manaus. O centro da cidade, por sua vez, encontra-se regresso da expedição de 1668, o governador do Pará
nas “terras firmes” correspondentes ao nível dos ter- mandou construir uma fortaleza no “Logar da Barra”,
raços dos flancos dos igarapés. Exceção feita desses a fim de servir de base para a defesa tanto do Rio Negro

113
como eventualmente do Solimões. Pela primeira vez O crescimento da cidade de São José da Barra
se reparava na excelente posição geográfica do local;
descobria-se assim, em primeiro lugar, a situação es- A estatística mais antiga que possuímos do lu-
tratégica que um dia iria ser o fundamento da própria garejo remonta a 1774: o Lugar da Barra possuía a
situação geográfica privilegiada de Manaus. esse tempo 220 habitantes, contando-se os soldados
A construção do Forte de São José do Rio da guarnição e os índios. Uma estatística de 1778
Negro, em 1669, foi dirigida pelo capitão de ar- acusa 256 habitantes, distribuídos da seguinte forma:
tilharia Francisco da Mota Falcão. Tratava-se de 34 brancos, 220 índios e dois escravos negros. Como
“um simulacro de Fortaleza, de forma quadrangular, observa Mario Ypiranga Monteiro, cujas informações
em pedra e barro, sem fosso” (Monteiro, 1952). nos estão guiando muito de perto, a lei de 6 de junho
Sua paisagem devia contrastar sobremaneira com o de 1755 sustou a escravidão do índio e, ao mesmo
quadro das maciças casas fortes construídas pelos portu- tempo, abriu as portas aos primeiros escravos negros,
gueses em outros pontos estratégicos da Amazônia. A através de uma corrente extremamente reduzida.
despeito de sua rusticidade e de sua modéstia, foi “sob Os dados estatísticos de Alexandre Rodrigues
a proteção daqueles canhões” que surgiu o povoado da Ferreira, em relação ao ano de 1786, mostram o cres-
Barra; a “casa forte precedeu o povoado”, segundo o cimento lentíssimo da população local: havia por esse
dizer expressivo de Mario Ypiranga Monteiro. tempo apenas 301 habitantes (47 brancos, 243 índios
Aos poucos, o aldeamento da boca do Tarunã e 11 negros), repartidos por 40 habitações. Irrisória,
foi decaindo, enquanto o Lugar da Barra passou a portanto, a população do aldeamento, um século
ser o novo foco de atração para os índios regionais. após sua fundação. Produzia-se de tudo um pouco
Os manaus foram aldeados e incorporados à vida do na região, visando-se o autoabastecimento: milho,
pequenino povoado, o mesmo tendo acontecido com café, algodão, tabaco, arroz e castanha. Fabricava-se
outras tribos dos arredores. Logo, os missionários farinha, em relativa abundância; teciam-se redes, as
carmelitas vieram substituir os jesuítas expulsos, na “maqueiras” tradicionais; praticava-se uma criação
faina da catequese; chegaram ao Lugar da Barra a rudimentar e ínfima (20 cabeças de gado, em 1786).
partir de 1695, reorganizando a vida do aldeamento A tartaruga já interessava ao homem da região, quer
de soldados e índios perdido naquelas longínquas como alimento, quer como fonte de produção de
paragens da Amazônia. A mestiçagem entre portu- manteiga; cita-se mesmo que os primeiros e poucos
gueses e índios, a princípio desregrada, foi aos poucos escravos negros especializaram-se no fabrico da man-
sendo legalizada através de sucessivos casamentos, teiga de tartaruga.
graças principalmente à presença e à influência moral Em 1783, o Forte de São José da Barra já era
dos missionários. uma sombra inútil dos tempos iniciais da dominação
Fundada a Vila de Mariuá (1758), no terceiro portuguesa na Amazônia. Desaparecida aquela tensão
quartel do século XVIII, posteriormente transfor- militar dos primeiros dias e assegurando o domínio
mada em capital da Capitania do Rio Negro, foi português por quase toda a Amazônia, as modestas
retardado ainda mais o desenvolvimento da futura bases intermediárias perderam sua função. Daí o fato
cidade de Manaus. O Lugar da Barra permaneceu de o Forte da Barra ter sido desarmado, por volta de
na categoria de modesta parada forçada para os que 1783, e dele nada ter restado na paisagem urbana.
demandavam o Alto Rio Negro, em busca de Mariuá A ação administrativa de Lôbo de Almada, em
(Barcelos). São José do Rio Negro ficou marcando relação a São José da Barra, marcou um verdadeiro
passo como ínfimo lugarejo de beira-rio, onde ve- período de evolução para o lugarejo. Em poucos
getava uma indolente população de índios aldeados anos fez-se mais do que em todo o primeiro século
e de uns poucos soldados-colonos, sem nenhuma de vida do povoado. Construiu-se o Palácio dos
função militar importante. A futura Manaus era Governadores, multiplicaram-se as iniciativas úteis e
ainda o Lugar da Barra, uma simples etapa de longos práticas para melhor abastecer a região em produtos
roteiros fluviais. de uso corrente. Instalaram-se uma pequena fábrica
Convém lembrar que, por esse tempo, havia de tecidos de algodão, uma cordoaria, uma olaria,
uma irreprimível tendência para o povoamento con- uma padaria, uma fábrica de vela e outras redes.
centrado na Amazônia; dominava em todos os pontos Fez-se um pequeno estaleiro para a construção de
o hábitat concentrado, semirrural, complementado canoas e barcos; estabeleceu-se um depósito de
por pequenas e variadas atividades de subsistência. pólvora. Ampliou-se a guarnição local para trezentos
O ciclo econômico da borracha, muito mais tarde, homens. Enfim, Lôbo de Almada foi para Manaus;
iria redundar na transformação dessas aglomerações guardadas as devidas proporções, uma espécie daquilo
iniciais em cidades e na redistribuição dos homens que o Príncipe Regente seria, anos mais tarde, para a
pelas zonas ribeirinhas das planícies aluviais, através cidade do Rio de Janeiro.
de uma dispersão linear típica. Em 1804, a Vila da Barra do Rio Negro era
feita capital da Capitania do Rio Negro, depois Pro-

114
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
7

Figura 2. A cidade de Manaus na segunda metade do século XIX - Fragmento da paisagem antiga da capital do
Amazonas, retratando a cidade num período que precedeu a instalação do porto e da alfândega e que antecedeu o
soterramento de um dos pequenos igarapés centrais do aglomerado urbano (gravura extraída do livro de Santa-Anna
Nery, Les Pays des Amazones, 1885).

Figura 3. O antigo ancoradouro de Manaus - Paisagem do ancoradouro de Manaus na segunda metade do século
XIX. Trata-se do lugar exato, onde mais tarde - nos primeiros anos do século XX - foram construídas as modernas
instalações portuárias da cidade (gravura extraída do livro de Santa-Anna Nery, Les Pays des Amazones, 1885).
115
víncia do Amazonas, que se separou do Pará em 1852. XIX, no Brasil, foi a transformação econômica ligada
Foi, portanto, apenas no alvorecer do século XIX que ao advento do ciclo da borracha que veio beneficiar
o Lugar da Barra transformou-se em capital, adqui- Manaus, tanto no seu desenvolvimento demográfico
rindo pela primeira vez funções administrativas mais como urbanístico. De 1889 para 1920, sua população
ponderáveis. Esse aspecto tardio da aquisição das saltou de 10.000 para 75.000 habitantes; crescimento
funções de capital tem muito que ver com a história invejável para uma pequena cidade da distante e
do crescimento da cidade. pouco desenvolvida Amazônia Central.
Uma estatística de 1839 acusa 4.188 almas para Da leitura dos relatos de viajantes que visi-
a população da pequena capital, além da presença de taram a cidade no início do século atual, percebe-se
379 escravos. Outrora, para um reduzido número de que a cidade de Manaus, antes mesmo de crescer de-
indivíduos livres, havia uma pequena massa de es- mograficamente, ganhou a fisionomia de uma grande
cravos; aos poucos, a inversão feliz se operou. Por cidade, devido a sua importante função comercial e
essa época, entretanto, o Palácio dos Governadores portuária. Nesse particular são muito interessantes as
era o mesmo edifício tosco, coberto de palha, man- observações de Paul Walle, que passou por Manaus,
dado construir cinquenta anos antes por Lôbo de Al- por volta de 1908. Diz-nos esse autor:
mada. O número de moradias da cidade não atingia La capitale de l’État d’Amazonas a bien l’aspect
a meio milheiro. d’une ville nouvellement édifiée; en effet, il y a
Quando o casal Agassiz visitou a cidadezinha, vingt ans, Manaos n’était qu’un gros bourg; la
em 1865, possuía ela todos os defeitos urbanos e so- ville actuelle a été disputée et gagnée sur la forêt.
ciais de um povoado amazônico, minúsculo e segre- C’est à présent un grand centre de navigation et
gado, nascido e crescido de um aldeamento de índios de commerce. La population est extrêmement
e à sombra de uma rústica fortaleza de soldados-co- cosmopolite, bien plus encore qu’a Pará, et à
lonos. Daí a observação irônica de Elizabeth Agassiz l’époque de la safra (récolte), on y trouve un as-
(1938): “Que poderei dizer de Manaus? É uma pe- semblage varié d’hommes de toutes races et de
quena reunião de casas, a metade das quais prestes a toutes couleurs. Cela forme, à certaines époques,
cair em ruínas e não se pode deixar de sorrir ao ver os une population flottante énorme; il est possi-
castelos oscilantes decorados com o nome de edifí- ble qu’elle atteigne alors le chiffre de 70.000 ou
cios públicos...”. Manaus, nesse tempo, era sobretudo même de 75.000 habitants, peut-être plus: mais
uma cidade índia, onde a população de origem índia ces chiffres, basés sur des renseignements impar-
e os resíduos de costumes e atividades do índio eram faits et sujets à caution, ne peuvent être donnés
um fato na movimentação da vida urbana; apenas os comme absolument exacts.
índios pareciam ter uma vida mais livre e agradável,
em face do clima e do ambiente físico. A iluminação Ao iniciar-se o ciclo da borracha, a imigração
pública do lugarejo, havia algum tempo, era feita por para as zonas florestais precedeu a imigração para
um sistema de lampiões alimentados por manteiga as cidades, no Estado do Amazonas. Na realidade,
de tartaruga, óleo de peixe-boi ou óleo de mamona. aquela pequena massa humana de imigrantes nor-
Nada de mais amazônico poderia ser imaginado do destinos, mormente cearenses, que convergiu para a
que esse fato. Amazônia nos últimos vinte e cinco anos do século
À medida que a população urbana crescia, as XIX, não veio acrescer de pronto a população das
condições de abastecimento alimentar tornavam-se cidades. Em seu livro de 1885, escrevendo para um
mais difíceis e precárias. Quando Henry Bates passou público francês, dizia Santa Anna Nery, com ponde-
por Barra do Rio Negro, pela primeira vez, em 1850, ração (Nery, 1885):
anotou que a cidade “sofria de escassez crônica dos La population des Villes n’augmente pas, sans dou-
gêneros alimentícios mais necessários”. Por ocasião te, d’une manière assez rapide, pour des causes que
de sua volta à cidade, em 1856, persistia o mesmo nous étudierons plus tard, mais l’intérieur se peuple
problema. De passagem, lembramos que foi por essa de hardis extracteurs de caoutchouc, et on calcule
época, entre as duas estadias do naturalista na cidade, que d’une seule province brésilienne, de la province
que a mesma adquiriu o nome de Manaus (1852). de Ceará, l’Amazonie a reçu environ 60.000 immi-
grants pendant ces dernières années.
Manaus e seu crescimento moderno
Aos poucos, porém, não se fizeram esperar,
Somente por volta da proclamação da Re- de mil e um modos, os reflexos do desenvolvimento
pública é que Manaus atingiu 10.000 habitantes; econômico do interior no crescimento da capital.
note-se que, por essa época, Belém já possuía apro- Guardadas as proporções, aconteceu com Manaus um
ximadamente 60.000 almas, constituindo uma das pouco daquilo que se passou com São Paulo, mais ou
grandes cidades brasileiras do tempo. Mais do que as menos durante a mesma época. São Paulo, à sombra do
transformações políticas e sociais dos fins do século desenvolvimento econômico do café, cresceu desmesu-

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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adquiria o importante papel de redistribuidor essen-


cial de todos os produtos de importação provindos
do Brasil e do exterior. As enormes distâncias que
separam a cidade dos principais centros industriais
vieram fomentar, por seu turno, uma pequena indús-
tria de oficinas e ateliês, cuja função sempre foi muito
importante na história da cidade.
Em 1940, a população era de 108.000 ha-
bitantes e, em 1950, de 110.678. Note-se que sua
população continua crescendo entre 1920 e 1940,
enquanto a de Belém sofreu um ligeiro decréscimo.
Foto 1. O Porto o e o Centro de Manaus, em vista Mais recentemente, porém, o aumento da população
aérea. tem sido mínimo. Inúmeros problemas urbanos novos
têm atingido a cidade, a começar pela constante falta
de energia elétrica, que veio influir na iluminação
pública e nos transportes coletivos, obrigando a ci-
dade a viver às escuras (exceção feita apenas para uma
pequena porção do Centro) e estancando a aptidão
industrial que sempre a caracterizou.
Nos seus trinta anos de crescimento acelerado
(1890-1920), a cidade viveu dias de grande movi-
mentação, pretendendo transformar-se diretamente
em uma metrópole moderna. A instabilidade dos
preços de seu principal produto de exportação e a
falta de diferenciação no pequeno grupo de produtos
exportáveis acarretou consequências graves para o
crescimento da cidade. Le Cointe, que publicou o
Foto 2. O Porto de Manaus, em vista tomada do Rio
seu excelente livro sobre a Amazônia quase ao tér-
Negro, vendo-se a silhueta do edifício do I.A.P.T.E.C.

radamente, controlando a um tempo a expansão ferro-


viária no planalto, a imigração estrangeira e uma indus-
trialização crescente. Manaus, ao contrário, cresceu sob
o impulso de uma economia de coleta extensiva, depen-
dendo de correntes de imigração interna, de um meca-
nismo de circulação moroso ligado exclusivamente aos
rios e tendo que dividir as glórias de metrópole com a
cidade de Belém, a maior cidade do Norte do país.
Foi exatamente entre 1890 e 1920 que o or-
ganismo urbano do pequeno lugarejo do século XIX,
que merecera referências tão pouco airosas de Elizabeth
Agassiz, veio a sofrer transformações radicais em sua fi-
sionomia urbana. Construíram-se o porto e o mercado.
Abriram-se avenidas e urbanizaram-se praças. Novos
blocos de quarteirões residenciais e ruas espaçosas
ampliaram marcadamente a primitiva área da cidade.
Alguns pequenos igarapés centrais foram aterrados,
ao mesmo tempo que se fez um saneamento extensivo
dentro dos moldes preconizados pelo grande higienista
Osvaldo Cruz. A capital ganhou uma iluminação pú-
blica razoável e um sistema telefônico modesto. Cons-
truiu-se o famoso Teatro Amazonas e procedeu-se ao
calçamento de um grande número de ruas.
Tudo isso se fazia à sombra do desenvolvi-
mento comercial da cidade. Manaus firmava-se como
o grande entreposto de exportação dos produtos flo- Fotos 3 e 4. Paisagens urbanas de Manaus: áreas peri-
restais da Amazônia Central, ao mesmo tempo que féricas do Centro da Cidade.

117
mino desse período de esplendor de Manaus, diz com que se poderia desejar. Para escapar dos efeitos da
muita razão (1922): “on commença tout, on termina gigantesca oscilação anual das águas do Rio Negro,
peu des choses...”. Muita coisa do que se fez foi um construiu-se o porto pelo sistema de cais flutuante,
tanto forçado, perdendo, quase imediatamente de- conseguindo-se obter uma profundidade média de 12
pois, as suas funções e os seus objetivos principais. O a 24 m em toda a extensão do embarcadouro. Desta
certo, porém, é que a esse tempo se estruturou a se- forma, como bem anotou Paul Le Cointe (1922), a
gunda grande cidade brasileira da Hileia, exatamente estrutura do aparelho portuário de Manaus foi idea-
aquela que, por sua posição equatorial e central, é um lizada e construída dentro de um plano “tão simples
dos mais legítimos orgulhos das tradições de trabalho quanto prático”.
do homem brasileiro em face do imenso território in- Falando-se sobre o Porto de Manaus, sua es-
tertropical que a história lhe legou. trutura, seus elementos e sua paisagem, assim se ex-
pressa Paul Le Cointe:
O Porto de Manaus Dois grandes cais flutuantes, construídos sobre
flutuadores cilíndricos de 2 metros de diâmetro
No conjunto das funções urbanas da capital e 5 metros de comprimento, conseguem man-
amazonense, onde a função comercial ocupa lugar ter, em excelentes condições, o embarque e o
de primeira plana, avulta a importância do Porto de desembarque das mercadorias e dos viajantes.
Manaus. Trata-se do maior porto fluvial do Brasil e Em um deles, de 200 metros de comprimento e
de um dos oito maiores portos do país. 26 de largura, estabelecidos sobre 30 séries de 4
Possui o Porto de Manaus 1.313 m de ex- cilindros cada um, encostam unicamente navios
tensão de cais flutuante para profundidade de 20 m. transatlânticos; ele se liga aos armazéns situados
Seus armazéns totalizam uma área de 19.031 m², em terra por três carros aéreos de tração elétri-
possuindo capacidade para 38.062 toneladas. Servem ca montados sobre sólidas torres de aço de 21
as atividades do porto 19 guindastes de 2 a 3 tone- metros de altura e que transpõem um espaço de
ladas cada um (Departamento Nacional de Portos e 153 metros. O outro é reservado aos navios que
Navegação, 1940). fazem a navegação de cabotagem e àqueles que
O sítio do Porto de Manaus corresponde a um servem às linhas fluviais: ele se comunica com os
trecho da margem de ataque principal do Rio Negro cais dos armazéns por um plano inclinado arti-
e possui condições de acesso e atração das melhores culado, flutuante, de 167 metros de comprimen-

Figura 4. Planta do Porto de Manaus (extraído de "Portos e Navegação do Brasil" D.N.P.N., 1940).

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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Fotos 5 e 6. A ocupação dos flancos e fundos dos


igarapés em Manaus: casas flutuantes na estiagem e
sobradões. Fotos 7 e 8. Paisagens urbanas do Centro de Manaus
e adjacências.
to e 12 de largura, que possibilita acesso fácil,
qualquer que seja o nível do Rio Negro. Vastas
tral e da Ocidental. Todo o volume de sua cabotagem
docas, construídas sobre a linha dos cais, conside-
tem girado em torno da borracha bruta ou semima-
ravelmente ampliada por um aterro, e sobre uma
nufaturada e, secundariamente, em torno da castanha
grande plataforma mantida por estacas, servem
exportada a granel. De resto, os inúmeros pequenos
de entrepostos ou são utilizadas para atividades
produtos da região não perfazem grande volume,
aduaneiras cujos serviços administrativos foram
interessando à cabotagem apenas na categoria de
reunidos em um edifício especialmente constru-
produtos “ancilares”. Em contraste, a importação é
ído para esse fim.
a mais variada possível, desembarcando em Manaus
O conjunto das construções portuárias não po-
os mais diversos produtos nacionais e estrangeiros, já
deria em caso algum ser estético, mas ele possui
que a cidade é a grande redistribuidora de uma área
um grande inconveniente - que poderia ser evi-
territorial superior a 2 milhões de quilômetros qua-
tado em parte por um melhor agrupamento dos
drados dentro da Amazônia brasileira. Desta forma,
edifícios - que é o de esconder completamente a
Manaus, através de seu interessante e importante
vista do rio e dificultar a ventilação dos quartei-
porto, possui a função regional de grande porta de
rões ribeirinhos, que são os mais frequentados e
ocidentalização para as regiões equatoriais da Ama-
movimentados de Manaus.
zônia Brasileira.
A despeito de pequenas modificações introdu-
zidas no quadro descrito há mais de trinta anos por Paisagem urbana de Manaus
Le Cointe, ele ainda é perfeitamente válido para uma
boa compreensão do Porto de Manaus (Figueiredo). O coração urbano da capital do Amazonas
O aparelho portuário continua sendo uma espécie de apresenta-nos um aspecto muito singelo, denotando
órgão postiço em face do centro principal da cidade, traços de paisagem arquitetônica peculiares a quase
não se entrosando esteticamente com o corpo do or- todas as capitais brasileiras do Norte e do Nordeste.
ganismo urbano manauense, muito ao contrário do De fato, a parte central de Manaus mostra-nos a
que sucede em Belém. herança arquitetônica, pouco transformada, resul-
No setor econômico, Manaus é ainda o grande tante da fase de crescimento vivida pela cidade nos
porto de exportação da borracha da Amazônia Cen- primeiros anos do século atual. Apenas alguns raros

119
velha praça, que outrora dava para o rio, é barrado
pela existência dos edifícios da alfândega e do porto.
Ruas laterais dão acesso, de um lado, aos armazéns
do cais e, de outro, ao grande mercado municipal de
beira-rio. Antigamente, entre o sítio da alfândega
e a zona do mercado existia a embocadura de um
pequeno igarapé, o qual foi inteiramente soterrado
e incorporado ao sítio urbano da porção central da
cidade.
Com as dificuldades de obtenção de energia
elétrica e a supressão dos serviços de bondes elé-
tricos, a praça Osvaldo Cruz tornou-se o centro de
irradiação das inúmeras linhas de ônibus que servem
à cidade. O nome do grande médico brasileiro foi
dado ao logradouro central de Manaus em tributo à
memória do higienista cujos planos de saneamento
alcançaram até mesmo a longínqua capital do Estado
do Amazonas.
Nas ruas transversais e paralelas à praça Os-
valdo Cruz, concentram-se os grandes e velhos edi-
fícios comerciais da cidade. Ali, espremidos apenas
em um dos lados da praça irregular, encontram-se os
bancos, o correio, a Associação Comercial, as lojas e
armazéns das grandes firmas importadoras e expor-
tadoras, além de um bom número de edifícios admi-
Fotos 9 e 10. Manaus vista do Rio Negro: a fábrica de nistrativos. As poucas avenidas mais largas que foram
cerveja e o cais do mercado e seu caótico movimento. abertas nos princípios do século, saem da praça Os-
valdo Cruz e demandam os níveis mais elevados das
edifícios isolados, da era dos arranha-céus, estão colinas, contendo residências finas, clubes e edifícios
rompendo a paisagem extremamente homogênea públicos.
do casario maciço e raso de Manaus. É assim que o É de se notar que não variou muito a paisagem
edifício do Iapetec e o Hotel Amazonas, com suas da porção central de Manaus, desde o começo do
linhas ultramodernas, contrastam sobremaneira com século até nossos dias. Tanto as fotografias antigas
a fisionomia precocemente envelhecida do grande como as descrições de viajantes que por lá passaram
entreposto da Amazônia Ocidental. há trinta ou quarenta anos atestam essa ausência de
A praça Osvaldo Cruz, que asila a velha e transformações recentes, dignas de maior nota. Paul
grandalhona Catedral de Manaus, situa-se irregular- Walle, que visitou a cidade em 1908, encontrou-a,
mente entre a zona portuária e a encosta das colinas aparentemente, muito parecida com aquela que visi-
que formam a zona comercial da cidade. O fundo da tamos em 1953. Foi com as seguintes palavras que o

Foto 11. Paisagem urbana da zona comercial do Centro de Manaus.

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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Foto 12. O edifício famoso da cidade: Teatro Amazonas.


Foto 13. Zona comercial dos arredores do Mercado
Municipal de Manaus.
minucioso viajante retratou a capital do Estado:
En débarquant, le voyageur se trouve aussitôt sur
une place, moitié jardin, un peu en pente, mais des Barracas de madeira, cobertas de folhas de
mieux entretenues: au fond, on aperçoit la cathé- flandres, ocupam temporária e sazonalmente as
drale, édifice d’architecture simple et d’intérieur rampas laterais, como que num extravasamento in-
modeste. (...) De cette place, partent des rues lar- controlável do organismo movimentado do mercado
ges, flanquées de chaque côté d’édifices modernes, na direção do rio e do ar livre. Barcos e canoas, de
de maisons de commerce exhibant les produits de todos os tamanhos e tipos, não raro com a forma
l’art et de l’industrie mondiale. Les édifices pu- bizarra e oriental de verdadeiros sampangs, movi-
blics attestent la richesse et l’état de progrès de la mentam e dão cor local à paisagem da grande cidade
naissante métropole amazonienne. Le théâtre est fluvial brasileira. Através de curiosos fenômenos de
un monument vraiment somptueux; c’est de tous convergência repetem-se ali fatos, cenas e paisa-
les édifices celui qui attire le plus l’attention du
voyageur par son architecture imposante et d’un
ensemble heureux. Erigé sur une élevation, il do-
mine la ville avec sa coupole aux couleurs vives.

Salvo os dois grandes edifícios modernos, a que


já aludimos, o centro de Manaus ainda é o mesmo
que foi descrito pelo geógrafo Paul Walle.
Restou-nos a tarefa de descrever algumas pai-
sagens urbanas de Manaus que ainda não mereceram
uma divulgação suficiente. Nesse sentido, lembramo-
nos logo do cais do mercado, que, pela sua paisagem
e movimentação, é capaz de constituir um quadro vi-
sual indelével para os que visitam Manaus. Já conhe-
cíamos a rampa do mercado de Salvador, com seus
saveiros atopetados de mercadorias; já tínhamos to-
mado contato com o cais das barcaças do Ver-o-peso,
cujas vigilengas multicolores mereceram a atenção do
Antônio Rocha Penteado (1949); entretanto, nada
de semelhante em rusticidade e variedade de aspecto
pudemos encontrar que fosse comparável ao cais do
mercado de Manaus no Rio Negro.
Atrás do mercado, em plena área das praias de
estiagem, situa-se o desarranjado e formigante cais
das barcas, barcaças e canoas que abastecem o entre-
posto. Durante a vazante, a rampa arenosa se alarga,
enquanto durante as cheias o nível das águas, elevado
de 5 a 6 m, em média, encontra-se no alto paredão
dos fundos do mercado, atingindo as duas rampas la-
terais pavimentadas que dão acesso à rua comercial
Fotos 14 e 15. Paisagens do cais do Mercado, em plena
da frente do edifício.
estiagem.
121
gens peculiares a muitas cidades fluviais situadas em no Boletim Paulista de Geografia dois artigos sobre a
terras da longínqua China ou da Índia, conforme capital de Amazonas, nos meados do século; graças
uma observação feliz que nos foi feita pelo professor ao estímulo que recebemos do saudoso Prof. Aroldo
Wladimir Besnard. de Azevedo.
Uma nota desagradável e relativamente de ex- Revendo, agora, os passos dos viajantes que
ceção em face das boas condições higiênicas gerais passaram por Manaus, em diferentes épocas e pe-
da cidade de Manaus é o acúmulo de lixo atrás do ríodos da história econômica e social da Amazônia
mercado, durante a vazante: cascos de tartarugas gi- brasileira, julgamos indispensável a releitura das re-
gantes, bagaço de cana e cascas de frutas são jogadas ferências sobre a cidade contidas nas obras de Alfred
sem maiores cuidados na praia de estiagem. Espera- Russel Wallace (1853), Henry Walter Bates (1863),
se que o rio suba de nível para arrastar os resíduos Louis Agassiz e Elizabeth Cary Agassiz (1868),
acumulados, o que positivamente é um fato absurdo. Santa Anna Nery (1885), Paul Walle (1908), Paul Le
Daí a ronda calma e constante dos urubus, na zona Cointe (1922), Arthur Cezar Ferreira Reis (1935),
do mercado e adjacências. Impõe-se vencer tais irre- Pierre Gourou (1949), Aziz Ab’Sáber (1953), Rita
gularidades de exceção, assim como outros pequenos Olmo Aprigliano, Sônia Vilar Campos, Nice Lecocq
detalhes importantes, a fim de dar continuidade a Müller e outros (Plano de Desenvolvimento Local
um saneamento planificado à grande cidade equato- Integrado de Manaus, 1973), Nice Lecocq Müller
rial brasileira. Tanto as grandes inundações como as (1974), José Ribamar Bessa Freire (1987), Mário
vazantes extremadas acarretam problemas ao homem Lacerda de Mello (1986), Mário Lacerda de Mello
das zonas ribeirinhas, exigindo soluções especiais dos e Hélio A. de Moura (1990), ao que se acrescentam
que são responsáveis pelas coisas públicas. os estudos que vêm sendo desenvolvidos nos últimos
anos por Ana Lúcia Abrahim e seus colaboradores
sobre o patrimônio urbano arquitetônico e a ecologia
Adendo urbana de Manaus. Sobre a Zona Franca de Manaus,
que é certamente o grande fato novo da cidade, cons-
tituem estudos básicos os trabalhos de Irene Garrido
Os novos estudos sobre Manaus (1971) e Rosalvo Machado Bentes (1983). No ter-
reno dos ensaios destacam-se as importantes contri-
O pequeno ensaio sobre Manaus - ora repro- buições de Mario Ypiranga Monteiro, Arthur Cezar
duzido - foi elaborado após uma viagem realizada Ferreira Reis, Leandro Tocantins, Samuel Ben-
em janeiro de 1953. Na ocasião, aproveitando uma chimol e J. Zimmermann. Em 1990, a Prefeitura de
oferta da FAB para o transporte de pesquisadores Manaus, através de seu departamento intitulado Co-
paulistas - geógrafos e etnógrafos - excursionamos sama, elaborou uma planta atualizada da grande ci-
pela região de Manaus e seus arredores. Na época dade dos tempos atuais, através de um levantamento
o Aeroporto de Ponta Pelada estava em fase inicial aerofotográfico específico para o subespaço geográ-
de construção. Em relação à Amazônia estávamos fico da capital. Existem grandes expectativas em re-
no momento da transição do uso dos pequenos hi- lação a estudos mais detalhados, de ordem compara-
droaviões do Correio Aéreo Nacional, para um tiva, entre Manaus e cidades da África e da Malásia.
tipo de aeronaves que exigiam aeroportos e campos André Libault, geógrafo e cartógrafo francês que co-
de pouso mais equipados ou pelo menos mais bem laborou com a Universidade de São Paulo, realizou es-
distribuídos. O avião em que viajamos era uma das tudos pioneiros de ordem comparativa entre Manaus
incômodas “fortalezas voadoras”, utilizadas na Se- e Bancoc, infelizmente não publicados.
gunda Guerra Mundial e posteriormente doadas ao As referências de Spix e Martius (1823), jun-
Brasil, para treinamento de pilotos da Força Aérea tamente com as de Wallace (1853) e Bates (1863),
Brasileira. prestam-se, admiravelmente, para nos dar uma ideia
Para nós, paulistas, o contato com a cidade de do que seria o Lugar da Barra (depois Manaus), antes
Manaus tinha o sabor de uma oportunidade de pes- da grande diáspora fluvial dos seringueiros e serin-
quisa em uma localidade histórica situada em pleno gais. Algumas observações de Louis Agassiz e Eliza-
coração da Amazônia. Éramos relativamente jovens beth Cary Agassiz completam o quadro e o cenário
e destituídos de qualquer recurso para pesquisas. da cidade de Manaus, em época imediatamente ante-
Todos os recursos governamentais, na época, eram rior ao ciclo da borracha. Quase vinte anos depois das
carreados para meia dúzia de privilegiados: sempre passagens do casal Agassiz por Manaus, F. J. Santa
os mesmos. Razão pela qual tínhamos que aproveitar Anna Nery (1885), em livro editado em Paris (Le
cada minuto de permanência em Manaus, para pro- Pays des amazones: L’El Dorado, les terres à caoutchouc),
curar entendê-la em sua estrutura, funções e, sobre- registra uma cidade em pleno rejuvenescimento eco-
tudo, em seu cotidiano de cidade estagnada há quase nômico, possibilitado pela sua função de centro de
meio século. De volta a São Paulo, pudemos publicar apoio para os seringais em expansão. Paul Le Cointe,

122
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
7

em seu alentado ensaio sobre a região amazônica para a baía do Rio Negro, desde o aeroporto militar
(L’Amazonie brésilienne), pelo contrário, fixou uma de Ponta Pelada até Ponta Negra, incluindo bairros
ideia, entre realista e crítica, sobre a cidade de Ma- tradicionais, mercado de barcas, Mercado Muni-
naus, ao início do período de decadência do extrati- cipal, Porto de Manaus e as duas bocas largas de
vismo na região. Seus estudos iniciados em 1915 - igarapés (de Manaus e São Raimundo, dotadas de
portanto um quarto de século após a época principal funções múltiplas), fixou um eixo de circulação sub-
da exploração da borracha - retratam uma cidade ribeirinha da maior importância para a circulação ur-
que começa a perder fôlego no seu desenvolvimento bana, tendendo a padrões urbanos mais elevados, na
urbano; com forte redução na sua área de influência faixa situada além-igarapé de São Raimundo. Com
comercial no conjunto dos rios e terras florestadas o crescimento demográfico e o forte e complicado
do acidente amazônico. O trabalho, publicado com desdobramento do espaço urbano, a cidade acentuou
retardo (1922), sintetiza os conhecimentos sobre a as disparidades sociais, assistindo ao adensamento da
Amazônia brasileira em um período de tempo que se pobreza intraurbana e ao advento de focos de vio-
estendeu de 1915 a 1920. A concisão da linguagem e lência, aparecimento de comércio informal e subem-
o alto espírito crítico de Paul Le Cointe compensam prego. O crescimento demográfico, realizado basi-
largamente sua pobreza metodológica. camente por fortes correntes migratórias de todos
Durante o longo período em que Manaus foi os quadrantes da Amazônia Ocidental, Solimões e
a própria imagem da decadência urbana, tivemos Médio Amazonas, deveu-se às ações múltiplas de
estudos históricos de grande valor - realizados por criação de mercado de trabalho formal ou informal,
Arthur Cezar Ferreira Reis, Mario Ypiranga Mon- precipitado pela implantação do distrito industrial da
teiro e Leandro Tocantins. Nossos próprios traba- Suframa e da Zona Franca (ZPF). Em cinco anos o
lhos, saídos em 1953, fixam o perfil de uma cidade aumento dos empregos diretos em atividades indus-
que decaiu desde os fins dos anos 1920 até o fim da triais saltou de 55.021 (1985) para 138 mil (1990),
década de 1950. Quarenta anos depois da publi- tendo ocorrido uma forte recessão em 1991, que im-
cação de nossas duas pequenas contribuições, Ma- plicou demissões da ordem de 35 mil operários, se-
naus tornou-se uma importante metrópole regional, gundo Samuel Benchimol (1991).
através da implantação da Zona Franca, da Suframa, O estudo básico para o conhecimento do pro-
do INPA, da Fundação Universidade da Amazônia, cesso de migrações para Manaus é o ensaio de Mário
de um turismo nacional e internacional; com ligações Lacerda de Mello e Hélio A. de Moura (1990), in-
terrestres para Roraima e fronteiras da Venezuela e titulado Migrações para Manaus, acrescido do estudo
República Comunitária das Guianas e interligações pioneiro de Rosalvo Machado Bentes sob o título
para o Centro-Sul e Santarém, Itacoatira e Mana- A Zona Franca e o Processo Migratório para Manaus
capuru. (dissertação de mestrado na UFPA, 1983). Outros
O crescimento populacional de Manaus re- estudos relevantes são os de: Sérgio Roberto Bacury
flete diretamente a instalação do distrito industrial Lira (A Zona Franca de Manaus e a Formação Industrial
da Suframa e o rápido e quase contínuo desenvolvi- do Amazonas, 1988), José Maria C. Santana (Manaus
mento comercial da Zona Franca. Calcula-se que, à e a Zona Franca: Avaliação da Saúde e das Condições
época da proclamação da República, Manaus tivesse de Vida da População - 1960-1980, defendido como
mais ou menos 10 mil habitantes. Ao fim do ciclo dissertação de mestrado na UERJ em 1984), Edila
da borracha, a cidade atingiu 75 mil moradores. Nos A. F. Maura (A Utilização do Trabalho Feminino nas
dois censos de meados do século, a cidade registrou Indústrias de Belém e Manaus, Organização do Processo
pouco mais de 100 mil habitantes: 108 mil em 1940, Produtivo sob a Indústria de Eletroeletrônicos da ZFM,
passando apenas para 110.678 em 1950. Em 1970, 1986) e Codeama/Manaus (IV Pesquisa Socioeconô-
nos primórdios de instalação da Zona Franca, a ci- mica da Cidade de Manaus, 1986). Deve-se ainda a
dade deu um salto demográfico, atingindo 281.685 Edila Arnaud Ferreira Moura e colaboradores um
habitantes. E, daí para a frente, tornou-se uma ci- excelente trabalho - que muito nos orientou - inti-
dade grande, registrando 611.763 em 1980 e atin- tulado Zona Franca de Manaus: Os filhos da Era Ele-
gindo pouco mais de um milhão de pessoas em 1991 troeletrônica, editado pela Associação das Universi-
(1.009.774). dades Amazônicas e Federal do Pará (1993, volume
O mecanismo de produção de espaços urbanos 1 da série Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia),
na região do baixo planalto de Manaus foi relativa- contendo bibliografia específica e seletiva.
mente complexo, já que comportou inicialmente um
modelo de crescimento de bairros carentes em po-
sição intraurbana segundo a tradição de “invasões” ao
longo dos igarapés e, logo depois, uma periferização
semiordenada, pelos quadrantes interiores do tabu- A bibliografia deste artigo se encontra no DVD anexo
leiro ondulado regional. A fachada urbana, voltada

123
BIBLIOGRAFIA

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Os estudos do professor Ab’SÁber
em áreas costeiras do Brasil

Olga Cruz

Desde o início de suas atividades como professor


universitário e geógrafo, o Professor Aziz Nacib Ab’Sáber
pesquisou sobre áreas litorâneas na costa brasileira. A
partir de 1950, ao analisar terras de relevo continental e
suas relações com feições costeiras florestadas, chamou a
atenção para as formações geológicas e geomorfológicas
das escarpas da Serra do Mar, como bordas do Planalto
Atlântico (Ab’Sáber, 1950). Ainda na década de cinquen‑
ta, lançou ideias fundamentais para uma “Contribuição ao
estudo do litoral paulista” (1954). Além disso, ao estudar
paisagens naturais e o homem do sambaqui (Ab’Sáber,
1952), ou ao levar em consideração os fatos geográficos
inerentes aos núcleos costeiros de povoação colonial, ou de
modernos centros urbanos com instalações portuárias -
como, por exemplo, a cidade de Salvador (Ab’Sáber, 1951)
- o professor sempre estabelecia fortes conexões entre os
fatos geomorfológicos e os ambientais (Ab’Sáber, 1956).
Na mesma época, seu trabalho sobre "A geomorfologia no
Brasil” (1958) foi de grande estímulo para os estudiosos em
geomorfologia geral e costeira.
Dentre a enorme multiplicidade dos assuntos en‑
focados por Ab'Sáber nas suas publicações, intriga‑lhe a
geomorfogênese da Serra do Mar em toda a sua exten‑
são (Ab’Sáber, 1961a,b; 1962; 1965). Além disso, discute
as variações climáticas no Quaternário (Ab’Sáber, 1969;
1971) com as mudanças do nível do mar e suas influências
no desenvolvimento do litoral e das paisagens ao longo da
costa brasileira. Para isto, examina a organização dos espa‑
ços costeiros (Ab’Sáber, 1972; 1982), a teoria dos refúgios
(Ab’Sáber, 1979; 1992; 1995; 2003a,b) e a movimentação
dos materiais superficiais nas escarpas da serra. Relembra
inclusive os catastróficos escorregamentos em avalanche de
1967 e de 1985 no litoral paulista (Ab’Sáber, 1985; 1987).
Chama a atenção para as interferências antrópicas e os seus
impactos na fachada atlântica do Brasil (Ab’Sáber, 1990),
assim como trabalha para o tombamento das escarpas da
Serra do Mar no Estado de São Paulo em nível de desen‑
volvimento sustentável (Ab’Sáber, 1986), não deixando de
apreciar os campos de dunas brasileiros e a história dos
deltas (Ab’Sáber, 2004a,b).
Como geomorfólogo dentro das Ciências Geográ‑
ficas, seus estudos, opiniões e comentários são de real im‑
portância em âmbito estadual, nacional e internacional.

124
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
8
A reportagem “A crise mundial da pesca: a longa AB’SÁBER, A.N. 1962. A Serra do Mar e o litoral de Santos.
Notícia Geomorfológica, Campinas, SP, (9-10): 70-77.
costa tropical” (Tassara e Ribeiro, 2007) cita Aziz AB’SÁBER, A.N. 1965. A Serra do Mar e o Litoral de Santos.
Ab’Sáber, o qual proclama o litoral brasileiro como Rio ed Janeiro, Anais da Academia Brasileira de Ciências, 37: 395-
"a mais longa e típica costa tropicalizada do mundo”, 397.
ao afirmar ser o litoral brasileiro o mais extenso do AB’SÁBER, A.N. 1969. Um conceito de Geomorfologia a serviço
das pesquisas sobre o Quaternário. Geomorfologia, São Paulo
mundo inter e subtropical, Ab’Sáber encara o gran‑ nº 18, Instituto de Geografia da Universidade de São Paulo.
de desafio de publicar, em 2001, a obra Litoral do AB’SÁBER, A.N. 1971. Uma revisão do Quaternário paulista: do
Brasil. Na apresentação de um extenso e grandioso presente para o passado. Revista Brasileira de Geografia, Rio de
Janeiro, ano 31, (4): 1-51.
acervo de imagens e de fotografias, ao mesmo tempo AB’SÁBER, A.N. 1972 Geomorfologia e problemas de organização
documental e estético, o livro transmite uma enorme do Espaço na ilha de Santo Amaro. Geografia e Planejamento,
variedade de belíssimas paisagens ao longo da costa São Paulo, Instituto de Geografia, Universidade de São Paulo,
(5).
brasileira. Com um litoral de tamanha dimensão e AB’SÁBER, A.N; BROWN JR., K. S. 1979 Ice-age forest
de excepcional diversidade, afirma o editor da Meta‑ refuges and evolutionm in the neotropics: correlation of
livros, "percebemos o tamanho da tarefa: cobrir ade‑ paleoclimatological, geomorphological and pedological data
quadamente e em poucas páginas a complexidade with modern biological endemism. Paleoclimas, São Paulo, (5):
1-30.
geológica, biológica e geográfica dos mais de 8.000 AB’SÁBER, A.N. 1982. Cubatão e os defeitos de organização dos
quilômetros da linha de costa brasileira". Cerca de espaços industriais no Terceiro Mundo. Inter Facies, São José
60 magníficas imagens de satélite recentes da série do Rio Preto, SP, nº 109, IBILCE-UNESP.
AB’SÁBER, A.N. 1985. A gestão do espaço natural: relembrando
Landsat e de sensacionais 193 fotografias, envol‑ Caraguatatuba - 1967 - para compreender Cubatão - 1985.
vendo profissionais de destaque no país, mostram Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, ano 1, (3): 90-93. Ed.
o excelente trabalho das equipes colaboradoras e do Pini.
AB’SÁBER, A.N. 1986. O tombamento da Serra do Mar no Estado
autor a selecionar as fotos, as imagens e os desenhos de São Paulo. Rio de Janeiro, Revista do Patrimônio Histórico e
de espécies da fauna litorânea no Brasil. O professor Artístico Nacional, (21): 7-20.
destaca e discute, com muita propriedade, a impor‑ AB’SÁBER, A.N. 1987. A Serra do Mar na Região de Cubatão:
tância das variações paleoclimáticas, das situações avalanches de janeiro de 1985. A ruptura do equilíbrio ecológico
da Serra de Paranapiacaba e a Poluição Industrial. In: Simpósio
climáticas atuais e geomorfogenéticas nos textos e sobre Ecossistema da Costa Sul e Sudeste Brasileira - Síntese
citações, mesmo fazendo falta, nos mapas dos ma‑ dos Conhecimentos, Cananéia, abr., ACIESP Academia. de
crossetores, uma localização dos lugares e localida‑ Ciências do Estado de São Paulo. São Paulo
AB’SÁBER, A.N. 1990. Painel das Interferências antrópicas na
des citados nos textos. Ab’Sáber dá assim, mais uma fachada atlântica do Brasil – Litoral e Retroterra Imediata.
vez ao país, um testemunho de sua enorme contri‑ – in IIº Simpósio de Ecossistemas da Costa Sul e Sudeste
buição ao conhecimento da diversidade, da riqueza e Brasileira – Estrutura, Função e Manejo, pp. 1-26. ACIESP
– São Paulo.
espetacular beleza das terras costeiras brasileiras. AB’SÁBER, A.N. 1992. Conservação, preservação e
desenvolvimento - propostas integradas - In: "Uma estratégia
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125
CONTRIBUIÇÃO À GEOMORFOLOGIA
DO LITORAL PAULISTA

Aziz Nacib Ab’Sáber

Introdução

O estudo dos baixos níveis costeiros constitui o mais


1955. Contribuição à geomorfologia sério documento que a geomorfologia moderna legou para
do litoral paulista. Revista Brasi- o esclarecimento da gênese das áreas litorâneas. Possibili‑
leira de Geografia, Rio de Janeiro, tando, de um lado, o estudo das correlações e correspon‑
ano XVII, (1): 3-48. dências entre os níveis marinhos e os níveis subaéreos da
área continental, e, por outro lado, favorecendo a observa‑
ção dos testemunhos dos diversos planos de abrasão preté‑
ritos em relação aos níveis das planícies costeiras recentes,
fornece uma das chaves para a restauração dos sucessivos
quadros desenrolados na gênese da zona litorânea.
Os estudos de sedimentologia das formações litorâ‑
neas recentes, as sondagens, as perfurações e as pesquisas
geofísicas e paleontológicas trouxeram uma contribuição
extraordinária para a explicação da natureza cronogeoló‑
gica dos depósitos costeiros, espessura dos pacotes de se‑
dimentos da costa, e para a compreensão da morfologia
e posição do embasamento que serviu de assoalho para a
sedimentação litorânea. Mas, foi, sem dúvida, o estudo
dos baixos níveis costeiros, representado pelo balizamento
e morfometria dos terraços marinhos (wave cut terraces e
wave built terraces) e fluviais (fill terraces e strath terraces),
que veio completar os dados mais diretamente ligados à
geologia, atrás referidos. Queremos crer que foi somente
através dessa íntima conjugação dos recursos analíticos da
geologia e da geomorfologia que os estudos genéticos sobre
as áreas litorâneas ganharam amplitude e maior validade
científica, mormente em se tratando de regiões costeiras
de relevo continental elevado e de tectônica moderna rela‑
tivamente estável.
Entre nós, os antigos estudos sobre litorais, por força
da época e de uma série de circunstâncias desfavoráveis,
tinham um caráter exclusivamente descritivo. As raras
tentativas de interpretação se revestiam de grande fragili‑
dade e superficialidade na argumentação científica, devi‑
do principalmente à falta de recursos analíticos. Mesmo os
trabalhos e referências preciosas de John Casper Branner
(1906 e 1915), Everardo Backheuser (1918) e Delgado de
Carvalho (1927), para citar os pesquisadores mais creden‑

126
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
8

ciados das três primeiras décadas do século, têm um dos que eram favoráveis à ideia de que a costa estaria
significado muito relativo sob o ponto de vista da sofrendo um processo de ascensão recente partiam
geomorfogênese de nossas áreas litorâneas*. todos de observações acessórias relacionadas com o
Os recursos analíticos de Branner (1915, pp. soerguimento recente que criou os baixos terraços
68-89 e 157-167), inegavelmente completos para a de abrasão de 3-5 metros e os terraços constitucio‑
época, constituíam quase todo o stock de argumentos nais de 2-4 metros. As ranhuras de abrasão desco‑
e recursos de pesquisas que um cientista muito bem bertas por Branner (1915, p. 160) na base do morro
atualizado poderia contar para realizar um estudo Primeiro de Março, em Vitória, estavam dispostas
de zona litorânea. Muitos dos que o sucederam não horizontalmente a dois metros acima do nível mé‑
possuíam uma parcela de seus conhecimentos e da dio da maré, e devem ter sido formadas ao mesmo
sua capacidade de observação, pois apenas fizeram tempo que os baixos terraços de abrasão e constru‑
estudos a duas dimensões, deixando de considerar ção marinhas. É de se supor, além disso, que, após
elementos dos mais importantes ligados aos depósi‑ sua sobrelevação, o nível do mar ascendeu ligeira‑
tos litorâneos e ao relevo soterrado pelos sedimentos mente, diminuindo a amplitude real das marcas da
das planícies costeiras. Mas nem mesmo Branner oscilação imediatamente anterior. Mais do que isso,
atinou com a importância do estudo minucioso do porém, os estudos recentes têm demonstrado que há
relevo dos maciços, pontas e esporões do relevo con‑ planos de abrasão situados a 20-30 metros, 50-60
tinental, visando ao estabelecimento dos baixos níveis metros e até 80-100 metros, transformados em terra‑
costeiros. Os estudos de Douglas Wilson Johnson ços de abrasão marinhos (wave cut terreace), fato que
(1919) não tinham sido publicados até então, e bem demonstra a grande amplitude das variações
quando o foram não tiveram a necessária divulga‑ de nível sofridas pela costa, nos últimos tempos, no
ção nos meios científicos brasileiros, aqui chegando sentido ascensional. Razões outras, entretanto, mais
com enorme atraso. Mas, sobretudo, o estudo dos do que simples movimentos epirogênicos positivos,
terraços fluviais e marinhos constituíram por muito passaram a ser invocadas para explicar tais fatos.
tempo um capítulo ausente de todos os trabalhos so‑ Realmente, os estudos recentes ligados às pes‑
bre litorais feitos entre nós até 1939. Por outro lado, quisas de Francis Ruellan (1944 e 1944a), João José
a consideração da teoria glacioeustática e a noção de Bigarella (1946), Reinhard Maack (1947), João Dias
interferência entre os movimentos eustáticos e os da Silveira (1950), Rui Osório de Freitas (1951) e An‑
movimentos epirogênicos ainda não haviam sido tônio Teixeira Guerra (1950 e 1951) modificaram em
incorporados aos recursos analíticos dos pesquisa‑ muito os critérios para o estudo do litoral brasileiro,
dores brasileiros, fato que somente se verificou após mormente no que diz respeito à zona litorânea que
a publicação das pesquisas de Francis Ruellan (1944 vai do Rio de Janeiro ao Paraná.
e 1944a). Retomando os ensinamentos dos trabalhos de
Por força dessas limitações, os estudos de nossa Francis Ruellan, que são os pioneiros e os mais im‑
zona litorânea, no setor geomorfogenético, perde‑ portantes deles todos, e aproveitando as observações
ram quaisquer possibilidades de validade científi‑ dos que o sucederam, apresentamos uma nova con‑
ca, ou, pelo menos, de profundidade de tratamen‑ tribuição à geomorfogênese do litoral paulista, na
to. Não eram considerados os níveis de erosão ou base do estudo dos baixos níveis costeiros até hoje
abrasão inscritos nas pontas rochosas, nos flancos observados. Não sendo preocupação nossa um estu‑
dos vales e nos baixos patamares das escarpas e dos do descritivo dos grandes traços do litoral paulista,
maciços costeiros. Em função disto, certos aspectos lembramos que esse trecho da costa brasileira teve
que demonstravam o caráter misto ou composto, ge‑ sua fisionomia geral bem retratada nos trabalhos
neralizado para grandes áreas da costa, mal se de‑ da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo
finiam. Discutia-se a questão da oscilação recente (1908, 1919 e 1920), de Pierre Deffontaines (1935),
do nível da costa, baseado em elementos geológicos Maria Conceição Vicente de Carvalho (1944 e
e arqueológicos muito frágeis e de uma amplitude 1944a), Ari França (1944 e 1951), Pierre Monbeig
altimétrica que no caso pode ser considerada como (1949), José ribeiro de Araújo Filho (1951) e Louis
irrisória. Papy (1952).
Carlos Borges Schmidt (1947), em seu pequeno Os mais sérios documentos sobre a realidade
trabalho “Estaria em processo um levantamento da geográfica regional do litoral paulista foram her‑
costa?”, sumaria os argumentos existentes na lite‑ dados dos trabalhos feitos no primeiro quartel do
ratura a respeito do problema que empolgou tantos século pela antiga Comissão Geográfica e Geoló‑
pesquisadores do litoral brasileiro. Os argumentos gica do Estado. As cartas topográficas na escala
de 1:50.000, abrangendo todos os setores do litoral
*Pierre Denis (1927), embora por meio de observações paulista, representando o relevo costeiro em curvas
rápidas e esparsas, foi muito feliz em seus comentários de nível de 20 metros de equidistância, constituem
genéticos sobre determinados trechos da costa brasileira.
material cartográfico da mais alta importância para

127
o estudo dos baixos níveis costeiros regionais. Ape‑ cena (Couto, 1949) da bacia do ângulo de falha
nas os terraços de abrasão e terraços fluviais de pla‑ (Ruellan, 1944a) de Itaboraí fala-nos bem da
nos altimétricos muito baixos não foram retratados antiguidade das deformações que originaram a
nessas cartas minuciosas, mas de resto os baixos ní‑ Serra do Mar.
veis costeiros de nível mais elevado podem ser per‑ Inicialmente, a história geológica regional
feitamente identificados nos mais diferentes trechos ligou-se à sobrelevação epirogênica do conjunto
da costa. Por outro lado, as excelentes fotografias estrutural do interior do estado - soerguimento
panorâmicas que ilustram os relatórios da Comissão da bacia sedimentar do Rio Paraná - e aos afun‑
Geográfica e Geológica mostram os perfis de terra‑ damentos complexos que submergiram a leste, na
ços de abrasão e a silhueta dos patamares de morros, direção do Atlântico da época, os prolongamentos
em muitos pontos da costa, mormente nos flancos orientais do Escudo brasileiro. Existem razões para
do canal de São Sebastião. se pensar que o avanço da linha de costa atlântica
Em conjunto, há uma forte desproporção entre até sua posição atual, na latitude de São Paulo, seja
o número de bons estudos descritivos e os trabalhos um fato relativamente recente, provavelmente muito
de interpretação desse litoral tão rico em paisagens
quanto em problemas geomorfológicos. Na verda‑
de, o que existe a esse respeito não passa ainda de
migalhas, dispersas em estudos gerais, assim como
algumas extensões de interpretações genéticas feitas
para outros setores da costa brasileira. É assim que
os minuciosos estudos de Francis Ruellan (1944 e
1944a) na região da Guanabara têm servido de bali‑
za para a geomorfogênese do litoral paulista; neces‑
sário, entretanto, se torna rever os principais aspec‑
tos do litoral paulista, para se verificar até onde as
observações realizadas no Rio de Janeiro são simi‑
lares ou diferente.
Foto 1. O nível de 200-300 m no Maciço de Santos
A fachada atlântica de São Paulo e seus grandes (Monte Serrate-Santa Teresa) - Os topos aplainados
problemas genéticos dos morros que formam o maciço granítico-gnáissico
de Santos, conservam sinais inilidíveis da superfície
A vertente atlântica de São Paulo constitui uma de 200-300 m. Pequenos e profundos vales incisos a
espécie de província geomórfica e paleogeográfi‑ partir desse nível estão dissecando ativamente a porção
ca sobremaneira à parte no conjunto do território central do maciço. Há sinais de um alto terraço fluvial
paulista. Representa o campo mais complexo das (strath terrace), a 180 m, nos flancos superiores do vale
interferências de processos geológicos - tectôni‑ do ribeirão Nova Sintra. Nota-se perfeitamente que
cos, eustáticos e erosivos - na história do relevo do esse pequeno curso d’água que seciona o maciço execu‑
Brasil Sudeste. Por outro lado, foi a última área de tou um encaixamento através de duas etapas principais;
relevo e drenagem a se definir no edifício topográ‑ na primeira fase esculpiu apenas um vale em perfil em
fico e tectônico do estado, possuindo uma evolução V ligeiramente aberto; depois, porém, acelerou o seu
geomorfológica inteiramente posterior ao Cretáceo, processo de encaixamento, formando uma pequena
estando relacionada fundamentalmente ao tectonis‑ garganta. O bairro santista de Nova Sintra ocupa uma
mo que fragmentou a porção sul-oriental do Escudo pequena depressão de conformação alveolar, situada no
Brasileiro. centro do maciço, em uma espécie de anfiteatro que
Em trabalho recente, referindo-se à antiguida‑ é o ponto de concentração de vários pequenos cursos
de dos processos tectônicos responsáveis pela gênese d’água. No último plano da foto, após o lagamar san‑
da Serra do Mar, escreveu Fernando Flávio Mar‑ tista, vê-se as primeiras encostas e esporões da Serra do
ques de Almeida (1953, p. 5): Mar. Foto: Ab’Sáber, junho de 1952.

A grandeza da Bacia do Ribeira é uma justa me‑


dida da antiguidade do processo que originou a posterior à época da formação do primeiro alinha‑
Serra do Mar e dá bem uma ideia de como é mento das escarpas de falhas que, mais tarde, retra‑
cronologicamente aparente a juventude por ela balhadas, viriam dar origem à Serra do Mar.
exibida alhures. A existência de fauna de mamí‑ Entretanto, se é que o tectonismo quebrantável
feros (Ameghino, 1907) e de moluscos (Maury, (Ruellan, 1952) nos pode explicar as origens primei‑
1935) pleistocênicos, nas partes baixas dessa ba‑ ras e mais remotas das grandes escarpas da fachada
cia, remonta-a ao Terciário. Aliás, a idade paleo‑ atlântica paulista, a explicação das formas atuais do

128
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
8

relevo litorâneo e dos baixos níveis de erosão costei‑ a julgar pelas constantes referências dos diver‑
ros está ligada a complexas interferências de proces‑ sos pesquisadores que têm procedido a estudos
sos geológicos e fisiográficos. Há a considerar a ero‑ geomorfológicos em nossa orla costeira. Trata-se
são e o festonamento das escarpas de falhas iniciais, de típicos terraços de abrasão marinha (wave cut
a existência de baixos níveis escalonados nas ilhas, terraces), correspondentes a antigas plataformas de
nos maciços isolados e nas zonas que precedem as abrasão hoje colocadas a 20, 25 ou 30 metros acima
escarpas, os patamares e níveis embutidos dos va‑ do nível do mar, e ainda não destruídas pelos epi‑
les que descem as escarpas, e, finalmente, as pre‑ ciclos erosivos mais recentes. Na paisagem de nos‑
sumíveis interferências dos movimentos eustáticos sas pontas rochosas e avançadas, tais terraços se sa‑
e a história persistente da abrasão e da construção lientam perfeitamente com sua silhueta de patamar
marinha, no Pleistoceno e no Holoceno.
Em poucas palavras, pode-se dizer que, na ex‑
plicação da fachada atlântica de São Paulo, há um
passado geológico mais remoto e um outro bem mais
recente. O passado remoto liga-se aos fins do Cretá‑
ceo e Eocênico, quando se processaram os grandes
falhamentos do Brasil Sudeste, responsáveis pela
gênese das principais escarpas de falhas do Planalto
Atlântico. O passado mais recente, localizado em
pleno Cenozoico e no Quaternário, está ligado aos
relevos epicíclicos da zona costeira, balizados pelos
seus baixos níveis e relacionados com a interferência
dos movimentos epirogênicos e eustáticos.

Conhecimentos sobre os terraços marinhos na Foto 2. Níveis intermediários da zona pré-Serra do


costa paulista Mar, a NNE do Porto de Santos - É bastante nítido o
entroncamento do nível parcial de 200-300 metros em
Felizmente, se vêm acumulando cada vez mais relação ao corpo principal das altas escarpas regionais.
os conhecimentos sobre o terraceamento marinho e Nota-se, outrossim, ao fundo, o alto grau de aplaina‑
seus aspectos morfométricos nos diversos trechos do mento revelado pela linha de topos da Serra do Mar, na
litoral paulista. região (800 m). Foto: Ab’Sáber, julho de 1952.
As primeiras referências a tais acidentes
geomórficos se devem a Emmanuel De Martonne
(1940), que percebeu traços de terraceamento mari‑
nho e baixos níveis costeiros escalonados nos flan‑
cos do Canal de São Sebastião. Referindo-se à Ilha
de São Sebastião, assim se expressou De Martonne
(1940, 1943, p. 531): “Do lado do canal pouco pro‑
fundo que a isola, é possível seguir terraços mari‑
nhos e níveis de erosão escalonados” – “O terraço de
20 metros é encontrado sobre o continente perto de
São Francisco”.
Ainda com relação aos terraços, sucederam-se
os trabalhos de Rui Osório de Freitas (1947 e 1951)
e João dias da Silveira (1950), que estudaram outros
níveis de terraços marinhos e fizeram as primeiras
interpretações geomorfológicas dos mesmos. Foi Foto 3. Morros do Maciço de Santos, pertencentes
graças aos trabalhos desses dois últimos autores que em conjunto ao nível de 200-300 metros - Nota-se a
tivemos as primeiras tentativas de interpretação geo‑ relativa homogeneidade da linha aplainada dos topos,
morfológica dos terraços do Ribeira de Iguape, os enquanto as encostas são escarpadas, possuindo perfis
quais, pela sua extensão e boa conservação, guardam marcadamente convexos. Em quase toda a periferia do
excepcional interesse para o estudo das correspon‑ maciço, a área urbanizada de Santos tem como limite
dências entre terraços fluviais e marinhos na porção natural a base escarpada dos morros. A pequena Ilha do
sul da fachada costeira atlântica de São Paulo. Urubuqueçaba, à frente do Morro de Santa Teresa, foi
Os terraços marinhos mais frequentes exibi‑ um terraço de abrasão do nível de 50-60 metros, fato
dos nas pontas dos maciços, morros e ilhas do li‑ bem evidente na fotografia (porção central, extremida‑
toral paulista parecem ser os de 20-30 metros, de esquerda). Foto: Ab’Sáber, julho de 1952.

129
aplainado, contrastando com a forma arredondada e seu turno, na região situada ao sul de Ubatuba, onde
irregular das vertentes conversas dos morros contí‑ as planícies costeiras são muito reduzidas, os terra‑
guos. Falésias atuais, com rupturas de declive bem ços de 50-60 metros constituem minúsculos maci‑
marcadas, frequentemente cortam a extremidade ços isolados, promontórios dos esporões terminais
de tais terraços, quando os mesmos estão voltados da Serra do Mar, ou morros transformados em ilhas
frontalmente para o oceano; repetem-se no presen‑ durante os últimos afogamentos de caráter eustático
te, portanto, os processos criadores de plataformas sofridos pela costa. Daí a dificuldade para o esta‑
de abrasão, que constituíram o fundamento da pró‑ belecimento de caminhos e rodovias em alguns tre‑
pria gênese do terraço. Na Ilha de São Sebastião, chos dessa acidentada linha de costa.
apenas sobrexistiram mais nitidamente os terraços Com relação aos terraços de abrasão de 4-7 me‑
escalonados do Canal, pois segundo a observação de tros, devemos dizer que eles, a despeito de serem os
De Martonne (1940; 1943, p. 531): mais baixos e exatamente aqueles que deveriam ter
sido mais bem conservados, são relativamente raros.
Nada de parecido se encontra do lado do alto Muitos deles foram retalhados ao excesso, transfor‑
do mar, onde os assaltos das vagas não fizeram mando-se em outeirinhos ou em meros afloramentos
mais que avisar, em uma cinquentena de metros, rochosos; entretanto, estão muito bem conservados
no máximo, os declives das escarpas que mergu‑ em esporões rochosos das falésias, tanto nas ilhas
lham sob as ondas. quanto nas pontas mais salientes.
Além desses terraços de abrasão marinhos, pro‑
priamente ditos, em diversos estágios de evolução,
Tal fato é válido igualmente para a frente oceâ‑ há a assinalar entre os chamados níveis da fachada
nica do Maciço dos Itatins onde as escarpas, através atlântica paulista dois outros, de gêneses inteiramen‑
de uma única ruptura de declive, mergulham por sob te diversas: o nível de terraços de construção mari‑
as águas atlânticas. nha da região lagunar de Cananéia-Iguape, de 2 a 4
Além desses terraços de 20-30 metros que cons‑ metros, e o nível e erosão subaérea de 220-300 me‑
tituem um “traço uniforme no modelado da costa” tros dos maciços costeiros e ilhas paulistas, bastante
(Freitas, 1947, p. 198), existem dois outros níveis: visível no Maciço de Monte-Serrate-Santa Teresa,
um, mais elevado, de 50-60 metros, e, outro, mais em Santos, e, na Ilha do Bom Abrigo, ao sul do es‑
baixo e mais raro, de 6-7 metros. tado. O primeiro desses níveis, constituído por ter‑
Os terraços de 50-60 metros são representados raços de restinga e praias sobrelevadas, foram referi‑
por baixos morros costeiros, intermediários entre dos primeiramente por João Dias da Silveira (1950,
os terraços anteriores e os maciços isolados e espo‑ p.138) e habilmente identificados por Rui Osório
rões finais da Serra do Mar. Quem se dirige para de Freitas (1952, pp. 27-44) como sendo wave built
Santos pela Estrada de Ferro Sorocabana, ramal de terraces. O outro nível, que é o mais elevado dos
Mairinque, após transpor a Serra da Mãe Maria e
ganhar a vertente marítima, pode observar bem tais
morros, oriundos de altos terraços de abrasão ma‑
rinha, colocados nos sopés da serra e isolados das
praias barreiras da planície costeira atual através de
um bom trecho de canais e lagamares ainda sujeitos
à ação das marés.
Pela sua posição e pela constância de seu nível, a
despeito da maturidade geral da topografia por eles
formada, tais terraços remodelados parecem ter tido
a mesma origem dos outros mais baixos. Muitos de‑
les, inicialmente, devem ter sido terraços de abrasão
(wave cut terraces), posteriormente soerguidos cicli‑
camente e modelados pelo intemperismo químico
e a ação das enxurradas. Tratar-se-ia de verdadei‑
ros terraços de abrasão levados até à maturidade e Foto 4. Níveis intermediários, altamente dissecados,
amorreados pelos processos de erosão peculiares ao observáveis nos flancos do Vale do Cubatão - Fotografia
Brasil tropical atlântico. tomada em um ponto da E. F. Sorocabana (ramal de
Lembramos que os terraços desse nível, encon‑ Mairinque a Santos), próximo à estação de Mãe Maria.
trados em áreas mais interiores, provavelmente são É flagrante que o Rio Cubatão e seus afluentes se
antigos terraços fluviais de níveis correspondentes encaixaram epiciclicamente, controlados pelo encaixa‑
aos de abrasão, tal como verificaram Silveira (1950) mento da drenagem nos baixos níveis costeiros. Foto:
e Freitas (1950) na Bacia do Ribeira de Iguape. Por Ab’Sáber, abril de 1954.

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
8

Foto 6. Terraços de abrasão marinhos típicos, na face


Foto 5. Morros e outeiros da região de Santos, esculpi‑ sul-sudeste do maciço de Santos (Morro do Embaré),
dos a partir dos baixos níveis costeiros regionais - Tais em fotografia tomada na Ilha Porchat - Trata-se de
morros e morrotes dispostos na periferia do Maciço de alguns dos mais belos terraços de abrasão da costa
Santos ou nas extremidades dos esporões da Serra do paulista, infelizmente em vias de destruição devido
Mar apresentam-se altamente dissecados, e, até mesmo, às pedreiras graníticas localizadas em seus flancos. O
isolados no meio das rasas baixadas fluviomarinhas terraço inferior do nível de 30-40 metros está muito
regionais. Foto: Ab’Sáber, outubro de 1953. bem marcado; os superiores, porém, correspondentes
ao nível de 50-60 metros, já foram quase inteiramente
mascarados pela ação erosiva e modeladora dos agentes
baixos níveis costeiros paulistas, foi referido de pas‑ continentais (intemperismo químico, erosão pluvial e
sagem por Fernando Flávio Marques de Almeida erosão fluvial). No primeiro plano vê-se o tômbolo de
(1953, p. 8), na legenda de uma fotografia da região Ilha Porchat e, ao centro, à esquerda, um trecho de São
de Santos. De nossa parte, desde há algum tempo, Vicente. Ao fundo, os primeiros morros e esporões da
vimos procedendo a pesquisas sobre tal superfície Serra do Mar, logo após o Canal do Casqueiro e do
de erosão costeira, tanto nas ilhas de São Vicente e lagamar santista. Foto: Ab’Sáber, junho de 1951.
Santo Amaro, quanto nos flancos da Serra do Mar
e seus esporões, como na Ilha do Bom Abrigo e 50-60 metros. Terraços fluviais (de tipo strath
maciços do litoral sul de São Paulo. Trata-se, pro‑ terraces) embutidos nos médios vales dos principais
vavelmente, de um dos mais importantes níveis de rios da vertente atlântica paulista.
erosão da fachada costeira atlântica de São Paulo, já Nível de terraços marinhos e terraços fluviais
que nos pode revelar a existência de uma superfície correspondentes. Só passíveis de serem considerados
parcial de desnudação subaérea que antecedeu em terraços marinhos típicos (wave cut terraces) quando
muito o avanço da linha da costa atual. localizados em pontas costeiras que possuem em ní‑
vel mais baixo patamares de terraços marinhos bem
Relação altimétrica dos baixos níveis costeiros conservados, pertencentes ao nível de 20-30 metros.
paulistas Primeiras referências a esse nível de terraços: João
Dias da Silveira (1950), Rui Osório de Freitas (1951).
É a seguinte a ordem dos baixos níveis costei‑ O estudo pioneiro sobre as correspondências entre os
ros, até o momento conhecidos em São Paulo: terraços marinhos e os fluviais é o de Silveira (1950).
1. Superfície de erosão Monte Serrate-Morro 3. Terraços de abrasão intermediários, do ní‑
de Santa Teresa e Ilha do Bom Abrigo. Nível de vel de 20-30 metros. Terraços fluviais (de tipo strath
200-300 metros. terraces e eventualmente fill terraces) embutidos nos
Nível de erosão parcial, provavelmente de ca‑ médios vales dos principais rios da vertente atlântica
ráter subaéreo, representado por pequenos maciços paulista.
de morros cristalinos, granítico-gnáissicos, de to‑ Os terraços marinhos desse nível são os mais
pos sub-horizontais e encostas de perfil convexo, bem conservados e os que podem servir para me‑
escarpado. Superfície inscrita nas encostas de altos lhores estudos morfométricos. São encontrados nas
maciços isolados, no topo de alguns maciços isola‑ extremidades frontais e laterais de algumas pontas
dos e ilhas, como também nos baixos esporões da dos maciços e morros isolados costeiros. Primeiras
Serra do Mar. Área protótipo: Maciço de Monte referências a esse nível de terraço: Emmanuel De
Serrate-Santa Teresa, na região de Santos. Primeira Martonne (1940), João Dias da Silveira (1950) e Rui
referência a esse nível: Fernando Flávio Marques de Osório de Freitas (1951). O estudo primeiro sobre as
Almeida (1953). correspondências entre os níveis marinhos e fluviais
2. Altos terraços de abrasão, do nível de é o de Silveira (1950).

131
4. Baixos terraços de abrasão, do nível de 4-7 pluvial generalizada, suavizando as formas do rele‑
metros. vo, contribuíram para mascarar os perfis horizontais
Planos de abrasão relativamente recentes, grosso dispostos em planos diversos; enquanto a expansão
modo referenciáveis aos terraços de construção mari‑ das pequenas redes de drenagem locais das ilhas,
nha, do nível de 2 a 4 metros. Primeiras referências dos maciços isolados e dos baixos esporões da Serra
a esse nível: João Bigarella (1946) e Rui Osório de do Mar favoreceu a dissecação e o retalhamento dos
Freitas (1951). baixos níveis, mascarando sua distribuição original
5. Terraços de construção marinha (restinga e e seus pontos de ligação pretéritos. Em inúmeros
praias sobrelevadas), do nível de 2-4 metros. casos, os baixos níveis de cota mais elevada foram
Terraços de arenitos inconsolidados pertencen‑ destruídos por completo, quando não rebaixados e
tes a praias e restingas soerguidas. Trata-se dos “ter‑ incorporados maciçamente às encostas baixas das
raços de piçarra”, conforme a terminologia proposta escarpas e dos altos maciços isolados. As possibi‑
por João Dias da Silveira (1950). Por “piçarra”, na lidades de sobrevivência dos terraços de abrasão e
região, entende-se um arenito de praia e restinga, de outros patamares planos dos flancos de vales e
sobrelevado, desidratado e ligeiramente consolida‑ maciços amorreados (replats ou strath terraces) são
do por um cimento argiloso e humoso, de caráter tanto menores quanto mais alto eles se localizarem.
magrovítico. Primeiras referências aos terraços de Por outro lado, os planos altimétricos são tanto mais
piçarra: João José Bigarella (1946), João Dias da Sil‑
veira (1950) e Rui Osório de Freitas (1951). As cotas
de 5 e 7 metros dadas por Silveira e Freitas a esse ní‑
vel são por demais elevadas, já que ele nunca é supe‑
rior a 4 metros, como tivemos ocasião de verificar.
É muito provável que melhores estudos morfo‑
métricos venham alterar ligeiramente o número dos
baixos níveis conhecidos e, mormente, precisar mais
o nível altimétrico médio de cada série de terraços. A
rigidez dos terrenos cristalinos da fachada atlântica
paulista e a aparente ausência de fenômenos tectôni‑
cos recentes na região talvez possibilitem a verifica‑
ção de diferenciações espaciais dos diversos planos
altimétricos da cada série de baixos níveis. Francis
Ruellan (1944) identificou terraços de 80-100 me‑ Foto 7. Paisagem atual do terraço de abrasão do nível de
tros na região da Guanabara, enquanto Reinhard 30-40 metros, disposto em forma de patamar nos flan‑
Maack (1947) observou níveis similares de 90-100 cos do Morro do Embaré, entre Santos e São Vicente -
metros nos estados do Paraná e Santa Catarina. Tais Uma grande pedreira, que está destruindo o importante
níveis, relacionados com a ação do mar ou dos rios, acidente geomórfico, deixa entrever a ossatura granítica
forçosamente terão que ser encontrados em terri‑ do mesmo. Trata-se de uma área de granitos resistentes
tório paulista, quando os estudos de campi forem e não muito propensos a uma decomposição profunda.
feitos com maior critério, sendo de se notar que as Foto: Ab’Sáber, abril de 1954.
cartas topográficas da antiga Comissão Geográfi‑
ca e Geológica deixam entrever a sua existência. O
nível de 220 metros identificado no Paraná e Santa passíveis de medidas e discriminações quanto mais
Catarina por Reinhard Maack é, aparentemente, baixo estiverem.
o mesmo nível que denominamos nível de Monte Não deixa de ser curioso observar-se em pon‑
Serrate-Santa Teresa, e ao qual conferimos proviso‑ tos contíguos às altas escarpas e esporões da Serra
riamente o caráter de superfície de erosão parcial de do Mar alguns minúsculos outeiros arredondados,
origem subaérea. esquisitamente colocados entre a montanha e a pla‑
nície. No entanto, trata-se de resíduos de antigos
Estágios de evolução do relevo dos baixos níveis níveis de baixos terraços de abrasão, recortados e
costeiros paulistas remanuseados pelos processos de erosão continen‑
tais. Idêntica explicação pode ser aplicada a morros
Por muitas razões impõem-se, além da verifi‑ e outeiros isolados, de níveis mais elevados, que so‑
cação dos diversos baixos níveis, a descrição de suas freram uma espécie de afogamento pela progressão
formas especiais de relevo e a caracterização do es‑ fluviomarinha recente. Muitos desses morros isola‑
tágio atual de evolução de cada um deles. dos são testemunhos dos baixos níveis costeiros de
As condições do intemperismo químico inten‑ 50-60 metros, ou de 20-30 metros, não sendo raros
so, facilitando a decomposição das rochas, e a erosão morros e pequenos maciços de morros costeiros es‑

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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Foto 8. Terraços de abrasão marinha da extremida‑


de oceânica da Ponta do Itaipu e da Ilha Porchat Foto 9. O Porto de Santos, as baixadas fluviomarinhas
- Observam-se sinais iniludíveis de antigos planos do lagamar santista e os esporões e altas escarpas da
de abrasão soerguidos e escalonados (20-30 metros e Serra do Mar - Antes da formação dos manguezais
50-60 metros), nos morros da região de São Vicente. atuais do lagamar santista existia um largo e profundo
O tômbolo da Ilha Porchat separa a Baía de Santos em golfão, com uma coluna d’água de algumas dezenas
duas bacias menores. de metros de profundidade a julgar pela espessura
dos sedimentos modernos das baixadas regionais. Tal
culpidos a partir do próprio nível intermediário de golfão ou ria antiga foi particularmente colmatada, e,
200-300 metros. depois, redefinida por moderada submersão recente,
A região de Santos apresenta bons exemplos que é a responsável mais direta pelo “estuário” do porto.
de todos esses casos: outeiros e outeirinhos escul‑ Foto: Ab’Sáber, julho de 1952.
pidos a partir dos terraços de 20-30 metros, 50-60
metros, como também morros e pequenos maciços por todos os quadrantes, o nível de 200-300 metros
costeiros isolados esculpidos a partir do nível de está muito evidente. Ali, enquanto as encostas são
200-300 metros. Os tradicionais engá-guaçus (mor‑ mamelonares e escarpadas, o topo dos morros mais
ros com a forma de um fundo de pilão, conforme o elevados são quase planos ou ligeiramente ondula‑
toponômino tupi-guarani) na maior parte dos ca‑ dos, sendo que o vale central do maciço encaixou
sos são altos morros isolados ou cumes dos bordos diretamente a partir do nível superior, por meio de
dos maciços costeiros, esculpidos a partir do nível uma retomada de erosão contínua, bem recente.
de 200-300 metros. Tais altos morros, que às vezes De modo geral, cada soerguimento epirogêni‑
coincidem com bossas de rochas duras, excepcional‑ co ou cada regressão de caráter eustático negativo
mente sujeitas a ligeira esfoliação, possuem os topos determinou um rejuvenescimento dos níveis de ter‑
um tanto mais salientes que o nível geral do maciço raços mais altos, levando-os até a maturidade, e, às
costeiro, tendo constituído no passado verdadeiros vezes, a uma espécie de senilidade local ou regional,
monadnocks do nível de 200-300 metros, como pu‑ válida em relação a extensas áreas de ocorrência do
demos observar na região de Santos. Não há, po‑ nível em questão. Desta forma, os terraços de to‑
rém, na região de Santos, como em quase todo o dos e níveis se transformaram não raro em meros
litoral paulista, nada que se assemelhe à morfologia patamares de morros ou ombros de erosão. Em nu‑
original das escarpas e dos maciços que tão bem ca‑ merosos casos, tais terraços erodidos tiveram suas
racterizam a região de Guanabara. saliências finais remanuseadas e apagadas por com‑
Os maciços costeiros do nível de 200-300 me‑ pleto das encostas dos morros, esporões e maciços
tros possuem os topos ligeiramente aplainados, com costeiros. Quando não, foram retalhados, isolados e
silhueta sub-horizontal, denotando uma herança decompostos, transformando-se em outeiros os bai‑
morfológica ligada a um ciclo de erosão que quase se xos morros arredondados, às vezes dispostos em es‑
completou e que posteriormente foi sujeito a diver‑ calões irregulares. Daí existirem nas extremidades
sas retomadas de erosão epicíclicas. Todo o aspecto dos esporões e pequenos contrafortes dos maciços
mamelonar do relevo parece ser posterior à retoma‑ uma série de outeiros que, a despeito de isolados en‑
da de erosão que determinou o rejuvenescimento tre si, são rigorosamente alinhados, possuindo pla‑
desse peneplano parcial de 200-300 metros, a que nos altimétricos progressivamente decrescentes.
chamamos de nível de Monte Serrate-Santa Teresa. Em função desses diferentes estágios de evolu‑
No Maciço de Santos, devido, provavelmente, ção do relevo dos baixos níveis costeiros paulistas é
à dureza geral do embasamento granito-gnáissico que se pode explicar a relativa raridade dos terraços
e devido à relativa impotência de entalhamento da bem conservados no conjunto da paisagem litorâne‑
pequena drenagem radial que secciona o maciço os paulista.

133
Cremos que o zoneamento climático atual só
foi estabelecido, ao que tudo indica, nos fins do
Pleistoceno e inícios do Holoceno. A falta de forma‑
ções sedimentares modernas, suficientemente ricas
em matérias de flora fóssil, torna quase impossível
qualquer afirmação mais definitiva a respeito.
Os únicos fatos que têm sido referidos em re‑
lação à variação mais recente dos climas entre nós
ligam-se aos estudos geomorfológicos de Emm.
De Martonne sobre a gênese do modelado do Bra‑
sil tropical atlântico. Lembra De Martonne que,
no Brasil atlântico, “não é provável que a alteração
dos climas tenha evoluído diferentemente do que
Foto 10. Rio Branco de São Vicente, um dos cursos nos países tropicais africanos onde a existência de
d’água tributários do lagamar santista - Área de colma‑ lagos permitiu, pelo estudo dos depósitos, verificar
tagem muito recente do lagamar regional; no passado muitas oscilações para uma aridez ou uma umida‑
as águas atlânticas estiveram, por sérias ocasiões, desde de acentuada”. Lembra ainda “que se pode suspeitar
o Maciço de Santos até os sopés da Serra do Mar. Foto de variações recentes cuja amplitude foi certamente
tomada na descida da serra, através da E. F. Sorocabana mais fraca do que, por exemplo, na África” (1940;
(ramal de Mairinque e Santos). O contato entre o 1944, p. 175).
plano dos sedimentos recentes e os sopés dos morros Num país onde os depósitos cenozoicos são ex‑
de perfil convexo é direto, não existindo baixos terraços tremamente escassos e incompletos, torna-se muito
sedimentares na linha de transição entre os dois domí‑ difícil adiantar observações sobre a época da insta‑
nios litoestruturais. Foto: Ab’Sáber. lação dos quadros climáticos atuais e sobre as varia‑
ções possíveis do clima e da vegetação nos últimos
Os baixos níveis costeiros e o problema da época períodos de Terciário e no Quaternário. Entretanto,
da instalação dos climas quentes e úmidos na é muito provável que a instalação dos climas quen‑
fachada atlântica de São Paulo tes e úmidos mais próximos dos atuais, na verten‑
te atlântica de São Paulo, tenha sido posterior ao
O estudo mais ou menos pormenorizado do rejuvenescimento do nível de 200-300 metros que
relevo dos baixos níveis costeiros de São Paulo nos estudamos no presente trabalho*.
deu a oportunidade inesperada de sondar e resolver Somente após a formação do nível de 200-300
o velho e importante problema da época da instala‑ metros é que os mares se aproximaram em defini‑
ção dos climas quentes e úmidos no Brasil tropical tivo do litoral paulista atual e as condições climá‑
atlântico. Tal digressão no terreno da paleoclimato‑ ticas caminharam para o estádio de umidade que
logia moderna da região se impõe devido às sérias hoje conhecemos na região. No instante geológico
questão de morfologia climática a ele ligados. em que foram construídos os terraços de abrasão de
Há algum tempo, revendo a questão e resu‑ 50-60 metros, as águas atlânticas pela primeira vez
mindo as ideias mais gerais existentes na literatura encostaram-se às baixas encostas da Serra do Mar,
a respeito das variações climáticas recentes, que te‑ sendo que gigantesco paredão da mesma iniciou a
riam afetado o sudeste do Brasil, assim escrevemos esse tempo o seu papel de montanha-barreira para
(Ab’Sáber, 1951-52, p. 66): as massas de ar carregadas de umidade varridas do
Atlântico.
A época da instalação dos climas tropicais úmi‑ Durante o Terciário, regiões de latitude inferior
dos para a zona atual do Brasil atlântico deve estar
muito relacionada com o período de grandes fa‑ * O fato de balizarmos esse nível dentro dos limites relati-
lhamentos que criaram as escarpas periféricas do vamente amplos das cotas de 200-300 metros não significa
planalto meridional e a bacia atual do Atlântico que haja normalmente uma amplitude de 100 metros para
Sul. A forma curiosa tomada pelo front das regiões o seu relevo. Pelo contrário, ele se encontra de preferência
falhadas durante o empinamento do planalto, ao em plainos situados entre 180 e 220 metros. Acontece, po-
lado das novas condições da circulação atmosférica rém, que esse nível possui ligeiras variações sub-regionais,
do Atlântico Sul dos fins do Terciário para o Pleis‑ quer no sentido paralelo à linha de costa, quer no sentido
toceno, criaram, muito recentemente, o clima tro‑ transversal. Às vezes, ele descai de algumas dezenas de
metros da zona pré-Serra do Mar para os maciços costeiros
pical, acentuadamente úmido, das regiões costeiras
mais avançados. Daí termos preferido usar limites amplos
do Brasil. O revestimento botânico, exuberante‑
para balizar altimetricamente as cotas desse importante
mente tropical e úmido da mata atlântica, deve da‑
nível de erosão da fachada atlântica de São Paulo.
tar, portanto, do Quaternário propriamente dito.

134
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
8

te mascarados pelo intemperismo tropical úmido.


Deles não restam vestígios vagos nas encostas das
pontas graníticas ou gnáissicas mais resistentes e su‑
avizadas, o mesmo tendo acontecido com as falésias
mortas, que provavelmente constituíam o paredão
que limitava o patamar plano do terraço em face das
encostas escarpadas dos maciços rejuvenescidos.
Partindo do princípio de que tais terraços de
abrasão eram representados inicialmente por plata‑
formas de abrasão e altas falésias soerguidas, infere-
se que a decomposição de suas massas rochosas é
inteiramente posterior ao seu soerguimento, e, por‑
tanto, relativamente recente. Em função disso tudo,
Foto 11. Extremidade da Serra do Cubatão, onde até que novos critérios, de maior precisão, venham
aquele importante esporão da Serra do Mar se desfaz a ser aventados, preferimos relacionar o advento
em diversos níveis costeiros escalonados (níveis de 200- dos climas quentes e úmidos atuais na costa pau‑
300 metros; 50-60 metros e 20-30 metros) - O lagamar lista com a primeira fase de aproximação das águas
santista atingiu a base do alongado esporão, interpene‑ atlânticas após o rejuvenescimento do nível de 200-
trando-se parcialmente pelo vale do Rio Cubatão - o 300 metros, ou seja, dentro de um período de tem‑
tributário mais importante do antigo golfão regional. po situado entre a segunda metade do Terciário e
Foto: Ab’Sáber, abril de 1954. as primeiras fases do Quaternário antigo. Trata-se
de limites extremamente largos quando compara‑
dos aos conhecimentos de paleoclimatologia recente
existentes em relação ao hemisfério norte, onde “a
reconstrução das etapas da evolução paleogeográfica
e paloeclimática modernas tornou-se possível devi‑
do ao excelente registro sedimentológico deixado
pelos últimos períodos glaciais e interglaciais pleis‑
tocênicos” (Ab’Sáber, 1951-52, p.61).

Geomorfogênese da fachada atlântica paulista

Pensamos que o único ponto de partida para


uma tentativa mais objetiva de restauração das di‑
versas etapas da história do relevo da fachada atlân‑
Foto 12. Esporões da Serra do Mar, na região de tica paulista reside no estudo sistemático dos terra‑
Bertioga, e maciços e morros costeiros da Ilha de ços marinhos e dos baixos níveis costeiros em geral.
Santo Amaro - A Serra do Mar descai irregularmente Desta forma, na base dos conhecimentos até hoje
até o nível de 200-300 metros, o qual apresenta topos acumulados sobre os níveis parciais e terraços mari‑
aplainados, mais homogêneos. Morros, morrotes e nhos e fluviais da região, apresentamos uma hipóte‑
outeirinhos islados no lagamar de colmatagem recente; se de trabalho para explicar os traços mais gerais e
balizamos níveis costeiros mais baixos e altamente dis‑ mais prováveis da geomorfogênese da zona litorânea
secados. Abstraindo-se das rasas planícies recentes da do Estado de São Paulo.
região, tem-se a área antiga do golfão de Santos. Foto Tudo leva a crer que, após os falhamentos prin‑
Ab’Sáber, julho de 1952. cipais, responsáveis pela gênese dos primeiros ali‑
nhamentos de escarpas de falhas da Serra do Mar,
à de São Paulo conheceram fases climáticas subtro‑ tenha havido uma longa fase com nível de base di‑
picais, com variações fortes no sentido de uma maior retamente voltado para o oriente, a qual determinou
ou menor umidade (Ab’Sáber, 1951-52). O nível de o primeiro recuo e a primeira fase de dissecação do
200-300 metros, muito provavelmente, foi esculpi‑ front geral das escarpas. Não sabemos quais os pro‑
do em algum instante do Cenozoico médio ou infe‑ cessos erosivos dominantes a esse tempo, mas é mui‑
rior, ou seja, ao tempo em que imperavam os climas to provável que um complexo paleoclimático bem
atrás aludidos. Após o rejuvenescimento desse nível, diferente do atual tenha presidido o entalhamento
houve a primeira transgressão atlântica responsável inicial do relevo em geral e dos grandes acidentes
pela gênese dos mais altos terraços de abrasão da tectônicos regionais em particular.
costa. Tais terraços cortados pelas vagas em pon‑ Por outro lado, ao se processarem os primei‑
tas rochosas (wave cut terraces) foram inteiramen‑ ros falhamentos, é possível que as linhas de costas

135
atlânticas da época estivessem ainda a algumas de‑
zenas e até centenas de quilômetros para leste, tendo
como arrière pays a superfície heterogênea dos restos
de planaltos cristalinos, tectonicamente fragmenta‑
dos e abatidos. Fato que implica em dizer que as
escarpas de falhas da Serra do Mar, ao se formarem,
estavam bem longe dos litorais da época, e, portan‑
to, situadas em plena área continental. Com isto, a
primeira fase de festonamento da frente das escarpas
de falhas iniciais poderia ter sido elaborada em plena
área continental, pelas cabeceiras dos rios de drena‑
gem complexa, que se estabeleceram entre aqueles
acidentes tectônicos e as presumíveis zonas litorâ‑ Foto 14. O maciço de Santos, o lagamar santista e a
neas antigas. É de se supor que a altura das escar‑ Serra do Mar - Os níveis parciais dos baixos esporões
da Serra do Cubatão tinham continuidade até o Maciço
de Santos e o de Santo amaro, prolongando-se muito
na direção do oriente. O relevo atual é o resultado de
encaixamento epicíclicos feitos a partir desse nível de
200-300 metros, e das complexas interferências eustá‑
ticas que aí se fizeram sentir desde o fim do Plioceno.
Foto: Ab’Sáber, julho de 1953.
Foi sobre os blocos de falhas, relativamente
irregulares, dissecados moderadamente pelos pri‑
meiros cursos d’água da vertente atlântica, que veio
a se estabelecer o primeiro ciclo de peneplanização
parcial mais generalizado na região. Tal superfície é
balizada, hoje, a nosso ver, pelos testemunhos do ní‑
Foto 13. A entrada da barra e o maciço granito-gnáissi‑ vel costeiro de 200-300 metros, já aludido, e o qual
co da Ilha de Santo Amaro - Trata-se de outro maciço deve ter sido criado em algum período do Cenozoi‑
costeiro, do nível de 200-300 metros. A presença de co, com certeza pré-Pliocênico. Esse nível serviu de
patamares escalonados nos flancos internos do maciço assoalho para as retomadas de erosão posteriores e
comprova o conceito de ria que vem sendo aplicado ao foi o ponto inicial para uma série de interferências
“estuário” de Santos, desde Pierre Denis (1927). A ria de processos geológicos e fisiográficos, ao término
atual, não passa de miniatura singela comparada com dos quais restaria esboçada a porção inferior costeira
aquela que ali deve ter existido no Pleistoceno. Foto: da fachada atlântica de São Paulo.
Ab’Sáber, julho de 1952. Da formação desse primeiro nível de erosão
mais geral, por diante, a história da evolução do re‑
pas fosse algumas centenas de metros mais baixa do levo pode ser acompanhada mais minuciosamente,
que hoje, baseando-se na existência de baixos níveis através das balizas inscritas nos diversos níveis de
costeiros escalonados, oriundos de uma epirogênese terraços regionais. Lembramos, também, que até
positiva cíclica. Enquanto a erosão na vertente con‑ a formação desse nível de 200-300 metros, nem
tinental rebaixou pouco os relevos antigos, a erosão mesmo o bloco de maciços alcalinos da Ilha de São
na vertentes atlântica foi ativa e cíclica, dado o forte Sebastião constituía uma ilha continental; bem ao
gradiente dos rios e a persistente tendência para a contrário, deveria estar ainda bem soldada ao con‑
epirogênese positiva do conjunto. A julgar pelos tra‑ tinente, muito embora separada dele por uma gar‑
ços do festonamento observável atualmente no front ganta tão profunda ou mais do que o vale do médio
da Serra do Mar, a dissecação das escarpas desde Cubatão atual. É possível mesmo que a Ilha de São
o início procurou acompanhar as linhas estruturais Sebastião, a esse tempo, estivesse numa posição se‑
dos gnaisses (NE-SW – direção brasileira de Fran‑ melhante à do atual bloco da Serra dos Itatins em
cis Ruellan), propiciando um recuo homogêneo das face da Serra de Paranapiacaba, na secção sul do li‑
grandes rupturas de declives regionais (Ab’Sáber, toral paulista. A despeito disso, nada autoriza a con‑
1950; Almeida, 1953). Nas áreas onde as formações siderar a garganta do Canal de São Sebastião como
xistosas foram interessadas diretamente pelo falha‑ sendo originária de uma fossa tectônica, tal como
mentos iniciais, a expansão das drenagens atlânticas ninguém concebe mais a interferência de falhas para
pós-cedentes se fez de modo mais rápido e profundo, explicar a garganta do Cubatão.
conforme de há muito já se sabe. Forçosamente deve ter havido, em determinado

136
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
8

instante geológico, um soerguimento de conjunto,


que ocasionou uma extensiva retomada de erosão
fluvial por todo o nível de erosão hoje balizada pelas
cotas de 200-300 metros. Com isso foram estabe‑
lecidos sulcos ao longo da complicada rede de va‑
les preexistentes, sendo que a topografia em muitos
pontos foi levada até os estágios finais da maturida‑
de, restando testemunhos do nível anterior apenas
nos maciços mais resistentes.
Tudo nos leva a crer que a esta fase de entalha‑
mento fluvial do nível de 200-300 metros se tenha
sucedido uma primeira transgressão marinha, que
afogou extensivamente a embocadura das drena‑
gens anteriores e vedou toda e qualquer oportuni‑ Foto 16. Zona pré-Serra do Mar e baixada do Rio
dade para a hierarquização dessas pequenas e ativas Branco de São Vicente - Os morros semi-isolados dos
redes hidrográficas iniciais. O Atlântico, pela pri‑ sopés da serra correspondem a testemunhos altamente
meira vez, atingiu os sopés das escarpas de falhas evoluídos dos níveis de 200-300 metros e 50-60 metros,
da primitiva Serra do Mar e se interpenetrou pelos outrora dotados de maior continuidade e expressão
canais e baixadas que até então separavam as ilhas e geormórfica. Foto: Ab’Sáber, abril de 1954.
maciços isolados em relação às escarpas principais.
A esse tempo foram esculpidos os terraços marinhos A partir do nível de terraços de abrasão ma‑
de 50-60 metros. Não restaram, porém, quaisquer rinhos de 20-30 metros, ocorreu uma retomada de
testemunhos sedimentários das planícies costeiras erosão de certo vulto, com reentalhamento fluvial da
pretéritas, formadas no plano altimétrico corres‑ ordem de 60-70 metros, em muitos pontos, a julgar
pondente aos altos terraços de abrasão, hoje coloca‑ pela espessura dos sedimentos quaternários que afo‑
dos a 50-60 metros acima do nível atual das águas gam tal relevo continental costeiro pretérito e pela
atlânticas. Levantamentos epicíclicos de conjunto altura atual das plataformas de absorção da época.
ocasionaram sucessivos recuos das linhas de costa, Em réplica, por meio de um processo geológico in‑
antigas, fatos que se faziam acompanhar de extensi‑ teiramente independente da epirogênese, houve um
vas retomadas de erosão por parte dos rios costeiros. movimento eustático que interferiu profundamente
Durante tais episódios foram esculpidos os terraços na linha de costa que acabava de ser elaborada. Os
de abrasão dos níveis atuais de 20-30 metros e os de vales rejuvenescidos a partir do soerguimento epiro‑
6-8 metros. Nada sabemos das possíveis interferên‑ gênico das plataformas de abrasão e planos fluviais
cias eustáticas nesse meio tempo. da época (nível atual de 20-30 metros) foram afo‑
gados por largos tratos, havendo mesmo submersão
de uma boa área de seus baixos cursos. Mais do que
isso aconteceu, porém, já que as águas do Atlânti‑
co invadiram todas as reentrâncias do relevo ante‑
riormente esboçado, novamente interpenetrando-se
por entre os maciços e esporões de todos os níveis,
contribuindo para formar numerosos e sucessíveis
golfões e enseadas relativamente fundas. Talvez te‑
nha sido esse o momento em que o litoral do Brasil
Sudeste tenha apresentado o máximo em matéria de
costas altas, escarpadas e irregulares.
De qualquer forma, é necessário salientar que
foi essa a etapa mais curiosa do ciclo de episódios
pelo qual passou a fachada atlântica paulista em
uma fase imediatamente anterior à atual. Uma ver‑
Foto 15. Níveis embutidos no eixo do Vale do Cubatão dadeira paisagem de golfões se esboçou para toda a
(replats emboités ou strath terraces) - Os baixos níveis costa paulista a esse tempo (Pleistoceno Médio?),
costeiros forçosamente deveriam ter correspondências desde as raias do Estado do Rio até o Estado do
ao longo dos vales principais que festonam a Serra Paraná, naturalmente interessando vastas porções
do Mar. Estudos que vimos realizando nos vales do da costa leste e meridional do país. Os maciços
Cubatão, do Moji e na região de Santos comprovam granito-gnáissicos do Monte Serrate-Santa Teresa e
tais correspondências forçadas dos níveis marinhos Santo Amaro, assim como todos os morros isolados
com os níveis fluviais. Foto: Ab’Sáber, abril de 1954. nas baixadas costeiras paulistas, permaneceram na

137
forma de ilhas de todos os tamanhos e níveis alti‑
métricos. Tais níveis, com certeza, sendo balizados
pelos níveis dos terraços marinhos e fluviais e pelos
baixos níveis costeiros em geral.
Não escapou à perspicácia de observação de
John Casper Branner (1915, p. 164) a existência de
tais vales submersos, largamente disseminados pela
costa brasileira. São palavras suas:

As baías do Rio de Janeiro, Bahia e Santos fo‑


ram produzidas pela depressão abaixo do oceano
de vales próximos à costa. Em Santos as extre‑
midades superiores de muitos braços originais
daquela baía foram aterrados pelos sedimentos
provenientes da terra lançados neles. Os lagos
do Estado de Alagoas, Lagoa Manguaba, Lagoa
do Norte, Poxim e Jequiá são as extremidades
inferiores de vales compridos que se afundaram
abaixo do nível do mar de modo a formar baías,
e essas baías têm sido bocas quase fechadas pelas
areias arremessadas sobre elas pelas ondas.

Pouco depois do abaixamento [sic] da costa do


Brasil havia muito mais portos do que existem
agora; porém no decorrer do tempo esses vales
rebaixados ou submergidos têm sido parcial ou Foto 17. Altas falésias esculpidas em gnaisses na frente
completamente aterrados com sedimentos. oceânica da Ilha Porchat (Santos) - Paredões de abra‑
são esculpidos em gnaisses xistosos; onde a xistosidade
apresenta mergulhos verticais há uma nítida ampliação
As observações de Branner permanecem per‑
da altura das falésias. Foto: Edmundo Nonato, 1947.
feitamente aceitáveis, muito embora estejam desli‑
gadas em relação aos episódios imediatamente ante‑ e planícies fluviomarinhas pleistocênicas e holocê‑
riores da evolução da linha de costas, como também nicas; outros, porém, em casos especiais, sobrexisti‑
em relação a uma série de episódios posteriores, de ram à sedimentação posterior, mantendo o seu cará‑
complexidade muito menor. Não podendo usar da ter de ancoradouros naturais, de primeira ordem.
argumentação dos terraços marinhos e dos baixos As feições adquiridas pela costa paulista durante
níveis costeiros, não pode restaurar maior número esse período dos golfões foram singulares. De um lado
de páginas da paleogeografia recente da costa. Por imperava a caráter de costa de submersão para todo
outro lado, não podendo usar do conceito do mo‑ o conjunto, mas não se tratava de rias típicas, nem
vimento eustático, pensava que os vales submersos, tampouco de costas de tipo pacífico, exclusivamen‑
evidentes na paisagem costeira, eram o resultado de te. Os sucessivos rejuvenescimentos que afetaram
uma depressão epirogênica da costa antiga. Hoje, ao a zona pré-Serra do Mar tinham redundado numa
contrário, tudo parece indicar que o continente con‑ espécie de ressalientamento das direções estruturais
tinuava tendencialmente a sofrer epirogênese posi‑ dos gnaissses e xistos, em muitos trechos dos lito‑
tiva epicíclica, enquanto independente da ascensão rais antigos. Os esporões mais altos e salientes da
continental houve ascensão das águas marinhas li‑ Serra do Mar eram dotados de estrutura paralela,
gada aos movimentos eustáticos. Lembramos, por devido às influências estruturais dos maciços anti‑
último, que as referências de Branner à criação de sí‑ gos rejuvenescidos. A modalidade de festonamento
tios portuários, foram dignas do seu alto espírito de da frente das escarpas de falhas antigas, à qual Fer‑
observação e interpretação científicas. Realmente, nando Flávio Marques de Almeida (1953, p. 9) cha‑
nessa fase extensiva de submersão da costa antiga do mou de serras com a forma de pinças de caranguejo,
Brasil Sudeste, multiplicaram-se os sítios portuários corresponde em verdade a uma orientação do relevo
seguros e profundos, sendo de se lembrar que alguns rejuvenescido pela íntima colaboração das direções
dos melhores portos do Brasil devem sua existência estruturais antigas. Muitos dos maciços isolados de
ao processo que criou tal episódio de submersão cos‑ nível de 200-300 metros, a despeito da influência
teira. Alguns dos inúmeros golfões antigos foram de rochas granitizadas maciças, de orientação estru‑
colmatados extensivamente pelas restingas, lagunas tural menos flagrante, restaram em posição para‑

138
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
8

Para se ter uma ideia ligeira deste estágio anti‑


go da linha de costa paulista, bastaria fazer-se abs‑
tração das rasas planícies costeiras fluviomarinhas
recentes, interpostas entre as escarpas, os maciços
e morros costeiros e o mar. É fácil concluir-se que
as áreas onde hoje se situam as baixadas de Santos,
de Itanhaém e de Cananéia-Iguape, constituíram
extensos, profundos e recortados golfões e enseadas
que se iam encostar às escarpas e aos esporões prin‑
cipais da Serra do Mar. Ricardo Krone (1915), ao
delimitar o traçado do golfão de Cananéia-Iguape,
nada mais fez do que identificar empiricamente um
dos golfões pleistocênicos da antiga linha de costa
de submersão que abrangeu todo o litoral paulista.
Sucedeu-se a esse período dos golfões uma fase
construcional marinha que se vem processando ati‑
vamente desde os fins do Pleistoceno até os nossos
dias. Formados os golfões, rias e enseadas entre as
Foto 18. Ponta do Cambriú, em fotografia tomada altas escarpas festonadas e as ilhas, era fatal uma
alguns quilômetros ao sul da fronteira de São Paulo tendência para sua rápida colmatagem. Inúmeros
com o Paraná - Aí se notam sinais inilidíveis de terra‑ eram os pontos de amarração para restinga, feixes de
ceamento marinho escalonado. Foto: Viktor Sadowsky,
1953.
lela à dos alinhamentos principais das cristas e es‑
porões rejuvenescidos da Serra do Mar. Enquanto
tal fato se observava extensivamente para com as
porções salientes, o baixo curso dos vales costeiros
era normal à direção geral das estruturas, possuindo
às vezes gargantas e colos de arranjo marcadamente
apalachiano. Os epiciclos do processo geral de re‑
juvenescimento favoreceu a abertura e suavização
dos largos colos, não deixando oportunidades para a
existência de gargantas apalachianas típicas. Com a
submersão profunda do relevo costeiro pré-Serra do
Mar, um quadro misto de rias e costas de tipo Pacífico
foi engendrado. Conclui-se, portanto, que as duas Foto 19. Detalhes da escultura das falésias da Ilha
feições clássicas dos litorais de submersão deveriam Porchat - Um terraço de abrasão típico disposto entre
se mesclar profundamente nesse período dos golfões, 4 e 6 metros pode ser observado nesse pequeno espo‑
para grandes trechos do Brasil Sudeste. A colmata‑ rão rochoso da ilha. A xistosidade vertical dos gnaisses
gem posterior sofrida pela maior parte dos golfões e dá em resultado um microrrelevo especial para certos
enseadas mascarou o quadro geral do relevo antigo, trechos dos paredões de abrasão locais. Foto: Edmundo
retilinizando as costas pela aposição de sedimentos Nonato, 1947.
e a aterragem gradual das inumeráveis e labirínticas
reentrâncias*. restingas e praias barreiras. As anfractuosidades da‑
* As poucas sondagens feitas nas baixadas paulistas têm re-
quela extensa linha de costas altas como que dirigiu
velado espessuras de 30 a 40 metros para o pacote de sedi- os trabalhos de formação dos aparelhos litorâneos
mentos que colmatam as reentrâncias dos antigos golfões. e sua evolução. Apenas as pontas das ilhas e maci‑
Não é impossível, entretanto, que venham a ser encontradas ços isolados sofreram um processo de abrasão mari‑
espessuras um pouco maiores. Infelizmente, porém, nun- nho, desprezível quando comparado com a enorme
ca foi estudada a coluna sedimentária regional, nem sob área recente de colmatagem marinha e fluviomari‑
o ponto de vista faciológico, nem sob o ponto de vista da nha. Para tanto não faltava o essencial, que era a
cronogeologia. Tais estudos muitas revelações importantes matriz fornecedora de grandes massas de material
nos poderão trazer (ver Almeida, 1953, p. 7). No Paraná, sedimentário para construir as extensas, se bem que
Reinhard Maack dirigiu uma perfuração na planície litorânea estreitas, planícies costeiras regionais.
paranaense, encontrando pouco mais de 100 metros de sedi- Espanta ao observador desavisado o volume
mentos modernos, empilhados no antigo Golfão de Paranaguá.
das areias marinhas recentes, existentes nas planí‑

139
porque as “piçarras” da região possuem de 85 a 95%
de areias de praias, tal como o próprio autor citado
teve a oportunidade de verificar e escrever em seu
trabalho. Não se trata de um mangrovito, mas tão
somente de um arenito de praia e de restinga, ligei‑
ramente cimentado por partículas mangrovíticas.
Geomorfologicamente, os terraços de piçarra -
wave built terraces típicos - nos revelam que após
sua história sedimentar foram soerguidos de alguns
metros e entalhados pela erosão fluvial; mais tarde,
os sulcos ligeiros dos vales primitivos que contribu‑
íram para esse entalhamento discreto foram afoga‑
Foto 20. Morros e morrotes terraceados na Baía do
dos eustaticamente a partir da ascensão das águas
Flamengo, ao sul de Ubatuba - Em torno dessa peque‑
das lagunas de restingas regionais. Esse moderado
na baía, existem baixos níveis costeiros, pertencentes a
ciclo de submersão final, que afetou as planícies cos‑
todos os planos altimétricos dos terraços já observados
teiras do sul do estado, deve ter reforçado o volume
em território paulista. Foto: Ab’Sáber, julho de 1951.
de águas salgadas da região lagunar de Cananéia e
Iguape e provocado novo ciclo de formação de man‑
cies costeiras paulistas. Entretanto, a presença de guezais, ainda hoje observáveis na colmatagem em
altos maciços granito-gnáissicos ao longo de toda a processo das enseadas menores do interior das la‑
costa, assim como suas extensões para o sul e para gunas.
o norte, explicam suficientemente a fonte da sedi‑ Os trabalhos de João Dias da Silveira (1950) e
mentação regional. O clima tropical quente e úmido Rui Osório de Freitas (1951) esquematizam bem as
decompõe as massas rochosas granitizadas e o mar relações entre os diversos níveis de terraços fluviais
seleciona os cristais e resíduos de cristais, dirigindo e marinhos do litoral sul do estado, fazendo refe‑
as acumulações e o espessamento das partículas sili‑ rência a esse último ciclo de afogamento eustático
cosas nas zonas praianas e nas restingas. da região. Lembramos, aqui chegados, que as in‑
A planície costeira arenosa de Cananéia e Igua‑ terferências eustáticas principais são bem anteriores
pe apresenta dois pequenos ciclos em sua história à formação dos terraços de piçarras, tendo diminu‑
mais recente. Os terraços de piçarras regionais, so‑ ído gradualmente de intensidade e amplitude, ao
erguidos de 2 a 4 metros em relação ao nível atual que tudo leva a crer. Em outras palavras, parece ter
do mar, testemunham o fecho da primeira fase da havido um movimento eustático positivo de apenas
colmatagem marinha na região, assim como o últi‑ alguns metros depois da formação dos terraços de pi-
mo ciclo de entalhamento acompanhado de afoga‑ çarra, mas deve ter havido dois ou mais ciclos de
mento eustático discreto. afogamento da linha de costas atlânticas, bem antes
As piçarras da região não passam de extensas da formação das próprias “piçarras”, e cuja amplitu‑
massas de areia de praias intensas, construídas ao de pode ter sido de algumas dezenas de metros*.
tempo em que as lagunas de restingas do golfão de Entre o Estado do Rio de Janeiro e o de Santa
Cananéia e Iguape possuíam extensão considerá‑ Catarina só são passíveis de serem encontrados dois
vel e um traçado bem diverso do atual (Ab’Sáber e tipos de sítios portuários: um primeiro grupo dire‑
Bernard, 1953). Tais areias de praias relativamente tamente ligado à fase de submersão profunda, res‑
calmas e de bordos internos de restingas sofreram ponsável pela criação dos golfões afunilados muito
uma cimentação insuficiente e irregular, feita pela
infiltração descendente de material argiloso e orgâ‑ * Os terraços de abrasão do nível de 4 a 7 metros, bem
viáveis nos pequenos esporões rochosos das falésias atuais,
nico pertencente a antigos manguezais, que em de‑
foram esculpidos ao mesmo tempo que se processou o so‑
terminado instante estiveram sotopostos localmente erguimento dos feixes de restingas que vieram dar origem
às areias. Daí o seu aspecto de arenito mal consoli‑ aos terraços de piçarra. A diferença altimétrica entre um e
dado de coloração castanho-ferruginosa: trata-se, na outro está relacionada com as grandes diferenças de resistên‑
realidade, de areias de praias e restingas soerguidas cia e consistência que vão das rochas granito-gnáissicas para
e ligeiramente cimentadas por material limoso in‑ as rochas sedimentares marinhas recentes. A sobrelevação
filtrado de cima para baixo a partir de manguezais real foi generalizada e idêntica, porém os feixes de restinga
hoje desaparecidos. antigos foram compactados por pressão natural e desidra‑
João José Bigarella (1946, pp. 96, 101-102) re‑ tação, sofrendo além disso um pequeno rebaixamento por
feriu tais sedimentos sob a designação errônea de desnudação. Daí o fato de os terraços de construção marinha
magrovito, pensando tratar-se de manguezais an‑ regionais possuírem de 2 a 3 metros de altitude em média,
tigos desidratados e dessecados. Infelizmente, tal enquanto os terraços de abrasão, a eles correspondentes, pos‑
suem de 4 a 7 metros, no geral.
designação no caso particular é muito imprópria,

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
8

similares às rias típicas, e um segundo grupo, ligado sistema lagunar de Cananéia, tão bem caracteriza‑
à redefinição muito recente dos canais que ligavam do por Wladimir Besnard (1950), é uma das con‑
a linha de costa atual em relação às lagoas e laga‑ sequências mais espetaculares do soerguimento das
mares de restingas. Enquanto os sítios portuários restingas pleistocênicas e da submersão holocênica
do primeiro grupo representam uma sobrevivência local. Tais aparelhos litorâneos, que colmataram
da submersão do Pleistoceno Antigo, posterior à o vasto e irregular golfão antigo do baixo Ribeira,
sobrelevação dos terraços de 20-30 metros, os por‑ foram soerguidos e ligeiramente entalhados pelo
tos do segundo grupo correspondem a uma discreta encaixamento de rios, riachos e pequenos córregos,
submersão recente, posterior à formação dos terra‑ sendo que posteriormente os sulcos recém-formados
ços de construção marinha do Pleistoceno Recente, foram invadidos pela água do mar. Tal submersão
situando-se o movimento das águas no limiar do seguiu as imposições direcionais ditadas pelos feixes
próprio Holoceno. das restingas antigas, vindo resultar o sistema de la‑
O chamado “estuário” de Santos, como a en‑ gunas subparalelas da região de Cananéia e Iguape.
trada da barra da região de Cananéia e as baías con‑ Quando os homens dos sambaquis ali se esta‑
tíguas, representam sítios portuários ligados a essa beleceram “já existiam os baixos terraços arenosos e
submersão, moderada e final, que se processou na o importante organismo lagunar que viria servir de
costa após a formação dos terraços arenosos, conhe‑ teatro geográfico às atividades dos primitivos habi‑
cidos como “terraços de piçarra” (Silveira, 1950). O tantes” (Ab’Sáber e Besnard, 1953, p. 221). Identi‑
próprio sistema lagunar de Cananéia-Iguape foi re‑ camente, na região de Santos, ao tempo dos homens
definido, ganhando ensejo de maior sobrevivência dos sambaquis, a área lagunar que então separava
a Ilha de São Vicente dos sopés da Serra do Mar
era bastante grande, copiando através de rasa co‑
luna d’água o contorno do profundo golfão ainda
mais antigo que ali deve ter existido anteriormente
(Pleistoceno Médio?). Os manguezais e baixadas
fluviomarinhas que hoje colmatam uma boa parte
dessas áreas lagunares anteriores são muito recentes,
alguns deles posteriores ao período dos homens dos
sambaquis e, outros, ainda em plena fase de expan‑
são atual.

Semelhanças e contrastes principais entre a


geomorfologia do litoral paulista e a do litoral do
Foto 21. A Serra de Itatins e a porção interna da baixa‑ Rio de Janeiro
da de Itanhaém - Os baixos níveis costeiros, altamente
dissecados, são reencontrados nas extremidades dos Entre o quadro dos baixos níveis costeiros pau‑
esporões da Serra de Itatins, a 8, 10 e 15 quilômetros listas e o da região da Guanabara existem diferenças
para o interior. O golfão do Pleistoceno Médio atingiu específicas ao lado de inúmeras semelhanças gerais.
as reentrâncias internas da atual baixada, com toda Aqui, como lá, a partir de certos níveis intermediá‑
certeza. Foto do Diretório Regional de Geografia do rios dos maciços isolados da costa, existe uma série
C. N. G., em São Paulo. de níveis de terraços de abrasão e de terraços fluviais,
dispostos em planos altimétricos escalonados. Os
na escala do tempo geológico, após essa última pe‑ minuciosos estudos de Francis Ruellan, pioneiros,
quena fase de submersão eustática. sob todos os títulos, em relação à moderna geomor‑
Nas regiões onde os golfões antigos foram pou‑ fologia litorânea do Brasil, possibilitam uma com‑
co colmatados, como acontece no litoral norte de São paração mais direta entre as duas áreas contíguas.
Paulo, a submersão holocênica quase não influiu na Uma primeira diferença a salientar é que,
história das pequenas baixadas costeiras, determi‑ no território litorâneo de São Paulo, nunca fo‑
nando apenas um acréscimo de sedimentos no fun‑ ram encontradas ocorrências do Terciário Inferior
do das reentrâncias principais e um alargamento e (Paleoceno) e do Terciário Superior (Plioceno),
acréscimo pequeno da coluna d’água nos canais e como é o caso da região da Guanabara e vizinhan‑
bordos internos das enseadas e baías. Entretanto, ças. Por outro lado, aqui, os tratos mais extensos
como salientamos, tal processo, relativamente des‑ das baixadas são constituídos por planícies flu‑
prezível em relação à porção litorânea fronteiriça ao viomarinhas, rasas e recentes, oriundas da colma‑
Estado do Rio, foi capaz de remodelar o contorno tagem de golfões antigos (pleistocênicos); na Gua‑
interno da planície fluviomarinha de Cananéia- nabara, ao contrário, coexistem, ao lado dessas
Iguape e quase todo o baixo Ribeira de Iguape. O planícies e lagamares, grandes extensões de terras

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Foto 22. O terraço de piçarras de Cananéia - Barrancas Foto 23. Paredões de abrasão dos terraços de piçarra
de abrasão de 2,5 metros esculpidas pelas águas do da Ilha de Cananéia - Foto tomada três quilômetros a
mar de Cananéia. A abrasão marinha atingiu porções ENE de Cananéia. Trata-se de um dos mais altos terra‑
internas do sistema lagunar regional, devido à dinâmica ços de construção marinha encontrados na região, e que
das correntes de maré e, especialmente, às pequenas possui apenas 3,5 metros de altura. Um horizonte de
vagas formadas no interior das lagunas. Foto: Ab’Sáber, areias brancas de dunas antigas, adelgaçadas e fixadas,
janeiro de 1953. interpõe-se entre o arenito inconsolidado de cimento
mangrovítico e o solo vegetal atual. Grandes torrões
enxutas, não capeadas por sedimentos marinhos ou escuros de blocos de piçarras desbarrancadas rendilham
aluviões e transformadas em verdadeiros baixos ní‑ a base das falésias. Foto: Ab’Sáber, janeiro de 1953.
veis de colinas sedimentares ou cristalinas.
É lícito pensar-se que na Guanabara a família É fácil de se compreender a multiplicação dos
de falhas atlânticas iniciou suas primeiras atividades níveis parciais na região da Guanabara e na Serra do
por volta dos fins de Cretáceo e do Paleoceno, que‑ Mar fluminense; ali o arqueamento epirogênico que
brando a continuidade antiga dos terrenos granito- sobrelevou os maciços antigos do Brasil atlântico
gnáissicos, através de um jogo de blocos, de grande teve o seu eixo de maior exaltação (Ruellan, 1952) e
amplitude de rejeitos, que veio isolar o bloco do Ma‑ sua área de tectonismo moderno de rede mais com‑
ciço da Carioca em relação ao alinhamento princi‑ plexa. Cessada a ação dos falhamentos responsáveis
pal da Serra do Mar. Reativações desses falhamen‑ pela gênese da Serra do Mar e do Maciço da Cario‑
tos iniciais foram responsáveis pelo encravamento, ca, passaram a dominar tendências epirogenéticas
em ângulo de falha, da pequena bacia sedimentar positivas, de caráter marcadamente cíclico ou epi‑
paleocênica de São José de Itaboraí. É sabido que, cíclico, as quais foram responsáveis pelo estabeleci‑
até a formação dessa pequena bacia, o mar se encon‑ mento de níveis de erosão intermediários, ligadas à
trava um tanto afastado da linha de costa que hoje nova frente de tributação hidrográfica do Atlântico.
conhecemos. O resto da história paleogeográfica recente, entre‑
Não há termos de comparação entre o soer‑ tanto, é bem mais semelhante àquela que interessou
guimento das terras altas do Planalto Atlântico aos estados de São Paulo e do Paraná, estando inti‑
em território fluminense, quando comparado com mamente associada aos processos de interferências
o mesmo fato em relação à maior parte do territó‑ eustáticas.
rio paulista. O arrière-pays cristalino da região da Francis Ruellan (1944a, p. 462), após referir va‑
Guanabara é constituído de montanhas cuja linha gamente a existência de níveis intermediários supe‑
de topos oscila pela cota dos 2.000 metros (superfí- riores a 150 metros nos flancos e extremidades das
cie dos campos, de De Martonne), enquanto a borda montanhas da Guanabara, discriminou os seguintes
do planalto paulista em média oscila por volta dos baixos níveis costeiros na região: 80-100 metros, 25-
800-1.100 metros. Há a lembrar, ainda, que o bloco 35 metros e 15-20 metros (1946, p. 485). Anotou,
de estrutura e tectônica complexas, constituído pelo ainda, a ocorrência de pequenos terraços de abra‑
Maciço da Carioca, possui altitudes que atingem são de 2 a 5 metros, em alguns pontos (1944, est.
1.000 metros. Compreende-se, desta forma, que os XVIII, legenda da foto C).
níveis de erosão intermediários, de caráter subaéreos, Para muitos poderia haver uma visível discre‑
interessam apenas às bordas e aos flancos dos vales pância entre os baixos níveis da Guanabara e os do
principais do Maciço da Carioca, como também à litoral paulista. Lembramos, porém, que tais dife‑
zona pré-Serra do Mar. Tais níveis intermediários renças são mais aparentes do que reais, por diversas
das montanhas da Guanabara representam um des‑ razões. Em primeiro lugar, há a assinalar que os ter‑
dobramento visível do nível de 200-300 metros, co‑ raços de abrasão típicos da costa paulista, cuja co‑
nhecido na zona litorânea paulista. tas médias oscilam entre 20 e 30 metros, são exata‑

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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mente os mesmos que Ruellan pôde separar em dois


grupos, em relação à região da Guanabara (níveis
de 25-35 metros e 15-20 metros). Também, entre
nós, é possível que melhores pesquisas morfomé‑
tricas venham possibilitar o desdobramento desses
níveis, mormente quando se considera o alto está‑
gio de evolução e mascaramento pelo intemperismo
com que se apresentam na paisagem os baixos níveis
costeiros paulistas. Considerações mais ou menos
idênticas, perfeitamente aceitáveis, poderiam ser te‑
cidas em relação ao nível de 80-100 metros, ainda
não assinalado no litoral paulista*.
Foto 24. Barrancas de abrasão esculpidas em “piçarras”
Haveria a possibilidade, ainda, de encaminhar
na entrada da barra de Cananéia, no extremo sul da
a discussão do problema para outro terreno, que se‑
Ilha Comprida (Ponta da Trincheira) - Aí, mais do que
ria o das diferenças de intensidade da epirogênese
em qualquer outro ponto, pode-se verificar que os sedi‑
epicíclica nas duas áreas litorâneas do Brasil Sudes‑
mentos das piçarras correspondem a antigos feixes de
te. Existem fortes razões para se pensar que os pe‑
restingas soerguidas e impregnadas por material humo‑
quenos ciclos de movimentos epirogênicos recentes
so e argiloso pertencente a antigos manguezais. Há um
tenham copiado, de certa forma, a intensidade e a
plano de discordância nítido entre o topo dos estratos
direção do grande arqueamento pós-cretáceo que
de piçarras em face do horizonte de areias brancas, de
afetou Austro-Brasília. Desta forma, as tendências
dunas adelgaçadas, que capeia extensivamente os bar‑
epirogenéticas positivas teriam maior intensidade e
rancos. Foto: Ab’Sáber, janeiro de 1953.
amplitude na região da Guanabara que nas porções
centrais e meridionais do litoral paulista. Isto nos subsequente da linha de costa não foi capaz de fe‑
conduziria a pensar que terraços de nível de 50-60 char a entrada da barra, na Guanabara. O Porto
metros em São Paulo pudessem corresponder a ter‑ de Santos, ao contrário, corresponde a uma área
raços de 80-100 metros na região da Guanabara. em que o antigo golfão regional foi quase inteira‑
Tais considerações, entretanto, só terão maior sig‑ mente fechado e parcialmente colmatado, restan‑
nificado quando o acúmulo das medidas morfomé‑ do porém um canal de ponta de praia, que mais
tricas possibilitar melhores e mais seguros estudos tarde foi redefinido pela última e moderada fase
comparativos. Não cremos muito nessa possibili‑ de submersão sofrida pela costa paulista. Trata-
dade, porém, já que os terraços de 80-100 metros se, no caso, de uma espécie de ria, como a definiu
foram assinalados no Rio de Janeiro e no Paraná, Pierre Denis (1927, p. 173), porém muitíssimo me‑
ficando apenas a secção paulista do Brasil Sudeste nos expressiva do que a da Guanabara.
a escapo desse nível, o que de modo algum parece
ser real. Considerações finais
A Guanabara, como bem salientou Ruellan
(1944a), é uma grande ria oriunda do afogamento Francis Ruellan (1944), que foi o primeiro pes‑
da embocadura de uma série de vales que se encai‑ quisador a introduzir, entre nós, a noção dos mo‑
xaram a partir do nível dos 15-20 metros, tão bem vimentos eustáticos, com o fito de explicar certas
visível nas baixas colinas que circundam a baía. Tal particularidades de nossa linha de costas, lembrou
afogamento, provavelmente de caráter eustático, que “graças à sua estabilidade, depois, pelo menos,
corresponde à fase de submersão costeira já vislum‑ do final do Plioceno, as terras brasileiras podem
brada por Branner (1915, p. 164) e à qual denomi‑ permitir a verificação da hipótese eustática”. A evo‑
namos fase dos golfões ou fase das rias típicas (Pleisto‑ lução das pesquisas dos baixos níveis costeiros no
ceno Médio?). Brasil atlântico vem demonstrando, cada vez mais, a
O Porto do Rio de Janeiro é exclusivamente veracidade dessa proposição, parecendo comprovar
uma herança dessa fase de afogamento pretérito a interferência dos movimentos eustáticos na gênese
da fachada costeira regional, já que a colmatagem de uma boa parte do litoral da face leste do conti‑
nente sul-americano.
* Posteriormente à redação do presente estudo, tive‑ Os estudos até hoje realizados na porção sul-
mos a oportunidade de rever, no campo, algumas das medi‑ oriental do litoral brasileiro guardam especial in‑
das anteriores, sobre terraços de abrasão da costa paulista e teresse, nesse sentido, porque aí, enquanto a epi‑
nos inteiramos da necessidade de uma revisão completa e rogênese do bloco continental foi tendencialmente
mais criteriosa de sua morfometria. Não somente é possível positiva, cíclica e epicíclica, o nível das águas do
agrupar melhor os terraços de níveis superiores a 10 metros mar sofreu variações independentes, ora positivas,
e inferiores a 60 metros, como também é possível referir ter‑
ora negativas, que responderam por sucessivas inter‑
raços nos níveis intermediários de 80-100 metros.

143
ferências de processos na gênese da fachada costeira
atlântica.
Parece ter havido maior número de coincidên‑
cias entre os períodos de movimentos eustáticos
positivos com fases de epirogênese positiva epicícli‑
ca, sendo raros, senão desconhecidos, os casos de
coincidência de movimentos eustáticos negativos
com movimentos epirogenéticos negativos. O con‑
tinente esteve propenso a ligeiros saltos epirogêni‑
cos ascensionais, enquanto o nível dos mares, alheio
completamente aos fatos da tectônica continental,
ora se abaixava, ora se elevava, pelas conhecidas Foto 25. Detalhes da estratigrafia dos bordos internos
imposições do chamado controle glacial. Desta for‑ da baixada de Cananéia, próximo à base da Serra do
ma, como lembra oportunamente Francis Ruellan Itapitangui, a 10 quilômetros da linha de costa atual
(1944a, p. 486), as glaciações quaternárias “tiveram - Uma camada de sedimentos argilosos e humosos
uma influência indireta sobre a geomorfologia do escuros, pertencentes a manguezais e pântanos fluvio‑
Brasil”, já que foram capazes de fazer oscilar o nível marinhos, se sotopõe a sedimentos arenosos de praias
geral dos mares e multiplicar os aspectos de nossa antigas. Tal disposição nos sugere o mecanismo da
morfologia litorânea. formação das piçarras, que são arenitos inconsolidados
Conquanto seja extremamente difícil saber-se com cimento mangrovítico. Foto: Ab’Sáber, janeiro de
quais os fatos de erosão e submersão ligados a mo‑ 1953.
vimentos continentais ou a movimentos eustáti‑
cos, é lícito, por uma série de razões, pensar-se que ideias ligadas a uma tectônica de tipo marcadamente
a epirogênese tenha sido dominantemente positiva, quebrantável. Entretanto, o fato de existirem suces‑
enquanto os movimentos eustáticos, pelas próprias sivos e escalonados níveis de terraços marinhos na
condições específicas de sua gênese, tenham sido região e o fato de esses terraços se salientarem frente
alternadamente positivos e negativos. Muitos fo‑ a uma rampa suave, extensa e contínua da platafor‑
ram os casos em que terraços de abrasão marinhos, ma continental, podem indicar que após a formação
recém-soerguidos, foram depois interpenetrados pela do nível de 200-300 metros se tenha verificado uma
desforra ocasional, de caráter eustático, das águas longa flexura de grande raio de curvatura na anti‑
marinhas, as quais determinaram um afogamento ga fachada atlântica regional. Dada a natureza do
da costa estabelecida, independente da ação gradual embasamento continental, tal flexura pode ter sido
de regressões ou transgressões marinhas, ligadas acompanhada de falhas submarinas, escalonadas,
às oscilações epirogênicas. Por outro lado, diversos quiçá geomorfologicamente conformes no momento
foram os níveis de terraços de abrasão que perma‑ de sua formação. Forçoso reconhecer, porém, que o
neceram em posição ligeiramente horizontal, por presente estudo nada adianta de mais positivo para
sobrelevação epirogênica, enquanto os sulcos dos va‑ esclarecer quaisquer problemas atinentes à hipótese
les fluviais antigos, que lhe eram contíguos, foram da flexura continental, em áreas de escudos soergui‑
afogados pelas águas marinhas, através de processos dos e basculados.
geológicos separados e absolutamente independentes. Dadas as sucessivas interferências de processos
Em relação ao caráter positivo da epirogêne‑ de submersão e emersão na costa paulista, ligados ao
se pós-pliocênica no Brasil Atlântico, são decisivos entrosamento dos movimentos epirogênicos e eustá‑
os fatos observados em diversos setores do reverso ticos pós-pliocênicos, pode-se dizer que o conjunto
continental da Serra do Mar, onde as evidências de de território litorâneo representa um bom exemplo
uma ascensão geral, cíclica e epicíclica, são inume‑ de costa mista, dentro da classificação de tipos gené‑
ráveis. Depois da cessação do ciclo deposicional nas ticos de costas de Douglas Wilson Johnson (1919).
bacias de São Paulo e Taubaté, parece ter dominado A submersão posterior à formação do nível de terra‑
exclusivamente a epirogênese positiva realizada em ços de 20-30 metros, porém, deixou marcas impor‑
pequenos ciclos, como tivemos oportunidade de re‑ tantes dentro da paisagem da maior parte da costa,
ferir (Ab’Sáber, 1952-53). de tal forma que o setor costeiro situado ao norte de
Lembramos, por último, que a hipótese da fle- Santos, ainda hoje, aparenta feições dominantes de
xura continental (Boucart, 1950) não se beneficia em costa de submersão, fato que feriu a atenção de mui‑
muito e nem encontra melhores argumentos com‑ tos pesquisadores (Denis, 1927; Moraes Rego, 1932;
probatórios nos fatos observados na morfologia cos‑ Rich, 1942 e Freitas, 1947). Ao contrário, o setor
teira paulista. A rigidez extraordinária dos terrenos sul, aparenta condições mais peculiares às costas de
que compõem o embasamento cristalino regional, emersão, o que também é absolutamente ilusório, já
longe de sugerir quaisquer tipos de flexura, favorece que, após a fase de emersão recente que criou os ter‑

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raços construcionais das “piçarras”, houve uma sub‑


mersão moderada que redefiniu o próprio sistema
lagunar regional. Aí, mais do que em outros trechos,
a costa é tipicamente mista, como de resto parece ser
o litoral brasileiro por enormes extensões.

Foto 26. Terraço de construção marinha, nos bordos


internos da Ilha Comprida - Trata-se de um terraço
de 2,5 metros de altura, que serviu de sítio para o sam‑
baqui do Baixo Baguaçu, hoje reduzido a uma delgada
capa de restos de ostras e berbigões e retomado por
um tapete de vegetação herbácea. A camada basal de
berbigões capeia o baixo terraço arenoso, mergulhando
pelo seu talude lateral. Uma camada de areia branca de
lençóis de dumas interpõe-se entre a base do sambaqui
e as camadas arenosas do baixo terraço. Foto: Ab’Sáber,
janeiro de 1953.

A bibliografia deste artigo se encontra no DVD anexo

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Aziz Ab’SÁber, a História das
Geociências e o papel da
universidade: preocupações de
longa data
Silvia F. de M. Figueirôa

É bastante conhecido dos historiadores das


ciências e da tecnologia, assim como dos geógrafos, geólo-
gos e de outros profissionais, o alentado e informativo texto
“Geociências”, escrito pelo professor Aziz Nacib Ab’Sáber
para a obra coletiva História das Ciências no Brasil, coordena-
da por Mário Guimarães Ferri e Shozo Motoyama e publi-
cada no início da década de 1980*. No entanto, poucos talvez
saibam que este texto não foi o primeiro, mas sim veio se so-
mar a vários outros que o antecederam, a demonstrar que seu
interesse pela temática histórica já se manifestava de longa
data, desde os primeiros anos de sua carreira científica.
Aziz Ab’Sáber faz parte de um grupo de cientistas,
presentes ao longo de algumas gerações, que sempre
valorizaram a história de suas áreas específicas de pesquisa.
Emblemáticas deste perfil são as coletâneas de Ferri &
Motoyama (acima referida) e, antes dela, a de Fernando
de Azevedo, citada abaixo por Aziz. Sempre produzidas
por cientistas praticantes, estas obras guardam os traços da
ênfase nos estrangeiros que vieram ao Brasil e teriam sido
os únicos fundadores de diferentes disciplinas (em geral,
pouca ou nenhuma atenção é dispensada aos brasileiros de
cada período histórico), na listagem de datas, personagens e
fatos, e na criação da USP como o grande divisor de águas
entre uma fase considerada “pré-científica” e a introdução da
verdadeira ciência. Atualmente, decorridos mais de 20 anos
desde a fundação da Sociedade Brasileira de História da
Ciência, em 16 de dezembro de 1983 - da qual Aziz é um
dos fundadores -, esta concepção historiográfica encontra-
se amplamente revista, como resultado da institucionalização
e da profissionalização dos historiadores da ciência. Isto, no
entanto, longe de constituir demérito à produção anterior,
só faz ressaltar a importância destes estudos pioneiros, que
forneceram a base sobre a qual as novas gerações puderam
assentar o ponto de partida de seus trabalhos.
Assim sendo, temos que o primeiro tex-
to de autoria de Aziz versando sobre a História das
Ciências foi publicado em agosto de 1958, no segundo
número do periódico Notícia Geomorfológica. O artigo “A

* Ab’Sáber, A. N. “Geociências”. In: Ferri & Motoyama


(eds.), História das Ciências no Brasil, cap. 4, pp.119-205. EDUSP.
São Paulo, 1979-1980. O capítulo continua até a página 231, mas
esta última parte é de autoria de Antonio Christofoletti.

146
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
9
Geomorfologia no Brasil” constituía uma oportu- balhos de naturalistas e viajantes, de engenhei-
nidade de divulgar a história desta disciplina ainda ros e praticantes de geologia (já que de “geólogos”
recentemente institucionalizada entre nós, segundo strictu senso não poderiam ser chamados) e, a par-
o autor, e também (injustamente) “esquecida” nas tir daí, construiu a narrativa que dava sentido - e
compilações históricas: justificava - o florescimento dos estudos geomor-
fológicos em terras brasileiras, subdividindo-os em
Na literatura sobre a evolução dos conhe- três grandes períodos: período dos predecessores
cimentos científicos, relacionados com as (1817-1910), período dos estudos pioneiros (1910-
ciências da terra no Brasil, raras são as infor- 1940) e período de implantação das técnicas moder-
mações dedicadas à história da Geomorfo- nas (1940-). Florescimento este já um tanto tardio
logia Brasileira. Nesse sentido, nem mesmo vis-à-vis o restante do mundo acadêmico, em parti-
a publicação do notável simpósio sobre “As cular os Estados Unidos, pois como afirma o autor
ciências no Brasil” (1955)*, organizado graças em tom contundente,
ao esforço e ao prestígio intelectual de Fernan-
do do Azevedo, foi capaz de preencher aquela não fora a negligência e a quase que absoluta fal-
séria lacuna. (...) Aliás, esse fato serve bem para ta de iniciativa e capacidade de atualização dos
demonstrar o triste destino dos campos cientí- principais responsáveis pelo ensino e pesqui-
ficos situados em posição marginal perante as sas de Geomorfologia nas jovens universidades
disciplinas tradicionais. Na hora dos inventários brasileiras, talvez já se pudesse falar num quar-
de conjunto eles podem correr o risco de ficar à to período, ou seja, o período brasileiro con-
margem da história das ciências de estruturação temporâneo, apenas esboçado a partir de 1949
mais antiga, a despeito mesmo do volume da bi- (Ab’Sáber, op.cit.:2).
bliografia que lhes diga respeito. Daí a razão das
notas que se vão ler, as quais visam constituir Aziz, evidentemente, se insere no último
achegas para a história da Geomorfologia no período, qualquer que seja o marco temporal, posto
Brasil (Ab’Sáber, 1958:1). que sua tese de doutoramento foi defendida em 1956.
Também no plano da temporalidade sincrô-
Numa leitura retrospectiva deste curto tre- nica, Ab’Sáber recorre a trabalhos de áreas corre-
cho, pode-se perceber características relevantes que latas para destacar e reivindicar importância para
permearão seus trabalhos seguintes. Um primeiro a Geomorfologia e, mais amplamente, para as
aspecto a ser ressaltado é a própria concepção de Geociências. Num texto curto da Notícia Geomorfo-
história das ciências: uma história que visa a dar o lógica, de agosto de 1959, Aziz divulga o então re-
devido destaque aos trabalhos de um campo disci- cente trabalho (hoje um clássico) de Fernando Flávio
plinar ainda em consolidação no país, comparando- Marques de Almeida sobre a geologia e a petrologia
o e equiparando-o a outros campos mais antigos e das ilhas de Fernando de Noronha**. Ao final, apro-
de tradição. Trata-se, no melhor sentido do termo, veita para concluir louvando a obra e sua abordagem,
de “inventar uma tradição” para a Geomorfologia que hoje poderíamos chamar de multidisciplinar, e
brasileira por meio do resgate de trabalhos anterior- “alfinetando” diferentes setores por não darem a de-
mente dispersos e/ou não analisados sob este enfo- vida atenção às ciências da Terra - tão caras a ele
que, valendo-se da história para fortalecer a nova - em suas múltiplas vertentes:
disciplina e sua institucionalização. Como fica claro
nas linhas a seguir, Entretanto, o seu grande valor residirá sempre
em seu corajoso plano e no extraordinário es-
as pesquisas sistemáticas de Geomorfologia so- forço de pesquisa desenvolvido pelo autor, que
mente se iniciaram há três décadas. Por outro não mediu barreiras para conduzir seu trabalho
lado, (...) se é bem fácil acompanhar a história através dos mais diversos prismas de investiga-
recente da ciência do relevo brasileiro, é muito ção das ciências da terra. Numa época em que
mais difícil reconstituir suas raízes e discrimi- somente as ciências “da moda” têm repercussão
nar suas verdadeiras fontes. Estas, na maior par- nos meios políticos e sociais e no noticiário das
te das vezes, encontram-se perdidas no interior agências telegráficas***, é com grande prazer que
dos escritos dos geólogos do século passado e
das primeiras décadas do atual (idem, ibidem). **“Fernando de Almeida e o arquipélago de Fernando
de Noronha”. Notícia Geomorfológica, nº 4, ago., pp.60-62.

Desta forma, Ab’Sáber foi constantemente *** Aziz se refere, provavelmente, à Física e ciências
buscar os alicerces da ciência que exercia em tra- correlatas. Na sequência do pós-guerra, esta foi a década em
que se assistiu, no Brasil, à criação do CNPq e da CNEN,
* Azevedo, Fernando de (org.) As ciências no Brasil, e à descoberta do méson π pelo físico Cesare Mansueto
Cia. Ed. Nacional, São Paulo, 2 vols.1955. Giulio Lattes (1924-2005), amplamente celebrada pela mí-
dia de então e que, juntamente a outros trabalhos seus e
147
se pode chamar a atenção para uma obra de pes- meira equipe de geomorfologistas brasileiros, e,
quisa paciente e difícil como a que foi realizada já, com certo retardo, se pronunciam os reflexos
por Fernando de Almeida nas principais ilhas de uma crise universal, que envolve a um tempo,
oceânicas brasileiras. Fato da maior importância questões de método, de conceitos e de técnicas
ainda, porque tais pesquisas confirmam ou rea- de trabalho. (...) Por parte dos mais bem avisa-
firmam um direito de utis possidetis na biblio- dos e criteriosos há uma grita geral para a reno-
grafia científica dessas ilhas oceânicas perten- vação de métodos e técnicas de pesquisa e para
centes ao nosso patrimônio territorial (Ab’Sáber, a inauguração de novos centros de aprendizado
1959:62). e treinamento. É difícil, no entanto, cumpre
confessá-lo, vencer o espírito científico reacio-
Construir o novo pressupõe também, quase nário dos que detêm em suas mãos os cargos-
sempre, ruptura com o velho, como indica Ab’Sáber chave e bloqueiam sistematicamente o progresso
nos trechos acima citados e em diversos outros, tais e o desenvolvimento, entre nós, de um dos mais
como: “nessas ocasiões [congressos] havia a neces- notáveis setores modernos das ciências da Terra
sidade de fazer pregações, dar exemplos concretos (Ab’Sáber, 1958: 8).
e fiscalizar discretamente as louvaminhas mútuas
de velhos mentores, cientificamente fossilizados” De certo modo, a necessidade de criação de
(Ab’Sáber, 1960: 75). É nesse movimento em prol novos centros foi percebida. No início dos anos 1960
da institucionalização da Geomorfologia, que se jus- o Instituto de Geografia da USP foi fundado. Con-
tifica, mais uma vez, a importância da história, do forme destaca Moraes (2004: 28)
resgate de um passado que, longe de ser sinônimo do
atraso, fosse antes a preparação da modernidade, na a fundação do IGEOG/USP manifesta bem
qual se inseriam os duas indagações que povoavam o interesse
dos geógrafos brasileiros na época: a busca do
estudos, ensaios e monografias firmadas por aprimoramento metodológico e a inserção
jovens pesquisadores brasileiros, os quais cons- técnica na modernização em curso no país. (...)
tituem hoje uma equipe não muito numerosa, Cabe assinalar que a administração de Juscelino
porém bastante ativa (Fernando Flávio Marques Kubitschek, no plano federal, e a de Carvalho
de Almeida, João Dias da Silveira, Orlando Val- Pinto, no governo do Estado de São Paulo,
verde, Ruy Ozório de Freitas, Alfredo José Por- haviam inserido o planejamento espacial (em
to Domingues, João José Bigarella, Aziz Nacib várias escalas) no dia-a-dia da atuação estatal.
Ab’Sáber, Antônio Teixeira Guerra, Pedro Gei-
ger, Hilgard O’Reilly Sternberg, Elina de Oli- Pode-se ainda apontar como outro atributo
veira Santos, Vitor Antônio Peluso Jr., Gilberto significativo da produção de Ab’Sáber sobre temas
Osório de Andrade, Manuel Correia de An- de História das Ciências a ênfase em aspectos bio-
drade, Carlos de Castro Botelho, entre outros) gráficos de precursores importantes. Além das re-
(Ab’Sáber, op.cit.: 5). ferências a diversos pesquisadores, feitas nos textos
mais longos, como os já citados, Aziz escreveu dois
Ao mesmo tempo, situar histórica e episte- robustos artigos especificamente biográficos, um so-
mologicamente a Geomorfologia brasileira em re- bre Reinhard Maack e outro sobre Pierre Monbeig.
lação aos padrões internacionais constituía estraté- Em ambos as características pessoais e as trajetórias
gia essencial para fazê-la avançar e prosperar, pois de vida misturam-se ao comportamento acadêmico
Ab’Sáber percebe, na contemporaneidade dos fatos, e profissional, às opções teóricas e às crenças cientí-
a “crise”, por assim dizer, do paradigma em vigor e a ficas. Ao falar de Maack diz, por exemplo:
ameaça que isto poderia representar:
o jovem e irrequieto cartógrafo prático aprovei-
tava todas as oportunidades para conhecer novas
Por último, cumpre-nos lembrar que é bastan- terras e paisagens: ao regressar à Alemanha em
te delicado o momento por que passa a ciência 1921 fez um longo trajeto através da África e do
o relevo no Brasil, perante a grande crise que Oriente Próximo. Desta forma, antes mesmo de
vem recaindo sobre a geomorfologia davisiana redigir qualquer trabalho científico, Maack era
no mundo científico. Nem bem se formou a pri- dono de uma invejável experiência no conheci-
mento de terras tropicais e de países de baixo
de contemporâneos, contribuiria fortemente para a Teoria nível de desenvolvimento tecnológico (Ab’Sáber,
da Relatividade. Para maiores informações, cf. Ana Maria 2002: xxxiii).
Ribeiro de Andrade (1999). “Físicos, mésons e política: a
dinâmica da ciência na sociedade”. São Paulo: Hucitec; Rio E essa forte experiência de campo, em sentido
de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins. amplo, fundamentava comportamentos pouco orto-

148
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
9
doxos por conferir ao geógrafo experiente a certeza ções, e recorre à Geografia para melhor entender,
do que havia observado, coletado e interpretado: no tempo, as marcas desta produção intelectual –
mantendo assim, ele também, o recurso crítico a
Conhecemos Maack nessa época quando ele estes dois campos disciplinares:
iniciava sua participação em congressos, expon-
do suas ideias sobre estratos pré-devonianos re- Caio Prado entendeu os ritmos da história em
manescentes da Bacia do Paraná, defendendo diferentes espaços. (...) Aí residiu a grande força
suas posições e suas novas descobertas, e exi- da historiografia de Caio Prado Júnior, por ser
bindo em plenário uma grande mala, repleta de o processo de fazer história, que se antecedeu
amostras de rochas, documentos decisivos de sua à compreensão dos ritmos de tempo e espaço,
argumentação. Assim era Maack (...) (Ab’Sáber, em plena historiografia tradicional da América
op.cit: xxxix). Latina. (...) Existe uma visão de Brasil na obra
de Caio que, para ser bem avaliada, obriga a um
Pelo seu conhecimento dúplice da geologia da recuo à década de 40, onde se situa a primeira
África e do Brasil, Maack estava categorizado parte e, exatamente, a mais significativa contri-
mais do que qualquer outro geólogo militante buição do autor à historiografia brasileira. Em
no país a tecer considerações sobre a estratigra- 1940 o Brasil era uma imensa desconexão geo-
fia, a paleontologia e os paleoclimas africanos e gráfica: uma magra tipologia de regiões, sujeitas
brasileiros do Devoniano ao Triássico (Ab’Sáber, a diferentes padrões de desenvolvimento, sepa-
op.cit: xl). radas por diferentes tipos de sertões. (...) Mesmo
assim, o historiador concedeu, nas mais diversas
No caso de Monbeig, as reminiscências de ex- de suas contribuições, um lugar à parte para as
discípulo perpassam todo o texto, mais memorialis- bases físicas e ecológicas, onde se desenvolveram
ta, até, do que propriamente histórico, a enaltecer vagas de atividades econômicas, vitais para o país
com justiça o geógrafo e o professor dos primeiros (Ab’Sáber, 1989: 407-08 e 411-12).
tempos da Universidade de São Paulo:
Já no prefácio à obra do brasilianista Warren
É muito difícil falar de um mestre geógrafo que Dean sobre a história da exploração da borracha no
era admirado e venerado pela grande maioria de Brasil, a História adquire relevo pelo conhecimento
seus alunos. Mas seria indigno, para qualquer que confere do processo de apropriação do território
um de seus discípulos vivos, deixar de registrar e de seus usos e, por conseguinte, por apontar cami-
a memória que têm de um professor diferencia- nhos de combate e de intervenção:
do que marcou o destino cultural de toda uma
geração. Éramos gente, predominantemente, de E se isso acontecer, depois de tantos anos de
classe média baixa sofrida e empobrecida. (…) uma luta inglória pela borracha (...), teremos um
Dentre eles [os professores] destacava-se Pierre reforço na grande luta para mudar a marcha do
Monbeig, que permaneceu no Brasil, trabalhan- destino agrário da Amazônia, sem o uso de mui-
do na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras to espaço e grandes predações florestais. (...) O
da recém-criada USP, por onze anos, do fim da estudo de Warren Dean (...) serve para reavivar a
década de 30 até a primeira década dos anos 40 memória nacional em torno de uma questão que
(1935-1946) (Ab’Sáber, 1994: 221). pode ser vital para nossa Amazônia (Ab’Sáber,
1989: 10).
A atuação forte e digna de admiração de
Monbeig-professor é lembrada como decisiva na É mister, ainda, remarcar, voltando aos textos
opção de vários então estudantes pela História ou de caráter biográfico, que Ab’Sáber enfatiza as fa-
pela Geografia. Muitos, nos quais Aziz claramen- cetas de rebeldia ou de inconformidade com o status
te se insere, “resolveram a dura batalha interior quo de seus personagens, valorizando-as enquanto
seguindo o anastomosado caminho que envolve o elementos constituintes essenciais a um ambien-
cruzamento entre o espaço e tempo” (Ab’Sáber, te acadêmico salutar. No caso de Pierre Monbeig,
ibidem: 225). No caso de Aziz, além das várias in- apresenta-se o intelectual e cientista - nitidamente
cursões na História das Ciências como constituinte progressista*, é bom que se diga - que enfrenta, por
imprescindível ao entendimento da própria ciência, questões de método, seus colegas conservadores e,
a valorização da História tout court surge também nesse sentido, constitui “mesmo de longe, o exemplo
em outros textos, caso do ensaio sobre a obra de a ser seguido”:
Caio Prado Jr. Neste trabalho, Ab’Sáber salienta,
justamente, o poder de síntese e o entrelaçamento * Cf. Antonio Carlos Robert Moraes (2004). Memo-
de espaço(s) e tempo(s) presentes nas análises de rial ao concurso para preenchimento do cargo de Professor
Caio Prado como uma de suas melhores contribui- Titular no Depto. de Geografia da FFLCH-USP. São Pau-
lo, pp. 20-21.

149
Em um congresso de cientistas franceses, Pierre de pertencer ao quadro docente da USP, quando era
Monbeig defendia a ideia de que existem aplica- então professor do Departamento de Geografia da
ções de ciências e não apenas um caso solista de Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da (ainda
aplicação de uma ciência. Nessa ocasião, o mes- não Pontifícia) Universidade de Campinas:
tre intuitivo que nele existia procurava reorientar
o pensamento de seus colegas para o campo da O mais odioso entrave ao desenvolvimento da
interdisciplinaridade indispensável (...). Mal sa- vida universitária em nosso país continua sendo
bia Monbeig que estava provocando com vara a seleção às avessas que campeia abertamente pe-
curta os seus vaidosos colegas (...). Monbeig es- las universidades e instituições científicas deca-
tava no caminho certo quando enfrentou seus dentes. Seleciona-se por tudo, e à custa de todos
colegas, deles recebendo o silêncio como respos- os argumentos, menos por valor pessoal, pela ca-
ta (Ab’Sáber, 1994: 231-32). pacidade de produção, pela formação intelectual
e pelas reais aptidões universitárias das pessoas.
Já Reinhard Maack salienta-se pela rebeldia Daí os inúmeros casos de indivíduos deslocados
no plano teórico, corporificando um autêntico here- em relação às suas aptidões e possibilidades. Daí
ge moderno o qual, não obstante, teve a satisfação de os frequentes casos de cátedras mal providas,
assistir, ainda em vida, aos primórdios da conversão que o tempo se encarrega de evidenciar. Daí a
da heresia em teoria cientificamente aceita: natural revolta dos que se julgam prejudicados e
espoliados (Ab’Sáber, 1958b: 5).
Seus conhecimentos sobre a África e o Brasil (...)
o converteriam em um fervoroso adepto da Te- Para repensar a responsabilidade da universida-
oria de Wegener sobre a deriva dos continentes. de brasileira nas questões relacionadas à educa-
Ainda estávamos longe de ter uma explicação ção ambiental, há que se partir de várias óticas e
global mais consistente para comprovar a ideia muitos pressupostos. (...) Exige-se uma visão do
de separação das diferentes parcelas de Gon- sistema educacional sob a ótica da antropologia
dwanalândia. (...) Reinhard Maack permaneceu cultural, da sociologia do conhecimento e, sobre-
numa atitude “mobilista e geodinâmica” até o úl- tudo, uma sondagem realística da estrutura, da
timo de seus trabalhos. (...) O mérito de Maack composição e da funcionalidade das sociedades
na defesa de suas ideias é tanto maior porque se de nosso tempo. Não basta cuidar do ambiente
sabe que nessa época era quase uma heresia para sem atentar para as causas das desigualdades so-
qualquer pesquisador no Brasil, ou na América ciais e regionais. Não basta entender ou descrever
do Norte, filiar-se a qualquer teoria de separação a favela, sem pensar nas causas geográficas e so-
dos continentes dentro de um esquema parecido ciais da miséria. (...) A educação ambiental, bem
ou aparentado com a famosa Teoria de Wege- conduzida, colabora efetivamente para aperfei-
ner (...). Nunca a coragem e o ânimo de Maack çoar um processo educacional maior, sinalizando
foram tão pressionados pelos ferrenhos inimi- para a conquista ou reconquista da cidadania.
gos da ideia de um “supercontinente transverso” É a nova “ponte” entre a sabedoria popular e a
quanto o que se assistiu no cenário das geociên- consciência técnico-científica. Um artifício e
cias brasileiras nos fins da década de 50, e início uma escadaria para se escapar da impotência e
da década de 60. Maack sobreviveu às críticas e infertilidade da torre de marfim e esgrimir no
ironias gratuitas de seus adversários científicos, céu aberto do cotidiano (Ab’Sáber, 1993: 108,
tendo tido a ventura de conhecer os impensados 114).
argumentos do paleomagnetismo e da tectônica
de placas (Ab’Sáber, 2002: xxxi e xl). Mais uma vez se pode comprovar que o mais
odioso reacionarismo é o que recai sobre as ci-
Falar de outrem é, tantas vezes, falar de si. O ências puras e sobretudo aquele que provém de
destaque conferido à firmeza de posições teóricas e cientistas parciais e teimosos, incentivadores de
metodológicas, à atitude crítica e moralmente respei- rivalidades inqualificáveis. (...) Nunca foi tão ne-
tável de Maack e Monbeig remete, de forma quase cessária a instauração, entre nós, de uma arejada
que especular, a ideias e valores, repetidamente ma- atmosfera de crítica escrita, quanto nos dias que
nifestos nos escritos de Aziz, sobre o papel engajado correm. Isto porque se, por um lado, há auto-
que se deveria esperar da universidade e dos cien- res que abusam do direito de escrever trabalhos
tistas. Seria tedioso reproduzir as dezenas de ácidas eivados de imprecisões e erros, outros há, mais
referências ao mau funcionamento das universidades honestos e operosos, que sem possuir os necessá-
e da comunidade científica, mas algumas se fazem rios recursos de uma determinada especialidade
imperiosas para melhor percepção desta faceta do se arvoram em proprietários de uma temática
pensamento do autor, que redigiu parte delas antes para a qual não estão nem cientificamente in-

150
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
9

dicados, nem intelectualmente preparados. Daí, AB’SÁBER, A.N. 2002. Reinhard, Maak (1892-1969) e as Geociên-
aparecerem jovens e honestos pesquisadores que cias no Paraná. Prefácio para o livro “Geografia Física do Estado
do Paraná”, de Reinhard Maack, 2ª ed., in memória. Livraria
à falta de uma crítica fiscalizadora, cedo se trans- José Olympio (Coordenação com a Secretaria da Cultura e do
formam em autoridades ou pseudo-autoridades Esporte do Estado do Paraná). Rio de Janeiro.
de setores para os quais não possuem o mínimo AB’SÁBER, A.N. 1989. Warren Dean e a memória de uma grande
luta. prefácio para o livro, A luta pela borracha no Brasil - um estudo
de recursos analíticos fundamentais. Autores há, de história ecológica, Warren Dean, São Paulo: Nobel.
que (...) escrevem e reescrevem sobre pequenos AB’SÁBER, A.N. 1993. A Universidade Brasileira na (Re)conceitu-
assuntos, até certo ponto marginais à Geogra- ação da Educação Ambiental. Educação Brasileira, 15 ( 31):107-
115.
fia, visando criar rapidamente uma bagagem bi- AB’SÁBER, A.N. 1994. Pierre Monbeig: a herança intelectual de
bliográfica, que além de ser ilusória e falsa, só um geógrafo. Estudos Avançados, USP, 8 (22): 221-232.
serve para lançar confusão no espírito dos que AB’SÁBER, A.N. 1989. Tempos e espaços na mira de um historia-
dor. In: D’Incao, M.A. (Org). História e Ideal - Ensaios sobre Caio
se iniciam e ocasionar o desprestígio da ciência Prado Júnior. São Paulo: Secr. do Estado de Cultura, Editora
brasileira no plano internacional. (...) Felizes da- UNESP/Editora Brasiliense. p. 407-418.
queles cientistas que, ao escrever, tenham cons- MORAES, A.C.R. 2004. Memorial ao concurso para preenchimento do
ciência de que cada linha de seus escritos estará cargo de Professor Titular no Depto. de Geografia da FFLCH-USP.
São Paulo.
permanentemente sujeita a uma apreciação crí-
tica de todos os seus colegas de especialização, Lista de artigos de autoria de Aziz Nacib Ab’Sáber sobre as
no presente, como no futuro próximo ou remoto temáticas analisadas neste texto. Nem todos foram ex-
(Ab’Sáber, 1958a: 2, 3). pressamente citados.

Meditações em torno da notícia e da crítica na geomorfologia


Por mais de três décadas, entre um texto e brasileira. Notícia Geomorfológica, 1: 1-6.
os outros, Aziz mantém-se convicto de que a Uni- As Universidades e o desenvolvimento do Brasil. Notícia Geo-
versidade é o local do livre debate e da crítica, da morfológica, 2: 51-53.
Interiorização do ensino superior e sistema de escolha de pro-
circulação de ideias – e de ideais! –, de proposições fessores. Notícia Geomorfológica, 2: 53-55.
acadêmicas articuladas à sociedade. Aos cientistas A Geomorfologia no Brasil. Notícia Geomorfológica, 2: 1-18.
de qualquer área temática, e aos intelectuais num Campinas – SP
A propósito de uma história da Geografia no Brasil, de José
sentido mais amplo, caberia um papel engajado, não Veríssimo da Costa Pereira. Notícia Geomorfológica, 4: 58-60.
a repetir palavras de ordem, mas com a militância Fernando de Almeida e o arquipélago de Fernando de Noronha.
imbricada nos temas e métodos das suas próprias Notícia Geomorfológica, 4: 60-62.
O intercâmbio cultural entre o Brasil e os países árabes. Revista
pesquisas. Enfim, como explícito já no título de da Universidade Católica de Campinas, 6(17): 80-101.
um de seus artigos, a academia deveria posicionar- Vinte e cinco anos de Geografia em São Paulo. Boletim Paulista
se “Fora da torre de marfim”. Decorrido quase meio de Geografia, 34: 71-74.
século desde as primeiras críticas, as palavras de A Geologia no Brasil: um século de investigações científicas.
I - 1875-1900. Biblio-Geo, 1. São Paulo.
Aziz Nacib Ab’Sáber mantêm muito de atualidade Geociências. In: Ferri, M.G. & Motoyama (Eds.). História das
e de significância para nossa reflexão contemporânea. Ciências no Brasil. São Paulo: EDUSP. cap. 4, p. 119-205.
Concluo este curto ensaio na esperança de que elas Reinhard Maack (1982-1969) e as Geociências no Paraná. Prefácio
para o livro “Geografia Física do Estado do Paraná”, de Reinhard
e as demais contribuições deste intelectual possam Maack, 2ª ed., in memória. Livraria José Olympio (Coordenação
subsidiar nossa reflexão, ponderada e sólida, em com a Secretaria da Cultura e do Esporte do Estado do Para-
tempos e espaços de avaliações predominantemente ná).
A Universidade de São Paulo: raízes, mudanças, sobrevivência -
quantitativas, de desconexão analítica entre os níveis 1934-1984. Pronunciamento feito na Abertura do IX Simpósio
micro e macro, de reducionismo de foco, e de meras Anual da ACIESP, comemorando o cinqüentenário da Univer-
desconstruções sem proposições alternativas. sidade de São Paulo e o décimo da ACIESP. São Paulo
Warren Dean e a memória de uma grande luta. prefácio para o li-
vro, A luta pela borracha no Brasil - um estudo de história ecológica,
Bibliografia Warren Dean, São Paulo: Nobel.
AB’SÁBER, A.N. 1958a. Meditações em torno da notícia e da críti- Tempos e espaços na mira de um historiador. In: D’Incao, M.A.
ca na geomorfologia brasileira. Notícia Geomorfológica, 1: 1-6. (Org.) História e Ideal - Ensaios sobre Caio Prado Júnior. São
AB’SÁBER, A.N. 1958b. A Geomorfologia no Brasil. Notícia Geo- Paulo: Secr. do Estado de Cultura, Editora UNESP/Editora
morfológica, 2: 1-18. Brasiliense. p. 407-418.
AB’SÁBER, A.N. 1958c. As Universidades e o desenvolvimento do A Universidade Brasileira na (Re)conceituação da Educação
Brasil. Notícia Geomorfológica, 2: 51-53. Ambiental. Educação Brasileira,15(31): 107-115.
AB’SÁBER, A.N. 1959. Fernando de Almeida e o arquipélago de Pierre Monbeig: a herança intelectual de um geógrafo. Estudos
Fernando de Noronha. Notícia Geomorfológica, 4: 60-62. Avançados, São Paulo, 8 (22): 221-232.
AB’SÁBER, A.N. 1960. Vinte e cinco anos de Geografia em São O legado de Jean Tricart - Pesquisador francês revolucionou
Paulo. Boletim Paulista de Geografia, 34: 71-74. ciências da terra no Brasil ao dar atenção à superfície. Scientific
American Brasil, ano 3.

151
Meditações em torno da notícia
e da crítica na geomorfologia
brasileira

Aziz N. Ab’Sáber

Na bibliografia especializada das ciências da Terra


1958. Meditações em torno da notícia e no Brasil um lugar à parte é ocupado, em nossos dias, pelos
da crítica na geomorfologia brasi- trabalhos e pesquisas dos geomorfologistas. Realmente,
leira. Notícia Geomorfológica, 1: 1-6. ainda que o grande público o desconheça, no rol dos es-
tudos brasileiros de nível universitário, uma série grande
de trabalhos publicados passou a ser encabeçada pelo título
moderno atribuído ao estudo científico das formas dos ter-
renos (Geomorfologia).
Nesse sentido, a quem fosse dado o condão de in-
ventariar a situação efetiva do desenvolvimento dos co-
nhecimentos científicos sobre a terra brasileira, uma agra-
dável surpresa estaria reservada no que se refere ao stock
de conhecimentos acumulados sobre o relevo brasileiro.
Por outro lado, entre as ciências geológicas e geográficas,
tomadas em seu sentido mais geral, um dos campos que
maiores progressos tem feito e que mais tem despertado
a atenção das gerações novas, nas universidades, nos con-
gressos científicos e nas excursões de pesquisas, indiscuti-
velmente é a Geomorfologia.
Escrevendo um ensaio, sob todos os títulos notáveis,
a respeito da evolução histórica das ciências geográficas
em nosso país, o saudoso companheiro de jornada e ideais,
professor José Veríssimo da Costa Pereira afirmava que nos
últimos tempos “a geografia no Brasil adquiriu foros de ci-
dadania e constitui uma das ciências prediletas das novas
gerações de pesquisadores” (1955). Para tanto, grande foi a
contribuição direta da Geomorfologia, excitando a curio-
sidade dos jovens pesquisadores e abrindo as portas de um
vasto e complexo domínio da natureza aos que engros-
saram a legião dos participantes da grande revolução uni-
versitária brasileira, iniciada em São Paulo no ano de 1934.
A Geomorfologia constituiu a um tempo o élan necessário
e o argumento definitivo para as arrancadas pioneiras pelo
interior do país, num movimento de redescoberta das pai-
sagens desconhecidas ou mal descritas.
De certa forma, todos os que direta ou indiretamente
se interessam pelas ciências da Terra, foram beneficiados
com a implantação da moderna Geomorfologia em nosso
meio. Geógrafos de gabinete animaram-se a partir para o

152
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
9

campo, acompanhados de mestres mais experientes e Maurice Le Lannou em trabalho de síntese publi-
de grupos de discípulos que simbolizavam um novo cado recentemente sobre o Brasil (1955). Por essas
tipo de aluno recém-criado no cenário universitário e outras razões, impõe-se, mais do que em qualquer
sul-americano. Instrumentos inúteis saíram dos ar- outra época, uma tentativa de apuração constante dos
mários decorativos e hábitos novos se fixaram na resultados principais da produção científica de inte-
execução e elaboração das pesquisas. Enquanto, por resse geomorfológico e uma atualização seletiva dos
seu lado, os geólogos já afeitos a um tipo rotineiro de conhecimentos que se acumulam continuamente.
pesquisas de campo se dividiram em altitudes as mais Entre nós, em duas décadas, enriquecendo
díspares: uns procurando atualizar-se, outros fixando ponderavelmente o patrimônio da ciência brasileira,
um campo de especialização mais restrito, enquanto multiplicaram-se as publicações geográficas ou de
outros, ainda, procurando uma cômoda situação de interesse geográfico. A partir de uma estaca zero as
indiferença ou movendo uma guerra de bastidores ao revistas especializadas foram surgindo e se impondo,
desenvolvimento do novo e rico instrumento de tra- cada qual com o seu formato, sua estrutura, suas
balho. Mais uma vez se pôde comprovar que o mais normas editoriais, sua vida científica e sua presença
odioso reacionarismo é o que recai sobre as ciências intelectual: Geografia (1935-1936), Revista Brasi-
puras e sobretudo aquele que provém de cientistas leira de Geografia (1937-), Boletim da Associação dos
parciais e teimosos, incentivadores de rivalidades in- Geógrafos Brasileiros (1941-1944), Boletim Geográ-
qualificáveis. fico do Dep. Est. de Geogr. e Cart. de Santa Catarina
O certo é que, com ou sem amparo dos órgãos (1947-), Boletim da Associação dos Geógrafos Brasi-
oficiais de pesquisas, a produção geomorfológica leiros — Seção Regional do Rio de Janeiro (1948-1949),
brasileira tem crescido razoavelmente nos últimos Anais da Associação dos Geógrafos Brasileiros (1949 -),
dez anos (1949-1958), à custa dos trabalhos reali- Boletim Paulista de Geografia (1949 -), Boletim Ca-
zados por um grupo reduzido, porém bastante ativo, rioca de Geografia (1950-), Boletim Geográfico do Dir.
de jovens pesquisadores nacionais. Não se nega, Reg. de Geogr. e Serv. Est. de Geogr. do Rio Grande do
entretanto, que se trata de uma produção científica Sul (1956-), e Boletim Mineiro de Geografia (1957-).
que comporta trabalhos desiguais, tanto pela sua ex- Isto para não falar nas publicações seriadas, especial-
tensão, como pela profundidade de tratamento dos mente dedicadas à Geografia, vindas a lume sob a
temas propostos. tutela das jovens universidades brasileiras, em São
Acresce a isso, o número relativamente grande Paulo, no Rio de Janeiro e no Recife. Inúmeras, por
de revistas e publicações seriadas - geológicas e outro lado, são as publicações parageográficas que
geográficas - que incluem artigos e ensaios de in- incluem artigos e informações de interesse para a
teresse geomorfológico, e que, via de regra, são de disciplina, assim como importantes subsídios nos se-
distribuição restrita, não sendo acessíveis aos interes- tores da Geologia, da Sociologia e da Economia.
sados que se espalham pelos mais diferentes pontos Para muitos poderia parecer estranho que o
do país. Se, para um pesquisador que tem acesso a ambiente científico brasileiro não tenha compor-
bibliotecas especializadas de grandes centros, é di- tado o aparecimento de uma revista dedicada espe-
fícil a atualização permanente, imagine-se o teor das cificamente à Geomorfologia. Realmente isto ainda
dificuldades para o estudioso isolado ou para aqueles não aconteceu e, pessoalmente, não estamos muito
modestos e heroicos transmissores de cultura que são certos de que haja um grande interesse em provocar
os professores de ensino médio. o aparecimento de uma publicação brasileira, exclu-
Campo científico dúplice, situado em plena sivamente dedicada a assuntos geomorfológicos. Se
zona de contato entre a Geologia e a Geografia, a é que a produção científica no setor da Geomorfo-
Geomorfologia para se desenvolver e produzir cien- logia é uma realidade incontestável, encontrando
tificamente necessita de uma bibliografia igualmente asilo e grande receptividade nas revistas geográficas
dupla. Daí, aquela necessidade permanente de am- atuais, não vemos qual seria a utilidade de se fazer
pliação do campo normal de leitura, a fim de poder uma tentativa para a concentração da referida pro-
abranger, a um tempo, conhecimentos e estudos dução. Nesse sentido, o exemplo de diversas tenta-
vindos a lume nas revistas e publicações geográficas, tivas fracassadas em outros países nos parece deci-
assim como as novas conquistas dos geólogos e o sivo: os artigos de geomorfologia estão muito bem
próprio andamento de suas pesquisas nos mais di- nas revistas geográficas, substituindo com vantagens
versos setores das ciências da Terra. a escassa produção da Geografia Física Geral, equili-
O fato é que é extremamente difícil, para qual- brando as seções fundamentais daquelas publicações
quer pessoa, acompanhar o progresso efetivo dos e divulgando com uma penetração mais funda os re-
conhecimentos geomorfológicos, em relação a um sultados atingidos pelos especialistas em estudos de
território que equivale à metade de um continente morfologia. Por outro lado, tendo que se enquadrar
e em face de uma bibliografia que caminha com na ambiência das publicações geográficas tradicio-
uma rapidez surpreendente, conforme bem o anotou nais, a produção geomorfológica sofre uma salutar

153
filtragem metodológica e redacional, procurando versos de mentalidades criadoras, para não falar das
conciliar a descrição e a interpretação, o local e o re- modalidades, níveis e momentos diversos da com-
gional, a análise e a síntese. pilação. Os trabalhos de todos eles merecem igual-
Cientes desses fatos todos, a pequena publi- mente uma apreciação crítica tão honesta quanto
cação que ora se inicia, pretende ser tão somente um construtiva e respeitosa, despida de ironias irritantes,
órgão de notícia e de crítica, especialmente voltada como destituída do espírito polêmico - uma crítica
aos interesses maiores de Geomorfologia Brasileira. suficientemente capaz de incentivar mesmo quando
Nesta categoria de modesto “jornal de ciência”, No- severa e incisiva.
tícia Geomorfológica pensa poder ser útil aos que Entretanto, mais importante do que a própria
trabalham em Geomorfologia no Brasil, quer pela crítica dirigida do crítico para o autor é a consequ-
divulgação que possa fazer dos principais resultados ência da crítica para a orientação dos que, estando
positivos de suas pesquisas, assim como pelas suges- longe das discussões que se travam e dos comentários
tões e apreciações críticas que lhes possa endereçar, que fervilham no ambiente restrito das associações
debaixo de um critério onde imperará o máximo de científicas, não tem a necessária perspectiva para ava-
franqueza e cordialidade. liar os trabalhos recém-publicados. Ninguém mais
Uma notícia sem crítica é tão pouco útil e des- do que esses leitores anônimos, às vezes de terras
tituída de significado quanto uma observação sem distantes, precisam de uma orientação crítica, a fim
registro, uma geografia sem ilustração, uma descrição de poder diferenciar os resultados mais definitivos de
sem interpretação ou, uma carta sem escala... uma pesquisa, em face dos resultados problemáticos
Nunca foi tão necessária a instauração entre e das hipóteses de trabalho não comprovadas.
nós de uma arejada atmosfera de crítica escrita Por outro lado, frequentes são os trabalhos mo-
quanto nos dias que correm. Isto porque, se por um numentais de alguns pesquisadores especializados e
lado, há autores que abusam do direito de escrever acatados onde após análises exaustivas e minuciosas
trabalhos eivados de imprecisões e erros, outros há, no terreno principal da especialização do autor são
mais honestos e operosos, que sem possuir os neces- alinhadas observações superficiais e parciais, não
sários recursos de uma determinada especialidade amarradas suficientemente a uma bibliografia ade-
se alvoram em proprietários de uma temática para a quada, sobre assuntos outros que não os da preocu-
qual não estão nem cientificamente indicados, nem pação principal do autor. Tais invasões acidentais
intelectualmente preparados. Daí, aparecerem jovens e inseguras conservam um grau de periculosidade
e honestos pesquisadores que, à falta de uma crítica muito maior do que geralmente se supõe. Acredi-
fiscalizadora, cedo se transformam em autoridades ou tamos mesmo que os escritos de tais autores, a des-
pseudoautoridades de setores para os quais não pos- peito de sua autoridade, podem ser mais nocivos para
suem o mínimo de recursos analíticos fundamentais. os leitores do que a própria obra dos pesquisadores
Autores há, que à falta de uma observação imaturos, já que, com seu nome, sua bibliografia pes-
crítica mais incisiva, escrevem e reescrevem sobre soal e sua reputação num determinado campo, con-
pequenos assuntos, até certo ponto marginais à Ge- tribuem inconscientemente para divulgar erros e in-
ografia, visando criar rapidamente uma bagagem verdades nos campos vizinhos. E convenhamos que
bibliográfica que, além de ser ilusória e falsa, só ser- para os que vivem isolados em pontos até onde não
ve para lançar confusão no espírito dos que se ini- chegam os ecos das apreciações orais e das críticas
ciam e ocasionar o desprestígio da ciência brasileira não registradas é praticamente impossível separar o
no plano internacional. A rigor, pesquisador algum “joio do trigo” na massa desses grandes estudos.
devia se esquecer que, para a reputação real de seu Os ensaios notáveis, além dessas invasões in-
nome na futura história da Geografia Brasileira, não frutíferas em terreno menos seguro para seus au-
será o número de trabalhos elaborados ou número tores, exercem na maior parte das vezes uma certa
de páginas redigidas que importará decisivamente. intimidação para a crítica escrita. Isto porque apesar
Felizes daqueles cientistas que, ao escrever, tenham de existir sempre um grupo de pessoas capacitadas
consciência de que cada linha de seus escritos estará a fazer crítica, há uma irreprimível tendência para o
permanentemente sujeita a uma apreciação crítica de silêncio — silêncio às vezes criminoso para a história
todos os seus colegas de especialização, no presente, e a divulgação da verdade científica. O certo é que
como no futuro próximo ou remoto. entre nós não se desenvolveu um sistema de crítica
Mas não é somente aos pesquisadores ima- permanente e normal porque não conseguimos criar
turos que a crítica pode atingir e ser útil. Ela inte- o verdadeiro hábito de fazer crítica como uma parte
ressa a todos, indistintamente, seja qual for sua idade, fundamental da vida científica do país. Às vezes falta
sua categoria ou predisposição para receber crítica. coragem. Às vezes falta franqueza e naturalidade.
Isto porque entre os que fazem Geografia no Brasil Outras vezes interfere o respeito humano. E, vezes
há os sintéticos e os analíticos, e, entre eles próprios, há, em que há uma forte pitada de hipocrisia na ati-
os criadores e os compiladores, assim como tipos di- tude de não criticar. É a conveniência do silêncio, o

154
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
9

medo de ferir melindres, despertar a ira dos pode- pria “sabedoria”, é um fato que ultrapassa a todos
rosos..., quando não o receio de colher as consequên- os limites e dimensões de boa vontade dos que são
cias políticas e psicológicas dos medalhões dotados mais responsáveis. Mais grave ainda é quando tais
de espírito vingativo. abusos escritos, perniciosamente, são lançadas de-
Ninguém mais do que tais pessoas prejudicam baixo do sinete oficial de uma revista ou publicação
o movimento científico de um país qualquer, assim seriada que traduz o pensamento médio dos compo-
como a boa marcha do ensino em nível superior e nentes de uma instituição de ensino ou de pesquisa.
a própria realização dos ideais universitários, isto São tais casos perdidos e absolutamente negativos
porque o universitário autêntico - sem desrespeito a de subciência e subintelectualismo que justificam
quem quer que seja - não se prende intelectualmente fora de nosso ambiente aquela caricatura habitual,
a hierarquia alguma. Desconhece a comodidade das e, até certo ponto muito injusta, que se faz alhures,
“torres de marfim”. Desconhece fronteiras de qual- em torno do “cientista sul-americano”, contribuindo
quer espécie para realizar suas investigações. Desco- para o descrédito de nossa bibliografia e o despres-
nhece ou procura desconhecer a cor, a raça, religião e tígio da Cultura Latina dessa parte das Américas.
idade de seus companheiros de jornada. Desconhece Trata-se, na realidade, de resíduos não depu-
conveniências pessoais e não se intimida perante as rados, oriundos do antigo bacharelismo invasor, que
restrições temporárias à liberdade de palavra escrita teve consequências incrivelmente negativas para a
ou falada. Não se curva aos interesses dos políticos, boa marcha da vida científica em nosso país. Note-
dos poderosos, dos ditadores, dos partidos e dos se, entretanto, que em tais escritos o que se combate
grupos. E, sobretudo, sabe respeitar o trabalho alheio, é menos o seu significado para a bibliografia dos que
a inteligência criadora, vibrando com a ideia de buscar têm iniciação científica, do que a penetração incalcu-
a verdade ainda que pelo simples prazer imensurável lavelmente funesta de sua influência através das cáte-
de poder contribuir um pouco para ajudar a buscar a dras universitárias mal providas. Em outras palavras,
verdade. quando tais escritos estão secundados pela posição
Nos países onde a mentalidade crítica não está universitária até certo ponto inexplicável de seus au-
integrada nos hábitos rotineiros da vida científica, só tores, a situação atinge um plano de gravidade digno
se atrevem a fazer crítica os que precisam defender- de provocar uma verdadeira guerra dos que têm a
se das referências irônicas de colegas menos cordiais responsabilidade de criticar. Honestamente falando,
e mais ásperos. Nessas circunstâncias a crítica, infe- é impossível deixar de declarar uma guerra sem tré-
lizmente, deixa de ser uma apreciação objetiva em guas a tais ensinamentos obsoletos. Aqui, a crítica
torno de uma pesquisa ou de uma linha de pesquisa, não mais se dirige a indivíduos, ou aos seus escritos,
para ser uma explosão, uma “resposta à altura”, uma mas aos fatores que propiciam a sua formação mental
rápida defesa pública... Nesses casos, errados esti- anárquica, ilógica e confusa, e aqueles que crimino-
veram os autores das referências ásperas, porém não samente facilitaram a sua ascensão a cargos e lugares
menos felizes foram os que provocados responderam para os quais eles por princípio estavam absoluta-
com violência desdobrada, numa atitude isolada e mente contraindicados.
pessoal. Em crítica não pode haver casos pessoais e o Nossa tarefa muito provavelmente não irá tão
único diapasão que regulamenta a verdadeira crítica longe que possa atingir tais esferas obscuras da vida
é a serenidade posta a serviço da coerência. científica brasileira. Pensamos tão somente em con-
Tal como se torna necessária uma infinita pie- tribuir, na medida de nossas possibilidades, para abrir
dade na língua no trato de certos episódios amargos novos horizontes para a instauração de uma mentali-
oriundos dos mil e um roteiros da conduta humana, dade crítica entre nós, visando a aceitação da crítica
em crítica torna-se indispensável uma piedade infi- como uma atitude normal e bem-vinda. Uma crítica
nita na ponta do lápis, quando impõe-se endereçar construtiva. Uma crítica-colaboração. Uma crítica-
reparos severos aos que, não sendo especialistas orientação.
em campo algum, se alvoram em sábios e eruditos, Queremos sobretudo nos limitar a no-
possuídos de uma facilidade especial para misturar ticiar e apreciar criticamente todos os traba-
conceitos, confundir fatos, cometer anacronismos, lhos e concepções geomorfológicas que julgamos
históricos e geológico-históricos, colocando fatos e dignos de um comentário público, por pequeno
personagens em posições, planos e situações as mais que seja. E, ao traçarmos essa linha de orientação,
disparatadas. Infelizmente abundam em nosso meio não podemos deixar de meditar um pouco nas
esse tipo de ensaístas retrógrados e fantoches. Esses consequências dessa iniciativa. Sabemos de antemão
são os únicos autores para os quais não se pode fixar que se trata de uma pequena revolução em face de
uma verdadeira norma de crítica. Isto porque iludir um ambiente onde o ato de criticar, longe de ser um
a boa-fé alheia, abusando do direito de dizer inver- hábito, é uma atitude que provoca mal-estar e es-
dades e misturar conceitos e episódios processados cândalo. Mais do que isso, porém, sabemos que se
em épocas diversas, e ainda se vangloriar de sua pró- trata de um crítica destinada a trabalhos de colegas

155
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber

e amigos, mestres de ontem - colegas mais idosos dade. Aqui, provavelmente, figurarão muitos pontos
e experientes de hoje. Não temos dúvida alguma a de vista pessoais, discutíveis como quaisquer outros.
respeito disso, pois que Notícia Geomorfológica foi Aos que nos quiserem ofertar colaboração, nesse
concebida em plena consciência de que o endereço sentido, solicitamos brevidade e concisão nas suas
de suas críticas, quando elas se tornarem necessárias, apreciações críticas, visando um sistema flexível de
será feito na direção de amigos e colegas, amigos das comentar e enriquecer com novas ideias que traba-
boas e más horas, colegas de ensino e de pesquisa, lhamos em discussão. Somos por uma crítica mais
companheiros de belas jornadas pelos sertões, asso- opinativa do que julgadora, em que se procure por
ciados de ideais similares e de agremiações comuns. todos os meios, a busca da verdade científica, distin-
Ao atingir a sua estruturação mais habitual, guindo sempre que possível os fatos de observação
esta pequena publicação pretende ser um órgão de em relação às ideias interpretativas, procurando se-
apreciações críticas indistintas, e de notícias seletivas, parar o que é fato e o que é teoria, o que é possível do
que se dirigirá tanto a quem goste de crítica quanto que é provável. Não mediremos esforços para lem-
a quem não goste de crítica. Por outro lado, na cate- brar, a cada instante, aos que conosco colaborarem,
goria de campo para apreciação de ideias escritas de aquele sábio princípio metodológico que diz serem
homens, em tudo similares aos que movimentarão a perdoáveis os erros de interpretação, porém menos
crítica, Notícia Geomorfológica não tem a pretensão perdoáveis, mais graves e susceptíveis de críticas, os
de ser infalível ou de ser a proprietária de toda a ver- erros de observação.

1565
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
10

A CAPTURA DAS CABECEIRAS DO RIO


TIETÊ PELO RIO PARAÍBA DO SUL

Claudio Riccomini
Carlos H. Grohmann
Lucy G. Sant’Anna
Silvio T. Hiruma

Introdução

Capturas fluviais são feições singulares da paisagem


e decorrem essencialmente de causas tectônicas, eustáti-
cas ou de aporte sedimentar. As capturas fluviais causam
importantes modificações nos regimes hidrológicos das
bacias de drenagem, com implicações na sedimentação e
biodiversidade (e.g. Ribeiro 2006).
O Rio Paraíba do Sul tem suas nascentes nos contra-
fortes do Planalto da Bocaina. Seus principais tributários,
os rios Paraibuna e Paraitinga, assim como o seu próprio
alto curso, fluem no sentido SW, até a região de Guara-
rema, em São Paulo. Nessa localidade o curso do Rio Pa-
raíba do Sul sofre uma súbita inflexão, percorre um curto
trecho, de não mais do que 10 km, no sentido NW e, a
partir daí, passa a fluir no rumo NE, exatamente oposto
ao de suas cabeceiras e alto curso, até desaguar no Oceano
Atlântico, quase 700 km depois (figuras 1 e 2). A feição
desenvolvida na região de Guararema foi referida como um
cotovelo de captação (Washburne, 1930), e considerada
como um dos exemplos mais notáveis de captura fluvial da
face da Terra (King, 1956).
Desde o final do século 19, muitos pesquisadores
detiveram-se no exame desta feição, mas várias questões
ainda permanecem sem respostas, sobretudo no tocante aos
condicionantes e à idade da captura. A sucessão de eventos
deposicionais nas bacias sedimentares do segmento central
do Rifte Continental do Sudeste do Brasil (RCSB, figura
3) e sua relação com a tectônica regional, que hoje con-
ta com um arcabouço cronológico relativamente robusto,
permite lançar novas luzes ao problema das conexões antigas
e da separação da drenagem do Paraíba e do Tietê, como a
ele referiu-se Aziz Ab’Sáber, pouco mais de 50 anos. Ob-
servador arguto, Ab’Sáber (1957) delineou com tal pro-
priedade e acuidade conceitual o quadro geomorfológico
e paleogeográfico da captura, que somente meio século
depois julgaram os autores terem reunido novos argumen-

157
Figura 1. Fisiografia da região sudeste do Brasil e distribuição das bacias de drenagens dos rios Tietê e Paraíba do Sul.

tos que permitem contribuir para a compreensão do Sinopse histórica


problema nos seus aspectos cronológico, tectônico e
paleogeográfico. Nesse sentido, a intenção dos auto- São muitas as referências à ligação pretérita
res deste trabalho foi a de analisar esta curiosa feição entre as drenagens do Tietê e do Paraíba do Sul. A
da paisagem do sudeste do Brasil sob a óptica dos inicial foi a de Ihering (1894), ao considerar que no
novos conhecimentos geológicos e geomorfológicos passado, das suas nascentes até Guararema, o Rio
disponíveis. Paraíba teria sido afluente do Rio Tietê, ao tempo

Figura 2. A região da captura das cabeceiras do Rio Tietê pelo Rio Paraíba do Sul, com destaque (círculo vermelho)
para o Cotovelo de Gurararema.

158
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
10

Figura 3. Contexto geológico regional do Rifte Continental do Sudeste do Brasil (RCSB) - 1) embasamento pré-
cambriano; 2) rochas sedimentares paleozoicas da Bacia do Paraná; 3) rochas vulcânicas toleíticas eocretáceas da
Formação Serra Geral; 4) rochas relacionadas ao magmatismo alcalino mesozoico-cenozoico; 5) bacias cenozoicas
do rifte (1- Bacia de Itaboraí, 2- Graben de Barra de São João, 3- Bacia do Macacu, 4- Bacia de Volta Redonda,
5- Bacia de Resende, 6- Bacia de Taubaté, 7- Bacia de São Paulo, 8- Graben de Sete Barras, 9- Formação Pariquera-
Açu, 10- Formação Alexandra e Graben de Guaraqueçaba, 11- Bacia de Curitiba, 12- Graben de Cananéia); 6) zonas
de cisalhamento pré-cambrianas, em parte reativadas durante o Mesozoico e Cenozoico; 7) Planaltos (SA- Senador
Amaral, CJ- Campos do Jordão, IT-Itatiaia, BO- Bocaina. Fontes: modificado de Melo et al. (1985), Riccomini et
al. (1996), Ferrari e Silva (1997), Hiruma (2007).

que o Vale do Paraíba era ocupado pelo paleolago profundamente; já o Rio Paraíba do Sul percorreria,
Tremembé, entre Jacareí e Cachoeira Paulista. A segundo o autor, apenas 300 km (na verdade 500 km)
conexão teria sido interrompida por “modificações no rumo nordeste, da região da captura até a sua foz,
geológicas” e o Rio Paraíba, invertido completa- com um gradiente seis vezes mais inclinado e um
mente de seu curso original, adentrou o paleolago e poder de entalhamento várias vezes maior do que o
passou a correr em direção ao norte. Posteriormente, Tietê. O rebaixamento do Vale do Rio Paraíba do
Woodworth (1912) postulou que o sentido de fluxo Sul, em função da atividade tectônica da falha que
natural do Rio Paraitinga seria para oeste, rumo à limita a sua borda norte, teria acarretado o aumento
confluência com o Tietê, do qual poderia ser con- da declividade das cabeceiras, muito além da normal
siderado como parte de suas cabeceiras, capturada para um rio dessa natureza, acelerando grandemente
pelo Rio Paraíba. O Paraíba, remontando sua nas- a sua capacidade de erosão. Em consequência, um
cente para sudoeste ao longo das camadas terciárias dos seus ramos teria avançado rumo acima, para su-
facilmente erodíveis, desviou seu curso antes que a deste ou para leste, até atrair para a drenagem do
erosão tivesse avançado para as camadas terciárias Rio Paraíba do Sul as águas das cabeceiras do Rio
entre as bacias de Taubaté e de São Paulo. Tietê que fluíam para sudoeste (Washburne 1930).
O local de inflexão do Rio Paraíba foi descrito O processo de anexação das antigas cabeceiras
por Washburne (1930) como um cânion agudo com do Rio Tietê pelo Rio Paraíba do Sul foi conside-
todos os elementos de um cotovelo de captura, de- rado por King (1956) um clássico exemplo de cap-
signação dada pelos fisiógrafos para indicar o local tura fluvial, certamente uma das mais espetaculares
onde um rio capturou o outro. O autor considerou da Terra. A origem tectônica da planície do Paraí-
que, previamente à captura, o Rio Paraitinga seria ba teria conferido decisiva vantagem sobre o Tietê
parte das cabeceiras do Tietê. Da região da captura, e sido a principal causa da captura. Reconstituindo
o Rio Tietê teria que percorrer cerca de 3.000 km até a disposição da drenagem antes da captura, o ge-
atingir o Rio de la Plata, o que implicaria em baixo ólogo sul-africano situou o principal divisor antigo
gradiente e baixa capacidade para escavar seu leito num alinhamento definido pelo Maciço Alcalino

159
de Itatiaia e o Planalto da Bocaina, a oeste do qual mente pela falta de uma soleira resistente para o de-
a drenagem fluiria para o Rio Tietê. Entretanto, a senvolvimento desta feição. O estranho traçado do
interrupção do divisor, próximo a Queluz, causada Rio Paraíba poderia, ao seu ver, ser explicado como
pela instalação do Rifte Continental do Sudeste do resultante de uma adaptação estrutural, por erosão
Brasil, teria obliterado os antigos cursos, inverten- regressiva, a uma grande estrutura anticlinal gnáis-
do o fluxo para o mar. A Serra da Mantiqueira não sica, com núcleo composto por granitos e rochas gra-
constituiria, assim, o importante divisor atual que nitizadas, contornada por uma faixa de micaxistos.
separa os rios que drenam para o ocidente dos que O Cotovelo de Guararema, controlado por fraturas
demandam o mar (King 1956). de direção NW-SE, conformar-se-ia à terminação
Ab’Sáber (1957) considerou que, até o Cretá- sudoeste deste grande anticlinório.
ceo, a região elevada entre o Itatiaia e a Bocaina seria O possível controle exercido pelas estruturas
um divisor de águas, e as drenagens da porção paulis- de direção NW-SE, então tidas como antigas, na
ta do Planalto Atlântico demandariam forçosamen- morfologia do atualmente denominado Alto Estru-
te o interior da bacia hidrográfica do Rio Paraná. tural de Arujá (que separa as bacias de São Paulo e
Os fenômenos tectônicos que se seguiram levariam Taubaté), foi posteriormente assinalado por Frangi-
à instalação do Vale do Rio Paraíba do Sul, mas a pani e Pannuti (1965) e ressaltado por Melo et al.
despeito disso, segundo o autor, enquanto instalava- (1986), que apontaram a influência de falhas desse
se o vale, o primitivo Rio Tietê, que remontaria à trend no controle estrutural do Cotovelo de Guara-
Bocaina, continuaria a correr para WSW. Com a rema. Riccomini (1989) reafirmou o papel das falhas
acentuação do aprofundamento da Bacia de Taubaté de direção NW-SE na separação das drenagens dos
e a instalação do paleolago que abrigou a deposição rios Tietê e Paraíba do Sul (figura 4), consideran-
dos folhelhos da Formação Tremembé, o novo nível do que um regime transpressivo com compressão de
de base instalado no interior da bacia seria sensivel- direção NE-SW teria provocado o soerguimento e
mente mais baixo do que o dos rios que corriam para erosão dos sedimentos terciários, que hoje restam
o Vale do Rio Paraná, daí decorrendo rápida captura como ocorrências descontínuas sobre o Alto Estru-
dos afluentes dos altos vales das drenagens antigas tural de Arujá.
contíguas à bacia lacustre, incluindo o Tietê. Apesar Mais recentemente, Ab’Sáber (1998) voltou
de assinalar a notável contiguidade entre as ocorrên- a referir-se à captura de um braço antigo do páleo-
cias de sedimentos em situações mais elevadas nos Tietê para o Vale do Paraíba do Sul, considerando-a,
vales dos rios Jaguari, na Bacia de São Paulo, e do ao lado do Cotovelo de Petrolina-Joazeiro (Rio São
Parateí, na Bacia de Taubaté, Ab’Sáber (1957) con- Francisco), as mais conhecidas anomalias hidrográ-
siderou independentes os sítios deposicionais dessas ficas do Brasil, ambas eleitas pelo autor como uma
bacias. Segundo o autor, o contorno do cotovelo de das cinco questões fundamentais para discussão e
captação de Guararema teria sido esboçado num revisão na Geomorfologia do Brasil.
período bem anterior ao da expansão fluviolacustre
remontante nessas bacias sedimentares, e restaria Paleogeografia do Cretáceo ao Paleogeno
muito bem marcado no terreno em decorrência de
sua transformação num cotovelo inciso epicíclico, Margens passivas, como a do sudeste do Brasil,
que não teria sofrido modificações radicais de sua evoluem a partir de riftes precursores, que apresen-
encurvadura original. A expansão da rede de drena- tam três modelos básicos de formação: de cisalha-
gem, então em parte capturada em torno da depres- mento puro, de cisalhamento simples (ou modelo de
são tectônica, viria a acelerar o seu preenchimento Wernicke), ou de delaminação (Lister et al., 1986).
por expansão remontante da sedimentação da rede A assimetria das plataformas continentais, mais lar-
de drenagem tributária, e feito com que a sedimen- ga na costa sudeste do Brasil e mais estreita na sua
tação passasse, sucessivamente, de lacustre, a fluvio- porção africana contraposta, é um forte argumento
lacustre e finalmente fluvial ao longo do médio vale a favor da vigência do modelo de cisalhamento sim-
superior do Rio Paraíba do Sul. O preenchimento ples. Os elementos estruturais deste modelo foram
da depressão forçaria a deposição para o alto vale e apresentados por Wernicke (1985) e, nele, destacam-
para as seções médias e inferiores dos diversos vales se a presença de uma falha mestra, de caráter lístri-
afluentes, como os rios Jaguari e Parateí. co, com mergulho para o lado oceânico, onde abriga
Contrariando as ideias até então apresenta- uma bacia rifte, e uma ombreira soerguida na sua
das, Leinz e Carvalho (1957), com base na análise retaguarda. Na parte distal do sistema de cisalha-
de mapas de contorno do substrato da Bacia de São mento, onde a crosta é mais distendida, pode ocor-
Paulo, propuseram que esta teria sido parte da área rer ascensão do manto e soerguimento de porções
de drenagem do primitivo Rio Paraíba do Sul. infracrustais dúcteis e de elevado grau metamórfico.
Posteriormente, Almeida (1964) considerou No Eocretáceo, o paleodivisor que separaria as dre-
não comprovada a hipótese da captura, principal- nagens tributárias do Atlântico daquelas do interior

160
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
10

Figura 4. Mapa geológico da Bacia de Taubaté: 1) embasamento pré-cambriano; 2) Formação Resende (sistema de
leques aluviais proximais); 3) Formação Resende (sistema de leques aluviais medianos a distais associados a planície
aluvial de rios entrelaçados); 4) Formação Tremembé; 5) Formação São Paulo; 6) Formação Pindamonhangaba;
7) sedimentos quaternários; 8) falhas cenozoicas, em parte reativadas do embasamento pré-cambriano; 9) eixos de
dobras principais. Fonte: modificado de Riccomini (1989) e Riccomini et al. (2004).

continental seria provavelmente esta ombreira, que no, anterior à instalação do RCSB (Riccomini et al.,
teria sido gradativamente recuada e rebaixada, mas 2004). Soares e Landim (1976) elaboraram um mapa
ainda saliente como relevo residual no Neocretáceo. de contorno estrutural dos testemunhos da Superfí-
Dados recentes de traços de fissão em apatita cie Sul-Americana (figura 5). Neste mapa destaca-se
indicam sucessivos episódios de soerguimento e de- um importante divisor, desde o sul de São Paulo até
nudação na região do Planalto da Bocaina, mostran- a divisa deste estado com o Rio de Janeiro, acompa-
do seu caráter ascencional, pelo menos durante os nhando o traçado da Serra do Mar, com uma tênue
últimos 200 Ma (Hiruma 2007). O desenvolvimen- sela na altura de Itanhaém. Na região fronteiriça en-
to da Província Alcalina do Alinhamento Magmáti- tre São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, este
co de Cabo Frio (Almeida, 1991), que abrange parte alto topográfico interliga as regiões elevadas do Passa
da área do divisor Itatiaia-Bocaina e possui intrusões Quatro, Itatiaia e Planalto da Bocaina e, a partir daí,
datadas do Neocretáceo ao Eoceno (Riccomini et al., inflete para NNW e adentra o sul de Minas Gerais.
2005), também corrobora a ideia de uma região so- Embora este seja o quadro atual da distribuição dos
erguida. remanescentes da superfície, ele parece retratar, ao
A Superfície Sul-Americana, regionalmente menos em parte, a paisagem das superfícies cimeiras
designada de Superfície de Aplainamento Japi (Al- da região durante o final do Cretáceo a início do
meida, 1958; 1964), é uma feição geomorfológica Paleogeno.
destacada do sudeste do Brasil. Ela nivela as cimei- Mapas de isópacas da Bacia de Santos, elabo-
ras das regiões montanhosas das serras do Mar e da rados por Assine et al. (2008), evidenciam que, do
Mantiqueira, atingindo 2.000 - 2.100 m nas regiões Cenomaniano ao Oligoceno, os depocentros na Ba-
tectonicamente soerguidas dos planaltos de Campos cia de Santos migraram progressivamente no rumo
do Jordão e da Bocaina. Sua idade é provavelmen- nordeste, desde a altura da Baía de Paranaguá, no
te neocretácea (Ferrari et al., 2001, Riccomini et al., Paraná, até a região de Cabo Frio, no Rio de Janeiro.
2004) e sua presença evidencia uma fase de erosão Estes depocentros deveriam estar próximos de im-
generalizada, atuante até o limite Cretáceo-Paleoge- portantes desembocaduras de rios. Somente a partir

161
do Campaniano Superior a Maastrichtiano definiu- A instalação do segmento central do Rifte
se claramente um depocentro na região da Bacia de Continental do Sudeste do Brasil
Santos vizinha a área continental emersa do Planalto
da Bocaina, o que parece evidenciar que até então O cotovelo de captura de Guararema está de-
as drenagens provenientes da Bocaina não estariam senvolvido sobre paragnaisses do Complexo Embu,
alimentando a bacia marginal, mas fluiriam para o de idade Criogeniano – Ediacarano (Perrotta et al.,
interior do continente. Mapas de contorno do subs- 2005), nas imediações da Bacia de Taubaté, seg-
trato da Bacia Bauru na porção ocidental do Estado mento central do RCSB. A formação da depressão
de São Paulo parecem comprovar que durante sua original do RCSB e concomitante preenchimento
evolução, durante o Neocretáceo, os principais cur- sedimentar e vulcânico teria ocorrido no Paleogeno,
sos fluviais, incluindo o antigo Rio Tietê, já esta- sob a ação de um campo de esforços distensivo de
vam estabelecidos (Grohmann et al., 2005). Assim, direção NNW-SSE, causador da reativação, como
é provável que àquela época o Rio Tietê drenasse, a falhas normais, de antigas zonas de cisalhamento
partir dos flancos da região planáltica da Bocaina, proterozoicas de direção NE a ENE (Riccomini,
a porção interiorana de São Paulo, como parte da 1989; Riccomini et al., 2004).
Bacia Hidrográfica do Paraná. Somente no Eoceno, A principal fase de desenvolvimento do RCSB
com a instalação do segmento central do RCSB (que teve lugar no Eoceno-Oligoceno, com a formação
compreende as bacias de São Paulo, Taubaté, Re- de um hemigraben de direção geral ENE contínuo
sende e Volta Redonda, àquela época interligadas), o nesse segmento central do rifte (Riccomini, 1989).
alto existente na região limítrofe entre os estados de O preenchimento sedimentar sintectônico dessa fase
São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro foi ven- (fase rifte), englobado no Grupo Taubaté, compre-
cido. Instalou-se então, na depressão, o Rio Paraíba ende as formações Resende, Tremembé e São Paulo
do Sul, com paleofluxo para nordeste. Os sedimen- (Riccomini e Coimbra, 1992; Riccomini et al., 2004,
tos puderam assim ser coletados pelas drenagens que figura 6). A Formação Resende, do Eoceno Superior
alimentavam o Vale do Rio Paraíba do Sul e trans- a Oligoceno, é a unidade basal e lateral do Grupo
portados até a região de Cabo Frio, onde estava se Taubaté e inclui depósitos de sistema de leques alu-
instalando o Graben de Barra de São João, que teria viais associados a planícies aluviais de rios entrelaça-
capturado o antigo curso do Rio Paraíba do Sul. dos. Derrames de ankaramito, datados de 48,3±0,5 e

Figura 5. Distribuição regional dos testemunhos da Superfície Sul-Americana. Fonte: Soares e Landim (1976).

162
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
10

47,6±0,7 Ma (Eoceno) pelo método Ar-Ar, ocorrem et al., 1991; Mancini 1995), corresponde a um sis-
intercalados nos lamitos da Formação Resende no tema fluvial meandrante desenvolvido nas porções
Graben de Casa de Pedra (Bacia de Volta Redonda) central e sudoeste da Bacia de Taubaté, recobrindo
(Riccomini et al., 2004). O sistema de leques aluviais em discordância angular os depósitos das formações
dessa formação grada lateral e verticalmente para o Tremembé, Resende e São Paulo. A Formação Pin-
sistema lacustre do tipo playa-lake da Formação Tre- damonhangaba foi subdividida em dois membros
membé, do Oligoceno, bem desenvolvido na porção interdigitados (Mancini, 1995), designados de Rio
central da Bacia de Taubaté. A porção superior do Pararangaba e Presidente Dutra, o primeiro de na-
Grupo Taubaté encerra depósitos sedimentares rela- tureza psefito-psamítica, representativo de canais de
cionados a sistema fluvial meandrante da Formação sistema fluvial meandrante de granulação grossa, en-
São Paulo, do Neo-Oligoceno. quanto o segundo, pelito-psamítico, estaria relacio-
A Bacia de Taubaté é a maior depressão tec- nado à deposição em planície de inundação de siste-
tônica do RCSB, com 170 km de comprimento e 20 ma fluvial meandrante de granulação fina. Ocorrem
km de largura máxima, ocupando uma área de apro- ainda camadas de arenitos grossos com intraclastos
ximadamente 3.200 km² (figuras 3, 4). Esta bacia de argilitos, atribuídas a depósitos de rompimento de
possui altos internos que delimitam segmentos com diques marginais. Dados de paleocorrentes indicam
alternância de depocentros ao longo do seu eixo. Os sentido geral de transporte para NE (Mancini, 1995,
altos estruturais de Caçapava, onde encontram-se figura 7B). A idade desta formação ainda não pode
exposições de rochas do embasamento (Carneiro et ser estabelecida, apesar de terem sido encontradas
al., 1976; Hasui e Ponçano, 1978; Riccomini, 1989), argilas ricas em matéria orgânica, que mostraram-
e de Pindamonhangaba, recoberto por sedimentos se estéreis em material polínico. Embora não guarde
(Fernandes, 1993), são considerados zonas de trans- relações de contato com a Formação Itaquaquecetu-
ferência que subdividem a bacia em três comparti- ba, ela é considerada mais jovem do que esta unida-
mentos na forma de hemigrabens alongados segundo de. Atribui-se para a Formação Pindamonhangaba
a direção NE, denominados, de sudoeste para nor- idade neógena, provavelmente miocena superior a
deste, de São José dos Campos, Taubaté e Aparecida, pliocena, em função de suas relações estratigráficas
com espessuras máximas de 300, 600 e 800 m de se- (Riccomini, 1989; Riccomini et al., 2004, figura-6).
dimentos, e inclinações dos assoalhos para NW, SE
e NW, respectivamente (Fernandes e Chang, 2001; Tectonismo deformador do RCSB
2003). O Compartimento São José dos Campos,
que abriga o trecho do Rio Paraíba após a captura, Após a sua instalação e deposição sintectônica,
é um hemigraben com assoalho inclinado para NW o RCSB esteve sujeito a quatro fases de tectonismo
(Marques, 1990), contra a falha mestra de São José deformador, por reativações ao longo das falhas pre-
(Fernandes e Chang, 2003). existentes e, em menor escala, geração de novas es-
truturas (Riccomini, 1989; Riccomini et al., 2004).
Sedimentação neogênica no RCSB Sucessivamente, tais fases compreenderam (figuras
6 e 8): 1) transcorrência sinistral de direção E-W,
A sedimentação neogênica no segmento cen- com distensão NW-SE e compressão NE-SW, esta
tral do RCSB é representada pelas formações Itaqua- de caráter local, de idade neogênica, provavelmen-
quecetuba e Pindamonhangaba (figura 6). te miocena; este evento deformou o preenchimento
A Formação Itaquaquecetuba (Coimbra et al., da fase rifte e condicionou a deposição da Formação
1983), de natureza essencialmente psamo-psefítica, Itaquaquecetuba, na área da Bacia de São Paulo; 2)
representa um sistema fluvial entrelaçado, restrito à transcorrência dextral, com compressão NW-SE, de
área geográfica da Bacia de São Paulo, que ocorre idade neogênica (Pleistoceno Superior a Holoceno);
assentado diretamente sobre rochas do embasamen- 3) distensão de direção WNW-ESE e idade holoce-
to pré-cambriano, sem que tenha sido verificada a na; e 4) compressão E-W. As variações nos campos
sua relação com as unidades sedimentares paleoge- de esforços das diferentes fases de tectonismo defor-
nas. Sua deposição foi controlada por falhas de dire- mador seriam, em escala regional, decorrentes do
ção ENE e NNW (Almeida et al., 1984; Riccomini, balanço entre o ridge-push e slab-pull da Placa Sul
1989), restando atualmente até 50 m de espessura Americana, respectivamente em relação às placas
preservada de sedimentos. Dados de paleocorrentes Africana e de Nazca (Riccomini, 1989), somados a
indicam sentido geral de transporte para W, NW e esforços mais locais associados à carga de sedimentos
SW (Aronchi Neto, 1999, figura 7A). A idade da de- na Bacia de Santos, soerguimentos na região emersa
posição da parte superior desta formação foi situada vizinha à costa sudeste do Brasil, e ascensão do ní-
no Mioceno Inferior, com base na presença do pólen vel do mar após a glaciação do Pleistoceno terminal
Compositoipollenites maristellae (Yamamoto, 1995). (Riccomini et al., 2004).
A Formação Pindamonhangaba (Riccomini

163
Figura 6. Quadro litoestra-
tigráfico e evolução tecto-
no-sedimentar do segmento
central do RCSB - Letras:
p - leques aluviais proxi-
mais; m-d - leques aluviais
medianos a distais associa-
dos a planície aluvial de rios
entrelaçados; t - depósitos
de tálus; c - depósitos colu-
viais; ca - depósitos colúvio-
aluviais; a - depósitos alu-
viais. Segundo Riccomini et
al. (2004).

Golts e Rosenthal, 1993),


a partir de dados do Shuttle
Radar Topography Mission
(SRTM), com o emprego
do software livre GRASS-GIS, conforme procedi-
Análise morfométrica da região de captura mentos de Grohman (2004). O método das isobases
relaciona a ordem de um canal de drenagem (cf. Strah-
À primeira vista, a presença de falhas de direção ler, 1952) e a topografia. A ordem de um canal de dre-
NW-SE na região da inflexão do Rio Paraíba do Sul, nagem refere-se à posição relativa deste canal em uma
bem como o próprio traçado do Cotovelo de Guara- bacia hidrográfica. Uma das premissas do método é a
rema, sugerem um evento tectônico relativamente re- de que, em uma dada bacia hidrográfica, canais de dre-
cente como o mecanismo responsável pela captura. De nagem de ordem similar estão relacionados a eventos
modo a se avaliar quão recente foi a atividade tectônica geológicos de natureza e idade similares (Golts e Ro-
ao longo das estruturas de direção NW-SE da região senthal, 1993). A linha de isobase delineia uma super-
de captura, foi elaborado um mapa morfométrico (fi- fície erosiva. Uma superfície de isobase é definida pela
gura 9) pelo método das isobases (Filosofov, 1960; conexão de segmentos de drenagem de ordem similar,
desconsiderando-se a topografia
acima da superfície de isobase.
Assim, as superfícies de isoba-
ses estão relacionadas princi-
palmente aos eventos tectônicos
e erosivos mais jovens. Desvios
abruptos nas direções das linhas
de isobases podem sugerir des-
locamentos tectônicos ou mu-
danças litológicas importantes.

Figura 7. Dados de paleocorrentes


para as formações Itaquaquecetuba
(A) e Pindamonhangaba (B).
Fontes: Aronchi Neto (1999) e
Mancini (1995).

164
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
10

O mapa de isobases pode ser considerado como uma O mecanismo da captura


visão simplicada da superfície topográfica, da qual fo-
ram removidos os ruídos produzidos pelas drenagens O Alto Estrutural de Arujá (figura 8D) é uma
de primeira ordem. O principal objetivo do emprego área de embasamento soerguida, delimitada por
deste método é a identificação de áreas com influên- falhas de direção NW-SE, que separa as bacias de
cia tectônica, mesmo que a constituição litológica seja São Paulo e Taubaté (Melo et al., 1986; Riccomini,
uniforme. 1989). Na sua origem, as falhas que delimitam este
Examinando-se o mapa de isobases (figura alto podem ter sido transferentes, ortogonais ao rifte
9) verifica-se que, embora o Cotovelo de Guarare- na sua instalação, mas com movimentação acentu-
ma possa ser reconhecido por linhas de isobase de ada durante as fases deformadoras subsequentes do
valores mais baixos, as estruturas de direção NW- RCSB. A distribuição dos depósitos de leques alu-
SE são pouco evidentes. As estruturas de direção viais ao longo dessas falhas de direção NW-SE, tan-
NE-SW, por sua vez, são as mais destacadas, o que to a oeste do Alto Estrutural de Arujá, na Bacia de
sugere que as atividades tectônicas mais jovens com São Paulo, quanto a leste, na de Taubaté, levou Melo
influência no relevo (abatimentos ou deslocamentos et al. (1986) a admitirem atividade do alto durante
laterais de blocos) processaram-se ao longo desta di- a sedimentação paleogena. Esta distribuição pode-
reção. No quadro da evolução do RCSB (figura 6), ria, entretanto, ser explicada pelo soerguimento pós-
vários eventos tectônicos deformadores envolveram sedimentar do alto e exumação dos depósitos basais
a movimentação das falhas de direção NE-SW, mas de leques aluviais da Formação Resende, resultando
certamente o transcorrente dextral, com compressão na atual distribuição das fácies sedimentares (Ricco-
NW-SE, de idade neogênica-quaternária, foi o de mini, 1989). Portanto, a ideia de que a Bacia de São
maior influência no relevo. Portanto, o caráter ain- Paulo teria sido parte da bacia de drenagem do anti-
da conspícuo das estruturas de direção NE-SW, em go Rio Paraíba (Leinz e Carvalho, 1957) não pode
contraste com a atenuação dos efeitos topográficos ser descartada, embora seja de difícil comprovação.
resultantes dos deslocamentos ao longo das falhas de Os mapas de contorno estrutural do substrato da ba-
direção NW-SE do Cotovelo de Guararema, sugere cia (v.g. Takiya et al., 1989), que poderiam fornecer
certa antiguidade para a captura. indicações nesse sentido, mostram, além da paleoto-

Figura 8. Esboços paleotectônicos da evolução do Rifte Continental do Sudeste do Brasil - Legenda no quadro D: 1)
falhas de componente predominante normal; 2) falha de componente transcorrente sinistral; 3) falha de componente
transcorrente dextral; 4) falha de componente predominate inversa; 5) falha com movimentação não caracterizada.
Fonte: modificado de Riccomini (1989) e Riccomini et al. (2004).

165
Figura 9. Mapa morfométrico elaborado a partir de superfícies de base.

pografia, o somatório de deslocamentos relacionados as falhas de direção NW-SE da região do Cotovelo


aos diferentes eventos tectônicos deformadores, limi- de Guararema parecem delimitar dois blocos com
tando a análise da distribuição das paleodrenagens. assimetria na distribuição de depósitos proximais de
Nesse quadro, é possível que no Paleogeno já existis- leques aluviais da Formação Resende, dispostos ao
sem as paleodrenagens dos rios Paraíba do Sul e Tie- longo da borda sudeste da bacia no bloco situado a
tê, com sentidos de fluxo opostos, a primeira ao longo sudoeste das falhas, e ao longo da borda noroeste
da calha do rifte e a última na região planáltica. no bloco a nordeste das falhas, poder-se-ia admitir
As hipóteses para explicar a captura contem- a existência de um quarto compartimento no extre-
plam mecanismos relacionados com o recuo erosivo mo sudoeste da Bacia de Taubaté, com caimento do
dos afluentes do Rio Paraíba do Sul, movimentos assoalho para sudeste. Isso implicaria que as falhas
tectônicos, ou ambos. Em trabalhos prévios a captu- de direção NW-SE da região do cotovelo seriam
ra foi associada ao recuo erosivo dos afluentes do Rio transferentes, com componentes dextrais, durante a
Paraíba do Sul, rumo ao planalto, em decorrência fase de instalação da bacia, no Paleogeno. O des-
da instalação do paleolago Tremembé (e.g. Ab’Sáber, locamento para sudeste do bloco situado a nordeste
1957). Esse tipo de mecanismo deve ser confronta- dessas falhas poderia ter interposto shutter ridges ao
do com os modelos de evolução de lagos em riftes, paleotraçado do alto curso do Rio Tietê, que passa-
já que os sistemas lacustres são gerados em fases de ria a correr para o interior da Bacia de Taubaté, se-
acentuada subsidência tectônica em depressões dessa guindo o paleodeclive do terreno. O regime do curso
natureza (v.g. Blair e Bilodeau, 1988; Gawthorpe e fluvial então capturado seria também influenciado
Leeder, 2000). Assim, erosão remontante nas dre- por variações na lâmina d’água do paleolago Tre-
nagens tributárias do Rio Paraíba do Sul seria espe- membé, no Oligoceno. Na Bacia de Taubaté, com
rada em resposta ao rebaixamento do nível de base exceção da região de Bonfim, ao sul de Caçapava,
na Bacia de Taubaté, por subsidência tectônica e/ou os depósitos fluviais meandrantes da Formação São
variações no nível de água do paleolago Tremembé. Paulo, do Neo-Oligoceno, têm sua área atual de
Subsidência tectônica e erosão remontante durante ocorrência limitada à oeste e sudoeste da entrada do
a deposição da Formação Pindamonhangaba seria Rio Paraíba do Sul na bacia (figura 4). Na porção
outra alternativa. sudoeste da Bacia de Taubaté, exposições de depó-
Sob a óptica tectônica, considerando-se que sitos sedimentares da Formação Pindamonhanga-

166
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
10

ba (Mioceno Superior a Plioceno), assentados em (figura 5). Examinando-se as ilustrações do trabalho


discordância angular sobre a Formação São Paulo de Ab’Sáber (1957) verifica-se que o desnível entre o
(Neo-Oligoceno), mostram que esta última unidade Cotovelo de Guararema e o atual curso do Rio Tietê
teve seus registros removidos total ou parcialmente é da ordem de 175 m. Os testemunhos mais elevados
por erosão, como consequência do primeiro evento de sedimentos paleogenos do Grupo Taubaté na Ba-
tectônico deformador da bacia. A distribuição das cia de Taubaté alcançam 670 m no Vale do Parateí,
formações indica que no Neo-Oligoceno a deposi- enquanto que os do Rio Jaguari, na área da Bacia de
ção fluvial meandrante da Formação São Paulo teve São Paulo, aproximam-se de 830 m, com desnível da
lugar com aporte de uma paleodrenagem provavel- ordem de 160 m (figura 10). Esses desníveis mostram
mente axial à bacia e com entrada na sua extremi- que a porção mais elevada encontra-se a sudoeste da
dade sudoeste, talvez proveniente da Bacia de São captura, sugerindo uma elevação relacionada à mo-
Paulo. No Mioceno Superior-Plioceno os depósitos vimentação de falhas, com componentes normais e
da Formação Pindamonhangaba, também mean- abatimento dos blocos situados a nordeste. A julgar
drantes, desenvolveram-se da região de entrada do que os rios Paraitinga e Paraibuna compunham as
Rio Paraíba do Sul para jusante (figura 4), como de- cabeceiras do antigo Rio Tietê, é forçoso admitir-
corrência de renovado aporte sedimentar associado a se um soerguimento mínimo de 160 m do bloco
nova fase de subsidência. situado a sudoeste do cotovelo em relação àquele
Após a instalação do RCSB sobrevieram no- situado a nordeste. Estas falhas, ao promoverem o
vos regimes tectônicos que deformaram o seu preen- soerguimento escalonado dos blocos a sudoeste e re-
chimento sedimentar paleogeno. O primeiro desses baixamento daqueles a nordeste, tornaram-se uma
eventos deformacionais, de caráter transcorrente, barreira ao fluxo para oeste-sudoeste do alto curso
com compressão na direção NE-SW e distensão na do Rio Tietê, que não teve outra alternativa senão
direção NW-SE (figura 8), promoveu a reativação passar a correr segundo o maior declive, para o Vale
de falhas preexistentes e também o soerguimento de do Paraíba do Sul.
altos estruturais, transversais à direção NE do eixo Dados de paleocorrentes em depósitos das
do RCSB, na região das atuais bacias de Taubaté e formações Itaquaquecetuba (Mioceno Inferior), na
São Paulo, no início do Mioceno. O Cotovelo de parte leste da área geográfica da Bacia de São Paulo,
Guararema ainda guarda o registro do seu controle e Pindamonhangaba (Mioceno Superior – Plioce-
por falhas de direção NW-SE, reativadas com cará- no), na porção central da Bacia de Taubaté, mostram
ter transcorrente dextral neste evento de deformação, paleofluxos para oeste e nordeste, respectivamente,
e provavelmente herdadas de falhas de transferência nos principais sentidos de transporte então instala-
ortogonais ao rifte, geradas durante a sua instalação dos. As diferenças nas características dos sistemas

Figura 10. Perfis longitudinais ao longo dos rios Tietê e Paraíba do Sul, mostrando os desníveis entre os planos alti-
métricos dos rios e dos testemunhos de sedimentos paleogenos nas bacias de São Paulo e Taubaté. Fonte: modificado
de Ab’Sáber (1957).

167
fluviais, entrelaçado na Formação Itaquaquecetuba margem passiva adjacente.
e meandrante na Formação Pindamonhangaba, re- Além das implicações geológicas, a captura do
fletem provavelmente o contexto tectônico da sedi- Rio Tietê pelo Rio Paraíba do Sul acarretou mo-
mentação. Enquanto na Formação Itaquaquecetuba dificações nas correspondentes bacias hidrográficas
a deposição parece ter sido confinada a pequenas ba- e suas cabeceiras, com implicações para a gestão e
cias de afastamento (pull-apart), associadas à trans- aproveitamento dos seus recursos naturais. Adicio-
corrência ao longo de falhas de direção NW-SE, na nalmente, as consequências da notável captura vêm
Formação Pindamonhangaba o sítio deposicional sendo sentidas ao longo do tempo, ressaltando-se
mais amplo na porção central da bacia seria a res- aquelas afeitas à biodiversidade, notadamente a dis-
posta a um evento de subsidência, controlado pela tribuição de espécies de peixes.
atividade das falhas de direção NE-SW situadas na
borda noroeste desta bacia, acompanhado de impor- Referências bibliográficas
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168
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
10
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169
O problema das conexões antigas
e da separação da drenagem do
Paraíba e do Tietê

Aziz N. Ab'Sáber

Dos problemas geomorfológicos apresentados pelo


1957. O problema das conexões antigas e
da separação da drenagem do relevo, estrutura e rede de drenagem do Brasil Sudeste, ne-
Paraíba e do Tietê. Boletim Paulista nhum outro tem suscitado maior curiosidade geral do que
de Geografia, 26:38-49. o da possível captura de porções antigas da drenagem do
Alto Tietê pelo Médio Paraíba. Há, entretanto, uma des-
proporção muito grande entre o número de vezes em que
o problema é proposto e repetido e o número real de tra-
balhos específicos que têm tratado do assunto. Na maioria
dos casos, trata-se de referências vagas e repetitivas, que
apenas se ligaram a uma observação ligeira da grande ano-
malia de drenagem existente na curvatura brusca que in-
verte totalmente a direção do curso do Paraíba paulista, na
região de Guararema.
Até hoje, não foram feitos um estudo e uma dis-
cussão mais completa do problema na base de considera-
ções paleogeográficas e de argumentação geomorfológica
e geológica convincentes. Na realidade, as referências rá-
pidas insertas nos trabalhos gerais apenas apresentam de
novo o problema, na forma de hipótese de trabalho, sem
ao menos revolver a sua discussão.
Ao iniciar nossos estudos sobre a geomorfogênses
da região de São Paulo, vimo-nos obrigados a tratar do
assunto, mas na categoria de problema marginal de nossas
pesquisas, do que como assunto de nossa preocupação di-
reta. Selecionando observações e incorporando-as no corpo
de ideias a respeito da gênese dos compartimentos de re-
levo do Planalto Atlântico em São Paulo, julgamos poder
apresentar o problema na base de simples especulações
paleogeográficas sobre as conexões antigas e a separação
posterior das redes de drenagens do Paraíba e Tietê.
Por uma questão de justiça bibliográfica, queremos
lembrar que a primeira referência sobre a possibilidade de
conexões antigas entre as drenagens das duas bacias foi ex-
posta por Hermann Von Ihering em artigo publicado em
O Estado de São Paulo de 12 de julho de 1894, trabalho
cujos tópicos principais foram republicados na Revista do
Museu Paulista de 1898.

170
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
10

Figura 1. O cotovelo do Rio Paraíba do Sul na região de Guararema: a mais sugestiva anomalia de drenagem do ter-
ritório brasileiro - Tanto na bacia do Alto Tietê como na do Alto e Médio Paraíba, os ramos menores da drenagem
são dendríticos, enquanto os rios de tamanho médio possuem um padrão ora paralelo, ora retangular, denotando uma
adaptação geral às direções das estruturas antigas da região (NE-SW). A dendritificação geral depende de processos
morfoclimáticos. Na área correspondente à Bacia de Taubaté, à juzante de Guararema, os rios afluentes da margem
do Paraíba são marcadamente paralelos entre si (S-N).

se como resultado demonstrado; mas parece-me


Hermann Von Ihering propôs o problema que será lícito, às vezes, fazer ver os problemas
páleo-hidrográfico nos seguintes termos: que a ciência tem de elucidar, e se, um dia, puder-
mos dispor dos necessários dados zoogeográficos
Pensamos que em tempo remoto, o Rio Para- e geológicos, sem dúvida poderemos reconstruir
íba, desde as suas nascentes até Guararema, a história do Rio Paraíba.
foi afluente do Rio Tietê, e isto provavelmen-
te na mesma época em que a grande lagoa
terciária de Tremembé ocupou o Vale do Paraí- Essas observações pioneiras, expostas em
ba desde Jacareí até Cachoeira. Esta lagoa esteve termos muito gerais por cientista esclarecido, in-
em conexão franca com o oceano [sic], o que é felizmente nem sempre foram referidas bibliogra-
provável pela presença dos bagres. ficamente; ao contrário, passaram a constituir uma
espécie de tradição ou hipótese de trabalho do do-
Seria, pois, devido a modificações geológicas mínio comum, deturpada aqui, exagerada acolá,
que mais tarde foi interrompida a antiga cone- desde os fins do século passado até os nossos dias.
xão entre os dois rios e que o Paraíba, invertido A despeito de J. B. Woodworth (1912), Delgado de
completamente no seu curso original, ganhou a Carvalho (1913 e 1923), Chester Washburne (1930;
bacia da lagoa de Tremembé e com ele desaguou 1939), Otto Maull (1930), Pierre Deffontaines
ao norte. Estou bem longe de dar esta hipóte- (1939; 1945), Caio Dias Batista (1940), Emmanuel

171
média era cerca de seis vezes maior, e o seu poder
De Martonne (1940; 1943-44), Raimundo Ribeiro de aprofundar-se nas rochas era muitas vezes o
Filho (1943; 1948) e Aroldo de Azevedo (1944) do Rio Tietê. Ajunta-se a isto, ser possível que a
terem voltado suas vistas para o problema, somos atividade do Paraíba, no Terciário superior ou no
obrigados a reconhecer que não houve acréscimo Pleistoceno, pode ter abaixado o Vale do Paraíba,
ponderável na discussão do mesmo. de tal forma que a declividade das suas cabeceiras
J. B. Woodworth (1912, pp. 106-107) foi o tenha sido aumentada muito além da declividade
primeiro pesquisador a tratar do problema na base normal de um tal rio. Isto grandemente acelerou
de observações de campo, realizadas quando de sua a capacidade de erosão das cabeceiras do Rio
produtiva expedição geológica ao Brasil e ao Chile Paraíba, até que um dos seus galhos, cortando
(1908-1909). Analisando com o devido cuidado o rio acima, para sudeste ou para leste, alcançou as
texto original de Woodworth, podemos aquilatar fa- cabeceiras do Rio Tietê, cujas águas correm para
cilmente a sua acuidade de observação geomorfoló- sudoeste, como Paraitinga, e atraiu-as para a ba-
gica, mas não ganhamos muito para a comprovação cia de drenagem do Rio Paraíba.
da plausível hipótese. Tendo conseguido os termos
das observações daquele notável geólogo e não pre- A interpretação de Washburne trouxe à baila,
tendendo deixá-los à margem de nosso trabalho, pela primeira vez, a questão da existência de um
aqui os transcrevemos: cotovelo de captação típico na região de Guararema,
mas não representou uma discussão paleogeográfica
The divide between the Tietê at Mogy das aprofundada do problema, já que deixou margem
Cruzes and the great bend is occupied by rock- para se pensar na possibilidade de uma captura re-
hills of low relief rising about 200 feet above the cente na região. Sobretudo, faltou a correlação entre
weakly developed drainage lines of the district. a hipotética captura com os problemas da sedimen-
The natural course of the Parahytinga would ap- tação pliocênica de ambas as bacias.
pear to be westward into confluence with the Nos últimos anos, alguns pesquisadores, entre
Rio Tietê of wich it may be regarded as a be- os quais Kenneth Edward Caster, Josué Camargo
headed portion, captured by the Rio Parahyba, Mendes e Fernando Flávio Marques de Almeida
wich, pushing its head southwestwards along the iniciaram uma reação às interpretações antigas, pro-
easily eroded Tertiary beds, diverted the stream curando demonstrar que o esporão granítico, que
before erosion had swept away the Tertiary beds, constitui o divisor de águas entre o Alto Tietê e o
between the Parahyba basin and that of the Ter- Alto e Médio Paraíba, teria sido suficiente para se-
tiary beds at São Paulo. parar as duas bacias desde há um tempo geológico
muito mais remoto do que geralmente se pensa. Tais
Entre todas as referências posteriores às ob- ideias orientaram as especulações paleogeográficas
servações pioneiras de Hermann von Ihering e J. B. para outros setores, dando novos rumos à discussão
Woodworth destacam-se as rápidas considerações do velho problema. Ficou assentado, de uma vez por
do geólogo Chester Washburne (1930; 1939), ex- todas, que a sedimentação do Médio Paraíba e a do
pressas nos seguintes termos: Alto Tietê foram geradas em teatros deposicionais
fluviolacustres inteiramente separados, embora cro-
O curso superior do Rio Paraíba é conhecido sob nogeologicamente simultâneos, como já haviam su-
o nome de Rio Paraitinga, que corre em direção gerido Moraes Rêgo e Sousa (1938, p. 123).
exatamente oposta à do Paraíba, a saber, mais ou Moraes Rêgo, por volta de 1929, já havia
menos 50º sudoeste, dobrando-se depois para constatado a presença de ocorrências restritas de se-
oeste, atravessando um agudo cañon até juntar- dimentos pliocênicos em pleno alto Vale do Paraíba,
se ao Paraíba. Este cañon tem todos os elementos fato divulgado por Washburne (1930, p. 131). Mais
de um cotovelo de captura típico, expressão esta tarde, Fernando Flávio Marques de Almeida (1946)
empregada pelos fisiógrafos para indicar o lugar pode estudar com maiores cuidados uma ocorrência
onde um rio capturou o outro. Antes desta cap- de sedimentos supostos pliocênicos nos arredores
tura, o Rio Paraitinga tinha sido evidentemente de Paraibuna, em plena Bacia do Alto Paraíba, es-
cabeceira do Rio Tietê. Este rio, medindo-se do tabelecendo que os sedimentos terciários extrava-
cotovelo de captura, tinha que percorrer cerca de saram o comportamento do médio Vale do Paraíba
3.000 km para atingir o oceano no Rio da Prata, e, remontantemente, atingiram trechos do alto vale
entre Montevidéu e Buenos Aires. Isto dava-lhe em plano altimétrico inteiramente independente da
um declive suave que o inibia de escavar o seu sedimentação do Alto Tietê. Outras ocorrências,
leito muito profundamente. Por outro lado, o Rio ainda, foram descobertas ao longo do Vale do Jaguari
Paraíba tinha que percorrer somente cerca de 300 (Ab’Sáber, 1949) e Parateí (Almeida, 1952), a 650-
quilômetros, a contar deste ponto, para nordeste, 670 metros de altitude, ainda uma vez inteiramente
até entrar no mar. Portanto, a sua declividade separadas da zona de sedimentação do Alto Tietê,

172
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
10

a despeito de uma contiguidade notável em relação Tietê, que remontava até a Bocaina, continuava a
aos limites extremos das duas áreas de ocorrências. correr para W-SW, em um plano altimétrico corres-
Pode-se ter como definitiva a premissa de que pondente à superfície das cristas-médias, 300 ou 400
a sedimentação entre as duas bacias foi inteiramente metros acima do nível da atual Bacia de São Paulo.
independente e que o contorno do Cotovelo de Uma reativação tectônica pronunciada afundou mais
Guararema foi esboçado num período bem anterior ainda o assoalho do vale tectônico correspondente ao
ao da expansão fluviolacustre remontante das duas antigo médio Paraíba e forçou a sedimentação par-
bacias sedimentares contíguas. cialmente lacustre, que viria redundar na formação
dos folhelhos betuminosos de Taubaté.
 O importante a assinalar é que a depressão
Se procurássemos remontar até aos fins do profunda e fechada do médio vale superior do Pa-
Cretáceo para historiar a gênese das conexões antigas raíba, logo de início foi capaz de criar uma hidro-
e da separação posterior, obteríamos um ponto de grafia própria. O fato de, na época, toda a região
partida razoável para explicar a sucessão de eventos cristalina circunjacente se encontrar em fase de reju-
paleogeográficos ali desenrolados. venescimento e encaixamento hidrográfico generali-
Parece ser ponto pacífico o fato de que, até o zado, devido à movimentação dos blocos de falhas,
Cretáceo, as drenagens da porção paulista do Planalto favoreceu a expansão da hidrografia tributária dos
Atlântico participavam das bacias gondwânicas do lagos situados na depressão tectônica principal. O
interior, como já fez sentir Raimundo Ribeiro Filho assoalho da Bacia de Taubaté, posto que bem mais
(1943, 1948). Desta forma, todos os rios que nasciam alto que o nível do Atlântico, estava em posição sen-
nos maciços antigos, situados a oeste e sudoeste da sivelmente mais próxima do mar, que o dos rios que
área Itatiaia-Bocaina, demandavam forçosamente o se dirigiam para o Vale do Paraná, tal como salientou
interior da Bacia do Paraná. Os grandes fenômenos Chester Washburne (1930). Daí não se terem feito
tectônicos, que fragmentaram a abóbada principal esperar sucessivas pequenas capturas dos altos vales
do escudo, forjaram a fossa tectônica do Vale do Pa- das drenagens antigas contíguas à bacia lacustre. Foi
raíba, após o Cretáceo, criando um vale tectônico, de a esse tempo que os altos vales dos rios que nasciam
direção oposta à dos rios que convergiam para o eixo na Bocaina e se dirigiam para oeste e sudoeste -
do Rio Paraná. Desta forma, enquanto tectonica- cruzando a região de São Paulo, algumas centenas
mente se criava o Vale do Paraíba, o primitivo Alto de metros acima do seu atual nível - foram inter-

Figura 2. Gráfico composto dos perfis longitudinais do Alto e Médio Paraíba e Alto Tietê - Note-se a radical modi-
ficação de direção do Rio Paraíba após Guararema e a diferença de planos altimétricos entre o Tietê e o Paraíba na
região. A superfície das cristas médias, cujos testemunhos aparecem na região de São Paulo e na parte paulista da
Bacia do Paraíba do Sul, sugere e reforça a ideia de uma drenagem antiga dirigida do Alto Paraíba pretérito para a
Bacia do Paraná.

173
ceptados e desviados para as depressões tectônicas Existem razões para se pensar que a sedimen-
da base da Mantiqueira. O cotovelo de captação, a tação fluviolacustre da região de São Paulo só tenha
despeito da antiguidade relativa da captura, restou sobrevindo quando corria adiantada a sedimentação
muito bem marcado no terreno, mesmo porque se lacustre do Médio Paraíba. Desligado de suas cabe-
transformou num cotovelo inciso epicíclico, sem sofrer ceiras primitivas, o Alto Tietê, decapitado, continuou
modificações radicais de sua encurvatura original. morosamente seu trabalho de encaixamento devido
Com a expansão geral da drenagem em torno aos estímulos epirogênicos gerais que a região vinha
das bacias lacustres tectônicas regionais - tempo- sofrendo, mas logo novas interferências tectônicas,
rariamente gozando da posição de nível de base in- ligadas às reativações da família de falhas pós-cretá-
terno - acelerou-se o preenchimento das depressões ceas do Brasil Atlântico, criaram condições para que
originais, através de uma potência de sedimentação sobreviesse um ciclo deposicional similar aquele que
fluviolacustre, muitas vezes ampliada. Desta forma, passou a afetar a região do Médio Paraíba após a cap-
a colmatagem do lago principal (Bacia de Taubaté- tura. Daí por diante, a sedimentação decorreu mais ou
Tremembé) pode ter sido decretada pela própria menos simultânea, em ambas as bacias, até a cessação
expansão remontante da sedimentação pelas redes definitiva dos estímulos tectônicos e a reorganização
de drenagem tributárias, passando sucessivamente das redes de drenagem. Enquanto o Rio Paraíba
a dominar a deposição fluviolacustre e, posterior- restou organizado por braços diversos (Guimarães,
mente, fluvial, ao longo de todo o médio vale supe- 1943, p. 36), ligados a histórias geológicas díspares,
rior do Paraíba. constituindo um típico caso de rede hidrográfica po-
A fase deposicional lacustre, fluviolacustre ligênico, o Tietê reencetou sua marcha para oeste,
e fluvial, parece ter sido relativamente longa, pois superimpondo-se localmente à bacia sedimentar flu-
preencheu as fossas originais, forçando depois digi- violacustre, oriunda da barragem tectônica temporária
tações das planícies de inundação para o alto vale e que se fez sentir na região de suas cabeceiras.
para as seções médias e inferiores de diversos vales Nesta fase pós-pliocênica, não houve tempo
afluentes, como o Jaguari e Parateí. Os sedimentos suficiente para que os ativos afluentes do Médio
tidos como pliocênicos do Alto Paraíba (vales do Paraíba realizassem novas decapitações de trechos
Paraitinga e Paraibuna), Médio Jaguari e Médio importantes de suas cabeceiras: fato, entretanto,
Parateí documentam essa fase deposicional final, de perfeitamente esboçado na região situada a leste de
transbordamento. Mogi das Cruzes, conforme hábil constatação de

Figura 3 - Secção geológica da área divisora d'águas Alto Tietê-Médio Paraíba - Gráfico compósito elaborado para
mostrar os desníveis topográficos existentes entre a bacia sedimentar de São Paulo e a de Taubaté, assim como as
posições atual e antiga do espigão granítico divisor. No alto, os testemunhos da superfície das cristas médias na região
do Alto Tietê e na Bacia do Paraíba.
174
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
10

Washburne (1930, pp. 6, 7, figura 6). NOTA - Em um notável estudo intitulado “A


Na região de Mogi das Cruzes, o Alto Tietê Geomorfologia do Brasil Oriental” (Revista Brasi-
encontra-se hoje a 740-745 metros, enquanto o Pa- leira de Geografia, ano XVIII, abril-junho de 1956, nº
raíba em Guararema acha-se a 575 metros, estando 2, pp. 147-265), Lester C. King se refere à questão
ambos os cursos separados por uma pequena área de das antigas conexões entre o Alto Paraíba e o Alto
elevo granítico serrano, de apenas 18 quilômetros de Tietê, dizendo que “as antigas cabeceiras do Rio
largura e cujas altitudes variam de 750 a 1.100 m, na Tietê foram anexadas pelo Rio Paraíba, constituindo
Serra do Itapeti. O encaixamento do Paraíba, após a um exemplo clássico de captura fluvial”, e que certa-
captura, foi da ordem de 350-400 metros, enquanto mente se trata de um dos mais espetaculares casos
o Tietê aprofundou seu leito muito menos pronun- de captura conhecidos no mundo. Neste trabalho de
ciadamente, tendo ainda sofrido interferências tectô- publicação recente, diz mais ainda o ilustre professor
nicas que barraram sua saída para oeste e afundaram da Universidade de Natal (África do Sul):
localmente o assoalho cristalino pré-pliocênico sobre
o qual ele se assentava. Certamente a origem tectônica da planície do
O fato de, na bacia sedimentar paulistana, Paraíba conferiu-lhe decisiva vantagem sobre
faltarem sedimentos lacustres referíveis aos das ca- o Tietê e foi a principal causa da captura. (...)
madas de folhelhos betuminosos da Bacia de Tau- Reconstituindo a disposição da drenagem antes
baté poderia estar relacionado ao motivo funda- da captura, o principal divisor antigo pode ser
mental de ainda persistirem processos erosivos ou colocado no alinhamento Itatiaia-Bocaina, onde
desnudacionais na região do Alto Tietê, ao tempo também aparece o obstáculo ao curso do Paraíba
que as lagoas tectônicas da região do Vale do Paraíba (posterior ao falhamento) que separa as bacias
já constituíam massas d’águas represadas tectonica- de Resende e Pindamonhangaba, em Queluz.
mente. Não é impossível, todavia, que tal ausência A oeste deste alinhamento, a drenagem era fei-
se ligue apenas às diferenças de intensidade dos pro- ta para o Tietê, porém a interrupção do divisor,
cessos tectônicos que afetaram as duas regiões; daí próximo a Queluz, causada pelo graben do Pa-
condições de escoamentos inteiramente diferentes, raíba, obliterou os antigos cursos, invertendo o
com obstrução completa, posto que temporária, no fluxo para o mar. A Serra da Mantiqueira não
Médio Paraíba e obstrução ligeira e moderada no constituía, assim, o importante divisor atual que
Alto Tietê. separa os rios que drenam para o ocidente dos
O Tietê, na região de São Paulo, é um rio que demandam o mar.
antecedente porque reencontrou sua saída antiga após
a barragem tectônica temporária e moderada; o Pa- Muito embora se trate de um comentário rá-
raíba, ao contrário, é um rio a um tempo pós-cedente pido e sem dúvida incompleto sobre o delicado as-
e polígeno. sunto, é forçoso reconhecer que o autor atingiu em
A evolução das pesquisas e dos conhecimentos cheio o âmago da questão em termos de paleogeo-
geológicos e paleontológicos nas duas regiões poderá grafia.
reformar, em muito, o esquema de interpretação
que vimos de esboçar. De qualquer forma, porém,
quisemos revolver os conhecimentos acumulados,
A bibliografia deste artigo se encontra no DVD anexo
reclassificando-os para obter um melhor ponto de
partida para pesquisas ulteriores.

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A CONTRIBUIÇÃO DE AB’SáBER À
GEOGRAFIA URBANA DO BRASIL

Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro

Na evolução do pensamento geográfico, a temática


da cidade sempre teve um lugar especial o que, a partir dos
anos 70, aumentou a importância consoante o acelerado
crescimento urbano, mostrando-se como uma das mais re-
correntes nos diferentes países.
Até meados do século passado, no estudo geográfico
das cidades – herança da escola francesa que tutelou nossa
formação na geografia ciência – havia como que um modelo
na abordagem do tema. Principiava-se pela posição, seguida
pela análise do sítio, ou seja, o lugar onde se implantava o
aglomerado, apreciando-se a seguir sua evolução histórica,
após o que se detinha na estrutura reveladora da morfologia
(havendo modelos básicos nos quais se procurava inserir a
cidade estudada), coroando-se a análise pela identificação
das funções urbanas das quais a planta funcional era docu-
mento obrigatório. O fenômeno da urbanização – ou seja, a
dinâmica processual – era complementada pelo urbanismo:
o processo gerando a forma.
Talvez pela importância concedida aos dois pri-
meiros itens, proclamava-se que estávamos na vigên-
cia do determinismo ambiental. Após a Segunda Guerra
Mundial, Bretton Woods e o crescimento do capitalis-
mo vs. o determinismo dito ambiental seriam sucedi-
dos pelo determinismo econômico. A obra do geógrafo T.
Griffith Taylor intitulada Urban Geography: a Study of Site,
Evolution, Pattern and Classification in Villages, Towns and
Cities (London, Methuen & Co., Ltd., 1949) foi considera-
do o último suspiro do determinismo ambiental.
Desde que o espaço geográfico, até então euclidia-
no, tridimensional, foi substituído pelo espaço econômico,
relacional, cuja complexidade exigia o aporte de novas ge-
ometrias, as cidades passaram a ser vistas como centros de
polarização. Estudava-se as suas redes, cuja importância de-
finia as regiões ditas homogêneas, mediante as quais trans-
parecia a hegemonia dos centros sobre as periferias, identi-
ficando as regiões. Com a progressão crescente e acelerada
da urbanização e geração de metrópoles e megalópoles, a
alta complexidade do urbano – inegavelmente um tema de
nítido interesse interdisciplinar – procura mergulhar no la-
birinto das componentes econômicas, sociais e políticas.
Não se trata aqui de crítica ou discordância, desde que

176
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
11

tudo muda e as mudanças sucessivas requerem novas entre Itumbiara e Jataí” (Boletim Paulista de Geogra-
estratégias de abordagem. O que se quer advogar é fia, nº 7, 1951). Em “Notas sobre o Povoamento e a
que se a cidade torna-se cada vez mais o “lócus” por Geografia Urbana do Sudoeste de Goiás” (Anuário
excelência do homem, é inegável que a cidade mereça da Faculdade de Filosofia Sedes Sapientiae, PUC, São
também ser vista como um espaço privilegiado para Paulo, 1951), Ab’Sáber demonstra seu interesse na
se avaliar o grau de capacidade que o homem tem de, temática humana.
aglomeradamente, acentuar sua ação de modificar, Seu primeiro foco em uma importante cidade
alterar, transfigurar o espaço natural (ou geoecoló- brasileira recaiu sobre nossa primeira capital, a Cida-
gico) em que se instala. Por mais determinante que de de Salvador, em um pequeno artigo rotulado “A
sejam as injunções econômicas e políticas, tornando Cidade do Salvador (Fotografias e Comentários)”,
a cidade um legítimo construto social, ela assenta so- publicado no Boletim Paulista de Geografia, nº 11
bre um complexo natural que não pode ser ignorado, (AGB/SPo, 1952). Consta de duas páginas de texto
porquanto a edificação produzida está inserida num acompanhadas por cerca de uma dúzia de fotografias
contexto natural sobre o qual a ação antropogênica de sua autoria, com extensos comentários explicati-
não tem direito absoluto de veto. O natural e o social vos. Nesse primeiro contato, declara Ab’Sáber que
estão irremediavelmente conjugados na elaboração não é seu objetivo fazer um esboço da geografia ur-
do ambiente urbano. Um dos melhores exemplos é bana de Salvador, mas apenas “dizer duas palavras
a geração dos climas urbanos que se alteram na esca- a respeito do sítio e da estrutura urbana da Capital
la local mas não escapam dos mecanismos na escala da Bahia”. Aponta ali os quatro básicos comparti-
regional (e zonal) do comportamento atmosférico. mentos morfológicos da cidade, em sua duplicidade
Não se poderá, de nenhum modo, separar a degra- de Cidade Alta e Cidade Baixa, assinalando a forma
dação social daquela ambiental. Basta pensar na re- urbana ora linear (na planície) derivando para radial
lação íntima que se estabelece entre a localização das nos morros e espigões do platô, seguindo os vales
populações excluídas da cidadania, das piores e mais em busca dos bairros mais afastados. Aponta ele que
inadequadas feições dos sítios urbanos nas cidades “entre as grandes cidades do Brasil, é a que possui
brasileiras. As populações marginalizadas nas fave- os maiores problemas de espaço urbano e circulação
las, ou estão nas vertentes íngremes, para morrer so- interna, em relação ao número de seus habitantes e
terradas nos deslizamentos ou desabamentos, ou nas à potência de seu crescimento”. As fotografias co-
várzeas inundáveis, para perecer afogadas. mentadas exibem expressivos exemplos da paisagem
Todo esse preâmbulo, aparentemente dispen- urbana, nos seus aspectos capitais.
sável, visa demonstrar que existem geógrafos a quem O grande interesse que desde cedo reve-
apõem o rótulo de físicos mas que são adeptos de lou Ab’Sáber pela nossa Amazônia fez com que a
uma geografia unitária, ou seja, aquela que tem como cidade de Manaus merecesse a atenção do jovem
objetivo principal a íntima relação entre o Homem e geógrafo para um legítimo estudo de Geografia Ur-
a Natureza, sendo ele parte integrante dela e, privile- bana. O Boletim Paulista de Geografia, em seu nº
giado o homem pela inteligência e cultura, um ativo 15 de 1953, publicou o artigo constante de dezoi-
agente em derivá-la, alterá-la – positiva ou negativa- to páginas de texto, sete delas ocupadas por qua-
mente – na elaboração dos seus espaços de vivência. torze fotografias, mais uma planta da cidade. O
O verdadeiro geógrafo, se não é um naturalista, não artigo estrutura-se em sete capítulos a saber: Ma-
deve se tornar um mero cientista social. Tarefa que naus e sua posição geográfica na Amazônia; O sí-
pode parecer difícil, mas de nenhum modo impossí- tio e a estrutura urbana de Manaus; As origens do
vel, como bem o demonstra Aziz Nacib Ab’Sáber. povoado do Lugar da Barra; O crescimento da cida-
Embora tendo eleito a Geomorfologia como de de São José da Barra; Manaus e seu crescimento
campo de investigação, jamais se limitou a ele, como moderno; O porto de Manaus; e Paisagem urbana
se pode comprovar pela sua vasta produção, sempre de Manaus. A bibliografia revela, ao lado de alguns
relacionando as componentes naturais com as sociais. geógrafos brasileiros, uma larga consulta aos viajan-
Com um excelente trânsito, graças a uma boa forma- tes naturalistas estrangeiros que visitaram e publica-
ção nas ciências naturais, comprova-se o seu à von- ram sobre a capital amazonense.
tade nos estudos históricos e sociais, o que aparece Quem desejar ter uma boa demonstração de
desde os seus primeiros trabalhos, ainda nos tempos um estudo de Geografia Urbana no meado do sé-
de estudante universitário em Geografia e História culo passado, encontrará nesse trabalho do jovem
na USP. Ab’Sáber um primoroso exemplo.
Ainda quando estudante, em companhia de Antes do fim dos anos 50, foi editada a obra
seu colega Miguel Costa Júnior, realizou excursão de Geomorfologia do Sítio Urbano de São Paulo, tese de
estudos ao Sudoeste de Goiás, resultando daí uma doutoramento defendida na Faculdade de Filosofia
série de artigos de sua autoria. Associado ao cole- Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.
ga, publicou “Paisagens Rurais do Sudoeste Goiano, Como tese, foi publicada no Boletim daquela Facul-

177
dade (nº 219, série Geografia nº 12, 1957), base do metrópole nacional. Mas a preocupação de Ab’Sáber
texto que faz parte da grande coletânea organiza- com a cidade de São Paulo não se resume a sua tese
da por Aroldo de Azevedo: A Cidade de São Paulo de doutorado. Ela é tema recorrente em suas preocu-
(1958), na qual se inclui como capítulo sobre O sítio pações, seja em relação às origens da cidade - como
urbano de São Paulo (1958). Editada com atraso, esta “O problema das paisagens originais do sítio urbano
obra inseriu-se na celebração do quarto centenário de São Paulo” (Notícia Geomorfológica nº 7 e 8, PUC,
da cidade (1954); percebe-se que resulta de exaustivo Campinas, 1961), “O sítio urbano inicial da Cida-
trabalho de campo, com minuciosa observação direta de de São Paulo” (Acrópole nº 295/6, junho 1963),
sobre as diferentes áreas da capital paulista, ao longo “Originalidade do sítio da Cidade de São Paulo”
do decênio 1950. Pela datação das fotos, de autoria (Acrópole Nº 239-246, junho 1962) - seja a proble-
do próprio autor, pode-se estimar que a investigação mas menos antigos, como em “A estrutura metropo-
direta no campo foi conduzida entre 1949 e 1953. As litana e o novo aeroporto de São Paulo” (Geografia e
inúmeras tarefas de gabinete - consulta bibliográfi- Planejamento nº 18, IGEOG/USP, 1975), ou mais
ca, elaboração cartográfica (mapas, perfis transversais recentes, como em “Tipologia dos sítios inundáveis
geológicos, topográficos) - levaram a conclusão da por ocasião das grandes chuvas” (Cadernos Ambien-
monografia por mais alguns anos, até sua publicação tais nº 1, Secretaria do Verde e Meio Ambiente, São
em 1957. Por uma feliz coincidência, embora naque- Paulo, 1996).
le meado de século XX, já em acelerado crescimen- As afinidades de bacia detrítica nichada no
to, a cidade de meio século atrás não atingia a com- planalto atlântico levaram Ab’Sáber a interessar-
plexidade megalopolitana de hoje. Isto permitiu ao se no estudo do sítio urbano de Curitiba. O que
geógrafo uma minuciosa abordagem que, dificilmen- foi feito em um primeiro momento associado aos
te, poderia ser realizada nos dias de hoje. colegas paranaenses João José Bigarella e Riad
Após uma visão de conjunto sobre as dificul- Salamuni no estudo “Origem e Ambiente de Depo-
dades dos sítios urbanos nas regiões serranas do Pla- sição da Bacia de Curitiba” (Boletim Paranaense de
nalto Atlântico, o autor chega à tipologia das “bacias Geologia, nº 4 e 5, 1961) e, mais tarde, sozinho, em
sedimentares de formação recente, de origem fluvio- “Notas a Respeito do Sítio Urbano de Curitiba” (Ge-
lacustre, localizadas em compartimentos especiais omorfologia nº 3, IGEOG/USP, 1966).
do planalto, resultantes de complicações tectônicas Ampliando este enfoque temático a outras
e páleo-hidrográficas do fim do Terciário”, onde se capitais brasileiras, Ab’Sáber dedicou sua atenção à
insere a metrópole paulista. capital gaúcha num artigo de 26 páginas, ilustrado,
A análise explicativa identifica oito comparti- sob o título “O sítio Urbano de Porto Alegre: Estu-
mentos geomorfológicos que compõem a bacia de- do Geográfico” (Boletim Paulista de Geografia, nº 42,
trítica anichada no planalto, enfatizando sua gênese AGB/SP, julho 1965).
e atributos para a urbanização, o que é sintetizado Tal preocupação não se detém no estudo das
num didático esboço geomorfológico exibindo as capitais, mas dirige-se também às cidades médias,
diferentes partes da morfologia urbana. Mas o geó- notadamente no Estado de São Paulo. Na sua fun-
grafo não se detém na paisagem natural sobre a qual ção de orientador da pós-graduação em Geografia
se instalou a cidade. Toda a análise geomorfológica e Física da USP, encaminhou vários de seus orientan-
geoecológica é intimamente relacionada ao processo dos àqueles estudos. Fato este que se comprova na
de urbanização, preocupando-se em apontar os acer- Geomorfologia nº 12 (IGEOG/USP, 1969) onde se
tos e adequações da edificação urbana aos atributos encontram quatro contribuições, a título de notas pré-
das paisagens naturais (compartimentos geomorfo- vias, do orientador em colaboração com orientandos,
lógicos). A consideração da valorização crescente e focalizando São José dos Campos, Caçapava, Jacareí
incontrolável do preço dos terrenos deixa perceber, e Mauá. Tal procedimento teve sequência numa outra
claramente, casos em que um dado tipo de urbani- nota prévia sobre a Cidade de Caxias do Sul, RS, in-
zação adequada a um dado compartimento é extra- serida em Geomorfologia nº 21 (IGEOG/USP, 1970).
vasado para um outro compartimento contíguo de A cidade paulista de Franca mereceu nota prévia do
atributos bem diferentes, o que se torna problemáti- próprio professor, “O Sítio e a Organização do Espa-
co. A evolução histórica é sintonizada ao crescimen- ço Urbano de Franca”, publicada na série Geografia e
to da cidade, seja no traçado das grandes artérias, seja Planejamento nº 16 (IGEOG/USP, 1975).
na rede dos transportes (dos caminhos de mulas, às Gostaria de destacar nesta temática do urba-
rodovias e ferrovias). no em nossa geografia, um artigo de Ab’Sáber que
Enfim, uma obra de tal porte e de tal valor que – comprovando mais uma vez o estatuto de geógra-
extravasa o presente comentário, que não pretende fo completo do mestre – focaliza “A Região de Jaú:
ser uma eficiente resenha. Ela está aberta à consulta problemas de urbanização em manchas de solos ri-
direta de todos aqueles que se interessam pelo co- cos”, publicado no Caderno de Ciências da Terra, nº
nhecimento e evolução da capital paulista – a grande 15 (IGEOG-USP, 1971). Assinala que o município

178
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
11

paulista de Jaú está localizado sobre um setor dos E, após apresentar uma série de fatos impor-
planaltos arenítico-basálticos da porção centro- tantes sobre o caráter regional e o condicionamento
ocidental do Estado de São Paulo, coincidente com urbano de Jaú naquela época, ele arremata sua análi-
uma mancha de terras roxas. Este fato, relacionado se oferecendo seis tópicos de diretrizes básicas para o
com um alinhamento descontínuo de basaltos, favo- crescimento daquela cidade, a fim de evitar o conflito
receu que ali ocorresse uma paisagem cafeeira que, com o espaço agrário circundante.
no passado, acolheu algumas das maiores fazendas Coincidentemente, tanto o problema geográ-
daquele cultivo. fico dos domínios morfoclimáticos quanto as abor-
Esta ocorrência em manchas de terras férteis dagens urbanas de Ab’Sáber – por óbvias razões de
florestadas, em mistura com áreas arenosas cober- evolução histórica na prática da geografia no Bra-
tas de cerrados ou pastos pobres, respondeu por um sil – remontam ao período entre o meado e entrada
contrastante conjunto de paisagens agrárias. Consi- do terço final do século passado. Mas a trajetória de
derando o contexto natural das paisagens e as ca- Ab’Sáber continua com a mesma intensidade. Embo-
racterísticas de crescimento da cidade naquele então ra aposentado na USP, empresta valiosa colaboração
(1971) Ab’Sáber lamenta o fato de que a cidade esti- ao seu Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP).
vesse em franca expansão sobre as manchas de terras Além da sua intensa militância como ambientalista,
férteis. E explica: defensor ardente e vigilante do patrimônio nacional,
Demos uma importância especial a tais fatos ainda realiza uma invejável publicação de trabalhos
da organização do espaço regional, em termos geográficos, notadamente sobre os quadros de natu-
de meditações para o planejamento regional. reza do Brasil, com destaque para a Amazônia, além
Isto porque áreas desse tipo devem coibir a de desenvolver intensa atividade em prol da justiça
extensão desmesurada e descontrolada dos social. Desses aspectos cuidarão, certamente, outros
loteamentos urbanos, populares ou não. Caso colegas na presente coletânea.
contrário, haverá uma ocupação daqueles es-
paços que são essenciais para a vida econômica
regional.

179
O sítio urbano de São Paulo

Aziz Nacib Ab’Sáber

As regiões serranas do Planalto Atlântico brasileiro,


1958. O Sítio Urbano de São Paulo. com sua paisagem de morros mamelonares e pequenos ma-
In: Aroldo de Azevedo (org): A ciços montanhosos, acidentados e irregulares, criaram sérios
cidade de São Paulo: estudo de problemas para a localização das aglomerações urbanas. Nelas
geografia Urbana. São Paulo. dominam enormes extensões de velhos terrenos de topografia
Companhia Editora Nacional movimentada, em que se alternam morros de vertentes conve-
(Coleção Brasiliana, vol 14), xas, maciços descontínuos de rochas mais resistentes, um ou
p. 169-243 outro bloco de planaltos soerguidos e, por toda parte, vales de
perfis transversais bem marcados, pertencentes a redes hidro-
gráficas excessivamente densas.
Tais condições naturais, no que tange ao relevo, obri-
garam muitas cidades a adaptar sua estrutura urbana às im-
posições da topografia local, a fim de poderem apresentar um

180
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
11

sítio urbano relativamente plano. Daí, também, os não chegaram a possuir riqueza e força econômicas
numerosos exemplos de pequenos centros urbanos suficientes para construir e manter igrejas, praças
alojados no fundo de vales estreitos ou em comparti- e grandes edifícios nos altos patamares de mor-
mentos alargados de planícies aluviais, com suas vár- ros, cresceram acanhadas, acompanhando o eixo
zeas e baixos terraços, em disposição marcadamente sinuoso dos vales e dos caminhos principais.
alveolar. Assim sendo, se para pequenas aglomerações
No Estado do Rio de Janeiro, as regiões ser- se torna difícil encontrar-se, no Planalto Atlântico,
ranas de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo o indispensável espaço urbano, imagine-se o teor das
apresentam apenas minúsculas planícies de soleira, dificuldades em relação aos problemas de sítio urba-
de conformação alveolar, onde as cidades se anicha- no quando se trata de grandes cidades. Na verdade,
ram incomodamente, comprimidas entre a planície no interior desse acidentado planalto, raros são os
rasa e os sopés relativamente íngremes dos morros compartimentos de relevo suficientemente amplos
e grandes blocos de esfoliação. Exceção feita das para alojar, sem maiores complicações, organismos
planícies estreitas e alongadas, somente alguns raros metropolitanos de população superior a meio milhão
patamares de morros ou ligeiras encostas de declive de habitantes.
mais suave deram asilo às edificações urbanas. Neste Três tipos de exceções locais, entretanto, po-
particular, a cidade de Petrópolis apresenta-nos um dem ser reconhecidos:
belo exemplo de sítio urbano que forçou a interpe-
netração do sistema de ruas e pequenas praças por 1. os compartimentos de relevo praticamente
entre a trama dos vales que desembocam na planície nulo, situados a montante de soleiras rochosas,
alveolar principal da região. sob a forma de planícies e baixos terraços de ex-
A solução intentada, nos tempos coloniais, tensão excepcionalmente ampliada;
pelas ricas cidades mineiras da zona aurífera foi bem 2. as superfícies de erosão locais, de relevo
outra; após a ocupação das estreitas planícies do suave, situadas em áreas de antigas planícies e
fundo dos vales, onde estavam as aluviões auríferas, baixos terraços destruídos por ligeiro rejuvenes-
passou-se a ocupar os morros, através da incorpo- cimento;
ração de seus patamares intermediários e encostas 3. as bacias sedimentares de formação re-
de topografia menos acidentada. Íngremes ladeiras cente, de origem fluviolacustre, localizadas em
e ruas transversais tortuosas puseram em ligação os compartimentos especiais do planalto, resultantes
diversos núcleos dos pequenos e complexos orga- de complicações tectônicas e páleo-hidrográficas
nismos urbanos ali desenvolvidos. As cidades, que dos fins do Terciário.

Sucessão de formas topográficas e faixas geológica, da planície do Tietê à Serra do Pirucaia, a NE da Bacia de São
Paulo - Corte executado por Moraes Rego e Sousa Santos (1938), através do qual se pode perceber bem a influên-
cia da superfície de São Paulo (790-830m) na gênese da linha de topos e interflúvios dos morros baixos e outeiros
que envolvem a Bacia de São Paulo.

181
Estrutura
geológica do Planalto
Paulistano e regiões
vizinhas (Baseado
na Carta Geológica do
Estado de São Paulo,
I.G.G., 1947, com
modificações de Aziz
N. Ab’Sáber).

182
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
11

Traços essenciais do sítio urbano de São Paulo


O sítio urbano da cidade de Juiz de Fora ilustra
bem o tipo geográfico de espaço urbano do primeiro As colinas, que movimentam o relevo dos
caso, possível de ser encontrado em raros pontos do últimos quilômetros que precedem a confluência
Planalto Atlântico. Quem demanda aquela cidade de do Tietê com o Pinheiros, constituem o domínio
Minas Gerais, vindo de Sul ou de Sudeste, percebe geográfico que sustenta o corpo principal da Capital
logo a grande dificuldade existente para a localização paulista.
de núcleos urbanos no meio da morraria arredonda- Trata-se de uma área de cerca de 300 km²,
da que caracteriza a Zona da Mata mineira. Brus- onde exata­mente se encontram representadas as mais
camente, entretanto, entra-se em contato com uma diversas formas de relevo da bacia sedimentar de São
larga planície situada a montante de uma resistente Paulo; ali se escalonam níveis topográficos e formas
soleira rochosa, que faz parte de um pequeno maciço de relevo dotadas de feições muito próprias e de uma
residual situado a SE da cidade. Trata-se do único diversificação bastante grande para uma bacia relati-
compartimento de relevo relativamente plano que se vamente restrita, como é o caso da que veio conter a
pode encontrar, desde as raias de Minas Gerais com metrópole bandeirante. Disso resulta que sua estru-
o Estado do Rio de Janeiro, passível de asilar uma tura urbana teve de se adaptar a um sítio urbano de
aglomeração urbana da importância de Juiz de Fora. amplitude altimétrica absoluta relativamente fraca,
Inegavelmente, trata-se de um pequeno quadro mas variada nos detalhes do relevo e no número de
geográfico de exceção, no conjunto do relevo serrano elementos topográficos que comporta.
regional, cuja explicação geomorfológica, aliás, está Do fundo dos principais vales da região (Tie-
ainda a pedir uma interpretação acurada. tê-Pinheiros - 720 m) até as colinas mais elevadas
Por seu turno, Belo Horizonte exemplifica o do espigão divisor (810-830 m) existe uma ampli-
segundo tipo de sítio urbano de grande cidade, que tude de pouco mais de uma centena de metros. En-
pode ser encontrado no Planalto Atlântico. No caso, tretanto, a despeito dessa diferença entre os valores
não se trata de uma simples planície de soleira, mas altimétricos extremos, os maiores desníveis entre as
de todo um nível de erosão local (a “superfície de colinas e os vales que as sulcam raramente vão além
Belo Horizonte”, de Francis Ruellan), desenvolvida de 40 ou 60 metros.
a montante de um bloco maciço de velhas monta- Quem, de avião, deixa o Aeroporto de Con-
nhas rejuvenescidas. A cidade permaneceu embu- gonhas, situado ao Sul da cidade, em demanda do
tida em um compartimento de relevo muito suave,
situado após um dos blocos mais acidentados das
formações proterozoicas de Minas Gerais. O assoa-
lho urbano da moderna capital mineira é constituí-
do, quase exclusivamente, por formações arqueozoi-
cas, rebatidas a um baixo nível de erosão local, que
ficou como que encaixado profundamente no meio
das formações proterozoicas dominantes na porção
centro-sul do Estado.
O terceiro tipo de sítio urbano pode ser en-
contrado em pequenas bacias sedimentares, de ori-
gem fluviolacustre, formadas em fins do Terciário,
em que um sistema de colinas e plataformas in-
terfluviais acaba por construir pequenas unidades
geomórficas, de topografia suave e homogênea. Tais
áreas de exceção do Planalto Atlântico oferecem as
maiores e as mais bem situadas áreas para a localiza-
ção de centros urbanos, no conjunto de terras altas
do país. Por isso mesmo, a bacia do médio Paraíba, O sítio urbano de São Paulo - O Rio Tietê, desen-
pela sua própria forma e extensão, pôde asilar um ro- volvendo-se no sentido Leste-Oeste através de larga
sário de cidades de tamanho razoável, quer em terras várzea, vê-se engrossado por muitos afluentes, os
paulistas, quer no território fluminense. Em condi- mais importantes dos quais são o Tamanduateí e
ções notavelmente semelhantes, duas outras bacias o Pinheiros, que entram pela margem esquerda. É,
sedimentares viram nascer e desenvolver duas me- sobretudo, entre as várzeas do Tietê e do Pinheiros
trópoles estaduais: Curitiba, capital do Paraná, em que se assenta a cidade, em terraços, patamares e coli-
plena fase de crescimento, e a cidade de São Paulo, nas de altitudes variadas, cujo espigão divisor
o mais importante centro urbano de todo o Planalto corresponde à Avenida Paulista e prolonga-se até Vila
Brasileiro. Mariana.

183
norte, tem oportunidade de observar um dos mais uma série de ladeiras, de rampas acentuadas, dota-
característicos elementos do sítio urbano de São das de certo alinhamento e continuidade. Esta face
Paulo: trata-se do que denominamos de Espigão do Espigão Central é pouco festonada e os declives
Central, alongado e estreito divisor de águas entre são rápidos e diretos, desde os altos rebordos até o
as bacias do Tietê e do Pinheiros. Nada mais é do nível tabular suavizado do Jardim Paulista e do Jar-
que uma plataforma interfluvial, disposta em forma dim Europa. Pelo contrário, a face Norte e Nordeste
de uma irregular abóbada ravinada, cujos flancos do espigão (vertente do Tietê) descai através de uma
descaem para NE e SW, em patamares escalonados, série de espigões secundários, separados pelos sulcos
até atingir as vastas calhas aluviais, de fundo achata- bem marcado de pequenos vales paralelos e pouco
do, por onde correm as águas do Tietê e do Pinhei- ramificados. O topo desses espigões secundários é
ros. A Avenida Paulista superpõe-se exatamente ao caracterizado por alternâncias de rampas ligeiramen-
eixo principal desse espigão, enquanto o interminá- te inclinadas e patamares aplainados e escalonados,
vel casario dos bairros residenciais recobre seus dois de extensão variável. O mais extenso e importante
flancos. Nos patamares tabulares médios, constituí- deles corresponde ao nível das colinas do “Triângu-
dos pelas baixas colinas da margem esquerda do Tie- lo” histórico e da Praça da República (740-745 m),
tê, o bloco de quarteirões compactos da área central que é uma réplica exata do nível tabular suavizado
da cidade torna-se, muitas vezes, ainda mais maciço, do Jardim Paulista e do Jardim Europa (740-745 m).
projetando verticalmente a silhueta dos arranha-céus Trata-se de esplanadas tabulares de grande significa-
e dos grandes edifícios. Neste trecho, mais do que ção para o sítio urbano, já que asilam o corpo princi-
em outros, os elementos do relevo encontram-se in- pal do organismo urbano.
teiramente mascarados pelas linhas quebradas e irre- A posição desse nível tabular intermediário,
gulares das grandes construções urbanas. colocado entre as altas colinas e as áreas de planícies
Contraste relativamente sensível existe entre e baixos terraços fluviais (fill terraces) dos dois prin-
as duas vertentes do Espigão Central. Na do Tietê, os cipais cursos de água paulistanos, não deixa dúvidas
flancos do importante divisor apresentam um escalo- quanto à sua natureza genética: constitui um nível
namento e um espaçamento de níveis intermediários de terraceamento antigo, ou seja, um nível de strath
muito mais pronunciados do que na vertente do Pi- terrace do Tietê e do Pinheiros.
nheiros. E fácil perceber-se que, da Avenida Paulista Nas porções enxutas da planície do Tietê, assim
para o Sul e Sudoeste (vertente do Pinheiros), existe como nos terraços aluviais marginais e nas zonas de

Seções geológicas, na porção central da Bacia de São Paulo - Note-se o perfil do espigão central (805-815 m), o
nível intermediário esculpido em seus flancos (745-740 m) e os baixos terraços fluviais com cascalheiros (725-
730 m). Estudos recentes de Viktor Leinz e Ana Maria V. de Carvalho (1957) servem para corrigir e comple-
tar as relações entre o embasamento e os depósitos de São Paulo, ao longo dos perfis aqui traçados, os quais
retratam os conhecimentos geológicos existentes por volta de 1953.
184
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
11

Borda setentrional da Bacia de São Paulo - Note-se a forma bizarra dos altos testemunhos das camadas de
São Paulo, aí expostos. Não há uma terminação em forma de escarpa estrutural; entretanto, aparece uma
espécie de depressão periférica entre os últimos testemunhos e a Serra da Cantareira não representada no
gráfico. Seção traçada por Moraes Rego e Sousa Santos (1938).
transição entre os terraços e os flancos mais suaves denciais coincide com os diversos níveis das colinas,
das colinas terciárias (seguindo, grosso modo, a orien- ao passo que a grande maioria dos bairros industriais
tação EW do Tietê), alinham-se as instalações fer- e operários justapõe-se aos terraços e planícies alu-
roviárias e as áreas industriais principais da cidade. viais do Tietê e alguns de seus afluentes.
As ferrovias seguiram as zonas de transição entre as Ao centro da larga e contínua planície do Tietê,
planícies aluviais e as colinas mais suaves, superpon- secionando indiferentemente meandros abandona-
do-se, muitas vezes, aos principais tratos de terraços dos, diques marginais antigos e ligeiras depressões
fluviais que a região de São Paulo apresenta. Essas alagáveis, destaca-se a silhueta inconfundível do canal
áreas baixas e mal drenadas, que por muito tempo de retificação. Desta forma, esboça-se a recuperação
permaneceram abandonadas, isolando as principais geral do único elemento do relevo regional que ainda
colinas urbanizadas, constituem, hoje, o sítio básico não participara da área urbanizada; e chega a ser im-
do parque industrial paulistano. Nota-se, imediata- pressionante a extensão dos espaços urbanos passíveis
mente, que a maior porcentagem dos bairros resi- de recuperação, nesse trecho de baixadas aluviais.

Perfil da topografia e estrutura geológica da área situada a NE da Bacia de São Paulo. Seção traçada por
Moraes Rego e Sousa Santos (1938). Os topos dos morros baixos, que precedem o Maciço da Cantareira,
correspondem, grosso modo, à superfície de São Paulo.
185
As colinas, os outeiros e morros baixos, que gão Central, constitui tarefa indispensável para a
se alinham não longe da confluência do Tietê com o compreensão dos níveis de altitudes e das formas de
Pinheiros, caracterizam-se por seus perfis abruptos relevo da principal porção do sítio urbano da Ca-
e dessimétricos em relação às baixadas, os terraços pital. Em ambos os flancos daquele espigão divisor
e patamares intermediários escalonados, existentes definem-se patamares escalonados, que descaem até
no ângulo interno da referida confluência. Faltam, os baixos terraços fluviais e planícies de inundação
ali, principalmente, os níveis intermediários que tão dos dois cursos de água que drenam a Bacia de São
bem caracterizam as margens opostas. As encostas Paulo.
dos pequenos outeiros e morros aproximam-se mui- Tomando por base tal critério, poderemos re-
to da planície aluvial, descaindo rapidamente atra- conhecer os seguintes componentes do sítio urbano
vés de perfis convexos, fato que se observa tanto na do trecho principal da metrópole paulista:
vertente do Pinheiros, como na do Tietê. Daí uma
flagrante dessimetria nos perfis transversais dos dois 1. Altas colinas de topo aplainado do Espigão Central
principais vales regionais. - áreas típicas: trechos percorridos pela Rua Do-
Cumpre observar que, a despeito dessa des- mingos de Morais e Avenidas Paulista e Dr. Ar-
simetria generalizada, os níveis dos topos das al- naldo. Altitude média: 805-830 m;
tas colinas e outeiros da margem direita do Tie-
tê e da esquerda do Pinheiros estão em altitudes, 2. Altas colinas dos rebordos dos espigões principais -
grosso modo, equivalentes às do Espigão Central. dentro delas, cumpre distinguir: a) altos esporões
Com efeito, dominam na região altitudes que osci- dos espigões principais (colinas do Sumaré); b) al-
lam entre 770 e 820 m, que correspondem aos tes- tas colinas isoladas ou ligeiramente isoladas em re-
temunhos geomórficos do que poderemos chamar a lação aos rebordos dos espigões principais (colinas
superfície de São Paulo. Tal superfície seciona, indi- da Aclimação). Trata-se das regiões relativamente
ferentemente, formações cristalinas antigas as mais acidentadas, onde se localizam as cabeceiras dos
diversas e camadas sedimentares dos testemunhos e pequenos afluentes da margem esquerda do Tietê e
das indentações locais da Bacia de São Paulo. direita do Pinheiros. Altitudes variando entre 780
e 830 m, com desníveis absolutos de 60 até 110 m,
Os elementos topográficos do sítio urbano de em relação ao talvegue dos rios principais;
São Paulo
3. Patamares e rampas suaves escalonados dos flancos
Para melhor compreensão das característi- do Espigão Central - trata-se de patamares ele-
cas do sítio urbano de São Paulo, nada mais útil vados e relativamente planos, dispostos na forma
do que a discriminação dos elementos topográ- de largos espigões secundários perpendiculares ao
ficos que participam da condição de base das edi- eixo do divisor Tietê-Pinheiros. Tais patamares
ficações urbanas. Um perfil topográfico, orien- descontínuos e decrescentes, esculpidos nas abas
tado de SW para NE, transversalmente ao Espi- do Espigão Central, foram retalhados pela porção

Seções geológicas através dos vales do Tietê e Pinheiros - Nota-se a dessimetria constante observável nos
perfis transversais de ambos os vales. Atualmente, conhece-se bem mais das relações entre o embasamento e
as camadas de São Paulo, devido aos estudos de Viktor Leinz e Ana Maria V. de Carvalho (1957).

186
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
11

várzea. Altitude variando entre 722 e 724 m.

8. Planícies de inundação sujeitas a enchentes


anuais - zona de “banhados” marginais e mean-
dros abandonados, com solos argilosos escuros,
permanentemente encharcados. Altitude variando
entre 718 e 722 metros.

O Espigão Central das colinas paulistanas

O alongado e estreito espigão, de topo aplai-


Cabeceiras do Vale do Pacaembu e sua urbanização nado, que avança de SE para NW, a partir aproxi-
sui generis - O Estádio tem como sítio a porção madamente do centro da Bacia de São Paulo, cons-
superior do vale em forma de mangedoura ali titui a principal plataforma interfluvial do sistema de
existente (Foto da "E.N.F.A", 1950). colinas da região paulistana. Trata-se do mais im-
portante e bem definido dos elementos geomórficos
média e superior dos pequenos afluentes do Tie- do sítio urbano da capital paulista.
tê e Pinheiros. Áreas típicas: patamares e rampas
encontradas a diversas alturas das avenidas radiais
que demandam o Espigão Central, mormente na
vertente do Tietê (Lins de Vasconcelos, Liberda-
de, Brigadeiro Luís Antônio, Consolação, Angéli-
ca, Cardoso de Almeida, Pompeia). Altitude dos
patamares e rampas: 750 a 800 m;

4. Colinas tabulares do nível intermediário - plata-


formas tabulares de grande importância como ele-
mentos do sítio urbano, dispostas de 15 a 25 m aci-
ma do nível dos baixos terraços fluviais e planícies
de inundação do Tietê e do Pinheiros. Esse nível
foi secionado, de trecho em trecho, pelos médios
vales dos principais subafluentes do Tietê e do Pi-
nheiros, restando sob a forma de suaves tabuleiros
e baixas colinas. Áreas típicas: colinas do “Triân-
gulo”, Praça da República, Santa Ifigênia, Campos
Elísios, Jardim Europa, Jardim Paulista, Vila Nova
Conceição, Brooklin, Indianópolis, Santo Amaro,
Belém, Tatuapé. Altitude média muito constante,
variando entre 740 e 745 m.

5. Baixas colinas terraceadas - aparecem contíguas


aos primeiros terraços fluviais mantidos por cas-
calheiros. Áreas típicas: Itaim e Parque São Jorge.
Altitude entre 730 e 735 m.
Topografia das cabeceiras do Vale do Pacaembu
6. Terraços fluviais de baixadas relativamente enxu- - Área onde foi construído o Estádio Municipal
tas - mantidos por cascalheiros e aluviões areno- e onde se desenvolveu uma notável urbanização
sas e argilosas. Áreas típicas: Brás, Pari, Canindé, adaptada às condições do relevo local (Fragmento
Presidente Altino, Maranhão, Jardim América, do Mapa Topográfico do Município de São Paulo, da
Pinheiros, além de trechos de Vila Nova Concei- SARA do Brasil, S.A., 1930).
ção, Itaim, Santo Amaro e Lapa. Altitudes médias
variando entre 724 e 730 m, na calha maior dos O Espigão Central adquire suas formas mais
vales principais. características a partir do Jabaquara, do Aeroporto
de Congonhas e da Vila Mariana, ao Sul da cidade,
7. Planícies de inundação sujeitas a inundações pe- prolongando-se por 13 km na direção de NW, até
riódicas - zonas largas e contínuas, domínio de perder sua linha de continuidade nas colinas do Su-
aluviões argiloarenosas recentes e solos turfosos de maré. Entre Jabaquara e Vila Mariana, numa distân-

187
de de 831 m e encontra-se próximo à Avenida Prof.
Alfonso Bovero, contíguo ao Reservatório de Águas
do Sumaré.
Tem-se evidências de que, até bem pouco
tempo, dentro da cronologia geológica, as colinas do
Sumaré e arredores formavam um dos blocos tabula-
res mais bem definidos de toda a área de colinas da
Bacia de São Paulo. Grandes bancos alternados de
Esporões laterais do Espigão Central, no Bairro do limonita, consolidando lentes de areias e cascalhos
Sumaré - A tabularidade relativa dos interflúvios miúdos, conseguiram manter o edifício estratigráfi-
favoreceu a expansão urbana pelos “altos” (Foto: co das camadas de São Paulo, na região, deixando-o
Ab’Sáber, 1953). a escapo de um rebatimento de nível de caráter ge-
neralizado. Foi devido, exclusivamente, à erosão di-
cia de 5 km, sua direção é rigorosamente S-N. Nos ferencial que as colinas regionais puderam manter-se
limites entre Vila Mariana e Paraíso, o eixo do espi- a um nível tão elevado. Não fora isso, a posição das
gão inicia sua deriva para o ocidente, passando a ter referidas colinas, nas proximidades da confluência
o rumo SE-NW. Cumpre notar que, do Jabaquara do Tietê e do Pinheiros, teria sido razão suficiente
ate à porção central da Avenida Paulista (Parque Si- para um arrasamento mais intenso das colinas regio-
queira Campos), serve ele de divisor de águas entre nais; por outras palavras: o normal teria sido que o
os afluentes da margem direita do Pinheiros e os pe- Espigão Central perdesse altitude do Jabaquara para
quenos e ativos riachos tributários do Tamanduateí o Sumaré, e não em sentido inverso, como acontece
(Ipiranga, Cambuci, Anhangabaú, Saracura Grande na realidade.
e Saracura Pequeno). É somente a partir do Parque Diversas são as formas de rebordos e termi-
Siqueira Campos que o Espigão Central passa a ser, nações laterais, ao longo do Espigão Central. Às
diretamente, o principal divisor entre o Tietê e o Pi- vezes, trata-se de simples rampas suaves, dispostas
nheiros. em patamares escalonados; outras vezes, porém, são
Em quase toda sua extensão, o Espigão Central encontradas formas de relevo mais vigorosas, mor-
apresenta altitudes homogêneas e relativamente cons- mente nas raízes de vales situadas em zonas de maior
tantes. No Jabaquara e no Aeroporto de Congonhas, resistência litológica e estrutural. O retalhamento ex-
onde se apresenta sob a forma de altas colinas tabulares cessivo das abas do Espigão e as diversas modalida-
suavizadas, sua altitude varia entre 790 e 805 m; pos- des do recuo das vertentes principais explicam-nos,
sui, nesse trecho, largas e suaves seções de topo plano suficientemente, essas formas de detalhe do relevo
e rebordos mal definidos, que atingem 200 a 500 m local. Ao estudo das altas e médias colinas formadas
de largura. Na área de transição entre Vila Mariana e à custa da evolução das vertentes do Espigão Central
Paraíso, inicia-se um patamar ligeiramente mais alto, dedicaremos algumas considerações especiais.
cujas altitudes variam entre 815 e 820 m; trata-se do O Espigão Central é essencialmente compos-
pequeno trecho, rigorosamente tabular, que contém to de formações sedimentares da porção superior das
as Praças Guanabara e Osvaldo Cruz, assim como camadas de São Paulo. Em nenhum ponto dos altos
a extremidade Sul da Avenida Paulista. Dali para ou médios rebordos desse espigão foi encontrado um
diante, até a extremidade Norte da Avenida Paulis- afloramento de rochas do embasamento cristalino.
ta, o Espigão Central torna-se bastante homogêneo É de se supor, mesmo, dada sua posição na Bacia de
e retilíneo, passando a ter de 100 a 300 m de largura, São Paulo, represente ele um dos mais importantes
em sua porção plana superior, e mantendo-se na al- pacotes de sedimentos remanescentes do ciclo de se-
titude media de 815-820 m. dimentação pliocênico que afetou a região paulista-
No Sumaré, os estrangulamentos na pla- na. Nada há que autorize pensar seja o Espigão Cen-
na cumeada do Espigão Central passam a ser mais tral um acidente, grosso modo, coincidente com o eixo
frequentes. Nesse trecho, ao mesmo tempo que ex- da Bacia de São Paulo; todavia, pode-se dizer, com
cepcionalmente o Espigão se eleva de alguns me- segurança, que se encontra ele num dos eixos onde
tros (820-830 m), perde sua linha de continuidade, a bacia sedimentar possuía maior espessura média e
desfazendo-se em altas colinas de topo ondulado, maior continuidade de distribuição espacial.
apenas interligadas por colos e suaves passagens. Embora se notem diferenças sedimentológi-
Lateralmente, em todas as direções, rupturas de de- cas, que variam tanto no sentido vertical como no
clive bruscas e bem marcadas separam o nível ondu- horizontal, ao longo do Espigão Central, torna-se
lado superior dos profundos sulcos realizados pelos possível observar, em algumas de suas seções, uma
afluentes do Tietê e do Pinheiros. O ponto mais ele- alternância de camadas concordantes horizontais
vado dessa região, que é também a cota mais alta de bem maior do que a estratificação dominante nos
todo o sítio urbano de São Paulo, possui uma altitu- patamares baixos e nos testemunhos das bordas se-

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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tentrionais e ocidentais da bacia. Os afloramentos “argila vermelha porosa”*.


dos rebordos do Espigão Central, nas cabeceiras do No que diz respeito às relações entre o orga-
Rio Saracura Grande, assim como os testemunhos nismo urbano e o Espigão Central, cumpre lembrar
das sondagens realizadas pelo Instituto de Pesqui- que nada menos do que cinco extensas avenidas da
sas Tecnológicas, na área onde foram construídos os Capital se aproveitaram das altas e estreitas espla-
túneis da Avenida Nove de Julho, revelam uma es- nadas suaves nele existentes. Realmente, ao longo
tratificação concordante e uma sucessão de camadas dos 13 km de extensão do Espigão Central, existem
alternadas de argilas rijas e duras, entremeadas de largas e importantes vias públicas que, em alguns
camadas de areias finas e médias. À altura da área trechos, chegam a ser praticamente planas e relati-
de transição entre o Paraíso e a Aclimação, as cama- vamente retas, graças à tabularidade fundamental do
das de areias finas e médias aumentam considera- relevo: o trecho Sul-Norte asila a Avenida Jabaquara
velmente de espessura, dominando sobre as argilas. (790-800 m) e a Avenida Domingos de Morais (790-
Por outro lado, as crostas limoníticas são mais abun- 815 m), enquanto que o trecho Sudeste-Noroeste
dantes em diversos níveis de altitude, forçando o en- contém, primeiramente, a Avenida Paulista (815-
caixamento dos vales regionais. No extremo Sul do 820 m) e, depois, as Avenidas Dr. Arnaldo e a parte
Espigão Central, voltam a dominar os sedimentos inicial da Prof. Alfonso Bovero (820-830 m). Resta
finos, sobretudo argilosos e variegados. dizer, ainda, que uma série de antigos caminhos e
Anomalias bastante grandes na composição estradas, hoje transformados em ruas ou arruamen-
dos sedimentos são observadas nas altas colinas do tos mais ou menos sinuosos, seguem o traçado das
Sumaré. Tanto em seu topo como nos flancos mé- cumeadas das altas colinas do Sumaré e arredores.
dios dos esporões abruptos da região notam-se gros- Por outro lado, todas as radiais provenientes da área
sas camadas de areias mal consolidadas, de cor creme,
interpenetradas por irregulares crostas limoníticas.
Nos flancos médios, tais crostas são mais regulares e
extremamente espessas e duras, servindo de cimento
ferruginoso para camadas de areias e arenitos con-
glomeráticos. Os entrevãos entre os flancos médios
e os topos são constituídos, geralmente, por camadas
alternadas de areias e argilas variegadas, o mesmo
acontecendo com os sedimentos encontrados até a
linha dos talvegues.
É muito frequente encontrar-se, nos topos do
Espigão Central e nos seus rebordos mais suaves,
uma zona de oxidação superficial pronunciada, que Topografia das altas colinas do Sumaré e Alto da
cria solos argiloarenosos finos de cor vermelha muito Lapa (780-820 m), na extremidade ocidental do
carregada. Trata-se de uma alteração local e super- Espigão Central (Foto: Ab’Sáber, 1952).
ficial dos próprios estratos terciários, e não de um
horizonte diverso, como poderia parecer. O com-
portamento dessas camadas superficiais, sob o ponto central da cidade são obrigadas a transpor dificulto-
de vista da mecânica dos solos, é bem diferente em samente o Espigão Central e as irregularidades de
relação aos sedimentos não alterados, o que levou suas vertentes.
os técnicos do I.P.T. a fazer uma distinção especial As altas colinas desse importante divisor, de-
para tal horizonte, por eles denominado de zona de vido ao seu relativo isolamento em relação às áreas
industriais e comerciais da metrópole e em função
do seu microclima apreciado, a par da circunstância
de encontrarem-se a uma distância relativamente pe-
quena do centro da cidade, tiveram seu destino liga-
do quase exclusivamente à ocupação residencial; daí
os inúmeros bairros residenciais, finos e médios, ali
desenvolvidos. Somente as suas extremidades mais
distantes possuem áreas de bairros em formação ou
núcleos remanescentes de um povoamento desorde-
Altas colinas situadas na extremidade ocidental do nado e modesto. A tendência geral, todavia, é para
Espigão Central, ao sul do Sumaré - O loteamento
mal executado comprometeu o equilíbrio entre o * Pichler, Ernesto. Estudo Regional dos Solos de São
escoamento superficial e a inclinação das vertentes, Paulo, em “Revista Politécnica”, ano 46°, n° 156, fevereiro de
facilitando o ravinamento (Foto: Ab’Sáber, 1953). 1950, p. 913, São Paulo.

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uma rápida incorporação dos mesmos ao grande e sa avenida é excepcional, pois desemboca no Vale do
denso conjunto de bairros residenciais dessa impor- Anhangabaú, exatamente ao centro das duas colinas
tante área urbana. Convém assinalar que a mais im- tabulares em que se assentam os dois núcleos da área
portante e aristocrática área residencial da cidade de central da cidade. Traçado e importância análogos
São Paulo, nos primeiros 30 anos do século atual, terá a Avenida Anhangabaú, pois deverá remontar o
correspondeu a uma das parcelas mais individualiza- Vale do Anhangabaú (ex-Itororó) até suas cabecei-
das do Espigão Central: a Avenida Paulista. ras, no Paraíso, perfurando ali o Espigão Central por
A porção ocupada por essa avenida dista apenas meio de outros tantos túneis.
de 2 a 3 km do centro da cidade. Por outro lado, um Outra solução, muito comum nas áreas de
feixe de pequenos espigões secundários demanda as loteamento moderno, situadas em colinas de re-
duas colinas tabulares que contém o centro da cida- levo movimentado, é o traçado de ruas em forma
de, concentrando-se em pleno coração da metrópole de anfiteatro ou ferradura; em geral, trata-se de
sob a forma de um cabo de leque. De tal fato resulta arruamentos adaptados à forma da base das vertentes
que os bairros situados nas abas do Espigão Central, situadas entre dois esporões de altas colinas.
na vertente do Tietê, dispõem de fácil acesso à área Tais exemplos são suficientes para demons-
central, graças às radiais que seguiram o eixo dos es- trar as complicações advindas da existência de rele-
porões secundários. Em compensação, os bairros lo- vos acentuados nas colinas dos flancos do Espigão
calizados ao Sul da Avenida Paulista, desenvolvidos Central. A estrutura dos arruamentos tem procurado
nos últimos 30 anos, ficam um tanto isolados pela ajustar-se às imposições do relevo, quer se trate das
própria presença do alto e contínuo espigão divisor. altas esplanadas do topo dos esporões, das colinas
As radiais pioneiras estenderam-se até às proximida- semi-isoladas, dos paredões abruptos dos esporões
des da planície do Pinheiros; entretanto, nem por isso, estreitos e salientes, ou das cabeceiras dos vales res-
conseguem dar vazão rápida ao tráfego de veículos ponsáveis pelo retalhamento dos rebordos do Espi-
provenientes do centro da cidade. Daí terem sido gão Central.
procuradas outras soluções para os problemas de cir-
culação interna entre os bairros e os núcleos das duas As altas colinas dos rebordos do Espigão Central
vertentes: ao invés de aproveitarem os espigões se-
cundários, utilizaram a calha dos afluentes do Tietê A erosão das vertentes nos altos rebordos do
e do Pinheiros; e avenidas de fundo de vales passa- Espigão Central criou uma série de pequenos aci-
ram a auxiliar o tráfego, que anteriormente estivera dentes de relevo devidos ao festonamento excessivo
ligado exclusivamente aos espigões. das encostas superiores. Tal fato é particularmente
A Avenida Nove de Julho constitui um primei- notável nas áreas onde existem camadas resistentes
ro tipo de solução, dentro desse critério: remonta ela de arenito (crostas limoníticas), uma vez que, nelas,
o vale do Saracura Grande até as proximidades de as minúsculas e bem marcadas bacias de recepção de
suas cabeceiras, sendo, em seguida, complementada águas dos afluentes do Tietê conseguiram retalhar
por dois extensos túneis, que perfuram a base do Es- os rebordos do espigão, esculpindo diversos tipos de
pigão Central à altura do Parque Siqueira Campos, esporões laterais e altas colinas, em processo inicial
para alcançar a vertente do Pinheiros. A posição des- de isolamento em relação aos estreitos esporões que
as vinculam ao divisor principal.
As colinas do Sumaré e arredores,
pelo retalhamento fluvial tão pronunciado
a que foram submetidas e pelo rebatimen-
to pequeno de suas cumeadas (820-830 m),
constituem exemplos dos mais expressivos
dessas formas de relevo. O Espigão Central
ali se desfaz em pequenos espigões secundá-
rios, de topo plano ou ondulado, com rebor-
dos e encostas abruptas. Na paisagem, tais
esporões estreitos e desordenados, assim
como uma série de ligeiras “garupas” e altos
patamares de encostas, ficam postados a cava-
leiro dos níveis intermediários, localmente es-
treitados, existentes entre o Espigão Central e
Topografia dos flancos do Espigão Central, no local onde foi o fundo do Vale do Tietê. A maior resistência
construído posteriormente o túnel da Avenida Nove de Julho das camadas sedimentares à erosão explica o
(fragmento do Mapa Topográfico do Município de São Paulo, da domínio do entalhamento vertical sobre o la-
SARA do Brasil, S.A., 1930). teral, na evolução das vertentes locais.

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
11

do Espigão Central é explicada pela associação das


forças erosivas, a saber: 1. ravinamento pelos lençóis
de água de escoamento concentrado; 2. entalhamen-
to fluvial remontante das pequeninas e múltiplas ba-
cias de recepção de águas; 3. estímulo das sucessivas
retomadas de erosão cíclicas, peculiares ao conjunto
do entalhamento fluvial regional.
Convém lembrar que os esporões e altas coli-
nas semi-isoladas dos rebordos do Espigão Central
sempre apresentaram sérios problemas à estrutura
Paisagem urbana das altas vertentes do Vale do dos bairros. Constituindo formas de relevo vigorosas
Pacaembu - Note-se a adaptação da estrutura e movimentadas, no quadro geral das colinas paulis-
urbana ao relevo (Foto: Ab’Sáber, 1952). tanas, tais áreas foram motivo de grande dificuldade
para a ocupação urbana e fator de descontinuidade
no processo de expansão dos bairros. Apenas os pa-
O morro da Aclimação corresponde a um an- tamares tabulares das altas esplanadas dos esporões
tigo esporão do Espigão Central, em fase inicial de mais próximos da área central da cidade viram-se
isolamento, graças à dissecação ativa provocada pelas incorporados à área efetivamente urbanizada. Os
bacias de recepção de águas dos vales de dois peque- sulcos profundos das ravinas e dos pequenos vales,
nos cursos de água: o Aclimação e o Cambuci. Ali, responsáveis pelo festonamento dos esporões, resta-
como em algumas áreas do Sumaré, as cabeceiras dos ram como espaços desocupados e terrenos baldios,
pequenos córregos regionais entalham uma área de como se fossem verdadeiras “clareiras”, de fundos de
arenitos e argilas, entremeados por potentes crostas quintais e vegetação secundária, no meio do casario
limoníticas. O entalhamento lateral perde projeção, compacto da metrópole.
mais uma vez, em face do entalhamento vertical. Nos derradeiros vinte anos, tais áreas aciden-
Torna-se necessário assinalar que, na verten- tadas, principalmente as que se acham mais próximo
te do Pinheiros, muito embora existam colinas em do Centro, vêm sendo recuperadas, através de uma
vias de isolamento próximo de antigos esporões urbanização caprichosa e moderna. Enquanto a por-
contínuos, não se observa um festonamento tão pro- ção média dos vales favoreceu o traçado de sinuosas
nunciado dos altos rebordos do Espigão Central. As avenidas asfaltadas e arborizadas, as ladeiras das ver-
bacias de captação de águas, engastadas nos flancos tentes e, até mesmo, os abruptos dos altos esporões
superiores do divisor, são muito menos ramificadas. foram urbanizados, por meio de alamedas e ruas de
Os afluentes do Tietê foram mais ativos no enta- traçado elíptico ou circular, que acompanham, grosso
lhamento vertical do que no entalhamento lateral, modo, as curvas de nível das encostas. As altas colinas
ao passo que os afluentes do Pinheiros esculpiram do Vale do Pacaembu exemplificam bem esse tipo de
formas mais homogêneas, conseguindo equilibrar adaptação local da estrutura urbana a um caso par-
o entalhamento dos talvegues com os processos de ticular de forma de relevo; e o sucesso dessa solução
alargamento das vertentes dos espigões secundários. deu margem a uma proliferação do mesmo estilo de
Cumpre notar que a capacidade de erosão regressi- urbanização para outras áreas de colinas similares, na
va dos afluentes do Tietê (tais como o Anhangabaú, região paulistana.
o Saracura, o Pacaembu e o Água Branca) é muito Nos pontos de concentração da drenagem,
maior do que a potência de expansão remontante das situados nas áreas de transição entre as bacias de
pequeninas redes hidrográficas dos afluentes do Pi- captação de águas e os primeiros trechos dos ca-
nheiros. nais de escoamento (onde, outrora, existiam, fre-
Só excepcionalmente restaram ligeiros espo- quentemente, lagoas ou “tanques”, devidos a bar-
rões ou altas colinas semi-isoladas nos flancos do ragens artificiais), existem hoje largas praças circu-
Espigão Central. Constituem exceções, que se ex- lares, que facilitam o escoamento do tráfego, além
plicam pela maior resistência das rochas, as colinas de outros elementos particulares de urbanização
onduladas e os espigões secundários, de rampa sua- e aproveitamento de espaços. O Estádio Munici-
ve, existentes entre Cerqueira César e a extremidade pal do Pacaembu constitui um dos elementos da ci-
WNW do divisor Tietê-Pinheiros. Algumas crostas dade cujo sítio foi habilmente aproveitado pelos
limoníticas, alternadas com camadas de areias e argi- urbanistas paulistas; encontra-se ele alojado num
las, existentes no topo das suaves elevações regionais, desvão das cabeceiras de modesto córrego existente
explicam suficientemente o porquê da permanência entre as altas colinas e esporões da Consolação e do
dessas formas do relevo local. Araçá; sua forma em U possibilitou o aproveitamen-
Sob o ponto de vista rigorosamente genético, to das vertentes elevadas, que passaram a servir de
a variedade das formas de detalhe dos altos rebordos arrimo natural para a construção das arquibancadas.

191
xos níveis intermediários, a despeito das sucessivas
Os patamares e rampas suaves dos espigões retomadas de erosão que se fizeram sentir. O alar-
secundários vinculados ao Espigão Central gamento dos patamares culmina no nível tabular de
740-745 m, que vai merecer, de nossa parte, uma
As plataformas interfluviais secundárias, escul- atenção especial.
pidas a partir dos altos rebordos e esporões do Es- Os patamares escalonados paralelos aos flancos
pigão Central, descaem para os vales principais da do Espigão Central, na vertente do Tietê, possuem
região de São Paulo, através de uma série de patama- de 200 a 400 m de extensão lateral, em média, sendo
res relativamente planos e rampas de declive ligei- interrompidos de espaço a espaço pelas cabeceiras
ro. Alternam-se, desta forma, ao longo dos espigões dos vales recentes, que os secionaram. Identicamen-
secundários que se vinculam ao Espigão Central, te, a extensão no sentido do eixo dos espigões secun-
plataformas planas descontínuas e diversos degraus dários varia de 200 a 400-500 m, com interrupções,
de ruptura de declive. Trata-se de altos níveis in- por meio de degraus e rampas de rupturas de declive
termediários, nem sempre bem definidos e, por essa não muito acentuadas.
razão mesma, de difícil discriminação geomorfoló- Quem observa as abas do Espigão Central, na
gica. Embora não muito típicos, podem ser conside- vertente do Tietê, através do perfil do leito das ruas
rados como formas de relevo aparentadas aos strath paralelas à Avenida Paulista, percebe bem tal proble-
terraces. ma. Ao passo que a citada avenida foi construída em
Entre as cotas de 750 e 800 m, existem dois um plano quase absoluto, as ruas que lhe são parale-
ou três níveis desse tipo, mormente na vertente do las possuem um perfil bastante ondulado. Não é só:
Tietê, numa área contígua à parte central da cidade. pode-se notar que, em certos pontos, as ruas paralelas
Na vertente do Pinheiros, tais acidentes são muito perdem sua continuidade, em virtude da interrupção
menos característicos, restringindo-se a altos “om- ocasionada pelos sulcos profundos das cabeceiras dos
bros” de erosão ou a esporões intermediários mal vales do Anhangabaú, Saracura e Pacaembu. Outras
definidos. estruturas de quarteirões e arruamentos, no passado
O fato de não haver correspondência exata en- e no presente, apareceram em tais áreas.
tre os dois flancos do Espigão Central, no que se Na vertente do Pinheiros, as ruas paralelas à
refere aos níveis desses altos patamares planos, cria Avenida Paulista, salvo poucas exceções, são mais
uma dessimetria geral no perfil das duas vertentes. contínuas e possuem um perfil menos acidentado.
Enquanto, na vertente do Tietê, os patamares es- Desde fins do século XIX e primeiro quartel
calonados possuem uma extensão e um espaçamen- do século atual, os patamares e rampas escalonados
to razoáveis entre si, na vertente do Pinheiros tais das abas do Espigão Central, na vertente do Tie-
acidentes ficam reduzidos a suaves irregularidades tê, tiveram grande importância como elementos
das ladeiras. As razões dessa dessimetria são, prova- preferidos para a localização de bairros residenciais.
velmente, as mesmas que explicam a inexistência de Acompanhando o eixo das radiais que demandaram
esporões festonados ao longo dos altos rebordos do o Espigão Central, através dos espigões secundários,
Espigão Central, na vertente do Pinheiros. multiplicaram-se os bairros dessa categoria: Liber-
Na vertente do Tietê, onde os níveis dos altos dade, Bela Vista, Consolação, Higienópolis, Perdi-
patamares são mais bem definidos, o retalhamento zes etc.
fluvial recente foi mais pronunciado. Os vales dos pe-
quenos afluentes do Tietê e Pinheiros encaixaram-se As colinas tabulares do nível intermediário
de maneira contínua, estimulados pelos frequentes principal
abaixamentos cíclicos dos níveis de base regionais,
criando sulcos bem marcados, paralelos e perpendi- O nível intermediário mais bem definido e mais
culares ao eixo do divisor Tietê-Pinheiros. constante, existente no quadro de relevo do sítio ur-
Um fato importante a salientar é que os pata- bano de São Paulo, é o de 740-745m. Aparece tanto
mares escalonados dos flancos do Espigão Central na vertente do Tietê como na do Pinheiros, dife-
são tanto mais extensos e mais espaçados quanto rindo apenas no que concerne a detalhes esculturais.
mais baixos e próximos da calha dos vales principais; Trata-se de largas colinas e patamares de colinas, de
isto se dá porque o médio vale dos afluentes cor- dorso tabular ou ondulado, dissecadas por uma rede
responde a uma área de concentração de drenagem não muito densa de pequenos afluentes paralelos
que se comporta como simples “canal de escoamen- dos rios principais. O nível geral dessas colinas gira
to” para as inúmeras “bacias de recepção” de águas em torno de 735-750 m e corresponde ao da Praça
dendríticas, encaixadas profundamente nos altos re- da República, do “Triângulo”, do Jardim América, do
bordos do Espigão Central. Sendo menos densa a Jardim Europa, da Vila Nova Conceição e ao de Santo
drenagem que atravessa os patamares mais baixos, Amaro. O termo médio das altitudes dominantes é a
devido à gradual concentração da rede hidrográfi- cota de 745 m.
ca, foi também muito menor a dissecação dos bai- Quem primeiro atinou com a identidade alti-

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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métrica existente nas duas áreas de colinas dos flan- vras: não é ele apenas um nível ligeiramente inscrito
cos do Espigão Central parece haver sido o historia- e mal definido nas abas do Espigão Central; muito
dor Afonso A. de Freitas. A título de documentação, pelo contrário, é um legítimo nível de terraceamento
aqui transcrevemos as observações de sua lavra, sobre extensivo a uma boa porção do alto vale do Tietê.
o assunto: Não se conferiu, ainda, às colinas de 740-745
Não deixa de ser interessante o confronto das m o título de terraços fluviais apenas por uma razão:
altitudes das vias públicas da Bacia do Pinhei- na fase atual, após intenso retalhamento, as colinas
ros com as do planalto [sic] e, se o fizermos, en- do referido nível foram incorporadas maciçamente à
contraremos, na Rua Groenlândia, esquina das topografia geral das colinas pliocênicas, tendo sido
Ruas México e Venezuela; Rua México, esquina removidos quase todos os testemunhos sedimentá-
da Costa Rica; Rua Canadá, esquina da Aveni- rios dos terraços antigos. Trata-se de verdadeiros
da Brasil; Rua Colômbia, esquina da Peru; Rua “assoalhos” de terraços antigos, desnudados comple-
Panamá, esquina da Peru etc., todas do bairro tamente de seus depósitos aluviais primitivos e re-
Jardim América, à altitude de 740 metros, igual modelados ativamente pelos epiciclos erosivos mais
à do Largo de São Bento e aproximada à da Rua recentes. Na nomenclatura geomorfológica norte-
Conceição, esquina da Washington Luís (740- americana, de caráter extremamente prático, tais
117); da Rua General Osório, esquina da Santa formas de relevo ligadas geneticamente a processos
Ifigênia (740-267) etc.; ainda no Jardim Améri- de terraceamento antigos, não mais documentados
ca, encontramos a Rua Colômbia, na esquina da por capeamentos aluviais, receberiam a designação
Rua Honduras; a Avenida Estados Unidos, em de strath terraces.
seu encontro com a Rua Argentina; e as Ruas A gênese desse nível intermediário (strath terrace
Antilhas e Uruguai, na altitude de 745 metros, de 740-745 m) das colinas paulistanas deve estar li-
correspondente à altitude da rua 15 de Novem- gada a uma longa parada de erosão, que redundou no
bro, esquina da Rua do Tesouro (745-257) e estabelecimento de vastas calhas fluviais, próximas
superior às do Largo do Paissandu, que acusa da área de confluência do Tietê e do Pinheiros. Tais
em sua parte mais elevada a de 742-847; da Rua planícies de soleira antigas, recobertas possivelmente
Aurora, entre as Ruas Conselheiro Nébias e por aluviões finas, foram posteriormente sujeitas a
Triunfo, que varia de 744-827 e 740-317 m, e um rejuvenescimento rápido, que rebateu os talve-
também à do Largo dos Guaianases, que acusa a gues para 2.030 m abaixo do nível anterior. Durante
de 743-857 m na esquina da Rua General Ron- o reentalhamento, os rios Tietê e Pinheiros, na forma
don e a de 744-487 na da Duque de Caxias.* de um leque que se abre tendencialmente, sofreram
uma deriva gradual para os lados externos do ângulo
Trata-se, evidentemente, de uma identificação geral de confluência. Tal fato teria ocasionado, por
altimétrica cuidadosa e pioneira. Apenas faltou uma sua vez, obrigatoriamente, o aumento dos espaços
tentativa de explicação sobre a gênese possível dos planos e contínuos nos lados internos daquele ân-
dois níveis de colinas, o que apresentamos no pre- gulo, ao mesmo tempo que criava uma dessimetria
sente capítulo. generalizada nas calhas dos dois vales. A deriva para
É fácil observar-se que, no conjunto da região de os lados externos do ângulo de confluência, por ou-
São Paulo, as colinas intermediárias de 740-745 m tro lado, ocasionou uma ligeira extensão para o curso
constituem um nível de terraceamento antigo, ligado dos pequenos rios e córregos procedentes dos espi-
à calha-eixo dos vales do Tietê e do Pinheiros. Daí gões divisores em direção ao Tietê e ao Pinheiros.
a curiosa disposição das colinas tabulares suavizadas Até hoje, a drenagem regional reflete esse fato: os
desse nível, nas abas inferiores da plataforma interflu- afluentes da margem esquerda do Tietê possuem
vial Tietê-Pinheiros. Ao passo que os altos patamares uma linha de concentração de canais de escoamento
foram excessivamente retalhados, rebatidos e masca- secundários, mais ou menos à altura dos pontos em
rados pelas sucessivas interferências das retomadas que se iniciam as colinas tabulares do nível de 740-
de erosão cíclicas, o nível de 740-745 m, por ser um 745; por outro lado, existem córregos mais curtos
dos mais recentes e, ao mesmo tempo, um dos mais e mais recentes, possuidores de vales menos encai-
extensos, ficou mais bem definido e conservado no xados, que nascem nos sopés das encostas médias e
mosaico dos níveis que secionam o quadro geral das tem como área geográfica exclusiva, apenas, a dos
colinas paulistanas. Por outro lado, é uma superfície de terrenos pertencentes ao nível tabular - como é o
terraceamento, marcadamente tabular, que interessa a caso do antigo ribeirão de Vila Buarque, cujas cabe-
quase toda a Bacia de São Paulo, dada sua generali- ceiras se encontravam à altura da colina sobre a qual
zação ao longo dos vales principais. Em outras pala- foi construída a igreja matriz da Consolação.
A retomada de erosão posterior à forma-
* Freitas, Afonso A. de. Dicionário Histórico, To- ção do nível tabular, aliada à ação de deriva lateral
pográfico, Etnográfico ilustrado do Município de São Paulo, dos talvegues principais e à superimposição força-
Gráfica Paulista, tomo I, pág. 111, São Paulo, 1929. da dos subafluentes “estendidos”, foi a responsável
193
Seção geológica da Penha às colinas centrais da cidade de São Paulo - Observem-se o nível das colinas tabu-
lares (745-750 m), os baixos terraços (725-728 m) e as planícies aluviais. Há muito o que completar, ainda, ao
longo desse corte, no que diz respeito às relações entre a topografia do embasamento.
pela gênese da topografia atual da área central da ta forma, juvenis (como os do Anhangabaú, do
cidade. Daí encontrar-se, num trecho relativamen- Tatuapé, do Pacaembu etc.).
te próximo da calha do Tietê, um nível de colinas Cumpre recordar que, muito embora o nível ta-
tabulares, de topografia bem marcada, sulcado por bular de 740-743 m esteja representado em ambas as
vales de perfis transversais acentuados e, de cer- vertentes do Espigão Central, é indiscutível que, na

Seção geológica de uma das porções centrais da Bacia de São Paulo, elaborada por Milton Vargas (1951) - O
corte aqui reproduzido sumaria os conhecimentos obtidos pelos técnicos do I. P. T. a respeito do subsolo da
região de São Paulo, até o ano de 1950, aproximadamente.
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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
11

vertente do Tietê, é ele mais nítido e bem caracteriza- tes nos dois principais núcleos do nível tabular de
do. Ligeiras diferenças de estrutura e litologia, exis- 740-745 m ligam-se à presença ou não de depósitos
tentes nas duas áreas consideradas, além de outras aluviais recentes, sotopostos aos terrenos terciários.
desigualdades relacionadas com a potência de erosão Na vertente do Pinheiros, certas áreas de concentra-
dos pequenos subafluentes que descem das abas do ção de minúsculos cursos, que desciam das abas do
Espigão Central, explicam suficientemente tais de- Espigão Central, favoreceram a deposição de casca-
talhes morfológicos. lheiros, aluviões argiloarenosas e solos turfosos de
De modo geral, as maiores diferenças existen- várzea no dorso das próprias colinas tabulares. No

195
Jardim Europa, tal fato é bastante comum e muito Os conhecimentos a respeito da estrutura e da
conhecido dos construtores que ali operam; uma es- sequência de estratos das colinas do nível tabular de
pessa camada de argila escura turfosa recobre quase 740-745 m são satisfatórios apenas no que se refere
toda a superfície da região, acobertando indiferen- às colinas da área central da cidade. Inúmeras foram as
temente terrenos terciários e depósitos de cascalhos sondagens realizadas pelo I.P.T. e por organizações
dos terraços fluviais pleistocênicos dos subafluentes particulares, na região tabular das colinas que se es-
do Pinheiros. Tal fato, porém, é uma anomalia de- tendem desde a margem esquerda do Tamanduateí
terminada pela dificuldade de escoamento no nível até a margem direita do Pacaembu. Trata-se de uma
tabular e pela excessiva concentração de canais em área que cobre e ultrapassa a área dos dois núcleos do
certos pontos do referido nível. Nas colinas tabula- Centro da cidade. Foram as exigências de ordem téc-
res suavizadas de Vila Paulista, Vila Nova Conceição, nica, derivadas da construção de arranha-céus, que
Indianópolis e Santo Amaro, o nível tabular torna-se possibilitaram um conhecimento razoável do subsolo
bem evidente, separando-se nitidamente dos terraços regional.
fluviais dos subafluentes do Pinheiros, assim como Os perfis das sondagens e as seções geológicas
do nível das planícies de inundação principais. minuciosas, elaborados pelos técnicos do I.P.T., na
Preocupou-nos, sobremaneira, estudar as base de sondagens selecionadas*, revelam-nos grande
principais relações existentes entre o nível tabu- variedade de estratos e diferenciação de fácies, quer
lar de 740-745 m (nível do strath terrace) e o nível em relação aos perfis transversais, como no referente
dos terraços fluviais típicos (fill terraces), nos prin- à distribuição espacial dos sedimentos. Alternam-se
cipais vales da região de São Paulo. Em quase to- camadas de areia, argilas e siltes, de diferentes es-
das as áreas pesquisadas, salientou-se sempre o pessuras e marcada descontinuidade horizontal. Por
fato de os depósitos de terraços estarem como que outro lado, as areias incluem leitos de argilas e os de-
embutidos nos desvãos dos taludes das colinas pósitos argilosos incluem leitos de areia, o que faz
intermediárias, através de uma separação bastante ní- suspeitar a dominância local de fácies fluviolacustres
tida, na maioria das vezes. Na vertente do Tietê, as sobre os fácies lacustres ou fluviais puros. Entre as
colinas tabulares do nível de 740-745 m encontram- cotas de 720 e 730 m, as camadas de argilas redu-
se elevadas de 15-25 m acima dos terraços fluviais zem-se em espessura, de acordo com a profundidade,
e planícies de inundação. Na vertente do Pinheiros, perdendo definitivamente continuidade e transfor-
os depósitos de terraços dos subafluentes transgre- mando-se em simples lentes, na massa espessa de
diram em rampa suave pelas largas calhas secundá- sedimentos arenosos que passam a dominar.
rias, atingindo níveis excepcionais e anômalos, pois Trata-se de uma estratificação muito mais va-
são encontrados até à cota de 740 m. Esse verda- riada que a dominante dois quilômetros para o Sul,
deiro afogamento das calhas dos subafluentes, pelos no Espigão Central, à altura do túnel da Avenida
depósitos de cascalhos pleistocênicos, deu origem a Nove de Julho, conforme foi observado pelo Enge-
ondulações suavíssimas, através de uma área de al- nheiro Milton Vargas, do I.P.T. Tal variedade, mor-
guns quilômetros quadrados. Realmente, à altura da mente na colina do “Triângulo” tradicional, é muito
Avenida Brasil, as colinas tabulares suavizadas do grande, acarretando sérios problemas em relação às
nível de 740-745 m deixam de apresentar qualquer fundações dos grandes edifícios ali concentrados.
retalhamento análogo ao da vertente do Tietê, para As perfurações e sondagens feitas em centenas
se comportarem como um segundo nível de baixadas de pontos, ao longo do nível tabular de 740-745 m,
sobrelevadas, extensivamente capeadas por solos tur- constituem um excelente documentário sobre as se-
fosos de várzeas recentes. O embasamento pliocêni- quências estratigráficas e as posições altimétricas do
co, que sustenta os depósitos quaternários, só muito embasamento de rochas antigas, que serve de assoa-
raramente pode ser observado. Todavia, condições lho para as camadas de São Paulo, nessa área da ba-
bem diferentes são observadas à altura de Vila Pau- cia. Rochas graníticas e gnáissicas do embasamento
lista e Vila Nova Conceição: ali, como ao longo das cristalino, alteradas por decomposição recente e pro-
colinas da Estrada Velha de Santo Amaro, voltam funda, foram encontradas a diversos níveis na região
a se definir as colinas tabulares suavizadas do nível e, até mesmo, à flor da terra (como pudemos observar
de 740-745 m, retalhadas de espaço a espaço (500 em afloramentos à Avenida Angélica, entre a Praça
a 1.000 m) por pequenos vales, apresentando-se os Marechal Deodoro e a Alameda Barros, a 740 m).
depósitos de cascalhos e aluviões pleistocênicos ape- O termo médio das profundidades onde se encontra
nas reduzidos a estreitas línguas, que acompanham o assoalho pode ser calculado em torno das cotas de
os vales em certos trechos. 680-710 m, aproximadamente, tudo indicando que a
* Vargas, Milton C e Bernardo, G. “Nota para o estudo
regional do solo do centro da cidade de São Paulo”, em
Revista Politécnica, n° 149, outubro de 1945, São Paulo.

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
11

topografia pré-pliocênica fosse bastante acidentada e ras de bairros têm sido experimentados, sem maiores
irregular, no local. Lembramos, ainda, que as plata- complicações impostas pelo relevo. As variações e as
formas planas do nível tabular, tais como as do setor preferências têm variado ao sabor das diversas e su-
mais recente da área central da cidade (Praça da Re- cessivas vagas de estilos dominantes, em cada época.
pública, Rua Barão de Itapetininga, Avenida Ipiran- No primeiro arruamento de bairros planeja-
ga, Avenida São João), escondem e fossilizam uma dos (como é o caso de Campos Elísios), dominou
topografia pré-terciária extremamente movimentada o reticulado clássico dos quarteirões, cujas ruas se
nos detalhes do relevo. cortam em ângulo reto. Uma enorme diferença dis-
Todas essas constatações, além de nos sugerir tingue essa solução pioneira das realizações poste-
ideias de caráter geomorfológico e paleogeográfico riores, levadas a efeito nas áreas em que aparecem
sobre a região de São Paulo, servem para mostrar, os “bairros-jardins”: Jardim América, Jardim Paulis-
claramente, ainda uma vez, o papel desempenhado ta, Jardim Europa, Vila Paulista etc., onde passou a
pelas camadas de São Paulo (particularmente as que dominar, extensivamente, o sistema de alamedas e
formam o nível tabular) na criação de espaços propí- ruas recurvas, de estrutura inorgânica e labiríntica,
cios à urbanização, nesse recanto do Planalto Atlân- pontilhada de espaços ajardinados. De modo geral,
tico. pode-se dizer que todos os espaços do nível tabular
A importância do nível intermediário de 740- das duas vertentes do Espigão Central já foram ab-
745 m, para o sítio e para a estrutura urbana da ci- sorvidos pelo casario da cidade. Restam, apenas, uns
dade, sem dúvida é das maiores. A Capital paulista poucos espaços loteados e arruados, mas não cons-
nasceu sobre uma das colinas pertencentes a esse ní- truídos, na direção de Santo Amaro. Na direção da
vel, por sinal que uma das mais irregulares e estreitas Penha, todas as colinas desse nível apresentam-se,
das que constituem o quadro das colinas tabulares de há muito, preenchidas por bairros industriais e
regionais. Por outro lado, a primeira expansão da ci- residenciais, o mesmo podendo ser afirmado com
dade fez-se em direção à colina vizinha, situada além relação à área da Lapa.
do Vale do Anhangabaú, a qual representa uma das
extensões maiores e mais típicas daquele nível (área As baixas colinas terraceadas
compreendida entre a Praça da República, a Avenida
Duque de Caxias, Estação da Luz e Praça Ramos de Trataremos, agora, de reduzidos e des-
Azevedo). contínuos baixos strath terraces, existentes em
Os mais sérios problemas de estrutura urbana e áreas contínuas aos terraços fluviais típicos ou fill
de circulação interna, existentes com relação às coli- terraces. Traduzem-se, no relevo, através de colinas
nas do nível tabular, referem-se aos vales e às ladei- de declives muito suaves, geralmente pouco exten-
ras das vertentes; isto porque os vales, incisos a partir sas, constituídas por terrenos consistentes e enxu-
da plataforma tabular intermediária, se encaixaram tos, retalhados ligeiramente pelos baixos vales dos
pronunciadamente, de 15 a 20 m, criando uma to- afluentes do Tietê e do Pinheiros. Dispostas, apro-
pografia localmente movimentada em face do orga- ximadamente, entre 730 e 735 m, possuem uma es-
nismo urbano que se lhe justapôs. Tal fato é particu- trutura dominante de camadas pliocênicas, em opo-
larmente sensível na área do primitivo sítio urbano, sição aos terraços típicos, constituídos de aluviões e
que compreende o ângulo interno da confluência do cascalheiros referenciáveis ao Pleistoceno.
Tamanduateí com o Anhangabaú. Daí a presença de
ladeiras, viadutos, escadarias, túneis e avenidas de
fundo de vale, para resolver os inúmeros problemas
de circulação urbana das porções centrais da cidade.
Toda a suntuosidade urbanística, que estamos acos-
tumados a ver no Centro de São Paulo, nas imedia-
ções do Vale do Anhangabaú, deriva de soluções en-
genhosas, de que se lançou mão para restaurar, ainda
que parcialmente, os planos de continuidade da su-
perfície tabular tão retalhada pelos ativos subafluen-
tes da margem esquerda do Tietê.
No conjunto do organismo urbano atual, po-
rém, pode-se dizer que os mais diferentes tipos de Baixo terraço fluvial do Vale do Tietê (margem
planos de ruas e de estruturas urbanas têm sido en- esquerda), entre Vila Maranhão e o Parque São
saiados, ao longo das colinas do nível tabular de 740- Jorge - O terraço é mantido por um lençol de
745 m. Realmente, nas áreas menos retalhadas pelos cascalho miúdo, de quartzo e quartzito, dotado
vales afluentes do Tietê e do Pinheiros, todos os es- de aproximadamente 1 m de espessura. (Foto:
tilos urbanísticos, formas de arruamentos e estrutu- Ab’Sáber, junho de 1951).

197
Sob o ponto de vista genético, trata-se de por- de Vila Anastácio e as planícies que a circundavam.
ções laterais ou centrais das áreas que foram inte- Para a construção dos “Armazéns Gerais” tornou-se
ressadas pela cobertura sedimentar do terraceamen- necessário aterrar grandes áreas contínuas ao terra-
to pleistocênico, posteriormente aliviadas, total ou ço principal. Lembramos que, para se obter entulho
parcialmente, das delgadas capas de sedimentos fi- para o aterramento das várzeas de Vila Anastácio, foi
nos, que provavelmente as recobriam. Assim sendo, preciso destruir todo um outeiro granítico existente
constituem verdadeiros “assoalhos” mais salientes da entre o Piqueri e as proximidades da ponte da E. F.
antiga capa sedimentária aluvial dos terraços típicos. Santos-Jundiaí*.
A desnudação das aluviões antigas e a moderada fase As baixas colinas terraceadas, existentes entre a
de escultura recente transformaram essas seções an- ponte de acesso ao bairro do Morumbi e a parte bai-
tigas, do embasamento dos terraços típicos, em ligei- xa de Santo Amaro, pertencem ao mesmo caso. Ali,
ras extensões de baixos strath terraces. Referimo-nos o Pinheiros sofre um ligeiro estrangulamento, em
a eles com insistência porque a falta de consideração relação à largura de sua planície aluvial, fato muito
desse tipo de acidente pode redundar em dificulda- bem aproveitado para a construção da ponte e da es-
des de interpretação para certas áreas de relevo, con- trada de ligação entre Santo Amaro e o Morumbi.
tíguas aos terraços fluviais documentados por linhas Essas diversas ocorrências de baixas colinas
de seixos e capas de aluviões antigas. terraceadas, posto que muito descontínuas, mos-
Um bom exemplo de pequena região, onde tais tram sua importância geográfica. Muitos bair-
baixos strath terraces estão representados, é o bair- ros antigos da cidade tiveram o seu embrião de
ro do Itaim, entre Vila Nova Conceição e o Jardim organismo urbano no dorso desses terraços de terre-
América, na vertente do Pinheiros. Trata-se de uma nos firmes e enxutos.
área relativamente plana e baixa (730-735 m), com-
pletamente livre das inundações do Rio Pinheiros Os terraços fluviais de baixadas relativamente
e córregos vizinhos. Dominam, ali, camadas de ar- enxutas
gila e areias pliocênicas, podendo-se verificar com
facilidade a presença de pequenos taludes e rampas Trata-se de baixas plataformas aluviais, re-
suaves, na transição entre as colinas regionais e os lativamente enxutas, que ladeiam, de maneira des-
terraços fluviais e planícies de inundação, que cir- contínua, as principais baixadas da região de São
cunscrevem a região. Em pontos raros, observam- Paulo. Os depósitos desses terraços são constituídos
se, ainda, ligeiros e muito delgados testemunhos dos geralmente por aluviões sobrelevadas, de material
seixos e aluviões que capeavam o terreno. Nota-se, arenoso ou argiloarenoso, em que se incluem, quase
imediatamente, que tais horizontes adelgaçados de invariavelmente, um ou mais horizontes de seixos de
cascalheiros transgrediram gradualmente dos terra- quartzo e de quartzito, pequenos e médios, parte
ços fluviais típicos para o nível do strath terrace. rolados, parte fragmentários. A distribuição de tais
terraços, ao longo das calhas dos principais rios, pos-
Ocorrências de acidentes geomórficos análo-
sibilita sua correlação direta com o mosaico geral da
gos podem ser encontradas na zona de transição en-
hidrografia atual, salvo poucas exceções.
tre os terraços do Brás e da Mooca com as colinas
Os terraços fluviais deste grupo filiam-se per-
do Belenzinho e Alto do Pari. Nas proximidades
feitamente à classe dos chamados fill terraces devido
da confluência do Rio Aricanduva com o Tietê, no
à sua estrutura e composição aluvial. Encontram-se
baixo Parque São Jorge, contíguo aos terraços fluviais
embutidos, 15 a 25 m abaixo do nível tabular interme-
de Vila Maranhão, reaparecem acidentes idênticos.
diário das colinas pliocênicas paulistanas, embora ele-
Todavia, é na vertente direita do Pinheiros, nas áreas
vados de 3 a 7 m acima das planícies de inundação do
de transição entre as colinas tabulares intermediá-
Tietê, do Pinheiros e de seus principais tributários.
rias e os primeiros trechos dos terraços e planícies da
Alguns bairros industriais e residenciais de
calha principal do vale, que tais acidentes são mais
classe média ou pobre, assim como grandes trechos
característicos e comuns, embora descontínuos e re-
das principais ferrovias que cruzam a cidade, justa-
duzidos em área.
puseram-se aos aludidos terraços. Por outro lado,
Em Vila Anastácio existem baixas colinas ter- o desenvolvimento da área urbanizada por sobre os
raceadas, muito bem aproveitadas pelo núcleo cen- mesmos ocasionou uma verdadeira camuflagem do
tral do bairro. Tais colinas rasas estão entre 4 e 6 sítio original, dificultando o estudo do relevo e da
m acima do nível das planícies aluviais da região, estrutura.
salientando-se pelos seus terrenos firmes e enxutos, Nos derradeiros quilômetros que precedem a
sempre a escapo de quaisquer inundações. Há trinta confluência do Tietê com o Pinheiros, os terraços
anos era grande o contraste entre a porção enxuta

* Ab’Sáber, Aziz Nacib. “Geomorfologia da Região de


Jaraguá, em São Paulo”, em Anais da Associação dos Geógrafos
Brasileiros, vol. II (1947), p. 32, São Paulo, 1952.
198
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
11

Baixo terraço fluvial da vertente esquerda do Rio A várzea do Tietê - A fotografia focaliza, no pri-
Pinheiros (Vila Nova Conceição, próximo à Estrada meiro plano, a várzea do Canindé e a chamada
Velha de Santo Amaro) - No quadro menor, um Coroa. Ao fundo, as colinas de Santana e “vilas”
aspecto do cascalho que mantém o terraço, com- satélites (Foto: Paulo Florençano, 1952).
posto de seixos subangulosos de quartzo e quartzito.
(Foto: Ab’Sáber, junho de 1950).
atuais faz-se de modo bastante nítido, mormente
dos lados internos do ângulo de confluência apre- nos trechos onde os terraços são balizados pelos ta-
sentam-se com bastante evidência na topografia, a ludes já referidos. Por outro lado, os terraços encon-
despeito de conformarem, na maior parte das vezes, tram-se embutidos por entre os desvios das baixas
plataformas rasas descontínuas. A altitude média colinas de terrenos pliocênicos, através de uma dis-
dos terraços fluviais, que ladeiam as grandes baixa- cordância flagrante. Não é raro, porém, observar-
das dos rios paulistanos, é de 724-730 metros. se porções das camadas pliocênicas niveladas em
Existem dois tipos de rebordos nos terraços relação aos depósitos dos terraços (caso dos baixos
fluviais do Tietê e do Pinheiros: 1. rebordos com strath terraces, do nível de 730-735 m). Diferenças
terminação em rampa suave e progressiva; 2. rebor- de cor, facilmente perceptíveis, distinguem as expo-
dos com terminação em pequenos taludes. Tais for- sições de terrenos pliocênicos em relação aos depó-
mas de relevo podem aparecer numa só área. Des- sitos dos terraços: enquanto o solo das áreas plio-
cobertos os taludes terminais dos terraços, através cênicas tende para uma cor amarelada, creme-clara
das diversas modalidades de perfis de rebordos, fica ou vermelha, os depósitos dos terraços apresentam
facilitada, sobremaneira, a verificação de sua exten- solo escuro, cinza-claro ou cinza-escuro. Um hori-
são horizontal e suas relações com os fatos da geo- zonte relativamente espesso de seixos rolados, cujos
grafia humana. Casos há em que os limites das áreas diâmetros variam entre 1 e 3 cm, serve de baliza, de
de construções urbanas se veem determinados pelo modo quase invariável, para os terraços principais.
talude dos terraços. Essa linha de seixos aflora nos taludes, nos poços,
As áreas de confluência entre os rios princi- nos cortes de ruas ou estradas e nas valetas abertas
pais e seus afluentes correspondem aos trechos em pelo serviço público, testemunhando a extensão e a
que os terraços fluviais ganham expressão topográ- relativa homogeneidade dos depósitos dos terraços.
fica e são suscetíveis de observações mais detidas. Sua espessura varia entre 60 cm e 1,20 m, conforme
Dispondo-se, no terreno, sob a forma de pequenos os dados que pudemos obter no exame das ocorrên-
ou extensos “funis”, contínuos ou retalhados, os ter- cias estudadas. Em alguns casos especiais, o número
raços espraiam-se, por alguns quilômetros quadra- de leitos de cascalho é maior, a despeito de uma con-
dos, na zona de conjunção entre o baixo vale dos tinuidade menos expressiva e uma ritmação apenas
afluentes com as grandes calhas dos vales principais. esboçada na sequência dos afloramentos. Trata-se
Nas margens de ataque dos rios atuais, os trechos de depósitos de caráter nitidamente fanglomerático,
dos terraços adquirem uma saliência muito maior, o que pode ser constatado não só pela disposição
atingindo de 3 a 4 m de altura em relação às porções dos sedimentos, como pela forma dos seixos frag-
alagáveis das planícies adjacentes. mentários e mal rolados que os compõem.
Dentro da área urbana, a maior extensão dos O único fato que cria complicações, na de-
terraços fluviais típicos verifica-se no Brás, no Pari, limitação da área dos terraços, é a existência de
no Canindé e na parte baixa da Mooca, zona de de- depósitos turfosos holocênicos, que transgridem,
posição preferencial, situada na área de confluência indiferentemente, desde as planícies aluviais
entre o Tamanduateí e o Tietê. atuais até os terraços e sopés de colinas, recobrin-
A separação entre os depósitos aluviais antigos do e nivelando parcialmente extensas áreas per-
dos terraços e os terrenos das planícies de inundação tencentes a formações diversas. Tal fato deve estar

199
Topografia da região de São Paulo, na
área de confluência dos vales do Tietê e
Pinheiros (Fragmento extraído da “Folha
de São Paulo’’, da Comissão Geográfica
Geológica do Estado, 1889).

relacionado com os problemas da má


organização da drenagem, na área dos
terraços, planícies e baixas colinas,
onde a falta de escoamento e a ex-
cessiva retenção de água favoreceram
a formação de verdadeiros depósitos
turfosos, posto que ainda longe de
constituírem turfeiras propriamente
ditas.

As planícies aluviais do Tietê,


Pinheiros e seus afluentes

Na terminologia popular pau-


listana são compreendidos pelo termo
várzeas todos os terrenos de aluviões
recentes, desde os brejais das planícies
sujeitas à submersão anual, até as pla-
nícies mais enxutas e menos sujeitas
às inundações, existentes nas porções
mais elevadas do fundo achatado dos
vales.
Desta forma, as várzeas paulis-
tanas são constituídas por alongadas
planícies de relevo praticamente nulo,
formadas pelas aluviões holocênicas
dos principais rios que cruzam a Bacia
de São Paulo. A montante da soleira
gnáissica do Morro de São João, em
Osasco, e da pequena soleira represen-
tada pelo tabuleiro raso do terraço fluvial de Presi- altimétrica excessivamente modesta, nunca superior
dente Altino, tais planícies aluviais recentes inter- a 4 metros.
penetram-se pelo Tietê e Pinheiros e pelos baixos Prolonga-se o sistema de planícies aluviais
vales de seus afluentes principais, conservando uma paulistanas na área de interesse para o sítio urba-
largura não excedente de 3 km. no metropolitano, desde a Penha até Osasco, através
Trata-se de um conjunto de depósitos aluviais de uma faixa orientada de Leste para Oeste, perfa-
muito recentes, cuja gênese obedece às normas clás- zendo aproximadamente 25 km e conservando em
sicas da sedimentação em planícies de inundação todo esse trecho a largura média de 1,5 a 2,5 km.
(flood plains); conjunto esse que permaneceu embu- As várzeas do Pinheiros, praticamente idênticas às
tido discretamente nos desvios dos baixos terraços do Tietê, perfazem 20 km, desde Santo Amaro até à
fluviais pleistocênicos e das colinas pliocênicas. Res- confluência com o rio principal, conservando largura
taram, assim, tais planícies, como que preenchendo média de 1 a 1,5 km.
e colmatando extensivamente as irregularidades que Todos os pequenos afluentes do Tietê e do
por certo existiram no fundo da calha dos vales re- Pinheiros, por sua vez, possuem tratos de várzeas,
gionais, após a ligeira retomada de erosão epicícli- de menor largura, as quais são contínuas apenas em
ca que criou os baixos terraços fluviais de 724-730 relação aos últimos quilômetros do baixo vale dos
m. Os limites altimétricos, dentro dos quais estão cursos de água a que pertencem. Para montante,
compreendidas tais planícies, ficam balizados pelas perdem continuidade, estrangulando-se ou passan-
cotas de 719 e 723 m, o que lhes dá uma amplitude do a constituir planícies alveolares de área restrita.

200
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
11

Dentro do sítio urbano da cidade, apenas o Rio Elas se elevam aos poucos, de Osasco para mon-
Tamanduateí apresenta planícies aluviais passíveis tante, possuindo, também, níveis um tanto mais
de serem comparadas com as dos rios principais. elevados ao longo dos rios afluentes. Tais várzeas
Pode-se mesmo dizer que suas várzeas (que se alon- relativamente mais enxutas, colocadas no fundo do
gam de SE para NW, com um traçado, grosso modo, vale na forma de “firmes” descontínuos, diques mar-
paralelo às do Pinheiros) ocupam, quanto à ordem ginais antigos ou atuais, assim como sob a aparência
de grandeza, o terceiro lugar entre as planícies alu- de rasos terraços desprovidos de quaisquer taludes,
viais paulistanas. Prolongam-se de São Caetano ao separam-se nitidamente dos terraços fluviais típicos
Pari, através de 16 km de planícies de 200 a 400 m mantidos por cascalheiros (fill terraces de 724-730
de largura, as quais permanecem embutidas entre m). Por outro lado, descaem em rampa quase im-
baixos terraços fluviais pleistocênicos e colinas plio- perceptível em direção às grandes várzeas sujeitas
cênicas. a inundações anuais. Apenas uma linha discreta de
Em se considerando o trecho varzeano que vai separação existe entre as porções anualmente alaga-
de Osasco às proximidades da Penha, assim como das e aquelas que estão sujeitas apenas às grandes
os primeiros quilômetros das várzeas do Pinheiros, cheias periódicas.
a montante de sua confluência com o Tietê, é pos- A canalização do Pinheiros e as obras de retifi-
sível distinguir-se dois níveis altimétricos, imper- cação do Tietê, aliadas à ação do sistema hidráulico
feitamente delimitados no conjunto das planícies criado pela Light, destruíram o regime hidrológico
aluviais paulistanas: antigo da região, contribuindo para diluir a separa-
a. Planícies de inundação, sujeitas apenas às gran- ção entre os dois níveis de inundação das planícies
des cheias, situadas entre 722 e 724 metros; regionais. Em muitos pontos, porém, ainda se po-
b. Planícies de inundação, sujeitas a inundações dem observar os sinais da separação antiga, os quais
anuais, situadas entre 719 e 721 metros. tendem a ser destruídos por completo com as obras
As porções de planícies, que correspondem ao de urbanização em processo.
primeiro caso, são constituídas por alongadas e des- A constituição geológica dos depósitos das
contínuas faixas de terrenos aluviais mais enxutos, várzeas paulistanas equivale ao registro clássico das
que permanecem a escapo das enchentes anuais. planícies de inundação de cursos de água que en-
Trata-se das áreas menos encharcadas e relativa- talham formações cristalinas granitoides, sujeitas
mente mais elevadas das planícies holocênicas dos às condições climáticas e hidrológicas peculiares
principais rios regionais, dispostas em níveis que os- aos países tropicais úmidos. Grande é a massa de
cilam entre 721 e 723 metros (área Osasco-Penha). material quartzoso existente no seio das formações

Seções geológicas do Vale do Tietê, a jusante de Sao Paulo, e dos vales do Tietê e Pinheiros, entre Butantã e Piqueri.

201
excepcionais de umidade do solo e superficialidade
do lençol freático, foi possível formar-se até mesmo
uma espécie de turfa, ainda impura e fortemente hi-
dratada. Não se conhece, porém, na região de São
Paulo, nada de semelhante às turfeiras do médio
vale superior do Paraíba.
A espessura dos depósitos fluvioaluviais das
várzeas paulistanas varia de 3 a 7 m, em média, es-
tando os mesmos assentados sobre gnaisses e gra-
nitos e, eventualmente, sobre terrenos terciários ou
O vale do Pinheiros e sua planície de inundação - A pleistocênicos. Como os dois principais rios de São
fotografia, tomada antes da canalização do rio, mos- Paulo, após as últimas retomadas de erosão epicícli-
tra-nos a cintura dos meandros divagantes, pouco cas, tenderam a abrir-se em leque, através de uma
atrativa para a urbanização, assim como a ocupação deriva tendencial para os lados da bacia sedimentar,
pioneira das várzeas mais enxutas e dos baixos terra- eles encontraram em muitos pontos o embasamen-
ços (margem direita do Pinheiros). to granítico-gnáissico, passando a trabalhar direta-
mente em rochas duras nos talvegues.
Contrastando com o relevo suavíssimo da
rochosas dos velhos escudos, fato que se traduz nas planície aluvial, o assoalho que sustenta os terrenos
planícies aluviais por abundantes e extensas lentes holocênicos possui inúmeras irregularidades de de-
de areias. Por outro lado, o material decomposto talhe. Além da soleira local mais importante, situa-
dos granitos, gnaisses e xistos argilosos é transpor- da em Osasco (Morro de São João), existe uma série
tado seletivamente pelas enxurradas de águas cal- de outros pequenos travessões rochosos que alo-
mas, durante todo o período de ascensão e declí- jam em seus intervalos seções de terrenos aluviais,
nio das águas de inundação. Acrescentam-se, desta caoticamente acamados. Tais soleiras secundárias,
forma, cunhas horizontais de sedimentos argilosos frequentes, sustaram sobremaneira o entalhamento
no entremeio das vastas áreas de sedimentos are- vertical, auxiliando a extensão do aluvionamento,
nosos fluvioaluviais dos diques marginais e canais sendo comandadas pelo nível de base local da solei-
fluviais. ra gnáissica de Osasco.
Em conjunto, os depósitos varzeanos consti- Na base da ponte de Vila Maria, o leito de es-
tuem o saldo de alguns milhares de anos de alu- tiagem do Tietê deixa entrever as barras diaclasadas
vionamento em canais fluviais, diques marginais, do granito Pirituba, enquanto em Osasco afloram
baixadas laterais, lagoas de meandros e feixes de pontas de gnaisses na soleira rochosa atravessa-
restingas fluviais ribeirinhas. Atestam tais aluviões, da pelo rio, ao lado do Morro de São João. Entre
por outro lado, uma longa história sedimentar em Piqueri e Vila Anastácio, por ocasião das vazantes,
planície de inundação ocupada por cursos de água despontavam rochedos graníticos ao centro do rio.
excessivamente divagantes. A despeito da caotici- Mas é sem dúvida da Penha para montante, até Ita-
dade do acamamento observável segundo os perfis quaquecetuba, que afloram mais amiúde, no leito de
verticais, dominam as lentes e cunhas de areias so- estiagem do rio e em suas margens de ataque, alguns
bre as argilas e os cascalhos. Tal dominância sensí- blocos de rochas graníticas ou gnáissicas, expostos
vel das areias fluviais sobre os outros depósitos está pela ação de lavagem da correnteza do Tietê.
ligada intimamente à natureza cristalina granítico- No Rio Grande, no local onde se situa hoje
gnáissica das rochas das cabeceiras do Tietê e Pi- a grande represa da Light, encontrou-se o emba-
nheiros, assim como à apreciável porcentagem de samento granítico, que, aliás, foi muito útil para a
areias existentes nos depósitos pliocênicos paulista- implantação da barragem, feitura dos túneis e fixa-
nos. ção da máquina da usina de reversão de águas ali
Um aspecto de grande constância em todas as instalada.
várzeas paulistanas é a presença de uma cobertura Grandes matacões de granito afloram no meio
superficial de espesso solo turfoso escuro, o qual re- das aluviões da várzea do Tietê, em Vila Maria, ao
cobre extensivamente as baixadas mais enxutas da longo de um baixo esporão vinculado à encosta do
planície, transgredindo ligeiramente até os sopés morro do Jardim Japão (cujo topo é constituído por
mais suaves das colinas e atingindo eventualmente uma espessa coroa de terrenos terciários). Identi-
as zonas deprimidas dos terraços e níveis tabulares camente, nas várzeas que circundam a colina da
intermediários. Penha, afloram matacões esparsos, que se destacam
Tais zonas de solos fortemente turfosos atin- aqui e acolá nas planícies rasas dos fundos dos vales.
gem de 0,75 cm a 1,5 m de espessura, adelgaçan- Entre a Lapa e o Piqueri, no Tietê, assim como nas
do-se para os bordos da planície. Sob condições várzeas próximas do bairro industrial de Jaguaré,

202
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
11

junto ao Pinheiros, existem alguns raros matacões mildes moradias de trabalhadores que viviam do rio
pertencentes a soleiras rasas, praticamente encober- ou da própria terra varzeana. Proliferaram, desta
tas e afogadas pela extensão do aluvionamento. forma, por toda sua extensão, as olarias que ajuda-
Os poços abertos nas várzeas mais elevadas re- ram a construir a cidade. “Portos” de areia e cascalho
velam que o nível hidrostático está quase à flor da pontilharam o dorso dos diques marginais dos rios,
terra; após a abertura dos poços rasos, a água perma- contribuindo com a porcentagem mais importante
nece entre 0,50 m e 1 m de profundidade. Trata-se, dos materiais de construção, que aos poucos foram
no caso, de uma água turva, impregnada de impu- empilhados nos arranha-céus da metrópole.
rezas minerais e não potável. Nos terraços fluviais Os exploradores de areia removem a capa su-
sustentados por cascalheiros, o nível hidrostático é perficial de solos turfosos escuros, que não raro atinge
bem mais baixo do que nas várzeas, atingindo de 2,5 de 1 m a 1,5 m de espessura, e descobrem a zona do-
m a 4 m de profundidade, sendo que a água é sensi- minantemente arenosa dos depósitos fluvioaluviais
velmente mais pura que a das várzeas. das várzeas. Inúmeras cicatrizes de antigas “caixas”
Enquanto a cidade permanecia nas colinas e de exploração de areias restam na paisagem, devido à
por elas se expandia nas mais diversas direções e pla- exploração desregrada e itinerante dos preciosos ma-
nos altimétricos, as várzeas paulistanas mantiveram- teriais de construção. Por seu turno, os oleiros caçam
se com uma história urbana muito modesta e margi- as lentes de argilas que se entremeiam localmente às
nal. Por muitos anos, foram uma espécie de quintal areias, na forma de extensas cunhas horizontais. Ou-
geral dos bairros encarapitados nas colinas. Serviram tras tantas cicatrizes, não tratadas, são acrescentadas
de pastos para os animais das antigas carroças que à paisagem das várzeas dando-lhe uma desagradável
povoaram as ruas da cidade. Foram uma espécie de aparência de labirinto de grandes buracos rasos, com
terra de ninguém, onde as mais diversas corporações águas empoçadas. Felizmente, estão proibidas tais
militares da cidade fizeram seus exercícios bélicos. explorações destrutivas dos terrenos varzeanos.
Serviram de terrenos baldios para o esporte dos hu- Contam-se nos dedos os embriões de bairros
mildes, tendo assistido a uma proliferação incrível de que ousaram enraizar-se em terrenos de várzeas.
campos de futebol, de funcionamento periódico devi- Núcleos pequeninos de casas, é verdade, foram ins-
do ao ritmo do clima e ao regime dos rios regionais. talados medrosamente além da linha dos limites má-
Durante as cheias, tais campos improvisados, que tão ximos das grandes cheias, em zonas aluviais. Mas,
bem caracterizam grandes trechos das paisagens var- de resto, até mesmo os quarteirões mais humildes
zeanas, ficam com o nível das águas até o meio das dos bairros operários ficaram presos ao dorso dos
traves de gol e deixam entrever apenas as pontas dos terraços fluviais e baixas colinas terraceadas; fato que
cercados retangulares que limitam os campos. Mais pode ser facilmente verificado tanto na Vila Mara-
do que isso, porém, as várzeas serviram para o en- nhão, próximo à embocadura do Aricanduva, como
no Alto do Pari, na Barra Funda e no Bom Retiro.
Recentemente, após as grandes mudanças arti-
ficiais provocadas no regime dos rios, alguns bairros
ousaram penetrar nas áreas varzeanas do Pinheiros
e do Tietê; mas permanecem engastados aos bairros
que possuem sítios melhores, na forma de apêndices
de extravasamento.
O bairro de Vila Maria, em sua porção bai-
xa, é um dos poucos núcleos do organismo urbano
paulistano que nasceu e cresceu em pleno domínio
das várzeas (nível de 721-723 m). Foi uma grande e
triste aventura a história desse bairro, que escolheu
mal o seu sítio urbano. Suas casas, ruas e modestas
O vale do Tietê, em fotografia tomada da Freguesia praças assentam-se sobre o solo turfoso escuro da
do Ó - Note-se a grande área vazia de urbanização superfície das várzeas. A umidade impregna o am-
ao longo da calha aluvial do vale. Ao fundo, as coli- biente, mofando as paredes alvas das casas recém-
nas de Vila Pompeia, Sumaré e Alto da Lapa, exten- construídas. Durante as chuvas, as ruas não calçadas
sivamente urbanizadas (Foto: Ab’Sáber, 1952). ficam intransitáveis, enquanto as poucas que tiveram
a sorte de ser pavimentadas ficam enlameadas e en-
raizamento dos primeiros clubes de beira-rio, aqueles charcadas devido ao mau escoamento das águas. Os
mesmos que um dia se tornariam os grandes clubes canais de escoamento, laterais às ruas, ficam, duran-
de regatas e natação da cidade. te as chuvas, permanentemente recobertos de água,
Em seus terrenos mais firmes, as várzeas asi- que invade as calçadas. Por outro lado, os humildes
laram grandes chácaras, de aparência pobre, e hu- moradores do bairro têm a péssima tradição de cons-

203
Esboço geológico da região do Horto
Florestal e Tremembé (cf. Moraes
Rego e Sousa Santos, 1938).

truir suas casas encostadas ao nível


do chão, sem a menor adaptação às
condições topográficas e hidrológi-
cas do sítio que asila o bairro.
Em 1929, as grandes cheias
do Tietê quase atingiram o paredão
do Morro de Vila Maria, isolando
inteiramente o bairro em relação à
cidade e obrigando uma parte de
seus moradores a se servirem de
canoas para circular por alguns tre-
chos das primitivas ruas do bairro.
Examinando-se, aliás, as fotogra-
fias disponíveis sabre as cheias de
1929, nota-se que as águas alcan-
çaram quase todos os níveis das
várzeas, ascendendo pelas rampas suaves dos tratos Rodovia Presidente Dutra (em seu trecho do “Jar-
de planícies não sujeitos a inundações anuais. Per- dim Novo Mundo” até à Ponte das Bandeiras) de
cebe-se facilmente que, nos pontos onde existiam pronto acarretou um ciclo novo de valorização dos
quarteirões sobre terrenos de várzeas, as águas atin- terrenos varzeanos, dando possibilidades à extensão
giram o nível raso das ruas, na forma de canais, inva- do loteamento, sob novas bases econômicas e urba-
dindo ou não o interior das residências. Os terraços nísticas. Pressente-se uma grande transformação nas
fluviais mantidos por cascalheiros permaneceram paisagens antigas das várzeas regionais.
completamente a escapo das grandes cheias, posto As planícies aluviais paulistanas foram os pri-
que, às vezes, tenham ficado um tanto ilhados pela meiros elementos topográficos da região a ser utili-
ascensão das águas ao longo dos córregos afluentes zados para fins aeronáuticos. Nas várzeas, situadas
dos rios principais. Tais fatos nos indicam que teria entre a antiga Ponte Grande e o bairro de Santana,
sido necessário, desde o início, aterrar trechos late- a 4 km ao Norte da porção central da cidade, foi
rais das várzeas, seguindo o nível do topo dos taludes construído o primeiro campo de aviação da cidade -
dos terraços mantidos por leitos de cascalhos pleisto- o Campo de Marte. Por muito tempo, porém, o solo
cênicos. Por meio dessa medida, indicada pela pró- turfoso, fofo e encharcado das várzeas, ao lado das
pria evidência dos fatos, teriam sido evitadas muitas extensas inundações anuais, dificultou as atividades
consequências desagradáveis ligadas às péssimas aeronáuticas no local.
condições topográficas e hidrológicas das várzeas. A Quando se cogitou da construção do aeroporto
falta de previsão dos administradores, com relação de São Paulo, que viria fomentar extraordinariamente
a esses fatos, corre, em grande parte, por conta da o desenvolvimento da aviação comercial da metró-
extraordinária rapidez do crescimento da cidade, que pole, escolheu-se outro sítio, inteiramente diverso,
ultrapassou toda a capacidade de planificação e con- tanto sob o ponto de vista geológico, como sob o
trole por parte dos poderes públicos municipais. ponto de vista topográfico. Passou-se de uma área
Foi o encarecimento do custo de vida e a valo- dos fundos das planícies aluviais (722-723 m), para
rização crescente e incontrolável do preço dos terre- uma esplanada tabular suavizada do nível mais ele-
nos que determinaram a extensão dos bairros de co- vado das colinas pliocênicas (790-810 m), localizada
linas por diversos trechos das grandes várzeas. Mas, a SSW do bairro do Jabaquara, 10 km ao Sul da Pra-
sempre, só foram incorporados aqueles tratos de pla- ça da Sé: o Aeroporto de Congonhas.
nícies que, além de serem mais altos, eram contíguos Após a recuperação extensiva das várzeas, atra-
ao corpo principal dos bairros preexistentes. vés dos serviços de retificação do Tietê e das modi-
Atualmente, à medida que os serviços de reti- ficações artificiais do regime do rio, impostas pelo
ficação e canalização têm progredido, as várzeas têm sistema hidráulico da Light, surgiram novas possi-
sido invadidas por novos elementos urbanos: mora- bilidades para o aproveitamento das várzeas como
dias esparsas, blocos residenciais populares, grandes campos de pouso. O antigo “Campo de Marte” re-
fábricas isoladas, trechos de autoestradas e, até mes- modelado, destinando-se apenas para as atividades
mo, parques cenarizados por lagunas de várzeas. A de aeroclubes; enquanto isso, o Ministério da Aero-

204
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
11

náutica construiu o grande Parque da Aeronáutica teí. Desses três, apenas o terceiro agrupamento está
da 4° Zona Aérea, em plena planície aluvial, numa sendo incorporado maciçamente à área principal do
área contígua ao pequeno campo civil. Atualmente, organismo urbano metropolitano.
grandes aviões podem pousar na pista militar do Ae- Diferem inteiramente os esquemas de retifica-
roporto de Marte, um dos três maiores da cidade de ção e canalização aplicados aos dois principais rios da
São Paulo. região de São Paulo. Enquanto o Tietê foi retificado
A Base Aérea de Cumbica, situada a ENE de ao longo do eixo central da planície, o Pinheiros foi
Guarulhos, a 23 km do centro da cidade, possui suas canalizado ao longo da margem esquerda do vale,
pistas e hangares em áreas das várzeas do Rio Baqui- restando encostado à base dos outeiros e altas coli-
rivu-Guaçu, pequeno afluente da margem direita do nas que caracterizam aquela margem. Desta forma,
Tietê. Ali, enquanto os quartéis, edifícios de instru- no caso do Tietê, a planície principal será dividida
ção e operações foram assentados em suaves colinas ao meio pelo extenso canal de retificação, obrigando
e terraços fluviais, a gigantesca pista internacional foi a esforços especiais de urbanização em relação aos
construída em trechos enxutos da própria várzea. terrenos ribeirinhos das duas margens. No caso do
Note-se que essa vocação aeronáutica das pla- Pinheiros, ao contrário, foram recuperadas enormes
nícies paulistanas está ligada menos à natureza de áreas das planícies para a margem direita do vale,
seu solo e subsolo do que às condições de sua topo- conseguindo ampliar-se a área dos espaços urbanos
grafia praticamente horizontal e à sua condição de contínuos da principal zona residencial da cidade.
terrenos baldios, extensos e baratos. O importante a considerar é que, em ambas as
Por ora, resta-nos lembrar que, contrastando planícies, se vão processar, dentro em breve, grandes
extraordinariamente com a densidade de ocupação obras de urbanização, representadas pela formação
urbana observável nos mais diversos níveis das co- de novos bairros, construção de avenidas marginais,
linas paulistanas, as planícies do Tietê e Pinheiros novos traçados ferroviários, e, sobretudo, uma ver-
constituíram, até bem pouco, um dos elementos to- dadeira revolução para a circulação interna da me-
pográficos mais hostis à expansão da cidade. Tempo trópole paulista.
houve em que as linhas de limites entre as planícies
aluviais e os sopés das baixas colinas e terraços flu-
viais marcavam, com exatidão surpreendente, as
fronteiras entre a área efetivamente urbanizada e as
áreas de baldios e brejais abandonados.
Os bairros e embriões de bairros que se for-
maram além-Tietê e além-Pinheiros sempre per-
maneceram isolados do corpo principal da cidade,
não pela existência dos rios, mas principalmente pela
presença das largas várzeas submersíveis e malsãs.
O corpo principal da Metrópole ocupou aos Altas colinas da margem direita do Tietê, em
poucos quase todos os níveis de colinas do peque- Santana (760-790 m) - A despeito de se tratar da
no fragmento de planalto compreendido pelo ân- área mais urbanizada dos bairros de além-Tietê, há
gulo interno de confluência Tietê-Pinheiros. Por aí alguns espaços vagos, devido à forma e ao grau de
outro lado, cedo extravasou pelos baixos terraços inclinação das vertentes (Foto: Ab’Sáber, 1949).
do Brás, Mooca e Pari, além da várzea do Taman-
duateí, ganhando identicamente as colinas suaves
compreendidas entre esse rio e o Aricanduva e al-
cançando o pequeno núcleo satélite, constituído
pela antiga Freguesia de Nossa Senhora da Penha.
Restaram inteiramente isolados, por muito tempo,
os diversos núcleos de bairros do ângulo externo
de confluência Tietê-Pinheiros, divididos em dois
agrupamentos distintos.
Desta forma, na história da formação dos gran-
des blocos do organismo urbano, as várzeas principais
da região de São Paulo tiveram o importante papel
negativo de verdadeiras fronteiras naturais. E, ainda Colinas de além-Tietê, entre Santana, Vila Camargo
hoje, podem ser observadas as consequências desse e Tucuruvi - Urbanização crescente, porém irregu-
fato, através da existência de três blocos de bairros lar, ora adaptada à topografia, ora obedecendo aos
da Metrópole: os bairros de além-Tietê, os bairros modelos inorgânicos tradicionais (Foto Ab’Sáber,
de além-Pinheiros e os bairros de além-Tamandua- 1952).

205
As colinas e outeiros de além-Tietê

Formando um contraste gene-


ralizado com a vertente esquerda do
vale, onde se escalonam baixos ní-
veis terraceados, a vertente direita do
Tietê é constituída por uma série de
pequenos outeiros e flancos de altas
colinas. Enquanto, na maior parte da
margem esquerda do vale, se torna
preciso caminhar vários quilômetros
para atingir níveis superiores a 750
m, na vertente direita, logo após as
várzeas, encontram-se íngremes la-
deiras de acesso às colinas e outeiros
dos espigões secundários do nível de
São Paulo (790-810 m), vinculados
à Serra da Cantareira. São bastante
raros, sobretudo, os níveis interme-
diários e os níveis de terraços fluviais;
na maioria dos casos, passa-se dire-
tamente dos terrenos aluviais da pla-
nície rasa para as encostas das colinas
e outeiros.
Geologicamente, a região re-
presenta as endentações setentrio-
nais da Bacia de São Paulo, que aí
se apresenta menos espessa e contí-
nua. O embasamento pré-devonia-
no, representado por xistos e granitos, aparece, com Esboço geológico do bairro da Casa Verde e
frequência, na base dos vales e nos flancos das coli- vizinhanças (cf. Moraes Rego e Sousa Santos, 1938).
nas, enquanto o seu topo é coroado por coberturas
sedimentares de espessura variável, remanescentes Através dos excelentes trabalhos de campo
da extensão antiga dos depósitos pliocênicos. Não de Moraes Rego e Sousa Santos (1938), possuí-
é raro faltar a cobertura pliocênica em algumas co- mos uma documentação geológica e fisiográfica das
linas e outeiros; em muitos casos, porém, pode-se mais completas a respeito das colinas e outeiros que
dizer que um dia a cobertura, ainda que delgada, se estendem desde a margem direita do Tietê até
deve ter existido, mesmo porque os topos de alguns a Cantareira. Talvez seja essa a área mais estudada
outeiros cristalinos estão em nível bem mais baixo do sítio urbano da Metrópole, a despeito de ser a
que o dos testemunhos pliocênicos mais elevados mais complexa, tanto sob o ponto de vista geológi-
da região. co, como geomorfológico.
Para o Norte, após as elevações da Capela do Desde as altas colinas de Guarulhos e os ou-
Alto e após pequenos trechos de vales subsequentes, teiros e colinas da Casa Verde, a cobertura sedimen-
estabelecidos no contato entre o Cristalino e o Ter- tar pliocênica coroa o topo das elevações principais,
ciário, alteiam-se os primeiros morros dos baixos es- suavizando o relevo das porções altas e homogenei-
porões da Serra da Cantareira, maciço granítico que zando o nível geral da topografia (770-800 m). Em
barrou a sedimentação terciária para o lado seten- contrapartida, a base dos outeiros e altas colinas, em
trional da bacia. No costado dos morros graníticos muitos casos, é constituída por terrenos graníticos
da zona pré-Serra da Cantareira, podem ser obser- ou xistosos, apresentando um modelado de verten-
vados ombros de erosão, relativamente nítidos, que tes bem mais heterogêneo e acentuado. Daí domi-
marcam o limite do nível de São Paulo, estabelecido nar, para o conjunto, um relevo de morros baixos,
durante a fase de peneplanização parcial pliopleisto- outeiros e altas colinas, irregularmente orientados em
cênica, que atingiu a Bacia do Alto Tietê*. espigões secundários e sinuosos, vinculados à Serra
da Cantareira. São exíguas as planícies aluviais exis-
* Ab’Sáber, Aziz Nacib. “Os terraços fluviais da tentes no fundo dos vales que secionam as colinas e
região de São Paulo”, em Anuário da Fac. de Fil. Sedes os outeiros regionais, fato que concede uma impor-
Sapientiae, (1952-53), pp. 91-93, São Paulo, 1953. tância ainda maior aos relevos das colinas e outei-

206
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
11

a margem esquerda do Baquirivu-


Guaçu, fato que se prolonga até as
várzeas do Tietê, onde os terrenos
terciários mergulham por sob as
aluviões quaternárias. Já em Guaru-
lhos, as vertentes dos outeiros e altas
colinas são constituídas de gnais-
ses e granitos, possuindo encostas
íngremes e bem marcadas. Apenas
alguns testemunhos terciários, pou-
co espessos, capeiam o topo das al-
tas colinas regionais. Na direção de
Vila Maria, os sedimentos pliocêni-
cos tendem a aumentar um tanto de
espessura, deixando à mostra, ape-
nas em um ou outro ponto, o emba-
samento pré-devoniano, ali consti-
tuído por granitos e eventualmente
gnaisses. Da porção média do Mor-
ro de Vila Maria e Jardim Japão,
destaca-se um baixo esporão para
SSE, o qual é inteiramente graní-
tico, deixando à mostra grandes
matacões. Trata-se, no caso, de um
dos raros representantes do nível de
740-745 m, na margem direita do
Tietê. Entre Vila Guilherme, Vila
Camargo e Santana, estende-se um
dos principais pacotes de sedimen-
tos terciários da margem direita do
Tietê.
À altura da Casa Verde, apenas
o topo central do outeiro que asila o
bairro é constituído por pequenos e
delgados testemunhos pliocênicos;
o restante é constituído, apenas, por
granitos que circundam toda a parte
média e baixa dos outeiros e colinas
regionais. Ali, também, enquanto
o topo das altas colinas é relativa-
mente plano e suave, as encostas
dos mesmos são bem marcadas e
movimentadas.
Das proximidades da Freguesia
Esboço geológico da região de Santana, Jardim do Ó, na direção do Piqueri e Pirituba, estendem-se
Paulista e Vila Camargo (cf. Moraes Rego e Sousa apenas granitos, através de uma sucessão de outei-
Santos, 1938). ros conjugados em sinuosos e baixos espigões, que se
vão entroncar na zona pré-Serra da Cantareira. Nos
ros como elementos essenciais dos espaços urbanos altos dos morrotes, outeiros e altas colinas regionais,
metropolitanos na região. os granitos estão sempre presentes em altitudes que
Se procurássemos anotar os conhecimen- oscilam entre 770 e 805 m; enquanto que o fundo
tos de que se dispõe sobre a estrutura regional, dos vales próximos possuem exíguas planícies alu-
desde Cumbica até a Freguesia do Ó e o Piqueri, viais, grosso modo oscilantes entre 725 e 730 m. Na
obteríamos dados interessantes sobre a variedade do maior parte dos casos, faltam os níveis intermedi-
arranjo entre o embasamento pré-devoniano e a co- ários no relevo dessa área cristalina pertencente ao
bertura sedimentar pliocênica, na região. Em Cum- quadrante NW da região de São Paulo. Entretanto,
bica, dominam colinas pliocênicas ao longo de toda é extremamente nítida a delimitação da superfície de

207
São Paulo em face da zona pré-Serra da Cantareira, A cidade extravasou extensivamente para as
conforme se pode verificar nas proximidades da Vila colinas e outeiros de além-Tietê, nos últimos trin-
Brasilândia, a 3 km a NW da Freguesia do Ó. ta ou quarenta anos, a partir do eixo radial de cer-
Desde Guarulhos até a Freguesia do Ó, o tos caminhos e pontes. Desprezando-se as várzeas,
povoamento antigo dos outeiros e altas colinas de mas cruzando-as, os bairros da cidade atingiram os
além-Tietê obedeceu surpreendentemente a um antigos núcleos isolados de além-Tietê, ampliando
mesmo estilo. Quase todos os pequeninos núcleos, desmesuradamente sua área de ocupação urbana e
ali formados até o século XIX, nasceram no topo suburbana. Tanto as esplanadas suaves dos outeiros
suave das primeiras colinas que se encontravam logo e altas colinas foram ocupadas, de preferência, como
após as grandes várzeas do Tietê. Desta forma, aqui e também as encostas e os outeiros circunvizinhos.
ali se implantaram núcleos e povoados, em torno de Atualmente, o povoamento estende-se desde
rústicas igrejas ou capelas, enquanto em outros pon- Santana até os sopés da Cantareira, no Tremembé,
tos altos foram localizadas sedes de fazendas ou chá- interligando-se continuamente devido à presença de
caras, pertencentes a moradores abastados da cidade. avenidas e estradas de espigão, sinuosas e pitorescas.
Sitiocas modestas, entremeadas de matas espessas, Não se completou, ainda, porém, a ligação entre os
existiam por todas as encostas e vales, até as proximi- diversos núcleos de colinas e espigões isolados. Há
dades da Serra da Cantareira. alguns anos, era praticamente impossível passar-se
Por muito tempo, exceção feita a Santana, os de um bairro para outro, sem que antes se necessitas-
núcleos de povoamento situados a cavaleiro das altas se vir ao Centro da cidade, a fim de fazer baldeação
colinas regionais permaneceram como aglomerados para outro caminho radial de acesso àqueles bairros,
de casinholas e povoados modestíssimos, isolados esquisitamente contíguos. Trata-se de heranças, li-
entre si pelos vales afluentes da margem direita do gadas em parte às imposições de relevo e, em grande
Tietê e muito distantes da antiga cidade de São Pau- parte, à marcha histórica do povoamento e das rotas
lo. Em relação a muitos desses povoados, o centro da de ligação regionais.
cidade de São Paulo ficava à vista, de 3 a 5 km em
linha reta, porém muito distante na realidade, devido As colinas e outeiros de além-Pinheiros
aos caminhos irregulares, mal conservados e, princi-
palmente, devido ao sistema vagaroso de transporte Repete-se com a vertente esquerda do Pinheiros
animal. o mesmo quadro geomórfico observável na vertente
É curioso notar que todos os embriões de povo- direita do Tietê. Na realidade, ali também, após as
ados de além-Tietê, na região de São Paulo, nasceram planícies aluviais do fundo do vale, seguem-se flan-
e se desenvolveram por três séculos à sombra do
transporte animal, pertencendo inteiramente ao
chamado ciclo do muar. Situados no topo de
íngremes colinas, só eram atingidos por animais
de sela e de carga. Daí as abruptas ladeiras de
acesso que, a partir das várzeas, se dirigiam para
o cocuruto dos morrotes e altas colinas.
Aconteceu com a região o mesmo fato
apontado por Roger Dion, com relação à Penha;
passou-se ali do transporte animal diretamen-
te para o transporte motorizado, herdando-se
uma incômoda estrutura de ruas, pertencentes
ao “ciclo do muar”. É esse fato que nos explica a
existência daquelas incríveis ladeiras de Santana
e da Casa Verde, que obrigaram os trilhos dos
bondes elétricos a procurar traçados especiais
para atingir o alto dos bairros ali formados no
século atual.

O Vale do Pinheiros, na região da Cidade Universitária


de São Paulo (entre Butantã e Vila Jaguaré) - Note-se
a drenagem “labiríntica”, que antecedeu as grandes
obras de canalização e urbanização, ali levadas a efeito
(Fragmento do Mapa Topográfico do Município de São
Paulo, da SARA do Brasil, S. A., 1930).

208
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
11

cos íngremes e encostas bem marcadas de outeiros largos dos vales que antecederam a fase deposicional
alinhados e de altas colinas do nível de 790-810 m. do Plioceno. Trata-se de uma série de endentações
Faltam os terraços fluviais típicos, as baixas colinas marginais da bacia sedimentar fluviolacustre regio-
terraceadas e as colinas tabulares do nível intermediá- nal.
rio principal, tão nitidamente observáveis na margem Hoje, após o entalhamento pós-pliocênico da
direita do vale. Isto porque o Pinheiros, em todas as bacia, apresenta diversas readaptações da rede de
retomadas de erosão epicíclicas, pós-pliocênicas, ten- drenagem às imposições das estruturas, assim como
deu a escavar mais à sua margem esquerda. Apenas, algumas epigenias locais. Enquanto alguns rios se
aqui e acolá, alguns resíduos estreitos dos níveis mais encaixaram diretamente no Cristalino, através de
baixos restaram engastados à base das colinas mais uma herança de posição relacionada com a cobertura
elevadas que dominam a topografia regional. Junto sedimentar pliocênica, outros procuraram seguir a li-
ao Butantã, nas proximidades da Cidade Universi- nha de fragilidade representada pelos contatos entre
tária, e em alguns pontos da Vila Industrial Jaguaré, o Terciário e o Cristalino. O baixo e médio vale do
existem testemunhos inexpressivos dos terraços flu- Rio Pirajuçara constituem um bom exemplo de rio
viais típicos de São Paulo (fill terrace de 723-730 m). subsequente ou direcional, pois foi entalhado exata-
Mas é somente em Presidente Altino, já na zona de mente ao longo do contato entre as camadas pliocê-
confluência Tietê-Pinheiros, que tais terraços adqui- nicas e os gnaisses ali existentes.
rem maior expressão espacial e geomórfica. Nas colinas de além-Pinheiros, há um con-
As altas colinas da vertente esquerda do Pinhei- traste muito pronunciado entre as encostas dos ou-
ros são dominantemente constituídas por estruturas teiros e altas colinas voltadas para o rio, em face
arenoargilosas pliocênicas, existindo, porém, diver- do sistema de colinas que se desdobram a partir do
sos afloramentos de gnaisses e micaxistos na base e topo ou reverso delas. A começar da cumeada dos
flancos de alguns dos espigões secundários das altas espigões, estendem-se suaves colinas e ondulações
colinas regionais. Não é difícil encontrar-se as linhas discretas, muito bem representadas pelo relevo
de contato entre o embasamento pré-devoniano e as dos novos bairros-jardins ali construídos: “Jardim
camadas sedimentares pliocênicas: na região do Mor- Leonor” e “Jardim Guedala”. Trata-se de largas pla-
ro do Morumbi, o contato encontra-se a 760-790 m, taformas interfluviais, ligeiramente dissecadas, per-
enquanto entre a Cidade Jardim e o Butantã desce ele tencentes a testemunhos da cobertura terciária ou a
para 730 m, ascendendo para 740-745 m na zona da extensões limitadas da superfície de erosão de São Pau-
Vila Industrial Jaguaré. Em muitos pontos, porém, a lo, em plena zona de terrenos pré-devonianos.
base das camadas encontra-se abaixo do nível das pla- O Vale do Pirajuçara, que é altamente assimé-
nícies regionais, mergulhando por sobre as aluviões e trico devido ao seu caráter subsequente, apresenta,
cascalheiros holocênicos e pleistocênicos. Os outeiros em sua vertente esquerda, testemunhos do nível in-
alinhados e altas colinas, que vão do Morumbi até as termediário tabuliforme de 740-745 m, já referidos
proximidades de Santo Amaro, são constituídos in- extensamente no presente trabalho. Existe ao lon-
teiramente por granitos e gnaisses. O assoalho pré- go do baixo e médio Vale do Pirajuçara, em posição
pliocênico na região é muito acidentado, deixando geográfica simétrica e oposta, o mesmo fato que se
entrever a existência de sulcos relativamente fundos e observa na outra margem da Bacia de São Paulo, ao
longo do Vale do Aricanduva. Tal como o Aricandu-
va, o Pirajuçara encaixou-se entre um pequeno ma-
ciço de terrenos cristalinos e uma endentação local
espessa dos terraços terciários. Enquanto a margem
esquerda do Pirajuçara é constituída pelas encostas
de altos outeiros gnáissicos alinhados, sua margem
direita situa-se em pleno domínio das estruturas se-
dimentares pliocênicas sub-horizontais.
Para Oeste e Sudoeste, à medida que se afas-
ta da margem esquerda do Pinheiros, na direção
de Cotia e Itapecerica da Serra, cedo desaparecem
os últimos testemunhos terciários, muito embo-
ra continue o nível de erosão de São Paulo (790-
Altas colinas sedimentares de além-Pinheiros, na 820 m). O relevo se movimenta gradualmente na
região dos Jardins Guedala e Leonor - No primeiro região cristalina, assistindo-se a um amorreamento
plano, área de gnaisses decompostos, correspondentes progressivo das encostas, enquanto o nível dos topos
ao sítio atual do Bairro do Instituto de Previdência. demonstra sinais iniludíveis de uma fase de peneplai-
O Rio Pirajuçara corre entre o Cristalino e o
Terciário, nesta região (Foto: Ab’Sáber, 1950).

209
zação regional, provavelmente pliopleistocênica*. As afluentes do Pinheiros. Identicamente, esboça-se um
planícies aluviais restringem-se aos pontos de con- loteamento incipiente nos lados das estradas regio-
centração de dois ou mais córregos ou riachos, adqui- nais, que desde há muito são as portas de saída da
rindo conformação alveolar. Os terraços fluviais, de cidade na direção da Baixada do Ribeira, Sorocaba
tipo fill terraces, tornam-se descontínuos e estreitos, e Sul do Brasil. Os diversos núcleos e embriões de
aparecendo de preferência nos bordos das planícies bairros da região, porém, ainda permanecem relati-
alveolares, asilando invariavelmente alguns dos ele- vamente isolados entre si. Diferem extraordinaria-
mentos do habitat rural suburbano. mente a intensidade da urbanização e os esquemas
Importantes áreas das altas colinas mais pró- de ocupação urbana e suburbana das áreas de além-
ximas da cidade, na zona de além-Pinheiros, foram Pinheiros, quando comparados com a urbanização
loteadas nos últimos anos, embora não tendo sofri- mais antiga que afetou a área de além-Tietê, a des-
do ainda aquela ocupação extensiva e rápida a que peito das semelhanças topográficas e morfológicas
assistimos para os quadrantes Leste, Norte e Sul da existentes entre as duas áreas.
Metrópole. As fotografias aéreas mais recentes mos-
tram sua grande extensão, ao mesmo tempo que a As colinas e os terraços de além-Tamanduateí
modéstia da extensão metropolitana naquela dire-
ção. Apenas, em torno dos velhos núcleos (como o
Butantã) assistiu-se a um extravasamento da cidade,
sendo igualmente digno de nota a penetração urbana
ao longo das colinas suaves da margem direita do Pi-
rajuçara (em torno do bairro do Caxingui). Observa-
se, outrossim, que o loteamento popular e os bairros
mais modestos se estenderam com rapidez e profun-
didade pelos vales e regiões mais baixos da região,
enquanto os bairros loteados com maior cuidado e
maiores pretensões sociais, situados em áreas de al-
tas colinas, permaneceram estagnados, a despeito de
terem nascido com todos os melhoramentos urbanos
que se possa pretender (caso dos Jardins Guedala e Paisagem das várzeas do Ribeirão Tatuapé, afluente
Leonor). da margem esquerda do Tietê - Terrenos baldios,
Na região de além-Pinheiros, pode ser estudado grandes fábricas, campos de futebol e, eventualmen-
um novo bloco do organismo urbano metropolitano, te, pequenas chácaras hortículas (Foto: Ab’Sáber,
em plena fase inicial de instalação. Sítios, fazendas e junho de 1950).
chácaras, de todos os tipos e tamanhos, ocupavam a
região, até há bem poucos anos. O Pinheiros cons- Entre o talude oriental das colinas do Centro
tituía um limite rígido para o crescimento da cidade da cidade (740-750 m) e as altas encostas do outeiro
naquele setor. Exceção feita do núcleo modesto do da Penha (780-790 m), situadas a 8 km para leste,
Butantã e do loteamento estagnado de Cidade Jar- sucedem-se planícies, terraços fluviais e colinas de nível
dim, nada mais existia naquela grande área. A cidade médio (735-745 m), que constituem uma das áreas
subiu o Espigão Central, no limiar do presente século mais importantes dos bairros industriais e operários
e extravasou pelo Jardim América e Jardim Europa, a da Metrópole. As colinas de além-Tamanduateí só
partir de 1925, marchando depois, progressivamente, adquirem altitudes superiores a 750 m, de 4 a 5 km
na direção de Santo Amaro, através das suaves colinas para o sul do Tietê, à altura das colinas de Vila Pru-
da margem direita do Pinheiros, interligando velhos dente e arredores (790-800 m).
e novos núcleos de bairros. Entretanto, a Metrópole Após as planícies do Tamanduateí (723-725
não se animou a transpor as várzeas e o canal do Rio m), estendem-se baixos terraços fluviais, do tipo fill
Pinheiros, relegando toda a vertente esquerda do vale terraces, no Brás, Mooca e Pari, onde as altitudes
a um abandono sensível. oscilam entre 725 e 730 m. Do Belenzinho para a
Agora, na região, multiplicam-se as áreas de lo- frente, até o Belém, Alto do Belém e Quarta Para-
teamentos de todos os tipos: quer nas altas colinas e da, a topografia ascende em rampa extremamente
outeiros alinhados, quer nas encostas acentuadas dos suave, até alcançar o nível tabular intermediário de
primeiros espigões secundários da margem esquerda 740-745 m. O vale do Ribeirão Tatuapé seciona o
do vale, assim como ao longo de todos os vales de nível intermediário, repetindo o mesmo fato obser-
vável com o Anhangabaú nas colinas da área central.
* Ab’Sáber, Aziz Nacib. “Os terraços fluviais da Trata-se de um sulco bem marcado, inciso a partir
região de São Paulo”, em Anuário da Fac. de Fil. Sedes de uma retomada de erosão iniciada a partir do ní-
Sapientiae, (1952-53), pp. 91-93, São Paulo, 1953. vel de 740-745 m. O perfil transversal do pequeno

210
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
11

O Vale do Aricanduva, a E e SE de Vila Carrão - Trata-se de um trecho em que o rio é marcadamente “dire-
cional”, caminhando próximo do contato entre os terrenos cristalinos e os sedimentos terciários. Note-se, ainda,
a assimetria do vale e a desigual ocupação dos solos nas duas vertentes (fragmento do Mapa Topográfico do
Município de São Paulo, da SARA do Brasil, S.A., 1930).

vale regional é semelhante, em tudo, ao do Anhan- terraceadas e colinas tabulares suavizadas pertencen-
gabaú, possuindo flancos simétricos bem marcados e tes ao nível intermediário principal. A Penha, muito
fundo ligeiramente achatado, com estreitas faixas de pelo contrário, constitui um verdadeiro fragmento
aluviões recentes. Não aparecem terraços bem marca- dos níveis topográficos mais elevados da região de
dos nos bordos do vale, a não ser próximo da embo- São Paulo (790-805 m), que restou excepcionalmente
cadura do ribeirão no Tietê, na parte baixa do bairro próximo da margem esquerda do Tietê, contrastando
do Tatuapé e fundos do Instituto de Menores, algu- sobremaneira com a posição geográfica das principais
mas centenas de metros ao norte da Avenida Celso plataformas interfluviais da região.
Garcia. O Vale do Aricanduva, que se entronca com o
As colinas de nível médio, bem expressas no Vale do Tietê, entre a Vila Maranhão e a Penha,
Tatuapé e em pequena área da chamada Cidade possui um perfil transversal, nitidamente assimétri-
Mãe-do-Céu, descaem posteriormente para os ter- co, devido a sua posição em face dos diversos níveis
raços fluviais do Parque São Jorge e Vila Maranhão. do relevo regional. Enquanto sua margem esquerda
Enquanto no Parque São Jorge existem baixas coli- é barrada pelas altas encostas do outeiro da Penha
nas terraceadas, pertencentes ao nível de 740 e 735 e altas colinas vizinhas, sua margem direita é com-
m, na Vila Maranhão, próximo da embocadura do posta de baixos terraços fluviais, colinas tabulares
Rio Aricanduva no Tietê, existem alguns dos melho- suavizadas. Note-se que a 4 ou 5 km para Sudeste,
res exemplos de terraços fluviais típicos da região de a montante de sua embocadura, o Rio Aricanduva
São Paulo. continua assimétrico, embora devido a razões dife-
O outeiro da Penha e as altas colinas circun- rentes: aí ele se torna nitidamente direcional, refle-
vizinhas constituem uma grande exceção nesse qua- tindo mais de perto o arranjo estrutural da região.
dro geral de planícies, terraços e colinas suaves. Se Seu vale encaixou-e exatamente entre o bordo SSE
é que na margem direita do Tietê, logo após as vár- do maciço granítico de Itaquera (750-840 m) e uma
zeas, se encontram altas colinas e outeiros, na mar- das endentações sul-orientais da bacia sedimentar
gem esquerda dominam sempre terraços, colinas pliocênica regional.

211
1. O Espigão Central (800-820 m) - Plataforma interfluvial Tietê-Pinheiros, principal remanescente da super-
fície de erosão de São Paulo, no interior da bacia sedimentar paulistana. Nas colinas de além-Tietê e além-
Pinheiros, as plataformas interfluviais análogas estão muito dissecadas. 2. Altas colinas e espigões secundários
(esculpidos nas abas das primitivas plataformas interfluviais das colinas paulistanas (790-795 m). 3. Terraços
fluviais do nível intermediário (745-750 m) - Principal nível de strath terrace das colinas paulistanas. Plataformas
interfluviais secundárias, esculpidas nas abas do Espigão Central e dotadas de marcante tabularidade local. 4.
Baixos terraços fluviais dos vales do Pinheiros, Tietê e seus afluentes principais - Nível de terraços fluvioalu-
viais de tipo fill terrace, em geral mantidos por cascalheiros e aluviões antigas. Altitude média: 725-730 m. 5.
Planícies aluviais do Tietê-Pinheiros e seus afluentes - Em geral, dotadas de dois níveis: um, raso, baixo e sub-
mersível, outrora afetado por cheias anuais; e outro, ligeiramente mais alto e menos encharcado, sujeito apenas
às cheias periódicas. Altitude média das grandes planícies: 720-722 m.
Nota: Não foram mapeados os terraços estruturais mais elevados, assim como os casos de terraços desdobrados.

É curioso notar que a assimetria verificada no As explicações mais aceitáveis parecem estar li-
baixo Tamanduateí repete-se na região da Penha, gadas aos fatos observados no médio Vale do Arican-
embora com relação à margem oposta e com desní- duva, onde este rio é subsequente ao contato entre os
veis ampliados. O Baixo Tamanduateí encostou-se granitos e os sedimentos terciários. As altas colinas
à colina da cidade, através de sua margem esquer- da região da Penha, embora constituídas localmen-
da; enquanto isso, o Aricanduva encostou-se à alta te por sedimentos terciários, correspondem à ponta
colina da Penha, pela margem direita. Sabendo-se final de um espigão que acompanha o rebordo sul-
de antemão que a margem de ataque normal é a es- oriental do maciço granítico de Itaquera. O Arican-
querda para os rios afluentes do Tietê, que correm de duva, que é o mais importante afluente da margem
SE para NW, impõe-se uma tentativa de explicação esquerda do Tietê, depois do Tamanduateí, ao ini-
geomorfológica para a assimetria do vale do Baixo ciar seu encaixamento a partir do nível de erosão de
Aricanduva. São Paulo, adquiriu uma tendência direcional típica,

212
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
11

íso. Nesse caso, teria havido, logo depois do Plio-


ceno, um Espigão Central Tietê-Pinheiros, ainda
muito mais extenso e largo que o atual, na direção
WNW-ESE. Trata-se de uma hipótese de trabalho,
de difícil comprovação, que fica na dependência de
estudos de páleo-hidrografia recente do Alto Tietê,
ainda não completos. A juventude inicial observável
no entalhamento das altas colinas situadas ao Sul de
Vila Prudente e do Ipiranga, e a ausência pronun-
ciada de níveis intermediários nessa área, apoiam,
ainda que parcialmente, essa interpretação. Tem-se
a impressão nítida de que as plataformas interfluviais
paralelas das altas colinas do Sacomã, Moinho Ve-
lho, Vila das Mercês e São Bernardo do Campo, na
saída da Via Anchieta, constituíam até bem pouco
um extenso trecho do platô tabular pliocênico, re-
centemente dissecado pela expansão da drenagem do
Tamanduateí.
A cidade de São Paulo, em seu período mo-
derno de crescimento, a partir do último quartel do
século passado, encontrou, nos terraços fluviais e
baixas colinas terraceadas de além-Tamanduateí, um
dos quadros principais para a expansão do organis-
mo urbano. Até os meados do século XIX, o trecho
do velho caminho do Rio de Janeiro, que se estendia
desde a Penha até São Paulo, era pontilhado apenas
por chácaras, sitiocas, vendolas de beira de estrada e
terrenos baldios. Não se modificara muito o quadro
de paisagem descrito por Saint-Hilaire, algumas de-
zenas de anos antes.
Topografia da área de confluência entre o Tietê e O fato que auxiliou a penetração urbana nas
o Aricanduva, nos arredores da Penha (fragmento terras de além-Tamanduateí foi o traçado da anti-
extraído da “Folha de São Paulo”, da Comissão ga “São Paulo Railway” e o ponto de entroncamento
Geográfica e Geológica do Estado, 1889). dessa ferrovia com a atual “Central do Brasil” (antiga
“E. F. São Paulo-Rio de Janeiro”). No bairro do Brás,
permanecendo orientado segundo a linha de conta- portanto, se cruzaram os trilhos de estradas que de-
to geral entre o maciço granítico e a extensão regio- mandavam Santos e o Vale do Paraíba e que estavam
nal de terrenos terciários. A despeito dos epiciclos interligadas ao sistema de ferrovias que penetravam
erosivos pós-pliocênicos, restou sempre subsequen- gradualmente o interior centro-ocidental do Estado
te, possuindo sua vertente esquerda diretamente no de São Paulo.
Terciário e sua vertente direita no Cristalino. Por seu Os engenheiros ferroviários procuraram assentar
turno, a margem de ataque principal de seu vale foi os trilhos sobre os terrenos mais enxutos, pertencen-
sempre a direita, fato que se evidenciou em todas as tes aos terraços fluviais, evitando os terrenos aluviais
retomadas de erosão ali processadas. Daí a assimetria alagadiços e inconsistentes do Tamanduateí. Através
geral existente em quase todo seu vale. dessas medidas, favoreciam de pronto a criação de
Lembramos, finalmente, que o Vale do Ta- um novo bairro para a florescente cidade dos fins do
manduateí, em seu trecho médio, separa radical- século. Pouco depois, em áreas contíguas da Estação
mente a linha de continuidade do Espigão Central do Norte (“Roosevelt”), expandiram-se os bairros da
da cidade, em relação ao Espigão de Vila Prudente, Mooca, Belenzinho e Pari, recobrindo todos os tratos
que se orienta de Oeste para Leste. Observando-se de terraços mais enxutos e tendendo a englobar as
os mapas topográficos da região de São Paulo, tem- baixas colinas pliocênicas do Belém. Entre os fins do
se a impressão de que antigamente teria havido uma século passado e a primeira metade do século atual,
continuidade entre o Espigão de Vila Prudente e a industrialização e sua expansão, ao longo das ferro-
o Espigão Central, e que o entroncamento antigo vias e dos terrenos vagos desses bairros mais modestos,
das duas extensas plataformas interfluviais se fazia facilitou a extensão da urbanização por enormes áreas,
entre as altas colinas de Vila Prudente e as colinas redundando na “conurbação” extensiva de todos os an-
igualmente elevadas do Ipiranga, Aclimação e Para- tigos núcleos que pontilhavam o caminho do Rio de

213
Janeiro, desde o Brás até a Penha e circunvizinhanças. suas observações sobre esse fato curioso, lembrando-
A Avenida Celso Garcia, saindo da colina central, cruza nos que sua explicação histórica reside numa questão
todos os elementos topográficos da região em estudo muito simples da evolução do sistema de transportes
- planícies, terraços, colinas médias de diversos níveis no Brasil: entre nós, a passagem do “ciclo do muar”
-, atingindo o outeiro e as altas colinas da região da para o ciclo da circulação moderna se fez à custa de
Penha, que, por seu turno, é o ponto inicial dos vastos um salto gigantesco, sem fases de transição. Passa-
subúrbios orientais da Metrópole*. mos diretamente dos caminhos tropeiros para a era
A estrutura urbana dos bairros de além-Ta- das rodovias, sem aquela série intermediária impor-
manduateí reflete menos as condições gerais do re- tante, que correspondia aos diversos tipos de estradas
levo regional que as irregularidades do crescimento carroçáveis, tão conhecidas na história dos transpor-
histórico-espacial e os entraves e limitações impostos tes na Europa Ocidental. Em outras palavras, tendo
pela trama dos caminhos antigos e das ferrovias que passado diretamente do “ciclo do muar” para o “ciclo
cruzam a região. do automóvel”, sem a transição normal do “ciclo das
Apenas na zona próxima da Penha existem evi- diligências”, assistimos a uma interferência radical
dências acentuadas de imposições do relevo à estru- na estrutura dos caminhos, fato que adquire maior
tura urbana. É assim que a “E. F. Central do Brasil” contraste no interior da zona urbana metropolitana
procura contornar o outeiro da Penha, bifurcando-se das cidades de crescimento recente muito rápido.
por dois traçados: o da Linha-tronco e o da Variante. Daí encontrarmos, em pleno interior da Metrópole
A Linha-tronco acompanha o vale de um pequeno paulistana, heranças dessa excepcional interferência
afluente da margem direita do Aricanduva, situado a na estrutura dos caminhos e estradas. Tanto na Pe-
Sudeste da Penha, transpondo os morros e altas co- nha como na Casa Verde e em Santana existem bons
linas do maciço de Itaquera, através dos vales de pe- exemplos desse fato, inscritos quase que definitiva-
quenos rios regionais. A Variante, por sua vez, con- mente na paisagem urbana, perfeitamente à mostra
torna o outeiro da Penha pelo Nordeste, dirigindo-se para os que quiserem ler sua história.
pela margem esquerda do Tietê, através da zona de Tecendo comentários em torno do livro de
transição entre as várzeas, colinas e outeiros, até re- Malraux, Tentação do Ocidente, Sérgio Milliet (in Diário
encontrar a Linha-tronco, em Calmon Viana. Crítico, Liv. Martins, 1947, p. 23) diz:
O outeiro da Penha representa uma espécie do
estrangulamento forçado para a circulação WL ao Lembro-me de uma frase de Le Corbusier apon-
longo da vertente esquerda do Tietê. Ali, enquanto tando, no que sobrara do passado, os males da
os trilhos se bifurcam dificultosamente, os caminhos urbanização moderna. O caminho de burros é
e avenidas de ligação procuram transpor as encostas que impediria as cidades de se tornarem harmo-
do outeiro, através de ladeiras de rampa acentuada. niosas. Era preciso acabar com os caminhos de
Roger Dion** atinou bem com uma expressiva burros e abrir grandes avenidas margeadas de
interferência de estrutura urbana nas encostas do tra- arranha-céus. Mas o caminho de burros, a rua
dicional outeiro amorreado. Ali, os velhos caminhos, sinuosa que acompanha a topografia natural, é o
herdados do passado colonial, galgam o pequeno mor- caminho do homem sábio que se adapta à natu-
ro, através de íngremes e retas ladeiras, nascidas duran- reza em vez de gastar suas forças num combate
te o ciclo de transporte animal que precedeu de perto a inglório.
era recente dos transportes motorizados. Tais ladeiras,
que atendiam perfeitamente à circulação dos animais, Na presente oportunidade lembramos que as
vieram constituir acidentes sérios para a circulação de referências um tanto negativas que geógrafos e ur-
bondes elétricos, caminhões e autos. No presente sécu- banistas às vezes fazem aos caminhos de muares em
lo, quando da extensão da rede de bondes elétricos até relação à estrutura de certas aglomerações urbanas
a Penha, a antiga ladeira de acesso à tradicional igreja brasileiras liga-se a um fato inteiramente oposto
do alto do outeiro não pôde atender às necessidades àquele referido por Sergio Milliet. Na verdade, algu-
do novo sistema de circulação. Tornou-se necessário mas ladeiras íngremes cuja rampa poderia servir para
construir uma ladeira variante, através de um traçado animais de carga, são absolutamente inviáveis para a
em meio-caracol, a fim de favorecer a criação de uma tração a motor comum.
rampa menos íngreme para os bondes. Essas duas so-
licitações diferentes, ligadas a diferentes épocas e di-
ferentes sistemas da circulação, permaneceram, lado A bibliografia deste artigo se encontra no DVD anexo
a lado, na estrutura urbana do bairro. Dion completa

* Azevedo, Aroldo de. “Subúrbios Orientais de São Paulo”,


São Paulo, 1945.
** Informações verbais.
214
BIBLIOGRAFIA

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de São Paulo. Revista Politécnica, São Paulo, n. 149, out. 1945.
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
12

Depoimento do Professor
Bigarella

Neste texto, de caráter mais pessoal do que técnico,


vou fazer um relato de minha convivência com Aziz nos
tempos iniciais de sua carreira, quando já se prenunciava o
fato, hoje amplamente reconhecido, de que ele traria enor-
mes contribuições à geografia brasileira.
Vindo de Curitiba, já Bacharel em Química, e for-
mado Químico Industrial, iniciei em 1946 meu estágio na
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, na Ala-
meda Glete, 463; minhas áreas de interesse principal eram
Mineralogia, Petrografia, Geologia e Paleontologia, e sub-
sidiariamente estudava também Botânica e Geografia.
Conheci Aziz ainda como aluno do 3º ano do en-
tão Curso de Geografia e História da mesma Faculdade, à
época ministrado no terceiro andar do magnífico prédio da
Escola Caetano de Campos, na Praça da República, bem
no centro de São Paulo. Tivemos oportunidade de par-
ticipar de algumas excursões de campo. Aziz era muito
dedicado e questionador perante alguns professores, inclu-
sive publicando suas ideias. Algumas vezes discutia com o
professor e não aceitava seus argumentos, propondo inter-
pretações diferentes.
Um dos seus trabalhos que despertou grande interes-
se dizia respeito às depressões periféricas; tendo recebido o
elogio admirado do Prof. Gilberto Osório de Andrade, de
Pernambuco.
Participamos com a elite geográfica brasileira da
reunião da AGB - Associação dos Geógrafos Brasilei-
ros - em Cuiabá, em 1953, na qual Aziz participou do
trabalho de campo em direção ao Seringal do Rio Arinos
(pouco além do divisor Prata/Amazonas). Nessa excursão
Aziz, apesar de jovem, praticamente liderava o grupo, a
todo momento destacando a geomorfologia da paisagem.
No topo da Chapada, fez um verdadeiro raio-X da mor-
fofisionomia do contexto paisagístico. Como ele era bom
conhecedor da literatura geológico-geográfica brasileira,
falei-lhe em particular e apontei um afloramento, o que
fez com que ele, a seguir, introduzisse minha observação
numa sua publicação.
A partir desse momento, iniciou-se uma amiza-
de sincera e de respeito mútuo, e passamos a cooperar de
forma complementar na metodologia da interpretação do
relevo.

215
O conceito geomorfológico das escolas euro- com os resultados das pesquisas em Canhanduva. O
peias clássicas e das ideias de Davis, da escola ame- exame mais ou menos detalhado da estrutura sedi-
ricana, receberam de nós uma abordagem distinta a mentar interna dos diversos níveis de pedimentos
respeito das superfícies de erosão e/ou agradação, o permite reconhecer evidências de climas mais seve-
famoso tema de morfologia + estrutura interna. ros (semiáridos) em regiões tropicais fluviais, confir-
Passadas quase uma década e meia, em 1960, mando assim a ocorrência de importantes mudan-
na época em que desenvolvíamos um trabalho de ças climáticas. Esses estudos permitiram descrever
extensão junto ao setor de geociências da Universi- a paisagem do ponto de vista morfoclimático sem
dade Federal do Rio Grande do Sul, participei com desconsiderar nem a tectônica, nem o papel da pe-
os professores do curso de geologia, entre eles Aziz, dogênese.
de uma excursão de onibus com destino a Brasília, Em 1962, realizamos com Aziz e Salamuni
onde seria realizado o 14º Congresso da Sociedade uma viagem a Penedo, AL, para mais uma reunião
Brasileira de Geologia. Durante a viagem paramos da AGB. Fizemos o itinerário de automóvel. Apa-
em numerosos afloramentos para discutir a geolo- nhamos o Aziz em São Paulo e na viagem de São
gia e também a paisagem. No retorno passamos por Paulo a Salvador (pela BR-116, na época ainda não
Minas Gerais, onde Aziz, muito entusiasmado, des- asfaltada) passamos por Milagres, no interior da
crevia os pedimentos embutidos na paisagem, cha- Bahia, a oeste de Salvador. O propósito dessa via-
mando igualmente a atenção para aqueles que havia gem era o de tentar correlacionar os vários níveis de
visto no Nordeste. erosão e/ou sedimentação nos diferentes comparti-
Embora eu não tivesse ainda tido a oportuni- mentos atravessados no itinerário. No conceito que
dade de visitar o Nordeste, eu havia conhecido com desenvolvemos, o nível de pedimento representava
grande detalhe os pedimentos do sudoeste america- uma “camada guia” ou melhor um “elemento guia”
no durante minha bolsa de pesquisa patrocinada pela fundamental para a correlação. Este trabalho foi
John Simon Guggenheim Memorial Foundation igualmente realizado na volta pela rodovia litorânea,
(1951/1952). Complementei as observações de Aziz a BR 101.
com o que eu havia visto a respeito de sua estrutura. Todas essas observações, juntamente com
Esse foi para Aziz e eu outro ponto que nos direcio- aquelas que realizamos numa viagem de Curitiba a
nou no estudo da evolução da paisagem, e ampliou Montevidéu com o Prof. Gilberto Osório de Andra-
nosso campo de pesquisas. de, apresentei ao Prof. Hans Mortensen em Göttin-
Pouco depois, de forma inesperada, numa ex- gen (Alemanha) em 1963, durante uma bolsa que
cursão que realizava com o Prof. Riad Salamuni para obtive do DAAD (Deutscher Akademischer Aus-
estudar a sedimentologia e estratigrafia dos depósitos tauschdienst - Serviço de Intercâmbio Acadêmico
cenozoicos e quaternários em Santa Catarina, princi- Alemão). O Prof. Mortensen entusiasmou-se e soli-
palmente ao longo da rodovia Curitiba-Florianópolis, citou que apresentássemos um trabalho para ser pu-
ficamos surpresos ao reconhecer a presença de pedi- blicado no Zeitschrift fur Geomorphologie, para o qual
mentos numa região coberta pela mata atlântica em convidei Aziz a participar, e que efetivamente saiu
Garuva (fronteira PR/SC) e Canhanduva (estrada Ita- no vol. 8, de 1964, dessa prestigiosa revista.
jaí/Balneário Camboriú, SC). Nessa época, Aziz já granjeara reconhecimen-
Pouco depois, Aziz veio a Curitiba e, devido a to nacional e internacional, e desde então mantemos
uma crise política, a divisa PR/SP foi fechada e não uma agradável amizade pessoal e contato contínuo,
pôde retornar a São Paulo. Foi um ótimo momento, sempre incluindo discussões de problemas que nos
pois com a equipe do Instituto de Geologia foi pos- atraem a atenção em determinados assuntos.
sível desenvolver uma série de trabalhos, que vieram
a ser publicados no Boletim Paranaense de Geografia (Carta do Prof. Bigarella, de 9 de junho de 2006,
nº 4/5 (novembro 1961). Aziz ficou entusiasmado transcrita por Virginio Mantesso Neto)

216
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
12
OCORRÊNCIA DE PEDIMENTOS
REMANESCENTES NAS FRALDAS DA
SERRA DO IQUERERIM (GARUVA, SC)

João José Bigarella


Pedro Lagos Marques Fº
Aziz Nacib Ab’Sáber

A presença de depósitos de seixos e matacões nas en-


costas da Serra do Mar no Paraná é comum e amplamente
1961. Ocorrência de pedimentos rema- distribuída, embora a tal ocorrência não se tenha dado de-
vida importância até agora. Apesar desses depósitos terem
nescentes nas fraldas da Serra do
chamado a atenção, quer seja pela sua disposição ou pelo
Iquererim (Garuva, S.C.) Boletim
seu aspecto, até o momento não mereceram mais do que
Paranaense de Geografia, Curitiba, citações esparsas e breves. Em geral, têm eles sido consi-
(4/5):82-93. derados, sem maiores discussões, como simples depósitos
de tálus.
Maack (1947:150) ao se referir à geologia do Qua-
ternário, nos Estados do Paraná e Santa Catarina, chamou
a atenção para “os amontoados de blocos grandes e seixos
(Schutthalden) resultantes da desagregação mecânica de ro-
chas” que ocorrem na Serra do Mar. Para a formação dos
mesmos, o referido autor atribui um clima semiárido em
uma época do Quaternário Antigo, ainda não determinada.
Contudo, Maack, que foi rigorosamente um pioneiro, não
aduziu à sua ideia dados mais positivos que eliminassem
dúvidas quanto ao paleoclima responsável pela formação
desse amontoado de seixos.
Todavia, a esse autor cabe, como frisamos, o grande
mérito de ter assinalado, pela primeira vez no Brasil me-
ridional, a ocorrência de vestígios de clima mais rigoroso
de caráter semiárido. Em 1957, Cailleux e Tricart vislum-
braram o teor das flutuações climáticas vigorantes durante
o Quaternário na porção sul-oriental do Brasil. Para for-
mações mais antigas (pliopleistocênicas) da Bacia de Curi-
tiba, Bigarella e Salamuni (1958) atribuíram um clima
semiárido, vigorante à época da deposição da Formação
Guabirotuba. Por seu turno, Tricart (1959) estabeleceu de-
finitivamente que as flutuações mais contrastadas de clima
do Quaternário em nosso país se processaram no Brasil
sudeste.
Os depósitos de seixos e matacões, objeto desta nota,
ocorrem nas encostas das serras de Iquererim. E São João,
na divisa Paraná-Santa Catarina, bem como no vale do
Rio São João, na descida da serra, na estrada Curitiba-
Joinville.

217
Os depósitos mencionados preenchem o vale demonstram magnificamente as fotografias aéreas
daquele rio, dispondo-se especialmente em sua da região.
margem direita onde estão melhor desenvolvidos e O pedimento é em grande parte detrítico
onde localiza-se a estrada de rodagem que se apro- muito grosseiro e, menos frequentemente, rochoso.
veita dos mesmos, os quais, embora dissecados, faci- O pedimento detrítico jaz sobre uma superfície bas-
litam seu traçado até a planície litorânea. O aspecto tante irregular e apresenta espessuras que variam
dos depósitos é característico na morfologia geral do desde alguns decímetros até mais de uma dezena de
vale onde se nota uma quebra brusca do relevo entre metros. O material detrítico é extremamente gros-
esses depósitos (pedimentos) e as encostas cristalinas seiro e de composição heterogênea. Os constituintes
da serra, tanto de um como de outro lado do vale, fragmentários podem variar desde alguns centíme-
especialmente na margem ocidental do mesmo. A tros até matacões com mais de 4 m de diâmetro, o
partir desta linha, a superfície dos depósitos inclina- que só se poderia justificar em um declive de pedi-
se mais suavemente em direção ao rio e em direção à mentação na base de uma grande escarpa como é a
localidade de Garuva. Foram medidas declividades Serra do Mar.
variando de 5° a 12° para diversos locais. Declivi- A grande maioria dos fragmentos é angular
dades estas que contrastam fortemente com as en- a subangular e, no que se refere à composição, um
costas adjacentes. Este aspecto morfológico lembra, primeiro exame revelou a predominância de diversos
sugestivamente, um pedimento em sua forma detrí- tipos de gnaisses, granito e diabásio, fragmentos
tica, ao pé de escarpamentos íngremes, como se pode estes envolvidos numa matriz areno síltico argilosa.
verificar nos desenhos e fotografias que ilustram a Estas rochas são encontradas nos afloramentos do
presente nota. Uma série de outros caracteres estru- complexo cristalino regional.
turais e texturais parecem corroborar esta assertiva. Os pedimentos detríticos em discussão são
O conjunto dos pedimentos dissecados perde alti- bem individualizados, e diferem fundamentalmente
tude em direção a Garuva, em Santa Catarina. de outras acumulações do tipo de depósitos de tálus
Nas imediações dessa localidade, o Rio São que ocorrem frequentemente na base dos altos pare-
João, aparentemente num cotovelo de falha, dirige dões da serra. Estes últimos são caracterizados por
seu curso em sentido NE, para finalmente desaguar seu flagrante grau de modernidade, ligado à própria
na Baía de Guaratuba. Detalhes sobre a drenagem fase úmida atual, e, também, por sua presença ao
local serão tratados mais adiante. De Garuva em pé de muitas elevações de menor porte. É provável
diante os pedimentos encostam diretamente nas que muitos dos matacões observados nestes depó-
serras do Iquererim e São João, conferindo à pai- sitos sejam o produto do retrabalhamento dos pedi-
sagem um aspecto característico e inconfundível. mentos preexistentes.
Em virtude da boa caracterização dos pedimentos Em geral todas essas acumulações de detritos
nesta área, foi ela escolhida para a descrição dessas grosseiros distinguem-se prontamente de outros de-
feições geomórficas. Ao que parece, os fenômenos de pósitos grosseiros litorâneos, os quais estão situados
pedimentação repetiram-se intensamente em pelo em terraços de construção marinha. Essa distinção
menos duas fases distintas. é evidente, também com relação aos depósitos con-
Esta verificação é importante por suas impli- tinentais da Formação Alexandra e dos sedimentos
cações morfogenéticas e paleoclimáticas. Consta- marinhos da planície litorânea. Aqueles tipos de
taram-se posteriormente ocorrências similares em depósitos de piemonte, identificados pela primeira
outras áreas da Serra do Mar, evidenciando uma vez, em função de sua morfologia de superfície, na
generalização do fenômeno, conduzindo à neces- área de Garuva, ainda retém muito da originalidade
sidade de uma revisão nos processos atuantes na morfológica primitiva, apesar da dissecação subse-
paisagem da fachada Atlântica do Brasil sudeste a quente. Os mesmos podem ser reconhecidos e iden-
meridional. tificados, agora, em inúmeros lugares ao longo da
A superfície representada pelos pedimentos Serra do Mar, no litoral sul-brasileiro, apesar de um
inclina para o interior do vale, ou melhor, para a retalhamento erosivo mais intenso.
margem esquerda do mesmo, em consequência da Independente deste fato, estes depósitos pa-
maior amplitude do relevo à direita. Como já sa- recem suficientemente caracterizados para mere-
lientamos, o conjunto todo mergulha para juzante. cerem uma denominação estratigráfica própria.
Nos vales existentes na grande escarpa das serras Assim sendo, para o conjunto estratigráfico repre-
do Iquererim e São João, nota-se frequentemente sentado por esses depósitos, propomos a denomi-
a penetração da superfície dos pedimentos, sulco nação “Formação Iquererim”.
adentro. Na área de Garuva, o pedimento parece Na realidade, essa formação é composta de
limitar-se com uma possível linha de falha, a qual dois depósitos distintos, originados em fases de pe-
produz na serra um alinhamento descontínuo de fa- dimentação independentes. Justificamos a inclusão
cetas triangulares ou semitrapezoidais, conforme o destes depósitos em uma única formação, em vir-

218
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
12

tude das dificuldades para a sua correlação e dife- tuadas entre as colinas formadas pelos pedimentos
renciação com ocorrências similares eventualmente desta última, em posição topográfica mais baixa que
encontráveis em outros locais. É possível que, futu- a mesma.
ramente, tais correlações sejam viáveis mediante es- A formação Iquererim, nos depósitos corres-
tudos geomorfológicos acurados, acompanhados de pondentes à fase I, é constituída por matacões apa-
mapeamentos. Provisoriamente, todos os depósitos rentemente menores, distribuindo-se especialmente
daquela natureza ficam enquadrados sob aquela de- nas porções mais baixas. A superfície de pedimen-
nominação comum. tação formada, nesta fase, foi bastante erodida pelos
As duas fases de pedimentação, que corres- rios que sulcam a área. Por seu turno, os depósitos
pondem aos depósitos da formação em apreço, são correspondentes à fase II de pedimentação ocupam
aqui denominadas “fase I” e “fase II”, conforme se os interflúvios e como nível bem marcado se con-
refiram, respectivamente, à fase mais recente e à servam na região.
mais antiga*. O declive superficial da fase I acha-se A idade da formação em apreço, bem como
embutido no declive mais inclinado e elevado da fase das fases de pedimentação, constitui um problema
II. Existe, portanto, uma apreciável discordância de aberto, se bem que uma idade pleistocênica pareça
erosão entre ambas, além de posição estratigráfica ser mais provável. São, contudo épocas de clima ri-
bem definida dos depósitos. Entre as duas fases com goroso, semiárido, quando a Serra do Mar achava-se
clima semiárido mediou um clima úmido. desprovida de cobertura florestal densa, efetivando-
Talvez na área de Gavura ocorra uma fase III, se então especialmente uma desagregação mecânica
mais antiga, a oeste da mencionada linha de falha, ativa e onde enxurradas possantes em lençóis de lama
mas também é possível que a fase de pedimentação moviam verdadeiras avalanches de blocos de tama-
II tenha sido falhada após o seu desenvolvimento nhos variados encosta abaixo. Aquelas fases são, por-
pleno. É ainda um ponto a esclarecer. Entretanto, tanto, documentos na fachada atlântica da Serra do
até o presente momento, considerando nossas obser- Mar, de etapas de semiaridez alternadas com fases
vações de campo e em fotografias aéreas, pendemos úmidas. Estas provocavam intensa decomposição
para o primeiro conceito, o qual parece o mais pro- química das rochas, enquanto que aquelas desenvol-
vável. viam uma morfogênese mecânica, intensiva. Entre
De modo geral, no conceito clássico, os de- as fases semiáridas responsáveis pelos pedimentos I
pósitos detríticos de cobertura nos pedimentos são e II, existiu, ao que tudo indica, uma fase úmida, a
menos significativos. Entretanto, nas ocorrências qual dissecou o pedimento da fase II da Formação
aqui descritas, a forma detrítica assumiu importância Iquererim.
maior, possivelmente devido ao caráter excepcional Quando vigorava o clima semiárido, a linha
da escarpa, em cujo sopé elas se formaram. Verifica- de costa deveria estar muito recuada para leste e,
se assim, não um delgado manto de sedimentos, portanto, o nível do mar deveria estar muito abaixo
mas sim uma acumulação possante e de expressão do atual. A continuidade da superfície do pedimento
geográfica tão bem marcada, a ponto de merecer a mergulha sob os sedimentos aluviais da planície li-
designação estratigráfica proposta. torânea a S e SE de Garuva. A disposição dos pedi-
A área tipo da descrição encontra-se nos ar- mentos, em relação à planície litorânea, parece cor-
redores N, W e SW da Gavura (Figura 1). Várias roborar esta possibilidade, uma vez que eles somente
secções foram examinadas, especialmente ao longo poderiam ter sido formados com nível marinho bem
da estrada para Curitiba e mesmo fora da área ma- mais baixo que o atual, dentro, portanto, da teoria
peada. O mapeamento define a área de concorrência do controle glacioeustático das oscilações marinhas
dos pedimentos aqui considerados. A denominação pleistocênicas.
“Formação Iquererim”, como vimos, refere-se in- Estas épocas de nível oceânico baixo corres-
distintamente aos espessos depósitos rudáceos, aos ponderiam a fases glaciais do Pleistoceno. Ao se
quais correspondem as duas fases de pedimentação. fazer esta correlação, interpretamos tentativamente
A fase I (mais recente) desenvolve-se em as fases de pedimentação, de clima semiárido na
grande parte às expensas do retrabalhamento da fachada atlântica, com as fases de glaciação quater-
fase II (mais antiga) e ocupa as áreas erodidas si- nária. Devido ao caráter pioneiro destas pesquisas
* Se fôssemos obedecer os critérios geológicos clássicos, no que se refere à Serra do Mar, não se pode ainda
deveríamos iniciar a numeração das formações a partir da adiantar com segurança a quais das glaciações per-
mais antiga, isto é, a que possui posição topográfica mais tencem as fases pedimentares I e II descritas nesta
elevada, em direção à mais recente, topograficamente de contribuição.
menor altitude. Como no estado atual de nossas pesqui- A importância destes fenômenos para a com-
sas não podemos discriminar todas as formações e ní- preensão da geomorfogênese litorânea e da paleocli-
veis, utilizamos provisoriamente a mesma nomenclatura matologia regional é evidente. Até aqui, a importância
empregada na designação geomórfica dos pedimentos e dos fatores climáticos na evolução da paisagem tem
terraços.
219
sido apenas sugerida. Os fenômenos aqui mencio- processos de pedimentação que deram origem a for-
nados constituem as primeiras indicações mais con- mação dos vários pedimentos.
cretas a este respeito ou, pelo menos, as mais suges- A correlação provisória dos fatos sedimentoló-
tivas, e deixam claro na região, a existência de pelo gicos, morfoclimáticos e paleoclimáticos na Serra do
menos duas fases semiáridas rigorosas e de duração Mar paranaense e catarinense pode ser examinada
relativamente longa, quando comparada com fases no Quadro 1 anexo ao presente trabalho.
secas subsequentes. Por outro lado, os pedimentos Após a elaboração dos dois ou três níveis de pe-
que abrangem a Formação Iquererim fornecem um dimentos embutidos que vimos de estudar, a erosão
elo a mais para a concatenação dos eventos da evo- ao longo do eixo do Vale do São João adquiriu ou
lução da paisagem litorânea já verificados. É mister retomou um caráter mais linear, quando os climas se
esclarecer, no entanto, que qualquer quadro crono- tornaram menos ásperos, estabelecendo-se de uma
lógico seja ainda encarado apenas como tentativa, vez por todas a correnteza fluvial que está incisa no
carecendo de pesquisas futuras, mais minuciosas. conjunto dos pavimentos regionais.
A sequência sedimentar mais antiga na pla- O encaixamento do Rio São João nos antigos
nície litorânea do Paraná é representada pela For- pedimentos embutidos guiou-se pelo eixo mais baixo
mação Alexandra, descrita por Bigarella, Salamuni do pedimento mais recente e colocado em nível mais
e Marques (1959) como camadas continentais, de baixo, sendo que num dado momento esboçou-se o
idade provavelmente terciária, ainda relacionada estabelecimento de um plano de fundo o qual pra-
aos movimentos tectônicos finais da Serra do Mar. ticamente destruiu o caráter inclinado daquele nível
Esta formação de caráter fluviolacustre, bem como de pedimentos. Usando os termos de campo que nos
as rochas cristalinas adjacentes foram cortadas pelos facilitaram a pesquisa, diríamos que P1 (pedimento

Figura 1. Vista panorâmica dos remanescentes pedimentares das fraldas da Serra do Iquererim, em Gavura, na divisa
Paraná-Santa Catarina. O pedimento P2 acha-se bem desenvolvido, enquanto que o TP1 encontra-se embutido nos
vales situados entre os remanescentes do P2.

220
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
12

I) quase se transformou em terraço alto, daí o iden- minas grossas e universais de solos coluviais e alu-
tificarmos por TP1 (pedimento terraceado 1), em viais recobriram, indistintamente, todos os níveis,
oposição aos notáveis declives preservados de P2. em período atual e subatual.
A partir de TP1 houve notável retomada de Os seixos de 15 a 25 em de diâmetro médio,
erosão fluvial com encaixamento do São João e ela- que se veem em “bancos” nos talvegues atuais, re-
boração de alvéolos, que restaram encaixados abaixo presentam sempre material retrabalhado da base
dos dois outros níveis de pedimentos. Tais alvéolos, pedregosa das minúsculas várzeas recentes, ou dos
elaborados descontinuamente por entre os esporões terraços mantidos por grossos cascalheiros dos
retalhados da base dos pedimentos, foram atape- alvéolos maiores e mais antigos. Alguns blocos
tados por seixos e blocos oriundos do retrabalha- grandes e exóticos, colocados em seu meio, repre-
mento dos grandes seixos e blocos contidos nos sentam componentes desgarrados dos taludes dos
velhos pedimentos soerguidos, incluindo novas ge- pedimentos antigos pela ação torrencial espasmó-
rações de seixos oriundos de novas etapas eventuais dica da correnteza do Rio São João.
de morfogênese mecânica das vertentes do vale. O estudo dos diversos horizontes de blocos e
Elaborados os alvéolos, coalhados de seixos, houve seixos, dos pedimentos antigos e dos terraços mo-
nova retomada de erosão da ordem de poucos metros dernos do Vale do Garuva conduz a explicações
(2–4) encaixando-se os talvegues, com retrabalha- notáveis sobre os processos geomorfogênicos de
mento linear dos blocos e seixos de todos os níveis afeiçoamento de seixos em zonas tropicais, as quais
superiores de terraços e pedimentos. Recentemente, caminham muito de perto para as excelentes con-
alvéolos menores restaram embutidos nos mais an- clusões de Tricart (1959) a respeito do assunto. Do
tigos por espaços de poucas dezenas de metros; lâ- ponto de vista regional, os estudos dos terraços man-

221
Figura 2. Mapa de distribuição da Formação Iquererim na área de Gavura, SC.

tidos por cascalheiros interessam, ainda, para a aná- muitos anos depois, faltavam, entretanto, referências
lise do cotovelo de captura do Rio São João, em Ga- concretas sobre a origem dos depósitos. Aventava-se
ruva, fato com que nos preocuparemos em futuros hipóteses absurdas sobre a gênese dos cascalhos dos
trabalhos, mais detidos. três níveis de terraços regionais, descobertos por Sil-
A marcha dos conhecimentos sobre formas e veira, opinando alguns autores por origens que iam
depósitos climáticos nos vales e nas fraldas da Serra até a “deltaica”... Enquanto isto, Maack desde 1947
do Mar tem sido lenta e fragmentária. Em 1950, João se manifestava a respeito de depósitos quaternários
Dias da Silveira publicou o resultado de seus estudos antigos da Serra do Mar, atribuindo-os a um afei-
morfológicos no baixo e médio Ribeira inferior. Ca- çoamento em condições semiáridas. Por seu turno,
racterizados os níveis de terraços, do ponto de vista um dos autores que redige a presente nota fez ver a
puramente geométrico, como de resto se faria por Silveira o caráter nitidamente piemôntico dos depó-

222
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
12

Quadro provisório de correlação dos fatos sedimentológicos, morfoclimáticos na Serra do Mar paranaense e catari-
nense (Bigarella e Ab’Sáber, 1961).

Figura 3. Vista tirada de uma elevação situada um Figura 4. Fotografia tirada de uma elevação próxima
pouco ao sul de Garuva, no sentido NNW. À esquerda a Garuva, no sentido SW, aproximadamente. Pode-
da estrada pode-se observar o pedimento P2, muito se observar o P2, mais elevado, e o PT1, mais baixo,
bem desenvolvido, e o PT1 formando superfícies um ambos consideravelmente dissecados. Na parte baixa,
pouco mais baixas. A ruptura de declive, à esquerda, os terraços mais recentes do rio.
deve coincidir com uma possível linha de falha e a
superfície um pouco mais elevada, que sucede à rup-
tura, pode ser um terceiro pedimento. A estrada corre tanto, caberia a Tricart e Cailleux rever os problemas
sobre terraços mais recentes do Rio São João, anterio- da origem climática de tais cascalheiros acumulados
res, porém, ao seu desvio, e o cotovelo deste desvio cai no pé da Serra do Mar, propondo a ideia de que eles
fora da fotografia, no lado direito. fossem o saldo e o resultado de detritos das fases
secas que afetaram os compartimentos interiores da
Bacia do Ribeira, decretando a formação de “glacis”
sitos da Ribeira, enquanto mais tarde, a partir das detríticos rudáceos, próximo à base amplamente fes-
anotações de Rich, atingiu-se ligeiramente o campo tonada da Serra do Mar.
das explicações climáticas para os mesmos. Entre- Níveis intermediários elevados, nos vales

223
curtos que seccionam a Serra do Mar, foram obser-
vados por Ab’Sáber no médio e alto Vale do Macacu
(Estado do Rio) e no médio Vale do Cubatão (São
Paulo). A mamelonização que os afetou impediu a
constatação de sua natureza pedimentária, somente
agora bem caracterizada na área tipo, do Vale do Rio
São João, na fronteira serrana entre o Paraná e Santa
Catarina.
De tal forma estão bem conservados os antigos
níveis de pedimentos embutidos no médio vale infe-
rior do Rio São João, que esta área pode ser conside-
rada protótipo, servindo para fornecer uma boa chave

Figura 5. Vista tomada de uma elevação situada ao Figura 6. Aspecto dos depósitos rudáceos da Formação
norte de Garuva, no sentido SE-NW. Pode-se notar o Iquererim II, observados onde eles são cortados pela
aspecto do pedimento P2 no próprio Vale do Rio São estrada Curitiba-Joinville, ainda na descida da serra.
João. As superfícies mais baixas e menos bem assinala- Notar o tamanho dos blocos, suas formas angulosas e
das devem pertencer ao TP1. sua distribuição desordenada.

para a interpretação de outros casos menos nítidos e e que são absolutamente contemporâneos àqueles
flagrantes. É de se notar, entretanto, que na base da que J. J. Bigarella e Pedro Marques observaram no
Serra Geral, em torno da localidade clássica de Lauro Vale do Garuva, com a diferença que cortam em
Müller, repetem-se notáveis e bem preservados pedi- bizel formações triássicas e permianas expostas nos
mentos (observados por Ab’Sáber em julho de 1961), sopés da Serra Geral catarinense. Identicamente, na

Figura 7. Aspecto do leito atual do Rio São João, pouco antes de Garuva. Pode-se notar duas gerações de seixos. Em
primeiro plano, os seixos subangulosos deslocados diretamente da Formação Iquererim e, em segundo plano, à direita,
os seixos já retrabalhados pelo rio.

224
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
12

Figura 8. Aspecto da Formação Iquererim, observado nas proximidades de Garuva, notando-se o deslocamento e
retrabalhamentos dos seixos e matacões por ação fluvial.

acidentada zona que precede a Serra do Mar, entre


as suas altas escarpas e as cristas e blocos costeiros,
desenvolvem-se pedimentos intermontanos de no-
tável representação no relevo, porém somente identi-
ficados após as nossas pesquisas conjuntas, efetuadas
no Vale do São João e nas fraldas da Serra do Mar
em Santa Catarina.

A bibliografia deste artigo se encontra no DVD anexo

225
BIBLIOGRAFIA

BIGARELLA, J. J.; SALAMUNI, R. Considerações sobre o paleoclima da bacia de


Curitiba, Boletim do Instituto de História Natural, Curitiba, Geologia I, 1958. 10 p.
CAILLEUX, A.; TRICART, J. Zones fitogeographiques et morphoclimatiques du
Quaternaire au Brésil. Comptes Rendus de La Société Biogeographie, Paris, n. 293, p. 7-
13, 1957. (Traduzido e Transcrito na Notícia Geomorfológica, n.4, Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras, Departamento de Geografia, Universidade de Campinas)
MAACK, R. Breves notícias sobre a geologia dos Estados do Paraná e Santa Catarina.
Arquivos de Biologia e Tecnologia, Curitiba, v. 2, p. 63-154, 1947.
RICH, J. L. Problems in Brazilian geology and geomorphology suggested by
reconnaissance in summer of 1951. Boletim da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras, São Paulo, n. 146, 1953. (Geologia, n. 9)
SILVEIRA, J. D. Baixadas litorâneas quentes e úmidas. Tese de concurso à cadeira de
Geografia Física da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, São Paulo,
1950. (Edição do autor)
TRICART, J. Division morphoclimatique du Brésil Atlantique Centrale. Révue de
Geomorphologie Dynamique, Strasbourg, v. 9, n. 1/2, jan.-fev. 1958. (Transcrito no
Boletim Paulista de Geografia, n. 31, março de 1959).
TRICART, J. Problemas geomorfológicos do litoral oriental do Brasil. Boletim Baiano
de Geografia, Salvador, v. 1, n. 1, p. 5-39, 1960.
Paleopavimentos
Silvio Takashi Hiruma
May Christine Modenesi-Gauttieri

Introdução

Por ocasião do XVIII Congresso Internacional de


Geografia (UGI), realizado no Rio de Janeiro em 1956,
os renomados geomorfólogos europeus que aqui estiveram
efetuaram importantes observações sobre as stone-lines, de
ocorrência generalizada nos morros e colinas das terras
úmidas e florestadas do sudeste e leste do Brasil. Motiva-
do por essas importantes contribuições, o Professor Aziz
N. Ab’Sáber redigiu o trabalho clássico “Revisão dos co-
nhecimentos sobre o horizonte subsuperficial de cascalhos
inhumados do Brasil Oriental” (1962), no qual registra o
estado da arte e tece considerações próprias sobre a origem
das linhas de seixos. Ressaltando sua importância para a
“interpretação dos derradeiros quadros paleogeográficos
em grandes áreas do Brasil inter e subtropical”, observa
que “não se poderá fazer estudos de estrutura de paisagens,
em uma grande parte do Brasil, sem se levar em conta tais
documentos, que constituem a roupagem superficial e sub-
superficial das feições topográficas das vertentes dos mor-
ros e colinas da maior parte do Brasil oriental”. Passadas
mais de quatro décadas, é interessante notar que o tema
ainda desperta discussões no meio científico, principal-
mente sobre a origem dessas feições.
Do ponto de vista descritivo, o termo stone-line refe-
re-se a um horizonte de fragmentos angulosos a subangu-
losos e, às vezes, arredondados, de quartzo de veio, quart-
zitos, couraças lateríticas ou outros materiais resistentes
à alteração química, presentes no interior das formações
superficiais e comuns nas regiões tropicais. Dispostas mais
ou menos paralelamente à superfície topográfica, as linhas
de seixos repousam, quase sempre, sobre a rocha alterada
e são recobertas por camada de material relativamente ho-
mogêneo, de textura areno-síltico-argilosa, no qual subsis-
tem eventualmente alguns fragmentos grossos. Diferentes
linhas de pensamento tentam explicar a origem das stone-
lines. A questão principal diz respeito ao caráter autóctone
ou alóctone das linhas de seixos e do material coluvial que
as recobre, bem como aos processos morfogenéticos envol-
vidos.

226
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
13

A revisão crítica de Ab’Sáber e o significado tima fase seca esporádica que afetou o Brasil Atlântico
paleoclimático das stone-lines no fim do Flandriano. Entretanto, a partir do fim da
década de 70, passa a atribuir a “época principal” de
No trabalho “Revisão dos conhecimentos sobre formação dos paleopavimentos ao último período gla-
o horizonte subsuperficial de cascalhos inhumados do cial do Pleistoceno terminal, Würm/Wisconsin Su-
Brasil Oriental”, Ab’Sáber discute criticamente a va- perior (Ab’Sáber 1979, 1980), em concordância com
lidade das primeiras observações realizadas no século Bigarella e Andrade (1965), pois somente “um jogo de
XIX sobre as formações detríticas brasileiras. Ressalta ações climáticas, suficiente para atingir todo o espaço
o problema da simples transposição de interpretações fisiográfico de um território das dimensões do Brasil,
específicas de zonas de latitudes médias e altas, su- poderia ter deslanchado processos de intemperismo
jeitas a ações glaciais e periglaciais quaternárias, para físico, mais ou menos generalizados e afetando dife-
o meio tropical. Lembra o mérito das importantes rentes zonas térmicas”. Ainda conforme o autor, este
observações feitas por José Setzer (1949) a respeito período seco seria o único com força suficiente para
da posição e distribuição das stone-lines em diferentes reduzir a temperatura, estender as correntes frias pelo
compartimentos do território paulista e sobre o caráter lado oriental da América do Sul e tornar o ambiente
alóctone da cobertura dessas feições. Discute detalha- seco em grandes setores dos planaltos compartimen-
damente observações feitas pelos geógrafos franceses e tados do Brasil.
alemães, entre outros, Cailleux, Tricart, Birot, Troll, Ab’Sáber (1969a) reconhece nas regiões de Rio
Raynal, Lehmann e Miller, durante as excursões do Claro (Serra de Santana) e de São Carlos a existência
XVIII Congresso Internacional de Geografia (1956). de duas ou três gerações de stone-lines. É interessante
Os artigos publicados a partir de 1957 já abordavam notar que ao tomar conhecimento da descoberta de
o assunto considerando as variações climáticas mo- duas linhas de seixos em Campos do Jordão (Mode-
dernas. Como é bem lembrado por Ab’Sáber (1969a), nesi, 1988), nas cimeiras da Mantiqueira, - uma, de
na maior parte dos trabalhos nacionais não havia, na- ocorrência generalizada em todo o País e, provavel-
quela época, preocupação específica com o estudo da mente, relacionada ao principal período de semiaridez
estrutura superficial da paisagem. Partindo de uma do Pleistoceno Terminal, outra, descontínua, de fase
análise crítica da bibliografia, tece considerações pró- intra-holocênica de clima mais seco - observa que
prias sobre o tema, com a preocupação de ilustrar de- esta última aparece apenas em raros pontos do sul do
talhadamente a sucessão de quadros paleogeográficos Brasil, como Rio Grande do Sul e Santa Catarina, e
vigentes e processos geomorfológicos atuantes durante região sublitorânea de Cabo Frio (Ab’Sáber in Mode-
a geração das stone-lines. nesi, 1988).
A ideia defendida por Ab’Sáber nesse traba- Em “Uma revisão do quaternário paulista: do
lho e em obras seguintes (Ab’Sáber, 1969a,b,c, 1971, presente para o passado” (Ab’Sáber 1969a) apresenta
1977, 1979, 2003) é a de que as stone-lines, enterra- um esboço de classificação das fontes dos fragmen-
das a 0,5-2,0 m de profundidade em extensas áreas tos responsáveis pela elaboração das stone-lines em
das terras úmidas e dominantemente florestadas do território paulista, desde as áreas cristalinas até os al-
Brasil Oriental, constituam um paleopavimento de- tiplanos ocidentais. Ressalta ainda a importância da
trítico, formado por fragmentos e seixos retrabalha- retomada, na década de 60, das pesquisas relacionadas
dos, depositados sob a forma de chão pedregoso, que aos depósitos recentes das regiões intertropicais, que
documentaria fase de dominância da morfogênese muito contribuíram para o estudo das stone-lines; entre
mecânica, em clima seco ou semiárido moderado. essas, destaca a publicação do simpósio dedicado ao
Nessa época, a paisagem seria semelhante à observada tema “terrenos de alteração e de recobrimento em zo-
em setores do Nordeste semiárido, onde hoje atuam nas intertropicais” (Vogt e Vincent, 1966). No Brasil,
processos de pavimentação detrítica. A cobertura fina destaca os trabalhos do Professor João José Bigarella
acima das stone-lines estaria associada à umidificação e colaboradores, publicados no Boletim Paranaense de
do clima, posterior à fase de pavimentação detrítica, e Geografia (Bigarella et al., 1965a, 1965b; Bigarella e
teria origem na decomposição das rochas situadas em Mousinho, 1965), com interpretações sobre a gênese e
posição superior a dos leitos detríticos, em vertentes idade das linhas de seixos semelhantes às suas.
escarpadas ou calombos e cabeços. Processos de co- Em duas notas científicas, Ab’Sáber (1969b,c)
luvionamento seriam responsáveis pelo espalhamento reafirma ideias anteriores sobre a ocorrência de sto-
dos detritos. Suas ideias coincidem, muitas vezes, com ne-lines, nas vertentes das colinas sedimentares e dos
as de Tricart (1958), Raynal (1957) e Lehmann (1957), morros cristalinos que circundam a Bacia de São Pau-
que já apontavam em direção à variação das condições lo, e no sul do Brasil, no altiplano basáltico de Lajes
morfoclimáticas. e Vacaria, maciço de Porto Alegre, planalto de Caça-
Quanto à idade, Ab’Sáber (1962,1971, 1973, pava do Sul, depressão periférica gaúcha e reverso da
entre outros) concorda inicialmente com Tricart cuesta basáltica do Caverá.
(1958), e relaciona os paleopavimentos detríticos à úl- Fato importante, assinalado na revisão de 1962,

227
é a interpretação das stone-lines como paleopavimen- durante a mudança climática”. Outros fatores contrá-
to detrítico (Lehmann, 1957; Raynal, 1957; Tricart, rios à ação biológica seriam a inexistência, nos casos
1958), que teria permitido a Tricart (1958) documen- analisados até aquele momento, de evidências de re-
tar, de uma vez por todas, em sua “Divisão morfo- trabalhamento no embasamento alterado que serve de
climática do Brasil atlântico central”, a ocorrência de base às stone-lines, bem como sua notável espessura,
variações paleoclimáticas modernas mais drásticas nas continuidade espacial, densidade na interacomodação
terras acidentadas e bastante compartimentadas do entre os seixos e assentamento sobre o chão antigo,
Brasil de Sudeste, e não no Nordeste. que inviabilizariam o transporte ascensional de gran-
Mais tarde, com integração de dados paleocli- des volumes, capazes de recobrir toda uma vertente.
máticos e paleoecológicos, Ab’Sáber desenvolve essa Apesar das considerações acima, o autor ressal-
linha de pensamento em “Espaços ocupados pela ex- ta a importância de “precisar melhor a dinâmica dos
pansão dos climas secos na América do Sul, por oca- processos superficiais efetuados por tais insetos no
sião dos períodos glaciais quaternários” (1977). O as- interior e na superfície dos solos dos países tropicais
sunto é retomado no artigo “Limitações dos informes úmidos”.
paleoecológicos das linhas de pedras no Brasil” (1979), Nas últimas décadas, com o avanço dos estu-
no qual se refere ao avanço das pesquisas paleoecoló- dos de geomorfologia experimental e geoquímica de
gicas na Amazônia, a partir de novas evidências mor- superfície, a formação das stone-lines vem sendo ex-
fológicas e sedimentares, como a descoberta de stone- plicada também pela ação, isolada ou em conjunto, de
lines (Ab’Sáber in Vanzolini, 1970; Journaux, 1975). A processos geoquímicos, pedogenéticos e coluvionares,
presença de paleopavimentos na Amazônia indicaria a independentes das variações climáticas quaternárias.
“existência de formações abertas, vinculadas a climas Portanto, o significado paleoambiental das stone-lines
mais secos do que os atuais, nos diferentes comparti- constitui assunto complexo, que merece ser abordado
mentos das terras firmes amazônicas (baixos platôs, segundo diferentes escalas de observação e métodos,
depressões periféricas, pediplanos remodelados), no respeitando-se o caráter multidisciplinar. O trabalho
Pleistoceno Superior”. conjunto de pedólogos, geólogos, geógrafos, arqueólo-
Além das teorias que explicam a formação das gos e biólogos, com novos métodos e técnicas, poderá
stone-lines pela ação de processos envolvendo variações contribuir de forma efetiva para o seu entendimento.
climáticas, outras hipóteses têm sido referidas. Hi- Mas é importante ressaltar que nenhuma análise po-
pótese inicialmente formulada por Cailleux (1957) e derá prescindir das observações detalhadas de campo
Cailleux e Tricart (1957) atribui à ação biológica a ori- e de sua contextualização regional, como apresentadas
gem dos solos amarelos sobrepostos à linha de seixos. e discutidas nos trabalhos do Professor Ab’Sáber.
Na África e no Brasil, autores como De Ploey (1964), Embora considere que a maior parte das
Aloni (1975), Soyer (1989), Miklos (1992) e Nicola inúmeras ocorrências de stone-lines no Brasil
(1993), entre outros, se preocuparam com esta ideia, constituam documentos irrefutáveis de antigos chãos
até hoje bastante difundida. Argumentos contrários pedregosos, Ab’Sáber (1979) alerta para o excesso de
são apresentados por Ab’Sáber na revisão de 1962. generalizações sobre o seu significado paleoclimático.
Observações realizadas na região da Serra do Japi, na Como salienta o autor, “se é que as stone-lines docu-
depressão periférica paulista e nos planaltos basálticos mentam sempre climas mais secos do que os atual-
ao sul de Lajes mostram o caráter coluvial do recobri- mente vigentes, elas certamente estiveram associadas
mento das stone-lines, a partir do seu arranjo espacial a diferentes ambientes térmicos, não sendo capazes
nas vertentes e das relações de contato com os materiais de sugerir diretamente as condições ecológicas espe-
sotopostos e a rocha subjacente. O autor ressalta que, cíficas das áreas de sua ocorrência, nem tão pouco o
em quase todo o Brasil, “as construções efetuadas por patrimônio vegetal exato que teria existido nos setores
cupins e formigas têm um aspecto ganglionar ou labi- onde elas ocorrem”.
ríntico, importante para uma cimentação subaérea e Além do significado paleoambiental, Ab’Sáber
subterrânea descontínua, dos edifícios de formigueiros resgata em seus trabalhos uma questão de ordem prá-
e cupinzeiros, mas incapaz de forçar acréscimos regu- tica, essencial para o disciplinamento do uso e ocupa-
lares per acenzo, em toda uma superfície horizontal”. ção do solo, que é a sua importância na manutenção e
A partir de observações feitas no Piauí e Rio Grande segurança da paisagem: “observa-se nos dias de hoje
do Sul, questiona a possibilidade de ocorrer em solos o resultado do decapamento das coberturas das stone-
imaturos e solos secos de clima semiárido, ou herda- lines, com o aceleramento da erosão laminar e con-
dos de climas localmente secos, “uma ação universal centrada”. Este fato é hoje mais do que evidente nos
dos cupins ou das formigas, acrescentando material de campos de altitude das cimeiras do Brasil de Sudeste e
baixo para cima por toda a extensão do solo, mesmo no vale do Rio Paraíba do Sul.

228
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
13

Bibliografia CAILLEUX, A. & TRICART, J. 1957. Zones phytogéographiques


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229
REVISÃO DOS CONHECIMENTOS SOBRE
O HORIZONTE SUBSUPERFICIAL DE
CASCALHOS INhUMADOS DO BRASIL
ORIENTAL

Aziz Nacib Ab’Sáber

1962. Revisão dos conhecimentos sobre o Por ocasião da realização do XVIII Congresso Inter-
horizonte sub-superficial de cascalhos nacional de Geografia (UGI), no Rio de Janeiro, em 1956,
inhumados do Brasil Oriental. Curitiba. os geomorfologistas europeus que nos visitaram - e que,
Boletim da Universidade do Paraná,
Geografia Física, 2:1-32. com suas pesquisas, observações e colaboração, abriram
novos rumos para as investigações geomorfológicas em
nosso país - tiveram sua atenção voltada para a estru-
tura superficial e subsuperficial das paisagens brasileiras.
Nesse sentido, uma das observações mais frequentes por
eles realizadas, e que suscitou longas discussões e contro-
vérsias, foi aquela que diz respeito ao horizonte de casca-
lhos subsuperficiais enterrados por siltes, argilas e solos, a
0,50-2 m de profundidade, em extensas áreas das encostas
dos morros e colinas das terras úmidas e florestais do Brasil
Sudeste e Leste.
Sobre tais horizontes de seixinhos subsuperficiais,
até então enigmáticos para a maior parte dos geólogos e
geógrafos brasileiros, manifestaram-se, entre outros, os
geomorfologistas Renê Raynal, Herbert Lehmann, Jean
Tricart, Jacqueline Beaujeu-Garnier, Marguerite Lefèfre,
Jean Dresch, Pierre Birot, Pierre Taltase, Hans Mortensen
e Carl Troll, Henri Enjalbert e André Journaux. Aliás, a
assembleia de nomes aqui reunidos demonstra o excep-
cional interesse despertado pelo assunto entre os geomor-
fologistas de vanguarda do velho mundo. Em seus traba-
lhos posteriores, publicados a partir de 1957, alguns desses
pesquisadores redigiram notas sobre tais paleopavimentos
pré-subatuais, expendendo interpretações diversas sobre
sua possível origem (Cailleux e Tricart, 1957; Cailleux,
1957; Raynal, 1957 e 1957a; Lehmann, 1957; Tricart, 1958,
1958a e 1959). Entretanto, as referências pioneiras sobre
o assunto encontram-se nos trabalhos de Agassiz (1868),
Hartt (1870), O. C. James (in Hart, 1870) e Woodworth
(1912). Sobre a mesma questão, a única bibliografia bra-
sileira anterior liga-se aos escritos de José Setzer (1949 e
1949a), focalizando os solos do Estado de São Paulo.
As pesquisas sobre o terreno, efetuadas durante as
excursões programadas para o XVIII Congresso Interna-
cional de Geografia (Rio, 1956), posto que tendo ofertado

230
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
13

oportunidades para observações apenas fragmentá- de qualquer forma, a revisão aqui intentada e os
rias, foram suficientes para a caracterização das ocor- pequenos acréscimos introduzidos servem para de-
rências mais habituais das linhas de cascalho inhu- monstrar que não esquecemos os seus bons ensina-
mados, assim como para a avaliação da sua enorme mentos, e nem perdemos de mira o problema da su-
área de distribuição geográfica. Enquanto as boas perposição de diversos solos na estrutura superficial
observações de Setzer restringiam-se a São Paulo e e subsuperficial das paisagens tropicais brasileiras.
parte do Paraná, as novas pesquisas cobriram áreas
do Brasil tropical atlântico que se estendiam de São Observações e interpretações pioneiras
Paulo e Rio, até Minas, Bahia, Pernambuco e Paraíba.
É de se notar que nenhum dos cientistas alienígenas A validade das primeiras observações sobre as
conheciam, na ocasião, os escritos pedológicos de formações detríticas superficiais brasileiras é quase
José Setzer, o que conferiu às suas observações foros nula, pois aqueles que pela primeira vez se voltaram
de redescoberta. Por outro lado, inquirindo com mais para o problema nada mais fizeram do que estender
insistência as razões morfogenéticas da existência das para o meio tropical interpretações específicas vá-
linhas de cascalho e dos detritos que os recobrem por lidas tão somente para zonas de latitudes médias e
quase toda a parte, os pesquisadores visitantes abriram altas, sujeitas a ações glaciais e periglaciais quaterná-
novos rumos para a interpretação dos mesmos. Se é rias. Faltou aquela sutil noção de convergência neces-
que foi possível esclarecer razoavelmente a gênese dos sária para a interpretação de feições deposicionais,
lençóis de cascalho enterrados, os quais foram carac- muito grosso modo análogas, porém de gênese total-
terizados como paleopavimentos detríticos da última mente diferente. Como também era muito cedo para
fase seca, esporádica, que afetou o Brasil atlântico se saber que as assembleias de feições geomórficas
(Tricart, 1958), perduraram sérias dúvidas no que e detrítico-residuais estão na dependência rígida de
diz respeito à interpretação da maneira pela qual tais domínios morfoclimáticos intertropicais, e sujeitos a
horizontes de seixinhos e fragmentos subsuperficiais uma certa evolução paleoclimática quaternária, con-
teriam sido recobertos e enterrados pelos detritos e dicionada apenas por flutuações de umidade e aridez,
solos amarelo-alaranjados que os escondem. sobretudo no caso de altitudes baixas ou médias.
Acima de tudo, porém, é necessário lembrar Enquadram-se neste caso alguns dos escritos
que através desses novos estudos e observações, os de Louis de Agassiz (1868), como algumas das ob-
pesquisadores brasileiros (geomorfologistas, sedi- servações de Charles Frederick Hartt (1870) e do
mentólogos e pedólogos) foram alertados sobre a im- Major O. C. James (in Hartt, 1870).
portância, até então insuspeita, de tais ocorrências de Era a fase em que as ocorrências de boulders ou
paleossolos detríticos para a explicação da marcha da campos de matacões tropicais eram correlacionadas
pedogênese climática durante o pós-Glacial, assim empiricamente com a presença de certas formações
como sobre os problemas do modelado das vertentes detríticas subsuperficiais - o conjunto de tais feições
e das derradeiras flutuações climáticas holocênicas sendo tomado como argumento para comprovar
que afetaram imensos tratos do território tropical a ação quaternária do gelo nas terras baixas brasi-
úmido de nosso país. Mais do que isto, pudemos per- leiras. No fundo, era uma evolução, porque antes de
ceber no campo das conclusões intercientíficas que Agassiz e Hartt o grande naturalista Martius tomara
tais fatos foram capazes de influir e condicionar mo- os campos de boulders dos arredores de Aparecida
dificações radicais na cobertura vegetal, decretando do Norte (no Médio Vale do Paraíba paulista) como
por último e com um grau de antiguidade irrisório sendo testemunhos de velhas ações marinhas [sic].
a extensão das florestas pluviais por quase todos os Meio século depois os novos viajantes e pesquisa-
níveis das vertentes dos morros e regiões serranas do dores especializados em Geologia tenderiam a en-
Brasil úmido oriental, em oposição à vegetação mais contrar indícios de ações glaciais na associação de
rala e esparsa que esteve associada ao período dos pa- matacões (enterrados ou expostos) e cascalheiros re-
vimentos detríticos pré-subatuais. siduais, existentes abaixo das aluviões recentes dos
Por último, há que salientar ainda que após rios, ou enterrados abaixo dos solos coluvais das ver-
o regresso daqueles tão bons incentivadores da tentes.
pesquisa científica aos seus países de origem, mul- Enquanto Agassiz e Hartt encontravam evi-
tiplicaram-se por parte deles os pedidos para que dências de drift em áreas tão distantes e absurdas
os pesquisadores brasileiros dessem continuidade como a Amazônia e o litoral do Rio de Janeiro, o
às pesquisas e indagações por eles tão bem e em Major O. C. James comunicava a Hartt informações
tão boa hora iniciadas. A presente nota é uma pri- múltiplas sobre a presença de outras tantas ocor-
meira resposta aos bons colegas do Velho Mundo, rências de pseudodrifts no Planalto Paulistano. Na
que tanto nos auxiliaram e estimularam. Pelo que realidade, todas estas ocorrências, mal interpretadas,
se verá, não houve muito progresso até o momento dizem respeito a linhas de seixos subsuperficiais, aos
na elucidação de alguns ângulos do problemas, mas, cascalheiros situados abaixo das aluviões finas das

231
várzeas, diferentes tipos de depósitos de terraços e Para explicar os cascalheiros de velhos canais
de talude (tálus) assim como a campos de matacões rasos, Woodworth procurou argumentos climáticos
embrionários enterrados. Nesse sentido, os desenhos, sutis, que o levaram empiricamente para o terreno
perfis e as descrições por eles feitos atestam bem o morfoclimático. Vejamos suas palavras:
tipo de ocorrências observadas, porém erroneamente
interpretadas. Em todos estes casos a história da superfície
Das observações mais antigas, apenas têm va- parece ser a seguinte: os riachos e os canais in-
lidade plena, numa grande exceção, aquelas feitas termitentes que lavam rochas intemperizadas
por um outro notável geólogo norte-americano, J. concentram seixos em seus leitos, deixando as
B. Woodworth (1912), cujas pesquisas têm impor- zonas interfluviais arredondadas relativamente
tância de base para numerosos outros setores da es- livres de materiais grosseiros. O material de-
tratigrafia e faciologia das formações gondwânicas composto da área interfluvial foi posteriormente
inferiores da Bacia do Paraná. Aliás, Woodworth foi muito mais erodido do que os da faixa detrítica
também o primeiro geólogo a incluir em um rela- grosseira dos canais fluviais, sendo que a erosão
tório de pesquisas sobre partes do território brasi- procedeu-se mais rapidamente ao longo dela, de
leiro um capítulo específico sobre Geomorfologia tal modo que os antigos interflúvios passaram a
(Cap. VII - “Geomorphology on South Brazil”), ser depressões entre os velhos depósitos agora
dando um exemplo novo que, infelizmente, somente soerguidos (p. 108).
foi seguido por uns poucos geólogos brasileiros da
geração que se seguiu. Para ilustrar tais assertivas, Woodworth fez
Demonstrando um incomum bom senso, uma sequência de três cortes interpretativos bastante
Woodworth, após tecer considerações geomorfoló- cuidadosos, os quais pela moderação dos perfis de
gicas, passa a estudar as formações pleistocênicas e equilíbrio concepcional ainda hoje podem ser tidos
recentes que examinou ao longo de seu itinerário, como os melhores para a interpretação dos depósitos
alertando logo de início: de canais, contemporâneos aos paleopavimentos
detríticos (infelizmente postos de lado pelo autor).
A discriminação das mudanças pós-terciárias No caso, trata-se apenas de uma contribuição para
durante o Pleistoceno e o Recente é de difícil a interpretação de uma das modalidades de inversão
compreensão em regiões extratropicais. No Bra- recente do relevo em áreas intertropicais, não tendo
sil os depósitos superficiais são dominantemente força suficiente para explicar a origem da linha sub-
argilas residuais ou argilas, areias e camadas de superficial de seixos que acompanha as vertentes por
seixos derivadas da secular ação de lavagem e grandes áreas.
transporte de formações pré-pleistocênicas in- É de justiça que se destaque, entretanto,
temperizadas (1912, p. 107). que Woodworth, em suas observações de campo
(1908-1909), com base apenas na observação dos
É interessante lembrar que Woodworth, velhos canais fluviais, deixou uma primeira inter-
muito embora tenha percebido a linha de casca- pretação sobre a origem do cascalho e a inversão
lhos inhumados (como a atesta a figura 32 do seu do relevo, com base empiricamente morfoclimá-
trabalho), só procurou destacar os casos de velhos tica. Nesse sentido foi um pioneiro, como se verá,
depósitos de canais que marcavam uma sensível in- através dos seguintes escritos (transcritos na língua
versão de relevo: do autor para não desvirtuar seu pensamento):

Em numerosas localidades ao longo da estrada (...) concentration of coarse debris begins again
de ferro, na área de topografia matura do sul de in the now new well-defined creases which car-
São Paulo e do Paraná, as colinas e suaves ele- ry off the rainfall. So far as my observations go
vações interfluviais evidenciam traços de antigas there have been but two cycles of such gravel ac-
camadas de seixos, usualmente com limites basais cumulation, an ancient one and that now actually
côncavos [sic], como se ocupassem velhos canais taking place. If the process depends solely upon
fluviais atualmente abandonados (p. 107). the relative resistance to erosion of the gravel-
bearing creases and gravel-free ridges between
Na realidade, em apenas um dos cortes esquemá- streams the change may well be automatic under
ticos feitos por Woodworth (figura 31-c) foi tentada a a constant rainfall during the period of alterna-
explicação para os cascalheiros inhumados de encostas tion. After one such shift the interstream areas
baixas. Os outros gráficos, em sua grande maioria, vi- become partly gravel-capped and an equilibrium
sualizam processos de inversão de relevo ou microde- is established which at first did not exist. Thus
nudação marginal acompanhada ou não de uma ligeira the dual character of the phenomenon in Bra-
eversão a pequena distância (figuras 30 e 31-a, 31-b). zil may be due to this limitation inherent in the

232
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
13

nature of the process, even with a variable rainfall ferior a algumas dezenas de milhares de anos para
(p. 108). a idade do processo. Por uma série de razões ou-
tras acreditamos que o lençol de seixos tenha uma
A cronogeologia dos depósitos de cascalhos idade inferior a 12 ou 10.000 anos, mas julgamos
antigos, situados em encostas, foi discutida também a avaliação pioneira de Woodworth muito opor-
com muito bom senso e cuidado por Woodworth, tuna, pois colocou a gênese do processo dentro dos
debaixo dos seguintes termos: quadros do período quaternário, acabando, de uma
vez por todas, com a possibilidade de se lhe dar um
No caso de depósitos desta natureza, em Serrinha grau de antiguidade maior.
próximo a Tamanduá, no Paraná, os cascalheiros Por fim, devemos dizer, em relação às obser-
antigos ocorrem em abundância, parecendo ex- vações do notável geólogo norte-americano, que
ceder em espessura aqueles existentes em canais elas foram muito acertadas e equilibradas, somente
atuais, que cortam rochas intemperizadas. Que falhando na tentativa de interpretação do tempo de
tais cascalheiros antigos, assim como o clima por denudação, assim como na falta de caracterização
eles refletido, sejam mais antigos que o Terciá- das linhas de seixos e fragmentos como perten-
rio parece improvável, porque sob as condições centes a velhos pavimentos detríticos inhumados.
de um demorado intemperismo eles teriam sido Se bem que Woodworth não pôde atingir o
destruídos e rebaixados. Com muito esforço se setor das variações de ambientes morfogenéticos
poderia recuá-los até o Plioceno, porém se se para explicar a origem dos fragmentos, soube apro-
admitir que as épocas glaciais do Pleistoceno te- ximar-se bem do ângulo da questão ao se referir
nham sido marcadas no Brasil por uma elevada a variações climáticas modernas para explicá-los.
precipitação, superior àquela que hoje, é provável Seus escritos, por outro lado, tiveram grande signi-
que os aludidos cascalheiros sejam correlacioná- ficado no sentido de mudar o diapasão das velhas
veis àquelas ocorrências similares do sul da Co- teorias “glaciais” de Agassiz e Hartt, pois daí por
lumbia, contemporâneos da moraina terminal diante abandonou-se, de uma vez por todas, a velha
da beirada atlântica da América do Norte (pp. linha de pensamento, inaplicável à paleoclimato-
108-109). logia quaternária das terras baixas intertropicais
brasileiras. Pode-se dizer que se é que Capanema
No estudo de Woodworth (figura 32, p. 110) (1886) e Branner (1896) destruíram completa-
há um curioso esforço de morfometria, tendo como mente as hipóteses glaciais para explicar a origem
base a área de exposição de um dique de quartzo dos campos de matacões, Woodworth com seus
encaixado em gnaisses, cujo cabeço decapitado estudos e escritos afastou definitivamente as inter-
coincidia com a superfície basal de um paleopavi- pretações desse teor aplicadas aos cascalheiros das
mento detrítico, presumivelmente oriundo da frag- vertentes e encostas dos morros, que fora um ar-
mentação antiga do referido veio de quartzo. O fato gumento complementar muito a gosto de Agassiz
de os fragmentos residuais do dique só aparecerem e Hartt.
em nível ascendente, acima do nível do cabeço ter-
minal do dique, possibilitou a Woodworth intentar As observações de José Setzer: análise crítica
um cálculo geométrico visando especular sobre a
possível altura do dique quando do início de sua As primeiras observações realizadas por autor
fragmentação para originar um lençol de resíduos, brasileiro em torno da linha de seixos subsuperficial
de posição tão restrita. Tomando os dois limites das encostas de morros e colinas do Brasil tropical
do leito inhumado de fragmentos (o da cabeça do atlântico foram devidas ao pedólogo José Setzer, que
dique e o ponto final do lençol, encosta acima), o em seu livro sobre Os solos do Estado de São Paulo
autor traçou um prolongamento da linha de mer- (1949) se refere em diversas passagens e, sobretudo,
gulho do dique, em direção ao espaço, até encontrar no capítulo denominado “O Pleistoceno do Estado
a posição de uma perpendicular que pudesse recair de São Paulo” à existência de lençóis de seixos nas
sobre o término ascendente do depósito de frag- encostas dos morros, abaixo dos solos considerados
mentos. A perpendicular, por seu turno, foi apro- coluviais, alóctonos. Tratando-se de observações
fundada até um plano basal, conseguindo-se assim oriundas das pesquisas iniciadas pelo autor, em com-
um triângulo reto, cuja altura, segundo o autor, po- panhia do Professor Paul Vageler, desde 1937, elas
deria criar o horizonte residual, posteriormente en- têm um certo sabor de pioneirismo, a despeito de o
terrado. A partir daí o autor convencionou um certo autor não ter dado explicações razoáveis para a inter-
tempo para a remoção gradual dos sedimentos e pretação paleoclimática dos mesmos, nem ter conse-
concluiu uma idade aproximada, completamente guido datá-los com certa aproximação. Seus escritos,
inaceitável para o tempo de denudação. A despeito entretanto, são excelente depoimento das observa-
do resultado final absurdo, ele atesta um limite in- ções de um pedólogo sobre um assunto que guarda

233
hoje notável interesse intercientífico. Reproduzimo- ção das bacias hidrográficas tinham naquela
las na íntegra, colocando sic apenas nos pontos onde época aspecto algo diferente do atual. A camada
as interpretações dadas pelo autor na época não de seixos na margem direita do Ribeira, em Re-
podem mais ser aceitas hoje, e grifando os trechos gistro, por exemplo, é horizontal, ao passo que
mais importantes e definitivos: a superfície do terreno possui uma inclinação
de uns 10%. A topografia indicada pelos seixos
Numa grande área do estado de São Paulo, talvez nada tem que ver com a existência do rio, que é
superior a um terço da sua superfície total, nota- entretanto um dos mais possantes do estado. O
mos frequentemente nos barrancos de estradas, aparecimento deste rio é posterior à deposição
horizontes de seixos bem rolados [sic] e alisa- dos seixos [sic].
dos por enxurradas possante [sic]. Isto se nota
principalmente na área pré-devoniana, quando A existência de seixos é também independente da
observamos barrancos de estradas. Tais leitos de altitude e da formação geológica primitiva do ter-
seixos ora se aproximam da superfície, ora mergu- reno. Esta só influi na natureza mineralógica dos
lham a um, dois e mesmo três metros, ao mesmo seixos. Sob os seixos da figura 56 a rocha é xisto
tempo que a sua espessura oscila comumente de micáceo-quartzítico decomposto, pelo que pare-
um metro a dez centímetros, frequentemente se ce arqueano, e a altitude é de 850 m. Na figura
reduzindo mesmo a zero. Essa ausência do leito de 57 a rocha é semelhante, mas parece pertencer à
seixos rolados pode se prolongar por alguns metros e série São Roque, algonquiana, ao passo que a al-
mesmo por centenas de metros mas, se o corte através titude é de uns 12 m. Na figura 58 temos o andar
do solo for praticado numa outra direção diferen- Itararé, permocarbonífero, a altitude de 600 m.
te da estrada, podemos encontrar o leito novamente Na figura 59 é um sedimento terciário argiloso
num ponto menos distante. que se acha coberto pelos seixos, em altitude de
cerca de 540 m.
Muitas vezes, subindo um morro extenso, notamos
o desaparecimento do leito de seixos no seu topo, o Entretanto, às vezes, acompanhando a camada
que é lógico, pois o cascalho que se encontra de seixos rolados exposta nos barrancos de uma
nas encostas proveio justamente daqui. É tam- estrada, notamos numa descida o contrário. A
bém bastante frequente encontrar, pelo contrário, camada de seixos mergulha nas proximidades da
um pequeno leito de seixos nos barrancos de estrada baixada, reaparecendo somente na encosta do mor-
justamente no ponto mais alto por ela galgado. Isto ro do outro lado do córrego e mais ou menos na
é sinal que, na época da deposição desses seixos mesma cota. Neste caso, o alúvio que preenche a
pelas enxurradas, o ponto considerado não era baixada é suficientemente espesso para ocultar o ho-
alto de morro, tendo sido a colina ligada a outro rizonte de seixos. O mergulho pode ser de diversos
morro, do alto do qual provieram os seixos. Esse metros, ao mesmo tempo que a sua espessura pode ser
morro maior hoje não existe mais porque foi dupla e mesmo tripla que a dos barrancos da estra-
parcialmente destruído pela erosão. Isto é per- da. Aqui a topografia do período pleistocênico
feitamente possível, pois da época do início da influiu fortemente na formação fisiográfica atual
formação dos seixos pleistocênicos decorreram do terreno.
muitos milhares de séculos [sic]. Tempo este su-
ficiente para que a erosão possa realizar trabalho Quando vemos esses barrancos de estrada com
de tal envergadura. lençol de seixos rolados de todo tamanho, en-
tre 1 mm e 10 e mais cm de diâmetro, podemos
Se entre dois morros se nota atualmente uma afirmar, raros casos especiais, que o solo acima
pequena depressão em forma de sela, não quer dos seixos é recente, coluvial, pós-pleistocênico,
dizer que os dois morros nunca tenham forma- ao passo que somente o solo abaixo deles, no ge-
do um monte só. No complexo cristalino, onde ral de cor mais viva, é autóctono e gerado pela
os xistos menos consistentes recobrem enormes decomposição da rocha, própria da formação
maciços gnáissicos e de outras rochas de maior geológica do lugar.
resistência ao intemperismo, muitos pacotes de
xistos decompostos foram desgastados pelas en- Considerando, pois, uma colina em geral, temos
xurradas pleistocênicas [sic] formando selas entre no alto dela e no começo da encosta solo aluvial,
dois morros no lugar onde havia um morro só. autóctono, formado no local e bem relacionado
com a rocha subjacente. Na extensão da encosta
Quase sempre as camadas de seixos pleistocêni- em geral, temos solo coluvial, alóctono, trans-
cos [sic] são interrompidas pelos rios e córregos portado de cima e mineralogicamente mais rela-
atuais, indicando que a topografia e a distribui- cionado com as rochas do alto da colina que com

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
13

a rocha subjacente. Na parte inferior da encosta Cailleux e outros. Está claro que, não se podendo ca-
e na baixada temos solos aluviais, transportados racterizá-lo como tal na época dos escritos de Setzer,
não só do alto e das encostas da colina, mas tam- era necessário referi-los às famosas e inexatas chuvas
bém de outros pontos mais distantes da bacia diluviais de um período úmido que, por diversas ra-
hidrográfica. Estes solos não têm mais relação zões, não poderia ter existido na época. Nesse sen-
com as rochas subjacentes, e é algo vaga a sua tido, aliás, seria interessante reler as notáveis obser-
relação com as rochas da bacia hidrográfica em vações e ideias gerais estudadas nalguns dos últimos
geral. A formação destes solos aluviais é bastante trabalhos de Jean Tricart (1958 e 1959).
independente dos fatos geológicos. As condições Identicamente, devido ao fato de não se poder
de unidade constante, presença de águas para- interpretar os cascalheiros inhumados como sendo
das no subsolo, ambiente redutor, acumulação de paleopavimentos pós-glaciais e pré-subatuais, deri-
húmus e falta de arejamento são os fatores prin- varam erros nas avaliações finais de Setzer sobre a
cipais da gênese de tais solos. possível área de ocorrência dos mesmos. Tratando-se
de paleopavimentos detríticos eles atapetavam quase
Acreditamos que, se fosse possível retirar, numa todas as encostas da superfície que lhes servia de
área grande, tudo o que cobre os seixos pleistocê- piso, não sendo necessário que eles estivessem con-
nicos [sic] os afloramentos destes não se veriam centrados em depressões do terreno, ocupando tão
espalhados pela área toda, mas em forma de nu- somente 15 a 20% da área total*. Por seu turno eles
merosas faixas aqui, ali e acolá, não perfazendo jamais poderiam aparecer ao longo das calhas aluviais
talvez nem 20% ou 15% da área total [sic]. Isto modernas, porque sendo pavimentos, têm como am-
é lógico, pois as enxurradas não podiam cobrir biente típico o chão das antigas vertentes, enquanto
todo o terreno, mas apenas as suas depressões nas calhas aluviais eles, por força, teriam sido subs-
[sic]. Estas depressões, por sua vez, nem sempre tituídos por sedimentos fluvioaluviais, mais espessos
coincidem com as depressões atuais, pois a ero- e melhor trabalhados pelo transporte à distância e
são atual encontra maior dificuldade de erodir sob efeitos de correntes. Resta em aberto, por outro
uma camada de terra com seixos, do que uma lado, a correlação dos lençóis de seixinhos com os
outra que os não contenha [sic]. depósitos de fundo de vale, pois em alguns lugares
eles realmente parecem ser contemporâneos aos cas-
Inútil seria sublinhar o mérito das boas ob- calheiros fluvioaluviais basais das planícies de inun-
servações expedidas por José Setzer. Na realidade, dação holocênicas, enquanto noutros casos deixam
aquele operoso pedólogo soube perceber os princi- margem para uma correlação com níveis de seixos
pais ângulos dos problemas da posição e distribuição de baixos terraços fluviais. Esperamos poder voltar a
da linha subsuperficial de cascalhos exibida em dife- esse assunto na base de observações novas realizadas
rentes compartimentos das terras paulistas. Diversos com João José Bigarella na região de Curitiba e no
e sucessivos foram os lapsos de interpretação, assim fundo da planície do litoral norte-catarinense.
como as considerações errôneas no setor estratigráfico Um fato importante, para o qual Setzer ho-
e cronogeológico. Por exemplo, não se podia tomar a nestamente chamou a atenção, é o que diz respeito à
priori a idade pleistocênica para os cascalheiros subsu- natureza dos solos que estão acima dos horizontes de
perficiais, como também não se podia correlacioná- seixos. Tais solos que são comuns a extensas áreas dos
los com formações mais antigas de terraços fluviais, terrenos de nível médio da parte oriental do Brasil
pertencentes ao baixo vale de grandes rios, (como o não representam mantos autóctonos, não podendo
caso do Ribeira) que em compartimentos interiores refletir diretamente a rocha subjacente. E aquele
de sua bacia já sofreram flutuações climáticas, com- autor, que foi um dos maiores propugnadores para
portando algumas fases de climas mais secos, demo- a classificação dos solos brasileiros em bases geoló-
rados, no decorrer do Quaternário. Os cascalheiros gicas (1944), em tempo, fez uma série de restrições
de encosta, enterrados subsuperficialmente por siltes, a esse critério por ele próprio tantas vezes usado, re-
areias, argilas e solos, não podem ser correlacionados conhecendo que os solos que estão acima da linha de
com as formações quaternárias dos terraços médios seixos não são representativos das rochas subjacentes
ou altos, já que eventualmente os recobrem, como pu-
demos constatar em inúmeras oportunidades. * Nesse sentido um dos esquemas explicativos pro-
O mais sério problema dos escritos de Setzer, postos por Setzer para visualização da gênese da linha de
entretanto, deriva do fato de, na época, não se poder seixos está inteiramente prejudicado (1949, p. 6), pois não há
caracterizar, ainda, com nosso meio, tais linhas de necessidade de se conceber uma inversão total da topografia
seixos e fragmentos residuais de rochas (inhumadas para explicar a gênese de pavimentos detríticos relativamente
por detritos finos atuais e subatuais) como perten- tão modernos. Quer nos parecer, no caso, que Setzer recaiu
centes a paleopavimentos de clima seco esporádico, no mesmo erro de J. B. Woodworth (1912), que se utilizou
tal como mais recentemente o fizeram Tricart, da hipótese de microinversões de relevo para explicar os cas-
calheiros de canais.
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(1949, p. 9). Oxalá outros pedólogos brasileiros, desagregação granítica ou gnáissica, seguida por
também impressionados com o critério dominante- fragmentos de filões de quartzo, porém locais;
mente geológico, se dessem conta de que, na maioria cascalhos e aluviões pliocênicos ou quaternários,
das vezes, estão analisando terras que sofreram etc. A linha de cascalho é delgada, com um a dez
certo transporte, de tipo coluvial, e que, na grande centímetros de espessura. Os seixos são, segundo
maioria dos casos, não refletem de perto o embasa- o caso, constituídos de fragmentos angulosos de
mento geológico alterado, sobre o qual se assentam. quartzo, derivados do substrato ou dos seixos de
De qualquer forma, porém, é com grande quartzo arredondados pelo efeito dos transportes
prazer que hoje relemos os escritos já antigos e abso- fluviais, posteriormente retrabalhados ou, enfim,
lutamente pioneiros do grande pedólogo brasileiro. as concreções silicoferruginosas, lembrando a de
Tratando-se de um problema de interesse funda- tipo siderolítico da França.
mental para os pedólogos, como para fitogeógrafos e
outros especialistas interessados em conhecimentos Um fato de extrema significação é que essa linha
sobre flutuações quaternárias, é muito lógico ter sido de cascalho segue admiravelmente as formas
um pedólogo bem avisado que tenha atinado com al- do terreno, desenhado a dois ou três metros de
guns ângulos do problema e o equacionado em bases profundidade o contorno das vertentes e colinas.
de especulações científicas preliminares. Por que, então, a camada superior acha-se des-
provida de cascalhos? Poder-se-ia supor, devido
A “redescoberta” da linha de seixos enterrados: a um trabalho eólico; entretanto esses quartzos
observações de André Cailleux não mostram, em sua forma, nenhum sinal da-
quele fato, qualquer que seja a escala. Ela não
Com base nas observações sobre o terreno, re- tem a granulometria de um silte eólico e nem
alizadas por ocasião das excursões do XVIII Con- de uma areia eólica. Os grãos aí atingem, comu-
gresso Internacional de Geografia (1956), os geó- mente, dois milímetros. Examinando-se com a
grafos franceses e alemães publicaram, a partir de lupa observa-se que ela deriva de um material
princípios de 1957, as observações por eles realizadas idêntico ao substrato vermelho. Se ela resultasse
a respeito da superposição de solos nas vertentes dos da reptação dos solos, ou de desabamento, ou de
morros e colinas de altitude medianas do Brasil tro- corrida de lama, os cascalhos seriam misturados,
pical atlântico. desordenadamente, ao material fino, como acon-
Durante a comunicação de André Cailleux e tece sempre em casos semelhantes. A seleção
Jean Tricart na Sociedade de Biogeografia de Paris nítida e paradoxal do material fino para o alto
(17 de janeiro de 1957), sob o título de Zonas fito- não pode ser explicada senão por uma causa fora
geográficas e morfoclimáticas do Quaternário, no Brasil, do comum, em país temperado, por exemplo,
Cailleux antecipou-se a uma exposição que deveria pela ação das termitas que fazem subir pouco
ser apresentada mais tarde em colaboração com a pouco as partes finas do solo, de maneira que
Pierre Birot, e iniciou a divulgação das principais ob- os cascalhos, intransportáveis, se acumulam para
servações dos geomorfologistas europeus a respeito baixo. Tal é a hipótese que Birot, Tricart, Troll e
da linha de seixos enterrados e dos solos amarelo- eu mesmo propus. Sobre uma dezena de exem-
avermelhados que os recobrem. Desta forma, nas plares de partes aéreas de cupinzeiros variados (e
discussões que se travaram após a exposição, ano- também as contidas na madeira), pude constatar,
tadas por escrito, foram divulgadas pela primeira vez mesmo nas partes consideradas carton, a presen-
para o público especializado algumas das anotações ça de partículas ou grãos minerais de quartzo,
de campo sobre os cascalheiros inhumados, obtidas atingindo pelo menos 1,15 mm e até 3 mm,
pelo grupo de geógrafos franceses que nos visitaram com média de recordes de 1,8 mm. Tal é, pois, a
em 1956. Constam do relatório das discussões as re- dimensão máxima dos grãos que algumas espé-
ferências de André Cailleux, nos seguintes termos: cies de termitas são capazes de transportar. Ela
coincide, exatamente, na sua ordem de grandeza,
Ele se refere, também, à presença nos cortes com a dos grãos do horizonte superior amarelo
profundos de solos, muito frequentemente, des- do solo, acima da linha de cascalhos.
de São Paulo e Rio até o Nordeste e Amazô-
nia, à uma “linha de seixos”, situada entre 2 e 3 A descrição da linha de seixos e fragmentos
metros de profundidade, separando um solo su- enterrados feita por Cailleux reflete com fidelidade
perficial, muito arenoso e amarelo ou beije, com o que se observa na estrutura subsuperficial das pai-
um horizonte inferior, argiloso, menos permeá- sagens dos morros de altitudes média do Brasil su-
vel, mais vermelho, encerrando com frequência deste. Nesse sentido poderíamos lamentar apenas a
seixos. Este horizonte interior, que os pedólogos ausência de considerações sobre a posição e o com-
chamariam C, pode ser muito variado: areia de portamento da linha de seixos na base das vertentes,

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
13

assim como a falta de uma tentativa de correlação nhecer a linha de seixos enterrados como resultados
com os baixos terraços e as planícies de inundações de uma pavimentação quaternária.
modernas. Mais grave, entretanto, nos pareceram as É perfeitamente compreensível que o mais
observações sobre a cobertura detrítica fina superior, sério problema apresentado pelos dois trabalhos de
composta de areias, siltes, argilas e horizontes pe- Cailleux diz respeito à discussão do problema da ação
dogênicos, já que o autor aí se dirigiu um tanto rá- das termitas na gênese do manto detrítico fino, re-
pido demais para o campo das interpretações, antes cumbente da linha de cascalhos subsuperficial. Nesse
mesmo de proceder investigações de geologia de su- ponto, muito respeitosamente nos vimos obrigados a
perfície e pedologia mais demoradas. Referimo-nos enviar sérios argumentos em contrário às ideias ini-
aos fatos de Cailleux ter se filiado logo à concepção ciais de Cailleux, Birot e outros, pois revimos nos
genética que, na época, tanto agradou Pierre Birot e últimos três anos, em todas as oportunidades que se
outros, ou seja, a de que os detritos que enterraram nos ofereceram, a posição dos cascalhos enterrados e
a linha de seixos poderiam ter sido elevados acima a natureza do manto detrítico fino que os escondem,
dos seixos e fragmentos pela ação prolongada de ter- não encontrando base sólida para a aceitação desta
mitas (cupim), que teriam agido na rocha alterada e engenhosa hipótese de trabalho.
previamente reduzida da base. Nos arredores de Jundiaí, sopés da Serra do
Note-se que noutra oportunidade, pouco de- Japi (serra quartzítica, elevada, de 1.200 a 1.275 m),
pois, mestre André Cailleux (1957, p. 312) voltou analisamos minuciosamente a posição de pavimentos
ao assunto em nota sintética e precisa, intitulada “A similares, situados a 700 m, e dispostos em encostas
linha de cascalhos situada à base dos solos amarelos”, bastante inclinadas, onde a natureza coluvial dos
reafirmando os mesmo termos da sua proposição mantos recumbentes é perfeitamente identificável.
inicial, ou seja, a explicação do horizonte detritivo Ali, nos pontos onde há espessamento do material
fino superior, já aludido, pela ação do transporte por rudáceo fanglomerático, em canais fósseis contem-
ascenzo das termitas, de acordo com ideias comuns de porâneos dos pavimentos detríticos, é fácil perce-
Birot, Taltasse, Tricart e Troll. Acrescentou o autor, ber-se a passagem lateral dos mesmos para a linha
nesta oportunidade, que no caso seguia as pegadas delgada de seixos enterrados subsupercialmente,
de Heizelin e Bruckner, os quais anteriormente pro- sendo possível uma correlação mais precisa dos hori-
puseram interpretação idêntica para com formações zontes de seixos fragmentários dos pavimentos com
similares existentes na África. os espessos cascalheiros de seixos angulosos dos ve-
Em ambos os trabalhos de Cailleux, tanto no lhos canais, assim como também é fácil perceber-se a
primeiro em colaboração com Jean Tricart, como no continuidade do material fino recumbente que tam-
segundo, de caráter mais pessoal, não houve uma pona os dois horizontes, genericamente diferentes de
identificação positiva da natureza da linha de seixos, cascalho. Do mesmo modo, nos interflúvios das mais
ou seja, a sua interpretação como um paleopavi- altas colinas da depressão periférica paulista, entre
mento detrítico capaz de documentar uma etapa de Piracicaba e São Pedro, nota-se acamamentos detrí-
dominância de morfogênese mecânica, suficiente- ticos acima da linha de seixos inhumados e abaixo
mente áspera (clima seco ou semiárido moderado), dos horizontes pedogênicos modernos da cobertura
embora esporádica, para possibilitar a formação fossilizadora. Noutros pontos do sul do Brasil, como
eventual de um chão pedregoso, em certo momento nos planaltos basálticos que se estendem ao sul de
do Quaternário Superior. Queremos crer, entretanto, Lajes, encontram-se estágios menos aperfeiçoados
que tal ideia estivesse implícita nos critérios que pre- da fossilização detrítica dos pavimentos fragmen-
sidiram a elaboração do excelente ensaio da zonação tários subatuais, em sítios que reputamos extrema-
fitogeográfica e morfoclimática redigido por Cail- mente favoráveis para a visualização do mecanismo
leux e Tricart, em caráter absolutamente pioneiro. da coluviação que recentemente os enterrou e, de
Apenas na hora em que se fazia necessário discri- modo descontínuo, alguns tratos de chão pedregoso,
minar a natureza intrínseca dos cascalheiros enter- ali excepcionalmente compostos apenas de materiais
rados houve uma mudança rápida para a linguagem liberados da pilha de basaltos regionais, tais como
interpretativa, perdendo-se uma bela oportunidade fragmentos de zeolitas, calcedônias e blocos partidos
de sublinhar uma feição verídica daquela ocorrência. de geodos, com cristais de quartzo e ágatas. Por outro
Sabemos, entretanto, que Jean Tricat em sua, por lado, foi possível constatar em outros lugares, como
todos os títulos, notável “Divisão morfoclimática no interior da boutonniere de Lajes, solos coluviais
do Brasil atlântico central” (1958) utilizou-se da muito modernos, sob a forma de “bolsas” de detritos
área de extensão de tais paleopavimentos detríticos silicoargilosos fofos, colocados discordantemente
pré-subatuais para elaborar o cartograma preliminar sobre superfícies lisas de rochas sedimentares, hoje
do último período seco do Brasil Oriental. Outros alteradas. A linha de discordância basal destas bolsas
pesquisadores, como René Raynal (1957) e Herbert delgadas de solos coluviais não apresenta o clássico
Lehmann, não tiveram maiores dúvidas em reco- horizonte contínuo de seixinhos, tão somente porque

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havia falta total de ninhos de fragmentos pesados nas migas podem fazer em face daquilo que os mesmos
formações sedimentares dos interflúvios das colinas habitualmente não realizam ou não podem realizar.
locais, compostas de siltitos de algumas formações Julgamos muito oportuno, também, observar,
triássicas e permianas ali existentes. sempre que possível, a rocha alterada que serve de
Tais observações, evidentemente, conduzem base para a linha de seixos, pois esse procedimento
a interpretação do manto recumbente da linha de permite testar a hipótese da ação das termitas. Nesse
seixos enterrados para outras direções. Não nos con- sentido, as observações que até hoje fizemos mos-
tenhamos, entretanto, somente com isto, procurando tram sempre que o embasamento dos pavimentos
observar as próprias construções organogênicas rela- enterrados é composto de regolitos de diferentes ro-
cionadas com termitas e formigas. Aí nossas observa- chas, não se observando quaisquer retrabalhamentos
ções foram menos convincentes ainda no sentido de na massa da rocha alterada capazes de documentar a
apoiar a hipótese inicial de Cailleux e Birot, pois por ação antiga das termitas. A textura da rocha alterada
quase toda a parte no Brasil as construções efetuadas deixa quase sempre entrever a posição original da
por cupins e formigas tem um aspecto ganglionar xistosidade no caso dos embasamentos compostos
ou labiríntico, importantes para uma cimentação de rochas metamórficas (São Paulo e Paraná), não
subaérea e subterrânea descontínua dos edifícios de havendo quaisquer indícios de perfurações labirín-
formigueiros e cupinzeiros, mas incapaz de forçar ticas ou afofamentos oriundos da ação subatual ou
acréscimos regulares, per acenzo, em toda uma su- mais antiga de insetos fuçadores ou geófagos.
perfície sub-horizontal. No Piauí, entre a cidade de Por outro lado, frequentemente a espessura da
Piracuruca e a localidade famosa de topografias rui- linha de seixos é de tal ordem (20 a 30 cm), e apre-
neformes conhecida sob o nome de “Sete Cidades”, senta tal continuidade espacial e densidade na in-
em pleno carrascal, vimos a base de formigueiros teracomodação entre os seixos da pavimentação an-
enterrados, com forma ganglionar avermelhada, tiga, assim como assentamento tão bem ajustado no
destacando-se sobre o solo arenoso claro. Acima dos chão antigo, que não deixa margem para se conceber
terraços de construção marinha da grande restinga como podem ter saído partículas da rocha alterada
do Rio Grande do Sul, em velhos campos de dunas da base na quantidade que seria necessário conceber
baixas adelgaçadas, vimos a ação cimentadora dos para recobrir homogeneamente o manto superficial
edifícios labirínticos de formigueiros criando uma dos solos das vertentes atuais. Acrescente-se a isso
topografia de detalhe quase tão áspera quanto à das que não existem sinais de uma remoção ponderável
bad lands, com um malhado irregular de tons esbran- de partículas do horizonte de velhos solos, situado
quiçados e creme-claro. Tais fatos nos levam a crer abaixo da linha de seixos. Daí, até o estado atual de
que nos solos imaturos e nos solos secos de climas nossas pesquisas, não nos filiarmos a esta interpre-
semiáridos ou herdados de climas localmente secos tação de exceção que vimos de discutir.
não seja possível uma ação universal dos cupins ou
das formigas, acrescentando material de baixo para Observações de Lehmann e Raynal e as novas
cima por toda a extensão do solo, mesmo durante observações de Tricart
a mudança climática. Tais insetos de habitat subter-
râneo, tal como os vermes da classe das minhocas, Ao mesmo tempo que Cailleux, Birot e Tricart
têm um interesse fundamental para o afofamento, a faziam suas observações sobre a linha de seixos inhu-
aeração e o espaçamento intersticial dos fragmentos mados do Brasil sudeste, Herbert Lehmann, Austin
do solo, mas não constroem um espesso e contínuo Miller e René Raynal tiveram sua atenção voltada
horizonte de solo por todas as vertentes, através para a questão, tendo feito cerrada discussão do as-
de um transporte gradual e homogêneo per acenzo, sunto durante o itinerário da Excursão nº 4 do Con-
nos moldes imaginados pelos autores para explicar gresso Internacional de Geografia (1956). Acompa-
a fossilização dos antigos pavimentos detríticos da nhamos a maior parte de tais discussões e, depois,
última fase seca que afetou o território brasileiro no tivemos o grande prazer de rememorá-las nos es-
Holoceno. Reconhecemos, entretanto, que ainda que critos dos seus autores. Jean Tricart, que permaneceu
não seja possível interpretar o manto recumbente da por mais tempo no Brasil e que, posteriormente, teve
linha de cascalho subsuperficial do Brasil oriental outras oportunidades para pesquisas em diferentes
com base tão somente na ação das termitas, seria de áreas de nosso país, introduziu modificações funda-
todo útil precisar melhor a dinâmica dos processos mentais no esquema proposto no trabalho que re-
superficiais efetuados por tais insetos no interior e digiu com André Cailleux.
na superfície dos solos dos países tropicais úmidos. Na realidade, a esses três autores cabe a iden-
Talvez os especialistas na observação dos hábitos dos tificação do horizonte de cascalhos enterrados como
insetos e vermes geófagos e fuçadores pudessem au- sendo um paleopavimento detrítico, gerado em
xiliar os geomorfologistas e pedólogos nesta difícil climas diferentes dos climas úmidos atualmente do-
tarefa de discriminação daquilo que cupins e for- minantes. Lehmann (1957, p. 72) aponta a necessi-

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
13

dade de procurar soluções nesta direção, enquanto retido abaixo de uma espessa camada de solo, até
Tricart e Raynal sugerem diretamente a intervenção que uma imaginação mais detalhada evidencias-
de climas mais secos durante a época da pavimen- se que na realidade se trata de detritos. Esta se-
tação detrítica. Por seu turno, Tricart (1958), ainda quência curiosa, que acompanha as formas atuais
que sem rever e discutir as ideias publicadas inicial- da superfícies, assim como corta discordante-
mente no trabalho em colaboração com Cailleux, mente o Terciário em diversos ângulos, mostra
adota outra hipótese para a explicação do manto que não se pode tratar de um terraço de detritos
detrítico de partículas finas que recobre a linha de (Schotter). Entretanto, o depósito de cascalho
seixos. E, através de tais critérios, firma a sua divisão que frequentemente afina até a uma espessura
morfoclimática da parte oriental do país, documen- centimétrica e, às vezes, constitui bolsões, indica
tando, de uma vez por todas, que a porção de nosso uma remoção secundária de detritos fluviais ter-
território que sofreu variações paleoclimáticas mo- ciários. Sobre o gnaisse decomposto in situ, até
dernas mais radicais não foi o Nordeste (como ini- 10 ou mais metros de profundidade, o horizonte
cialmente nós próprios supúnhamos, à mingua de de cascalho é substituído por fina camada de de-
bons dados e melhores recursos analíticos), e sim as tritos (Schutt) de seixos ligeiramente arredonda-
terras acidentadas e bastante compartimentadas do dos, provenientes principalmente dos filões que
Brasil sudeste. atravessam os gnaisses em intenso processo de
Com o objetivo de divulgar as ideias desses decomposição. Este material em decomposição
excelentes pesquisadores alienígenas, transcrevemos encontra-se isolado, porém ainda indicando a
e analisaremos as principais ideias por eles expostas posição original dos filões ou respectivamente
a respeito do problema que nos preocupa. dos “ninhos” de quartzo dentro da matriz pro-
As observações de Lehmann, referentes prin- fundamente vermelha da decomposição tropi-
cipalmente às áreas das bacias de Rezende e Taubaté, cal do substrato. Este material no horizonte foi
guardam interesse porque nos mostram a posição dos evidentemente incluído secundariamente. Sobre
paleopavimentos em relação às vertentes das colinas ele ocorre novamente material de decomposição
terciárias regionais. Transcrevemo-las parcialmente, de granulação fina, vermelho, que entretanto não
usando de uma tradução do original alemão efetuada se formou in situ, mas foi para aí transportado.
por João José Bigarella. Também aqui o horizonte de detritos não é ho-
rizontal, seguindo os declives atuais às vezes de
Na rápida viagem que realizei juntamente com maneira mais íngreme e às vezes menos íngre-
Austin Miller para alcançar a excursão que se me. Da reunião das observações isoladas, sempre
encontrava na região do Itatiaia, nos chamou a repetidas, resultou o seguinte perfil esquemático.
atenção um fino porém consistente horizonte O desenho mostra, de maneira figurada, que a
de detritos (Schutthorizont) às vezes de cascalho. concordância entre o atual perfil da superfície e o ho-
Este era visível, alguns metros até decímetros rizonte de cascalho é apenas aproximada. O capea-
abaixo da superfície, em todos os cortes recentes mento às vezes é mais espesso na parte mais elevada,
da estrada. Evidenciou-se logo que o mesmo se outras vezes nos flancos. Em um quadro espacial, o
situava acima da zona de decomposição averme- horizonte de cascalho sem cobertura se apresentaria
lhada do cristalino, bem como sobre os sedimen- como uma pavimentação de cúpula arredondada de
tos igualmente avermelhados da bacia terciária cascalho ou, respectivamente, de detrito (Schutt) de
do Vale do Paraíba, estes nitidamente reconhe- alguns centímetros de espessura. Ocasionalmen-
cíveis pela sua estratificação. Aqui verifica-se te pode-se observar perturbações do horizonte
claramente que o material finamente granulado, de cascalho, ou dos detritos que não atravessam
jazente sobre o horizonte de cascalho, apresenta- as camadas do capeamento. Uma tal perturba-
se mais claro, amarelado, às vezes cinza-casta- ção acha-se exposta pouco além de Aparecida,
nho, sem uma estratificação visível. Nas colinas num corte de estrada. As argilas terciárias azul-
terciárias, o horizonte de cascalho é constituído avermelhadas, nitidamente estratificada, foram
por uma fina camada de cascalho fluvial, arre- perturbadas por uma falha de alguns decímetros
dondado, não estratificado, semelhante ao que de deslocamento, na qual o lado direito baixou
aparece em forma de fácies no enchimento ter- um pouco. O horizonte de cascalho espelha esta
ciário, nas bacias do Vale do Paraíba. Este corta falha num corte transversal, ou melhor, numa
a estratificação de maneira discordante e ocorre velha ravina de erosão ligada a esta perturbação.
de modo nítido e frequente, seguindo exata ou Sobre isto jazem depósitos de bacias recentes, de
quase paralelamente a superfície atual arredon- coloração amarela, não perturbados e com es-
dada das colinas, denominadas “meias-laranjas”. tratificação fracamente reconhecível. Aqui evi-
Por isso, em minha rápida passagem, inicialmen- dencia-se nitidamente que o horizonte de cascalho
te considerei como um horizonte de concreção separa uma fase de erosão de uma fase de deposição.

239
Uma interpretação satisfatória deste achado, que pela desagregação física”, enquanto, mais tarde, em
nem eu e nem qualquer dos outros componentes segundo momento paleoclimático recente, os fe-
da excursão conseguiram fazer no local, deveria nômenos químicos teriam retornado, “provocando,
responder aos seguintes quesitos: a) como foi inicialmente, o soterramento das formações casca-
possível originar-se uma pavimentação de cas- lheiras sob um manto de siltes escuros, amarelos ou
calho, respectivamente Steinpflaster (pavimento negros”.
detrítico, evidentemente secundário sobre um Não vemos, honestamente, como sair muito
relevo ligeiramente cupoliforme; b) de que tipo e desta interpretação para explicar as derradeiras flu-
origem é a camada de capeamento superior, des- tuações climáticas que responderam pela gênese da
de que a pavimentação de cascalho não pode ter estrutura superficial e subsuperficial das paisagens
sido formada em profundidade, à maneira de um tropicais úmidas da maior parte do Brasil Oriental.
horizonte de concreção, e ainda porque depois E, nesse sentido, cremos que as próprias ideias iniciais
de sua formação a superfície teria sido novamen- dos geomorfologistas franceses que nos visitaram
te soterrada por material de granulação fina; c) vem sofrendo modificações importantes, pois Jean
como se conseguiu a concordância aproximada Tricart, ao redigir seu, por todos os títulos, notável
das atuais formas de superfícies com a (na minha artigo alusivo à “Divisão morfoclimática do Brasil
opinião) superfície sugerida pela pavimentação atlântico central” (1958), dá um tratamento novo à
de cascalho.(Lehmann, 1957 e 1960). interpretação dos horizontes superpostos de solos
nas vertentes, desta vez sintetizando o problema nos
As questões propostas por Lehmann (1957), seguintes termos:
evidentemente, são de uma importância básica para
a discussão e a interpretação da superposição de solos Nos declives mais fracos, como ao norte de Belo
no Brasil úmido oriental. Entretanto, consideramos Horizonte, os perfis mostram, muitas vezes, nas
de uma utilidade superior ao próprio encaminha- vertentes, formações características. Uma super-
mento por ele dado ao problema algumas das suas posição encontrada, frequentemente, às vezes
observações de campo - aqui transcritas - e as quais mesmo ao longo da rodovia Rio-São Paulo, é a
caracterizam, de uma vez por todas, a linha de seixos seguinte:
soterrados como sendo um pavimento detrítico pe- • na base, o latossolo truncado, estando conser-
dregoso, e chamando a atenção para a coincidência vado só o horizonte C, sob a forma de rocha
relativa, porém não exata, da superfície em relação apodrecida que manteve sua estrutura;
à superfície mais antiga marcada pela base do hori- • acima, um leito de seixos, sempre formado ex-
zonte de cascalho. No final de seu estudo, Lehmann, clusivamente de rochas silicosas resistentes à de-
de maneira erudita, analisou os mais diferentes ân- composição, às vezes recoberta por uma patina
gulos do problema que propôs, concluindo que, se ferruginosa, como perto de Campinas (SP), for-
até então a interpretação do assunto ainda era pro- mando uma camada mais ou menos contínua;
blemática, por certo a chave de sua resolução mais • uma formação de transporte, com a es-
concreta deveria ser encontrada no campo da “va- pessura de 1 a 5 ou 6 metros, constituída por
riação temporária das condições morfoclimáticas”. produtos finos silticoargilosos, retirado dos
René Raynal (1957), em seu arguto ensaio latossolos das vertentes superiores e localiza-
sobre “A evolução de vertentes e a evolução climá- do, seja por deposições, seja por solifluxão
tica da Serra da Mantiqueira”, ao mesmo tempo (coulees boueuses).
em que discutia as questões referentes às possíveis Esta sucessão típica mostra nitidamente os mes-
flutuações climáticas modernas do Itatiaia e de mo tipos de ações morfogênicas que as camadas
Campos de Jordão, procurou correlacionar as indi- aluviais dos vales, às quais os depósitos de encos-
cações obtidas da observação dos maciços da Serra tas geralmente se relacionam. Houve inicialmen-
da Mantiqueira com aquelas inferidas do exame dos te um longo período de decomposição química
solos superpostos das vertentes dos morros e colinas originando latossolos, depois uma fase de lava-
baixas das bacias de Rezende e Taubaté e seus arre- gem pelo escoamento, tendo por resultado sua
dores. Achamos que, muito embora nesse trabalho o truncagem e a formação de um pavimento pelos
autor tenha tido em mira principalmente a discussão filões pouco alterados de rochas magmáticas, no
paleoclimática quaternária do Itatiaia, sua interpre- caso. Em seguida, esse pavimento foi fossilizado
tação interessa muito diretamente na discussão ge- pelo entulhamento progressivo dos fundos dos
nética da aludida linha de seixos, que aliás Raynal vales [sic], e sob fornecimentos laterais, sendo re-
muito bem conhecia. O autor, no trabalho citado, cobertos por produtos de escoamento e desliza-
derivou para uma concepção em que fazia entrar mento. Acontece muitas vezes que estas forma-
duas fases morfoclimáticas sucessivas, a primeira ções de pé de encostas [sic] foram, a seguir, como
correspondendo “a um sistema de erosão dominado em Belo Horizonte e Campinas, alteradas em

240
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
13

virtude de um novo período úmido e dissecadas uma noção integrada dos episódios que agitaram
pelo efeito concomitante de um encaixamento a morfogênese, a pedogênese e a paleoecologia de
dos rios. enormes áreas tropicais e subtropicais do país.

Em conclusão, o sul do Brasil central atlântico 1. Segundo as principais observações de Leh-


foi submetido a oscilações climáticas muito mais mann, Tricart e Raynal, entre outros, pode-se
intensas e acentuadas que o Nordeste. Fizeram afirmar que a linha de cascalhos - soterrada a
reinar, por diversas vezes, no decorrer do Qua- 0,50-2,00 m de profundidade em extensas áreas
ternário, clima secos em contraste com enormes das terras úmidas e dominantemente florestais do
aguaceiros, que desencadearam ravinamento e Brasil oriental - constitui um típico pavimento
deslizamentos que imprimiram formas de dis- detrítico, de fragmentos e seixos retrabalhados,
secação mecânica no modelado geral convexo e depositados sob a forma de chão pedregoso nas
amplo de alteração química tropical. A destrui- vertentes ligeiramente descarnadas das elevações
ção da cobertura vegetal pelo homem permite a baixas e medianas do país, esculpidas em uma fase
repetição de tais fenômenos por ocasião de chu- úmida ou subúmida prévia.
vas excepcionais, como mostram as descrições de
H. O’Reilly Sternberg (1949). Em toda área, a 2. A topografia que antecedeu aos pavimentos de-
floresta ocupa região que foi, por diversas vezes, uma tríticos possuía um grau de energia muito próxima
zona seca. da atual, muito embora no momento da pavimen-
tação se encontrasse um pouco rebaixada em seus
Julgamos quase inútil insistir no alto grau microrrelevos por ravinamentos rasos e laminares,
de veracidade e probabilidade destas considerações relacionados com a mudança climática na direção
mais recentes de Tricart (1958) sobre o assunto que de um período seco esporádico, possivelmente
tanto preocupou os seus colegas e companheiros de do tipo semiárido moderado, com vegetação rala
excursões em 1956, e que guarda uma importância e esparsa, suficientemente aberta e raquítica para
permanente para a verdadeira compreensão e até provocar a reativação momentânea de uma mor-
mesmo para o controle planificado das paisagens fogênese mecânica. Acompanhando inteiramente
tropicais brasileiras. Nosso reexame do problema, as ideias de Tricart, pensamos que, para que os pa-
à custa de observações realizadas mais para oeste e vimentos fragmentários ou seixosos pudessem ter
mais para o sul das zonas percorridas pelos geomor- sido gerados e semeados pelas encostas antigas, por
fologistas franceses e alemães, não nos permitem ir enxurradas e lençóis d’água de enxurradas difusas, é
muito além, senão sublinhar a maior parte delas, e necessário conceber-se um período seco acidental,
colocar uma pedrinha a mais para confirmar a derra- porém bem marcado, suficiente para interromper
deira interpretação de mestre Tricart, rearranjando-a os efeitos da alteração das rochas e decomposição
em ínfimos detalhes complementares. química efetuadas em fase úmida e subúmida an-
terior, assim como capaz de descarnar, por meio de
Considerações finais ravinamentos difusos, os horizontes superficiais das
vertentes anteriores, preparando assim o microrre-
O estudo da linha de cascalhos inhumados levo que suporta o pavimento detrítico pedregoso.
das vertentes dos morros e colinas do Brasil oriental
não é um mero capricho intelectual de alguns pes- 3. É de se estabelecer que durante a fase da pavimen-
quisadores voltados para um problema “marginal”, tação já existisse uma drenagem exorreica intermi-
que envolve considerações pedológicas, morfocli- tente, previamente hierarquizada, similar àquela
máticas e sedimentológicas. Longe disso, é um tipo do Nordeste semiárido de hoje, a qual respondia
de investigação intercientífica que pode conduzir à pela evacuação do excesso dos seixos e fragmentos
explicação definitiva dos principais aspectos mor- das vertentes pavimentadas que atingiam as calhas
fogênicos das paisagens tropicais úmidas do Brasil, aluviais, retrabalhando os fragmentos liberados
e caracterizar a cronologia dos eventos paleoclimá- pela morfogênese mecânica e os depositando mais
ticos modernos finais sofridos pela porção oriental à frente em cascalheiros muito mais espessos de
de nosso território. Não se poderá fazer estudos de largos e anastomosados canais fluviais.
estrutura de paisagens em grande parte do Brasil,
sem se levarem em conta tais documentos, que 4. As vertentes antigas, onde foram disseminados
constituem a roupagem superficial e subsuperficial fragmentos de quartzo e quartzito (ou de outras
das feições topográficas das vertentes dos morros e rochas), lembrariam em seu microrrelevo certas
colinas da maior parte do Brasil oriental. Geomor- paisagens do Nordeste semiárido, sujeitas à for-
fólogos, pedólogos, sedimentólogos e biogeógrafos mação atual de tênues pavimentos fragmentá-
têm que beber da mesma fonte quando quiserem ter rios (Ab’Sáber, 1960), porém apresentariam uma

241
energia de relevo muito mais vigorosa nos diversos velha superfície coalhada de seixos e fragmentos.
compartimentos e níveis afetados pela pavimen- Os núcleos de decomposição mais pronunciados
tação detrítica semiárida. Note-se que as vertentes funcionaram como fonte de detritos finos, a partir
antigas situadas, via de regra, de 0,50 a 2,00 me- de um momento talvez anterior ao da própria uni-
tros abaixo das atuais, eram dotadas de contornos versalização das florestas, as quais depois se esten-
ligeiramente mais irregulares (microrrelevos) do deram por grandes tratos do território oriental do
que aquelas apresentadas pelo perfil habitual das Brasil. Estas, porém, aos poucos ocuparam posições
topografias atuais. Desta forma, pensamos que os pioneiras sobre “ilhas” de rochas alteradas, expostas,
embriões das formas mamelonares atuais foram acelerando o processo de decomposição das rochas
esboçados antes da pavimentação detrítica, parcial- em profundidade, provocando a formação de latos-
mente desarranjadas superficialmente quando da solos e outros similares e decretando o esparrama-
pavimentação detrítica fragmentária, e reaperfei- mento dos detritos finos por coluviação e lençóis
çoados pelos climas úmidos subatuais e atuais que d’água lamacentos, amarelados pela presença de
decretaram a decomposição química das saliências argilas e siltes. Tais processos, repetidos por dois
e dos calombos locais da topografia, soterrando ou mais milênios, teriam sido contemporâneos da
maciçamente a linha de seixos anteriormente ge- expansão da onda florestal da mata atlântica, assim
rada. como os principais fatores para o aperfeiçoamento
notável da “mamelonização” que atinge os mais di-
5. Como o traçado das rodovias e das ferrovias bra- ferentes níveis topográficos das terras de altitudes
sileiras nos planaltos interiores habitualmente se- média dos planaltos úmidos do Brasil Sudeste. Em
guem o eixo dos vales, à meia encosta, ou na zona qualquer hipótese, entretanto, há que lembrar que,
de transição de diferentes níveis de terraços e pa- desta vez, o aperfeiçoamento das vertentes dos
tamares, é muito comum observar-se o horizonte morros arredondados brasileiros (meias-laranjas e
de cascalho envolvendo as vertentes de alto a baixo, mares de morros) foi realizado, nos trópicos úmidos,
inhumado completamente por um quase universal mais por aposição de detritos finos e solos resi-
manto de argilas, siltes e areias, de cor vermelho- duais alóctones do que propriamente por edifício
amarelada. Para alguns casos não está de todo rochoso exposto em decomposição.
afastada a hipótese de que o revestimento detrítico
fino, superior, tenha provindo de saliências supe- 7. As derivas práticas de tais estudos são dignas de
riores ligadas por planos-pontes, hoje parcial ou serem melhor sopesadas, já que interessam muitas
totalmente destruídos. Tais degraus decrescentes vezes para explicar a razão dos ravinamentos ce-
de arranjo sutil poderiam ser explicados parcial- lerados, e para a gênese de algumas “voçorocas”.
mente por pequenas inversões posteriores de topo- Temos reparado que, toda vez, através do pisoteio
grafia, conforme as observações pioneiras de Setzer ou da abertura ocasional de sulcos, abaixo do nível
(1949), e observações mais recentes de Tricart. En- de seixinhos enterrados, o caminhamento da erosão
tretanto, dado o caráter do relevo evidenciado pela pela enxurrada concentrada se torna muitas vezes
linha de seixos soterrados, muito similar ao caso da mais rápido e intenso. Da mesma forma, os cons-
pavimentação ora em processo nos sertões baixos trutores de estradas quando abrem os cortes abaixo
do Nordeste semiárido, não podemos acreditar em da base dos seixinhos, o que acontece muito fre-
grandes inversões topográficas como aquelas dei- quentemente, passam a ter problemas muito mais
xadas entrever concepcionalmente por Setzer em sérios em suas operações, sendo impossível manter
um de seus diagramas explicativos (1949, p. 6). naturalmente leitos de rodovias nas terras úmidas
brasileiras após ultrapassar-se o limite imposto pela
6. A cobertura detrítica fina que soterra os pavi- pequena camada enterrada de seixos e fragmentos.
mentos detríticos pedregosos está inteiramente O material recumbente superior, como de resto já
ligada com a umidificação do clima, posterior à o anotou Setzer em trabalhos antigos, é muito mais
fase semiárida moderada e esporádica que criou denso e coerente, podendo manter melhor estradas
o pavimento detrítico. Em qualquer hipótese de carroçáveis e caminhos de leito raso que os de leito
trabalho que se adote nunca se poderá esquecer mais fundo, diretamente repousados no regolito
que foi a reativação recente da decomposição das situado abaixo dos cascalhos inhumados.
rochas expostas acima dos leitos detríticos, em
vertentes mais escarpadas ou em “calombos” e “ca- 8. Do ponto de vista das informações paleoclimá-
beços” que despontavam acima do chão pedregoso ticas modernas que interessam para a compreensão
primitivo - a exemplo do que atualmente acon- da sucessão de floras nos terrenos tropicais úmidos
tece no Nordeste seco - forçando a liberação de do Brasil oriental, os conhecimentos derivados da
grandes massas de detritos finos síltico-argilosos apreciação analítica dos solos aí superpostos, nos
e arenosos, os quais fossilizaram gradualmente a termos indicados por Jean Tricart (1958) e por

242
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
13

nós próprios, tem uma importância básica para


as considerações paleoecológicas. Cremos mesmo
que os achados recentes efetuados por Ab’Sáber e
Bigarella, de madeiras enterradas logo acima dos
seixinhos no vale do Rio Pirabeiraba, no litoral
norte-catarinense, e em posição idêntica, abaixo das
aluviões modernas de um afluente do Rio Palmital,
nos arredores de Curitiba, possam interessar muito
aos fitogeógrafos regionais. Seria de se fomentar a
procura de restos orgânicos (e quiçá pré-históricos
e arqueológicos) em ocorrências similares. Tais
conhecimentos, todos integrados, talvez atinjam o
campo das informações paleoclimáticas, de crono-
logia absoluta, com base em medidas de carbono
14, as quais por fim virão a nos mostrar a verda-
deira sucessão dos períodos pluviais e interpluviais
quaternários nas terras intertropicais e subtropicais
de nosso país.

A bibliografia deste artigo se encontra no DVD anexo

243
BIBLIOGRAFIA

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Revisitando um clássico:
“O relevo brasileiro e seus
problemas” de Aziz Nacib
Ab’Sáber
Adilson Avansi de Abreu

Introdução

A obra científica do Professor Aziz Nacib Ab’Sáber


constituiu-se na âncora e no motor do processo de trans-
formação da Geomorfologia na segunda metade do sécu-
lo XX no Brasil. Ela é composta por textos seminais, que
se tornaram clássicos, de consulta obrigatória para todos
que se ocupam com temáticas científicas que incorporam
o conhecimento do relevo e sua dinâmica em nosso país.
Nesta vasta obra não é fácil destacar-se um texto,
tanto são os pontos altos de sua produção. Consideran-
do, todavia, a importância da sistematização do conheci-
mento interessando ao relevo do Brasil é justo que se dê
atenção especial ao trabalho “O relevo brasileiro e seus
problemas”, publicado em 1964 na obra organizada por
Aroldo de Azevedo Brasil - a terra e o homem*.
Diversos motivos justificam esta escolha. Antes de
mais nada deve-se salientar que este texto reflete a po-
sição mais avançada, no início da década de 60 do sé-
culo XX, dos estudos geomorfológicos desenvolvidos no
Brasil, a partir da consolidação do ensino universitário
moderno criado na década de 30, com a implantação das
Faculdades de Filosofia do Rio de Janeiro e de São Paulo
e a fundação do Conselho Nacional de Geografia. A qua-
lidade do texto, todavia, é resultante da enorme capaci-
dade do Prof. Aziz combinar o conhecimento bibliográ-
fico anteriormente produzido com um método de crítica,
pesquisa, reflexão e criação que permitirá a ele dar a mais
relevante contribuição teórica e aplicada ao conhecimen-
to da geomorfologia como ciência no Brasil.
Este texto permite-nos compreender o modo como

* Ab’Sáber, Aziz Nacib. O relevo brasileiro e seus problemas. In:


Brasil - a terra e o homem, organizado por Aroldo de Azevedo. Compa-
nhia Editora Nacional. São Paulo, 1964
244
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
14

o Prof. Aziz desenvolvia sua pesquisa e seu racio- ao dar maior atenção ao estudo dos processos e dos
cínio, fortemente apoiado no trabalho de campo depósitos correlativos, identificando cada vez me-
e integrado, progressivamente, com as modernas lhor os mecanismos morfoclimáticos em operação
técnicas de análise e documentação do relevo, que na dinâmica geomorfológica do território brasileiro
começam a se desenvolver, entre nós, particular- e sul-americano.
mente após a Segunda Guerra Mundial, como por Trata-se, portanto, de um texto fundamen-
exemplo as fotografias aéreas. tal para a geomorfologia brasileira. Marca um mo-
Este trabalho, por outro lado, foi escrito no mento de ruptura, renovação e elaboração de um
contexto das transformações epistemológicas que pensamento teórico metodológico genuinamente
se produziam na geomorfologia brasileira a partir original, que o Prof. Aziz consolidará no fim dos
da realização do XVIII Congresso Internacional de anos 60 do século XX, exposto minuciosamente
Geografia do Rio de Janeiro, realizado em 1956, em sua tese de cátedra de 1968** e sistematizado
no qual o Prof. Aziz participou integrando a dele- didaticamente em 1969 no clássico “Um concei-
gação nacional brasileira como membro individual to de geomorfologia a serviço das pesquisas sobre
e representante da Faculdade de Filosofia, Ciências o Quaternário”***, cuja a publicação representou a
e Letras “Sedes Sapientiae”, tendo apresentado, no definição de um novo patamar epistemológico de
dia 17 de agosto, contribuição intitulada “A inter- referência para todos os interessados no conheci-
ferência dos sistemas de erosão na elaboração do mento geomorfológico no Brasil. A partir de então
relevo da região do Nordeste Oriental do Brasil”, os estudos sobre a geomorfologia e o relevo do Bra-
na sessão II de Geomorfologia, 3ª Reunião, presi- sil passam a ser desenvolvidos com base em uma
dida por Richard Russel, e tendo como outros apre- análise teórico-metodológica diferente da que fora
sentadores J. Dresch (França), Max Derruau (Fran- feita até então.
ça), Gordon B. Schilz (Etiópia), Herbert Wilhelmy
(Alemanha), Sten Rudberg e Filip Hjulstrom A estrutura do trabalho
(Suécia), Herbert Lehmann (Alemanha), Bela Bula
(Hungria), Hilgard O’Reily Sternberg (Brasil), “O relevo brasileiro e seus problemas” ocupa
Isaac Schattner (Israel), André Guilcher (França, 117 páginas da obra coordenada pelo Prof. Aroldo
Roger Facon (França), M. Lamotte e G. Rougerie de Azevedo, indo da página 135 à página 252. Está
(França). Foi ainda o Prof. Aziz o responsável pela estruturado em três partes, a saber: texto, da página
direção, juntamente com Maria Therezinha de Se- 135 à página 200, bibliografia, da página 201 à 217
gada Soares e o auxílio de Luiz Guimarães de Aze- e ilustrações (documentário fotográfico), que ocu-
vedo, da Excursão nº 4 – “Vale do Paraíba, Serra da pam o restante das páginas, embora estas não sejam
Mantiqueira e Região de São Paulo”, que se reali- numeradas.
zou entre 28 de julho e 7 de agosto, tendo redigido O texto está subdividido em 12 capítulos na
juntamente com o Prof. Nilo Bernardes o Guia de seguinte ordem:
Excursão nº 4, abordando esta temática. 1. A evolução dos conhecimentos sobre o relevo
Colaborou ainda o Prof. Aziz com a direção brasileiro;
da “Excursão nº 7 – Nordeste”, sob a direção do 2. O território brasileiro e sua posição no relevo da
Prof. Mario Lacerda de Melo, que se realizou entre América do Sul;
os dias 21 de agosto e 5 de setembro. 3. Dimensões e amplitudes altimétricas do relevo
As atas deste Congresso* registram ainda sua brasileiro;
participação no colóquio sobre “O problema das sa- 4. Os maciços antigos: montanhas e planaltos cris-
vanas e campos nas regiões tropicais”, presidida por talinos;
Jorge Chebataroff. 5. Os planaltos sedimentares e basálticos no Brasil;
“O relevo brasileiro e seus problemas” é, pro- 6. As terras baixas brasileiras: planícies e tabulei-
vavelmente, o mais importante texto da época a in- ros;
corporar o impacto da crítica e do conhecimento 7. O quadro paleogeográfico que precedeu a desnu-
que os geomorfólogos estrangeiros, particularmen- dação cenozoica no Planalto Brasileiro;
te europeus, trouxeram para o nosso meio. Assim as
pesquisas do Prof. Aziz, que haviam se iniciado já ** Ab’Sáber, Aziz Nacib. Bases geomorfológicas para o estudo
nos anos quarenta do século XX, quando no Brasil do Quaternário no Estado de São Paulo. Tese apresentada ao con-
havia um cômodo ajustamento à teoria davisiana, curso da cadeira de Geografia Física da Faculdade de Filosofia,
puderam ganhar um estímulo novo, que reforçou Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Edição do
inquietações e críticas que ele já havia assumido, autor. São Paulo, 1968.
*** Ab’Sáber, Aziz Nacib. “Um conceito de Geomorfologia
* Union Geographique Internationale. Comptes Rendus du a serviço das pesquisas sobre o Quaternário”. Série Geomor-
“XVIII Congres International de Géographie.” Tome premier. fologia nº 18. Instituto de Geografia da Universidade de São
Actes du Congres. Rio de Janeiro, 1956. Paulo. São Paulo, 1969.
245
8. O problema da gênese das grandes bacias hidro- acúmulo de novos conhecimentos se encarre-
gráficas brasileiras; garão de ir corrigindo e acertando sistemati-
9. O relevo de “cuestas”no Brasil; camente. (p. 137)
10. As depressões periféricas do Planalto Brasilei-
ro; Acompanha esta introdução carta hipsomé-
11. Os grandes problemas da Geomorfologia bra- trica do Brasil e das áreas vizinhas da América do
sileira; Sul (p. 136).
12. A classificação do relevo brasileiro e suas difi- O primeiro capítulo aborda a evolução dos co-
culdades. nhecimentos sobre o relevo do Brasil (p. 137 a 140).
A bibliografia está organizada em quatro Nele Ab’Sáber chama a atenção para o fato de que
grandes conjuntos, podendo alguns trabalhos se- a Geomorfologia somente se tenha implantado no
rem mencionados em mais de uma categoria. São Brasil tardiamente, uma vez que os primeiros es-
elas: tudos mais diretos e sistemáticos surgiram apenas
1. Bibliografia das bibliografias, com 12 referên- na primeira metade do século XX. Ordena, então,
cias. a história dos estudos sobre o relevo do Brasil em
2. Estudos Gerais, totalizando 112 referências. “três grandes períodos, mais ou menos bem defi-
3. Estudos Regionais, abrangendo 296 referências. nidos”, a saber: “período dos predecessores (1817-
4. Estudos Especiais, com 34 referências. 1910); período dos estudos pioneiros (1910-1940);
As ilustrações, corretamente chamadas de período de implantação das técnicas modernas
documentário fotográfico, correspondem a 61 fo- (1940-1949)” (p.137), admitindo, todavia, que se
tos. Embora a numeração das fotos vá até 59, exis- poderia considerar, a partir de 1949, um quarto
tem duas com o número 41 e outra não numerada período, que designa de período brasileiro contempo-
entre as fotos 28 e 29. Destas 61 fotos apenas 4 não râneo, no qual identifica problemas decorrentes da
são de autoria de Ab’Sáber, que é o responsável por forma como o ensino da disciplina foi implantado
57 fotos realizadas entre os anos de 1948 e 1958 e nas universidades brasileiras recém-criadas.
que documentam mais de uma década de trabalhos Após analisar, de forma concisa, cada um dos
de campo. três períodos que antecederam a segunda metade
do século XX, registra a situação delicada vivida
O texto e seu conteúdo pela Geomorfologia naquele momento, motivada
pela crise do paradigma davisiano. Constata que
Ab’Sáber inicia sua exposição por uma in-
trodução na qual chama a atenção para a vastidão nem bem se formou a primeira equipe de
do território brasileiro e a insuficiência da biblio- geomorfologistas brasileiros e, já com um
grafia disponível sobre o mesmo, bem como dos certo retardo, se prenunciam os refuxos de
estudos geológicos e cartográficos em escala ade- uma crise de caráter universal que envolve
quada para sua análise. Contrastando com esta questão de método, de conceitos e de técni-
situação, registra que boa parte do Brasil já dis- cas de trabalho. Estamos na antevéspera de
punha de levantamentos aerofotográficos que uma verdadeira “revolução” interna nos qua-
constituíam importante documentação para a in- dros da Moderna Geomorfologia brasileira,
vestigação e elaboração de cartas sob critérios téc- fato que somente se concretizará a custa de
no-científicos mais avançados. um novo apelo à experiência e à orientação
Pondera que se a “homogeneidade” e a “ex- de cientistas estrangeiros e através da funda-
tensividade” poderiam facilitar o estudo de um ter- ção de laboratórios de pesquisa, ativos e bem
ritório tão grande, era preciso ter em vista que estas dirigidos (p. 140).
características eram frequentemente mais ilusórias
que reais. Percepção que deve ter sido reforçada a partir das
Encerra esta introdução do trabalho definin- discussões e trabalhos de campo compartilhados
do seu objetivo e suas limitações: com grandes nomes da geomorfologia europeia e
norte-americana, com os quais conviveu durante o
O certo, porém, é que, na base dos conhe- XVIII Congresso Internacional de Geografia (Rio
cimentos geológicos, topográficos e geomor- de Janeiro, 1956), ao qual se refere como tendo sido
fológicos existentes sobre o Brasil, é licito uma excepcional oportunidade.
realizar uma síntese preliminar sobre o seu No capítulo seguinte, “O território brasi-
relevo e equacionar alguns de seus grandes leiro e sua posição no relevo da América do Sul”,
problemas. Nessa tentativa, como não pode- Ab’Sáber mobiliza as noções de escala, apoiando-se
ria deixar de haver, existirá sempre um tom em Salisbury, mas mencionando também Tricart e
de marcante provisoriedade, que o tempo e o Cailleux. Sublinha que, apesar da extensão do ter-

246
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
14

ritório, o Brasil não conta com “os traços essenciais ficações de formas aplicadas a estes conjuntos. Re-
da estrutura dos continentes” havendo “absoluta au- laciona então as altitudes, suas áreas de ocorrência,
sência de verdadeiros relevos montanhosos de tipo as condições tectônicas e geológicas associadas e as
alpino-himalaio, assim como de relevos vulcânicos formas de relevo dominantes, fornecendo os pri-
recentes, ou formas topográficas comprovadamente meiros elementos para a identificação dos grandes
ligadas às glaciações de altitude”. No relevo do Bra- compartimentos do relevo brasileiro que, em segui-
sil “destacam-se tão somente planaltos cristalinos, da, serão caracterizados.
montanhas rejuvenescidas e planaltos sedimentares Ab’Sáber evidencia que muitas classificações
e basálticos, assim como grandes planícies conti- eram impróprias, na medida que valorizavam ape-
nentais e extensas áreas de estreitas planícies cos- nas a hipsometria, sem considerar os processos em
teiras” (p. 140). Contrapõe, com base em diversos operação.
autores, o setor ocidental e oriental da América do Os três capítulos seguintes apresentam “os
Sul, o primeiro ocupado pelos dobramentos mo- grandes conjuntos do relevo brasileiro do ponto
dernos e o segundo pelos maciços antigos e bacias de vista estrutural e geomorfológico, ordenados do
sedimentares intracratônicas soerguidas, em cujos passado para o presente e dos compartimentos mais
desvãos “estendem-se áreas de sedimentação re- altos para os mais baixos”.
cente ou em processo, também extensivos aos vãos Aborda primeiro os maciços antigos: monta-
intermediários existentes entre esses maciços e os nhas e planalto cristalinos, chamando a atenção para
arcos de dobras subandinos” (p. 141). a enorme extensão territorial que eles ocupam, su-
Identifica então “os grandes núcleos topográ- perando a marca dos 3 milhões de km². Discute
ficos que compõem o relevo brasileiro” (...) “a to- a precariedade do conhecimento geológico destas
talidade do chamado Planalto Brasileiro, um trecho áreas, sobretudo de suas disposições estruturais, as-
considerável do Planalto das Guianas, uma parte do sinalando, todavia, que nos últimos anos grandes
baixo Planalto Uruguaio-Sul-Rio-Grandense, a qua- progressos haviam sido alcançados. Destaca que os
se totalidade da Planície Amazônica, uma parcela terrenos proterozoicos se caracterizavam por serem
das Planícies Centrais Sul-americanas, representadas estruturalmente mais perturbados, ao passo que as
pelo Pantanal Mato-Grossense, além de uma série formações paleozoicas inferiores possuem estru-
de planícies costeiras alongadas e descontínuas...” turas mais simples e de mais fácil identificação no
(p. 141). campo.
Encerra este capítulo tecendo considerações A análise e caracterização geomorfológica
sobre a dificuldade de estabelecer subdivisões nes- destes maciços antigos é feita apoiada na teoria do
tes “grandes blocos ou núcleos estruturais” (p. 142), ciclo geográfico de W. Morris Davis, combinando os
chamando a atenção para as condições climáticas conceitos de ciclo de erosão que produz superfícies
e o papel das províncias morfoclimáticas, que são de aplainamento, seguidas de reativação tectônica
independentes das direções estruturais, registran- e retomada da erosão com novo ciclo geomorfo-
do, com base na classificação climática de Köppen, lógico. São aplicados diversos conceitos genéticos
“que 85% a 90% do território nacional são constitu- combinando disposições estruturais e fase no mo-
ídos dominantemente por áreas quentes e úmidas”; delo do “ciclo geográfico”, produzindo caracterização
chamando a atenção para o fato de que, se no Chile de formas com as denominações de relevo do “tipo
e Argentina temos uma diagonal arreica, no Brasil apalachiano”, “cristas rejuvenecidas ou áreas de re-
Nordeste temos “um polígono das secas envolvendo levo enérgico, levado uma ou mais vezes ao estágio
um domínio de paisagens semiáridas de exceção do- de dissecação clássica de maturidade” (p. 146).
tado de drenagem exorreica intermitente” (p. 142).
O capítulo dimensões e amplitudes altimétricas Desta forma, a despeito de não possuir re-
do relevo brasileiro encerra um bloco de conteúdo levos acentuados, de tipo alpino-himalaio, o
que pode ser identificado como introdutório ao nú- Planalto Brasileiro apresenta relativa com-
cleo central do texto. Para discutir estas caracte- plexidade em suas formas topográficas, fato
rísticas do relevo brasileiro Ab’Sáber apoia-se em válido especialmente para as áreas de ex-
estudo clássico de autoria de Fábio Macedo Soares posição de terrenos pré-devonianos e pré-
Guimarães, datado de 1943, no qual foi inventa- cambrianos. Há, aí, verdadeiras montanhas
riada a distribuição hipsométrica do relevo, regis- rejuvenescidas, com cristas salientes e redes
trando, porém, que estes dados certamente seriam de drenagem complexas, às vezes de tipo apa-
alterados com o avanço dos conhecimentos carto- lachiano. Não faltou, por outro lado, grandes
gráficos do país. e espetaculares escarpamentos, situados em
Esta análise motiva uma apresentação dos áreas litorâneas e sublitorâneas, tais como as
macrocompartimentos do relevo brasileiro, acom- Serras do Mar e da Mantiqueira, oriundas,
panhada de uma visão crítica das diferentes classi- pelo menos em parte, de fenômenos tectô-

247
nicos relativamente modernos, que determi- fundo e extensivamente pela Amazônia Brasileira”,
naram fraturas e falhas para aquelas massas que correspondem a “antigas planícies costeiras le-
cristalinas rígidas e antigas (pp. 146-147). vantadas” (p. 150).
Discute, ainda, os termos associados a de-
Segue-se discussão a respeito do uso dos signação das formas nestes compartimentos do
termos “serra” na linguagem popular e científica, relevo, dando fundamental contribuição para sua
bem como “morro” e suas variadas possibilidades compreensão (chapada, chapadão, chã, tabuleiro, coxi-
de combinação que originaram as expressões “meia lha e guarita).
laranja” ou “mares de morros”, sendo que, no caso Encerra este capítulo tecendo considerações
do Rio Grande do Sul, a terminologia é diferente, a respeito da fertilidade dos solos originados dos
com o uso dos termos “cerros” e “coxilhas”. terrenos vulcânicos e comentando os “tipos de re-
Encerra salientando a importância de “um des hidrográficas peculiares dos planaltos sedimen-
gigantesco arqueamento de grande raio de curvatu- tares brasileiros” (p. 154).
ra, denunciando a natureza das deformações tectô- Reproduz em página dupla dois blocos dia-
nicas pós-cretáceas que responderam pela formação gramas da Serra do Mar no Estado do Paraná, de
desse excepcional bloco de continente” (p. 149), re- autoria de Reinhard Maack, a partir do Pico do
presentado pelo Planalto Brasileiro. Marumbi, que põem em evidência as características
Ao abordar os planaltos sedimentares e basál- das escarpas da Serra do Mar na região e os níveis
ticos no Brasil registra que “extensões consideráveis topográficos a partir dos quais evoluíram (p. 153
do território brasileiro são formadas por planaltos -154).
sedimentares, que se desdobram através de chapa- Inicia o capítulo sobre as terras baixas brasi-
dões e tabuleiros” (p.149), estando alguns deles as- leiras: planícies e tabuleiros chamando a atenção para
sociados a derrames basálticos extensos, havendo, o fato de 40,76% do território brasileiro estar lo-
portanto, nestes setores a ocorrência tanto de terre- calizado a cotas inferiores a 200 metros, ocorren-
nos sedimentares como vulcânicos antigos. do principalmente na Amazônia, Pantanal e faixas
litorâneas e sublitorâneas orientais do Brasil, des-
Na realidade, bem mais da metade das áreas tacando a dominância dos platôs arenosos (tabu-
sedimentares que recobrem 2/3 do território leiros) da Amazônia e do litoral, sobre as planícies,
brasileiro se apresenta na forma de planaltos que se agrupam em quatro categorias: “1. planície do
tabuliformes, postados a diferentes planos al- Pantanal; 2. planície amazônica; 3. planícies costeiras;
timétricos. Tais planaltos cuja estrutura geo- 4. planícies aluviais de compartimentos de planalto”
lógica está na dependência direta das bacias (p. 155), identificadas em um mapa de conjunto do
sedimentares brasileiras (paleo e mesozoicas, relevo do Brasil (p. 155), no qual aparecem ainda
mesozoicas e cenozoicas) soerguidas a dife- outras unidades que serão abordadas nos capítulos
rentes altitudes por movimentos epirogêni- seguintes. A esta altura do texto, Ab’Sáber expõe
cos, apresentam sensíveis diferenças de fei- as dificuldades que enfrentavam os geomorfólogos
ções geomórficas, ligadas às variações regio- para classificar a realidade, enquadrando-as nos
nais de processos morfoclimáticos” (p. 149). modelos científicos teóricos.

Se no item anterior o “ciclo geográfico” era Nesse quadro geral das terras baixas brasileiras
conceito de referência, deve-se destacar aqui a mo- não estão incluídas algumas unidades de relevo
bilização dos conceitos morfoclimáticos como processos de caráter a um tempo cíclico e morfoclimático,
diferenciadores regionais das formas esculpidas nas es- representadas pelos pediplanos nordestinos, o
truturas geológicas. pediplano do alto do Rio Branco, e os pediplanos
Após caracterizar o Planalto Brasileiro em ter- gaúcho e cuiabano, os quais melhor se enquadra-
mos de subunidades, aborda o Planalto das Guianas, riam no grupo das áreas de relevo de amplitude
registrando que se, “até há pouco tempo era tido topográfica similar à dos baixos platôs arenosos
como um bloco de maciços antigos (...) praticamente amazônicos e leste nordestinos. Em qualquer
destituído de capeamento sedimentar”, esta realidade classificação geomorfológica, de maior detalhe,
já estava alterada, posto “que nos confins setentrio- tais áreas de pediplanos intermontanos ou baixos
nais do Planalto das Guianas, em nosso território, peneplanos interiorizados deverão ter o seu devi-
destacam-se chapadões sedimentares, em patamares do lugar, enriquecendo o mostruário dos tipos de
inclinados e sucessivos, na zona que precede o famo- terras baixas brasileiras. Na presente oportunida-
so Roraima” (p. 149). de, porém, trataremos tão somente da fisiografia
Completa esta classificação abordando os ta- dos baixos platôs arenosos e das verdadeiras pla-
buleiros areníticos da “zona litorânea e sublitorânea nícies brasileiras (p. 155 – 156).
do Leste, do Nordeste e do Norte do país, assim
como a grande área de baixos platôs que penetra A seguir analisa cada uma das unidades con-

248
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
14
sideradas, iniciando pelas terras baixas da Amazô- pré-cambrianos e eocambrianos, estando o
nia, seguidas pelo domínio de tabuleiros do Brasil conjunto em franco processo de erosão, ex-
Leste e Nordeste, pela planície do Pantanal, en- tensiva e generalizada (p. 164).
cerrando a abordagem deste item pelas planícies
de compartimento de planaltos, destacando, neste Seguem-se a este esclarecimento inicial con-
caso, a importância que possuem para a atividade siderações que combinam experiência pessoal e in-
humana. É uma abordagem que ao lado da carac- terpretação da literatura especializada nos campos
terização das formas, exploradas também do pon- da geomorfologia, sedimentologia e da tectônica,
to de vista da terminologia regional com maestria, para traçar o comportamento global dos diferentes
é acompanhada por discussão sobre a gênese das setores que interessam ao Planalto Brasileiro, tanto
mesmas, com particular atenção para a evolução no tempo como no espaço.
dos padrões de drenagem e a interferência da tec- Considerando a importância dos processos
tônica. Mais uma vez são mobilizados conceitos de erosivos, que forneciam materiais para as áreas de
evolução geomorfológica associados a concepções sedimentação, pondera Ab’Sáber que certamente
diferentes de modelado, conforme mobilizado pe- essa ação não se deu sempre sob as mesmas con-
los autores das referências discutidas no texto. Por dições climáticas. “Aqui como alhures, nas regiões
exemplo, ao caracterizar a passagem da planície do intertropicais, inúmeras foram as variações de pro-
Pantanal para a rampa progressivamente elevada cessos erosivos, alternando-se peneplanações e pedi-
onde se situa Cuiabá registra que: “Para o norte, planações na elaboração de superfícies aplainadas,
passa diretamente do Pantanal para o pediplano conforme ponderou com muita razão o Professor
interiorizado, conhecido sob o nome de Peneplano Jean Dresch (43), ao rever as ideias gerais de Lester
Cuiabano (27), talhado em rochas pré-cambrianas King a respeito das superfícies aplainadas africa-
da série Cuiabá, área onde as altitudes sobem ligei- nas” (p. 166). Estas ponderações de Dresch foram
ramente, atingindo de 180 a 250 metros” (p. 161). feitas no XVIII Congresso Internacional de Geo-
Em nota de rodapé, comenta que o próprio autor grafia do Rio de Janeiro, em 1956, informa o Prof.
desta denominação, Prof. Fernando Flávio Mar- Ab’Sáber.
ques de Almeida, já reconhecia “tratar-se de um O quadro paleográfico que precedeu a escul-
pediplano e não de um peneplano” (p. 161). turação do Planalto Brasileiro é resumido na se-
Percebe-se, na leitura feita hoje, um texto guinte frase:
produzido em momento de mudanças de concep-
ções teóricas no campo da geomorfologia. Mudan- O importante é lembrar que entre essas bacias
ças para as quais o Prof. Ab’Sáber estava contri- mesozoicas (nordestinas, centrais e amazôni-
buindo de forma determinante. cas) assentadas diretamente sobre terrenos
Após estes itens, que definem e caracterizam pré-cambrianos ou situadas no interior de
os grandes conjuntos regionais do relevo brasileiro, bacias paleozoicas, havia plainos de erosão,
Ab’Sáber dedica-se à discussão de como teria sur- de diferentes gêneses, ou então se estendiam
gido esta macrocompartimentação, abordando os lâminas finas de sedimentos recorrentes, que
diferentes tempos e os diferentes processos que atuaram a erosão pós-cretácea removeu com a maior
em sua gênese. facilidade, poupando e deixando à mostra tão
Ao considerar o quadro paleogeográfico que somente as massas principais de sedimentos
precedeu a desnudação cenozoica do Planalto Brasilei- anichadas em sinclinais bem definidas” (p.
ro, começa por definir que os elementos essenciais 168).
de seu relevo só foram adquiridos após o Mesozoi-
co, “ou seja, após o término da sedimentação cre- Ao analisar o problema da gênese das grandes
tácica no interior do país através do soerguimento bacias hidrográficas brasileiras, Ab’Sáber pondera
de conjunto que sobrelevou, a um tempo, os velhos sobre as dificuldades da discussão deste tema, ten-
núcleos de escudo e a carga de sedimentos paleo do em vista o grau de desconhecimento paleoge-
e mesozoicos, que se encontrava anichada em suas ográfico sobre o país. Considera, todavia, possível
bacias sedimentares intercratônicas”, completando: uma abordagem até certo ponto aceitável, dado o
caráter exorreico da drenagem e da “relativa sim-
tudo indica, mesmo, que na fase pré-devo- plicidade geral do traçado de suas grandes bacias
niana – ou seja antes que se estivessem de- hidrográficas” (p. 169), além do que a compreensão
lineadas as grandes bacias sedimentares da origem e das idades destas redes hidrográficas
brasileiras – nunca existiu um verdadeiro auxiliariam muito o entendimento da “marcha dos
Planalto Brasileiro. Naqueles remotos tem- fenômenos denudacionais que se processaram nos
pos geológicos do paleozoico inferior deviam planaltos interiores do país durante a primeira me-
dominar, ainda, áreas de montanhas elevadas tade da era terciária” (p. 169).
e cordilheiras, ligadas aos ciclos orogênicos Esclarece, então, que a atual rede de drena-

249
gem, “em suas grandes linhas, é quase inteiramente geográfica das escarpas estruturais brasileiras,
posterior ao Cretáceo e que sua fixação dependeu, um bom ponto de partida é o agrupamento
muito de perto, do soerguimento de conjunto que das mesmas em sistemas de “cuestas”, debaixo
arqueou e sobrelevou o Escudo Brasileiro após o de um critério rigorosamente geomorfológico.
término da sedimentação mesozoica”. Nesse sentido lembraríamos que o território
Destaca o papel do grande “lombo divisor” do brasileiro pode apresentar exemplos de quase
Escudo Brasileiro, que vai das terras altas do Sudes- todos os tipos de sistemas de “cuestas” conhe-
te até o Planalto Central, separando a drenagem do cidos a saber: 1) sistemas de “cuestas” estabele-
Alto Paraná, São Francisco e Amazônia. Registra cidas em antigas planícies costeiras levantadas
como essas redes de drenagem teriam se compor- (como as “cuestas” da Chapada do Apodi e
tado, referindo-se também ao Planalto dos Parecis as pequenas “cuestas” da série Barreiras; 2)
e seu papel para as drenagens amazônicas e plati- sistemas de “cuestas” concêntricas de front exter-
nas. Assim, aborda, sucessivamente, o significado no, esculpidas em bacias paleo e mesozoicas
dos rios Guaporé, Madeira e Paraguai, seguidos soerguidas (“cuestas" das bacias do Paraná e
da evolução das drenagens dos rios São Francisco do Maranhão-Piauí); 3) sistema de “cuestas”
e Alto Paraná; evidencia que se o São Francisco fi- concêntricas de front interno, estabelecidas em
cou amarrado a um antigo eixo de sinclinal, o Alto torno de um grande núcleo bombeado de
Paraná se superimpôs de forma epigênica e centrí- escudo, à moda das estruturas dômicas de
peta. Discute, comparando com a Bacia do Alto grande raio de curvatura (“cuestas” e ladeiras
Paraná, o que ocorreu com a drenagem do Estado de chapadas que circundam a Boborema); 4)
do Paraná, que se organizou com “ligeira dispersão sistemas de “cuestas” esculpidas no lado interno de
em leque” (p. 172), caracterizando, a seguir, como uma “boutonnière” (“cuestas” que circundam a
teriam se esboçado as drenagens dos rios Uruguai e grande e irregular “boutonnière” do Panta-
médio Paraná. nal Mato-Grossense, pelos seus quadrantes
Pondera, ainda, que os remanescentes mais orientais, norte orientais e setentrionais); e,
antigos da rede de drenagem do Planalto Brasilei- finalmente, 5) sistemas secundários de “cuestas”
ro encontram-se apenas em pequenas porções do esculpidas através do rejuvenescimento de pene-
“grande lombo divisor transversal do Escudo Bra- planos parciais estabelecidos em estruturas mo-
sileiro (Alto Paraná e São Francisco) assim como noclinais (pequenas “cuestas”estabelecidas no
em trechos muito limitados da extensa faixa mon- interior de algumas das grandes depressões
tanhosa norte-sul do Espinhaço e altos planaltos periféricas paleogênicas, à custa do rejuve-
em bloco da Mantiqueira e da Bocaina” (p. 173). nescimento pós-pliocênico (p. 174).
Conclui este capítulo registrando
A seguir aborda este tema do ponto de vis-
que quase nada de definitivo se pode estabe- ta regional, esclarecendo fatos relevantes para cada
lecer a respeito da gênese e antiguidade das setor de ocorrência no Brasil. Discute as questões
redes hidrográficas brasileiras, como de resto estruturais associadas a esta forma de relevo, como
parece ser habitual em relação a quase to- mergulhos, camadas mantenedoras, padronagem
das as redes hidrográficas intertropicais. Isto da drenagem, registrando a diversidade das feições
porque as grandes variações climáticas (....) geomórficas produzidas por processos morfoclimá-
contribuíram para a reorganização de seus ticos diferenciados, conforme a localização em nos-
traçados (....) daí, a rede dos grandes vales so território. Esclarece o processo de retalhamento
ou calhas de desnudação em geral possuírem dos fronts, registrando a diversidade das formas e
certa antiguidade nessas áreas, enquanto os dos topônimos populares a elas associados (guari-
rios propriamente ditos possuem uma rede tas, cuscuzeiros, torres, torrinhas, baús, chapéus,
de fixação relativamente recente (p. 173). andorinhas, trombas, aparados, paredões, talhados
ou tombadores, itambé ou taimbés, sacos, vila-ve-
O capítulo seguinte aborda o relevo de cues- lha, pedrejeiros, cabeças, alcantis, lajes ou lajedos).
tas no Brasil, resultante de demorados processos Destaca, ainda, a superimposição pós-cretá-
de desnudação marginal e circundesnudação pós- cica tendencialmente centrípeta nas bacias do Pa-
cretácicos, que operaram nas bordas das bacias se- raná e Maranhão-Piauí, favorecida pela disposição
dimentares intercratônicas. periclinal dos estratos e a evolução de percées conse-
Apresenta, logo no 2º parágrafo do texto, ca- quentes e depressões periféricas subsequentes.
racterização muito feliz a respeito desta forma de Encerrando este capítulo, após discutir a pa-
relevo no Brasil: dronagem da drenagem dos fronts das cuestas e das
depressões periféricas elaboradas em ciclos mais
Para a melhor compreensão da distribuição antigos, aborda as formas de relevos das escarpas

250
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
14

dos planaltos basálticos do norte do Rio Grande do anuncia estudos que viriam, posteriormente, trazer
Sul, que seriam merecedoras de uma denominação explicações fundamentais para o conhecimento da
geomorfológica especial, ainda não definida nos dinâmica quaternária da paisagem brasileira: “Nos
compêndios que sistematizam a ciência geomorfo- estudos dos padrões de paisagens intertropicais bra-
lógica. sileiras, que estamos realizando, reservamos grande
Deve-se destacar que esclarecedor para a dis- importância para tais fatos que interessam muito
cussão deste tema é o Bloco Diagrama da Bacia do diretamente ao campo da estrutura morfoclimática
Alto Paraná, de sua lavra no ano de 1954 e que é e climatobotânica do interior do país” (p. 184).
reproduzido na página 177. O penúltimo capítulo do texto é dedicado
Na sequência, o texto aborda as depressões pe- aos grandes problemas da Geomorfologia brasileira,
riféricas do Planalto Brasileiro sob um ponto de vista apresentando uma abordagem crítica da mais alta
abrangente e comparativo. Registra que correspon- qualidade para as questões teóricas e empíricas que
dem “a extensas calhas de desnudação marginal, na emergiam da atividade dos geomorfólogos. Ele
forma clássica das depressões periféricas subsequentes” esboça um verdadeiro programa de trabalho, que
(p. 181), que constituem “componentes geomor- praticamente viria a pautar a maioria dos pesquisa-
fológicos básicos do relevo do Planalto Brasileiro” dores brasileiros nas três últimas décadas do século
(p. 181), localizadas entre os blocos principais dos XX, tendo contribuído fundamentalmente para o
maciços antigos e as escarpas estruturais definidas avanço da disciplina e o conhecimento regional do
pelas cuestas. relevo do Brasil.
Após caracterizar sua distribuição e feições Ab’Sáber inicia elencando os grandes proble-
geomórficas em torno da Borborema, entre Espi- mas que enfrentavam a geomorfologia brasileira, a
nhaço, Chapada Diamantina e Serra da Jacobina e saber: “a escassez de boas monografias regionais,
em torno da Bacia do Paraná, registra o desconhe- (...) a ausência de uma cartografia extensiva de escol
cimento dessas feições na borda ocidental da Ba- e a falta de bons centros de treinamento científi-
cia do Maranhão-Piauí e ao sul e ao norte da bacia co para a formação de novas equipes de pesquisa-
Amazônica, apontando as dificuldades de estudos dores” ao que se adicionava “a questão da falta de
impostos pelas florestas. Estas áreas só seriam me- elementos e de literatura regional suficientes para
lhor conhecidas, posteriormente, com os estudos uma classificação geomorfológica mais detalhada
realizados pelo Projeto RADAMBRASIL, condu- do território brasileiro” e “o grupo dos problemas
zido com a decisiva colaboração teórico-metodoló- controvertidos, as questões pendentes ou em aber-
gica e científica do Prof. Ab’Sáber nas décadas de to, assim como o caso de alguns setores e capítulos
70 e 80 do Século XX. da Moderna Geomorfologia, que, em sua aplicação
Ao caracterizar a distribuição média das co- ao Brasil, ainda não foram contempladas com estu-
tas altimétricas das grandes depressões periféricas, dos de categoria” (p. 185).
registra que “no território brasileiro parecem existir A partir deste elenco de questões, o texto que
exemplos e combinações de quase todos os tipos de se segue revela grande densidade e é trabalhado de
rebordos de maciços antigos estabelecidos por Jean forma a combinar as questões centrais apresentadas
Tricart” (p. 183), destacando também sua “impor- em seu corpo principal com informações comple-
tância geográfica excepcional para as ligações ter- mentares, porém fundamentais, para ampliar sua
restres no interior do país” (p. 183). discussão em notas de rodapé. Estas notas, todavia,
Deixa claro que essas depressões possuem frequentemente extravasam o aspecto de comple-
paisagens “bastante individualizadas e diversifica- mentaridade e avançam no campo da formulação
das entre si, conforme a composição geológica de de uma abordagem teórico metodológica, que seria
seu subsolo, sua pedogênese, suas feições morfocli- posteriormente por ele refinada e que baliza, até
máticas e as províncias morfoclimáticas em que se hoje, a maioria dos trabalhos de investigação no
situam” (p. 183), embora sejam todas produzidas campo da geomorfologia.
por fenômenos desnudacionais pós-cretácicos, ela- Este capítulo é aberto com a discussão de
borados em condições estruturais e morfoclimáti- questões de geomorfologia regional ainda penden-
cas diferenciadas. tes, bem como a necessidade de aprofundamento de
Encerra este capítulo apontando a diversida- certos temas, particularmente os ligados às questões
de dos padrões de paisagens existentes nas coxilhas estruturais e tectônicas. A seguir chama a atenção
gaúchas, nas colinas da Depressão Periférica Pau- para a necessidade de se rever o conhecimento acu-
lista e nas depressões periféricas do interior nordes- mulado a respeito das superfícies de aplainamento
tino, consequência de “um grupo de combinações e os níveis de erosão, concluindo que “para tanto,
de fatos físicos e biológicos essenciais para a carac- impõem-se rever cuidadosamente o assunto, à custa de
terização de algumas das principais paisagens tropi- importação e adaptação de métodos mais modernos e
cais brasileiras” (p. 184). A última frase deste texto objetivos” (p. 187).

251
A partir deste ponto, Ab’Sáber vai se ocupar Integra o texto, entre as páginas 186 e 187,
com os processos, com os depósitos correlativos, com Mapa Geomorfológico Preliminar do Brasil, datado
os paleoclimas, com as feições morfoclimáticas regio- de 1960 e que serviu de apoio para a síntese e clas-
nais, com os depósitos de vertentes e com as crostas e sificação do relevo do Brasil, discutida no último
carapaças lateríticas. capítulo e representada no mapa do relevo do Brasil,
A sequência de notas de rodapé que acom- localizado na página 155, datado de 1962.
panha estes temas chama a atenção para a impor- Este Mapa Geomorfológico Preliminar do Bra-
tância e o significado do Congresso Internacional de sil representou um enorme avanço em relação a
Geografia realizado no Rio de Janeiro em 1956, quan- uma visão de conjunto integradora dos fundamen-
do grandes nomes da geomorfologia mundial pre- tos tectônicos e estruturais do relevo brasileiro e
sentes contribuíram para evidenciar a importância dos processos morfoclimáticos que operaram nestes
dos depósitos modernos e a existência entre nós de espaços, produzindo sua macrocompartimentação
“uma total falta de hábito na observação dos depó- geomorfológica.
sitos quaternários e na avaliação de seu significado O capítulo final desta obra ocupa-se com a
paleoclimático” (p. 188), lembrando que o Brasil classificação do relevo brasileiro e suas dificuldades.
era rico dessas formações, embora elas fossem “de Ab’Sáber inicia chamando a atenção para a
certa forma diferentes daquelas amiúde referidas nos dificuldade “do encontro de um critério e de uma
livros-texto, porque pertencem esmagadoramente fórmula para a classificação geográfica do relevo bra-
a áreas de drenagem exorreicas e ao domínio das sileiro”, motivada pela “grandeza territorial do país,
terras intertropicais não glaciadas” (p. 188), cha- a ausência de cartas topográficas de escalas úteis e
mando a atenção para a importância das mesmas a ilusória simplicidade geral das formas de relevo”,
para o conhecimento da estrutura da paisagem e sua o que ocasionou um conjunto de classificações “in-
relevância para os estudos da “ciência aplicável e completas e defeituosas” (p. 192).
aplicada” (p. 189). Destaca o trabalho de Aroldo de Azevedo
Um ponto a se destacar é a crítica que intitulado “O Planalto Brasileiro e o problema da
Ab’Sáber faz aos que haviam se habituado à rotina, classificação de suas formas de relevo”, de 1949,
no contexto de uma ciência acomodada a modelos que fez um inventário crítico das classificações do
superados destacando que “o certo é que há todo relevo brasileiro publicadas até aquele ano, ponde-
um acidentado caminho a percorrer para uma rea- rando que somente se ocuparia com as classificações
daptação pessoal a novos métodos de trabalho” (p. “mais completas e aceitáveis, publicadas a partir de
189). 1940” (p. 192). Considera, mesmo, que um territó-
A última nota de rodapé – a mais longa de rio tão vasto e ainda carente de estudos geológicos e
todas – sistematiza, com base no conhecimento geomorfológicos não poderia ter uma classificação
então existente, as formações detríticas modernas duradoura. Apesar disso reconhece a importância
em cinco grandes conjuntos temporais, do passado deste procedimento uma vez “que toda classificação
para o presente, relacionando-as com seu papel no representa um momento na história e evolução dos
relevo, e com as condições morfoclimáticas que as conhecimentos científicos de um setor qualquer, e,
geraram, emergindo então a interpretação do papel não fossem estas tentativas frequentes de sistemati-
das alternâncias climáticas do Quaternário e o signifi- zação metódica dos fatos, nada de útil poderíamos
cado das fases secas ou semiáridas para a compreensão ter para a iniciação científica e preparo das gerações
da evolução geomorfológica do Brasil nos tempos recen- novas que buscam as universidades” (p. 192).
tes. Passa então a analisar as classificações pro-
Neste capítulo encontram-se os fundamentos postas por George Berry, publicadas na Geomorpho-
da verdadeira “revolução” teórico-metodológica que logy de O. D. Von Engeln (1942), Kenneth E. Cas-
Ab’Sáber realizaria na Geomorfologia Brasileira, que ter (1942), Josué Camargo Mendes (1945), Preston
após emergirem em suas teses de livre-docência James (1942), Alberto Betim Paes Leme (1943),
(1965) e de cátedra (1968), foi consolidado de ma- Fábio Macedo Soares Guimarães (1943), Silvio
neira didática e concisa no texto Geomorfologia Nº Froes de Abreu (1945), Boris Brajnikov (1948),
18, editado pelo antigo Instituto de Geografia da Ruy Osório de Freitas (1951), Aroldo de Azevedo
Universidade de São Paulo*, publicado em 1969 e (1949) e Antonio Teixeira Guerra (1955). À classi-
que tem sido, desde então, a base teórica e a refe- ficação de Aroldo de Azevedo dá particular atenção,
rência metodológica para a maioria dos trabalhos registrando os fatos que deveriam ser considerados
de geomorfologia feitos no Brasil. para sua melhoria, ponderando que foi “sobretudo
pelas subdivisões propostas para o relevo brasileiro
* Ab’Sáber, Aziz Nacib. Um conceito de Geomorfologia a ser- que a classificação de Aroldo de Azevedo merece
viço das pesquisas sobre o Quaternário. Série Geomorfologia nº especiais elogios, pois representou um sério tra-
18. Instituto de Geografia da Universidade de São Paulo. São balho de reconhecimento preliminar de unidades
Paulo, 1969.
252
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
14

de relevo mais ou menos bem individualizadas, a feições morfoclimáticas dominantes em cada uma de-
despeito mesmo de sua delimitação imprecisa” (p. las” (p. 200).
198). Encerrando a análise deste capítulo, vale a
Após a análise crítica destes autores Ab’Sáber pena transcrever parte dos dois últimos parágra-
propõe “um esquema de classificação sintética, que, fos, que lançam as bases que nortearam os estudos
como todos os anteriores, deverá ir sofrendo modi- subsequentes e serviram de apoio, com base nos
ficações graduais à medida que o acúmulo de novos mapeamentos geomorfológicos sistemáticos rea-
conhecimentos o exigir” (p. 199), lembrando que lizados, principalmente pelo Projeto RADAM-
nos capítulos em que abordou os maciços antigos, BRASIL, para a emergência de outras propostas de
os planaltos sedimentares e basálticos, as terras bai- classificação do relevo brasileiro:
xas, as cuestas e as depressões periféricas havia tam-
bém apresentado “elementos para pequenas classi- Com a multiplicação dos estudos de geo-
ficações isoladas dos diversos tipos de relevo que morfologia regional em nosso território po-
compõem o território brasileiro” (p. 199). derão ser melhor identificadas as unidades
Sua classificação acompanha “as pegadas de morfoestruturais e morfoclimáticas, até serem
Berry-Engeln, Fábio Macedo Soares Guimarães eliminados ou contornados os conflitos entre
e Aroldo de Azevedo” (p. 199), identificando seis essas duas linhagens de condições, de cer-
unidades principais: to modo independentes entre si (...) [pois]
existem unidades morfoclimáticas diver-
sas, dentro de uma só província estrutural e
Planalto das Guianas; geotectônica. É de se esperar que o desenvol-
vimento da geomorfologia climática, entre
Planalto Brasileiro; nós, possibilite uma reclassificação das uni-
dades menores de nosso relevo, para melhor
Planalto Uruguaio-Sul-Rio-Grandense; compreensão da estrutura das paisagens bra-
sileiras e uma notável contribuição ao conhe-
Baixos platôs (tabuleiros) e planícies costeiras;
cimento da geomorfologia intertropical (p.
200).
Baixos platôs (tabuleiros) e planícies da Amazônia e
Conclusão
Planície do Paraguai ou Pantanal Mato-Grossense.
Encerrando a revisita a este texto, é oportu-
no registrar sua posição no contexto da produção
acadêmica do Prof. Aziz Nacib Ab’Sáber, balizada
Modifica também a subdivisão do Planalto pelas teses que ele defendeu na faculdade de Filo-
Brasileiro proposta por Aroldo de Azevedo, am- sofia, Ciências e Letras da USP no decorrer de sua
pliando para cinco suas subunidades, a saber: trajetória docente.
Enquanto na sua tese de Doutorado, datada
de 1956 e intitulada “Geomorfologia do Sítio Urba-
Planalto Central ou Goiano-Mato-Grossense; no de São Paulo”*, Ab’Sáber apoia sua interpreta-
ção da evolução do relevo predominantemente no
Planalto Meridional ou Gondwânico Sul-Brasileiro; contexto da geomorfologia clássica, de linhagem
davisiana, no estudo “O relevo brasileiro e seus
Planalto do Meio Norte ou Maranhão-Piauí; problemas”, sem romper com estes fundamentos,
Planalto Nordestino ou da Boborema e chapadas cir- ele promove sua crítica e enfatiza a necessidade da
cundantes; renovação conceitual e metodológica da pesquisa,
Planalto Oriental e Sul-Oriental ou Planalto Atlânti- com a incorporação dos princípios da geomorfolo-
co do Brasil de Sudeste. gia climática, lançando as bases de uma concepção
teórica e operacional que emergiram com grande
vigor nas duas teses seguintes.
Em 1965, defende ele sua livre-docência com
o estudo “Da participação das depressões periféri-
Esta subdivisão é justificada pelo “relativo cas e superfícies aplainadas na compartimentação
equilíbrio das parcelas territoriais correspondentes
a cada uma dessas províncias morfoestruturais do re-
levo brasileiro e devido à ausência de um conflito * Ab’Sáber, Aziz Nacib. Geomorfologia do Sítio Urbano de São
insuperável entre aquelas condições e as principais Paulo. Boletim nº 219, Geografia 12 da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1957.
253
do Planalto Brasileiro”*, na qual, já na introdu- para a interpretação científica e neste caso já pode-
ção, expõe conceituação inovadora ao apresentar a mos perceber os três níveis que ele, posteriormente,
Geomorfologia como formularia como relevantes para o conhecimento
do relevo: a compartimentação, a estrutura superficial
campo científico que cuida do estudo inte- da paisagem e a dinâmica dos processos em operação.
grado de três grupos de fatos atinentes à su- O conhecimento oriundo deste trabalho de
perfície da terra, a saber: 1. a compartimen- campo minucioso, realizado em longo período
tação topográfica regional das áreas conti- temporal de observação, vai ser progressivamente
nentais; 2. as formas de relevo e assembleias sistematizado do ponto de vista regional, com base
de feições geomorfológicas de cada um dos na moderna cartografia geomorfológica, produzin-
compartimentos e massas de relevo que com- do perspectivas interpretativas esclarecedoras sobre
põem a crosta terrestre; e 3. a catena de fatos as relações estruturais e esculturais na evolução do
referentes à estrutura superficial da paisagem relevo brasileiro. Assim é que vale a pena reprodu-
(derme e epiderme da Terra). Tais setores da zir, na sequência de suas datas de elaboração, os
preocupação imediata da Geomorfologia três documentos cartográficos nucleares do texto.
Moderna implicam numa constante procu- O primeiro deles corresponde ao bloco-dia-
ra de integração orgânica de fatos atinentes grama que estrutura a evolução geomorfológica da
à geometria das formas e fatos referentes à Bacia do Alto Paraná. Ele é datado de 1954, tendo
estrutura superficial e subsuperficial da pai- sido publicado primeiramente junto com o texto
sagem. Compartimentos topográficos, for- intitulado “A Terra Paulista”****.
mas de relevo e cobertura detrítica superficial O segundo corresponde ao Mapa Geomorfo-
(solos, paleossolos, depósitos de vertentes e lógico Preliminar do Brasil, de 1960, cuja legenda
mantos de alteração) por seu turno, consti- se apoia nos princípios da moderna cartografia geo-
tuem esquemas complexos herdados das in- morfológica e integra, de maneira pioneira, os con-
terferências de longos processos tectônicos e ceitos estruturais e esculturais na classificação do
denudacionais terciários combinados com a relevo do Brasil. Este mapa representa um enorme
remodelação provocada pelas enérgicas e re- avanço em relação a uma visão de conjunto inte-
lativamente rápidas flutuações climáticas do gradora dos fundamentos tectônicos, estruturais e
Quaternário (p. 6 e 7). esculturais, com destaque para os processos morfo-
climáticos que atuaram no Quaternário, produzin-
Esta conceituação foi mais detalhadamente do a assembleia de formas e depósitos, que reafei-
formulada e exposta na introdução da tese de cá- çoaram a macrocompartimentação geomorfológica
tedra “Bases Geomorfológicas para o estudo do do território.
Quaternário no Estado de São Paulo”**, publicada A maneira como a legenda deste mapa foi or-
no Geomorfologia nº 18 com o título “Um conceito denada facilita sua compreensão e integração com
de Geomorfologia a serviços das pesquisas sobre o cada um dos capítulos do trabalho analisado, per-
Quaternário” ***. mitindo, ao final da leitura, uma visão de conjunto
“O relevo brasileiro e seus problemas” mar- temporal e espacial, articulando todo o conteúdo
ca o movimento de transformação e passagem que setorialmente discutido.
Ab’Sáber operou nos conceitos e nos métodos de O terceiro documento corresponde à classifi-
trabalho dos geomorfólogos. Neste texto já está cação do Relevo do Brasil, de 1962, constituindo-se
subjacente a formulação teórica posteriormente re- em síntese da análise feita, que superou largamente
finada junto com a tônica na importância do traba- a proposta de Aroldo de Azevedo e serviu de base
lho de campo. para a maioria das classificações que a sucederam.
A questão do trabalho de campo, aliás, apa- Por todos estes motivos “O relevo do Brasil
rece com destaque na estrutura deste texto. A do- e seus problemas” é merecedor de atenção especial,
cumentação fotográfica que ele apresenta revela o por encerrar ensinamentos fundamentais sobre a
papel fundamental do conhecimento da realidade Geomorfologia e sobre o relevo do Brasil. É um
clássico a ser revisitado com frequência.
* Ab’Sáber, Aziz Nacib. Da participação das depressões perifé-
ricas e superfícies aplainadas na compartimentação do Planalto Bra-
sileiro. Tese de livre-docência apresentada à Cadeira de Geografia
Física da FFCL da USP. Edição do Autor. São Paulo, 1965.
**** Ab’Sáber, Aziz Nacib. A Terra Paulista. Boletim Paulista
**Ab’Sáber, Aziz Nacib. Bases geomorfológicas para o estudo do de geografia nº 23. Número Especial comemorativo do XVIII
Quaternário no Estado de São Paulo. op. cit. Congresso Internacional de Geografia. AGB Seção Regional de
*** Ab’Sáber, Aziz Nacib. Um conceito de Geomorfologia a ser- São Paulo. São Paulo, 1956.
viço das pesquisas sobre o Quaternário. op. cit.
254
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
14

Bibliografia

AB’SÁBER, AZIZ NACIB. 1964. O relevo brasileiro e seus pro-


blemas. In: Brasil - a terra e o homem, organizado por Aroldo de
Azevedo. São Paulo: Companhia Editora Nacional.
AB’SÁBER, AZIZ NACIB. 1968. Bases geomorfológicas para o estudo
do Quaternário no Estado de São Paulo. Tese apresentada ao con-
curso da cadeira de Geografia Física da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. São Paulo:
Edição do autor.
AB’SÁBER, AZIZ NACIB. 1969.Um conceito de Geomorfologia
a serviço das pesquisas sobre o Quaternário. São Paulo: Institu-
to de Geografia da Universidade de São Paulo. (Série Geomor-
fologia nº 18).
AB’SÁBER, AZIZ NACIB. Geomorfologia do Sítio Urbano de
São Paulo. Boletim nº 219, Geografia 12 da Faculdade de Fi-
losofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. São
Paulo, 1957.
AB’SÁBER, AZIZ NACIB. 1965. Da participação das depressões pe-
riféricas e superfícies aplainadas na compartimentação do Planalto
Brasileiro. Tese de livre-docência apresentada à Cadeira de Ge-
ografia Física da FFCL da USP. São Paulo: Edição do Autor.
AB’SÁBER, AZIZ NACIB. 1956. A Terra Paulista. Boletim Paulis-
ta de Geografia, 23. (Número Especial comemorativo do XVIII
Congresso Internacional de Geografia. AGB Seção Regional de
São Paulo).Union Geographique Internationale. Comptes Ren-
dus du “XVIII Congres International de Géographie.” Actes du
Congres. Rio de Janeiro, 1956. v.1.

255
O relEvo brasileiro e seus
problemas

Aziz Nacib Ab’Sáber

1964. O relevo brasileiro e seus problemas. In:


Brasil - a terra e o homem, organizado O estudo do relevo brasileiro equivale à análise de
por Aroldo de Azevedo. São Paulo:
Companhia Editora Nacional. um bloco territorial correspondente à metade de um con-
tinente. Entretanto, para a realização de uma síntese dos
fatos morfológicos essenciais de tão grande área, existe uma
bibliografia especializada ainda muito escassa e desigual.
Na realidade, um século e meio de estudos geoló-
gicos dispersos e pouco mais de três décadas de estudos
geomorfológicos - desiguais quanto à extensão e à pro-
fundidade de tratamento - permitiram tão somente um
ligeiro reconhecimento dos traços mais gerais do relevo e
da geomorfogênese do bloco continental oriental da Amé-
rica do Sul. No que diz respeito à mapeação geológica, é
sabido que ela é aceitável para a compreensão das grandes
províncias geológicas do território, porém muito deficiente
quanto à representação das condições estruturais e litoló-
gicas. Por outro lado, forçoso se torna reconhecer que, a
despeito da intensificação recente dos estudos de geologia
regional, ainda sobrexistem no país extensas áreas mal co-
nhecidas.
Quanto à cobertura cartográfica de escala topográ-
fica suficiente, para a complementação de estudos geomo-
fológicos de campo, a situação continua digna de maiores
reparos. A verdade é que, salvo as boas cartas topográficas
na escala de 1: 100.000, mandadas elaborar pelos governos
de São Paulo e Minas Gerais a partir dos fins do século
passado, não temos um acervo cartográfico útil para a re-
alização de análises morfológicas. Desta forma, a despeito
dos esforços do Conselho Nacional de Geografia e do Ser-
viço Geográfico do Exército para estender o recobrimento
cartográfico para o resto do país, não mudou muito a situ-
ação real desse importante setor da documentação cientí-
fica entre nós. Pode-se dizer que as condições tecidas por
Emmanuel De Martonne a respeito do assunto, em 1940,
continuam dotadas de bastante atualidade até os dias que
correm.
A par com estas limitações básicas, há que lembrar o
fato de boa parte do território brasileiro já ter sido coberto
por levantamentos aerofotográficos. Desta forma, antes de

256
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
14

Carta hipsométrica do Brasil e de áreas vizinhas da América do Sul.

se ter mapeado o território pelos métodos clássicos, demonstrou, muitas vezes, o caráter ilusório da-
já se pôde fotografá-lo, obtendo-se uma extraordi- quela repisada monotonia que muitos pretenderam
nária documentação para pesquisas geomorfológicas reconhecer nas paisagens morfológicas deste imenso
e para a feitura de cartas debaixo de outros critérios país intertropical.
técnicos e dentro de outro grau de precisão. O certo, porém, é que, na base dos conheci-
Cumpre reconhecer, ainda, que, se realmente mentos geológicos, topográficos e geomorfológicos
existem dificuldades de toda sorte para um estudo existentes sobre o Brasil, é lícito realizar uma síntese
minucioso de uma área territorial tão grande, em preliminar sobre o seu relevo e equacionar alguns de
compensação existem algumas facilidades, advindas seus grandes problemas. Nessa tentativa, como não
da homogeneidade e da extensidade relativas, de de- poderia deixar de haver, existirá sempre um tom de
terminadas condições topográficas e geológicas, do- marcante provisoriedade, que o tempo e o acúmulo
minantes no território. Trata-se, entretanto, de fatos de novos conhecimentos se encarregarão de ir corri-
que não podem ser exagerados, já que a experiência gindo e acertando sistematicamente.

257
A evolução dos conhecimentos sobre o relevo brasileiro Brasileira (época dos viajantes, 1810-1875, e época
das comissões geológicas, 1875-1907), segundo di-
Se é relativamente fácil acompanhar a história visão recentemente proposta por Viktor Leinz*.
recente da ciência do relevo no Brasil, bem difícil se Não seria descabido mesmo subdividir também esse
torna a reconstituição de suas raízes e a discrimi- longo e complexo período da história dos estudos
nação de suas fontes. sobre o relevo brasileiro, em duas fases ou subperí-
É bastante compreensível que a Geomorfo- odos: o dos naturalistas-viajantes (1810-1870) e o
logia haja sido um campo de pesquisas que, só muito dos geólogos estrangeiros e das comissões geológicas
tardiamente, tenha encontrado oportunidade para se (1870-1910). Enquanto o primeiro representa a fase
implantar em nosso país. De fato, tendo adquirido dos antecedentes remotos, o segundo constitui a fase
suas bases conceituais e metodológicas nos Estados dos antecedentes imediatos, responsável pelas fontes
Unidos, na França e na Alemanha, a partir da se- mais objetivas e ao qual se deve o primeiro impor-
gunda metade do século XIX, esse campo científico tante acervo de documentação cartográfica moderna
de contato entre a Geografia e a Geologia, por força para a realização ulterior de estudos geomorfológicos
das contingências habituais de nossa evolução cul- propriamente ditos.
tural, somente através de um grande retardo pôde Pertencem ao primeiro caso os escritos e ob-
aqui enraizar-se e progredir. servações de Casal, Eschwege, Mawe, os irmãos
Nos Estados Unidos, por exemplo, os ante- Andradas, Spix e Martius, Saint-Hilaire, Câmara,
cedentes da ciência geomorfológica se situam nos Cunha Matos, Pöhl, Humboldt, d’Orbigny, Pissis,
três primeiros quartéis do século XIX, enquanto o Castelnau, Lund e Agassiz. No segundo se enqua-
nascimento e o desenvolvimento de Geomorfologia, dram as pesquisas, estudos e realizações de Hartt,
própriamente dita, liderada pela figura ímpar de Derby, Gorceix, Capanema, Katzer, Smith, Reclus,
William Morris Davis (1850-1934), preenche todo White, Evans e Branner. A mais importante síntese,
o último quarto do século passado e os primeiros que documenta os conhecimentos sobre o relevo
trinta anos de atual. brasileiro nesta época, encontra-se nos escritos de
Entre nós, as primeiras observações geo- Orville Adalbert Derby inseridos na “Geographia do
morfológicas, mais diretas e sistemáticas, sobre Império do Brasil”, edição portuguesa, aumentada e
partes do território brasileiro, têm menos de meio modificada, da obra original de J. E. Wappaeus.
século. Numa tentativa preliminar de divisão A essa primeira grande época preparatória,
em fases, poderíamos reconhecer três grandes longa e complexa, que durou por todo o século XIX,
períodos, mais ou menos bem definidos, na evolução seguiu-se um período pioneiro de estudos geomor-
histórica dos estudos sobre o relevo brasileiro: 1. fológicos propriamente ditos, em que pesquisadores,
período dos predecessores (1817-1910); 2. período dos dominantemente estrangeiros, treinados em Geo-
estudos pioneiros (1910-1940); 3. período de implan- logia e Gemorfologia, deixaram observações de valor
tação das técnicas modernas (1940-1949). Não fosse a em seus trabalhos geológicos ou em seus estudos ge-
negligência e a falta de iniciativa dos principais res- ográficos. A contribuição de nacionais, durante essa
ponsáveis pelo ensino e pesquisas de Geomorfologia, fase, embora numericamente importante, em geral
nas jovens universidades brasileiras, já poderíamos foi cientificamente inferior à dos pesquisadores es-
falar num quarto período, ou seja o período brasileiro trangeiros. Essa fase, por nós denominada período
contemporâneo, esboçado a partir de 1949, mas que dos estudos pioneiros (1910-1940), foi iniciada com a
está ameaçado de se comportar historicamente como publicação de um excelente estudo geográfico e ge-
mero período de transição. ológico de Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa sobre o
O primeiro dos citados períodos constitui oeste paulista e o sul de Mato Grosso (1909) e com
como que uma “pré-história” dos conhecimentos ge- a divulgação dos resultados das pesquisas de Roderic
omorfológicos sobre o Brasil, representado pelos es- Crandall sobre o nordeste oriental brasileiro (1910).
critos esparsos de viajantes e naturalistas que percor- Por seu turno, viria a culminar com os estudos ge-
reram nosso território na primeira metade do século morfológicos de Preston James sobre o Brasil Sudeste
XIX, e documentado nas entrelinhas dos estudos e (1933) e as observações sobre a gênese do relevo do
ensaios dos geólogos estrangeiros que aqui operaram Estado de São Paulo, da lavra do insigne cientista
desde a segunda metade do século passado até a pri- brasileiro Luiz Flores de Moraes Rego (1930, 1932,
meira década do século XX. Trata-se de uma longa 1938).
fase de acumulação de fontes, de estudos morfoló- Deve-se notar, de antemão, que nesses profí-
gicos não sistemáticos e de contribuições indiretas, de cuos 30 anos de atividades científicas, a par com uns
desigual valor científico. poucos trabalhos propriamente geomorfológicos,
Cumpre lembrar, entretanto, que esse longo acumularam-se documentos geológicos e cartográ-
período predecessor de nossa Geomorfologia envolve
duas das mais bem definidas épocas da Geologia * Leins, Viktor. A Geologia e a Palentologia no Brasil,
in As ciências no Brasil, I, págs. 243-264.
258
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
14

ficos fundamentais para o desenvolvimento da ciência Guimarães, em 1943, e, mais tarde, Aroldo de Aze-
do relevo no Brasil. Ponderável, sobretudo, foi a con- vedo, em 1949, redigiram trabalhos gerais a respeito
tribuição indireta deixada pelos estudos geológicos à do relevo brasileiro e suas divisões, procurando atu-
geomorfologia Brasileira durante essas três décadas. alizar, através de artigos sintéticos, os conhecimentos
É assim que, nos perfis, nos cortes ou sucessões ge- novos em acumulação.
ológicas, nos croquis e nos pequenos levantamentos Menos de dez anos da publicação dos primeiros
de campo, existe uma contribuição de grande impor- trabalhos de De Martonne e Ruellan, começaram a
tância para a geomorfologia estrutural do território surgir estudos, ensaios e monografias firmadas por
brasileiro, numa espécie de herança muito superior e jovens pesquisadores brasileiros, os quais constituem,
mais valiosa do que aquela existente nos textos e es- hoje, uma equipe não muito numerosa, porém bas-
critos da época. Entre os pesquisadores adventícios, tante ativa (Fernando Flávio Marques de Almeida,
pertencentes a esse período, há que destacar: Cran- João Dias da Silveira, Orlando Valverde, Ruy Osório
dall, Small, Sopper, Waring, Williams, Walls, Rube, de Freitas, Alfredo José Porto Domingues, João José
Marbut e Maniford, Brandt, Maull, Denis, Maack, Bigarella, Aziz Nacib Ab’sáber, Antônio Teixeira
Backer, Du Toit, Passarge, Freise, Freyberg, Wash- Guerra, Pedro Pinchas Geiger, Hilgard O’reilly Sten-
burne e Oppenheim, John Casper Branner, que es- berg, Elina de Oliveira Santos, Victor Antonio Peluso
creveu a maior parte de sua obra geológica sobre o Júnior, Gilberto Osório de Andrade, Manuel Correia
Brasil no período anterior, participou ainda desse de Andrade, Carlos de Castro Botelho e outros).
novo período como figura exponencial pelas suas Dos pesquisadores mais experientes, vindos
novas contribuições. Tendo escrito, em 1906, uma da fase anterior, por motivos diversos merecem des-
“geologia elementar”, preparada como referência es- taque os trabalhos de publicação recente firmados
pecial aos estudantes brasileiros, legou-nos um dos por Reinhard Maack, Glycon de Paiva, Alberto
poucos livros de texto para o ensino da geologia física Ribeiro Lamego, Octavio Barbosa, Sílvio Froes
editados no país. Por outro lado, em 1919, num es- Abreu, Djalma Guimarães, Viktor Leinz e Pedro
forço notável de compilação e consulta bibliográfica, de Moura. Preston Everett James, que realizou seus
editou o primeiro mapa geológico de conjunto sobre primeiros estudos sobre o Brasil há mais de três dé-
o território brasileiro, acompanhado por um exem- cadas, voltou a pesquisar em nossa terra por volta de
plar resumo dos conhecimentos geológicos sobre o 1950, escrevendo um estudo sobre a geografia física
Brasil da época. do nordeste.
Os brasileiros que, entre 1910 e 1940, con- Nessa fase de implantação da moderna Geo-
tribuíram direta ou indiretamente para o desen- morfologia do Brasil, que de certa forma continua
volvimento da ciência do relevo, entre nós, foram: em aberto até nossos dias, operam em nosso terri-
Arrojado Lisboa, Delgado de Carvalho, Teodoro tório, em estudos de geologia e geomorfologia, en-
Sampaio, Everaldo Backheuser, Euzébio de Oliveira, riquecido de vários modos nossa bibliografia espe-
Alberto Betim Paes Leme, Luciano Jacques de Mo- cializada, os seguintes cientistas estrangeiros: Francis
raes, Avelino Ignacio de Oliveira, Pedro de Moura, Ruellan, John Lyon Rich, Jorge Chebataroff, Pierre
Paulino Franco de Carvalho, Alberto Ribeiro La- Gourou, Louis Papy, Pierre Monbeig, Mariano Feio,
mego, Othon Henry Leonardos, Glycon de Paiva e H. Wilhelmy, H. Weber, Wilhelm Kegel, Boris Bra-
Luiz Flores de Moraes Rego. Os escritos de Teodoro jnikov, Karl Beurlen, Orlof Odman, P. Taltasse, Jean
Sampaio para o Dicionário Histórico, Geográfico e Pimienta, Hanfrit Putzer, Willi Czajka e Lester
Etnográfico do Brasil, em 1922, ao lado da “fisio- King.
grafia do Brasil” (1923), de Delgado de Carvalho, Entretanto, ainda está por se fazer a verdadeira
publicada à guisa de primeiro volume de uma Geo- história da evolução da Geomorfologia no Brasil, nas
grafia do Brasil preparada pelo autor, constituíram os últimas três décadas. Para compensar um pouco essa
dois principais trabalhos de síntese sobre o conjunto deficiência de nossa historiografia científica, nesse
do relevo brasileiro, na época. setor, em três de nossos trabalhos mais recentes dei-
Por fim, queremos referir-nos ao período de xamos achegas para os que futuramente voltarem ao
implantação da moderna ciência geomorfológica no assunto*.
Brasil, que somente se processou após a criação das Durante a realização do XVIII Congresso In-
primeiras faculdades de filosofia no país e após a fun- ternacional de Geografia (Rio de Janeiro - 1956), ti-
dação do Conselho Nacional de Geografia. Cronolo- vemos a excepcional oportunidade de entrar em con-
gicamente, esta fase de iniciou com a publicação do tato com geomorfologistas do mundo inteiro, alguns
famoso artigo de Emmanuel De Martonne (1940) a
respeito dos “problemas morfológicos do Brasil tro- * Ab’Sáber, Aziz Nacib. “État actuel des connaissances
pical atlântico”, tendo-se desenvolvido, depois, por vá- sur les niveaux d’erosion et les surfaces d’aplanissement au
rios anos, através das atividades, das publicações e da Brésil”, “Conhecimentos sobre as flutuações climáticas do Qua-
orientação de Francis Ruellan, Fábio Macedo Soares ternário no Brasil” e “A Geomorfogia no Brasil”.

259
dos quais, nas diversas excursões realizadas por oca- mais elevada no caso representado pelo continente
sião do aludido certame, puderam realizar pesquisas sul-americano.
em diferentes partes do território nacional. Ao que Muito embora, na ossatura rochosa da Amé-
sabemos, naquela oportunidade, fizeram observa- rica do Sul - dos Andes aos velhos planaltos e
ções sobre o relevo brasileiro os seguintes pesquisa- grandes planícies - estejam representados todos os
dores: Jean Dresch, Jean Tricart, Pierret Birot, André tipos de províncias estruturais e topográficas capazes
Cailleux, Carl Troll, René Raynal, Max Derruaux, de criar blocos de relevo referíveis às unidades de se-
Jacqueline Beaujeau-Garnier, Paul Fénelon, M. gunda ordem de R. D. Salisbury*, o Brasil está longe
e Mme. Paul Veyret, Henry Enjalbert, André de resumir todos os traços morfológicos dessa parte
Journaux, Paul Macar, P. Mortensen, Lester King, I. P. das Américas.
Guerassimov, Louis-Edmond Hamelin, Herbert Realmente, nem todas as feições estruturais
Wilhelmy, Axel Schou e outros. Dresch, Birot, gerais que, obedecendo aos arranjos mais diversos,
Fénelon, Raynal, J. Beaujeau-Garnier, M. Lefèvre, caracterizam os traços essenciais dos continentes,
Pardé e Veyret, publicaram, em princípios de 1957, os estão presentes no território brasileiro. No conjunto
primeiros resultados de suas observações geográficas de nosso relevo, destacam-se tão somente planaltos
e geomorfológicas sobre diversas áreas do território cristalinos, montanhas rejuvenescidas e planaltos
brasileiro. Entretanto, o mais notável conjunto de sedimentares e basálticos, assim como grandes pla-
observações publicado, por autor estrangeiro da geo- nícies continentais e extensas áreas de estreitas pla-
morfologia brasileira, deve-se ao pesquisador francês nícies costeiras. A despeito da dominância de blocos
Jean Tricart, que, a partir de 1956, já publicou mais maciços de planaltos de altitude média, há absoluta
de uma dezena de trabalhos referentes a diferentes ausência de verdadeiros relevos montanhosos de tipo
áreas e paisagens de nosso país, e fomentou, sobre- alpino-himalaio, assim como de relevos vulcânicos
maneira, os estudos geomorfológicos na Universi- recentes ou formas topográficas comprovadamente
dade da Bahia (com Milton Santos, Nilda Guerra de ligadas à glaciação de altitude. Por outro lado, ex-
Macedo e Tereza Cardozo da Silva, do Laboratório ceção feita do Uruguai, Paraguai e Guianas, o Brasil
de Geomorfologia e estudos regionais). é o único grande país sul-americano que não possui
Por último, lembramos que é bastante deli- qualquer território pertencente à área dos dobra-
cado o momento atravessado pela ciência do relevo, mentos andinos.
entre nós, em face da crise atual da geomorfologia da- Pierre Denis**, em uma síntese feliz, traçou o
visiana no mundo científico. Nem bem se formou a panorama das grandes províncias estruturais e mor-
primeira equipe de geomorfologistas brasileiros e já, fológicas de relevo sul-americano, no qual retratou
com um certo retardo, se prenunciam os reflexos de nosso continente. Mais tarde, Anselmo Windhauser
uma crise de caráter universal, que envolve questões (1931), na segunda parte de sua Geologia Argentina,
de método, de conceitos e de técnicas de trabalho. incluiu um sugestivo mapa estrutural da América
Estamos na antevéspera de uma verdadeira “revo- do Sul, enquanto alguns anos depois A. I. Levorsen
lução” interna nos quadros da moderna geomorfo- (1945) e George W. Stose (1950) organizaram
logia brasileira, fato que somente se concretizará à mapas geológicos da América do Sul, editados pela
custa de um novo apelo à orientação de cientistas Sociedade Geológica da América. Recentemente,
estrangeiros e através da fundação de laboratórios de Francis Ruellan (1952), em um estudo que aborda as
pesquisa, ativos e bem dirigidos. consequências dos dobramentos de fundo para com
Por parte dos mais bem avisados e criteriosos o Escudo Brasileiro e sua compartimentação tectô-
há uma grita geral para a renovação de métodos e téc- nica, em uma síntese também muito feliz, procurou
nicas de pesquisa e para a recuperação de um precioso retraçar o esquema dos componentes estruturais
tempo perdido. É difícil, entretanto, vencer o espírito
científico reacionário dos que detêm em suas mãos os * Salisbury, R. D., Physiography, 1919, págs. 5-14. Re-
cargos-chave e bloqueiam sistematicamente o pro- centemente Jean Tricart, em seu artigo “La Géomorphologie et
la notion d’échelle ”(1952), e Cailleux e Tricart, no ensaio inti-
gresso e o desenvolvimento, entre nós, de um dos mais
tulado “Le problème de la classification des faits géomorpholo-
notáveis setores modernos das ciências da terra. giques” (1956), retomam o problema das ordens de grandeza do
relevo, muito embora, ao que parece, sem ter tido conhecimento
O território brasileiro e sua posição no relevo da das observações pioneiras de R. D. Salisbury. A nova classifi-
América do Sul cação de Cailleux-Tricart em 7 classes de grandeza (de 107 km²
a 1-10 km²), e mais 3 classes de microformas (hectométricas,
No estudo de um país, que possui uma ex- decamétricas e métricas), além de feições microgeomorfoló-
tensão territorial capaz de ser medida por uma es- gicas, inferiores a 1 m, encontra uma rica exemplificação no
cala de ordem continental, impõe-se como ponto de território brasileiro, para quase todas as suas divisões.
partida a análise de seus grandes componentes topo-
gráficos em relação à unidade de ordem de grandeza ** Denis, Pierre, “L’Amérique du Sud”, I, págs. 7-26.

260
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
14

fundamentais do nosso bloco continental. ficos que compõem o relevo brasileiro: ocupamos, na
Por meio de leitura e análise dessas contribui- porção oriental e central da américa tropical, a totali-
ções, torna-se possível a qualquer interessado situar dade do chamado planalto brasileiro, um trecho con-
rapidamente o território brasileiro no conjunto das siderável do planalto das guianas, uma parte do baixo
terras sul-americanas e compreender parte de sua planalto uruguaio-sul-rio-grandense, a quase totali-
originalidade. Aquela oposição flagrante entre a área dade da planície amazônica, uma parcela das planícies
de dobramentos modernos de tipo alpi-himalaio da centrais sul-americanas, representadas pelo Pantanal
porção ocidental da América do Sul e a área de ma- Mato-Grossense, além de uma série de planícies cos-
ciços antigos e bacias sedimentares intercratônicas, teiras, alongadas e descontínuas, que rendilham a
sobreelevadas a diferentes alturas na porção central nossa linha de costa atlântica, do Rio Grande do Sul
e oriental da América Tropical, como que define ao Amapá.
dois domínios no corpo territorial dessa parte do Entretanto, como veremos, se é fácil identificar
Novo Mundo. Entre a massa de relevo formada pela esses grandes blocos ou núcleos estruturais e topográ-
barreira montanhosa dos Andes, com os seus 4 ou ficos que compõem o território brasileiro, fato já bem
5.000 metros de altitude média, e as extensas massas observado por diversos autores, tem sido muito difícil
dos velhos planaltos brasileiros, com suas altitudes subdividir tais relevos de segunda ordem em núcleos
modestas, traduzidas por uma média que, quando menores, visando a estabelecer unidades geomórficas
muito, alcança algumas centenas de metros, há como de escala mais reduzida. Por outro lado, em face do
que um desequilíbrio em altura, compensado por um desenvolvimento da geomorfologia contemporânea,
reequilíbrio em extensão. Por seu turno, nos desvãos ninguém mais pode contentar-se com divisões de
entre os maciços antigos orientais da América do Sul caráter exclusivamente geológico-estrutural, mesmo
- terras patagônicas, uruguaio-sul-rio-grandenses, porque, em muitas áreas do globo, há uma completa
brasileiras e guianenses - estendem-se áreas de sedi- oposição entre as direções estruturais básicas e a zo-
mentação recente ou em processo, também extensivas nação das províncias morfoclimáticas. Por último, é
aos vãos intermediários existentes entre esses maciços de se notar que 85% a 90% do território brasileiro
e os arcos das dobras subandinas. Criptodepressões são constituídos dominantemente por áreas quentes
correspondentes a fossas tectônicas antigas ou mo- e úmidas. Tropicais (Af, Aw) e subtropicais (Cf, Cw),
dernas encontram-se tamponadas pelos depósitos enquanto somente 8 a 12% podem ser considerados
mais recentes dessas depressões intermediárias, como semiáridos moderados (BSw). Se é que no Chile, no
que a desafiar os métodos de pesquisas de geólogos N. da Argentina e na Patagônia existe uma vasta dia-
e geofísicos. gonal arreica, no Brasil nordeste e leste se estende um
Digno de nota, por outro lado, é a alta con- polígono das secas, envolvendo um domínio de pai-
tinuidade da barreira montanhosa andina, que se sagens semiáridas de exceção, dotado de drenagem
estende da Patagônia até a Venezuela, quando com- exorreica intermitente, alicerçada em totais pluvio-
parada com os escudos e núcleos de escudos que métricos que variam de 300 a 600 mm por ano, posto
formam retalhos de maciços antigos na face oriental que irregularmente.
do continente. Isso para não falar na presença de vul-
canismo moderno, no cinturão das dobras andinas e Dimensões e amplitudes altimétricas do relevo
subandinas e nos relevos esculpidos pela glaciação de brasileiro
altitude nas linhas de montanhas situadas acima dos
altiplanos regionais, em oposição notável com a ma- A despeito da enorme área abrangida pelo
cividade e estabilidade relativas dos maciços antigos seu território, o Brasil apresenta, em geral, modestas
brasileiros, sujeitos a processos morfoclimáticos tro- amplitudes altimétricas. A partir do nível de suas
picais úmidos, subtropicais úmidos e subequatoriais rasas planícies fluviomarinhas até os mais elevados
semiáridos. pontões e maciços cristalinos do Brasil Sudeste ou
Baseados no panorama geral do edifício geo- aos localmente salientes morros testemunhos do ex-
lógico da América do Sul e atendendo àquela velha tremo norte do país, as altitudes variam apenas entre
e útil classificação do relevo terrestre por ordens de 0 a 2.890 m. Acresce, a isto, o fato de não existir no
grandeza, da lavra de R. D. Salisbury, a que já alu- interior de nosso território nenhuma área deprimida
dimos, fácil se torna compreender que o Brasil apre- com níveis inferiores ao da linha de águas oceânicas.
senta um mosaico de grandes unidades topográficas, Aqui faltam ou estão inteiramente ausentes as de-
de segunda ordem, relacionadas com as principais pressões absolutas, conhecidas alhures.
províncias geológicas da porção oriental do conti- Numa pesquisa levada a efeito pela Seção de
nente sul-americano. Estudos Geográficos do antigo Serviço de Geografia
Na realidade, através da mais simples obser- e Estatística Fisiográfica do Conselho Nacional de
vação das principais linhas do relevo sul-americano, Geografia, Fábio Macedo Soares Guimarães* inven-
fácil se torna identificar os grandes núcleos topográ-
* Guimarães, Fábio Macedo Soares, “O relevo do Brasil”,
261
tariou a distribuição da área do Brasil e suas uni- baixadas litorâneas. Os planaltos, por sua vez,
dades federadas por zonas hipsométricas. A despeito compreendem dois grupos: o Planalto Guiano,
de aqueles dados preliminares poderem sofrer alte- ao norte da planície amazônica, e o Planalto
rações várias no futuro, devido aos progressos da car- Brasileiro, de grande extensão, rodeado pelas três
tografia brasileira, eles constituem até hoje a melhor planícies.
documentação para o estudo das dimensões e ampli-
tude altimétrica do relevo do país. Note-se que as verdadeiras planícies no Brasil
Segundo os aludidos dados de estatística fisio- são restritas, constituindo em conjunto um total bem
gráfica, é a seguinte a distribuição das faixas hipso- inferior aos 3/8 indicados inicialmente por Fábio
métricas nesta parte da américa do sul: Macedo Soares Guimarães. Bastaria lembrar que
apenas 1% da Amazônia brasileira, conforme Pedro
Amplitudes
Altimétricas
Áreas Porcentagem de Moura*, é constituído por planícies e que vastas
km² % áreas do litoral brasileiro, mormente no Nordeste e
m
no Leste, são constituídas por baixos platôs arenosos
0 – 100 1.896.444 22,28
(“tabuleiros”), colinas, outeiros, morrotes e níveis de
100 – 200 1.572.829 18,48 terraços fluviais e marinhos. Tais fatos nos levam a
insistir em que nem todas as terras baixas de nosso
200 – 300 1.464.355 17,20
país, situadas entre 0 e 200 metros, se enquadram
300 – 600 2.332.253 27,41 perfeitamente no conceito de planícies; ao contrário,
incluem extensões enormes de colinas tabuliformes
600 – 900 980.057 11,51 e níveis de terraços elevados, situados a cavaleiro das
900 – 2.890 265.251 3,12 planícies e dotados de um comportamento mais pe-
culiar aos baixos platôs do que propriamente a áreas
de sedimentação em processo. Por outro lado, cumpre
0 – 2.890 m 8.511.189 km² 100,00% lembrar que a mais típica e homogênea das grandes
planícies brasileiras é o Pantanal Mato-Grossense e
não a Amazônia, como geralmente se pensa.
O estudo da distribuição espacial das zonas
Por esses dados, de caráter geral, se deduz que hipsométricas do território brasileiro nos dá opor-
3.469.273 km², ou sejam 40,76% de nosso terri- tunidade para discutir alguns outros aspectos in-
tório, são formados por terras baixas, compreendidas teressantes de nosso relevo. Por exemplo: se é fácil
entre 0 e 200 m, enquanto 3.796.608 km², ou sejam explicar porque 22,28% de nosso território se situam
44,61%, pertencem a áreas dispostas na zona hipso- entre 0 e 100 m e, mesmo, porque 18,48% corres-
métrica dos 200 a 600. Os restantes 1.245.308 km², pondem a terras situadas entre 100 e 200 m (pois aí
ou 14,63% da área do país, correspondem a faixas de estão localizadas as principais áreas de terras baixas e
relevo situadas acima de 600 e abaixo de 2.900 m. grandes planícies do país), é um tanto surpreendente
Fábio Macedo Soares Guimarães, em seu pe- a enorme área de níveis altimétricos situados entre
queno estudo, que já se vai tornando clássico, após 200 e 300 m, a qual perfaz um total de 1.464.355
inventariar as zonas hipsométricas que definem o km², ou seja 17,20% do território. Para os geomor-
conjunto do território brasileiro, teceu os seguintes fologistas, esse fato tem especial significado, pois tais
comentários: áreas correspondem a baixos peneplanos, altos níveis
Não é realmente o Brasil um país de altas mon- de erosão interiorizados e pediplanos intermontanos
tanhas: nenhum ponto atinge 3.000 metros de modernos, que se distribuem pelas mais diversas
altitude. O quadro da distribuição da área do áreas do país. Incluem-se, nesse caso, o pediplano
país por zonas hipsométricas evidencia que ape- do Alto Rio Branco (recentemente estudado por
nas 3% do território ultrapassam a altitude de Francis Ruellan, Octavio Barbosa e Antônio Teixeira
900 metros, ao passo que as terras baixas, com Guerra), os baixos peneplanos (?) sul-amazônicos do
altitude inferior a 200 metros, correspondem norte de Goiás e Mato Grosso, extensas áreas dos
a 40% da área total.Aproximadamente, pode o pediplanos intermontanos do Nordeste Oriental e
território brasileiro ser assim distribuído, quanto da Bahia, partes do baixo Pediplano Cuiabano (ao
ao relevo: 3/8 são planícies e 5/8 são planaltos de norte do Pantanal), partes do baixo Pediplano do
média altitude. Alto Araguaia e várias porções das superfícies aplai-
O mapa esquemático do relevo mostra que no nadas gaúchas distribuídas largamente pela metade
Brasil existem três planícies distintas: planície meridional do Rio Grande do Sul.
amazônica, planície do Paraguai-Paraná [sic] e Por último, queremos lembrar que a área rela-
1943, pp. 70-71. * Moura, Pedro de. “O relevo da Amazônia”, 1943, p.
328.

262
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
14

tivamente pequena de relevos situados acima de 600 que participam dos maciços antigos brasileiros, salvo
m no país (14,63% do conjunto) corresponde a dois raros casos locais (centro-sul de Minas, Vale do Pa-
grupos de províncias estruturais, a saber: 1. núcleos raíba, Estado da Guanabara, arredores de São Paulo e
de escudo sobreelevados por arqueamentos de grande pontos isolados do Nordeste Oriental), é mal conhe-
raio de curvatura ou dispostos em “dorsais”*; 2. ba- cida, tanto em suas relações especiais como em sua
cias sedimentares intercratônicas e planaltos basálticos disposição vertical. Em muitos lugares, os grandes
soerguidos concomitantemente com o escudo, du- feixes de gnaisses, correspondentes a velhas cordi-
rante a fase epirogênica pós-cretácica. Desta forma, lheiras corroídas, foram transformados em massas
a distribuição geográfica das áreas situadas acima de extensivas de rochas granitizadas. Por outro lado,
600 m é muito curiosa e relativamente irregular, pois, em raros pontos é possível constatar-se a presença
salvo as “ilhas” de relevo mais saliente do Nordeste de antigas dobras isoclinais imbricadas, injetadas por
Oriental, representado pela Borborema e cuestas e batólitos e stocks graníticos. Os fenômenos de pa-
chapadas circundantes, além das bordas orientais e lingênese, ao contrário, em muitas áreas destruíram
sul-orientais da Cuesta do Ibiapaba, destacam-se o o esquema das estruturas antigas, criando massas
Espinhaço e a Chapada Diamantina, os planaltos amorfas de gnaisses e granitos.
cristalinos do Brasil Sudeste, os altos chapadões cen- Lembramos de passagem que a explicação
trais do Oeste da Bahia, de Goiás e Mato Grosso, da pequena riqueza geral apresentada pelos nossos
e os chapadões maciços da Bacia do Paraná-Uru- terrenos arqueozoicos está ligada intrinsecamente a
guai. Após uma enorme área de terras relativamente uma atuação mais demorada e constante de fenô-
baixas, que se estende desde o norte de Goiás e Mato meno denudacionais. É compreensível que, em se
Grosso e desde o Piauí e Maranhão até os confins tratando de formações altamente metamorfisadas e
da Amazônia Brasileira, reaparecem localmente no granitizadas, cuja idade remonta a mais de um bilhão
extremo norte, no Planalto das Guianas, áreas com e meio de anos, já tenha sido efetuado um desgaste
relevos superiores a 600 m. Aí, na região do Monte notável no dorso das mesmas. Por certo, tais forma-
Roraima (2.875 m), situa-se o testemunho mais ele- ções tiveram riquezas minerais muito mais ponde-
vado das formações sedimentares mesozoicas no ter- ráveis, as quais foram denudadas através de prolon-
ritório brasileiro. gadíssimos e sucessivos períodos de erosão. Esses
fenômenos denudacionais antigos, constituídos
Os maciços antigos: montanhas e planaltos cristalinos por diferentes fases de aplainamentos e rebaixa-
mentos, retiraram de nossos escudos fundamentais
Diretamente relacionado com as áreas de ex- a maior parte de suas áreas mineralizadas mais im-
posição dos terrenos pré-devonianos, pertencentes portantes, correspondentes às cinturas de minera-
aos três escudos que participam do edifício geológico lização das auréolas de metamorfismos pretéritas e
do país - Escudo Guianense ou Guiânia, Escudo ao séquito de stocks, apófises e diques, que deveriam
Brasileiro ou Brasília e Escudo Uruguaio-Sul-Rio- interpenetrar-se pelas rochas encaixantes, extensiva-
Grandense ou Uruguaia -, o território brasileiro mente removidas. A julgar pelos cálculos de alguns
exibe extensas áreas de maciços antigos, de diversos geólogos, já foram removidos vários milhares de me-
graus de movimentação de forma de relevo, em geral tros de massas rochosas da porção superior desses
desdobrados em uma sucessão complexa de monta- maciços de consolidação antiga cuja tendência epi-
nhas e planaltos cristalinos. rogênica positiva tem sido permanente desde a sua
A área de escudos expostos no território brasi- formação até nossos dias. Daí a presença de grandes
leiro ultrapassa um pouco a três milhões de quilôme- extensões de rochas granitizadas, em nossos terrenos
tros quadrados, fato que demonstra bem a enorme arqueanos, e a relativa ausência de províncias mine-
extensão de maciços antigos em nosso país. Trata-se ralogenéticas ponderáveis. Entretanto, para com-
de um espaço equivalente a 36,29% do conjunto ter- pensar essa pobreza do subsolo de uma grande área
ritorial do Brasil, atingindo, segundo avaliação um de nosso país, os terrenos tidos como proterozoicos,
pouco antiga de Arthur Cardoso de Abreu e Fábio assim como alguns outros referidos imprecisamente
Macedo Soares Guimarães**, um total de 3.089.106 ao Paleozoico inferior, apresentam um quadro de ri-
km², dos quais 32,37% referidos ao Arqueozoico e queza inteiramente diverso e muito mais satisfatório
3,92% tidos como proterozoicos. sob o ponto de vista econômico.
A estrutura dos mais velhos desses terrenos Sob o ponto de vista estrutural, que mais de
perto nos interessa, cumpre dizer que a estrutura
* Tricart, Jean., “Géomorphologie des régions de plate- de nossos terrenos proterozoicos é das mais pertur-
formes”, 1957. badas. Devido à íntima ligação dos campos de pes-
quisa, os estudos estruturais e tectônicos, que estão
** Guimarães, Fábio Macedo Soares. “Esboço geológico sendo feitos sobre o Arqueano, estendem-se aos
do Brasil”, 1943, p. 46. terrenos tidos como proterozoicos. Durante muito

263
tempo, foi quase impossível separar as formações de Santa Catarina*. Em Mato Grosso, a SW do Pan-
pré-cambrianas mais recentes das mais antigas, vigo- tanal, tais formações se apresentam sob a forma de
rando tão somente um impreciso critério de grau de notáveis montanhas-em-bloco, conforme bem as ca-
metamorfismo e cristalinidade, devido à escassez de racterizou Fernando M. de Almeida.
estudos especializados e à dificuldade para se encon- Tais fatos redundam numa extrema variedade
trar contatos e discordâncias geológicas em áreas su- de resistência para a sequência de rochas que com-
jeitas a uma decomposição profunda e universal das põem nossas formações proterozoicas e paleozoicas
rochas. Daí, por muito tempo, as massas dominante- inferiores e num estímulo constante para a atuação
mente granítico-gnáissicas terem sido reconhecidas da erosão diferencial. Na realidade, aí, mais do que
como arqueanas, enquanto as dominantemente cris- nas áreas granítico-gnáissicas, multiplicam-se os
talofilianas eram colocadas pura e simplesmente no casos de influências estruturais ligadas à ossatura ro-
Proterozoico. Felizmente, nos últimos anos, vem-se chosa da região, criando-se bizarras formas de cristas
processando uma verdadeira revolução nos estudos e escarpas salientes, num arremedo constante dos re-
do Pré-Cambriano brasileiro, em continuação aos levos ditos apalachianos. É de se notar que, nas áreas
estudos já mais antigos de Djalma Guimarães e Al- tropicais úmidas do país, os processos morfoclimá-
berto Ribeiro Lamego. Desta forma, graças aos es- ticos conseguem aperfeiçoar ao extremo alguns tipos
tudos de Octavio Barbosa, J. N. Dorr II, Heinz Ebert de relevos esculturais (tais como os “mares de morros”
e Georges Frederick Rosier, na região centro-sul de da Bacia do Paraíba), sendo, porém, impotentes para
Minas e no Estado do Rio de Janeiro, é de se prever mascarar as linhas das estruturas antigas das rochas
o estabelecimento de uma nova seriação para as di- cristalofilianas, tal como é o caso das montanhas da
versas formações pré-cambrianas do Brasil Sudeste, zona auroferrífera de Minas Gerais. Em ambos os
assim como melhores conhecimentos para se escla- casos, porém, a análise de fotografias aéreas verticais
recerem os efeitos da tectônica residual, que parece ter tem contribuído para esclarecer o rumo geral das di-
sido particularmente ativa na elaboração do relevo reções estruturais, a padronagem das redes hidrográ-
desta parte dos maciços antigos brasileiros. ficas e suas relações com o quadro geral dos relevos.
Indiscutivelmente, o estilo da tectônica an- Francis Ruellan** sintetizou muito bem o estado
tiga de nossos terrenos pré-cambrianos mais mo- atual dos conhecimentos sobre as direções estruturais
dernos é bem mais fácil de ser reconhecido no dominantes no Escudo Brasileiro. Utilizando-se de
campo que o das estruturas propriamente arqueo- denominações novas e incorporando denominações
zoicas. Trata-se de feixes de xistos e rochas cristalo- já utilizadas pelo geólogo B. Choubert em relação
filianas, dispostos em dobras isoclinais de diferentes à Guiana Francesa, aquele geomorfologista francês
graus de compreensão, contendo eventualmente estabeleceu o seguinte quadro de direções estruturais
sequências de camadas incompetentes amarrotadas pré-cambrianas para a ossatura do Escudo Brasi-
na forma clássica de “sanduíches” - o conjunto em leiro: 1. Direção Brasileira (NE-SW – NNE-SSW);
geral apresentando-se bastante corroído e desgastado 2. Direção Caraíba, de Choubert (NW-SE); 3. Di-
pelos ciclos erosivos pré e pós-devonianos. Batólitos reção Sanfranciscana (N-S); 4. Direção Amazônica (E
e stocks graníticos, assim como núcleos de graniti- – W), que aparece localmente no Nordeste Brasi-
zação, posteriores à formação dos xistos e contempo- leiro e no sudeste do Rio Grande do Sul.
râneos à orogenia que criou os dobramentos, formam A direção WNW-ESE que, na lista organi-
corpos intrusivos dentro da massa de rochas crista- zada por Ruellan, ocupa o primeiro lugar, foi des-
lofilianas (xistos de diversos tipos, filitos, quartzitos, coberta por B. Choubert na Guiana Francesa e
calcários metamórficos, mármores, anfiboloxistos e referida como sendo a mais antiga; tal direção estru-
cornuabinitos). tural, “atualmente quase apagada”, poderia receber
Por seu turno, as formações paleozoicas infe- o nome de protoamericana, caso seu caráter de an-
riores, dobradas ou ligeiramente deformadas, encra- tiguidade um dia for comprovado em definitivo. É
vadas no dorso dos velhos escudos, possuem estru- de se prevenir, entretanto, que no Brasil Central se
tura mais simples (suaves sinclinais e anticlinais), e observa localmente a direção WNW-ESE em estru-
de mais fácil identificação no terreno. Tais forma- turas dobradas outrora tidas como pertencentes ao
ções, dominantemente epimetamórficas, porém não
exclusivamente, estão via de regra anexadas às for- * Ab’Sáber, Aziz Nacib. “O planalto dos Parecis, na re-
mações mais antigas dos escudos, deles participando gião de Diamantino”, 1954. — Almeida, Fernando F. M. de.
como outros tantos maciços antigos, ora aplainados, “Geomorfologia da região de Corumbá”, 1943 (e) “Geologia
ora rejuvenescidos. Quando fortemente reentalhados, do sudoeste mato-grossense”, 1945. — Demangeot, Jean. “Pro-
dão origem a relevos de tipo apalachiano. Tal como blèmes morphologiques du Mato Grosso central”, 1960.
acontece em alguns setores do centro da Bahia, do
centro-norte de Mato Grosso e da porção oriental ** Ruellan, Francis. O Escudo Brasileiro e os dobramentos
de fundo, 1952, pp. 27-30.

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
14

Paleozoico inferior e às quais, mais recentemente, possível distinguir serras cristalinas e planaltos crista-
alguns geólogos tendem a aplicar uma idade pro- linos no relevo de tais maciços de consolidação antiga,
terozoica superior ou, quando muito, eocambriana. sobrelevados e deformados em períodos mais recentes.
Aliás, continua a ser muito grande a imprecisão na Quando não se trata de planaltos cristalinos, relativa-
datação das formações pré-devonianas, dobradas ou mente bem preservados, e nem tampouco de verda-
ligeiramente dobradas, referidas vagamente ao Pa- deiras serras cristalinas, salientes e dotadas de certa
leozoico inferior (séries Bambuí, Itajaí, Bodoquena, orientação, através de cristas, espigões e esporões bem
Maricá etc.). marcados e acidentados, aplica-se às vezes o expressivo
No Rio Grande do Sul, como no Uruguai, do- nome de região serrana, o qual, para tais formas inter-
mina a direção tectônica antiga NNE para as for- mediárias de montanhas tropicais brasileiras, possui
mações metamórficas e gnáissicas do Escudo Uru- menor número de inconvenientes. No caso, trata-se
guaio-Sul-Rio-Grandense. A este rumo tectônico de áreas cristalinas de relevo enérgico, em geral ca-
bem marcado talvez se pudesse denominar direção racterizado por “mares de morros” mamelonares, onde
uruguaia. os processos morfoclimáticos tropicais úmidos de al-
Deixando de lado a análise das condições es- titude rendundaram numa escultura muito especial,
truturais e passando ao estudo dos quadros morfoló- ainda que permaneçam mal conhecidos os processos
gicos propriamente ditos, cumpre-nos dizer que os dinâmicos e as interferências paleoclimáticas mo-
maciços antigos brasileiros ou se apresentam sob a dernas que responderam pela sua gênese.
forma de planaltos cristalinos situados em abóbadas As verdadeiras serras cristalinas brasileiras são
de bombeamento ou dorsais dos escudos, postadas aquelas que correspondem a cristas de rochas resis-
entre as grandes bacias paleomesozoicas ou meso- tentes rejuvenescidas, às escarpas de falhas ou de linha de
zoicas, ou se destacam localmente como cristas re- falha, aos planaltos em bloco transformados em maciços
juvenescidas ou áreas de relevo energético, levado uma acidentados, assim como aos altos divisores d’água me-
ou mais vezes ao estágio de dissecação clássica de lhor definidos e dotados de maturidade marcante em
maturidade. Na maior parte das vezes, as verdadeiras suas formas de relevo. Entretanto, até mesmo as es-
montanhas cristalinas correspondem às bordas dos carpas estruturais das bordas de bacias sedimentares
planaltos ou a zonas de maior exaltação tectônica, soerguidas e, o que é mais incrível, alguns interflúvios
onde aparecem densas redes de diáclases e eventuais tabuliformes, recebem o pomposo nome de “serras”,
falhas, ou, ainda, a área de grande variedade litoló- desdobrados ao extremo, numa rica e confusa topo-
gica e estrutural, onde eventualmente se fazem sentir nímia local, que desespera geógrafos e viajantes.
os efeitos de uma tectônica residual. A expressão mais usada no Brasil para espe-
Desta forma, a despeito de não possuir re- cificar as formas de relevo de pequenos montes, iso-
levos acentuados, de tipo alpino-himalaio, o Planalto lados ou semi-isolados, existentes por quase toda a
Brasileiro apresenta relativa complexidade em suas parte na fachada atlântida do país, é o termo morro.
formas topográficas, fato válido especialmente para Entre nós, morro é o monte arredondado que do-
as áreas de exposição de terrenos pré-devonianos e mina os vales com suas planícies e baixos terraços. É
pré-cambrianos. Há, aí, verdadeiras montanhas reju- usado principalmente no sentido de um outeiro mais
venescidas, com cristas salientes e redes de drenagem amplo e elevado, de vertentes arredondadas e, por
complexas, às vezes de tipo apalachiano. Não faltam, extensão, a todas as formas de relevo intermediárias,
por outro lado, grandes e espetaculares escarpamentos, situadas acima das baixadas e abaixo das cristas reju-
situados em áreas litorâneas e sublitorâneas, tais como vesnecidas ou espigões divisores que, de preferência,
as serras do Mar e da Mantiqueira, oriundas, pelo são chamados de “serras”. No Brasil tropical atlân-
menos em parte, de fenômenos tectônicos relativa- tico, o morro típico tem a forma de um mamelão,
mente modernos, que determinaram fraturas e falhas devido à decomposição profunda de suas rochas e
para aquelas massas cristalinas rígidas e antigas. ao alto grau do aperfeiçoamento de suas vertentes
A frequência do nome “serra” na nomencla- arredondadas. Daí, quando muito isolados, serem
tura geográfica popular do Brasil, por si só, indica as chamados de morros com a forma de “meia-laranja”.
asperezas de certas áreas de relevo dos maciços an- Por seu turno, quando dispostos em sucessão maciça,
tigos rejuvenescidos do país, a despeito de uma ine- são designados por “mares de morros”, cuja área pro-
gável extensão errônea do termo. Na verdade, os ma- totípica é encontrada na Bacia do Paraíba do Sul.
ciços antigos brasileiros incluem áreas de topografia No caso particular do Rio Grande do Sul, os
maciça e pouco acidentada e áreas de alto grau de esbatidos maciços antigos regionais, pertencentes
movimentação de formas de relevo. Daí, conforme ao Escudo Uruguaio-Sul-Rio-Grandense, apre-
hábil distinção adotada por Aroldo de Azevedo*, ser sentam-se na forma de um baixo planalto cristalino
de altitudes médias girando em torno 200-400 m,
* Azevedo, Aroldo. “O Planalto Brasileiro e o problema no qual se destacam algumas superfícies ou níveis
da classificação de suas formas de relevo”, 1949.

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de erosão modernos, talhados abaixo do paleoplano O fato de os terrenos mais movimentados e
exumado pré-carbonífero*. As cristas rejuvenescidas escarpados do país situarem-se nos rebordos sul-
dos baixos planaltos cristalinos da região, correspon- orientais do grande Escudo Brasileiro redundou
dentes a corpos intrusivos expostos ou a barras de em marcante assimetria para o corpo territorial do
rochas duras, recebem o nome de cerros, enquanto Planalto Brasileiro. Enquanto no Brasil Sudeste ele
se reserva para as colinas onduladas, esculpidas nos descai através de íngremes e gigantescas escarpas
diversos níveis de erosão epicíclicos, o nome igual- de falha, no sul da Amazônia ele se traduz por uma
mente popular de coxilhas. Entretanto, em relação rampa suave e imperceptível, que vai morrer abaixo
aos cerros mais elevados e salientes, da região de Pi- das formações sedimentares do sinclinal amazônico.
ratini, Caçapava e Lavras, aplica-se também o nome Mesmo na latitude de São Paulo e Mato Grosso, a
de “serras”, onde a expressão Serras de Sudeste. É despeito de menos evidente, é flagrante a assime-
interessante lembrar, porém, que a expressão morros tria do Planalto Brasileiro: enquanto de um lado
não aparece nem mesmo nas áreas mais acidentadas se encontram as terras altas da Serra do Mar e da
da porção cristalina da Campanha. Pelo contrário, tal Mantiqueira, com grandes escarpas voltadas para o
termo só aparece na faixa altamente festonada das Atlântico, desdobram-se para o interior planaltos
grandes escarpas basálticas rio-grandenses. De resto, sedimentares, dispostos em patamares sucessivos e
ao sul desta zona serrana basáltica, impera o termo em geral decrescentes, que vão terminar à altura do
gaúcho cerro para toda e qualquer saliência que se Pantanal Mato-Grossense, através de uma série de
destaca acima do nível geral das coxilhas. cuestas com o front voltado para o ocidente. A des-
Os mais notáveis e salientes blocos de maciços peito de aflorarem terrenos cristalinos em faixas es-
do território brasileiro situam-se nas áreas de bom- treitas e irregulares a partir da base das cuestas mais
beamentos regionais bem marcados dos terrenos avançadas, faltam ali acidentes que, em sentido si-
cristalinos do Planalto Brasileiro, ou seja, nos nú- métrico e oposto, pudessem corresponder às escarpas
cleos sul-oriental e oriental, goiano-mato-grossense e da Serra do Mar. É de se lembrar que a famosa Serra
nordestino do Escudo Brasileiro**. Estas são as áreas Negra do oeste-sudoeste de Goiás, onde aflora local-
tetos dos maciços antigos brasileiros, enquanto as mente o embasamento, abaixo de formações devo-
porções médias ou baixas se distribuem pelo Escudo nianas cuestiformes, não passa de um ressalto médio,
Sul-Rio-Grandense, porção meridional do Escudo através do qual se passa para o peneplano localmente
Guianense e núcleos sul-amazônico, bolívio-mato- evertido do alto Araguaia. Mais importante, porém,
grossense e Gurupi, do Escudo Brasileiro. é lembrar que o perfil do Planalto Brasileiro, que
As áreas cristalinas antigas, situadas entre as se poderia traçar do Rio Grande do Sul ao sul da
grandes bacias sedimentares intercratônicas, ou são Amazônia, nos revela um gigantesco arqueamento de
aplainadas segundo o plano aproximado dos chapa- grande raio de curvatura, denunciando a natureza
dões interiores mais altos, constituindo altas superfí- das deformações tectônicas pós-cretáceas que res-
cies de erosão da categoria dos peneplanos sommitales, ponderam pela formação desse excepcional bloco de
ou são formadas por planaltos em bloco basculados e continente. Desta forma, há uma desigualdade mar-
eventuais depressões tectônicas, constituindo relevos cante e muito significativa, como já o fizemos notar***,
policíclicos complexos e acidentados, cujas altitudes entre os perfis do grande planalto, quer se leve em
não raro ascendem a 1.100-1.300 m, 1.800-2.000 consideração o sentido dos paralelos quer o sentido
m, quando não excepcionalmente a 2.800- 2.900 m dos meridianos.
(Itatiaia e Caparaó).
Os planaltos sedimentares e basálticos no Brasil
* Recentemente, reexaminando o problema em “Nótula
sobre as superfícies aplainadas do Rio Grande do Sul” (1960), Extensões consideráveis do território brasi-
pudemos caracterizar três domínios de superfícies, de alta par- leiro são formadas por planaltos sedimentares, que se
ticipação nas paisagens gaúchas: a superfície da Caçapava do Sul, desdobram através de chapadões e tabuleiros, pelo in-
de tipo cimeira (450 m em Caçapava, 300 m em Porto Alegre);
terior do país. Faz-se necessário dizer, desde o início,
a superfície da Campanha, de tipo interplanáltica, estendida por
toda a depressão periférica gaúcha (150-220 m); e as superfícies
porém, que em diversas regiões os planaltos sedi-
alveolares locais (30-80 m), representadas por níveis de coxilhas mentares brasileiros estão íntimamente associados
baixas, embutidas descontinuamente nas coxilhas mais altas, a edifícios basálticos de grande extensão, fato que
modeladas na superfície da Campanha. transforma alguns deles em áreas que comportam, a
um tempo, terrenos geológicos sedimentares e vul-
** Mendes, Josué Camargo, “Súmula da evolução geoló- cânicos antigos.
gica do Brasil”, 1945. — Azevedo, Aroldo. “O relevo, as costas e Na realidade, bem mais da metade das áreas
as águas continentais” (cap. III da Geografia Humana do Brasil, p.
40-56), 1950 — Ab’Sáber, Aziz Nacib, “Notas sobre a estrutura *** Ab’Sáber, Aziz Nacib. “O relevo do Brasil (Introdução
geológica do Brasil”, 1955. e Bibliografia)”, 1955, p. 4.

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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sedimentares que recobrem 2/3 do território brasi- faixa da zona litorânea e sublitorânea do Leste, do
leiro se apresenta na forma de planaltos tabuliformes, Nordeste e do Norte do país, assim como a grande
postados a diferentes planos altimétricos. Tais pla- área de baixos platôs que penetra fundo e extensi-
naltos, cuja estrutura geológica está na dependência vamente pela Amazônia Brasileira. Trata-se de uma
direta das bacias sedimentares brasileiras (páleo e enorme extensão de colinas tabuliformes oriundas
mesozoicas, mesozoicas e cenozoicas), soerguidas a dife- da sobrelevação das formações areníticas e areno-
rentes altitudes por movimentos epirogênicos, apre- argilosas dos fins do Terciário. Tais depósitos, de
sentam sensíveis diferenças de feições geomórficas, origem marcadamente terrígena (fluviais e lacustres)
ligadas às variações regionais de processos morfocli- formam uma boa parte das terras firmes amazônicas
máticos. e o cinturão extensíssimo dos tabuleiros costeiros
No interior do Planalto Brasileiro, destacam- existentes por mais da metade de nosso litoral, na
se na categoria de grandes planaltos sedimentares: os forma de antigas planícies costeiras levantadas.
chapadões sedimentares e basálticos da Bacia do Pa- Na minguada linguagem geográfica popular
raná-Uruguai (300-900 m); os chapadões dominan- do Brasil, destacam-se como termos habituais para
temente sedimentares do Maranhão-Piauí (200-600 designar as formas de terrenos de nossos planaltos
m); as chapadas isoladas no Nordeste Oriental (700- sedimentares, as palavras: chapadas, chapadões, tabu-
900 m); as chapadas e os chapadões de Pernambuco leiros e coxilhas, enquanto para os morros-testemu-
e da Bahia, ligados à área sedimentar Jatobá-Moxotó nhos isolados se empregam termos outros, aos quais
(400-800 m); os chapadões da porção ocidental da faremos referências no estudo especial do relevo de
Bahia e do Espigão Mestre, na fronteira goiana cuestas.
(700-900); os baixos chapadões calcários do médio É assim que a todos os tipos de grandes
São Francisco (500-650 m); e as chapadas centrais “mesas” ou “mesetas”, dotadas de ladeiras íngremes
da área do Roncador e dos Parecis (550-700 m). É e topo plano, se reserva o expressivo nome de cha-
de se lembrar que, tanto nos planaltos sedimentares pada, mais usual no Nordeste do que em qualquer
do Brasil Meridional, como nos do Maranhão-Piauí outra parte do país. Entretanto, devido à existência,
(porção sul-sudoeste da bacia), é comum a presença em áreas cristalinas, de plainos elevados, oriundos
de derrames basálticos, triássicos ou jurássicos, as- de fenômenos erosivos antigos, é comum na Bahia
sociados às formações sedimentares dos princípios e no Nordeste a aplicação errônea do termo chapada
e meados do Mesozoico (respectivamente série São a áreas não sedimentares (como, por exemplo, “Cha-
Bento e Formação Pastos Bons). pada” Diamantina, “Chapada” da Borborema etc.),
O Planalto das Guianas, ao contrário do que fato contra o qual todos os pesquisadores brasileiros
acontece com o Planalto Brasileiro, até há pouco têm insistido nos últimos anos. É de se lembrar, por
tempo era tido como um bloco de maciços antigos, outro lado, que as íngremes ladeiras que limitam
na categoria de velho escudo de terrenos pré-cam- as chapadas são designadas invariavelmente por
brianos, praticamente destituído de capeamento “serras”, em função da ruptura de declive por elas
sedimentar. Entretanto, se é que a porção Brasileira apresentadas e das asperezas naturais que as mesmas
do referido planalto é menos sedimentar do que a reservam para a circulação. Já em relação às altas pla-
área vizinha do território venezuelano, ponderável taformas estruturais, de topo relativamente plano,
é a extensão de terrenos sedimentares mesozoicos desse tipo brasileiro e nordestino de mesas e me-
nos altos das serras divisórias entre o Brasil, a Vene- setas, reserva-se o nome de chãs. As chãs, portanto,
zuela e as Guianas. De há muito, os geólogos norte- nada mais são do que plataformas interfluviais que
americanos e venezuelanos constataram a natureza coincidem grosso modo com plataformas estruturais
sedimentária do Monte Roraima (2.875 m), o qual horizontais ou sub-horizontais.
parece ser formado por um alto pacote residual de Pelo termo chapadão entende-se algo de
sedimentos triássicos, bastante consolidados, rema- menos preciso e de perfil menos esquemático do
nescente de uma bacia sedimentar mesozoica, hoje que a imagem visual comumente associada ao termo
muito desnudada no setor brasileiro. Cumpre lem- chapada. Cumpre lembrar que o termo chapadão
brar, por outro lado, que nos confins setentrionais só pode ser considerado um aumentativo real do
do Planalto das Guianas, em nosso território, des- termo chapada, apenas no sentido de indicar exten-
tacam-se chapadões sedimentares, em patamares in- sões maiores e mais contínuas de formas maciças e
clinados e sucessivos, na zona que precede o famoso onduladas de relevos tabuliformes. No caso, não se
Roraima. Trata-se de sedimentos ainda não datados, trata mais de “mesas” de silhueta clássica, mas tão so-
a despeito de terem suas ocorrências sido constatadas mente de relevos mesetiformes, tabulares suavizados,
no campo, já há algum tempo. dissecados por uma trama de drenagem bem mais
Por último, nessa discriminação rápida dos di- densa e mais perene. Na realidade, em São Paulo e
versos planaltos sedimentares brasileiros, temos que no Centro-Oeste, os chapadões nada mais são do
referir os tabuleiros areníticos que recobrem extensa que alongados interflúvios de planaltos sedimen-

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tares, situados em altos e suaves espigões divisores cias que rompem a monotonia das coxilhas, salien-
de cursos d’água semiparalelos. Por seu turno, ali se tando-se acima da superfície geral das mesmas, quer
aplica o termo chapadão a formas de terrenos sedi- se trate de frentes irregulares de cuestas festonadas,
mentares ou basálticos, onde as plataformas inter- de morros-testemunhos isolados (às vezes também
fluviais coincidem grosso modo com as plataformas chamados de guaritas) quer de cristas rejuvenescidas
interfluviais, mas em que as vertentes em geral não ou de relevos residuais existentes no interior do Es-
são marcadas por ladeiras íngremes ou por cornijas cudo.
salientes. Tanto assim que, para os alinhamentos de Sob o ponto de vista geomorfológico, não é
escarpas estruturais que separam os largos patamares menor a dificuldade para classificar planaltos se-
desses planaltos sedimentares, reserva-se o indefec- dimentares brasileiros. Em conjunto, trata-se dos
tível e amorfo nome de “serras” (“Serra” de Botucatu, planaltos mais expressivos do país, coincidindo,
“Serra” da Esperança, “Serra” do Caiapó, “Serra” de de perto, com aquilo que Paul Macar** chamou de
Maracaju etc.). Ao contrário, os verdadeiros cha- planaltos típicos, o que é válido principalmente para
padões possuem vertentes suavizadas, quando não com o setor central das grandes bacias sedimentares
se desdobram em maciças e altas ondulações, a se brasileiras, soerguidas de algumas centenas de me-
perder de vista, refletindo a ação de processos morfo- tros pelo levantamento pós-cretáceo. Entretanto,
climáticos tropicais e subtropicais úmidos de altitude, em muitos dos seus bordos, eles se comportam
em áreas de rochas sedimentares e basálticas. Nesse como planaltos ligeiramente empenados (tilted
sentido, é fácil compreender-se que as verdadeiras plateaus), limitados por alinhamentos de altas es-
chapadas do Nordeste estão ligadas a processos mor- carpas estruturais. Desta forma, em diversas áreas
foclimáticos especiais, de tipo equatorial e subequa- do país, tais planaltos talhados em camadas ligei-
torial semiárido. No Rio Grande do Sul, em pleno ramente inclinadas (monoclinais ou periclinais), se
planalto basáltico da porção norte do Estado, os cha- desdobram em largos patamares, separados por es-
padões regionais tomam o nome de altas coxilhas ou carpas sucessivas de tipo cuestiforme, adquirindo
“coxilhas grandes”, por uma extensão compreensível o aspecto da paisagem morfológica que os geó-
de um termo muito arraigado na nomenclatura da grafos alemães reconhecem sob a designação de
Campanha Gaúcha. Schichtstufenlandschaft (paisagem de camadas em de-
Em verdade, por coxilhas, no extremo sul do graus). É de se lembrar, por outro lado, que os pla-
país, entende-se o domínio das baixas colinas, de re- naltos oriundos do soerguimento das grandes bacias
levo relativamente movimentado, esculpidas indife- sedimentares gondwânicas do país (paleo e meso-
rentemente em terrenos sedimentares, basálticos ou zoicas) adquiriram o aspecto geral de grandiosas
cristalinos. Trata-se de áreas de relevo baixo, porém nested saucer basin, soerguidas a algumas centenas de
colinoso e ondulado, onde os processos morfoclimá- metros, e as quais permanecem amarradas ao caráter
ticos subtropicais úmidos criaram vertentes na forma periclinal centrípeto dos estratos que respondem
da superfície irregular de uma “cesta de ovos”. Entre- pela sua estrutura. Trata-se da unidade geomórfica
tanto, na realidade, a palavra coxilha, termo gaúcho à qual O. D. Von Engeln*** denominou “open basin
típico, está ligada à ideia visual fornecida pelo perfil with centripetal dip”, e a qual foi reconhecida no
encurvado da ponta final de um facão, muito em- território brasileiro por Edward Berry em relação
bora seja uma velha tradição da cartografia uruguaia à Bacia do Paraná e à Bacia de Jatobá-Moxotó.
e gaúcha empregá-lo para designar o conjunto de Na realidade, tais bacias, cujos bordos se definem
colinas que participam da condição de interflúvio ou por cuestas concêntricas de front externo, após a
de divisor d’águas regional*. A despeito de ser usado atuação de fenômenos de circundesnudação, estão
indiferentemente para designar formas de relevo on- bem presentes nos terrenos sedimentares e basálticos
dulado, tanto nos baixos níveis do planalto cristalino brasileiros, como em relação à Bacia do Maranhão-
uruguaio-sul-rio-grandense, como em relação ao Piauí. Na área da Bacia de Moxotó, posto que lo-
reverso das cuestas basálticas do oeste-sudoeste da calmente válida a identificação de E. Berry, existem
Campanha Gaúcha, o mais belo cinturão de coxilhas outros fatos a considerar, destacando-se o problema
do Rio Grande do Sul é encontrado ao longo das da área de recorrência sedimentar que se processou
depressões periféricas que envolvem o Escudo Sul- entre as diversas deformações sedimentares meso-
Rio-Grandense pelos seus quadrantes interiores. zoicas do interior do Nordeste Oriental brasileiro.
Aliás, o mesmo acontece com o termo cerro, típico Desta forma, ali as formações sedimentares, ao invés
da Campanha, em geral aplicado a todas as saliên- de terem sido envolvidas por maciços antigos, em

* As ladeiras das vertentes das coxilhas são denomi- ** Macar, Paul. “Principes de Géomorphologie Nor-
nadas lombas no Rio Grande do Sul. Em outras áreas do país, male”, 1946, p. 12.
predominam os termos encosta ou ladeira para os declives das
vertentes. *** Engeln, O. D. von, “Geomorphology”, 1942, p. 62.

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
14

certo momento geológico chegaram a envolver o maiores serão dados a respeito dos baixos planaltos
Planalto da Borborema pelos seus quadrantes inte- areníticos amazônicos e litorâneos no subcapítulo
riores, vindo a contribuir, mais tarde, para a gênese que se refere às terras baixas brasileiras.
de um cinturão de chapadas isoladas dispostas grosso
modo na forma das cuestas concêntricas de front in- As terras baixas brasileiras: planícies e tabuleiros
terno, como já o destacamos*.
Não é preciso muito esforço para se saber que, O fato de 40,76% do relevo brasileiro se en-
no concernente à fertilidade natural dos solos, a área contrar em zonas hipsométricas inferiores a 200 m
de planaltos basálticos e sedimentares do país ocupa serve bem para dar uma ideia da grande área ocupada
um lugar privilegiado. A despeito da posição relati- pelas terras baixas, no conjunto territorial de nosso
vamente interiorizada da maior parte deles e do as- país. Trata-se, no caso, de uma superfície de quase
pecto tardio do seu povoamento e ocupação do solo, três e meio milhões de quilômetros quadrados de
em suas terras é que se situam as principais áreas de terras baixas, repartidos pela Amazônia, o Pantanal e
produção agrícola do Brasil. Entretanto, no conjunto as faixas litorâneas e sublitorâneas orientais do Brasil.
desses planaltos existe uma desproporcional área de Note-se que a área efetiva dos baixos platôs arenosos
solos pobres, correspondentes às enormes extensões (tabuleiros), amazônicos e costeiros, perfaz um total
de arenitos das formações paleozoicas, mesozoicas e muito maior que o das verdadeiras planícies. Entre-
cenozoicas. Há, sobretudo, uma carência enorme de tanto, não existem dados para um cálculo mais ob-
calcários na sequência das camadas que compõem a jetivo a respeito da porcentagem ocupada por esses
grande maioria desses planaltos sedimentares brasi- dois tipos de terras baixas brasileiras.
leiros. Somente as grandes manchas de terra roxa é A repartição geográfica das terras baixas bra-
que, onde quer que se encontrem, imprimem a marca sileiras é bastante significativa. Enquanto os baixos
de uma excepcional riqueza edáfica a esses planaltos platôs arenosos se situam apenas na Bacia Amazônica
tropicais e subtropicais de nosso país. e na faixa litorânea e sublitorânea do Leste e Nor-
Por fim, queremos fazer uma observação mar- deste do país, as verdadeiras planícies, independente-
ginal aos tipos de redes hidrográficas peculiares aos mente de sua grandeza espacial, aparecem nas mais
planaltos sedimentares brasileiros. Domina, no inte- diversas de nossas regiões geográficas. Nesse sentido
rior desses planaltos, um tipo de rede hidrográfica de cumpre lembrar que, além das três áreas tradicionais
tipo paralelo ou subparalelo para com os rios médios e de grandes planícies no Brasil - a Amazônica, a do
principais, enquanto os pequenos afluentes e ramos Pantanal e do Litoral -, existem pequenas planícies
menores da drenagem formam padrões dendríticos. esparsas, situadas em numerosos trechos e comparti-
A dentrificação, por seu turno, é tanto maior quanto mentos dos rios de planalto brasileiros, em posições
mais úmido e chuvoso for o clima e menos perme- altimétricas as mais variadas. É de se lembrar que tais
ável o conjunto das rochas regionais. Em relação ao planícies aluviais, por serem de pequena extensão,
conjunto das redes hidrográficas, que se superimpu- posto que inumeráveis, em geral não são compu-
seram às grandes bacias sedimentares brasileiras, do- tadas nos cálculos de conjunto a respeito da área das
minam arranjos grosso modo centrípetos (Bacia do Rio planícies brasileiras. A rigor, portanto, quatro são as
Paraná, porção superior dos rios piauienses e mara- áreas de planícies do nosso território, por ordem de
nhenses, rede hidrográfica da Amazônia ocidental). grandeza e pela continuidade ou descontinuidade e
Nas zonas semiáridas do norte e oeste da Bahia, os homogeneidade de suas modestíssimas formas de
padrões de drenagem paralelos adquirem um grau relevo: 1. planície do Pantanal; 2. planície Amazônica;
de aperfeiçoamento notável. Enquanto isso se dá, 3. planícies costeiras; 4. planícies aluviais de comparti-
nas áreas basálticas (que, por sinal, coincidem com mentos de planalto.
regiões tropicais e subtropicais úmidas), a tendência Nesse quadro geral das terras baixas brasileiras
para uma passagem entre a padronagem paralela e a não estão incluídas algumas unidades de relevo, de
dendrítica é sensível por toda a parte. caráter a um tempo cíclico e morfoclimático, repre-
Lembramos, para terminar essa visão panorâ- sentadas pelos pediplanos nordestinos, o pediplano
mica dos planaltos sedimentares e basálticos brasi- do alto Rio Branco, e os pediplanos gaúcho e cuia-
leiros, que ao estudo das escarpas estruturais que li- bano, os quais melhor se enquadrariam no grupo das
mitam as bordas dos aludidos planaltos, assim como áreas de relevo de amplitude topográfica similar à
à análise das grandes depressões periféricas situadas dos baixos platôs arenosos amazônicos e leste-nor-
em suas margens, dedicaremos subcapítulos especiais, destinos. Em qualquer classificação geomorfológica,
no presente estudo. Identicamente, esclarecimentos de maior detalhe, tais áreas de pediplanos intermon-
tanos ou baixos peneplanos interiorizados deverão ter
* Ab’Sáber, Aziz Nacib, “Regiões de circundesnudação o seu devido lugar, enriquecendo o mostruário dos
pós-cretáceas, no Planalto Brasileiro”, 1949. “O relevo do Brasil tipos de terras baixas brasileiras. Na presente oportu-
(Introdução e Bibliografia)”, 1955. “Depressões periféricas e de- nidade, porém, trataremos tão somente da fisiografia
pressões semi-áridas no Nordeste do Brasil”, 1956.
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dos baixos platôs arenosos e das verdadeiras planícies Planalto Brasileiro e o Planalto das Guianas perma-
brasileiras. neciam exondados, em franca fase denudacional. O
A maior área de terras baixas do país, indis- tectonismo quebrantável que criou a Fossa de Ma-
cutivelmente, é a amazônica, a qual inclui vastos rajó contribuiu para o espessamento local das forma-
trechos de planícies de inundação ao lado de uma ções miocênicas, afetando depois, ao que tudo leva a
área maior ainda de baixos platôs arenosos. Trata-se crer, a sedimentação pliocênica, que a seu término
de um grandioso anfiteatro de terras baixas, encar- tamponou extensivamente a fossa anteriormente
cerado entre o arco interior das terras subandinas e formada.
o Planalto das Guianas e o Planalto Brasileiro. Na Os rios sul-amazônicos e andinos foram os
verdade, a porção ocidental das terras baixas amazô- maiores responsáveis pelos depósitos arenosos da Série
nicas como que executa uma colmatagem extensiva Barreiras na Amazônia, tendo descarregado seus de-
da depressão centro-ocidental da Bacia Amazônica, tritos nos lagos da Amazônia ocidental durante todo
localmente alargada pela encurvatura dos Andes co- o tempo em que a região sofreu subsidência ativa,
lombianos, peruanos e bolivianos. posto que moderada. O aspecto marcadamente cen-
Infelizmente, não existe um número suficiente trípeto dos cursos d’água amazônicos em sua porção
de estudos sedimentológicos, de caráter regional, centro-ocidental, como já o destacamos, pode indicar
sobre a Série Barreiras, em sua porção amazônica, e sugerir tais ideias paleogeográficas. Desta forma,
que é a principal responsável pela massa de depósitos os amplos lagos pliocênicos da Amazônia ocidental
dos tabuleiros regionais. Nesse sentido, assumem serviram de nível de base interno para os rios prove-
particular importância as observações e conclusões nientes do Planalto Sul-Amazônico, do Planalto das
de Sérgio Estanislau do Amaral* a respeito da Série Guianas e dos Andes. Entretanto, mesmo para com a
Barreiras no Vale do Rio Tapajós. Tecendo conside- porção oriental e atlântica dos depósitos pliocênicos
rações a respeito da faciologia dos afloramentos que da Bacia Amazônica, dominaram condições simi-
estudou, diz aquele autor: “Quanto às rochas, pre- lares, parte lacustres e parte fluvioaluviais e fluviais,
dominam sílticos argilosos vermelhos e, subordina- como o demonstram os depósitos de seixos rolados
damente, arenitos médios e finos com estratificação inclusos na Série Barreiras, no nordeste do Pará. A se-
cruzada. São raros os conglomerados e ausentes os dimentação ali, como em outras áreas, parece ter sido
sedimentos químicos. Os sedimentos são continen- durante muito tempo lacustre e fluviolacustre, vindo a
tais aquosos, predominando o regime lacustre”. Por fechar-se sob condições dominantemente fluviais, o
outro lado, há referências vagas sobre o ambiente que é um fato importante, já que os rios que se es-
climático que presidiu à deposição, pensando alguns tabeleceram ao fim do ciclo deposicional pliocênico
especialistas que o clima da época se aproximava dos foram exatamente aqueles que, no Quaternário, exe-
climas tropicais de savana, conforme informação que cutaram o entalhamento e a dissecação do conjunto
nos foi transmitida por Octavio Barbosa. A presença de sedimentos anteriormente formados.
de cimento cinerítico nos depósitos estudados por O levantamento de conjunto, pós-pliocê-
Sérgio Estanislau do Amaral demonstraria a inten- nico, assim como os abaixamentos eustáticos do
sidade do vulcanismo andino na época. nível de Atlântico e o consequente afastamento
Desta forma, no caso dos sedimentos pliocê- das embocaduras antigas mais para leste, a par de
nicos amazônicos, através dos aspectos mais gerais de prováveis modificações climáticas, facilitaram a su-
sua fácies, e pela posição geográfica das camadas no perimposição hidrográfica do Amazonas e de seus
anfiteatro amazônico, pode-se pensar numa paleo- afluentes no dorso da gigantesca planície lacustre e
geografia de lagos e em fases eventuais de deposição, fluviolacustre dos fins do Terciário. Iniciou-se, desta
fluviolacustre, pós-miocênicas, para a região. A ex- forma, o entalhamento epicíclico da Série Barreiras,
pansão e o relativo espessamento das camadas plio- documentado pelos baixos terraços existentes nos
cênicas devem estar ligados a um comportamento mais diversos trechos dos tabuleiros regionais. As
tectônico de subsidência discreta, que teria origi- pequenas “mesas” do baixo Amazonas constituem
nado gradualmente aquela enorme e rasa depressão importantes relevos residuais a documentar a forte
continental situada entre os Andes e os planaltos desnudação pós-pliocênica que afetou a região e
brasileiro e guianense. Teria sido uma das últimas sugerindo, outrossim, uma ideia da espessura e ex-
manifestações da subsidência tendencial que sempre tensão antiga dos depósitos.
afetou a sinclinal amazônica. É de se lembrar que, no O último epiciclo erosivo do entalhamento
Mioceno, conforme documenta a Formação Pirabas, pós-pliocênico coincidiu com a formação das atuais
os mares rasos ainda estiveram por enormes faixas planícies de inundação, que acompanham a calha do
da bacia sedimentar regional, enquanto o resto do grande rio e de seus afluentes por alguns milhares
de quilômetros, numa largura média variável de 15
* Amaral, Sérgio Estanislau. “Nota sobre a Série Bar- a 30 km. Observada de avião, à altura de 3 ou 4.000
reiras no Vale do Rio Tajapós”, 1954, p. 29. metros, a planície aluvial se destaca como uma larga

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esteira de sedimentação em processo, embutida num e definida no meio da gigantesca planície submer-
corredor de relevo estabelecido no dorso dos tabu- sível; à sua direita e à sua esquerda, após os diques
leiros que a ladeiam pelo norte e pelo sul. Enquanto marginais, contínuos ou rotos e de diferentes larguras
na planície rasa não se pode dizer quem domina - se e formas, estende-se um dos labirintos hidrográficos
é a água ou se são os depósitos modernos dispostos mais intrincados de que se tem notícia. Nele pa-
em faixas e manchas irregulares -, nos tabuleiros as recem estar representados todos os tipos conhecidos
colinas se desdobram em maciça sucessão de baixos de pequenos e rasos compartimentos das planícies
platôs tabuliformes, inteiramente recobertos por flo- de inundação*. A todo momento, canais laterais en-
restas. Ali, apenas algumas suaves sombras dendri- tram e saem de uma mesma margem (paranás-mi-
tificadas deixam entrever que, abaixo das copas altas rins), implicando a multiplicação do número de ilhas
das árvores que escondem os sulcos bem marcados marginais engastadas, enquanto inumeráveis canais
de minúsculos vales, existe água corrente atribuível a
riachos e córregos. * Andrade, Gilberto Osório. “Furos, Paranás e Iga-
O grande rio é a única massa d’água mais larga rapés”, 1956.

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de ligação, sem correnteza definida, interligam os afetou a região e criou localmente pequenos teatros
canais secundários com lagoas de meandro em todos para a sedimentação aluvial, num arremedo de deltas
os estágios de colmatagem, assim como outros rios e internos (como é o caso da região ocidental de Ma-
canais similares. Feixes de restingas fluviais de todos rajó, à altura de Breves).
os tipos, intercalados por várzeas alagadas ou alagá- Note-se que os baixos terraços de Belém-Ma-
veis, assim como deltas interiores, diques arenosos rajó constituem a mais importante extensão de tesos
longitudinais ou transversais e bancos de areia dos da porção atlântica da Amazônia. Sob essa designação
mais variados tipos e formas completam o esquema entende-se, por quase todos os recantos da imensa
da drenagem da planície, que, longe de ser um pa- planície, os terrenos enxutos, ligeiramente mais altos
drão de rede hidrográfica de planícies de inundação, que o nível das planícies sujeitas à ação de inundações
é como que uma associação de todos os padrões pe- periódicas ou anuais. Desta forma, o teso é sempre um
culiares a áreas de sedimentação fluvial em processo. baixo terraço aluvial, quer seja argiloso ou capeado
No largo desvão talhado na Série Barreiras, por cangas. Eventualmente, o termo é aplicado a se-
entre o Amapá e o nordeste do Pará, processou-se, ções de diques marginais interiorizados e não mais
no Quaternário antigo, um afogamento eustático, sujeitos à inundação. Seu significado, às vezes, se con-
de certo vulto, que contribuiu para a geração de um funde com o de firme ou terra firme, os quais, por sua
delta moderno em cima da criptodepressão de Marajó. vez, são aplicáveis aos tabuleiros e terraços médios.
É de se crer que o golfão, ali criado pela invasão eus- É fora de dúvida que a superimposição hidro-
tática da primitiva área de embocadura da drenagem gráfica pós-Barreiras do Amazonas e seus afluentes se
amazônica, preparou o terreno para a sedimen- processou concomitantemente com o soerguimento
tação deltaica subsequente. Enquanto o Amazonas de conjunto das camadas daquela formação, tendo o
da época desaguava no fundo desse antigo golfo, o grande rio e seus tributários da Amazônia Ocidental
Tocantins jogava suas águas e sedimentos na borda se encaixado na forma de um enorme leque, com o
sul do mesmo. A colmatagem deltaica dessas massas cabo voltado para leste. Tudo leva a crer que, na su-
d’água engolfadas na região, efetuada sob condições perimposição hidrográfica inicial, não tenha havido
climáticas especiais, redundou na formação dos sedi- nenhuma injunção tectônica mais forte do que uma
mentos quaternários, pós-pliocênicos e pré-holocê- simples exondação de conjunto para a Série Bar-
nicos existentes na Ilha de Marajó, região de Belém reiras, acompanhada de suavíssimos abaulamentos e
e áreas vizinhas. A este golfão amazônico do Plisto- depressões epidérmicas na grande cobertura lacustre
ceno se poderia aplicar o nome de Golfão Marajoara, e fluviolacustre. Desta forma, o coletor mestre fixou-
que foi o maior de quantos foram criados durante se de oeste para leste, grosso modo na porção centro-
o movimento eustático responsável pelo período dos norte da bacia, num ligeiro desequilíbrio que reflete
golfões da costa brasileira, conforme expressão por bem a maior riqueza das massas de águas correntes
nós proposta já há algum tempo*. dos afluentes da margem direita em relação aos da
No ciclo atual, o delta anteriormente formado margem esquerda. Devido ao centripetismo da supe-
foi superimposto irregularmente por estuários (em- rimposição da drenagem da Amazônia ocidental, é
bocaduras do Amazonas e do Pará), perdendo sua perfeitamente normal que os rios da margem esquerda
originalidade pela dissecação intensa que sofreu du- caminhem de NW para SE e os da margem direita de
rante um pequeno intervalo de tempo em que per- SE para NW, não nos parecendo procedente a ideia de
maneceu exondado e sujeito à formação de lateritos. que os mesmos se tenham encaixado “segundo linhas
A dissecação pós-deltaica deu oportunidade para gerais ditadas por um sistema conjugado de juntas
a elaboração do nível de baixos terraços de Belém- ou falhas”, conforme sugestão de Hilgard O’ Reilly
Marajó**. Sternberg***. Entretanto, a esse mesmo pesqui-
É possível que uma discreta fase de afoga- sador se deve uma interessantíssima constatação
mento eustático, relativamente recente, se tenha a respeito de uma interferência da tectônica que-
processado após a dissecação fluvial das aluviões brável sobre os depósitos da Série Barreiras, com
deltaicas da região. Se isso for certo, as várzeas mo- influências pronunciadas para a padronagem
dernas do baixo Amazonas seriam posteriores a essa dos pequenos cursos d’água que se expandiram
derradeira ingressão marinha moderadíssima que pelos tabuleiros****. O diaclasamento dos depósitos
terciários da Amazônia, numa fase posterior ao fecho
* Ab’Sáber, Aziz Nacib, “A Geomorfologia do Estado
de São Paulo”, 1954. *** Stenberg, Hilgard O’Reilly. “Vales tectônicos na pla-
nície amazônica?”, 1950, p. 515.
** Moura, Pedro de. “O relevo da Amazônia”, 1943. —
Gourou, Pierre. “Observações geográficas na Amazônia”, 1943. **** Vide o recente tratamento dado ao assunto por Jean
— Ab’Sáber, Aziz Nacib. “Contribuição à geomorfologia do Demangeot (in Observations morphologiques em Amazonie,
Estado do Maranhão”, 1956. 1960).

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da sedimentação regional, é um fato incontestável, E, se verdadeira esta asserção, indicaria, outrossim,


sendo absolutamente procedente a sua influência na que as planícies litorâneas e sublitorâneas do Leste e
trama da drenagem de alguns rios e riachos dos ta- Nordeste brasileiros no plioceno teriam sido muito
buleiros, nos termos propostos por Sternberg. mais largas do que aquelas que hoje se observam no
Entretanto, cumpre não exagerar o tema no conjunto do litoral Brasileiro.
sentido de admitir reativações recentes ou em pro- Entretanto, os problemas geológicos e geo-
cesso, já que a drenagem esmagadoramente labirín- morfológicos suscitados por essa faixa de depósitos
tica da calha central do grande vale tem todos os continentais costeiros do país são inumeráveis. Do-
aspectos de um sistema insequente instável. Além do minam, extensivamente, na massa de seus detritos,
que, para massas de água similares às do Amazonas, depósitos de origem marcadamente continental,
seria muito duvidoso admitir uma sensibilidade dos fluviais, fluviolacustres e, eventualmente, lacustres.
padrões de drenagem perante a ação de uma ligei- Posto seja possível a existência de lentes de depó-
ríssima sismicidade não habitual. A própria ordem sitos marinhos costeiros, ninguém descreveu ainda
de grandeza das oscilações do nível da água do tais ocorrências dentro de critérios sedimentológicos
Amazonas e de alguns de seus afluentes está a de- e morfoscópicos modernos. Os restos aparentes de
monstrar que o padrão de drenagem da grande pla- depósitos de restingas antigas ou dunas adelgaçadas,
nície de inundação regional não poderia ter sofrido que se observam em Pernambuco, na rodovia que
retoques por influências tectônicas. A adaptação vai de Recife para a Paraíba, ainda não mereceram
dos pequenos cursos d’água dos tabuleiros arenosos a atenção de especialistas, enquanto que o notável
à padronagem ortogonal das diáclases é de caráter conglomerado fluvial apresentado pela Série Bar-
secundário, tendo-se realizado após o encaixamento reiras, nas colinas que antecedem a região do Cabo
dos rios principais, segundo se pode deduzir pelo de Santo Agostinho, tem sido referido como depó-
arranjo ortogonal das cabeceiras dos riachos que sitos basais daquela formação geológica*.
sulcam os aludidos tabuleiros. Por outro lado, essa A dominância de fácies continentais ao longo
adaptação ou readaptação tardia da drenagem a um da Série Barreiras é sugestiva, parecendo indicar
sistema regional de diáclases profundas não pode que os remanescentes atuais da sedimentação plio-
receber, em hipótese alguma, a designação de vales cênica, na fachada atlântica brasileira, constituem
tectônicos, pois, no caso, se trata de uma expressão as áreas marginais interiores da planície bem mais
que tem um significado muito mais radical e direto. largas ali existentes, na época. É de se supor que a
As quedas de barrancos das falésias fluviais na margem oriental da bacia original tenha sido bas-
região amazônica, aludidas por Sternberg, são fatos tante erodida, de tal forma que a zona de depó-
ligados à ação e interferência de diversos processos, sitos, dominantemente fluviomarinhos e marinhos,
entre os quais podem ser alinhados até mesmo as foi quase que inteiramente desgastada, restando a
interferências ocasionais de raros movimentos sís- faixa de predomínio franco de depósitos continen-
micos recentes. Tais movimentos, extremamente tais. Dentro dessa interpretação, pensamos explicar
raros na região, poderiam quando muito indicar es- a gênese dos depósitos e das formas de relevo dos
corregamentos e desmoronamentos de massas de- tabuleiros sem lançar mão da hipótese do regime
compostas de íngremes “barreiras” fluviais, ao longo de fossas, que, durante algum tempo, dominou a
de planos de fraturas meteóricas ou profundas, paleogeografia regional do Cretáceo e do Terciário
através de uma espécie de apressamento de um pro- inferior.
cesso tendencial. Por essas razões, é possível caracterizar-se o
Um segundo grande domínio de tabuleiros de relevo dos tabuleiros costeiros do Leste e do Nor-
nosso território situa-se na faixa costeira do Brasil deste como sendo um tipo especial de planícies
Leste e do Brasil Nordeste. Sua posição geográfica é costeiras soerguidas de nosso território. É de se re-
de uma significação ímpar: tais tabuleiros litorâneos marcar que a evolução geomorfológica das mesmas
e sublitorâneos funcionam como se fossem rema- obedece, rigorosamente, ao esquema descrito pelos
nescentes, bem preservados, de um vasto cinturão tratadistas em relação à gênese e evolução normal de
de planícies antigas e contínuas que rendilhavam a todas as planícies costeiras: soerguimento das estru-
costa brasileira naqueles quadrantes. Nesse sentido, turas homoclinais dispostas em rampas ligeiras na
são ótimos indicadores do quadro paleogeográfico
de nossa fachada atlântica nordestina e lestina, ao se * Esse é o pensamento do geólogo Luciano Jacques de
findar o Terciário. Na realidade, a distribuição geo- Moraes a respeito do aludido conglomerado (observação verbal
gráfica dos depósitos da Série Barreiras nessas áreas, - 1956). Jean Dresch, em seu recente estudo “Les problèmes
independentemente das considerações paleoclimá- morphologiques du Nord-Est brésilien” (1957), refere os “con-
ticas que presidiram à sedimentação, sugere, de ime- glomerados de seixos do escudo, de grosso calibre (até mais de
diato, a ideia de que se trata de uma deposição si- 50 cm de diâmetro), muito rolados, que parecem pertencer à
milar àquela que se processa nas planícies costeiras. base da formação”.

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direção do mar; superimposição hidrográfica através leste-oeste, o Pantanal atinge, apenas em território
de cursos d’água consequentes estendidos, subparalelos brasileiro, uns 450 ou 500 km, segundo o sentido dos
entre si e normais à linha de costa; e, finalmente, re- meridianos. Essa ampliação de sua largura lhe dá um
talhamento generalizado por encaixamento dos rios aspecto muito mais imponente e sugestivo do que o
principais, estabelecimento de pequenas depressões da planície de inundação amazônica. Trata-se, aliás,
periféricas entre a borda interior da faixa sedimentar de um outro domínio de paisagens, com outros pro-
costeira e os terrenos mais antigos do interior. Não blemas de drenagem e de morfologia de detalhe.
faltam, como veremos, pequenos alinhamentos de Mercê de sua posição no médio Vale do Pa-
cuestas com o front voltado para o interior e o reverso raguai, a grande planície de Mato Grosso é drenada
descaindo em rampa suave na direção do oceano. É por rios de largura incomparavelmente menor do
esse, exatamente, o caso dominante no relevo dos que o Amazonas, os quais formaram uma área de co-
tabuleiros ligeiramente empenados que rendilham a alescência de águas, nesse compartimento de relevo,
costa leste e nordeste do país. que é quase inteiramente circundado por escarpas
A expressão tabuleiro, que ali surgiu e se tornou de erosão e blocos de montanhas rejuvenescidas. A
tradicional, pretende lembrar uma espécie de meseta moldura de relevos, que enquadram o Pantanal pelo
larga, baixa e alongada, à semelhança das bandejas leste, é das mais variadas, já que ali o Planalto Bra-
retangulares de madeira usadas pelas doceiras am- sileiro termina através de escalões de diversos tipos:
bulantes da região, quando emborcadas. Tal como se a base cristalina, exumada e rejuvenescida, os fronts
usa a expressão chãs para designar os altos horizon- mais orientais das cuestas desse quadrante da Bacia
talizados das chapadas, estende-se aquele termo aos do Paraná e maciços rejuvenescidos, referidos ao Pa-
interflúvios achatados dos tabuleiros, parcialmente leozoico inferior, afetados por uma tectônica que-
mantidos por crostas ferruginosas. brável de idade relativamente moderna*. Por outro
Na área de domínio dos tabuleiros no Nor- lado, vales obsequentes e subsequentes, através de
deste Oriental do Brasil, as planícies litorâneas, percées as mais diversas, retalham a borda dos pla-
ligadas à sedimentação recente ou em processo, naltos sedimentares sul-mato-grossenses e as estreitas
são muito estreitas, restringindo-se aos desvãos cristas das montanhas rejuvenescidas regionais, pos-
mais largos feitos pelos rios que, após atravessar os sibilitando a expansão remontante da sedimentação
tabuleiros, atingem a costa, como é o caso dos fluvial pelos desvãos festonados das cuestas e serras,
baixos cursos dos rios pernambucanos e paraibanos, numa multiplicação dos chamados “pantanais”. En-
que vão ter diretamente ao mar. “Rias”, parcial ou quanto as bordas do planalto alcançam 400 ou 500
completamente colmatadas, são comuns na embo- metros, as rasas planícies ficam entre 130-150 me-
cadura desses cursos d’água. Exceção feita desses tros por centenas de quilômetros. Blocos de monta-
sulcos mais largos das embocaduras assoreadas dos nhas, originadas pelo ressalientamento tectônico das
rios, os tabuleiros terminam bruscamente na linha formações paleozoicas inferiores, restaram ilhados
de costa ou próximo dela, através de paredões de no meio de planura, até a altitude de 1.160 m, como
abrasão íngremes e contínuos, conhecidos por é o caso do rico Maciço do Urucum, na região de
barreiras. Trata-se, no caso, de extensos alinhamentos Corumbá. Para o norte, passa diretamente do Pan-
de falésias esculpidas em material homogêneo, for- tanal para o pediplano interiorizado, conhecido sob
mado por camadas horizontais e sub-horizontais o nome de Peneplano Cuiabano**, talhado em rochas
muito sensíveis à abrasão. Na base desses alinha- pré-cambrianas da Série Cuiabá, área onde as alti-
mentos de falésias, que solapam o baixo platô are- tudes sobem ligeiramente, atingindo de 180 a 250 m.
noso regional, veem-se estreitas praias colmatando O Pediplano Cuiabano, por seu turno, fica como que
ligeiramente as rasas enseadas dispostas em meia lua, interposto entre o Pantanal e as cristas rejuvenes-
enquanto as pontas das mesmas restam constante- cidas, que precedem o peneplano exumado do alto
mente ao sabor das vagas (como é o caso do Cabo Juruena e a Chapada dos Parecis. A nordeste, a Cha-
Branco, na Paraíba).
* Almeida, Fernando Flávio Marques de. “Geomorfo-
Tabuleiros e planícies restritas foram os pe-
logia da região de Corumbá”, 1943.
quenos quadros topográficos que serviram de sítio
urbano para as cidades litorâneas do Nordeste, apre- ** Almeida, Fernando Flávio Marques de. “O Alto São
sentando, cada um deles, vantagens e problemas. Lourenço”, 1946; “Reconhecimento geomórfico nos planaltos
A despeito de ser uma das menos estudadas, divisores...”, 1948. O próprio autor reconhece, atualmente,
a mais típica das grandes planícies brasileiras é a do tratar-se de um pediplano e não de um peneplano (informação
Pantanal Mato-Grossense. Trata-se de um dos nú- verbal). Por esta razão, o Morro de Sto. Antônio de Leverger
cleos das planícies centrais sul-americanas (Planícies deve ser considerado um inselberg.
chaco-pampeanas), colocado à margem dos rebordos Vide, também, os estudos de Jean Demangeot: “Problèmes
ocidentais e norte-ocidentais do Planalto Brasileiro. morphologiques du Mato Grosso central”(1960) e “Esquisse
Possuindo 200 a 250 km de largura média, no sentido géologique du haut Guaporé (Amazonie)”, 1959.

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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pada dos Guimarães descai diretamente para o Pe- dos rios pantaneiros sofrem inundações graduais e
diplano Cuiabano, sendo sucedida, mais para o norte irregulares, deixando a escapo das águas tratos de
ainda, pelas chapadas do Roncador. É de se lembrar terrenos firmes. Descrevendo meandros divagantes
que, do lado boliviano, a noroeste do Pantanal e sucessivos, os canais dos rios principais se destacam
oeste do Pediplano Cuiabano, existem algumas áreas perfeitamente nas rasas planuras, enquanto minús-
de relevo mais saliente, que completam o irregular culos sistemas de drenagem anastomosadas vêm
anfiteatro que circunda a parte norte desse compar- morrer nas partes onde o empoçamento das águas
timento deprimido do território brasileiro. Foi, pro- ribeirinhas foi mais pronunciado. Outros labirintos
vavelmente, em função de tal esquema fisiográfico, de canais mais largos, por seu turno, interligam la-
que Francis Ruellan identificou a depressão do Pan- goas e rios, facilitando a compensação das águas du-
tanal e do Peneplano Cuiabano como uma espécie rante as cheias. Trata-se de uma feição local única
de larga boutonnière da porção central da América do de drenagem anastomosada, já que aí os sedimentos
Sul. Indiscutivelmente, o conjunto a que aludimos são relativamente finos e o clima e tropical úmido,
encontra-se embutido no eixo de um núcleo bom- ficando o processo relacionado mais diretamente
beado e deformado do Escudo Brasileiro (no caso, o com a desmesurada largura da planície, com seus
Núcleo Bolívio-Mato-Grossense, conforme proposição multivariados compartimentos rasos e com a com-
sugestiva de Josué Camargo Mendes)*. Tudo induz plexidade do organismo fluvial ali instalado. Note-
a crer que aquela grande depressão se ligou a uma se que as lagoas-em-ferradura mais isoladas, situadas
superimposição hidrográfica pós-cretácea, que coin- em antigas depressões intermeândricas da grande
cidiu com o eixo de bombeamento regional do Es- planície, são as que mais facilmente podem isolar-se
cudo Brasileiro; entretanto, pouco ou quase nada se e tornar-se circulares, atingindo às vezes um isola-
sabe da contribuição que a tectônica moderna possa mento tão completo que facilita a concentração de
ter tido em sua formação. O certo é que, fixada a dre- sais em suas praias. Entretanto, para este caso, como
nagem de norte para sul, ela conseguiu desventrar o em relação à planície amazônica, não pretendemos
abaulamento dos maciços antigos regionais, criando esmiuçar a rica terminologia de detalhe e de caráter
condições para a formação de cuestas e ladeiras de regional usada para com os diversos elementos da
chapadas nos flancos de larga e irregular boutonnière. drenagem e dos baixos-relevos da grande planície.
Quem conhece o sistema de cuestas concêntricas de Está para surgir, ainda, em nossa bibliografia, um
front externo da Bacia do Paraná, sabe o quanto é di- trabalho que explore o tema, à moda do que foi feito
fícil explicar a passagem brusca, sofrida pelo arranjo recentemente por Gilberto Osório de Andrade em
das escarpas de erosão à altura dos quadrantes me- relação aos furos, paranás e igarapés amazônicos**.
ridionais do Pantanal e do Pediplano Cuiabano. A Sobre a gênese, propriamente dita, da Planície
aplicação do conceito de boutonnière àquela porção do Pantanal ainda muito haverá o que dizer após
do extremo nordeste da Bacia do Paraná, na área de a feitura de novas sondagens na região***. Somente
transição para o domínio das chapadas do Roncador assim ficará confirmada ou não a ideia, atualmente
e dos Parecis, poderia resolver parcialmente os pro- vigorante, de que as aluviões quaternárias da planície
blemas de interpretação da geomorfologia regional, o se assentam extensivamente sobre formações pré-de-
que fortalece, em muito, a ideia original de Ruellan. vonianas, na forma de uma lâmina de depósitos mo-
Enquanto a padronagem da drenagem da dernos de pouco mais de meia centena de metros. É
planície amazônica constitui um dos mais perfeitos possível, por outro lado, que o principal responsável
tipos de rede hidrográfica de planícies de inundação, pela ação de barragem sofrida pelo Paraguai e seus
a drenagem do Pantanal representa um outro caso afluentes pantaneiros tenha sido um discreto sistema
original e digno de figurar como protótipo. A am- de deformações ligado à reativação recente das falhas
pliação da grande planície, em largura, favoreceu uma
outra compartição para as imperceptíveis formas de ** Andrade, Gilberto Osório de. “Furos, paranás e iga-
relevo dos plainos aluviais, redundando num mo- rapés”, 1956.
saico irregular de terras alagadas e alagáveis, ao lado
*** Existe apenas uma referência a sondagens no Pantanal,
de áreas não mais sujeitas à expansão das cheias, a divulgada por Fernando M. Almeida (1945), a qual atingiu a
despeito de não serem verdadeiros terraços. Lagoas 83 metros em aluviões modernas, sem atingir o embasamento.
circulares, quase que perfeitas, restaram nas manchas Esperam-se novos dados das perfurações que a Petrobrás vem
de terras enxutas não mais sujeitas à ação das inun- de fazer na área.
dações anuais ou periódicas dos principais cursos O estudo do baixo relevo do Pantanal, iniciado por Fer-
d’água que cortam o Pantanal. Enquanto isso acon- nando de Almeida, foi recentemente bastante desenvolvido por
tece, por dezenas de quilômetros as terras ribeirinhas Herbert Wilhelmy, da Alemanha, em estudo ainda pouco di-
vulgado no Brasil. Wilhelmy soube captar bem a originalidade
* Mendes, Josué Camargo. “Súmula da evolução geoló- da padronagem da rede hidrográfica do Pantanal, assim como a
gica do Brasil”, 1945. excepcional compartimentação rasa que o caracteriza.

277
e fraturas das montanhas em bloco da região. Nada bem melhor servida, já que tem merecido estudos re-
se pode dizer sobre o assunto, entretanto, até o es- gionais mais acurados por parte de diversos especia-
tado atual dos conhecimentos sobre a região*. listas em Geologia e Geomorfologia. Seu escudo, no
Uma questão de nomenclatura se impõe, para entanto, escapa ao plano do presente trabalho, pois
finalizar as ligeiras anotações que vimos de fazer será motivo para observações especiais no capítulo
sobre a Planície do Pantanal Mato-Grossense. Lem- sobre o litoral brasileiro, desta obra.
bramos que, muito embora seja comum o uso da ex- Não queremos deixar de nos referir, ainda que
pressão Pantanal ou Planície do Pantanal, a expressão de passagem, às chamadas planícies de compartimento
mais correta talvez fosse Baixada Mato-Grossense, de planaltos, existentes nas mais diferentes áreas dos
conforme optou há tempo Sílvio Froes de Abreu**, planaltos brasileiros, em altitudes também as mais
sustentando-se em uma informação oportuna de variadas. Trata-se do único grupo de planícies de
Glycon de Paiva. É assim que este último autor, ao nosso território que não tem qualquer continuidade
qual devemos algumas das melhores observações espacial. Daí não serem especificadas nas classifica-
geográficas sobre a região, esclarece: “cumpre não ções de conjunto sobre o relevo brasileiro. Entre-
confundir baixada e pantanal, este fração apenas da- tanto, além de constituírem pequenas amostras dos
quela. Pantanal é tudo quanto, na Baixada, jaz até a problemas morfológicos do interior dos planaltos,
altitude de 110 metros; por outras palavras, é o lugar têm especial importância humana e econômica, pois,
dos leitos maiores dos cursos da Bacia Paraguaia, a além de serem sítios favoráveis para diversas ativi-
superfície formada pela coalescência destes, espécie dades agrárias, servem também para asilar agrupa-
de igapó paraguaio, sem floresta todavia”***. Daí ex- mentos de habitat rural, pequenas aglomerações
plicar-se a existência não de um Pantanal, mas de suburbanas, vilarejos e, até mesmo, cidades de certa
muitos “pantanais” no interior da grande planície. expressão. Cumpre dizer que, entre nós, aparecem
Com relação às planícies costeiras brasileiras, diversos tipos de planícies de compartimentos de
queremos lembrar que, se é verdade que se restringem planalto, não poucas dentre elas associando planícies
a trechos mínimos do litoral nordestino oriental, é aluviais de inundação e baixos terraços aluviais. É de
certo também que adquirem uma expressão maior se notar, porém, que outras delas se encontram ani-
em outras áreas de nossa faixa costeira. É de se lem- nhadas nos largos vales que seccionam as pequenas
brar, também, que se encontram distribuídas por bacias sedimentares lacustres ou fluviolacustres dos
todo o litoral brasileiro, do Amapá ao Rio Grande fins do Plioceno (bacias de São Paulo, Taubaté,
do Sul, na categoria de planícies de origem mistas Curitiba, Volta Redonda), enquanto a esmagadora
— fluviais, fluviomarinhas e marinhas. De sua gênese maioria das pequenas planícies ocupam comparti-
participaram outros processos geológicos peculiares mentos alveolares embutidos entre morros e espo-
à faixa costeira, havendo motivos para se apelar para rões de maciços antigos, na confluência de pequenos,
a hipótese dos movimentos eustáticos a fim de se ex- médios ou grandes cursos d’água, atrás de soleiras de
plicar alguns de seus problemas. rochas duras ou ao longo dos trechos onde os grandes
No que diz respeito às planícies costeiras, de- rios já conquistaram um certo perfil de equilíbrio.
vemos dizer que a nossa bibliografia científica está Suas aptidões agrárias variam muito de acordo com
sua fertilidade, sua situação geográfica, seu clima e
* A média das opiniões hoje dominantes entre os geo- salubridade, assim como em face do equipamento
morfólogos brasileiros (Almeida, Barbosa, Sternberg, Ab’Sáber técnico dos que nela vivem.
e Demangeot) pende francamente para uma interpretação tec- Neste ponto, devemos lembrar que não há ne-
tônica do Pantanal. Se é que não acreditamos em quaisquer nhuma relação entre a grandeza espacial das planí-
interferências tectônicas para explicar a planície aluvial amazô- cies brasileiras e a sua produtividade e riqueza pedo-
nica, aceitamos inteiramente a validade de tais argumentos para lógica. Mesmo no interior da Planície Amazônica,
o caso do Pantanal, situando o problema em termos de tectô- inúmeras são as variações regionais do comporta-
nica residual pós-Pediplano Cuiabano, tal como no fundo pensa mento agrícola das planícies, o qual varia segundo o
Fernando de Almeida. A este pesquisador se deve a melhor e
tipo de aluviões transportadas pelos rios e as zonas
mais razoável interpretação genética do Pantanal (“The West
plateau and Mato Grosso Pantanal” (1956), e “Traços gerais da
geológicas atravessadas em seus cursos, sendo dignos
geomorfologia do Centro Oeste Brasileiro” (1959, pp. 58-59). de ser lidas e meditadas as observações de Harald
Em “A propósito de meandros”, Hilgard Sternberg (1957), com Sioli em torno do assunto****. A Planície do Pantanal,
base nas ideias de Almeida, faz um esforço para demonstrar in- mercê de sua situação geográfica e de suas aptidões
dícios dessa tectônica moderna em aerofotos. agropecuárias, não favoreceu até hoje a expansão de
atividades puramente agrícolas, a despeito de exis-
** Abreu, Sílvio Froes. “Fundamentos geográficos da mi-
neração no Brasil”, 1945, pág. 46. **** Sioli, Harald. “Sobre a sedimentação na várzea do
baixo Amazonas”, 1951; “Alguns resultados e problemas da
*** Paiva, G. de e Leinz (V.), “Contribuição para a geo- limnologia amazônica”, 1951.
logia de petróleo no sudoeste de Mato Grosso”, 1939.
278
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
14

tirem pequenas plantações de canaviais na Planície lados pelas áreas de subsidência das bacias do Paraná,
do Paraguai, na faixa de transição entre o Pediplano Maranhão-Piauí, São Francisco e Amazonas.
Cuiabano e os confins setentrionais do Pantanal Tudo indica, mesmo, que na fase pré-devo-
(região de Santo Antônio de Leverger e Cuiabá)*. niana - ou seja, antes que se tivessem delineado as
Arrozais extensos e hortaliças constituem o quadro grandes bacias sedimentares brasileiras -, nunca
de ocupação da principal planície de compartimento existiu um verdadeiro Planalto Brasileiro. Naqueles
de planalto das terras altas do Brasil Sudeste: trecho remotos tempos geológicos do Paleozoico inferior
paulista do Vale do Paraíba. Enquanto isso se dá, deviam dominar, ainda, áreas de montanhas elevadas
no Rio Grande do Sul as extensas planícies dos rios e cordilheiras ligadas aos ciclos orogênicos pré-
que se situam nas depressões periféricas do interior cambrianos e eocambrianos, estando o conjunto em
e no baixo curso daqueles que vão ter à Lagoa dos franco processo de erosão, extensiva e generalizada.
Patos estabeleceu-se uma vasta área de plantações de No Siluriano, mares rasos, marcadamente
arroz, às vezes numa simbiose original com as ati- epicontinentais, aproveitando-se de um corredor de
vidades pecuárias da Campanha. Nas planícies cos- fragilidade tectônica (leste-oeste), existente entre
teiras, apenas as porções dominantemente aluviais Brasília e Goiânia, deram início à separação entre os
constituíram áreas preferenciais para a instalação de dois principais blocos de estruturas antigas do país.
atividades agrárias de monta, situando-se aí alguns Mais tarde, no Devoniano, como no Carbonífero e
canaviais nordestinos e fluminenses, assim como os no Permiano, os aludidos mares rasos, procedentes
extensos bananais paulistas e grandes plantações de da faixa geossinclinal pré-cordilheirana, transgre-
cebolas e arroz do Rio Grande do Sul. diram fundo no dorso do Escudo Brasileiro, rede-
Para concluir essa visão panorâmica do quadro finindo a bacia sedimentar amazônica e esboçando
de planícies brasileiras, queremos fazer uma alusão às as áreas de sedimentação gondwânica das bacias do
suas drenagens labirínticas e seu especial significado Paraná e Maranhão-Piauí, eventualmente ajudados
para o estudo dos padrões de drenagem das áreas de pela carga de sedimentos terrígenos das glaciações
planícies em geral. A rigor, cada um dos quatro do- carboníferas.
mínios de planícies do território brasileiro apresenta É de se notar que a longa história erosiva
protótipos de padrões de drenagem de planície, com pós-cambriana e pré-devoniana, que ocasionou
diferentes tipos de anastomoses e labirintos. Cremos a redução parcial dos antigos sistemas de do-
que tais padrões de esqueleto de drenagem de pla- bras brasileiros, através da formação de extensos
nícies inundáveis podiam ser denominados como paleoplanos, facilitou, sobremaneira, a penetração
padrões labirínticos e subdivididos em quatro tipos: dos mares rasos devonianos no interior do Escudo
o amazônico, o pantaneiro, o vale-paraibano e o tro- Brasileiro, que, na época, se comportava, através de
pical-atlântico costeiro. Todos eles possuem marcante extensas áreas, como plataforma marginal da geossin-
individualidade, refletindo complexas condições clinal pré-andina, conforme observação de Kenneth
hidrológicas e implicando uma compartimentação Caster***. Tais transgressões pioneiras, responsáveis
especial para a morfologia de detalhe das grandes pela gênese das bacias do Paraná e Maranhão-Piauí,
planícies intertropicais Brasileiras**. foram realizadas pari passu com o aperfeiçoamento
da peneplanização e a inumação dos paleoplanos
O quadro paleogeográfico que precedeu a então criados. Daí por diante, até o fim do Paleo-
desnudação cenozoica no Planalto Brasileiro zoico, a sedimentação marinha e, eventualmente, ter-
rígena prosseguiu ativa, enquanto os terrenos ainda
O Planalto Brasileiro, a rigor, só adquiriu os salientes do velho Escudo Brasileiro continuavam a
elementos essenciais de seu relevo após o Meso- fornecer sedimentos e a perder altura e relevo.
zoico, ou seja, após o término da sedimentação cre- Após o Permiano (período em que o país ainda
tácica no interior do país, através do soerguimento se achava em nível tectônico baixo, possibilitando a
de conjunto que sobrelevou, a um tempo, os velhos existência de mares rasos remanescentes), houve um
núcleos de escudo e a carga de sedimentos páleo e extravasamento da sedimentação por sobre áreas
mesozoicos, que se encontrava anichada em suas ba- cristalinas periféricas às grandes bacias paleozoicas.
cias sedimentares intercratônicas. Anteriormente, os Ponderáveis massas de sedimentos (dominante-
principais núcleos de formações arqueozoicas, pro- mente terrígenos, triássicos e cretáceos), após preen-
terozoicas e eopaleozoicas de Brasília estavam iso- cher total ou parcialmente a área de sedimentação
anteriormente delineada, abrangeram novas depres-
* Melo, Mário Lacerda de. “A região ribeirinha do sões rasas estabelecidas em pleno dorso, até há pouco
médio Cuiabá” (julho de 1953), 1957. saliente do Escudo Brasileiro.

** Ab’Sáber, Aziz Nacib. “Tipos de drenagens labirín-


ticas do Brasil”, 1959. *** Observação verbal (1948).

279
para a criação de uma nova depressão tectônica
Wilhelm Kegel*, tecendo criteriosos co- rasa, à altura do oeste paulista, sul de Mato Grosso,
mentários sobre a paleogeografia da Bacia do Triângulo Mineiro e sudoeste de Goiás, onde ha-
Maranhão-Piauí (por ele designada Bacia do Par- veria de se depositar a Série Bauru. Não fosse essa
naíba), fixou o momento geológico em que a bacia deformação pós-permiana, forçada pelo acúmulo
paleozoica regional perdeu sua autonomia, possibi- assimétrico dos derrames basálticos, os horizontes
litando o transbordamento da sedimentação pelas marinhos da Formação Irati não estariam, hoje, em
áreas cristalinas adjacentes. São palavras suas: posições altimétricas tão diferentes e anômalas, nos
diversos Estados do Brasil Meridional, e, o que é mais
Sendo a formação triássica, Motuca, a primeira importante, as camadas de carvão sul-brasileiras não
que se espalha amplamente para fora dos limites estariam situadas em áreas geográficas tão diferentes
então existentes, é claro que a autonomia geo- dos compartimentos de relevo regional***.
lógica da bacia acabou e, posteriormente, todos Karl Beurlen****, que nos últimos anos tem re-
os processos geológicos se desenvolveram dentro visto alguns dos problemas paleogeográficos da
de um espaço muito amplo”(...) As formações Bacia do Paraná, é de opinião que as grandes efusões
mais recentes jazem em discordância nas mais basálticas da Série São Bento fizeram cessar o ca-
antigas, em áreas muito restritas: o Cretáceo é ráter epirogênico, de comportamento relativamente
transgressivo dentro e fora da bacia, e. g., a For- estável, da sinclinal paranaense durante o Paleozoico,
mação Codó no Maranhão e Santana na Serra criando deformações tectônicas de novo estilo no in-
do Araripe. terior da bacia. São observações suas as que se se-
guem:
Na metade sul do Escudo Brasileiro, durante
o Triássico, após a regressão completa dos mares No Mesozoico a atual Bacia do Paraná, com o
rasos permianos, e diretamente relacionado com grande lençol basáltico, estava dividida por um
as mudanças climáticas que afetaram todo o he- abaulamento transversal - direção O-E -, abaula-
misfério austral, instaurou-se um regime desértico, mento paranaense, em uma bacia setentrional (Ba-
que acarretou a deposição de arenitos eólicos acima cia de Bauru) drenada para o norte, precursor do
das formações permianas, em toda a imensa área da alto Paraná, dirigido para a Bacia do São Fran-
Bacia do Paraná. A preservação dessas camadas ter- cisco [sic], e em uma bacia meridional, drenada
rígenas, geradas em ambiente de aridez extremada, para o sul, pelo precursor do Rio Uruguai (...)
somente se tornou possível devido à interferência Só no Terciário reuniram-se estas duas bacias
do processo endógeno, que ocasionou as erupções parciais, formando a atual bacia pela inversão do
em massa de lavas basálticas, ao lado de penetrações alto Paraná para sul, em consequência de movi-
de diabásio, em corpos intrusivos dominantemente mentos epirogênicos e do afundamento da bai-
do tipo sill. É indispensável lembrar que o conjunto xada do Rio Paraguai.
complexo de derrames e sills, que entremeia as for-
mações areníticas triássicas na bacia sedimentar do É importante assinalar, por outro lado, que os
Rio Paraná, foi responsável pela futura elaboração sistemas erosivos triássicos devem ter comportado
dos patamares internos do atual relevo do Brasil intensas fases de aplainamento relacionadas com re-
Meridional. Apenas, há que lembrar o fato de ter motos processos de pediplanação*****. Isto, porém, não
havido um empilhamento desigual de massas de importa em dizer que todas as altas superfícies de
lavas no sul do país: no setor norte, as lavas extrava- erosão do território brasileiro, mormente aquelas si-
saram e se acumularam em terras baixas, no interior tuadas no dorso superior dos núcleos de bombea-
de uma vasta bacia arenosa, circundada por maciços mento locais do Escudo Brasileiro, estejam sempre
antigos cristalinos elevados; enquanto, no sul, for- relacionadas com um aplainamento em condições
maram, desde o início, um verdadeiro platô basál- áridas ou semiáridas. Aqui, como alhures, nas re-
tico, devido ao monstruoso volume dos derrames ali giões intertropicais, inúmeras foram as variações de
empilhados, conforme constatação feita por Viktor processos erosivos, alternando-se peneplanações e pe-
Leinz**. Foi desta forma que a pilha de lavas criou
saliências mais destacadas ao sul do Paraná - o Es- *** Ab’Sáber, Aziz Nacib. “Notas sobre a estrutura geoló-
tado do Paraná passou a comportar-se como uma gica do Brasil”, 1955, p. 126.
espécie de geoanticlinal - e deixou oportunidade
**** Beurlen, Karl. in Relatório Anual do Diretor (1955),
* Kegel, Wilhelm. “As inconformidades na Bacia do 1956, pp. 94-95.
Parnaíba e zonas adjacentes”, 1956.
***** AB’SÁBER (Aziz Nacib), Sucessão de quadros paleoge-
** Leinz, Viktor. “Contribuição à geologia dos derrames ográficos no Brasil, do triásico ; ao quaternário, 1951, pág. 63; As
basálticos do Sul do Brasil”, 1949. altas superfícies de aplainamento do Brasil Sudeste, 1954, pág. 62.

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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diplanações na elaboração de superfícies aplainadas, escavação, durante o Jurássico, que teria preparado
conforme ponderou com muita razão o Professor o teatro para sedimentação terrígena da Formação
Jean Dresch*, ao rever as ideias gerais de Lester Bauru. Pelo contrário, tem muita razão Ruy Osório
King, a respeito das superfícies aplainadas africanas. de Freitas**** quando diz que “o Cretáceo continental
Entre nós, cessada a fase de clima excessiva- depositou-se quando o país se achou em nível tectô-
mente árido dos fins do Triássico, houve provavel- nico bem inferior ao atual, na disposição de uma legí-
mente erosão gradual das capas superiores de areias tima bacia tectônica, para garantir tal sedimentação”.
não consolidadas por derrames. Para se explicar Entretanto, as conclusões atingidas por Freitas, em
porque não se processou uma desnudação mais in- seu ensaio mais recente, a respeito dos paleoclimas
tensa no edifício arenítico-basáltico e nos terrenos contemporâneos da Sedimentação Bauru, foram um
cristalinos circunjacentes, é-se levado a conceber um pouco menos positivas, já que, após exaustiva ci-
levantamento relativamente modesto para o con- tação de tratadistas, o autor estabelece que as cores
tinente, auxiliado por uma fase ligeiramente mais das rochas sedimentares daquela formação indicam
úmida durante o hiato correspondente ao Jurássico. “condições de clima quente e úmido na área de pro-
Alguns autores fazem mesmo referências a uma hi- veniência do sedimento, alternado com estações
drografia pós-triássica e pré-cretácea no Estado de áridas”*****. Se é que os minuciosos estudos sedimen-
São Paulo, assinalada por conglomerados fluviais, tológicos, de Ruy Osório de Freitas modificam subs-
observáveis na base das camadas areníticas da For- tancialmente as concepções geológicas anteriores a
mação Bauru. Não se trata de um argumento deci- respeito da faciologia e do ambiente de deposição
sivo, entretanto, mesmo porque o período jurássico da Série Bauru, é importante assinalar que, ao lado
não deixou, ao que parece, nenhum bom documento da aludida sedimentação fluvial extensiva (tipo Pan-
sedimentológico, válido para especulações em torno tanal Mato-Grossense atual, segundo se pode ima-
da paleogeografia da época, enquanto a Formação ginar), deve ter havido fases lacustres eventuais como
Bauru pode apresentar vários horizontes de conglo- o atestam certos calcários do Triângulo Mineiro. Por
merados fluviais, devido à sua fácies dominantemente outro lado, tais depósitos, provavelmente ligados a
fluvial, conforme Ruy Ozório de Freitas** pôde esta- fases endorreicas temporárias, indicam condições
belecer através de exaustivo estudo sedimentológico. climáticas semiáridas bem mais prolongadas do que
meras “estações áridas”.
Moraes Rego***, referindo-se ao ciclo erosivo
pós-triásico e ao abaixamento cretáceo no interior Para Lester King******,
paulista, diz:
(...) após a emissão das lavas réticas, a desnudação
Por ocasião do abaixamento eocretáceo não se prevaleceu praticamente em todo o Brasil. Só lo-
encontrava completamente peneplanizado o calmente se acumularam arenitos vermelhos (Sé-
país. Assim indicam as ondulações da superfície rie Uberaba). Prolongando-se por todo o período
de contato entre o arenito Bauru e as camadas jurássico, a fase erosiva reduziu a superfície, em
mais antigas da Série São Bento. Tendo em vista todos os lugares [sic] a uma planície extraordi-
a posição das formações marinhas da época eo- nariamente uniforme, que inclui, algumas vezes,
cretácea, é plausível admitir a drenagem dirigida fragmentos já arrasados da superfície desértica
para oeste ou sudoeste. Daí, veio, por força do triássica ou sub-Botucatu.
abaixamento, a inundação, fatora da sedimenta-
ção cretácea. A leste, o mar se encontrava muito Pode-se dizer que, do Triássico para o Cre-
distanciado, quiçá não existindo nas latitudes táceo, no dorso do Escudo Brasileiro, parcialmente
consideradas. Não obstante, é possível ter existi- recoberto por formações paleozoicas, passaram a do-
do a leste da costa atual outro sistema de drena- minar as últimas fases equilibradas de fenômenos de-
gem, sobre o qual não é absurdo supor traçado,
em parte pelo menos, sobre o continente atual. **** Freitas, Ruy Osório de. “Ensaio sobre a tectônica mo-
derna do Brasil”, 1951, p. 24.
***** Freitas, Ruy Osório de. “Sedimentação, Estratigrafia e
Cumpre lembrar que não foi uma simples Tectônica da Série Bauru”, 1955, pp. 106-110 e 175. Recente-
mente, em novembro de 1960, Goñi, Bigarella e Ab’Sáber iden-
* Observações verbais por ocasião do XVIII Congresso tificaram depósitos de caliches na parte média das formações se-
Internacional de Geografia (Rio de Janeiro, agôsto de 1956). dimentares do Triângulo Mineiro, correlacionáveis à Formação
Bauru. Fica, assim, documentada a existência de climas semiá-
** Freitas, Ruy Osório de. “Sedimentação, Estratigrafia e ridos (e, no caso, tropicais) em diversos momentos do Cretáceo
Tectônica da Série Bauru”, 1955, pp. 176-177. superior, na Bacia do alto Paraná.

*** Rego, Luiz Flores de Moraes. “Notas sobre a geomor- ****** King, Lester C. “A Geomorfologia do Brasil Oriental”,
fologia de São Paulo e sua gênesis”, 1932, pp. 7-8. 1956, p. 162.

281
nudacionais e deposicionais, as quais afetaram áreas tão somente, as massas principais de sedimentos ani-
dentro ou fora das grandes bacias anteriormente chados em sinclinais mais bem definidas. Entre as
formadas. Havia relativamente pouco o que reduzir formações cretáceas do Maranhão (alojadas dentro
em altitude nas olds lands e nas áreas sedimentares da bacia, acima dos depósitos paleozoicos) e as do
ou basálticas salientes, mas, em compensação, o con- sul do Ceará (assentadas diretamente sobre o crista-
junto de planaltos e bacias da época apresentava ex- lino), já devia existir, antes do irregular soerguimento
tensões agigantadas e áreas, até certo ponto, equiva- epirogênico que afetou toda a região, uma espécie de
lentes. Daí - ao passo que vastas áreas dos antigos antiga escarpa do Ibiapaba, embrionária e rasa, for-
núcleos de escudos, postados entre as bacias paleo- mada pelos arenitos mais resistentes dos estratos de-
zoicas, sofriam aplainamento extensivo -, ter ha- vonianos. Não é impossível, mesmo, que as escarpas
vido, concomitantemente, um preenchimento quase precursoras da atual Serra Grande não tivessem o
completo das zonas deprimidas do interior das alu- seu front bem mais para leste, com parcial inumação
didas bacias, acompanhado de eventuais extravasa- pela cobertura cretácica da área do Araripe.
mentos da sedimentação pelas bordas das principais É importante lembrar, por outro lado, que, a
delas. Assim se explicariam os depósitos triássicos e partir do Cretáceo, os mares orientais (provenientes
cretáceos continentais que circundam parcialmente da expansão do Atlântico) começaram a se acercar,
a Borborema, pelos seus quadrantes interiores, e que cada vez mais, da face leste sul-americana, ao tempo
penetram, depois, pelo médio São Francisco até o em que grandes massas oceânicas, forçadas por um
norte de Minas Gerais. Assim, também, poderiam mecanismo tectônico de difícil explicação, estrangu-
ser explicados os depósitos triássicos e cretáceos laram definitivamente as principais seções do conti-
da Bacia dos Parecis, no noroeste de Mato Grosso, nente de Gondwana. É de se lembrar que, enquanto
como os depósitos tidos como cretáceos da Bacia do as bacias sedimentares mesozoicas que envolviam a
Roncador, no centro-norte daquele mesmo Estado, e Borborema pelo interior eram terrígenas, os depó-
as formações cretáceas transgressivas que, a partir do sitos cretácicos do Rio Grande do Norte, assim como
Triângulo Mineiro, se estendem até Araxá e Patos de todos aqueles situados na zona litorânea oriental,
Minas, além dos testemunhos de arenitos triássicos na Paraíba, em Pernambuco, em Alagoas e Sergipe,
encontrados no Planalto de Poços de Caldas, retidos como na Fossa da Bahia, foram gerados pelas pe-
pelas intrusões alcalinas. Note-se que nenhuma netrações pioneiras dos mares cretácicos. É fora de
dessas formações geológicas foi submetida a estudos dúvida que o novo arranjo de massas oceânicas cretá-
faciológicos de leve comparáveis àqueles realizados cicas, em torno dessa porção do Nordeste Brasileiro,
por Freitas em relação à Formação Bauru, no Estado deve ter contribuído para amenizar sensivelmente as
de São Paulo. Entretanto, por muitos de seus carac- condições climáticas imperantes nas fases anteriores,
terísticos sedimentológicos, elas denotam condições fato que, como já salientamos*, nem sempre tem sido
ambientais bem mais úmidas do que dominantes na considerado nas especulações paleogeográficas de
época da sedimentação da Série São Bento, posto conjunto para o Brasil.
que algumas apresentem, eventualmente, indícios de Desta forma, ao se findar o Cretáceo, a área
semiaridez. sedimentar que recobria o Escudo Brasileiro era bem
Na direção da Bacia Amazônica, após as rasas maior que os 2/3 atualmente observáveis nos mapas
bacias cretácicas mato-grossenses da época (área geológicos de conjunto. Entretanto, cumpre não
Roncador e área Parecis, parcialmente recorrentes, exagerar em demasia a área de extensão pura e sim-
segundo tudo leva a crer), havia uma faixa crecácica ples da sedimentação cretácea, como erradamente o
limitada ao sinclinal amazônico, e, bem mais para o fizemos em trabalho anterior**. Na realidade, o que
norte, onde hoje são encontradas as formações se- ampliava a área sedimentar que na época recobria o
dimentares altimetricamente mais elevadas do país, Escudo Brasileiro, era, a um tempo, todo o mosaico
existia uma outra bacia sedimentar intercratônica, complexo e de difícil reconstrução gráfica, corres-
separada de suas congêneres, que era a Bacia de Ro- pondente a formações mesozoicas, depositadas em
raima, em geral tida como triásSsica ou cretácea, épocas diferentes no dorso dos terrenos paleozoicos
mais extensa em território venezuelano e guianense e cristalinos preexistentes. Por outro lado, os paleo-
do que no Brasil. espaços ocupados por sedimentos mesozoicos, ao
O importante é relembrar que, entre essas certo foram ampliados pelas zonas de sedimentação
bacias mesozoicas (nordestinas, centrais e amazô- recorrentes que, em determinado momento, contri-
nicas), assentadas diretamente sobre terrenos pré- buíram para a interligação das áreas deposicionais de
cambrianos ou situadas no interior de bacias paleo-
zoicas, havia plainos de erosão, de diferentes gêneses, * Ab’Sáber, Aziz Nacib. “Regiões de circundesnudação
ou, então, se estendiam lâminas finas de sedimentos pós-cretácea, no planalto Brasileiro”, 1949.
recorrentes, que a erosão pós-cretácea removeu com
a maior facilidade, poupando e deixando à mostra, ** Idem, ibidem, pp. 7-9.

282
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
14

São Paulo, Triângulo Mineiro, Sul de Mato Grosso, na latitude do centro sul de Goiás ** ; abaulamento
Sudoeste de Goiás com as áreas de sedimentação das transversal do Escudo que, já na fase pré-cretácica,
atuais chapadas do Roncador e dos Parecis, assim funcionava até certo ponto como divisor para a sedi-
como as áreas do centro do Maranhão, médio São mentação mesozoica da Bacia do Paraná e Bacia do
Francisco, Jatobá-Moxotó-Serra Negra, Araripe, São Francisco***. Esta cumeada centro-sudeste
estendendo-se, ainda, por zonas nordestinas onde, das terras altas do Planalto Brasileiro serviu de faixa
hoje, sua remoção foi quase completa, tais como o de separação para as drenagens do alto Paraná em re-
sertão da Paraíba, acima da formação triássica Rio lação às redes hidrográficas do São Francisco e dos
do Peixe e acima da superfície aplainada das cristas, grandes afluentes da drenagem amazônica, tais como
apalachianas regionais*. o Tocantins e o Araguaia. É de se notar, todavia, que,
para oeste, o aludido abaulamento pós-cretáceo ESE-
O problema da gênese das grandes bacias WNW atingiu áreas sedimentares devonianas e cretá-
hidrográficas brasileiras ceas, complicando localmente a posição dos divisores,
que aí ficaram estabelecidos em plena área sedimentar
As especulações em torno da idade das bacias do centro-leste de Mato Grosso. Nessa área, a recor-
hidrográficas, em países de paleogeografia mal co- rência da sedimentação continental, no Mesozoico
nhecida, conservam sempre dificuldades, até certo superior, apontada por Fernando Flávio Marques de
ponto insuperáveis. Entretanto, o território brasi- Almeida****, e mais a extensão do eixo de abaulamento
leiro, mercê do caráter extensivamente exorreico de ESE-WNW, provindo das terras altas do Brasil Su-
sua rede de drenagem e da relativa simplicidade geral deste e do centro-sul de Goiás, nos explicam suficien-
dos traçados de suas grandes bacias hidrográficas, temente porque, ali, as drenagens amazônicas e para-
torna possível algumas observações aceitáveis em guaias ficaram com seus divisores situados em plena
torno do delicado assunto. Por outro lado, o fato de zona sedimentar devoniana e cretácea.
existirem algumas redes hidrográficas, amarradas de Mais para o noroeste, ainda, 300 a 400 km ao
perto ao sistema periclinal das camadas paleo e me- norte de Cuiabá, o Planalto dos Parecis se consti-
sozoicas das principais bacias gondwânicas regionais, tuiu em outro divortium aquarum, importante para
possibilita o estabelecimento de conclusões prelimi- as drenagens amazônicas e platinas. Nestas paragens,
nares sobre o processo de estabelecimento das alu- os rios amazônicos, tais como os altos formadores do
didas redes e sobre sua idade relativa. Necessário se Tapajós e do Xingu, assim como as cabeceiras do Rio
torna lembrar, também, que a especulação em torno Roosevelt e do Gi-Paraná, após o Cretáceo, fixaram
da origem e idade das bacias hidrográficas brasileiras seu traçado para o norte, na direção da velha sinclinal
facilita, em muito, a compreensão ulterior da marcha amazônica (onde mares rasos continuaram a existir
dos fenômenos denudacionais, que se processaram até o Mioceno). Pelo contrário, o alto Paraguai e o
nos planaltos interiores do país durante a primeira alto Cuiabá restaram na contravertente meridional
metade da era terciária. do Planalto, orientados de norte para sul, sulcando
Em primeiro lugar, há que considerar que o fundo a margem oeste da Bacia do Paraná e desven-
quadro de drenagem atual do Planalto Brasileiro, em trando essa espécie de grande boutonnière regional,
suas grandes linhas, é quase inteiramente posterior conforme interessante observação de Francis
ao Cretáceo e que sua fixação dependeu, muito de Ruellan*****. Durante o Cretáceo, a área correspon-
perto, do soerguimento de conjunto que arqueou e dente à região do Pantanal e ao Pediplano Cuia-
sobrelevou o Escudo Brasileiro, após o término da se- bano ainda era bastante elevada e maciça, sendo
dimentação mesozoica. De início, também é preciso difícil explicar como a drenagem do Paraguai se
lembrar que um eixo de maior exaltação do arquea- superimpôs exatamente acima do antigo núcleo
mento pós-cretáceo, no dorso daquele Escudo, criou de escudo bolívio-mato-grossense, que, então, se
um gigantesco divortium aquarum para as drena- elevava continuamente na região ****** . Estabele-
gens que demandam a metade sul e a metade norte-
** Ruellan, Francis. “O Escudo Brasileiro e os dobra-
nordeste do grande Planalto Brasileiro. Queremos
mentos de fundo” 1952, pp. 30-31.
referir-nos principalmente ao grande lombo divisor
do Escudo Brasileiro que, a partir das terras altas *** Ab’Sáber, Aziz Nacib. “Regiões de circundesnudação
do Brasil Sudeste, se alonga até o Planalto Central, pós-cretácea, no Planalto Brasileiro”, 1949.

* Hartt, Charles Frederik. “Geology and Physical Geology **** Almeida, Fernando Flávio Marques de. “Reconheci-
of Brazil”, 1870; - Crandall, Roderic. “Geografia, geologia, su- mento geomórfico nos planaltos divisores das bacias Amazô-
primento d’água, transporte e açudagem nos Estados orientais nica e do Prata entre os meridianos 51° e 56° WG”, 1948.
do norte do Brasil”, 1910; - Ab’Sáber, Aziz Nacib. “Depres-
sões periféricas e depressões semiáridas no Nordeste Brasileiro”, ***** Informações verbais (1952).
1956.
****** Com base no estudo das direções da sedimentação
283
cida a drenagem do alto Paraguai, ao longo de uma existiam extensos, espessos e contínuos depósitos
espécie de depressão central norte-sul, na borda oeste mesozoicos.
da Bacia do Paraná, à custa de sucessivos recuos de É de se lembrar que, por muito tempo, foram
cabeceiras dos rios platinos, em encaixamento gene- levantadas hipóteses, não amarradas a estudos de
ralizado, foram conquistadas partes das áreas de dre- campo, a respeito da páleo-hidrografia do São Fran-
nagem das cabeceiras dos alongados e morosos rios cisco. Moraes Rego** aventou a ideia de que este curso
amazônicos do Planalto dos Parecis. d’água brasileiro, antes de se desviar para leste, parti-
Enquanto isso se processava, o Rio Guaporé, cipava de drenagens amazônicas; enquanto Orlando
na categoria de principal formador do Madeira, em Valverde*** lançou a hipótese de que o rio, a partir
território brasileiro, expandiu-se pela borda sudoeste da área de Cabrobó, correria originalmente para
da bacia mesozoica dos Parecis, criando uma legí- nordeste. Com base nessas especulações pioneiras,
tima depressão periférica pós-cretácica na área atual da passou-se a pensar, também, que o São Francisco
fronteira do Brasil com a Bolívia, vindo colocar suas inicialmente poderia ter sido o alto curso do Par-
cabeceiras não muito longe do Peneplano Cuiabano. naíba ou, por outra ordem de ideias, que ele poderia
Desta forma, enquanto o Rio Madeira, na categoria ter pertencido à Bacia do Jaguaribe, tendo cruzado
de grande afluente da margem sul do Amazonas, é o “corredor” de relevo deprimido, existente entre o
um rio em grande parte oriundo da superimposição Araripe e a Serra Talhada, uma das extremidades
pós-pliocênica na extensa bacia - orientando-se de ocidentais da Borborema. Recentemente, Wilhelm
SW para NE -, o Rio Guaporé é bem mais antigo, Kegel****, ao estudar cuidadosamente a geologia da
tendo-se fixado após o Cretáceo em direção diame- região limítrofe entre a Bahia e o Piauí, voltou sua
tralmente oposta, ou seja SE-NW, ao longo da de- atenção para o problema das possíveis conexões an-
pressão periférica evertida da borda meridional da tigas entre o São Francisco e o Parnaíba, resumindo
Chapada dos Parecis. Desta forma, o Guaporé e o suas observações nos seguintes termos:
Paraguai, participando de bacias hidrográficas di-
ferentes, através de incisões profundas e cíclicas, na Nas excursões que realizamos na Serra da Taba-
margem oeste do Planalto Brasileiro, quase que in- tinga, hoje divisor d’água entre os rios Parnaíba
terligaram as terras baixas ou rebaixadas, que limitam e São Francisco, não encontramos seixos de ter-
a porção ocidental dos chapadões mato-grossense e raços, apesar da atenção que tivemos para cons-
sul-amazônico. tatá-los, o que nos leva a opinar que, através dos
Enquanto esses fatos se processavam na porção trechos da serra que visitamos, não houve ligação
ocidental do país, vejamos os episódios mais prová- entre o médio São Francisco e o Parnaíba, depois
veis que se desenrolaram durante o estabelecimento do período da formação daquele altiplano da
do Rio São Francisco e do alto Paraná. Serra da Tabatinga (provavelmente formada no
O Rio São Francisco se estabeleceu de sul Terciário), e que somente teria sido possível esta
para norte, a partir do já aludido abaulamento ligação num período anterior à formação do
transversal central do Escudo Brasileiro, fixando mesmo.
seu longo traçado entre as formações mesozoicas
Areado-Urucuia e o molhe de estruturas antigas, Realmente, sobre o assunto, é somente isto que
já bastante aplainado e rebaixado, da antiga Cor- se pode dizer. Mesmo porque, cumpre não especular
dilheira do Espinhaço*. A passagem para leste, sobre as drenagens pré-terciárias da região, já que,
a fim de alcançar os litorais cretácicos (e, depois, durante o Triássico e o Cretáceo, a recorrência dos
eocênicos) da época, parece ter sido facilitada, desde sedimentos terrígenos foi extensiva, posto que irre-
cedo, pela grande depressão estrutural existente entre gular, desde o Maranhão e Piauí até o oeste da Bahia,
a Borborema e a Chapada Diamantina, onde ainda o norte de Minas e partes do interior de Pernam-
buco, Alagoas, Ceará e Paraíba*****. Devem ter sido,
cretácia (sobretudo os depósitos de cascalhos basais) do Sul de
Mato Grosso, e na marcha aparente da desnudação pós-cretá- ** Rego, Luiz Flores de Moraes. “O Vale do São Fran-
cica regional, Fernando de Almeida comprovou em definitivo a cisco”, 1936.
natureza inteiramente pós-cretácica da depressão do Pantanal
(conferência na Escola de Geologia da Univ. do Rio Grande do *** Valverde, Orlando. “Divisão regional do Vale do São
Sul, em setembro de 1960). Francisco”, 1944, p. 180.
Vide, outrossim, as ideias expostas por Jean Demangeot
em seu recente estudo “Problèmes morphologiques du Mato **** KEGEL (Wilhelm), As inconformidades na bacia do
Grosso central ” (1960). Parnaíba e zonas adjacentes, 1956, pág. 34.

* Rego, Luiz Flores de Moraes. “O Vale do São Fran- ***** Hartt, Charles Frederik. Geology and “Physical Geography
cisco” 1936. - Ab’Sáber, Aziz Nacib. “Regiões de circundesnu- of Brasil”, 1870. - Ab’Sáber, Aziz Nacib. “Depressões perifé-
dação pós-cretácea, no Planalto Brasileiro”, 1949. ricas e depressões semiáridas no Nordeste do Brasil”, 1956.

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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apenas, as irregularidades de grande raio de curvatura sição, caminham de oriente para ocidente, apenas
do levantamento pós-cretáceo que vieram servir de quando se considera o conjunto, porque, observados
planos inclinados de diferentes sentidos para o esta- mais em detalhe, eles demonstram perfeitamente o
belecimento inicial das áreas de drenagem dos altos seu roteiro em leque a partir do cristalino para o in-
formadores do Parnaíba, afluentes da margem direita terior: na porção norte e nordeste do Estado, cami-
do alto Tocantins e afluentes da margem esquerda nham de S para N e de SSE para NNW, enquanto,
do médio São Francisco. Isto porque o São Fran- na parte ocidental, do Estado, se dirigem de E para
cisco propriamente dito ficou amarrado ao eixo an- W e de ENE para WSW.
tigo da sinclinal mesozoica da Bacia Moxotó-Jatobá, O bombeamento pós-triássico determinou,
passando a ter saída fácil, desde o início, para leste. portanto, uma ligeira dispersão em leque para a dre-
Apenas as grandes flutuações climáticas modernas, nagem paranaense, enquanto o levantamento pós-
que se fizeram sentir no seu médio vale inferior e que cretácico de conjunto, além de fixar essa direção,
atingiram quase todo o leste da Bahia, determinaram determinou uma deriva da drenagem paulista para
flutuações e modificações complicadas no traçado de NW, na qualidade de participadora principal da su-
seu trecho final, fato que merece uma análise especial perimposição hidrográfica centrípeta, que se sucedeu
e mais demorada*. ao fecho da Sedimentação Bauru.
Ao sul do grande lombo-divisor transversal do Lembramos que, entre as drenagens mais an-
Escudo Brasileiro, dorsal cristalina a que tanto vimos tigas do país, certamente estão aquelas que se estabe-
aludindo, processou-se uma superimposição hidro- leceram logo após o término do vulcanismo maciço
gráfica marcadamente centrípeta, correspondente à do rético e à cessação das condições climáticas ás-
atual Bacia do Alto Paraná, a qual se estabeleceu e peras que presidiram à deposição dos arenitos Botu-
se completou passo a passo com o dessecamento e o catu e Caiuá. Formados os platôs de lavas, em posição
soerguimento da extensa área sedimentar correspon- altimétrica baixa no conjunto, porém relativamente
dente à atual Série Bauru. abaulados e salientes no oeste do Paraná e Santa
É de se notar que, em São Paulo, como no Pa- Catarina e, sobretudo, no norte e nordeste do Rio
raná, os rios que provêm das zonas cristalinas orien- Grande do Sul, estabeleceram-se, ao fim do Triássico
tais internam-se para oeste, a partir das abas conti- e no Jurássico, cursos d’água voltados para o ocidente
nentais da Serra do Mar e dos contrafortes ocidentais em todos esses três Estados meridionais do país, es-
da Mantiqueira, cruzando epigenicamente todas as boçando os cursos do Uruguai e médio Paraná.
estruturas suavemente inclinadas desse quadrante da As cabeceiras dos rios paranaenses, situ-
Bacia do Paraná. A ausência da Série Bauru, no Pa- adas no chamado Primeiro Planalto Paranaense
raná, mercê do bombeamento local da bacia na região, (outrora maciço e elevado, como se fosse uma es-
redundou em uma série de fatos geotectônicos e hi- pécie de núcleo saliente da porção sul-oriental
drográficos diferentes para os dois territórios. É pro- do Escudo Brasileiro, fato que induziu Fernando
vável que, ao tempo da sedimentação da Série Bauru, Marques de Almeida** a denominá-lo Núcleo
os terrenos paleozoicos e mesozoicos inferiores, ao Curitibano), pelo fato de transporem epigenica-
norte e no oeste do Paraná, tenham permanecido na mente a cuesta devoniana, aparentam ser o trecho
posição de old land meridional para a bacia cretácica remanescente mais antigo da drenagem do Planalto
do oeste de São Paulo, Triângulo Mineiro, sudoeste Brasileiro. Entretanto, por questões paleoclimáticas,
de Goiás e sul de Mato Grosso. Disso resultou que, geomorfológicas e tectônicas, é bem possível que a
ao se processar o grande levantamento pós-cretácico drenagem regional se tenha definido ou redefinido
do Planalto Brasileiro, tenha havido a já referida su- após o término das erupções basálticas e à cessação do
perimposição hidrográfica centrípeta do alto Paraná, regime desértico, à custa de um ligeiro empinamento
que abrangeu, grosso modo, toda a porção setentrional para oeste, ligado às deformações pós-triássicas. Por
da grande bacia sedimentar gondwânica regional. seu turno, o soerguimento e empinamento, de maior
Daí os rios paulistas caminharem de SE para NW, vulto, que se processou na borda leste e sudeste do
os do Triângulo Mineiro se orientarem de E para Planalto Brasileiro, após o Cretáceo, teria fixado a
W e SW, os do sudoeste de Goiás de N para S e de direção geral da drenagem paranaense.
NNW para SSE, e, finalmente, os de Mato Grosso Quer-nos parecer, entretanto, que os trechos
de WNW para ENE. Os rios paranaenses, por opo- remanescentes mais velhos da drenagem do Planalto
Brasileiro se encontram em minúsculas porções do
* O primeiro passo para a análise desse complexo pro- grande lombo divisor transversal do Escudo Brasi-
blema reside no melhor conhecimento dos aplainamentos ter- leiro (alto Paraná-São Francisco), assim como em
ciários, que afetaram o setentrião mineiro e boa parte da Bahia. trechos muito limitados da extensa faixa montanhosa
Nesse sentido há que aproveitar as boas informações prelimi-
nares obtidas por Jean Tricart em seus estudos em território ** Almeida, Fernando F. M. de. “O Planalto Basáltico da
baiano, parcialmente resumidos em Alguns problemas geomorfo- Bacia do Paraná”, 1956.
lógicos da Bahia (1957).
285
norte-sul do Espinhaço e altos planaltos em bloco da O relevo de cuestas no Brasil
Mantiqueira e da Bocaina. É possível, mesmo, que
as cabeceiras do Paraíba, no Planalto da Bocaina - Tratando-se de um país de bacias sedimentares
nas zonas do alto Paraitinga e alto Paraibuna, ou- intercratônicas, de tipo clássico, nosso território esteve
trora provavelmente tributários da Bacia do Paraná sujeito a demorados processos de desnudação mar-
- constituam os restos mais antigos da drenagem do ginal e circundesnudação****, responsáveis pela for-
Planalto Brasileiro. Em diversos de nossos trabalhos mação de extensos e diversificados sistemas de cuestas.
mais recentes discutimos as vicissitudes por que pas- Realmente, nas bordas das grandes bacias sedimen-
saram as drenagens dessas terras altas marginais do tares brasileiras, após longos períodos desnudacionais
Brasil Sudeste*. pós-cretáceos, foram esculpidas escarpas estruturais,
Os terrenos cristalinos acidentados, que se si- que, na maior parte das vezes, se aparentam muito
tuam entre o leste e nordeste de Minas Gerais, os de perto com os relevos de cuestas. Assim, do mesmo
estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo e o sul- modo que nas outras parcelas do continente de
sudoeste da Bahia (hoje pertencentes às áreas de Gondwana (África, Índia, Madagascar e Austrália),
drenagem dos rios Paraíba do Sul, Doce, Mucuri, aqui aparecem diferentes tipos de escarpas estru-
Jequitinhonha, Pardo e Contas), aparentemente não turais, esculpidas parte em camadas sedimentares e
estiveram sujeitos a sedimentação desde o Paleozoico parte em lavas basálticas associadas, que se empilham
inferior. Trata-se de uma das áreas que se compor- em bacias intercratônicas páleo e mesozoicas.
taram por mais tempo, como maciço antigo elevado Para a melhor compreensão da distribuição ge-
ou, pelo menos, como assinalou recentemente Lester ográfica das escarpas estruturais brasileiras, um bom
King**, uma das regiões brasileiras onde “quaisquer ponto de partida é o agrupamento das mesmas em
formações cretáceas foram removidas pela desnu- sistemas de cuestas, debaixo de um critério rigorosa-
dação durante o Terciário antigo”. mente geomorfológico. Nesse sentido, lembraríamos
Por último, resta dizer que quase nada de que o território brasileiro pode apresentar exemplos
definitivo se pode estabelecer a respeito da gê- de quase todos os tipos de sistemas de cuestas co-
nese e antiguidade das redes hidrográficas bra- nhecidos, a saber: 1. sistemas de cuestas estabelecidos
sileiras, como de resto parece ser habitual em em antigas planícies costeiras levantadas (como as
relação a quase todas as redes hidrográficas inter- cuestas da Chapada do Apodi e as pequenas cuestas
tropicais. Isto porque as grandes variações climá- da Série Barreiras); 2. sistemas de cuestas concêntricas
ticas, no sentido de uma menor ou maior umidade, de front externo, esculpidas em bacias páleo e meso-
influíram profundamente na vida dos sistemas flu- zoicas soerguidas (cuestas das bacias do Paraná e do
viais, ora contribuindo para os diluir temporaria- Maranhão-Piauí); 3. sistemas de cuestas concêntricas de
mente, ora contribuindo para sua reorganização, com front interno, estabelecidas em torno de um grande
traçados total ou parcialmente diferentes daqueles núcleo bombeado de escudo, à moda das estruturas
que dominaram na fase climática anterior. Daí a rede dômicas de grande raio de curvatura (cuestas e la-
dos grandes vales ou calhas de desnudação em geral deiras de chapadas que circundam a Borborema); 4.
possuírem certa antiguidade nessas áreas, enquanto sistemas de cuestas esculpidas no bordo interno de uma
os rios propriamente ditos possuem uma rede de fi- boutonnière (cuestas que circundam a grande e
xação relativamente recente. irregular boutonnière ***** do Pantanal Mato-
Infelizmente são pouquíssimos os estudos de
geomorfologia dinâmica sobre os cursos d’águas das façonnement des lits fluviaux en zone tempéré et zone intertro-
terras intertropicais brasileiras. Observações pio- picale”. 1957; “Observations sur le façonnement des rapides des
neiras, entretanto, nesse terreno, vêm de ser feitas rivières intertropicales”, 1959; e “Informações para a interpretação
por Jean Tricart em uma importante série de artigos paleogeográfica dos cascalheiros”, 1959. É de se notar que no Brasil
em que aquele notável geomorfologista francês in- são raros os casos de canyons ou vales em gargantas profundas e con-
tenta uma comparação entre o processo de erosão de tínuas; não havendo bons exemplos de planaltos calcários cortados
por rios alóctonos, não temos canyons típicos. A jusante de Paulo
talvegue dos rios intertropicais em face dos rios de
Afonso, entretanto, aparece um belo canyon cortado em rochas do
países temperados***. embasamento pré-cambriano pela superimposição efetuada pelo
São Francisco no pediplano sertanejo da Bahia. No Rio Grande
* Ab’Sáber, Aziz Nacib. “A Geomorfologia do Estado do Sul existem exemplos de canyons em rochas basálticas, tanto no
de São Paulo”, 1954; “Problemas paleogeográficos do Brasil Su- planalto de Nordeste (vales dos rios das Antas e Pelotas), como nos
deste”, 1955; e “O problema das conexões antigas e da separação “aparados” da Serra (Itaimbezinho e outros).
da drenagem do Paraíba e do Tietê”, 1957.
**** Ab’Sáber, Aziz Nacib. “Regiões de circundesnudação
** King, Lester. “A Geomorfologia do Brasil Oriental”, pós-cretácea, no Planalto Brasileiro”, 1949.
1956, p. 261.
***** Ruellan, F. - Informações verbais (1952).
*** Tricart, Jean. “Comparaison entre les conditions de
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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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Grossense, pelos seus quadrantes orientais, norte- um sistema de cuestas elaborado a partir de desven-
orientais e setentrionais); e, finalmente, 5. sistemas tramento pós-cretáceo de uma larga e singular bou-
secundários de cuestas esculpidos através do rejuvenesci- tonnière, na qual, posteriormente, se formou a grande
mento de peneplanos parciais estabelecidos em estruturas planície mato-grossense.
monoclinais (pequenas cuestas estabelecidas no inte- Não poderíamos deixar de discriminar um
rior de algumas das grandes depressões periféricas outro tipo local e secundário de sistema de cuestas,
paleogênicas, à custa do rejuvenescimento pós-plio- existente no interior de algumas das grandes depres-
cênico). sões periféricas elaboradas no Paleogeno. Já fizemos
Na realidade, é possível reconhecer extensas e notar*** que alguns dos alinhamentos menores e mais
altas cuestas, dominantemente arenítico-basálticas, externos de cuestas, existentes no interior da grande
circundando a maior parte dos quadrantes da Bacia depressão periférica paulista, constituem formas
do Paraná e cuestas areníticas na porção oriental e estruturais ligadas a um ressalientamento pós-
sul-oriental da Bacia do Maranhão-Piauí, onde o pliocênico de um peneplano parcial que, em certo
soerguimento pós-cretáceo foi marcadamente as- momento, existiu no interior do grande patamar
simétrico. É de se notar que as cuestas devonianas intermediário de desnudação marginal do território
da Serra do Ibiapaba (que servem de fronteira entre paulista. A fase de circundesnudação generalizada
o Piauí, o Ceará e a Bahia), após uma espécie de teria sido, portanto, um pouco mais antiga do que se
grande colo estrutural, cedem lugar às escarpas dos pode supor, tendo respondido pela formação de uma
chapadões mesozoicos do oeste da Bahia e norte de grande depressão periférica subsequente, que, em
Minas Gerais, em orientação, grosso modo, norte-sul. determinado instante do Cenozoico, se comportou
Por seu turno, as chapadas mesozoicas que envolvem como verdadeiro peneplano parcial (pliocênico?).
o Planalto da Borborema por quase todos os seus Posteriormente, através de reativações de processos
quadrantes interiores formam, através de seu front erosivos, estimulados por movimentos epirogênicos,
principal, um irregular e descontínuo arco de cuestas teriam sido algumas novas cuestas de pequeno porte
concêntricas de frente voltada para o interior. É assim e depressões periféricas subordinadas, ao mesmo
que a cuesta da chapada de São José, dominando a tempo que as altas escarpas arenítico-basálticas da
depressão periférica central pernambucana, possui fase anterior ganharam maior proeminência.
seu front voltado para o norte, a ladeira oriental da Aqui chegados, porém, queremos lembrar
Chapada do Araripe tem o seu olhar voltado para que nem todas as escarpas estruturais do território
leste, a cuesta da Chapada do Apodi apresenta suas brasileiro podem ser identificadas como relevos de
escarpas calcárias voltadas para o sul, enquanto as cuestas típicos. Na verdade, algumas dessas escarpas
pequeninas cuestas da borda interior dos tabuleiros constituem, indiscutivelmente, casos muito especiais,
costeiros, na zona sublitorânea oriental do Nordeste, nem sempre enquadrados nos limites da conceitu-
têm o seu front voltado para o oeste. ação clássica preestabelecida pelos tratadistas.
Deixando de lado a observação de conjunto e Não faltam, é verdade, no edifício geológico
passando a examinar alguns pequenos quadros lo- brasileiro, algumas daquelas condições estruturais
cais, devemos lembrar que a Chapada do Apodi, no básicas para a existência de legítimos relevos de
Rio Grande do Norte e parte do Ceará, comporta-se cuestas: camadas inclinadas de diferentes resistên-
como típica cuesta esculpida em uma planície cos- cias, em arranjo periclinal e, mais excepcionalmente,
teira soerguida, conforme bem o observou Fernando monoclinal, pertencentes a bacias soerguidas a al-
Marques de Almeida*. Por seu turno, todas as pe- gumas centenas de metros acima do nível do mar. É
quenas cuestas observáveis na borda interior dos ta- de se notar, ainda, que os alinhamentos semicircu-
buleiros pliocênicos, da zona sublitorânea do Brasil lares de altas escarpas de erosão, de frente externa
Leste e do Brasil Nordeste, constituem sistemas de (como é o caso do relevo da Bacia do Paraná), se
cuestas elaborados em antigas planícies costeiras prolongam por alguns milhares de quilômetros,
moderadamente soerguidas, conforme deixam en- numa espécie de ampliação desmesurada dos qua-
trever observações de Moraes Rego**. Há que referir, dros morfológicos conhecidos alhures.
por seu turno, o fato de as cuestas e escarpas estru- Por outro lado, é inegável que as feições ge-
turais, que envolvem o Pantanal Mato-Grossense omórficas peculiares às cuestas estão presentes em
pelos quadrantes orientais e setentrionais (chapadas muitas das escarpas estruturais brasileiras. Se é que
dos Gusmões, Roncador e Parecis), representarem o reverso de nossas cuestas, mercê da ínfima incli-
nação dos estratos, não se apresenta com rampas de
* Almeida, Fernando F. M. de. “A propósito dos 'relevos inclinação visível (ou seja, com a silhueta clássica dos
policíclicos na tectônica do Escudo Brasileiro'”, 1951. dip slopes), a sua frente se destaca sempre como la-

** Rego, Luiz Flores de Moraes. “Aspectos geológicos e *** Ab’Sáber, Aziz Nacib. “A geomorfologia do Estado de
fisiográficos gerais do nordeste do Brasil”, 1935. São Paulo”, 1954, p. 28.

287
deira íngreme e assimétrica, às vezes com duas ou dos casos. Fernando Marques de Almeida conseguiu
três centenas de metros de desnível. Salvo raras ex- verificar que, em São Paulo, na borda oriental da
ceções, entretanto, o reverso das cuestas brasileiras se Bacia do Paraná, a inclinação da base cristalina, sob a
desdobra numa sucessão maciça de chapadões tabu- qual se assentam depósitos do Carbonífero superior,
liformes, onde mal se percebem os alinhamentos dis- é de 27 m por quilômetro, na direção WNW. Por seu
cretos de uma ou outra área de cuestas desdobradas. turno, na base de informações de Marger Gutmans**,
Em muitos casos, na contravertente do front prin- com pequenas modificações, podem-se tomar como
cipal, após pequeno espaço sub-horizontal, o reverso termos médios das inclinações das camadas, na peri-
é limitado por uma chanfradura em sentido oposto, feria da Bacia do Paraná, em São Paulo, os seguintes
sempre menos pronunciada que a escarpa, porém, de valores: formações carboníferas, 15 a 25 m por km;
qualquer maneira, bem marcada, como é o caso da formações permianas, 5 a 8 m por km; formações
Serra Negra, no sertão de Pernambuco, estudada por triássicas, 3 a 6 m por km; formações cretáceas, 0,5 a
Gilberto Osório de Andrade*, e como é o caso do 2 m por km. Está claro que, à medida que se ganha o
reverso da cuesta basáltica paulista, nos arredores de centro da bacia intercratônica regional, esses índices
Cravinhos. perdem seu significado, pela diminuição gradual dos
Por essas e outras razões, a maior parte dos mergulhos, os quais adquirem valores desprezíveis.
chamados relevos de cuestas brasileiros, na realidade Wilhelm Kegel, em 1950, estudando a atitude
cuestiformes, se comportam como planaltos dis- das camadas sedimentares da periferia oriental da
postos em patamares ligeiramente empinados (tilted Bacia do Maranhão-Piauí, verificou que as mesmas
plateau), numa espécie de tipo de morfologia estru- se inclinam para W, através 4-5 m por km, havendo
tural intermediária entre o tabular e o de cuestas. “localidades, onde o mergulho pode aumentar e ou-
Se observarmos com mais rigor o grau de tras regiões onde dificilmente é possível constatá-
inclinação dos estratos, veremos a razão principal lo”***. Por seu turno, Karl Beurlen **** , revendo os
desses fatos. Em geral, as camadas sedimentares das valores dos mergulhos das formações paleozoicas
grandes bacias páleo e mesozoicas brasileiras foram paranaenses, primeiramente calculados por Maack,
depositadas em rasas depressões intercratônicas de concluiu que algumas das camadas permianas regio-
grande extensão e envergadura, em condições de se- nais têm uma inclinação média de 10 m por km, ou
dimentação muito próximas da horizontalidade. Até seja de aproximadamente meio grau. Ponderou ainda
mesmo a subsidência gradual das camadas basais não o geólogo Beurlen que, nos afloramentos, podem-se
foi capaz de criar, em todos os casos, uma inclinação observar variações locais sensíveis, que atingem de 3
mais pronunciada para a sequência dos estratos mais a 5 graus, fato também muito conhecido no Estado
antigos e profundos. De qualquer forma, porém, de São Paulo.
muitos são os casos em que as camadas basais da pe- Diversas foram as estruturas resistentes, res-
riferia das bacias apresentam um grau de inclinação ponsáveis pela elaboração e preservação da maior
ponderável, posto que local, enquanto que, da base parte dos relevos de cuestas brasileiros. Na Bacia
para o topo da sequência estratigráfica, os mergulhos do Paraná, as estruturas mantenedoras preferenciais
vão decrescendo até se apresentarem próximo da ho- foram aquelas formadas pelos derrames basálticos
rizontalidade, numa espécie de grandiosa lente côn- réticos da Série São Bento. Em quase todos os qua-
cavo-convexa, de encurvaturas desiguais. Frequentes, drantes dessa grande bacia gondwânica, foi a pilha
porém, são os casos de deformações locais na borda de derrames basálticos, com a presença ou não de
das bacias, relacionadas com irregularidades tectô- arenitos intertrapianos, que possibilitou a elabo-
nicas que se processaram antes ou depois do soergui- ração de altas e extensas escarpas estruturais. Apenas
mento epirogênico generalizado, que criou o corpo o arenito Aquidauana (Carbonífero superior), em
do Planalto Brasileiro. Goiás e em Mato Grosso, foi capaz de representar
Poucos têm sido os estudos criteriosos sobre o papel de camada mantenedora. E assim, no su-
o mergulho dos estratos na periferia das bacias se- doeste de Goiás, os arenitos da série Aquidauna,
dimentares brasileiras. Sabe-se, entretanto, que, nas e mais um pequeno horizonte de calcários silicifi-
bacias do Paraná e do Maranhão-Piauí, os estratos cados permianos da série Passa Dois, deram origem
paleozoicos e mesozoicos encontram-se dispostos
periclinalmente, em torno de bacias semicirculares ** Gutmans, Marger. “Tectônica da Bacia do Paraná”,
irregulares, nas quais o grau de inclinação das ca- 1949, p. 47.
madas é, em geral, diminuto, podendo ser medido
em termos de metros por quilômetros, na maior parte *** Kegel, Wilhelm. “Relatório das atividades”, em Rela-
tórios Anuais do Diretor (1950), 1956, p. 165.
* Andrade, Gilberto Osório de “A Serra Negra. Uma
relíquia geomórfica e higrófita nos tabuleiros pernambucanos”, **** Beurlen, Karl. “As formações gondwânicas do Sul do
1954. Estado do Paraná”, 1955, p. 43.

288
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
14

a uma gigantesca cuesta, em detrimento da escarpa péus, andorinhas, entre outros. Aos festões de pedún-
basáltica que se situa no seu reverso, em fase inicial culo, ainda não inteiramente isolados ou retalhados,
de desdobramento. Em Mato Grosso, após a es- aplica-se o nome de trombas, enquanto que, para
carpa estrutural de Maracaju, mantida por basaltos os paredões principais das cuestas, são reservados
e arenitos intercalados, salienta-se um outro grande nomes locais, às vezes de grande sabor e significado
alinhamento de escarpas, na Serra de Aquidauana, intrínseco, tais como aparados, paredões, talhados ou
representado por arenitos fluvioglaciais do Carbo- tombadores. Entretanto, na nomenclatura usual e na
nífero superior (Série Aquidauana). As cuestas das toponímia cartográfica, continua a dominar o termo
chapadas mesozoicas, que circundam a Borborema “serra”, utilizado indiferentemente para os alinha-
pelos seus quadrantes interiores, são mantidas por mentos de escarpas estruturais cuestiformes, como
rochas sedimentares as mais variadas, dominando, para escarpas de falha, planaltos em bloco, maciços
entretanto, como camadas mantenedoras, os arenitos isolados, altas cristas divisoras, chapadas isoladas e,
nas escarpas orientais do Araripe e setentrionais da até mesmo, esporões ou contrafortes de escarpas.
Chapada de São José e os calcários compactos, na Eventualmente, emprega-se o termo “serrinha” para
borda meridional da Chapada do Apodi. Por seu determinados alinhamentos de cuestas que, pelo seu
turno, a grande e extensa cuesta da Serra do Ibia- porte e desnível, diferem flagrantemente das grandes
paba (Serra Grande) é mantida por arenitos espessos escarpas que bordejam a costa sul-oriental do país. A
e conglomerados subordinados, à semelhança do designação itambé ou taimbés, comumente aplicadas
que acontece com as outras cuestas esculpidas em às cornijas rochosas, talhadas em paredões íngremes
estratos devonianos no território brasileiro (cuesta e desnudos, são usadas indiferentemente para todas
da Serrinha, no Paraná, e cuesta da Chapada dos as rupturas de declive, que localmente se aproximam
Guimarães, em Mato Grosso). As pequenas cuestas da vertical. Por sua vez, os anfiteatros de diversos
sucessivas, esboçadas a partir do reverso da cuesta do tipos, formados nos desvãos das trombas, devido ao
Ibiapaba, são igualmente mantidas por arenitos de alargamento de sulcos obsequentes, recebem o nome
menor espessura. Do mesmo modo, são de arenitos de sacos, sendo muitas vezes sítios privilegiados para
as camadas mantenedoras das ladeiras das chapadas a localização do habitat rural, devido a sua posição
ocidentais da Bahia, assim como das bordas das cha- de pé-de-serra e à existência habitual de nascentes e
padas do Roncador e encostas sul-orientais da Cha- olhos-d’água em seu interior. Enquanto que, para as
pada dos Parecis. topografias ruineformes, frutos da ação combinada
No que diz respeito às feições geomórficas do intemperismo e das enxurradas em rochas sedi-
dessas grandes cuestas brasileiras, esculpidas em es- mentares de fácies bizarros, se aplicam os nomes lo-
tratos de inclinação extremamente modesta, muito cais de vila-velha, pedrejeiros, cabeços, torres, torrinhas
haveria a dizer, mesmo porque seu modelado de de- e alcantis. Os afloramentos rochosos, menos bizarros,
talhe está relacionado com a ação de processos mor- são designados apenas por lajes ou lajedos. Famosos
floclimáticos muito diferentes, conforme sua locali- no país são as topografias ruineformes de Vila Velha,
zação geográfica. Para se ter uma ideia da variedade no Paraná, de Sete Cidades, no Piauí, de Torres do
da morfologia de detalhe apresentada pelas vertentes Rio Bonito, em Goiás, e do Planalto dos Alcanti-
íngremes das escarpas estruturais brasileiras, lem- lados em Mato Grosso.
braríamos, tão somente, as grandes diferenças exis- Nas grandes escarpas estruturais brasileiras, os
tentes entre as cuestas orientais e ocidentais da Bacia elementos da rede de drenagem, peculiares a regiões
do Paraná. Na realidade, rochas sedimentares, aná- de cuestas, estão quase sempre presentes em sua pa-
logas ou quase idênticas, dão nascimento a feições dronagem habitual. Entretanto, forçoso se torna re-
geomórficas inteiramente diversas, conforme a área conhecer que, devido à profunda decomposição das
climática em que se localizam, a exposição geral da rochas e ao caráter policíclico e epicíclico do relevo,
frente das escarpas aos ventos úmidos, a presença ou tais padrões de drenagem se apresentam com carac-
não de vegetação florestal, a interferência eventual da terísticas muito especiais.
semiaridez intermontana nas escarpas resguardadas Há que lembrar, em primeiro lugar, que a dis-
dos ventos úmidos etc. posição grosso modo periclinal dos estratos favoreceu
O processo de retalhamento dos fronts das ele- - tanto em relação à Bacia do Paraná, como parcial-
vadas e íngremes escarpas estruturais brasileiras favo- mente, em relação à Bacia do Maranhão-Piauí - uma
rece, por quase toda a parte, a intervenção de um ativo superimposição hidrográfica pós-cretácea, tenden-
festonamento, que responde pela gênese dos mais bi- cialmente centrípeta. Desta forma, os grandes cursos
zarros e espetaculares tipos de morros-testemunhos. d’água que saem das bordas das aludidas bacias, con-
Daí a variada toponímia cabocla para designar as vergindo para seu interior, são tipicamente conse-
formas dos morrotes isolados ou semi-isolados, ao quentes (cataclinais), mantendo sua direção original,
derredor do alinhamento principal das aludidas es- a despeito da desnudação marginal que criou depres-
carpas: guaritas, cuscuzeiros, torres, torrinhas, baús, cha- sões periféricas subsequentes e elaborou, aos poucos,

289
os grandes alinhamentos de cuestas regionais. Daí, treliças clássicas descritas pelos livros-textos, só se
o grande número de percées consequentes apresen- nota uma padronagem retangular daquele tipo nas
tados pelas cuestas da Bacia do Paraná e da Bacia do incisões mais recentes, executadas a partir do nível
Maranhão-Piauí.Na bacia hidrográfica do alto Pa- principal das colinas que compõem o relevo do in-
raná, enquanto em território paulista dominam rios terior das depressões periféricas. A nervura menor
consequentes epigênicos (que transpõem as escarpas da drenagem resulta de processos morfoclimáticos,
arenítico-basálticas através de diversas percées), em refletindo de perto a pluviosidade elevada, a decom-
território mato-grossense, na margem ocidental da posição mais ou menos universal das rochas e uma
Bacia do Paraná, as linhas de cumeada das cuestas generalizada tendência para o padrão dendrítico. Em
constituem áreas de divortium aquarum. Ali, a partir muitos casos, trata-se de uma drenagem inadaptada
das frentes das cuestas de Maracaju, adaptada às de- por questões cíclicas e morfoclimáticas. E somente
terminações das sucessivas escarpas menores e mais se pode perceber arranjos em treliça mais ou menos
externas, existe uma frouxa e vasta treliça de rios sub- bem marcados nos sulcos ativos situados nos sopés
sequentes (ortoclinais) e obsequentes (anaclinais). das grandes cuestas, por entre morros-testemunhos
No Rio Grande do Sul, devido a razões diferentes, e terraços estruturais, em franco processo de reta-
os médios cursos dos afluentes da margem esquerda lhamento e dissecação. Entretanto, inúmeros são os
do Jacuí têm um traçado obsequente ao transpor as casos locais de adaptação ou readaptação parcial, de
bordas meridionais das escarpas basálticas regionais. trechos dos cursos d’água, às imposições das estru-
Nesse sentido, é de se referir que Fernando Marques turas mais resistentes e menos sujeitas à decompo-
de Almeida* elaborou um interessante mapa dos ali- sição.
nhamentos de cuestas da Bacia do Paraná, no qual Antes de pôr um fecho ao estudo do relevo de
indicou, criteriosamente, os principais sítios de per- cuestas em território brasileiro, não podemos deixar
cées consequentes e obsequentes, existentes ao longo de comentar, em caráter informativo, o caso de um
das mesmas. tipo de grandes escarpas estruturais existentes em
No caso das percées consequentes, raros são os nosso território que sempre foi referido como cuesta
casos em que os rios perfuram as cuestas através de e que, mais recentemente, sofreu um forte abalo em
passagens estreitas. Salvo o caso do Rio Claro, que sua conceituação tradicional. Queremos referir-nos
cruza a cuesta do Caiapó, no sudoeste de Goiás, e às escarpas basálticas, altamente retalhadas, da região
de uns poucos rios paranaenses, que cruzam a cuesta serrana que se estende ao norte do maciço granítico
devoniana, assim como de alguns afluentes do Par- de Porto Alegre, que, por muito tempo, foram tidas
naíba, que seccionam a cuesta do Ibiapaba através como simples prolongamento das linhas de cuestas
de boqueirões relativamente escarpados e estreitos, do Brasil Meridional. Entretanto, novas contribui-
dominam nas passagens consequentes colos relativa- ções geológicas ao estudo dos derrames basálticos
mente suaves ou largos funis, denotando localmente (que formam o edifício estrutural da região) forne-
um recuo lateral bastante sensível das escarpas. ceram a Viktor Leinz** argumentos para provar que,
Inúmeros, por outro lado, são os casos de pe- no nordeste do Rio Grande do Sul no sudeste de
quenos cursos d’água obsequentes, que nascem no Santa Catarina, havia uma espécie de dispersão radial
front das cuestas, indo alimentar trechos de rios no sentido das corridas de lavas basálticas do pla-
subsequentes estabelecidos nos sopés das escarpas. nalto, o que demonstraria o aspecto de uma abóbada
Tais pequenos e curtos riachos obsequentes têm de inclinação centrífuga para o conjunto do edifício
uma importância fundamental no retalhamento ou basáltico regional. Desta forma, se as corridas de
festonamento das cuestas, pois, devido à tendência lavas superiores do planalto basáltico do norte do
dendrítica de suas cabeceiras, podem transformar fa- Rio Grande do Sul se inclinavam para o sul, o su-
cilmente algumas trombas em morros-testemunhos doeste e o oeste, não sobrariam razões para se com-
engastados, os quais, posteriormente, se isolam por provar a existência de legítimos relevos de cuestas
completo, como muito bem se pode observar nas na região situada ao norte de Porto Alegre, na di-
escarpas arenítico-basálticas de Botucatu, em São reção de Caxias e Taquara. Segundo ponderações
Paulo, e Maracaju, em Mato Grosso. de Leinz, as escarpas dessa área, devido à possança
A tendência para a dendritificação dos ramos dos derrames, poderiam representar, parcialmente, a
menores da drenagem, nas depressões periféricas borda meridional das sucessivas corridas de lavas que
elaboradas em ciclos desnudacionais mais antigos, é ali se empilharam. São palavras do autor:
um fato comum a quase todas as zonas deprimidas e
baixas situadas além das grandes cuestas brasileiras. Se os extravasamentos sucessivos possuíram
Aqui, além de não se manterem constantemente as o mesmo volume, o que é provável, as

* Almeida, Fernando F. M. de. “Relevo de cuestas na ** Leinz, Viktor. “Derrames basálticos no Sul do Brasil”,
Bacia sedimentar do Rio Paraná”, 1949. 1950.

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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corridas superpostas confinaram-se todas didas escarpas eram cuestas ou um tipo especial de
aproximadamente no mesmo lugar, formando escarpas esculpidas nas bordas de grande edifício de
um pacote composto com términos mais ou platô basáltico, de topo bombeado pela própria acu-
menos abruptos. A erosão posterior teria apenas mulação das lavas antigas. E, por incrível que à pri-
remodelado a escarpa original *. meira vista possa parecer, chegamos à conclusão de
que as camadas paleozoicas, que precedem a área ba-
Não é impossível que, naquele quadrante da sáltica situada ao norte de Porto Alegre, mergulham
província basáltica do Brasil Meridional, onde se para o norte, formando ligeiras cuestas, como todas as
situa o mais notável núcleo do sistema de efusões outras existentes em torno da Bacia do Paraná. En-
do vulcanismo rético em nosso país, os derrames tretanto, à medida que se ganha a borda do planalto
tivessem elaborado escadarias morfológicas do tipo basáltico, situado mais ao norte, os fatos vão-se mo-
trapp clássico, nos limites terminais das sucessivas dificando gradualmente, já que as estruturas basál-
corridas de lava. Desta forma, ali, o embrião das es- ticas basais ainda se inclinam na direção setentrional,
carpas estaria previamente preparado pelo arranjo ao passo que as corridas de lavas das porções médias
geral tomado pelos derrames, a despeito de o país, e superiores da serra apresentam-se em posição pra-
na época, estar em nível tectônico relativamente ticamente horizontal; enquanto mais para o norte,
baixo. Com o levantamento pós-triássico moderado em pleno planalto, passam a indicar uma inclinação
e o grande alçamento pós-cretáceo de conjunto, que na direção sul, conforme a aludida constatação de
afetou todo o Planalto Brasileiro, a desnudação mar- Leinz. Desta forma, o vasto edifício de acumulação
ginal efetuou um certo corte das escarpas originais, basáltica se comporta localmente como uma gigan-
retalhando-as através de ativo processo de festona- tesca lente biconvexa, cuja borda sul foi corroída com
mento. maior intensidade pela desnudação marginal. Daí
Certos de que fatos similares a esses não acon- existirem aspectos cuestiformes apenas com relação
teceram em outros setores, senão na maior parte dos às estruturas basais, enquanto, para o norte, se atinge
outros setores da Bacia do Paraná, onde as corridas um relevo maciço de um gigantesco platô basáltico
de lava se comportaram como se fossem novas ca- de tipo clássico. Quer-nos parecer que essa curiosa
madas a se sobrepor no fundo ligeiramente côncavo dualidade de aspectos morfológicos, demonstrada
da vastíssima bacia de sedimentação triássica re- pelas escarpas da chamada Região Serrana do Rio
gional, procuramos rever, no campo, aquela propo- Grande do Sul, obriga a uma revisão dos tipos mais
sição e excepcional constatação de Viktor Leinz. Em comuns de escarpas estruturais conhecidos na lite-
outras palavras: à custa de métodos mais propria- ratura geomorfológica. Através do que se depreende
mente morfológicos, procuramos averiguar se as alu- das precisas observações de Viktor Leinz e dos pe-
queninos acréscimos que vimos de fazer, é fácil de se
* Idem, ibidem, pág. 47. compreender que, no caso, não se trata de legítimas

Bloco diagrama da Bacia do alto Paraná.

291
“cuestas”, equiparáveis às outras existentes no inte- Se é que, nas áreas dos maciços antigos, os
rior do Brasil e no próprio interior do Rio Grande compartimentos menores da topografia estão mais
do Sul, na porção oeste da Campanha gaúcha. Por diretamente relacionados com a tectônica resi-
outro lado, sob o ponto de vista da caracterização dual, as interferências tectônicas modernas e o ca-
dos tipos genéticos dos cursos d’água da Região Ser- ráter policíclico do relevo, na zona sedimentar a
rana do Rio Grande do Sul, muito ainda há a dizer. compartimentação foi enriquecida pela presença
Originalmente, como deixa entrever Leinz, os cursos dessa rede irregular de depressões periféricas, ora
d’água foram simples consequência de uma adap- arqueadas, ora longitudinais, ora dispostas em faixas
tação ligeiramente centrífuga das águas correntes, na semicirculares sucessivas, numa rica trama de pata-
abóbada do edifício basáltico. Entretanto, eles, que, ao mares intermediários.
iniciar o entalhamento da região, tinham um traçado Acompanhando de perto a distribuição geo-
consequente, à medida que dissecaram as bordas da gráfica das escarpas estruturais, as áreas de depres-
grande lente biconvexa de estruturas basálticas, pas- sões periféricas brasileiras se estendem largamente
saram a descarnar camadas de inclinação contrária no Nordeste, em torno da Borborema, assim como
à sua direção. Enquanto alguns deles vinham para o entre o Araripe, a cuesta do Ibiapaba e os maciços
sul, quer pela sua direção original, quer pela captura cristalinos do centro-norte do Ceará. A partir da
dos que iam para oeste, as camadas basais das rochas porção sudeste do Ibiapaba, elas penetram no inte-
páleo e mesozoicas sul-rio-grandenses mergulhavam rior da bacia média do São Francisco, de norte para
para o norte e noroeste. Razão pela qual Fernando de sul, entre os chapadões ocidentais e o Espinhaço,
Almeida anotou, em 1949, o caráter obsequente das Chapada Diamantina e Serra da Jacobina.
“percées” executadas por tais cursos d’água prove- Após o grande lombo divisor, que se estende
nientes do planalto. Na realidade, em suas cabeceiras, das terras altas do Brasil Sudeste ao Planalto Cen-
tais rios são consequentes, passando aos poucos a tral, em Goiás, sucedem-se novas áreas de depres-
obsequentes na região serrana e na área paleozoica, sões periféricas em torno da Bacia do Paraná, onde
que precede de imediato a serra. Isto para não falar são bem marcadas, tanto no bordo oriental como no
no baixo Jacuí, que se comporta como um coletor- bordo ocidental daquela grande bacia de sedimen-
mestre subsequente. Esses e outros fatos nos levam tação gondwânica. Tendo como área central a de-
a pensar que se torna necessário criar uma denomi- pressão periférica paulista, na porção norte-oriental
nação especial, nas classificações geomorfológicas da Bacia do Paraná, penetram em faixas irregulares
das escarpas estruturais, para esse tipo brasileiro de no Segundo Planalto paranaense e na parte oeste-
grandes escarpas basálticas. A Viktor Leinz se de- sudoeste de Minas Gerais, num largo cinturão que
verá sempre o grande mérito de ter iniciado a revisão contorna irregularmente esse quadrante da grande
desse importante problema, que escapa às esferas do bacia. No Estado do Paraná, a rigor, existem duas
interesse limitado da geomorfologia brasileira, para depressões periféricas: uma situada nas terras baixas
interessar a própria geomorfologia geral*. do Primeiro Planalto paranaense, após a cuesta de-
voniana; outra, na margem ocidental do Segundo
As depressões periféricas do Planalto Brasileiro Planalto paranaense. Por seu turno, enquanto no
Paraná a depressão periférica do Segundo Planalto
No território brasileiro, em zonas intermediá- já se encontra fortemente dissecada, no Estado de
rias situadas entre os blocos principais dos maciços Santa Catarina ela desaparece por completo, mercê
antigos e as cuestas ou ladeiras de chapadas, nas das condições estruturais especiais e da forte ação re-
bordas das bacias sedimentares soerguidas, existem juvenescedora dos rios obsequentes e subsequentes
extensas calhas de desnudação marginal, na forma que, a partir da grande escarpa da Serra Geral, vão
clássica das depressões periféricas subsequentes**. Al- ter diretamente ao Atlântico. Após essa interrupção,
guns geógrafos de maior visão geomorfológica pas- correspondente ao território catarinense, as depres-
saram a considerar esses patamares deprimidos de sões periféricas voltam a aparecer largamente no Rio
origem desnudacional, localizados entre os velhos Grande do Sul, circundando, em crescente, quase
terrenos cristalinos e as linhas de cuestas mais in- todos os quadrantes interiores, do Escudo Sul-Rio-
teriores, como componentes geomórficos básicos do Grandense, ao longo das bacias do Vacacaí e baixo
relevo do Planalto Brasileiro***. Jacuí (em seção Oeste-Leste) e na área dos forma-
dores meridionais do Ibicuí, mormente ao longo do
* Ab’Sáber, Aziz Nacib. “Nem todas as escarpas basál- vale do Rio Santa Maria (seção Sul-Norte).
ticas Brasileiras são cuestas”, 1959. No lado ocidental da Bacia do Paraná, há
duas faixas principais de depressões periféricas:
** Ab’Sáber, Aziz Nacib. “Regiões de circundesnudação uma que se estende entre a cuesta de Maracaju e
pós-cretácea, no Planalto Brasileiro”, 1949.
rães, Fábio Macedo Soares. “O relevo do Brasil”, 1943.
*** James, Preston E. “Latin America”, 1942. - Guima-
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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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o reverso da cuesta de Aquidauana; outra, que se Em geral, as grandes depressões perifé-


desenvolve logo a oeste da cuesta de Aquidauana, ricas brasileiras estão situadas de 300 a 500 metros
estendendo-se pela área hoje ocupada pelo Pan- abaixo do nível principal dos maciços antigos, que as
tanal Mato-Grossense, o pediplano cuiabano. marginam, e a 200-300 metros abaixo das grandes
Note-se, porém, que um dos mais belos trechos de cuestas, que constituem o outro de seus limites. Entre-
depressões periféricas do Centro-Oeste se situa no tanto, a despeito de seu relevo, dominantemente suave
noroeste de Mato Grosso e sul-sudoeste do Território e colinoso, são elas encontradas em altitudes as mais
de Rondônia, ao longo da calha do Rio Guaporé, diversas: a Depressão Periférica paulista encontra-se
alto formador do Madeira, circundando a borda sul- entre 550-650 m; as do Paraná, a 850-950 m; as do
ocidental da Chapada dos Parecis. No caso, trata-se Rio Grande do Sul, desde alguns metros acima do
de um corredor de relevo baixo e pouco acidentado, nível do mar até 100-150 m; a depressão periférica
que possibilita ligações terrestres entre Mato Grosso central de Pernambuco, a 350-500 m; as depressões
e a Amazônia, numa das margens mais longínquas periféricas mato-grossenses, a níveis altimétricos bas-
do Planalto Brasileiro. tante diferentes, desde os sopés da cuesta de Maracaju
No sudoeste de Goiás, identifica-se uma vasta até o Pediplano Cuiabano (180-230 m) e o Pantanal
depressão periférica, um tanto acidentada após a Mato-Grossense (135-150 m); a depressão periférica
cuesta do Caiapó, e um outro lance, mais baixo e norte-rio-grandense, desde algumas dezenas de me-
menos acidentado, após a Serra Negra, correspon- tros acima do nível do mar até 100-150 m etc.
dente ao pediplano do alto Araguaia. No que concerne à forma da transição topo-
Nada se conhece, em matéria de depressões pe- gráfica dos maciços antigos para as depressões peri-
riféricas, na borda ocidental da Bacia do Maranhão- féricas, lembramos que, no território brasileiro, pa-
Piauí, assim como ao sul e ao norte da Bacia Ama- recem existir exemplos e combinações regionais de
zônica. Aliás, o fato de a grande bacia sedimentar quase todos os tipos de rebordos de maciços antigos
amazônica não ter sofrido nenhum soerguimento estabelecidos por Jean Tricart, em trabalho recente**.
pronunciado em época geológica moderna, deixou Trata-se, aliás, de um campo em que a multiplicação
de criar qualquer possibilidade para sua dissecação e de estudos e monografias regionais de detalhe muito
desnudação marginal. Os sedimentos terciários como poderá contribuir para o enriquecimento da biblio-
que tamponaram a bacia em grandes áreas, enquanto grafia geomorfológica brasileira.
a floresta dificulta sobremaneira o estudo da morfo- Mas não é somente para os quadros restritos
logia de detalhe das margens meridionais e seten- da Geomorfologia que o estudo das depressões pe-
trionais das formações paleozoicas da região. É de se riféricas brasileiras conservam importância. Pelo
lembrar, porém, que no extremo norte da Amazônia, contrário, segundo entendemos, o seu estudo inte-
na área sedimentar que precede o Monte Roraima, ressa à própria compreensão das paisagens físicas
parece haver algumas faixas elevadas de depressões intertropicais do território brasileiro. Isto para não
periféricas, em patamares deprimidos situados entre repisar que tais depressões periféricas, tão larga-
irregulares alinhamentos de cuestas. mente distribuídas no Planalto Brasileiro, possuem
É curioso lembrar que, entre as altas escarpas uma importância geográfica excepcional para as li-
da Serra do Curral-del-Rei e o discreto front meri- gações terrestres no interior do país, como já pu-
dional das formações sedimentares da Série Bambuí, seram em evidência Deffontaines***, Monbeig****
coincidindo, grosso modo, com os suaves terrenos pré- e Ab’Sáber*****.
cambrianos da região de Belo Horizonte, existe uma A despeito da monotonia aparente de suas
pequena depressão periférica, de elaboração relativa- formas de relevo, as depressões periféricas brasi-
mente recente. Desta forma, a superfície de Belo Hori- leiras constituem quadros de paisagens bastante in-
zonte (cuja denominação devemos a Francis Ruellan) dividualizados e diversificados entre si, conforme a
foi talhada na periferia das formações do Paleozoico composição geológica de seu subsolo, sua pedogê-
(calcário e margas da Série Bambuí), tendo criado
** Tricart, Jean. “Les types de bordures de massifs an-
um compartimento de relevo, suave e aplainado, su-
ciens”, s/d.
jeito a um terraceamento posterior, de grande im-
portância para o sítio urbano da capital mineira*. *** Deffontaines, Pierre. “Regiões e paisagens do Estado
de São Paulo”, 1935.
* No interior do Quadrilátero Central ferrífero existem
notáveis indícios de uma pediplanação intermontana moderna, **** Monbeig, Pierre. “Les voies de communications dans,
provavelmente oriunda de climas semiáridos plistocênicos. Tal l’État de Saint Paul”, 1937.
fase de plainação lateral, documentada por documentos morfo-
lógicos e sedimentológicos, parece ter afetado extensas regiões ***** Ab’Sáber, Aziz Nacib. ”Bacia do Paraná-Uruguai”,
circunvizinhas mais baixas e amplas, incluindo-se neste caso 1955 - “Depressões periféricas e depressões semiáridas no
área do sítio de Belo Horizonte. Nordeste Oriental do Brasil”, 1956.

293
nese, suas feições morfoclimáticas e as províncias solo das caatingas e, em algumas áreas, campos de
morfoclimáticas em que se situam. Se é que, geo- insebergs. Aos fragmentos de quartzo, que revestem
morfologicamente, todas elas estão ligadas direta o chão das caatingas, Pierre Birot*** dedicou algumas
ou indiretamente aos fenômenos desnudacionais observações, tendendo a identificá-los como rañas,
pós-cretáceos*, a natureza de seu assoalho rochoso, tipo de pedimento detrítico mal definido, existente
de seus solos, como do seu ambiente climático, di- na Península Ibérica. A despeito de outros pesquisa-
fere bastante de região para região. Algumas são dores brasileiros terem adotado tacitamente a aludida
constituídas por faixas semicirculares de formações nomenclatura para depósitos similares existentes nas
paleozoicas (São Paulo, Mato Grosso, Sudoeste de mais diferentes áreas do Nordeste Brasileiro, cremos
Goiás) ou paleozoicas e mesozoicas (Rio Grande do ter sido um pouco apressada a generalização, mesmo
Sul), comportando solos de diferentes aptidões agrá- porque se trata de um termo de uso popular na Es-
rias. Outras, devido à remoção completa de grandes panha, correspondente a um tipo de depósito de valor
pacotes de sedimentos mais antigos, da margem paleoclimático ainda mal definido. Se, por acaso, os
das bacias sedimentares, e devido a fenômenos de pavimentos detríticos nordestinos, em formação,
eversão (Ausraumgebiet), apresentam afloramentos fossem suceptíveis de ser referidos como rañas, estaria
de terrenos pré-cambrianos, como é o caso do Pri- descoberto o estágio inicial da gênese daqueles depó-
meiro Planalto paranaense, o Pediplano Cuiabano, sitos modernos existentes na Espanha e em Portugal,
a depressão periférica central de Pernambuco, a o que não nos parece tão certo, nem provável****.
depressão norte-rio-grandense, e grandes áreas da Por fim, achamos que nunca será demais lem-
depressão de Patos-Sousas-Santa Luísa do Sabugi, brar que, enquanto as coxilhas gaúchas asilaram
na Paraíba. Por seu turno, algumas das depressões campinas e florestas-galerias subtropicais, as colinas
periféricas brasileiras, em compartimentos onde rios centrais da Depressão Paulista foram recobertas por
conquistaram e mesmo ultrapassaram seu perfil de cerradões e pequenas manchas de florestas, ao passo
equilíbrio, sofreram uma sedimentação fluvioalu- que as depressões periféricas do interior nordestino
vial quaternária, extensa embora não muito espessa, deram oportunidade para o estabelecimento da ás-
tal como acontece com a grande planície do Pan- pera e multivariada vegetação das caatingas. Trata-se
tanal Mato-Grossense e as largas e ricas planícies de um grupo de combinações de fatos físicos e bio-
das depressões periféricas sul-rio-grandenses. No lógicos essenciais para a caracterização de algumas
médio vale do São Francisco, a depressão periférica das principais paisagens tropicais brasileiras. Nos
regional possui extensíssimos afloramentos de calcá- estudos dos padrões de paisagens intertropicais bra-
rios e margas da Série Bambuí (siluriana?), onde foi sileiras, que estamos realizando, reservamos grande
elaborado o carste brasileiro, em condições úmidas importância para tais fatos que interessam muito di-
e semiáridas, respectivamente, desde a região norte retamente ao campo da estrutura morfoclimática e
de Belo Horizonte até os confins dos sertões são- climatobotânica do interior do país.
franciscanos da Bahia**.
Quanto às condições morfoclimáticas, grande Os grandes problemas da Geomorfologia brasileira
é a variedade de aspectos observáveis nas diversas
depressões periféricas brasileiras. Enquanto no ex- Parecem derivar principalmente de três
tremo sul do país dominam condições climáticas ordens de fatos os grandes problemas que afligem
subtropicais ou temperadas quentes, aliadas a uma a Geomorfologia de nosso país. Em primeiro lugar,
forte umidade, em São Paulo dominam climas sub- temos um grupo de problemas diretamente ligado à
tropicais bem mais quentes, embora menos úmidos. escassez de boas monografias regionais, assim como
Por sua vez, na porção setentrional da depressão a ausência de uma cartografia extensiva e de escol e a
periférica do médio São Francisco e nas depressões falta de bons centros de treinamento científico para
periféricas nordestinas, dominam climas quentes a formação de novas equipes de pesquisadores. Logo
e semiáridos, com efeitos morfoclimáticos iniludí- em seguida, como decorrência direta desse primeiro
veis: baixadas semiáridas intermontanas, tendências grupo de problemas, salienta-se a questão da falta de
contínuas para pediplanação, depósitos detríticos de elementos e de literatura regional suficientes para
fragmentos de quartzo e quartzito pavimentando o uma classificação geomorfológica mais detalhada do
território brasileiro. Finalmente, situa-se o grupo dos
* Ab’Sáber, Aziz Nacib. “Regiões de circundesnudação problemas controvertidos, as questões pendentes ou
pós-cretácea, no Planalto Brasileiro”, 1949.
*** Birot, Pierre. “Morphologie de la région de Recife”,
** Tricart, Jean. “O carste das vizinhanças setentrionais 1957.
de Belo Horizonte”, 1956 (e) Tricart, Jean e Silva, Tereza Car-
doso da. “Un exemple d’évolution Karstique en milieu tropical **** Ab’Sáber, Aziz Nacib. “Pavimentos detríticos atuais e
sec: Le morne de Bom Jesus da Lapa (Bahia, Brasil)”, 1960. subatuais das caatingas brasileiras”, 1959.

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
14

em aberto, assim como o caso de alguns setores e Fernando Marques de Almeida realizou em torno
capítulos da moderna Geomorfologia, que, em sua do relevo e estrutura da Bacia do Paraná.
aplicação ao Brasil, ainda não foram contemplados No que concerne ao Centro-Oeste, a despeito
com estudos de categoria. dos estudos geomorfológicos que ali foram feitos nos
No que se refere às classificações do relevo últimos dez anos, muito há que fazer ainda, cum-
brasileiro e seus problemas, dedicaremos atenção es- prindo, sobretudo, investigar melhor o problema da
pecial, reservando-lhe todo o capítulo final do pre- gênese do Pantanal e do Peneplano Cuiabano e das
sente estudo. Entretanto, no que diz respeito à defi- serras e chapadas circundantes. Impõe-se efetuar
ciência numérica e qualitativa de estudos regionais, novos reconhecimentos das condições estruturais e
tomamos a liberdade de numerar algumas áreas que geomórficas da área situada ao norte e nordeste das
estão a reclamar melhor tratamento bibliográfico, chapadas do Roncador, o conjunto de relevo do ex-
antes mesmo de discriminar alguns dos problemas tenso Planalto dos Parecis, a depressão periférica do
específicos da Geomorfologia brasileira, que devem alto Guaporé, sem querer falar numa revisão sistemá-
merecer a atenção dos especialistas. tica dos delicados problemas de geormorfologia cli-
Enormes são as extensões do território brasi- mática intertropical ali existentes, por toda a parte.
leiro que ainda não tiveram a felicidade de ser enca- Por seu turno, no que diz respeito ao Nordeste
radas sob o prisma e técnicas de trabalho de geomor- e à porção setentrional da Bahia, além de uma com-
fologistas experimentados. É assim, por exemplo, pletação mais bem cuidada dos estudos de detalhe,
que o Planalto das Guianas, em seu setor brasileiro, com o estabelecimento de uma cronologia mais ob-
está necessitando de visitas mais frequentes e pes- jetiva da sucessão dos paleoclimas interferentes, resta
quisas mais demoradas por parte dos aludidos espe- fazer um reconhecimento mais demorado no inte-
cialistas. As recentes pesquisas ali levadas a efeito por rior do Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí, focali-
Francis Ruellan, Octavio Barbosa e Antônio Teixeira zando-se, sobretudo, as serras cristalinas situadas na
Guerra, em grande parte inéditas, serviram bem porção ocidental e norte-ocidental do Ceará e o vão
para demonstrar o número e o teor dos problemas de relevo que separa a Chapada do Araripe da cuesta
de Geomorfologia intertropical ali existentes: a pe- do Ibiapaba. Mas, o próprio Brasil Meridional ainda
diplanação intermontana do médio vale superior do reclama melhores investigações geomorfológicas ao
Rio Branco, os depósitos de bajadas e a extensão das longo da Serra do Mar e da Serra Geral. No Rio
crostas lateríticas, os campos de inselbergs regionais, Grande do Sul, principalmente, há muito o que pre-
as encostas deformadas do Planalto das Guianas, as cisar sobre a gênese das escarpas basálticas, tanto na
cuestas e chapadas pré-roraimanas, as razões do al- zona dos Aparados da Serra, quanto na região ser-
çamento e inversão do relevo na região sedimentar rana do nordeste do Estado. Ainda não se fizeram
do famoso Roraima, as repercussões fisiográficas das bons estudos sobre a região lagunar e a grande res-
flutuações climáticas do Quaternário nessa parte da tinga costeira, enquanto a morfologia do maciço an-
Amazônia brasileira, assim como a verdadeira natu- tigo uruguaio-sul-rio-grandense ainda está por ser
reza das manifestações vulcânicas, não muito antigas, pesquisada.
ali vislumbradas por Octavio Barbosa. Por fim, no que diz respeito aos assuntos es-
Mas não é preciso ir tão longe para encon- pecíficos de Geomorfologia geral e comparada, urge
trar outras áreas que estão a solicitar melhor trata- esclarecer melhor os diversos tipos de relevos tec-
mento por parte dos especialistas em Geomorfologia tônicos do país, o estilo das grandes dorsais e dos
climática e estrutural: em plena porção sudeste do núcleos “bombeados” do Escudo Brasileiro, o com-
Planalto Brasileiro, entre o norte do Rio de Janeiro, portamento da tectônica residual em diversas áreas
o Espírito Santo, o nordeste de Minas Gerais e o do país, assim como a relação entre o arqueamento e
sudeste da Bahia, situam-se alguns dos territórios as famílias regionais de falhas. No setor das grandes
menos conhecidos de nossa bibliografia geomorfo- escarpas terminais do Planalto Brasileiro, à altura
lógica. Isto para não falar na quase absoluta ausência do Brasil Sudeste (problema fundamental e de in-
de estudos sobre o relevo do norte de Goiás, o ex- teresse universal), torna-se imprescindível esclarecer
tremo noroeste da Bahia e o sul e sudoeste do Ma- se se trata de formas de relevo oriundas de falhas ou
ranhão. Urge, sobretudo, efetuar um reconhecimento flexuras-falhas, ou de tipos complexos de escarpas de
mais aprofundado sobre a margem sul, sul-ocidental linha de falha. Torna-se necessário, outrossim, sele-
e ocidental do relevo da Bacia do Maranhão-Piauí, cionar melhor as informações sobre os nossos relevos
completando, naquele setor, os estudos estruturais e tectônicos, agrupando fatos concretos, fatos prová-
estratigráficos que Wilhelm Kegel levou a efeito, e veis e hipóteses de trabalho. Através de pesquisas de
dando continuidade aos reconhecimentos geomor- equipe, entre geólogos e geomorfologistas, talvez se
fológicos que Alfredo José Porto Domingues vem pudesse fazer uma espécie de simpósio para se esta-
de realizar naquelas paragens. Há que fazer em torno belecer melhor o que se pode dizer e o que não se pode
da Bacia do Maranhão-Piauí um pouco daquilo que dizer a respeito dos grandes problemas da tectônica

295
moderna do país, tais como a gênese das serras do São Francisco, assim como as cangas pisolíticas; do
Mar e da Mantiqueira e da Bacia de Taubaté, a natu- Maranhão e de Mato Grosso. Os detritos caóticos
reza dos planaltos em bloco da Bocaina e da Manti- dos pavimentos que atapetam as caatingas nordes-
queira, as inferências tectônicas da Bacia de São José tinas, os cascalheiros de seixos rolados regionais, bem
do Itaboraí, a modalidade das deformações tectônicas como os raros depósitos de bajadas plistocênicos dos
das fossas e bacias cretácicas e eocênicas do leste e “rasos” semidesérticos do Vale do São Francisco,
nordeste do Brasil, a parcela de tectonismo e de forças estão a merecer estudos de maior detalhe, de grande
desnudacionais paleoclimáticas responsáveis pela gê- importância para o estabelecimento de uma crono-
nese do médio Vale do São Francisco, as deforma- logia regional dos paleoclimas do Quaternário**. Tais
ções tectônicas dos maciços antigos eopaleozoicos estudos poderão constituir bons indicadores para a
do sudoeste de Mato Grosso, Santa Catarina, Minas explicação dos processos morfoclimáticos, que res-
Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia, a origem da crip- ponderam pela elaboração ou pelo aperfeiçoamento
todepressão de Marajó, a história tectônica das bacias dos pediplanos nordestinos e baianos. Somente após
de subsidência paleozoicas da Amazônia, o caso da o estabelecimento mais preciso desses episódios
criptodepressão de Nova Olinda, a hipótese sobre a paleoclimáticos, nessas áreas onde eles estão mais
família de falhas da Lagoa dos Patos, a origem das evidentes e mais bem documentados, poder-se-á
escarpas da Serra Geral no sudeste de Santa Catarina estender as pesquisas para as áreas atualmente mais
e nordeste do Rio Grande do Sul etc. etc. úmidas e recobertas de matas densas, onde as pes-
Em trabalho recente, historiamos a evolução quisas sobre paleoclimas necessariamente são mais
dos conhecimentos sobre as superfícies de aplaina- difíceis.
mento e os níveis de erosão no Brasil*. Entretanto, Ainda no setor da Geomorfologia climática
cumpre-nos destacar que muito há que se fazer nesse intertropical, além de uma caracterização mais per-
setor, entre nós. Torna-se necessário uma revisão se- feita das diversas feições morfoclimáticas regionais
letiva dos conhecimentos acumulados sobre o as- das terras brasileiras - tais como as extensões de
sunto, assim como um reagrupamento regional dos morros mamelonares do Brasil Sudeste, os pontões
conhecimentos existentes, tanto no que diz respeito à e “pães-de-açúcar” da mesma área, os chapadões ta-
área de escudos e núcleos de escudos, quanto no que buliformes do Centro-Oeste, as chapadas, os pedi-
se refere ao interior das depressões periféricas. No planos e campos de inselbergs nordestinos, e na área
que concerne ao estudo dos baixos níveis costeiros, subtropical úmida, as coxilhas de diferentes tipos -,
há que precisar melhor o que pode ser considerado há que estabelecer a filiação dessas formas de relevo
subaéreo e o que pode ser tido, certamente, como de com as condições litológicas, a alteração e decompo-
origem marinha. Para tanto, impõem-se rever cuida- sição diferenciais e os paleoclimas modernos. Urge,
dosamente o assunto, à custa de importação e adap- acima de tudo, multiplicar os estudos sobre a decom-
tação de métodos mais modernos e objetivos. posição diferencial e os horizontes de alteração das
Indispensável, ainda, se torna uma caracteri- rochas cristalinas, cristalofilianas, basálticas e alca-
zação mais aproximada dos complexos morfoclimá- linas, assim como caracterizar os processos pedogê-
ticos responsáveis pela existência dessas altas e baixas nicos atuais e subatuais, para melhor explicar a geo-
superfícies aplainadas, a fim de que se estabeleça a logia de superfície de nossas áreas cristalinas sujeitas a
contribuição da peneplanização e da pediplanização, climas tropicais úmidos. A Francis Ruellan devemos
na sua elaboração. Tratando de superfícies de aplai- o início de importantes observações sobre a ação
namento elaboradas em áreas intertropicais, com- da erosão pluvial no modelado do relevo brasileiro,
portaram elas a ação ou interferência de um ou mais em suas diversas modalidades e variações regionais;
tipos de complexos erosivos, variando desde os pe- cumpre agora dar continuidade a tais estudos e fixar
culiares às regiões quentes e úmidas até aos que são um pouco melhor o comportamento da solifluxão
habituais às regiões quentes e áridas ou semiáridas. tropical em terras brasileiras. E é preciso reconhecer,
Muito embora se trate de questões de difícil solução, uma vez mais, que não estamos preparados para,
talvez alguns esclarecimentos sobre tais assuntos com os nossos próprios recursos técnicos e materiais,
possam ser obtidos a partir do estudo sistemático dos atacar essas inúmeras frentes de pesquisas. Por muito
depósitos correlativos, tais como as cangas do Planalto
de Teixeira e Serra dos Martins, as cangas dos pla- ** Em viagens recentes ao N de Minas, centro-oeste da Bahia e
naltos cristalinos de Goiás, a Série Barreiras e suas SE de Goiás, constatamos uma notável riqueza nos depósitos modernos do
crostas ferruginosas superiores, no litoral leste e nor- grande vale, já que ali existem formações mais ou menos análogas e contem-
deste do país, na Amazônia e na depressão do médio porâneas à Série Barreiras, depósitos de baixadas semiáridas plistocênicas e
de baixos terraços fluviais, assim como depósitos fluvioaluviais da planície
* Ab’Sáber, Aziz Nacib. “État actuel des connaissances sur les de inundação atual. Lembramos, portanto, que resta tudo por fazer em re-
niveaux d’erosion et les surfaces d’applanissement au Brésil”, 1956. Vide lação aos diferentes tipos de depósitos correlativos do médio São Francisco,
também “Posição das superfícies aplainadas no Planalto Brasileiro”, 1960. visando a informações geomorfogenéticas e paleoclimáticas.

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
14

tempo, os trabalhos mais especializados, que se hão de um campo de estudos****, que ultrapassa os limites
de fazer em alguns desses setores, ainda terão que ser e as esferas de interesse das pesquisas geomorfoló-
assinados por cientistas estrangeiros*. gicas puras, para interessar a inúmeros outros setores
Está por ser revista, ainda, a velha e contro- das ciências da Terra e da Vida, atingindo, mesmo,
vertida hipótese de uma glaciação ou nivação, local o complexo campo da ciência aplicável e aplicada.
e moderada, nos altos do maciço do Itatiaia, através Nesse sentido, não temos dúvidas: quem mais lucrará
de uma pesquisa mais bem conduzida por especia- com tudo isso será o campo de estudos da estrutura
listas dotados de recursos no setor da observação de das paisagens físicas de nosso país, que é a meta da
fenômenos tropicais de altitude e da análise granulo- moderna Fisiografia. E, entre conhecer a estrutura de
métrica e morfoscópica dos depósitos modernos, ali uma paisagem e diagnosticar sobre o comportamento
existentes num ou noutro ponto**
asserções, errôneas e inverossímeis, parecem ter perdurado até aproximada-
No que se refere aos depósitos de vertentes e mente 1956, ou seja, até a realização do Congresso Internacional de Geo-
outras formações quaternárias detríticas, assim como grafia, do Rio de Janeiro (U.G.I.). Graças aos pesquisadores alienígenas que
a crostas e carapaças lateríticas, há uma grita geral nos visitaram por essa ocasião, evidenciou-se que o Brasil era muito mais rico
pela inauguração de uma nova fase de estudos, a um em depósitos modernos do que se supunha anteriormente. Por outro lado,
tempo de campo e de laboratório, a fim de revalidar ficou bem claro que entre nós existia uma total falta de hábito na observação
os métodos de observação científicos de nossa mor- dos depósitos quaternários e na avaliação de seu significado paleoclimático.
fologia e facilitar a compreensão dos processos mor- Na verdade, temos uma riqueza relativa de depósitos modernos, de grande
foclimáticos atuais, subatuais e pretéritos***. Trata-se importância para as interpretações geomorfológicas, sendo apenas neces-
sário lembrar que nossas descontínuas formações detríticas quaternárias são
* Os conhecimentos sobre as variações dos paleoclimas modernos de certa forma diferentes daquelas amiúde referidas nos livros-texto, porque
no Brasil são desiguais, escassos e muito inseguros. Em um artigo nosso, pertencem esmagadoramente a áreas de drenagem exorreicas e ao domínio
de publicação recente (1957), intitulado “Conhecimentos sobre as flutua- das terras intertropicais não glaciadas, assim como a territórios pobres em
ções climáticas do Quaternário no Brasil”, resumimos tudo o que existia em embasamentos calcários, como também medíocres em matéria de interfe-
nossa literatura científica sobre o assunto, o que perfaz um conjunto irrisório rências da tectônica recente, mormente em seu interior. Nunca será demais
de conhecimentos. Uma nova época de estudos, mais bem conduzidos sobre lembrar que, devido a esses fatos, as fases de pediplanação no Brasil foram
o assunto, vem de se inaugurar após a realização do Congresso Internacional elaboradas em regime de redes hidrográficas exorreicas.
de Geografia (Rio de Janeiro-1956), devido à ação de alguns pesquisadores Até 1956, a impotência metodológica dominante entre nós conduziu a
estrangeiros que nos visitaram, tais como Dresch, Tricart, Cailleux, Birot, maior parte de nossos geomorfologistas para o cômodo setor da geometria
Mortensen, Raynal, Hamelin, Lehman e Miller. Os estudos de tais pesqui- das formas, em detrimento do estudo da roupagem fundamental de nossas
sadores, tendo saído após a redação do presente trabalho, não puderam ser paisagens morfológicas. Simplesmente não podíamos fazer os sedimentos
aproveitados devidamente, em todo o seu exato significado, na síntese que modernos “falar” um pouco de sua história dinâmica, sintetizada por pro-
ora se publica. Entretanto, procuramos relacioná-los na lista bibliográfica cessos morfogenéticos. Não é preciso dizer que a mentalidade puramente
que acompanha nosso texto, a fim de que possam ser encontrados e compul- geométrica de nossa Geomorfologia, até então dominante, responde por um
sados por todos aqueles que se interessam pela marcha dos conhecimentos sem-número de conclusões infelizes, interpretações às avessas e hipóteses
modernos a respeito do relevo brasileiro. absurdas. Pessoalmente, muito cedo tivemos noção desse perigo e de suas
consequências funestas, porém em nada pudemos contribuir para atenuar-
** Uma oportuna revisão dos aspectos mais importantes da ge- lhes o efeito. Decorrem daí, nossos insistentes apelos para a instalação de
omorfologia do maciço do Itatiaia foi publicada em 1957, no Zeitschtift laboratórios especiais para o estudo do significado paleoclimático dos de-
für Geomorphologie, sob a forma de simpósio (“Observations et études à pósitos detríticos modernos do país, os quais representam os únicos docu-
l’Itatiaia”), como resultado de uma excursão especial feita pela Comissão mentos aproveitáveis da sucessão de processos morfoclimáticos, responsá-
de Morfologia Periglacial, da U.G.I., após o término do Congresso Inter- veis pelos diferentes domínios de paisagens intertropicais brasileiras.
nacional, do Rio de Janeiro (1956). Tais estudos assinados por A. Cailleux, A ideia de passar de uma geomorfologia geométrica para uma geomor-
R. Raynal, J. Dresch, P. Birot, P. Macar, H. Mortensen M. Lefèvre e L. E. fologia científica, baseada em rigorosos métodos complementares, empres-
Hamelin, constituem uma revisão científica, honesta e variada, dos princi- tados da pedogênese, da sedimentologia, da hidráulica e da fotointerpretação,
pais problemas geomorfológicos apresentados por esse famoso e enigmático feria a sensibilidade dos ortodoxos, que colocavam o “seu” método, ou o mé-
maciço montanhoso do Brasil Sudeste, que se comporta como um ponto à todo rotineiro de “sua” disciplina, acima dos interesses científicos e intercien-
parte no conjunto das terras altas da fachada atlântica da América Tropical. tíficos. Poucos foram os que honestamente quiseram admitir que se pudesse
Mais recentemente, ainda, o geólogo Heinz Ebert, nos Anais da Academia fazer ao mesmo tempo uma discreta geomorfologia geométrica, ao lado de
Brasileira de Ciências (1960), publicou um estudo sobre o Itatiaia, através uma geomorfologia analítica, dinâmica e quantitativa. Excelentes mentores
do qual defende a velha ideia de uma glaciação local nos altos do maciço, das ciências geográficas brasileiras fizeram o jogo dos comodistas e dos retró-
debaixo de sólidos argumentos relacionados com os depósitos detríticos ali grados, teimando em não entender a validade de tais métodos (adorados cada
existentes. vez mais em quase toda a parte do mundo), como se no Brasil meia dúzia de
teóricos de talento pudessem estancar a avalanche das melhores tendências
*** Até há alguns anos atrás os conhecimentos sobre as formações da Morfologia moderna. O certo é que há todo um acidentado caminho a
detríticas modernas no Brasil eram praticamente desprezíveis, a despeito da percorrer para uma readaptação pessoal a novos métodos de trabalho. Esse é
grande área territorial do país e da macicidade de seu relevo. A julgar pela o preço que os geomorfologistas, pesquisadores colocados em posição mar-
exiguidade das referências bibliográficas e dos estudos de campo, dir-se-ia cadamente marginal, de tipo interciências, terão que pagar para atingir resul-
que as sucessivas vagas, presumíveis, de depósitos terciários e quaternários tados mais originais, duradouros e objetivos em suas pesquisas.
teriam sido varridas extensivamente por um conjunto de enigmáticos pro-
cessos e por uma combinação adequada de circunstâncias sui generis. Tais **** Ver nota nas páginas seguintes.
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*** Muito embora o que se conhece atualmente sobre as formações detríticas modernas - pós-cretácicas e pós-eocênicas - das zonas intertropicais brasileiras
ainda seja um mínimo, na base de critérios associados, de ordem estratigráfica, paleontológica e geomorfológica, pode-se intentar um reagrupamento sistemático
dos mesmos. Visando tão somente a pôr um pouco de ordem nos conhecimentos fragmentários existentes na bibliografia, assim como incluir algumas infor-
mações inéditas que através de fontes diversas chegaram até nós, reconhecemos, em caráter preliminar, cinco domínios diferentes de depósitos pós-cretácicos e
pós-eocênicos no território brasileiro.
1. Começando pelos mais antigos, teríamos um grupo de depósitos e de crostas duras, muito antigas, provavelmente remontantes ao Paleógeno, relacionadas
com climas de tipo savana ou de tipo semiárido áspero. Tais depósitos têm seu grau de antiguidade marcado principalmente por sua posição de cimeira, documen-
tando aplainamentos posteriores à deposição das bacias cretácicas, interiores e anteriores à fase de grande extensão do conjunto de camadas indivisas conhecidas
na literatura geológica brasileira sob o impreciso nome de Série Barreiras. Sua posição cronogeológica relativa deve situar-se entre o Oligoceno e o Mioceno, não
se podendo, entretanto, precisar nada de mais sólido neste setor. Exemplos concretos de tais formações são: as cangas de cumeada do Planalto de Teixeira, na Pa-
raíba (Crandall, Feio, Dresch), os depósitos detríticos e as cangas da Serra do Martins, no Rio Grande do Norte (Crandall, Moraes, Kegel, Ab’Sáber), os arenitos
silicificados pré-Barreiras, em Sergipe (Tricart, Silva), arenitos silicificados pré-Barreiras, do Rio Grande do Norte (Kegel), cangas das cumeadas superiores das
serras do Quadrilátero Central Ferrífero, em Minas Gerais (Harder, Simmons, Issler e Ribeiro), lateritos e cangas do Planalto Central (Ruellan, Almeida, Bar-
bosa, Maack, Ab’Sáber), e dejeções semiáridas e outros depósitos antigos da superfície pós-cretácica e pré-pliocênica dos planaltos ocidentais do Estado de São
Paulo (Queiroz, Christofolletti, Ab’Sáber). Hoje, alguns desses depósitos e neorrochas se comportam como rochas mantenedoras de bordas de chapada, frente de
cuestas, ou cumeadas aplainadas de planaltos cristalinos; outros, devido a movimentos de flexura, ficaram servindo de piso para novas formações, tal como sucede
com os arenitos silicificados pré-Barreiras de Sergipe (Tricart) e do Rio Grande do Norte (Kegel).
2. Um segundo domínio de depósitos detríticos, muito mais espessos e contínuos, é representado por formações até hoje indivisas, existentes em diferentes
quadrantes do Brasil intertropical, conhecidas dominantemente pelo nome de Série Barreiras. Três são as áreas básicas de distribuição de tais camadas: a) área
amazônica, b) área costeira do NE e do E, c) área sanfranciscana, do N de Minas e da Bahia. Entretanto, a elas parecem equiparar-se alguns outros depósitos de
compartimentos de planalto, correlacionáveis ao tipo sanfranciscano, ou seja, os depósitos das bacias de Taubaté, São Paulo, Curitiba, Resende, pelo menos. Tais
formações, ora fluvioaluviais, ora fluviolacustres, ora lacustres, são dominantemente paleógenas, e preferencialmente pliocênicas, embora não comprovadamente
em todos os casos. Nada, entretanto, permite considerá-las homogêneas no detalhe, a despeito de traços similares, como também nada autoriza a adoção de uma
contemporaneidade muito estreita para o seu conjunto, podendo as mesmas ter-se formado entre o Mioceno e o Plioceno-Plistoceno. São sempre posteriores aos
arenitos silicificados descobertos por Tricart e Kegel, assim como parecem ser bastante mais antigos que os depósitos mais delgados e descontínuos, passíveis de
serem considerados tipicamente como plistocênicos no Brasil (cascalheiros de altos terraços; cangas de níveis intermediários; areias, argilas e cascalhos embutidos
localmente na Série Barreiras; depósitos de baixadas semiáridas presumivelmente pós-Barreiras etc.).
3. Em um terceiro domínio, de uma variedade, heterogeneidade e frequência mais intensa, posto que descontínuos e relativamente delgados, surgem os
depósitos certamente plistocênicos do Brasil, alguns dentre eles ricos em mamíferos fósseis. Em geral, trata-se de depósitos locais, de pequena espessura, domi-
nantemente clásticos, fortemente representativos das flutuações climáticas do Plistoceno nas zonas intertropicais e subtropicais brasileiras. Dividem-se em dois
conjuntos bem distintos, um deles relacionado com a vasta área continental brasileira, e outro inteiramente amarrado à extensa faixa de sedimentação costeira do
país. No que diz respeito ao primeiro desse conjunto, há que lembrar que os seus sedimentos, bastante heterogêneos e descontínuos, ocorrem em regiões tão dis-
tantes como os longínquos territórios do Amapá e do Rio Branco, Goiás e Mato Grosso, Nordeste Ocidental e Nordeste Oriental, Bahia, São Paulo, Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul. Estendem-se pelas áreas continentais, sob a forma de cascalheiros, de aluviões antigas e depósitos de bajadas, documentando fases
climáticas semiáridas ou de tipo savana, e demonstrando que o território quando de sua deposição estava em atitude dominantemente erosiva, ao contrário do que
sucedeu quando da deposição da Série Barreiras. Quase todos esses depósitos são de pequena espessura e extensão, tendo posição geomorfológica também quase
sempre bem marcada: antigos níveis de terraços, pequenas bacias rasas de compartimentos de planalto, ou entulho detrítico de pequenas depressões de superfícies
pediplanadas. Às vezes, são depósitos embutidos em áreas topográficas tão bem delineadas e esquemáticas, que favorecem a identificação dos diferentes processos
geomórficos que ali se sucederam, permitindo o estabelecimento da história geológica e fisiográfica da região, com uma notável minúcia e riqueza de informações.
Exemplos de tais depósitos são as formações do Baixo Ribeira de lguape (Silveira, Freitas, Tricart), os depósitos de Castro (Coutinho), a bacia descoberta por
Robert H. Morris em plena porção norte-oriental da depressão periférica gaúcha (Formação Gravataí, de Morris), a Bacia de Volta Redonda (Ruellan, Ab’Sáber),
os depósitos de Açu e de Apodi, próximos aos percées consequentes dos rios Açu e Moçoró (Ab’Sáber), a Bacia de Jundiaí, entre Jundiaí e Quilombo, em São Paulo
(Vageler, Ab’Sáber), os depósitos da baixada semiárida de Maniçobal, a noroeste de Serra Talhada, em Pernambuco (Ab’Sáber), os depósitos e cangas de Belém-
Marajó (Moura, Gourou, Guerra) e do Amapá (Guerra), os depósitos de bajadas do Rio Branco (Barbosa, Ruellan), os depósitos de Camaçari (Ab’Sáber, Tricart),
os cascalheiros elevados do fundo da planície do Recife (Ab’Sáber), os “rasos” semiáridos do Vale do São Francisco (Moraes Rego, Ruellan, Ab’Sáber), em geral re-
presentados por bacias detríticas e pelos chamados “calcários das caatingas”. Nesse conjunto, talvez se enquadrem ainda os depósitos recentemente caracterizados
por Willelm Kegel, sob o nome de Formação Jaicós (1958), assim como os depósitos descritos sob o nome de Formação Alexandra, por João José Bigarella (1959).
Acreditamos que a maior parte dos segredos relativos às flutuações paleoclimáticas do Brasil estejam encerrados nesses diferentes tipos de depósitos, sendo o seu
estudo absolutamente imprescindível para a geomorfologia do país.
4. Em um quarto domínio colocamos, provisoriamente, todos os depósitos aluviais ou fluvioaluviais correspondentes a baixos terraços, existentes ao longo dos
vales dos principais rios brasileiros. Ao contrário dos anteriores, esses depósitos são geneticamente homogêneos na zona continental brasileira, representando
sempre as aluviões antigas que antecederam de imediato à formação das várzeas, banhados ou planícies aluviais recentes. Em geral indicam condições climáticas
diversas das atuais, com dominância de climas ligeiramente mais secos, ou bastante mais secos, como se pode deduzir das ideias recentemente expostas por Jean
Tricart a respeito das condições de gênese dos cascalheiros em zonas intertropicais (1959).
A razão pela qual não os incluímos diretamente no conjunto dos depósitos anteriormente mencionados liga-se a argumentos de ordem cronogeológica e
àquela homogeneidade genética que os caracteriza, onde quer que apareçam. Trata-se de formações aluviais mais antigas que a das planícies atuais, porém geradas
quando os rios brasileiros já estavam hierarquizados em uma rede muito próxima daquela que conhecemos hoje. Em numerosos casos, tais baixos terraços ladeiam
o próprio leito maior dos rios de hoje, indicando uma amarração muito direta ao fundo dos vales de quase todos os rios brasileiros. Cronogeologicamente tais

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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depósitos fluviais talvez sejam do fecho do Pleistoceno. Entretanto, ninguém terá argumentos muito fortes para repelir uma idade pós-glacial, como, por exemplo,
Holoceno inferior, que por acaso alguém venha a sugerir para os mesmos. Na verdade, no estado atual de nossos conhecimentos, eles tanto podem ser considerados
como pertencentes ao Plistoceno superior, como ao hiato Plistoceno-Holoceno, ou ainda ao próprio Holoceno inferior. O certo, porém, é que ao tempo de sua
formação dominavam outras formas de intemperismo em extensas áreas do país, sendo os rios brasileiros, na época, ainda capazes de transportar e afeiçoar grandes
massas de seixos e areias, ao contrário do que acontece hoje.
Julgamos muito difícil fazer a correlação entre tais depósitos de baixos terraços fluviais e os depósitos de terraços marinhos da costa. Aparentemente poder-
se-ia pensar que eles fossem grosso modo contemporâneos das formações de velhas praias e restingas soerguidas, pertencentes aos terraços de construção marinha
de nossas planícies costeiras. Há que estudar melhor a questão, entretanto.
5. Finalmente, o quinto domínio de formações detríticas do Brasil, certamente holocênicas, possui alto grau de distribuição espacial, já que interessa à grande
maioria das vertentes e dos interflúvios das terras de altitude média do país, estendendo-se por outro lado, na forma de sedimentação em processo, por todas as
planícies aluviais dos rios brasileiros, de norte a sul do país. Ao longo dos rios eles se encontram embutidos alguns metros abaixo do nível dos baixos terraços,
enquanto nas vertentes eles recobrem por extensas áreas uma pequena linha de seixos situada entre 0,5 e 2 m de profundidade. Tal linha subsuperficial de seixos
separa em geral o horizonte C de um antigo ciclo pedogênico, em relação a um envelope de detritos mais modernos esparzidos pelas vertentes à custa da solifluxão
recente (Tricart, 1959), e fixados pela cobertura vegetal florestal desenvolvida durante o Holoceno. Referidos vagamente por José Setzer, em trabalhos de há alguns
anos, foi reestudada recentemente por André Cailleux, Jean Tricart, Herbert Lehmann, René Rainal, Marguerite Lefèvre, entre outros. Controvertidas foram as
opiniões até agora sugeridas sobre sua gênese, parecendo, as ideias mais razoáveis, ter sido aquelas expendidas por Jean Tricart em sua “Divisão morfoclimática
do Brasil Atlântico central” (1959).
Nesse último domínio de depósitos incluem-se portanto todos os solos atuais do país, os pavimentos detríticos subatuais e atuais do Nordeste, as películas de
detritos finos, oriundas das ações antrópicas, os grandes banhados ou várzeas das planícies aluviais modernas, assim como os campos de dunas atuais da costa e
os sedimentos das planícies costeiras (marinhos, fluviomarinhos, fluviais, e eventualmente deltaicos). Eles representam a roupagem final que revestiu as paisagens
morfológicas do país, nas vertentes, nos interflúvios e nas planícies. Há que separar dentre eles os que são atuais, subatuais e pós-glaciais antigos, assim como
distinguir, em sua massa, os detritos retrabalhados. Os mais modernos representam o saldo detrítico do tempo em que vêm dominando em nosso território climas
úmidos (Af, Aw, Cf e Cw), os quais interessam quase 90% do país. Por seu turno, uma parte, dentre os mais recentes, representam o chão das terras semiáridas ou
subúmidas do país, num total de aproximadamente 10% do território brasileiro. Sobre eles existe uma boa documentação, posto que fragmentária, da lavra dos
que cuidam de pedologia em nosso país.
No momento, por razões diversas, pode-se dizer que pedólogos, geomorfólogos e geólogos (sedimentologistas) têm o maior interesse em fazer progredir o
estudo sistemático de tais documentos sedimentários. Para explorar mais profundamente o seu grande significado científico e prático, há que estudá-los sob o
prisma conjugado desses diferentes setores das ciências da Terra.

ideal de atividades humanas aplicável às mesmas, há cultos de nosso país. Desta forma, quem se interessar
apenas um curto passo a vencer, segundo pensamos. pela história e pela análise crítica de velhas e mo-
Somente, assim, poderemos atingir plenamente o dernas classificações do relevo brasileiro, publicados
campo da Geografia Aplicada, ou pelo menos encon- antes de 1949, encontrará, no trabalho daquele autor
trar o rumo certo das “aplicações da Geografia”, como um completo apanhado do assunto.
prefeririam Jean Dresch e Pierre Monbeig. De nossa parte, tendo deixado deliberada-
mente esse ingrato problema para o fim do presente
A classificação do relevo brasileiro e suas dificuldades estudo, queremos dizer que somente analisaremos
as tentativas de classificação que nos pareceram
Para quem nunca tentou a experiência, talvez mais completas e aceitáveis, publicadas a partir
pareça relativamente simples o problema do encontro de 1940. De antemão, sabemos o triste destino
de um critério e de uma fórmula para a classificação que aguarda as classificações de um território que
geográfica do relevo brasileiro. Entretanto, trata-se de equivale à metade de um continente e onde os estudos
uma questão que desafiou, por mais de uma vez, a de Geologia e de Geomorfologia regionais ainda são
argúcia de especialistas bem avisados. escassos e imperfeitos. Ninguém, em sã consciência,
Na realidade, a grandeza territorial do país, a poderá pensar em se sobrepor à falta de bibliografia e
ausência de cartas topográficas de escalas úteis e a cartografia sobre determinadas áreas de um país tão
ilusória simplicidade geral das formas do relevo bra- grande, e pretender realizar uma classificação defini-
sileiro, deram motivos para o aparecimento de uma tiva. Entretanto, cumpre reconhecer que toda classifi-
série de classificações incompletas e defeituosas. cação representa um momento na história e evolução
Aroldo de Azevedo*, a fim de justificar uma nova dos conhecimentos científicos de um setor qualquer,
classificação de sua autoria, prestou-nos o grande e, não fossem estas tentativas frequentes de sistema-
favor de inventariar a história dessas classificações, tização metódica dos fatos, nada de útil poderíamos
que se revezaram por mais de um século, e, suces- ter para a iniciação científica e o preparo das gerações
sivamente, foram utilizadas por gerações de homens novas que buscam as universidades.
A primeira classificação importante a res-
* Azevedo, Aroldo de, “O Planalto Brasileiro e o pro- peito do relevo brasileiro foi publicada em 1942
blema da classificação de suas formas de relevo”, 1949. na Geomorphology de O. D. von Engeln, figurando

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num mapa de conjunto sobre as unidades geo- no Pantanal Mato-Grossense, no médio São Francisco
mórficas da América do Sul. Tratava-se, no caso, inferior e no Vale do Guaporé); 3. Planaltos interiores
de uma tentativa de aplicação da classificação das (em duas áreas principais: a primeira, do interior de
unidades geomórficas de von Engeln em relação a São Paulo até as chapadas do Roncador e dos Parecis,
um bloco continental. Seu autor foi o Professor em Mato Grosso; e a segunda, das cabeceiras do São
George Edward Berry*, velho estudioso da Geo- Francisco até o Espigão Mestre e os chapadões do
logia brasileira, que, após uma consulta meticulosa Maranhão e Piauí, além de uma terceira ocorrência
à bibliografia disponível, elaborou o aludido mapa. isolada na região do Monte Roraima); 4. Bacias
Dos dezenove tipos de unidades geomórficas con- abertas em estruturas de mergulho centrípeto (periferia
cebidas por Engeln, George Berry identificou seis da Bacia do Paraná, periferia da bacia paleozoica do
no território brasileiro, a saber: 1. Planícies costeiras baixo Amazonas e periferia da Bacia do Jatobá-Mo-
(distribuídas descontinuamente pelo litoral brasileiro); xotó); 5. Planaltos e planícies oriundos da efusão de lavas
2. Planícies fluviais, lacustres e deltaicas (na Amazônia, (planalto basáltico da Bacia do Paraná, de São Paulo
até o Uruguai); e, finalmente, 6. Massas ígneas antigas
* Engeln, O. D. von. Geomorphology, 1942, pp. 66-67, prancha 1. (escudos guianense e uruguaio-sul-rio-grandense, fa-

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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chada atlântica e porções centrais, sul-amazônica e logo seu patrício, Kenneth E. Caster*, igualmente
bolívio-mato-grossense do Escudo Brasileiro). apaixonado pelo conhecimento científico desse con-
Por paradoxal que pareça, essa foi a primeira e a tinente e, em particular, do Brasil, esquematizou os
única classificação geomorfológica intentada a respeito elementos geográficos paleozoicos da América do Sul
do relevo brasileiro. Entretanto, a despeito de sua (1942), na base da bibliografia disponível e, sobre-
importância, passou quase despercebida de muitos tudo, com o auxílio dos trabalhos de Schimieder e
pesquisadores, quando não citada truncadamente, de Schaffer (1932), Cizancourt (1933) e Keidel (1916-
forma a não se poder avaliar seu verdadeiro significado. 1920). Tal classificação de Caster, proposta através de
Publicada em 1942, num notável esforço de síntese, a um mapa paleogeográfico de tipo “dinâmico”, seria
aludida classificação não pôde contar com alguns tra- pouco mais tarde revista e modificada, por Josué Ca-
balhos geológicos e geomorfológicos fundamentais, margo Mendes**, que na base dos novos mapas geo-
saídos pouco depois, de tal forma que, enquanto co- lógicos do país e de alguns termos emprestados de
locava a área paleozoica do baixo Amazonas e a área Kenneth E. Caster, elaborou uma das primeiras di-
mesozoica de Jatobá-Moxotó no caso de “open basin visões de nosso território em províncias ou unidades
with centripetal dips”, Berry deixava de lado a grande estruturais, desta vez, porém, através de um mapa de
bacia do Maranhão-Piauí, que, a despeito de sua assi- tipo “estático”. Não nos cumpre, entretanto, analisar
metria, é muito mais característica morfològicamente tais contribuições na presente oportunidade, devido
do que as duas outras. Note-se, por outro lado, que ao seu caráter dominantemente geológico.
não havendo bons estudos sobre o relevo de “cuestas” O geógrafo norte-americano Preston E.
em torno da bacia do Paraná, Berry não mapeou James*** e o geólogo brasileiro Alberto Betim Paes
corretamente a porção norte e norte-oriental dessa Leme****, em obras publicadas, respectivamente,
grande bacia gonduânica brasileira. É de se lembrar, em 1942 e 1943, também se preocuparam com a clas-
ainda, que na classificação das unidades geomórficas sificação do relevo brasileiro, debaixo de um critério
de Engeln não figura a expressão “open basin with parte geográfico e parte geológico, mas bem longe dos
centripetal dip”, usada por Berry, a qual procura de- ditames da moderna Geomorfologia. Em relação às
finir uma situação estrutural; pelo contrário, figura subdivisões do Planalto Brasileiro, por exemplo, Al-
a expressão popular “nested saucer basin”, mais pro- berto Betim Paes Leme reconheceu quatro blocos ou
priamente morfológica. Houve, desta forma, da parte províncias, designadas por expressões que revelam um
de Berry, o emprego da expressão aplicável à estru- critério por demais desigual, ou sejam: 1. Serras cris-
tura, ao invés da utilização de um conceito que define talinas; 2. Planaltos areníticos do Nordeste; 3. Planalto
o tipo de morfologia resultante da aludida província Central; e 4. Planalto basáltico. Desta forma, como
estrutural. Outros defeitos menores, por outro lado, bem apontou Aroldo de Azevedo ***** , “Alberto
decorrem das próprias expressões usadas por Engeln, Betim, embora sem resolver o problema sob
em sua classificação geral, tais como “ancient ig- o ponto de vista geográfico, contribuiu poderosa-
neous masses” e “interior plateaus”, que são um tanto mente para sua solução, graças à introdução de certas
vagas, se bem que usadas com o sentido precípuo de unidades topográficas, cuja existência é indiscutível,
“maciços de consolidação antiga”, ou, simplesmente, como as 'Serras Cristalinas' e o 'Planalto Basáltico'”.
“maciços antigos”, e “planaltos sedimentares”. Desta Por sua vez, Preston James, em sua classificação, a um
forma, pensamos que uma nova tentativa de aplicação tempo geográfica e estrutural, distinguiu, no Planalto
das unidades geomórficas de von Engeln ao caso do Brasileiro (que é a parte do território brasileiro que
relevo brasileiro, com ligeiras modificações termino- pode testar a maior ou menor validade de quaisquer
lógicas, ainda poderia prestar excelentes serviços ao classificações), quatro províncias morfológicas: 1. Altos
conhecimento das principais províncias estruturais e planaltos cristalinos; 2. Planaltos tabulares; 3. Planalto
morfológicas de nosso território. de diabásio; e 4. Montanhas baixas. Ainda uma vez,
A publicação de novos mapas de conjunto,
a respeito do território brasileiro, por Avelino * Caster, Kenneth Edward. “The age and correlation of
Columbian devonian strata”, 1942.
Ignácio de Oliveira (1938) e Aníbal Alves Bastos
(1942), em complementação aos extraordinários es- ** Mendes, Josué Camargo. “Súmula da evolução geoló-
forços de cartografia geológica mais antigos de John gica do Brasil”, 1945.
Casper Branner (1920) e ao Atlas geológico do Brasil,
organizado por José Fiuza da Rocha (1933-34) e *** James, Preston Edward. “Latin America”, 1942.
publicado em 1939, redundou numa divulgação ex-
cepcional dos conhecimentos geológicos de conjunto **** Leme, Alberto Betim Paes. “História Física da Terra”,
sobre o Brasil. Desta forma, ao mesmo tempo em que 1943.
George Berry laborava sua classificação geomorfoló-
gica sobre o continente sul-americano, outro geó- ***** Azevedo Aroldo de. “O Planalto Brasileiro e o pro-
blema da classificação de suas formas de relevo”, 1949.

301
neste caso, a despeito de uma certa dose de critério te na terminologia geográfica usual; c) o termo
morfológico-estrutural, trata-se de uma classificação “escarpas”, utilizado com referência ao relevo do
bastante criticável. Por que “altos planaltos” crista- Centro-Oeste, embora aceitável, não é exclusivo
linos, ao invés de maciços antigos rejuvenescidos? E, desta região, uma vez que muitas outras escarpas,
sobretudo, por que “altos planaltos”, em oposição a não menos notáveis, aparecem tanto nas serras
“montanhas baixas”? cristalinas, como no Planalto Meridional e, até
Em 1943, trabalhando independentemente e, mesmo, nas chapadas do Nordeste.
aparentemente, sem ter conhecimento das classifica- Dois anos depois da publicação do notável
ções atrás aludidas, Fábio Macedo Soares Guimarães* estudo de Fábio Macedo Soares Guimarães sobre o
redigiu uma bela síntese sobre o relevo brasileiro e relevo brasileiro, Sílvio Froes Abreu****, a fim de fun-
propôs nova classificação. Após caracterizar os cinco damentar as bases geográficas de um seu não menos
blocos essenciais, que compõem o relevo brasileiro importante trabalho sobre a Geografia da mineração
- os planaltos Brasileiro e das Guianas e as planícies no Brasil, estabeleceu uma despretensiosa classi-
Amazônica, do Pantanal e Costeiras -, fez um crite- ficação em dez unidades, assim discriminadas: 1.
rioso estudo do grande Planalto Brasileiro e procurou Planície amazônica; 2. Peneplano do Nordeste; 3. Pla-
dividi-lo sob um critério geográfico. Após a classifi- nície litorânea; 4. Serras do Mar e da Mantiqueira; 5.
cação já antiga de Delgado de Carvalho**, que prestou Serras do Espinhaço; 6. Serras da Ribeira; 7. Chapa-
serviços a mais de uma geração de brasileiros, a tenta- dões Centrais; 8. Baixada de Mato Grosso; 9. Planalto
tiva de Fábio Macedo Soares Guimarães foi a que mais meridional; e 10. Campina gaúcha. Trata-se de uma
influência teve sobre os estudos de conjunto em re- classificação que, antes mesmo de ser uma divisão em
lação ao relevo brasileiro, nos últimos anos. Dentro do áreas, baseada em critérios geológicos e geomorfo-
esquema desta classificação, o Planalto Brasileiro seria lógicos, pretendeu ser a identificação de certas fei-
formado por: 1. Serras orientais; 2. Peneplanícies nor- ções marcantes do relevo brasileiro para atender ao
destinas; 3. Peneplanícies centro-orientais; 4. Degraus e estudo dos aspectos regionais de nossa Geografia da
patamares meridionais; e 5. Escarpas e chapadões centrais. mineração. Nota-se, perfeitamente, que foi intenção
Trata-se de uma classificação perfeitamente aceitável do autor fazer uma classificação trabalhada, com o
quanto à identificação das unidades essenciais do destino de ser posta em cotejo com as outras, preexis-
relevo brasileiro, porém criticável quanto à nomen- tentes. Entretanto, posto de lado este esclarecimento,
clatura usada para as subdivisões da nossa principal temos que concordar com a procedência dos senões
área de planaltos. Infelizmente, na discriminação das nela entrevistos por Aroldo de Azevedo*****, expressos
unidades morfológicas, houve uma certa mistura de nos seguintes termos:
critérios e acreditamos que, nesse sentido, sejam pro-
cedentes alguns pequenos reparos críticos recebidos Froes Abreu, em sua valiosa classificação, sem dú-
pela mesma, alguns anos após sua publicação. Refe- vida uma das melhores, parece deixar no esque-
rindo-se a ela, diz Aroldo de Azevedo***: cimento certas unidades topográficas de impor-
tância como, por exemplo, o planalto cristalino de
A classificação do Prof. Fábio de Macedo Goiás, que nela aparece incluído nos 'Chapadões
Soares Guimarães constitui, inegavelmente, uma Centrais'. Por outro lado, parece-nos evidente que,
tentativa muito feliz, se encarada no seu conjun- sob o ponto de vista topográfico, não existem ra-
to; e é justo que o felicitemos por isso. Analisada, zões que possam justificar a existência autônoma
porém, em seus detalhes, pode-se-lhe apontar al- dada às 'Serras da Ribeira' pelo ilustre geólogo.
guns defeitos: a) o uso da expressão “peneplaní-
cie”, em nomenclatura geográfica, não nos parece No setor das classificações estruturais ou geo-
aconselhável, por se tratar de termo de sentido tectônicas, a situação foi mais grave, devido à mistura
geomorfológico, que indica uma fase da evolução de critérios e a discriminação injustificável de fatos
do relevo e, não, uma forma deste; b) a expres- concretos, ao lado de fatos induzidos ou meras hipó-
são “degraus e patamares” não nos parece menos teses de trabalho. Já fizemos notar que Alberto Betim
criticável, por não se enquadrar rigorosamen- Paes Leme (1943), em obra de publicação póstuma,
nos legou uma classificação interessante pela argu-
* Guimarães, Fábio Macedo Soares. “O relevo do Brasil”, mentação geológica e tectônica, porém defeituosa
1943. pela sua terminologia, parte litológica, parte geomor-

** Car valho, Carlos Delgado de. “Geografia do **** Abreu, Sílvio Froes. “Fundamentos geográficos da mi-
Brasil” – 1 – Physiographia do Brasil, 1923-1926. neração brasileira”, 1945.

*** Azevedo, Aroldo de. “O Planalto Brasileiro e o pro- ***** Azevedo, Aroldo de. “O Planalto Brasileiro e o pro-
blema da classificação de suas formas de relevo”, 1943, p. 48. blema da classificação de suas formas de relevo”, 1949, p. 48.

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fológica e parte geográfica. Boris Brajnikov* apre- de hipóteses não comprovadas. Não há aqui, porém,
sentou uma outra classificação do território brasileiro lugar para uma discussão mais demorada e cuidadosa
em unidades estruturais, que também merece sérios dessa classificação, que pretendeu ser mais geotectô-
reparos, devido aos critérios que a fundamentam e nica do que morfológica propriamente dita****.
os termos, parte geográficos parte geológicos, utili- Aroldo de Azevedo, em 1949*****, deu à
zados pelo autor em sua elaboração (tais como “ma- publicidade um ensaio por muitos títulos valioso a
ciços” e “zonas de sedimentação mais recente”(?). A respeito do velho e já controvertido assunto da clas-
despeito desse fato e de não ter levado em conta a sificação do relevo brasileiro. A originalidade dessa
existência das classificações de Kenneth E. Caster e nova contribuição residiu na bela pesquisa que o
Josué Camargo Mendes, que lhe são bem anteriores, autor fez sobre as velhas e modernas classificações do
justiça deve ser feita a Boris Brajnikov pela clareza relevo brasileiro e na concisa análise crítica por ele re-
das observações e ponderações do texto em que alizada em torno das classificações que lhe pareceram
procurou distinguir as unidades estruturais do ter- mais importantes. Por outro lado, foi a oportunidade
ritório brasileiro. Senões maiores apontaríamos em desejada para o lançamento de um novo esquema de
relação à tentativa de classificação geotectônica de classificação do relevo do Planalto Brasileiro, já que,
Ruy Osório de Freitas**, na qual, infelizmente, fatos em face do conjunto do território, o autor aceitou a
oriundos de observação estão muito misturados com divisão anterior, em cinco blocos de planaltos e pla-
fatos oriundos de teoria e indução. Sobretudo o fato nícies, conforme o esquema de Fábio Macedo Soares
de ter Freitas adotado o conceito de “planalto” mais Guimarães******.
discutível que possa existir impede sua classificação Levando em conta que, para realizar uma
de ter uma vida mais duradoura. Explicamo-nos: classificação geográfica, cumpriria “utilizar de prefe-
aquele autor aceita que o termo “planalto” possa ser rência termos geográficos” e no “desejo de identificar,
utilizado em um sentido tectônico, puro e exclusivo, sob poucas denominações, as grandes áreas existentes
em relação tão somente a maciços antigos ou escudos. no Planalto Brasileiro”, Aroldo de Azevedo sugeriu
Então, por que não empregar estes termos já consa- a seguinte tríplice divisão: 1. Planalto Atlântico; 2.
grados, mais clássicos e precisos? Temos para conosco Planalto Meridional; e 3. Planalto Central. Segundo
que planalto, pela sua própria formação etimológica, é o autor, tratar-se-ia de áreas bem individualizadas,
uma expressão de caráter morfológico e muito geral, tanto quanto aos caracteres topográficos gerais, como
que geneticamente tanto pode corresponder a velhos no que diz respeito à estrutura geológica.
escudos aplainados e soerguidos, como a bacias sedi- Cumpre-nos lembrar, de início, que, devido à
mentares soerguidas e dissecadas. Aliás, os planaltos sua simplicidade e capacidade intrínseca de enfechar
típicos, como bem o pondera Paul Macar***, são aqueles grandes áreas de unidades morfológicas do Planalto
que correspondem a bacias sedimentares soerguidas. Brasileiro, esta classificação tem tido uma vida muito
Bastaria lembrar mesmo, nesse sentido, que os mais feliz e uma aceitação geral apreciável, não tendo sido
belos planaltos brasileiros são os que tiveram origem feita a ela nenhuma crítica séria e aprofundada. E es-
no soerguimento de nossas bacias sedimentares ou tamos certos de que se trata de um esquema de classi-
sedimentares e basálticas, enquanto muitos de nossos ficação que sempre permanecerá em um determinado
escudos e núcleos de escudos estão transformados em nível do ensino do relevo brasileiro, sem quaisquer mo-
maciços rejuvenescidos ou em verdadeiras montanhas dificações radicais, a despeito de qualquer tipo de crítica
cristalinas. Assim pensando, não reconhecemos muito que a ela venha ser endereçada. Entretanto, cumpre-
valor na parte principal da classificação de Freitas, em nos fazer uma apreciação da mesma, debaixo de um
que o território brasileiro é dividido em “planaltos” e critério a um tempo geográfico e geomorfológico.
“bacias”, ao mesmo tempo que achamos perigosa sua De início, devemos dizer que uma classifi-
discriminação minuciosa e não comprovada de “vales cação geográfica do relevo brasileiro, que pretenda
de afundimento”, “fossas” e “muralhas”. Pensamos ser fundamentada em critério puramente científico,
que Ruy Osório de Freitas há de convir que, na lista terá que assentar-se obrigatoriamente nos ditames da
desses acidentes, por ele elaborada, houve reunião de moderna Geomorfologia. Aliás, seria paradoxal que
casos muito diversos e de fatos de observação, ao lado **** Por outro lado não chegamos ao exagero oposto, ou seja, o de
seguir certos autores norte-americanos que inexplicavelmente só aplicam
* Brajnikov, Boris. “Les grandes unités estructurales du o conceito de planalto a áreas onde pilhas de estratos horizontais ou sub-
Brésil”, 1948. horizontais foram soerguidas (vide, por exemplo, Loberck, Geomorphology,
1939).
** Freitas, Ruy Osório de. “Ensaio sobre o relevo tectô-
nico do Brasil”, 1951. ***** Azevedo, Aroldo de. “O Planalto Brasileiro e o problema da
classificação de suas formas de relevo”, 1949, p. 48.
*** Macar, Paul. “Principes de géomorphologie normale”,
1946, p. 31. ****** Guimarães, Fábio Macedo Soares. “O Relevo do Brasil”, 1943.

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para classificar as unidades ou províncias de relevo de alguns anos, ninguém em sã consciência pode negar
um país alguém recorresse a outra ciência ou campo a originalidade do relevo de cuestas e chapadas es-
científico que não fosse especificamente aquele que culpido na bacia sedimentar do Maranhão-Piauí. No
nasceu para esclarecer tais problemas. Desta forma, caso, aliás, se trata do único exemplo de grandes uni-
em princípio julgamos que só poderá ter força de per- dades geomórficas do Planalto Brasileiro, que apre-
manência a classificação geográfica que for baseada senta condições para se paralelizar com aquelas que
numa síntese bem feita de um mapa geomorfológico, garantem a unidade do relevo da Bacia do Paraná.
moderno e bem trabalhado, a respeito do conjunto de Ali está a outra “nested saucer basin” brasileira, e ali
nosso território. Nesse caso, a classificação geográfica se encontra, na realidade, o outro sistema de cuestas
seria mera decorrência da sistematização da classifi- concêntricas de front externo brasileiro, como já o
cação geomorfológica. E cumpre reconhecer que até notamos*, e conforme, posteriormente, o observou
1949, quando Aroldo de Azevedo escreveu sua classi- Alfredo Porto Domingues**.
ficação, era utopia pensar-se num mapa geomorfoló- No que diz respeito ao Planalto Atlântico bra-
gico de conjunto sobre o território brasileiro. Aquele sileiro, na acepção a ele dada por Aroldo de Azevedo,
autor, quando muito, poderia ter feito uma revisão da há que lembrar o fato de se tratar de um conjunto
classificação de Berry Engeln, a fim de ultimar um enorme de blocos de planaltos cristalinos, de dife-
esquema provisório de classificação geográfica, dei- rentes formas de relevo, estilos tectônicos e sujeitos
xando ao tempo a tarefa de burilar e aparar suas im- a processos morfoclimáticos os mais variados, que
propriedades e insuficiências. Esse talvez tenha sido o território intertropical brasileiro pode apresentar.
o primeiro e maior erro da base da classificação de Tais fatos tornam difícil, senão impossível, defender
Aroldo de Azevedo. Era um caminho difícil, mas sem sua unidade morfológica do Rio Grande do Sul ao
qualquer dúvida o único caminho, a nosso ver. Nordeste Oriental, sendo absolutamente ilusória a
Passando à análise mais direta da aludida clas- aparente homogeneidade que os mapas geológicos
sificação, devemos lembrar que a mesma procurou deixam entrever para os terrenos dessa fachada atlân-
identificar, nos diversos quadrantes do Planalto Bra- tica oriental do país. Aí, a despeito da esmagadora
sileiro, áreas dotadas de condições topográficas e ge- dominância de massas rochosas pré-cambrianas,
ológicas mais ou menos homogêneas, capazes de as- existe uma compartimentação tectônica, parte antiga
segurar a individualidade dos setores discriminados e parte moderna, de grande importância morfológica,
pelo autor. Reconhecendo tais condições, no que se assim como um grande número de feições regionais
refere ao setor meridional do Planalto Brasileiro e en- ligadas às direções da tectônica residual dessa parte
contrando razões para também os identificar na área dos escudos Brasileiro e Uruguaio-Sul-Rio-Gran-
central do país, Aroldo de Azevedo englobou o res- dense. Por outro lado, tratando-se de um vasto bloco
tante do grande planalto sob a designação de Planalto de terrenos antigos, dispostos segundo o sentido dos
Atlântico, como se fosse o setor oriental do extenso meridianos, tal faixa de terras intertropicais brasi-
bloco de relevo. Enquanto planaltos (Planalto Nordes- leiras comporta importantes variações de processos
tino, Chapada Diamantina ou Planalto Baiano, Pla- morfoclimáticos, sendo, por um lado, atingida por
nalto Sul de Minas ou do alto Rio Grande e Planalto climas tropicais úmidos e subtropicais úmidos acen-
do Pampa) e serras cristalinas (Serra do Mar, Parana- tuados, e, por outro, por climas equatoriais e sube-
piacaba, Mantiqueira e Espinhaço) definiriam o setor quatoriais semiáridos, altamente diferenciadores das
atlântico oriental, a depressão periférica (a Depressão feições morfológicas. Identificam-se, a nosso ver,
paulista, o Planalto dos Campos Gerais e a Depressão nesse vasto conjunto de planaltos atlânticos brasi-
do Jacuí) e o planalto arenítico-basáltico (Planalto do leiros e uruguaios, no mínimo três províncias bem
alto Paraná e o Planalto do alto Uruguai ou das Mis- individualizadas: 1. a do Nordeste Oriental Brasileiro;
sões) caracterizariam o setor meridional, e as chapadas 2. a Oriental e Sul-oriental; e 3. a Uruguaia-Sul-Rio-
sedimentares (“serras” maranhenses, chapadas do Piauí, Grandense. Seu estudo e delimitação, porém, restarão
Chapada do Araripe(?), o Espigão Mestre e as cha- por muito tempo na dependência de melhores aná-
padas de Goiás - Mato Grosso) e os planaltos crista- lises e reconhecimentos de campo.
linos (Planalto Sul-Amazônico e Planalto de Goiás, Por último, devemos lembrar que, se um dia for
nos vales do Araguaia-Tocantins) dariam o principal separado o conjunto de cuestas e chapadas do Ma-
traço da originalidade do Planalto Central. ranhão-Piauí daquela grande área identificada por
Estendendo o seu Planalto Central até a área Aroldo de Azevedo como Planalto Central, teríamos
sedimentar das “serras” maranhenses, chapadas e
cuestas do Piauí e até à própria Chapada do Ara- * Ab’Sáber, Aziz Nacib. “O relevo do Brasil (Introdução
ripe, Aroldo de Azevedo deixou passar uma excelente e Bibliografia)”, 1955, p. 3.
oportunidade para rever as classificações anteriores,
nesse setor, a fim de corrigir a um tempo Berry-En- ** Domingues, A. J. P. e Keller, E. C. de S. “Grande Re-
geln e Fábio Macedo Soares Guimarães. Desde há gião Nordeste (O Meio Norte)”, 1955, p. 222.

304
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
14

que referir como principais chapadas do Brasil Cen- um lugar especial para o estudo do litoral no “item” 2
tral aquelas que constituem a região do Roncador da terceira parte de sua classificação, que diz respeito
e dos Parecis. As cuestas e chapadas do quadrante às Planícies Costeiras. Queremos crer que esse engano
oriental e norte-oriental da Bacia do Paraná, posto esteja na dependência da velha e errada tradição de
que localizadas em áreas climáticas e fitogeográficas desligar o estudo das planícies do estudo das terras-
do Brasil Central, pertencem à grande unidade geo- baixas que lhes são vizinhas. Com exceção da planície
mórfica da Bacia do Paraná. Há que lembrar, também, do Pantanal, todas as outras áreas de planícies alu-
que, no Planalto Meridional, não existe apenas uma didas nas classificações do relevo brasileiro são áreas
faixa oriental norte-sul de depressões periféricas, mas de terras-baixas, que englobam tabuleiros e planícies,
um irregular semicírculo de depressões periféricas a como procuramos demonstrar no presente trabalho.
envolver todos os quadrantes daquela grande bacia Entretanto, a classificação de Antônio Teixeira
sedimentar gondwânica, conforme os estudos sobre Guerra só poderá receber uma crítica mais detalhada
o relevo de cuestas na região, levados a efeito nos úl- quando for publicado o texto que a justifique e desen-
timos anos, muito bem o demonstraram. volva. Quanto a nós, ao término do presente ensaio
Por último, queremos lembrar que é sobretudo de caráter geral sobre o relevo brasileiro, vimo-nos
pelas subdivisões propostas para o relevo brasileiro obrigados a sintetizar nossas principais observações e
que a classificação de Aroldo de Azevedo merece ideias, em um esquema de classificação sintética, que,
especiais elogios, pois representou um sério trabalho como todos os anteriores, deverá ir sofrendo modi-
de reconhecimento preliminar de unidades de re- ficações graduais, à medida que o acúmulo de novos
levo mais ou menos bem individualizadas, a despeito conhecimentos o exigir**. É preciso aproveitar o que
mesmo de sua delimitação imprecisa. de melhor os outros autores fizeram e deixar de pre-
Após a classificação de relevo proposta por tender fazer classificações inteiramente novas e revo-
Aroldo de Azevedo, há a citar apenas um novo es- lucionárias, assim como relembrar que uma classifi-
quema da autoria de Antônio Teixeira Guerra, pu- cação é uma tentativa de sistematização da realidade,
blicado em caráter provisório em algumas “notas mas que só pode ter a fortuna de sobreviver quando
sobre o relevo brasileiro”*, o qual será objeto de de- se faz anteceder por uma dissecação completa e sutil
senvolvimento futuro mais aprofundado, conforme se da própria realidade.
depreende das informações do autor. Guerra reco- Desta forma, acompanhando as pegadas de
nhece no território brasileiro: 1. Planalto das Guianas Berry-Engeln, Fábio Macedo Soares Guimarães
(Planaltos Cristalinos e Regiões Serranas); 2. Planalto e Aroldo de Azevedo, e sem intentar subdivisões
Brasileiro: a) Chapadas e Tabuleiros do Meio-Norte; menores, reconhecemos seis unidades principais no
b) Planalto Cristalino e Chapadas residuais do Nor- conjunto do relevo brasileiro, a saber: 1. Planalto das
deste; c) Chapadas e Planaltos Cristalinos do Centro- Guianas; 2. Planalto Brasileiro; 3. Planalto Uruguaio-
Oeste; d) Depressão do alto e médio São Francisco; e) Sul-Rio-Grandense; 4. Baixos platôs (tabuleiros) e pla-
Serra do Espinhaço; f ) Costa atlântica, do Salvador a nícies costeiras; 5. Baixos platôs (tabuleiros) e planícies
Macaé; g) Serras do sudeste atlântico, serras do Mar, da Amazônia, e 6. Planície do Paraguai ou Pantanal
Paranapiacaba e Mantiqueira; h) Planalto meridional; Mato-Grossense. No que diz respeito às subdivisões
e i) Coxilhas e Serras do sudeste do Rio Grande do do Planalto Brasileiro, em caráter provisório, pre-
Sul; e 3. Planície: a) Planície Amazônica; b) Planícies ferimos apenas modificar a divisão proposta por
Costeiras e c) Planície do alto Paraguai. Aroldo de Azevedo, aumentando para cinco as suas
Tal como se apresenta, a classificação de grandes unidades de relevo. Queremos referir-nos
Guerra começa por uma condensação injustificável, à caracterização do relevo da Bacia do Maranhão-
reduzindo os cinco ou seis blocos principais do relevo Piauí, isolado do relevo do Planalto Central, assim
brasileiro a apenas três, sem qualquer razão ponde- como o reconhecimento da Borborema e chapadas
rável. Por outro lado, subdivide ao extremo o Planalto mesozoicas circundantes como outra província mor-
Brasileiro, procurando definir unidades geomórficas fológica, separada da porção oriental e sul-oriental do
de diferentes tipos, naquele grande conjunto. Cumpre
** Nos capítulos iniciais do presente trabalho, referentes
reconhecer, entretanto, que a despeito de ter o autor aos maciços antigos (montanhas e planaltos cristalinos), pla-
sido muito feliz em procurar reconhecer tantas uni- naltos sedimentares e basálticos, às terras-baixas (planícies e tabu-
dades quanto aquelas apresentadas pela realidade, leiros), assim como às cuestas e depressões periféricas, existem
não foi ele muito feliz na nomenclatura proposta para elementos para pequenas classificações isoladas dos diversos
as diversas partes. Maior infelicidade, porém, teve o tipos de relevo que compõem o território brasileiro. Não houve
autor ao incluir um trecho da costa atlântica brasi- aí, entretanto, preocupações de delimitação espacial, que, infe-
leira no estudo do Planalto Brasileiro, quando reserva lizmente, são indispensáveis para as divisões do relevo de um
território qualquer. (N. E. - o autor se refere ao livro, com orga-
* Guerra, Antônio Teixeira. “Notas sobre o relevo do nização de Aroldo de Azevedo, no qual este capítulo de autoria
Brasil”, 1955, p. 94. de Aziz está inserido.)

305
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber

evidente quebra de critério, permaneceu isolada do rável entre aquelas condições e as principais feições
conjunto na classificação de Aroldo de Azevedo, morfoclimáticas dominantes em cada uma delas. La-
preferimos caracterizá-lo como um maciço antigo à mentamos ter que reduzir a extensão abrangida pela
parte, na categoria de pequeno apêndice de planaltos significativa expressão Planalto Atlântico, de Aroldo
cristalinos, que não é somente brasileiro, pois penetra, de Azevedo, que poderá ser utilizada sempre que se
sem solução de continuidade, pelo território uruguaio queira referir ao conjunto de planaltos cristalinos e
adentro. Assim como não se pode falar em um Pla- eventuais compartimentos sedimentares da fachada
nalto das Guianas apenas brasileiro, não se pode atlântica oriental da América do Sul, do Nordeste
pensar em um planalto cristalino gaúcho, apenas sul- Oriental do Brasil até o Rio Grande do Sul e o nor-
rio-grandense. Por outro lado, não se justifica a ex- deste do Uruguai. Na realidade, a borda atlântica do
pressão Planalto do Pampa, porque o termo pampa, Planalto Brasileiro e do Planalto Uruguaio-Sul-Rio-
além de não ser usual no Rio Grande do Sul, é usado Grandense forma uma série de blocos de maciços
em terras uruguaias para designar terrenos planos antigos, bastante diferenciados entre si, represen-
sujeitos a clima e cobertura vegetal especiais. Daí tados pelos planaltos atlânticos do Brasil (Nordestino,
optarmos pela denominação uruguaio-sul-rio-gran- Oriental e Sul-Oriental e Uruguaio-Sul-Rio-Gran-
dense, que consiste em modesta homenagem àquele dense).
país amigo, além de ser uma expressão que poderá ser Maiores detalhes e subdivisões somente po-
posta em paralelo e sobreposição direta à designação derão interessar para futuras classificações pura-
geológica do Escudo Uruguaio-Sul-Rio-Grandense mente geomorfológicas, nas quais seja intentada a
ou Uruguaia, conforme temos usado ultimamente. subdivisão desses setores do Planalto Brasileiro em
Com o fito de homogeneizar a nomenclatura unidades geomórficas de menor escala. Com a mul-
das grandes parcelas do Planalto Brasileiro e pro- tiplicação dos estudos de Geomorfologia regional em
curando atender à média das expressões usadas por nosso território, poderão ser melhor identificadas as
diversos autores, instituições e obras de conjunto, unidades morfoestruturais e morfoclimáticas, até serem
propomos o uso dos seguintes termos: eliminados ou contornados os conflitos entre essas
1. Planalto Central ou Goiano-Mato-Gros- duas linhagens de condições, de certo modo, inde-
sense, onde dominam maciças extensões de planaltos pendentes entre si.
cristalinos, parcialmente recobertos por cangas, e O fato de as grandes linhas da estrutura an-
chapadas e chapadões sedimentares, como as do tiga do Escudo Brasileiro se orientarem, em geral, de
Roncador e Parecis; nordeste para sudoeste, e, eventualmente, de sul para
2. Planalto Meridional ou Gondwânico Sul-Bra- norte, implica uma possibilidade de diferenciação
sileiro, representado por sistemas de cuestas de front mais miúda das feições locais do relevo, através de
externo e grandes extensões de planaltos sedimen- diversas combinações de processos morfoclimáticos
tares e basálticos, dispostos em patamares, rodeados pertinentes a áreas intertropicais. E, se é que tal fato
por depressões periféricas; no Brasil não chega a atingir nem de leve o grau de
3. Planalto do Meio-Norte ou do Maranhão- complexidade e o número de contrastes apresentados
Piauí, representado pelo sistema de cuestas e cha- pelo território africano, aqui também existem uni-
padões tabuliformes da Bacia do Maranhão-Piauí, dades morfoclimáticas diversas, dentro de uma só
numa área onde se processa a violenta transição da província estrutural e geotectônica. É de se esperar
província morfoclimática nordestina para a da Ama- que o desenvolvimento da Geomorfologia climática,
zônia Oriental; entre nós, possibilite uma reclassificação das unidades
4. Planalto Nordestino ou da Borborema e cha- menores de nosso relevo, para melhor compreensão
padas circundantes, centralizado pelo maciço antigo da estrutura das paisagens brasileiras e numa notável
bombeado da Borborema e pelas depressões perifé- contribuição ao conhecimento da Geomorfologia
ricas semiáridas e cuestas de front interno das cha- intertropical.
padas isoladas adjacentes;
5) Planalto Oriental e Sul-Oriental ou Pla-
nalto Atlântico do Brasil Sudeste, o mais complexo e O documentário fotográfico está em
acidentado dos cinco setores de relevo do Planalto "Artigos", no menu pricipal do DVD.
Brasileiro, onde se desdobram as serras e planaltos
do Brasil Leste e as grandes escarpas, depressões tec-
tônicas, planaltos em blocos e “mares de morros” do
Brasil Sudeste.
Optamos por tal solução devido ao relativo
equilíbrio das parcelas territoriais correspondentes a
cada uma dessas províncias morfoestruturais do relevo
brasileiro e devido à ausência de um conflito insupe-
306
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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
15

Releitura de “O sítio urbano


de Porto Alegre”
Roberto Verdum

Introdução

Após 40 anos de sua elaboração, o texto produzi-


do por Aziz Nacib Ab’Sáber (1966) sobre o sítio urbano
de Porto Alegre revela não só a capacidade deste geógrafo
em conceber uma explicação sobre as características dos
diferentes elementos que o compõem, mas, também, de
relacioná-las à problemática de ocupação do espaço ur-
bano. Neste sentido, o autor concebeu suas explicações,
que podem ser consideradas como um registro histórico
daquele momento, na década de 1960, mas que de certa
forma revelaram sua capacidade de fazer uma leitura futu-
ra (prospectiva) das dificuldades que se expressam hoje na
ocupação e no planejamento urbano desse sítio. Isto é, as
revelações desse geógrafo não deixam de ser o registro de
sua capacidade de leitura e análise de um cenário futuro na
época, mas que se revela concreto na atualidade do cotidia-
no porto-alegrense.

Complexidade do sítio

Nas análises feitas por Ab’Sáber (1966), este já apon-


tava uma série de problemas para os urbanistas, geógrafos e
planejadores em geral em função da complexidade do sítio
urbano. Esses se revelam como fruto das irregularidades
geomorfológicas associadas às problemáticas de ocupação
que, de certa forma, podem ser caracterizadas pelas heran-
ças de escolhas pretéritas. A complexidade dessa conjunção
pode ser identificada, já naquela época, quando se analisa a
circulação interna da cidade, a inorganicidade dos traçados
das vias de circulação, os estrangulamentos e as limitações
no crescimento de alguns de seus núcleos.
Para o autor, Porto Alegre apresenta semelhanças com
aglomerações situadas nos bordos ou no fundo das velhas rias.
Está a retaguarda da Planície Costeira e do Sistema Lagunar
Patos. Nesse sítio entrecruzam-se os elementos de relevo de
diversas províncias morfoestruturais: Escudo, Depressão Peri-
férica, Planície Costeira e Sistema Lagunar, o que caracteriza
quadros de relevos variados. Naquele período, o autor apontava
a falta de um estudo mais criterioso em relação ao sítio, capaz
de dar não só a dimensão das características peculiares do
mesmo, mas que também aportasse informações capazes de

307
ALTURA
PROFUNDIDADE

Mapa 1. Mapa físico de Porto Alegre: cristas. Fonte: Menegat et al. (1998), p. 33.

308
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
15

auxiliar no planejamento de sua ocupação.


Destacando essas características peculiares,
Menegat e outros (1998), salientam que todos os do-
mínios morfoestruturais do Rio Grande do Sul ocor-
rem em Porto Alegre, configurando uma paisagem
suave e ao mesmo tempo contrastante. As elevações
residuais das rochas graníticas do Escudo Sul-Rio-
Grandense identificadas como morros e cristas, são
bordejadas por depósitos arenosos quaternários da
Planície Costeira. A crista de Porto Alegre, unida-
de de relevo que se destaca no sítio, é alinhada na
direção nordeste-sudoeste, tendo um comprimento
Foto 1. Primeiro plano: vista parcial do núcleo urbano
de 22 km e largura máxima de 6 km, sendo que sua
de Porto Alegre; segundo plano: enseada do Lago
principal elevação é o morro Santana, com 311 m.
Guaíba e a crista, em 1920. Fonte: Ronaldo Marcos
Esta crista é cortada pelos arroios Cavalhada (por-
Bastos, 1997 – 2003. www.portoimagem.com
ção oeste) e Dilúvio (porção leste).
Propondo-se uma compartimentação geomor-
fológica do sítio identifica-se: as terras altas na área
central, de cristas e colinas, sendo relevos residuais
do Escudo, as terras baixas ao norte, compostas de
planícies e terraços fluviais do Rio Gravataí e do
delta do Jacuí (arquipélago de oito ilhas grandes e
oito menores, com sedimentação deltaica resultan-
te das descargas dos rios Jacuí, Taquari, Gravataí,
Sinos e Caí no Guaíba) e as terras baixas com morros
isolados ao sul, com a presença de traços fluviais e
cordões lacustres do Guaíba, que circundam os mor-
ros residuais.
Nessa compartimentação, a dinâmica se ca-
Foto 2. Primeiro plano: vista da península, área central
racteriza por formas de dissecação (cristas, morros e
e o porto; segundo plano: a enseada e crista de Porto
colinas residuais), principalmente, nos setores centro
Alegre, em 1950. Fonte: Gilberto Simon, 2003. www.
e leste e formas de acumulação (planícies, deltas, ter-
portoimagem.com
raços, cordões arenosos) nos setores norte e sul do
município.
Os modelados de dissecação, destacados já por sua influência no processo de urbanização e, porque
Ab’Sáber, apresentam formas mamelonares alonga- não reconhecer, o da sua degradação, tanto das suas
das, com vertentes convexas no topo, com lajeados formas como das especificidades da cobertura vege-
e campos de matacões, seguidas de vertentes retilí- tal e do solo que o caracterizam.
neas e patamares côncavos em direção a jusante. O
conjunto desses modelados forma uma superfície de Penetração do povoamento
erosão identificada pelas cotas altimétricas de algu-
mas das elevações isoladas ou nas cristas, como: São A ocupação humana desse sítio revela mitos e
Pedro (289 m), Tapera (252 m), Extrema (214 m), a procura de um sentimento de identidade quando
Agudo (210 m) e Abertas (173 m). se trata de buscar suas origens. É o que nos revela
Os modelados de acumulação, ao sul, são pro- Pesavento (1999) quando resgata o “mito fundador”
dutos do retrabalhamento de antigos cordões are- de uma sociedade antiga, como uma necessidade de
nosos de deposição marinha ou lacustre, sendo que representar o espaço e o tempo de sua criação.
os atuais são formas onduladas que se destacam das No caso de Porto Alegre, segundo a autora,
áreas mais aplainadas dos terraços lacustres, onde pode-se referenciá-la como nascida tardiamente em
ainda encontram-se alguns banhados. relação às outras capitais do país, confundindo-se
Na combinação entre os pontais, oriundos das com a história da região. A capital gaúcha se inte-
formas graníticas residuais circulares ou arredonda- gra às características de uma região fronteiriça, ao
das, e os terraços lacustres identificam-se as ensea- mesmo tempo no contexto militar para a consolida-
das de deposição arenoargilosa, que constituem as ção dos domínios portugueses, mas também calcada
praias historicamente frequentadas do município. nos valores dos estancieiros-soldados que recebiam
É esse sítio de complexidade original que cha- sesmarias daquela coroa. É neste referencial que se
ma a atenção de Ab’Sáber naquele período, quanto a chega a Jerônimo de Ornellas Menezes e Vascon-

309
celos, que no século XVIII, recebeu a sesmaria nos
Campos de Viamão, compreendendo os atuais bair-
ros do Centro, Cidade-Baixa, Bom Fim, Floresta,
Navegantes, Independência e Moinhos de Vento.
Na anterior desembocadura do Arroio Dilúvio se
constituiu o pequeno povoamento denominado Por-
to dos Dornelles, quando da chegada dos açorianos
na metade do século XVIII (Pesavento, 1999).
A natureza do sítio sempre chamou a atenção
dos viajantes que passaram em Porto Alegre, como
Saint-Hilaire*, entre 1820 e 1821, e Arsène Isabelle**,
em 1833. Ambos exaltavam o aspecto de anfiteatro
do relevo que atravessa a península (crista de Porto
Alegre), assim como os passeios encantadores das
margens do Guaíba, que se comparavam, segundo
Foto 3. Vista parcial do centro de Porto Alegre, do
eles, às paisagens europeias da época.
Delta do Jacuí e da conurbação norte da Região
Nos referenciais históricos pesquisados por
Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) em direção
Ab’Sáber (1966), a atual cidade de Porto Alegre nas-
à encosta do planalto meridional, sem data. Fonte:
ceu, cresceu e se expandiu pelos promontórios suces-
http://nutep.adm.ufrgs.br/fotospoa/fotospoa.htm
sivos da beirada alta do Guaíba (margem esquerda),
atingindo as planícies aluviais e os baixos terraços.
Este promontório (crista de Porto Alegre) foi o pri-
meiro sítio para o aglomerado dos meados do sécu- Aglomeração urbana
lo XVIII, que se denominou sucessivamente como:
Porto do Dorneles (1740), Porto de Viamão, Porto Em 1961, Ab’Sáber assinalou que Porto Ale-
de São Francisco dos Casais (1751), Porto dos Casais gre já apresentava um desenvolvimento espacial e um
e, finalmente, Porto Alegre (1772). A linha de crista aspecto tentacular e metropolitano. Esta projeção
desse promontório é marcada pela velha Rua Du- feita por ele neste período se concretiza, atualmente,
que de Caxias, numa elevação de uns trinta metros pela dinâmica urbana e pelos dados demográficos
que se encontra com as margens do Guaíba na sua mais atuais. No levantamento populacional de 2005
porção sul, na Ponta da Cadeia. Essa crista central é (IBGE), a população do município era de 1.428.696,
ligeiramente marcada pela existência de reentrâncias enquanto a Região Metropolitana de Porto Alegre
nos flancos setentrionais da mesma, onde a planície apresentava 37% da população do estado, congre-
do Rio Jacuí sofre um alargamento. gando 31 municípios dos 496, totalizando 3.718.778
Para o sul dessa crista, se formam as enseadas habitantes, em 2000 (IBGE).
como verdadeiros anfiteatros, com praias em meia- Ab’Sáber destacou que a cidade nasceu,
lua, numa sucessão de outros promontórios com cresceu e se expandiu pelos promontórios sucessi-
vertentes ligeiramente mamelonares até Itapoã, no vos da beirada alta do Guaíba (margem esquerda),
município vizinho de Viamão. atingindo as planícies aluviais e os baixos terraços.
O Lago Guaíba sempre possibilitou a pe- Estes promontórios, como visto anteriormente, ca-
netração da navegação marítima quando do seu racterizam as cristas estreitas (os espigões, segundo
encontro com as águas da Laguna dos Patos, a ju- Ab’Sáber) com vertentes ligeiramente mamelonares,
sante daqueles cinco rios navegáveis (Jacuí, Taquari, tendo nas suas bases as praias, nas enseadas. Exata-
Gravataí, Sinos e Caí), numa região em que as vias mente, foram estas cristas as barreiras ao povoamen-
terrestres convergem para as colinas e cristas do mu- to historicamente realizado no sentido meridional,
nicípio. com os paredões mais íngrimes na porção central do
Em escala regional, Porto Alegre, com seus maciço de Porto Alegre (220-300 m), entre planí-
primórdios, estava e se encontra até os dias de hoje cies aluviais (<10m) e morros intermediários (80-130
no cruzamento de rotas terrestres interligando a m). Pode-se dizer que essa morfologia influenciou
Campanha pastoril, a oeste, e os núcleos agrícolas a ocupação urbana mais densa, na porção norte, e a
“coloniais”, ao norte. rural, na porção sul do município.
Segundo Pesavento (1999), já no sécu-
lo XVIII a parte central da cidade se organizou
em torno de três ruas principais que iam da parte
* Saint-Hilaire, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do baixa (praia) à parte alta da crista, correspondendo
Sul. 1820-21. São Paulo: EDUSP, 1974. as atuais ruas dos Andradas, Riachuelo e Duque de
** Isabelle, Arsène. Viagem ao Rio Grande do Sul. 1833- Caxias. Assim, neste período, o sítio segregava a
34. Porto Alegre: Museu Júlio de Castilhos, 1946. ocupação humana em duas principais condições, a

310
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
15
cidade alta e a baixa. Na cidade alta habitavam repre- rior do Jacuí, área de terras baixas e alagadiças com
sentantes sociais da burguesia nascente: comercian- canais anastomosados, demonstrando as grandes difi-
tes, altos funcionários e militares. Na cidade baixa, culdades financeiras e tecnológicas que os países tro-
se instalaram pessoas de menor poder aquisitivo e picais e subtropicais úmidos têm para a incorporação
status social, que não tinham condições de morar na dos terrenos aluviais submersíveis e labirínticos, aos
“cidade alta”, além da implantação de um “território quadros do sítio urbano de suas grandes cidades. Essa
negro” constituído por escravos fugitivos. Esta con- área ficou à margem de qualquer ocupação de tipo
dição histórica de ocupação nessa parte do sítio es- urbano, permanecendo relegada à condição de terri-
taria associada, inclusive, às origens da denominação tório de pescadores e de beiradeiros, pontilhado de
atual do bairro Cidade Baixa. moradias semipalafíticas alinhadas ao longo dos “al-
Em relação à expansão urbana mais recente de bardões” das submersíveis ilhas deltaicas. Exceção à
Porto Alegre, além desse núcleo central, Ab’Sáber ocupação mais tardia de moradias secundárias de alto
em 1961 já projetou uma dinâmica em direção ao padrão, ao longo dos mesmos “albardões”, que rompe-
norte do sítio. Marzulo (1993) assinala que a co- ram com a condição de ocupação pioneira destacada
nurbação norte da Região Metropolitana de Porto pelo autor.
Alegre (RMPA) só cessa na encosta do planalto me- Na sua porção central, Ab’Sáber destacou
ridional, o que caracteriza os limites administrativos que a cidade é uma vítima da falta de adaptação e
de Porto Alegre como sendo outras cidades vizinhas, planejamento urbano colonial luso-brasileiro, resul-
ao longo de um eixo marcadamente industrial. A ex- tando em problemas sérios de crescimento urbano,
pansão suburbana de caráter industrial seguiu o eixo sendo que as modificações realizadas que se referem
das estradas (BR-116 e BR-290) e aonde não chegou aos aterros efetuados entre a Rua da Praia e o cais do
esta expansão encontram-se os subúrbios agrários porto, assim como a abertura da Avenida Borges de
que formam uma espécie de cinturão verde, onde Medeiros que interliga os dois flancos do promon-
se observa as plantações rizícolas, já que o cinturão tório, foram desafogos para a circulação interna, na
do tipo clássico sofre a concorrência das zonas ditas parte central da cidade.
“coloniais”. O espigão central que se estende do bairro
Para oeste vislumbra-se aquele conjunto Moinhos de Vento até a Ponta da Cadeia, apresenta
de ilhas do Delta do Jacuí, com frágil equilíbrio diversos estrangulamentos e diversos colos que re-
ecológico, onde as restrições de uso se revelam baixam o divisor daqueles alongados interflúvios.
na proposta de criação de uma Área de Preserva- Segundo o autor, estes estrangulamentos poderiam
ção Ambiental, ainda pouco (re)conhecido pe- ser solucionados com a construção de passagens por
las novas gerações de cidadãos, pelo fato de seu meio de túneis curtos que facilitariam a interligação
distanciamento em relação ao berço desse delta, entre os bairros e desafogariam o volume de circu-
o Lago Guaíba. Neste, revela-se um dos confli- lação. O que foi, na década de 1970, realizado com
tos espaciais da cidade, a construção do muro da a construção do túnel da Conceição sob a crista da
Mauá, que reforça há três décadas as edificações Avenida Independência, interligando o bairro Bom
construídas de costas para o Guaíba, isolando a ci- Fim com a Avenida Mauá, junto ao cais do porto.
dade de sua origem, o cais do porto. Assim como foi a construção dos aterros da
Neste sentido, em 1961, Ab’Sáber já salientou Praia de Belas, que efetivou a Avenida Edvaldo Pe-
que a falta de urbanização é destacada no delta inte- reira Paiva, em parte, atenuando os efeitos da crise
de crescimento que passa a área central da metrópole
nos últimos 50 anos.
Também no centro da cidade, destaca-se o
conflito entre o tradicional e o moderno, entre o
centro histórico e o administrativo, o financeiro, o
comercial e o de serviços; onde os projetos de rea-
tivação e revitalização dos prédios históricos (Hotel
Majestic, Teatro São Pedro, Usina do Gazômetro,
Mercado Público, Prefeitura e Praça XV) reforçam
o interesse de reintroduzir uma nova dinâmica urba-
no-cultural na área central do município.
Na parte nordeste do sítio, verifica-se a ex-
pansão industrial recente, nas ex-cidades dormitó-
rios, onde se concentra o maior desenvolvimento
Foto 4. Avenida Borges de Medeiros, viaduto Otávio
econômico nas décadas de 1980 e 1990.
Rocha, que interliga os dois flancos do promontório na
A leste identifica-se a grafia do caminho para o
parte central da cidade, em 1950. Fonte: Gilberto Simon,
plano retilíneo da Planície Costeira, via auto-estrada
2003. www.portoimagem.com
(BR-290), que se revela como eixo de expansão urba-

311
no-industrial com características de fragmentação do
espaço geográfico, com o estabelecimento de condo-
mínios fechados ao longo dos municípios vizinhos.
Ao sul, visualiza-se a cidade-metrópole que
ainda guarda as características dos tempos em que
o Guaíba era usado pela população nos verões escal-
dantes; em que se implementa os projetos de recupe-
ração da balneabilidade das praias (Grosser, 2000),
com novos empreendimentos imobiliários que frag-
mentam, também, o espaço urbano e o que resta de
ruralidade no município (Barcellos, Rosetta e Koch,
2004).

Dinâmicas que constroem e degradam a paisagem



Em 1961, Ab’Sáber fez referência aos relatos de Foto 6. Vista parcial do Morro da Cruz, exemplo de
viajantes que afirmavam a presença no sítio de Porto ocupação que se expande sobre as encostas da crista de
Alegre de áreas florestais do Brasil atlântico, matas Porto Alegre, sem data. Fonte: http://nutep.adm.ufrgs.
pluviais, à margem da província de pradarias mistas br/fotospoa/fotospoa.htm
dos planaltos e coxilhas meridionais. Predominavam
densas florestas nos morros de nível médio (10-20 a avistados pelos primeiros habitantes desse sítio.
130-160m) e nos baixos terraços embutidos entre os Lutzemberger (1990) também já revelava a
espigões, morros e promontórios regionais. Nas encos- especificidade dos ecossistemas aqui encontrados,
tas mais altas e íngremes existia uma vegetação mais mas igualmente a degradação da paisagem do sítio e
rala e menos contínua. Nas planícies situadas entre os dos arredores de Porto Alegre. Esta paisagem, “uma
espigões havia vegetação adaptada às condições ecoló- das mais velhas do globo”, apresenta dois ecossistemas
gicas dos solos aluviais mais hidratados, mas também associados: a vegetação de campos abertos nos topos
recobertas por um manto contínuo de matas. e na maior parte das encostas e o mato que consegue
Os diques marginais do delta do Jacuí asila- cobrir toda a encosta, ou na forma de capões isola-
vam vegetação florestal do tipo ciliar, sendo as ilhas dos ou ao longo dos cursos d’água. O autor destaca
rasas e alagadiças ocupadas por uma vegetação ar- que este tipo de bosque não ocorre em mais nenhuma
bustiva peculiar aos campos submersíveis regionais, parte do mundo, exclusiva desta porção continental.
sendo ainda possível observá-la, atualmente, em seu No entanto, salienta que a reduzida preocupação pai-
esquema primário. sagística ou ecológica tem levado a destruição destes
Em relação ao esquema sugestivo da vegetação ecossistemas. Neste sentido, aponta a indispensável
sobre os maciços de Porto Alegre só sobre-existem necessidade de disciplinar a exploração dos mesmos
remanescentes nos promontórios meridionais da mar- e a urbanização como processo de ocupação indiscri-
gem esquerda do Guaíba, entre a Ponta da Serraria e minada do sítio.
a Ponta de Itapoã, em Viamão, onde existem paisa- No que se refere às degradações mais recen-
gens botânicas que nos dão uma ideia dos panoramas tes dessa paisagem, Rossato e Silva (2004) salientam
que as mesmas estão relacionadas ao uso inadequado
do solo, por atividades econômicas não adaptas às ca-
racterísticas do sítio, pela super exploração do solo e
pelas ocupações humanas irregulares. Desmatamen-
tos generalizados para a implementação de cultivos,
de indústrias e devido à expansão urbana associada
a camadas menos favorecidas da população são os
processos mais comuns na degradação desse sítio.
Esses autores, assim como Lindau (2000),
Meurer (2000) e Pires (2000), dão destaque à ocu-
pação das cristas de Porto Alegre como desencadea-
doras de degradação dos ecossistemas locais e, con-
sequentemente de desequilíbrios de suas vertentes.
Estes se caracterizam por movimentos de massa e
processos erosivos decorrentes de cortes, remoção da
Foto 5. Vista parcial do Morro do Osso e Praia de vegetação e remobilização do solo para construção
Ipanema, sem data. Fonte: http://nutep.adm.ufrgs.br/ de habitações, muitas vezes precárias.
fotospoa/fotospoa.htm Outro destaque é dado aos problemas de-

312
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
15
correntes da ocupação das planícies aluviais, assim Bibliografia
como aos riscos a que estão submetidas às populações
localizadas nas ilhas do Delta do Jacuí, em função
AB’SÁBER, A.N. 1966. O sítio urbano de Pôrto Alegre (primeiros es-
das dinâmicas de enchentes e alagamentos associa- tudos). Três Estudos Rio-grandenses. Porto Alegre: Faculdade de
dos às precipitações intensas (acima de 30 mm/dia) Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
registradas anualmente, (Martins, 2000 e Crespo, PIRES, C.L. Z. 2000. Impactos ambientais decorrentes da ocupação
2006). irregular nas nascentes da bacia hidrográfica do arroio do Salso:
o caso da Lomba do Pinheiro – Porto Alegre. In: Suertega-
Na relação entre o tempo da(s) sociedade(s) ray, D. M. A.; Basso, L.A. & Verdum, R. Ambiente e lugar no
humana(s) e o da natureza, Rossato e Silva (2004) urbano: a Grande Porto Alegre. Porto Alegre: Ed. Universidade/
avaliam que, no caso de Porto Alegre, “a constru- UFRGS.
BARCELLOS, T. M. DE; ROSETTA, M. & KOCH, M. R. 2004.
ção do urbano acelerou e artificializou o natural”, Tipologia socioespacial de Porto Alegre – 1980/1991. In: Ver-
gerando a deterioração das águas, inundações, ala- dum, R.; Basso, L.A. & Suertegaray, D. M. A. (Orgs.). Rio
gamentos, poluição atmosférica e a degradação da Grande do Sul: paisagens e territórios em transformação. Porto
Alegre: Ed. Universidade/UFRGS.
paisagem. Estas geram a diminuição da qualidade de CRESPO, A.O. S. 2006. Urbanização e os impactos causados pela chuva
vida, sendo que neste sentido se coloca como neces- em Porto Alegre (2000-2005). Trabalho de Conclusão de Cur-
sário a urgência do (re)conhecimento das demandas so. (Graduação em Bacharelado em Geografia) - Universidade
sociais que se ampliam, coadunada com o (re)conhe- Federal do Rio Grande do Sul. Orientador: Roberto Verdum.
2006.
cimento das especificidades desse sítio, conformado Grosser, A.J. M. 2000. Percepção na qualidade ambiental: Praia do
pelas dinâmicas naturais e pela sucessão histórico- Lami, Porto Alegre/RS. In: Suertegaray, D.M. A.; Basso, L. A.
cultural de sua ocupação. & Verdum, R. Ambiente e lugar no urbano: a Grande Porto Alegre.
Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS.
Lindau, H.G. L. 2000. Diagnóstico da ocupação da encosta noroeste
Olhar no tempo e no espaço do morro da Polícia/Porto Alegre-RS. In: Suertegaray, D.M. A.;
Basso, L. A. & Verdum, R. Ambiente e lugar no urbano: a Grande
Resgatar o olhar de Aziz Nacib Ab’Sáber so- Porto Alegre. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS.
LUTZEMBERGER, J.A. 1990. A paisagem dos arredores de Porto
bre o sítio urbano de Porto Alegre nos transporta a Alegre. Revista Brasileira de Geografia. Rio Janeiro, 52 (3): 7-10.
uma viagem no tempo e no espaço. Esta viagem re- MARTINS, D.P. 2000. Impactos da chuva no aglomerado urbano de
vela a concretude da composição e da dinâmica de Porto Alegre/RS. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação
em Bacharelado em Geografia) - Universidade Federal do Rio
diferentes elementos que compõem o sítio de beleza Grande do Sul, Orientador: Roberto Verdum. 2000.
reconhecida e, também, a criação de uma sociedade MARZULO, E.P. Imagens e reflexões peninsulares: Porto Alegre.
que se identifica como pertencente a ele e participa- In: Panizzi, W. & Rovatti, J.F. (Org.) Estudos urbanos: Porto
tiva no processo de sua urbanidade. Alegre e seu planejamento. Porto Alegre: Ed. Universidade/
UFRGS – Prefeitura Municipal de Porto Alegre. 1993.
Ab’Sáber identifica e antevê as dificuldades MENEGAT, R.; PORTO, M. L.; CARRARO, C. C. & FERNAN-
que se expressam na ocupação e no planejamento ur- DES, L. A. D. Atlas Ambiental de Porto Alegre. Porto Alegre: Ed.
bano desse sítio, realidade que integra o cotidiano Universidade/UFRGS. 1998.
MEURER, M. 2000. Processos de ravinamento no setor de meia-encos-
do porto-alegrense. Isto se deve pela sua dinâmica ta associados a rochas cristalinas: o caso da vertente norte do Morro
complexa, mas também pelas opções de ocupação Santana – Porto Alegre/RS. Trabalho de Conclusão de Curso.
humana que se reconhecem ao longo de sua história. (Graduação em Bacharelado em Geografia) - Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Orientador: Roberto Verdum.
Nesta trajetória, se identificam ecossistemas raros só 2000.
aqui encontrados, mas igualmente a sua degradação. PESAVENTO, S. J. 1999. O imaginário da cidade: visões literárias
Com a necessidade desta ser disciplinada e, ao mes- do urbano – Paris, Rio de Janeiro, Porto Alegre. Porto Alegre: Ed.
mo tempo, orientar a urbanização para que não seja Universidade/UFRGS.
ROSSATO, M. S. & SILVA, D. L. M. 2004. A reconstrução da pai-
um processo de ocupação indiscriminada do sítio, se sagem metropolitana de Porto Alegre: o tempo do homem e
efetivam formas de intervenção participativa nas de- a degradação ambiental da cidade. In: Verdum, R.; Basso, L.
cisões de planejamento local. A. & Suertegaray, D.M. A. (Org.) Rio Grande do Sul: paisagens
e territórios em transformação. Porto Alegre: Ed. Universidade/
Neste sentido, as diversas leituras que se acu- UFRGS.
mulam sobre Porto Alegre, de hoje e a de amanhã,
carregam a complexidade da imbricação existente
entre a natureza desse sítio e as dinâmicas sociais que
o transformam e o recriam a cada intervenção, he-
ranças de escolhas pretéritas e produto de paisagens
futuras.

313
O sítio urbano de Porto Alegre:
estudo geográfico

Aziz Nacib Ab’Sáber

1965. O sítio urbano de Pôrto Alegre: Dentre as aglomerações urbanas que, à altura dos
estudo geográfico. São Paulo. meados do século XX, alcançaram um desenvolvimento es-
Boletim Paulista de Geografia, 42: pacial notável, e adquiriram um aspecto tentacular e metro-
3-30.
politano, raras são aquelas que apresentam um sítio urbano
tão complexo e diversificado como Porto Alegre. Salvo,
certamente, os exemplos já famosos do Rio de Janeiro e
de Salvador, que constituem esquemas dos mais bizarros e
complicados exibidos por qualquer cidade do mundo, acre-
ditamos encontrar-se Porto Alegre em um terceiro caso
de sítio urbano, em ordem de dificuldades decrescente, no
conjunto das grandes cidades brasileiras. Isto decorre das
condições sui generis que lhe são peculiares, as quais en-
cerram sérios problemas para urbanistas, geógrafos, geo-
técnicos e administradores.
Nesse sentido lembramos que o panorama dos sí-
tios urbanos das grandes e médias cidades brasileiras é su-
ficientemente variado para nos possibilitar uma tentativa
de agrupamento ou reagrupamento dos tipos de sítio que
lhes serve de chão e base topográfica. Existem cidades bra-
sileiras que são privilegiadas, por princípio, quanto ao sítio
urbano, pois se situam em largos compartimentos ou pa-
tamares de planalto: Curitiba, Belo Horizonte, Campinas,
Campo Grande, Goiânia, Brasília, Uberlândia, São Paulo.
Outras situam-se em áreas de relevo marcadamente tabu-
liforme, tais como os famosos “tabuleiros” da costa nordes-
tina ou interior da Amazônia: João Pessoa, Natal, Manaus.
Muitas outras se aproveitam das esplanadas suaves e relati-
vamente enxutas de alguns tratos de planícies costeiras ou
de sistemas de baixos terraços litorâneos ou sublitorâneos:

314
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
15

Recife, Belém, Santos, Paranaguá, Pelotas, Joinville, originais e diversificados da paisagem urbana desta
Campos. Mas, em contraste flagrante, destacam-se grande cidade do Sul do Brasil.
sítios altamente irregulares e problemáticos, he- Se é que existe nos trabalhos dos viajantes,
ranças de escolhas pretéritas - sítios defensivos, naturalistas e geógrafos, que passaram pelo Rio
compartimentos de vale em eixos de penetração, Grande, excelentes pinceladas sintéticas sobre o sítio
sítios portuários complexos, montanhas auríferas - original onde foram instaladas as primeiras constru-
tais como Salvador, Ouro Preto, Rio de Janeiro e, até ções urbanas (Saint Hilaire, Elisée Reclus, Aroldo
certo ponto, Porto Alegre. Cada uma dessas últimas de Azevedo e Jean Roche), falta até hoje qualquer
aglomerações citadas guardam um sem-número de estudo mais criterioso do sítio urbano, em escala me-
problemas derivados especificamente de seu próprio tropolitana, suficientemente minucioso para poder
sítio urbano. Se, por um lado, elas devem um pouco interessar a geógrafos, urbanistas e administradores.
de sua excepcional originalidade ao sítio em que Ao iniciarmos a presente tentativa para sinte-
foram implantadas, por outro lado herdaram dele tizar os principais aspectos do sítio urbano de Porto
a maior parte de seus grandes problemas urbanos, Alegre, nos deparamos logo de saída com uma série
tais como: circulação interna, inorganicidade de tra- de problemas de critérios, parte metodológicos, parte
çados, estrangulamentos e limitações no crescimento dimensionais. Entretanto, não pretendendo realizar
de alguns de seus núcleos essenciais, entre outros um estudo de maior fôlego, amplo e minucioso,
tantos fatos. No caso de Salvador, a cidade está es- fomos obrigados a optar por um apanhado, a um
trangulada em duas metades irregulares pela escarpa tempo sintético e analítico, do esquema atual do sítio
de linha de falha regional. Vitória escalona-se morro urbano da Metrópole e de seus subúrbios, visando
acima, à beira da ria que justificou sua implantação propor problemas e assinalar fatos, antes mesmo que
e seu crescimento. As cidades da zona aurífera de esgotar um assunto de tão variadas e sérias implica-
Minas Gerais cresceram a partir do fundo apertado ções técnicas e científicas.
de um vale, subindo vertentes íngremes e galgando No presente trabalho, portanto, ter-se-á apenas
espigões estreitos, em busca de patamares situados a preocupação de caracterizar os diferentes ele-
a níveis diferentes. O Rio de Janeiro, por seu turno, mentos topográficos que participam da condição de
apertado entre as montanhas e o mar, estirou-se pelas sítio urbano da aglomeração porto-alegrense, fazendo
planícies estreitas e descontínuas, adquirindo um gi- a abstração quase completa dos assuntos geotécnicos
gantesco e irregular organismo metropolitano. que outros poderão analisar com mais propriedade e
A rigor, entretanto, Porto Alegre não en- autoridade. Por outro lado, por força das circunstân-
contra um ponto de comparação que seja como cias, seremos obrigados a dar mais atenção a certos
os casos citados, pois na capital gaúcha reúnem-se quadros de relevo, fundamentais para a cidade e sua
feições de muitas delas, ao par com feições particu- expansão, do que a outros, que são espaços a urba-
lares que escapam inteiramente a todos os exem- nizar ou terrenos de ocupação imediata muito pro-
plos analisados. Do ponto de vista das cidades li- blemática (Delta do Jacuí, planícies do Gravataí). De
torâneas e sublitorâneas brasileiras, Porto Alegre qualquer forma, porém, o tratamento menos inten-
reúne algumas das feições peculiares a aglomerações sivo que dermos aos aludidos casos ainda assim será
situadas nos bordos ou no fundo de velhas rias, endereçado para o campo do planejamento urbano,
porém surpreende pela sua efetiva interiorização, já já que é sobretudo nesse sentido que sua discussão
que se encontra muito à retaguarda da larga planície pode guardar algum interesse.
costeira e do enorme sistema lagunar da fachada
atlântica do Estado do Rio Grande do Sul. Mais do Os elementos topográficos fundamentais do sítio
que isto, porém, a Grande Porto Alegre situa-se numa urbano de Porto Alegre
área relativamente complexa, onde se intercruzam
ou se aproximam elementos de relevo pertencentes a O organismo metropolitano constituído pela
diversas províncias morfoestruturais do Rio Grande, capital gaúcha e seus subúrbios espalha-se irregular-
fato que desdobra o número de elementos topográ- mente por áreas de relevo pertencentes aos diferentes
ficos que participam do sítio urbano metropolitano. níveis de morros baixos do maciço de Porto Alegre e
Na realidade, trata-se de uma área relativamente às planícies aluviais restritas nele intercaladas. Além
complexa, onde estão presentes trechos do Escudo disso, extravasa pelas planícies e baixos terraços do
Sul-Rio-Grandense, da depressão periférica gaúcha, setor inferior do Jacuí e Gravataí, atingindo parcial-
do fundo da planície costeira e do sistema lagunar. mente as colinas da depressão periférica que contorna
Daí aquela multiplicação de pequenos quadros de o Maciço de Porto Alegre pelo norte, assim como
relevo, observável na região de Porto Alegre, so- abrangendo pequenos trechos do Delta do Jacuí e
mente perceptível para aqueles que, esquecidos das dos morros baixos da margem direita do Guaíba. Tal
comodidades da apertada área central do organismo descrição global demonstra logo de saída que o sítio
urbano, tenham procurado se inteirar dos traços mais de Porto Alegre, no momento atual, envolve todo

315
um mosaico de pequenos compartimentos, bem in- mamelonares, assim como a partir das praias de
dividualizados, irregularmente abrangidos pelas di- beira-rio - situadas em pitorescas enseadas, por entre
ferentes vagas da urbanização regional, porém todos as pontas - o povoamento urbano penetrou maciço
eles comprometidos com a expansão metropolitana adentro, até encontrar a barreira representada pelos
do organismo urbano. paredões mais íngremes da porção central do pró-
A cidade, incluindo os seus bairros me- prio maciço (220-300 m), abrangendo nesta marcha
tropolitanos, nasceu, cresceu e se expandiu pelos planícies aluviais e morros de nível intermediário
(80-130 m). Na realidade, apenas as encostas ín-
gremes do sistema de morros da porção central do
maciço de Porto Alegre conseguiram reter a expansão
dos loteamentos e dos bairros metropolitanos. Ali,
porém, onde as planícies rapidamente se afunilam
ou desaparecem, e onde os morros mais elevados do
nível intermediário cedem lugar às ladeiras dos altos
morros, o povoamento foi obrigado a perder a con-
tinuidade, repartindo-se ou se digitando por entre
os vales e “passos” que seccionam os altos morros,
ou insinuando-se pelos largos colos que dão ligação
com outras unidades de relevo, localizadas nas planí-
cies ribeirinhas do Jacuí e do Gravataí ou até mesmo
na área de colinas da depressão periférica que costeia
Figura 1. A Ponta da Cadeia: extremidade terminal do o lado setentrional do maciço. A faixa de urbani-
promontório fluvial da porção central de Porto Alegre. zação metropolitana que se alonga na beirada alta do
O eixo do espigão central da cidade é aproximadamen- Guaíba, com suas pontas e enseadas fluviais, tem por
te W-SW. Foto: Ab’Sáber, 1965. fundo as encostas norte-ocidentais dos altos morros
da porção central do maciço de Porto Alegre. En-
quanto os citados altos morros têm cotas superiores a
200 m, com um teto de 300 m (no Morro da Polícia),
os morros mais baixos - desfeitos em interflúvios
maciços e de vertentes mamelonares (50-130 m), es-
pigões alongados e patamares escalonados, separados
ou não por pequenos colos (80-130 m), (50-60 m)
e (20-30 m) - possuem uma amplitude altimétrica
que oscila em torno de 120 a 130 metros. Em geral,
no interior desse conjunto, as cotas menores que 10
m coincidem com as planícies aluviais e baixos ter-
raços encerrados por entre os espigões - promontó-
rios que vão morrer às margens do Guaíba. À medida
que tais corredores de terras baixas se estreitam para
Figura 2. Paisagem urbana do setor central de Porto montante, o seu nível altimétrico se eleva, chegando
Alegre, tomada do alto do Edifício Santa Cruz. À a atingir de 20 a 25 m nos pontos onde se encostam
esquerda o eixo da Rua dos Andrades (“Rua da Praia”). nos maciços interiores mais altos.
Ao fundo, as ilhas frontais do Delta do Jacuí, com suas Além dos morros mais elevados da porção
restingas fluviais estendendo-se para W-SW, ganhando centro-ocidental do Maciço de Porto Alegre
áreas pertencentes às largas águas do velho estuário do estendem-se os morros de nível intermediário
Guaíba. Foto: Ab’Sáber, 1965. da região de Viamão. Trata-se de uma superfície
aplainada intermediária, hoje desfeita por uma
mamelonização suave e generalizada. Dos altos dos
promontórios sucessivos da beirada alta do Guaíba morros suaves de Viamão pode-se ver, na direção N, o
(margem esquerda), atingido sucessivamente as pla- corredor mais oriental da depressão periférica gaúcha,
nícies aluviais e os baixos terraços existentes entre os com as planícies aluviais e os terrenos arenosos do
espigões que condicionam tais compartimentos rasos Gravataí e as coxilhas suaves da região de Gravataí.
e descontínuos. Nasceu, assim, amarrada ao fundo de Avistam-se, também, os morros testemunhos de
um velho estuário, implantada num dos promontó- arenitos triássicos (Formação Botucatu), que se
rios ribeirinhos da face oeste do Maciço de Porto destacam à frente do primeiro alinhamento de
Alegre. A partir dos espigões estreitos, escalonados cuestas regionais (Sapucaia, Morungava, Itacolomi).
por colos e patamares de vertentes, ligeiramente Nos interflúvios suaves dos morros de Viamão,

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
15

localizados à retaguarda dos relevos mais salientes - veis, assim como ligeiros embriões de urbanização
que escondem a visão de Porto Alegre em relação aos nas áreas ribeirinhas, outrora completamente iso-
habitantes da velha Viamão -, dominavam até há ladas e esquecidas, já se fazem sentir (1962), ainda
pouco atividades rurais, as quais recentemente vêm que timidamente, nas paisagens das ilhas deltaicas.
sendo ameaçadas pela expansão urbana avassaladora A despeito desses esforços dos pioneiros da
da Metrópole próxima. Clubes de campo, chácaras ocupação do delta, não é de se esperar, por inúmeras
de recreio e educandários, ao lado de áreas de razões, uma urbanização muito rápida do conjunto.
loteamentos populares, substituíram parte das velhas Fora deste terceiro setor do sítio urbano da
tradições agrárias viamonenses. Outro elemento Metrópole, há que fazer referência aos terrenos
que, a despeito de sua falta de urbanização até os mais elevados que se alongam na outra margem
meados do século XX, é parte integrante dos espaços do Guaíba, a seis ou oito quilômetros de distância,
urbanos disponíveis da “Grande Porto Alegre” é, outrora vencíveis por barcaças ou lanchões da linha
sem dúvida, o Delta do Jacuí, localizado ao fundo do Assunção-Guaíba. Referimo-nos aos subúrbios de
velho estuário do Guaíba. Tal área de terras baixas além Guaíba, praticamente adstritos à cidadezinha
e alagadiças, com canais anastomosados, situam-se de Guaíba e aos notáveis acréscimos recentes que
a oeste e noroeste da cidade, colocada em posição tais aglomerações vêm ganhando após a construção
geográfica muito especial, pois localiza-se a um tempo das grandes pontes que fazem a travessia do delta,
no fundo do estuário interiorizado do Guaíba e num e, principalmente, após a formação dos entronca-
largo compartimento de transição entre o corpo mentos de rodovias e autoestradas em posição geo-
principal do Escudo Uruguaio-Sul-Rio-Grandense, gráfica contígua àquela pequena cidade-satélite.
o Maciço de Porto Alegre, e a depressão periférica, Guaíba, que funcionava tão somente como
dotada de terrenos sedimentares permocarboníferos. um ponto de passagem para caminhões e veículos
É uma pequena unidade de relevo que tem desafiado que demandavam a metade meridional do Estado,
os esforços dos urbanistas, demonstrando mais uma ao invés de perder sua vitalidade com o desapareci-
vez as grandes dificuldades financeiras e tecnológicas mento da travessia fluvial e com o advento da tra-
que os países tropicais e subtropicais úmidos vêm vessia a seco, somente ganhou com a mudança, já que
encontrando para a incorporação dos terrenos adquiriu novos bairros e novas funções econômicas.
aluviais submersíveis e labirínticos aos quadros do O seu crescimento recente nos dá uma boa medida
sítio urbano de suas grandes cidades. Na realidade, das aptidões urbanas futuras, inteiramente depen-
existe ali, a menos de um quilômetro de distância, na dentes da extraordinária área de expansão metropo-
outra banda do Jacuí, vis-à-vis ao porto, sítio para litana de Porto Alegre.
toda uma cidade ou um setor de cidade. Entretanto,
as dificuldades de ordem tecnológicas, ao par com
a força da tradição e a incapacidade financeira,
têm contribuído para adiar sine die a sua agregação
definitiva ao organismo metropolitano que nasceu
e se expandiu ali, próximo ao longo da margem
esquerda do Jacuí-Guaíba.
É sabido que, até os nossos dias, a área deltaica
que faz fronteira com o promontório fluvial de mais
antiga urbanização da cidade, apesar da pequena lar-
gura do canal leste do delta, ficou à margem de qual-
quer ocupação de tipo realmente urbano, permane-
cendo relegada à condição de território de pescadores
e de beiradeiros pobres, pontilhada de moradias se-
mipalafíticas, alinhadas ao longo dos “albardões” das Figura 3. A Ponta do Dionísio, situada entre as
submersíveis ilhas deltaicas regionais. enseadas fluviais do Cristal e da Tristeza. A despeito
Com a construção da monumental série da natureza granítica resistente de tais promontórios
de pontes que possibilitam a travessia do delta da beirada alta do Guaíba, existem sinais de níveis de
e a ligação direta de Porto Alegre e do setor erosão escalonados em seus altos (terraços rochosos
norte-oriental do Estado com as mais diferentes elevados e pedimentos quaternários). Foto: Ab’Sáber,
áreas da hinterlândia gaúcha, as terras deltaicas pas- 1959.
saram a ser vistas e consideradas por outros prismas
de ordem econômica e urbanística, tendo sido pro- Em síntese, quatro são as unidades de relevo ou
postos diferentes projetos para sua efetiva incorpo- setores topográficos - às vezes complexos, às vezes
ração aos quadros do sítio urbano metropolitano. homogêneos - que realmente interessam e parti-
Instalações pioneiras de reservatórios de combustí- cipam da condição de sítio urbano da Metrópole

317
tal situação geográfica para a implantação e o desen-
volvimento de um porto de funções marcadamente
transicionais. Na verdade, ali terminava aquela es-
pécie de estuário residual que possibilitava a pene-
tração da navegação marítima antiga até um ponto
relativamente interiorizado da zona sublitorânea
gaúcha; mas ali, acima de tudo, através do uso de
embarcações menores, fazia-se uma transição para a
navegação fluvial, a qual adquiriu importância cres-
cente na penetração e ocupação das áreas ribeirinhas
da depressão periférica e das zonas pré-serranas, si-
tuadas a NW, N e NE. Com muita razão diz Jean
Roche: (1955, p. 32):
Figura 4. Paisagem urbana do Espigão Central de
Porto Alegre (área do Palácio Piratini, Catedral, Fórum A vantagem de Porto Alegre constituía em
e Assembleia Legislativa). No segundo plano, a notável se encontrar no termo da navegação marítima e
enseada fluvial da Praia de Belas, atualmente sujeita a lacustre a jusante de cinco rios navegáveis, numa
aterros artificiais para ampliação da área urbanizável do região em que as vias terrestres convergem para
setor central de Porto Alegre. Ao fundo, a silhueta dos as colinas. Era portanto, uma zona perfeitamente
promontórios fluviais que se estendem pela margem indicada para o estabelecimento de uma praça de
esquerda do Guaíba. Foto: Ab’Sáber, 1965. comércio entre o litoral e a parte ocidental do terri-
tório rio-grandense, entre a Campanha e o Planalto
gaúcha e de seus subúrbios, a saber: 1. Maciço de Porto Setentrional.
Alegre; 2. Depressão Periférica; 3. Delta digitado do
Jacuí; 4. Morros, colinas e planícies de além Guaíba. O certo é que o derradeiro promontório fluvial
Interligando esses quatro compartimentos topográ- da série existente na acidentada margem esquerda do
ficos, ora servindo para separá-los, ora para uni-los, Guaíba reunia as condições de um bom sítio urbano,
está presente permanentemente o organismo fluvial em dominadora acrópole, no estilo defensivo da
do baixo Jacuí e do estuário interiorizado do Guaíba. época, e de uma excelente posição para uma escala
Na realidade, qualquer bom estudo do sítio urbano da navegação marítima e de um transbordo para a
de Porto Alegre terá que levar em conta todo este rico navegação e a penetração fluvial.
mosaico de compartimentos topográficos e de canais Enquanto Rio Grande foi sede da então Pro-
fluviais, sob pena de não se atinar com a verdadeira víncia de São Pedro por um quarto de século (1737-
originalidade geográfica desta região-chave da terra 1763), Rio Pardo por apenas dois anos (1763-1765),
gaúcha. Viamão por oito anos (1765-1773), Porto Alegre man-
teve-se capital por todo o resto do período colonial,
O sítio original da aglomeração porto-alegrense prosseguindo como cabeça da província e, posterior-
mente, do Estado, por todo o Império e a República.
Quando se observa os sucessivos promontórios A mudança da capital de Viamão para um
da ribeira alta do Guaíba e se medita sobre promontório estratégico, situado nos confins inte-
a posição daquele, dentre eles, que serviu de riores da beirada alta do Guaíba - que correspondia
primeiro sítio para o aglomeramento dos meados dos ao fundo de um largo e vistoso estuário residual e ao
século XVIII, persistindo até hoje como área central princípio de uma série de canais deltaicos - obe-
da cidade, atinge-se o delicado ponto de interseção deceu a um excelente critério de escolha de sítio e
onde os problemas de sítio e de posição geográfica posição, que deve ser contabilizado historicamente
se superpõem. É bem evidente que o ponto de a favor dos administradores e engenheiros coloniais
amarração insuperável em que a cidade se apoiou foi que operavam na América portuguesa. De certa
o último e o mais interior dos salientes promontórios forma, entre Viamão e Porto Alegre sucedeu-se o
fluviais de ribeira alta do Guaíba. Outros, similares, se mesmo que entre Olinda e Recife, ou que entre São
estendiam mais para o sul e sul-sudoeste, mas aquele Vicente e Santos, pois o fundo do Guaíba possuía
que foi o preferido e recebeu a atenção especial dos aqueles motivos geográficos e econômicos essenciais
engenheiros coloniais encarregados da cidadezinha que certamente faltavam à pequena e mal situada
embrionária foi exatamente o que ficava a cavaleiro, Viamão. Efetivamente, a função portuária, ainda que
a um tempo, do fundo do velho estuário do Guaíba muito reduzida nos primeiros tempos, ultrapassou a
e da planície deltaica, labiríntica e submersível do todos os outros motivos na justificação da aglome-
Jacuí. ração nascida às margens do Guaíba. Daí a sucessão
É quase inútil insistir sobre a importância de de denominações simbólicas, muito significativas,

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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alusivas a esta sua função vital: Porto dos Dorneles nas zonas pré-serranas e serranas. Se não houvesse
(1740), Porto do Viamão, Porto de São Francisco o sistema lagunar e a grande restinga, interpondo-se
(1751), Porto dos Casais e, finalmente, Porto Alegre entre o oceano e o fundo do estuário interiorizado,
(1772). Note-se, outrossim, que fixado o nome à e dificultando extremamente as relações com o res-
função que o justificou inicialmente, ele perdurou, tante do país e com o resto do mundo, certamente
sendo fundamental até as duas primeiras décadas do a história econômica da região porto-alegrense teria
século XX. sido muito mais vigorosa e acelerada, assim como te-
Nos primeiros tempos, paralelamente com a riam sido mais facilmente superáveis as dificuldades
função portuária, o sítio de Porto Alegre apresentava para a expansão e a conquista da hinterlândia. En-
excelentes condições estratégicas, no setor defensivo. tretanto, não nos cabe aqui sondar o nebuloso campo
Em notável síntese, Jean Roche (1955, p. 34) des- dos esquemas não realizados, que realmente a nada
creveu o pequeno quadro geográfico onde o vilarejo conduzem.
setecentista foi implantado e onde encontrou razões Acreditamos ser tempo de se corrigir uma pe-
para o seu desenvolvimento posterior. Em meio de quena deturpação havida no passado em relação à
suas considerações, Roche anotou com bastante jus- descrição do sítio urbano de Porto Alegre. Acontece
teza o caráter duplo de sítio portuário e sítio de de- que a partir de uma outra pequena síntese, mais an-
fesa, apresentado pela aglomeração porto-alegrense, tiga e muito original, feita por Elisée Réclus (1887),
desde os primeiros tempos, até a primeira metade do a respeito de um setor do sítio urbano da cidade oito-
século passado. centista, tem sido referido, um tanto imprecisamente,
por diversos autores, um caráter de “anfiteatro” em
O berço da cidade foi o promontório rochoso relação ao sítio da cidade (Azevedo, 1952; Roche,
que avança mais de um quilômetro Guaíba adentro 1955). Trata-se de uma dessas imagens, apenas par-
- largo estuário constituído pela confluência do cialmente válidas, e que podem ficar muito tempo na
Jacuí e seus afluentes. Esse promontório é termi- bibliografia sem representar, contudo, inteiramente a
nado pela Ponta da Cadeia, e forma uma elevação realidade.
de uns trinta metros de altitude, cuja linha de crista Em verdade, o que o geógrafo Elisée Réclus fez
é marcada pela velha Rua Duque de Caxias. Ao Sul foi tentar fixar a paisagem urbana que, em fins do sé-
estende-se uma baía pouco profunda (1 a 2 metros), culo passado, era observado a partir das elevações dos
margeada pela Praia de Belas; ao Norte alongava-se Moinhos de Vento (de ENE para WSW), ou seja,
uma faixa aluvial, perlongada pela corrente principal tendo como ponto de observação os patamares ele-
do Guaíba, graças ao que a profundidade atingia pro- vados existentes entre o Hospital Moinhos de Vento
gressivamente 5 metros. Ali é que foram instaladas as e o morro Ricaldone, a cavaleiro da baixada do Bairro
pranchas que constituíram o primeiro equipamento da Floresta. Aliás, trata-se de um local ainda hoje uti-
portuário de Porto Alegre. Esta colina oferecia uma lizado com vantagens, para quem queira ter uma ideia
localização favorável - embora a água não fosse da topografia e da paisagem urbana de uma parte im-
abundante até a metade do século XIX - para uma portante da metrópole porto-alegrense. O observador
pequena cidade; o comércio na cidade baixa, as resi- postado naquelas paragens pode perceber exatamente
dências escalonadas na vertente. As ruas principais aquilo que Réclus habilmente anotou: a existência de
seguiam o eixo do promontório e eram ligadas umas uma reentrância bem marcada, sob a forma de um
às outras por pequenas ruas bastante íngremes. Tal pequeno “embaiamento”, nos flancos setentrionais
localização tinha até um valor militar defensivo: em do espigão-promontório central da cidade. Trata-se
fins do século XVIII, foi o local por um entrinchei- de uma área onde o Espigão Central granítico é li-
ramento que pôs Porto Alegre ao abrigo da ameaça geiramente chanfrado e em que, consequentemente,
espanhola e protegeu a cidade em diversas ocasiões, a planície do Jacuí sofre um alargamento relativo:
ainda durante a guerra dos Farrapos, entre 1835 o conjunto apresentado, localmente, tem o aspecto
e 1845; barrada a depressão da base do promon- de ligeiro anfiteatro ou recôncavo. Aí, nas planícies
tório por uma linha de trincheiras, os assaltantes aluviais ribeirinhas, outrora alagáveis do baixo Jacuí,
eram detidos nos terrenos pantanosos dos arredores localizavam-se alguns velhos bairros periféricos do
(Azenha), e o abastecimento assegurado por via flu- Centro (Quinto Distrito, Floresta), situados entre as
vial permitia um cerco de longa duração. avenidas Cristóvão Colombo, Farrapos e Voluntários
da Pátria (ex-Caminho Novo).
Mesmo ultrapassada a era da penetração pura- O grande problema acertado por esta imagem
mente fluvial, Porto Alegre permaneceu amarrada a de Elisée Reclus foi o de deixar margem para se tomar
um esplêndido cruzamento regional de rotas terres- a parte pelo todo e, com isto, focalizar a atenção para
tres, mantendo sua liderança incontestável na cus- aquilo que era local e ocasional, em detrimento da-
tosa tarefa de integração da Campanha pastoril e dos quilo que é regional e típico. Na realidade, a área
núcleos agrícolas “coloniais” que vieram a se instalar central da cidade é essencialmente um belo promon-

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tório de beira-rio, enquanto que para o sul, Guaíba se irradiam a partir do coração da cidade através das
abaixo, desdobram-se, por entre os desvãos de outros artérias de traçado longitudinal, aproveitando-se dos
tantos promontórios similares, inúmeras enseadas em colos tradicionais de passagem para executar baio-
anfiteatro, apresentando praias fluviais em meia-lua netas de traçado. E a linha de elétricos mais central da
até a terminação do Maciço de Porto Alegre, à al- cidade (circular denominada “linha Duque”) possui
tura da Ponta de Itapoá. Evidentemente, estes são os itinerário tal que evita totalmente a ascensão de la-
mais belos e legítimos anfiteatros exibidos pela região deiras transversais. Com o advento da tração a motor,
de Porto Alegre - exatamente aqueles que melhor os primeiros veículos foram incapazes de vencer al-
participam das paisagens urbanas metropolitanas da guns setores muito íngremes das lombas citadíneas;
aglomeração porto-alegrense, como feições panorâ- somente as viaturas motorizadas modernas podem
micas, dotadas de alto grau de individualização. vencer, com relativa facilidade, a esmagadora maioria
das velhas ladeiras porto-alegrenses. Os pedestres,
Porto Alegre: outra vítima do estilo hipodâmico entretanto, têm um roteiro bem definidos para atingir
ou transpor o Espigão Central, preferindo os lances
Uma limitação essencial que os bem-avisados mais suaves de lombas, correspondentes aos colos e
urbanistas coloniais não puderam resolver, porque não vales de enxurradas que compartimentam o promon-
podiam se sobrepor ao esquema oficial e rotineiro da tório colinoso do Centro da Cidade.
estrutura urbana das cidades luso-brasileiras da época Por outro lado, se é que foi séria a herança ur-
- e muito menos superar a si próprios - foi aquela banística do passado colonial, igualmente grave foram
que dizia respeito ao sistema de arruamento retan- os traçados posteriores, acrescentados aos iniciais de-
gular, dominantemente em tabuleiro de xadrez (estilo vido à expansão da cidade, por volta dos fins do sé-
grosso modo hipodâmico), aplicado indistintamente a culo passado e primeiros anos do atual. Intentou-se
qualquer tipo de topografia do país. Nesse sentido, estender o traçado hipodâmico ao longo dos bairros
Porto Alegre, em sua porção central original, relativa- de Independência e Moinhos de Vento, assim como
mente acidentada, foi mais uma das grandes vítimas para com todos os flancos íngremes do Espigão Cen-
da rigidez e da falta de adaptação funcional e de flexi- tral, na direção de tais bairros. Os bairros situados
bilidade do planejamento urbano colonial luso-bra- em baixadas, em lados opostos ao divisor principal -
sileiro, em relação às condições topográficas especí- respectivamente Floresta e Bom Fim - distantes em
ficas de sítio urbano. Note-se, entretanto, que no caso linha reta, umas poucas centenas de metros entre si,
tratava-se de um sítio em promontório, trapezoidal ficaram por muito tempo quase que totalmente iso-
alongado, particularmente favorável para uma ino- lados e segregados.
vação urbanística e, quiçá, naturalmente fadado para Se é que não houve continuidade total no tra-
uma adaptação mais funcional da estrutura urbana às çado hipodâmico em Porto Alegre, o fato se deve
condições do relevo local. No entanto, optou-se por exclusivamente à descontinuidade marcante que ca-
um rígido - ou quase rígido - traçado em tabuleiro racterizou a multiplicação dos embriões de bairros
de xadrez, desde a antiga “Rua da Praia” até a atual estabelecidos em leque irregular em torno do núcleo
Rua Duque de Caxias, ao longo de toda a vertente inicial da cidade, ou seja, à retaguarda do cinturão
do predestinado promontório colinoso que se voltava de rústicas fortificações que por 70 anos circunscre-
para o lado do delta do Jacuí, ao fundo do Guaíba. veram a cidade ao promontório (1775-1845). Há que
Foram, ao todo, uma dezena de quarteirões em que reconhecer que, em relação aos bairros periféricos do
as ruas longitudinais ao eixo do promontório ficaram Centro, situados em diferentes setores do próprio
na posição horizontal, enquanto que as ruas transver- promontório colinoso, o esquema urbanístico é, em
sais se traduziram por ladeiras de diversos graus de suas grandes linhas, o mesmo do passado mais re-
declividade - algumas com lances ou setores muito moto ou mais próximo, com alterações e adaptações
íngremes. Aliás, dentre elas, uma ou outra apenas, lo- insignificantes, e, às vezes, para pior. As melhores
calizadas em colos ou vales de enxurradas, puderam soluções urbanísticas recentes foram aquelas que se
ofertar melhores condições para a circulação interna. fizeram sentir na interligação do pequeno conglo-
Na era do transporte animal, já existiam sérios merado de bairros periféricos do centro, fato que
problemas para a transposição das lombas escorrega- traduziu-se pela construção de um leque de largas
dias e incômodas, elegendo-se alguns caminhos pre- avenidas, capazes de aguentar um bom volume de
ferenciais para a entrada e saída da cidade portuária. tráfego durante muitos anos. Entretanto, no domínio
Ao sair da cidade, os velhos “caminhos”, cujos nomes restrito da própria área central da cidade permane-
pitorescos restaram na toponímia urbana, seguiam ceram muitos problemas em aberto, clamando por
em espigões divisores, baixos terraços ou setores soluções imediatas. Por essa razão mesma, é justo que
mais enxutos de planícies aluviais, utilizando-se fre- se faça um equacionamento à parte dos problemas e
quentemente dos colos e vales de torrentes a fim de características da estrutura urbana das porções cen-
evitar as lombas mais íngremes. Os bondes elétricos trais tradicionais da Metrópole gaúcha.

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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Sítio e estrutura urbana do Centro de Porto Alegre Possuindo de 50 a 60 metros de altura na ele-
vada e maciça colina de Moinhos de Vento, com uma
Uma série de limitações conjugadas impu- inflexão lateral para o norte (área da Hidráulica e ar-
seram, em quase todas as épocas, sérios entraves ao redores), ele atinge aí sua largura máxima, aumen-
desenvolvimento orgânico do “Centro” da cidade tando de 200 para 800 metros, aproximadamente.
de Porto Alegre. Dentre tais fatores limitantes, dois Depois, na direção da cidade, reduz-se a um divisor
foram particularmente decisivos. Em primeiro lugar, mais estreito e relativamente mais baixo, ao longo
a própria conformação topográfica do promontório da Avenida Independência e da Rua Duque de Ca-
colinoso, que serviu de sítio inicial para a implantação xias, sendo frequentes, porém, irregularidades tanto
do organismo urbano. E, em segundo lugar, a amar- em sua largura como em seu perfil longitudinal. Do
ração definitiva das funções comerciais do centro da alto do bairro de Moinhos de Vento até a praça Don
cidade à área contígua do antigo porto. Hoje, no mo- Sebastião, o Espigão Central de Porto Alegre descai
mento em que a função portuária tem uma impor- de 60 para 15 metros de altitude, tornando a subir
tância muito reduzida na vida econômica da cidade, um pouco mais, ao longo da Rua Duque de Caxias,
ela ainda possui sua área core circunscrita à mesma onde são comuns alturas médias de 25 a 30 metros.
área comercial do passado mais remoto. As instala- Note-se, entretanto, que em nenhum ponto, ao longo
ções portuárias modernas constituem uma magní- destas duas artérias, o Espigão Porto-alegrense al-
fica fachada de edificações e construções amplas de cança mais de 150 metros de largura em seu topo,
beira-rio, urbanisticamente muito bem entrosadas ao sendo comuns estrangulamentos de 15 a 20 metros
resto do organismo urbano, porém dotadas de parti- de largura em alguns pontos da Avenida Indepen-
cipação mínima na vida metropolitana. dência.
O Espigão Central colinoso, constituído por Comparado com o Espigão Central das co-
granitos decompostos até a alguns metros de profun- linas paulistanas, o de Porto Alegre guarda diferenças
didade, constitui a base topográfica principal sobre a morfológicas muito grandes e muito compreensíveis.
qual se assentaram as porções centrais tradicionais da Enquanto o divisor Tietê-Pinheiros em São Paulo
cidade de Porto Alegre. Esse promontório colinoso si- foi talhado em camadas sedimentares modernas, ho-
tuado ao fundo do Guaíba e ao lado das ilhas deltaicas rizontais e sub-horizontais, ao centro de uma bacia
mais frontais do baixo Jacuí possui um traçado grosso de compartimento de planalto, o Espigão Central
modo parecido com o de um trapézio estirado, com de Porto Alegre é um pequeno esporão granítico
eixo maior seguindo a direção ENE-WSW. Inicia-se do maciço cristalino de Porto Alegre, que descai em
na Ponta da Cadeia, através da rampa ascendente e promontório maciço e irregular até à beirada de um
irregular, prolongando-se até os Moinhos de Vento, grande rio. Entretanto, a despeito das irregularidades
onde perde continuidade devido ao estrangulamento frequentes que abaixam e rebaixam sua linha de
transversal que o vale do Prado (Velho) lhe ocasionou. topos, suas vertentes esculpidas em granitos extensi-
A Rua Duque de Caxias e a Avenida Independência vamente decompostos (3-8 metros de profundidade)
possuem seu traçado inteiramente ao longo do di- também apresentavam aspectos mamelonares, quiçá
visor d’água do Espigão Central. Da Ponta da Cadeia com muito maior frequência do que aquelas observá-
até ao ponto onde ele possui uma espécie de pedún- veis nas altas colinas sedimentares paulistanas. Para
culo estrangulado, o Espigão Central possui quatro se aquilatar alguma coisa de mais preciso a respeito
quilômetros de comprimento. Relativamente largo da morfologia das vertentes do Espigão Central tra-
à altura dos Moinhos de Vento - onde ele domina dicional de Porto Alegre, basta fazer observações ao
sobranceiro a planície e o Delta do Jacuí -, o alu- longo dos outros promontórios similares que se es-
dido espigão-divisor perde altura rapidamente na di- tendem mais para o sul, ao longe da beirada alta do
reção da Avenida Independência, estreitando-se em Guaíba.
diversos pontos, assim como passando a apresentar A “finisterra” do promontório cristalino onde
alguns rebaixamentos ou colos suaves; sobretudo, se localizou Porto Alegre é a Ponta da Cadeia, en-
as áreas de rebaixamento eventual (mais do que as quanto que a artéria que se superpôs à sua extremi-
próprias áreas de estrangulamento excessivo) é que dade final é a Rua Duque de Caxias. Ao longo do
foram bem aproveitadas para soluções urbanísticas eixo da Rua Duque, as vertentes do Espigão Cen-
úteis do ponto de vista da circulação interna. Pode-se tral que descaem para os lados da Praia de Belas
afiançar que na porção central de Porto Alegre foram (bairros da Cidade Velha e Menino Deus) são muito
os colos do divisor d’água que possibilitaram uma cir- íngremes e abruptas, enquanto as vertentes opostas,
culação transversal mais cômoda, pondo em ligação que descaem para o centro comercial e o porto, são
os bairros da planície do Jacuí com as áreas urbani- via de regra mais escalonadas e suaves. Esse fato
zadas da Planície do Dilúvio, assim como em relação topográfico, aliado à ação absorvente da função
a outras áreas mais distantes, do interior do Maciço portuária no passado, favoreceu a expansão da área
de Porto Alegre e da beirada alta do Guaíba. central apenas por alguns trechos reduzidos do

321
flanco norte do promontório, em áreas adjacentes ao outrossim, uma tendência para especialização comer-
porto, relegando a porção sul à condição de modesto cial, ao longo das artérias que escapam do centro (co-
bairro residencial de periferia de “Centro”. Assim, mércio de máquinas, autos e peças de automóveis e
a despeito de contíguos, ambos os setores urbanos caminhões; comércio de móveis e núcleos comerciais
do promontório permaneceram separados ou pelo de bairros periféricos; armazéns e depósitos). Aliás, é
menos diferenciados entre si, tanto por suas funções ao longo das portas habituais da aglomeração urbana
como pela sua paisagem arquitetônica e grau de mo- que se pode sentir melhor a força comercial da Me-
vimentação. Esse contraste é sublinhado ainda mais trópole nascente.
devido à presença de uma faixa de mansões antigas No pequeno conjunto do sítio original de
e residências de melhor padrão incluindo bons edi- Porto Alegre, onde domina um traçado relativamente
fícios de apartamentos, ao longo da Rua Duque de arcaico, as únicas modificações ponderáveis e sufi-
Caxias, a qual, além disso, foi condensadora para a cientes para um certo desafogo da circulação interna
localização de importantes edifícios públicos (Cate- foram os aterros feitos no começo do século, entre a
dral, Palácio do Governo, Arquediocese, Assembleia antiga Rua da Praia e a atual linha de cais do porto,
Legislativa, Fórum, Colégio Anchieta, Colégio Se- assim como a abertura da larga Avenida Borges de
vigné). Tais edificações, situadas próximas do ponto Medeiros (na década de trinta), interligando os dois
onde a Rua Duque tangencia lateralmente o Largo flancos do promontório através de um belo traçado
da Matriz, fizeram uma espécie de dupla barreira à em enseladura artificial, com o acréscimo de um via-
expansão do Centro e das funções de área central, duto transversal para garantir a continuidade da cir-
na direção dos velhos bairros residenciais desenvol- culação da Rua Duque de Caxias. Fora disso, exceção
vidos, desde há muito, nos flancos meridionais do feita de alguns alargamentos parciais de velhas ruas,
importante espigão promontório. as obras urbanísticas mais notáveis disseram respeito
Ao par com as barreiras relacionadas com fa- à proteção contra as inundações, que foram o grande
tores puramente topográficos, existem outros fatos flagelo da cidade baixa até os meados do século atual.
que impediram a expansão contínua do “Centro”, na Paralelamente com as belas obras de expansão do
cidade de Porto Alegre. É assim, por exemplo, que porto, para ENE, construíram-se diques e aterros
para os lados da Avenida Independência, um agru- ribeirinhos suficientes para evitar a repetição das
pamento de hospitais, igrejas e escolas fazem uma inundações catastróficas do passado (Roche, 1955,
interrupção quase que total para a penetração da p. 43).
faixa típica de centro, obrigando-a a restringir ao de- O importante a lembrar é que em todo o con-
sajeitado esquema inicial da própria área comercial junto do Espigão Moinhos de Vento-Ponta da Cadeia,
antiga da cidade. Apenas umas poucas penetrações apenas a parte média de um dos flancos da extre-
irregulares do comércio atacadista, acompanhadas midade mais avançada do espigão-promontório que
ou não de uma progressão acentuada das áreas de vimos estudar é que efetivamente asila o “Centro”
degradação social, se fizeram sentir ao longo de al- da cidade de Porto Alegre. Trata-se de uma área de
gumas das radiais que partem do centro. Nota-se, terras voltadas para o trecho estreito dos rios, abran-

Figura 5. O Guaíba entre a Ponta da Serraria (margem Figura 6. A enseada fluvial do Espírito Santo, em vista
esquerda) e a Ponta da Alegria (margem direita). Nesse tomada da Ponta da Serraria na direção dos morros
setor, o Guaíba possui de quatro a sete quilômetros de de Ipanema e Ponta do Cachimbo (margem esquerda
largura. Na frente dos promontórios fluviais da margem do Guaíba, 15 quilômetros ao Sul do Centro de Porto
esquerda aparecem matacões desenterradas e pedras Alegre). Ao fundo, os morros mais elevados do Maciço
bizarras, oriundos da milenária ação de solapagem late- de Porto Alegre. Note-se o assoreamento progressivo
ral da correnteza fluvial. Na área, o Guaíba apresenta da frente da enseada, facilitado pelos juncais e “arbore-
profundidades de 1,5 a 5 m. Foto: Ab’Sáber, 1961. tes” ribeirinhos. Foto: Ab’Sáber, 1961.

322
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
15

gendo apenas um espaço de 400 a 600 metros de lar- e remédios prementes. Não vemos outra fórmula
gura por menos de 1,5 quilômetros de comprimento. senão a de multiplicar as soluções engenhosas, já ex-
O crescimento em altura, através da adoção generali- perimentadas, iniciadas, ou projetadas, a fim de com-
zada da fórmula amorfa e desagradável de “arranha- pensar a gravidade dos problemas acumulados nesta
céu”, tem sido a consequência mais evidente de tais área complexa e absorvente da vida urbana metro-
limitações geográficas básicas, pois, na realidade, o politana. Em Porto Alegre, como alhures no Brasil,
núcleo central da Metrópole não tem por onde se ex- não podendo ser elaborados planos gigantescos - de
pandir, barrado como está por fatos de toda a ordem. alto custo material e elevado padrão tecnológico -
há que procurar aproveitar melhor as pequeninas
possibilidades ofertadas pelo meio natural, fazendo
um planejamento corretivo global, apoiado em pe-
quenos projetos complementares, os quais somados
certamente muito significarão.
A existência de diversos estrangulamentos na
largura do Espigão Central, em diversos pontos da
Avenida Independência, assim como a presença de
alguns discretos colos, rebaixando o divisor daquele
alongado interflúvio, à altura da Rua Duque de Ca-
xias, poderão oferecer oportunidades para soluções
iguais ou similares ao caso da Avenida Borges de
Medeiros. Em diversos pontos da Avenida Inde-
pendência existem lugares para a construção de pas-
Figura 7. Paisagens do Delta do Jacuí, frente à área por- sagens de nível e túneis curtos, os quais certamente
tuária da Metrópole Gaúcha. Note-se a forma curiosa poderão dar ligação direta entre os diferentes agru-
da rasa ilhota deltaica: duas restingas fluviais amarradas pamentos de bairros dos dois flancos do Espigão
a um mesmo banco arenoso, situado a montante. Entre Central, desafogando o alto volume de tráfego que
os dois pontais arenosos que progridem segundo a cor- desnecessariamente se faz à custa de ruas e avenidas
renteza, uma reentrância com assoreamento em pro- centrais.
cesso, facilitado pela ação dos aguapés. Foto: Ab’Sáber, Por seu turno, a execução imediata de obras,
1965. tendendo a completar os aterros da Praia de Belas e
efetivar a construção da Avenida Marginal, poderá
atenuar os efeitos da dolorosa “crise” de crescimento
pela qual vem passando a Metrópole gaúcha nos úl-
timos 25 anos.

Sítio e problemas urbanos: terras e águas na região


de Porto Alegre

Um dos mais graves problemas urbanos da


Metrópole gaúcha está relacionado com o caráter de
“ilha” topográfica que incide sobre o maciço de Porto
Alegre. Na verdade, o pequeno conjunto de morros
e patamares graníticos que formam o chamado Ma-
Figura 8. Efeitos das inundações do fim de agosto de ciço de Porto Alegre está insulado por terras baixas
1965, na área das planícies aluviais do Gravataí e Baixo submersíveis, águas correntes e massas d’águas um
Jacuí (arredores de Canoas). Todos os loteamentos tanto represadas por todos os seus quadrantes. A
populares estabelecidos nas várzeas submersíveis foram saber: ao norte, pelas planícies de inundação do Gra-
duramente castigados pelas inundações excepcionais de vataí; a leste, pela área de lagunas e banhados da pla-
agosto de 1965. Fotografia de João Habens Phuss, por nície costeira gaúcha; a oeste-sudoeste, pelo Delta
gentileza do Diário de São Paulo. do Jacuí; e, ao sul-sudoeste, pelo velho estuário do
Guaíba, cuja largura em muitos trechos ultrapassa a
própria largura média do Rio Amazonas. Atrás do
À medida que a aglomeração urbana porto- maciço cristalino regional reúnem-se - em notável
alegrense inicia sua caminhada rápida na direção coalescência hidrográfica - todas as águas provindas
da cifra de um milhão de habitantes, os problemas do Planalto e da Serra, assim como da Depressão
urbanísticos, higiênicos e sociais de sua área core Central e de trechos do Planalto Uruguaio-Sul-Rio-
tornam-se cada vez mais graves, pedindo soluções Grandense, através do baixo Jacuí. Apenas o Guaíba

323
dá escoamento lento a todas essas massas de águas lativamente enxutos das planícies aluviais regionais
doces, as quais são despejadas no setor norte da podem ser atingidos pelas cheias avassaladoras.
Lagoa dos Patos, antes de escoarem para o Atlântico, É de se compreender que nos bairros popu-
através da barra de Rio Grande. Compreende-se lares, construídos em plena planície de inundação
que, com tantos e sucessivos elementos de retenção, (backswamps), os efeitos sociais e sanitários das
inundações adquirem um caráter de calamidade
pública. Sob ondas de frio açoitantes, associadas a
fortes chuvas e vento, as enchentes castigam sobre-
tudo as camadas mais pobres da população gaúcha,
forçando-as a uma verdadeira “retirada” para abrigos
públicos provisórios (armazéns do porto, hospitais
em construção), em condições as mais dramáticas
e desoladoras. Desta forma, um processo climático
e hidrológico espasmódico - e até hoje imprevi-
sível - recai sobre a constelação de bairros pobres
estabelecidos em sítios inadequados e tecnicamente
condenados. Em algumas cidades-satélites da região
de Porto Alegre, tal como é sobretudo o caso de São
Figura 9. O sítio da porção central de Porto Alegre e Leopoldo, as enchentes atingem praticamente a toda
o Delta do Jacuí, em um desenho de Miron Zaions a comunidade. O mesmo, em parte, ocorre em Esteio
(1961). Note-se a posição e o formato do promontó- e Canoas.
rio fluvial (de embasamento granítico) que serviu de E se às fortes chuvas e inundações acres-
sítio original para a cidade e onde, até hoje, se situa a centam-se acidentes graves em outros setores do
“City” porto-alegrense. Trata-se do mais interiorizado frágil equipamento da circulação terrestre gaúcha
dos promontórios da beirada alta do Guaíba (margem (queda de pontes, escorregamentos de aterros e
esquerda). No segundo plano, o traçado das pontes e cortes), pode haver um colapso momentâneo de toda
aterros que constituem a travessia a seco do Delta do a vida econômica da maior parte do Estado do Rio
Jacuí e a ligação principal da Cidade em relação à me- Grande do Sul.
tade meridional do Estado. Para corrigir tais condições negativas e catas-
tróficas há que tomar medidas locais, regionais e ex-
a região de Porto Alegre fique à mercê de cheias e trarregionais urgentes. Entre elas, destacamos: 1. im-
inundações frequentes. pedir a aprovação de projetos de loteamento em áreas
Disso tudo decorre que, por ocasião das grandes de planícies submersíveis, não preparadas por aterros
chuvas de inverno - quando há pouca evaporação e prévios; 2. quando for indispensável incorporar pla-
no momento em que sopram fortes ventos do qua- nícies de inundação às células de urbanização me-
drante sul (o Minuano) - possa haver um acentuado tropolitana, construir aterros contínuos, a partir dos
superavit de águas doces, que se traduz por enchentes taludes terminais dos baixos terraços não inundáveis,
catastróficas nas áreas ribeirinhas dos grandes cursos em nível superior ao dos diques marginais dos rios; 3.
d’água regionais. Em tais circunstâncias as áreas desdobrar os acessos à Capital gaúcha por rodovias
marginais dos rios podem sofrer extensivamente os de bom gabarito técnico e manutenção adequada, a
efeitos das inundações, quer pelo rompimento dos fim de eliminar o caráter insular residual que tão for-
diques marginais dos cursos d’água, como também temente vem prejudicando a região de Porto Alegre
pela retenção das águas e transbordamentos secun- após o advento e a generalização da circulação ter-
dários dos rios e riachos afluentes. Nessas ocasiões, restre no Sul do Brasil.
até mesmo os setores normalmente emersos e re-
A bibliografia deste artigo se encontra no DVD anexo

324
BIBLIOGRAFIA

AB’SÁBER, A. N. Observações sôbre o sitio e a posição geográfica de Pôrto Alegre.


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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
16

DOMÍNIOS E PROVÍNCIAS NOS


QUADROS DE NATUREZA BRASILEIRA,
NA VISÃO DE AB’SÁBER

Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro

Aqueles que acompanham o conteúdo das provas


dos nossos exames vestibulares, na parte da Geografia, de-
vem ter notado a recorrência com que aparece o esboço dos
domínios morfoclimáticos e províncias fitogeográficas do Brasil.
Devem ter constatado também que o cartograma, reduzido
em escala, já é desacompanhado da menção ao autor, o que
quer significar que já caiu no domínio público.
Trata-se da ilustração básica do artigo de Aziz Nacib
Ab’Sáber que, sob aquele título, foi publicado na Revista
Orientação, do então Instituto de Geografia da Universida-
de de São Paulo (IGEOG/USP), em seu número 3, no ano
de 1967, entre as páginas 45 e 48. A simplicidade do texto
e a clareza do cartograma ilustrativo assentam bem à des-
tinação a que se dirigiu aquela revista, criada para orienta-
ção de professores do ensino médio, nos tempos em que o
Professor Aroldo de Azevedo esteve à frente do instituto.
A recorrente utilização do seu conteúdo nos vestibulares
atesta o sucesso daquela proposta de caracterizar os tra-
ços essenciais (básicos) da organização natural do espaço
geográfico brasileiro. Embora dirigido ao nível médio do
ensino de Geografia do Brasil, este artigo de Ab’Sáber re-
presenta, do ponto de vista da produção de conhecimento
geográfico na Universidade, um marco nas preocupações
do grande geógrafo. Como revela claramente o levanta-
mento de sua obra, no segmento temporal entre 1962 e
1981 ele esteve preocupado em definir os grandes quadros
naturais do território brasileiro.
Mas o texto do referido artigo exibe também o seu
direcionamento à academia, de vez que o autor revela as
preocupações e tentativas anteriores com o problema, ini-
ciado com uma nota prévia intitulada “Contribuição à
Geomorfologia da Área dos Cerrados”, publicada em 1963
nos anais do Simpósio sobre o Cerrado, realizado em 1962.
A esta primeira preocupação setorial seguiram-se aquelas
dirigidas ao “Domínio Morfoclimático Amazônico” (Ge-
omorfologia nº 1, IGEOG/USP, 1966) e “Domínios dos
Mares de Morro no Brasil” (Geomorfologia nº 2, IGEOG/
USP, 1966).

325
Nas minhas avaliações sobre a evolução da as províncias geológico-estruturais no país. Ao
Geografia no Brasil, tenho apontado como marco contrário, dentro dos cores existem terrenos de
na afirmação da geografia feita no Brasil o ano de diferentes idades e de litologia muito variada,
1956, pela realização do Congresso Internacional pertencentes indiferentemente a escudos ou a
de Geografia realizado pela União Geográfica In- bacias sedimentares. Os maiores contrastes pai-
ternacional na cidade do Rio de Janeiro. Além da sagísticos constados nos diferentes domínios
excelência da organização do certame, evidenciou-se residem em áreas de exposição de terrenos cris-
ali que o encontro entre geógrafos dos centros mais talinos, devido certamente à maior sensibilidade
avançados dos países hegemônicos no saber geográ- que as rochas ígneas e metamórficas possuem
fico e os brasileiros já se mostrou como um diálogo, em face dos processos morfoclimáticos intertro-
uma troca de ideias, em vez de uma passiva aprendi- picais. Nesse sentido, as maiores diferenças glo-
zagem. Atendo-nos à relação com a escola francesa, bais de feições e estruturas superficiais de paisa-
que tutelou nossos passos iniciais nas Universidades gens são aquelas que incidem sobre os mares de
de São Paulo e Rio de Janeiro, podemos apontar o morros florestados, os chapadões recobertos por
frutuoso diálogo entre Jean Tricart e Aziz Ab’Sáber, cerrados e as depressões interplanálticas e inter-
que em artigo da Orientação, principia referindo- montanhas revestidas de caatingas. O fato de
se aos artigos seminais de Tricart, de 1957 e 1958, nessas três áreas existirem terrenos cristalinos e
imediatamente após o congresso da UGI no Rio de cristalofianos dotados de assembleias de feições
Janeiro (1956). geomórficas totalmente diferentes, garante-nos
No artigo de Jean Tricart, publicado na a prova de que a evolução morfoclimática por
Revue de Gèomorphologie Dynamique (IX, nº1 e 2, de elas sofridas foi também inteiramente diferen-
janeiro/fevereiro de 1958) e transcrito, em tradução ciada.
brasileira, no Boletim Paulista de Geografia (nº 31,
março de 1939), sob o título “Divisão Morfoclimática Ele insiste em vasculhar a produção de estudos
do Brasil Atlântico Central”, as referências bibliográfi- geológicos e tectônicos no último quarto de século
cas já incluem contribuições de geógrafos brasileiros (referência a 1970), para atingir uma visão concisa
como Aziz Ab’Sáber, Gilberto O. de Andrade, Ma- e atualizada sobre a classificação das províncias ge-
noel Correia de Andrade, Azevedo J. P. Domingues, ológicas e, ao mesmo tempo, para confrontá-la com
Pedro Geiger, J. D. de Silveira e H. O’R. Sternberg. aquelas morfoclimáticas e geobotânicas. Para tanto
É de assinalar-se que, nos estudos setoriais os dois capítulos (geológico e tectônico) são acompa-
dos cerrados, dos mares de morro e da Amazônia, a nhados de alentadas bibliografias. Visando “definir
preocupação de Ab’Sáber projetou-se sempre para as o conjunto de correlações espaciais mais complexas e
relações com os outros domínios do quadro brasilei- problemáticas como meio de sondar alguns aspectos
ro, cuja visão de síntese está bem expressa no focali- dos grandes contrastes e das pequenas correlações
zado artigo da Orientação. Daí a minha preocupação existentes entre as províncias geológicas e os aludi-
em apontá-lo como valioso marco na abordagem dos dos domínios de paisagens morfológicas já definidos
grandes quadros naturais brasileiros, o que não sig- mas passíveis de melhor delimitação ulterior”, o tra-
nifica que parou por aí. Bem ao contrário, outros balho é ilustrado com figuras sintéticas do território
estudos vêm revelar a preocupação de Ab’Sáber em brasileiro, confrontando o já referido, das províncias
aperfeiçoar aquela abordagem sintética. morfoclimáticas e domínios fitogeográficos, com
Um outro grande passo no aprimoramento outros esboços do próprio autor: Relevo do Brasil
da questão por Ab’Sáber foi dado no estudo “Pro- (1962), Mapa Geomorfológico (1960) e Escudos e
víncias Geológicas e Domínios Morfoclimáticos no Núcleos de Escudos no Brasil (1970).
Brasil”, publicado originalmente em Geologia nº 3, Creio que, malgrado a decorrência de quase
um boletim do Centro Paulista de Estudos Geológi- quatro decênios, o confronto entre estes diferentes
cos (CEPEGE), e republicado na série do IGEOG/ domínios de natureza é de grande valia, mesmo que
USP, Geomorfologia nº 20 (1970). Este importante didática e introdutoriamente básicos para novos es-
estudo compõe-se de três partes, sendo a terceira de- forços de atualização.
las a transcrição do focalizado artigo da Orientação, Estas contribuições produzidas por Ab’Sáber
que é precedida por aquelas referentes à Síntese dos no final dos anos 1960 não se concluíram aí, posto
Progressos Recentes a respeito das Províncias Geo- que novas abordagens setoriais, mais aprofundadas,
lógicas do Brasil e aos Conhecimentos sobre a Tec- seriam produzidas, como “O Domínio Morfocli-
tônica Moderna no Brasil. mático Semiárido das Caatingas Brasileiras” (Geo-
Ao tratar da relação entre domínios morfocli- morfologia nº 43, IGEOG/USP, 1974) e “Domínios
máticos e províncias fitogeográficas Ab’Sáber cons- Morfoclimáticos Atuais e Quaternários na Região
tata que: dos Cerrados” (Craton & Intracraton nº 14, IBILCE/
UNESP, 1981). Além do que se produziu ainda uma
Não há qualquer relação entre as áreas core e projeção continental: “Os Domínios Morfoclimá-

326
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
16
ticos na América do Sul (Primeira Aproximação)”, em três ensaios pioneiros, ao referir-se ao ensaio do
apresentada em Geomorfologia nº 52 (IGEOG/USP, mestre francês ele discorda:
1981).
É necessário considerar que ao se apontar o Infelizmente, também, devido a um defeito bá-
segmento temporal compreendido entre 1962 e 1981 sico de planificação e a uma série de desvios de
como um período da produção de Ab’Sáber dirigi- objetivos, este ensaio deixou muito a desejar no
do, entre outras inquietações, para o problema dos tocante à caracterização tectônica regional do
domínios e províncias de organização natural no Escudo Brasileiro. Daí decorre a necessidade de
Brasil, isto não significa que esta preocupação tenha uma revisão urgente do problema, que é a um
desaparecido de sua obra. Ela transparece ao longo tempo geológico e geomorfológico.
de sua longa e produtiva carreira perpassando pelas
obras que se seguem. Apenas se apresenta naque- Um outro grande mérito no fazer geográfico de
le período como uma das temáticas centrais em sua Ab’Sáber é o seu cuidado na espacialização dos fatos
produção. analisados para que, diante da continentalidade do
Embora numa obra tão volumosa como a do território brasileiro, não venha a incorrer em grossei-
Professor Ab’Sáber seja muito difícil apontar os ras generalizações. Os cartogramas que produz para
méritos, tantos são eles numa dedicação exemplar à ilustrar a espacialização dos fatos abordados, feitos à
geografia do nosso Brasil, eu me atreveria a apontar grande escala, têm o cuidado de não assumir delimi-
– nos limites da temática aqui focalizada – pelo me- tações rígidas, em traçados em linha, mas prudente-
nos alguns méritos que lhe são muito peculiares. mente sugerindo faixas transicionais. O caso dos do-
Em primeiro lugar ressaltaria sua preocupa- mínios morfoclimáticos e províncias fitogeográficas
ção constante com a precisão conceitual e a termi- é exemplar, deixando bem clara a existência de áreas
nologia a ela concernente. Quando utiliza domínios core e faixa de interfaces transicionais. Estas distin-
e províncias, está concentrado no estudo da organi- ções básicas não esquecem a existência de ilhas de ve-
zação natural do espaço geográfico brasileiro, que getação exótica encontradas dentro das áreas core dos
– malgrado as controvérsias atuais por parte dos diferentes domínios morfoclimáticos e geobotânicos.
adeptos de uma geografia voltada diretamente para Numa claríssima preocupação com a indissolubili-
o socioeconômico – é algo indispensável à compre- dade da associação espaço-tempo em Geografia, ele
ensão das interações sociedade-natureza na gênese acentua que:
dos lugares do homem na face da Terra; ele evita
cuidadosamente empregar o termo região, de vez que Se por um lado, os cores estão profundamente
isto implicaria necessariamente na ocupação huma- amarrados aos quadros de superposição de fa-
na e no resultado ativo da sociedade a ela associada. tos geomórficos, hidrológicos e geopedagógicos
Quando há menção à região, podemos estar certos de (que são os principais responsáveis pelas con-
que, geográfica ou ecologicamente, a ação antrópica dições ecológicas médias neles predominantes),
se faz presente. E este é um dos muitos exemplos que por outro lado, todos eles possuem filiação evo-
podem ser apontados como zelo no uso de conceitos lutiva muito direta com a história paleoclimática
e terminologias. e paleobotânica quaternária das áreas ou zonas
Um outro aspecto altamente positivo na onde elas se expandiram e de certo modo se fi-
obra de Ab’Sáber é que ela jamais é dissociada do xaram.
que já foi produzido anteriormente. Sua preocu-
pação básica é de fazer avançar o conhecimento. O enriquecimento progressivo de Ab’Sáber
Mesmo que superdotado em inteligência e de uma nos estudos geomorfológico, exaltando a importân-
extraordinária capacidade de trabalho, inclusive tra- cia da estrutura superficial das paisagens (forma-
balho de campo, a apresentação de seus trabalhos ções superficiais, perfis pedológicos, linhas de pedra
é sempre acompanhada de um amplo referencial etc.) acentua as preocupações do geógrafo com os
bibliográfico. E o que é mais importante ainda, a paleoclimas, dando lugar a toda uma série de estu-
menção das obras demonstra que elas são analisadas dos sobre este tema. Desde 1951 produziu uma série
com acurado espírito crítico, atitude esta que, apesar de artigos avulsos sobre problemas paleoclimáticos
de inerente à prática científica, não raro é tomada no Brasil. Mas, nesse tema avultam duas contribui-
como ofensiva e geradora de polêmicas. E note-se ções que, além de uma visão de conjunto sobre o
que suas críticas atingem, por vezes, pesquisadores – problema, são expressões sintéticas da própria con-
geógrafos ou afins – mais velhos e de alto conceito. cepção metodológica da geomorfologia absaberiana.
Atrevo-me a apontar aqui o caso contido na aprecia- São eles: “Um conceito de geomorfologia a serviço
ção da tectônica moderna, em que Ab’Sáber discorda das pesquisas sobre o Quaternário” (Geomorfolo-
do mestre Francis Ruellan sobre O Escudo Brasileiro e gia nº 18, IGEOG/USP, 1968) e “Uma Revisão do
os Dobramentos de Fundo (1955). Após apontar a série Quaternário Paulista: do presente para o passado”
de artigos do geólogo Rui Osório de Freitas (1951) (Revista Brasileira de Geografia, Ano XXXI nº 4, p.

327
1-51, IBGE/CNG, outubro-dezembro, 1971). grafia Física, da qual ele foi o último catedrático. No
Como diretor do IGEOG-USP Ab’Sáber extinto IGEOG/USP, que sucedendo ao Professor
ampliou as séries de publicações, inclusive aquela Ary França ele dirigiu desde 1968, fui chefe do labo-
voltada para Paleoclimas, na qual publicou (em in- ratório de climatologia. Dele recebi sempre o maior
glês), no nº 5, um artigo sobre a teoria dos refúgios, apoio, intelectual e administrativo, no mais fraterno
em colaboração com Keith S. Brown. e amigável dos convívios.
Muitos outros méritos na obra de Ab’Sáber Sempre assinalo que a minha eleição da cli-
poderiam ainda ser apontados, o que certamente matologia como área de pesquisa deveu-se fun-
será feito pelos outros colegas integrados nessa co- damentalmente à magistral crítica e nova concep-
letânea que a ele presta mais do que justificável ho- ção geográfica de clima, feita pelo mestre francês
menagem. Maximilien Sorre em sua monumental obra Les
Permito-me, contudo, a registrar aqui a im- Fondements de la Geographie Humaine. Outro fator
portância que o homenageado exerceu na minha for- importante foi a bem fundamentada crítica feita
mação do geógrafo. Pertencendo à mesma geração, por Jean Tricart à qualidade dos estudo geográfi-
pois ele é apenas três anos meu precedente no nasci- cos de clima, inadequados à geomorfologia dinâmi-
mento, fato que não impede que tenha sido para mim ca. Mas, além dos mestre franceses, é necessário
um mestre. Se não como professor, na sala de aula, registrar aqui que a minha climatologia dinâmica,
mas por uma convivência de quase sessenta anos na assentada no paradigma do ritmo do comportamen-
comunidade brasileira de geógrafos, nas reuniões da to atmosférico, procurou estar em íntima conexão
AGB, em outros fóruns geográficos, pela leitura de com a geografia produzida por Ab’Sáber. E acentuo
sua obra e sobretudo pelos vinte anos de convivên- Geografia, em lugar de Geomorfologia, porquan-
cia no Departamento de Geografia (e, sobretudo, to, no meu entendimento, e como adepto de uma
no extinto IGEOG/USP) da FFLCH/USP. Tive a Geografia ciência unitária, considero Aziz Nacib
honra de tê-lo como orientador no meu doutorado, Ab’Sáber como a melhor e mais completa forma de
obtido na USP em abril de 1967. A seu convite in- expressão brasileira de um Geógrafo.
gressei como assistente doutor na Cadeira de Geo-

328
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
16
Domínios morfoclimáticos e
províncias fitogeográficas do
Brasil

1967. Domínios morfoclimáticos O fato de existir uma superposição muito expressiva


e províncias fitogeográficas entre os grandes domínios morfoclimáticos e as principais
do Brasil, Revista Orientação, províncias fitogeográficas brasileiras nos levou a uma série
Instituto de Geografia da
de estudos visando esclarecer as razões científicas de tais
Universidade de São Paulo
(IGEOG/USP), 3: 45-48. coincidências geográficas. Em 1957, A. Cailleux e Jean
Tricart discutiram alguns aspectos básicos da dinâmica
paleoclimática quaternária do Brasil Oriental em um tra-
balho cujo título era o prenúncio de um novo método e um
novo critério, da maior importância interdisciplinar (Zones
phytogéographiques et morphoclimatiques au Quartenaire, au
Brésil). Um ano depois, Jean Tricart (1958), em um tra-
balho de maior fôlego, procurou definir as zonas morfo-
climáticas atuais do Brasil atlântico central, demonstrando
que aqui como na África “é a vegetação que constitui a
melhor expressão sintética dos dados climáticos”.
Partindo de bom princípio, anteriormente firmado
(Cailleux e Tricart, 1957), de que para estabelecer as divi-
sões morfoclimáticas é preciso basear-se nas grandes zonas
fitogeográficas, Tricart aflorou algumas características es-
senciais das grandes zonas morfoclimáticas da fachada
atlântica do Brasil. São Palavras suas:

A repartição das grandes zonas morfoclimáticas apresen-


ta, no Brasil oriental, uma disposição bem mais compli-
cada do que na África ocidental, sendo responsável por
esse fato as influências combinadas da posição do país
na face oriental do continente e de um relevo vigoroso
próximo ao mar. Não se observa aqui aquela disposição
esquemática em faixas, orientadas segundo a latitude, e
que justifica mesmo o termo ‘zona’.

Cada um dos grandes tipos morfoclimáticos ocupa


uma área de forma irregular, às vezes mesmo descontínua,
de tal modo que não se deve tomar a expressão de “zona
morfoclimática” no sentido estrito da etimologia.
Através de tais considerações, pela primeira vez se

329
atinge o problema do arranjo dos complexos naturais e infinidade de feições mistas, peculiares às chamadas
fitogeográficos da porção intertropical de nosso faixas ou áreas de transição. Tais domínios ou con-
país. juntos regionais de paisagens morfoclimáticas, ora
Alfredo José Pôrto Domingues (1963) pu- de tipo zonal, ora de tipo azonal, não dependem so-
blicou sem maiores discussões uma classificação mente da zonação climática atual, mas também dos
das regiões morfoclimáticas brasileiras, nos se- efeitos acumulados de uma série de flutuações cli-
guintes termos: 1. Floresta higrófila; 2. Zona de máticas pretéritas, ainda mal conhecidas (Ab’Sáber,
transição (agreste, mata de cipó); 3. Caatinga; 1957; Caillex e Tricart, 1957; Tricart, 1958), que
4. Campos cerrados e savanas; 5. Campos do Sul. atuaram no território brasileiro, sobretudo a partir
A nomenclatura desta classificação é exclusi- dos fins do Terciário.
vamente fitogeográfica, fato que restringe em muito Antes mesmo de completar nossos estudos
a sua aplicabilidade na distinção das verdadeiras pro- sobre tais combinações regionais de fatos fisiográ-
víncias ou regiões morfoclimáticas brasileiras. Acre- ficos e biogeográficos, vimo-nos obrigados a expor
ditamos existir no Brasil duas grandes regiões, além alguns dos fatos que os caracterizam (Ab’Sáber,
de uma ou mais sub-regiões, relacionadas do ponto de 1963). Na aludida nota prévia, destinada ao I Sim-
vista morfoclimático com diferentes áreas ou faixas pósio do Cerrado (São Paulo, dezembro de 1962),
de florestas higrófilas. Por outro lado, a inclusão de estudamos apenas os domínios morfoclimáticos
uma região sob o nome de zona de transição (agreste, intertropicais do Planalto Brasileiro. Estendendo
mata do cipó), muito adequada para o caso do Brasil nossas pesquisas à Amazônia Brasileira e ao Brasil
atlântico central, como bem demonstrou Jean Tricart Meridional, podemos hoje caracterizar meia dúzia
(1958), não tem força para abranger as inumeráveis de grandes domínios morfoclimáticos, cujas áreas
outras faixas de transição, de distribuição anostomo- cores estão relacionadas a regiões climatobotânicas,
sada, existentes entre os polígonos dos principais do- áreas geopedológicas, e províncias fitogeográficas e
mínios morfoclimáticos brasileiros. regiões hidrológicas particularmente bem definidas.
Se é que Francis Ruellan (1953), ao tratar do Trata-se de:
papel das enxurradas no modelado do relevo brasi-
leiro, pautou o seu estudo em três divisões regionais 1. Domínio dos chapadões tropicais, as duas estações
importantes do ponto de vista morfoclimático (zona recobertas por cerrados e penetrados por florestas
da floresta pluvial tropical, zona dos Campos, zona galerias.
semiárida), coube a outros pesquisadores a iniciativa
de enumerar tais áreas como sendo os complexos 2. Domínio das regiões serranas, tropicais úmidas, ou
morfoclimáticos regionais mais bem individuali- dos “mares de morros” extensivamente florestados.
zados dos planaltos intertropicais brasileiros (Porto
Domingues, 1963; Ab’Sáber, 1963). 3. Domínio das depressões intermontanas semiáridas,
Tendo por muitos anos pesquisado no inte- pontilhadas de inselbergs, dotadas de drenagem in-
rior do Brasil visando compreender a originalidade termitente, e recobertas por caatingas extensivas.
das grandes regiões naturais de nossos planaltos in-
tertropicais, pudemos compreender as sutilezas dos 4. Domínio de planaltos subtropicais, recobertos por
quadros morfoclimáticos, e fitogeográficos que se Araucárias e pradarias de altitude.
superpõem nas áreas nucleares dos principais domí-
nios de paisagens de nossa hinterlândia. Tais estudos 5. Domínio das coxilhas subtropicais uruguaio-sul-
possibilitaram - em uma espécie de primeira apro- rio-grandenses, extensivamente recobertas por
ximação - o esclarecimento preliminar de um certo pradarias mistas.
número de grandes tipos de combinações de fatos
geomórficos, climáticos, hidrológicos e pedológicos, 6. Domínio das terras baixas equatoriais, extensiva-
os quais respondem pela homogeneidade relativa e mente florestas, da Amazônia Brasileira.
pela notável extensão dos principais quadros de es-
trutura e de fisiologia de paisagens de nosso país. Tais domínios morfoclimáticos, sublinhados
As províncias ou domínios morfoclimáticos por revestimentos florísticos, constituem os melhores
do Brasil, a despeito mesmo da aparente homoge- exemplos de complexos fisiográficos, de arranjo po-
neidade paisagística do território nacional, ascendem ligonal, conhecidos no cinturão das terras tropicais
provavelmente a um número igual ou pouco supe- do globo. Entretanto, mesmo em relação a eles é
rior a seis combinações, regionais, acrescidas de uma impossível uma delimitação cartográfica do tipo li-

330
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
16

near, tanto no que se refere ao setor puramente geo- Os maiores contrastes paisagísticos, constados nos
mórfico, como principalmente no que diz respeito diferentes domínios, residem em áreas de exposição
às fronteiras vivas das áreas de contato de províncias de terrenos cristalinos, devido certamente à maior
biogeográficas, muito diferentes entre si. sensibilidade que as rochas ígneas e metamórficas
Tal impossibilidade de se traçar limites está possuem em face dos processos morfoclimáticos
sobretudo relacionada com o fato de cada domínio intertropicais. Nesse sentido, as maiores diferenças
morfoclimático possuir uma área core (área nuclear) globais de feições e estruturas superficiais de pai-
e zonas ou faixas de transição, onde se interpenetram, sagens são aquelas que incidem sobre os mares de
se diferenciam e às vezes se misturam - em mo- morros florestados, os chapadões recobertos por cer-
saicos complexos - componentes de duas ou mesmo rados e as depressões interplanálticas e intermon-
três áreas em contato. Acrescente-se a isso o fato de tanas revestidas por caatingas. O fato de nessas três
que, sendo os domínios de arranjo dominantemente áreas existirem terrenos cristalinos e cristalofilianos
poligonal, as faixas de transição que os separam são dotados de assembleias de feições geomórficas total-
de traçado nitidamente anastomosado, fato que im- mente diferentes garante-nos a prova de que a evo-
plica num desdobramento ou mesmo multiplicação lução morfoclimática por elas sofridas foi também
de setores nas zonas de transição. inteiramente diferenciada.
Não há qualquer relação entre as áreas core e Somente as áreas core têm individualidade
as províncias geológico-estruturais do país. Ao con- plena, apresentando feições geomórficas originais
trário, dentro dos cores existem terrenos de diferentes sublinhadas por fatos climatobotânicos específicos.
idades e de litologia muito variada, pertencentes in- Por outro lado, são elas complementadas de modo
diferentemente a escudos ou a bacias sedimentares. íntimo por fatos de ordem hidrológica e pedogênica,

331
assim como as únicas áreas dotadas de setores re- mínios morfoclimáticos através de uma grande e
gionais de vegetação passíveis de ser tomadas, sem complexa mistura de tipos de vegetação (complexo ge-
dúvida, como áreas clímax, do ponto de vista rigo- obotânico do Pantanal Mato-Grossense). Enquanto
rosamente fitogeográfico (cerrados, caatingas, matas, as províncias geológicas possuem limites geológicos
araucárias). Se por um lado os cores estão profunda- em geral bem marcados, os domínios morfoclimá-
mente amarrados aos quadros de superposição dos ticos constituem grandes áreas paisagísticas dotadas
fatos geomórficos, hidrológicos e geopedológicos de feições próprias apenas em sua área nuclear (por
(que são os principais responsáveis pelas condições nós designadas área core, em diversas oportunidades).
ecológicas médias neles predominantes), por outro No momento já foram caracterizados areolarmente
lado, todos eles possuem filiação evolutiva muito di- os grandes domínios de paisagens morfológicas e
reta com a história paleoclimática e paleobotânica fitogeográficas do país, assim como realizado um
quaternária das áreas ou zonas onde elas se expan- esboço preliminar de mapeamento dos mesmos
diram e de certo modo se fixaram. (Ab’Sáber, 1967). Baseados no “ar de família” dos
As “ilhas” de vegetação exótica encontradas diferentes conjuntos de paisagens que definem o
dentro das áreas core dos diferentes domínios morfo- quadro fisiográfico global de cada um dos setores re-
climáticos e geobotânicos só podem ser explicadas gionais do país, foram individualizados seis grandes
pela existência local de fatores de exceção, de ordem domínios morfoclimáticos, a saber:
litológica, microclimática, hidrológica, topográfica e
paleobotânica: debaixo da influência de dois ou mais 1. Domínio das terras baixas florestadas da Amazônia
desses fatores de ordem física e ecológica - através de com planícies de inundação labirínticas e/ou
combinações locais ou sub-regionais sutis - podem meândricas, tabuleiros extensos com vertentes
medrar pequenos quadros de paisagens exóticas, sob semimamelonizadas, morros baixos mamelonares
a forma de verdadeiros encraves no interior de domí- nas áreas cristalinas adjacentes (Amapá, Gurupi,
nios morfoclimáticos e climatobotânicos, muito dis- Tumucumaque), terraços de cascalhos e/ou laterita,
tanciados entre si. Tais combinações locais, até certo rios negros e drenagens perenes.
ponto anômalas para as áreas consideradas, consti-
tuem sempre excelentes exemplos de ocorrências de 2. Domínio das depressões interplanálticas semiáridas
condições ecológicas excepcionais, elaboradas dentro do Nordeste, revestido por diferentes tipos de
de sutil mecanismo das paisagens de convergência. caatingas (com fraca decomposição, frequentes
É desta forma que procuramos entender os pe- afloramentos de rocha, chãos pedregosos, drena-
quenos quadros morfoclimáticos do tipo dos “brejos” gens intermitentes extensivas, canais semianasto-
situados em plenos domínios das caatingas, ou o mosados locais, e numerosos campos de inselbergs
caso dos “capões” de matas que pontilham o domínio típicos).
dos cerrados ou, ainda, as manchas de cerrados que
ocorrem no interior do domínio das caatingas ou, 3. Domínio dos mares de morros florestados (com for-
ainda, os cerrados que permanecem “ilhados” no do- tíssima e generalizada decomposição de rochas,
mínio das matas atlânticas (São José dos Campos) densas drenagens perenes, extensiva mameloni-
ou no domínio das matas amazônicas (campos do zação, agrupamentos eventuais de “pães de açúcar”
Rio Branco), ou no interior dos campos gerais (Pri- em áreas mal diaclasadas, planícies de inundação
meiro planalto do Paraná). meândricas, extensos setores de solos super-
Já no que tange aos diferentes setores das postos).
faixas transicionais que envolvem os grandes po-
lígonos das áreas nucleares dos domínios morfo- 4. Domínio dos chapadões recobertos por cerrados e pene-
climático, quase tudo está por se fazer ainda, em trados por florestas galerias (planaltos de estrutura
matéria de pesquisas de campo. Existem, entre complexa, capeados ou não por lateritas de cimeira,
outras, algumas zonas ou setores de transição gra- planaltos sedimentares com vertentes em rampas
dual complexa (mata atlântica-mata do cipó; matas suaves, ausência quase completa de mamelonização,
secas-cerradões), alguns trechos ou faixas de transição drenagens espaçadas pouco ramificadas, cabeceiras
com vegetação de tipo tampão (mata de cipó, cocais, em dales, calhas aluviais de tipos particularizados).
“avarandados”, matas secas), áreas de transição ou
passagem brusca, efetuadas por acidentes orográficos e 5. Domínio dos planaltos de araucárias (com decom-
litológicos limitados (Quadrilátero Central Ferrífero) posição de rochas, restrita em profundidade, solos
ou, ainda, regiões aluviais recentes, que separam do- superpostos descontínuos, espessas bolsas de co-

332
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
16

luviação descontínuas, drenagens perenes e tipos anteriores, pelo recuo das coberturas vegetais corre-
particulares de solos subtropicais, área de forte lativas e favorecedoras da criação de novas ecologias
atenuação da mamelonização). suficientes para a invasão de floras e faunas diversas.
Redução parcial ou generalizada da paisagem dos
6. Domínio das pradarias mistas, coxilhas extensivas, “mares de morros” pela extensão da pedimentação
grandes matas subtropicais, fraca decomposição ou pelo advento de verdadeiros pediplanos, com a
das rochas, grandes banhados, cabeceiras em instalação de paisagens semiáridas intermontanas.
dales, eventualmente, pequena mamelonização ou Cessação da sedimentação fina e retomada da se-
formas pseudomamelonares devido sobretudo à dimentação torrencial e grosseira; desaparecimento
coluviação. eventual da meandração e instalação de drenagens
semianastomosadas ou mesmo anastomosadas, com
Somente após a caracterização desses grandes reativação da alveolização nos setores montanhosos.
domínios de paisagens morfológicas e de fisiologias Eis o elenco de alguns fatos e episódios que certa-
de paisagens diferenciadas pode-se partir para me- mente precederam a elaboração dos quadros paisa-
lhor conhecimento das faixas de transição e con- gísticos atualmente observáveis.
tato que os separam, assim como encetar a tarefa de Do ponto de vista operacional - dos profis-
discriminar padrões de paisagens morfológicas no sionais de Geologia - há que lhes esclarecer que
país. Cada um desses macrodomínios paisagísticos, conjuntos similares de rochas dos escudos expostos
em geral superiores a meio milhão de quilômetros encontram-se sob a ação de diversas forças morfo-
quadrados (exceção feita ao domínio das pradarias climáticas, de quadrante para quadrante, no imenso
mistas), comporta uma associação peculiar de pa- território nacional. Conjuntos rochosos iguais ou si-
drões de paisagens, formando uma família de formas milares foram modelados por processos totalmente
de relevo dotada de fortes liames em termos de corre- diversos, quer se considere o Nordeste seco ou o
lações morfológicas e sedimentológicas. Note-se que Nordeste úmido. O mesmo ocorrendo com áreas de
os enclaves paisagísticos, devido ao seu flagrante ca- rochas graníticas ou granitizadas colocadas em posi-
ráter anômalo, já foram motivos de reconhecimentos ções tão distantes quanto o Brasil de Sudeste, o Nor-
parciais bastantes razoáveis. Apenas não puderam deste semiárido, o Amapá, e o Rio Grande do Sul.
ser compreendidos no contexto global dos fatos rela- Por último, cumpre dizer: se é que se pode
cionados às diferentes conjunturas paisagísticas que aplicar o método das classificações paralelas para
constituem o mosaico fundamental das atuais paisa- o conhecimento setorial do território brasileiro,
gens brasileiras. cumpre não esquecer que as paisagens são frutos de
Visando conhecer melhor as variantes uma evolução integrada complexa - de evolução ora
endógenas de tais grandes paisagens, com vistas ao lenta, ora rápida e desfigurante -, participando de
planejamento regional, assim como objetivando um sua constituição uma ossatura rochosa básica, uma
melhor conhecimento das condições ecológicas ge- roupagem de produtos de intemperismo e solos,
rais e locais, torna-se imprescindível aprofundar os determinadas coberturas vegetais, e uma fisiologia
estudos fisiográficos e biogeográficos integrados específica, relacionada com a dinâmica climática e
sobre os grandes setores aqui sintetizados. O mosaico ecológica. Não se pode compreender os complexos
atual dos domínios é efetivamente o saldo final de regionais, em termos de Geomorfologia, sem avaliar
uma série de flutuações climáticas e fitogeográficas a realidade paisagística e ecológica global da área.
do Quaternário sul-americano. Daí a necessidade, à Após termos feito esforços para separações suces-
custa de conhecimentos sobre a estrutura superficial sivas (relevos, solos, climas e vegetação), temos que
da paisagem e de seus depósitos modernos, de res- procurar obter retratos de corpo inteiro, num grande
taurar os diferentes quadros que se sucederam no esforço de reintegração. Nesse sentido, as paisagens
tempo. Há que procurar entender melhor os avanços vistas em fotografias áreas verticais diferem total-
e recuos dos stocks básicos da vegetação regional mente de domínio para domínio porque elas repre-
(mata amazônica, mata atlântica, cerrados, araucárias sentam sínteses integradas de quadros paisagísticos e
e pradarias), pari passu com as mudanças drásticas ecológicos indivisos.
da paleoclimatologia recente. Tendo se sucedido pe-
ríodos de evolução integrada lenta da paisagem (pe-
ríodos de biostasia) certamente ocorreram períodos
agressivos de erosão (períodos de resistasia), respon- A bibliografia deste artigo se encontra no DVD anexo
sáveis pela derruição das paisagens imediatamente

333
BIBLIOGRAFIA

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Geomorfologia do Rio Grande
do Sul, o saber de AB’SÁber
Dirce Maria Antunes Suertegaray

Participaram deste texto O objetivo deste texto, inserido no contexto de aná-


processando as imagens que lise da obra do prof. Dr. Aziz Ab’Sáber, é resgatar aquele
o ilustram o Geógrafo Dr. que constituiu sem dúvida o texto de referência fundamen-
Laurindo Antônio Guasselli tal à compreensão da evolução do relevo do Estado do Rio
e o Bolsista de Iniciação Grande do Sul. O texto, ora comentado, tem como título
Científica PIBIC/UFRGS, “Participação das Superfícies Aplainadas nas Paisagens do
Clódis de Andrade Filho. Rio Grande do Sul”. Escrito em 1969, foi publicado em
Geomorfologia (número 11), editado pelo Instituto de Geo-
grafia da Universidade de São Paulo.
Para comentarmos este texto, pretende-se proceder
da seguinte forma: num primeiro momento, faremos uma
síntese do que é abordado, comentando, a partir do autor,
suas peculiaridades e indicando novas considerações. Num
segundo momento, explicitaremos como a lógica das su-
perfícies aplainadas constitui-se em ferramenta para deci-
frar, em campo, a idade relativa dos depósitos sob os quais
se originam os areais do Sudoeste do Rio Grande do Sul,
ou seja, o processo ou, mais amplamente, a dinâmica da
arenização.

1º momento: as superfícies aplainadas do Rio Grande


do Sul

Para Ab’Sáber, o Estado do Rio Grande do Sul


constitui um território, entre outros estudados no espaço
brasileiro, onde é possível visualizar superfícies aplainadas.
Para este pesquisador, essas superfícies não estão neces-
sariamente bem preservadas, como em outras parcelas do
território, a exemplo do Nordeste, entre outros. De qual-
quer sorte seu registro é visível.
Da mesma forma e a despeito da sua preservação o
autor indica que essas superfícies são mais complexas que,
por exemplo, aquelas estudadas em São Paulo e Paraná.
Superfícies Aplainadas ou de Cimeira são grandes
extensões que, independentemente de desgaste provocado
pela degradação das formas ao longo do tempo, apresen-
tam similaridade topográfica pelo nivelamento de seus
topos. No Rio Grande do Sul, o autor identificou cinco

334
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
17

Mapa 1. Quadrícula-exemplo de superfícies aplainadas do RS, segundo Ab’Sáber.

superfícies, são elas: a Superfície de Vacaria, a Superfí- original, escolhemos fazer referência àquela em que
cie de Caçapava do Sul, a Superfície do Cerro da Cadeia, Ab’Sáber, ao caracterizar a superfície, indica:
a Superfície da Campanha e a Superfície de Gravataí e
Congêneres. A imagem (mapa 1) nos permite, a partir no Planalto de Vacaria a estrutura da paisagem
do desenvolvimento das novas tecnologias, observar difere inteiramente dos quadros apresentados
regionalmente estas superfícies analisadas pelo autor, pelos outros setores do planalto basáltico sul-rio-
à época, através de cartas topográficas e exaustivo grandense: ali a decomposição é mais rasa do que
trabalho de campo. no setor centro-oeste e noroeste do Estado po-
A mais elevada Superfície é a de Vacaria, code- rém mais homogênea e contínua do que o setor
nominada pelo autor de “Teto Topográfico da Terra do planalto (p. 2).
Gaúcha” (figura 1). Esta analogia com o teto repre-
senta, claramente, a posição topográfica desta super- Esta afirmativa construída a partir da análise
fície no Estado. É a mais alta, seus topos se nivelam centrada no conhecimento efetivo da paisagem atra-
entre 950 e 1.100 metros. Corresponde à área defi- vés do campo, foi posteriormente reforçada em sua
nida como quadrante Nordeste do Estado “decaindo explicação, com base no conhecimento geológico de
suavemente para oeste, sudoeste e sul”. maior detalhe. Até então o Planalto do Rio Grande
Entre outras informações destacadas no texto do Sul era reconhecido em toda sua extensão como

335
Figura 1. Superfície de aplainamento de Vacaria, gerada pelo modelo digital do terreno, SRTM/NASA.

um planalto de cobertura basáltica (Carraro et al., desta inclinação, levanta a hipótese de ser original
1974). Posteriormente, outros tipos de rochas são ou vinculada a processos posteriores ao soerguimen-
identificadas e mapeadas. Hoje se reconhece que na to do escudo que lhes dá a atual configuração em
Superfície de Vacaria, com paisagem predominante- abóboda (figura 2).
mente de campos, dominam os “riodacitos porfiríti- Sobre a gênese do escudo, trabalhos mais
cos de cor cinza acastanhada com disjunção tabular atuais indicam sua associação com estágios de evolu-
dominante” (DNPM, 1989), uma rocha vulcânica ção do cinturão Dom Feliciano e Cráton Rio de La
ácida com maior resistência à erosão. Os campos, por Plata (Fragoso César et al., 1982). Este, resultante
sua vez, foram considerados por Ab’Sáber (1977), em do choque de paleocontinentes Cráton do Rio de La
Plata e Cráton Kalahari, ainda no Pré-Cambriano,
outros escritos seus onde interpreta a formação da
serviu de fonte, no Paleozoico, para o preenchimen-
vegetação na América do Sul. Nestes indica que os
to da bacia sedimentar do Paraná.
campos, como as Araucárias, são relictos de condi- Conforme o autor, a geologia desta superfície
ções de clima mais secos e frios de um passado que são os granitos, xistos, arenitos, arenitos arcósios e
se associa à dinâmica relativa às glaciações quaterná- conglomerados da Formação Camaquã, além dos
rias em escala global. A permanência da vegetação arenitos conglomeráticos da Formação Guaritas, en-
de campo, em ambientes mais úmidos atuais, é atri- tre outras. O mapeamento do DNPM (1989) indica
buída, de um lado às mudanças climáticas, de outro, para esta área a mesma composição geológica, en-
aos solos rasos derivados de rochas ácidas. Estes so- globando, em seu mapeamento, a Formação Guari-
los nesta superfície, portanto, são reconhecidos hoje tas a que se refere Ab’Sáber no que denomina Grupo
como fundamentais na preservação das vegetações Camaquã indicando esta “como um depósito fluvial
pretéritas. com sedimentos lagunares restritos associados (...)”.
A Superfície de Caçapava do Sul, embora com Os sedimentos provenientes do escudo, na atualida-
de, correspondem ao assoalho da Depressão Central
suas altitudes modestas reconhecidas por Ab’Sáber,
no Rio Grande do Sul.
na comparação com a Superfície de Vacaria é con-
Ab’Sáber em seu texto indicava que:
siderada “como uma das mais características super-
fícies de Cimeira de todo a Brasil”. Constitui esta o espaço onde hoje é encontrada a Depressão
a Cimeira do Escudo Uruguaio-Sul-Rio-Grandense Periférica Gaúcha possuía um volume muito
(460-450 m). Em sua interpretação, com base nos maior de sedimentos gondwânicos, os quais tan-
pressupostos da Geomorfologia Climática, esta te- genciavam ou mesmo recobriam parcialmente o
ria constituído um extenso pediplano decaindo para dorso do escudo (p. 6).
W, SW e S. O autor também indica uma inclinação
desta para E e NE. Questionando-se sobre a origem A inclinação da Superfície de Cimeira do Es-

336
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
17

Figura 2. Superfície de Caçapava, gerada pelo modelo digital do terreno, SRTM/NASA.

cudo Uruguaio-Sul-Rio-Grandense para leste, por fase de aplainamento ocorrida antes da extensão da
sua vez, pode ser corroborada através da interpreta- pediplanação neogênica da Campanha. É caracteri-
ção mais recente. A explicação atual indica que com zada como uma superfície intermontana, na medida
a abertura do Atlântico (médio Jurássico ao Cretá- em que constitui uma superfície intermediária, no
ceo) teria ocorrido uma reativação de zonas de fa- interior do Planalto de Caçapava do Sul.
lhas paralelas à linha atual da costa do Rio Grande Para Ab’Sáber esta superfície constitui um
do Sul. Da mesma forma, teriam ocorrido bascula- testemunho local de uma vasta superfície que teria
mentos e abatimentos de blocos a leste do Planalto constituído um paleoespaço da Depressão Central
Basáltico Meridional. Esta movimentação permiti- do Rio Grande do Sul. Esta superfície teria sido o
ria pensar que a antiga superfície de Cimeira, deri- assoalho desta parcela do território, atingindo o re-
vada ainda de processos que antecedem a separação verso da Cuesta do Haedo (Sudoeste do Rio Grande
dos continentes, teria sofrido modificações ao longo do Sul), os morros testemunhos Morungava-Itaco-
desse processo e, consequentemente, inclinado-se lomi a leste e a Cuesta de São Francisco de Assis a
para leste. Noroeste. Esta constituiria a superfície, a partir da
Ab’Sáber, em outro texto que compõe sua qual novos entalhamentos se processaram, originan-
obra, indica que a gênese da Depressão Central é do, a Sudoeste do Estado, a denominada Cuesta do
resultado do processo de circundesnudação perifé- Haedo, bem como explicaria a constituição da rede
rica (Ab’Sáber, 1969). Para o autor, num esforço de de drenagem, em particular o desvio do Rio Ibicuí
imaginação, no final do Cretáceo a “geomorfologia para oeste e a formação de seu boqueirão, feição geo-
regional deveria assemelhar-se a uma vasta extensão morfológica que constitui o marco de individualiza-
de terras baixas entremeadas de restos aplainados do ção da Cuesta do Haedo a Nor-Noroeste.
núcleo cristalino e planaltos basálticos” (Suertega- Na classificação das unidades geomorfológicas
ray e Fujimoto, 2004, p. 18). Fases posteriores mais do Rio Grande do Sul, de maneira geral a Cuesta do
úmidas e exorreicas teriam possibilitado a exumação Haedo não é individualizada, entretanto, essa feição
dos sedimentos gondwânicos, dando origem à De- é reconhecida desde os estudos de Chebataroff (1951)
pressão Central. Nesta perspectiva, tem-se a possi- é corroborada por Ab´Sáber (1969) e identificada em
bilidade de interpretar, na visão de Ab’Sáber, a for- escalas regionais. Particularmente, em estudos feitos
mação da Superfície do Escudo-Uruguaio-Sul-Rio- na região Sudoeste do Rio Grande do Sul utilizei
Grandense como anterior a esta significativa fase de essa denominação ao me apropriar da classifica-
configuração do relevo no estado. ção das unidades de relevo no estado elaborada por
A superfície do Cerro da Cadeia é observável, se- Müller Filho (1970), sistematizada em Gonçalves e
gundo o autor, na região de Vila Nova (ou Cerro da Santos (1985).
Cadeia), área central do Rio Grande do Sul (figura
A superfície da Campanha é para Ab’Sáber uma
3). Constitui uma superfície intermediária (300-
superfície interplanáltica típica (figura 4); ela esten-
320 m) entre as duas superfícies anteriormente des-
critas. Este testemunho representa para o autor uma de-se por grandes extensões do Rio Grande do Sul.

337
Figura 3. Superfície de aplainamento do Cerro da Cadeia, gerada pelo modelo digital do terreno, SRTM/NASA.

Neste texto ficaremos restritos a sua identificação na Nestas paragens domina absoluta, para
paisagem da “Campanha Gaúcha”, exatamente por- Ab’Sáber, uma forma de relevo reconhecida regio-
que é sobre esta área que nos deteremos no segundo nalmente como coxilhas, feições resultantes, em sua
momento deste artigo. Altimetricamente esta super- interpretação, do efeito mamelonizador decorrente
fície varia de 200 a 220 metros em suas margens e da umidificação do clima mais atual.
140 a 180 em seu centro. As rochas que esta superfí- Nesta área, desde Ab’Sáber, os mapas geológi-
cie arrasou, segundo o autor, foram as mais variadas. cos (Carraro et al., 1974 e DNPM, 1989) registram
Geomorfologicamente está associada a “um as mesmas litologias, os basaltos da Formação Serra
sistema de drenagem peculiar e um sistema de cues- Geral e os arenitos eólicos da Formação Botucatu.
tas concêntricas de frente ligeiramente interna, em De maneira ampla, é a partir desta superfí-
obediência às estruturas paleozoicas e mesozoicas cie, associando-se a rampas e ou coxilhas em suas
regionais” (p. 10). porções médias, que se originaram os areais. Não é
Para o autor, no caso específico do sudoeste por outra razão que nos valemos, para compreender
do estado, esta superfície se originou a partir de uma a gênese dos depósitos mais recentes dos estudos de
estrutura geológica regional homoclinal, previamen- Ab’Sáber sobre a Superfície da Campanha. Essa su-
te aplainada (Superfície da Cadeia) e posteriormente perfície nos permitiu compreender e aproximar uma
desgastada através de uma disposição da rede hidro- datação relativa dos depósitos rebaixados, quando
gráfica, representada, particularmente, pelo Rio Jacuí da busca de interpretação da origem dos areais. Foi,
(L-W) e pelo Rio Santa Maria (S-N ou SE-NW). portanto, sua interpretação o caminho adotado para
Estes vales, portanto, “só se definiram, tal como se uma cronologia de depósitos e feições identifica-
apresentam hoje, após a generalização desta notável das na região dos areais, processo que investigamos
superfície aplainada neogênica” (p. 12). Na expressão desde os idos de 1983.
poética de Ab’Sáber: O segundo momento deste artigo pretende
resgatar, portanto, a lógica das superfícies de cimeira
nas paisagens da Campanha Gaúcha os rema- como instrumento teórico e metodológico quando
nescentes desta superfície neogênica criaram um da evolução genética do relevo numa perspectiva que
panorama indelével: são eles que, a despeito do se vincula à denominada Geomorfologia Climáti-
retrabalhamento por processos morfoclimáticos ca. Seguramente, muitas críticas podem ser feitas a
do Quaternário, dão ao observador, postado no respeito da não consideração das estruturas, quando
alto das coxilhas, uma sensação de horizontes es- optamos pela gênese climática de uma forma. Esta
tirados e infindos (p. 13). crítica não é cabível para a obra de Ab’Sáber, pois
nela as conexões internas e externas na gênese do

338
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
17

relevo estão presentes, como bem podemos perceber Incluindo-se nesta caracterização os depósitos
neste texto e no conjunto de sua obra. da Formação Gravataí.
A Superfície de Gravataí (figura 5) localiza-se
na porção ENE do Estado do Rio Grande do Sul Para Ab’Sáber em parceria com Morris, esta
entre a cuesta arenítica de Itacolomi-Morungava, o superfície foi parcialmente destruída pelo encaixa-
maciço de Porto Alegre e a Coxilha das Lombas. mento recente da drenagem do Rio Gravataí. Tratar-
É caracterizada pelo autor como uma superfície in- se-ia de uma superfície embutida situada entre 50 e
terplanáltica com topos aplainados, entre 50 e 60 100 m abaixo da Superfície da Campanha. Tendo sido
metros de altitude. Esta superfície, reconhecida identificada, pelo autor, como pertencente à grande
por Ab’Sáber em 1957, foi associada a um ambien- rede neogênica do país é, portanto, corroborada pela
te climático semiárido a partir da identificação, na sua cronologia definida em estudos mais atuais.
época, de depósitos fanglomeráticos arenosos e ar- O autor da obra em análise levanta a
gilosos caracterizados por Morris. Nesse momento hipótese, a partir de estudos da época, de que esta
foram identificados “pedimentos rochosos restritos superfície estaria associada a climas mais secos des-
nas vertentes de morros testemunhos do alinhamen- de o final do Terciário, adentrando-se pelo Quater-
to de cuestas Morungava-Itacolomi-Sapucaia”. Mais nário, em particular no Pleistoceno.
recentemente o mapeamento geológico (DNPM, Na continuidade dos estudos e, particular-
1989) indica a ocorrência, nessa área, de uma for- mente, considerando o conhecimento acumulado
mação de origem terciária adentrando-se pelo Qua- desde então, observa-se que sua hipótese estava cor-
ternário. Esta apresenta-se como um conjunto de reta. Estudos mais recentes objetivando explicar a
depósitos caracterizados como: gênese da Planície Costeira (Villwock,1984; Villwo-
ck e Tomazzeli,1995) e dos depósitos associados aos
depósitos gravitacionais de encosta (eluviões e da Superfície do Gravataí indicam:
coluviões) gradando para sistema de leques alu-
viais e canais anastomosados, conglomerados, 1. a ocorrência de depósitos de leques aluviais
diamictitos, arenitos conglomeráticos, arenitos e associados às encostas das terras altas com início no
lamitos maciços ou com estruturas acanaladas. Terciário e mantendo-se ao longo do Quaternário;

Figura 4. Superfície de aplainamento da Campanha, gerada pelo modelo digital do terreno, SRTM/NASA.
339
2. o Sistema laguna/barreira I constitui-se no mais nética, a seguinte consideração: os terraços apresen-
antigo sistema laguna barreira da formação da planí- tam-se ora como planície suspensa ora como colinas
cie costeira do Rio Grande do Sul. Este evoluiu como rasas. No conjunto, elevam-se até as encostas dos
resultado de um primeiro evento transregressivo morros graníticos dos arredores de Porto Alegre,
pleistocênico a partir da acumulação de sedimentos algumas vezes alcançam de 6 a 7 metros acima do
eólicos que originaram a feição denominada Coxilha nível médio das águas do Guaíba. Com largura de
das Lombas, ancorada entre o Planalto Basáltico/NE 100 a 500 metros, esses terraços envolvem aflora-
e o Embasamento Cristalino/SE, na sua porção reco- mentos de rochas (grandes matacões) isolados quan-
nhecida como Complexo Viamão-Porto Alegre. do da sedimentação antigas desses terraços. Para os
autores, tais blocos constituíram, no passado, ilhotas
Esta feição constituída de depósitos de du- rochosas próximas às margens do Guaíba “tendo
nas isolou a depressão atualmente denominada de sido incorporados à margem direita do Guaíba, pos-
Guaíba-Gravataí. Esta, por sua vez, evoluiu de uma teriormente, devido a colmatagem da fase de sedi-
fase de coalescência de depósitos de encostas origi- mentação antiga dos terraços” (p. 7).
nários de ambiente semiárido para um ambiente de Estudos de pequenas feições revelam na
sedimentação fluvial, lagunar e paludal. geomorfologia de Ab’Sáber, além da sua preocupa-
O contato das terras altas do Planalto Basáltico ção com a explicação genética, a articulação sob di-
com a planície costeira em formação foram, através ferentes escalas de análise espacial. Nas entrelinhas
do estudo de grutas encravadas na base das litologias de seu texto é possível perceber sua visão ampliada
areníticas da Formação Botucatu, alvos da investiga- da formação destes terraços. Hoje, associando sua
ção de Ab’Sáber e Gomes (1969). interpretação com os estudos atuais sobre a forma-
Na busca da interpretação destas grutas, afir- ção da planície costeira e a formação da Depressão
maram os autores que, à primeira vista, teriam essas Gravataí-Guaíba, torna-se fácil compreender a gê-
grutas característica de grutas de abrasão. Seus estu- nese e a idade desses terraços na relação com a for-
dos concluem esta assertiva quando indicam que mação desta depressão.

demonstrou-se de uma vez por todas que o mar 2º momento: a Superfície da Campanha e a
esteve, em um período relativamente recente do formação de areais
Quaternário, naquela posição. Tal episódio de
ingressão foi anterior àquele que respondeu pela A interpretação das superfícies de aplai-
gênese do sistema lagunar atual da região (p. 3). namento, particularmente a Superfície da Cam-
panha, constituíram ferramenta teórica e ope-
Esta descoberta foi construída a partir da pre- racional fundamental para a interpretação
sença “de seixos marinhos, intercalados com escom- genética e datação relativa dos depósitos que originam
bros de abrasão e blocos de arenito e basalto desmo- areais quando da elaboração de minha tese de douto-
ronados sobre os antigos cascalhos” (p. 3). rado (1987/1988).
Na busca de uma interpretação do paleolitoral Os areais, objeto de estudo, localizam-se no
do Rio Grande do Sul afirmavam os autores que reverso da Cuesta do Haedo, em áreas definidas
a partir do mapa geológico do Rio Grande do Sul
existia um litoral extremamente recortado na (Carraro et al., 1974), como de ocorrência da Forma-
área considerada (litoral norte nos arredores da ção Botucatu (Mezosoica). Desde os primeiros tra-
Lagoa Itapeva), esculpido nos esporões e antigos balhos de campo, observamos uma descontinuidade,
contrafortes da zona arenítico-basáltico pré-Ser- seja da superfície de contato como das características
ra do Mar (p. 4). dos sedimentos mais superficiais em relação à for-
mação basal (Formação Botucatu). Numa primeira
Os trabalhos atuais sobre a gênese da Planície interpretação visualizamos, em conjunto com dois
Costeira revelam sua evolução ancorada nas terras al- colegas geólogos, uma área com cobertura superfi-
tas do então planalto arenítico-basáltico. cial que indica a possibilidade de formações superfi-
Destaca-se, ainda, na contribuição das feições ciais mais recentes (Veiga, Medeiros e Suertegaray,
pós-Superfície de Gravataí, a busca de Ab’Sáber da 1987).
compreensão sobre a gênese dos terraços fluviais às Inicialmente foi feita a caracterização destas
margens do Guaíba (Ab’Sáber, 1969). Neste texto é coberturas e foram definidas como unidade A e uni-
possível visualizar, quando da sua interpretação ge- dade B.

340
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
17

A unidade A, apresentando as seguintes ca- balho de tese, foi necessário não só mapear como
racterísticas: aproximar uma datação, pelo menos relativa, desses
depósitos. Para tanto utilizei a Superfície da Cam-
a uma cota de 120 m (...) esta unidade caracteri- panha, como sendo a Superfície de Cimeira em âm-
za-se por apresentar uma coloração avermelhada, bito regional. Deduzi a partir desta que depósitos
recobrindo por vezes topos de colinas, por vezes e feições topograficamente abaixo dessa superfície
fundo de vales (...) unidade fluvial cuja sequên- seriam mais recentes do que a Superfície da Cam-
cia se expressa pelo contato erosivo nítido com a panha (Terciária). Assim, conforme a interpretação
formação subjacente (Botucatu), seguido de um (Suertegaray, 1987), diz-se:
conglomerado basal com seixos mal classificados
e angulosos envoltos em matriz arenosa (...) Su- A partir desta superfície, mantida principalmen-
perpõe-se a este um arenito com estratificação te por topos basálticos, as áreas mais rebaixadas
indicando correntes em canais (...) e finalmente surgem como formas de retrabalhamento re-
recobre esta camada uma outra, arenoargila. O cente, especialmente aquelas que já adquiriram
recobrimento mais superficial, o solo, é de cor uma convexidade mais expressiva, dando a área
avermelhada, pouco espesso, sustentando uma um “ar” peculiar às coxilhas. Considerando-se
cobertura de gramíneas (p. 102). aquela superfície como neogênica (Terciário Su-
perior) sobre a qual a hidrografia sub-regional
A unidade B, apresentando as seguintes ca- promoveu novos entalhamentos, admite-se essas
racterísticas: formas arredondadas como formas topográficas
recentes, oriundas de um retrabalhamento da an-
a uma altitude de 160 m caracteriza-se pela ocor- tiga Superfície da Campanha, a partir de novos
rência de depósitos arenosos pouco consolidados processos erosivos e deposicionais, instalando-se
(...) com presença de estratificação eólica (26º no Quaternário uma nova configuração regional
SW) indicando um ambiente de deposição eóli- (pp. 114-115).
ca. A espessura destes depósitos é variável. Tudo
parece indicar que se constituem de depósitos E, na continuidade, admite-se que para além
dunários, mais recentes que a unidade anterior das topografias de nível mais rebaixado e do arre-
(...) Este depósitos constituem-se de arenito fino dondamento das formas mais atuais, os depósitos
a médio, com estruturas acanaladas cruzadas e arenoargilosos (unidade A) com presença de seixos,
planas. Praticamente não possuem argila (98% entre eles de calcedônia, oriundos da decomposição
de areia) e são altamente friáveis (p. 105). do basalto em associação com o desgaste da Formação
Botucatu, e os depósitos predominantemente eólicos
Posteriormente, com a continuidade do tra- (Unidade B) são registros de processos de ambientes

Figura 5. Superfície de aplainamento de Gravataí, gerada pelo modelo digital do terreno, SRTM/NASA.

341
Quadro 1. Transformações do meio e dos grupos partir do cruzamento dos dados de diferentes áreas
humanos no Holoceno - Sudoeste do Rio Grande (Geomorfologia, Pedologia, Geologia, Arqueolo-
do Sul. gia) indicar a pertinência das interpretações feitas
por Ab’Sáber no entendimento das variações cli-
úmidos e semiúmidos ou semiáridos, respectivamen- máticas dos últimos períodos do Cenozoico (qua-
te, em tempos mais recentes. dro 1). Neste quadro, de forma sintética, temos a
Assim, considerando-se que a Superfície da indicação da interpretação de Ab’Sáber em relação
Campanha é datada no Terciário Superior (Ab’Sáber, às oscilações climáticas na América do Sul, com-
1969) atribuímos a esses depósitos idades mais re- parativamente com dados mais recentes provenien-
centes, quais sejam: última fase do Pleistoceno e tes da pedologia, geologia e arqueologia. Esta re-
Optimum Pós-Glacial para a unidade A e médio Ho- lação corrobora para o Rio Grande do Sul as os-
loceno (ambiente seco) para a unidade B. cilações pleistocênicas e holocênicas e nos permite
Mais recentemente, Bellanca (2000) em sua compreender as explicações sobre Superfícies Aplai-
dissertação de mestrado reconstruiu o conheci- nadas, bem como sobre a gênese natural dos areais.
mento mais atual sobre o Holoceno, permitindo, a Estes, na sua origem, são originários de processos

342
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
17

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conhecimento sobre a Geomorfologia do Rio Grande ologia Costeira e Oceânica, Instituto de Geociências, UFRGS.
do Sul. Para além dos trabalhos escritos estritamente 45p. (Notas técnicas, nº 8)
VILLWOCK, J. A. 1984. Geology of de Coastal Province of Rio
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totalidade, na medida em que investe na compreen- Alegre, 6: 5-59.
são do relevo brasileiro, constitui, desde seu início,
importante fonte interpretativa e inspiradora de no-
vas construções.

343
PARTICIPAÇÃO DAS SUPERFÍCIES
APLAINADAS NAS PAISAGENS DO
RIO GRANDE DO SUL

Aziz Nacib Ab’Sáber

1969. Participação das Superfícies O Rio Grande do Sul constitui a área territorial do
Aplainadas nas Paisagens do Sul do Brasil onde particularmente se nota uma grande
Rio Grande do Sul.
participação das superfícies aplainadas nas paisagens mor-
Geomorfologia, São Paulo,
11:1-17. fológicas atuais e nos grandes compartimentos topográ-
ficos da hinterlândia. Não se repetem exatamente aí casos
de preservação de superfícies, tão importantes e notáveis
quanto àqueles que conhecemos para o Nordeste e a Bahia,
Goiás e Mato Grosso; entretanto, de qualquer maneira,
tem-se um verdadeiro esquema de superfícies aplainadas
com distribuição geográfica, posição topográfica e compar-
timentação bem definidas.
Do ponto de vista geomorfogênico, tais fatos têm
uma tal importância, que não se pode efetuar nenhum es-
tudo sério de geomorfogênese ou nenhuma tentativa mo-
derna de síntese da história fisiográfica regional, sem que
se realize previamente uma boa pesquisa das superfícies
aplainadas de cimeira e interplanálticas regionais.
A despeito da melhor preservação das superfícies
aplainadas nas paisagens morfológicas atuais, o quadro de
superfícies aplainadas do Estado do Rio Grande do Sul
é um pouco mais complexo do que o de São Paulo e Pa-
raná, devido ao fato de aí ocorrerem superfícies de cimeira
mais elevadas, exatamente na área de formações geológicas
da Bacia do Paraná (superfície de Vacaria), às quais talvez
sejam mais velhas que as próprias superfícies de cimeira do
Escudo Uruguaio-Sul-Rio-Grandense.

A Superfície de Vacaria: teto topográfico da terra


gaúcha

O altiplano basáltico de Vacaria constitui o setor


mais elevado dos planaltos de lavas do Rio Grande do Sul,
muito embora não seja o mais elevado trato de platôs ba-
sálticos da Bacia do Paraná. Possui uma altitude de 950
a 1.100 metros. Nos extremos do quadrante nordeste do
território gaúcho descaindo suavemente para oeste, sudeste
e sul, conservando o mesmo esquema de paisagem em seus
altos e largos interflúvios, até atingir cotas de 750-800 m.
Para leste, ele bruscamente é interrompido pelas altas es-

344
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
17

carpas, de frente atlântica, conhecidas pela expressiva de Vacaria estarem entre 780 e 850 m, denuncia a in-
designação de Aparados da Serra. Para o sul e sudoeste, clinação da superfície do platô basáltico de N para S
ele é marginado pelas áreas altamente festonadas e e de NNE para SSW. Tal adernamento da superfície
dissecadas da região serrana de Caxias-Morro Reuter- topográfica, de grande importância para explicar o
Taquara. Para oeste, o planalto basáltico, que até então sinuoso traçado da drenagem do planalto, parece
possuía um cimeira plana e homogênea, se rebaixa e corresponder à deformação moderna de uma velha
se degrada, passando a apresentar um relevo de ma- superfície aplainada, da qual o Planalto de Vacaria é
ciças coxilhas, semimamelonizadas. a herança mais flagrante.
No Planalto de Vacaria, a estrutura da pai- Por muitos tempos tivemos escrúpulos em in-
sagem difere inteiramente dos quadros apresentados cluir, sem maiores discussões, o Planalto de Vacaria,
pelos outros setores do planalto basáltico sul-rio- no quadro das superfície de aplainamento típicas do
grandense: ali a decomposição é mais rasa do que no Rio Grande do Sul. Inicialmente, incluímo-lo na ca-
setor centro-oeste e noroeste do Estado, porém mais tegoria de uma plataforma estrutural maciça e ele-
homogênea e contínua do que no setor do planalto; vada. Esta concepção original, feita por precaução,
a diferença com relação ao baixo platô basáltico de foi inesperadamente reforçada, com a constatação de
sudoeste, na zona de fronteira com o Uruguai e a Leinz sobre a natureza radial dos derrames basálticos
Argentina, é muito grande, tanto do ponto de vista na área de NE do Rio Grande e ESE de Santa Cata-
estrutural da paisagem (rasura da decomposição, rina. O fato de as direções dos derrames do planalto
paleopavimentos e litossolos), como em relação aos divergirem para W, NW, SW e S, vinha em favor da
tipos de solos, água subsuperficial e cobertura ve- ideia de uma relativa concordância entre a superfície
getal. topográfica do platô e o ângulo médio dos mergulhos,
Os paleopavimentos de blocos ou de frag- corroborando a noção de plataforma estrutural.
mentos redondos de ágata e calcedônia são insigni- Desde há algum tempo constatamos que as
ficantes no Planalto de Vacaria, quando comparados estruturas basais do pacote basáltico têm inclinação
com os do planalto situado entre Lages e o Rio Pe- dominante de SSE para NNW, em sentido oposto
lotas onde, em tempo subatual, houve certamente ao das corridas do topo do planalto (Ab’Sáber, 1959)
uma áspera paisagem rochosa, de clima semiárido — o conjunto da pilha de lavas se comportando
moderado, se bem que de curta duração geológica. como uma gigantesca lente biconvexa. Tal confor-
O Planalto de Vacaria é profundamente sec- mação estrutural impedia uma modificação concei-
cionado por rios encaixados, tanto a leste como a tual, obrigando à precedência do termo plataforma
oeste, através de canyons de beira de serra e canyons estrutural.
de planalto. Aos rios curtos e profundos, adaptados Ultimamente, revendo as posições altimé-
a diáclases tectônicas modernas, dos Aparados da tricas e as diferenças morfológicas entre o Planalto
Serra, opõem-se as sinuosas e alongadas gargantas de Vacaria, o Planalto de Lages (1.000-1.300 m) e o
dos rios que nascem no reverso das escarpas e se di- Planalto de São Joaquim (1.300-1.700 m), pudemos
rigem para o interior, à moda clássica dos rios pau- finalmente obter uma série de fortes argumentos
listas e paranaenses da Serra do Mar. Os canyons para a caracterização do setor nordeste do planalto
do interior são menos profundos e de traçado mais basáltico sul-rio-grandense, como sendo uma su-
irregular que os da beira da Serra, comportando perfície aplainada do tipo cimeira. Apenas na região
meandros encaixados e patamares de erosão suces- de São Joaquim existem interflúvios residuais dos
sivos e descontínuos. derrames superiores do planalto basáltico, enquanto
Nas fotos aéreas da área de Caxias, onde a a superfície aplainada de Vacaria representa um
ramificação da drenagem serrana ocasionou uma dos primeiros e importantes períodos erosivos, por
notável energia para o relevo local, pode-se notar a pediplanação exorreica, pós-derrames (pós-triássico,
sobre-existência de resíduos do platô de Vacaria, per- possivelmente cretácico). Tal superfície aplainada,
feitamente preservados, a despeito de estarem envol- hoje postada na cimeira dos platôs gaúchos, a 1.000-
vidos pelas áreas dissecadas. Tais núcleos marginais 1.100 metros, deve ter sido pediplanada durante a
da antiga Superfície de Vacaria, ainda não destruídos, fase deposicional do “Mercedense” urugaio, ao tempo
são chamados “terras de Campanha”, pelos colonos em que os setores gaúcho, catarinense e paranaense
da região de Caxias, pois na realidade apresentam do planalto meridional brasileiro serviram de ma-
uma estrutura de paisagem totalmente diversa da- ciço lombo divisor entre as áreas cretácicas do setor
quela que caracteriza a região serrana, ali dominante. norte (São Paulo, Mato Grosso, Triângulo Mineiro e
O fato de tais testemunhos marginais da Superfície sudoeste de Goiás) e setor sul (Uruguai e sudoeste

345
do Rio Grande do Sul) da Bacia do Paraná. do Rio Grande e SSE de Santa Catarina, além de ter
A notável preservação do Planalto de Va- sido originalmente uma grandiosa lente biconvexa
caria parece estar ligada ao fato de que, por muito de lavas, foi novamente deformado em abóboda, pos-
tempo, sua drenagem interior era de tipo conse- teriormente aos aplainamentos iniciais, durante as
quente, muito alongada e pouco encaixada. Com as fases de soerguimento epirogênico mais importantes
fases rápidas e sucessivas de ascensão epirogênica, do Cretáceo e do Terciário.
ocorridas no Paleogeno e no Neogeno, os rios do Queremos salientar, por último, o quanto pode
planalto se encaixaram fundo, ao tempo em que se ser importante a individualização definitiva de uma
adaptaram às deformações sofridas pelo platô. O área aplainada tão antiga, pois de tal caracterização
soerguimento deve ter sido feito em fases rápidas dependerão novas concepções sobre a marcha dos
e importantes, enquanto o rebaixamento dos inter- fenômenos paleotectônicos modernos. Assim, se for
flúvios foi extremamente lento e medíocre. Por seu comprovada a categoria de superfície aplainada de
turno, o entalhamento vertical, através de erosão de cimeira para o Planalto de Vacaria, estará ipso facto
talvegue, foi absolutamente superior em potência aos também comprovado que aquele setor do planalto
processos morfoclimáticos de abertura de vertentes, basáltico sul-brasileiro é, além de uma velha e vo-
que se fizeram atuar no dorso maciço e resistente da lumosa lente biconvexa de basaltos empilhados, um
gigantesca pilha de lavas. Isto nos faz pensar que os caso também de reativação regional de arqueamento
climas úmidos só se instalaram na região em mo- epirogênico, sob forma de abóbada.
mentos geológicos muito recentes.
O Planalto de Vacaria, segundo o que se pode Superfície de Caçapava do Sul
adiantar, até o presente estágio de conhecimentos
geomorfológicos sobre a região, é uma espécie de alta A despeito de sua altitude média relativamente
superfície de cimeira, no conjunto do planalto ba- modesta (450-460 m), é uma das mais caracterís-
sáltico sul-brasileiro, similar à Superfície do Purunã, ticas superfícies de cimeira de todo o país. Trata-se
que corta em bizel o reverso da escarpa devoniana do de uma superfície que nivela a porção central da
Paraná (Bigarella e Ab’Sáber, 1961). Aliás, trata-se abóbada do Escudo Uruguaio-Sul-Rio-Grandense,
de uma das mais altas superfícies aplainadas encon- evidenciando um alto grau de aperfeiçoamento por
tradas nos planaltos do sul do Brasil, já que as áreas processos antigos de aplainação. A despeito do reen-
de altitudes mais elevada dos platôs se comportam talhamento recente que a afeta, a Superfície de Ca-
como testemunhos rebaixados do nível original su- çapava do Sul é tão bem marcada e definida como
perior do planalto basáltico triássico. algumas de suas congêneres, mais elevadas e bem
A inclinação do planalto basáltico de Vacaria preservadas, do Nordeste e Centro Oeste.
para o S e SW, em oposição ao mergulho do setor A Superfície de Caçapava do Sul, ou Uruguaio-
setentrional da superfície aplainada de Caçapava do Sul-Rio-Grandense, corresponde à cimeira do Escudo
Sul, constitui prova do sistema de deformações por Sul-Rio-Grandense, tanto em território gaúcho
arqueamento em abóbada, que se vem fazendo sentir quanto em território uruguaio, não possuindo re-
tanto nos escudos e núcleos de escudo, como em se- levos residuais em nenhum ponto de sua atual área
tores das bacias soerguidas, do território brasileiro. de extensão. Corta indiferentemente, na cumeada
Acreditamos, assim, que o planalto basáltico do NE do escudo, as mais variadas estruturas e litologias

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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ali ocorrentes: granitos e xisto da área de Caçapava, morfológica. Tudo indica que, ao tempo da formação
ignimbritos do Planalto de Ramada, arenitos, arcósio desta superfície de cimeira do Escudo Uruguaio-
e conglomerados da Formação Camaquã, arenitos Sul-Rio-Grandense, muito ao norte, os trechos
conglomeráticos da Formação Guaritas, e formações mais salientes do planalto basáltico estavam acima
sedimentares carboníferas da região de Mariana Pi- do nível da Superfície de Caçapava. O espaço onde
mentel, entre outras. hoje é encontrada a Depressão Periférica Gaúcha
Em sua extensão original parece ter sido um (figura abaixo) possuía um volume muito maior de
extenso e aperfeiçoado pediplano, que descaía para sedimentos gondwânicos, os quais tangenciavam
W, SW e S. Muito embora mergulhe também para ou mesmo recobriam parcialmente o dorso do Es-
NE e parcialmente para E, não se pode afiançar se cudo. E, nesse quadro paleogeográfico, a antiga área
tais inclinações são originais ou se foram oriundas de extensão da Superfície de Vacaria se desenvolvia
de processos tectônicos posteriores à pediplanação e por um número muito mais variado de estruturas
contemporâneos da reativação do arqueamento do e formações geológicas. Com os novos soergui-
escudo, em forma de abóbada. É difícil especular mentos e as deformações cretácicas contemporâneas
sobre o seu paleoespaço, no sentido de leste, devido do “Mercedense” uruguaio, houve o reinício de ati-
à forte interferência da área tectônica atlântica da vidades erosivas aplainadoras, às quais exumaram
Lagoa dos Patos (fases tectônicas neogênicas?). Sua áreas enterradas do escudo e criaram vasto e muito
deformação moderna se processou em vasta abóbada, bem afeiçoado pediplano em seu topo. Tal superfície
através de um núcleo de arqueamento certamente aplainada deveria se reter à altura das escarpas ba-
independente e oposto ao planalto basáltico de nor- sálticas antigas - outrora mais avançadas para o sul
deste. Desta conformação em abóbada, indepen- - elaboradas no intervalo de tempo situado entre o
dentemente do tectonismo da sua fachada atlântica, aplainamento de Vacaria e a fase de pediplanação
resultou uma drenagem geral divergente ou radial final de Caçapava do Sul. Assim, o aplainamento de
irregular, dirigida para quase todos os quadrantes Caçapava do Sul teria ganho áreas geográficas ou-
marginais do Escudo. Por outro lado, na intersecção trora pertencentes à Superfície de Vacaria.
dos dois núcleos de arqueamento em abóbada (o do Muito embora seja sempre difícil especular
Escudo e o do Planalto Basáltico), vieram a se formar sobre a gênese das superfícies de cimeira, no caso da
linhas de drenagem importantes, da qual o Jacuí é Superfície de Caçapava do Sul esta tarefa nos pa-
a herança mais notável e complexa. Nesta faixa de rece mais fácil, devido à existência de testemunhos
fragilidade, os fenômenos de desnudação marginal de sedimentos cretácicos transgressivos, na região de
tiveram um excelente campo tendencial para o seu Santa Tecla. Isto nos garante que a fase mais impor-
desenvolvimento, desde os fins do Paleogeno até os tante do afeiçoamento da Superfície de Caçapava do
dias atuais. Sul, em nível tectônico bem mais baixo que o atual,
Ao contrário do que acontece com o Planalto corresponde ao fecho da sedimentação cretácica no
de Vacaria, que não tem depósitos correlativos pró- Uruguai e Rio Grande do Sul. Acreditamos, porém,
ximos, a Superfície de Caçapava do Sul possui, em que houve um prolongamento dos processos de
área contígua, depósitos cretácicos (Formação Santa aplainamento até o Eoceno, no mínimo.
Tecla), que são documentos sedimentários relativa- Depois desse afeiçoamento final da Superfície
mente importantes para a sua caracterização geo- de Caçapava do Sul é que se processou a reativação

347
da deformação em abóbada do velho escudo, assim cisco de Assis. Em todos os casos conhecidos apa-
como se instalou o primeiro esquema de drenagem recem fenômenos de endurecimento por processos
radial ou divergente, que foi o embrião da atual de ferrificação ou silicificação, combinados ou não.
rede hidrográfica regional. A deformação tectônica O próprio reverso da Cuesta do Caverá, em diversos
da fachada oriental do Escudo Uruguaio-Sul-Rio- pontos, parece ter sido tangenciado por esta super-
Grandense parece ter se iniciado muito mais tarde, fície aplainada, ainda não descrita para o Rio Grande
provavelmente pela deformação da superfície inter- do Sul. Isto teria favorecido a perceé epigênica do Rio
planáltica da Campanha. Ibicuí no seu roteiro para o Vale do Uruguai.
Durante uma primeira tendência de soergui- O testemunho ocasional desse aplainamento,
mento do Escudo Uruguaio-Sul-Rio-Grandense, encontrado entre 300 e 320 m na área do Cerro da
houve uma ligeira retomada de erosão na área cen- Cadeia, é absolutamente significativo, pois estando
tral do velho maciço e um vasto rebaixamento to- próximo, a um tempo, das áreas de ocorrência ge-
pográfico das áreas gondwânicas que o envolviam neralizada da Superfície da Campanha (220-180 m)
pelos seus quadrantes interiores. É desta época a for- e da Superfície de Caçapava do Sul (460-450 m),
mação de níveis intermediários elevados no dorso comprova definitivamente que, antes da extensão da
superior do Escudo, assim como a formação de su- pediplanação neogênica da Campanha, houve uma
perfícies interplanálticas rasas e extensas, do centro outra fase intermediária de aplainações, de grande
para o ocidente do atual território gaúcho. Alguns generalidade para com a fachada uruguaia do ter-
dos testemunhos desta superfície intermediária, pós- ritório gaúcho. Enquanto os testemunhos desta su-
Superfície de Caçapava do Sul, ficaram bem preser- perfície no Planalto de Caçapava-Lavras são de tipo
vados, devido à silificações e ferrificações (como, por discretamente intermontano, na área gondwânica de
exemplo, em alguns maciços da região de Lavras e no sudoeste a oeste seus remanescentes denotam grande
reverso da cuesta mantida por arenitos da Formação extensão e generalização, constituindo um tipo de
Rio Bonito, na região de Vila Nova). superfície interplanáltica.
A Superfície do Cerro da Cadeia tem repre-
Superfície do Cerro da Cadeia sentação tênue, sob a forma de alta superfície inter-
mediária, no interior do Planalto de Caçapava do
No reverso da cuesta de Vila Nova (ou do Sul, entre esta cidade e a região de Camaquã e La-
Cerro da Cadeia), único bom exemplo de escarpas vras, sobretudo na área de ocorrência da Formação
estruturais mantidas por arenitos carboníferos no Guaritas (Robertson, in Goñi, Goso e Issler, 1962).
território gaúcho, existem geomórficos importantes, Tal nível intermediário superior está aí, em discreta
que comprovam a existência de aplainamentos posição intermontana, 100 m abaixo dos interflúvios
parciais pós-Superfície de Caçapava do Sul e pré- mais elevados da Superfície de Caçapava do Sul e
Superfície da Campanha. Este aplainamento, cujos 150 m acima das penetrações da Superfície de Caça-
testemunhos estão em um nível bem mais alto que pava nesta área cristalina, sedimentar e metamórfica,
o das margens pediplanadas da Superfície da Cam- complexa, do Estado do Rio Grande do Sul.
panha (Ab’Sáber, 1959), é preservado localmente por A partir da área do Cerro da Cadeia, na direção
ferrificações e silicificações. Na área de Vila Nova, de todos os bordos da grande depressão periférica
tais crostas superficiais de grande resistência dão gaúcha, existe uma outra modalidade de sua partici-
ao reverso da escarpa da Formação Rio Bonito um pação no relevo gaúcho: ela é aí um testemunho local
caráter de dupla estrutura mantenedora. O reverso de uma vasta superfície interplanáltica, que grosso
do Cerro da Cadeia comporta-se mais como um modo copia o paleoespaço da Depressão Periférica Sul-
back-slope em bizel, perante o mergulho regional dos Rio-Grandense, extravasando-se pelos reversos das
arenitos carboníferos, que propriamente como um cuestas do Haedo-Caverá, de São Francisco de Assis
dip-slope de tipo clássico. e de Morungava-Itacolomi. Certamente, foi esta su-
Testemunhos importantes desse aplainamento, perfície que, em forma pediplanada, alongada para o
que antecede o da Campanha e é bem mais moderno ocidente, tangenciava o reverso da Cuesta do Caverá,
que o de Caçapava do Sul, são encontrados em níveis tendo servido de antigo plaino na área onde, logo
rebaixados do Planalto de Caçapava-Lavras, assim depois, iria ser elaborado o relevo de cuesta do qua-
como nos altos dos morros testemunhos de Are- drante sudoeste do Rio Grande do Sul. Igualmente,
nito de Botucatu do Rio Grande e do Uruguai (em a Superfície do Cerro da Cadeia se projetava até o
plena Campanha de Sudoeste), assim como, mais a reverso da cuesta arenítica de São Francisco de Assis,
noroeste, no reverso da escarpa arenítica de São Fran- e atingia porções da área back-slope das escarpas de

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
17

Morungava-Itacolomi, ao norte de Porto Alegre. na zona de transição topográfica entre o Escudo


No que diz respeito ao maciço granítico de Uruguaio-Sul-Rio-Grandense e as estruturas sedi-
Porto Alegre, propriamente dito, a discussão sobre a mentares paleozoicas da margem sudoeste da grande
presença ou não de representações da Superfície do Bacia do Paraná. De certa maneira, a Superfície da
Cerro da Cadeia é bem mais problemática. Aí, muito Campanha tem o seu núcleo básico na área central
embora topograficamente o nível dos mais altos de exposição dos terrenos sedimentares carboní-
morros cristalinos porto-alegrenses coincida aproxi- feros, permianos e triássicos da Depressão Periférica
madamente com os níveis habituais da Superfície do Gaúcha.
Cerro da Cadeia, julgamos ser ilusória a correlação. O fato de no Rio Grande do Sul e Uruguai
Na realidade as superfícies de cimeira dos morros o embasamento cristalino, que serve de old land re-
de Porto Alegre (300-320 m) são correlacionáveis à gional para a Bacia do Paraná, ter tido um comporta-
Superfície de Caçapava do Sul, possuindo altitudes mento tectônico que lhe dá dupla função - primeiro,
mais baixas devido às deformações epirogênicas e de margem regional de uma grande bacia sedimentar
tectônicas modernas, que vem afetando alguns se- e, segundo, de escudo em abóboda, numa réplica su-
tores do Escudo Uruguaio-Sul-Rio-Grandense. lina do que acontece com o núcleo nordestino do Es-
Não fora a descoberta de tal superfície inter- cudo Brasileiro - confere às estruturas paleozoicas
mediária, muita coisa permaneceria incógnita na que o envolvem por três de seus quadrantes mais
geomoforgênese do Rio Grande do Sul. Por exemplo, interiores um aspecto de domo de grande enverga-
nunca se poderia esclarecer bem, quando e como a dura ou semidomo de margem regional de bacia. E
drenagem do Ibicuí fixou-se para oeste, iniciando o esta estrutura, tão importante para a caracterização
entalhamento de sua notável percée consequente. Na da ossatura geológica do Rio Grande e do Uruguai,
realidade, estando a Superfície do Cerro da Cadeia- vem sendo sucessivamente aplainada desde a época
Cerro do Caverá bem representada em quase todos os das superfícies de Vacaria e de Caçapava do Sul, até
bordos da grande depressão periférica gaúcha (Cuesta o período de formação da Superfície do Cerro da
do Hardo-Caverá, Cuesta de São Francisco de Assis, Cadeia. Após esta última, durante o período de cir-
altos dos morros testemunhos da região de Palomas, cundesnudação, houve um novo enriquecimento da
alguns reversos do alinhamento de escarpas Morun- compartimentação interior do território gaúcho, pois,
gava-Sapucaia-Itacolomi), sua projeção paleogeográ- ao mesmo tempo que foi reescavada a depressão pe-
fica presumível constitui um quadro significativo para riférica neogênica do Rio Grande, sobraram condi-
nos explicar como a drenagem consequente do Rio ções para uma fase de pediplanação interplanáltica,
Ibicuí escapou para oeste, obrigando seus afluentes, circunscrita ao cinturão de terrenos sedimentares
como Santa Maria, a se expandir subsequentemente, paleozoicos e mesozoicos situados entre o Escudo e
durante a fase epirogênica que soergueu o conjunto. as escarpas e cuestas basálticas que envolviam a área
Por outro lado, não fora a presença de tal su- deprimida pelo norte, noroeste e oeste.
perfície intermediária, postada em nível sensivel- Muito embora barrado em sua expansão, de
mente superior à da Campanha, ter-se-ia que dizer um lado pelo Escudo e do outro pelas escarpas basál-
que, após a formação da Superfície de Caçapava ticas, o aplainamento da Campanha forçou, através
do Sul (cretácico-eocênica ou oligocena?), houve da marcha de uma pedimentação vigorosa, os dois
circundesnudação continuada na margem da bacia se- domínios de bordos de erosão, conseguindo penetrar
dimentar paranaense (setor gaúcho), até se atingir o um pouco no Escudo e um pouco na zona basal mar-
nível do aplainamento da Superfície de Campanha, ginal dos derrames. Sua altitude média nas duas mar-
através de muitos milhões de anos. A presença da gens oscila entre 200 e 220 m, enquanto que, em sua
Superfície do Cerro da Cadeia, mantida e balizada porção central seus remanescentes situam-se entre
por ferrificações e silicificações, introduz um capí- 140 e 180 m. Tudo indica que tal plaino de erosão
tulo novo de fatos na história erosiva pós-cretácica e interplanáltico, de mais de 50 km de largura média,
facilita o entendimento da marcha da compartimen- tenha sido iniciado por um sistema de drenagem pe-
tação topográfica no interior do Rio Grande do Sul. culiar a um sistema de cuestas concêntricas de frente
ligeiramente interna, em obediência ao aspecto se-
Superfície da Campanha midômico das estruturas paleozoicas e mesozoicas
regionais. Localmente, o esquema genético do relevo
Trata-se de uma superfície interplanáltica tí- de cuestas regional, sobretudo no que se refere à cha-
pica de grande participação na paisagem do interior mada Campanha de Sudoeste, se processou dentro
do Rio Grande do Sul, especialmente desenvolvida do esquema inicial descrito por Emmanuel De

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Martonne para casos regionais de cuestas europeias: adquirido pelo aplainamento da Campanha na fase
um quadro regional de estruturas homoclinais (mo- final de sua expansão.
noclinais), previamente aplainadas, posteriormente Na região de Porto Alegre e seus arredores, a
sujeito a um esquema de tipos genéticos de cursos Superfície da Campanha cortou áreas graníticas em
d’água peculiares às regiões de cuestas. O aplaina- Viamão, e terrenos permianos, carboníferos e triás-
mento prévio teria sido, no caso, a Superfície do sicos situados ao norte desta localidade. Aí, porém,
Cerro da Cadeia, a qual teria tido, por isto mesmo, posteriormente, houve uma forte retomada de erosão,
uma distribuição geográfica, em área contínua, muito acompanhada de "reaplainamento" em clima seco,
maior que o do aplainamento que lhe sucedeu no conforme muito bem o provam os estudos de Robert
tempo. Morris, recentemente publicados sobre a Formação
Se é bem provável que, inicialmente, na ela- Gravataí (1963). Tal formação nada mais é do que
boração da Superfície da Campanha, tenha havido um conjunto de depósitos correlativos da Superfície
circundesnudação, em bases fluviais, é também quase de Gravataí, que foi elaborada em climas semiáridos
certo que sua elaboração final foi determinada por um no desvão de relevo situado entre o Maciço de Porto
prolongado período de pediplanação exorreica, como Alegre e as escarpas areníticas do alinhamento Sa-
de resto parece ter sido muito comum na elaboração pucaia-Itacolomi-Morungava. Cronologicamente, en-
derradeira das superfícies principais das grandes tretanto, trata-se de depósitos e superfícies parciais
depressões periféricas brasileiras. Se a circundesnu- muito posteriores à elaboração da grande Superfície
dação respondeu pela escavação do compartimento da Campanha, correspondentes a uma fase muito
interplanáltico, a pediplanação respondeu pela sua mais recente e miúda de compartimentação a que foi
homogeneização de níveis e pela penetração parcial sujeita o território gaúcho, do limite pliopleistocênico
dos mesmos nos terrenos pré-carboníferos e nos ter- para o Quaternário.
renos basálticos. Trata-se, aliás, de uma fórmula pa- Não havendo depósitos correlativos quais-
leográfica de grande significação para explicar alguns quer nos mais altos coxilhões que hoje representam
dos acontecimentos que responderam pela macro- os remanescentes desta superfície, porém existindo
compartimentação interior do território brasileiro. pedimentos rochosos muito bem preservados, além
A Superfície da Campanha corta, indiferen- do que uma impressionante homogeneidade altimé-
temente, na sua margem oriental, formações pré- trica para com os mais diferentes quadrantes deste
cambrianas xistosas (Série Porongos), formações se- pediplano, que corta as formações geológicas mais
dimentares e metamórficas deformadas do Paleozoico diversas, pode-se garantir que se trata de uma super-
Inferior (Formação Maricá e Formação Camaquã fície interplanáltica elaborada sob condições de uma
inferior), rochas andesíticas pré-carboníferas (For- pediplanação exorreica. Certamente, os produtos
mação Guaritas), demonstrando, na área situada de erosão oriundos da longa degradação desta su-
a leste de Caçapava e ao norte e ao oeste de Vila perfície aplainada foram removidos para áreas bem
Nova, uma modalidade de recuo paralelo de vertentes, distantes, através de uma rede de drenagem pioneira,
peculiar à marcha dos fenômenos de pedimentação. imediatamente anterior à atual, muito embora de
A partir daí, no vão central da Depressão Periférica posição topográfica mais elevada e de regime hidro-
Gaúcha, evidencia-se perfeitamente o caráter de pe- lógico inteiramente diverso.
diplano da vasta superfície que corta os interflúvios Pensamos que os vales dos rios Ibicuí e Jacuí,
superiores das coxilhas, compostas dominantemente na Depressão Periférica Gaúcha, só se definiram, tal
de terrenos sedimentares carboníferos e permianos. como se apresentam hoje, após a generalização desta
Mais além, na sua outra margem, ela interessa a ter- notável superfície aplainada neogênica. Se é que
renos sedimentares triássicos (Formação Botucatu), houve cursos pioneiros pós-Superfície do Cerro da
forçando, às vezes, os próprios terrenos basálticos Cadeia, os vales desses rios somente se fixaram por
locais das escarpas que serviram de anteparo para incisão após o fecho do aplainamento da Campanha,
sua expansão. É particularmente notável o esquema no momento em que a região foi soerguida e defor-
de pedimentação observável a oeste de Dois Irmãos, mada, segundo um eixo N-S, na porção central do
interessando as estruturas basálticas, em pleno sopé Estado, com inclinações divergentes para leste (fa-
das escarpas do Morro Reuter, numa altitude de 200 chada atlântica, sujeita a interferência da tectônica
a 220 m. Tais perfis preservados de pedimentos ro- quebrável moderna) e para oeste (Vale do Uruguai).
chosos, em tudo similares aos que ocorrem em ou- A Superfície da Campanha aperfeiçoou no-
tros terrenos, nos arredores de Caçapava do Sul e tavelmente o compartimento de relevo talhado pela
Vila Nova, documentam o caráter de pediplanação circundesnudação em fase úmida. Entretanto, foi a

350
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
17

pediplanação neogênica, em fase sensivelmente mais portância paleoclimática dos aludidos depósitos e a
seca, que afeiçoou o plaino de erosão interior da de- sua excepcional posição no compartimento de relevo
pressão periférica, formando lateralmente áreas de regional. Alertamos nosso colega sobre a cronogeo-
litologias mais resistentes, nas margens do Escudo logia da bacia, pois a tendência inicial de Morris era
Uruguaio-Sul-Rio-Grandense e em trechos das es- a de colocá-la no Plioceno. Conhecendo o caráter
truturas basálticas basais, dos rebordos do Planalto e a potência das bacias pliocênicas(?) de comparti-
Basáltico sul-brasileiro. mentos de platôs da região de São Paulo e da região
Nas paisagens da Campanha Gaúcha, os re- de Curitiba, percebemos logo a modernidade relativa
manescentes desta superfície neogênica criaram um da bacia detrítica de Gravataí, a qual, quando muito,
panorama indelével: são eles que, a despeito do re- pode ser contemporânea da Bacia de Judiaí (SP).
trabalhamento por processos morfoclimáticos do Após a caracterização paeloclimática dos de-
Quaternário, dão ao observador, postado no alto dos pósitos, foi fácil para nosso colega Morris definir
coxilhões, uma sensação de horizontes estirados e uma série de feições geomórficas de clima semiárido
infindos. Nesta área, se bem que tenha restado como na região de Gravataí. Sobretudo o que diz respeito
topônimo popular o termo pampa, ele é alusivo exclu- à presença de pedimentos rochosos restritos nas ver-
sivamente a certos interflúvios mais planos, oriundos tentes dos morros testemunhos do alinhamento de
do aplainamento da Campanha, ou de aplaina- cuestas Morungava-Itacolomi-Sapucaia.
mentos parciais mais baixos. Trata-se, entretanto, de A Superfície de Gravataí (Ab’Sáber-Morris)
um termo estrangeiro, importado de outras pampas que foi parcialmente destruída pelo encaixamento
e aplicado, ocasionalmente, a esplanadas de erosão, recente da drenagem do Rio Gravataí (entre o Ma-
elevadas e abertas aos ventos frios da Campanha ciço de Porto Alegre e as coxilhas dos arredores de
Gaúcha. Realmente, na Campanha existe o domínio Gravataí) é correlacionável ao P2 ou P3 dos estudos
absoluto das coxilhas - expressão de grande signifi- recente de Bigarela e Ab’Sáber. Em face das superfí-
cação morfoclimática, pois traduz os efeitos mame- cies aplainada por nós estudadas no interior do Rio
lonizadores dos processo subtropicais úmidos que Grande do Sul, tal é uma superfície de tipo embu-
por último agiram na fisionomia do relevo regional. tida, situada a 50-100 m abaixo do nível regional da
Quando se diz uma “pampa aberta” pretende-se Superfície da Campanha, que datamos como per-
lembrar os altos aplainados de uma coxilha, sujeitos tencente à grande rede de superfícies neogênicas do
aos efeitos açoitantes do enregelante Minuano. No país (Pd¹ das referências de campo de Bigarella e
entanto, as diferenças paisagísticas existentes entre Ab’Sáber).
as coxilhas da Campanha e as planuras desdobradas Por último há que lembrar que as áreas de pe-
das pampas úmidas ou do “monte” são tão grandes dimentação embutidas na Superfície da Campanha
quanto poderiam ser duas expressões topográficas, no Rio Grande do Sul - as quais, certa vez, por si-
estruturais e morfoclimáticas inteiramente diversas. militude com casos conhecidos no Nordeste e da
Bahia, chamamos de superfícies correlacionáveis aos
Superfície de Gravataí e congêneres depósitos semiáridos descobertos por Morris (1963),
na região de Gravataí -, dão origem a pequenos
No Rio Grande do Sul, na área colinosa baixa quadros de coxilhas mais baixos, que são penecon-
situada entre a frente da cuesta arenítica de Itacolo- temporâneos às superfícies alveolares do Rio Grande
mi-Morungava, o Maciço de Porto Alegre e a Co- do Sul, embutidos abaixo do grande pediplano neo-
xilha das Lombas, existe uma superfície aplainada gênico da Campanha.
de tipo interplanáltico. Seus topos extremamente Do ponto de vista dos estudos de conjunto de
aplainados encontram-se em torno de 50-60 m de Bigarella e Ab’Sáber, tais constatações são impor-
altitude. Nesse compartimento de relevo, por nós tantes porque servem para documentar a idade dos
já conhecido desde 1957, situado a ENE do Rio mais antigos compartimentos alveolares pós-pliocê-
Grande do Sul, o geólogo Robert H. Morris teve a nicos do Brasil de Sudeste e do Brasil Meridional,
felicidade de identificar, pouco mais tarde, uma for- tanto na fachada atlântica como na vertente conti-
mação detrítica, composta de depósitos fanglomerá- nental de tais territórios. E servem para comprovar
ticos, arenosos e argilosos, os quais certamente foram que P2 (ou P3), ora evoluía por um mero processo
elaborados em condições climáticas bem ásperas, de pedimentação restrita, ora ganhou foros de ver-
comportando climas semiáridos e drenagens tor- dadeiros pediplanos intermontanos rasos (Gravataí,
renciais. Visitando a região com Robert Morris, em Jundiaí, Vargem Grande (SP) e rebaixamentos alveo-
janeiro de 1959, fizemos ver àquele geólogo a im- lares da Campanha Gaúcha).

351
Posteriormente à publicação de nossos traba- de o nível do mar baixo no Pleistoceno ter corres-
lhos preliminares sobre as superfícies aplainadas, de pondido a fases globalmente mais secas, tanto nas
extensão regional, no Rio Grande do Sul (Ab’Sáber, zonas sublitorâneas quanto principalmente na hin-
1959) foi feita por Gilberto O. de Andrade, J. J. Bi- terlândia brasileira. Trata-se de um fato de grande
garella e Rachel C. Lins (1963) uma revisão dos importância para as ciências da Terra e da Vida, em
níveis de pedimentos e depósitos correlativos qua- nosso país, e o qual merece ser medida em todo o seu
ternários daquela área. Recentemente, ainda, Darcy exato significado para a Geomorfologia, a Sedimen-
Cloos - segundo comunicação verbal - conseguiu tologia e a Biogeografia.
encontrar, por intermédio do estudo dos microfós-
seis, documentos sobre três transgressões marinhas
pleistocênicas na pilha de estratos superiores da es-
pessa planície costeira regional. E, por outro lado, A bibliografia deste artigo se encontra no DVD anexo
cada vez mais se avolumam documentos sobre o fato

352
BIBLIOGRAFIA

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
18

Evolução geológica
neocenozoica da Depressão
Periférica no centro-leste do
Estado de São Paulo: inflexões do
pensamento geomorfológico

Celso Dal Ré Carneiro


Mario Sergio de Melo
Antonio Carlos Vitte

A Depressão Periférica Paulista, grande compartimento


geomorfológico da Bacia do Paraná, foi objeto de várias con-
tribuições do Prof. Aziz Nacib Ab’Sáber. À época (1950-1970),
procurava-se entender as superfícies aplainadas do Brasil à luz
do confronto entre modelos baseados alternativamente nos ci-
clos geomórficos, nos ciclos glacioeustáticos, na influência tec-
tônica ou na climática. Essa foi sem dúvida uma das grandes
contribuições do trabalho de A. N. Ab’Sáber, na medida em
que procurou correlacionar superfícies aplainadas, materiais
dos topos e vertentes, processos de pedimentação-pediplana-
ção, taxas de epirogênese e variações climáticas no Quaterná-
rio. A interpretação mais recente da gênese e idade dos depósitos
neocenozoicos correlativos da elaboração da Depressão Perifé-
rica baseou-se no legado deste esforço pioneiro de integração
dos múltiplos fatores envolvidos na elaboração da paisagem.
Tais depósitos têm natureza bastante diversificada, são descon-
tínuos e delgados, refletindo a atuação dominante de proces-
sos erosivos e uma sedimentação esporádica e localizada. Os
principais fatores associados à sua acumulação são: atividade
neotectônica, presença de soleiras litológicas, presença de uni-
dades arenosas que atuaram como áreas-fontes, afeiçoamento
dos níveis planálticos e terraços, fases de oscilações climáticas e
acumulação da cobertura pedológica. Cinco níveis planálticos
de extensão regional são reconhecidos na porção centro-leste da
Depressão Periférica Paulista, os dois mais elevados ocorrendo
somente nas províncias geomorfológicas limítrofes (Planalto
Atlântico e Cuestas Basálticas) e os três mais jovens e rebai-
xados ocorrendo dentro da Depressão Periférica. A associação
de depósitos rudáceos e couraças ferruginosas com estes níveis
planálticos é sugestiva de que eles correspondam a pediplanos
elaborados durante fases de climas mais secos. Outro expres-
sivo depósito, a Formação Rio Claro, foi localmente controla-
do pela reativação neocenozoica de falhas com movimentação
vertical na estrutura de Pitanga. Em ocorrências da borda leste
da Depressão Periférica, sua acumulação está mais claramente

353
associada a barramentos litológicos (soleiras e diques correlação regionais, e requer adoção de métodos de
de diabásio). A Formação Santa Rita do Passa Qua- trabalho alternativos, como a associação da sedimen-
tro, a mais extensa cobertura neocenozoica da região, tação com as formas de relevo, na medida em que
distribui-se em vários dos níveis planálticos identi- “refletem a propagação atenuada, ao interior, de pro-
ficados, e resulta de processos colúvio-eluviais que cessos atuantes na zona costeira” (Melo, 1995). Os
acumularam materiais pedogeneticamente evoluídos dados geológicos acerca dessas unidades são relativa-
a partir de unidades sedimentares arenosas da Bacia mente escassos e as interpretações, controvertidas e
do Paraná. precárias, muito embora constituam o mais expressi-
vo registro conhecido da evolução de porção afastada
Introdução da faixa costeira do Estado durante o Neógeno.
Quanto a limites temporais, embora Ab’Sáber
O estudo da evolução neocenozoica das pai- (1969c) tenha adotado apropriadamente o início do
sagens depende em larga medida do conhecimento soerguimento regional pós-cretáceo como sendo o
dos principais fatores geológicos (neotectônicos, pa- limite inferior da evolução do relevo do sudeste bra-
leoclimáticos) responsáveis pela gênese das formas sileiro, convém restringir a discussão ao limite mais
atuais e pela atuação de processos endógenos (bas- antigo da “neotectônica” da América do Sul, no
culamentos, soerguimentos, sismicidade) e exógenos Mioceno, que é definido por reativação relacionada
(dinâmica superficial) na região. Assim, para anali- a processos de natureza global (Hasui, 1990). Esse é
sar a contribuição do Prof. Aziz Nacib Ab’Sáber ao também o limite inferior do intervalo de tempo refe-
conhecimento da evolução do relevo paulista e, mais rido pelo termo “Neocenozoico” que abrange o Qua-
especificamente, da Depressão Periférica, é preciso ternário e o Sistema Neógeno, com limite inferior
reconhecer uma característica central dos geólogos, em 23 Ma (Gradstein et al., 2004) e coincide com o
geomorfólogos e pesquisadores de sua geração: a pre- início do período marcado por condições tectônicas
ocupação de “olhar o elefante” (Misuzaki e Thomaz da Placa Sul-Americana similares às atuais (Fúlfaro
Fo, 2004), ou seja, obter entendimento abrangente e Suguio, 1974).
dos fenômenos geológicos. A presente análise tem
como ponto de partida a evolução dos conhecimen- Objetivos
tos, para a seguir sintetizar alguns trabalhos mais
modernos. Acreditamos que a abordagem permitirá O presente trabalho tem como objetivo anali-
situar a importância da obra do Prof. Ab’Sáber nesse sar a importância dos estudos pioneiros do Prof. Aziz
contexto geral. Ab’Sáber para o entendimento da evolução geomor-
O trabalho do Prof. Aziz de 1949 no Boletim fológica da Depressão Periférica Paulista e avaliar em
Paulista de Geografia aborda as regiões de circundes- que medida o melhor conhecimento da Formação
nudação no território brasileiro. A obra, basilar em Rio Claro e seus depósitos associados, bem como das
suas futuras análises, funda este tipo de preocupa- estruturas regionais de origem tectônica, contribuí-
ção na geomorfologia nacional. Nas décadas de 1960 ram para melhorar a compreensão da evolução geo-
e 1970, os trabalhos da sua profícua lavra refletem lógica neocenozoica desta porção do centro-leste do
visão construída a partir de estudos próprios e de Estado de São Paulo, envolvendo aspectos variados
outros pesquisadores. Realçou-se uma característica de geomorfogênese, paleoclimas, neotectônica e se-
evolutiva indiscutível da Depressão Periférica Pau- dimentação correlata.
lista: o caráter dominantemente erosivo desse grande A área ora focalizada e estudada abrange a
compartimento geomorfológico. Algumas das con- porção centro-leste da Depressão Periférica Paulista
tribuições do Prof. Ab’Sáber (1969a, 1969b, 1969c) e porções adjacentes do Planalto Atlântico a ESE,
abordam a evolução cenozoica da área, além de in- Cuestas Basálticas e pequena porção do Planalto
cluir detalhadas evidências de superfícies aplainadas Ocidental a NW, segundo a divisão geomorfológica
na estrutura regional (Ab’Sáber, 1969b, 1972). do Estado de São Paulo (Ponçano et al., 1981; Car-
Melo (1995) reúne dados e interpretações sobre neiro et al., 1981).
a porção centro-leste da Depressão Periférica Paulis-
ta, acentuando o caráter discreto das evidências da Geomorfologia no Brasil: transformações
evolução neocenozoica regional, e as dificuldades paradigmáticas e a construção do relevo
que oferecem para identificação e interpretação. Na
região, a Formação Rio Claro e unidades associadas Abreu (1982) em sua tese de livre-docência,
constituem depósitos correlativos da evolução neoce- intitulada “Análise Geomorfológica: reflexão e apli-
nozoica, preservados da erosão. Segundo o autor, a cação”, procurou estabelecer uma filogênese sobre o
distribuição localizada dos sedimentos neocenozoi- pensamento geomorfológico, em nível global, identi-
cos (embora dispersos por área relativamente expres- ficando duas grandes linhagens de pensamento sobre
siva) dificulta estudos de classificação, associação e o relevo, sendo a primeira a “Linhagem Epistemoló-

354
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
18

gica Americana” e a segunda, a “Linhagem Alemã”. de relações causais mais específicas no que se refere
Assim, a “linhagem americana” está associada à morfogênese.
diretamente aos trabalhos de William Moris Davis Com a criação das universidades, serão institu-
e ao seu clássico trabalho de 1899, intitulado The cionalizados cursos de Geografia, assim como cursos
Geographical Cycle, bem como a conquista do oes- de Engenharia ligados às escolas politécnicas. Nestes
te norte-americano e a busca pelo ouro, conduzida cursos serão agregadas em suas grades curriculares
pelos trabalhos dos geólogos que priorizaram a ação a Geologia e a Geomorfologia, com ensino teórico
fluvial sobre a dinâmica das vertentes, na escultura- e prático que, segundo Ab’Sáber (1958), foi funda-
ção do relevo. mental para a geração de geógrafos-geomorfólogos
A “linhagem Alemã” desenvolveu-se a partir que passaram a contribuir para o conhecimento da
dos trabalhos de grandes naturalistas, que tinham diversidade da natureza no Brasil e ao mesmo tem-
por referência as obras de Kant, Goethe e Humboldt, po auxiliando na expansão das fronteiras internas do
que privilegiavam uma visão totalizadora e integra- Brasil.
da entre os elementos da natureza, emergindo des- Na década de 1930, com o Estado Novo (So-
ta postura a noção de georrelevo e o seu significado dré, 1983), exacerba-se politicamente a noção de
para a análise integrada dos espaços humanizados território, que materialmente fundamenta-se na ex-
(Abreu, 1982). pansão do capitalismo, por meio da ação do Esta-
No Brasil, devemos destacar a produção e as do sobre o espaço regional, viabilizando o processo
reflexões de Aziz Nacib Ab’Sáber como sendo aque- de acumulação, à medida que se acentua a relação
le que melhor soube incorporar e adaptar as formu- campo-cidade e o setor industrial se desenvolve. É o
lações da linhagem germânica ao contexto nacional, momento da criação do Código das Águas (1934) em
a partir de sua formação essencialmente baseada em que o Estado Brasileiro procura normatizar o pro-
uma linha francesa. cesso de expansão interior do capitalismo, viabilizan-
do a exploração dos recursos naturais. Já na década
Os primórdios da produção geomorfológica no de 1940 é criado o núcleo do Instituto Brasileiro de
Brasil - a matriz davisiana Geografia e Estatística assim como o Conselho Na-
cional de Geografia (1937), sendo que ao primeiro
Genericamente, pode-se dizer que a estrutura- coube a realização da primeira divisão regional do
ção científica da geomorfologia no Brasil está muito Brasil, fundamentada na concepção de espaço natu-
associada a dois grandes marcos na história política ral, em que a vegetação foi utilizada como critério
e cultural do Brasil dos anos de 1930, que são de um definidor das macrorregiões (Sodré, 1983).
lado a criação e institucionalização de várias univer- Dentro deste quadro, nas universida-
sidades, destacando-se neste caso a Universidade de des, vale destacar o papel marcante do professor
São Paulo (USP) e, já com o Estado Novo (1937- Pierre Monbeig que, como o próprio professor Aziz
1945), a criação do Instituto Brasileiro de Geografia Ab’Sáber destaca em entrevista concedida à revista
e Estatística (IBGE), que oficialmente terá incum- Geosul, foi fundamental para formar na jovem ge-
bência de coletar, sistematizar e pensar a questão do ração de geógrafos a noção do método, do recorte
território brasileiro, a fim de fornecer elementos ana- espacial e sempre a busca da contextualização do fe-
líticos que norteassem as políticas de Estado. nômeno geográfico.
Especificamente, no que se refere à concep- Assim, como fruto desta relação ensino-pes-
ção de elaboração das superfícies erosivas no sudes- quisa, uma nova cognição sobre a natureza no Brasil
te brasileiro, a história da geomorfologia registra a foi-se formando, agora com um caráter científico;
influência de duas grandes matrizes epistemológicas. os produtos dessas reflexões desaguaram em publi-
A primeira compreende a década de 1930 e avança até cações em periódicos e posteriormente em teses de
aproximadamente meados da década de 1950, tendo doutorado.
como paradigma dominante o “Ciclo Geográfico da Ab’Sáber, já em 1958, chamava atenção para
Erosão”, elaborado por Davis em 1899. a enorme produção da geomorfologia brasileira, fru-
A partir da década de 1950, a geomorfologia to da expansão dos cursos de geografia no Brasil e
brasileira passará por uma grande ruptura paradig- da interiorização do desenvolvimento econômico do
mática com o surgimento da Teoria da Pediplana- país.
ção (King 1956, 1967, 1976) e associada a grandes Da mesma maneira podemos associar a esta
transformações no interior da Geologia, particu- reflexão a criação do IBGE em 1937, órgão encar-
larmente no que tange à sedimentologia e à estra- regado de promover a sistematização e reflexão das
tigrafia, além do surgimento de novas técnicas informações socioeconômicas do país, e que também
de representação e de aquisição de informações, promovia, dentro de seus objetivos, estudos sobre as
que viabilizam o trabalho analítico dos geólogos e potencialidades paisagísticas da natureza no Brasil.
geomorfólogos e contribuem para o estabelecimento O primeiro geógrafo a ser contratado e que irá reali-

355
zar estudos geológico-geomorfológicos com a finali- regionais, nas quais a delimitação regional era dada
dade de aproveitamento dos recursos naturais na Ba- a partir da relação entre o natural e o social. Histo-
cia do Rio São Francisco será Orlando Valverde, mas ricamente, este momento coincide com a expansão
cabe destacar que a este núcleo de técnicos-intelec- cafeeira no sudeste do Brasil, particularmente São
tuais serão agregados pesquisadores, principalmen- Paulo, o processo de industrialização e urbanização
te franceses, como Pierre Deffontaines, Emmanuel de São Paulo e a mudança na órbita regional, par-
De Martonne e Francis Ruellan, que influenciarão o ticularmente entre o nordeste e o sudeste (Oliveira,
desenvolvimento da geomorfologia dentro do IBGE, 1981; Cano 1990).
ao mesmo tempo em que propagarão a geomorfolo- Fruto deste intercruzamento de propostas, em
gia junto aos professores da rede de ensino, como foi 1947 é defendida a primeira tese de doutoramento na
o caso de Francis Ruellan, fato muito bem registrado Universidade de São Paulo, por João Dias da Silveira,
em vários artigos do Boletim Geográfico das décadas intitulada “Estudo geomorfológico dos contrafortes
de 1940 e 1950 (Vitte, 2005). ocidentais da Mantiqueira”. Nesta tese, o autor utili-
De modo geral, tanto pela via da academia zou uma associação entre a teoria geomorfológica da-
como pela ação do IBGE, podemos afirmar que a visiana, com destaque para a situação geomorfológica
geomorfologia no Brasil estruturou-se sob forte do canal fluvial, fundamental para definir trechos
influência da escola francesa de geografia, com a de juventude, maturidade e senilidade da paisagem,
produção de monografias regionais (Abreu, 1994; com as características da colonização e ocupação das
Monbeig, 1949), nas quais a questão da interpre- terras, demonstrando claramente uma forte influên-
tação geomorfológica foi fortemente influenciada cia metodológica de Pierre Monbeig (Abreu, 1994;
pelo trabalho de Davis, de 1899, intitulado “O Ciclo Vitte, 1999).
Geográfico da Erosão”. No entanto, deve-se destacar que em 1948 foi
Assim, no Brasil, devemos destacar a publicado pelo Jornal do Commércio do Rio de Janeiro,
influência de Emmanuel De Martonne, que com o livro intitulado “Controvérsias Geomorfológicas”,
seus dois artigos da década de 1940, intulados “Pro- de Vitor Ribeiro Leuzinger. Este livro foi o produto
blemas Morfológicos do Brasil Tropical Atlântico I”, da tese de cátedra do autor, em que o mesmo procu-
de 1943, e “Problemas Morfológicos do Brasil Tro- rou confrontar as teorias geomorfológicas de Davis e
pical Atlântico II”, de 1944, influenciou fortemente de Walter Penck, com o objetivo de avaliar qual des-
o desenvolvimento da geomorfologia no Brasil, tan- tas teorias seria a mais adequada ao estudo do relevo
to no aspecto metodológico, quanto na definição de brasileiro.
problemáticas relativas ao objeto e ao método da aná- Leuzinger (1948) chegou à conclusão de que a
lise geomorfológica, como a questão das superfícies teoria davisiana apresentava sérios problemas quando
de erosão e do papel dos abruptos, das corredeiras, aplicada no estudo do relevo brasileiro e que até mes-
das falhas e das capturas na esculturação da Serra do mo a noção de ciclo dinamizada a partir das carac-
Mar (Martonne, 1950). terísticas do canal fluvial e de seu perfil, como pos-
Assim por exemplo, na obra “Problemas Mor- tulada por Davis em 1899, mascarava o verdadeiro
fológicos do Brasil Tropical Atlântico”, Martonne conhecimento sobre a gênese das formas de relevo,
definirá as principais superfícies de erosão que escul- que deveria ser procurada nas relações entre a geolo-
turam o estado de São Paulo, como a superfície Cam- gia e os aspectos climáticos.
pos e a das Cristas Médias, que a partir de Campos No entanto, este trabalho de Vitor Leuzinger,
do Jordão (SP) apresentam mergulho em direção à apesar de todo o seu avanço, ficou no ostracismo pe-
Bacia Sedimentar do Paraná. Estas duas superfícies rante a comunidade geográfica, talvez pelo fato de a
balizadoras do teto topográfico do estado de São mesma estar muito atrelada epistemológica e meto-
Paulo (Martonne, 1943), seriam geradas por proces- dologicamente às formulações lablachianas e davisia-
so de peneplanização e em particular a das Cristas nas. Foi Jean Tricart, em sua obra de 1965, intitulada
Médias; neste processo participaria também a ação “Princípios e Métodos da Geomorfologia”, a quem
de glaciares que truncaram diferentes tipos litológi- coube resgatar a obra de Leuzinger, que, segundo
cos da Serra da Mantiqueira, processo responsável Tricart (1965), constituía-se, até aquele momento, na
pelo alinhamento de matacões e blocos de rochas na melhor crítica ao sistema davisiano, que ele, Tricart,
região de Jaguariúna, município atualmente situado tomara conhecimento na geomorfologia mundial.
na região metropolitana de Campinas. Assim, o modelo davisiano foi aquele que
A influência na análise geomorfológica de marcou as primeiras produções sobre a geomorfolo-
Emmanuel De Martonne, associada à proposta me- gia no Brasil e em São Paulo, em particular. Assim,
todológica de Pierre Monbeig (Abreu, 1994), acabou em 1932, Moraes Rego (1932, p. 7) já considerava a
favorecendo o desenvolvimento de uma perspectiva atual morfologia do Estado de São Paulo como sendo
metodológica firme para a geografia. Para Monbeig, o produto de um imenso peneplano que se formou
a análise geográfica deveria produzir monografias entre o Eoceno e Mioceno e que posteriormente foi

356
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
18

quebrado por ação epirogenética, quando se definiu mandados por Jean Tricart, Jean Dresch e Ab’Sáber.
a rede atual de drenagem e foram implantados os O foco central das discussões foi o da problemáti-
compartimentos geomorfológicos do Estado de São ca dos materiais nas vertentes, principalmente para
Paulo. os paleopavimentos detríticos e seu significado
Da mesma forma, Freitas (1951a, b, c) consi- paleoambiental e geomorfológico. Uma influência
derou que a geomorfologia do Estado de São Paulo e muito forte na geomorfologia brasileira, com reper-
do Brasil era fruto de duas fases, uma epirogenética cussões em geomorfologia climática e principalmen-
seguida de uma fase estática que permitiu a elabo- te na cronogeomorfologia e, além disso, importante
ração de dois peneplanos. O primeiro chamado de para estruturação da Teoria dos Refúgios Florestais,
nível B, mais antigo, gerado no final do Cretáceo foi o surgimento das concepções de biostasia e resis-
e adentrando possivelmente em parte do Cenozoi- tasia por Erhart (1966). Fruto destas discussões entre
co. O segundo, o nível A, mais recente, deu-se no os mestres franceses e os geomorfólogos brasileiros,
Cenozoico, terminando no Plioceno. Tal modelo foi durante as atividades de campo, é a publicação do
extremamente contestado por Almeida (1951), que já trabalho de Jean Tricart, em 1959, sobre a divisão
estava sofrendo influência das proposições de Lester morfoclimática para o Brasil Atlântico Central, que
King. sintetizará as discussões até então estabelecidas, bem
como chamará a atenção para o problema dos depó-
Anos de 1950: a ruptura epistemológica na sitos correlativos e dos paleopavimentos detríticos e
geomorfologia brasileira depósitos rudáceos nas vertentes florestadas do Brasil
Tropical Atlântico, indagando a possibilidade de in-
A década de 1950, sob o ponto de vista político terferências paleoclimáticas na estruturação da atual
e econômico, é marcada no plano mundial pela in- paisagem geomorfológica (Tricart, 1959).
tensificação da “Guerra Fria” e pela Revolução Chi- Outro fato marcante para a consolidação da
nesa. No Brasil é a fase de Juscelino Kubstcheck de ruptura epistemológica da geomorfologia brasileira,
Oliveira, o JK, e da implantação das ideias nacional- foi a vinda de Lester King ao Brasil, a convite do
desenvolvimentistas, com a construção de Brasília, a IBGE. O produto da estada de King trabalhando em
indústria automobilística e a abertura de rodovias. território nacional foi a publicação do artigo de 1956
Para as Ciências da Terra, a década de 1950 é na Revista Brasileira de Geografia intitulado “Proble-
declarada a década dos oceanos, em que pesquisa- mas geomorfológicos do Brasil Oriental”, que forne-
dores das Ciências da Terra procuram por meio do ceu elementos para a sua teoria da pedimentação e da
estudo dos sedimentos do fundo oceânico desvendar pediplanação (1967, 1976) e que passaram a influen-
os processos continentais. É o momento em que os ciar as pesquisas geomorfológicas no Brasil.
conhecimentos da sedimentologia e da estratigrafia Assim, em função das especializações da geo-
passam a auxiliar os estudos geomorfológicos. Some- logia, das novas técnicas e o cimento teórico-meto-
se a este fato a descoberta das variações climáticas da dológico que foi a Teoria da Pediplanação e a Teoria
Terra e a possibilidade de associar as evidências destas da Bio-Resistasia, os geógrafos-geomorfólogos foram
variações com os sedimentos continentais e, a partir despertados para o estudo dos materiais superficiais
daí, estabelecer uma idade para as formas de relevo. e principalmente para o possível papel das stone-lines
Ainda dos anos 1950, temos o uso, ainda que e cascalheiras como registro das mudanças climáticas
tímido, das fotografias aéreas para as pesquisas geo- no Brasil (Ab’Sáber, 1961, 1962).
gráficas e geomorfológicas, possibilitando visão tri- Muito embora trabalhando no Brasil a convite
dimensional das formas e suas associações em escalas do IBGE, King não conseguiu resolver o problema
que, associadas aos trabalhos de campo, permitiriam dos pedimentos e dos pediplanos no Brasil Tropical
construir hipóteses mais condizentes para explicar os (Penteado, 1969), e é neste momento que a imagina-
fenômenos geomorfológicos em ambiente intertropi- ção e a criatividade dos pesquisadores brasileiros irá
cal. desenvolver estratégias conceituais e teóricas provo-
É neste contexto cultural que a comunidade cando uma “revolução” mundial dentro da chamada
brasileira de geomorfólogos entrará em contato com geomorfologia climática.
a Teoria da Pediplanação elaborada pelo geólogo Como o modelo de King fora desenvolvido
sul-africano Lester King nas décadas de 1950 e que, tendo como área empírica o deserto de Botswana,
segundo Abreu (1982), teria surgido a partir da in- muitas de suas formulações não se encaixavam na
fluência do congresso de Chicago de 1936, dedicado explicação da pedimentação e da pediplanação no
à obra de Walter Penck. Brasil; eis que os trabalhos de Bigarella e principal-
No ano de 1956, realiza-se no Rio de Janeiro mente Ab’Sáber procuram entender o processo de
o Congresso da UGI, em que as discussões internas pedimentação-pediplanação a partir de uma corre-
são intensificadas com as que se desenvolvem nos lação entre as taxas de epirogênese e as variações cli-
trabalhos de campo “pós-congresso”, que foram co- máticas ao longo do Quaternário.

357
A pressuposição fora a de que uma dada área ca deve estar centrada no Quaternário (a parte final
passou da fase de tropicalidade biostática para uma do Neógeno, conforme a moderna Escala de Tempo
fase de aridez profunda, dada por variação climá- Geológico (Gradstein et al., 2004). Esta análise en-
tica. O que se procura demonstrar é a complexi- volve três etapas, sendo o relevo o produto de uma
zação do relevo no mundo tropical quando ocor- interação complexa tecida pelas forças endogenéticas
re uma variação climática do úmido para o seco e e exogenéticas.
vice-versa. As stone-lines, neste caso, seriam o pro- Assim, em um trabalho de geomorfologia,
duto da desagregação de núcleos rochosos durante devemos considerar como primeiro nível de análise
fase de extrema semiaridez, quando os fragmen- a “compartimentação topográfica”, que envolve não
tos rochosos seriam transportados por sobre o re- apenas a análise da topografia, mas principalmente
levo a partir da ação de enxurradas e que também a influência da geologia e da estrutura nesta com-
posteriormente seriam recobertas por sedimentos partimentação, que é regionalmente definida pelos
carreados de outras áreas (Bigarella et al., 1961; Bi- remanescentes de aplainamentos.
garella et al., 1965a e b). No segundo nível de análise, o geomorfólogo
Neste esquema explicativo, os geomorfólogos deve considerar a “estrutura superficial da paisagem”,
brasileiros resolviam o problema de explicar os pale- que corresponde aos solos, mas principalmente aos
opavimentos detríticos e rudáceos, em um ambiente colúvios, as rampas coluviais e neste caso a possi-
tropical, em que sabidamente não há rocha disponível bilidade de cascalheiras e stone-lines não apenas no
à desagregação tão facilmente como na área-modelo contato rocha-colúvio, mas até mesmo com linhas
de Lester King pois, como é sabido, na região tropi- embutidas no pacote coluvial. As análises físicas,
cal o intemperismo das rochas é muito intenso. químicas e micromorfológicas permitem a dedução
A partir deste modelo desenvolvido por geo- da natureza e qualidade dos processos que atuaram
morfólogos brasileiros, e com o uso de fotografias aé- na destruição ou mesmo no reafeiçoamento das for-
reas, a análise geomorfológica abandonou o objetivo mas pretéritas. A correlação dos dois primeiros níveis
de buscar em que fase o relevo encaixava-se no ciclo já permite o estabelecimento de uma compartimen-
davisiano, passando à busca de estabelecer as grandes tação de formas geneticamente homogêneas, com
superfícies de aplainamento, geradas pela coalescên- grande utilidade no planejamento ambiental.
cia de pedimentos e a idade a elas correlacionadas. É O terceiro nível de análise de Ab’Sáber (1969d)
assim que Ab’Sáber e Bigarella em 1961 produzirão é a “fisiologia da paisagem”, compreendida pelo autor
o trabalho “As superfícies aplainadas do Primeiro como sendo a expressão do funcionamento atual da
Planalto do Paraná”, em que se busca claramente a geosfera. No caso, corresponde aos processos atuais
correlação entre os níveis de aplainamento, os seus que atuam no modelamento das formas.
depósitos e as idades associadas. Com esta proposição metodológica, Ab’Sáber
No final dos anos de 1960, a geomorfologia (1969d) desprende-se dos problemas advindos com a
brasileira presenciará duas grandes revoluções com adoção da taxonomia das formas de relevo, como as
Aziz Ab’Sáber. Primeiramente, fruto de uma longa propostas por Tricart (1965). Agora, as formas são
reflexão e muita experiência em campo, que já co- produto dos processos passados e dos atuais, em um
meçara durante a elaboração de sua tese de douto- quadro no qual participam tanto a geologia quanto as
ramento em 1951, Ab’Sáber irá publicar em 1969 o forças climáticas e paleoclimáticas.
clássico trabalho “Um Conceito de Geomorfologia a A Teoria dos Refúgios Florestais, conforme
Serviço das Pesquisas sobre o Quaternário”, trabalho referido em pormenores nos Capítulos 25 e 27 des-
de cunho metodológico (Ab’Sáber, 1969d) que exerce ta obra, é uma concepção teórica da Biologia desen-
influência nas pesquisas geomorfológicas até os dias volvida de forma independente, mas sincrônica, por
atuais. Outra revolução é a noção de domínios mor- Haffer (1969), que publicou artigo sobre especiação
foclimáticos (Ab’Sáber, 1967, 1970) que auxiliou a em pássaros amazônicos, na revista Science em 1969,
consolidar a de Refúgios Florestais (Ab’Sáber, 1979). e por Vanzolini, que publicou trabalho sobre lagar-
Tais ideias não apenas revolucionaram a geomorfo- tos, um pouco depois, já em 1970 (Vanzolini, 1970).
logia climática no mundo, mas também a Biogeo- Segundo Vanzolini, a importância do trabalho do
grafia. Prof. Aziz foi ter fornecido o “modelo de alta inte-
No trabalho de 1969, Ab’Sáber apresenta a sua gração ecológica e estrita correspondência às grandes
concepção de geomorfologia que, para Abreu (1982), paisagens brasileiras” (os domínios morfoclimáticos)
é um marco teórico e metodológico nos trabalhos de que tornaram viáveis interpretações biogeográficas
geomorfologia; ao mesmo tempo, coloca Aziz como antes impossíveis. A teoria representa imensa revo-
sendo aquele que incorpora e desenvolve as proposi- lução da geomorfologia brasileira em contexto mun-
ções da linhagem epistemológica germânica (Abreu, dial, na medida em que o Prof. Aziz inseriu em sua
2003). elaboração a necessidade de ser considerada a com-
Para Ab’Sáber (1969) a análise geomorfológi- partimentação geomorfológica como condição sine

358
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
18

qua non para compreender, de um lado, a complexi- Rio Claro-Araras-Piraçununga. Morros e serrotes
dade do tecido biogeográfico brasileiro e, de outro, a testemunhos podem aparecer no fronte das cuestas.
própria especificidade dos ditos refúgios e, conforme Os principais rios que drenam a porção aqui
tem destacado várias vezes (p. ex. Ab’Sáber, 1992), focalizada da Depressão Periférica são o Pardo, Mo-
a importância do conhecimento geológico em sua ji-Guaçu, Piracicaba e Tietê. São rios no geral com
origem e evolução. A partir da Teoria dos Refúgios caráter consequente em relação às camadas da Bacia
Florestais, a geomorfologia climática é dinamizada. do Paraná, com sentido médio de fluxo de SE para
Agora torna-se possível especificar as relações entre NW. Os desvios deste sentido médio obedecem a
as variações do Würm-Winsconsin, por exemplo, controle litoestrutural, como é o caso do Rio Moji-
com a distribuição de florestas e savanas, a existência Guaçu, que se desvia de WNW-ESE para NNW-
e a persistência de formas de relevo e depósitos cor- SSE e acumula extensos aluviões a montante da faixa
relativos em ambientes morfoclimáticos distintos ou de soleiras de diabásio associadas às unidades Tatuí
mesmo contrastantes com as condições atuais. e Irati. O Rio Corumbataí, afluente da margem di-
No ano 2000, realiza-se no Rio de Janei- reita do Piracicaba, que flui de norte para sul, é um
ro o Congresso da IUGS (International Union of rio subsequente (Soares e Landim, 1976), ou um rio
Geological Sciences). Na edição comemorativa do even- “pós-cedente a falhamentos ou reativamentos de fa-
to, a Revista Brasileira de Geociências publica uma co- lhas que afetaram a região após a deposição do Grupo
letânea de trabalhos de síntese da geologia da Ame- Bauru até épocas modernas” (Penteado, 1976, p.24).
rica do Sul: é quando Ab’Sáber (2000) produzirá o Seu traçado apresenta forte controle litoestrutural,
trabalho “Superfícies de cimeira no Brasil”, sinteti- pois se desenvolve em área a jusante (oeste) da prin-
zando conhecimentos acumulados em mais de meio cipal faixa de ocorrência de soleiras de diabásio, onde
século de pesquisas. se definem marcantes estruturas geológicas (sistemas
lineares de falhas e estrutura de Pitanga).
Contexto geomorfológico da Depressão Inserida na Unidade Morfoestrutural da Ba-
Periférica cia Sedimentar do Paraná (Ross e Moroz, 1997), a
Superfície Sul-Americana foi esculpida durante lon-
A expressão Depressão Periférica (figura 1) fora go período no decorrer do Paleogeno. O marcante
introduzida na literatura geomorfológica por Moraes subnivelamento de topos na área da Depressão Pe-
Rego (1932). Almeida (1964) subdividiu a província riférica fora reconhecido sob a designação Superfície
em três zonas: do Paranapanema, do Médio Tietê e Neogênica (Martonne, 1943), embora vários autores
do Moji-Guaçu, delimitadas pelos divisores d’água reconheçam, na verdade, vários subnivelamentos de
destes rios cujas bacias de drenagem atravessam a topo (v.g. Almeida 1964; Ab’Sáber 1969b; Modenesi,
província. Dentre elas, a do Tietê mostra relevo mais 1974; Penteado 1976), englobados nessa superfície.
profundamente erodido e diversificado que as áreas Ab’Sáber (1969c) considerou a gênese da
vizinhas, que, por sua vez, exibem predomínio de re- Depressão Periférica e escarpas das Cuestas Basál-
levo colinoso e mais suave (Deffontaines, 1935; Al- ticas como exclusiva consequência da erosão asso-
meida, 1964). ciada à evolução morfoclimática, representando o
A área enfocada no presente estudo (figura 2) fenômeno que denominou “circundesnudação pe-
abrange parte da zona do Médio Tietê e a maior par- riférica pós-cretácea”, discordando das hipóteses
te da zona do Moji-Guaçu. A região caracteriza-se de origem tectônica para as cuestas. Vários autores
por abundância de exposições de soleiras do magma- referem-se à atividade de falhas normais para a ori-
tismo Serra Geral, encaixadas em unidades paleozoi- gem da escarpa da Serra Geral (v.g. Fúlfaro et al.,
cas e mesozoicas da Bacia do Paraná e de estruturas, 1967; Fúlfaro e Suguio, 1968; Freitas et al., 1979;
como falhas e altos estruturais, ativas principalmente Brandt Neto et al., 1981; Vieira, 1982). Penteado
no Mesozoico. A acumulação e preservação de co- (1976), confrontando as opiniões até essa época acerca
berturas sedimentares neocenozoicas relativamente do problema da origem, se tectônica ou erosiva, abor-
expressivas nessa área deve-se à presença de soleiras dou a questão da propriedade do emprego do termo
de rochas básicas e estruturas que constituem barra- “cuesta”, que se refere a escarpas de erosão em relevo
mentos da drenagem, bem como à existência de rele- de estrutura monoclinal. Embora a escarpa da Serra
vo menos erodido. Geral na Depressão Periférica Paulista possa apre-
A Depressão Periférica Paulista caracteriza-se sentar condicionamento estrutural local, a tendência
por predominância de relevo suave (figura 2), colino- é de se reconhecer que a feição resulte de processos
so, sustentado pelas rochas sedimentares da Bacia do dominantemente erosivos, sendo portanto adequada
Paraná. Relevo mais acidentado, de morrotes, morros a denominação “cuesta”.
e mesmo algumas serras isoladas, aparece nas regiões Os sistemas de relevo presentes na região fo-
de intrusão de rochas básicas do magmatismo Serra ram classificados no mapa geomorfológico do Esta-
Geral, sobretudo na faixa Rio das Pedras-Piracicaba- do de São Paulo (Ponçano et al., 1981) como relevos

359
de Colinas Amplas (212), Colinas Médias (213), quartzitos feldspáticos, quartzo-xistos, ocorrências
Morrotes Alongados e Espigões (234), subnivelados de gonditos, micaxistos e quartzitos; e Suítes Gra-
em altitudes entre 520 a 680 m, além de formas resi- níticas (Neoproterozoico), que incluem o Granito
duais como Mesas Basálticas (311), Escarpas Festo- Jaguariúna e o Granito Morungaba.
nadas (521) e manchas alongadas e descontínuas de Várias zonas de falhas transcorrentes de idade
Aluviões (111). neoproterozoica a eopaleozoica cortam as rochas da
Pires Neto (1996) a partir de detalhamento do Faixa Alto Rio Grande, e a separam do Maciço de
mapa ao milionésimo de Ponçano et al. (1981), carac- Guaxupé. São comuns nessas zonas de cisalhamento
terizou a Depressão Periférica e a Cuesta Basáltica com larguras variáveis de milonitos, ultramilonitos,
como províncias predominantemente formadas por protomilonitos, milonito-gnaisses, blastomilonitos e
relevos colinosos de várias dimensões (Souza, 2002): cataclasitos associados, com foliação cataclástica ver-
as colinas amplas de topos sub-horizontais e as co- ticalizada. As principais estruturas dessa categoria
linas amplas com ou sem cobertura neocenozoica são:
podem ser remanescentes da Superfície Neogênica, • Cinturão de Cisalhamento de Ouro Fino (Ca-
enquanto os relevos de colinas pequenas, colinas pe- valcante et al., 1979), que inclui a Falha de Ja-
quenas dissecadas e morrotes tabuliformes, encontra- cutinga. Apresenta direção geral ENE-WSW, e
dos no Planalto Atlântico, foram considerados mais as mais largas faixas de rochas milonitizadas na
novos, resultantes da dissecação e destruição dessa área; estende-se sob a Bacia do Paraná como o
superfície. Pires Neto (1996) atribuiu ainda o caráter lineamento crustal de Jacutinga (IPT 1989);
misto de remanescentes da Superfície Neogênica ou • Falha de Campinas, de direção NNE-SSW a
de estágios iniciais da destruição dessa superfície, aos NE-SW;
relevos de colinas médias e amplas, colinas médias, • Zonas de Cisalhamento de Valinhos e Socorro,
colinas médias e pequenas que mapeara. de direção NNE-SSW a ENE-WSW.

Contexto geológico Bacia do Paraná e coberturas neocenozoicas

Os conjuntos litoestratigráficos do arcabouço Os limites da borda nordeste da Bacia do Pa-


geológico da Depressão Periférica podem ser dividi- raná sobre as rochas do embasamento são erosivos. O
dos em duas grandes categorias: embasamento e co- forte acunhamento das camadas em direção à Fle-
bertura (Bacia do Paraná). xura de Goiânia, uma estrutura de direção NW-SE
(Almeida, 1980, também referido como IPT, 1980),
Embasamento diferencialmente ativa durante o Paleozoico, explica
As rochas que constituem o Maciço de Guaxu- a inexistência das camadas silurianas e devonianas na
pé, definido por Almeida et al. (1976), são policíclicas parte NE da bacia (Melo, 1995); o Subgrupo Itararé
e polideformadas, possuem alto grau metamórfico e
natureza alóctone. Apresentam uma fase mais antiga
de deformação regional em regime de cisalhamento
dúctil, responsável pela geração de persistente folia-
ção milonítica de baixo ângulo, à qual se associam
cavalgamentos responsáveis pela aloctonia e formato
de cunha do Maciço de Guaxupé.
A Faixa de Dobramentos Alto Rio Gran-
de, definida por Hasui e Oliveira (1984), margeia Minas Gerais
á

o Maciço de Guaxupé, com direção geral NE-SW.


n
ra

São Paulo
Pa

Compreende rochas policíclicas de médio grau me-


o
Ri

tamórfico situadas a sul do cinturão de cisalhamento Rio de Janeiro


Paraná São Paulo
de Ouro Fino. São reconhecidas as seguintes uni-
dades: Complexo Amparo (Arqueano a Paleopro-
terozoico), definido originalmente como Gnaisse
Amparo (Wernick, 1967) e Grupo Amparo (Ebert,
1967 e 1968), inclui migmatitos com biotita e/ou
hornblenda, ortognaisses de composição granodiorí-
tica a tonalítica, rochas granitoides equigranulares e
com feições blastomiloníticas; Grupo Itapira (Meso- Figura 1. Delimitação aproximada da Depressão
proterozoico), definido por Ebert (1971), inclui mos- Periférica Paulista na região sul-sudeste brasileira.
covita-biotita-paragnaisses, paragnaisses quartzosos, Base: Imagem n Nasa PIA03395_lrg (SRTM 2003).

360
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
18

interdigita-se lateralmente com a Formação Aqui- 1967). Melo (1995) assinala que, embora o platô es-
dauana, ambos repousando sobre relevo suavemente teja associado a nível planáltico extenso na área das
ondulado, com elevações para nordeste; o Subgrupo Cuestas Basálticas, de gênese aparentemente erosiva,
Irati termina em cunha ao se avizinhar do vale do exibe estreita relação com os alinhamentos estru-
Rio Moji-Guaçu; as formações Serra Alta e Teresina turais do Rio Tietê (Coimbra et al., 1977) e de São
do Grupo Passa Dois, tão extensas nas porções da Carlos-Leme (Riccomini, 1995).
bacia a sudoeste do Rio Tietê, descaracterizam-se, Souza (2002, 2004) reconhece na parte cen-
transformando-se lateralmente na Formação Co- tral do Estado de São Paulo feições de reativação e
rumbataí. As unidades da Bacia do Paraná e cober- ressurgência, que afetam vários dos conjuntos de ali-
turas mais novas que ocorrem na área são resumidas nhamentos que reconhecera e que exercem profunda
na tabela 1. influência sobre o quadro morfoestrutural regional.
A autora reconhece uma evolução resultante de:
Relevo e estruturas (...) pelo menos quatro eventos tectônicos: (i) falhas
associadas aos depósitos sedimentares da Forma-
As altitudes da Depressão Periférica na área ção Tatuí, com indicação de falhas normais NW-
estudada variam de um mínimo de 530 m nos lei- SE; (ii) falhas e fraturas preenchidas por rochas
tos dos rios Pardo e Moji-Guaçu e 450 m nos leitos básicas de orientação NW-SE, apontando para
dos rios Piracicaba e Tietê, até cerca de 790 m, no uma deformação pré a sin magmatismo basáltico
divisor entre as bacias do Piracicaba e Moji-Guaçu, juro-cretáceo com distensão próxima a NE-SW;
e nas proximidades do limite com o Planalto Atlân- (iii) falhas normais NE-SW, que controlam a se-
tico, a leste. Na área do Planalto Atlântico adjacente dimentação de coberturas cenozoicas (Formação
predominam relevos acidentados com elevações que Rio Claro); e (iv) falhas que deformam as cober-
chegam a 1.067 m, com forte controle de rochas pro- turas sedimentares superficiais e feições mor-
terozoicas. Estes relevos também apresentam organi- fotectônicas e anômalas da rede de drenagem,
zação em níveis planálticos mais ou menos desfeitos como capturas, inflexões, assimetrias, meandros
(IPT, 1992a, 1992b). Na área das Cuestas Basálticas, abandonados, relacionadas aos soerguimentos e
a escarpa da Serra Geral é sustentada em grande par- basculamentos de blocos que ocorrem ao longo
te por rochas básicas do magmatismo Serra Geral, das principais falhas responsáveis pelos altos es-
interpretadas como derrames e às vezes como solei- truturais estudados.
ras, com arenitos mesozoicos intercalados. As altitu-
des máximas atingem 1.068 m na Serra de Itaqueri Ladeira e Santos (2005) destacam a impor-
(a norte de Charqueada), 1.058 m na Serra do Cus- tância dos paleossolos na compreensão da evolução
cuzeiro (a norte de Analândia) e 989 m na Serra do geomofológica regional, porque estes podem indicar
Córrego Fundo (a nordeste de Santa Rita do Passa condições ambientais vigentes durante a evolução das
Quatro), verificando-se desníveis escarpados com até formas de relevo (Semmel, 1989 apud Ladeira e San-
350 m. tos, 2005). Reconhecem a existência de três superfí-
O relevo na área das Cuestas Basálticas é ca- cies geomórficas associadas à cobertura neocenozoi-
racterizado pelas imponentes escarpas de fronte de ca representada pela Formação Itaqueri, que repousa
cuesta, e por setores suaves, colinosos, no reverso da no topo das Cuestas Basálticas. A mais antiga trunca
cuesta, com inclinação geral e caimento da drenagem rochas do Grupo São Bento, tendo se desenvolvido
dirigida para NW, consequente em relação às cama- entre o Cretáceo Superior e início do Paleogeno; a
das da Bacia do Paraná. Tanto a Depressão Periférica segunda associa-se ao desenvolvimento de espessos
como as Cuestas Basálticas apresentam organização solos que foram silicificados e a outra, superior, as-
em níveis planálticos, em alguns casos notavelmente socia-se ao desenvolvimento de perfil laterítico que
preservados, correlacionáveis a níveis reconhecidos contém espesso ferricrete. Os autores admitem inter-
no Planalto Atlântico. valos de tempo prolongados para a formação das duas
Destaca-se na área das Cuestas Basálticas, nas superfícies mais novas, sem contudo indicar idades
nascentes do Rio Jacaré-Guaçu, cercanias de Itira- absolutas.
pina, um setor relativamente deprimido (altitude
máxima de 892 m) de orientação geral NW-SE, si- Depressão Periférica e sedimentação
tuado entre o platô de São Carlos a norte (1.058 m) neocenozoica
e as serras de Itaqueri e São Pedro a sul (1.068 m).
O platô de Itirapina mostra forte controle litológico, Os sedimentos neocenozoicos da Depressão
encontrando-se acima do pacote inferior de rochas Periférica constituem cobertura descontínua e delga-
básicas do magmatismo Serra Geral que ocorre na da, que reflete o predomínio de processos erosivos
área. Alguns autores já sugeriram hipótese de origem com acumulação localizada (Melo e Ponçano, 1983).
tectônica para o platô de Itirapina (v.g. Fúlfaro et al., As principais questões que emergem do histórico sobre

361
Figura 2. Área de estudo na porção centro-leste da Depressão Periférica Paulista e ocorrências da Formação Santa
Rita do Passa Quatro (TQsr). 1) áreas de ocorrência da unidade TQsr; 2) cidades; 3) limites das províncias geo-
morfológicas do Planalto Atlântico (PA), Depressão Periférica (DP) e Cuestas Basálticas (CB); 4) posição da seção
esquemática da Figura 3 (Melo et al., 2001).

362
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
18

os estudos referentes à Formação Rio Claro e depó- a. evidente organização do relevo em níveis
sitos associados são: aplainados, muitas vezes sugestivos de ciclos
a) natureza e idade dos depósitos, e dis- evolutivos;
tinção entre a Formação Rio Claro e outras b. estreita relação, em vários casos, entre deter-
unidades neocenozoicas; minados sedimentos e níveis aplainados;
b) relações da sedimentação com superfícies c. necessidade de critérios geomorfológicos para
aplainadas; datação, ainda que relativa, dos sedimentos, dada
c) relações da sedimentação com fatores climá- a impossibilidade de datações absolutas.
ticos ou tectônicos.
O escalonamento do relevo em níveis aplai-
Natureza e idade dos depósitos nados na área estudada tem sido associado ora a os-
cilações paleoclimáticas, seguindo os postulados de
Desde alguns dos estudos pioneiros, os depó- Bigarella et al. (1965) e Bigarella e Andrade (1965)
sitos atribuídos à Formação Rio Claro foram refe- (v.g. Bjornberg e Landim, 1966; Penteado, 1976),
ridos como englobando tanto sedimentos estratifi- ora a variações nas intensidades de basculamento
cados, fluviais, quanto coberturas incoesas maciças, tectônico (Soares e Landim, 1976).
com outro tipo de gênese. Esta confusão de materiais Apesar da controvérsia sobre a gênese das su-
com diversas origens (sedimentos, coluviões, solo) foi perfícies aplainadas, tem havido certa concordância
apontada por Fúlfaro e Suguio (1968), que restringi- de que as principais delas configuram escalonamento
ram a denominação de Formação Rio Claro aos de- do relevo com significado cronológico relativo, sen-
pósitos da região da cidade, de origem fluvial. do mais antigos os níveis mais altos, segundo uma
A gênese e idade dos depósitos fluviais da For- concepção policíclica. Entretanto, existem alguns
mação Rio Claro, conforme se apresentam no platô tipos de sedimentos penecontemporâneos de certos
de Rio Claro (área-tipo), naturalmente diferem da níveis (v.g. a Formação Rio Claro), enquanto outros,
gênese e idade das extensas coberturas incoesas tão como a Formação Santa Rita do Passa Quatro, co-
comuns em vastas porções da Depressão Periférica, brem indistintamente diversos níveis planálticos.
as quais ocorrem até mesmo sobre os depósitos da
Formação Rio Claro. Relações da sedimentação com fatores
A Formação Rio Claro na sua área-tipo englo- climáticos ou tectônicos
ba sedimentos de origem fluvial (Fúlfaro e Suguio,
1968), com depósitos de fluxos de massa e lagoas res- Entre os adeptos da hipótese de origem cli-
tritas associados (Zaine, 1994), situados sobre a su- mática para as superfícies aplainadas, há tendência
perfície Neogênica de Martonne (1943). Na falta de de se considerar os depósitos como correlativos da
datações absolutas, a idade da Formação Rio Claro pedimentação (Bjornberg e Landim, 1966; Pentea-
ainda é motivo de muita controvérsia (desde recente, do, 1976). Nesta linha de hipóteses, surgem dificul-
para Bjonrberg et al., 1964, até eocênica para Freitas dades em compatibilizar os depósitos de planície de
et al., 1979). A posição dos depósitos, em situação de inundação da Formação Rio Claro com o clima se-
inversão de relevo, ocupando hoje um platô elevado miárido admitido para a pedimentação, o que levou
mais de 100 metros sobre a drenagem local, revela Bjornberg e Landim (1966) a considerar somente
certa antiguidade, o que tem levado a maioria dos os sedimentos maciços como correlativos das fases
autores a admitir idade próxima do limite Plioceno- semiáridas, enquanto os sedimentos de planície de
Pleistoceno (v.g. Soares e Landim, 1976). inundação corresponderiam a fases mais úmidas, en-
Melo (1995) e Melo et al. (1997) interpretaram tre as fases de pedimentação.
a natureza e idade dos depósitos da Formação Rio Penteado (1976) considerou que a acumula-
Claro e associados conforme se observa na figura 3. ção da Formação Rio Claro resultaria da conjugação
O gráfico revela que os processos responsáveis pela de fatores climáticos e tectônicos. Entretanto, neste
“circundesnudação” que originou a Depressão Peri- caso, a natureza dos depósitos (planície de inunda-
férica são de diversas naturezas e com complexa re- ção, de clima úmido) também não é coerente com o
lação temporal. clima admitido para a sedimentação (semiárido).
Vários autores admitem causas tectônicas para
Relações da sedimentação com superfícies a sedimentação, quer na forma de basculamentos re-
aplainadas gionais (Soares e Landim, 1976), quer de tectônica
rúptil, com formação de falhas e geração de barra-
Vários aspectos têm contribuído para que o es- mentos da drenagem ou depressões (Fúlfaro e Su-
tudo da sedimentação neocenozoica tenha buscado guio, 1968 e 1974; Penteado, 1976; Freitas et al.,
relações entre os depósitos e superfícies aplainadas. 1979; Zaine, 1994).
Pode-se destacar:

363
Tabela 1. Unidades da Bacia do Paraná e coberturas mais novas que ocorrem na região centro-leste da
Depressão Periférica Paulista (Melo, 1995; Melo et al., 1997, 2001; Melo e Cuchierato, 2004)

Unidade Subdivisões – conceituação/constituição

Formação Santa Rita do Passa Quatro (coberturas colúvio-eluviais


arenoargilosas), aluviões em planícies e terraços, depósitos coluviais
Sedimentos continentais neocenozoicos
em rampas, tálus, depósitos lacustres, depósitos de fundo de boço-
rocas, lamitos de fluxos gravitacionais

Depósitos lamíticos de processos gravitacionais, cascalhos e areias


de canais e barras fluviais, areias finas de rompimento de diques
Formação Rio Claro
marginais e sedimentos finos de transbordamento em planícies de
inundação

Depósitos rudáceos (conglomerados, arenitos e lamitos) de leques


Formação Itaqueri
aluviais, situados no reverso da Serra Geral

Formação Serra Geral, com derrames basálticos predominante-


mente toleíticos; muitas soleiras e diques associadas ao Magmatis-
mo Serra Geral também ocorrem

Formação Botucatu, englobando depósitos fluviais na base e eóli-


Gurpo São Bento cos no topo, dificultando a separação do Piramboia; inclui arenitos
eólicos com estratificação cruzada de médio a grande porte e depó-
sitos fluviais restritos (siltitos, argilitos)

Formação Piramboia, depósitos de origem aquosa (planícies alu-


viais, lagos) e eólica, constituídos de arenitos com intercalações de
folhelhos e arenitos argilosos

Formação Corumbataí, de planície de maré, com argilitos, folhe-


lhos e siltitos aroxeados ou avermelhados com intercalações carbo-
náticas e silexíticas

Formação Teresina, de planície de maré, com folhelhos e argilitos


em alternância com siltitos e arenitos muito finos

Grupo Passa Dois Formação Serra Alta, com depósitos marinhos incluindo siltitos,
folhelhos e argilitos

Formação Irati, de plataforma coberta por mar epicontinental, rede-


finida como Subgrupo (Hachiro et al., 1993), incluindo a Formação
Taquaral (basal), com folhelhos sílticos a siltitos e conglomerados
restritos, e Formação Assistência, com folhelhos argilosos betumi-
nosos e calcários dolomíticos

Depósitos marinhos costeiros, predominando siltitos, arenitos fi-


Formação Tatuí
nos em parte concrecionados, com calcários e sílex

Depósitos glaciais continentais, glaciomarinhos, fluviais, deltaicos,


Subgrupo Itararé lacustres e marinhos; arenitos imaturos passando a arcóseos, dia-
mictitos, tilitos, siltitos, folhelhos e ritmitos

Depósitos continentais, arenitos vermelho-arroxeados, médios a


Formação Aquidauana grossos, subordinadamente arenitos finos, conglomerados, siltitos,
folhelhos e diamictitos

364
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
18

Níveis planálticos Souza (2002, 2004), a partir do estudo de


quatro altos estruturais (Pitanga, Artemis, Pau
Existe certo consenso de que os topos das d’Alho e Jiboia) situados no centro do Estado de São
colinas da Depressão Periférica sejam subnivelados Paulo, assinala a importância da configuração geo-
por superfícies de idade neogênica (Martonne, 1943; métrica e cinemática associada à atuação de falhas,
Almeida, 1964; Ab’Sáber, 1972; Penteado, 1976, para o estudo da evolução tectônica regional. A au-
entre outros). IPT (1992a e 1992b), Melo (1995) e tora assinala que zonas de falhas orientadas segundo
Melo et al. (2004) cartografaram os níveis planálti- NW-SE promoveram soerguimentos e abatimen-
cos de parte oriental da Depressão Periférica, e do tos de blocos, além de falhas direcionais NE-SW e
Planalto Atlântico adjacente. Esses trabalhos, que E-W de menor importância. Como resultado desses
objetivaram organizar os principais compartimentos fenômenos, “unidades litoestratigráficas mais anti-
do relevo do ponto de vista cronológico, identifica- gas afloram ao lado das mais jovens” na área que
ram quatro níveis planálticos regionais: estudou.
a) planaltos subnivelados pela superfície cimeira Melo et al. (1993), estudando a área do alto
(A), a mais antiga e elevada da região (paleogê- Rio Pardo, no limite entre o Planalto Atlântico e
nica), com caimento no sentido da antiga dre- a Depressão Periférica Paulista, interpretaram três
nagem consequente (para noroeste); fases principais de eventos tectônicos mesozoico-
b) planaltos subnivelados pela superfície inter- cenozoicos:
mediária (I), com caimentos diversos da rede de a. desenvolvimento, a partir do Cretáceo Supe-
drenagem atual; rior, de zona de cisalhamento simples dextral
c) primeiro nível de planaltos rebaixados (B), orientada segundo WNW-ESE, corresponden-
com nítido contorno erosivo, desenvolvendo-se te ao lineamento sismo-tectônico de Cabo Frio
ao longo dos principais cursos d’água; (Sadowski e Dias Neto 1981); estruturas NE-
d) segundo nível de planaltos rebaixados (Bd), SW, N-S e NW-SE estariam associadas a este
também com nítido controle erosivo, relacionado evento, em parte reativadas sobre estruturas
às calhas de drenagem. antigas (falha de Guaxupé de Cavalcante et al.,
1979);
Ao longo do vale do Rio Tietê, e na porção b. distensão NNW-SSE no Paleogeno (Eoceno-
de jusante do vale do Rio Piracicaba na área que es- Oligoceno), associada aos eventos geradores do
tudara, Melo (1995) reconheceu outro nível, pouco sistema de riftes da borda continental (Almeida,
desenvolvido, rebaixado em relação ao Bd, denomi- 1976; Riccomini, 1989); estruturas ENE-WSW
nado informalmente nível R (Melo, 1995). Este ní- estariam associadas a esta fase, reativadas so-
vel mais baixo é o único no qual não foi reconhecida bre os cinturões de cisalhamento brasilianos de
a presença de extensas coberturas colúvio-eluviais, Ouro Fino (Cavalcante et al., 1979, incluindo a
denominadas Formação Santa Rita do Passa Quatro falha de Jacutinga) e Campo do Meio;
(Massoli 1981; Melo et al., 1998, 2004) (figura 4). c. prosseguimento da atividade (após o Paleoge-
no) ao longo do lineamento sismo-tectônico de
Deformações tectônicas Cabo Frio.

Estruturas tectônicas afetando as unidades da Riccomini (1995), reconheceu deformações


Bacia do Paraná na área estudada são reconhecidas tectônicas em sedimentos terciários e quaternários,
há muito tempo. Washburne (1930) descreveu as es- sendo as duas últimas fases de deformação neotec-
truturas de Pitanga, Boa Esperança (Pau d’Alho), tônica no Quaternário (binário dextral no Pleisto-
Charqueada e Serrote, considerando-as como an- ceno Superior-Holoceno, tração WNW-ESE no
ticlinais. Reconheceu somente pequenos e raros Holoceno). Ladeira et al. (2005) assinalam que, na
falhamentos, considerados meros ajustes ao dobra- Formação Itaqueri, após o desenvolvimento de su-
mento. Opinião semelhante expressaram Almeida e perfície geomórfica de cimeira, que nivela o topo de
Barbosa (1953). Outros autores reconheceram falha- perfil laterítico portador de espesso ferricrete, a área
mentos responsáveis pelo desnivelamento de cama- sofrera, no Cenozoico, soerguimentos e abatimen-
das, basculamento de blocos e formação do relevo tos diferenciais sucessivos, causadores de "inversão
(Oppenheim e Malamphy 1936; Fúlfaro et al., 1967; de relevo, destruição parcial dos sedimentos e dos
Bjornberg, 1965, 1969; Bjornberg et al., 1971; Soares, paleossolos" e alçamento de planaltos a mais de 300
1972; Soares et al., 1982; Fúlfaro et al., 1982; Souza m acima das cotas altimétricas médias da Depressão
Filho, 1983; Cordani et al., 1984; Zalán et al., 1991; Periférica Paulista, devido a fatores de origem tectô-
Quintas, 1995, entre outros). Esses autores conside- nica, que admitimos ter ocorrido possivelmente ao
raram os esforços tectônicos geradores das estruturas Paleogeno.
observadas como paleozoicos e/ou mesozoicos.

365
Controle genético dos depósitos neocenozoicos

Podem ser destacados alguns fatores


associados à gênese e preservação dos sedimentos
neocenozoicos da região estudada. Esses fatores
são de diferentes naturezas: geológica (presença de
soleiras litológicas, presença de unidades arenosas que
atuaram como áreas-fontes, atividade neotectônica),
geomorfológica (afeiçoamento de níveis planálticos
e terraços), paleoclimática (fases de oscilações
climáticas desencadeadoras de fases de resistasia,
fases de pedimentação) e pedológica (geração de
coberturas de alteração relativamente espessas).

Neotectônica
A neotectônica tem sido evocada para explicar a
acumulação e preservação dos depósitos da Formação
Rio Claro (v.g. Fúlfaro e Suguio, 1968 e 1974; Pen-
teado, 1976; Zaine, 1994). Estes autores admitiram
reativações de falhas principalmente na área da estru-
tura de Pitanga, que teriam provocado barramentos Figura 3. Relações entre as unidades estratigráficas
da paleodrenagem e sedimentação à montante. cenozoicas na porção centro-leste do Estado de São
A relativa dificuldade de se reconhecer evi- Paulo. Qa: aluviões em planícies e baixos terraços;
dências diretas de reativações tectônicas na área da Qca: depósitos colúvio-aluviais em baixos terraços;
estrutura de Pitanga, que pudessem ser relacionadas Ql: depósitos lacustres em depressões fechadas; Qg:
com os barramentos da paleodrenagem, responsáveis depósitos lamíticos de fluxos gravitacionais; Qb: depó-
pela acumulação da Formação Rio Claro, levou al- sitos de fundo de boçorocas; Qf: depósitos rudáceos
guns autores a supor que tais reativações pudessem de tálus e leques aluviais junto à escarpa de cuesta;
ser muito discretas, associadas a esforços produzidos Qc: cascalhos aluviais em baixos terraços junto à
por compensações isostáticas, em consequência dos escarpa de cuesta; Qt: cascalhos aluviais em terraços
desníveis topográficos gerados pela escavação erosiva intermediários; TQsr: Formação Santa Rita do Passa
da Depressão Periférica (Fúlfaro e Barcelos, 1989; Quatro – depósitos colúvio-eluviais arenoargilosos em
Fúlfaro, 1990). Essa hipótese baseou-se na regiona- topos e rampas de colinas amplas; TQca: depósitos
lização de efeitos observados em escavações para a colúvio-aluviais em rampas e terraços elevados; TQa:
construção de grandes barragens (Patton e Hendron, depósitos aluviais em rampas e terraços elevados; TQt:
1974). cascalhos aluviais em terraços elevados; TQcf: couraças
As evidências ressaltadas em Melo (1995), ferruginosas; TQf: depósitos rudáceos de tálus e leques
principalmente aquelas de natureza geomorfológica, aluviais separados da escarpa da cuesta; Trcl: Formação
indicam que de fato a acumulação da Formação Rio Rio Claro – lamitos de processos gravitacionais; Trcc:
Claro na sua área-tipo foi controlada pela reativação Formação Rio Claro – cascalhos e areias de canais e
de falhas com movimentação vertical na área da es- barras fluviais; Trca: Formação Rio Claro – areias finas
trutura de Pitanga. Tais falhas, contemporâneas da de rompimento de diques marginais; Trcm: Formação
sedimentação, provavelmente foram ativas no Plio- Rio Claro – argilas de transbordamento em planície de
ceno Superior, portanto dentro do intervalo de tem- inundação; KTi: Formação Itaqueri – rudáceos, areni-
po para o qual tem sido proposta a abrangência do tos e lamitos de leques aluviais (modificado de Melo et
termo “neotectônica” (Mörner, 1993). al., 1997).

Soleiras Litológicas
A presença de intrusões de diabásio (soleiras, sedimentação pré-atual, da mesma forma que ainda
lacólitos e subordinadamente diques) nos sedimentos hoje exercem influência na acumulação dos aluviões
paleozoicos e mesozoicos da Depressão Periférica é em planícies e baixos terraços, como se observa nos
destacada, sendo considerada uma das feições carac- rios Moji-Guaçu, Jaguari-Mirim, Jaguari e Atibaia.
terísticas da sua porção nordeste, denominada Zona Entretanto, é mais evidente a influência das
do Moji-Guaçu (Almeida, 1964). Ali sobressaem as soleiras litológicas na sedimentação, nos locais em
soleiras de diabásio associadas às unidades Tatuí e que a atividade tectônica associou-se à presença de
Irati. Estas intrusões sustentam barramentos da dre- intrusões de diabásio. É o caso da acumulação dos
nagem, que devem ter exercido algum controle da depósitos da Formação Rio Claro na sua área-tipo,

366
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
18

boçorocas (Qb) e os preenchimentos das depressões


fechadas (Ql) também refletem fases climáticas dife-
rentes da atual, ou francamente mais secas, ou pelo
menos com estações mais contrastadas.
É possível que fases de oscilações climáticas
desencadeadoras de períodos de resistasia tenham
favorecido o entulhamento dos vales da região. A
preservação de parte dos depósitos assim formados
constituiria as ocorrências isoladas de depósitos en-
contradas hoje alçadas ao longo dos vales, principal-
mente os depósitos TQca e Qca.
Figura 4. Seção esquemática mostrando ocorrências da Acumulação da cobertura pedológica
Formação Santa Rita do Passa Quatro sobre os níveis Os depósitos da Formação Santa Rita do Pas-
planálticos regionais. A, I, B, Bd e R: extensão dos sa Quatro são constituídos por materiais pedologi-
níveis planáticos; a a e: nivelamentos de topos relacio- camente desenvolvidos, derivados de substrato pre-
nados aos níveis; 1 a 4: pontos de inserção (Melo et al., dominantemente arenoso, representando o material
1998, 2004). superficial de alteração com evidências de transfe-
rências verticais e laterais. A maior expressão destes
aparentemente controlados em parte pelas soleiras depósitos sobre as áreas de relevo suave, de colinas
litológicas na área da estrutura de Pitanga. amplas, sugere um efeito de acumulação dos produ-
tos de alteração onde a velocidade de erosão superfi-
Presença de unidades arenosas que atuaram cial é mais lenta.
como áreas-fontes
O desenvolvimento das extensas coberturas da Conclusões
Formação Santa Rita do Passa Quatro (TQsr) na De-
pressão Periférica (figura 1) está em parte relaciona- Os estudos realizados por Melo (1995) de ca-
do com a ocorrência de substrato arenoso (Subgrupo racterização, distinção e gênese da Formação Rio
Itararé, formações Aquidauana, Piramboia, Botuca- Claro e depósitos associados na porção centro-leste
tu e Rio Claro). Os depósitos TQsr correspondem da Depressão Periférica Paulista, bem como as in-
à acumulação dos produtos de alteração destas uni- terpretações realizadas por autores como Pires Neto
dades arenosas, em parte in situ (principalmente nos (1996) e Souza (2002) sobre a influência da atuação
topos das colinas) e em parte também com processo de falhas na origem das formas de relevo, estabele-
de coluvionamento (nas encostas). cem importantes associações entre as coberturas e a
evolução neotectônica e portanto contribuem para a
Afeiçoamento dos níveis planálticos e terraços compreensão da evolução geológica neocenozoica.
Melo (1995) e Melo et al. (1998) relacionaram A espessura delgada da sedimentação neoce-
os depósitos neocenozoicos da Depressão Periférica nozoica na Depressão Periférica e sua distribuição
(figura 2) com os diferentes níveis planálticos. Um descontínua dificultam a classificação, correlação
exemplo é a extensão da Formação Santa Rita do e associação com fatores genéticos regionais. Esses
Passa Quatro, que ocorre sobre vários dos níveis pla- aspectos explicam em parte certa controvérsia na
nálticos (figuras 1 e 3), justamente nos locais em que literatura geológica, a partir de correlações que não
as superfícies regionais encontram-se mais bem pre- subsistem a uma investigação mais detalhada (Melo,
servadas. Neste caso, um dos fatores condicionantes 1995). Métodos de trabalho que levem em conta
da formação e preservação das coberturas é a antigui- tanto as características faciológicas dos sedimentos e
dade das superfícies, o que permitiu o espessamento arranjos de litofácies, como as descontinuidades pre-
do manto de regolito remobilizado. sentes, e ainda a associação com as formas do relevo
possibilitam reconhecer relações entre a organização
Fases de oscilações climáticas do relevo em níveis planálticos e a situação dos depó-
Os depósitos TQt e Qt são os mais claramen- sitos no perfil das vertentes das colinas.
te associados a fases de oscilações climáticas. Estes Melo (1995) mapeou cinco níveis planálticos
cascalhos fluviais são interpretados como sedimentos de extensão regional (A, I, B, Bd e R), correspon-
de sistema fluvial entrelaçado, acumulados durante dentes a níveis identificados em regiões vizinhas, e
fases de pedimentação sob vigência de climas com em parte já referenciados na área de estudo por au-
marcante contraste sazonal, mais secos que o atual. tores precedentes. Os níveis mais elevados e antigos
Aparentemente, as couraças ferruginosas (A e I) ocorrem somente nas áreas correspondentes
(TQcf), os lamitos (Q g), os depósitos de fundo de ao Planalto Atlântico e Cuestas Basálticas, vizinhas

367
à Depressão Periférica. Os níveis B, Bd e R ocor- A maior parte dos depósitos anteriormente
rem dentro dos limites da Depressão Periférica. Os correlacionados à Formação Rio Claro na bibliogra-
dois mais antigos e elevados (B e Bd) são os mais fia geológica pertence a unidades neocenozoicas mais
extensos, e nivelam o relevo colinoso da região, jovens, que apresentam gênese, constituição e idades
sendo considerados sincrônicos. São englobados na diferentes. A principal unidade confundida com a
superfície Neogênica. O mais jovem (R), embutido Formação Rio Claro é representada pelas extensas
abaixo dos anteriores, aparece somente junto ao vale coberturas de depósitos colúvio-eluviais arenoargilo-
dos rios Tietê e Piracicaba. A ocorrência de couraças sos (Qce), que correspondem à acumulação de pro-
ferruginosas sobre os níveis planálticos A, I, B e Bd dutos de alteração de rochas sedimentares arenosas
e de cascalhos de sistema fluvial entrelaçado sobre o sobre áreas de relevo de colinas amplas nos quatro
nível R é indicativa de que tais níveis correspondam níveis planálticos mais antigos e elevados (A, I, B e
de fato a superfícies elaboradas durante a vigência de Bd).
fases de climas secos. As estruturas e feições morfológicas observa-
A Formação Rio Claro (Trc) é reconhecida na das permitiram interpretar a ocorrência de quatro
área do platô de Rio Claro, e no limite leste da De- fases de deformações tectônicas pós-triássicas: fase I,
pressão Periférica, em ocorrências mais descontínuas jurássico-cretácea, correspondente à injeção de diques
(Vargem Grande do Sul, vale do Rio Jaguari-Mirim, de diabásio, com estruturas principalmente WNW-
Moji-Guaçu, Moji-Mirim, Jaguariúna, Cosmópo- ESE; fase II, cretácea inferior, com estruturas princi-
lis, Paulínia). É constituída por depósitos de sistema palmente NE-SW e secundariamente WNW-ESE,
fluvial meandrante, formados sob vigência de clima com movimentação horizontal dominante e hidroter-
úmido, agrupados em quatro litofácies principais: malismo associado; fase III, paleogênica, reconheci-
Trcl (lamitos de processos gravitacionais), Trcc (cas- da apenas na área do alto Rio Pardo, com estruturas
calhos e areias de fundo de canal e barras fluviais), E-W, NE-SW e NW-SE e movimentação normal
Trca (areias de rompimento de diques marginais) e dominante, correspondente à abertura das bacias de
Trcm (argilas de transbordamento, em planície de São Paulo e Taubaté; fase IV, neogênica, reconheci-
inundação). Apresenta impressões de folhas e caules, da apenas na área da estrutura de Pitanga, deduzida
pistas de prováveis crustáceos de água doce, impres- principalmente a partir de evidências morfológicas e
são de inseto e oogônios de carófitas de água doce, da acumulação da Formação Rio Claro.
mas os fósseis presentes ainda não permitiram atri- Fragmentos de carvão vegetal encontrados
buir-lhe idade precisa. principalmente na unidade Qce (mas também em
Na área do Platô de Rio Claro, a sedimenta- regolito) apresentaram idades 14C distribuídas entre
ção está estreitamente relacionada com a estrutura de 3.950±60 e 8.800±70 anos AP, com ligeira tendên-
Pitanga (com atividade tectônica principal no Me- cia de concentração no intervalo entre 6.500 e 8.500
sozoico) e com o nível planáltico Bd, este soerguido anos AP. Este intervalo corresponde em parte a re-
junto a falhas de direção NE-SW (Rio Corumba- ferências de ocorrências de fases climáticas mais se-
taí) e NW-SE (Rio Passa-Cinco). Estas observações cas no Holoceno, interpretadas em outros locais do
indicam que o fator determinante da sedimentação Brasil. A natureza dos depósitos aluviais em baixos
foi a reativação de falhas com movimentação vertical terraços (Qa), dos depósitos lacustres em depressões
na área da estrutura de Pitanga. Tal reativação ocor- fechadas (Ql), as variações de palinomorfos e a pre-
reu logo após o afeiçoamento do nível planáltico Bd, sença de microcarvões nestes últimos, e nas turfeiras
quando este ainda se encontrava muito pouco enta- dos depósitos Qa, também indicam diferenças paleo-
lhado. ambientais do Pleistoceno Superior e Holoceno, que
Não foram observadas evidências de reativa- podem refletir flutuações climáticas.
ções tectônicas associadas aos depósitos atribuídos à Nossa retrospectiva histórica sobre a con-
Formação Rio Claro situados na borda leste da De- tribuição do Prof. A. N. Ab’Sáber revelou pontos
pressão Periférica, embora não se possa excluir a hi- marcantes de inflexão do pensamento geomorfoló-
pótese de que tais reativações tenham ocorrido, ainda gico, desde uma época na qual o mapeamento e a
que muito atenuadas. Ali, a sedimentação está mais compreensão da origem e evolução das superfícies
claramente associada à existência de barramentos aplainadas no território brasileiro eram incipien-
litológicos (soleiras e diques de diabásio), que con- tes, e inspirados por um confronto entre mode-
trolam ainda hoje alargamentos dos vales e sedimen- los alternativos: quer baseados na teoria dos ciclos
tação fluvial a montante. Além de se associarem ao geomórficos, quer no modelo dos ciclos glacioeustá-
nível planáltico Bd, os depósitos da Formação Rio ticos. A evolução dos conhecimentos prosperou sob
Claro na borda leste da Depressão Periférica ocorrem ampla discussão do predomínio da influência tec-
também, em um local (Vargem Grande do Sul), so- tônica ou climática. Essa é, indiscutivelmente, uma
bre o nível planáltico B, reforçando a hipótese de que das grandes contribuições do trabalho de Ab’Sáber:
os níveis B e Bd sejam sincrônicos. a busca pela correlação entre superfícies aplainadas,

368
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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371
A DEPRESSÃO PERIFÉRICA PAULISTA:
um setor das áreas de circundesnudação
pós-cretácica na Bacia do Paraná

Funcionando como uma espécie de segundo pla-


nalto no conjunto interior do território paulista, a de-
1969. A Depressão Periférica pressão periférica é o principal e mais característico
Paulista: um setor das áreas de compartimento topográfico, de origem predominante-
circundesnudação pós-cretácica na mente denudacional do Estado de São Paulo.
Bacia do Paraná. Geomorfologia, São Interposta entre o Planalto Atlântico e os planaltos
Paulo, 15: 1-26.
ocidentais, a Depressão Periférica Paulista permanece
largamente embutida entre as áreas serranas elevadas
e acidentadas (750-1600 m) e as escarpas e festões das
altas cuestas arenítico-basálticas (850-1.100 m). É um
morvan, no sentido geomorfológico clássico deste ter-
mo (Almeida, 1952, p. 3), já que inclui um maciço an-
tigo saliente em uma de suas margens (Planalto Atlân-
tico), uma área deprimida de desnudação marginal, de
dezenas de quilômetros de largura, e, na outra banda,
uma área de altas escarpas de cuestas arenítico-basál-
ticas (planaltos ocidentais). Há que sublinhar, logo de
início, entretanto, que se trata de um dos mais notáveis
e esquemáticos casos de “morvans” intertropicais, co-
nhecidos na literatura geomorfológica. Daí a impor-
tância que concedemos aos estudos e observações que
visem o entendimento da gênese e da evolução des-
se importante compartimento dos planaltos do Brasil
sul-oriental.
Ao penetrar no Estado de São Paulo, provinda do
Oeste de Minas (setor de São Sebastião do Paraíso-
Serra das Palmeiras), a Depressão Periférica tem a for-
ma de um corredor de topografia colinosa, de aproxi-
madamente 50 km de largura, nitidamente embutido
entre a cuesta da Borda da Mata e do Monte Santo e
as elevações cristalinas do acidentado Planalto Atlân-
tico (na fronteira nordeste de São Paulo-Minas Ge-
rais). Ao atingir o Médio Mogi-Guaçu, a depressão
atinge de 80 a 100 km de largura, alcançando 120 km
na área do Médio Tietê (entre Itu e a confluência do
Tietê com o Piracicaba). Na área em que a depressão
se encurva de SW para W, rumo ao 2º Planalto do
Paraná, sua largura média continua a oscilar entre 80 e
120 km (Médio Paranapanema), comportando, entre-
tanto, sutis modificações topográficas, morfológicas e
paisagísticas.

372
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
18

Nas duas extremidades de sua área de exten- bre as bacias de compartimento de planalto em
são, em território paulista, a depressão periférica São Paulo (Médio Paraíba e São Paulo), julgava
apresenta situações especiais em relação às estru- que mais para o interior houvesse outra grande
turas sedimentares e aos relevos estruturais das área terciária. Desde os trabalhos individuais de
áreas circunvizinhas. No extremo nordeste do Orville Derby (1878, 1883), até os inumeráveis
Estado, na área de cuestas arenítico-basálticas serviços e pesquisas realizadas pela antiga Co-
desdobradas, reaparecem depressões denudacio- missão Geográfica e Geológica, passando pelas
nais, restritas e descontínuas, interpostas entre o investigações de Washburne (1930) e Moraes
reverso das cuestas mais externas (Serra da Bor- Rego (1930, 1932), é que a geologia estrutural e
da da Mata, Serra do Monte Santo e Serra de a estratigrafia do Estado de São Paulo puderam
São Sebastião ou das Palmeiras) e as irregulares ser entendidas de modo global e mais ou menos
e acidentadas escarpas de cuestas desdobradas pormenorizado.
mais interiores (Serra de Franca, Serra dos Fi- A identificação da presença de uma legítima
gueiredos, Serra do Major Claudiano, Serra da depressão periférica em São Paulo ficou condi-
Cubiça, Serra da Matinha, Serra Azul, Serra de cionada ao reconhecimento de feições estruturais
São Simão). Tais depressões monoclinais pedi- complementares, de áreas situadas mais para o
planadas, possivelmente neogênicas, penetram interior, assim como à extensão dos mapeamen-
nas áreas de percées consequentes dos principais tos topográficos e geológicos, e ao próprio de-
vales regionais (Sapucaí Mirim, Pardo), em posi- senvolvimento e divulgação das teorias e concep-
ção nitidamente interplanáltica, ainda que mui- ções da ciência geomorfológica. Tais fatos todos
to restritas em área. Já no extremo sudoeste do somente puderam ser atendidos entre o último
território paulista, a Depressão Periférica perde quartel do século XIX e os primeiros 30 anos do
bruscamente o seu caráter de legítima depres- presente. Acresce, a isso, que os estudos geoló-
são marginal (inner lowland ou depression péri- gicos de Orville Derby (1878-1880), de Joseph
phérique), para adquirir a condição de uma larga von Siemiradzki (1898), de I. C. White (1908) e
e relativamente acidentada depressão monoclinal, de Euzébio P. de Oliveira (1916 e 1918), referen-
pois se situa entre o reverso da cuesta devoniana tes ao Paraná e a Santa Catarina, deixaram larga
e a base das escarpas arenítico-basálticas da re- margem de informações para a interpretação e as
gião de Avaré-Botucatu e Fartura-São Jerônimo. correlações essenciais entre o relevo e a estrutura
Aliás, é sob o aspecto de depressão monoclinal tí- do Planalto Meridional brasileiro.
pica que a faixa permocarbonífera e pro parte tri- Coube ao geógrafo Pierre Denis (1927, pp.
ássica paulista penetra no Estado do Paraná. 172-173) identificar a presença de um compar-
O histórico das pesquisas geomorfológicas timento topográfico deprimido, situado entre as
até hoje realizadas na Depressão Periférica Pau- serranias cristalinas de Leste e as altas cuestas
lista nos parece essencial para a compreensão de basálticas do Oeste. Na verdade, aquele geógrafo
uma grande parte da geomorfogênese do territó- e economista francês identificou o aspecto mo-
rio paulista, em diversas ordens de grandeza. In- noclinal das estruturas do interior paulista, su-
cluímos nessa ordem de considerações, eviden- blinhando que “as camadas sedimentares mergu-
temente, a própria discussão de alguns aspectos lham ligeiramente para Sudoeste [sic], com uma
básicos da geomorfologia quaternária regional. inclinação superior àquela da superfície, de modo
Daí o interesse de semelhante revisão, em termos que vê-se aflorar, na direção do Estado do Para-
dos objetivos do presente estudo. ná [sic], camadas cada vez mais recentes”. Além
dessa observação morfoestrutural coube a Denis
 acentuar que os diferentes patamares topográfi-
cos do interior paulista eram “dispostos em zo-
Até os meados do século XIX, os confins nas sucessivas, à moda das auréolas concêntricas
das áreas geográficas paulistas, conhecidas e re- da Bacia de Paris, às vezes separados por linhas
feridas na literatura de viajantes e exploradores, de cuestas” (Denis, 1927, p. 172).
restringiam-se às margens orientais da Depres- Se é que Derby, em seu pequeno mapa
são Periférica Paulista. Nesses escritos existem geológico da porção centro-oriental de São Pau-
observações topográficas e paisagísticas (e mui- lo (1884), deixou um documento básico para a
to eventuais observações litológicas), limitadas identificação grosseira da faixa paleozoica pau-
aos fatos lineares visíveis ao longo das rotas de lista, poucos foram os geólogos ou geógrafos que
Goiás e do Sul do Brasil, velhos caminhos que souberam entender o significado morfoestrutu-
se aproveitavam da suave topografia da margem ral daquele documento cartográfico. Os estudos
oriental da Depressão Periférica Paulista. Pissis de Charles L. Baker (1923) e Alexander L. Du
(1842), a quem devemos boas observações so- Toit (1927) representaram uma notável contri-

373
buição para o reconhecimento global da Bacia do pecificamente à causa provável das modificações
Paraná em termos de estrutura e de distribuição dos edifícios vulcânicos originais dos planaltos
geográfica conjunta das diferentes formações ge- de lava, faz alusão a dois períodos de penepla-
ológicas. Infelizmente, porém, tais contribuições nização: um Cretáceo e outro Terciário (1930, p.
não representaram um acréscimo ponderável do 246). Eventualmente refere-se à superfície aplai-
ponto de vista rigorosamente geomorfológico. nada dos altos da Mantiqueira, como sendo um
Pierre Denis, que não era geólogo, mas possuía “alto peneplano” (1930, p. 129).
bons conhecimentos de Geomorfologia, foi bem Indiscutivelmente houve exagero evidente
mais feliz em suas interpretações. Reconheceu os na tendência de Washburne em considerar qua-
efeitos da erosão diferencial na gênese da depres- se todas as porções mais salientes dos planaltos
são (Denis, 1927, p. 174) e percebeu a essência paulistas como pertencentes a “monadnocks are-
de sua originalidade fisiográfica, nos seguintes as” (1930, p. 7). A despeito das boas apreciações
termos: globais do autor a respeito da distribuição das
formações geológicas e da estrutura regional da
Le front de la zone permienne [sic] n’est Bacia do Paraná em São Paulo (1930, pp. 91-93),
marqué par aucune ligue de côtes; son altitude, ge- faltou-lhe sensibilidade em relação à compreen-
neralement comprise au-dessous de 700 mètres, est são da compartimentação topográfica do terri-
inferieure à celle des zones voisines du plateau; son tório paulista. No entanto, precocemente, estava
modelé est effacé; les vallées y sont faiblement en- identificado a grande importância em área das
foncées; la circulation y est facile: le tracé des deux regiões sujeitas aos aplainamentos modernos –
grandes routes de Saint-Paul vers le Nord par Cam- provavelmente contemporâneos –, aqueles mes-
pinas et vers le Sud-Ouest s’y est fixé. La zone per- mos que mais tarde seriam designados por su-
mienne [sic] s’etend en forme de croissant de Faxina perfícies neogênicas nos trabalhos de Emmanuel
et d’Itapetininga au Sud, à Casa Branca et Mococa De Martonne (1940).
au Nord. Sa largeur dans le bassin du Tieté est de Moraes Rego (1930, 1932), baseado em seus
120 kilomètres depuis Ytu jusqu’au confluant du rio estudos anteriores efetuados em Minas Gerais, e
Piracicaba. influenciado pelos resultados das pesquisas geo-
lógicas e geomorfológicas ali realizadas por Har-
Entrementes, designava o conjunto de depressão der e Chamberlin (1917), admitiu uma fase de
periférica pela expressão muito pouco significa- peneplanização eocênica e uma fase de sedimen-
tiva de plaine. tação pliocênica, julgada de ponderável extensão
Washburne (1930) não acrescentou muita original nos diferentes compartimentos de pla-
coisa, do ponto de vista geomorfológico, às ob- nalto de São Paulo. Os argumentos utilizados
servações de Pierre Denis. Na realidade, Wash- para tais concepções eram nitidamente baseados
burne perdeu a oportunidade de traçar melhor na posição das superfícies cimeiras mais antigas,
o esquema de compartimentação do território em cotejo com a posição topográfica dos depósi-
paulista, porque tendia a ver a presença de um tos sedimentares intermontanos ou interplanál-
único “velho” peneplano no conjunto dos planal- ticos (“Em São Paulo, são claros os vestígios da
tos paulistas, considerando todas as inumeráveis peneplanização antipliocênica nos cimos das es-
saliências situadas acima do mesmo como per- truturas antigas da série São Roque, que atingem
tencentes à classe dos monadnocks (1930, p. 7). a altitude de mais de 1.000 metros.” – “Atendi-
Desta forma, ainda que tenha percebido o cará- da a posição das camadas pliocênicas, é plausí-
ter tectônico das grandes escarpas da Serra do vel admitir, para a época de peneplanização, os
Mar e da Mantiqueira, e, ainda que, através de períodos miocênico ou eocênico, de preferência
sua secção transversal da Bacia do Paraná, tenha o último...” – “À peneplanização eocênica se se-
deixado margem para que se pudesse conceber guiu o levantamento com o qual teve início o
que as serras de Botucatu e Maracaju eram es- ciclo erosivo cuja influência se faz sentir ainda
carpas estruturais do tipo das escarpas de cues- hoje de maneira bastante eficaz.” 1930, pp. 8-9).
tas, não sublinhou a existência de uma verdadeira E, após tecer tais considerações, atinge a conclu-
depressão denudacional em São Paulo. são de que entre a peneplanização eocênica e a
Acreditamos que Chester Washburne to- sedimentação pliocênica teria sido aberta “uma
mou os diferentes setores das superfícies neo- depressão periférica a leste dos lençóis eruptivos,
gênicas paulistas como indicadores de um único desnudadas as camadas inferiores do sistema de
e universal peneplano, ao qual chamou por vá- Santa Catarina pela ablação dos arenitos da série
rios nomes (plain, dissected plain, mature dissec- São Bento não protegidos”.
ted plain, peneplain, old peneplain). Ao traçar um Em outra oportunidade já revimos as ideias
esboço de Geologia do Paraná, referindo-se es- de Moraes Rego sobre a gênese e a extensão da

374
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
18

sedimentação pliocênica em São Paulo (Ab’Sáber, aludida área. Percebeu a existência de pequenas
1954, pp. 51-54). Demonstramos que, sobretu- cuestas no interior da depressão, ao informar
do no caso de São Paulo, as concepções do au- que
tor a respeito da intensidade do “abaixamento” uma formação do Permiano, a Formação Tatuí, é
pliocênico e da espessura e distribuição espacial um pouco mais resistentes e destaca-se como uma
originais dos sedimentos neoterciários eram bas- cuesta maduramente erodida [sic], apenas percep-
tante incorretas e exageradas. Tratava-se de uma tível próximo aos principais rios.
pressuposição baseada em conhecimentos inade-
quados sobre a gênese das formações pliocênicas Os trabalhos e pesquisas de James e os de Moraes
da costa oriental do Brasil e no total desconhe- Rego devem ter sido realizados mais ou menos
cimento dos efeitos dos movimentos eustáticos à mesma época, de forma que os autores não ti-
em relação à geomorfologia costeira. Não se veram conhecimento recíproco das publicações
podendo utilizar dos argumentos eustáticos, os paralelas.
autores antigos eram obrigados a imaginar um Caberia a Emmanuel De Martonne (1940)
ritmo tectônico de difícil conciliação entre a área caracterizar, de uma vez por todas, a existência
costeira e a área continental. de uma superfície aplainada, de idade certamen-
Desde 1930, Moraes Rego expressou em di- te neogênica, no interior da Depressão Periférica
versas oportunidades a ideia de que a Depressão Paulista. Daí por diante, todos os outros autores
Periférica Paulista teria sido escavada previa- passaram apenas a repetir ou a fazer completa-
mente após o Cretáceo, e, posteriormente, nova- ções menores ao esquema de superfícies aplaina-
mente preenchida por depósitos terciários: das composto pelo grande mestre francês. A su-
perfície A, de Freitas (1951, 1951a), a superfície
A topografia atual de São Paulo começou a sul-americana, de King (1956), em São Paulo, a
desenhar-se no início do Quaternário, com o mo- superfície do Médio Tietê, de Almeida (1964),
vimento ascensional que fez cessar a sedimentação são meras expressões substitutivas para designar
terciária, fenômeno geral [sic]. Todo o interior, a o peneplano extensivo de Washburne (1930), a
oeste da Serra do Mar, era uma vasta planura de de- superfície pliocênica de Moraes Rego, (1935) e
pósitos terciários [sic] nos quais começou-se a traçar a superfície neogênica de De Martone (1940).
uma rede de drenagem, de que ainda encontramos Eis porque, enquanto não se encontrar um nome
os vestígios e que, no início, possivelmente ia direta- melhor, preferimos conservar a designação super-
mente ao oceano [sic] (Rego, 1930, p. 74). fície neogênica, geneticamente referível aos pedi-
planos interplanálticos (Ab’Sáber, 1960, 1965).
A sedimentação ter-se-ia estendido conti- O certo é que, após uma longa fase erosiva,
nuamente da crista da Serra do Mar para oeste, que deve ter perdurado desde o Eoceno até apro-
ocupando terras altas contíguas a essa serra e a de- ximadamente o Plioceno, o espaço de terras da
pressão entre ela e as cuestas constituintes do pla- margem oriental da Bacia do Paraná foi escava-
nalto formado pouco depois do período eocênico do, rebaixado por complexos fenômenos denuda-
(Rego, 1933, p. 254). cionais intertropicais e finalmente sujeito a uma
pediplanação intertropical extensiva (Ab’Sáber,
Entrementes, a despeito de tais concepções er- 1965, pp. 40-44 e 143-145). A existência de pe-
rôneas iniciais, em seu estudo sobre as camadas dimentos obsequentes a oeste, na meia encosta in-
cretáceas do Sul do Brasil (1935, pp. 241-242), ferior das grandes escarpas arenítico-basálticas
Moraes Rego, referindo-se aos fenômenos ero- (Botucatu, São Pedro, Itaqueri, Santana), ao par
sivos posteriores ao soerguimento da superfície com a existência de pedimentos consequentes
eocênica, fixou-se numa concepção mais próxi- na margem leste da depressão (Pirapitangui, Vi-
ma da de Washburne (1930), ao salientar: racopos), ambos passando a se ajustar ao nível
geral dos mais elevados baixos chapadões da por-
Depois, teve início novo ciclo evolutivo ção central da depressão, documenta a existência
que atingiu à peneplanização em época poste- de um pediplano neogênico de vasta amplitude
rior, no período Pliocênico, respeitada montanhas na área em questão.
monadnocks, sobre as quais são observados restos Na realidade, observando-se as escarpas ba-
da peneplanização anterior. sálticas que se soerguem de 250 a 350 metros
acima do nível geral da depressão, nota-se a exis-
Preston James (1933) referiu-se à depressão tência invariável de pedimentos contrários, que ra-
periférica como uma “inner lowland” caracterís- pidamente passam a tangenciar o nível das mais
tica, mas não anotou a presença de uma superfí- altas colinas aplainadas da depressão periféri-
cie interplanáltica, de forte aperfeiçoamento na ca paulista. Vistas a partir dos fundos de vales

375
atuais – contíguos à frente das “serras” – as es- tipos de especulação (tectônica quebrável local,
carpas de cuestas parecem muito altas; entre- ritmo da epirogênese pós-pliocênica). Mesmo
mentes, vistas em perspectiva, elas nos dão uma porque os glacis de erosão cortam, em nível mais
impressão de acidentes sensivelmente atenuados, ou menos igual (710-720 m), todos os bordos
devido à presença de pedimentos remanescentes, desses maciços de nível intermediário, onde quer
localmente muito bem conservados, na meia en- que existam rochas pouco resistentes (conforme
costa inferior dos velhos escarpamentos. No caso se pode observar a leste de Viracopos e a leste de
das escarpas menos altas (Serra de Santana), Pirapitangui).
os pedimentos neogênicos se apresentam como A evolução quaternária do relevo da Depres-
uma rampa inclinada, contrário ao mergulho são Periférica Paulista apenas vem de se esboçar.
regional das camadas, em posição nitidamente Até há muito pouco tempo se desconhecia por
intermediária. Por outro lado, os pedimentos completo qualquer coisa a respeito do roteiro do
obsequentes penetram nos vales obsequentes de modelado que criou o atual relevo desta velha de-
idade mais antiga, de tal forma que os cursos ob- pressão. Se é que ela foi um pediplano é porque
sequentes, atualmente observáveis, estão incisos certamente foi uma planície-de-erosão (pliocêni-
nas áreas pedimentadas embutidas nos festões ca?). De que forma essa velha planura transfor-
das escarpas arenítico-basálticas. mou-se no atual relevo de colinas, com meandros
Na outra banda da depressão periférica localmente incisos, calhas aluviais descontínuas,
paulista, de 80 a 120 km para oeste, repetem- vertentes semimamelonizadas (Lannou, 1955),
se fenômenos idênticos de pedimentação an- pouco ou nada se sabia. Os rebaixamentos de-
tiga: mais ou menos à mesma altura (700-720 nudacionais intermediários (do tipo das super-
metros), as superfícies aplainadas principais da fícies alveolares, alhures por nós constatadas), e
depressão penetram ligeiramente nos terrenos os níveis de baixos terraços ampliados (tipo Var-
cristalinos menos resistentes dos rebordos oci- gem Grande), referidos em comunicações orais
dentais dos maciços antigos atlânticos, sob a for- (I Congresso Brasileiro de Geógrafos – Ribeirão
ma de pedimentos rochosos (“rock pediments”, Preto, 1954), não eram de molde a possibilitar
“glacis d’erosion”). Nas áreas de Sorocaba, Pira- um conhecimento razoável do Quaternário re-
pitangui, Itu-Salto, Indaiatuba e Viracopos, são gional. No entanto, desde Washburne (1930),
frequentes, posto que muito descontinuamente, Moraes Rego (1930, 1932, 1933) e Setzer (1949),
os prolongamentos das aplainações neogênicas, já se conheciam referências a depósitos moder-
sob a forma típica de “glacis” de erosão, recortan- nos, delgados e descontínuos, em diversos pon-
do ligeiramente a rampa de mergulho mais forte, tos da depressão periférica. Desta forma, tudo o
correspondente à velha superfície pré-carbonífe- que se sabia cifrava-se na existência da superfí-
ra exumada. Trata-se de um fato particularmen- cie neogênica, uma bacia detrítica mal estuda-
te fragrante na área de Votorantim-Sorocaba da (Bacia de Rio Claro), um problemático nível
(Ab’Sáber, 1953), onde remanescentes retraba- intermediário embutido, e um nível de baixos
lhados dessas superfícies de idades tão diversas terraços, às vezes com cascalho, às vezes com
coexistem na paisagem. Este tipo de entalhe de areias grossas e gravas.
uma superfície muito moderna sobre a outra Ainda que referida, pela primeira vez, por
muito antiga (superfície fóssil em exumação) é Moraes Rego (1932, p. 15; 1937-41, p. 145), as
um fato de observação de campo, absolutamente camadas de Rio Claro só vieram a ser estuda-
incontestável; conhecemos tais imbricações de das muito recentemente, graças às pesquisas dos
superfícies aplainadas, desde 1947, quando fize- geólogos e geomorfologistas de São Carlos e
mos o itinerário do Pico do Saboó (estação de Rio Claro (Bjornberg, Maciel e Gandolfi, 1964;
Moreiras) até à estação de Pirapitangui, na região Bjornberg, Landim, Maciel e Gandolfi, 1964a;
de Sorocaba. Nesse sentido, não podemos aceitar Bjornberg e Landim, 1966; Margarida Penteado,
as frequentes referências de Fernando de Almei- 1966, 1966a, 1967; Landim, 1967). Uma revisão
da (1964, p. 233) visando provar o contrário. As completa dos problemas geomorfológicos dessa
observações de Rich (1953, p. 21), sobre a exis- área, que é uma das chaves para a compreensão
tência de um desnível da ordem de 100 m entre da geomorfologia quaternária da Depressão Pe-
os maciços contíguos e as altas colinas da região riférica Paulista, vem de ser feita por Margari-
situada a leste de Indaiatuba e Campinas, foram da Maria Penteado, em diversos de seus traba-
indagações genéricas sobre a possível existência lhos, alguns dos quais ainda inéditos. Queremos
de falhas pós-glaciais, que ao invés de invali- crer que a Bacia de Rio Claro, situada em área
dar nossa interpretação genética apenas servem grosso modo contígua às grandes escarpas areníti-
para documentar a importância dos pedimentos co-basálticas regionais (serras de Itaqueri, de Iti-
neogênicos como plano de referência para outros rapina e de Santana), tenha a mesma importân-

376
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
18

cia geomorfológica para a compreensão do relevo da Bacia de Rio Claro tamponam e escondem
da Depressão Periférica que a Bacia de Jundiaí grossas massas de cascalheiros basais, deposita-
possui para a explicação dos compartimentos su- dos em uma área de microrrelevo, bastante ir-
jeitos a retomadas de pedimentação no Planalto regular, através de condições marcadamente tor-
Atlântico paulista. Nesse sentido, as conclusões renciais, de tipo certamente semiárido.
finais que D. Margarida Penteado poderá atingir Após a formação da Bacia de Rio Cla-
em seus estudos sobre o setor centro-ocidental ro é que se processaram fases de entalhamento
da Depressão Periférica, destinados à sua tese de lineares alternadas com ligeiras retomadas da pe-
doutoramento, deverão ser fundamentais para dimentação, certamente muito menos nítidas e
deslindar alguns aspectos básicos da evolução bem preservadas do que aquelas que afetaram as
quaternária da Depressão Periférica Paulista. áreas cristalinas ou cristalofilianas. Nesse senti-
Do que se sabe através da literatura de publi- do, parece haver um engano nas conclusões de
cação recente, e do que se pode deduzir de rápidas Bjornberg e Landim (1966, p. 65), que falam
excursões de campo na área, é que, em termos de apenas em retomadas de pedimentação penecon-
Quaternário, a Bacia de Rio Claro se comporta temporâneas à própria formação da Bacia de Rio
como uma ampla superfície alveolar rasa, ligeira- Claro (?). Os ligeiros níveis de pedimentação ou
mente embutida abaixo da superfície neogênica, terraceamento pós-Bacia de Rio Claro estão hoje
ainda que atualmente, através de inversões de embutidos em flancos médios dos vales principais
relevo, esteja circunscrita aos interflúvios prin- da Depressão Periférica, de modo muito impre-
cipais das colinas de Rio Claro. O seu caráter ciso e camuflado. Com esforço, pode-se apontar
suspenso atual talvez indique que ela tenha se dois níveis intermediários embutidos, abaixo da
formado em período recuado do Quaternário superfície regional de Rio Claro e similares não
Antigo (Pleistoceno Inferior?). Na realidade ela detríticas. E, finalmente, a alguns metros acima
foi uma espécie de grande “raso”, para usar de do nível das várzeas atuais dos principais rios da
uma terminologia muito usual no Nordeste para Depressão, pode-se constatar depósitos de len-
casos de relevo mais ou menos idênticos. Moraes çóis fluviais quaternários (Pleistoceno Superior),
Rego referiu-se à “finura” do material detrítico com espessuras de 1,5 a 3 m de cascalhos miúdos
de Rio Claro (1937-41, p. 145)*, enquanto que (Vale do Piracicaba). Mesmo tais terraços (f ill
Bjornberg e Landim, após uma série de trabalhos terraces) têm pouca presença morfológica, sendo
exploratórios sem maior importância, realizaram apenas observáveis nos bons cortes feitos pelas
um estudo muito mais conclusivo a respeito da rodovias modernas. De 5 a 6 metros abaixo deles,
origem e do ambiente de deposição da Formação aparecem os lençóis aluviais atuais, dispostos em
Rio Claro, optando por razões paleoclimáticas planícies restritas e descontínuas, até hoje mui-
e por processos de morfogênese semiárida para to mal estudadas sob todos os pontos de vista.
explicar a gênese da Bacia (Bjornberg e Landim, Linhas de pedra, posteriores aos baixos terraços
1966, pp. 43-67). Trata-se de conclusões baseadas fluviais, ocorrem nas vertentes das colinas regio-
em estudos de campo e em análises sedimento- nais, enterradas por depósitos de cobertura colu-
lógicas, que muito se aproximam das conclusões viais recentes.
obtidas por Margarida Penteado em seus recen- Ainda que morfologicamente menos impor-
tes estudos geomorfológicos. tantes do que as alternâncias de pedimentação
Através dos estudos da aludida pesquisadora, e mamelonização ocorridas nas áreas cristalinas
sabe-se, hoje, que os materiais finos superficiais durante o Quaternário, não são de se desprezar
* Os cortes de estrada existentes atualmente na área na elaboração do relevo da Depressão Periférica
permitem a observação de facies grosseiros nos sedimentos as alternâncias das fases pedimentação ou terra-
da Bacia de Rio Claro. Idênticas observações podem ser fei- ceamento e de erosão linear e suavização de ver-
tas em paredes de boçorocas e nas amostras de furos para a tentes. Muita coisa resta a esclarecer, no entanto,
obtenção de água. sobre o assunto.

A bibliografia deste artigo se encontra no DVD anexo

377
BIBLIOGRAFIA

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Sobre “UM CONCEITO DE
GEOMORFOLOGIA A SERVIÇO DAS
PESQUISAS SOBRE O QUATERNÁRIO”
May Christine Modenesi-Gauttieri

Apesar dos quase 40 anos passados desde a sua


publicação, “Um conceito de geomorfologia a serviço
das pesquisas sobre o Quaternário” (Ab’Sáber, 1969a)
permanece como o texto mais sintético, lúcido e esclarece-
dor já escrito sobre a conceituação, objetivos e abordagens
da geomorfologia, constituindo verdadeiro guia metodoló-
gico para a pesquisa geomorfológica. Sua concepção me-
todológica, apesar de não diferir muito daquela de Tricart
(1965) - e de ter sido por ele definida como “simbiose
conceitual reunindo os principais objetivos e enfoques que
caracterizam a geomorfologia contemporânea” - apresen-
ta uma original e didática ordenação da abordagem dos
fatos geomorfológicos em três níveis, a saber: 1. forma e
compartimentação do relevo, 2. estrutura e 3. fisiologia da
paisagem, assim denominados pelo autor em analogia com
o estudo dos seres vivos.
O primeiro nível é essencialmente geográfico, preo-
cupa-se com o entendimento da compartimentação da to-
pografia regional e a caracterização e descrição das formas
de relevo de cada um dos compartimentos estudados. O
segundo, cuida do estudo da estrutura superficial da pai-
sagem, ou seja, do levantamento, descrição e análise das
formações superficiais dos diferentes compartimentos do
relevo, e de suas implicações genéticas e cronogeomorfo-
lógicas; as técnicas empregadas neste nível de abordagem
são essencialmente geológicas e levam ao esclarecimento
de fatos ligados a uma dinâmica pretérita, portanto ainda
dentro da estrutura superficial da paisagem. O terceiro ní-
vel de tratamento trata de entender os processos morfocli-
máticos e pedogenéticos em atuação na paisagem e, além
de esclarecer fatos da dinâmica atual, ainda em processo,
fornece elementos para interpretações relacionadas à pa-
leodinâmica. É uma abordagem marcadamente interdis-
ciplinar, que inclui a análise de “complexos de ações mor-
fológicas, pedológicas e hidrodinâmicas de ação integrada
na natureza”.
Antes de elaborar este comentário, procurei reco-
nhecer os níveis teóricos de abordagem esquematizados
por Ab’Sáber em sua própria produção científica. Mais
que fazer uma análise específica, reuni impressões acumu-
ladas em anos de familiaridade com sua variada e imensa
produção, básica para os que se dedicam à geomorfologia.
Creio poder dizer que o primeiro nível de aborda-

378
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
19

gem é o mais profundamente explorado e, a meu rentes daquelas dos domínios vizinhos.
ver, o que melhor caracteriza a excepcionalidade da Seus numerosos estudos sobre sítios urbanos
contribuição de Ab’Sáber à geomorfologia brasileira. de cidades brasileiras de diferentes escalas, impor-
Abordagem básica e aparentemente simples dos fa- tância e complexidade, situadas em áreas tão di-
tos geomorfológicos, a compartimentação perpassa versas como Manaus (1952), Salvador (1952), São
a sua obra, feita sempre com sensibilidade e preci- Paulo (1957) e Porto Alegre (1965b), demonstram
são, nas mais variadas escalas, perseguindo os mais a importância da compartimentação como base para
variados temas. Essa abordagem, ponto de partida o entendimento do espaço urbano, essencial para o
de toda pesquisa geomorfológica, representa a pre- planejamento e a solução de problemas criados pelo
ocupação espacial da geografia e permite dividir o processo de urbanização que, frequentemente, resul-
relevo em unidades que facilitam a sua compreen- tam na degradação desses espaços.
são e as aplicações da geomorfologia. Aguçada ca- O estudo das formas e compartimentação do
pacidade de observação e análise, e grande poder relevo é, em última análise, a principal tarefa e ponto
de síntese, lhe permitem compreender a compar- de partida de todo conhecimento geomorfológico e
timentação do relevo do planalto brasileiro e che- de sua aplicação. Por exemplo, é a referência básica
gar, num de seus primeiros trabalhos, a resultados aos compartimentos do relevo, mais que os métodos
da originalidade e importância dos apresentados em de análise, o que diferencia a abordagem geomorfo-
“Regiões de circundesnudação pós-cretácea no pla- lógica dos depósitos - própria de estudos da estru-
nalto brasileiro” (1949), desenvolvidos e reafirma- tura superficial da paisagem - do estudo geológico
dos em sua tese de livre-docência, Da participação dos depósitos.
das depressões periféricas e das superfícies aplainadas na Apesar da contribuição de Ab’Sáber à geo-
compartimentação do relevo brasileiro (1965a). Como morfologia brasileira não se limitar a este primeiro
salienta o próprio Ab’Sáber, ao analisar os pro- nível de abordagem, creio nele detectar a originali-
blemas do mapeamento geomorfológico no Brasil dade maior de sua obra.
(1969b), além do trabalho de De Martonne (1940), Neste momento não posso deixar de lem-
pouco havia sido feito para “compreender a macro brar meu longo convívio científico com o Profes-
e meso compartimentação topográfica de um país sor Aziz, na Universidade de São Paulo (no De-
de escala continental”. Foi a partir do conhecimento partamento de Geografia e no extinto Instituto de
dessa compartimentação que Ab’Sáber organizou o Geografia). Apesar de não ter sido meu professor no
Mapa Geomorfológico Preliminar do Brasil (1964) e, curso de graduação, feito quando se encontrava no
mais tarde, com a superposição das características Rio Grande do Sul, o Professor Aziz participou dos
climáticas, pedológicas e fitogeográficas aos com- momentos mais importantes de minha vida universi-
partimentos morfoestruturais então individualiza- tária, como o exame vestibular e a banca de mestra-
dos, esboçou os grandes domínios morfoclimáticos do, além de ter sido orientador do doutorado. Como
brasileiros (1967, 1970, 2003). aconteceu com tantos outros colegas, foi a admiração
Mesmo que enriquecida por fatos da estrutura pelo Professor Aziz e o seu entusiasmo a me direcio-
superficial da paisagem, a caracterização dos gran- nar para a geomorfologia. Inicialmente como aluna,
des domínios morfoclimáticos é, antes de tudo, uma apenas ouvindo e procurando entender o enorme vo-
notável obra de compartimentação. A importância lume de informações que o mestre nos passava com
primordial da compartimentação do relevo na orga- brilho e genialidade; mais tarde, dialogando e me-
nização dos espaços naturais do nosso território, já lhor aproveitando suas críticas e sugestões. Entre as
percebida por Cailleux e Tricart (1957) na repartição várias lições que marcaram este aprendizado, lembro
das grande zonas morfoclimáticas da fachada atân- a importância da honestidade científica e o respeito
tica do Brasil, foi sempre salientada por Ab’Sáber. à bibliografia.
Esta organização espacial não se faz no Brasil em Figura marcante sob todos os aspectos, dotado
faixas orientadas segundo a latitude, mas apoia-se de extraordinário poder de observação e de síntese,
na compartimentação e na superposição dos fatos sempre teve e mereceu a admiração de todos. Lem-
geomórficos, geológicos e pedológicos que a carac- bro-me de que por ocasião do encerramento da Mesa
terizam, próprios dos diferentes compartimentos e Redonda sobre “Aspectos Geológicos e Geotécnicos
de sua história morfoclimática. O reconhecimen- da Bacia Sedimentar de São Paulo” - realizada pela
to de “áreas nucleares” (ou áreas core) e “faixas de Sociedade Brasileira de Geologia (SBG) e Associa-
transição e de contato” entre domínios morfocli- ção Brasileira de Geologia de Engenharia (ABGE)
máticos contíguos são exemplo do refinamento e no IPT, em 1980 - pediu a palavra, e articulou tudo
sensibilidade dessa análise, que lhe permitiu reco- o que havia sido apresentado durante uma semana
nhecer mais do que simples transições, “sistemas de exposições as mais variadas em magistral síntese,
anastomosados de corredores” (Ab’Sáber, 2003), que deixou engenheiros, geólogos, geógrafos e ou-
caracterizados por paisagens complexas, muito dife- tros especialistas em ciências da terra encantados!

379
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380
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
19

UM CONCEITO DE GEOMORFOLOGIA
A SERVIÇO DAS PESQUISAS SOBRE O
QUATERNÁRIO

Aziz Nacib Ab’Sáber

1969. Um conceito de No intento de estabelecer bases geomorfológicas


Geomorfologia a para servirem de diretrizes para o estudo do Quaternário do
serviço das pesquisas território intertropical brasileiro, julgamos oportuno expor
sobre o Quaternário. o próprio conceito de Geomorfologia a que nos filiamos.
Geomorfologia, São
Nos últimos anos temos procurado difundir um conceito
Paulo, 18:1-23.
de Geomorfologia tripartite, no qual existe alguma coisa
de pessoal, sobretudo na ordenação dos diferentes níveis de
tratamento da moderna ciência do relevo. De resto, trata-se
de uma simbiose conceitual, através da qual são reunidos os
principais objetivos e enfoques que caracterizam a Geo-
morfologia contemporânea. Ao sublinhar os níveis de tra-
tamento que consideramos essenciais na metodologia das
pesquisas geomorfológicas, nos anima apenas a ideia de
pôr ordem no caos das postulações pessoais e das contro-
vérsias escolásticas:

- pensamos que, em um primeiro nível de conside-


rações, a Geomorfologia é um campo científico que
cuida do entendimento da compartimentação da
topografia regional, assim como da caracterização e
descrição, tão exatas quanto possíveis, das formas de
relevo de cada um dos compartimentos estudados;

- em um segundo nível de tratamento, a Geomor-


fologia - além dessas preocupações topográficas e
morfológicas básicas e elementares - procura obter
informações sistemáticas sobre a estrutura superficial
das paisagens, referentes a todos os compartimentos
e formas de relevo observados. Através desses es-
tudos, por assim dizer estruturais, superficiais, e, até
certo ponto, estáticos, obtém-se ideias da cronoge-
omorfologia e as primeiras proposições interpreta-
tivas sobre a sequência dos processos paleoclimáticos
e morfoclimáticos quaternários da área em estudo.
Desta forma, observações geológicas dos depósitos,
e observações geomorfológicas das feições antigas
(superfícies aplainadas, relevos residuais) e recentes

381
do relevo (formas de vertentes, pedimentos, Entrementes, entre as técnicas de trabalho, domi-
terraços etc.) conduzem a visualização de uma nantemente geológicas, exigidas para a elaboração de
plausível cinemática recente da paisagem; pesquisas sobre a estrutura superficial das paisagens, e
aquelas técnicas, delicadas e múltiplas, necessárias ao
- em um terceiro nível, a Geomorfologia mo- entendimento da fisiologia de uma paisagem existem
derna cuida de entender os processos morfo- diferenças tão radicais, que atingem inclusive até as
climáticos e pedogênicos atuais, em sua plena raízes da própria formação científica de cada pesqui-
atuação, ou seja, procura compreender glo- sador, assim como as dimensões e possibilidades das
balmente a fisiologia da paisagem, através da instituições a que eles pertencem.
dinâmica climática e de observações mais de- A despreocupação relativa dos grandes nomes
moradas e sob controle de equipamentos de da Geomorfologia moderna em relação à comparti-
precisão. No caso, ao invés de estudar os re- mentação topográfica é uma atitude compreensível,
sultados cumulativos dos eventos quaternários porém não inteiramente justificada. Na verdade,
inclusos na estrutura superficial da paisagem, devido ao extraordinário desenvolvimento da car-
pretende-se observar a funcionalidade atual e tografia de escol, em países grandemente desenvol-
global desta mesma paisagem (dinâmica climá- vidos, não há muito o que fazer no terreno da com-
tica e hidrodinâmica). Formas de relevo, solo e partimentação dos terrenos. Hoje, basta analisar uma
subsolo, estão sujeitos à atuação conjunta dos boa carta ou um grupo de fotografias aéreas de escala
fatos climáticos em sua sucessão efetiva na área apropriada para se obter uma ideia da compartimen-
considerada. Há que entender a fisiologia da tação territorial, em um nível de visualização muito
paisagem apoiado, pelo menos, nos seguintes superior àquele obtido pelo trânsito na área. Desta
conhecimentos: a sucessão habitual do tempo, forma, o descuido em relação ao entendimento da
a atuação de fatos climáticos não habituais, a compartimentação e das formas representa mais
ocorrência de processos espasmódicos, a hidro- um desprezo por um nível de pesquisa considerado
dinâmica global da área, e, ainda, levando-se elementar, do que propriamente uma consciência
em conta os processos biogênicos, químicos interior de uma falta de validade completa de tais
interrelacionados. Evidentemente, variações setores. Desde que se faça ao mesmo tempo o es-
sutis de fisiologia podem ser determinadas por tudo da compartimentação e das formas e o estudo
ações antrópicas predatórias as quais, na maior da posição dos diferentes tipos de depósitos super-
parte dos casos, são irreversíveis em relação ao ficiais - e, considerações adequadas sobre sua sig-
“metabolismo” primário do meio natural. Na nificação paleogeográfica - todos os pesquisadores
verdade, a intervenção humana nos solos res- ficam concordes quanto ao valor metodológico do
ponde por complexas e sutis variações na fisio- procedimento. Em outras palavras, desde que se lhes
logia de uma determinada paisagem, imitando demonstre que o realmente pretendido é um estudo
até certo ponto os acontecimentos de maior da compartimentação da paisagem, acompanhado
intensidade e extensividade, relacionados às pari passu por uma prospecção superficial dos dife-
variações climáticas quaternárias (Ab’Sáber, rentes depósitos de vertentes, terraços e planícies,
1965, pp. 147-148). Por todas estas razões, um todos ficam plenamente de acordo sobre a validade
cotejo entre a fisiologia de uma paisagem pri- do método. Isto porque todos estão cientes de que
mária e aquela pertencente a uma área similar somente assim conduzidos os estudos geomorfoló-
e contígua, porém fortemente marcada por gicos podem servir às disciplinas vizinhas e atingir a
influências antrópicas predatórias, é de todo alguma coisa de mais objetivo para a restauração dos
recomendável para consubstanciar o conheci- eventos que responderam pela evolução do relevo
mento da fisiologia original ou primária de um e pelas transformações globais e locais da própria
determinado domínio paisagístico. paisagem.
Se é que uma paisagem tropical não evolui a
Se a Geomorfologia pretende atingir informa- partir de uma estaca zero, completamente despida de
ções atinentes a esses três níveis de estudos cientí- solos e de vegetação, mas sim evolui ou se modifica
ficos, todo pesquisador deverá ter uma ideia de suas a partir de toda a sua riqueza superficial de produtos
possibilidades e deficiências operacionais, em relação de intemperismo, de solos e de cobertura vegetal, é
às técnicas de pesquisa requeridas para cada um deles. evidente que o seu relevo atual comporta um saldo de
Entre os procedimentos necessários para compre- interferências que somente pode ser compreendido à
ender a compartimentação de uma topografia e as custa de uma investigação minuciosa dos seus depó-
formas de relevo de cada um de seus compartimentos sitos superficiais. Na realidade, custou muito para se
e aqueles estudos e técnicas de trabalho indispensáveis compreender que as bases rochosas de paisagem res-
para a realização de pesquisas sobre a estrutura super- pondem apenas por uma certa ossatura topográfica,
ficial da paisagem existem diferenças fundamentais. e que, na realidade, são os processos morfoclimáticos

382
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
19

sucessivos que realmente modelam e criam feições atividades das águas de infiltração, sobre as diversas
próprias no relevo. Mais difícil ainda foi entender modalidades de movimentos coletivos de solos, e as
que conforme o clima e as variações climáticas é o múltiplas ações físicas, químicas e biológicas da pe-
comportamento superficial das bases litológicas da dogênese. Na categoria de verdadeiro corolário, in-
paisagem. Na verdade, as rochas podem se revestir clui o conhecimento do ciclo hidrológico regional,
de um máximo de regolitos por intemperismo com detalhamento dos fatos hidrodinâmicos, assim
químico (como é o caso do domínio dos “mares como uma permanente atitude de correlação entre
de morros”), mas frente a outros tipos de climas os fatos ditos areolares e lineares da dinâmica da
ou épocas de mudanças climáticas podem sofrer paisagem. Evidentemente, não é dado a todo pes-
descarnações parciais ou extensivas de seus mantos quisador a abordagem analítica de tais complexos
de decomposição, de seus solos e de sua cobertura de ações morfológicas, pedogênicas e hidrodinâ-
vegetal. Isto para não falar nas correlações estreitas micas de ação integrada na natureza. Entretanto, a
existentes no interior de cada domínio morfoclimá- consciência desses fatos, em termos de filosofia das
tico entre as feições erosivas, as feições residuais e as ciências, já constitui um bom ponto de partida para
feições deposicionais. o ingresso nesta nova faixa de pesquisas.
Quer nos parecer, entretanto, que o setor mais Raros têm sido os estudos sobre a fisiologia
difícil da pesquisa geomorfológica diz respeito à das paisagens intertropicais brasileiras. Isto porque
compreensão da dinâmica em processo, ou seja, o haveria que se dispor de recursos técnicos, pessoal
estudo propriamente dito da fisiologia da paisagem. categorizado, equipamentos e bases de pesquisa, que
Muito embora as bases das ciências da Terra tenham não são muito simples de serem reunidos ou obtidos
sido assentadas na observação dos processos atuais e postos a funcionar a contento. Acresce a isso, o fato
- entendidos como chaves para a interpretação dos de tais pesquisas, nas raras vezes que foram realizadas,
processos pretéritos - o que se conhece efetiva- terem sido conduzidas a melhores resultados - ainda
mente sobre a fisiologia global dos diversos tipos de que sob uma ótica muito parcial - nos trabalhos
paisagem ainda deixa muito a desejar. de pedólogos, ecologistas e hidrogeológos. Tal fato
É compreensível, até certo ponto, a dificuldade talvez esteja a indicar que os estudos de fisiologia de
de se levar a bom termo esse tipo de pesquisa. Se paisagens, ainda que essenciais para os objetivos dos
é que o estudo da estrutura superficial da paisagem geomorfologistas, somente possam ser esclarecidos à
pode ser realizado a qualquer momento, através de custa de pesquisas marcadamente interdisciplinares.
pesquisas rotineiras de geologia de superfície, os Espera-se que, um dia, as equipes de elementos real-
estudos sobre a fisiologia da paisagem têm que se mente interessados possam se organizar.
pautar por série de informes prolongados, obtidos
em todos os tipos de tempo mais representativos Importância da visualização da compartimentação
para a área e incluindo observações realizadas em para os estudos sobre o Quaternário
momentos críticos para a atividade morfogênica. Em
muitos aspectos as observações sobre a epiderme da No desenvolvimento da geomorfologia brasi-
paisagem constituem modalidades de pesquisa, em leira talvez tenha sido o Estado de São Paulo a pri-
grande parte aparentadas com as técnicas da geo- meira área territorial do país a merecer bons estudos
logia da superfície, através das quais observam fatos sobre a sua compartimentação topográfica. Ainda
estáticos (cortes, afloramentos, solos superpostos) vi- que tais modalidades de estudos tenham sido es-
sando compreender a dinâmica do passado recente. boçadas para o Nordeste pelo grupo de geólogos da
No caso, a situação é estática e pode ser estudada antiga Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas
em qualquer tempo; a preocupação é a de entender (atual DNOCS), e ainda que os reconhecimentos
uma paleodinâmica, à custa de métodos dominante- geológicos de Euzébio de Oliveira tenham redun-
mente dedutivos. Enquanto que as pesquisas sobre dado numa boa caracterização do edifício geológico
a fisiologia da paisagem são modalidades de pes- e estrutural e topográfico do Paraná, foi o Estado de
quisas em situações efetivamente dinâmicas. Por isso São Paulo que primeiro teve um bom retrato da sua
mesmo pressupõe recursos técnicos, equipamentos macrocompartimentação topográfica. Em verdade,
delicados, análises demoradas e observações de pro- graças a uma série de estudos sucessivamente aper-
cessos em plena atividade, tais como: no momento feiçoados, da lavra de Pierre Denis (1927), Chester
da chuva, em todos os tipos de precipitações, nos Washburne (1930), Viktor Oppenheim (1934), Mo-
períodos de cheias, durante as vazantes, no decorrer raes Rego (1931, 1932), Pierre Monbeig (1949),
de todas as estações, na época de grandes distúrbio Fernando de Almeida (1949, 1956), Ruy Ozório de
climáticos, e até mesmo em eventuais ocasiões de in- Freitas (1951, 1951a), Aziz Nacib Ab’Sáber (1948,
cidência de processos espasmódicos. Além do que, 1954, 1956), foi possível obter-se um razoável acervo
inclui investigações sobre as ações biogênicas, sobre de conhecimentos sobre as linhas essenciais da com-
o trabalho dos lençóis d’água superficiais, sobre as partimentação topográfica de um Estado que possui

383
um quarto de milhão de quilômetros quadrados de realizadas, tentaremos basear nossos estudos sobre
área territorial. Cumpre sublinhar que tais estudos ocorrências geológicas superficiais e feições geomór-
não poderiam ter caminhado tão rapidamente não ficas do Quaternário, dentro do quadro de compar-
fosse o grande stock de documentos cartográficos bá- timentação previamente conhecido, ainda que com
sicos acumulados pelo trabalho topográfico da antiga a introdução de algumas modificações julgadas ne-
Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São cessárias. Poder-se-ia objetar que, para um território
Paulo e do atual Instituto Geográfico e Geológico apenas dotado de delgadas e descontínuas ocor-
(SP). Note-se que para realizar, em caráter pessoal, rências de depósitos quaternários, essa deliberação
uma idêntica apreciação global da compartimen- fosse menos válida do que seria em relação a uma
tação topográfica do Estado do Paraná, Reinhard área cujos compartimentos topográficos fossem rica-
Maack (1947) teve que compor um mapa geológico mente recheados de sedimentos modernos (quater-
e um mapa fitogeográfico (1953 e 1950), na escala de nários). Entretanto, como julgamos ser tão impor-
1:750.000, à custa de uma enorme carga de serviços tante estudar as feições geomórficas como os depósitos
individuais. climaticamente representativos, tal circunstância foi
Um fato histórico a se registrar é o de que os considerada irrelevante. Pelo contrário, tratando-se
geomorfologistas paulista, ao par com os estudos de um fato que define as peculiaridades de nossa
desenvolvidos sobre São Paulo, terem procurado evolução geomorfológica moderna, queremos dar
estender a ótica de seus estudos para grandes áreas ênfase ao fato, baseando nossas pesquisas tão inti-
do território brasileiro, visando entender a macro- mamente quanto possível no conhecimento global
compartimentação global do país. Antes mesmo que dos grandes, médios e\ou pequenos compartimentos
a documentação cartográfica básica tenha abran- que respondem pela notável diversificação topográ-
gido uma área apreciável do território nacional (a fica dos velhos planaltos paulistas.
despeito dos bons e progressivos serviços prestados A compreensão da compartimentação interior
à cartografia brasileira pelo Conselho Nacional de do território paulista, em diversas ordens de grandeza,
Geografia e pelo Serviço Geográfico do Exército) já com vistas aos estudos regionais sobre o Quater-
os especialistas das ciências de Terra em São Paulo nário, constitui um dos pontos de partida essenciais
esforçavam-se para traçar a perspectiva global da para pesquisas interdisciplinares, realmente objetivas
compartimentação territorial brasileira. Precedidos e integradas. No Estado de São Paulo, em função dos
por um trabalho de conjunto da lavra de Fábio Ma- fenômenos denudacionais terciários, propriamente
cedo Soares Guimarães (1943) e de uma aplicação ditos, existem compartimentos interplanálticos de
gráfica das unidades geomórficas de Von Engeln áreas superiores a algumas dezenas de milhares de
(1942) ao caso da América do Sul, muito razoável quilômetros quadrados (depressão periférica e baixos
para a época, feita por George Berry (in Engeln, chapadões ocidentais), ampliados sobretudo por ve-
1942), lançaram-se os geomorfologistas paulistas ao lhos processos de pediplanação neogênicos, acompa-
entendimento do Brasil, tanto do ponto de vista ma- nhados por uma evacuação extensiva dos sedimentos
croestrutural como do ponto de vista macrotopográ- então liberados*. Em contrapartida, existem bacias
fico e geomorfológico (Almeida, 1948 1949, 1956, detríticas, de origem certamente tectônica (Bacia
1964), Ruy Ozório de Freitas (1951, 1951a, 1951b), de São Paulo, Bacia de Taubaté), aninhadas em es-
Aziz Ab’Sáber (1948, 1964, 1965). cudos, sugerindo diferenças regionais ponderáveis na
Tal extensão de preocupações e tal busca de história pré-quaternária da compartimentação topo-
conhecimentos, em termos de um país de escala gráfica global do território.
continental, prejudicou, até certo ponto, o retorno O Quaternário, ele próprio, através de pro-
às pesquisas analíticas, dentro dos quadros do pró- cessos lineares, predominantemente exorreicos, e
prio território paulista. Inumeráveis problemas res- de processos morfoclimáticos areolares intertropi-
taram em aberto no que concerne ao esclarecimento cais variáveis, apoiou-se numa compartimentação
da compartimentação topográfica, em escala maior, prévia, relacionada a acontecimentos geológicos e
assim como no que diz respeito à estrutura super- geomorfológicos de longa duração, pertencentes à
ficial das paisagens e aos conhecimentos sobre a fi- história pós-cretácica e pré-pliocênica. Com isso,
siologia da paisagem, propriamente ditos. Respon- abaixo do nível dos interflúvios que representam os
sabilizamos, em parte, esses fatos por aquela enorme pediplanos neogênicos, podem ser vistos feições de
carência de estudos sobre vertentes, assim como a menor extensão e de topografia mais variada, tais
grande ausência de bons estudos sobre a epiderme como: grandes e rasos compartimentos alveolares
da paisagem e a evolução quaternária das grandes
paisagens brasileiras. * Neste vasto conjunto de áreas desnudadas, onde a evacuação
Pretendemos, até certo ponto, reatar as pes- dos sedimentos para áreas distantes foi a regra, destaca-se um
quisas geomorfológicas naquelas faixas julgadas não caso de retenção local, que por isso mesmo tem grande importân-
satisfatórias. Sem perder de vista as conquistas já cia em termos de paleoclimatologia, tectônica residual e geomor-
fogênese: a Bacia de Rio Claro.

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
19

pedimentados, com ou sem bacias detríticas correla- e que, em função da complexidade das variações
tivas, níveis de pedimentos escalonados, alvéolos pe- climáticas intertropicais, puderam restar em posi-
dimentados e terraceados, terraços fluviais, planícies ções relativamente anômalas, tais como reversos de
aluviais. cuestas arenítico-basálticas ou em topo de planaltos
Alguns dos compartimentos que foram essen- residuais, situados à cavaleiro dos grandes comparti-
ciais para a retenção de grandes massas de detritos mentos de planalto. Tais documentos sedimentários
finos (Bacia de São Paulo, Bacia de Taubaté) ficaram conservam grande interesse para o campo de estudos
sujeitos, durante quase todo o Quaternário, a fases al- dos depósitos correlativos, constituindo um agrupa-
ternadas de erosão fluvial e de pedimentação restrita, mento à parte de depósitos plioquaternários ou qua-
respectivamente associadas a processos areolares de ternários da terra paulista.
mamelonização e de plainação lateral restrita. Foram
tais acontecimentos que responderam por uma nova A importância dos estudos sobre o Quaternário
compartimentação superimposta à outra mais antiga
e maior. Nota-se que esta compartimentação qua- Para os que têm acompanhado a história das
ternária é de caráter forçadamente menor, em escala, investigações geomorfológicas no Brasil, é fácil en-
e de aspecto geral nitidamente embutida, já que se tender que, nos últimos 30 anos, sucederam-se, entre
localiza no interior daqueles vales e alvéolos que res- nós, três tendências ou linhas de pesquisa, de atuação
ponderam pelo próprio reentalhamento dos vastos raramente associada entre si, ou sejam: 1. estudos
plainos regionais oriundos da pediplanação ou da sobre a compartimentação maior dos planaltos inte-
tectônica neogênicas. riores, com ênfase no estudo dos relevos de cuestas e
Por diversas razões, acreditamos que a com- na caracterização da rede de depressões periféricas do
partimentação neogênica ainda constitua o melhor Planalto Brasileiro (Ab’Sáber, Almeida); 2. pesquisas
ponto de partida para nortear os estudos sobre o sobre superfícies aplainadas, sua datação relativa e
Quaternário no Estado de São Paulo. Partindo-se sua posição na macrocompartimentação do terri-
do estudo da unidade regional maior, representada tório (Martonne, Ruellan, Freitas, Barbosa, Almeida,
por um dos aludidos compartimentos - depressões Ab’Sáber, Bigarella, Domingues); e, finalmente, em
periféricas, depressões monoclinais, bacias de com- uma fase ainda em pleno desenvolvimento, estudos
partimentos de planalto - pode-se realizar uma aná- fragmentários sobre vertentes, estrutura superficial
lise minuciosa das feições geomórficas e depósitos da paisagem, depósitos de cobertura, terraços e pe-
quaternários, localizados em diferentes posições, em dimentos e efeitos das retomadas de pedimentação
seu interior. Desta forma, o estudo de cada um desses (Tricart, Raynal, Birot, Bigarella, Ab’Sáber). Nota-se
tipos de depressões relativas pode conduzir a con- que nem todos os autores que participaram de uma
clusões essenciais para a compreensão dos eventos ou mais dessas linhagens temáticas ou dessas ten-
quaternários dos planaltos intertropicais do Brasil dências metodológicas tiveram consciência plena de
sul-oriental. Pode, igualmente, conduzir à realização sua filiação a uma outra delas.
de estudos vinculados de ordem geomorfológica, Somente nos últimos anos, em alguns raros
geológica e pedológica, de grande interesse interdis- estudos, de maior perspicácia, vem se esboçando a
ciplinar. discussão dos efeitos mais prováveis das flutuações
No entanto, a título de experiência e de an- climáticas intertropicais, assim como sobre as in-
títese, pensamos em realizar, mais tarde, um proce- terferências sucessivas entre processos de mame-
dimento inverso do proposto: com base em estudos lonização, terraceamento e pedimentação. Como
extensivos da estrutura superficial da paisagem, par- decorrência dessa preocupação pela sequência dos
tindo-se da observação dos solos e depósitos de co- processos morfogenéticos modernos é que surgiram
bertura das vertentes e dos interflúvios, assim como, algumas contribuições isoladas, e de maior valor
dos sedimentos superiores das planícies de inun- científico, a respeito do Quaternário de diferentes
dação, tentaremos sucessivamente atingir o passado, parcelas do território brasileiro. Trata-se de estudos
através do desfolhamento sistemático dos compo- pioneiros, ainda muito fragmentários, realizados por
nentes epidérmicos da paisagem. Se é que os solos e especialistas de diversas formações científicas. O im-
os depósitos de cobertura extravasam aos comparti- portante a assinalar, entretanto, é que um ou outro
mentos de todas as ordens de grandeza, existem fei- de tais estudos vêm sendo realizados com total co-
ções geomórficas e depósitos que se confinam espe- nhecimento das ciências da Terra, constituindo uma
cificamente a cada um dos tipos de compartimentos boa contribuição brasileira ao conhecimento dos pa-
previamente reconhecidos - depressões periféricas, leoclimas e da evolução geomorfológica das regiões
rift valleys, alvéolos. intertropicais (Bigarella).
Numa terceira ordem de considerações, de- Acreditamos que os estudos sobre o Quater-
vemos considerar os depósitos modernos situados nário serão certamente aqueles que maiores opor-
entre os compartimentos maiores do relevo paulista, tunidades terão para realizar uma integração dos

385
conhecimentos de geociências sobre o território marcha nos processos erosivos globais, flutuações hi-
brasileiro. Isto porque, além de se tratar de inves- drológicas e hidrodinâmicas, criando e remodelando
tigações de forte valor interdisciplinar, trata-se de feições, constituem os complexos mais habituais da
estudos básicos do mais alto interesse para o desen- evolução quaternária das paisagens terrestres. E a
volvimento da geologia e da geomorfologia geral dos ninguém será dado entender, objetivamente, a parti-
países intertropicais. Nesse sentido, uma nova fase cipação desses acontecimentos na elaboração de um
de verdadeiros estudos sobre os processos atuais po- quadro natural qualquer, sem o estudo exaustivo da
derá ter implicações diretas para a própria revisão de estrutura superficial do terreno.
alguns velhos princípios e conceitos de geodinâmica, Por seu turno, tais estudos são procedidos
firmados alhures, através da ótica parcial de obser- através de técnicas predominantemente geológicas
vações realizadas em regiões climatobotânicas to- - superposição de solos, contato entre formações
talmente diferentes. Acreditamos, mesmo, que dos recentes, depósitos de vertentes, depósitos aluviais,
estudos sobre o Quaternário, procedidos nas últimas costas duras - porém, sempre, dirigidos segundo a
décadas na África, no Brasil e em Madagascar, está ótica integradora da geomorfologia regional. Não
por se esboçar uma retomada mais objetiva e válida será nunca o estudo do depósito pelo depósito que
do principio do atualismo. interessará à Geomorfologia, mas sim o estudo do
Os estudos sobre o Quaternário têm o papel depósito na qualidade de escombro de um processo
de obrigar ao geomorfologista a se interessar pelo co- que criou uma ou mais feições geomórficas (ero-
nhecimento da estrutura superficial da paisagem. Ao sivas, residuais ou deposicionais). E, ainda que tais
mesmo tempo, tais estudos facilitam a compreensão feições tenham sido remodeladas ou semiapagadas,
objetiva da evolução das formas recentes exibidas ou mesmo praticamente eliminadas pelos processos
pelo relevo de uma região qualquer. Na realidade, ao morfoclimáticos ulteriores, os seus escombros - in-
realizar estudos sobre os documentos geológicos de clusos descontinuamente na estrutura superficial das
idade certamente quaternária, o pesquisador está pe- paisagens - terão o valor objetivo de uma correlação
netrando no campo dos acontecimentos e processos a ser historicamente registrada. Tais episódios, sendo
responsáveis pelo acabamento final das feições geo- predominantemente relacionados às flutuações pa-
mórficas integradas que constituem uma paisagem. leoclimáticas sucessivas do Quaternário, dão prio-
A roupagem final de todas as paisagens terres- ridade total aos estudos dos depósitos modernos
tres, qualquer que seja a área considerada, somente para a realização de uma Geomorfologia verdadei-
pode ser objetivamente entendida através de estudos ramente científica. Na realidade, nunca poderá haver
sobre o Quaternário regional. Trata-se de determi- uma pesquisa, uma boa pesquisa de Geomorfologia,
nação oriunda das complexas variações climáticas sem um bom estudo sobre o Quaternário regional,
que se processaram nos últimos 1.000 ou 3.000 mi- assim como jamais poderá existir um bom estudo de
lhares de anos dos fins do Cenozoico. Não há como geologia do Quaternário sem boas bases geomorfo-
escapar ou contornar a esta diretriz metodológica, já lógicas.
firmada e reconhecida por todas as melhores cabeças Qualquer ocorrência isolada de depósitos mo-
da Geomorfologia contemporânea. Se é que a Geo- dernos é apenas uma estação geológica de signifi-
morfologia não pode ser entendida apenas como uma cação paleogeográfica regional restrita e incompleta.
singela geologia do Quaternário (proposição contra Entretanto, qualquer agrupamento de ocorrências,
a qual sempre nos revoltamos), não há que duvidar antevisto do ponto de vista fisioestratigráfico, e, se
sobre o caráter básico tido pelas pesquisas múltiplas possível, cartográfico, passará a ter um significado
ao campo do Quaternário, para tornar mais cientí- geomorfológico mais científico e digno de cré-
fica, aplicável e completa a pesquisa geomorfológica. dito. Nesse sentido há que sublinhar o fato de ser o
Quando se diz que uma das preocupações do mapeamento geomorfológico, quando viável e bem
geomorfologista é a cronogeologia dos eventos mor- conduzido, a técnica mais completa para a visuali-
fológico - ou seja, a cronogeomorfologia - dever- zação integrada dos depósitos modernos em face da
se-ia sublinhar, antes, que a Geomorfologia atinge a compartimentação topográfica regional.
cronologia recente dos eventos fisiográficos e geo- Se é que para o estudo de uma planície cos-
lógicos através de estudos sistemáticos sobre a epi- teira ou uma planície deltaica, sujeitas a processos
derme da Terra. Na verdade, os principais segredos eustáticos ou a uma apreciável instabilidade tectô-
de uma complexa evolução recente das formas e nica moderna, tais estudos tendem a ser dominan-
compartimentos menores do relevo estão contidos temente estratigráficos, o mesmo não acontece com
na estrutura superficial das paisagens, mesmo porque relação de velhos planaltos bem compartimentados
a estruturação superficial da paisagem é feita à custa ou a área montanhosas bastante dissecadas e remo-
das marcas acumuladas pelos processos morfocli- deladas. Nesses casos, que são os de maior interesse
máticos e deposicionais de um flutuante Quater- para o Estado de São Paulo, os métodos e técnicas
nário. Variações climáticas sucessivas, mudanças de atrás preconizados, são de uma importância absolu-

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
19
tamente básica: na realidade, quanto mais bem com- desenvolver uma estratigrafia do Quaternário ba-
partimentada uma área, mais fácil é a aplicação dos seada em perfurações e no estudo das amostras de
métodos de análise geomorfológica, apoiados em profundidade. Isto porque os rasos depósitos ex-
estudos sobre a estrutura superficial das paisagens postos - planícies de restinga, depósitos fluvioma-
e na reconstrução dos eventos geomórficos e depo- rinhos, dunas adelgaçadas - são muito homogêneos
sicionais do Quaternário. Aliás, tais procedimentos e extensivos, representando apenas os últimos acon-
têm ampla aplicação ao território brasileiro, de- tecimentos da história quaternária da costa. Obtidas
vido à grande extensão de nossas áreas planálticas e mais informações, relativas aos sedimentos acumu-
semimontanhosas, fortemente compartimentadas lados e escondidos nas paleobaías e paleoenseadas
pela história fisiográfica e geomorfológica pós-cre- litorâneas, poder-se-á atingir a conclusões mais ob-
tácica (Ab’Sáber, 1965). jetivas e completas sobre a evolução paleogeográfica
Muito embora os métodos de trabalho aqui quaternária da fachada costeira de São Paulo. Acre-
definidos se apliquem a todos os quadrantes inte- ditamos, mesmo, que será somente a partir daí que
riores dos velhos planaltos paulistas, eles são nota- os documentos geomorfológicos já registrados na bi-
velmente insuficientes para atingir plenamente o do- bliografia - níveis de erosão costeiros, terraços ma-
mínio costeiro da fachada atlântica paulista. No que rinhos, sinais de pedimentos escalonados - passarão
tange ao litoral - e, sobretudo, no que diz respeito a ter um valor indicativo e correlativo mais eficiente
aos espessos depósitos quaternários acumulados e objetivo.
em diferentes setores da costa paulista - há que

A bibliografia deste artigo se encontra no DVD anexo

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MAMELONIZAÇÃO,
PEDIMENTAÇÃO E OUTRAS
HISTÓRIAS
José Pereira de Queiroz Neto

Os responsáveis pela preparação de uma edição es-


pecial em homenagem a Aziz Nacib Ab’Sáber me solici-
taram um artigo sobre um tema escolhido de seus artigos:
escolhi Mamelonização e Pedimentação.
Não é minha intenção realizar uma análise de sua
obra, apenas mostrar que a leitura de seus trabalhos* per-
mite perceber o caminho percorrido para estabelecer a con-
ceituação desses termos, à qual se mantém fiel até hoje. Por
outro lado, é bom lembrar que esses conceitos tornaram-se
importantes para as interpretações da evolução do relevo
brasileiro, tendo sido largamente empregados por diversos
pesquisadores.
Desde cedo na sua carreira mostrou grande capaci-
dade de observação e análise das paisagens, sobretudo as formas
dos relevos, com grande intuição para interpretar suas gêneses
e evoluções. Aplicou essa qualidade em suas inúmeras via-
gens, percorrendo inúmeras vezes o território nacional.
Mostrou capacidade invulgar de leitura, permitindo-lhe
realizar amplas revisões inclusive com recuperação de tex-
tos históricos.
Exerceu de forma sistemática a transmissão dos seus
conhecimentos, tanto pela publicação de textos e artigos,
quanto nas aulas, passando seu entusiasmo aos alunos.
Paralelamente, seus artigos denunciavam as degradações
dos relevos e solos pelas ações antrópicas, o que levou-o
a apresentar propostas para superá-las: “Projeto Floram e
desenvolvimento sustentável” (1996) e “Propostas e dire-
trizes mínimas para a defesa dos fluxos vivos da natureza
no Brasil (Primeira aproximação)” (1999).

* A bibliografia de Ab’Sáber será indicada apenas pelas da-


tas de publicação, conforme for aparecendo no correr do texto. As
frases entre aspas são de autoria dele, estando indicado também
pelo ano da publicação de onde provém. Algumas vezes, o título
do trabalho será mencionado no texto. Os outros autores aparecem
na bibliografia.
388
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
20

A escolha do tema tem sua história: come- A contraposição temporal entre mameloniza-
ça no momento em que entrei em contato com a ção e pedimentação seria uma das chaves das respostas
Geomorfologia paulista e brasileira. Em 1959, co- às minhas dúvidas iniciais: para entender o mosaico
meçara a trabalhar no levantamento de solos de parte dos solos, que acha-se relacionado ao “mosaico pai-
da quadrícula de Rio Claro (IGG, escala 1:100.000), sagístico” com seus “padrões regionais”; seria preciso
onde F. F. Marques de Almeida e Octavio Barbosa perceber e compreender a gênese e evolução desses
(DNPM, 1953) haviam realizado uma carta geo- dois componentes da paisagem que se sobrepõem no
lógica, na mesma escala. As observações de campo espaço.
obrigavam-me a reconhecer a distribuição espacial Para mim, porém, em 1973 Inês já estava mor-
dos solos e suas relações com o substrato geológico ta: minha tese de doutoramento fora defendida em
e o relevo. Encontrando algumas discordâncias com 1969 (com Ab’Sáber na banca) sem utilizar formal-
alguns aspectos do mapeamento geológico, ousei mente essas ideias (mas elas lá estavam). Porém elas
apresentar os resultados numa comunicação no XIII acabaram por permear boa parte de minhas pesqui-
Congresso Brasileiro de Geologia de 1960, em São sas e da maior parte dos pesquisadores brasileiros.
Paulo, enfrentando cerca de 30 participantes, entre
eles os dois autores daquele mapeamento geológico e Gênese das ideias
Aziz Nacib Ab’Sáber: era meu primeiro Congresso!
Terminado o Congresso, voltei a meus pa- Como lembrado acima, a preocupação de
gos na então Seção de Agrogeologia do Instituto Ab’Sáber não é apenas “a caracterização das formas
Agronômico de Campinas e continuei a trabalhar de relevo (“feições geomórficas”), mas (e principal-
no levantamento de solos. Não satisfeito com o re- mente) a interpretação da gênese e evolução”. A lei-
sultado das discussões no Congresso de Geologia, tura de seus trabalhos indica que para entender essa
percebi a necessidade de definir melhor a relação questão seria preciso reconhecer a inserção do rele-
dos solos com o relevo; em outros termos, precisa- vo:
va entender o relevo. Alcyr Cesar do Nascimento, - nas estruturas geológicas;
então chefe da Seção de Agrogeologia, recomen- - nas províncias fitogeográficas;
dou-me para isso procurar o Professor Aziz Na- - na sua combinação com os fatos climáticos, hi-
cib Ab’Sáber, que ministrava Geomorfologia na drológicos e ecológicos atuais e passados;
PUCAMP: foi dito e foi feito. - mais tarde explicitaria também o reconhecimen-
to dos depósitos de natureza variada que recobrem
Ouviu-me com atenção, discutiu um pou-
vertentes e planícies, juntamente com os solos.
co e sugeriu que procurasse o Professor Antonio
Christofoletti, seu assistente. Isso permitiu encontrar Essa proposta foi explicitada em “Um concei-
um amigo e um parceiro de pesquisas e, principal- to de geomorfologia a serviço das pesquisas sobre o
mente, um professor informal com quem aprendi as Quaternário“ (1969), onde propõe uma metodologia
primeiras letras da Geomorfologia. Mais tarde entrei compreendendo 3 níveis sucessivos de abordagem:
no Departamento de Geografia da antiga Faculdade 1. em primeiro lugar, a “compartimentação da to-
de Filosofia da USP, quando passei a ter mais conta- pografia regional”, isto é, das formas de relevo;
to com Ab’Sáber. 2. a seguir o estudo da “estrutura superficial da
Só com a publicação do texto “A organização paisagem”, incluindo os solos, inserida nas estru-
natural das paisagens inter e subtropicais brasilei- turas geológicas que correspondem a testemu-
nhos da evolução quaternária;
ras” (1973), Ab’Sáber define formalmente mame-
3. para completar, o estudo do funcionamento e
lonização e pedimentação (páginas 13 a 25), no item
dinâmica das paisagens (“fisiologia da paisagem”).
“Mamelonização versus pedimentação na evolução do
relevo do Brasil tropical atlântico” (o grifo é meu): ex- Para o entendimento da Geomorfologia Bra-
pondo esses conceitos, indica como seriam aplica- sileira é forçoso passar por suas bases geológico-
dos para interpretar a “evolução do relevo do Brasil estruturais, como explicitado no capítulo “O relevo
tropical atlântico”. Sem dúvida, esse texto expres- brasileiro e seus problemas” (1964) do livro O Brasil:
sa uma preocupação constante na interpretação da a terra e o homem.
gênese dos relevos brasileiros: passa pela percepção Mas antes disso, vamos encontrar os primeiros
da presença de um “mosaico paisagístico (...)no in- sinais de suas ideias no artigo “Sucessão de quadros
terior dos grandes domínios de paisagens” e dos “pa- paleoclimáticos no Brasil, do Triássico ao Quater-
drões regionais de paisagens” que permite debruçar-se nário” (1950-1951). Logo mais tarde e na mesma
sobre sua gênese e evolução. direção, surge “Problemas paleogeográficos do Bra-

389
sil de Sudeste” (1955). Segue-se uma pequena nota nentes das paisagens brasileiras, reunindo as ideias
onde mostra os “Conhecimentos sobre as flutuações expostas nos artigos citados acima, o que iria for-
climáticas do Quaternário no Brasil” (1958). malmente ocorrer com o texto “Contribuição à
Como ele mesmo assinala em alguns trabalhos geomorfologia da área de cerrado” (1963, republi-
publicados então, a vinda de vários cientistas estran- cado como “Mares de morros, cerrados e caatin-
geiros ao Brasil para o XVIII Congresso Interna- gas: geomorfologia comparada”, 2003). Nesse texto
cional de Geografia, realizado no Rio de Janeiro em Ab’Sáber define as “grandes unidades morfoclimá-
1956, teve grande repercussão sobre os geocientistas ticas e climatobotânicas” do território brasileiro, das
brasileiros, inclusive sobre ele mesmo. quais destacaremos apenas as que interessam direta-
Nessa mesma época surgem artigos e pequenas mente ao mundo intertropical:
notas que preparam o terreno para chegar às concei- 1. Domínio das depressões intermontanas e interpla-
tuações de mamelonização e pedimentação: nálticas do Nordeste com caatingas, representando
1. em 1956, “Depressões periféricas e depres- um sistema morfoclimático de climas áridos e se-
sões semiáridas no Nordeste brasileiro” com miáridos, gerador de superfícies aplainadas (pe-
observações que redundarão em outra pe- diplanos e pedimentos) frequentemente atapeta-
das de seixos.
quena nota publicada em Notícia Geomorfo-
2. Domínio das regiões serranas e morros mame-
lógica (1959): “Pavimentos detríticos atuais e
lonares do Brasil Tropical Atlântico; os “mares de
subatuais das caatingas brasileiras”: esses dois morros” com a mata atlântica representariam um
artigos estão na base das interpretações sobre a sistema morfoclimático de clima tropical úmido e
gênese dos horizontes subsuperficiais de seixos e subúmido, gerador de colinas policonvexas.
fragmentos de rocha, que será visto mais adian- 3. Domínio dos chapadões tropicais do Brasil Tropi-
te; cal Atlântico, compreendendo o Planalto Central,
2. em 1957, com “O problema das conexões an- zona de cerrados e florestas-galeria com clima
tigas e separações do Paraíba e Tietê”, retoma a tropical de duas estações bem marcadas, repre-
questão dos “mares de morros”, que já havia sido sentaria uma situação onde estariam justapostas
abordada em “Geomorfologia do Estado de São feições dos dois domínios precedentes.
Paulo”(1954); Esses elementos estão contidos na tese de Li-
3. enfim, em 1960, publica “Posição das superfí- vre-docência apresentada à Faculdade de Filosofia,
cies aplainadas no Planalto brasileiro”. Ciências e Letras da USP, em 1965: Da participa-
Ab’Sáber lembra, em 1962, que no XVIII ção das depressões periféricas e superfícies aplainadas na
Congresso Internacional de Geografia, de 1956, compartimentação do Planalto Brasileiro.
do Rio de Janeiro, “uma das observações mais fre- Apenas em 1973 vão aparecer de modo explíci-
quentes (...) realizadas” por participantes suscitando to as conceituações de mamelonização e pedimentação,
discussões e controvérsias foi a observação do “hori- no artigo “Organização natural das paisagens inter e
zonte de cascalhos subsuperficiais enterrados por sil- subtropicais brasileiras”. Nele Ab’Sáber afirma que
tes, areias, argilas e solos” em encostas de morros do haveria uma verdadeira antinomia entre os processos
Brasil de Sudeste (1962). A partir de extensa revisão responsáveis por um e outro. É interessante observar
histórico-bibliográfica, o autor assinala que o estu- que no título do item, já citado, desse artigo, onde
do das stone-lines “pode conduzir à explicação defi- a conceituação aparece, trata-se de Mamelonização
nitiva” e caracterização da “cronologia dos eventos versus pedimentação na evolução do relevo do Brasil
paleoclimáticos modernos finais sofridos pela por- tropical atlântico (o grifo é meu); o autor contrapõe
ção oriental de nosso território”. Tratar-se-ia de um mamelonização e pedimentação. Isso significaria que
“típico pavimento detrítico, de fragmentos e seixos as feições do Planalto Atlântico (área core da ma-
retrabalhados, depositados sob a forma de chão pe- melonização) se contrapõem às do Planalto Central
dregoso nas vertentes ligeiramente descarnadas das e Nordeste semiárido (áreas core da pedimentação):
elevações baixas e medianas, esculpidas em uma fase “os processos de pedimentação intertropicais consti-
úmida ou subúmida” anterior. tuem fenômeno oposto ao da mamelonização”.
Estavam lançadas as ideias básicas que iriam É importante assinalar que Aziz Ab’Sáber
levá-lo à conceituação de mamelonização e pedi- manteve-se fiel a esses conceitos, como se percebe
mentação e, por aí, às interpretações sobre a gênese tanto na leitura do texto do minicurso proferido na
e evolução do relevo brasileiro. Para chegar a estes I Mostra UNIDERP de Ciência e Tecnologia sobre
conceitos, forçoso seria compreender a participa- Ecossistemas Continentais (1999), quanto pelo fato
ção e distribuição espacial dos elementos compo- de ter levado à republicação, em 2003, artigos sobre

390
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
20

os domínios morfoclimáticos, como o apresentado foclimáticos iria finalmente se configurar como “o


no Simpósio do cerrado de 1963. saldo final de uma série de flutuações paleoclimá-
Nesse trabalho, Ab’Sáber assinala que não ticas e fitogeográficas do Quaternário sul america-
há nenhuma relação entre as áreas core das grandes no” (“Províncias geológicas e domínios morfocli-
unidades morfoclimáticas e as províncias geológicas. máticos no Brasil”, USP, IGEOG, Geomorfologia
As áreas core estariam amarradas aos quadros de su- 20, 26 pág., 1970). “Tendo se sucedido períodos de
perposição dos fatos geomórficos e geopedológicos e evolução integrada lenta da paisagem (períodos de
possuem filiação direta com a história paleoclimática biostasia), certamente ocorreram períodos agressivos
quaternária. de erosão (períodos de resistasia) responsáveis pela
Assim, é preciso reconhecer o quadro estru- derruição das paisagens imediatamente anteriores,
tural e sua evolução: em “O relevo brasileiro e seus pelo recuo das coberturas vegetais correlativas (...)
problemas” (1964) afirma que ele começa a tomar criando novas ecologias suficientes para a invasão de
forma após o Cretáceo: floras e formas diversas”. Para atingir esse conheci-
1. “Um eixo de maior exaltação do mento é necessário buscar “o conhecimento sobre a
arqueamento pós-cretáceo (do escudo brasilei- estrutura superficial da paisagem e de seus depósitos
ro) criou um gigantesco divorcium aquarium para modernos”, compreendendo os “diferentes quadros
as drenagens que demandavam a metade sul e a que se sucederam no tempo (...) a partir de pesqui-
metade norte-noroeste do grande planalto bra- sas rotineiras de geologia de superfície” e “o estudo
sileiro”. Seria um “lombo divisor” do Brasil de da posição dos diferentes tipos de depósitos super-
Sudeste até o Planalto Central no centro sul de ficiais” (1969, o arranjo das frases é meu). É “tão
Goiás, que separou desde o Mesozoico a Bacia do importante estudar as feições geomórficas como os
São Francisco da do Paraná. Mais para noroeste depósitos climaticamente representativos”, signifi-
o Planalto dos Parecis foi outro divisor das águas cando que não basta observar e registrar as formas
amazônica e platina. do relevo (feições geomórficas) mas é preciso estudar
2. “O quadro de drenagem atual do Planal- os depósitos correlativos.
to brasileiro (...) é quase inteiramente posterior É importante assinalar que nesse texto ex-
ao Cretáceo e sua fixação dependeu muito de per- põe o “conceito de Geomorfologia tripartite a que”
to do soerguimento do conjunto que arqueou e se filia sobretudo para a “ordenação dos diferentes
sobrelevou o Escudo Brasileiro, após o término níveis de tratamento da moderna ciência do rele-
da sedimentação cenozoica”. vo”, sublinhando “os níveis de tratamento que con-
3. No Nordeste “irregularidades de grande sideramos essenciais na metodologia das pesquisas
raio de curvatura do levantamento pós-cretáceo geomorfológicas”. Faremos nova menção a esse tex-
vieram servir de plano inclinado de diferentes to mais adiante.
sentidos para o estabelecimento inicial das áreas É como se esses trabalhos tivessem “preparado
de drenagem dos altos formadores do Parnaíba, o terreno”: tentarei sintetizar os principais elementos
[dos] afluentes das margens esquerda e direita do que teriam permitido a Ab’Sáber conceituar mamelo-
São Francisco”. nização e pedimentação, a partir da caracterização das
Além da referência à instalação pós-cretácica formas de relevo (feições geomórficas) e das estruturas
da atual rede de drenagem, Ab’Sáber (1969) lembra geológicas:
que a evolução do relevo “apoiou-se numa comparti- 1. reconhecimento das formas de relevo do Nor-
mentação prévia, relacionada a acontecimentos geo- deste, em especial a presença de depressões inter-
lógicos e geomorfológicos de longa duração, perten- montanas entremeando as serras, com alterações
centes à história pós-cretácica e pré-pliocênica”. O pouco espessas das rochas;
Terciário corresponderia a um momento de intensos 2. paralelamente, o reconhecimento de pa-
vimentos detríticos recobrindo com certa
fenômenos de circundesnudação, onde em alguns
frequência a superfície das depressões;
compartimentos teria ocorrido a “retenção de detri-
3. reconhecimento das formas policonvexas dos
tos finos (Bacia de São Paulo, Bacia de Taubaté). relevos da região sudeste, o relevo dos mares de
Assim, “abaixo dos níveis que representam os pedi- morros, com alterações espessas das rochas e so-
planos neogênicos”, seriam “vistas feições de menor los profundos;
extensão e de topografia mais variada” constituídas 4. o relevo do Brasil Central configurado pela
por pedimentos em níveis escalonados, com ou sem presença de superfícies aplainadas dominando a
bacias detríticas, terraços e planícies aluviais. região, com solos espessos e presença frequente
A partir daí, o mosaico dos domínios mor- de lateritas.

391
Os principais quadros morfoestruturais fo- intenso e uma pedogênese tropical formando La-
ram relacionados às províncias fitogeográficas tossolos e/ou solos Red Yellow Podzolic relacionados
e ecológicas, incluindo as condições climáticas à “expansão das florestas pluviais”. Essas paisagens
atuais, permitindo a classificação dos domínios mor- corresponderiam a uma “evolução geologicamente
foclimáticos (1973). rápida” e integrada, representando um “equilíbrio
A seguir, viria a identificação dos eventos cli- sutil entre processos morfoclimáticos, pedológicos,
máticos quaternários, a partir da “compartimentação hidrológicos e ecossistêmicos”. As flutuações cli-
neogênica” e sua evolução, passando pela interpreta- máticas finais do Quaternário podem ter acarretado
ção da mamelonização e da pedimentação. a superposição dos solos e a formação de linhas de
pedra, “stone lines sepultadas por depósitos de cober-
Mamelonização e pedimentação e o relevo brasileiro tura”. Sob vegetação florestal, o lençol superficial é
difuso, anastomosado, correndo durante as chuvas e
Como já referido, a distinção entre mameloni- redistribuindo detritos finos e restos vegetais.
zação e pedimentação é fundamental para entender o Contrapõe-se a ele o domínio das depressões in-
universo geomorfológico de Aziz Ab’Sáber. O texto terplanálticas semiáridas do nordeste, região semiárida
“A organização natural das paisagens inter e subtropi- subequatorial e tropical. Constituída por depressões
cais brasileiras” (1973, op. cit.), que trata do tema, re- interplanálticas, “verdadeiras planícies de erosão por
fere-se primeiramente ao reconhecimento das feições pediplanação quaternária (...) Alteração muito su-
geomórficas dos domínios morfoclimáticos e fitogeo- perficial das rochas, solos rasos e tênues pavimen-
gráficos para, a seguir, apresentar suas interpretações tos pedregosos em formação e restos de paleopavi-
a respeito dos processos responsáveis pelas suas gêne- mentos mais espessos subatuais”, com afloramentos
ses e evoluções. “Cada um dos grande domínios paisa- frequentes de cabeços rochosos e lajedos irregulares
gísticos [são] definidos inicialmente pelos principais e campos de inselbergs. Sujeita a um regime de pre-
quadros de vegetação e por feições morfoclimáticas cipitações irregulares e escassas, apresenta drenagem
de grande extensão e generalidade”. O procedimento exorreica intermitente, de perfil relativamente equi-
para tanto acha-se explicitado em “Um conceito de librado. A caatinga, adaptada às condições de clima
geomorfologia a serviço das pesquisas sobre o Qua- e solos, apresenta grande diversidade florística, com
ternário”(1969): esse artigo é fundamental para o en- dominância de xerófitas (cactáceas).
tendimento dos procedimentos propostos pelo autor, A pedimentação, corresponderia aos processos
na busca dos elementos da paisagem que, ao mesmo de plainação lateral das depressões intermontanas. Mu-
tempo, compõem o quadro estático das feições ge- danças climáticas nas áreas mamelonizadas provoca-
omórficas e representam testemunhos dos eventos riam a retração das florestas substituídas por vegeta-
quaternários responsáveis por suas presenças. ção menos densa, favorecedora de ação agressiva da
Assim, dever-se-ia partir das compartimen- erosão: a região “sofrerá aplainamentos laterais res-
tações das formas do relevo, seguidas da obtenção tritos por pedimentação” (1973) e os espessos man-
de informações sistemáticas sobre a estrutura super- tos de alteração dos morros mamelonares seriam
ficial das paisagens em cada compartimento para, erodidos. Formar-se-iam rampas de erosão laterais
finalmente, buscar o entendimento dos processos aos eixos das drenagens intermontanas.
morfoclimáticos e pedogênicos atuais, isto é, a com- O domínio dos chapadões recobertos por cer-
preensão da fisiologia das paisagens. rados e penetrados por florestas-galeria difere das
No domínio dos mares de morros florestados regiões de mar de morros e das depressões intermon-
ocorre de modo mais característico o relevo que De- tanas das caatingas. Apresenta “maciços planaltos
ffontaines havia descrito como “uma topografia de de estrutura complexa e de planaltos sedimentares”
expressão regional, constituída por uma como que onde os interflúvios das partes cimeiras, com solos
sucessão de vertentes arredondadas”. Apresenta pro- profundos e pobres, latossolos e lateritas, são reves-
funda espessura de rochas decompostas pelo intem- tidos por cerrados e cerradões dando lugar a flores-
perismo geoquímico e pela pedogênese. A drenagem tas-galeria nos fundos aluviais de larguras variáveis.
é dendritificada e perene “até o menor dos ramos”, Nessas condições, a drenagem superficial apresenta
abastecida por lençóis d’água permanentes. duas condições diversas que só se integram na estação
A mamelonização é o “conjunto de processos chuvosa: a drenagem perene do fundo dos vales, “que
fisiográficos (...) capaz de arredondar as vertentes alimenta as florestas galerias” e os caminhos d’água
(...) até o nível de uma feição geométrica policon- mal definidos e intemitentes nos interflúvios largos
vexa”. Compreende um intemperismo geoquímico (tratar-se-ia das veredas, pelo menos em parte?). Na

392
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
20

estação seca o lençol freático abaixo da superfície dos se-iam “rampas de pedimentação” preparando “a
talvegues tangenciariam as cabeceiras em anfiteatros paisagem para a interpenetração da vegetação semiá-
rasos formando espécies de dales pantanosas. “Cada rida (...) [nas áreas] pedimentadas ou pediplanadas”.
ecossistema (desse domínio) tem sua posição exata É provavelmente nesse momento que formar-se-iam
na topografia, na trama de solos e no quadro climá- os recobrimentos pedregosos, de espessuras e conti-
tico e hidrológico diferenciado” (1963, 2003). nuidades variáveis.
Esses três domínios tão diversos permitiriam A presença desses chãos pedregosos nas de-
a Ab’Sáber interpretar os processos morfodinâmicos pressões intermontanas semiáridas do Nordeste
intervenientes em cada um e, também, propor um indicaria a ação de um processo erosivo seletivo: os
modelo de evolução do relevo no Quaternário. elementos mais finos são exportados, restando os
Foi também fundamental perceber que “a mais grosseiros (seixos, fragmentos de laterita) que
vegetação dos cerrados, tendo se desenvolvido e se passariam a atapetar as superfícies.
adaptado, em algum momento do Quaternário (ou As stone lines no interior de perfis de solo dos
mesmo fins do Terciário) à estrutura de paisagens de domínios dos mares de morro acompanham em sub-
planalto tropicais interiorizados” constituiria “certa- superfície a forma convexa das vertentes. Enquanto
mente um dos quadros da vegetação mais arcaicos do o relevo teria evoluído por mamelonização, as linhas
país” (1963/2003): seria a partir desse quadro que o de pedra corresponderiam à última fase de clima
Terciário teria correspondido a um momento de in- mais seco (talvez entre 13 e 18.000 anos BP) (1999),
tensa erosão com ampla denudação e exportação de anterior ao atual, com temperaturas mais baixas e
materiais finos: para isso o relevo apresentaria uma condições pluviométricas similares às do Nordeste
vegetação de baixa a média densidade de cobertura, (1992). Fosse por ter sido menos prolongada, fosse
como o cerrado. Teriam se formado os pediplanos por ter sido menos agressiva, teria ocorrido uma ero-
neogênicos, abaixo dos quais as flutuações climáti- são seletiva, com eliminação parcial dos materiais,
cas contrastadas do Quaternário passaram a atuar exportados os mais finos e restando os mais grossei-
alargando os vales e formando níveis embutidos e ros, que teriam formado os chãos pedregosos (1962,
terraços fluviais. 1992). As partes dos relevos onde os seixos aparecem
No Quaternário, dois processos teriam se al- mais horizontalizados corresponderiam a restos de
ternado (e teriam se oposto): superfícies pedimentares, espécies de patamares em-
- processos de mamelonização nos períodos de butidos entre relevos mais altos ou no seu sopé.
maior umidade, provavelmente similares às con- Ab’Sáber (1992) faz algumas considerações
dições atuais, cujas características foram sinteti- sobre qual o tipo de vegetação que recobriria o re-
zadas acima; levo, nessas condições, lembrando que hoje tanto na
- processos de pedimentação intertropical, como caatinga quanto no cerrado seria possível encontrar
descrita rapidamente acima, que “somente pode-
chãos pedregosos.
ria caminhar (...) plenamente, quando da transição
Com a expansão dos climas mais secos, ocor-
entre uma fase de (...) mamelonização para uma
fase de erosão regional agressiva (...) restrita aos reria ainda a redução dos chapadões, formando as
compartimentos intermontanos” (1973). depressões interplanálticas semiáridas. No entanto,
subsistiriam restos de superfícies cimeiras neogêni-
Estava em voga a antinomia no espaço e no cas, com cerrados, no topo de alguns planaltos não
tempo entre os processos responsáveis por mame- totalmente derruídos, como a Chapada do Araripe,
lonização e pedimentação, mencionada mais atrás, chapadões do São Francisco e baixas chapadas de
expressa entre outros por Jean Tricart. Apoiava-se Ribeiro do Pombal.
no modelo proposto por Erhart (1956) a respeito da Na passagem para climas mais úmidos, te-
evolução geoquímica da crosta emersa do planeta, riam se expandido os vales com drenagem perene e
onde fases de biostasia, com alteração química in- o avanço de florestas-galeria, com espécies da Ama-
tensa das rochas sob coberturas florestais, alternaria zônia e Mata Atlântica, interpenetrando no do-
com fases de resistasia onde predominariam intensos mínio dos cerrados. A erosão fluvial regressiva foi
processos mecânicos superficiais (erosão). acompanhada pela expansão também regressiva das
Após a fase de mamelonização, mudança cli- florestas-galeria.
mática para climas mais secos provocaria a substi- Trata-se de um verdadeiro modelo para a in-
tuição da vegetação florestal por tipos mais abertos, terpretação do relevo brasileiro durante o Quaterná-
com erosão generalizada e intensa. Alargar-se-iam rio, onde as stone-lines ou linhas de pedra ou horizon-
os vales por processos de plainação lateral, formar- tes subsuperficiais de cascalhos inhumados ocupam

393
uma posição central (1979). É importante assinalar dessa maneira o caráter tropical do espaço brasileiro.
também que os pedólogos encontraram apoio nesse As mudanças climáticas teriam acarretado apenas a
modelo para a interpretação da gênese e evolução dos expansão ou retração dos períodos úmidos e secos,
solos, bem como os geólogos que definiram em seus portanto dos diferentes domínios morfoclimáticos e
mapeamentos a presença de depósitos/formações ce- ecossistemas. Quando da mudança climática, esses
nozoicas que apresentam stone-lines/cascalheiras. redutos de ecossistemas permitiriam sua expansão
Este artigo não parece ser o fórum adequado para formação de amplos ecossistemas ou, ao con-
para discutir essa questão. No entanto, não é possível trário, com a passagem para climas menos favorá-
deixar de mencionar que pesquisas realizadas nestes veis, sua retração para os refúgios.
últimos vinte anos, principalmente sobre a gênese Dessa maneira, “os períodos de mameloniza-
dos solos e suas relações com os relevos, têm trazido ção foram os de máxima extensão das florestas in-
novas informações para a interpretação desses hori- tertropicais, por coalescência de redutos e ampliação
zontes subsuperficiais (Boulet, 1992; Queiroz Neto, em manchas de óleo, na periferia dos domínios mor-
1988, 2001), da mesma forma que sobre a oposição foclimáticos”. “Ao contrário, as fases de pedimenta-
entre os processos de Mamelonização e Pedimentação ção, correspondentes aos climas secos intermontanos
na evolução do relevo. A discussão sobre esses resul- (...), constituíram-se em brejos, no estilo atual das
tados, em relação aos modelos de evolução dos re- ilhas de umidade existentes no interior do Nordeste
levos, está aberta no interior da Geomorfologia, da seco” (1973).
Pedologia e da Geologia. Ab’Sáber (1977), mesmo Os domínios morfoclimáticos atuais corres-
mantendo sua interpretação sobre a gênese das li- ponderiam, assim, a uma fase ou etapa passageira
nhas de pedras, chama a atenção para a necessidade da evolução do relevo brasileiro: perdurariam tanto
de um certo cuidado sobre as interpretações, já que quanto perdurarem os climas atuais. Porém, na úl-
“tem havido excessos de generalizações sobre o signi- tima fase as ações antrópicas aparecem: no domínio
ficado paleoclimático das linhas de pedras”. Há que dos mares de morros, uma vez “derruídas as matas,
estabelecer, por outro lado, as limitações dos infor- de modo extensivo, e sujeitando-se as paisagens a
mes palogeográficos e paleoecológicos relacionados um processo predatório incontrolável, provoca-
às stone lines. se um desequilíbrio imediato e de imprevisíveis
consequências. Cria-se uma espécie de resistasia an-
Outras histórias trópica” (1973).
Ab’Sáber manifestou com muita frequência
Para a interpretação da gênese e evolução das essa preocupação com as interferências antrópicas
formas de relevo, alguns elementos são fundamentais sobre as condições ambientais. Essas ações são causa
para Ab’Sáber: a presença de ilhas de vegetação exótica de preocupação já que “a substituição dos compo-
aos domínios morfoclimáticos, ao lado das stone lines; nentes das paisagens tropicais – nos setores de mais
da superposição de solos, do contato entre formações amplo aproveitamento agrícola – tem sido a fórmula
recente, dos depósitos de vertentes, dos depósitos predominante e até hoje insubstituível para a con-
aluviais, das crostas duras. As ilhas de vegetação exóti- quista dos espaços econômicos das áreas primitiva-
ca corresponderiam a capões de mata nos interflúvios mente florestadas dos trópicos úmidos” (1977).
da área core dos cerrados, aos brejos florestais no Nor- Nos países em desenvolvimento das regiões
deste, às manchas de cerrado no domínio dos mares tropicais, essa tem sido a única maneira para a ocu-
de morro, à presença de cactáceas fora do domínio da pação dos espaços pela agricultura: como lembra ele,
caatinga etc. Constituem pequenos núcleos ou qua- esse é um velho dilema que não se tem conseguido
dros, redutos de ecossistemas outrora espacialmente superar. Alerta ele para a responsabilidade coletiva
mais desenvolvidos, que teriam sido localmente pre- da sociedade, dos “mais altos escalões do governo e
servados por condições locais e específicas morfocli- da administração até o mais simples cidadão”, todos
máticas, geopedológicas e hidrológicas (1969, 1973). com parcelas de responsabilidade.
“Tais floras ou stocks de vegetação (...) flutuaram no Todos os domínios estão sujeitos a processos
espaço sob o controle das sucessivas mudanças cli- antrópicos agressivos, que levam à degradação dos
máticas do Quaternário” (1999). Nesses redutos vão espaços: o semiárido “foi uma região sujeita a for-
ser encontradas espécies de flora e da fauna da vege- te degradação da vegetação e dos solos nas áreas de
tação original. No Quaternário tropical as mudanças brejos de encostas e de cimeiras onduladas” que leva
climáticas afetaram apenas as precipitações e não as à uma diminuição considerável de sua produtivida-
temperaturas (como no hemisfério norte), mantendo de agrícola. No domínio dos mares de morros os mo-

394
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
20

vimentos coletivos dos solos se acentuaram, a erosão ras atenderem suas próprias necessidades”(Relatório
em massa se acelerou com destruição dos solos. Por Brundtland, 1987).
se tratar de domínio com parcelas de elevada con- Estas Outras Histórias mostram a continui-
centração demográfica, projetos de engenharia têm dade das preocupações científicas e pragmáticas de
sido implantados, porém “o desconhecimento quase Ab’Sáber: ao emprestarmos o tema mamelonização e
completo das condições da paisagem, da ecologia e pedimentação para comentar, sabíamos que seria difí-
do meio ambiente natural” tem muitas vezes levado cil separar as diferentes facetas de suas atividades, que
a consequências ambientais danosas. No domínio envolvem questões de caráter científico, de aplicação
dos cerrados Ab’Sáber chama a atenção que, mesmo e políticos. Assinalaria, porém, que as preocupações
com relevo e clima muitas vezes favoráveis, ocorre- com o entendimento dos espaços brasileiros, através
ram prejuízos irreversíveis sobretudo nas áreas com da Geomorfologia e em especial a gênese e evolução
floresta-galeria e nas grandes manchas florestais, o dos relevos, adicionada à sua formação de Geógrafo,
mato grosso do interior de Goiás. Em todos esses ca- o levaram naturalmente a preocupar-se também com
sos, lamentou o desaparecimento de parcelas signi- o que homem faz no interior desses espaços.
ficativas, às vezes a quase totalidade, de ecossistemas Essa característica de sua personalidade deve
de forma irreversível. ser acrescentada àquelas citadas no início.
As preocupações de Ab’Sáber a respeito esta-
riam sintetizadas na frase de Walder Góes (1973),
citada por ele (2003): “Nem o ecologismo nem o
economismo. O ecologismo manda preservar a na- O artigo, "A organização natural das paisagens
tureza, reservando-a à função de paraíso ambiental. inter e subtropicais brasileiras", sugerido para a
O economismo manda transformar o capital eco- leitura, se encontra após o comentário de Michael
lógico em consumo, acelerando o esgotamento dos F. Thomas
recursos. O ponto de equilíbrio será encontrado na
planificação racional que compatibiliza os objetivos
de crescimento da economia com a proteção e de-
senvolvimento da constelação de recursos naturais, Bibliografia
em proveito de metas a um só tempo econômicas e
AB’SÁBER, A.N. 1950-1951. Sucessão de quadros paleoclimáticos
ecológicas”. no Brasil, do Triássico no Quaternário. Anuário da Fac. Sedes
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AB’SÁBER, A.N. 1954. A Geomorfologia do estado de São Paulo.
ambientais levaram-no a participar da elaboração In: “Aspectos geográficos da Bandeirante”, Simpósio organizado
do projeto FLORAM (1996), ambicioso projeto pelo Cons. Nac. Geogr., 1-97.
que visava elaborar um estudo sobre a possibilidade AB’SÁBER, A.N. 1955. Problemas paleogeográficos do Brasil de
Sudeste. Anuário da Faculdade de Filosofia Sedes Sapientiae da
e exequibilidade de plantio de florestas para tentar PUCSP, p. 79-96.
sequestrar o excesso de CO2 existente na atmosfe- AB’SÁBER, A.N. 1956. Depressões periféricas e depressões semiá-
ridas no Nordeste brasileiro. Bolm Paul. de Geogr., 22: 3-18.
ra. É importante chamar a atenção para uma ideia AB’SÁBER, A.N. 1957 - O problema das conexões antigas e sepa-
nascida no seio da USP, desenvolvida no espaço de rações do Paraíba e Tietê. Bolm. Paul. Geogr. 26: 38-49.
poucos anos, que teve como preocupação central a AB’SÁBER, A.N. 1958. Conhecimentos sobre as flutuações cli-
máticas do Quaternário no Brasil. Notícia Geomorfológica, São
ideia de um “megarreflorestamento com a preocupa- Paulo, 1: 24-30.
ção social centrada em uma somatória de pequenas e AB’SÁBER, A.N. 1959. Pavimentos detríticos atuais e subatuais
das caatingas brasileiras Notícia Geomorfológica, São Paulo, 4:
médias plantações intraglebas de interesse para o uso 48-49.
e venda da madeira, sem interrupção das atividades AB’SÁBER, A.N. 1960. Posição das superfícies aplainadas no Pla-
agrícolas” (2003). nalto brasileiro Notícia Geomorfológica, São Paulo, 5: 52-54.
AB’SÁBER, A.N. 1962. Revisão dos conhecimentos sobre o hori-
Estaria aí uma posição que poderia ser zonte subsuperficial de cascalhos inhumados do Brasil Oriental.
atribuída ao conceito de desenvolvimento sustentá- Bolm Univ. Paraná, Inst. Geol., Geogr. Fís., 2: 1- 32.
AB’SÁBER, A.N. 1963. Contribuição à geomorfologia da área de
vel. “O progresso econômico e social não pode ser cerrado. In: FERRI, M.G. (Org.) Simpósio do cerrado, EDUSP,
alcançado por meio da exploração indiscriminada e p. 117-124.
predatória da natureza. É preciso atingir elevado ní- AB’SÁBER, A.N. 1964. O relevo brasileiro e seus problemas. In:
Azevedo, A. Brasil a terra e o homem. Cia. Edit. Nacinal. v.1,
vel de controle dos recursos naturais com manejos 135-217.
adequados para cada caso, a fim de conseguir o de- AB’SÁBER, A.N. 1965. Da participação das depressões periféricas e
superfícies aplainadas na compartimentação do Planalto Brasileiro.
senvolvimento sustentável. O desenvolvimento sus- São Paulo, USP, Fac. Fil. Ci. Let., (tese de Livre-docência).
tentável deve atender as necessidades do presente, AB’SÁBER, A.N. 1969. Um conceito de Geomorfologia a serviço
sem comprometer a possibilidade das gerações futu- das pesquisas sobre o Quaternário, USP, IGEOG, Notícia Geo-
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2. Outros autores

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396
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
21

THE NATURAL LANDSCAPES OF BRAZIL


AND THE IMPACT OF QUATERNARY DRY
CLIMATES
A Comment on Two Papers by Aziz Nacib
Ab’Sáber

Michael F. Thomas

Abstract

Two key papers from the extensive publications of


Aziz Nacib Ab’Sáber (1971, 1977, reprinted 2000) are re-
visited in the light of research over the last thirty years.
They represent knowledge and insight gained from twen-
ty-five years of research into the origins, history and spatial
diversity of the natural landscapes of Brazil. The patterns
resulting from the long-term adjustment of the landform
to lithology, structure, climate and plant cover during the
Mesozoic and early Cenozoic are viewed as equilibrium
forms, which were disrupted by neotectonics and the cli-
mate changes of the Quaternary during which new land-
forms and sediments were formed often in response to
increased aridity. The analysis reveals important insights
into current debates concerning the formation of pedi-
ments, stonelines, and patterns of sedimentation, and also
the penetration of dry conditions into the Amazon basin,
during the last glacial maximum. These findings often de-
veloped with colleagues, including João Bigarella, have di-
rect bearing on the regional geomorphology of Brazil and
on the continuing disputes about the palaeoclimates of the
Amazon basin and the ‘refugia’ hypothesis. It is concluded
that the evidence drawn from landscape and sediment his-
tory should be accorded greater emphasis in debates often
conducted around the records from individual sites.

Introduction

Aziz Nacib Ab’Sáber ranks as one of the two most


important pioneers of Brazilian Quaternary geomorphol-
ogy, the other being João José Bigarella and, as near con-
temporaries, they have occasionally written joint papers.
From the late 1950s, for more than three decades, these
authors made a major contribution to the understand-
ing of the Brazilian landscape and effectively established
the study of Quaternary geology and geomorphology in
Brazil. João Bigarella is a geologist, schooled in the study
of Gondwana sediments and the sedimentology of dune
systems. His wider contribution to the Quaternary of SE

397
Brazil springs from a rigorous study of Quaternary change or rhexistasy (Erhart, 1955), due to the occur-
sediments, which he combines with interpretations rence of more arid conditions. These dry environ-
slope form and development that, while influenced ments were associated with the formation of pedi-
by Penck (1953) and King (1953), are closely linked ments according to both Ab’Sáber and Bigarella, and
to an understanding of the impact former semi-arid these landforms typify the areas of cerrado and caat-
climates on the landscapes of southeastern Brazil inga and in the inter-plateau depressions of the NE,
(Bigarella and Mousinho, 1966). Aziz Ab’Sáber, on where extensive Neogene pediplanation took place.
the other hand, writes as a geographer and ecolo- In these interpretations the works of Dresch (1957)
gist and has extended his detailed studies of At- and Tricart and Cailleux (1965) provide the ante-
lantic Brazil to cover the whole of the country. His cedent debates about pediment formation. Ab’Sáber
approach to the study of landscape is influenced (1971) has been more concerned with origins of
by the ideas of Carl Troll and Jean Dresch, but his landscape patterns and forms than with the recog-
understanding of the impact of Quaternary climate nition of supposed palaeoplains of sub-continental
changes on landscape developed from extensive field extent in the manner of King (1962). Although
transects conducted in the late 1950s. This was a Bigarella showed some affinity with the ideas of
period of considerable activity in Brazil (following King, he disagreed about the conditions for the gen-
the holding of the IGU in Rio de Janeiro in 1952), eration of pediments, and Bigarella and Mousinho
in part stimulated by a number of European geo- (1966) emphasized the importance of “cyclic ex-
morpholgists including Jean Tricart (1958, 1963), treme climatic changes” (p. 155) to an explanation of
whose writings on Quaternary climate change were pediment facets in the landscape of southern Brazil,
a strong influence on thinking in Brazil at this time. relegating uplift and base-level change to a second-
Neither Tricart nor Ab’Sáber was much influenced ary role in the evolution of local forms.
by the ideas of Lester King. The two key papers dis-
cussed here come from the 1970s (Ab’Sáber, 1971, On the natural landscapes of Brazil
1977, reprinted 2000) and represent a mature assess-
ment of a quarter of a century of research. Ab’Sáber (1971, rep., 2000) is interested in
Ab’Sáber’s approach to landscape transforma- the broad interpretation of the “great Brazilian land-
tions due to Quaternary climate change applies the scape domains”, which he identifies not by geomor-
ideas of biostasy and rhexistasy advanced by Erhart phological criteria alone but according to “vegeta-
(1955), and the concept of long-maintained equilib- tional and morphoclimatic features”. There is also
rium and stability, interrupted by short-term periods recognition of geological influences, but these are
of instability and rapid landscape change are impor- not explored in detail. However, evolution of the re-
tant to both papers. Neither Bigarella, nor Ab’Sáber lief from a semi-arid or arid Early Cretaceous, now
had access to radiometric data on sediment age when marked by widely distributed remnants of caliche, is
their major work was undertaken and consequently taken as the key to understanding the eventual hu-
this was a period of some uncertainty regarding the midification of climate and the elevation and dissec-
timing and rhythm of climate change in the later tion of the Brazilian landmass with the opening of
Quaternary. Cailleux and Tricart (1958) similarly the Atlantic, the event that led to the transformation
faced this problem and Tricart changed his ideas of the relief of eastern Brazil during the Tertiary and
about the rhythm and extent of Quaternary climate Quaternary.
change in Brazil during the 1970s, finally arriving at Of particular interest to Ab’Sáber (1971, rep.,
the view that extensive aridification had occurred in 2000) is what he describes as “mamelonization”,
parts of the Amazon basin during the Last Glacial which has its regional expression as an endless suc-
Maximum (Tricart, 1974). However, Bigarella and cession of rounded slopes (often called meias laran-
Ab’Sáber (1961, and in later papers, summarised in jas) in the “forested tropical Atlantic” domain. The
Bigarella and Becker, 1975) provided graphic ac- process by which such polyconvex relief develops
counts of how landscapes were affected by the dry depends on humid forested conditions extending
climates of the Quaternary in SE Brazil and associ- across a crystalline (largely gneiss or granite) terrain
ated these events with an extension of the cold ocean leading to widespread, deep chemical weathering.
current northwards. This corresponds with a condition of biostasy within
The importance of this work becomes all the which physical erosion is minimised and the entire
more apparent in the context of the late occupation landscape evolves slowly, in equilibrium with rates
and modification of South American landscapes by of weathering and linear erosion. Pedimentation in
human groups. Ab’Sáber (1971, rep., 2000), in his such landscapes can only occur during phases of drier
discussion of the “natural organisation” of landscapes climate (a view diametrically opposed to the ideas of
is, therefore, able to argue that landscape pattern is King, 1953), which lead to contraction of the forest
due to a natural balance, or equilibrium, involving cover towards interfluves, and to aggressive erosion
biostasy, interrupted for brief periods of aggressive (rhexistasy). Within intermontane basins especially,

398
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
21
erosional ramps or pediments formed, and sequenc- Thomas, 1995). The recent work of Vasconcelos and
es of stonelines and colluvial deposits now record the colleagues (Vasconcelos et al., 1992, 1994; Feng and
vicissitudes of the Quaternary climates in the tropi- Vasconcelos, 2001; Carmo, 2006) using K-Ar and
cal and subtropical areas of Brazil. 39
Ar/40Ar dating of K-Mn oxides formed within the
Ab’Sáber acknowledges his debt to Cailleux weathering system, has not only refined our under-
and Tricart (1957) in developing ideas concerning the standing of the age and chronology of weathering
impact of Quaternary climate and vegetation chang- mantles in Brazil and Australia, but has also revived
es in Brazil, though Tricart’s own thinking evolved interest in the controversies surrounding the conti-
over subsequent years (Tricart, 1975 1985) towards nental planations proposed by King (1962). Some
a recognition of the association of Pleistocene cold of this work appears to confirm the existence of
phases with cool-dry episodes in the tropics, and the planation surfaces of different ages, but, as Taylor
extension of these conditions into the Amazon Ba- and Eggleton (2001) point out, the identification of
sin. Ab’Sáber clearly associated the development of “clusters” of dates may in reality be a record of con-
stone pavements with the latest cool-dry period, these tinuous weathering (from 72Ma to 20Ma). Miocene
having subsequently become buried by bioturbation or pre-Miocene ages for many regoliths have been
and colluviation in the Holocene, appearing today as demonstrated from these studies, though individu-
stonelines. He has also emphasized (Ab’Sáber, 1971, al mineral species may have evolved more recently
rep., 2000) the importance of changing Atlantic (Benedetti et al., 1994; Matthieu et al., 1995). The
coastal circulation to the intrusion of dry climates results from Brazil appear to confirm earlier work
into the, otherwise humid, eastern coastal regions of by Alpers and Brimhall (1988) suggesting that the
Brazil. Thus the Atlantic littoral of Brazil expresses weathering systems in South America effectively
unique characteristics, reflecting long-term humid- “switched off” as a result of arid conditions prevail-
ity (except in the NE), marginal epeirogenesis and ing during the mid-Miocene, possibly as a conse-
continental flexure, with fault tectonics, on which quence of the growth of Antarctic ice. More recent
has been superimposed phases of considerable arid- work in Queensland, Australia has produced simi-
ity. Unlike the other Brazilian domains the Atlantic lar results but also indicated continued weathering
littoral has a strong azonal component, traversing into the Neogene, including the Quaternary (Li and
20o of latitude. Vasconcelos, 2002; Vasconcelos and Conroy, 2003).
The wider perspective on the “natural organi- Erosion history has also become clearer by the use
sation” of Brazilian landscapes offered by Ab’Sáber of apatite fission track analysis (AFTA). Saenz et
(1971, rep., 2000) emphasizes a set of factors and al. (2003) interpret the thermal history of the Man-
landscape forms that is quite distinct and separate tequeira Mountains as indicating the opening of
from conventional subdivisions according to sup- the Atlantic at 121+/-6 Ma, while Gallagher et al.
posed planation surfaces and topographic levels. (1994) calculate that 3 km of crustal exhumation has
Many geologists and geomorphologists have cho- occurred since the late Cretaceous near the coast of
sen to use King’s world-wide pediplanation cycles as SE Brazil and around 1 km in the interior.
a starting point for the description of relief across A different approach to the understanding of
former Gondwanaland (King, 1962; Aleva, 1984). cratonic landsurfaces, developed by Fairbridge and
The widespread existence of extensive plains in Bra- Finkl (1980) has greater affinity with Ab’Sáber’s
zil has encouraged the view that regional planation ideas. These authors described a “cratonic regime”
was effective in the Mesozoic and early Cenozoic. (cf. the “epeirogenic realm” of Garner, 1974) alter-
According to King (1956, 1962) this produced the nating between high and low relief states over very
Sul-Americana “master” surface from which the re- long time periods (107-10 8 y). The “normal” state
lief of present-day Brazil has been carved. In South would have been a landscape of low relief, humid
America, no model of geomorphic evolution can ig- climate and deep weathering under a forest cover in
nore the opening of the South Atlantic Ocean in a state of biostasy. This alternated with “epeirocratic”
the Cretaceous (Le Pichon and Hayes, 1971; Larsen phases of falling sea level and relief development,
and Ladd, 1973; Saenz et al., 2003; Eagles, 2007) or during which a state of rhexistasy developed with
the rise of the Andean Mountains in the mid-Ceno- the transfer of eroded sediment into intra-cratonic
zoic (Lamb and Davis, 2003). King (1962) himself and marginal basins under varied, often sub-humid,
recognized the importance of neotectonics in the climates. These conditions led to widespread strip-
development of relief along eastern margin of Brazil ping of a deep saprolite, and the formation of etch-
and this has been confirmed by many other writers plains, and took place during interruptions lasting
including Modenesi-Gauttieri et al. (2002). 104-105 years.
The nature, age and distribution of the sapro-
lite and development of forms within faulted blocks The climatic environment during the period
and basins also remain essential to an understanding of rapid denudation following the opening of the
of landscape character (Ab’Sáber, 1971, rep., 2000; South Atlantic was predominantly humid until the

399
mid-Miocene, by which time much of the erosion of On the impact of late Quaternary dry climates
the continental margin and basin-filling with sedi-
ments had been accomplished. Dismantling of the In his more recent paper, Ab’Sáber (1977,
ancient saprolite was, therefore, driven by tectonics rep., 2000) emphasizes the spread of the semi-arid
and development of steep relief by linear erosion. caatingas, not only southwards but also southwest-
Much of this type of evolution was worked out by ward, displacing much of the natural domain of the
Millot (1964, 1970, 1980, 1983) and his followers cerrado into the central Amazonian Basin. He also
(Boulangé et al., 1997; Boulet et al., 1997 e.g.). The accepts the refugia concept for the survival of rain-
development of the widespread polyconvex (meias forest in favoured locations, including the north-
laranjas) landscapes of deeply weathered hills in east- east littoral and other coastal mountains; the high
ern Brazil was seen by Ab’Sáber (1971, rep., 2000) plateaus within Amazonas and the mountain rim
as an expression of dynamic equilibrium (biostasy) (Andean and Guyanaian) to north and west. In this
under humid forested conditions. Millot (1980) also he follows the arguments advanced by Damuth and
considered them as persistent relief forms and the Fairbridge (1970) regarding the deep sea arkoses
opposite of planation. Boulet et al. (1997), however, found in the Amazonian sediment plume. A cor-
have called attention to similar features in French ollary of his argument is that the topographically
Guyana, where soils are claimed to be in transgres- depressed areas everywhere experienced aridity of
sive change across the slopes and, therefore, not in climate, especially during the key period of the last
equilibrium. The co-evolution of soils and landforms glaciation. Ab’Sáber (1977, rep., 2000) refers to this,
has been a continuing theme in the pedological, if and similar dry phases as triggering conditions of
not the geomorphological, community, especially rhexistasy, transforming much of Brazil from typical
with regard to the evolution of ferrallitic terrains in core domains to become transitional and complex
the humid tropics (see Thomas, 1994, e.g.) areas of change.
These lines of research give substance to the Ab’Sáber (1977, rep., 2000) makes it clear that
idea of landscape evolution over long time peri- there are too few data to permit the construction of a
ods, involving large-scale denudation following the “reference cartographic document” to show the mo-
break-up of Gondwanaland, with both removal and saic of Quaternary landscapes, and it is necessary to
renewal of saprolites, and fluctuations in weathering acknowledge that the tropical and sub-tropical re-
rate. But it remains difficult to merge these findings gions of South America, which are the subject of
with research into the chronology of Quaternary cli- his interpretation cover an area of nearly 25,000,000
mate change, largely because the millennium to cen- km2 . The Bananal Basin, for example, which has
tury scales now used in Quaternary science is beyond been subject to detailed analysis of Late Quaternary
the resolution of most methods of age determination sediments (De Moura et al., 1989; Coelho-Netto,
for long-term landscape evolution. However, the on- 1997) would represent just 0.005% of this land area
set of climate oscillation in the Quaternary was im- and a grid square just 2.5mm in diameter on his
posed on the products of the long-term evolution, continental map (Ab’Sáber, 1977, rep., 2000, Figure
particularly the regoliths and landforms surviving or 1). Scale transitions of this order (x103) involve im-
evolving during the post-rift development of the At- portant conceptual and theoretical issues (Schumm
lantic margins of the Brazilian plateau and the im- and Lichty, 1965; Brunsden, 2001; Thomas, 2001),
pacts of the rising Andean cordillera, including the and it is, therefore, unlikely that the broad region-
reversal of the Amazon drainage system. Moreover, alisation of Brazilian landscapes can (or should) be
the question of neotectonics is highly relevant to the validated by numerous detailed studies. It is in part
Atlantic margin of Brazil, as shown clearly from re- a deductive model, based on a theory of palaeocli-
cent studies by Modenesi-Gauttieri et al. (2002) for mate, palaeocurrents and inferred heat and moisture
the Campos do Jordão Plateau. Here hillslope de- transfers during the last glaciation, but supported
velopment was considered a response to both Qua- by empirical data on local and regional sedimentary
ternary environmental changes and neotectonics, history.
which can be difficult to separate. The nature of the The greatest argument involving the Late
impacts of climate and vegetation change on land- Quaternary in Brazil has been focused for some
scapes during the later Quaternary can often be con- decades on the history of the Amazon Basin and
sidered in terms of periods of instability or rhexistasy its margins, and Ab’Sáber (1977, rep., 2000; 1982)
already mentioned. But there are some difficulties has been a strong advocate for important ecological
here, because how landscapes switch from stability changes affecting most of the landmass. However,
to instability remains poorly understood, and re- while many reviews support this opinion (Whit-
quires definition of scale (Thomas, 2004). The ex- more and Prance, 1987; Clapperton, 1993; Ledru,
ternal forcing factors affecting landforms may also 1993; Latrubesse, 2003; Munikwa, 2005; Anhuf
work in opposition. et al., 2006), others continue to argue that the for-

400
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
21
ests of the Amazon basin were little affected by late sin probably lost 54% of their area at the LGM and
glacial cooling and loss of moisture (Colinvaux and that the northern and southern boundaries with-
De Oliveira, 2000; Urrego et al., 2005) or point to a drew by 200-300 km. In any varied landscape with
lack of consistent evidence for changes after Oxygen relief and soil diversity there would also surely be
Isotope Stage 3 (OIS3 – the Middle Pleniglacial) some fragmentation as a result of such a contraction?
(Hooghiemstra and Van Der Hammen, 1998), dur- The authors emphasize how few sites are available
ing which time copious sedimentation occurred in to address this debate and with Ledru (1993) stress
the western Amazon as a result of increased pre- the absence of deposits at several of these for several
cipitation in the Andes (Van Der Hammen et al., thousand years spanning the LGM. Evidence from
1992a,b). Geomorphologists including Ab’Sáber the Amazon Fan has not added clarity, because of
(1977, 1982) (Clapperton, 1993; Latrubesse, 2003) the overriding influence of the Andean headwater
have recognized more evidence for greater aridity tributaries and the mixing effects of the marine en-
than many palynologists, but few of their observa- vironment. It is difficult, therefore, to evaluate com-
tions are securely dated. However, Ledru (1993) ments by Hoorn (1997) to the effect that evidence
has pointed to a hiatus of around 7 k y bridging the is lacking for changes to the vegetation cover of the
LGM at many key pollen sites in Brazil and the Amazon Basin.
significance of this remains uncertain (Thomas,
2000). On the need for interdisciplinary understanding
Ab’Sáber (1982) has argued strongly for the
intervention of more arid conditions to account for In part such disputes reveal our lack of infor-
the widespread occurrence of stonelines and “white mation, but they also show a divergence between dis-
sands”, both of which have led to controversy and ciplines. Thus, for the geomorphologist, stonelines
may have multiple explanations (Thomas, 1994). contain a record of the changing energetics of the
The key argument is that widespread deposition landsurface. But for the pedologist they may reflect
of sands comes from enhanced transport by wa- the continuous operation of processes within the soil
ter across slopes and in channels or from aeolian profile, especially due to bioturbation. Equally, for
activity (rhexistasy), while the stonelines mark re- some ecologists a hiatus in the pollen record demands
sidual palaeopavements (slope pediments or gla- no special interpretation, especially if no mineral
cis), developed under an open vegetation (see also wash is apparent. But since copious pollen production
Bigarella and Andrade, 1965; Fairbridge and Finkl, is characteristic of the rainforest, its absence prompts
1984). Ab’Sáber’s (1977, rep., 2000) reconstruction others to question the survival of forest communities
of the “natural domains” of South America dur- in the vicinity of such sites at these times. Perhaps the
ing the last glacial dry period (1977, Figure 1) has most important aspect of Ab’Sáber’s (1977) synthe-
strongly influenced later work (Clapperton, 1993, sis is its scope and potential appeal to several related
Figure 8), and if some more recent documentation disciplines. The strong spatial expression given to
including major gemorphological features such as his ideas is distinctively geographical and, when the
megafans and dunes is added (Latrubesse, 2003, pulse of temporal change is what drives most Quater-
Figure 12.3 e.g.), then the overall picture of a con- nary scientists, it is important to recognize that the
tinent in the grip of major environmental change impacts of climate change on landscapes will be dif-
is surely confirmed. In these reconstructions, the ferentiated according to elevation, slope, and location
location and extent of rainforest “refugia” remain along rainfall gradients. By offering both a tapestry
uncertain, in common with reconstructions for of intricate landscape patterns for Brazil (Ab’Sáber
other equatorial regions, in Africa and Asia. Op- 1971, rep., 2000), and also an expression of (short-
position to these ideas has come particularly from term) spatial changes to the (long-term) natural do-
Hooghiemstra and Van Der Hammen (1998), Col- mains that took place repeatedly during the Quater-
invaux et al. (2000) and Urrego et al., (2005), all of nary (Ab’Sáber, 1977, rep., 2000) Ab’Sáber provides
whom argue that any loss of rainfall to the Ama- the wider scientific community with many priorities
zon basin during the LGM was insufficient to cause for future research.
fragmentation and, therefore, there is no need for As an addendum to this comment, it is strik-
a refugia theory. In addition, they refute paleoen- ing that protagonists for extensive climate change
vironmental interpretations of stonelines and white across Brazil base their arguments on spatial data
sand formations, which may have purely pedological about landscapes and are able to express their ideas
explanations. They state that “the Amazon forests graphically, producing maps that can be evaluated
have been stable since the start of the Pleistocene” and tested against new data (Ab’Sáber, 1977, rep.,
(Colinvaux et al., 2000, p. 141). The recent, wide 2000; Whitmore and Prance, 1987; Clapperton,
ranging review by Anhuf et al., (2006) advances 1993; Latrubesse, 2003). Those who contest these
the view that, while the rainforests in Africa may formulations do so on the basis of a few key sites
have contracted by 84%, those of the Amazon Ba- scattered across the landmass and these do not af-

401
ford the means to map the distribution of palaeocli- Biogéographie, Paris, 293: 7-13.
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with Dr. Ab’Sáber in his office at USP and to enjoy XOTO, M.N. DE O.; SANTOS, A.A. DE M. & ESTEVES,
a good lunch. At that meeting I learned much about A.A. 1989. Roteiro geomorphologico-estratigrafico da regiao de
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climat. Zone Aride, p. 415-519.
TRICART, J. 1975. Influence des oscillations climatiques récentes
sur le modelé en Amazonie Orientale (région de Santarém)
d’après des images de radar latéral. Zeitschrift für Geomorpholo-

403
A ORGANIZAÇÃO NATURAL DAS
PAISAGENS INTER E SUBTROPICAIS
BRASILEIRAS

Aziz Nacib Ab’Sáber

1971. A organização natural das No momento existem condições bastante favoráveis


paisagens inter e subtropicais para o desenvolvimento de estudos - em nível interdis-
brasileiras. In III Simpósio sobre ciplinar - sobre a organização das paisagens inter e sub-
o Cerrado, São Paulo: Editora tropicais no Brasil. O intenso trânsito dos pesquisadores
da Universidade de São Paulo/ pelas mais variadas áreas fisiográficas e ecológicas do país,
Editora Edgard Blücher, pp. 1-14. a par com a enorme documentação aerofotográfica dispo-
nível sobre o território brasileiro, e a efetiva tendência para
a formação de equipes verdadeiramente interdisciplinares,
constituem condições favoráveis para a intensificação de
tais estudos no meio científico brasileiro. Acresce a isso o
fato de que o mostruário de paisagens inter e subtropicais
do Brasil possui uma originalidade marcante dentro dos
quadros gerais do Mundo Tropical.
A despeito de que a maior parte das paisagens do
país esteja sob a complexa situação de duas organizações
opostas e interferentes, ou seja, a da natureza e a dos ho-
mens, ainda existem condições razoáveis para a caracteri-
zação dos espaços naturais, numa tentativa mais objetiva de
reconstrução da organização primária dos mesmos. Caberá
talvez à atual geração de pesquisadores brasileiros a tarefa
fascinante de documentar para a realização de uma biblio-
grafia das ciências da Terra e da vida no Brasil.
De início queremos salientar que é de todo conve-
niente intensificar os estudos sobre o funcionamento e a
organização das paisagens brasileiras, considerando-se
também as conjunturas regionais e locais derivadas das
ações antrópicas. Indiscutivelmente, a análise das interfe-
rências de processos, ações predatórias, e agressões lesio-
nantes - introduzidas inconscientemente pelos homens -,
tem tanta importância para a aplicação das ciências quanto
o esforço para o entendimento das condições ecológicas
das áreas menos perturbadas pelos homens.
O homem pré-histórico no Brasil pouca coisa parece
ter feito como elemento perturbador da organização pri-
mária das paisagens inter e subtropicais do país. A evolução
integrada sofrida pelas mais diferentes paisagens da Amé-
rica Tropical, nos últimos 10.000 anos, inclui os primitivos

404
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
21

povoadores do país como um elemento a mais dos pediplanação neogênicas e níveis de pedimentação
componentes da evolução global e regional das pai- discretamente embutidos; terraços mantidos por
sagens. Aqui deu-se o contrário do que ocorreu com cascalheiras ou por crostas de laterita, rios negros
o continente africano, já que, lá, uma fauna recente nos elementos autóctones da drenagem; drenagem
mais agigantada e agrupamentos urbanos com uma extensiva­mente perene.
pré-história de mais de 500.000 anos puderam im- 2. Domínio das depressões interplanál-
primir modificações mais incisivas em algumas pai- ticas semiáridas do Nordeste - Região semiá-
sagens tropicais e subtropicais regionais. Quer nos rida subequatorial e tropical, de posição azonal.
parecer, por tais razões, que na elaboração das paisa- Extensão espacial de 2ª ordem, variando entre
gens intertropicais brasileiras houve um desenvolvi- 700.000 e 850.000 km2 de área. Região de de-
mento mais harmônico, integrado e equilibrado do pressões interplanálticas reduzidas a verdadeiras
que na outra banda do Atlântico. Nossos domínios planícies de erosão, devido à grande extensão das
e padrões de paisagens - se essa premissa estiver pediplanos e ao aperfeiçoamento final recente da
correta - teriam uma pureza de evolução integrada, pediplanação; sinais de pediplanos neogênicos
muito mais perfeita e menos sujeita a interferências (superfície sertaneja), reduzidos em muitos pontos a
antrópicas. verdadeiros plainos de erosão atuais, por retomadas
de pediplanação quaternárias; fraca decomposição
Os grandes domínios paisagísticos do Brasil de rochas no atual período; afloramentos even-
tuais de rochas vivas no meio de massas rochosas
Até o estado atual de nossos conhecimentos, alteradas de 1 a 3/4 metros de profundidade; ma-
foram reconhecidos seis grandes domínios paisagís- lhas de chãos pedregosos loca­lizados, drenagens
ticos e macroecológicos em nosso país. Quatro deles intermitentes extensivas rela­cionadas com o ritmo
são intertropicais, interessando a uma área de mais desigual e pouco potente das precipitações (350
de 7,5 milhões de quilômetros quadrados, e dois ou- a 600 mm anuais, com fortes disparidades de
tros, sensivelmente menores, dizem respeito às terras ano para ano); canais semianastomosados de pa-
subtropicais brasileiras, totalizando pouco mais de ½ drão próprio e inconfundí­vel; notáveis campos de
milhão de quilômetros quadrados de área. inselbergs cristalinos (Milagres, Patos, Quixadá).
Cada um dos grandes domínios paisagísticos, 3. Domínio dos “mares de morros” flo-
definidos inicialmente pelos principais quadros de restados - Extensão espacial de primeira ordem,
vegetação e por feições morfoclimáticas de grande com aproximadamente um milhão de quilômetros
extensão e generalidade, apresenta padrões de paisa- quadrados de área. Distribuição global azonal, ao
gens, de caráter sub-regional, e eventuais “enclaves” longo da fachada atlântica do país. Área de ma-
de paisagens exóticas, sob a forma de recorrência de melonização extensiva, por todos os níveis da to-
paisagens vegetais relacionadas a outros domínios de pografia, mascarando superfícies aplainadas de ci-
paisagem vegetal. Por outro lado, particularidades de meira ou intermontanas, níveis de pedimentação,
compartimentação, depósitos de valor paleoclimá- e até níveis de terraços. Trata-se de um protótipo
tico e documentos paleontológicos e paleobotânicos de vertentes policonvexas (A. Libault), em que a
garantem-nos o fato de que nem sempre, no decorrer mamelonização atinge maior densidade e grau de
do Quaternário, tais domínios paisagísticos tiveram aperfeiçoamento conhecido: a decomposição e a
as mesmas feições e a mesma distribuição do que mamelonização são maiores nos níveis intermon-
aquela apresentada ao início da colonização portu- tanos, o que faz suspeitar de uma alternância entre
guesa no Brasil. pedimentação e mamelonização nesses comparti-
De um modo sumário, são os seguintes os mentos; planícies meândricas e predominância de
domínios macropaisagísticos e macroecológicos do depósitos finos nas calhas aluviais; solos superpostos,
país: ou seja, depósitos de cobertura coluviais soterrando
1. Domínio de terras baixas florestadas da stone lines; notáveis campos de “pães de açúcar”;
Amazônia - Área marcadamente zonal, de posição precipitações variando entre 1.100 e 4.500 mm,
equatorial e subquatorial. Extensão espacial, de pri- florestas tropicais recobrindo a área, primariamente,
meira grandeza, com mais de 2,5 milhões de quilô- por mais de 95% do espaço total. Enclaves de bos-
metros quadrados. Zona de planícies de inundação ques de Araucárias em altitude e de cerrados em
labirínticas (Rio Amazonas) e meândricas (maioria diversos compartimentos inferiores dos planaltos
dos afluentes do Amazonas), tabuleiros de vertentes interiores, onde predominam chapadões florestados
convexizadas, morros baixos mamelonares ou se- (subdenominados “mares de morros”).
mimamelonizados nas áreas que bordejam a bacia 4. Domínio dos chapadões recobertos por
sedimentar amazônica, relevos residuais represen- cerrados e penetrados por florestas-galerias - Área
tados por “pães de açúcar”, que por diversas vezes de primeira grandeza espacial, avaliada entre 1,8 e
durante o Quaternário já foram inselbergs; fases de 2 milhões de quilômetros quadrados. Posição geral

405
da área: grosso modo zonal, à semelhança das faixas centes ou olhos d’água perenes; ausência de mame-
de savanas na África. Região de maciços planaltos lonização, calhas aluviais de tipos particularizados,
de estrutura complexa e planaltos sedimentares em geral não meândricas nos planaltos; níveis de
compartimentados; cerradões e cerrados nos in- pediplanação nos compartimentos de planaltos,
terflúvios e florestas-galerias contínuas, ora mais pedimentos escalonados e terraças com cascalhos;
largas ora mais estreitas; cabeceiras em dales, ou sinais de flutuações climáticas e paisagísticas vin-
seja, ligeiros anfiteatros pantanosos; solos de fraca culadas nas depressões intermontanas centrais ou
fertilidade primária, em geral; drenagens perenes periféricas da grande área dos cerrados; climas de
para os cursos d’água principais e secundários, tipo sudanês, com precipitações globais variando
com desaparecimento dos “caminhos d’água” das entre 1.300 e 1.800 mm, concentradas no verão
vertentes e dos interflúvios, na época das secas; in- e relativamente baixas no inverno. Enclaves de
terflúvios muito largos e vales bastante espaçados matas, na forma de capões, de diferentes ordens de
entre si, com pouca ramificação geral da drenagem grandeza espacial.
na área core dos cerrados; enclaves de matas em 5. O domínio dos planaltos das Araucárias -
man­chas de solos ricos, ou áreas de cais de nas- Região de aproximadamente 400.000 quilômetros

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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quadrados de área, sujeita a climas subtropicais As faixas de transição e contato entre os grandes
úmidos com inverno relativamente brando. Pla- domínios paisagísticos brasileiros
naltos de altitudes médias variando entre 850 e
1.300 metros, revestidos por bosques de Araucá- Através de sucessivas viagens, em itinerários
rias de diferentes densidades, incluindo mosaicos significativos para a compreensão das paisagens na-
de pradarias mistas e bosquetes de Araucária (em turais, cedo pudemos compreender que não há qual-
galeria, de encostas, e de cabeceira de drenagem). quer possibilidade de se traçarem limites lineares entre
Rochas sujeitas a desigual profundidade de alte- os grandes domínios morfoclimáticos e ecológicos
ração, com vertentes convexizadas, não muito per- do país. Uma tentativa de cartografação, preliminar,
feitas (exceção feita à área gnáissica que envolve a das áreas cores dos domínios morfoclimáticos inter
Bacia de Curitiba). Eventual presença de colúvios e subtropicais brasileiros, comprovou a existência de
de encostas sotopostas a uma topografia subatual, uma complexa rede de faixas de transição e contato
dotada de irregularidades maiores de microrrelevo, - ora mais estreitas ora mais largas e complicadas -,
e correspondente a um clima mais seco, como é o envolvendo de um modo anastomosado os principais
exemplo do planalto existente ao sul de Lajes e ao setores de paisagens representativas do território bra-
norte de Vacaria. O revestimento pelas matas de sileiro. De início, porém, foi constatado que a forma de
Araucárias é mais denso nos planaltos basálticos de “corredores”, apresentada pelas faixas de transição e
médio grau de movimentação de relevo. Existem contato, escondia uma infinidade de com­binações
manchas de campos nas áreas de afloramentos de fatos fisiográficos heterogêneos. Na realidade,
eventuais de arenitos (Lajes, Ponta-Grossa, Pla- cada setor dessas alongadas faixas representa uma
nalto do Purunã), sob a forma de pradarias mistas combinação sub-regional distinta de fatos fisio-
de altitude. Mais do que pelo seu próprio relevo, gráficos e ecológicos, que podem se repetir ou não
este domínio é marcado por grandes diferenças em áreas vizinhas, e que, quase sempre, não se re-
pedológicas em relação aos planaltos intertropi- petem em quadrantes mais distantes.
cais brasileiros. Nele se processa, outrossim, o “en- Era de se imaginar que entre o domínio
velhecimento” das massas de ar polar atlânticas, A e o domínio B pudessem ocorrer transições
fato que abaixa os índices térmicos globais de toda ou contato em mosaico de A + B. Entretanto,
a área (Paraná, Santa Catarina, e Nordeste do Rio constatou-se que existem áreas em que as faixas
Grande do Sul). A drenagem é perene, existindo ocupam como que um corredor largo irregular
precipitações relativamente bem distribuídas pelo entre domínios A, B e C, com um notável au-
ano todo. A região, em seus setores mais elevados mento de combinações fisiográficas por contatos
(Planalto de São Joaquim, Lajes, Curitibanos) está em mosaico, com subtransições locais. Pesquisas
sujeita a eventuais nevadas. realizadas em algumas áreas-chave (Maranhão
6. O domínio das pradarias mistas do Sudeste e Bahia, sobretudo) revelaram, ainda, que, além
do Rio Grande do Sul - Área de aproximadamente de áreas complexas de contato entre três ou mais
80.000 quilômetros quadrados, funcionando como se representantes paisagísticos de domínios con-
fosse margem do domínio das pradarias pampeanas tíguos, existem tampões de vegetação colocados
e, ao mesmo tempo, como padrão de paisagem mais em certos setores dessas faixas ditas de tran-
ou menos bem individualizado do domínio das pra- sição. Desta forma, além de representações de
darias uruguaio-argentinas. Em termos de domínios elementos morfoclimáticos e fitogeográficos de
paisagísticos e ecológicos brasileiros, as pradarias A, B e C, podem ocorrer núcleos ou faixas de ve-
mistas do Rio Grande do Sul se constituem numa getação, sob forma concentrada, que a rigor nada
paisagem de zonas temperadas úmidas e subúmidas, têm a ver com A, B ou C. Trata-se de floras que
sujeitas a algumas estiagens de fim de ano, e dotadas se aproveitaram da instabilidade das condições
de um conjunto paisagístico bastante original. É o ecológicas das faixas de transição e dominaram
domínio das colinas plurimamelonizadas, incluindo o espaço, onde as condições ecológicas eram re-
pradarias nas encostas suaves e galerias subtropicais lativamente difíceis para qualquer um dos repre-
nas calhas aluviais. Seus solos diferem de tudo aquilo sentantes dos domínios paisagísticos contíguos
que se conhece no Brasil tropical atlântico, incluindo (A, B e C, ou, B, C e D, ou, ainda, A, C e F), e
padrões peculiares à margem do domínio de prada- favoráveis para o adensamento e a expansão de
rias. É uma área de drenagem extensivamente perene determinadas floras (cocais, mata do cipó).
e predominantemente meândrica, posto que de pe- Não tendo sido, até o presente momento,
queno volume e densidade regional. Afeta terrenos realizadas pesquisas ao longo das faixas de con-
sedimentares de diferentes idades, terrenos basál- tato e transição, toda a documentação de campo
ticos e algumas penetrações em áreas cristalinas dos acumulada em nossos estudos dependeu de ob-
planaltos uruguaio-sul-rio-grandenses, chamados, servações transversais, obtidas em itinerários
comumente, de “Serras de Sudeste”. que tinham o valor de verdadeiros transectos. As

407
informações colhidas, através desse processo, nos dos elementos que localmente se combinam e
possibilitam apresentar os modelos básicos de orga- dão origem aos complexos sub-regionais de pai-
nização natural das paisagens das faixas de tran- sagens. Trata-se de áreas que somente poderão
sição e contato, até hoje reconhecidos. Eviden- ser estudadas convenientemente através de tra-
temente, trata-se de uma classificação provisória balhos de equipe multicientífica e à custa de um
que, a despeito de sua utilidade para apoio de pes- esforço de cartografia fisiográfica complexa.
quisas ecológicas e visualização de fatos regionais,
é dotada de uma marcante provisoriedade. Conhecimentos sobre a evolução das floras do
Os modelos, ou casos regionais, até hoje Cretáceo ao Quaternário no Brasil
por nós reconhecidos, são os que se seguem:
Apenas a título de reunião de conheci-
1. faixas de transição por compartimentação topo- mentos fragmentários, é lícito a um pesquisador,
gráfica e topoclimática (tipo Centro da Bahia); não especializado, tentar um esboço da evolução
das coberturas vegetais no território brasileiro,
2. faixas de transição complexas, do tipo dos “agrestes”, a partir do Cretáceo. De início, deve ser assina-
situadas em áreas de flutuações climáticas bruscas lado que a maior parte dos conhecimentos que
entre o subúmido e o semiárido moderado; possuímos sobre as paisagens botânicas - que
se sucederam no tempo e no espaço, desde o
3. faixas de transição por rápidas mudanças de fei- Cretáceo Inferior até ao Quaternário, no Brasil
ções topográficas e pedológicas (tipo região subli- - são frutos de testemunhos indiretos. Há al-
torânea de Sergipe e da Paraíba); guns anos atrás, fizemos uma revisão global do
assunto, como subsídio para uso de geomorfolo-
4. faixas de transição com subnúcleos de vegetação- gistas (Ab’Sáber, 1951). Vinte anos depois, jul-
tampão (tipo região dos cocais no Maranhão, e gamos ser imprescindível propor alguns acrés-
mata do cipó na Bahia); cimos, baseados nas informa­ções novas, com
vistas a prestar serviços para os colegas de dis-
5. faixas de transição em mosaico, sob o controle de ciplinas afins.
solos, paleossolos e heranças de posição topográ- Consideramos da maior importância,
fica (tipo Planalto de Franca e Noroeste de São como ponto de partida para a compreensão do
Paulo); assunto, a descoberta de depósitos de caliches (e
similares) no meio dos sedimentos do Grupo
6. faixas de transição entre áreas de cerrados e áreas Bauru e em outras formações cretáceas do país.
de matas secas, separadas apenas por um corredor O Cretáceo Inferior comportou grandes de-
largo de galerias (tipo pré-amazônico do Maranhão; sertos no país (deserto de Botucatu); daí para frente,
tipo Pontal paulista); porém, houve uma sensível atenuação da aridez,
posto que a maior parte do país tenha compor-
7. faixas de transição com mistura de floras ou coa- tado climas quentes semiáridos e subúmidos, se-
lescência ordenada ou semiordenada de tipos de gundo se pode deduzir pelos tipos de sedimentos
vegetação (tipo Pantanal Mato-Grossense, tipo cretáceos, e suas microestruturas (uma geografia
Planalto de Paranaguá e tipo Marajó); de grandes lagos rasos, situados em depressões
detríticas interiores, envolvidos por terrenos se-
8. faixas de transição setorizadas das regiões litorâ- midesérticos, de extensão subcontinental).
neas inter e subtropicais brasileiras, com interfe- A presença de caliches em áreas tão dis-
rências de processos marinhos, eólicos, lacustres e tantes como o Triângulo Mineiro (descoberta de
fluviais, e forte participação de ambientes salinos Goñi, Ab’Sáber e Bigarella; Rubião Junior, em
(tipo litoral do Amapá; tipo Lençóis Maranhenses; SP, revisão recente de Ab’Sáber) e nas chapadas
tipo litoral do Rio Grande do Norte; tipo litoral dos do Nordeste (Apodi, Araripe), onde ocorrem,
recifes areníticos; tipo litoral do Sergipe e Bahia; identicamente, sedimentos calcíferos lacustres,
tipo litoral de Cabo Frio-Macaé; tipo litoral da denotando solos do domínio dos pedocals, para
Cananéia-Iguape; tipo sistema lagunar e planície as áreas interlacustres, elaboradas certamente
costeira do Rio Grande do Sul). em condições semiáridas, relativamente ásperas.
A esse tempo, portanto, a vegetação somente
Cada um desses modelos regionais se ca- poderia ser tipo subdesértico e provavelmente,
racteriza por uma sutil combinação de fatos fi- devido à tipologia geral dos solos, teria sido
siográficos e ecológicos, de fácil compreensão. O uma flora diferente de todas aquelas conhecidas
difícil é a realização de estudos mais aprofun- atualmente no país.
dados, com vistas à análise e ao dimensionamento O soerguimento pós-Cretáceo do Planalto

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
21

Brasileiro, a par com os fenômenos de circundes- apenas parte daqueles que foram carregados
nudação que compartimentaram o grande bloco para a Bacia Amazônica e os que saíram dos
territorial que se iniciava no Rio Grande do Sul compartimentos intermontanos do Nordeste e
e ia terminar na margem sul da Bacia Amazô- se dirigiram para a faixa onde hoje está a franja
nica, criou outras paisagens, sob a vigência de detrítica do Grupo Barreiras. Identicamente,
climas bem mais úmidos do que os do Cre- os sedimentos, que ficaram aninhados em al-
táceo, e à custa de drenagens que foram prefe- guns raros, porém altamente significativos com-
rencialmente exorreicas, isto é, com franca saída partimentos de planaltos do Brasil de Sudeste,
para o mar. Este esquema novo de topografia, documentam sempre a alternância de climas
mais compartimentada e de solos relacionados úmidos e climas secos, com predominância ge-
com climas mais úmidos, perdurou por longos nérica de solos do domínio dos pedalfers.
períodos do Terciário. Acreditamos que, do O importante a assinalar, com apoio de
Médio Terciário para frente, os solos predo- tais fatos, é que do Médio Terciário para o Qua-
minantes enquadravam-se nos domínios dos ternário devem ter sido elaborados todos os stocks
pedalfers. Esta foi, verdadeiramente, a grande de vegetação relacionados mais de perto, com os
mudança global de condições ocorrida na evo- quadros atuais de vegetação inter e subtropical
lução dos planaltos e das paisagens interiores do brasileira (matas, cerrados, caatingas, araucárias
Brasil, do Cretáceo Superior para o Terciário. e pradarias). Tais floras ou stocks de vegetação é
Na documentação dos fatos que com- que, a partir do Quaternário, flutuaram no es-
provam esta grande mutação global de tipos paço, sob o controle das sucessivas mudanças
de ambientes, uma participação especial está climáticas, forçadas pela instável paleoclimato-
reservada às pequenas bacias detritícas, onde logia dos tempos Quaternários.
foram poupados sedimentos, em alguns com- Suspeita-se que em algumas áreas tenha
partimentos de planaltos brasileiros. Estando havido estepes ou pradarias de tipos ligeira-
o território em pleno soerguimento epirogê- mente diferentes daqueles representados pelos
nico no decorrer do Terciário, e sujeito a dre- stocks atualmente conhecidos. Tudo leva a crer,
nagens tropicais abertas, houve uma extraor- entretanto, que os stocks básicos estavam ela-
dinária evacuação de detritos para a região do borados a partir dos fins do Terciário e prosse-
Prata e para a plataforma continental, restando guiram no decorrer do Quaternário, sob os mais
apenas uns poucos locais de sedimentação inte- variados e complicados arranjos especiais. En-
rior, sem remoção por erosão. Trata-se dos casos tretanto, ainda não é possível fazer mapas que
da Bacia de Taubaté, Bacia de São Paulo, Bacia possam dar uma ideia segura de alguns clichês
de Curitiba, Bacia de Rezende, Bacia de Volta da vegetação brasileira, no decorrer do Terciário
Redonda, Bacia de Atibaia, Bacias de Fonseca e e Quaternário. Isto porque as informações são
Gandarela, Bacias Costeiras isoladas do Sudeste por demais fragmentárias, até o presente mo-
e Sul do país (Ribeira, Alexandra, Pelotas). No mento.
Nordeste e na Amazônia, ocorrem importantes
massas detríticas dos fins do Terciário ou início Mamelonização versus pedimentação na evolução
do Quaternário. A presença de enormes quan- do relevo do Brasil tropical atlântico
tidades de horizontes argilosos no entremeio
desses depósitos documenta que, anteriormente As pesquisas de geomorfologia regional e
à sua deposição, a paisagem regional possuía as indagações sobre mudanças de marcha na fi-
solos oriundos do intemperismo químico, tro- siologia de paisagem, em função das flutuações
pical úmido, com espessos regolitos, sobretudo climáticas quaternárias, possibilitaram o esclare-
nas roxas cristalinas. Sem essa argilificação cimento de muitos fatos a respeito das amplia-
prévia, não seria possível a matriz para o forne- ções e retrações da cobertura vegetal florestal no
cimento de detritos finos para as aludidas bacias. Brasil tropical atlântico.
Mesmo porque a remoção dos mantos argilifi- Coube aos geomorfologistas Jean Tricart e
cados e alterados somente seria possível através André Cailleux (1957) estabelecer - com base
de uma fase agressiva de erosão areolar, con- nas evidências dos depósitos quaternários e de
comitantemente com uma barragem tectônica feições geomorfológicas significativas - que,
eventual, em determinados compartimentos de no Brasil tropical atlântico, as flutuações climá-
planaltos, ou por meio de uma nova fase de “em- ticas, ora na direção dos climas úmidos ora na
baciamento” como foi o caso da Amazônia. direção dos climas secos, durante o Quaternário,
Deve ter havido sempre grande trânsito foram intensas e sucessivas. Por oposição, o Nor-
de sedimentos finos na direção do Prata e da deste teria sido mais estável em torno dos climas
plataforma continental, tendo sido poupadas semiáridos, parecidos com os atuais (Tricart,

409
1958), ao contrário do que supúnhamos anterior- nagem. Trata-se, efetivamente, de um sistema de
mente (Ab’Saber, 1956), fato com o qual, atualmente, evolução integrada de paisagem, de elaboração geo-
estamos parcialmente de acordo. Quanto à área do logicamente rápida e permanência longa (caso não
Brasil Central, julgamos que as flutuações climáticas haja a intervenção de mudanças climáticas especí-
foram mais intensas nas depressões interplanálticas ficas, na direção dos climas da Savana, ou no sentido
que envolvem ou penetram os altiplanos e chapadões dos climas secos). Mamelonização, portanto, está
regionais, a paisagem do cerrado tendo sido mais ou sendo utilizada para designar um conjunto de pro-
menos estável nas regiões maciças e elevadas da área cessos fisiográficos e ecológicos, em que, a par com
e os climas ora mais secos ora mais úmidos, similares a formação generalizada de vertentes arredondadas e
aos atuais (climas de tipo goiano-mato-grossense ou solos tropicais, processa-se a instalação de ambientes
sudaneses), tendo afetado áreas como a depressão tropicais úmidos, incluindo o revestimento das rain
situada entre o Espigão Mestre e o Altiplano de forest. Talvez se pudesse dizer o processo de “mor-
Brasília, as depressões interplanálticas do Alto Ara- rização” ou amorreamento; no entanto, preferimos
guaia, a área do pediplano Cuiabano, a calha central usar mamelonização.
da Bacia do Paraná. Pedimentação está sendo usada no presente es-
Entretanto, no presente trabalho, estudaremos tudo como um processo de plainação lateral restrita,
apenas a questão que consideramos fundamental predominantemente intermontana ou piemontina,
para o conhecimento das flutuações paleoclimáticas desenvolvida ao sabor das flutuações climáticas in-
e paleoecológicas da fachada atlântica oriental e tertropicais. Note-se que, por convergência, existem
sul-oriental do Brasil, ou seja, as flutuações entre os processos de pedimentação em áreas subtropicais e
climas mais secos e os climas mais constantemente mesmo extratropicais. No entanto, o que será posto
úmidos, e suas implicações fitogeográficas. em evidência, no estudo que vimos de elaborar, é a
No Brasil de Sudeste, como já foi posto em evi- pedimentação associada às flutuações climáticas in-
dência por diversos autores, existe uma topografia de tertropicais, segundo o modelo do Brasil de Sudeste.
expressão regional constituída por uma como que in- Até certo ponto de vista, os processos de pe-
terminável sucessão de vertentes arredondadas (De- dimentação intertropicais constituem fenômeno
ffontaines, 1939). Trata-se do domínio dos “mares de oposto ao da mamelonização. Isto porque, em áreas
morros”, na acepção última que temos dado à área, mamelonizadas, com rochas profundamente de-
em termos de caracterização morfoclimática regional compostas, estabilizadas pelo manto protetor das
(Ab’Saber, 1963, 1966). Isoladamente, os acidentes florestas tropicais, apenas uma mudança climática
que compõem a área têm sido designados por meias - mais ou menos radical e brusca - poderá deter-
laranjas, cascos de tartaruga, garupas, morros em dorso minar uma fase agressiva de erosão generalizada, ao
de elefante, morros redondos, mamelões, entre outras fim da qual a região sofrerá aplainamentos laterais
expressões relacionadas sempre com a visualização restritos por pedimentação. Trata-se de um pro-
da silhueta de tais vertentes convexas. Tecnicamente, cesso de formação de rampas de erosão, laterais ao
em termos de caracterização geométrica, estaríamos eixo das depressões intermontanas, onde a semiaridez
na presença de vertentes ditas policonvexas (André se instalou pioneiramente, ou, ainda, de rampas do
Libault). mesmo tipo, em sopés de escarpas ou serranias, cujas
Pelos estudos geomorfológicos realizados no vertentes inferiores estejam voltadas para uma faixa
Brasil de Sudeste - área core do domínio dos “mares litorânea ou sublitorânea aridificada (semiárida).
de morros” - sabemos que, paralelamente ao desen- Em qualquer hipótese, porém, a pedimentação so-
volvimento das vertentes arredondadas, predomi- mente se esboçará pela derruição generalizada dos
nantemente gnáissicos e granito-gnáissico, houve regolitos dos morros arredondados, a partir de situ-
uma generalização dos processos pedogênicos tropi- ações topográficas especiais, que implicam na exis-
cais úmidos e a extensão, por coalescência, da cober- tência de morros baixos embutidos entre acidentes
tura florestal pelas vertentes mamelonizadas e por mais elevados, ou áreas assimétricas colocadas na
acidentados interflúvios de regiões serranas. base de escarpas tropicais úmidas. Tais condições
Mamelonização está sendo por nós usada existiram, durante todo o Quaternário, na região do
no sentido de um conjunto de processos fi- médio Vale do Paraíba, assim como em quase todos
siográficos, suficientemente capaz de arre- os sopés das escarpas tropicais úmidas do Brasil
dondar as vertentes de rochas cristalinas decom- tropical atlântico, além de terem ocorrido em nu-
postas, até o nível de uma feição geométrica merosos outros compartimentos intermontanos ou
policonvexa, fato que se processa pari passu com o interplanálticos do interior brasileiro.
aprofundamento do intemperismo químico, a pe- Com base na observação de fatos geomor-
dogênese tropical realizada ao impacto da expansão fológicos, efetuados nos últimos 25 anos, podemos
de florestas pluviais, assim como, simultaneamente, afiançar que a pedimentação intertropical somente
com a dentrificação dos ramos menores da dre- pode caminhar e se esboçar, plenamente, quando da

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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transição entre uma fase de formação de paisagem perismo químico, pedogênese tropical e mode-
por mamelonização para uma fase de erosão regional lado policonvexo, interrompido em certo mo-
agressiva, posto que restrita aos compartimentos in- mento de seu desenvolvimento por uma fase seca
termontanos ou piemônticos. esporádica, responsável por retração parcial da
As rampas de pedimentação estariam condi- cobertura florestal tropical úmida e pela criação
cionadas à mudança brusca de fisiologias diferentes de vertentes dessoaladas com chão pedregoso,
de paisagem e de ecologia. Após uma longa etapa de onde deve ter medrado uma paisagem de caa-
mamelonização, com florestamento generalizado - tingas ou de cerrados ralos (mais provavelmente
quando da mudança climática para os climas mais caatingas). Ultrapassando o período crítico dessa
secos - processar-se-ia um agressivo recortamento fase seca - de curta duração geológica - reini-
dos morros que perderam seu manto florestal, daí ciaram-se os processos interrompidos, com reto-
ocorrendo ravinas múltiplas, derruição generalizada mada da decomposição química e da pedogênese
das vertentes policonvexas dos compartimentos tropical, retorno das florestas contínuas, forte
intermontanos ou das áreas de sopés de serras as- ação coluvial documentada pelos depósitos de
simétricas, e arrastamento dos detritos libertados cobertura que sepultam as stone lines.
dos mantos antigos de alteração para fora da área É importante sublinhar que o último pe-
principal de erosão por pedimentação. Bastaria tal ríodo seco esporádico do Quaternário (consti-
descrição para se enquadrarem os processos de ma- tuído pela fase das “linhas de pedra”) contribuiu
melonização, na linguagem de Enhart (1955), como para um descarnamento laminar dos solos pree-
processos típicos de biostasia, elaborados em fases xistentes, redundando na criação de pavimentos
tropicais úmidas, e os processos de pedimentação, detríticos de as mais variadas constituições e
em sua fase mais ativa, como processos efetuados em espessuras. Desta vez, porém, não houve tempo
fase de instabilidade global dos fatos fisiográficos e para uma nova fase de pedimentação, como foi
ecológicos, ou seja, no caso, em uma fase de tran- tão frequente no decorrer do Pleistoceno. Pelo
sição de climas tropicais constantemente úmidos contrário, o reinício das atividades de morfogê-
para climas mais secos, indeterminados (período de nese mecânica, em um ambiente de cobertura
resistasia). vegetal raquítica e espaçada, permitiu apenas a
Na dinâmica biogeográfica intertropical, os formação de chãos pedregosos descontínuos,
períodos de mamelonização foram os de máxima ex- ora constituídos por fragmentos de diques de
tensão das florestas intertropicais, por coalescência quartzo, ora enrique­cidos por seixos fluviais
de redutos e ampliação em “mancha de óleo”, na pe- quaternários retraba­lhados e reesparramados na
riferia dos domínios bioclimáticos. Ao contrário, as forma de pavimentos detríticos (Ab’Saber, 1962,
fases de pedimentação, correspondentes aos climas 1969).
secos intermontanos e (ou) costeiros, constituíram- Tudo leva a crer que, durante esse período
se em fases de retração da cobertura vegetal à posição seco esporádico e relativamente moderno (limite
de matas de brejos, no estilo atual das ilhas de umi- Pleistoceno-Holoceno, ou mesmo Holoceno ou
dade existentes no interior do Nordeste seco (brejos subatual), houve apenas uma incompleta e des-
de encostas úmidas, brejos de “serras”, brejos de pé- contínua retração dos mantos florestais. Trata-se,
de-serra, brejos de ribeira, brejos de olhos d’água). E, por outro lado, de uma fase que não deve ter per-
consequentemente, devido à malha regional de uma durado por muito tempo - na maior parte dos
semiaridez - marcadamente compartimentada - é casos - já que houve um retorno das condições
a fase que prepara a paisagem para a interpenetração tropicais úmidas, com acentuação progressiva da
da vegetação semiárida nos setores mais secos das coluviação pari passu com a reativação do intem-
regiões pedimentadas ou pediplanadas (comparti- perismo químico, suficiente para o soterramento
mentos internos intramontanos e interplanálticos, e/ gradual e progressivo dos chãos pedregosos an-
ou região costeiras semiáridas). teriormente formados. As matas puderam, assim,
sair de seus redutos - então apreciáveis em área
- e caminhar sobre os solos coluviais, auxiliando o
Os derradeiros processos de mamelonização de vertentes amadurecimento da pedogênese, e contribuindo para
reconstituir a paisagem tropical úmida, parcialmente
Os conhecimentos acumulados sobre a destruída.
estrutura superficial das paisagens do Brasil de As stone lines soterradas restaram como teste-
Sudeste nos permitem afiançar que as atuais ver- munhos dessa última fase seca que incidiu nas áreas
tentes policonvexas são frutos de uma forte ati- hoje extensivamente úmidas do Brasil de Sudeste.
vidade de morfogênese química e biogênica, an- Deve-se a Cailleux e Tricart (1957) a percepção
terior à fase de formação dos paleopavimentos. dessa derradeira ação dos climas secos no Brasil tro-
Desta forma, houve um longo período de intem- pical atlântico. Resta-nos, agora, sublinhar que as

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“linhas de pedra” mais recentes coincidem com os pelas terras intertropicais brasileiras, a fim de bem
depósitos fluviais mais grosseiros, de posição basal compreender o grau de antiguidade relativa dos ja-
ou intermediária, das planícies de inundação (so- zigos em pesquisa. Nesse sentido, há sempre que
bretudo no que diz respeito aos rios de porte médio considerar a posição dos achados em relação aos de-
ou pequeno). Quanto às grandes planícies, como as pósitos de cobertura ou às stone lines. Ao que parece,
do Tietê e Pinheiros, ou Médio Paraíba, elas podem os depósitos de cobertura que correspondem às stone
conter depósitos mais antigos, nas porções inferiores lines, assim como os depósitos basais de algumas pla-
da sequência aluvial, remontantes talvez ao próprio nícies de inundação, seriam os únicos que estiveram
Pleistoceno Superior. em jogo como depósitos correlativos dos possíveis
O conhecimento da estrutura superficial das cenários que presidiram as atividades do homem
paisagens do domínio dos “mares de morros”, no pré-histórico no Brasil. Pode-se afiançar mesmo
Brasil de Sudeste, tem uma série de implicações que a maior parte dos agrupamentos de povos pri-
para a geotécnica e a conservação na natureza. É mitivos brasileiros viveu e se deslocou em paisagens
fácil de se compreender que derruídas as matas de posteriores ao último estágio seco que afetou nosso
modo extensivo, e sujeitando-se as paisagens a um país. No entanto, pelas datações paralelas que vêm
processo predatório incontrolável, provoca-se um sendo feitas - com relação a sedimentos modernos
desequilíbrio imediato e de imprevisíveis consequ- e a produtos da indústria pré-histórica - existem
ências. Cria-se uma espécie de resistasia antrópica razões para se pensar que alguns agrupamentos ar-
(Ab’Sáber, 1965). Em 1966, o próprio criador da te- caicos brasileiros possam ter vivido à época da for-
oria biorresistásica introduziu a ideia de que a resis- mação das stone lines ou de alguns bancos de areia ou
tasia principal seria sobretudo a antrópica, com o que areias penecontemporâneos de tais horizontes detrí-
não podemos estar de acordo, por motivos óbvios. ticos. Exceção feita aos casos de enterramentos que
Entretanto, existe uma resistasia associada às ações possam ultrapassar por recortamento a base das stone
antrópicas, e certamente o domínio dos “mares de lines, qualquer artefato ou jazigo de ossadas, encon-
morros” no Brasil, especificamente na área do médio trado de permeio com os seixos ou fragmentos das
Vale do Paraíba, constitui o mais notável exemplo stone lines, terão a possibilidade de datação relativa,
de tais desequilíbrios (Ab’Saber, 1965). As stone calculada em alguns poucos milhares de anos. So-
lines sepultadas pelos depósitos de cobertura são os mente a análise pelo carbono 14, entrementes, po-
únicos elementos de segurança relativa para conter derá precisar mais o grau de antiguidade dos docu-
uma estrutura superficial consistente e um equilíbrio mentos pré-históricos.
também relativo de uma paisagem modificada pelo Por todas essas razões, é de todo conveniente,
homem. Qualquer lesionamento, que atinja um nível nos estudos e pesquisas de arqueologia pré-histórica
inferior ao horizonte irregular das “linhas de pedras”, brasileira, ter-se em mente a verificação da posição
poderá decretar ravinamentos selvagens (boçorocas), dos jazigos em face desses horizontes de referência,
os quais em alguns lugares chegam a ser múltiplos. constituídos pelos depósitos de cobertura e pelas
Evidentemente, a consciência de tais fatos stone lines. Aliás, trata-se de procedimento mais ou
constitui uma responsabilidade a mais para os que menos corriqueiro em países de velho povoamento
têm visão e responsabilidades interdisciplinares, pré-histórico, mas que carece de maior difusão entre
como também para os que têm responsabilidade nós, para evitar exageros iniciais, e imprimir boa co-
pelos destinos do patrimônio territorial do país. É locação metodológica em termos paleoclimáticos e
lamentável que do desconhecimento das condições paleoecológicos.
de uma paisagem possam derivar processos irrever-
síveis de degaste dos recursos naturais básicos de Considerações finais
uma das mais importantes regiões brasileiras. Aos
especialistas cumpre uma tarefa dúplice, já que não Os estudos sobre os domínios paisagísticos do
basta um mero esforço pelo entendimento de uma país nos conduzem a uma série de constatações re-
situação complexa de fatos geológicos, morfológicos, ferentes a organização natural dos espaços no Brasil.
biogênicos e culturais. Trata-se de encetar uma cam- Mais do que isso, possibilitam melhor entendimento
panha permanente contra a ignorância das condi- da distribuição espacial dos padrões e modelos de
ções de uma natureza sutil, até que se forme uma paisagens regionais, tanto no que diz respeito às
mentalidade nova de manejo de solos e de adequação áreas core, como no que concerne às alongadas faixas
de usos do espaço agrícola, dentro do âmbito do do- de transição e contato situadas entre o núcleo prin-
mínio dos “mares de morros”. cipal dos domínios.
Uma palavra aos pré-historiadores: no caso de Percebe-se logo que o mosaico paisagístico, em
um país de povoamento pré-histórico relativamente termos de visão global, é dotado de marcante ori-
recente, há que conhecer bem os planos de referência ginalidade quando cotejado com outros setores do
da estratigrafia do Quaternário Superior, exibidos cinturão intertropical do Globo. Todos os domínios

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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de paisagens possuem áreas core de arranjo poli- corredores situados entre as porções centrais dos
gonal, com homogeneidade pronunciada de padrões domínios macropaisagísticos, cada setor de cada um
no interior de tais áreas, consideradas nucleares. Ao dos braços de tais faixas alongadas apresenta a sua
contrário, as faixas de arranjo anastomosado, que en- própria combinação de fatos fisiográficos, baseada
volvem os cores, não têm continuidade de padrões, em modelos quase que exclusivos. Não sendo possível
sofrendo as mais diversas variações e combinações estudar todas as variações ocorrentes ao longo das
fisiográficas, conforme seja sua posição entre dois faixas de contato, somos obrigados a des­crever
ou três domínios paisagísticos diversos. Daí torna- alguns dos principais modelos, ainda que cientes de
se difícil reconhecer padrões ao longo dessas faixas, uma certa exclusividade dos mesmos. No presente
sendo imprescindível partir-se para o estabeleci- estudo foi apresentado o quadro dos modelos, até o
mento de modelos de validade relativa. momento atual de nossas pesquisas.
No interior dos grandes domínios de paisa- As faixas de transição, variáveis de setor para
gens - ou seja, em suas áreas core - existem pa- setor e de quadrante para quadrante, comportam
drões regionais de paisagens, vinculados sempre à combinações de fatos fisiográficos e botânicos li-
mesma família geral de ambientes ecológicos re- gados à interferência, alternância, mistura ou fusão,
gionais. Enquanto os domínios intertropicais pos- de esquemas pertencentes a dois ou três padrões de
suem áreas que variam de 750.000 km2 (caso do paisagens de domínios vizinhos. Incluem es­quema
domínio semiárido) e 3.000.000 (caso das terras de paisagens construídos à custa de dois, três ou
baixas florestadas da Amazônia), os padrões regio- mais elementos, oriundos do contato dos compo-
nais intranucleares têm dimensões muito variáveis, nentes fisiográficos, situados em posição vis-à-vis.
baseados em diferenças de topografia, de litologia, Podem incluir algumas paisagens apenas de sua pro-
de condições climáticas sub-regionais, e de solos. priedade, de expressão local, em mistura com outras
Podem variar, devido ao jogo de tais condições, em combinações transicionais: trata-se daquilo que es-
áreas que vão desde alguns milhares de quilômetros tamos considerando de paisagens de tipo “tampão”.
quadrados até centenas de milhares de quilômetros No caso, trata-se de uma variedade a mais, sob a
quadrados. Em todos os casos trata-se de variações forma de uma subfaixa ou subpolígono, onde foi
sutis, apenas passíveis de serem constatadas graças à possível a implantação e o adensamento de uma pai-
acuidade analítica e visual dos especialistas. sagem botânica individualizada, diferente, em massa
Além das diferenças moderadas, relativas e composição, de tudo aquilo que ocorre no inte-
aos padrões de paisagens, existe um motivo muito rior dos domínios paisagísticos principais (caso da
maior de contrastes, no interior das áreas core, graças área dos cocais, e caso das faixas de mata do cipó). Ao
à distribuição dos “enclaves” ou ilhas de paisagens que parece, tais áreas de instabilidade ecológica, e de
exóticas, que pontilham as paisagens mais habituais, subpadrões ecológicos transicionais, deram oportu-
através de paisagens aparentemente anômalas. Tais nidade para que houvesse uma adaptação especial
manchas ou ilhas de paisagens exóticas - que pre- e expansão homogênea de floras, igualmente dife-
ferimos chamar de “enclaves” - enriquecem a tipo- rentes daquelas que as envolvem.
logia regional de paisagens, ainda que em conjunto É conveniente notar que a riqueza global das
raramente ultrapassem a 5% da área total de cada paisagens inter e subtropicais brasileiras decorre
domínio paisagístico. dessa estrutura; variações sutis, de pequena expressão
Os padrões de paisagens de cada domínio relativa, são evidenciadas pelos padrões regionais
podem ter uma ordem de grandeza que atinge, não de paisagens de cada domínio; grandes contrastes
raro, dimensões sub-regionais. Ao contrário, os “en- ocorrem no in­terior de cada área core graças à pre-
claves” têm dimensões restritas, permanecendo no sença das pequenas ilhas de paisagens dos “enclaves”;
campo das pequenas paisagens regionais, que variam e, finalmente, extraordinárias e frequentes variações
entre algumas centenas de quilômetros ou menos, por diferença de combinação de fatos fisiográficos
até a alguns milhares de quilômetros quadrados, na interferentes marcam as alongadas e heterogêneas
maior parte dos casos. faixas de transição e contato, situadas entre os core
Um outro nível de variações diz respeito às dos grandes domínios de paisagens e ecologia. En-
áreas altamente heterogêneas, situadas entre os quanto extensos padrões vinculados a uma ou outra
grandes domínios paisagísticos, inter e subtropicais família de paisagens dão uma ideia de monotonei-
brasileiros. Referimo-nos às inúmeras va­riações e dade relativa nas áreas core, as faixas de contato
combinações fisiográficas das faixas de transição e e transição variam de espaço a espaço, segundo
contato entre os grandes domínios morfoclimáticos os mais complexos modelos, comportando transi-
e fitogeográficos brasileiros. Aí desaparece o ções longitudinais por substituição e acréscimos
esquema poligonal que tão bem caracteriza as sucessivos. Somando-se o conjunto dos padrões e
áreas core. E, apesar de nos esboços cartográficos dos “enclaves”, com a extrema variedade dos mo-
o esquema de tais áreas adquirir um aspecto de delos das faixas de transição e contato, obtém-se

413
uma conjuntura muito mais rica do que nos era de um braço de climas secos pela fachada atlân-
dado suspeitar até há alguns anos. tica do Brasil, de sul para norte. Acreditamos que
Sendo certo que os quadros atuais de pai- nas épocas de nível de mar baixo - por controle
sagem constituem heranças de uma evolução glacioeustático - as correntes frias do Atlântico
complexa e contínua, relacionada com as flutua- sul ocidental se estendiam muito mais para o
ções paleoclimáticas do Quaternário no Mundo norte da costa gaúcha, apresentando, quiçá, res-
Intertropical, torna-se indispensável estabelecer surgências do tipo de Cabo Frio, para além do terri-
qual a posição de tais esquemas paisagísticos tório espírito-santense. Tal avanço das correntes
em face das condições biostásicas ou resistásicas. frias implicou em semiaridez costeira, associada
Acreditamos que a esmagadora maioria das pai- a uma ação de refrigério relativo por ocasião dos
sagens existentes nos diferentes domínios mor- períodos hibernais, ao longo de extensos tratos da
foclimáticos brasileiros pertencem a situações costa brasileira.
biostásicas, incluindo nessa consideração, parcial- O somatório da semiaridez de estilo
mente, as paisagens naturais da região semiárida nordestino, marcadamente intermontano,
nordestina. É fora de dúvida que, de modo irre- com aquela oriunda da penetração da semia-
gular, posto que muitas vezes extensivo, o homem ridez costeira, proveniente do Sul, é que criou
provocou efeitos de resistasia antrópica, um pouco condições para o predomínio dos climas se-
por toda a parte. miáridos e, talvez, pro parte subúmidos, por
Torna-se indispensável realizar um esforço grandes áreas de nosso país. Houve, porém, e
para compreender que os quadros atuais repre- é importante que se destaque, toda uma zo-
sentam um esquema elaborado, em período bios- nação dos climas secos, com permanência re-
tásico, a partir de esquemas de paisagens muito duzida de todos os stocks paisagísticos até hoje
diferentes, vigorantes nas fases secas do Quater- conhecidos no país. Pensa-se que as paisagens
nário. Acreditamos que em diversos momentos das épocas secas tiveram esquemas azonais ou,
houve extensão da semiaridez no estilo das atuais pelo menos, que a maior parte delas tenha
paisagens nordestinas, porém, debaixo de uma sido de pequena expressão zonal. Porém, não
dinâmica resistásica provavelmente mais ativa. existem ainda condições para se tentar esboçar
Tais penetrações da semiaridez, através dos com- qualquer cartografia válida para documentar
partimentos intermontanos, foram responsáveis a conjuntura paisagística de uma das fases
por diferentes retomadas da pedimentação. Por predominantemente seca do Quaternário no
seu turno, cada fase de formação de pedimentos Brasil. Preferimos distinguir os dois grandes
se alternou com uma época de grande ou mo- modelos de penetração e generalização relativa
derada mamelonização das formas topográficas e dos climas secos, do que apresentar, ainda que
decomposição química extensiva das rochas. em esboço, um mapa exploratório do mosaico
de ambientes e paisagens, alusivo ao conjunto
As regiões costeiras, litorâneas ou sublito­ de nosso país em uma determinada fase seca.
râneas, a par com os efeitos da epirogênese mar-
ginal do Planalto Brasileiro, da tectônica de falhas
e dos efeitos da flexura continental, estiveram su-
jeitas a um outro estilo de variações climáticas, A bibliografia deste artigo se encontra no DVD anexo
por assim dizer piemônticas, e associadas à invasão

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
21
ESPAÇOS OCUPADOS PELA EXPANSÃO
DOS CLIMAS SECOS NA AMÉRICA DO
SUL, POR OCASIÃO DOS PERÍODOS
GLACIAIS QUATERNÁRIOs

Aziz Nacib Ab’Sáber

1977. Espaços ocupados pela expansão No momento em que são produzidos novos esboços das
dos climas secos na América do regiões fitogeográficas e dos domínios morfoclimáticos da Amé-
Sul, por ocasião dos períodos rica do Sul, sou tentado a sondar o passado recente, em busca dos
glaciais quaternários. Paleoclimas, quadros paleogeográficos e paleogeocológicos que se sucederam
Instituto de Geografia da
no espaço global do continente sul-americano, do decorrer do
Universidade de São Paulo,
n.º 3: 1-17 Quaternário.
Não existindo maiores problemas de paleoespaços, a não ser,
talvez, para com as áreas da plataforma continental sul-argentina e as
fachadas litorâneas sujeitas a movimentos eustáticos, pode-se tornar
o arcabouço topográfico atual do continente como sendo aproxima-
damente o mesmo, sobretudo na escala de mapas. As interferências
da neotectônica, da epirogênese e das flexuras continentais, ainda que
muito importante para o estudo de áreas mais específicas, não serão
motivo de consideração especial nesta primeira aproximação. O obje-
tivo desta súmula centra-se na identificação, em grosso, dos paleoes-
paços ocupados pelos climas secos no continente sul-americano, por
ocasião do último,ou quando muito dos dois últimos períodos glaciais e
glacioeustáticos quaternários. Em outros termos, visamos com-
preender os caminhos de penetração dos climas secos associados a
rebaixamentos térmicos generalizados, e vinculados aos efeitos da
glaciação, aos movimentos glacioeustáticos, e à atuação climática
das correntes frias, que levaram a aridez mais para o norte, ao longo
das costas argentinas, uruguaias e sul-orientais do Brasil. Nesse sen-
tido, a existência de pequenas fases secas posteriores, relacionadas ao
optimum climatico, onde localmente ocorreram manchas de climas
secos (relacionados entre outras causas à associação entre o aumento
global das condições térmicas e fatos da compartimentação topográ-
fica regional), não serão discutidas na presente oportunidade.
Pesquisas geomorfológicas, sedimentológicas e fitográficas,
realizadas nos últimos 20 anos, possibilitaram estabelecer que, do
Plioceno Superior para o Pleistoceno, após a fase principal de soer-
guimento dos Andes, alternaram-se quadros de distribuição de solos
e floras, a períodos relativamente curtos de tempo geológico, base-
ados nas bruscas mudanças dos mosaicos climáticos e ecológicos.
Desta forma, no mesmo espaço global do continente americano do
Sul, e através da atuação dinâmica dos mesmos stocks globais de vege-
tação, sucederam-se clichês complexos de distribuição de coberturas
vegetais, diretamente associadas às condições ambientais úmidas e
quentes nas fases glaciais. Sobre o mecanismo complexo de retrações

415
e reexpansões dos complexos vegetais sobre o espaço um quadro de correlações, hoje muito pouco conhe-
fundamental, temos apenas informações fragmentá- cido. Para tanto, foram fundamentais as observações
rias e interferências indiretas. de campo sobre feições geomórficas e depósitos corre-
Certamente, por ocasião do início das variações lativos encontrados ao longo das terras baixas costeiras
climáticas quaternárias típicas, ocorreram mudanças sul-brasileiras e piemonte da Serra do Mar, a partir de
agressivas de processos morfogenéticos, suficiente- 1959-1960, por Bigarella, Pedro Marques Filho, Riad
mente amplos e radicais, em algumas áreas, para der- Salamuni e Ab’Sáber. Os pedimentos e depósitos cor-
ruir as paisagens estabelecidas no Terciário Superior relativos dos sopés da Serra do Iqueririm, em Garuva,
e favorecer a expansão das novas coberturas vegetais no Estado de Santa Catarina, puderam provar em de-
e dos novos tecidos fisiográficos e ecológicos. Aos finitivo a atuação de processos morfoclimáticos semi-
períodos da biostasia sucederam-se sempre durante áridos quaternários, vinculados a períodos de nível de
o Quaternário períodos de resistasia, alternando-se, mar baixos, correspondentes a épocas glaciais.
portanto, sistemas morfoclimáticos de longa duração Em função das primeiras descobertas e outras
com sistemas de degradação rápida, por meios de perí- que lhe sucederam, alguns de nós, na época (1963-
odos transicionais, morfogeneticamente muito ativos, 1964), julgávamos que a única explicação plausível
ainda que de curta duração. Entretanto, honestamente para a compreensão da expansão costeira do sistema
falando, muito pouco sabemos sobre essas mudanças seco pleistocênico deveria se relacionar com uma forte
de marcha dos processos erosivos, a não ser que elas atividade e avanço sul-norte da corrente fria sul-atlân-
efetivamente prepararam as condições para mudança tica, ao longo da América do Sul Oriental, até níveis
ecológicas regionais, mais amplas e generalizadas. de latitude atualmente situadas em posições tropicais.
Os critérios que nos permitiram chegar a esta A essa hipótese seria de apoio o conjunto de condi-
primeira aproximação sintética sobre o mosaico ções imperantes na área de Cabo Frio, onde, a uma
morfoclimático e fitogeográfico do último período ressurgência local de águas frias, correspondia uma
seco, ocorrido entre 12.000 e 18.000 anos (Würm- conjuntura climática subúmida e um minienclave de
Wisconsin) pertencem ao campo das observações vegetação xerofítica nos maciços insulares adjacentes.
múltiplas e correlatas. Nossa súmula apoiou-se na Não se tratava, entretanto, mais do que de meras hi-
área de superposição dos fatos geomorfológicos, póteses, de difícil comprovação.
sedimentológicos e ecológicos. Utilizamos conhe- Em 1970, em uma pesquisa muito bem encami-
cimentos acumulados na bibliografia disponível, li- nhada sobre amostras de arcósios da plataforma bra-
gados às feições geomórficas (pedimentos, terraços sileira, Damuth e Fairbridge publicaram um trabalho
fluviais, bolsones residuais), aos depósitos correla- por todos os títulos fundamental sobre a ocorrência
tivos (formações detríticas, depósitos de terraços, de depósitos de climas secos quaternários da fachada
depósitos de piemonte, linhas de pedra, paleos- atlântica brasileira. Um dos autores, Rhodes Fairbridge,
solos), crostas ferruginosas e minienclaves significa- antes da elaboração definitiva do aludido texto, veio ao
tivos (documentos de aridez rochosa, campos locais Sul do Brasil (onde foi assessorado pelo professor João
de cactáceas, refúgios de flora e fauna), entre ou- José Bigarella), procurando verificar in situ a validade
tros. A maior parte da documentação relacionada das observações acumuladas em nossa bibliografia geo-
ao último período seco quaternário (12.000-18.000 morfológica, para cotejo entre a informação brasileira
anos) foi obtida de informes da estrutura superficial e as novas descobertas de depósitos de valor paleocli-
das paisagens, revendo inclusive observações próprias, mático ao longo da plataforma equatorial atlântica do
acumuladas em muitos anos de pesquisas. país. No trabalho de Damuth e Fairbridge existe uma
Demos especial atenção aos minienclaves de ve- interpretação paleoclimática integrada, muito oportuna
getação xerófila, que em caráter residual resistiram lo- e bem elaborada, que a nosso ver é a primeira tentativa
calmente às mudanças para climas generalizadamente de explicação global dos sistemas motores de aridez
mais úmidos, ocorrida nos últimos 12.000 anos. Até penecontemporânea aos períodos glaciais e níveis de
certo ponto, os agrupamentos de minienclaves de ve- mar maixo quaternários, para a América do Sul, vista
getação xerófita parecem indicar os principais eixos como um todo. Mais do que isso, os autores tiveram a
dos grandes caminhos de penetração de semiaridez iniciativa de esquematizar em dois pequenos mapas,
quaternária, no espaço geográfico atualmente perten- as situações prováveis das correntes frias por ocasião
cente à América Tropical. dos períodos glaciários e dos períodos interglaciários,
As primeiras descobertas significativas para o na América do Sul. Ficaram, assim, definidos os dois
conhecimento paleoclimático recente da América do esquemas de predominância de condições climáticas
Sul Oriental se devem a Cailleux e Tricart (1957) e mais secas e frias nos períodos glaciais, mais quentes
Jean Tricart (1958). Entrementes, a associação direta e úmidos nos períodos interglaciais, válidos para uma
entre as condições glaciais, níveis de mares baixos, e grande parte do espaço geográfico sul-americano - em
ampliação da semiaridez devem-se aos estudos con- franca oposição aparente com tudo aquilo que se co-
juntos de J. J. Bigarella e A. N. Ab’Sáber (1961), em nhecia sobre períodos pluviais e períodos interpluviais,

416
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
21

Mapas esquemáticos elaborados por Damuth e Fairbridge (1970), para demonstrar os mecanismos climáticos e as
diferenças paleoclimáticas básicas, entre a situação interglacial atual (esquerda) e a possível situação glacial e gla-
cioeustática do último período seco pleistocênico (direita).
alusivos ao continente africano. veram amplas penetrações pela Amazônia Oriental
A descoberta da dinâmica genérica e das corre- e Central, talvez se conectando com áreas similares,
lações básicas entre as glaciações e a expansão da se- hoje reduzidas, da área de Roraima-Guianas e dos
miaridez, por grupos nacionais e estrangeiros no Brasil, llanos do Orenoco. No espaço das terras baixas ama-
não esgota evidentemente a questão dos paleoclimas zônicas, apenas restaram refúgios nas antigas “ilhas
quaternários no Brasil e na América Tropical. Muita de umidade” de algumas encostas mais expostas de
coisa restou para ser detalhado, ao longo do tempo e serrinhas e morros semimamelonizados, e talvez no
sobretudo do espaço, com vistas a uma compreensão arco-sudoeste das encostas andinas, e fachada seten-
mais substancial, em termos paleoclimáticos e paleo- trional das Guianas. O estudo desses refúgios, hoje
ecológicos. Os estudos interdisciplinares, feitos por afogados pela expansão e coalescência geral das matas
geomorfologistas, botânicos e zoólogos, estão a exigir amazônico-guianenses, tem ganho uma sólida contri-
esse detalhamento da relatividade da empreitada. buição através da colaboração multidisciplinar entre
No conjunto da América do Sul, por ocasião geógrafos, zoólogos e botânicos (Haffer, Vanzolini,
dos períodos glaciários e de correntes frias orientais William, Jornaux, Plance, Keith Brown, Paul Müller,
estendidas - provocadoras da expansão e ampliação entre outros).
geral das condições secas -, predominavam formações Somente o domínio dos cerrados, nos altiplanos
abertas de diferentes tipos sobre as grandes massas centrais, resistiu parcialmente à expansão dos climas
florestais atualmente conhecidas (matas amazônico- secos, cedendo espaço às caatingas, nas depressões pe-
guianenses, matas atlânticas, matas subtropicais). riféricas e interplanálticas (depressão entre os chapa-
Entretanto, em qualquer hipótese é necessário evitar dões do Urucuaia e o planalto centro de Goiás, áreas
uma ideia visual de uma predominância extensiva e deprimidas ao norte de Brasília e Anápolis, Pediplano
homogênea de climas secos indiferenciados. Pelo con- Cuiabano, Pediplano do Alto Araguaia, depressões
trário, tudo conduz a pensar em um complexo mapa monoclinais intrachapadões). Com isso, uma faixa
climático, muito amarrado às condições da compar- intermediária de caatingas restou intercalada entre
timentação topográfica dos planaltos brasileiros e das os remanescentes principais dos cerrados da área nu-
depressões centrais da América do Sul, assim como clear e a faixa Sul e Sul-Oriental da Amazônia. Do
aos numerosos pequenos centros glaciais e áreas peri- Brasil Central para a Amazônia Central deve ter exis-
glaciais de altitude das montanhas andinas. tido, portanto, um esquema de faixas que se iniciava
As caatingas tiveram maior extensão do que pela predominância de cerrados, passava a caatingas
até há pouco se presumia (Tricart, 1958), penetrando e recorriam para cerrados de diferentes tipos, e por
por numerosos compartimentos interiores dos atuais grandes espaços. Talvez as áreas de formações abertas
planaltos intertropicais brasileiros, em área hoje do- não xerofíticas da Amazônia, na época, teriam mais
tadas de matas ou cerrados. Cerrados e cerradões, conexões e coalescências com as áreas dos atuais ma-
assim como tipos de vegetação a eles associados, ti- croenclaves de cerrados da faixa Roraima-Guianas

417
e Orenoco, do que com o núcleo remanescentes do pressão do médio vale do Paraíba - que não tenha
Brasil Central. Não está fora de cogitação a possível sofrido a penetração dos climas secos, não homo-
existência de enclaves de caatingas em diversos setores gêneos, provenientes de uma das duas áreas de
sub-rochosos, de lateritas expostas, em alguns mo- expansão principais da semiaridez pleistocênica
mentos do Pleistoceno Superior, no interior de uma sul-americana, acoplada ao sistema glacial: a nordes-
Amazônia tomada por cerradões e cerrados e subli- tina ampliada, e a costeira estendida.
nhada por alongadas florestas galerias. Nesse sentido, Na porção centro-oriental do continente,
ainda que com um grau de certeza muito menor, a apenas o arcaico domínio de cerrados, nos altiplanos
área mais plausível para a existência de enclaves secos do Brasil Central, resistiu parcialmente à expansão
poderia ser a depressão dos campos de Rio Branco e as dos climas secos e à retração generalizada das prin-
baixas encostas meridionais das serranias fronteiriças. cipais áreas de grandes florestas tropicais (florestas
Tudo indica que, até o atual estágio de estudos, amazônicas e atlânticas). Acreditamos que em muitas
por ocasião dos períodos glaciais quaternários, a área áreas, sobretudo na face norte-oriental do domínio
nuclear dos cerrados brasileiros, tal como a reconhe- dos cerrados, cerrados e caatingas podem ter restado
cemos hoje, foi muito menor, por retração do domínio no mesmo espaço do Brasil Central, sob um modelo
morfoclimático e ecológico. Isto porque parte dela de distribuição espacial similar a um pequeno padrão
deveria ser ocupada por caatingas, na metade norte de organização natural, hoje reduzido à uma área
do Planalto Brasileiro, enquanto que sua borda sul muito pequena do centro-norte da Bahia, na região
era pro parte dominada por estepes, pradarias mistas de Ribeira do Pombal, ou, talvez, em esquemas simi-
e um núcleo menos denso de araucárias (sul de Mato lares àqueles existentes nos altos da Chapada do Ara-
Grosso e Planalto Meridional). O Pediplano Cuia- ripe, ou, também, daqueles ocorrentes no centro-sul
bano e as depressões intermontanas de Mato Grosso, da Chapada do Ibiapaba.
Goiás, Bahia e Minas Gerais, tenderam sempre para O importante a assinalar é que, no momento
climas muito mais secos do que os atuais. Disso re- em que as formações abertas se relacionaram com
sultou que nessas áreas deprimidas ou rebaixadas dos climas secos ou tropicais subúmidos, as duas es-
altiplanos centrais predominavam caatingas sobre tações tiveram o máximo de sua expansão nos pla-
cerrados. Por oposição, no interior dos planaltos naltos brasileiros (por ocasião dos períodos glaciais
interiores de São Paulo - à exceção das depressões quaternários), e inverteram-se os quadros anterior-
interplanálticas e intermontanas - deve ter predomi- mente dominantes de áreas nucleares envolvidas por
nado cerrados sobre matas. Tudo leva a crer que nas faixas heterogêneas de contato e transição. Domi-
aludidas depressões ocorriam caatingas. naram, com toda a certeza, clichês de vastas áreas
Em síntese, a imagem espacial que se pode transicionais complexas sobre o esquema das áreas
fazer em relação à área dos cerrados retraídos - válida nucleares. As matas se reduziram a agrupamentos
sobretudo para o último período seco quaternário - é de refúgios, acantonadas em sítios topográficos pre-
a de um macroenclave de cerrados, em pleno núcleo ferenciais. Em termos de captação de umidade: eram
alto dos chapadões do Brasil Central. Este macro- fundamentalmente matas orográficas em “brejos” de
enclave de cimeira, permanecia ilhado em Goiás e diferentes tipos, para usar da expressiva linguagem
Mato Grosso, tendo por entorno uma complexa rede nordestina, em relação a “ilhas” de umidade e paisa-
de paisagens, representada por caatingas (norte, leste, gens-enclaves (Birot, 1957; Ab’Sáber). Nesse sentido,
oeste) e estepes e prados (sul, sudeste), no entremeio os refúgios da Serra do Mar, entre São Paulo e Es-
das quais eram raríssimos os refúgios florestais de tipo pírito Santo, devem ter permanecido em faixas um
orográfico. tanto descontínuas, na testada superior das escarpas
Entrementes, é de se notar que um segundo mais expostas à umidade, enquanto as terras baixas
grande core de cerrados teve grande presença nos ta- costeiras, estendidas para setores da plataforma conti-
buleiros e baixos chapadões amazônicos, convivendo nental, eram relativamente muito secas.
com grandes matas galerias e múltiplos enclaves de Algumas áreas de planaltos subtropicais e mesmo
vegetação subxerófila (caatingas?). Não está fora de tropicais - da metade centro-sul do Planalto Brasileiro
cogitação que essa rede amazônica de cerrados pleis- - certamente foram mais secas e ligeiramente mais
tocênicos tenha ocupado uma área superior àquela do frias. Tais combinações de aridez com índices térmicos
núcleo central de cerrados de cimeira. As depressões mais baixos teriam facilitado a extensão das araucárias
de formações abertas do Rio Branco eram muito mais para o norte, sob a forma de pontes, acompanhando as
secas do que hoje, enquanto que a rede de cerrados terras altas do Brasil Oriental e as encostas orientais
se estendia pelo noroeste amazônico até os Ilanos do da média montanha andina. Formas de vegetação xe-
Orenoco. rófilas, subxerófilas e subtropicais do norte e noroeste
É quase certo que não houve depressão in- argentino puderam avançar muito mais para o interior
terior - denudacionais, tipo depressões periféricas das depressões centrais sul-americanas, e para certos
ou depressões monoclinais, ou tectônicas, tipo de- setores do Brasil centro-ocidental.

418
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
21

De sul para norte, os fatos se passaram através para sua posição atual, iniciada entre 8.000 a 10.000
de modificações progressivas mais radicais e com- anos aproximadamente, teria sido acompanhada de
plexas. Por ocasião dos níveis de mares mais baixos, uma umidificação extensiva, com adensamento das
e por certo recuados, a extensão das regiões secas do matas de araucárias, expansão de prados de altitude
Cone Sul, então menos afunilado, devia ser muito em sítios de antigas estepes, e tropicalização dos pla-
maior. Os glaciários do Sul do Chile estendiam-se naltos interiores, de São Paulo e Norte do Paraná,
até onde estão os finger lakes da Argentina meridional. com perda das ligações anteriores entre o núcleo sul-
Climas glaciais e grandes faixas de desertos frios e brasileiro de araucárias em relação aos atuais refúgios
áreas periglaciais estimularam a morfogênese mecâ- de pinhais das terras altas do Brasil de sudeste. Os
nica nas terras altas e médias, possibilitando a elabo- remanescentes de araucárias da Paranapiacaba, região
ração de grandes massas de calhau e seixos. Onde hoje de São Paulo e arredores de Bragança, inseridos no
existem estepes semidesérticas ou quase desérticas entremeio de florestas tropicais de planaltos, seriam
deve ter existido tundras e desertos frios. Parte dos os documentos residuais derradeiros da expansão e co-
fjords estavam recheados pelas geleiras, que foram o alescência das florestas tropicais paulistas, sobre uma
próprio motivo de sua escavação ao longo de períodos paisagem anterior similar àquela ainda hoje obser-
glaciais sincopados. vável na vegetação da área de fronteira entre o Paraná
As correntes frias, muito mais largas, um tanto e São Paulo (planalto de Paranaguá, bacia paranaense
afastadas do seu eixo atual, e climaticamente ativas, do alto Ribeira).
atingiram em cheio a costa sul do Brasil e uma parte Muitas questões abertas restam sobre os qua-
apreciável do Brasil de Sudeste e Oriental. Apenas a dros paleoclimáticos e paleoecológicos da macrorre-
Serra Geral, no seu trecho leste-oeste, no Rio Grande gião andina da América do Sul. É possível que toda
do Sul, formava uma barreira suficientemente alta a área equatorial dos Andes tenha sido afetada por
para provocar condensação e chuvas orográficas em rebaixamento térmico, altitudinalmente progressivo, e
seus trechos médios e superiores (?). Enquanto que que suas terras baixas ocidentais tenham sido menos
a área das pampas úmidas argentinas e uruguaias úmidas. Quanto às vertentes amazônicas dos Andes,
foram mais áridas, secas e estépicas em diversos existem condições para se pensar em refúgios florestais
momentos do Quaternário, a maior parte das coxilhas descontínuos, com predominância de um esquema es-
gaúchas, do Uruguai e Rio Grande do Sul, estiveram pacial ainda hoje observável na zona de contato entre
sob a ação de climas secos e parcialmente inválidos as encostas florestadas e as “savanas” do Orenoco, na
por formações xerófilas, com cactáceas. A esse tempo, Colômbia e Venezuela.
na área atual das pradarias mistas do Rio Grande do A despeito dessas ilações preliminares, é cedo,
Sul não existiam florestas galerias subtropicais. entretanto, para tentar reconstituir os mosaicos de
De qualquer forma, pode-se adiantar que as paisagens e floras quaternárias do Brasil em termos de
fases mais frias e secas do Quaternário propiciaram um documento cartográfico de referência. Sabemos
uma predominância das paisagens do “monte” ar- do grande interesse que um mapa suficientemente
gentino, com cactáceas, e das estepes do tipo norte visualizador poderia representar para a complemen-
patagônico, em detrimento das paisagens de prada- tação dos estudos biogeográficos. Devemos esta con-
rias úmidas. Paisagens do “monte” estiveram no Rio tribuição aos nossos colegas naturalistas. No entanto,
Grande do Sul, enquanto as estepes patagônicas inva- o máximo que se pode fazer, de um modo rápido e
diram fundo as áreas pampeanas úmidas, hoje conhe- sem grandes riscos de distorções, é um esboço gros-
cidas. Ao invés de uma área nuclear da pampa úmida seiro do quadro das áreas preferenciais de penetrações
houve uma série de refúgios e de agrupamentos de re- de formações abertas de climas secos sobre as áreas
fúgios de prados nas ladeiras úmidas e subúmidas das atualmente transformadas em grande domínios flo-
áreas pampeanas, topograficamente mais salientes, da restais. Em outras palavras, somente se pode adiantar
Argentina, Uruguai e Rio Grande do Sul (Sierras de o mapa das áreas mais habitualmente visitadas pelos
Tandil e Ventana, Sierras do Córdoba, elevações do sistemas predominantemente secos - porém jamais ho-
núcleo uruguaio-sul-rio-grandense do Estado brasi- mogêneos - que por diversas vezes, no decorrer do
leiro). Com base no conhecimento da estrutura su- Quaternário, invadiram o espaço hoje dominado por
perficial da paisagem de planaltos de Lajes e Vacaria, sistemas tropicais. É quase certo que tais faixas secas
temos razões para pensar que o domínio da Araucária compartimentadas, e de mosaico complexo, tenham
sul-brasileiro era bem menos compacto e contínuo, substituído, na maior parte das fases glaciais e gla-
entremeado de setores sub-rochosos, estépicos secos, cioeustáticas, os sistemas predominantemente úmidos,
e um tanto deslocado para o norte, através de faixas similares aos que vigoram hoje no continente sul-
alongadas que seguiam os espigões e serranias, do- americano.
tados de cimeira subúmidas e úmidas (Paranapiacaba,
Campos do Jordão e Bocaina, Centro-Sul de Minas, A bibliografia deste artigo se encontra no DVD anexo
Espinhaço Meridional). A retração das correntes frias

419
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Geografia e Paisagem
Aziz Nacib Ab’SÁber e o espaço organizado

Julio Roberto Katinsky

A Geografia como ciência desenvolveu-se à sombra das


diretrizes imperiais, e mesmo se pode dizer que a geografia mo-
derna originou-se nos Impérios Modernos da Península Ibérica;
e nem podia deixar de assim acontecer, senão por governos que se
atiraram à conquista do planeta.
No Brasil, mesmo com progressos técnicos acompanhan-
do os centros escolarmente mais adiantados, continuou-se explo-
rando o território com os mesmos objetivos quinhentistas. Dois
grupos de mapas se notabilizaram no século XX: os mapas elabo-
rados pela Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São
Paulo, e em relação ao relevo da plataforma continental, os mapas
extremamente detalhados da Marinha Brasileira. Estes, muitas
vezes foram emoldurados e pendurados nas paredes de casas de
veraneio de praias paulistas como se fossem obras de arte, que
aliás são mesmo.
Esta geografia todavia presta serviços para Impérios, ain-
da que estes se mostrem cada vez mais, visivelmente, obsoletos
como reguladores da vida social. É recorrente, nos estrategistas
destes últimos cem anos, a explicação dos fracassos de ações mi-
litares, batalhas, pelo desconhecimento das situações geográ-
ficas, seja o relevo ou clima. Essa explicação se vê negada pela
coleção de águas-fortes de autoria de Dom Francisco de Goya y
Lucientes, conhecida como “Los Desastres de la guerra”, nas
quais ele registra a resistência popular (e essencialmente popu-
lar) contra o opressor Francês. Podemos então contrapor a uma
explicação “técnica” da derrota dos exércitos napoleônicos na Es-

420
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
22
panha, em 1808 - e em 1812 na Rússia czarista, e primeiro, o êxito chinês na recuperação de terrenos
cem anos mais tarde dos exércitos nazistas na mesma desertos, comunicado ao mundo no final da década
Rússia -, segundo a qual Napoleão teria sido derro- de 70 do século passado (Nairobi, 1977).
tado pelo “General Inverno”, a luta da sociedade civil. E o segundo, a bem empreendida campanha
Diga-se de passagem que a palavra “guerrilha”, de tão norte-americana pela preservação das baleias, que se
grande curso no século XX, foi inventada na Espa- estendeu para outras espécies em risco de extinção,
nha oprimida pelos exércitos franceses dos Generais como o projeto brasileiro para preservação das tarta-
de Bonaparte. rugas marinhas.
As ciências humanas, sem desprezar intuições Pode-se então dizer que a ecologia, enquan-
esparsas recolhidas nos milênios anteriores, todas se to disciplina filosófica, incentiva as experiências das
organizaram sistematicamente no século XIX e se de- ciências particulares para, diante da depredação sis-
senvolveram no século XX, junto com a paleontologia temática do gênero humano à diversidade biológica e
e a paleobotânica. física do planeta nestes últimos dez ou vinte milênios,
Essas ciências acentuaram a compreensão da apresentar alternativas para recuperar essa mesma de-
interdependência entre a orografia, clima e vida sim- predação.
plesmente. Uma das explicações para a fundação da Uni-
Talvez tenha sido a consciência aguda des- versidade de São Paulo é que a oligarquia cafeeira que
sa condição que propiciou a elaboração da hipótese dominava o Estado, tendo perdido a revolução de
de “refúgios” (“santuários”?), alteradores de caracte- 1932, em 1934 resolveu criar a “Faculdade de Filo-
rísticas entre animais de mesma espécie, pelo isola- sofia, Ciências e Letras”, núcleo fundamental, junto
mento a que ficaram submetidos, quando há mais de com as grandes Escolas Superiores, Escola Politéc-
2.500 anos a planície amazônica se tornou um grande nica, Faculdade de Medicina e Cirurgia e Faculda-
areal, com poucas áreas férteis isoladas (efeito “oásis”), de de Direito (essa, nessa época, já velha de mais de
hipótese essa de autoria do zoólogo Paulo Vanzolini, cem anos), formadoras da futura Universidade de São
formulada graças à compreensão das bases físicas ma- Paulo. E de fato, a instituição do primeiro Conselho
peadas pelo geomorfólogo Aziz N. Ab’Sáber. Universitário se deu na sala da Congregação da Fa-
Não importa que esta brilhante teoria seja con- culdade de Medicina, provavelmente pela simbologia
testada hoje: toda contestação, ou mesmo toda subs- da Escola, na qual se cultuavam as ciências modernas
tituição conserva algo das teorias que pretende con- e mais próximas das ciências exatas.
testar ou mesmo substituir. A certeza de uma única Mas podemos pensar que a Universidade, fun-
verdade e falsidade como realidades fixas e imutáveis dada em 1934, foi o coroamento das propostas dos
da antiga escolástica foi substituída hoje pela certeza positivistas republicanos que assumiram o poder
de aproximações sucessivas, nenhuma totalmente fal- quarenta anos antes. De fato, um conjunto grande de
sa, nenhuma certa absoluta, mas sempre provisória. Institutos de pesquisa científica e tecnológica foram
“Ecologia”, tal como entendemos hoje pois, é fundados após 1890 (Escola Politécnica, 1894; Escola
uma disciplina na qual convergem a geografia, a his- de Medicina, 1912; Escola de Higiene e Saúde Pú-
tória das modificações físicas do planeta, a biologia, a blica, 1918, Instituto Médico Legal, Instituto Emí-
paleontologia, a antropologia, a sociologia e a História lio Ribas, Instituto Agronômico, Instituto Biológico,
do Homem. Por isso mesmo não pode ser considerada Instituto Butantan). Mas talvez mais importante, ain-
ciência. Pode, entretanto, ser considerada disciplina da que não suficientemente discutido, um ambicioso
filosófica. Pode mesmo, enquanto disciplina, sugerir programa de ensino médio, ambicioso para a menta-
desenvolvimentos científicos. Como aliás no passado, lidade brasileira da época, foi estabelecido com várias
disciplinas filosóficas favoreceram ou dificultaram escolas de ensino primário e secundário, bem como
o progresso de certas ciências, como a geometria e “Escolas Normais”, para prover essas escolas com ins-
a astronomia entre os gregos. Mas esses avanços fo- trutores e instrutoras qualificados. Todos, a começar
ram devidos e são devidos aos praticantes das ciências da primeira, Escola Normal Caetano de Campos
particulares, quer elas existissem ou não, na época da (1894), construída sob projeto de arquitetos altamente
proposta primeira da “ecologia”. Como, por exem- qualificados, como as dedicadas arquitetas da FDE
plo, nasceu sob o impacto das pesquisas de Charles (Fundação de Desenvolvimento Escolar) se encarre-
Darwin, que não previu, mas incorporou-se à genéti- garam de arrolar e em alguns casos se esforçaram para
ca desenvolvida nos finais do século XIX. preservar e restaurar. É verdade que esses primeiros
E assim tem sido desde então. Tomemos tam- republicanos não atentaram para o vertiginoso cres-
bém, como exemplo do futuro da Ecologia, a cons- cimento da população: 20.000.000 de habitantes em
tatação, que há quarenta anos não se cogitava, a não todo Brasil em 1890, 56.000.000 em 1950.
ser como propostas pontuais e localizadas, a defesa Apesar da timidez das propostas desses positi-
da natureza entendida como proibição da depredação vistas, não podemos deixar de reconhecer na trajetória
dos recursos naturais não atingidos ainda. Mas dois intelectual de Aziz Nacib Ab’Sáber, a plena realiza-
acontecimentos planetários mudaram essa postura: o ção da proposta positivista da Primeira República.

421
Com efeito, se não fossem os acontecimentos suma- le Marx, convidado pelo arquiteto Oscar Niemeyer,
riamente apresentados, como seria possível pensar no projetou o paisagismo do bairro da Pampulha em
sucesso de um filho de modesto comerciante de São Belo Horizonte. Luís Saia, não só sempre foi muito
Luiz do Paraitinga, descendente de imigrante libanês, ligado ideologicamente aos arquitetos acima citados,
que conhecia até a adolescência as cidades do Vale do como, por sua formação politécnica, também acolhia
Paraíba, Taubaté ou Lorena, chamadas por Monteiro a vertente científica e tecnológica dos arquitetos ca-
Lobato de “cidades mortas”, que só se desenvolveriam riocas. Burle Marx, em particular, foi estudioso da
depois da Segunda Guerra, com a instalação das in- flora brasileira, sendo amigo pessoal de cientistas da
dústrias, algumas multinacionais? área. Também foi o único paisagista brasileiro a mere-
Se as cidades do vale que conheceram a rique- cer uma grande exposição de seus trabalhos em Kew
za do café monárquico estavam com suas economias Garden, em Londres.
paralisadas, o que pensar de São Luiz, no Vale do Pa- Em depoimento pessoal, o professor Ab’Sáber
raitinga, que sempre viveu economicamente de pro- relatou que foi Oswald de Andrade, em artigo sar-
dução de bens de subsistência para as populações da cástico sobre um manifesto de jovens estudantes da
produção cafeeira. Faculdade de Filosofia, na década de 40, quem desta-
É claro que todos esses fatos são condições cou, como única figura merecedora de atenção, o en-
da vida das pessoas, não são determinantes. Mas tão estudante da politécnica e colaborador de Mário
não se pode deixar de notar a feliz coincidência da de Andrade, Luís Saia.
fundação dos cursos superiores da Universidade e Este, por sua vez, junto com José Setzer, organi-
uma curiosidade por parte do jovem caipira de São zou palestras para o Instituto de Arquitetos do Brasil
Luiz. Pois ao lado da sua paixão pela orografia, tam- nos quais, entre outros, o professor Ab’Sáber tomou
bém procurou se aproximar dos intelectuais prestigia- parte ativa. Assim, ao lado de sua pesquisa acadêmica,
dos pela jovem Faculdade de Filosofia, em particular o professor passou a participar, em sua especialidade,
pelos arquitetos brasileiros, em especial, Luís Saia. de equipes multidisciplinares e interdisciplinares que
Diferente do que acreditam alguns, o arquiteto em começavam a se organizar para enfrentar os proble-
sua versão da Escola Corbusiana de Lúcio Costa e mas de ocupação do estado, em escala regional.
Oscar Niemeyer não afirma que a função do arqui- Durante o governo do Sr. Abreu Sodré,
teto, diante da diversificação do processo produtivo foi organizada uma equipe interdisciplinar sob a
provocado pela chamada Revolução Industrial (como coordenação dos arquitetos João Vilanova Artigas
queria Gropius), é a de ser o coordenador dos serviços e João Walter Toscano com objetivo de traçar di-
e técnicos da construção. Essa é uma função secundá- retrizes de ocupação do litoral paulista, contem-
ria. A função do arquiteto no mundo contemporâneo plando o desenvolvimento ordenado das cidades
é viabilizar o espaço de nossa convivência. Ou seja, e a defesa do patrimônio cultural e paisagístico
sem desconhecer o “valor de troca” da obra, a ênfase da orla até o sopé da Serra do Mar, com seus va-
da atividade do arquiteto recai, no mundo contem- riados nichos ecológicos, com vistas a prevenir as
porâneo, para o “valor de uso”. Tanto isso se verifi- consequências da abertura da estrada Rio-Santos.
cou desde o início, que o incentivo para o paisagismo Foi nessa ocasião que eu tive a oportunidade de tra-
de Roberto Burle Marx originou-se do próprio Lú- balhar com o professor Aziz. Este trabalho, como
cio Costa, primeiro chamando-o para colaborar em todos os apresentados em seguida, não era peça
projetos residenciais, depois para jardins públicos no doutrinária, mas sua validade se constituía na via-
Recife e, finalmente, para o paisagismo do Ministério bilidade das soluções propostas. Foi solicitado pelo
de Educação e Saúde. CONDEPHAAT, àquela altura (1970) dirigido pelo
Nesse processo, Lúcio Costa definiu: dentro arquiteto Luís Saia. Mas os interesses contrariados
de uma visão ampla do processo produtivo que as- devem ter sido tão poderosos, que nem o documento
socia muitas vertentes de conhecimento, a função inicial entregue encontra-se no arquivo do órgão.
específica do arquiteto é dotar obras de uma “in- O trabalho seguinte foi solicitado pela SA-
tenção plástica” unificadora visualmente de todo BESP ao arquiteto Ruy Ohtake para estabelecer as
o empreendimento. E Oscar Niemeyer, altamente diretrizes de ocupação em torno das instalações da re-
preocupado com uma contribuição criadora a nível presa de Mairiporã; consiste esta barragem, lago e es-
tecnológico, obedecendo às exigências do progresso tação de recalque, na etapa intermediária de um pro-
tecnológico, explora as novas formas possíveis e ne- jeto de engenharia que retira cerca de 40m³ de água
cessárias propiciadas pela técnica moderna, também por segundo da Bacia do Rio Atibaia, para abastecer a
coordenadas pela “beleza da forma plástica”. Diga- cidade de São Paulo. Quando a equipe foi constituída,
se de passagem que nisto se revelam fiéis discípu- as obras de construção já estavam prontas e não cabia
los de Le Corbusier. Sua revista dos anos 20, Esprit outra coisa senão minimizar a depredação ocorrida.
Nouveau, tinha como colaborador, além de vários lite- Causava-nos espécie a retirada de 90 m³ de água por
ratos, o cientista Paul Langevin. segundo da Bacia do Tietê-Pinheiros pelo complexo
A consagração pública ocorreu quando Bur- do Sistema Light, com águas extremamente poluídas

422
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
22
e inutilizáveis para uso humano (dizia-se que o Tie- da arquiteta, e encontra-se parcialmente relatado no
tê tinha sido reduzido a uma estação de esgoto a céu livro Arquitetura na CESP, de 1994, organizado pela
aberto), e queríamos corrigir esse disparate, retirando referida arquiteta.
água de outra bacia. A equipe nesse caso, formada por Mesmo essa experiência, que contou com tra-
arquitetos, engenheiros e cientistas teve uma atuação balhos bem mais extensos que nos empreendimentos
bastante pronunciada do professor Aziz no que se re- anteriores e que foi resumida com precisão e rigor
fere ao estudo das variações altimétricas da área (foi em um ensaio inserido no livro acima mencionado,
feita a proposta de “iluminar” as plantas topográficas de autoria do professor Ab’Sáber (pp. 202-208), não
existentes, ou seja colorir de diversas cores os patama- foi levada às últimas consequências devido à dano-
res das encostas adjacentes ao lago), com o objetivo de sa interferência de um energúmeno infiltrado como
caracterizar o reflorestamento, e estabelecimento de assessor da diretoria, e que, a pretexto de economia
índices de ocupação da encosta direita ainda com ocu- para a companhia, interrompeu o processo em sua
pação rarefeita, propostas para contenção das águas fase final.
pluviais com vistas a diminuir (senão eliminar) a re- A arquiteta Nina, em um ensaio inserido a par-
moção de resíduos sólidos que iriam assorear o lago, tir da p. 211, não deixou de denunciar essa irrespon-
pois, como dizia o professor Aziz, a existência de “pa- sável postura, como registra em “Da ação corretiva à
leovossorocas” atestava a fragilidade do solo. O proje- ação planejada”:
to contemplava também diretrizes para a implantação Os aspectos ligados ao planejamento geral dos
de tratamento rigoroso do esgoto urbano da cidade canteiros industrial e de serviços são de suma
de Mairiporã, situada à margem esquerda do lago, o importância para se alcançar o pleno rendimen-
uso das águas para esportes náuticos não poluentes ou to das atividades que aí se desenvolvem. Ao lado
para pesca, e proposta para ocupação das “penínsulas” das preocupações com a eficiência operacional
existentes por parte da iniciativa privada, com con- dos canteiros na fase da execução é importante
trapartidas para preservação ambiental. Da equipe, considerar, em seu planejamento e implantação,
fizeram parte, além de Samuel Murgell Branco, o a sua futura desmobilização e a reintegração da
paisagista Roberto Burle Marx. área utilizada ao espaço paisagístico da barragem/
Este trabalho foi parcialmente implantado, usina. Nem sempre isso tem acontecido, encon-
mas abriu perspectivas para ambicioso projeto da trando-se frequentemente instalações provisórias
CESP para o estudo dos impactos ambientais do Bai- mal implantadas, comprometendo a topografia
xo Tietê (Ab’Sáber et al., 1978), isto é, do trecho do original do terreno com extensas terraplanagens
rio paulista, da barragem de Barra Bonita, até a foz, para a criação de grandes áreas desnecessárias;
onde, a trinta quilômetros da sua embocadura, seria edifícios com caráter definitivo, dificultando e até
construída a última barragem de um rio que na ex- mesmo impedindo sua remoção após o término
pressão de Aziz passaria a ser um “rio gordo”. da obra; sistema viário exagerado, não adequado
Dessa experiência, participaram ativamen- ao terreno e drenagens naturais interrompidas, de
te os arquitetos Hélio Pasta, Hélio Penteado, difícil correção.
Bergstrom Lourenço, Nina Tsukamo, o professor Via de regra, áreas utilizadas para empréstimo
Aziz Ab’Sáber e o professor Tundisi, especialista em de terra e bota-fora não eram tratadas ao término
limnologia, além do engenheiro agrônomo Cirillo da obra. O entendimento de que seria mais eco-
Mafra Machado. A última iniciativa que eu acom- nômico não se ocupar delas é totalmente injus-
panhei como interessado em consultorias eventuais tificado, pois constituem terrenos com potencial
(para estudo de preservação do equipamento tecno- de erosão acelerada pela destruição da estrutura
lógico prévio encontrado em Usinas desativadas) foi do solo, trazendo como consequência: escorrega-
o projeto de recuperação das áreas afetadas pela bar- mento de terras, entulhamento dos cursos d’água,
ragem de Paraibuna (Ab’Sáber, Chacel e Tsukumo, sangramento do lençol freático e eventual secio-
1975), tanto das áreas lindeiras como também as áreas namento das vias de acesso. Nas áreas de emprés-
de “bota-fora”, e reafeiçoamento das áreas atingidas timo, a retirada das camadas superiores do per-
pela nova rodovia que a CESP foi obrigada a cons- fil dos solos - exatamente aquelas que pela sua
truir, uma vez que a velha estrada de São José dos estrutura, riqueza orgânica e cobertura vegetal
Campos-Caraguatatuba iria ser, em grandes trechos, apresentam maior resistência à erosão - origina
inundada. Para se ter ideia das transformações ocorri- pontos de irradiação de profundas ravinas, que se
das, basta lembrar que a ponte sobre o Rio São Lou- alastram em várias direções, podendo ultrapassar
renço encontra-se a cerca de oitenta metros acima do os limites da própria área de empréstimo, causan-
leito primitivo do rio. do muitas vezes agressões irreparáveis à superfície.
Talvez esse projeto, que contou com a parti- Além desses prejuízos de ordem ecológica e ma-
cipação dedicada da arquiteta Nina Tsukumo, seja terial, devem ser levadas em conta as não menos
aquele que mais duradouras experiências provocou, significativas alterações antiestéticas causadas na
sendo, em parte, objeto da dissertação de mestrado paisagem pela formação de grandes extensões

423
desnudadas e erodidas, tornando agressiva e inós- de seus mestres franceses fundadores da Faculdade de
pita a paisagem que deveria ser agradável e aco- Filosofia, Ciências e Letras, não só as de sua especia-
lhedora. lidade. Por isso, com justiça, o professor Sérgio Buar-
Somente com o acúmulo de experiências e re- que de Holanda, talvez o maior historiador brasileiro
sultados positivos, a situação inverteu-se, dando do século XX, tenha chamado o geógrafo para, como
lugar a uma discussão ampla dos problemas li- um pórtico de entrada, redigir o primeiro capítulo do
gados à preservação do meio ambiente entre os livro segundo de sua monumental História da Civili-
diversos profissionais envolvidos no projeto da zação Brasileira. Destaco alguns textos desse capítulo,
usina, desde as suas primeiras etapas. para acentuar as afinidades eletivas do geógrafo com
os arquitetos brasileiros e que iriam frutificar vinte
Os prejuízos não foram mais extensos devido anos depois em sua colaboração nos projetos de recu-
à mentalidade dos engenheiros dirigentes da CESP peração regional.
na época, e que não são conhecidos ainda nos meios
acadêmicos como merecem. Fundamentos geográficos da História brasileira
Não podemos deixar de anotar que os diri-
gentes da CESP nessa época, Lopes Leão, Souza Os agrupamentos humanos que, provindos do
Dias e Lucas Garcez, formaram-se engenheiros na meridião europeu, vão colonizar a terra brasileira
década de 30, durante a Depressão e, incentivados tiveram como teatro geográfico para suas ativi-
pelo professor Anhaia Mello, tiveram sempre como dades econômicas e sociais uma faixa territorial
modelo a experiência impressionante do projeto do típica do mundo tropical. Alguns dos grandes
Tenessee Valley Anthority, norte-americana, também problemas de adaptação por eles enfrentados, as-
ela uma experiência interdisciplinar, que ultrapassava sim como a maior parte das relações que man-
de muito um simples projeto econômico. Infelizmente tiveram com o solo e os elementos da natureza
essa experiência foi paulatinamente abortada no país do país que desbravaram, dependeram muito de
de origem em consequência da Guerra Fria. Mas não perto da tropicalidade marcante desse imenso
podemos esquecer a audácia de Armando Laydner território. Nada mais justo, portanto, do que uma
ao convidar o arquiteto Hélio Pasta, justamente para revisão dos grandes traços das paisagens tropicais
cuidar do ambiente do espaço de convivência de Salto e subtropicais dessa metade de continente que foi
Grande e Jurumirim (USELPA) na década de 50 do descoberta, desbravada e colonizada pelos habi-
século passado. tantes do pequenino país europeu, situado à beira
É possível supor que essas experiências pro- do Atlântico, na finisterra ocidental do continente
fissionais tenham cimentado a proposta do pro- euroasiático.
fessor Aziz Ab’Sáber, quando presidente do Na realidade, as terras colonizadas pelos por-
CONDEPHAAT, de propor o tombamento da Serra tugueses na América Meridional compreendiam
do Mar em toda sua extensão, no Estado de São Paulo. quadros geográficos dominantemente intertropi-
E, se a depredação do meio ambiente continua, cais. O Brasil é, antes de tudo, um grande territó-
não deixa de ser verdade também que essas iniciativas rio tropical de face leste, refletindo em seus tipos
despertaram muitas pessoas para os problemas aqui de climas, como em seus grandes domínios pai-
sumariamente apresentados. Grupos de pessoas não sagísticos, ou nos fundamentos de sua economia
especialistas se reúnem em “organizações não gover- agrária, todas as consequências dessa tropicalida-
namentais” (ongs) para defesa da mata atlântica e re- de. Por outro lado, é de notar que, quando se fala
florestamento. Mesmo a procura de combustíveis não em território intertropical de face leste, pensa-
poluentes foi, no Brasil, resultado dessa consciência se na tropicalidade extensivamente associada à
emergente: há mais de vinte anos, a própria CESP umidade. Muito embora aqui não caiba sondar
manteve uma Usina Experimental de produção de as razões que explicam aquela curiosa assimetria
etanol, usando como matéria-prima madeira de reflo- climática das fachadas continentais das terras que
restamento. se estendem nas zonas intertropicais, cumpre-nos
Ao lado de sua atuação como pesquisador, o lembrar que ao Brasil coube a posição considera-
professor Aziz manteve extremamente ativa sua par- da favorável, exatamente aquela que é a mais pro-
ticipação didática na Universidade, sendo de se des- pícia para captar a umidade varrida dos oceanos, a
tacar o incentivo aos seus alunos e orientandos e sua qual penetra funda e frequentemente no interior
incansável atividade de publicações à frente de Insti- das terras brasileiras (p. 55).
tuto de Geografia, que, parece, entrou recentemen- A ausência de uma aridez acentuada tornou o
te em recesso. Desde o primeiro trabalho, de 1970, “continente” brasileiro extensivamente ocupável e
quando trabalhamos juntos, tenho me beneficiado de colonizável, tendo o homem efetivamente desen-
seu ensino, quando aprendi, já no primeiro contato, volvido, com maiores ou menores probabilidades
a bibliografia como instrumento de trabalho. Aziz de êxito, atividades econômicas em todos os am-
Ab’Sáber deve ter absorvido profundamente as aulas bientes geográficos do território. Nossa geografia

424
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
22
humana, por outro lado, é o maior documento produtiva das terras, comportando modificações
dos problemas enfrentados pelo europeu no cin- graves que atingiram a própria estrutura super-
turão dos trópicos úmidos. Procedentes de áreas ficial das paisagens intertropicais, cujo exemplo
de clima temperado, tendo entrado em contato, maior pode ser observado na fisionomia atual das
por toda parte, no Brasil Atlântico, com amostras terras amorreadas da Bacia do Paraíba do Sul.
típicas da natureza tropical, os colonizadores tive- Não bastou apenas a riqueza química de
ram que desenvolver uma gigantesca obra quase alguns solos para a garantia do seu sucesso agrí-
quotidiana de adaptação aos quadros ambientais cola e a prolongação do seu período de explo-
do país que povoaram (p. 57). ração econômica. Mais do que isso, sempre foi
necessário que aos solos ricos, escondidos sob a
Vida agrária e economia agrícola floresta, correspondessem áreas de topografia su-
ave, incapazes de acelerar a erosão superficial após
No plano da vida econômica, entre nós, a mais as derrubadas. Essa feliz coincidência, entretanto,
importante consequência da tropicalidade foi in- foi muito poucas vezes observada, sobretudo nas
discutivelmente aquela que condicionou a vida terras altas e movimentadas do Brasil Atlântico.
agrária e sobretudo a economia agrícola do país. As áreas mais ricas do solo brasileiro se res-
No que diz respeito à produção agrícola, a história tringem a certo número de manchas excepcio-
econômica do Brasil é um capítulo importante e nalmente férteis, situadas em pontos isolados do
até certo ponto dramático da história dos produ- território, tais como nos chapadões basálticos de
tos agrícolas do Mundo Tropical. Aqui se reve- São Paulo e do Norte do Paraná, trechos das de-
zaram, no tempo e em áreas geográficas das mais pressões periféricas sulinas, a região serrana do
diversas, toda aquela série de plantas de maior ou Rio Grande do Sul, a zona sublitorânea do Nor-
menor importância que caracterizam a economia deste Oriental (onde se formam massapés ricos a
das terras intertropicais úmidas: cana-de-açúcar, partir de gnaisses injetados por rochas vulcânicas,
café, borracha, cacau e fumo. Em outro setor, na afloramentos de calcários depositados de terraços
economia agrícola de subsistência, esteve sempre e tratos de planícies fluviais dispostas em largas
presente aquele pequeno grupo de produtos que calhas, com aluviões férteis). Além disso, no Mato
melhor caracterizam a dieta da maior parte dos Grosso e Goiás, como na região de Dourados,
agrupamentos rurais brasileiros, ou seja, o milho, no sul de Mato Grosso, reaparecem manchas de
a mandioca, o feijão, a banana e diversos tipos de solos ricos, que só muito tardiamente foram des-
abóboras. Isso tudo complementado pela criação cobertos e estão sofrendo algum aproveitamento.
de porcos e aves de pequeno porte. Lavouras de Fora da zona mais sujeita à tropicalidade, situa-
algodão são praticadas tanto em zonas tropicais, da no Brasil Meridional, existem trechos de pla-
quanto em zonas subtropicais, em nosso territó- tôs basálticos com solos aproveitáveis e algumas
rio, enquanto só muito tardiamente a rizicultura, manchas de terras pretas degradadas na região de
também praticada em diferentes áreas climáticas Bagé. Esta última, aliás, guarda grande interes-
do território, tem ganho uma expressão econômi- se para a expansão de uma cultura não tropical,
ca cada vez mais importante na produção brasilei- como é a do trigo, dadas as condições climáticas,
ra. Muito recentemente, o trigo tem conseguido de exceção para o caso brasileiro, ali reinantes (pp.
algum sucesso nas terras mais tipicamente sub- 66-67).
tropicais do país (pp. 58-59).
Na realidade, as florestas tropicais, quer as da Povoamento e colonização
área amazônica ou as matas atlânticas, na qualida-
de de matas pluviais, geraram o seu próprio solo; Os escassos agrupamentos humanos que arca-
entretanto, quando destruídas extensiva e desre- ram com a responsabilidade de povoar o Brasil
gradamente, deixaram de resguardar a terra enri- Atlântico parecem provir, inicialmente, dos cen-
quecida que lentamente ajudaram a criar e a aper- tros portuários de Portugal, representando indi-
feiçoar, deixando inteiramente à mercê da erosão víduos até certo ponto à margem da vida agrária.
os ácidos úmidos e os sais minerais que constitu- Entretanto, quando se tratou do esforço de co-
íram a sua maior riqueza. Rompido o equilíbrio, lonização, propriamente dita, vieram dominante-
como lembra Francis Ruellan, não se fez esperar o mente grupos de pessoas e famílias arrebanhadas
revide do meio físico, através da aceleração da ero- principalmente nos setores rurais da vida portu-
são laminar na superfície do solo com lavagem de guesa. Nunca foi possível, porém, qualquer con-
seus elementos mais ricos e importantes. Sobre- trole seletivo nas diversas e ininterruptas correntes
tudo nas áreas acidentadas, de topografia enérgica históricas daqueles que se atreveram a transpor o
e morros arredondados, o desequilíbrio provocado Atlântico para a grande aventura brasileira. Nos
pelo desmatamento extensivo não se fez esperar meados do século XVI, a população europeia do
nunca, enfraquecendo rapidamente a capacidade Brasil era composta de portugueses e espanhóis,

425
provenientes dos dois setores da vida ibérica: o 
agrário e o citadino. Ao descrever o subcontinente brasileiro, o pro-
As tentativas de colonização, relacionadas com a fessor Aziz não deixou de assinalar os pequenos aglo-
ação particular dos chamados donatários das capi- merados humanos nos quais vivia, na época, a maior
tanias hereditárias, parecem ter sido feitas à custa parte do povo, como a São Luiz de Paraitinga de sua
de um pequeno contingente de povoadores que infância. Este texto, se está apoiado implicitamente
resumiam, até certo ponto, a sociedade portuguesa em sua biografia, não deixa de revelar seu humanís-
da época. Donatários, governadores-gerais, jesuítas, simo compromisso social que marcaria toda sua tra-
senhores de engenho e contratadores de diamante jetória futura.
tiveram sempre que fazer vistas grossas no tocante Nossa colaboração mais recente foi o estudo do
à seleção dos pequenos contingentes humanos que entorno do engenho São Jorge dos Erasmos, publica-
concordaram em atravessar o grande oceano em do na Revista da USP nº 41.
minúsculas caravelas. Por outro lado, em todos os Ainda hoje, tendo ultrapassado de muito a
momentos em que se fez sentir a falta de mão de aposentadoria compulsória, o professor participa quo-
obra, ninguém teve pejo de adotar a grande fór- tidianamente do Instituto de Estudos Avançados.
mula escravagista da época, forçando a transplan- Também nos últimos anos o professor tem participa-
tação do elemento negro para os focos de trabalho do de debates públicos de ampla difusão com o intuito
recém-criados no Brasil. Quem não se dobrou aos de participar das decisões políticas do país. Mas gos-
interesses dos colonizadores foram os ameríndios, taria que estas notas, necessariamente sumárias, ser-
que só muito discretamente puderam ser enqua- vissem também de incentivo a pesquisas dos trabalhos
drados aos padrões de trabalho dos senhores de aqui indicados, com o rigor sistemático que o trabalho
engenhos e proprietários de lavra. Mais do que nos acadêmico exige. E que essas notas não fossem toma-
canaviais, nos engenhos ou nas lavras, deles parti- das como um panegírico supersticioso de um cidadão,
ciparam nas atividades do criatório sertanejo, par- que eu reconheço como altamente valioso para o país.
ticipando também da colonização na categoria de Não é, entretanto, um Moisés que se afasta para rece-
contingente humano dócil ao cruzamento (p. 68). ber as leis divinas e eternas enquanto o povo eleito se
entrega ao culto do bezerro de ouro. Não há um povo
A verdadeira colonização se iniciou com a fun- eleito, nem uma terra prometida. Todos os povos são
dação de vilas e cidades em pontos privilegiados eleitos, e a terra prometida é o próprio planeta terra.
da costa brasileira, as primeiras ligadas à iniciativa E está entregue a todos nós. Como dizem os nossos
dos donatários e as últimas erigidas pela ação di- índios, a terra é de todos.
reta da administração portuguesa. Tais aglomera-
dos pioneiros redundaram na criação de pequenas
áreas agrícolas, em seus arredores, destinadas ao Bibliografia
abastecimento imediato das populações. Assim
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427
TRATAMENTO PAISAGÍSTICO: USINA
DE PARAIBUNA E BARRAGEM DE
PARAITINGA
Aziz Nacib Ab’Sáber
Fernando Magalhães Chacel
Nina Maria Jamra Tsukumo

Introdução

1975.Tratamento paisagístico: Usina A usina de Paraibuna e a barragem de Paraitinga in-


de Paraibuna e Barragem de serem-se em um dos quadros paisagísticos mais típicos do
Paraitinga. Universidade de São Brasil Tropical Atlântico: domínio dos mares de morros. Na
Paulo, Instituto de Geografia,
área onde estão sendo implantadas as barragens ocorrem
Geografia e Planejamento nº 17,
São Paulo (reprodução autorizada planaltos semimotanhosos pertencentes ao chamado Pla-
de relatório interno da CESP - náltico Atlântico Paulista. Trata-se das bacias de drenagem
Setor Autônomo de Arquitetura e dos rios Paraitinga e Paraibuna - principais formadores
Urbanismo). do Rio Paraíba - que nascem nas porções oeste-sudoeste
do altiplano cristalino de Bocaina correndo de Nordeste
para Sudoeste através de inúmeras sinuosidades correspon-
dentes a meandros encaixados. Os dois rios paulistas do
Planalto atlântico refletem em seu traçado e na forma das
vertentes de seus vales um ar de família geomorfológica e
paisagística de grande expressão visual.
Os setores planálticos do Paraíba e do Paraibuna
exibem todo um mostruário de feições que caracterizam
a topografia e o relevo do domínio dos mares de morros.
Observam-se aí vertentes mamelonizadas, drenagens den-
dríticas para os cursos d’água menores, planícies alveolares,
um ou outro setor de vale orientado, com planícies exíguas
e/ou terraços escalonados. É de se notar, ainda, a quase
total ausência de espaços planos em qualquer setor dos
altos morros e dos espigões mais salientes, correspondentes
aos pequenos maciços serranos.
Esta paisagem, aparentemente caótica, composta
de morros e pequenos maciços montanhosos, na realidade
apresenta restos de aplainações de cimeira e alguns degraus
topográficos embutidos entre as cristas serranas principais
oriundos de terraceamento (e/ou pedimentação). Tais ní-
veis, que formam a linha de cumeada do planalto principal
e os patamares embutidos de diferentes alturas, estão efeti-
vamente mascarados pelos efeitos de convexização de ver-
tentes, sobretudo nos níveis topográficos intermediários, ou
seja, aqueles que estão acima dos terraços fluviais e abaixo
das cimeiras principais.
A existência de diferentes níveis embutidos ao
longo dos vales do Paraitinga e do Paraibuna, assim como
o caráter generalizado de meandros encaixados dos rios
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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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principais e o alto teor de dendritificação da dre- rios serranos nas proximidades de sua confluência
nagem, criam uma topografia movimentada para o nos arredores da Cidade de Paraibuna. O projeto de
conjunto da paisagem. engenharia das barragens, feito para regularização do
É conveniente lembrar que o setor planáltico Regime do Alto Paraíba, e complementarmente para
semimontanhoso do Alto Paraíba - onde se situam a obtenção de energia hidráulica, foi de tal maneira
o Paraitinga e Paraibuna - constitui uma herança elaborado que redundou na feitura de duas barragens
paisagística relativamente complexa oriunda de uma separadas entre si por quilômetros de interespaço, com
evolução geomorfológica alternante onde, em certos emendação das águas próximas às barragens, tendo
momentos, formaram-se plainos de erosão embu- por partido a existência de um baixo colo topográfico
tidos e, em outros momentos, fases de dissecação que facilitou a reunião dos lagos, com aumento do
acompanhadas de mamelonização generalizada das mosaico hidrológico geral. Introduziu-se, desta forma,
vertentes. Antes do ciclo do café, as paisagens na- uma componente lacustre em um setor de morros
turais da região correspondiam a um estágio de revestidos por pastagens pobres e de pequeno rendi-
afeiçoamento de mamelonização e aflorestamento mento econômico, obtendo-se uma integração entre
generalizado das vertentes, até níveis topográficos de os componentes morfológicos e fitogeográficos com as
1.100 a 1.300 m. Evidentemente as ações humanas massas d’água retidas no entremeio da morraria.
que se prolongaram na área por um século e meio de Em termos de estrutura superficial da pai-
atividade agrárias equivaleram a uma interrupção for- sagem, o planalto serrano do Alto Paraíba (Paraibuna
çada do estágio de evolução natural que a região vinha e Paraitinga) apresenta um dos padrões de mais ge-
sofrendo. Após o ciclo do café, que foi o tema básico neralizada decomposição de rochas conhecido no do-
para o uso do solo em termos agrícolas, sucedeu-se a mínio de mares de morros do Brasil Tropical Atlântico.
fase de implantação de atividades de pastagem, vol- Aí, por extensões que se perdem de vista, toda a to-
tadas para a obtenção do leite (bacia leiteira do alto do pografia é mais ou menos arredondada nas vertentes
Paraíba). O advento e a expansão das pastagens com- e ondulante e rugosa nos interflúvios, sendo que, em
pletou o desmatamento iniciado no período cafeeiro, subsuperfície predominam mantos de decomposição
transformando o mar de morros florestado em um mar que variam de 5 a 10 metros para uma avaliação
de morros predominantemente revestido por pasta- prévia de espessura do manto de decomposição,
gens. Quando foram iniciadas as obras das barragens sendo visível, porém, através de cortes de estradas e
de Paraibuna e de Paraitinga, a paisagem regional pos- das lesões feitas por ocasião da construção das bar-
suía de 85 a 90% de pastagens nas vertente e nos rios ragens, a ampla predominância dos setores de mais
interflúvios arredondados dos morros, e apenas de 5% espessa decomposição, em relação à ocorrência de
a 15% de capoeiras e de capoeirões residuais situados setores rochosos subsuperficiais. Tanto nos arredores
nas mais diferentes posições topográficas. da Barragem de Paraibuna, quanto nos arredores da
Com o fechamento das barragens, criaram-se Barragem de Paraitinga predominavam espessuras
lagos artificiais, de traçados muito sinuoso, que le- de 30 a 60 metros, pela maior parte dos comparti-
varam o espelho d’água até ao nível da meia encosta mentos topográficos regionais, tendo sido localizados
baixas dos morros de vertentes mamelonizadas. Tal núcleos rochosos subsuperficiais somente ao longo de
como em outros casos similares, de represas implan- dois espigões mais elevados, situados a cavaleiro dos
tadas no domínio de mares de morros, criou-se ali um níveis de morros mamelonizados (figura 1).
sistema de lagos longos e sinuosos, inseridos em uma
paisagem tropical úmida de planalto das mais típicas
que se conhece no mundo tropical.
Numa classificação prévia das barragens pau-
listas do domínio dos mares de morros feita por um
dos autores, a barragem de Paraitinga e Paraibuna se
enquadraria no modelo de represa de Santa Branca,
situada no Vale do Paraíba a jusante de Paraibuna
(Ab’Sáber, “Geomorfologia da Área de Barragem do
Alto Jaguari”, 1973, pp. 6-7).


O fato principal a ser destacado no esquema
de implantação das barragens do Paraibuna e do
Paraitinga diz respeito ao duplo represamento dos
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Tem-se portanto que a mamelonização é um setores das barragens que se encontram em fase fi-
bom índice para a avaliação prévia do espessamento nal de construção (rios Paraitinga-Paraibu­na), de-
dos regolitos da área onde foram implantadas as bar- cidiu-se optar por um desdobramento das fases de
ragens. Pelo oposto, onde ocorrem pequenos maciços planeja­mento do paisagismo reclamado pela área. Na
serranos orientados (espigões descontínuos de divi- realidade existem dois conjuntos totalmente diferentes
sores) ou esporões orientados de vertentes, a rocha a exigir planificação: um primeiro, muito grande e
sã pode ser encontrada em níveis subterrâneos mais complexo, que diz respeito à area total envolvente dos
elevados, ou seja, em zonas de menor espessamento lagos das barragens; e um segundo, de pequena área,
de manto de decomposição. Em termos de litologia, porém de fortíssimo lesionamento, correspondente
os gnaisses graníticos são os mais resistentes e menos aos can­teiros de obras e seus arredores próximos.
afetados pela decomposição subsuperficial. Levando-se em conta que a urgência maior
Anota-se o fato de inexistir na área qualquer dizia res­peito à correção dos múltiplos lesionamentos
coisa que lembre uma topografia de pães de açúcar, efetuados nos gran­des canteiros de obras, existentes
assim como a quase total ausência de fenômenos nos sítios das próprias barragens, concentrou-se
localizados de erosão acelerada do tipo vossoroca. todas as atenções no sentido de elaborar um plano
Se é que a ausência de pães de açúcar equivale à falta de emergência racionalizado, capaz de oferecer dire-
de uma componente natural de alto efeito paisagís- trizes claras e objetivas para os engenheiros executivos
tico, a não incidência de vossoroca nas vertentes dos e empreiteiros vinculados à obra. Pareceu-nos que,
morros arredondados contribui para dar um sentido em qualquer parte dentro dos quadros do domínio
de pureza às feições morfológicas deste padrão de dos mares de morros, será sempre mais urgente a cor-
paisagem típico do domínio dos mares de morros. reção das lesões locais e marginais, herdadas da época
Tais condições, mais ou menos universais para a área, da construção das barragens, do que os esforços de
criam de um lado uma sensação de alívio para os res- reestruturação de paisagens e forma do uso do solo nas
ponsáveis por obra de engenharia e paisagismo, e, de áreas envolventes dos lagos de barra­gem (figura 2).
outro, um compromisso sério no sentido de que as Nesse segundo conjunto, geograficamente
intervenções realizadas na área não venham a pro- mais exten­so e de planejamento mais complexo, há
vocar uma revanche por parte das variáveis naturais. que elaborar planos para o paisagismo da beira das
O ideal no processo de intervenção em uma barragens, ao mesmo tempo que efetuar uma delica-
área, co­mo é a da Barragem de Paraibuna e Bar- da tarefa de reorientação dos proprietários regionais,
ragem de Paraitinga, seria um conjunto de operações de há muito fixados em atividades rotineiras, desli-
racionalizadas integradas no projeto de engenharia, gadas de quaisquer controles.
para evitar o máximo possível de conflitos com os Para a concepção desse plano paisagístico, fo-
processos morfológicos e pedogênicos peculiares à ram con­sideradas todas as observações preliminares
natureza regio­nal. Em outras palavras, se é que, para feitas sobre o terreno, frutos de diversas visitas às
a implantação das obras, se torna inevitável um certo represas e de uma cerrada troca de opiniões e expe-
número de lesionamentos, será sempre recomen- riências dos diversos técnicos - arquitetos, biólo­gos,
dável que os mesmos venham a ser feitos a montante, engenheiros, paisagistas e geógrafos - envolvidos no
em áreas a serem inundadas, para evitar a ampliação processo de recuperação paisagística com bases eco-
das lesões e dimi­nuir o custo de futuras recuperações lógicas da área conside­rada.
paisagísticas. Obtidos dois mosaicos aerofotográficos re-
Infelizmente, devido à irregularidade do pro- centes sobre o estado atual das obras, lançou-se nos
cesso de decomposição a que foi sujeita a estrutura mesmos o plano paisagístico prévio. A urgência na
superficial da paisagem, tornou-se necessário in- montagem das diretrizes básicas para o pro­jeto pai-
tervir em altas encostas de morros para empréstimos sagístico ligou-se ao receio justificável de que a che-
diversos. Com isto ampliou-se forçosamente o le- gada da estação mais chuvosa poderia acelerar por
sionamento da paisagem, fato que redundou num demais os processos erosivos no canteiro de obras,
rompimento do equi­líbrio das condições naturais implicando em maiores dificuldades e gastos futuros.
(biostasia), pelo menos no que diz respeito à área das Em 1974, houve um prolongamento providencial da
barragens. estação seca habitual (estação menos úmida) que in-
cide nas áreas do Planalto Atlântico Paulista, de tal
Métodos e técnicas utilizados modo que foi possível tomar-se todas as precauções
racionais para a implantação correta do projeto pai-
Tendo em vista as prioridades das obras de sagístico na área de máximo lesionamento das duas
tratamento paisagístico, referentes aos diferentes barragens em fins de construção.
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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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Utilizando as fotografias aéreas, tornou-se dos canteiros de obras e seus arredores deu-se um
possível uma rápida montagem, em gabinete, dos nome simples e significativo, capaz de ser entendido
modelos visuais, conside­rados mais adequados, para e memorizado rapidamente por todos os técnicos
a reorganização espacial e paisagística da área das re- envolvidos na obra. Tal procedimento condu­ziu-nos
presas. A filosofia básica que presidiu o projeto foi a à identificação dos seguintes modelos visuais:
de efetuar procedimentos para uma cicatrização rá-
pida das princi­pais lesões efetuadas nos canteiros de 1. padrão planícies de conformação alveolar;
obras e adotar medidas para a reconstrução de uma 2. padrão esplanada;
paisagem local, em ajuste com o ar de família global 3. padrão esporão intermediário;
do domínio dos mares de morros 4. padrão patamar de observação;
Essa técnica de reafeiçoamento da topografia 5. padrão remamelonização;
6. padrão desbaste de terraços;
lesiona­da, com vistas a um retorno relativo aos pa-
7. padrão cicatrização de áreas de raspagem
drões peculiares das paisagens do planalto mamelo-
laminar;
nizado do Alto Paraitinga-Paraibuna, foi muito bem 8. padrão tratamento de barrancas altas;
entendida por todos os técnicos e especialistas en­ 9. padrão recuperação de pedreiras;
volvidos no projeto, fato que facilitou sobremaneira 10. padrão bosques coalescentes;
o diálogo en­tre os membros da equipe de paisagismo 11. padrão aproveitamento de capoeirinhas de
e os membros das equipes executoras, representadas campo sujo.
por engenheiros e empreiteiros.
Somente após o estabelecimento das diretrizes Planícies de conformação alveolar
básicas é que se pode passar para um sistema de de-
talhamento paisagístico compatível com a escala Em quase todas as represas, no domínio dos
global da área envolvida dos canteiros de obras, com mares de morros em São Paulo, ocorrem casos de planí-
refinamento de propostas e feitura de subprojetos cies alveolares, de extensão restrita, em áreas situadas
lo­cais. Dada a urgência reconhecida para o estabe- a jusante das barragens e diques. Tal componente do
lecimento das dire­trizes básicas de implantação, uti- relevo regional via de regra comporta-se como um
lizou-se o método de identificação de componentes pequeno trecho alargado, das planícies aluviais dos
similares, existentes nas duas áreas de represas, com rios serranos, ocupando um compartimento embu-
o estabelecimento de uma série de pequenos mo- tido entre morros. Trata-se, em última instância, de
delos visuais, de fácil identificação e grande signi- um grande buraco envolvido por morros. Razão pela
ficado para a montagem e inte­gração do paisagismo qual, quando uma pequena cidade da região serrana
proposto para a área. Nessa fase esforçou-se para ca- situa-se em uma planície desse tipo, o povo costuma
racterizar os diferentes setores das duas barragens, dizer que a cidade está localizada em um buraco.
onde se podia visualizar padrões de tratamento, sufi- Disso advém, natural­mente, problemas sérios para
cientemente específicos para serem aplicados a casos os organismos urbanos dotados de tal tipo de sítio,
análogos, com ou sem modificações maiores. Para já que por ocasião de inundações as águas ascen­dem
cada um dos elementos reconhecidos na paisagem por demais, invadindo ruas e habitações.
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O fato de uma planície aluvial, após as obras for­mação de um parque de visitação controlada.
de cons­trução de barragens, restar em uma posição É digno de nota o fato de que, após a cons-
a jusante da barragem cria uma situação nova para trução de uma barragem, as planícies aluviais, de
tais tipos de sítios. A rigor, o antigo espaço da pla- contorno e aspecto alveolar, passam a ser espaços po-
nície alveolar fica como que domesticado, perdendo tenciais para múltiplos tipos de utilização. A rigor,
o seu caráter de área submersível, assim como seus poderiam comportar instalações industriais, postos
meandros e seu mecanismo natural de aluviação. Isto de pis­cicultura, clubes de campo, complexos espor-
porque durante a fase de construção da barragem tivos, parques muni­cipais, hortos ou bancos de muda,
existe um revolvimento quase total do material sedi- entre outros usos. No entanto, pelas suas particula-
mentário da planície, ocasionando um dessecamen­to ridades e posição contígua às barragens, torna-se
natural pelo aterramento forçado de alguns de seus recomendável uma certa seleção de usos, com vistas
setores (figura 3). à segurança da barragem e à integração da área ao
conjunto paisagístico das obras ali implantadas. Por
essa razão, tendemos a recomendar, prioritariamente,
a utilização dos espaços das antigas planícies aluviais
para os seguintes usos preferenciais: 1. hortos, tipo
banco de mudas; 2. áreas verdes bucólicas de visitação
restrita; 3. postos de piscicultura. Não está fora de
cogitação a possibilidade de transformar algumas
dessas antigas planícies de inundação em parques
municipais. No caso, entretanto, tal opção somente
poderia ser adotada caso haja inteira capacidade de
Aquilo que anteriormente à construção da infraestrutura administra­tiva por parte do muni-
barragem era uma simples planície aluvial de con- cípio interessado, e condições para duplo controle do
torno irregular, comportan­do os efeitos das cheias planejamento e fiscalização das obras e do uso do
anuais e inundações periódicas, passa a ter o aspecto espaço. Sabe-se, por múltiplos exemplos e experiên-
de uma área artificialmente terraceada, ou ainda, a cias, que tais condições ideais são muito difíceis de
forma de um mosaico de terraços artificiais e planí- serem encontradas e atingi­das.
cies residuais modifica­das. Entretanto, vistas do alto,
a partir de pontos de observação situados a muitas Esplanadas, esporões intermediários e patamares
dezenas de metros de altura, elas ainda demons­tram de observação
o esquema topográfico geral que precedeu à cons-
trução das barragens. Sob essas designações estão agrupados três dos
No caso da represa de Paraibuna, a planície al- mais importantes elementos que exigem um trata-
veolar local poderá servir de sítio para a implantação mento paisagísti­co especial, na área das barragens
da Estação de Piscicultura, sofrendo assim uma re- do Paraitinga e Paraibuna. Trata-se de componentes
modelação funcional, para po­der alojar o complexo contrastados, que efetivamente participam da mon-
de tanques e construções vinculadas ao pla­no de tagem local, de feições geométricas e coberturas ve-
piscicultura. A área deverá receber um tratamento getais, a serem tratadas.
paisagísti­co rico e variado, visando integrar a Estação Esplanadas
de Piscicultura ao seu entorno, e conferindo às demais Reservou-se o nome esplanada para as por-
obras a jusante da Barragem e Di­que a expressão e o ções planas ou aplainadas existentes nos bordos das
significado necessários. Assim, serão considera­dos o barragens, na faixa de transição entre os diques e as
sistema viário, a Casa de Força e Subestação, as áreas ombreiras. Trata-se de um espaço plano, na forma
do atual canteiro de obras, as estruturas do Horto e de terraço amplo, em nível geralmente pouco supe-
Pomar, formando um conjunto integrado e diferen- rior ao espelho d’água do lago da barragem, que não
ciado do geral das obras da Barra­gem. comporta um reafeiçoamento especial do ponto de
No caso da planície de conformação alveolar, si- vista topográfico. Salvo ligeiro esforço para tornar
tuada a jusante da Barragem de Paraitinga, as indicações pouco mais convexo os bordos de tais terraços artifi-
para utilização da paisagem são bem diferentes. Sendo ciais, nada mais é necessário em termos de recriação
a Barragem do Paraitinga somente de regularização, da morfologia da paisagem (figura 4).
e não havendo necessidade de constru­ções de apoio à Todas as esplanadas desse tipo deverão re-
operação, reservou-se o conjunto da área para o plantio ceber, em princípio, um tratamento de bosques,
de bosques intercalados, sobre relvado, possibilitando a com sub-bosque gramado ou relvado. Em algumas
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artificial - a ponta do morrinho
que restou na base e no meio do
dique deve ser preservada, tanto
quanto possí­vel, para marcar a
paisagem do passado recente.
Ela deve restar co­mo setor
da topografia pré-barragens e
com cobertura vegetal flo­restal
similar à dos bosques e capoei-
rões ainda existentes na região.
Acima de tudo, a convexidade
original, ou quase original, deve
ser mantida ou recriada.
dessas áreas já havia sido iniciada a implan­tação da O dique retilíneo da barragem, por si próprio,
componente vegetal representada por árvores de é um componente novo e altamente contrastante
médio e grande porte e arbustos de caráter orna- com a morfologia pe­culiar do domínio dos mares
mental, num arranjo diver­sificado de massas hetero- de morros. No entanto, trata-se de um fato de cons-
gêneas. Nestes casos procurou-se reformar o plantio trução humana, ou seja uma obra de engenharia de
executado, aproveitando e complementando os seus expressão exclusivamente local. Assemelha-se va-
grupos mais representativos e introduzindo outros gamente aos ter­raços regionais, mas é um elemento
capazes de dar ao conjunto a expressão floral dese- tampão dentro do vale, já que, ao contrário dos ter-
jada. A partir de uma mistura ordenada de núcleos raços, que possuem disposição longitudinal, os di-
de árvores de maior porte, associadas a outras massas ques das barragens tem que ser transversais ao eixo
vegetais mais baixas, de copas variando em textura dos vales, para poder atender à função precípua de
e colora­ção, e a espécies de caráter escultural repre- barrar e reter águas cor­rentes. Nesse contexto, o lago
sentadas por palmeiras nativas da região, chegou-se de barragem, formado pelo dique-tampão, vem a se
à conformação de bosques irregulares em planta, constituir num extraordinário elemento paisagís­
que reproduzem os esquemas das matas secundárias tico, de expressão regional, suficientemente amplo e
e bordas das capoeiras da região. Foram utilizadas, notável para compensar o caráter artificial da bar-
além de espécies de flora local, outras de caráter re- ragem. Na realidade, o lago artificial ocasionado
gional, ecologicamente adaptáveis e morfologica- pelas obras de engenharia introduz um elemen­to
mente compatíveis. novo na paisagem regional, de caráter monumental
Esporões intermediários e de aparên­cia integrada, dando a ilusão de que se
A consideração especial de um simples caso de trata de um verdadeiro lago, de origem natural, na
morro baixo, interposto em um setor intermediário conjuntura dos mares de morros.
qualquer de uma barragem poderia parecer um caso Paisagisticamente, a presença do dique da bar-
local desprezível, em termos de um projeto paisa- ragem é feição artificial, que tem foros de um mal
gístico. No entanto, julgamos que tais componen­tes necessário. Mais do que isso, porém, devido a sua
por assim dizer residuais das obras são exatamente função e sua capacidade de introduzir o lago da bar-
aqueles que podem oferecer oportunidades relativa- ragem numa paisagem outrora despida de massas
mente excepcionais para uma conservação e recons- d’água, é uma marca indelével da capacidade cria-
trução de elementos da paisagem natural da região. dora do homem. Entre­mentes, o mesmo homem que
Trata-se de uma contribuição, a um tempo estética e construiu a barragem e motivou a formação de um
funcional, para conservar feições típicas do domínio sinuoso e magnífico lago artificial tem a obriga­ção
paisagístico re­gional, em contraste direto com aquilo de tudo fazer para recompor as lesões operacionais
que é de construção pura­mente antrópica. deixadas na paisagem. E deve fazer um esforço extra,
Na realidade, a ponta alongada de um no sentido de garantir a reconstrução de todos os
morrinho arre­dondado, que ainda emerge da massa componentes capazes de exibir as fei­ções reais da
do talude artificial e retilíneo da barragem, é um tipo morfologia, eliminando-se todos os elementos de
particular de testemunho, de uma natureza que foi con­flito, como estradas de serviço, pátios, constru-
modificada de modo completo pelas obras de enge- ções desativadas, e a preservação da cobertura vegetal
nharia. Enquanto que a frente do dique da barragem, que precedeu a construção da bar­ragem.
por diversas razões técnicas, é totalmente revestida Nos casos em que não houve uma preser-
por grama - símbolo de uma cobertura vegetal vação total ou mesmo parcial do manto vegetal dos
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esporões, faz-se necessário o seu recobrimento expõem regolitos avermelhados e solos lamacentos,
com reflorestamento de espécies nativas capazes de susceptíveis a toda sorte de ravinamentos pela ação
reintegrá-los na expressão do conjunto da paisagem da pluviação tropical. Os tons rubros passam a pre-
regional. Es­te plantio de espécies florestais poderá dominar, cada vez mais, na paisagem das encostas
ser feito sobre superfícies gramadas ou relvadas já lesionadas. Massas avermelhadas de rochas decom-
implantadas, como no caso de Paraibuna, ou em postas e solos substituem, localmente - sob a forma
áreas onde não existe cobertura vegetal, associadas a de grandes pústulas — os tons anteriormente verdá-
legu­minosas ou gramíneas especiais. ceos dos morros regionais. O caráter caótico da nova
Patamares de observarão paisagem dá a impressão de um quadro irreversí­vel.
Na área da Barragem de Paraibuna, foi esco- À medida que o término das obras se apro-
lhido pela obra um posto de observação, em posição xima, faz-se necessário uma série de planos e opera-
especial, à margem es­querda da Barragem, a 780 m ções no sentido de obter fórmulas mais rápidas para
de altitude, possibilitando de um lado amplas vi- cicatrizar e recriar um modelado e uma cobertura
suais sobre o complexo hidroelétrico e de outro uma vegetal para reequilibrar a paisagem lesionada, tarefa
avaliação da relação entre a paisagem construída e a maior e mais desafiadora, quando comparada com o
paisagem natural típica dos planaltos tropicais atlân- caso de barra­gens em outros domínios morfoclimá-
ticos do país. Esta área recebeu o nome de patamar ticos brasileiros.
de observação. Remamelonização
A escolha do local foi reconhecida como válida, Desde os primeiros estudos fixamo-nos na
sendo lembrado, entretanto, que para a implantação ideia de que, para recriar a paisagem, dentro do con-
da estrada de acesso ao local deveria ser observado texto das paisagens morfológicas peculiares à região,
o seu posicionamento de modo a compatibilizar as tornava-se imprescindível um es­forço rápido e con-
suas declividades com os pendentes dos taludes do centrado com vistas a uma remamelonização discreta
relevo regional, diminuindo-se sempre que possível das vertentes lesionadas. A argumentação básica foi
os cortes e aterros, característicos dos pontos de relativamente simples: se é que existe um ar de fa-
conflito da estrutura rígida de uma estrada com a mília no conjunto paisagístico regional, há que rea-
plasticidade do terreno natural. Ficou esta­belecido, lizar todos os esforços possíveis no sentido de reafei-
ainda, que o lançamento da estrada deveria procurar çoar as vertentes dos morros sujeitos à ação cirúrgica
as situações de meia-encosta, capaz de possibilitar de das máquinas, tendo em vista uma reitengração dos
um lado uma melhor adequação à topografia local e com­ponentes topográficos e biogeográficos, segundo
de outro a visão ampla do lago da Barragem. o modelo de maior grau de generalização na pai-
O tratamento paisagístico do patamar de ob- sagem que precedeu à construção da barragem. Isto
servação deverá ser o mais discreto possível e inte- implica em dizer que se considerou o padrão de
grado na expressão da pai­sagem local. Assim, de- paisagem geográfica da área, levando em conta as
verão ser evitadas construções ou outros elementos variáveis naturais e os fatos antrópicos mais habituais
capazes de comprometer visualmente o conjunto da região (Alto Paraíba).
paisa­gístico. Não se tratava de fazer, em pouco tempo, exata-
mente o que a natureza tropical úmida pôde executar
Recuperação de áreas de empréstimo nos últimos tempos do Quaternário... Mas, sim, de
tentar recompor o modelado das vertentes segundo
Sabe-se que durante a construção de uma as indicações mínimas das áreas menos lesionadas
barragem, num setor qualquer do domínio dos ma- dos arredores próximos. A mamelonização que in-
res de morros, executa-se, invariavelmente, um gran- cide sobre o domínio paisagístico regional era um
de estrago local no sítio de implantação das obras. parâmetro a indicar o modelo preferencial; a meta
A área de intervenção é forçosamente ampliada, em a atingir reduzia-se a uma convexização discre­ta e
tais condições. O fato de se ter que buscar material funcional, paralela com a implantação de coberturas
rochoso e massas de material incoerente (siltes e ar- vegetais protetoras.
gilas) nas vizinhanças da barra­gem - por motivos Para se conseguir o intento, aproveitou-se da
operacionais e econômicos - amplia por de­mais o capacida­de ociosa das mesmas máquinas que execu-
lesionamento da paisagem. Arrasa-se alguns morros, taram a ação de lesionamento. Elas passaram, agora, a
criam-se patamares artificiais, descasca-se as verten- ser utilizadas para esparramar terra vegetal, eliminar
tes de diversos compo­nentes da topografia, até há setores ravinados e modelar suaves convexidades nas
pouco recobertos por capoeirões, ca­poeiras e pasta- encostas mais abruptas.
gens. Os múltiplos setores de empréstimos de terra Em relação à cobertura vegetal, diversos trata-
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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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mentos são indicados visando sempre um refloresta- corretivos: um primeiro, de desbaste, que obriga a uma
mento total ou parcial das áreas exploradas. Assim, pequena ampliação da área lesionada, e um segundo,
a partir de um recobrimento, o mais extenso pos- de colocação de uma lâmina de terra vegetal, para fa-
sível de terra vegetal deverão ser feitas experiências cilitar o retorno de uma vegetação espontânea e evitar
de reflorestamento intensivo, de reflorestamento por a progressão e ampliação dos ravinamentos múltiplos
grupos, de im­plantação de bosques, de simples reco- que sempre afetam os regolitos expostos.
brimento vegetal para áreas de pasto, numa tentativa Rafeiçoamento de barrancas altas
de reproduzir a paisagem adjacente. Alguns barrancos de rocha alterada, que ser-
Desbaste de terraços viram para fornecimento de terra, restaram na pai-
Em alguns casos em que, durante as obras de sagem com taludes de 15 a 25 metros de altura.
transpor­te de terra, restaram terraços artificiais, de Devido a isso, vem criando problemas especiais em
escalonamento irregu­lar, tornou-se necessário reco- relação ao tratamento paisagístico global da área.
mendar um desbaste, mais ou menos generalizado, Tra­ta-se de feições artificiais, altas demais para ser
dos barrancos que separam os patamares dos ter- melhoradas por uma simples operação mecânica de
raços, com vistas a um reflorestamento extensivo, desbaste. Por outro lado, o contraste entre o setor não
sem maiores obras de reafeiçoamento da topografia. cortado dos morros redondos e os setores onde as
Trata-se, sobretudo, de casos em que se tornava pouco escavações contribuíram para formar paredões sub-
relevante um enorme gasto com operações mecâ- verticais é extremamente chocante do ponto de vista
nicas, já que o setor poderia ser incorporado a um da paisa­gem global. No caso, o quadro criado pelas
maciço florestal mais amplo, suficientemente denso ações antrópicas equiva­le a uma obra mal feita de
e extenso para camu­flar os terraços irregulares. Um recortamento de morros. Além do que, permanece
esforço menor de desbaste com uma ação imediata um total desajuste entre a forma artificial criada e as
de esparramento de terra vegetal foi considera­do su- feições mais habituais do relevo circunvizinho.
ficiente para a recolonização florestal da área, a prazo Uma tentativa de remamelonização, num es-
médio (figura 5). quema co­mo o que se acaba de descrever, seria muito
Dado o fato de que em certas áreas de terraços demorado e de custo efetivo exorbitante, além de sem
artifi­ciais desbastáveis não existia grande perigo de garantia de uma solução final adequada. Em função
progressão dos ra­vinamentos, tomou-se tais áreas de tais dificuldades optou-se por uma solução a três
como sítios para experimentação de um tipo de re- tempos: 1. operações de desbastes e melhora relativa
colonização vegetal espontânea. No caso, esses locais da declividade dos barrancos, com desvio das águas
deverão permanecer sob observação permanente, ao longo da beirada superior do morro cortado, apro-
com regis­tro dos níveis de adensamento, ao fim do veitando a experiência das obras habituais feitas em
período seco e após a estação chuvosa. cortes e trincheiras de rodovias; 2. colocação de terra
vegetal nos terrenos, patamares e rampas, de menor
inclinação, e repouso do conjunto, sob observação
periódi­ca; 3. elaboração de um subprojeto de bosque
ornamental, após a estabilização relativa do quadro
topográfico regional. O efeito final deverá ser com-
pensatório, já que para um caso de lesão forte da to-
pografia preconiza-se implantação de uma biomassa
vegetal, de alta expressão visual.
Recuperação de pedreiras
Ao contrário do que ocorre com os setores ro-
chosos, que estão integrados à paisagem dos morros
tais como os pães de açúcar, de diferentes tipos, as
pedreiras em vias de abandono se apresentam como
enormes cáries e/ou becos desintegrados, em um ou
Cicatrização de áreas de raspagem laminar outro ponto dos arredores das barragens.
Existem áreas de empréstimo de terra que so- No caso das obras de Paraibuna, as explorações
freram apenas uma raspagem laminar, não muito pro- em substrato rochoso foram feitas em cota positiva.
funda, mas que requerem um tratamento preventivo Assim sendo, o tratamento desejável deveria prever a
em termos de progresso da erosão acelerada, e uma elaboração de um projeto específico capaz de estabelecer
melhoria quanto à estética e à reintegra­ção na pai- um perfil final compatível com o modelado primitivo
sagem global. Tais casos exigem dois procedimentos ou com o caráter geral do relevo regional (figura 6).
435
de barragens é que se pode
avaliar quantos modelos
de tratamento paisagís-
tico podem ser reconhe-
cidos. Sele­cionados os tipos
mais específicos de casos
a tratar, restam ainda se-
tores, dotados de lesões
menos graves, para os quais
é também preciso indicar
soluções para a correção
paisagística.
Bosques coalescentes -
Este modelo refere-se à
emenda dos pequenos vo-
lumes de vegetação flo-
restal residual que se fará
através do plantio de es-
sências nativas, similares
Em muitos casos esta diretriz é de difícil implan- àquelas encontradas nos
tação, sendo muitas vezes propostas soluções paliativas, bosques preexistentes com acréscimos eventuais
de camuflagem, através de plan­tio de linhas de árvores de espécies comuns à maior parte das capoeiras
de desenvolvimento rápido, as quais, por seu volume e regionais. É, assim, por exemplo, que além das es-
capacidade de crescimento, poderão esconder parcial­ pécies nativas reconhecidas nos bosques vizinhos,
mente as lesões rochosas que restaram na paisagem. julgou-se útil o plantio de agrupamentos de pal-
A presença de áreas de empréstimo contíguas meiras iguais às que ocorrem no meio e/ou nos
e a cava­leiro da área explorada em Paraibuna per- bordos de algumas matas existentes nos arredores
mitiu o desbaste da parte superior desses morros próximos.
adjacentes, aterrando parcialmente os pare­dões de Utilização de pastos sujos - Qualquer observação
rocha exposta, reconformando a topografia local mais aprofundada do estado atual das pastagens dos
e permi­tindo sua integração na paisagem regional, morros, as quais representam a maior por­centagem
através da complementa­ção da componente vegetal. do revestimento vegetal da área, serve para demons-
Esta solução, teoricamente considera­da a mais ade- trar que existem pastos mas não ocorre um verda-
quada e correta, mas de difícil implantação, foi pos- deiro pastoreio. Isto é particularmente válido para
sível dadas as condições excepcionais de disponibili- certas vertentes mais íngremes de morros, onde as
dade de equipamentos e pessoal. declividades são superiores a 25 ou 30%. Nessas
Na área de Paraitinga, a pedreira se situa a áreas onde já houve pastoreio, fato facilmente de-
montante da barragem e será parcialmente alagada. duzível pela pre­sença de eventuais trilhas de piso-
A parte exposta, entre­tanto, apresenta-se como uma teio, ocorrem, às vezes, nódulos locais de pastos
lesão em desconformidade com o relevo regional. A sujos, que poderiam ser aproveitados como ponto
sua integração, ao contrário da pedreira de Pa­raibuna, de partida para recriar uma vegetação natural. A
é economicamente inviável restando apenas esperar título experimen­tal, aproveitando-se do estímulo
que o trabalho do tempo venha a atenuar o caráter representado pela feitura do plano paisagístico
de lesão pelo enve­lhecimento das paredes da pedreira. regional, pensou-se em aproveitar tais condições
Lateralmente, na área onde ocorrem coberturas de- para experiência de recriação de bosques, a partir
tríticas representadas por restos de solos deverão ser dos núcleos de pas­tos sujos. Acredita-se que uma
plantados grupos de figueiras regionais, capazes de obra de replantio de algumas espécies nativas no
melhorar parcialmente as condições do conjunto de meio e em torno de tais núcleos, através de opera­
rochas expos­to. ções a serem feitas exatamente antes do início das
Aproveitamento de elementos da paisagem grandes chuvas de fim de ano, poderão redundar
regional para regeneração da cobertura vegetal em um processo racional de re­florestamento.
Quando se inicia um processo racional para Se houver sucesso em experiências desse tipo,
a recons­trução de uma paisagem local sujeita a poderia mais tarde ampliar-se o procedimento, em
modificações radicais devido a obras de construção área, com vistas a criar um novo modelo de reflo-
436
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
22
restamento descontínuo, que em última análise in- açava tornar irreversível o processo de reconstrução da
teressaria a grandes setores dos mares de morros do vegetação regional. Apenas a cober­tura intermediária
Brasil Tropical Atlântico. De qualquer forma, deverá de matas, assim como a faixa de árvores mais próxima
haver um controle da resposta ecológica a esse tipo da base da escarpa, permanecia menos agredida pelo
de procedimento, impli­cando em alguma proteção entulho laminar de terra avermelhada.
das áreas pilotos e acompanhamento periódico da Tal quadro, mais ou menos desanimador,
sua progressão, em termos de biomassa e de espaço obrigou-nos a uma série de medidas e diretrizes para
geográfico. imediata implantação de um subprojeto, com vistas
a atenuar as consequências do extravasamento do
Repercussões das obras de empréstimo de terra em um material de empréstimo para a escarpa, e a fim de
paredão de um anfiteatro de escavação meândrico coibir a falta de compreensão dos tratoristas e ou-
tros operadores, res­ponsáveis diretos pelos estragos
Um dos casos especiais e até certo ponto ines- feitos numa paisagem que precisa­va ser defendida
perado que ocorreu na área de construção da barragem a todo custo. Preconizou-se um reafeiçoamento da
de Paraitinga diz respeito às vertentes escarpadas beirada superior da escarpa, acompanhado de uma
de um notável anfiteatro de escava­ção meândrico, larga vala, de declividade contrária à da escarpa, assim
existente próximo à confluência do Paraibuna com como o estabelecimento de uma faixa de segurança ao
o Paraitinga. Para complicar o esquema topográfico longo dessa cumeada crítica, para impedir o impacto
e ecológico, existia ali um meandro encaixado cujo das águas das chuvas de fim de ano, previstas para
anfiteatro de escavação foi subadaptado a um alinha- meados de outubro em diante. Essa faixa deverá
mento tectônico regional, que alongou o paredão de conter uma cabeleira preferencial de matas, com es-
escavação da margem preferencial de ataque. Isso sências nativas de cresci­mento mais rápido (figura 7).
tudo, remamelonizado por processos morfoclimá- Em nenhum outro ponto das obras houve
ticos recentes e tamponado por uma enganadora ve- tanta neces­sidade de lutar contra o tempo e pla-
getação florestal, de frágil implantação das encostas nejar um esquema topográfico e hidrológico local,
abruptas da escarpa de meandro, consti­tui-se num tão delicado quanto esse a que nós estamos refe-
caso em que o conjunto deveria receber proteção e rindo. Trata-se, por outro lado, de um setor em que
defesa total em relação a qualquer ação antrópica. as opera­ções de controle e de correções progressivas
Infelizmente, porém, o quadro topográfico e ecoló- das obras de proteção, deverão prosseguir por toda a
gico descrito estava por demais próximo das obras temporada da estação chuvosa de 1974-75. A área
da barragem, sendo que a contravertente da escarpa exige uma ação de permanente observação e mesmo
foi utilizada para empréstimo de terra. Os grandes de fiscalização, assim como uma flexibilidade de
tratores que trabalhavam nos altos e no reverso da procedi­mentos, para que o resultado final do tra-
íngreme encosta acaba­ram por lançar grande quanti- tamento paisagístico seja favorável. Trata-se de um
dade de terra avermelhada, desde os altos da escarpa exemplo, não muito raro, em que fica bem explicado
até o chão inclinado da floresta. Essa operação não o caráter dinâmico do paisagismo ecológico.
prevista de esparramamento de terra sobre a super-
fície flores­tada complicou o equilíbrio geral da área,
redundando em feneci­mento de porções da biomassa
vegetal, aterramento do chão da floresta e grande ar-
rastamento de argila e siltes para a base do anfiteatro
de escavação meândrico. Acontece que aí, encostado
entre a escarpa e espremido entre o Rio Paraibuna e
as vertentes do vale, existia uma estrada secundária,
de ligação entre Paraibuna e a área do alto Parai-
tinga, além do que algumas habitações de beira de
estrada. Quando das chuvas de fins de 1973 e dos
princí­pios de 1974, ocorreram movimentos coletivos
de solo, com cará­ter de lençóis de lama, que amea-
çaram entulhar as habitações e barrar a estrada inter-
municipal. Em setembro de 1974, a testada superior
da escarpa fluvial estava totalmente destituída de sua
co­bertura vegetal natural, enquanto que o forte ravi-
namento que afe­tava o chão da floresta atingida ame-
437
Anexo

Registros termopluviométricos da Barragem de


Paraibuna, entre 1968 e 1975

Na elaboração do plano de tratamento pai-


sagístico da área das barragens de Paraitinga e Pa-
raibuna, concedemos especial atenção aos conheci-
mentos sobre a dinâmica climática regional, já que a
implantação do plano teve que se ajustar seus prazos
à marcha da pluviometria, a fim de garantir o sucesso
do empreen­dimento.
Existindo dados termopluviométricos, obtidos
no sítio das obras (Barragem de Paraibuna, no caso),
pareceu-nos útil di­vulgar os registros referentes a (junho ou julho) até 26-27° (janeiro ou fevereiro,
sete anos e meio de observações ininterruptas. Os eventualmente, março). Tais dados equivalem a uma
dados ganham especial interesse porque, além de nos amplitude média da ordem de 10°, entre o inverno e
mostrarem o ritmo das precipitações e as amplitudes o verão, para a localidade considerada. No entanto,
térmicas mensais da área da barragem, definem as os registros existentes sobre os máximos e mínimos
condições climáticas de uma localidade situada em mensais, demonstram que as varia­ções mensais tem
pleno domínio dos mares de morros, no Alto Vale uma amplitude total da ordem de 25-28°, nos meses
do Paraíba, em São Paulo. Por outro lado, apesar de de inverno, de 10-20°, para os meses de verão. Foi,
se referirem a apenas sete anos e meio de registros, assim que, em junho de 1972, as temperaturas va-
contém elementos para se avaliar as flutuações no riaram de 1-2° até 28-29°.
ritmo e no volume das precipitações, ao longo de Pelos informes pluviométricos obtidos, ob-
uma sequência de anos. Nesse período as precipita- serva-se que a estação das águas, na área, inicia-se
ções variaram entre 1.000 e 1.400 mm anuais, com habitualmente em novembro-dezembro, e, excep-
uma média girando em torno de 1.150 mm. Trata- cionalmente, em outubro. Via de regra, as chuvas
se, por si só, de um notável decréscimo de volume se acentuam a partir do fim do ano (novembro),
global das precipitações, já que al­gumas dezenas de prolongan­do-se até março, com algumas irregulari-
quilômetros para o sul - na testada superior e re- dades, de ano para ano. Janeiro é quase sempre o mês
verso da Serra do Mar - ocorrem precipitações to- mais chuvoso (tendo alcançado 420 mm em 1974).
tais superio­res a 2.000/3.000 mm. A dupla de meses mais chuvosos pode ser dezem-
As variações de temperatura no correr do ano bro-janeiro ou janeiro-fevereiro. Em diversos anos,
são igual­mente dignas de um comentário prévio: as março suplantou fevereiro em termos de chuvas
temperaturas médias mensais variam entre 15-16° (1968, 1969, 1971, 1974).

Registro pluviométrico da Barragem de Paraibuna 1968-1975 (parte).

438
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
22
Os meses mais secos quase sempre são maio que respondeu pela remoção de mais de 90% da co-
e junho ou julho. Em vários anos, porém, os regis- bertura vegetal original. De qualquer forma, porém,
tros acusam chuvas de inverno recaindo nos meses trata-se de condições climáticas gerais, muito pró-
de junho e agosto, com discretos au­mentos de pre- ximas daquelas que participa­ram da evolução inte-
cipitações. grada do modelado, dos depósitos de cobertu­ra, dos
O mês de mais forte irregularidade no ritmo solos e da cobertura vegetal florestal, neste setor do
das precipi­tações, ocorrido na sequência, foi o de domínio dos mares de morros.
1971, quando de janeiro a junho tombaram apenas
440 mm. Esse também foi o ano de verão mais quente
e mais seco, de toda a série de anos de observação.
Identicamente, 1971 foi o ano de mais forte variação
nas tempe­raturas dos meses de inverno-outono.
Em seu conjunto, as condições climáticas que
caracteri­zam esse ponto do domínio dos mares de
morros - originalmente florestados - comporta-se
como um clima tropical de planalto, com médias tér-
micas anuais girando em torno de 19-20°, e preci-
pitações totais anuais oscilando entre 1.100 e 1.200
mm. Su­jeito a uma amplitude térmica média de
10-12°, comporta entre­tanto variações de máximo e
mínimo mensal, muitíssimo maiores, sobretudo no
inverno (25-28°).
Não se pode afirmar - de modo categórico -
que as condições climáticas conhecidas através dos
registros ora divulga­dos, representam exatamente a
situação correlativa da evolução fisiográfica e ecoló-
gica da região. Durante os processos integrados de
evolução, que incidiram sobre a área nos últimos
6.000 ou 8.000 anos, fabricaram-se microclimas es-
peciais devido a amplia­ção e coalescência do manto
florestal. E enquanto a paisagem es­teve revestida
pela cobertura florestal contínua, certamente existiu
um sistema moderador e regularizador do ambiente
climático regional. Os dados, ora obtidos, refletem
o clima de uma área sujeita a uma forte devastação
antrópica, iniciada há mais ou me­nos 150 anos, e

Registro das temperaturas médias relativas e dos mínimos mensais. Barragem de Paraibuna 1968-1975 (parte).

439
A CONTRIBUIÇÃO DE AB’SÁBER AOS
ESTUDOS DE DESERTIFICAÇÃO NO
BRASIL
José Bueno Conti

Introdução

Mesmo tendo passado mais de quatro décadas, ainda


guardo as anotações da primeira aula que tive com o Profes-
sor Aziz. Foi no dia 11 de abril de 1957, numa das salas do
casarão da Alameda Glete onde, então, funcionava o De-
partamento de Geografia da antiga Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras, na qual havia ingressado, dois anos antes,
para fazer o curso de bacharel e licenciado em Geografia e
História. O Professor Aziz era responsável pela discipli-
na Geomorfologia do Brasil, na condição de assistente do
Professor Aroldo de Azevedo, catedrático. Já naquele dia
fiquei sabendo o que era superfície de aplainamento, pro-
cesso de pediplanação, nível de erosão, colúvio, lixiviação e
outros termos, para mim tão herméticos, porém explicados
com clareza e didatismo pelo jovem professor assistente, no
qual os alunos reconheciam um talento invulgar. Aprendi,
portanto, desde cedo, a admirar o Professor Ab’Sáber.
Suas aulas de campo nos encantavam. Durante a
Assembleia Geral da Associação dos Geógrafos Brasilei-
ros (AGB), realizada em Santa Maria (RS), em julho de
1958, eu estava entre o grupo de alunos que acompanhou
o Professor Aziz até Santana do Livramento, na fronteira
Brasil-Uruguai. Ali, subiu conosco numa elevação, e falou
sobre o sítio urbano: “A cidade está situada sobre os cerros
médios entre dois festões de cuestas. A drenagem segue
para leste, notando-se um rio inadaptado, isto é, não per-
feitamente obsequente. As influências estruturais são bem
visíveis na frente da cuestas apesar do trabalho da erosão”.
Posso transcrever suas palavras porque fiz apontamentos
taquigráficos, os quais conservo até hoje. Imaginem quanto
aprendemos de geomorfologia, só naquela manhã com essa
aula dada em plena natureza! E muitas outras vezes sairía-
mos ao campo durante suas disciplinas.
Foi, também, meu mestre, na Escola de Jornalismo
Cásper Líbero, curso que eu fazia, concomitantemente com
o de Geografia, onde ministrava Geografia do Brasil para os
futuros jornalistas. Foi lá que aprendi taquigrafia, habilida-
de que me deu o privilégio de registrar todas as suas aulas,
numa época em que ainda não se usavam gravadores.

440
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
23

Rio Jaguaribe, em Iguatu. Foto: Aziz Ab’Sáber.

O Professor Ab’Sáber e o semiárido numa área que se estende do litoral setentrional, da


foz do Rio Jaguaribe (latitude 04º30’S) à Ponta dos
A região semiárida do Nordeste Brasileiro Três Irmãos (município de São Bento do Norte, RN,
estende-se por cerca de 900.000 km² e caracteriza- latitude 05º109’S), avançando, de forma descontínua,
se por médias pluviométricas anuais oscilando entre pelo continente, na direção do Vale do São Francisco
300 e 800 mm anuais. Em sua porção nuclear (cer- até a latitude de 12ºS, aproximadamente. Na direção
ca de 500.000 km²) a pluviometria anual é inferior a do litoral, limita-se com uma faixa transicional, menos
500 mm. Manifesta-se de forma mais característica seca, designada de agreste e, para o interior, vai se des-
caracterizando e assumindo um perfil de clima su-
búmido, até se confundir com o domínio do cerra-
do, onde as médias pluviométricas anuais superam
os 1.100 mm e as características da semiaridez são
menos acentuadas. Uma das singularidades dessa
mancha semiárida tropical, aliás, sempre ressaltada
pelo Professor Ab’Sáber, é a de apresentar toda a
sua rede de drenagem exorreica, apesar de inter-
mitente, sem nenhum caso de endorreismo, nem
mesmo pontual.
De longa data os geógrafos brasileiros vêm
se interessando por esse domínio natural tão singu-
lar, tendo sido, o Professor Aziz, o pioneiro a apre-
sentar análises amplas sobre o mesmo. Antes dele,
registram-se contribuições esparsas, notadamente
no que se refere à biogeografia e à geomorfologia,

Casa em Pirangi. Foto: Aziz Ab’Sáber.

441
valendo destacar, nessas áreas, os estudos de Dárdano
de Andrade Lima sobre a flora de Pernambuco (Lima,
1954), e os de Alfredo José Porto Domingues a res-
peito do relevo e estrutura do sertão de Paulo Afonso
(Domingues, 1952).
Todavia, o primeiro trabalho geográfi-
co, com a abrangência de uma análise regional,
foi o de Ab’Sáber, "O Planalto da Borborema, na
Paraíba", publicado sob forma de artigo, em 1953,
no Boletim Paulista de Geografia, órgão da Seção Re-
gional de São Paulo, da Associação dos Geógrafos
Brasileiros (SRSP-AGB), em que é feita a caracte-
rização geral do referido planalto no contexto da re-
gião semiárida, artigo ilustrado com 11 fotos pano-
râmicas, devidamente comentadas. A leitura, em seu Linha de pedra, Baturité. Foto: Aziz Ab’Sáber.
conjunto, fornece um quadro bem elaborado das ca-
racterísticas geográficas da região, e, embora enfatize
os aspectos naturais, não negligencia a complexidade
dos processos interativos, incluindo as transforma-
ções de origem antrópica (Ab’Sáber, 1952).
Logo depois, em 1956, na mesma revista, o
Professor Ab’Sáber publicou outro artigo intitulado
"Depressões periféricas e depressões semiáridas no
Nordeste do Brasil", em que, pela primeira vez, usou
a palavra desertificação, ainda que tenha sido num
contexto paleogeográfico:
Isto não implica em dizer que a semiaridez
nordestina se restrinja, tão somente, ao cen-
tro dessas bacias intermontanas, mas comprova
que foi, a partir dali, que se expandiram para
as áreas vizinhas, pouco elevadas, nos ciclos de
desertificação (grifo nosso) mais pronunciados do
Crateús. Foto: Aziz Ab’Sáber.
Quaternário (Ab’Sáber, 1956a).

Durante o XVIII Congresso Internacional de


Geografia, promovido pela União Geográfica Inter-
nacional (UGI), no Rio de Janeiro, em 1956, o Pro- uma retomada, ainda que imperfeita, da mesma ari-
fessor Ab’Sáber teve participação destacada e a te- dez ali registrada no Pleistoceno (Ab’Sáber, 1956b).
mática relativa ao Nordeste seco foi a que prevaleceu Durante esse importante evento internacio-
entre a sua contribuição. Apresentou, entre outras, a nal, manteve contatos com os Professores André
comunicação "L´interférence des systèmes d´érosion Cailleux e Jean Tricart, este último da Universidade
dans l´élaboration du rélief de la région Nord-Est de Estrasburgo (França), que já haviam produzido
Orientale du Brésil" onde fez um retrospecto dos trabalhos sobre o semiárido brasileiro e influencia-
paleoclimas, assinalando que a fase semiárida atual é riam a obra do Professor Ab’Sáber. Esse fecundo
contato com os professores citados abriu caminho
para que elaborasse sua síntese sobre os domínios
naturais brasileiros, que logo se transformaria num
artigo antológico da geografia física brasileira: "Do-
mínios morfoclimáticos e províncias fitogeográficas
do Brasil" (Ab’Sáber, 1967).
Em sintonia com esse trabalho, publicaria,
em seguida, um estudo específico sobre o domí-
nio morfoclimático das caatingas, com uma carac-

Ceará. Foto: Aziz Ab’Sáber.

442
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
23
interior das vazantes (leitos secos). Da mesma forma,
afirma que não se pode chamar o que ali ocorre, do
ponto de vista humano, de nomadismo. Na realidade
essa área “passou a ter o papel histórico de fornecer
mão de obra barata para todas as outras regiões deten-
toras de algum potencial de emprego”, como se tem
visto desde os fins século XIX, quando os sertanejos
iam explorar as seringueiras na Amazônia, em con-
dições de semiescravidão, até o dias atuais, quando
seguem para o Centro-Oeste e sul do Pará e outras
fronteiras agrícolas em expansão, sem falar no enorme
contingente que se dirige às grandes áreas metropo-
litanas em busca de trabalho. Termina sugerindo al-
gumas iniciativas, tais como implantação de módulos
Linha de pedra. Foto: Aziz Ab’Sáber. rurais, ampliação de culturas secas, melhor manejo da
tecnologia da água e adoção, em caráter experimental,
da propriedade coletiva da terra, com padrões poliva-
lentes de produção (Ab’Sáber, 1985).
terização completa desse espaço seco, inserido-o
num continente de clima dominantemente úmi- O contributo de Ab’Sáber para os estudos de
do. Estabeleceu um paralelo com outras duas im- desertificação
portantes regiões secas sul-americanas: a diagonal
arreica do Cone Sul, alongada desde a Patagônia O primeiro estudioso que se ocupou dessa te-
até o litoral hiperárido do Peru, passando pelos al- mática, em nosso país, foi o Professor Vasconcelos
tiplanos bolivianos e chilenos e pela região de Fal- Sobrinho, da Universidade Federal Rural de Pernam-
cón (ou La Guajira), na fachada atlântico-caribenha buco, que praticamente direcionou toda sua obra à
da Venezuela. Destacou, porém, a singularidade análise dos processos de desertificação no Nordeste,
geográfica do domínio semiárido brasileiro, situado utilizando-se da metodologia dos biólogos. Seus pri-
em latitude subequatorial muito quente e caracteriza- meiros trabalhos sobre os núcleos de desertificação
da por fortes irregularidades pluviométricas ao longo datam de 1971 (Vasconcelos Sobrinho, 1971). Foi,
do espaço e do tempo. O artigo é composto de cinco também, o cientista que precedeu na apresentação de
partes, a saber, a geomorfologia (que também contem- uma proposta metodológica ampla para os estudos
pla a caracterização climática), os solos, a hidrografia, de desertificação no Brasil (Vasconcelos Sobrinho,
destacando seu endorreismo, a compartimentação 1974) e um dos únicos brasileiros a estar presente na
topográfica, associada à biogeografia e, finalmente, I Conferência das Nações Unidas sobre Desertifica-
as considerações finais. Nesta última parte, afirma, ção, em Nairobi (Quênia), em 1977, realizada sob pa-
claramente, que ali, como em outras regiões secas do trocínio do PNUMA (Programa das Nações Unidas
continente, é “necessário inventariar suas condições para o Meio Ambiente).
físicas e ecológicas, para melhor compreender as po-
tencialidades de sua economia e os problemas sociais
dos grupos humanos que nelas habitam e produzem”,
não deixando de assinalar os equívocos das medidas
oficiais e sua pouca eficácia, por serem excessivamen-
te tecnocráticas e desvinculadas da realidade do ser-
tão semiárido (Ab’Sáber, 1974).
Essa mesma discussão, o Professor Ab’Sáber
retomaria em 1985, no artigo "Os Sertões - A Ori-
ginalidade da Terra", divulgado em 1985, na Revista
Ciência Hoje. Nesse trabalho, procura corrigir alguns
equívocos científicos que vêm sendo difundidos, es-
pecialmente a de que o Nordeste árido é constituído
dominantemente por chapadas, recobertas de solos
pobres e gretados, habitada por populações seminô-
mades. Demonstra, de forma clara, que 85% da região
é ocupada por depressões interplanálticas, estas sim,
“representativas, tanto do ponto de vista físico quan-
to ecológico do domínio semiárido nordestino” e que Mandacaru. Foto: Aziz Ab’Sáber.
os solos gretados só ocorrem em bolsões de argilas no

443
Em atendimento às recomendações desse ór-
gão dentro do Plano de Ação Mundial para Comba-
ter a Desertificação, o governo brasileiro, no âmbito
do IBGE (Superintendência de Recursos Natu-
rais) promoveu, sob a responsabilidade do geógrafo
Edmon Nimer, a elaboração de um mapa sobre riscos
de desertificação, considerando somente variáveis cli-
máticas (média térmica, umidade relativa, duração da
estação biologicamente seca, incidência do posiciona-
mento central da estação seca, regime pluviométrico,
variabilidade pluviométrica ano a ano e grau de ins-
tabilidade climática). A carta resultante, denominada
"Zoneamento Sistemático de Áreas mais Predispos-
tas à Desertificação", abrangendo todo o território
nacional, teve o caráter de um documento técnico e
de subsídio às ações oficiais no estabelecimento de
Programa Nacional de Combate à Desertificação, o Vale do Poti, entre Crateús e Oiticica. Foto: Aziz Ab’Sáber.
qual, seria, mais tarde, implementado pelo Ministério
do Meio Ambiente (NIMER, E., 1980). "desertificação antrópica" a fim de enfatizar a ocupação
No plano da discussão teórica, porém, foi o predatória como vetor dos processos de degradação.
Professor Ab’Sáber que saiu na frente com seu artigo No mesmo texto, insiste na singularidade do
"Problemática da Desertificação e da Savanização no semiárido brasileiro como “um dos raros casos de
Brasil Intertropical", publicado em 1977, no mesmo grandes áreas secas do mundo dotadas de drenagens
ano em que se reuniu a conferência internacional so- abertas para o mar, ou sejam, drenagens exorreicas
bre desertificação acima mencionada. (grifo do autor) intermitentes”, apontando, como
Esse trabalho é, até hoje, o mais importante, pe- uma das consequências, a baixa salinização, e, por-
las propostas inovadoras que apresentou e pelo caráter tanto, condições relativamente favoráveis às ativida-
eminentemente geográfico que imprimiu à discussão des agrárias. Ao longo de todo o texto, está presente a
do tema. Foi o primeiro, entre nós, a usar a expressão preocupação em relacionar os fatos da natureza com

Preparação de roçado no Vale do Jaguaribe, Iguatu. Foto: Aziz Ab’Sáber.

444
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
23

Cerca típica do sertão, no Ceará. Foto: Aziz Ab’Sáber.

a ação da sociedade e, ao mesmo tempo, identificar O geótopo, dentro das escalas de grandeza de-
e interpretar os arranjos espaciais resultantes desse finidas por Bertrand, corresponde “à menor unidade
processo interativo. Essa visão abrangente é o que dá geográfica homogênea diretamente discernível no
identidade ao trabalho do geógrafo, distinguindo-o terreno”, cujas condições ecológicas são distintas das
das análises de outros estudiosos. do geofácies e do geossitema, nos quais está inserido
O artigo é orientado no sentido de iden- (Bertrand, 1971).
tificar a desertificação na escala local ou “fatos As nove feições de geótopos áridos indicadas
pontuais ou areolares (grifos do autor), suficiente- por Ab’Sáber são cuidadosamente descritas e em to-
mente radicais para criar degradações irreversíveis da das a ação antrópica é posta em destaque.
paisagem e dos tecidos ecológicos naturais”. Assinala A contribuição do Professor Ab’Sáber foi es-
que a exploração mal orientada degrada a natureza pecialmente relevante para o entendimento do pro-
produzindo modificações na fisiologia das paisagens. cesso na faixa das baixas latitudes, tendo abrangido
A propósito da ideia de considerar a paisagem como não só o semiárido como também o domínio dos
um organismo vivo, dotado, portanto, de fisiologia, cerrados, onde detectou o que denominou de proces-
convém lembrar que foi Ab’Sáber o primeiro divul- so de savanização responsável por uma degradação
gador na geografia brasileira, como adiante procura- ambiental já bastante expressiva do ponto de vista
remos demonstrar. A desertificação localizada pro- espacial. Demonstrou ser uma associação vegetal
duz o que o autor chamou de geótopos áridos, dos mais resistente que as caatingas e com alto grau de
quais identifica nove modalidades: “altos pelados”, adaptação, portanto menos vulnerável aos processo
“salões”, “vales e encostas secas”, “lajedos ou mares de desertificação. Lembremos que essa afirmação,
de pedra”, “paleodunas quaternárias”, “topografias em grau de “premissa genérica”, foi feita em 1977,
ruiniformes e cornija rochosas desnudas”, “revolvi- quando aquele espaço ainda não havia sido ocupado,
mento anômalo da estrutura superficial”, “malhadas” em grande escala, pela agricultura extensiva e meca-
e “áreas degradadas por raspagem”. nizada - os agronegócios - e adverte que “a região
Esta é a maior originalidade do trabalho, ou dos cerrados é susceptível a todos os outros tipos de
seja, a de adotar a proposta geossistêmica, que se re- degradação e lesionamento de paisagens conhecidos
velaria muito boa por abranger o meio ambiente na nas regiões tropicais úmidas do Brasil”. Não fala em
sua inteireza, contemplando tanto os processos na- geótopos áridos mas em “pontos de desertificação
turais quanto a ação antrópica em diferentes níveis e savanização local ou sub-regional”, distinguin-
escalares (Ab’Sáber, 1977). do oito modalidades: “morrotes”, “cerrados ralos” e

445
namismo e velocidade próprios.
O Professor Ab’Sáber, em 1982, produziria
mais dois artigos sobre o tema da desertificação:
"Degradação da natureza por processos antrópicos,
na visão dos geógrafos" e "Degradação da natureza
no Brasil: A identificação das áreas críticas".
No primeiro, depois de discorrer amplamen-
te sobre a degradação da natureza, provocada pelas
atividades econômicas sem nenhum cuidado preser-
vacionista, chamou a atenção para a especificidade
do discurso dos geógrafos, o qual sempre põe em
destaque a relevância das noções de espaço, pro-
cesso e tempo, imprescindíveis, na correta avaliação
da questão ecológica. Revalorizou a proposta de
Estrada entre Pirangi e Quixadá. Foto: Aziz Ab’Sáber. Bertrand sobre os geossistemas e seus diferentes ní-
veis escalares, apresentando, novamente, ao referir-
“campestres”, “paleoinselbergs”, “campestres inférteis”, se ao Nordeste seco, o exemplo dos altos pelados
“campestres dos altos chapadões”, “cerrados ralos”, como um geótopo árido resultante de “erosão lami-
“pequenas área de cerrados” e “manchas de cerrados”, nar escarificante” desencadeada pela ação antrópica
as quais, da mesma forma que os geótopos áridos, (Ab’Sáber, 1982a).
considera serem “feições de desertificação antrópica” No segundo artigo acima citado, dividiu o
(Ab’Sáber, op. cit., 1977). terrritório brasileiro em dois grandes setores, a fim
Alguns anos depois, em 1988, o Professor de identificar as áreas críticas: “o litoral e a fachada
Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro apresen- atlântica” e “os grandes espaços interiores”. Enfatizou
taria um estudo sobre a desertificação do Nordeste o desmatamento generalizado em ambos os domí-
brasileiro, com alto grau de originalidade metodoló- nios, como sendo um processo desestabilizador em
gica e rico de criatividade, aproximando-se mais do cadeia, ao qual seria apropriado aplicar o conceito de
formato literário. Analisou a região do alto Jaguaribe resistasia, divulgado por Henri Erhart (Erhart, 1955).
e o confronto dos estados de Pernambuco, Paraíba e No caso do Nordeste seco aponta como exemplo o
Ceará, e retomou a análise dos “geótopos áridos” de desmatamento que se processou de forma avassala-
Ab’Sáber, especialmente os “altos pelados” e as “ma- dora nos enclaves úmidos serranos, notadamente em
lhadas”. Elaborou uma síntese, na qual reconheceu Garanhuns e em Baturité (Ab’Sáber, 1982b).
três regiões naturais e 24 geossistemas distribuídos Em 2003, veio a público o livro Os domínios
nas unidades espaciais maiores. O trabalho é ilustra- de natureza no Brasil - Potencialidades paisagísticas,
do com cartogramas, climogramas, perfis e blocos- no qual um capítulo, intitulado "Caatingas: o do-
diagramas e, à sua maneira, resgata discussão pro- mínio dos sertões secos", é dedicado ao semiárido.
posta por Ab’Sáber em 1977 (Monteiro, 1988). Trata-se de uma ampla reflexão sobre esse domínio
A discussão sobre o conceito de fisiologia da natural e sua característica multifacetada, produto
paisagem, tratado de forma muito pertinente nos das transformações nele operadas pela ação antró-
trabalhos de Ab’Sáber, havia sido proposta por esse pica, ao longo do tempo histórico. Refere-se, mais
autor em 1969. Em seu trabalho "Um Conceito de uma vez, ao geótopo dos altos pelados, que ocorre,
Geomorfologia a Serviço das Pesquisas sobre o Qua- frequentemente, em solos litólicos, descrevendo-os
ternário" deixa claro que “os estudos sobre a fisiologia como “colinas desnudas, atapetadas por fragmentos
da paisagem têm que se pautar por séries de infor- dispersos de quartzo”, lembrando que tal dominação
me prolongados obtidos em todos os tipos de tempo já aparecia nas descrições de Euclides da Cunha so-
mais representativos para a área e incluindo observa- bre a região de Canudos (Ab’Sáber, 2003).
ções realizadas em momento críticos para a atividade Convém lembrar, à guisa de comparação, que,
morfogenética”, prosseguindo, mais adiante, “a preo- nas médias latitudes, os estudos sobre o tema da de-
cupação é a de entender uma paleodinâmica, à custa sertificação têm sido mais frequentes na abordagem
de métodos dominantemente dedutivos. Enquanto as da Península Ibérica, cuja parte meridional é muito
pesquisas sobre a fisiologia da paisagem (grifo do au- pobre em pluviosidade, e por isso mesmo vulnerá-
tor) são modalidades de pesquisa em situações efeti- vel aos processos de ressecamento ambiental quan-
vamente dinâmicas” (Ab’Sáber, 1969). Essa ideia está do submetida à exploração predatória, agravada pelo
em sintonia com a dos geótopos áridos, identificados seu longo passado histórico. Mais subsídios a res-
e caracterizados na obra de Ab’Sáber, na medida em peito podem ser encontrados na obra Desertificação,
que tais ocorrências se produzem, ao longo do tempo, coordenada pelos professores Maria José Roxo e Jor-
como resultado de um processo complexo envolvendo ge Manuel Mourão, da Universidade Nova de Lisboa
mecanismos naturais e antrópicos, cada qual com di- (Roxo e Mourão, 1998).

446
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
23

Lugarejo entre Crateús e Aracatiaçu. Foto: Aziz Ab’Sáber.

Considerações finais

A desertificação é, hoje, encarada como um seja, a de articular compreensões abstratas, produzin-


problema de escala global, e nesse contexto deve ser do sínteses muito úteis para a interpretação da natu-
analisada. Nas regiões de baixa latitude, porém, onde reza, submetida à ação transformadora da sociedade.
há uma grande concentração energética, os proces- Suas análises realçam a originalidade da re-
sos naturais de natureza climática são mais violentos gião semiárida brasileira, enquanto vasta área seca
e incontroláveis, e, por isso mesmo, os esforços em subequatorial, com drenagem aberta para o oceano,
prol da defesa da natureza devem assumir um papel com reduzidas ocorrências de salinização, favore-
prioritário. cendo, portanto, as práticas agropastoris, desde que
Em 1994, foi criada a Convenção das Nações devidamente adaptadas à alta variabilidade anual de
Unidas de Combate à Desertificação, ao qual nosso precipitação. Outra singularidade é sua elevada den-
país aderiu, tendo o Ministério do Meio Ambien- sidade demográfica, se comparada com outras áreas
te implantado o Programa Nacional de Combate à secas do mundo tropical, especialmente as regiões
Desertificação; a data de 17 de junho foi instituída subsaarianas, fato já indicado pelo geógrafo francês
como o Dia Mundial de Combate à Desertificação. Jean Dresch quando de sua visita ao nosso país, em
As causas do fenômeno são bem conhecidas e 1956.
estão intimamente associadas à ação predatória e de A contribuição de Ab’Sáber é consistente em
superexploração do meio ambiente praticada desde todos os sentidos, e muito relevante para o conheci-
tempos muito remotos. mento do meio tropical subúmido.
No que diz respeito aos estudos da desertifica- Nessas áreas, transicionais e frágeis, os processos
ção no território brasileiro, o Professor Ab’Sáber foi de degradação e desertificação representam um desafio
um precursor no plano metodológico, conforme pro- a ser enfrentado, no plano acadêmico, pelos estudiosos
curamos demonstrar. Todos os seus trabalhos apre- e, no político-administrativo, pelas instâncias que têm a
sentam uma notável capacidade de generalização, ou responsabilidade da gestão do território.

447
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448
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
23
PROBLEMÁTICA DA DESERTIFICAÇÃO
E DA SAVANIZAÇÃO NO BRASIL
INTERTROPICAL

Aziz Nacib Ab’Sáber

1977. Problemática da desertificação e da A documentação disponível, para um relato minu-


savanização no Brasil intertropical. cioso sobre as feições de desertificação, ainda é muito limi-
São Paulo, IGEOG-USP, Coleção tada. Tanto no que se refere a processos de desertificação
Geomorfologia, 53:1- 19. antrópica, como sobretudo no que diz respeito a possíveis
ampliações da semiaridez, através de variações climáticas re-
centes e quase que imperceptíveis, pairam sérias dúvidas e
justificadas restrições.
No presente relato, entenderemos como processos
parciais de desertificação todos aqueles fatos pontuais ou
areolares suficientemente radicais para criar degradações
irreversíveis da paisagem e dos tecidos ecológicos naturais.
Nesse sentido, o território brasileiro, em seu conjunto, exibe
um dos mais impressionantes quadros de modificações eco-
lógicas sutis – às vezes irreversíveis – incidindo sobre quase
todos os seus grandes domínios paisagísticos.
Do ponto de vista climático, o território brasileiro
constitui-se numa das grandes áreas úmidas do mundo: 90%
do universo paisagístico do país está condicionado a climas
chuvosos tropicais e subtropicais, com precipitações médias
anuais sempre superiores a 1.000 mm. No interior do espaço
geográfico restante - os 10% correspondentes ao Nordeste
interior - ocorrem climas semiáridos subequatoriais e tro-
picais de exceção, com precipitações variando entre 280 e
700 mm em média, contrapondo-se a temperaturas médias
anuais muito altas, da ordem de 25-26°. Não fossem os altos
níveis térmicos a que estão sujeitas as terras nordestinas, o
quantum de precipitações seria suficiente para caracterizar
uma situação de climas tropicais subúmidos ou quando
muito semiáridos moderados. Entretanto, trata-se de legí-
timos ambientes semiáridos, com fortes deficiências hídricas
sazonárias nos rios e nos solos, e dramáticas irregularidades
de precipitações ao longo do espaço e do tempo. Nota-se, por
outro lado, que muito embora reduzida em relação ao con-
junto do território brasileiro, esta região quente e semiárida
estende-se por um espaço superior a 750.000 km, em sua
porção nuclear. Tal fato equivale a dizer que ela é superior
a três vezes ao espaço geográfico do Estado de São Paulo, o
que nos dá uma ideia de sua ordem de grandeza espacial.
Nossa área semiárida - o domínio das caatingas -
tem sido concebida como uma região semiárida de longa
permanência e prolongada adaptação de seus componentes

449
fitogeográficos nos ambientes secos. Isso equivale a mentáveis distúrbios ecológicos, através de mudanças
dizer - ao contrário do que nós mesmos julgávamos irreversíveis no suporte geoecológico. Daí porque não
de início (Ab’Sáber, 1956) - que o Nordeste seco teve se deve permitir grandes desmatamentos e sobretudo
condições semiáridas, mais fortes ou mais fracas, por efetuar a coalescência de pastagens nessa área sujeita a
um demorado espaço de tempo dentro do Quater- um tipo incontrolável de “savanização”.
nário. No entanto, três séculos de atividades agrárias
rústicas, centradas no pastoreio extensivo, e, algumas Degradação dos tecidos ecológicos e pontos de
décadas de ações deliberadas de intervenção antrópica, desertificação no interior do Nordeste seco
com acentuado crescimento demográfico paralelo,
terminaram por acrescentar feições de degradação Entre todos os domínios paisagísticos inter e
pontuais, de fácil reconhecimento nas paisagens serta- subtropicais do Brasil, o único a apresentar paisagens
nejas, sob a forma de ulceração dos tecidos ecológicos e ecologias peculiares às regiões semiáridas quentes é
regionais. Ainda uma vez, sem que tenham ocorrido o Nordeste seco. Nesta área, conhecida pelo sugestivo
mudanças climáticas recentes, processaram-se efe- nome de região ou domínio das caatingas (matas es-
tivos quadros locais ou sub-regionais de desertificação branquiçadas, em língua tupi-guarani), ocorrem de-
antrópica. Para eles voltaremos nossas vistas. pressões interplanálticas quentes e secas, mal servidas
A rigor, entre nós, as áreas e as faixas de tran- por chuvas tropicais. As precipitações regionais são
sição entre as regiões úmidas e as regiões secas do relativamente e muito irregulares no espaço, e, sobre-
Nordeste sofreram mais processos de degradação am- tudo, no tempo, comportando variações imprevisíveis
biental e “savanizaçao” em sentido abrangente do que de ano para ano.
a própria área nuclear das resistentes caatingas – eco- A incidência de anos secos, parciais ou totais, a
logicamente, resistentes caatingas. curto intervalo de tempo, e sem periodicidade regular,
Por todas essas razões, não basta efetuar obser- levou os primeiros observadores do espaço climático
vações sobre processos de desertificação, tendo apenas e ecológico regional a designar o conjunto espacial da
como área-laboratório o Nordeste seco. Do Mara- área sob o sugestivo nome de “Polígono das Secas”.
nhão e Sudeste da Amazônia até ao Rio Grande do Na realidade, o setor semiárido brasileiro é um dos
Sul podem ser encontrados pontos - e, até mesmo, diversos polígonos paisagísticos ecológicos do Brasil,
pequenas áreas - de ocorrência de fácies de desertifi- segundo o modelo espacial das áreas nucleares (ou core
cação antrópica, direta ou indiretamente ativados por áreas), conforme proposição feita por Ab’Sáber, desde
ações antrópicas predatórias. Torna-se, pois, obriga- há muitos anos. Esse núcleo de terras sujeitas a um
tório, sondar o comportamento dos diferentes padrões clima subequatorial e tropical semiárido é revestido
de paisagem e tecidos ecológicos - pertencentes aos por matas ralas, caducifólias, muito resistentes, adap-
próprios domínios morfoclimáticos e fitogeográficos tadas a um ambiente quente e seco, e dotado de fortes
mais úmidos do país - para se entender os diferentes deficiências hídricas. Condicionado a um magro ritmo
esquemas de degradação ambiental e a verdadeira “de- pluvial, descontínuo no espaço e no tempo, a região
sertificação” antrópica. Nas áreas úmidas não existem possui uma drenagem intermitente estacional, assim
perigos extensivos de desertificação, e nem tão pouco como solos típicos de regiões secas (vertissolos). No
ocorrem ameaças de modificações das condições cli- entanto, todas as suas bacias de drenagens, autóctones,
máticas gerais. No entanto, de há muito, já se vem no- são organizadas de tal modo que atingem sempre o
tando, devido a exploração econômica mal orientada, mar. Trata-se de um dos raros casos de grandes áreas
perigosíssimos quadros de degradação de paisagem e secas do mundo dotadas de drenagens abertas para
solos, incluindo modificações na ecofisiologia dos es- o mar, ou sejam, drenagens exorreicas intermitentes.
paços naturais e sutis modificações hidrológicas areo- Disso decorre uma limitação, altamente desejável, no
lares. Para não falar nos sérios casos de lesionamento que diz respeito à salinização dos solos. Efetivamente,
locais e sub-regionais das paisagens morfológicas e da o Nordeste seco se comporta como uma das áreas
epiderme das terras. secas menos salinizadas do mundo, razão pela qual
Na margem sul da Amazônia, na área das possui dimensões relativas para atividades agrárias, e
primeiras faixas florestais de matas pré-amazônicas para suportar um stock humano, de razoáveis propor-
e amazônicas tem sido observado uma fragilidade ções demográficas.
particular dos ecossistemas equatoriais úmidos bra- A despeito da rusticidade das condições semi-
sileiros. Eliminadas as florestas por grandes espaços, áridas predominantes, não há como reconhecer no
tem origem um quadro lamentável de matas secun- conjunto das depressões interplanálticas quentes e
dárias, dominado por cecrópias (embaúbas). Numa secas do Nordeste aquele conjunto de condições pe-
segunda fase de agressão, quando se fazem desmata- culiares aos desertos áridos, propriamente ditos. As
mentos por grandes espaços, com eliminação de flo- precipitações médias recebidas pela região giram, no
restas e matas secundárias (e tentativa de formação de conjunto, em torno de 400 a 600 mm anuais, fato que
pastos extensivos e monótonos), tem sido criados la- seria considerado, em outras faixas térmicas do globo,

450
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
23

como pertencentes ao subúmido, não fosse a des- altos de sais impediram completamente a penetração
compensação do balanço hídrico relacionado aos ele- das caatingas e dos carnaubais-galerias, favorecendo
vados índices térmicos regionais, que se situam entre apenas a instalação de vegetação rasteira halófila.
os mais quentes da terra (25 a 27° de temperaturas Ações antrópicas diversas têm acentuado o caráter
médias anuais). As fortes deficiências hídricas sazo- árido local de tais paisagens, reconhecidas como “sa-
nárias fazem com que o período úmido seja de tipo lões”, e, eventualmente, sob a sugestiva designação de
subúmido, e que o período seco seja quase totalmente “barro branco”. Principais áreas de ocorrência: várzeas
árido, implicando no corte da correnteza dos rios re- do Baixo Mossoró e Baixo Apodi, próximo ao mar, na
gionais, numa decomposição química bastante fraca, região onde se instalaram as salinas do Rio Grande
e no aprofundamento dos lençóis d’água subterrâneos do Norte (área de Grossos e Areia Branca). Espaços
superficiais, por um período de cinco a sete meses, abrangidos: algumas centenas de metros até alguns
cada ano. Somando-se a isso o caráter do período es- quilômetros quadrados de área, em manchas descon-
tacional das drenagens, obtém-se uma conjuntura pai- tínuas.
sagística, e, sobretudo, uma “fisiologia” de paisagem, 3. Vales e encostas secas. Setores locais de caa-
típica de regiões semiáridas ou subdesérticas. tingas esparsas em vales mal servidos por unidades,
Entretanto, no interior da área nuclear do do- ou encostas de escarpas ou serras situadas a sotavento.
mínio das caatingas ocorrem pontos, pequenas áreas Setores de relevos de cuestas com chão pedregoso e
e agrupamento de pontos filiados a processos locais baixo nível de alteração de rochas. Enclaves de caa-
de desertificação. Ainda que não possam ser mape- tingas no meio de áreas de cerrados, em encostas pai-
ados em termos de uma cartografia de pequena escala, sagisticamente muito degradadas. Áreas de ocorrência:
podem ser reconhecidos como modelos locais, na ca- centro-sul do Piauí, sudeste da escarpa do Ibiapaba,
tegoria de verdadeiros geotopos áridos. Em sua gênese, cuesta do Apodi. Espaços abrangidos: áreas de alguns
muito variável, tais pontos de desertificação incluem quilômetros a dezenas de quilômetros quadrados.
fatos ligados a uma predisposição da estrutura geo- 4. Lajedos, mares de pedra, patamares de
ecológica, na maior parte das vezes acentuadas por inselbergs, inselbergs e campos de inselbergs. Pequenas
ações antrópicas diretas ou indiretas. Nesse sentido, áreas com aridez rochosa definida, sublinhadas por
os principais casos são os que se seguem: degradações do entorno, em função de ações antró-
1. “Altos pelados”. Interflúvios, desnudos de rasas picas predatórias. Sertões de Paulo Afonso, Milagres,
colinas sertanejas, sujeitas a fortes dessolagens, com Quixadá, Patos e Arcoverde. Áreas de centenas de
remoção de mais de 80% da biomassa das caatingas, metros até quilômetros quadrados, popularmente de-
e redistribuição de fragmentos de quartzo sobre o nominadas “lajeiros”, lajedos ou “pedrejeiros”.
chão da paisagem. Os “altos” são desnudos, devido 5. Áreas de paleodunas quaternárias. Campo de
ao acentuado grau de remoção da cobertura vegetal dunas de Xique-Xique. Velhas dunas relacionadas
primária da região: daí a designação popular de “altos com processos eólicos restritos, no médio Vale do
pelados”. Em alguns dos “altos pelados”, mais típicos, São Francisco (região de Xique-Xique). Embrião de
predominam condições geológicas especiais, tal como campo de dunas, fixadas recentemente pela vegetação,
faixas de filitos sujeitos a um intemperismo químico e e sujeitas a uma espécie de redesertificação por ações
a uma pedogênese de escala “0” (zero). Os fragmentos antrópicas. Acentuação do fácies desértico pela ação
liberados dos diques de quartzo, que cortam os xistos predatória do gado de pequeno porte e pela ação de
argilosos, são esparramados nos altos e encostas das travessia (gado, vaqueiros e retirantes). As areias in-
colinas, devido à ação da gravidade, das enxurradas consolidadas desse velho campo de dunas quaternárias
estivais, e pela ausência de cobertura vegetal contínua. são susceptíveis de fácil remobilização, por influências
O pastoreio de pequenos animais (cabritos) - como diretas ou indiretas do homem. As dunas de Xique-
acontece em muitas outras áreas semiáridas - con- Xique constituem um documento importante de um
tribuiu para acentuar a desertificação local, nas áreas episódio paleoclimático moderno, criador de manchas
de “alto pelados”. Principais áreas de ocorrência: alto de aridez mais acentuadas do que aquela hoje exis-
Jaguaribe (fronteira do Ceará com a Paraíba), Vale tente nos sertões secos semiáridos. Daí porque deve-
do Vaza Barris (região de Canudos, Bendengó-Um- riam ser resguardadas, como amostra e documento de
buranas, no norte da Bahia). Espaços abrangidos: de uma paisagem do passado recente da região nordestina
alguns quilômetros a algumas dezenas de quilômetros interior. Dezenas de quilômetros de extensão, com
quadrados de área. facilidades de mapeamento em diversas escalas. Em
2. “Salões”. Planícies aluviais, de baixos vales, Sergipe, nas encostas da Serra de Itabaiana, ocorrem
em áreas onde a semiaridês chega até à costa (como pequenas dunas interiores, com areias inconsolidadas,
é exemplo típico o litoral do Rio Grande do Norte). também muito susceptíveis de degradação por ações
Zonas de forte incidência de salinização local em antrópicas, mensuráveis nas escalas métricas e deca-
áreas de planícies de fundo de estuários colmatados. métricas. Tal como as de Xique-Xique, constituem
Áreas de várzeas salinas, onde os teores relativamente casos de estudos, para avaliação de condições paleo-

451
climáticas mais secas do que as atuais. Feições de desertificação antrópica do domínio dos
6. Áreas de topografias ruiniformes e cornijas ro- cerrados
chosas desnudas, com aridez rochosa característica. Topo-
grafias ruiniformes, às vezes espetaculares, como é o Os conhecimentos sobre processos de deserti-
caso das “Sete Cidades de Piracuruca”, no nordeste ficação pontuais ou areolares no interior do domínio
do Piauí, e, dos afloramentos rochosos talhados em morfoclimático e fitogeográfico dos cerrados são
arenitos, relacionados à Formação Cabeças (Devoniano muito escassos e controvertidos. Em nosso modo de
Médio), situadas à frente ou na base de morros teste- entender, salvo os casos de pontos de lesionamento de
munhos e escarpas estruturais, mantidas por arenitos. paisagens por efeito de exploração mineral, os fácies
Áreas de alguns quilômetros quadrados até algumas de desertificação antrópica são praticamente nulos no
centenas de metros de extensão. Casos de aridez ro- domínio dos cerrados. A grande resistência e o alto
chosa com pouco ou nenhuma interferência antró- grau de adaptação da vegetação regional às condições
pica. ecológicas têm possibilitado uma reversão habitual da
7. Áreas de revolvimento anômalo da estrutura flora, após desmatamentos para pastagens e eventuais
superficial da paisagem. Colinas sertanejas, superfi- culturas. Não sabemos, é certo, o que poderá acon-
cialmente degradadas, com exposição de cabeços tecer com aquelas áreas atualmente ocupadas pela
rochosos subsuperficiais e remoção parcial dos solos silvicultura extensiva ou pela rizicultura em expansão.
rasos. Pequenas extensões de terras, transformadas A experiência geral, digna do maior crédito, é a de
em um tipo regional de “bad-lands”, estabelecidas em que há retorno de cerrados onde houve cerradões des-
faixas de ectinita-xistos, no interior das depressões in- matados, assim como onde ocorrem pastos sujos, em
terplanáltica regionais. Solos revolvidos por um ma- abandono. Nesse sentido, pensamos que os cerrados
nejo inadequado em áreas predispostas a uma forte se comportam como a vegetação mais resistente e na-
erodibilidade da arquitetura superficial na paisagem. turalmente reconstrutível do país, sobretudo no que
Fácies particular de terras retalhadas – um bad-land diz respeito à sua área de ocorrência. O reconheci-
nordestino – não relacionado com ravinamentos de mento dessa preliminar não implica em dizer que o
tipo tradicional. Protótipo localizado nos arredores planejamento regional da área possa partir apenas de
de Sertânia (Pernambuco), com algumas centenas de uma premissa tão genérica. Pelo contrário, a região dos
metros até quilômetros quadrados de área. cerrados é susceptível a todos os tipos de degradação
8. Malhadas ou chão pedregosos. Diferentes e lesionamento de paisagens conhecidos nas regiões
tipos de chão pedregosos, oriundos da liberação de tropicais úmidas do Brasil.
fragmentos de quartzo a partir de cabeços de diques Nosso conhecimento de campo, na área dos
ou veios, ou a partir da desagregação de antigos cas- cerrados, permite-nos citar alguns poucos casos de
calheiros de as mais diferentes origens. A expressão pontos de desertificação e savanização local ou sub-
malhada, utilizada na Bahia para designar as manchas regional restritas, no interior desse resistente e arcaico
de maior pedregosidade das colinas sertanejas, tem domínio ecológico.
um valor descritivo e pragmático. Procura indicar, a 1. Morrotes semidesnudos de vegetação, com
um tempo, o caráter pontilhado das ocorrências de chão pedregosos oriundos de redistribuição de seixos
fragmentos ou seixos esparsos, assim como a sua con- de antigas cascalheiras desagregadas. Áreas de cerra-
dição de área imprestável para atividades agrárias tra- dinhos “esparsos” e descontínuos, oriundos da própria
dicionais. Até certo ponto de vista, a região dos “altos degradação dos tecidos ecológicos, em nível local
pelados”, do extremo norte da Bahia (área de Umbu- (áreas de chapadões dissecados entre Anápolis e Bra-
ranas-Bendegó), poderia ser considerada o maior setor sília). Ocorrências em faixas pequenas de algumas
de ocorrência de “malhadas”, já que ali elas atingem centenas até quilômetros de extensão.
algumas dezenas de quilômetros quadrados de área. 2. Cerrados ralos e campestres, situados em inter-
Existem, entretanto, numerosos casos de malhadas no flúvios mantidos por espessas crostas de laterita. Lo-
Ceará, em Pernambuco e Paraíba. cais sujeitos as limitações ecológicas primárias, devido
9. Áreas degradadas por raspagem ou emprés- à presença de velhas crostas de lateritas. Em alguns
timos de terra. Faixas de forte degradação local de setores, após uma espécie de “deslaterização” natural
horizontes superficiais dos solos, que favorecem a ex- recente, o manejo inadequado de passagens reacen-
pansão e concentração linear das cactáceas, à margem tuou a degradação dos cerrados (tal como acontece
dos caminhos e rodovias, em alguns tipos de caatinga. nos chapadões de topo plano, mantidos por grossas
Trata-se de uma espécie de degradação linear, predo- crostas de laterita, na região de Anápolis).
minantemente viária, relacionada com a raspagem de 3. Paleoinselbergs, vinculados ao pediplano cuia-
solos e os empréstimos de terra para construção de bano, atualmente dotados de chão pedregoso grosseiro,
aterros e barragens. É muito significativa a rapidez sob a forma de cabeços rochosos e lascas de rochas
com que as cactáceas invadem preferencialmente estas quartzírticas, e vegetação de cerrados degradados.
faixas de lesionamento dos solos das caatingas. 4. Campestres inférteis, sob a forma de campos

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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limpos tipo “savana”, existentes no reverso das altas tores dos morros, a partir sobretudo da introdução
cuestas do Sudoeste de Goiás (área dos altiplanos de da cafeicultura, que aí se iniciou por volta de 1800-
Rio Verde e Jataí, no Sudoeste de Goiás). 1830, quebrou-se a funcionalidade do ecossistema
5. Campestres dos altos chapadões quartzíticos regional, em numerosos pontos e subáreas. Inicial-
e de encostas de cristas, com ou sem aplainações de mente o café foi uma cultura eminentemente de ver-
cimeira, no centro-sul de Goiás (e arredores de Bra- tentes de morros. O sistema inadequado de plantar os
sília). cafeeiros de baixo a alto, nas encostas arredondadas
6. Cerrados ralos das altas encostas subúmidas dos morros, através de fileiras sucessivas, separadas
da Chapada do Araripe, em áreas de cabeceiras inter- entre si por carreadores para facilitar o trabalho dos
mitentes de drenagem. muares de serviço - modo tradicional de transportar
7. Pequenas áreas de cerrados naturalmente de- os grãos colhidos - facilitou ao máximo a ação das
gradados, dos baixos chapadões cuestiformes do águas pluviais, ao longo das vertentes.
Centro do Piauí, dotados de chão pedregoso. De certa forma, criou-se nas vertentes dos
8. Manchas de cerrados com chão pedregoso - morros uma rede de sulcos suficiente para concentrar
incluindo seixos retrabalhados - dos remanescentes diferencialmente os lençóis d’água pluviais. Com a
do pediplano cuiabano, no Oeste Mato-Grossense (a progressiva decadência dos cafezais de morros, num
noroeste de Cuiabá). intervalo de tempo de 50 a 80 anos, após o início das
A despeito dessas ocorrências de pontos e man- culturas, processaram-se numerosos ravinamentos nas
chas de degradação dos tecidos ecológicos das áreas de ruas internas dos cafezais. Ainda que percentualmente
cerrados, não se pode avalizar a ideia de que toda a faixa a grande maioria dos sulcos fosse de tipo contido, em
de formações abertas, que se inicia na área de caatingas um ou outro caso, de espaço a espaço, foram estabe-
e se estende para sudoeste até o domínio dos cerrados, lecidas ravinas profundas e lesionantes. Nem todas as
esteja sofrendo de processos generalizados de “deser- rochas decompostas que constituíam os morros, e nem
tificação”. Além do evidente exagero que fomentou tal todas as estruturas superficiais de paisagens, apresen-
ideia, existe um defeito de visualização, relacionado taram condições similares para o desenvolvimento de
à falta de consideração do caráter sazonário da vida ravinas ativas. As grandes boçorocas existentes nos
vegetal do domínio dos cerrados. Há uma época em arredores de Vassouras e Barra Mansa, no Estado do
que as caatingas estão no “verde”; com muito mais Rio de Janeiro, são testemunhas dessa ação exagera-
razão – ainda que por processos de fisiologia vegetal damente ativas dos lençóis d’água concentrados.
diversos – os cerrados têm o seu próprio período de
enverdecimento generalizado. A ideia de um domínio Considerações finais
do cerrado em processo generalizado de desertificação
– em prolongamento à semiaridez das caatingas – é A verdadeira degradação da natureza tropical
um esforço de generalização inconsistente. é de difícil avaliação direta. Ela não pode ser medida
apenas pelos casos locais de lesionamentos ou des-
Lesionamentos e ravinamentos selvagens no figurações berrantes. Pelo contrário, os mais sérios
domínio dos morros processos de degradação das condições naturais, via
de regra, são bastante camuflados e sutis. Considera-
No domínio dos “mares de morros” e paisagens se uma violentação efetiva das condições naturais,
correlacionadas, do Sudeste e Centro-Sul do país, por ações antrópicas, aquela que resulta em uma rá-
registraram-se os maiores problemas de erosão dos pida e irreversível modificação dos tecidos ecológicos,
solos e lesionamento da paisagem de todo o Brasil. a nível regional.
Muitos fatos respondem por esta fragilidade No Brasil, um pouco por toda a parte - ainda
do suporte geoecológico regional: o caráter rugoso e que extremamente ameaçadas pela intervenção hu-
mamelonizado da topografia dos morros, a profunda mana - sobre-existem paisagens naturais remanes-
e quase universal decomposição das rochas cristalinas centes, suficientes para que se possa avaliar o grau e a
(granitos, gnaisses, xistos), e, sobretudo, a existência de intensidade das modificações fisiográficas e ecológicas
uma cobertura vegetal primária, densa e contínua. sofridas pelas grandes áreas extensivamente devas-
Um tal quadro paisagístico, sujeito a uma evo- tadas. Temos padrões de medida para avaliar, razoa-
lução integrada complexa, comportou sempre um velmente, o teor das modificações introduzidas pelas
paradoxo: tratava de um quadro natural típico de ações antrópicas não racionais.
biostasia, e, entrementes, permanentemente sujeito No cinturão intertropical do globo, todos os
às ameaças de uma resistasia antrópica. Mais do que processos de degradação que ultrapassam o limiar da
qualquer outro domínio morfoclimático e fitogeográ- irreversibilidade podem ser considerados violentos e
fico, esta foi a área menos resistente às ações antró- irracionais. E, todos eles, iniciam-se por desmanta-
picas predatórias, imediatistas e pouco racionais. mentos extensivos, debaixo de modelos geométricos
Removida a cobertura vegetal de grandes se- e predatórios.

453
Em todos os casos, as degradações mais graves apresentam lesionamentos a olhos vistos na paisagem,
são exatamente aquelas que atingem à própria fun- destacam-se os morros da área de Vassouras-Barra
cionalidade dos ecossistemas regionais, determinando Mansa-Volta Redonda, as colinas e baixos morros das
processos de aguda desintegração das condições eco- faixas de terrenos xistosos e calcáreas do planalto do
lógicas: erosão laminar excessiva, desperenização dos Alto Rio Grande, entre Lavras, São João del Rey e Ti-
mananciais, eliminação dos horizontes superficiais radentes (Minas Gerais), e o extremo Norte-Noroeste
dos solos, dessoalagens, ravinamentos, e, por fim, reta- do Paraná, na região onde predominam formações
lhamentos de terras. sedimentares areníticas, conhecidas como arenito
No Sul da Amazônia, na faixa de contato entre Caiuá.
a Hyloea e as matas pré-amazônicas - sem qualquer Não caberia aqui fazer considerações sobre o
sinal de violência ou lesionamento visível - tem estado de degradação das regiões periurbanas metro-
ocorrido uma efetiva desperenização dos mananciais politanas do Brasil de Sudeste. A complexidade dos
e uma savanização, até o nível do irreversível. Nesse problemas ecológicos e fisiográficos, oriundos das in-
sentido, ali, muito mais do que em setores do domínio terferências da urbanização intensiva e extensiva, des-
dos cerrados, grandes áreas tem sido "violentadas" em lanchada pela industrialização, exigiria um tratamento
sua ecofisiologia (a partir de uns quinze quilômetros em outras escalas, obrigando a numerosos enfoques
ao norte de Imperatriz, tendo por eixo a Belém-Bra- particulares. E, isto, escaparia aos limites e objetivos
sília). do tema a que nos propusemos.
Por todas essas razões, os esforços de planeja- As principais formas rotineiras de uso dos
mento regional, a nível do real, devem ser dirigidos solos no Brasil têm sua origem nos sistemas agrí-
para a preservação ao máximo da própria fisiologia da colas implantados no espaço geográfico brasileiro,
paisagem. Somente deveriam ser aprovados projetos nos séculos XVI e XVII: agricultura de plantações
de empresas agropecuárias que tivessem a garantia tropicais, com base no escravismo, e agricultura iti-
básica de boas diretrizes em termos de uma organi- nerante ancilar, extravasada para pequenos grupos de
zação interna racional dos espaços a serem compro- roceiros caboclos e escravos foragidos. Desde cedo,
metidos por desmantamentos. Para tanto, será neces- grandes e pequenos proprietários de terras se viram
sário, sempre, uma criteriosa seleção de áreas para a às voltas com o dilema fundamental das regiões tro-
eliminação parcial e contida das coberturas vegetais, picais úmidas florestadas: para obter espaços cultivá-
evitando-se sobretudo interferir nas cabeceiras dos veis era necessário suprimir tratos, cada vez maiores,
mananciais, nas encostas de declividade acentuada, da cobertura vegetal primária. Derrubadas e quei-
nos setores corrugados da topografia, e nos ressaltos madas, nas vertentes dos morros baixos, planícies e
do baixo relevo regional, entre outras medidas (em se terraços da zona da mata nordestina, constituíram o
considerando especificamente o caso da Amazônia). primeiro modelo de obtenção de espaços agrícolas,
Cada área e cada gleba tem os seus próprios pro- no entremeio da natureza tropical brasileira. Entre-
blemas de preservação e manejo racional do espaço. mentes, temos provas de que esse início de utilização
Razão porque cada caso é um caso, do ponto de vista dos solos tropicais brasileiros foi bastante comedido,
da organização agrária e proteção dos tecidos ecoló- não representando, a rigor, uma depredação extensiva
gicos. Nesse sentido, é inútil, para não dizer crimi- e irreversível, válida para toda a zona da mata. Para-
noso, copiar receitas empíricas ou encontrar modelos doxalmente, o saldo de atividades, ligado ao sistema
de tipo polivalente, para explorar o espaço, sem o risco colonial, foi menos predatório do que as empreitadas
de degradação. das gerações responsáveis por atividades agrárias nos
As áreas mais atingidas pelos processos de de- séculos XIX, e, sobretudo no século XX.
gradação da paisagem natural, em consequência de Julgamos que, comparado com as áreas utilizadas
desmatamentos excessivos, são aquelas pertencentes no passado, o comprometimento dos espaços natu-
ao domínio dos "mares de morros", na área tropical rais, por atividades agrárias extensivas, tem sido muito
atlântica do Brasil Sudeste: Rio de Janeiro, Espírito mais grave e radical, e, além de tudo, injustificável. Os
Santo, Minas Gerais e São Paulo. Mais recentemente, recursos materiais para efetuar derrubadas, queimadas
por razões ecológicas diferentes, tem havido uma forte e desfolhamentos, crescem com o tempo, enquanto
e perigosamente rápida degradação das condições na- que o respeito e a compreensão pelos fatos ligados à
turais, na faixa ecológica crítica das margens da Ama- funcionalidade dos sistemas ecológicos continua pre-
zônia Oriental, entre o Sul do Pará e o W-SW do dominantemente na estaca "0". No século XIX, por
Maranhão. desconhecimento das aptidões dos diferentes padrões
Em diversos outros subsetores do Brasil de Su- de paisagem e ambientes, aplicaram-se, em áreas de
deste, ocorrem feições mais radicais de depredação relevo e solos muito diferentes, processos indiferen-
de solos e da natureza, devido a questões especiais, ciados e rotineiros de preparo da terra, acompanhados
ligadas à estrutura superficial da paisagem e à fragili- de devastação de áreas críticas para a manutenção da
dade diferencial dos solos. Entre as muitas áreas que funcionalidade das condições naturais.

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
23

Daí porque alguns de nós pensamos que, se al- preparadas para um planejamento agrícola e regional
gumas gerações de empresários agrícolas não têm tido integrados, e dotadas de mais espírito e técnicas racio-
capacidade para tratar melhor a natureza e bem ma- nais de utilização do solo.
nejar os espaços agrícolas, seria de todo conveniente De qualquer forma, todas as melhores ca-
proibir a repetição de uso de modelos duvidosos e beças da ciência brasileira, voltadas para as sé-
inseguros, para com áreas dotadas de fortes limita- rias questões do uso nacional do espaço total, são
ções ecológicas para atividades agrícolas e agrárias, unânimes em exigir um melhor tratamento das
tal como é o caso da Amazônia, tomada em relação variáveis ecológicas na organização e ordenação espa-
à sua área nuclear. Isto, até que surjam gerações mais ciais, em todas as escalas.

455
BIBLIOGRAFIA

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Processo de Ocupação Coletiva de Terra para Moradia – Osasco, 1988.
Um minuto para terminar
Paulo César Boggiani

A frase do título foi escrita num bilhete, encaminhado ao Profes-


sor Aziz, pelo Presidente Lula, em reunião que antecedia sua posse.
A reunião ocorreu em São Paulo, onde estavam presentes políticos
que iriam compor o primeiro escalão do Governo Federal, às vésperas
do controvertido e tempestuoso primeiro mandato do Partido dos Tra-
balhadores, entre 2003 e 2006. Nessa reunião, todos falavam apenas do
problema dos juros, quando então o Professor Aziz pediu a palavra e
tentou falar sobre a transposição do Rio São Francisco - naquele mo-
mento, viu o Palocci cochichar no ouvido do Lula. Logo em seguida, re-
cebeu um papelzinho escrito “um minuto para terminar”. Depois disso,
nunca mais falou com o Presidente da República.
O fato acima foi comentado, pelo Professor Aziz, em entrevista
ao jornal eletrônico JC e-mail de 20 de dezembro de 2004, da SBPC-
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
Assisti, em outra oportunidade, com indignação, à falta de res-
peito com a fala do Professor Aziz quando este participava da bancada
de questionadores do político Mendonça de Barros no Programa Roda
Viva, da TV Cultura, a respeito das privatizações, em especial da Em-
presa Vale do Rio Doce, com relação à qual foi radicalmente contra.
Nessa época, ele andava pelos prédios da USP fazendo pequenos discur-
sos a alunos a respeito das desvantagens da privatização dessa empresa
de mineração.
O Prof. Aziz incomoda. Já presenciei ex-secretário de estado de
meio ambiente questionar se realmente o conhecimento científico do
Professor Aziz deveria ou não ser considerado, com relação aos seus po-
sicionamentos sobre a fragilidade ambiental do Pantanal Mato-Gros-
sense, naturalmente em função de concepção de intervenção, daquele
político, contrária às argumentações dos ambientalistas, embasadas nos
trabalhos do Professor Aziz.
Em debate, no ano de 1991, sobre os treinamentos da Marinha do
Brasil no Arquipélago de Alcatrazes, no litoral de São Paulo, desenhava
com suas palavras um quadro dinâmico da evolução daquelas ilhas e de
como essas, no passado, apresentaram ligação com o continente, atra-
vés do rebaixamento do nível do mar, e voltavam a ficar isoladas, com
sua elevação. Naquele momento, o líder do movimento indagou, a outro
membro da mesa, se deveria ou não interrompê-lo, ao que foi pronta-
mente alertado para assim não proceder, e o Professor Aziz finalizou seu
raciocínio e explicou o endemismo da fauna, fornecendo, assim, munição
para aquele movimento ambientalista.
O Professor Aziz já devia estar acostumado com essas investidas
em seus discursos, mas o “papelzinho”, recebido na reunião com o re-

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
24

cém-eleito presidente Lula, deve tê-lo chocado pro- Aziz da Pessoa Aziz. Ele é um exemplo de profes-
fundamente e pode ser colocado como um símbolo sor que todos, que assim se titulam, deveriam seguir.
do distanciamento entre os governantes e comuni- Segundo ele mesmo afirmou, “a vida de cientista não
dade científica que, infelizmente, perdura no nosso é só estudar, aprender e ensinar; de vez em quan-
país. Deve-se admitir que até ocorre, por vezes, uma do, uma pontinha de indignação faz parte”. Isso ele
certa aproximação, geralmente intensa, mas apenas sugere para os demais, porque se a indignação do
durante as campanhas políticas. Professor Aziz é uma “pontinha”, deve ser a de um
A tal derradeira interrupção de fala, atra- iceberg. Afinal, indignação, é o que não falta a ele.
vés do pequeno bilhete, é ainda mais simbólica Geógrafo planejador, foi assim que se intitulou,
por ter tido como alvo o Professor Aziz, que é um em recente entrevista ao Jornal do Campus, da USP,
dos poucos que ainda sonha com o dia em que os quando comentava sobre a estruturação do Projeto
administradores públicos sentarão à mesa com cien- FLORAM do Instituto de Estudos Avançados, con-
tistas, de todas as áreas, para tentarem, antes de exe- siderado, por ele, o maior desafio de planejamento
cutar determinada obra ou projeto, entender os im- que teve em sua vida.
pactos ambientais. Talvez tenha sido também o pesquisador que
Ao mostrar o lado sociopolítico do Professor mais soube exercer, na prática, a tão falada, e pouco
Aziz, pretende-se destacar que talvez não tenha exis- aplicada, interdisciplinaridade, o que lhe confere ca-
tido, no Brasil, um cientista que, sem perder de vista pacidade ímpar para entender a organização da pai-
a sua produção científica, dedicou-se às causas pelas sagem e as modificações que lhe são impostas pelo
quais acredita, desde a organização de pequenas bi- ser humano, o que lhe capacita para discorrer sobre
bliotecas em escolas da periferia da cidade de São os possíveis impactos negativos, resultantes de inter-
Paulo até a tentativa de reverter o processo de priva- venções em determinada região. E com todo conhe-
tização da Empresa de Mineração Vale do Rio Doce. cimento que tem, do variado e amplo espectro social
Ao apresentar esse faceta do professor, procura-se e ambiental do Brasil, é o cientista mais capacitado
reverter a tendência geral de, nas universidades do para fazer diagnósticos de situações e formular pro-
Brasil, vir a ser mais exigida a produção científica, ou postas para o redirecionamento de políticas públicas,
seja, a publicação de artigos, os aclamados “papers”, como definiu sua atividade no governo “paralelo” do
do que a atuação do professor em sala de aula e sua Partido dos Trabalhadores, antes que esse partido se
dedicação à extensão universitária, sendo que essa úl- envolvesse com o poder, na esfera federal.
tima deveria ser o principal índice de avaliação da Em entrevista para a revista Ciência Hoje, pu-
atuação da Universidade na Sociedade. blicada em julho de 1992, afirmou que, para o cien-
Sua sólida e rica produção científica poderia tista, o seu cliente é o país e a sociedade. É sobre
ter sido maior ainda, se não tivesse destinado tem- essa afirmação que a comunidade científica brasileira
po e energia aos movimentos sociais, aos debates e deveria refletir sobre seu papel e seus objetivos.
palestras para crianças e jovens da periferia. Mas se O Professor Aziz deve ser colocado como um
assim tivesse priorizado, não seria o Professor Aziz exemplo de vida universitária a ser perseguido. Se al-
que conhecemos e admiramos e talvez, também, não gum dia vier a ser criado um currículo eletrônico es-
teria sido o reconhecido cientista. pecífico, aos moldes do Lattes do CNPq, para avalia-
O Professor Aziz é um exemplo de que é pos- ção do engajamento de um pesquisador nas questões
sível se dedicar à extensão universitária e conciliar en- sociais e ambientais, esse necessariamente deveria se
gajamento social e ambiental com produção científica, chamar Ab’Sáber.
e se dedicar, ainda, ao ensino, nos diversos níveis. Entre as inúmeras contribuições do Professor
Recentemente, ele deu uma aula para crianças Aziz no campo da geomorfologia, uma encontra-se
do Bairro Conceiçãozinha do Guarujá (SP) que vi- esquecida, quase escondida, e merece destaque. Foi
sitavam o Museu de Geociências da USP. Ele pediu um trabalho apresentado no XII Congresso Bra-
para que elas pegassem o caderno e escrevessem as sileiro de Espeleologia, realizado no Anfiteatro da
palavras mangue, gamboa e outras relacionadas às Divisão de Mecânica do Instituto de Pesquisas Tec-
suas realidades. Depois explicou, com simplicidade, nológicas, entre os dias 9 e 12 de março de 1978.
o que cada uma significava e provocou os alunos da Foi a primeira vez que vi e tomei conhecimento da
Geologia para organizarem uma biblioteca no pobre existência do Professor Aziz e lembro-me, perfeita-
bairro construído sobre insalubre situação de aterra- mente, de um fato que me chamou a atenção. Nem
mento de mangue. bem o Professor Aziz iniciou sua apresentação, vi
Não se pode afirmar e nem separar o Cientista o ainda estudante de geologia Ivo Karmann correr

457
avidamente para se sentar na primeira fileira com esses conteúdos isolados num conjunto coerente que
caderno e lápis na mão, pronto para absorver o má- permita, a ele, o entendimento da dinâmica natural,
ximo do que o Professor Aziz tinha para apresentar. como um todo.
Presenciava ali, a influência direta que o Professor Face à diversidade de situações de formas cárs-
Aziz promovia na formação dos inúmeros pesquisa- ticas no Brasil e carência de material bibliográfico, à
dores brasileiros, uma vez que, hoje, Ivo Karmann é época da publicação do mencionado trabalho, deve-
um dos principais líderes de grupo de pesquisa em se ainda mais ressaltar a importância do trabalho de
geologia de terrenos cársticos. Lembro-me tam- Ab’Sáber (1979). Nesse trabalho, são apresentadas,
bém de não ter entendido nada do que o Professor mesmo que de forma simples, os princípios de es-
Aziz apresentou; não entendi, mas apreciei como peleogênese, ou seja, como as feições cársticas têm
poesia, que não é para ser entendida, apenas senti- origem.
da. Poesia é também uma das marcas dos textos e Naquela época, o Professor Aziz desconhecia
pronunciamentos do Professor Aziz. Somente a importância dos registros paleoclimáticos de espe-
ele pode empregar, com propriedade, a expressão leotemas, cujas pesquisa tiveram início por volta dos
“que se infiltram e dissolvem as paredes ou lábios das anos depois e, no Brasil, por volta de 1998. Em seu
fissuras, e, sobretudo os campos de cruzamento de trabalho (Ab’Sáber, 1979), este autor já menciona a
fissuras” ao explicar o processo de dissolução das conveniência de
massas calcárias nos relevos cársticos, em seu texto da mergulhar nas entranhas da terra para obter
referida palestra (Ab'Sáber, 1979). informes poupados na forma de detritos, os-
Àquela época, a Espeleologia no Brasil, como sadas, desenhos e objetos, capazes de docu-
ciência, estava apenas se iniciando. Os atuais pesqui- mentar situações pretéritas, apagadas no seu
sadores, nas suas diversas áreas, eram ainda estudan- espaço de origem. Essa memória que se trans-
fere para o interior dos labirintos gerados pe-
tes de graduação, ou iniciavam suas pós-graduações,
los fenômenos cársticos tem sido documento
e de forma independente e autodidata, pois não havia
polivalente para diferentes campos da ciência:
especialistas. paleontologia, pré-história, geomorfologia, zoo-
No texto sobre Geomorfologia e Espeleo- logia e botânica.
logia, nos anais do referido congresso (Ab’Sáber,
1979), nota-se a capacidade de síntese e plenitude O uso de espeleotemas para estudos paleocli-
de seu trabalho. Nesse texto, é ressaltada a impor- máticos somente foi possível após o desenvolvimento
tância da interdisciplinaridade, tema sempre recor- e acesso mais amplo à investigação de isótopos de C
rente em seus trabalhos, e chama atenção para que e O, principalmente do segundo, que permite inter-
os pesquisadores, na área de espeleologia, se inte- pretar a temperatura na qual uma milimétrica lâmina
ressassem também pelas formas superficiais dos re- de carbonato de cálcio se precipitou, informação si-
levos cársticos, os quais considera tão exuberantes ginificativa, quando amarrada à precisa determinação
e intelectualmente estimulantes quanto o domínio geocronológica, o que somente foi possível após o
dos espaços subterrâneos. Ao mesmo tempo, coloca aperfeiçoamento das técnicas analíticas.
a necessidade dos geomorfologistas passarem a cui- O Professor Aziz tem sabido tirar proveito dos
dar um pouco mais da geografia interna dos vazios. recentes avanços tecnológicos em suas interpretações
Em sua argumentação, demonstra que na natureza mais recentes, mas pude notar, pessoalmente, o quan-
não existe um dos subsistemas sem a presença atual to se maravilha com os recursos atuais para pesquisa
ou antiga do outro e a conveniência de se conhecer científica quando, numa velha mesa do Instituto de
bem os membros que constituem o sistema principal. Estudos Avançados da USP, desenrolava uma ima-
Essa visão sistêmica da natureza, outra característica gem de satélite, impressa em papel, e demonstrava
do pensamento do Professor Aziz, foi infelizmen- seu fascínio ao visualizar aquele conjunto paisagístico
te esquecida na compartimentada forma de minis- de forma tão rápida e prática, enquanto comentava
trar as disciplinas dos cursos voltados às ciências da que, antigamente, tinha que demoradamente mon-
natureza ao longo das décadas de oitenta e noventa, tar mosaicos de fotografias aéreas, isso quando essas
situação essa que somente agora tenta-se reverter, com existiam para determinada área de estudo.
um certo prejuízo, uma vez que faltam docentes com Ainda com relação ao seu trabalho sobre
essa visão. Temos hoje uma série boa de disciplinas de Geomorfologia e Espeleologia (Ab’Sáber, 1979), o
graduação, com profundo e atualizado conteúdo, po- Professor Aziz discorre sobre a nomenclatura de fei-
rém de forma extremamente compartimentada, onde ções cársticas, apresentando sucintamente as diversas
falta, ao aluno de graduação, os elementos para unir formas existentes, conforme a região, e a incorpo-

458
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
24

ração de nomes populares, mas já sinalizava para a “minirrelevos cársticos”, dada à espacialização redu-
tendência de utilização da nomenclatura cárstica da zida, na ordem de centenas de milhares de metros
região protótipo, região calcária da antiga Iuguslavia, quadrados. Não se esquece de relacionar, também,
atualmente Croácia. formas isoladas, como a do Ceará, e formas cársti-
Digno de nota é a forma que faz referência ao cas desenvolvidas em rochas não calcárias, como as
campo de estudo, que apenas se delineava à época, da furnas do Paraná, as lagoas das chapadas areníticas
geomorfologia na espeleologia, ciência que seria de de Mato Grosso, empregando o controvertido termo
jovens atléticos e distendidos, “...capazes de grandes pseudocarste para as feições, de expressão local, em
esforços físicos para melhor entender a conformação paredões rochosos e inselbergs de sienitos, granitos e
dos espaços e dos objetos naturais: uma geomorfolo- arenitos, como as caneluras de Itatiaia (RJ), Quixa-
gia feita de ocos e de neoformações rochosas”. Vis- dá (CE), Serra de Queimada (PB) e de Vila Velha
lumbrava, ainda, o futuro promissor dessa ciência no (PR).
Brasil, ao afirmar: O quadro sobre o relevo cárstico do Brasil,
na prática onde se tornam necessários instru- exposto resumidamente acima, foi pela primeira vez
mentos e acessórios mais especializados, termina apresentado de forma integrada e serviu de estímulo
o trabalho do geomorfologista convencional e se para publicação do também pioneiro e clássico traba-
inicia o trabalho do geomorfologista-espeleolo- lho de Karmann & Sanchez (1979), sobre as Provín-
gista, os quais após um certo passado contem- cias Cársticas do Brasil.
plativo, vêm procurando armar-se de melhores
Na busca de obter uma macrovisão do Bra-
conhecimentos científicos, a fim de cumprir sua
sil, conforme relatou em entrevista para a Revis-
parte no conhecimento dos espaços internos e
das condições ambientais do mundo das caver- ta Ciência Hoje, em 1992, percebeu que parte do
nas. passado recente estava na estrutura superficial
da paisagem, o que fez com que tivesse que des-
Pode ser discutida a forma como afirmou que, cer e olhar para os barrancos, e passar também a
apesar da grandiosidade espacial, existe um número atuar como geólogo de superfície, influenciado pelo
relativamente pequeno de bons exemplos de relevos trabalho de geógrafos estrangeiros, em 1956. Naque-
cársticos típicos no Brasil. Essa afirmação pode levar la época, geografia para ele era olhar a organização
a pensar que o Prof. Aziz desconhecia, por completo, geral da paisagem e a projeção dos homens. Olhar
a distribuição das formas cársticas pelo território bra- barranco, para ele, era tarefa de geólogos. A integra-
sileiro, mas não. Logo em seguida, no seu texto, esta ção da visão subsuperficial com o espaço superficial,
distribuição é apresentada de forma ainda atual. ou seja, o espaço total, teria sido, para ele, muito sau-
O seu texto (Ab’Sáber, 1979) é um dos pri- dável e útil para uma visão integrada do mundo físico
meiros a apresentar, de forma completa, o quadro de e ecológico.
distribuição do relevo cárstico no Brasil, no qual são Como se procurou demonstrar no presente tex-
listados e relacionados aos tipos de vegetações asso- to, redigido com base no contato pessoal com o Pro-
ciadas, como contextualizou o carste descontínuo da fessor Aziz e na leitura de seus textos e entrevistas, o
região da Lagoa Santa, ao norte de Belo Horizon- Governo do Presidente Lula, e o Brasil, perdeu muito
te (MG), situado em área de contato entre morros e com aquele simples bilhetinho, com o qual encerrou
chapadões em zona de cerrados e florestas. Destaca a o que poderia ser não apenas uma grande contribui-
forma atípica do Carste de Ribeira de Iguape, onde ção do Professor Aziz, mas sim a principal, através da
feições cárstica se alternam com domínios dos mares qual o sonho do pesquisador-planejador pudesse ser
de morros, com predomínio de drenagens exorreicas. realizado; afinal é um dos poucos cientistas que tem
Característica essa que também chama atenção por uma visão integrada e completa do que é o Brasil.
ser predominante no carste da Serra da Bodoquena,
no sudoeste de Mato Grosso, atual Mato Grosso do Referências bibliográficas
Sul, no domínio de cerrados e matas orográficas de
transição. AB’SÁBER, A.N. 1979. Geomorfologia e Espeleologia. Anais do
O carste de Bom Jesus da Lapa, e outros sítios XII Congresso Brasileiro de Espeleologia, Sociedade Brasilieira
do norte de Minas e centro da Bahia, é caracteriza- de Espeleologia. Espeleotema (Boletim Informativo da Sociedade
do como elevações calcárias isoladas, com cavernas, Brasileira de Espeleologia) 12:24-31.
KARMANN, I. & SANCHEZ, L.E. 1979. Distribuição das
cercadas por extensas áreas planas. Menciona, ainda,
rochas carbonáticas e províncias espeleológicas do Brasil.
os lajedos no reverso da Cuesta do Apodi, no Rio
Espeleotema (Boletim Informativo da Sociedade Brasileira de Es-
Grande do Norte, com característica lapiezação e
peleologia) 13: 105-167.

459
Geomorfologia e espeleologia

Aziz Ab’Sáber

1979. Geomorfologia e Espeleologia. Os estudos das feições morfológicas relacionadas à


Anais do XII Congresso Brasileiro de presença de grandes massas calcárias, expostas a processos
Espeleologia, Sociedade Brasileira de de dissoluçao química sob diferentes condições morfocli-
Espeleologia. Espeleotema (Boletim máticas, foram responsáveis pela criação de uma série de
Informativo da Sociedade Brasileira de áreas do conhecimento. No momento, porém, estamos pre-
Espeleologia) 12:24-31. ocupados apenas em encontrar as diferenças básicas exis-
tentes entre os enfoques dos geomorfologistas e dos espe-
leólogos, em face de um sistema morfogenético – pro parte
subaéreo e pro parte subterrâneo – que nasce e funciona,
por muito tempo, de modo notavelmente acoplado.
Evidentemente, os fatos que respondem pelo mo-
delado de superfície, numa paisagem cárstica, são pratica-
mente os mesmos que agem em subsuperfície. No entanto,
após o completo desaparecimento dos componentes mor-
fológicos que marcam um relevo cárstico, ainda permane-
cerão fatos e feiçoes morfológicas internas, herdadas do
passado cárstico, da superfície e subsuperfície. Essa demora
ou prolongamento do tempo de vida dos labirintos cársti-
cos é responsável pelo desdobramento dos estudos e explo-
rações de cavernas, em contraste com os estudos de geo-
morfologia cárstica, aliás muito restritos e raros no Brasil.
Para os casos em que coexistam relevos cársticos e
sistemas labirínticos de vazios e ocos interiores, os estudos
desenvolvidos por geomorfologistas e espeleólogos pode-
riam ser feitos à base de uma melhor colaboração interdis-
ciplinar. Era necessário que os geomorfologistas cuidassem
um pouco mais da geografia interna dos vazios, e que os
espeleologistas se interessassem pelas formas superficiais
dos relevos cársticos tão exuberantes e intelectualmente es-
timulantes quanto o domínio dos espaços subterrâneos. Se
na natureza não existe um dos subsistemas sem a presença
atual ou antiga do outro, é de todo conveniente conhecer
bem os membros que constituem o sistema principal. E,
sabendo‑se que o mundo das cavernas pode sobreviver aos

460
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
24
relevos cársticos, é de todo conveniente mergulhar de acesso da água e de ligação com os labirintos de
nas entranhas da terra para obter informes poupa- águas subterrâneas; aos interflúvios entre as depres-
dos na forma de detritos, ossadas, desenhos e objetos, sões fechadas ou semifechadas; aos pontos de saída
capazes de documentar situações pretéritas, apaga- de águas; e, enfim, a todas as formas e componentes
das no seu espaço de origem. Essa memória que se habituais dos conjuntos cársticos. Quando uma boa
transfere para o interior dos labirintos gerados pelos parte dessas feições complementares aparece em um
fenômenos cársticos tem sido um documento poliva- determinado espaço, diz‑se que ali existe um verda-
lente para diferentes campos da ciência: paleontolo- deiro relevo cárstico. Nesse sentido, é evidente que
gia, pré‑história, geomorfologia, zoologia e botânica. formas isoladas ou residuais, de origem calcária, não
Note‑se, ainda, que depois que se apagam as formas são suficientes para configurar a existência de um ver-
cársticas da superfície, ainda continuam a existir la- dadeiro relevo cárstico. Cada região cárstica do mun-
birintos ampliados e habitualmente recheados por do tem a sua própria nomenclatura para os diferen-
neoformações (estalactites e estalagmites), no inte- tes componentes do relevo. Na Europa houve certo
rior dos alicerces corroídos que um dia comportaram trânsito de nomes populares; mesmo assim, ocorrem
a existência de verdadeiros relevos cársticos. nomenclaturas muito diversificadas. A nomenclatu-
No plano puramente conceitual, os relevos ra americana é totalmente autóctone, em termos de
cársticos constituem uma modalidade de assembleia relevos cársticos. Recentemente, para abranger toda
regional de formas de relevo, vinculadas à presença a terminologia regional dos relevos elaborados em
de grandes massas calcárias sujeitas a processos com- calcários, foi feito um esforço para reunir um vasto e
binados de erosão mecânica e dissolução química. O especializado glossário de termos significativos. Em
balanço entre a atuação dos processos de dissolução linguagem acadêmica ou universitária, há uma ten-
e os processos mecânicos de erosão demonstram par- dência para utilizar de preferência a nomenclatura
ticipação variada no tempo e no espaço, e diferentes cárstica da região protótipo, que é a área calcária da
formas de associação na gênese dos componentes ha- Iuguslávia. De qualquer forma, não convém poluir a
bituais do relevo cárstico. nomenclatura utilizada, reunindo termos de diferen-
Não fosse o grau de solubilidade dos car- tes procedências toponímicas.
bonatos de cálcio, haveria lugar para um subsetor É relativamente difícil delimitar onde cessa a
especial da Geomorfologia, dedicado aos relevos investigação geomorfológica e se inicia propriamen-
cársticos. Na realidade, esse campo de estudos geo- te a investigação espeleológica, numa área cárstica.
morfológicos está diretamente assentado na presen- Sabemos que uma assembleia particular de feições
ça de um determinado tipo de litologia – massas de geomorfológicas é gerada em função de uma lenta
calcários – sujeita a atuação das águas carregadas de ação dos processos de dissolução química das rochas,
gás carbônico, que se infiltram e dissolvem as pare- ricas de carbonatos de cálcio. Sabemos que para a
des ou lábios das fissuras, e, sobretudo, os campos geração de um verdadeiro relevo cárstico é necessá-
de cruzamento de fissuras, internando‑se progressi- rio a presenca de massas rochosas calcárias – ou de
vamente nas camadas ou lentes interiores de rochas comportamento similar, por um certo espaço territo-
similares. Toda uma drenagem é transferida para o rial. A gipsita é mais solúvel que o calcário, e alguns
interior das rochas, através de complexos bueiros arenitos com cimento calcário tem comportamen-
naturais e labirintos intertigados. As formas au- to grosso modo idêntico ao dos calcários. Outras ro-
tóctones, típicas do relevo superficial, passam a ser chas podem dar origem a formas cársticas, sem que
cavidades e compartimentos fechados, buracos de haja propriamente a presença de calcários. Existem
diferentes escalas, furnas e depressões alveolares, al- numerosas feições ditas pseudocárticas. Entremen-
ternadas por interespaços salientes, planos ou eriça- tes, os grandes exemplos de relevos cársticos estão
dos, com rochas predominantemente expostas. Nas sempre vinculados à presença de grandes volumes
grandes depressões cársticas, o resíduo não calcário de calcários muito puros, distribuídos por espaços
dá origem a férteis planícies dotadas de lençol d’água de dezenas a centenas de quilômetros quadrados de
subsuperficial, alto e perene, mesmo em condições extensão, quando não mais.
clímáticas regionais, rústicas e relativamente secas. Os mecanismos de dissolução dos calcários
Para um universo paisagístico macrorregio- são mais ou menos bem conhecidos. Essencialmente
nal, com predominâcia de vales e redes de drenagem o gás carbônico proveniente de atmosfera, associado
superficiais hierarquizadas, a presença local de um com gases idênticos liberados da atmosfera do solo,
relevo cárstico, com anomalias e formas topográficas através da respiração de animais e vegetais dos solos,
bizarras, constitui‑se em uma legítima paisagem de que injetados pelas águas percolantes agem sobre as
exceção. Cada forma topográfica, cada componente fissuras e redes de fissuras das rochas, deslanchando
local do relevo, dotados de feições e funções diferen- complexos processos de dissolução subsuperficial.
tes para o homem‑habitante, acabou por receber um À medida que se criam bueiros múltiplos para
nome popular significativo. Grupos de nomes foram a infiltração natural das águas, através dos processos
aplicados às paredes dos compartimentos; aos ductos de dissolução, os processos podem ser ampliados em

461
profundidade, por meio do aproveitamento dos pla- uma assembleia de feições morfológicas passíveis de
nos de fragilidade existentes em certos horizontes merecer o nome de relevos cársticos. Nesse sentido,
das camadas calcárias, e, ou no contato com outras até a nossa principal região calcária, situada ao nor-
estruturas ou lentes de rochas sedimentares. Dis- te de Belo Horizonte – região de Lagoa Santa – é
solução combinada com escavações e reescavações insuficiente para nos dar uma ideia exata de uma
mecânicas, devido ao aumento do volume d’água geomorfologia cárstica típica. A morfogênese tropi-
em túneis naturais, contribuem para a ampliação cal da região que se situa entre os confins do Brasil
e diversificação dos vazios, culminando pela even- tropical atlântico e a área de início do domínio dos
tual formação de drenagens subterrâneas. Criou‑se cerrados foi capaz de mascarar o conjunto de formas
um nome próprio para as drenagens estabelecidas que, em outras situações, aparecem com muito maior
no interior das massas rochosas: drenagens criptor- expressão paisagística e integração regional.
reicas. Os labirintos criados pela dissolução subsu- Tais comentários não significam, entretanto,
perficial dos calcários – associados às correntezas de modo algum, a existência de formas cársticas em
subterrâneas – acabam por engendrar uma geomor- numerosas áreas do país. Considerando as peculia-
fologia não habitual, feita de ocos interligados, em ridades paisagísticas do Brasil, no campo do carste,
que circulam águas, partículas e sedimentos espe- sugeriríamos a seguinte tipologia, levando em conta
ciais, sob uma atmosfera de gases e odores, onde a o domínio morfoclimático atual em que insere sua
investigação é mais difícil e problemática. Estamos, escala espacial, a expressão paisagística, e o nível de
agora, no domínio das cavernas típicas, entranhadas integração entre as formas exibidas e as condições da
por condições ambientais es­peciais, asilando faunas e drenagem cárstica, no sentido de uma situação tipi-
floras específicas, com águas e áreas dotadas de com- camente criptorreica.
ponentes não habituais. Aqui começa, realmente, o
campo e o objeto de estudo da Espeleologia, ciência 1. Relevos cársticos atípicos situados em
de jovens atléticos e distendidos, capazes de grande
áreas de contato entre morros e chapadões em
esforço físico para melhor entender a conformação
dos espaços e dos objetos naturais: uma geomorfo- zona de interpretação complexa de cerrados
logia feita de ocos e de neoformações rochosas. Na e florestas. Exemplo típíco: carstes descon-
prática, onde se tornam necessários instrumentos e tínuos da região de Lagoa Santa ao norte de
acessórios mais especializados, termina o trabalho do Belo Horizonte, com drenagens criptorreicas
geomorfologista convencional e se inicia o trabalho e exorreicas, em associação complexa, lagoas
do geomorfologista‑espeleologista, os quais, após em dolinas e planícies aluviais ampliadas, em
um certo passado contemplativo, vêm procurando poljes e dolinas.
armar‑se de melhores conhecimentos científicos, a
fim de cumprir a sua parte no conhecimento dos es- 2. Relevos cársticos atípicos alternados com
paços internos e das condições ambientais do mundo feições morfológicas do domínio dos mares de
das cavernas. morros. Exemplo típico: carstes descontínuos
Apesar da grandiosidade espacial do país,
da região da Ribeira de Iguape, com drenagens
existe um número relativamente pequeno de bons
exorreicas predominantes.
exemplos de relevos cársticos típicos no Brasil. Em
contrapartida, ocorrem numerosos exemplos locais
de feições cársticas isoladas, grutas e até mesmo 3. Feições cársticas isoladas e sistemas de
exemplos de drenagens cársticas. Existem poucos grutas da Serra da Bodoquena, no Sudoeste
quadros integrados de relevo cárstico, a nível regio- de Mato Grosso, no domínio dos cerrados e
nal, que possam ser paralelizados com os protótipos matas orográficas de transição, com drenagens
de áreas cársticas conhecidas na Europa, nos Estados exorreicas predominantes.
Unidos, na América Central ou na Ásia de Sudes-
te. No entanto, possuímos magníficos exemplos de 4. Feições cársticas e grandes grutas basais do
cavernas e agrupamentos de cavernas, oriundos de médio Vale do São Francisco, na área de Bom
ativos processos cársticos do passado. Jesus da Lapa (e outros sítios do norte de Mi-
Um primeiro problema a se analisar no in- nas e centro da Bahia, na área de afloramentos
ventário das feições cársticas brasileiras diz respeito
dos calcários da Formação Bambuí‑São Fran-
ao campo dos conceitos geomorfológicos e hidro-
cisco). Inselbergs cársticos com grutas, envolvi-
gráficos envolvidos na caracterização dos fenõme-
nos mais propriamente cársticos. Entendemos que dos por setores de pediplanação.
um relevo cárstico deve ter uma certa escala – uma
certa extensão regional – sem o que estaremos ape- 5. Lajeiros, pedrejeiros e lajedos desenvolvidos
nas em face de feições isoladas e não integradas, e, em calcários compactos na frente e no reverso
por essa razão mesmo, insuficientes para caracterizar da Cuesta do Apodi, no Rio Grande do Norte,

462
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
24

com lapiezação local e minirrelevos cársticos, Trata‑se de um mostruário relevan-


de expressão espacial reduzida (centenas a mi- te que, a despeito de não apresentar relevos cárs-
lhares de metros quadrados). ticos próximos dos protótipos, inclui excelen-
tes laboratórios de pesquisas, no interesse de
6. Formas cársticas em áreas de relevo desenvol- geomorfologistas, espeleólogos, zoólogos, botânicos,
vidas em rochas não calcárias: “furnas” do Paraná paleólogos e pré‑historiadores. A originalidade
entre Vila Velha e Lagoa Dourada (com arenitos do modelado cárstico relaciona‑se com a ausên-
da Formação Furnas e eventual influência do em- cia local ou sub‑regional de uma verdadeira rede
basamento Pré‑Cambriano, dotado de lentes de de vales, e com a presença de uma paisagem cen-
calcários metamórficos não expostas. Criptorreís- trada nos efeitos da dissolução dos calcários, com
mo local, altamente local. presença de cavidades e sulcos de dissolução, e
gradual transferência das águas superficiais para
7. Formas cársticas do centro do Ceará ao sul compartimentos internos, de padrão labiríntico,
de Baturité, em calcários metamórficos, sob a oriundos das próprias ações cársticas subsuperficiais.
forma de relevos ruiniformes, salientes acima No Brasil Tropical, como bem o anotou Jean Tricart,
das planícies e colinas sertanejas. Em pleno em trabalho clássico sobre a geomorfologia cárstica
domínio das caatingas. dos arredores de Belo Horizonte, as formas de rele-
vo de áreas calcárias são híbridas, incluindo feições
8. Lagoas alojadas em depressões cársticas nos cársticas e feições morfoclimáticas relacionadas com
chapadões centrais de Mato Grosso (chapa- a decomposição química e biogênica das rochas cal-
das do Porcador e Guimarães). Isoladas de um cárias, sujeitas a climas quentes e úmidos.
verdadeiro contexto de relevos cársticos. Trata‑se de um padrão local do domínio dos
“mares de morros”, alternando‑se localmente com
9. Feições pseudocársticas, de expressão local feições e aparelhos naturais cársticos propriamente
métrica e decamétrica – nas paredes de portões ditos. Há que estudar melhor outros casos de relevos
rochosos e inselbergs, em pontos de dissolução cársticos, inclusos em diferentes domínos morfocli-
máticos brasileiros.
local de sienitos, granitos e arenitos (caneluras
de Itatiaia, em sienitos, caneluras dos inselbergs
de Quixadá, Ceará, em granitos; caneluras da
Serra de Queimadas, na Paraíba e a leste da
Borborema; caneluras e minilápiez da região
de Vila Velha, no Paraná).

10. Feições locais de grutas pseudocársticas


nos inselbergs dos sertões nordestinos. Casos
de cavernas de intemperismo situadas nas
paredes de inselbergs de rochas graníticas ou
migmatitos. Exemplos mais notáveis no Bra-
sil: grutas de intemperismo dos inselbergs de
Milagres (Bahia) e de Quixadá (Ceará).

11. Grutas calcárias de grande porte, situadas


em escarpas de altas cuestas, no contato entre
arenitos e embasamentos pré‑devonianos, do-
tados de calcários (caso de Gruta de Ubajara,
no NW do Ceará).

12. Feições minicársticas comuns a quase todas


as topografias ruiniformes do país (Vila Velha,
Torres do Rio Bonito, Sete Cidades de Piracu-
ruca, Guaritas, no Sudeste do Rio Grande do
Sul (entre outras).

463
PANTANAL MATO-GROSSENSE:
uma paisagem de exceção

Mario Luis Assine

Introdução

O trabalho seminal de Ab’Sáber (1988), intitulado


O Pantanal Mato-Grossense e a Teoria dos Refúgios, é refe-
rência básica para entender a gênese da depressão do Alto
Paraguai e a paisagem do Pantanal Mato-Grossense (fi-
gura 1). A concepção da evolução geomorfológica da área
permanece atual e tem sido fonte importante de inspiração
para muitas pesquisas desenvolvidas desde então. Recente-
mente, o trabalho foi republicado na íntegra no livro Bra-
sil: paisagens de exceção: o litoral e o Pantanal Mato-Grossense
(Ab’Sáber, 2006).
A contribuição de Ab’Sáber foi de tamanha magni-
tude e de tal multidisciplinaridade, que causam perplexida-
de suas palavras no início do referido trabalho:

Figura 1. Mapa de elevação da América do Sul com destaque para a área da Depressão do Alto Paraguai.

464
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
25

No presente trabalho pensamos, tão somente, recu- abóbada de escudo na região Centro-Oeste do Brasil,
perar sua história fisiográfica e ecológica, tendo em posteriormente escavada, dando origem à Depressão
vista esclarecer fatos de seus espaços naturais, suas do Alto Paraguai (figura 2).
ecozonas, dinâmica climático-hidrológica e fato-
res de perturbação de seus múltiplos ecossistemas. Ruellan caracterizou a depressão pantaneira como
Aprofundando-nos no conhecimento da origem e um exemplo de grande boutonnière, escavada em
evolução do Pantanal pensamos entender melhor terrenos pré-cambrianos, na área de fronteiras do
a gravidade dos fatores negativos provocados por país com a Bolívia e o Paraguai, à margem noroeste
ações antrópicas desconexas e mal conduzidas (p. da Bacia do Paraná. Nesse esforço de identificação,
11). estava incluída a ideia de que, em algum tempo do
passado, aquilo que hoje é uma depressão teria sido
O objetivo deste capítulo é apresentar uma dis- uma vasta abóbada de escudo, funcionando como
cussão dos conceitos, dos dados e das interpretações área de fornecimento detrítico para as bacias sedi-
apresentadas no referido trabalho, à luz dos conheci- mentares do Cretáceo Superior (p. 11).
mentos adquiridos nos quase 22 anos desde a publi-
cação do trabalho, de forma que as referências feitas As informações geológicas disponíveis mos-
às contribuições de Ab’Sáber, quando não indicado tram que a área onde hoje se encontra a Depressão
trabalho específico, referem-se ao clássico trabalho de do Alto Paraguai era um arco tectônico ao final do
1988. Ênfase é dada aos eventos geológicos, geomor- Mesozoico, uma região geomorfologicamente ele-
fológicos e paleoclimáticos responsáveis pela atual vada que separava as bacias do Paraná e do Chaco,
configuração fisiográfica do Pantanal Mato-Gros- servindo-lhes de área-fonte de sedimentos e com-
sense e sua repercussão nas mudanças ambientais, portando-se como divisora de águas da paleodre-
que tornaram o Pantanal um refúgio ecológico. nagem continental (Almeida, 1965). O arco atuou
também como área-fonte para a Bacia dos Parecis,
Origem da Depressão do Alto Paraguai situada a noroeste da Depressão do Alto Paraguai,
fato atestado pelas paleocorrentes fluviais dirigidas
Segundo Ab’Sáber, em 1952, o cientista fran- para norte, deduzidas a partir de medidas de estratos
cês Francis Ruellan reconheceu a existência de uma cruzados de fácies fluviais da Formação Parecis (Petri

Figura 2. Bloco diagrama da Depressão do Alto Paraguai, construído a partir de modelo digital de elevação.

465
e Fulfaro, 1981). Este cenário paleogeográfico está te, o que implica período de estabilidade tectônica.
presente na concepção de Ab’Sáber, que escreveu:
Ao findar-se o Cretáceo, o nível tectônico em
Ao fim da Era Mesozoica, entre a borda noroeste que se encontrava o país era relativamente muito
da Bacia do Paraná, a região fornecia sedimen- mais baixo do que o atual, a rigor inexistindo o
tos para o Grupo Bauru (Alto Paraná) e para a Planalto Brasileiro tal como o conhecemos (p.
Bacia detrítica dos Parecis, formada acima da 13).
área dos derrames basálticos de Tapirapuã (a
noroeste da atual Depressão do Alto Paraguai) Ab’Sáber reuniu tais superfícies aplainadas sob
(p. 12). a denominação de velhas superfícies de cimeira,

O termo boutonnière tem sido pouco utilizado que truncam formações paleomesozoicas da
na literatura internacional, restringindo-se a traba- borda ocidental da Bacia do Paraná, testemu-
lhos de pesquisadores de países de língua france- nhadas por subnivelamentos em altos reversos
sa, correspondendo ao que é denominado inlier em de escarpas estruturais (cuestas de Aquidauana
língua inglesa. Muitos geólogos referem-se a tais e de Majacaju) e dorso do Planalto dos Parecis.
feições utilizando a designação arco ou domo, mas Nas cimeiras desses planaltos, que envolvem a
Ab’Sáber mostrou que o conceito de boutonnière, grande Depressão do Alto Paraguai, existe toda
além da formação da feição estrutural, incorpora uma série de aplainações participando das áreas
também posterior desnudação e entalhe por agentes de reverso ou dorso de planaltos, a saber: super-
erosivos. fícies regionais de grande extensão, anteriores
à formação dos vales subsequentes do planalto
Um esclarecimento se torna necessário para a de Itiquira-Taquari (planalto dos Alcantilados,
exata compreensão do conceito de boutonnière, de Almeida), marcadas pela presença de cober-
na linguagem geomorfológica francesa. Trata- turas detrítico-lateríticas descontínuas, geradas
se de uma expressão não muito consolidada na possivelmente no Oligoceno-Mioceno. Teria
terminologia científica internacional, que pro- sido uma longa fase de retomada dos aplaina-
cura identificar uma estrutura dômica de gran- mentos após a deposição das formações do Cre-
des proporções, esvaziada durante o seu soer- táceo Superior (Alto Paraná e Parecis) anterior
guimento por um conjunto qualquer de proces- à fase principal de levantamento neogênico que
sos erosivos. Trata-se, literalmente, de uma ex- transformou toda a Bacia do Paraná em uma
pressão simbólica — “casa de botão” — através área de “cuestas concêntricas de frente externa”
da qual se procura caracterizar uma depressão (Ab’Sáber, 1949), ao tempo que falhamentos na
aberta ao longo do eixo maior de uma estrutu- abóbada de escudo contribuíram para o esvazia-
ra dômica, de grande expressão regional. Uma mento denudacional da região, efetuando captu-
boutonnière é um tipo de relevo estrutural, que ras de parte das drenagens dos planaltos para a
envolve uma notável inversão topográfica, a boutonnière em formação (p. 14).
partir de uma estrutura dômica de grande ex-
tensão, comportando-se como uma depressão De fato, os eventos terciários foram responsá-
alongada, escavada a partir da abóbada central veis por importantes reativações tectônicas no cen-
do domo. Via de regra, pressupõe um arquea- tro-sul do Brasil, dando origem ao relevo de cuestas
mento em abóbada em um setor de uma bacia que contornam a Bacia do Paraná (figura 3). Foram
sedimentar, uma superimposição hidrográfica responsáveis também pelo soerguimento da Serra
no eixo central do domo e uma longa história do Mar e formação do sistema de riftes do sudes-
erosiva suficiente para ocasionar a evacuação de te do Brasil (Melo et al., 1985). Ab’Sáber postulou
um grande estoque de massas rochosas, ante- também, de forma admirável, a correta relação en-
riormente constituintes da sua própria estrutura tre amplitude dos soerguimentos e magnitude dos
(pp. 11-12). deslocamentos verticais, assim como sua associação
com a ruptura e desventramento da abóboda do Alto
A erosão do arco e a consequente deposição Paraguai.
nas áreas baixas adjacentes, de depósitos sedimen-
tares como os do Grupo Bauru e os da Formação Quanto maior foi o empenamento dos núcleos
Parecis, fazem parte de um conjunto de processos expostos de escudos, mais intensa e ampla a in-
que conduziram à geração de superfícies aplainadas, tervenção da tectônica quebrável pós-cretácica,
cujo modelado final ocorreu no início do Terciário. como aliás é o caso no sistema de montanhas em
A gênese das superfícies foi consequência de taxas blocos falhados do Brasil de Sudeste, situados à
maiores de desnudação e deposição, relativamente às retaguarda dos grandes falhamentos cretácicos
taxas de subsidência e/ou soerguimento do continen- da plataforma. Na região onde atualmente se si-

466
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
25
tua a Depressão do Alto Paraguai aconteceram Considerando-se a correlação de eventos
falhamentos importantes porém limitados em tectônicos feita por Ab’Sáber, ou seja, o sincronismo
espaço, afetando principalmente o teto da velha com os eventos tectônicos terciários da Região
abóbada regional de escudo, ao ensejo do soer- Sudeste, conclui-se que a fragmentação e o colapso
guimento pós-cretácico de conjunto (p. 13). da abóboda do Alto Paraguai já se encontrava em
pleno processo no Eoceno e que as superfícies de
No caso da Região Sudeste do Brasil, a frag- cimeira mais antigas datam do Paleoceno. Nesta linha
mentação da superfície de cimeira mais antiga deu de raciocínio, aventa-se que as superfícies de cimeira
origem a diversas bacias estruturadas por falhas de existentes nos interflúvios mais altos dos planaltos
direção principal ENE, tais como as bacias terciá- situados a leste da depressão do Alto Paraguai,
rias de São Paulo, Taubaté, Resende e Volta Redon- capeados muitas vezes por coberturas detrítico-
da, cujo registro sedimentar compreende o intervalo lateríticas (por vezes referidas como Formação
Eoceno/Mioceno (Almeida e Carneiro, 1998). No Cachoeirinha), possam representar o registro da
caso da Bacia de Taubaté, a superfície apresenta atu- superfície Sul-Americana na Região Centro-Oeste
almente um desnivelamento de mais de 2.000 m, do do Brasil. A mesma superfície, com topo sustentado
assoalho da bacia ao topo do planalto de Campos do por horizonte laterítico ferruginoso (Ross e Santos,
Jordão. Caracterizada por intensa laterização, recebeu 1982), foi reconhecida no Planalto dos Parecis na
as denominações de superfície das Cristas Médias borda norte da depressão, como peneplano formado
(Martonne, 1943) e de superfície do Japi (Almeida, ao término do Cretáceo, hoje soerguido, atingindo
1958). No Estado do Paraná, superfície aplainada altitudes de 500 a 600 m (Ab’Sáber, 1954b).
equivalente foi denominada Purunã por Ab’Sáber e Velhas superfícies de cimeira também se fazem
Bigarella (1961). Superfícies correlatas foram reco- presentes nos terrenos pré-cambrianos que compõem
nhecidas numa área muito maior, desde a bacia do o Planalto Residual de Urucum-Amolar na borda
Paraná ao sul até o Estado da Bahia, tendo recebido oeste do Pantanal. Merece destaque a presença de
a denominação de superfície Sul-Americana (King, espessa canga laterítica recobrindo rochas neopro-
1956). terozoicas do Grupo Jacadigo, como no Maciço de
Dados de traços de fissão em apatitas, obtidos Urucum, cujo topo aplainado encontra-se elevado em
nos últimos anos de amostras do centro-sul do Bra- altitudes próximas dos 1.000 m.
sil, indicaram que o principal evento de aquecimento A proposição de que as velhas superfícies de
e soerguimento pós-cretáceo teve início há cerca de cimeira correspondam à superfície Sul-Americana,
60 Ma (Neopaleoceno), tendo sido responsável, in- um peneplano cujo modelado final ocorreu no Pa-
clusive, por manifestações vulcânicas registradas nas leoceno, implica em considerar que a formação da
bacias de Santos e Campos. Desta forma, considera- depressão do Alto Paraguai iniciou-se mais cedo do
se que a superfície Sul-Americana teve seu mode- que o aventado por Ab’Sáber. Reconhece-se, porém,
lado final no início do Terciário, provavelmente no que somente com a datação das lateritas ou de de-
Eopaleoceno. pósitos sedimentares associados poder-se-á definir

Figura 3. Bloco Diagrama da Bacia do Alto Paraná (Ab’Sáber, 1954a).

467
com mais exatidão a idade das superfícies de cimeira documentam a fase terminal de aplainamento por
que ocorrem nos planaltos existentes no entorno da pediplanação dos fins do Terciário ou da época
Depressão do Alto Paraguai. pliopleistocênica (p. 19).

Os pediplanos e os pantanais Pelo que se depreende do texto acima, Ab’Sáber


considerou que a superfície foi originada principal-
O reconhecimento da existência de superfí- mente por pediplanação, tanto que também utilizou
cies de aplainamento é base para compreensão da a denominação pediplano cuiabano. Entretanto,
evolução geomorfológica do Alto Paraguai e seu reconheceu que muitos fatores intervieram na sua
entorno. Isto ficou patente no trabalho de Ab’Sáber, formação e que provavelmente não se trata de uma
que identificou diversas gerações de superfícies única e contínua superfície, como se depreende da
aplainadas na província do Alto Paraguai. seguinte passagem:
Algumas das discordâncias que separam uni-
dades paleozoicas e mesozoicas da Bacia do Paraná Para não envolver uma conceituação genética
constituem superfícies aplainadas fósseis, submeti- individualizada para esse plaino de erosão pré-
das a exumação a partir do Terciário pela erosão das pantaneiro, de origem muito complexa, convém
rochas que as recobrem à medida que a depressão designá-lo tão somente por superfície (de aplai-
do Alto Paraguai começou a ser formada. Tais su- namento) cuiabana. Caso se comprove a exis-
perfícies de discordância são verdadeiros paleopla- tência de uma série desdobrada de superfícies
nos, mas não serão aqui discutidas por terem baixo interplanálticas no conjunto da grande Depres-
nível de participação no modelado do relevo atual. são do Alto Cuiabá (como de resto ocorre na
As superfícies cenozoicas, por outro lado, maior parte das depressões periféricas e depres-
participam da estruturação da paisagem, de for- sões interplanálticas brasileiras desde o Nordes-
ma que sua caracterização é de suma importância te ao Rio Grande do Sul), seria de todo interes-
para a compreensão da evolução geomorfológica da sante identificar-se a superfície cuiabana velha e
área. Ao lado das superfícies de cimeira, discutidas uma superfície cuiabana moderna (p. 19).
no item anterior, Ab’Sáber considerou também de
suma importância o papel da superfície Cuiabana, Nas áreas rebaixadas entre os planaltos margi-
um superfície interplanáltica de origem complexa. nais e as planícies do Pantanal, há de fato uma gama
Tal superfície pode ser reconhecida na bor- muito diversificada de formas com altitudes varian-
da da depressão do Alto Paraguai, onde ocorre sob do de 120 a 450 m, que dificilmente se enquadram
a forma de rampas suspensas, com altitudes de 120 numa única superfície Cuiabana. Anteriormente,
a 250 m, que mergulham suavemente do sopé dos Almeida (1964) já havia distinguido duas áreas com
planaltos marginais em direção às planícies do Pan- características distintas, que denominou de baixada
tanal. Nestas, as cotas altimétricas são mais baixas, do Alto Paraguai e de baixada Cuiabana, esta últi-
decrescendo suavemente até altitudes de cerca de 80 ma considerada por ele como uma paleoplanície em
m no Pantanal do Nabileque situado no extremo sul processo de dissecação pela drenagem atual. Ross e
da depressão do Alto Paraguai. Santos (1982) adotaram a subdivisão de Almeida
(1964), englobando-as no que chamaram de De-
Os testemunhos da superfície cuiabana, bem pressão do Rio Paraguai (figura 4).
visíveis nos interflúvios mais elevados das colinas De acordo com Franco e Pinheiro (1982),
de Cuiabá, encontram-se circunscritos aos sopés a Depressão do Rio Paraguai compreende extensas
dos pedestais de rochas cristalinas situados abaixo superfícies aplainadas sobre rochas cristalinas pré-
das escarpas de Aquidauana e dos Guimarães, assim cambrianas, por vezes com formas pedimentadas,
como nas zonas pré-serranas e pré-planálticas que se apresentam em alguns locais dissecadas.
situadas a noroeste, nordeste, sudeste e extremo Nas rampas que margeiam as frentes das
sudoeste da atual grande Depressão do Pantanal cuestas dos planaltos dos Guimarães, do Taquari-
Mato-Grossense. Com a retomada da tectônica Itiquira e de Maracaju-Campo Grande, a superfície
que criou a gigantesca planície do Pantanal, o pediplanada desenvolveu-se sobre depósitos de le-
corpo geral da antiga área aplainada perdeu espaço ques aluviais dominados por fluxos de detritos.
no conjunto da Depressão do Alto Paraguai, Na região limítrofe com a Bolívia, superfí-
permanecendo seus testemunhos apenas nos bordos cies aplainadas antigas, mais altas que a planície do
do atual compartimento deprimido, encostado na Pantanal, formam franjas contornando morrarias e
base das serranias ou cristas de tipo apalachiano serranias do planalto residual do Urucum-Amolar.
ou rendilhando as áreas que precedem de perto Constituem rampas de pedimentos, muitas vezes
as escarpas estruturais complexas das Chapadas laterizados e/ou recobertas por sedimentos mais re-
dos Guimarães e Aquidauana. São perfeitamente centes, capeando rochas pré-cambrianas que afloram
nítidos os velhos pedimentos suspensos que localmente como relevos residuais. No sítio urbano

468
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
25
da cidade de Corumbá e em seus arredores, sobre a mentos sobre os sistemas naturais das planícies do
superfície ocorreu a concentração de carbonatos de Pantanal:
cálcio, ora como paleossolos sobre rochas carboná- Ainda está por se fazer uma verdadeira avaliação
ticas pré-cambrianas, ora como tufos calcários com do papel desempenhado pelo sensoriamento remo-
variada porcentagem de material detrítico, em meio to na renovação dos conhecimentos fisiográficos,
aos quais são encontrados impressões de galhos e ecológicos e geoidrológicos do Pantanal Mato-
folhas de angiospermas, bem como conchas de gas- Grossense. Na realidade, as imagens de satélites ti-
trópodes, perfazendo uma camada de topo com veram a função de “radiografias” múltiplas, sobre o
continuidade lateral, constituindo uma unidade de- conjunto e os detalhes do espaço físico e ecológico
nominada Formação Xaraiés (Almeida, 1945). da grande planície regional (p. 30).
O Pantanal Mato-Grossense constitui a parte
central da depressão do Alto Paraguai. Não consti- A Bacia sedimentar do Pantanal
tui uma planície homogênea, tanto que são reco-
nhecidos diversos pantanais, cada um deles com ca- A compreensão de que uma bacia sedimen-
racterísticas próprias de morfologia e dinâmica de tar atual encontra-se embutida na depressão do
inundações. Os diferentes pantanais são a expressão Alto Paraguai foi passo fundamental para entender
de diferentes sistemas de um amplo trato deposi- a origem da planície do Pantanal. Freitas (1951) foi
cional dominado por sedimentação aluvial, onde a o primeiro pesquisador a enfatizar este fato quando
planície fluvial do Rio Paraguai é coletora das águas se referiu à Bacia do Pantanal como a única grande
de vários megaleques fluviais formados por rios que bacia tectônica quaternária do território brasileiro.
têm suas nascentes nos planaltos existentes no perí- Almeida (1959) apontou evidências de aba-
metro da depressão do Alto Paraguai (figura 4). timento moderno, posterior à formação da super-
Em decorrência do relevo extremamente bai- fície cuiabana, destacando que poços perfurados na
xo e plano e da disposição espacial dos sistemas de- Fazenda Ranchinho (próximo de Porto da Manga
posicionais na bacia hidrográfica, as diferentes áreas no Rio Paraguai, entre Corumbá e a Fazenda Fir-
têm dinâmica diferenciada de inundações. O pico me) atravessaram significativa seção de sedimentos
chuvoso é no verão (janeiro-fevereiro), mas o pico da Formação Pantanal. Segundo Almeida (1945),
das cheias no Pantanal do Nabileque ocorre meses o poço mais profundo alcançou 83 m sem atingir o
mais tarde (abril-maio). Como resultado, há um embasamento cristalino, caracterizando-se os sedi-
longo período de inundações, começando em janei- mentos pela presença de restos de conchas de gas-
ro com a chegada das águas, que primeiro inundam trópodes pulmonados e raros seixos de minério de
os sistemas mais proximais, alcançando o máximo ferro provenientes das montanhas de Urucum.
em março-abril, quando a onda da cheia cobre toda A constatação de que o Pantanal é uma ba-
a planície do Paraguai a norte de Corumbá e a par- cia sedimentar cenozoica fez com que a PETRO-
te inferior do megaleque do Taquari. O estudo da BRAS realizasse um programa exploratório na ba-
dinâmica das inundações não prescinde de imagens cia durante a década de 1960. Numa primeira etapa,
de sensores remotos obtidas em diferentes épocas ao foram perfurados oito poços em 1961/62 (Weyler,
longo do ano e em séries históricas compreenden- 1962), sendo posteriormente perfurados mais três
do intervalos de vários anos. Exemplos de mapas de poços em 1963 (Weyler, 1964). Os poços, cuja lo-
susceptibilidade à inundação em épocas de estiagem calização se encontra na figura 4, revelaram que a
e de chuvas, produzidos no Projeto RADAMBRA- profundidade do embasamento é bastante variável,
SIL, foram reproduzidos no trabalho de Ab’Sáber como destacado por Ab’Sáber (p. 23):
para demonstrar o alcance dos resultados obtidos a
partir destas imagens (figura 5). Em Cáceres, a noroeste do Pantanal, a espessura
Para avançar na compreensão de sistemas de- encontrada foi de 32 m. Em Porto São José, outra
posicionais de tal magnitude, as imagens de senso- sondagem alcançou 302,4 m sem atingir o embasa-
res remotos se tornam cada vez mais fontes impres- mento. À saída da bacia, presumivelmente em um
cindíveis de dados, sobretudo porque é muito difícil setor de soleira, a espessura total da sedimentação
observar os elementos morfológicos em superfície quaternária não excede 13,5 m (p. 23).
e encontrar exposições que permitam descrever
adequadamente os depósitos sedimentares. Novos Estando o nível geral dos “pantanais” situado entre
sensores têm permitido obter imagens com resolu- 90 e 110 m, na área dessas perfurações, é de se con-
ção cada vez maiores, permitindo assim distinguir cluir que o embasamento encontra-se rebaixado de
feições com muito mais acurácia (figura 6). Sob o 100 a 310 m, no mínimo, em relação ao nível atual
título “Os novos conhecimentos obtidos pelas ima- dos mares. Mesmo quando o nível do mar, duran-
gens de satélites sobre o Pantanal Mato-Grossense: te certo momento do Pleistoceno, esteve a -100 m
comentários”, Ab’Sáber já destacava o papel fun- do que atualmente, o substrato das formações pré-
damental das imagens para o avanço dos conheci- cambrianas que serviam de assoalho para a Bacia

469
Figura 4. Mapa da Bacia do Alto Rio Paraguai (modificado de Brasil e Alvarenga, 1989, por Assine, 2003). As pla-
nícies do Pantanal incluem megaleques e planícies fluviais. Denominação dos planaltos segundo Franco & Pinheiro
(1982). Dados de subsuperfície:
1) poços perfurados na Bacia pela Petrobras na década de 60 (Weyler, 1962; 1964);
2) curvas de isópacas da Formação Pantanal (Ussami et al., 1999);
3) A-B = linhas sísmicas levantadas pela Petrobras na década de 70 (Catto, 1975).

470
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
25
Figura 5. Mapa dos setores submersíveis
do Pantanal durante regime das chuvas
(Ab’Sáber, 1988). Observações: Aai =
áreas de acumulação inundáveis, peri-
ódica ou permanentemente alagadas,
precariamente incorporadas à rede de
drenagem (1- pouco úmido; 2- úmido;
3- muito úmido); Planícies e terraços
fluviais = áreas geralmente sujeitas a
inundações periódicas, eventualmen-
te alagadas; Planícies fluviolacustres =
áreas de acumulação fluvial e lacustre,
comportando canais anastomosados,
com inundações anuais formando gran-
des banhados.

Figura 6. Trato deposicional do Pantanal


Mato-Grossense (Mosaico NASA
GeoCover TM Landsat 5, 1987/1993,
composição 7R4G2B). Destaca-se a pre-
sença marcante de paleocanais em toda a
superfície dos megaleques fluviais, que tes-
temunham antigos traçados dos seus prin-
cipais rios formadores: Taquari, Paraguai,
São Lourenço, Cuiabá e Aquidauana. Áreas
mais úmidas podem ser observadas na pla-
nície fluvial do Rio Paraguai e nas franjas
dos leques do Taquari, do Paraguai, do
Cuiabá e do Nabileque.

471
do Pantanal possuía níveis de 100 a 300 m abaixo ativas de direção NE-SW também foram constata-
do nível do mar daquela época. É de se supor, ainda, das no interior da Bacia do Pantanal, condicionando
que nesse momento de nível de mar baixo os setores a rede atual de drenagem, a maior delas associadas ao
de soleiras tectônicas, à saída do Pantanal (Fecho Lineamento Transbrasiliano, elemento geotectônico
dos Morros), deveriam estar expostos ou semiex- cuja importância na área foi reconhecida por Soares
postos, dificultando sobremaneira o escoamento do et al. (1998).
antigo Paraguai para sul-sudoeste, na direção das Ab’Sáber ilustrou a concepção de que a ba-
terras paraguaias e argentinas (p. 24). cia é um grande graben embutido na depressão do
Alto Paraguai, por meio de um bloco diagrama es-
A Bacia do Pantanal é uma entidade geotec- quemático apresentado na página 172 do “Caderno
tônica ativa, uma área ainda subsidente, com falhas de Imagens” do livro “Brasil: Paisagens de Exceção”
ativas e epicentros de terremotos (Assine, 2004). (Ab’Sáber, 2006). O bloco diagrama encontra-se re-
Tectonismo atual na plataforma brasileira, como im- produzido na figura 7, onde também é apresentada a
portante condicionante das formas de relevo, é hoje única seção sísmica registrada na bacia, que mostra
fato indiscutível, mas tal percepção encontra-se pa- que as variações de espessura da bacia são resultado
tente nos trabalhos de Ab’Sáber, especialmente no de subsidência diferenciada, devido a falhas que, não
caso do Pantanal, como se pode observar nas seguin- só segmentam o embasamento da bacia, mas que se
tes passagens: prolongam na seção sedimentar.
Fica evidente que o bloco diagrama idealiza-
A neotectônica deu origem a um verdadeiro graben, do por Ab’Sáber encontra suporte na configuração
pela ruptura tectônica dos remanescentes regionais do embasamento mostrado pela seção sísmica, mas
da superfície interplanáltica de Cuiabá e suas exten- é importante não perder de vista que as informações
sões. O assoalho tectonizado da bacia é o resultado de subsuperfície disponíveis são ainda muito escassas
de uma somatória de pequenas e médias desloca- para delinear com mais exatidão a estrutura da bacia.
ções, geomorfologicamente contrárias ao mergu- É importante destacar que não foram produzidos
lho da antiga rampa do pediplano neogênico e sua ainda mapas que tenham representado as estruturas
drenagem consequente. Existe nesse embasamento, da bacia com o detalhe e a acurácia necessários para
sujeito a uma neotectônica pleistocênica, toda uma a compreensão do seu arcabouço tectônico.
“família” regional de falhas conformadoras de um O mapa de isópacas apresentado na figura 4,
novo graben, de centro de uma boutonnière. (p. 26) por exemplo, é muito útil por mostrar que a bacia é
Imagens obtidas sobre o conjunto da depressão alongada na direção norte-sul e assimétrica na di-
pantaneira, através do satélite Landsat, documen- reção leste-oeste, mas não evidencia a existência de
tam mais concretamente as grandes linhas de falha- falhas condicionando variações de espessura do pa-
mentos e fraturas que afetaram a região durante o cote sedimentar. Uma falha importante, registrada
soerguimento pós-cretácico. Algumas dessas linhas na parte leste da seção sísmica da figura 7, tem loca-
de tectônica quebrável estão bem marcadas em es- lização próxima do epicentro de um sismo recente,
truturas paleozoicas da própria borda ocidental da cujo mecanismo focal é indicativo de compressão
Bacia do Paraná, sobretudo a direção NNE-SSO, leste-oeste (Ussami et al., 2000).
que, em conjunto com as direções ONO-SSE e A origem da bacia tem sido há muito as-
O-E, auxiliam a compreensão da fragmentação tec- sociada a abatimentos resultantes de soerguimen-
tônica da abóbada de escudo regional (p. 13). tos derivados de movimentos orogênicos nos An-
des, concepção já presente no trabalho de Almeida
Segundo Assine (2003), falhas são evidentes (1959). Com base nesta ideia, no levantamento de
na morfologia, pois condicionam a ocorrência dos dados gravimétricos e na realização de modelagens
terrenos pré-cambrianos na borda ocidental da bacia, geofísicas, Shiraiwa (1994) e Ussami et al. (1999)
que é definida principalmente por falhas de direções propuseram que o surgimento da Bacia do Panta-
NE-SW e WNW-ESE. A margem oeste da pla- nal foi decorrência de esforços distensionais no arco
nície aluvial do Pantanal do Paraguai é, em grande flexural (forebulge) da bacia de antepaís (foreland)
parte, condicionada estruturalmente por falhas que do Chaco, durante o último evento compressivo no
separam a planície do planalto residual do Urucum- orógeno andino em ~ 2.5 Ma. Tal posição do fore-
Amolar, no qual afloram rochas pré-cambrianas dos bulge, muito distante da frente de cavalgamento do
grupos Cuiabá e Corumbá. A borda leste da bacia é orógeno andino, é viável somente considerando-se
estruturada por falhas NNE-SSW, mas os traços de uma litosfera com espessura elástica grande, que foi
falha estão cobertos por sedimentos aluviais mais jo- estimada pelos referidos autores em 125-150 km. No
vens da Formação Pantanal, que recobrem o embasa- mesmo período, Horton e DeCelles (1997) também
mento em onlap de oeste para leste, com a regressão apresentaram modelo de subsidência associada aos
das escarpas que marcam o limite dos planaltos de eventos andinos, mas posicionaram o forebulge mais
Maracaju-Campo Grande e Taquari-Itiquira. Falhas a oeste, de forma que interpretaram o Pantanal como

472
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
25
uma bacia de back-bulge (figura 8). perfuração realizada na Fazenda Paraíso, e interpre-
Estas hipóteses de origem para a bacia são tada por Fernando de Almeida (1964) — houve re-
muito elegantes e estimulantes, mas ambos os mode- tomada da subsidência, com repetição aproximada
los pressupõem forebulge distante da frente de caval- dos ambientes de sedimentação anteriormente vi-
gamento e espessura da litosfera entre 100 e 150 km. gentes, até a formação dos gigantescos leques alu-
Uma questão deve ser colocada: por que somente na viais do Pleistoceno Terminal;
área da depressão do Alto Paraguai houve subsidên- 9) no decorrer do Holoceno, instalaram-se rios
cia significativa e formação de uma bacia sedimen- meândricos, de diferentes padrões e potência de for-
tar? Uma origem alternativa merece ser investigada, mação de cinturões meândricos; alguns cursos supe-
principalmente porque há várias falhas associadas ao rimpuseram-se ao eixo dos leques aluviais, desven-
lineamento Transbrasiliano na bacia. Além disto, trando-os (Taquari, sobretudo); os bordos dos cones
dados de Feng et al. (2007) mostram valores meno- de dejectos foram retrabalhados por drenagens nor-
res de velocidade de propagação de ondas sísmicas te-sul e por anastomoses terminais dos canais diver-
em diferentes profundidades litosféricas na região do gentes herdados da própria fase terminal dos gran-
Pantanal (figura 9). des leques; houve grande liberação de areias finas e
Independente da origem da bacia, a reconsti- médias, forçando anastomoses de padrão especial
tuição da história deposicional é dificultada pelo fato nas terminações dos velhos leques; enquanto drena-
de que somente os depósitos mais recentes encon- gens meândricas do Rio Paraguai inscreveram-se no
tram-se aflorando. No trabalho de Assine e Soares corredor apertado entre os leques aluviais detríticos
(2004), que buscou sintetizar o conhecimento sobre provenientes do leste e as serranias fronteiriças de
a Geologia do Quaternário da Bacia do Pantanal, bordos irregulares;
fica evidente que o avanço de conhecimentos sobre 10) por entre os leques aluviais estabeleceram-se os
o preenchimento da bacia tem sido lento e que per- novos cursos de água, afluentes ocidentais do Rio
manecem atuais muitas das colocações feitas nos dez Paraguai, na medida em que o clima regional ga-
pontos destacados por Ab’Sáber: nhou espaços quentes e úmidos, com predomínio
de precipitações entre 850 e 1.000 mm dentro da
Dos escassos conhecimentos sobre a coluna sedi- depressão pantaneira, de oeste para leste; e altos ní-
mentar da Bacia do Pantanal, pode-se apenas afian- veis de precipitações nas cabeceiras de drenagem, ao
çar umas tantas conclusões: norte, nordeste, leste, sudeste e sul da imensa bou-
1) os sedimentos basais, correspondentes ao início tonnière regional (p. 26).
da tectonização, são mais grosseiros;
2) variações climáticas na direção dos climas secos Considerando idade pliopleistocênica para a
propiciaram fases agressivas de erosão nos planaltos superfície cuiabana, Ab’Sáber postulou que a Bacia
circundantes, com remoção de solos elaborados em do Pantanal é uma bacia tectônica estruturada por
fases úmidas ou subúmidas; falhas, embutida numa depressão maior, a depressão
3) o espessamento da sedimentação foi determina- do Alto Paraguai. Em várias passagens reafirmou
do pela associação entre a agressividade dos proces- que a idade da bacia é pleistocênica:
sos erosivos nas chapadas circundantes e o gradual
afundamento do substrato da bacia; Por tudo o que se sabe da história tectônica e de-
4) o ambiente de deposição foi predominantemente nudacional da depressão do Alto Paraguai (bou-
fluvial, através de leques aluviais e drenagens anasto- tonnière do Alto Paraguai), é quase certo que a
mosadas complementados por agrupamentos de la- tectônica pós-pediplano cuiabano desenvolveu-
gos nos setores de afundamento diferencial da bacia; se ao longo do Pleistoceno como um episódio de
5) o conjunto fisiográfico regional foi por diversas tectónica quebrável residual (p. 15).
vezes filiado à tipologia dos bolsones semiáridos in-
termontanos ou interplanálticos, subtropicais, alta- No núcleo central da boutonnière, devido à
mente sasonários, e predominantemente exorreicos; neotectônica quaternária, todos os remanescen-
6) duvida-se da existência eventual de fases de en- tes pressupostos dessa superfície neogênica estão
dorreísmo pronunciado, já que não existem grandes afogados pela sedimentação da Bacia do Pantanal,
lentes de sedimentos lacustres com segregação de participando como assoalho irregular da nova bacia
fácies, ou presença maciça de sal-gema ou calcários; tectônica regional. Até onde ocorrem os remanes-
7) a certa altura do processo deposicional, dominan- centes do pediplano cuiabano, no entorno da gran-
temente fluvial ou fluviolacustre, houve uma cessação de depressão, estão os limites da primeira fase de
da subsidência, que deu origem a uma certa fase de esvaziamento da antiga abóbada de escudo do Alto
estabilidade relativa da superfície rasa de uma gran- Paraguai (p. 15).
de planície de inundação regional, tendo por conse-
quência a formação de paleocangas de lateritas; Um ponto de partida nos parece sólido: a Bacia do
8) após essa fase de cangas — identificada em uma

473
Pantanal é certamente pós-superfície cuiabana velha. conta uma espessura sedimentar estimada de cerca
Ou seja, para utilizar a nomenclatura habitual, aquela de 600 m, chega-se a uma taxa de sedimentação de
bacia sedimentar interior é pós-pediplano cuiabano. 0,33 mm/ano. Trata-se de uma taxa elevada, com-
Disso decorre uma segunda constatação: a Bacia do parável a valores de 0,5 mm/ano para o graben do
Pantanal foi certamente fruto de uma reativação tec- Reno, 0,2 mm/ano para o Lago Baikal e 0,4 mm/ano
tônica quebrável, que interferiu sobre a rampa geral na plataforma do Golfo do México, na Lousiana
sul-sudoeste da superfície aplainada e da paleodrena- (dados compilados por Kukal,1990).
gem existente no fecho da pediplanação (p. 12). Não se descarta a possibilidade de que no
Pantanal a taxa de subsidência seja de tal magnitude.
Admitindo-se que a sedimentação começou Entretanto, como não existem datações, tanto da su-
no início do Pleistoceno (1,8 Ma) e levando-se em perfície cuiabana quanto dos sedimentos preservados

Figura 7. Falhas na Bacia do Pantanal: A) Graben central com falhas escalonadas nas bordas, conforme concepção de
Ab’Sáber (2006); B) Seção geológica de direção aproximada NE-SW, interpretada a partir da seção sísmica L1-L5
(Catto, 1975, localização na Figura 4), mostrando falhas de rejeito de dezenas de metros, afetando o embasamento e
a seção sedimentar da bacia (modificado de Assine, 2004).

474
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
25
em subsuperfície, pode ser questionada a afirmativa Megaleques fluviais
de que a subsidência na Bacia do Pantanal iniciou-se
no Quaternário e de que a superfície cuiabana cons- A importância dos grandes sistemas fluviais
titua o embasamento da bacia. Espera-se que novas distributários, tanto nas paisagens atuais quanto no
informações permitam, num futuro não muito dis- registro geológico, vem sendo mais e mais reconhe-
tante, conhecer com mais acurácia a idade da Bacia cida nos últimos anos, constituindo os dois últimos
do Pantanal e, desta forma, estabelecer a taxa de sub- dos três subtipos de leques aluviais da classificação
sidência e de geração de espaço de acomodação para de Stanistreet e McCarthy (1993): 1) leques domi-
a sedimentação recente. nados por fluxos de detritos, 2) leques dominados

Figura 8. Modelos de origem associados ao forebulge andino: A) De acordo com Horton & DeCelles (1997), a Bacia
do Pantanal está posicionada no back-bulge andino (pЄ = Pré-Cambriano; P = Paleozoico; M = Mesozoico, Q =
Quaternário): B) De acordo com Ussami et al. (1999), a Bacia do Pantanal desenvolveu-se sobre o forebulge andino
(o eixo do forebulge não foi traçado no modelo digital de elevação original, tendo sido tentativamente posicionado
neste trabalho com base no artigo dos referidos autores).

475
por rios entrelaçados, e 3) leques aluviais dominados ou, ainda, 15 vezes a Bacia de Taubaté (SP). O primei-
por rios meandrantes/de baixa sinuosidade. Estes le- ro estudo específico sobre esse gigantesco cone aluvial,
ques dominados por rios, que formam sistemas de- predominantemente arenoso, que se espraiou em gi-
posicionais com várias dezenas a algumas centenas gantesco leque sobre a depressão pantaneira, deveu-se
de quilômetros de extensão, têm sido denominados a E. H. G. Braun (1977). O autor, além de caracteri-
megaleques fluviais. Uma compilação de exemplos zar a importância do macroleque aluvial, associado ao
de tais sistemas em todos os continentes foi publica- páleo-Taquari, estabeleceu os primeiros parâmetros de
da no artigo de Leier et al. (2005). sua gênese, com base em condições paleoclimáticas e
A descoberta de que o Rio Taquari vem cons- paleoidrográficas do Pleistoceno na depressão panta-
truindo no Pantanal Mato-Grossense um imenso neira. (...) Nessa oportunidade, Braun (1977) conse-
megaleque fluvial ocorreu na década de 1970, tendo guiu identificar sete faixas ou setores diferenciados de
sido denominado cone aluvial do Taquari por Braun feições geomórficas no espaço fisiográfico e hidrogeo-
(1977). Ab’Sáber refere-se a eles como macroleques morfológico daquele excepcional leque aluvial, ao mes-
aluviais: mo tempo que assentava bases para considerá-lo como
uma feição herdada do Pleistoceno Terminal. Mesmo
A mais importante descoberta recente sobre o mo- depois que surgiram as primeiras imagens de satélites
saico de formações aluviais quaternárias da grande sobre a região, pouca coisa de essencial pode ser acres-
depressão pantaneira, interessando diretamente ao centada às observações pioneiras do autor. Franco e
entendimento da posição relativa e funcionamento Pinheiro (1982) souberam valorizar a ordem de gran-
das diversas sub-bacias hidrográficas que se estendem deza e o significado nuclear do grande cone aluvial
pelo seu espaço fisiográfico total, foi a percepção da do Taquari para o entendimento do Pantanal Mato-
existência do grande leque aluvial do Taquari. Obser- Grossense, ao dizer: “A grande expressividade espacial
vações pontuais jamais teriam revelado esta unidade dos espraiamentos aluviais do Rio Taquari permitiu
geomórfica de grande extensão no interior das planí- considerá-lo como um macroleque aluvial, termo que
cies pantaneiras. Para uma área total de 125.000 km², bem define sua gênese (...) O gigantesco leque aluvial,
o macroleque aluvial do Taquari — como vem sendo com eixo em torno de 250 km de comprimento e uma
designado — ocupa um espaço próprio, da ordem de área de 50.000 km², situa-se em frente às escarpas
50.000 km². Isso significa dizer uma área da ordem de ocidentais das serras de Maracaju [sic], do Pantanal e
1/3 da bacia de Paris ou 1/5 do Estado de São Paulo, de São Jerônimo. É balizado a norte e noroeste pelos

Figura 9. Mapa de velocidade de propagação das ondas sísmicas nas profundidades de 100 e 150 km (Feng et
al., 2007) mostra valores mais baixos na área do Pantanal (polígono no centro). Destaque para o fato de que o
Lineamento Transbrasiliano (TBL) cruza a área do Pantanal.

476
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
25
rios Piqueri ou Itiquira e Cuiabá, a oeste pelo Rio Pa- de 5 metros de altura em relação ao nível do rio. A
raguai e a sudoeste e sul pelos rios Abobral e Negro. largura do cinturão de meandros diminui para jusan-
(. . . ) O macroleque aluvial engloba grande parte do te, assim como a altura dos terraços que desaparecem
tradicional Pantanal do Paiaguas (a norte) e quase a quando o rio entra no lobo distributário atual.
totalidade do Pantanal da Nhecolândia (a sul) (p. 31- O lobo distributário atual é facilmente deli-
32). mitado em imagens de satélite porque a planície de
inundação exibe tonalidades mais escuras devido à
A interpretação originalmente feita por presença de áreas alagadas e com nível freático pró-
Braun (1977), de que os paleocanais distributários do ximo da superfície, mesmo na estação seca, caracte-
megaleque do Taquari são formas relictas do Pleisto- rizando áreas mais úmidas. Neste compartimento,
ceno Terminal, foi adotada em vários trabalhos e pu- o canal do Rio Taquari apresenta baixa sinuosida-
blicações posteriores (Tricart, 1982; Klammer, 1982; de e destaca-se morfologicamente pela presença de
Clapperton, 1993, entre outros). Ab’Sáber (1988) foi diques marginais arenosos, que se apresentam mais
mais além, destacando a importância de mudanças altos que as planícies de inundação adjacentes. Além
hidrológicas que resultaram na mudança de padrão do canal principal do Rio Taquari, há um grande nú-
do canal do Rio Taquari: mero de canais distributários na planície de inunda-
ção, que servem de caminhos preferenciais de fluxo
O macroleque aluvial do Taquari foi desventrado durante o início das cheias e de canais de vazante
pelo atual Rio Taquari, que se tornou gradualmente que drenam o sistema quando as águas baixam após
de padrão meândrico, embutido no eixo central do o período das inundações. Os canais bifurcam-se e
cone de dejeção anteriormente formado (p. 27). se interconectam várias vezes na planície, isolando
Por uma série de aproximações, envolvendo conhe- áreas vegetadas entre os canais, o que permite con-
cimentos paleoclimáticos gerais e regionais, pode- siderar padrão de rio anastomosado na planície de
se admitir que os leques aluviais foram elaborados inundação (Souza et al., 2002).
entre 23 e 13.000 anos, antes do presente. Enquanto Ao contrário do que ocorre no cinturão de
as planícies meândricas e os grandes banhados, de- meandros, no lobo distributário atual a descarga flu-
signados regionalmente por “pantanais”, certamente vial diminui para jusante, o que causa estreitamento
desenvolveram-se nos últimos 12 ou 13.000 anos, e diminuição da profundidade do canal em direção
os principais contornos e ecossistemas aquáticos, à planície do Rio Paraguai. A redução na vazão do
subaquáticos e terrestres, do Pantanal Mato-Gros- Rio Taquari é evidenciada pelas séries históricas de
sense teriam sido elaborados nos últimos cinco ou medidas das estações fluviométricas de São Gonça-
seis milênios. Independentemente de velhas heran- lo e de Porto Rolon (figura 13), a primeira situada
ças (p. 28). nas proximidades do ápice do lobo atual e a segunda
dentro do lobo distributário atual. No período das
Na linha de raciocínio de Ab’Sáber, Assine e cheias, a vazão é significativamente menor na esta-
Soares (2004) ampliaram a discussão sobre a mu- ção de Porto Rolon devido principalmente ao rom-
dança de estilo do Rio Taquari no Pantanal Mato- pimento de diques marginais e drenagem da água
Grossense, atribuindo-a a mudanças climáticas na para fora do canal, processo responsável por fenôme-
transição Pleistoceno/Holoceno. O Rio Taquari nos de avulsão fluvial no Rio Taquari (Assine, 2005;
corta diametralmente seu megaleque (figura 10), Assine et al., 2005).
cruzando trama complexa de paleocanais de lobos Avulsão importante ocorreu na década de
abandonados, sendo nítidos dois compartimentos 1990 na porção inferior do leque, causando mudança
geomorfológicos distintos na planície do Pantanal: importante no curso do Rio Taquari. Fluindo através
1) um cinturão de meandros na porção superior do do arrombado Zé da Costa e aproveitando os canais
leque; e 2) um lobo distributário atual em suas por- dos rios Negrinho e Paraguai Mirim, as águas do Rio
ções média/inferior (Assine, 2005 e Assine et al., Taquari passaram a correr para oeste, indo desaguar
2005). As altitudes variam de 190 m no seu ápice no Rio Paraguai, cerca de 30 km acima da antiga foz
(saída do canion que corta a escarpa do planalto a na localidade de Porto da Manga (figura 14).
leste) até 85 m na sua base (planície do Rio Paraguai O fenômeno de avulsão está frequentemente
a oeste), o que resulta num gradiente médio muito associado à rápida agradação do canal, o que se tra-
baixo de cerca 36 cm/km (figura 11). duz na redução de sua profundidade, na emergência
Na porção superior do megaleque, numa ex- de barras arenosas e no rompimento dos diques mar-
tensão de cerca de 100 km, o Rio Taquari meandra ginais, com espraiamento das águas e deposição de
num vale entrincheirado em sedimentos mais antigos sedimentos nas planícies de inundação adjacentes,
do próprio leque (figura 12). Com largura variável de onde canais distributários podem drenar as águas do
3 a 5 km, o cinturão de meandros é limitado pelas canal principal ocasionando mudança de curso (figu-
barrancas dos terraços marginais, que apresentam ra 15). Estes processos puderam ser acompanhados
desnível topográfico em alguns pontos de até mais no caso da rápida avulsão ocorrida a partir do arrom-

477
bado Zé da Costa, inclusive através de imagens de algumas linhas de fragilidade erosiva, suficientes
satélite (figura 16). para que as novas bacias, posteriores ao fecho da
Fenômenos de avulsão vêm ocorrendo nos sedimentação dos leques imbricados, pudessem se
últimos anos nas proximidades da Fazenda Caro- instalar e se ampliar. A drenagem do Itiquira-Pi-
nal, situada no ápice do lobo distributário atual. O queri copiou o bordo norte do grande leque aluvial
local é caracterizado pela mudança no gradiente do Taquari, na faixa de contato entre ele e o leque
topográfico após o Rio Taquari sair do cinturão de aluvial de nordeste (São Lourenço). Enquanto que
meandros e rápida agradação do canal. A partir das o Rio Negro copiou quase que inteiramente o bordo
águas que saem do canal principal através de fen- sul e sudeste do macroleque do Taquari, ampliando
das nos diques marginais, formaram-se canais anas- sua faixa de inundação e formação de “pantanais”
tomosados na margem direita do Rio Taquari, que até à borda do leque aluvial de sudeste (Aquidaua-
estão captando as águas para áreas adjacentes mais na), onde, por seu lado, se instalou o curso do Rio
baixas, já que o complexo canal/dique está em po- Aquidauana-Taboco, formando um traçado em arco,
sição topográfica mais alta em relação ao restante oposto ao do Rio Negro. Ambos são rios perileques
do lobo atual. A área na margem direita do Rio Ta- aluviais e, como tal, cursos de água gêmeos; e, no
quari, que aparece em escuro em imagens de satélite, caso particular, interligados por braços que auxiliam
devido à maior umidade do solo (figura 10), é o ca- a redistribuição das águas de cheias, transformando
minho natural para o estabelecimento de um novo seus banhados em uma só e imensa planície sub-
curso para Rio Taquari, que pode se fixar num dos mersível: os “pantanais” do Rio Negro-Aquidauana.
canais anastomosados existentes na sua margem di- De modo quase idêntico, o antigo leque aluvial do
reita, cujo traçado aproximado está apresentado na Jauru-Paraguai, no extremo noroeste da depressão
figura 14. pantaneira, obrigou a drenagem do Rio Paraguai a
Além do Megaleque do Taquari, muitos derivar para a faixa de contato entre as serranias de
outros sistemas de leques fluviais contribuem para Cáceres e a margem leste do leque aluvial preexis-
compor a espetacular paisagem do Pantanal. Todos tente na região (p. 32).
os leques continuam ativos e estão distribuídos de tal
forma que seu arranjo geográfico condiciona o cur- Lagoas da Nhecolândia: uma paisagem exótica
so de outros importantes rios, que funcionam como
drenagens periféricas coletoras das águas que fluem Embora o Pantanal seja um espaço geográfico
dos leques. dominado por processos aluviais, sistemas lacustres
pontilham em várias áreas, podendo ser distinguidos
O fato de existirem outros leques aluviais similares, no mínimo três grupos principais, assim caracteriza-
de ordem de grandeza espacial muito menor, permi- dos por Ab’Sáber:
te considerar um sistema regional de leques aluviais
do Pleistoceno Superior, os quais deixaram entre si Pode-se detectar, sem muito esforço, três agru-
pamentos de lagos no entremeio dos “pan-
tanais”. O primeiro conjunto diz respeito às
grandes lagoas da faixa fronteiriça do Brasil e
Bolívia, onde massas de água foram represadas
nos sinuosos contornos das serranias e terras
firmes da faixa de fronteira entre o Brasil e o
Paraguai. Pelo menos em um caso — o da Baía
Vermelha — ocorreu o embutimento de uma
lagoa no meio de um domo esvaziado (cristas
circulares da Serra do Bonfim). Essa concen-
tração de águas lagunares nos sopés e reentrân-
cias de serranias merece uma discussão genéti-
ca mais aprofundada. O segundo agrupamento
de lagoas, de médio porte relativo, no interior
do Pantanal, diz respeito ao setor em que o

Figura 10. Megaleque fluvial do Rio Taquari


(imagem do sensor MMRS do satélite argen-
tino SAC-C, de 24/04/2003, em composição
colorida falsa-cor R5G4B3,). Tonalidades mais
escuras representam áreas inundadas (Assine et
al. 2005).

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
25

Figura 11. Mapa do megaleque do


Taquari, mostrando curvas de nível
(metros), paleocanais de lobos aban-
donados, cinturão de meandros na
porção superior do leque, lobo distri-
butário atual na porção média/inferior,
e estações fluviométricas (1 = Coxim;
2 = São Gonçalo; 3 = Porto Rolon).

Figura 12. O Rio Taquari está


atualmente confinado em um
cinturão de meandros na parte
superior do leque, entrincheirado em
depósitos de lobos antigos, sobre os
quais estão preservados os traçados
de paleocanais distributários. Uma
escarpa íngreme é o limite natural
entre o leque e o planalto. Confluência
dos rios Taquari e Coxim na altura
da cidade de Coxim na parte direita
da figura. Composição de imagens
CCD do satélite CBERS-2 (164/120
e 164/121), falsa-cor 3R4G2B, de
21/07/2006.
479
Rio Paraguai encosta-se na Serra do Amolar, termos de forma e hidrologia. As lagoas são predo-
cruzando uma planície lacustre do passado e minantemente circulares ou elípticas, existindo tam-
dando origem a numerosas lagoas semicircu- bém formas piriformes, crescentiformes e irregula-
lares e elípticas. Ocorrem lagoas em ferradurra res. Quando assimétricas, apresentam-se comumen-
(oxbow lakes) apenas nas proximidades do atual te alongadas na direção NE, mas em algumas áreas
cinturão meândrico próprio do Rio Paraguai. adquirem orientação EW.
O terceiro agrupamento tem como área-protó- A maioria das miríades de lagoas da Nhe-
tipo o Pantanal da Nhecolândia, no quadrante colândia integra a rede de drenagem superfi-
meridional do macroleque aluvial do Taquari, cial, pois uma lagoa conecta-se à outra durante
na área de solos predominantemente arenosos, as cheias, de forma que são caracteristicamente
onde ocorrem paleocanais entrelaçados, mirí- lagoas de água doce. No entanto, aproximadamente
ades de pequenas lagoas temporárias e alguns 15% das lagoas constituem corpos d’água isolados
pequenos cursos de água designados vazantes, da drenagem superficial, muito raramente invadidos
que fluem para a margem direita do Rio Ne- por inundações e caracterizados pela presença de
gro (...) Na Nhecolândia existe uma associação águas salobras, sendo por isso denominadas salinas
íntima entre paleocanais entrelaçados transfor- (figura 17).
mados em numerosas lagoas circulares, tempo- Referências a existência de barreiros com
rárias ou semipermanentes, e sinuosas résteas salitre e lagoas salgadas datam do século XVIII.
de vegetação arbórea ao longo de antigos e re- Mais que apenas lagoas salgadas, trata-se de
centes diques marginais. Ligeiras elevações na lagoas alcalinas, com águas bicarbonatadas, clore-
planície arenosa, sublinhadas por corredores de tadas, francamente sódicas, com pH variando entre
vegetação florestal, recebem o nome popular de 8 e 10 (Cunha, 1943). Em muitas delas há grande
“cordilheiras”, altamente simbólico (p. 36-37). desenvolvimento de algas que imprimem coloração
diversa às lagoas, sendo comum águas com cores es-
A Nhecolândia corresponde à área do Me- verdeadas.
galeque do Taquari situada a sul do Rio Taquari. Segundo Ab’Sáber (1988), Wilhelmy apresen-
Caracteriza-se como paisagem exótica, diferente tou interpretações muito perspicazes sobre a origem
do restante do Pantanal, devido à presença de cerca das lagoas circulares do Pantanal (figura 18), por ele
de 10.000 lagoas com características singulares em consideradas de grande validade:

Figura 13. Descarga fluvial em três estações fluviométricas (Coxim, São Gonçalo e Porto Rolon; localização na figura 11)
no Rio Taquari (Assine, 2005).
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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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Figura 14. Avulsões recentes no lobo distributário atual: A) imagem satélite CYBERS2, sensor WFI, órbita/ponto
165/124, 15/08/2004, composição colorida 1R2G1B; B) mapa com traçado de canais anastomosados existentes na
margem direita do Rio Taquari, formados a partir de rompimentos dos diques marginais nas fazendas Santa Luzia e
Caronal (os números 2 e 3 referem-se à localização das estações fluviométricas de São Gonçalo e Porto Rolon).

481
Figura 15. Bloco diagrama representando a sucessão de processos que pode culminar com avulsão fluvial: A) o canal
vai ficando mais alto que as áreas adjacentes devido aos diques marginais que o rio constrói durante os transborda-
mentos nas épocas de cheia; B) o leito do rio se eleva por agradação de sedimentos no canal e nos diques marginais;
C) com o assoreamento do canal as barras ficam emersas mesmo na época das cheias e a capacidade do canal de reter
água fica cada vez menor; D) durante uma cheia, o dique marginal é rompido (arrombado), ocasionando inundação
e sedimentação na planície adjacente (modificado de Assine et al., 2005).

Figura 16. Sucessão temporal de imagens de satélite registrando a mudança no curso do Rio Taquari a partir da
avulsão Zé da Costa durante a última década: 1) a imagem de 1990 já registra a avulsão e a formação de um leque de
crevasse; 2) a divisão do canal é claramente visível na imagem de 1995; 3) na imagem de 2001 verifica-se que o rio já
havia mudado completamente seu curso.

482
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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Wilhelmy (1958) reconheceu, nas áreas que visi- tivo nome de “cordilheiras”.
tou, uma distinção entre tipos de lagos de barra- Por fim, destaca-se que, apesar dos diversos
gem fluvial: lagos oriundos da inundação de lóbulos trabalhos que apontam para a atuação de processos
internos de meandros (umlaufseen) e lagos encar- eólicos, a origem das lagoas permanece tema con-
cerados por diques marginais (dammuterseen). Re- troverso (Furquim et al., 2010). Alguns pesquisa-
conheceu, também, que, em muitos casos, os lagos dores consideram que não há evidências suficientes
circulares gerados em áreas de trançamento de cin- que sustentem a interpretação de formas eólicas na
turões meândricos podiam ter águas doces ou águas Nhecolândia (Colinvaux et al., 2000).
salobras, dependendo de serem visitadas ou não, em
superfície, pela penetração das águas de inundação. Flutações climáticas e mudanças ecológicas:
Pela primeira vez, foi feita uma observação sobre o dos leques aluvias pleistocênicos às planícies
excepcional caráter endorreico local, das lagoas sali- submersíveis recentes
nas e barreiros salobros, sujeitos a concentrações de
cloretos de sódio e magnésio (p. 30). A paisagem do Pantanal é pontuada por
geoformas deposicionais de diferentes idades, sendo
Muitos pesquisadores, entretanto, têm consi- grande parte delas formas relictas, testemunhos de
derado que as lagoas tiveram sua origem associada condições climáticas e ambientais diversas das atuais.
a processos dominados pelo vento. Almeida (1945) Uma questão da maior relevância para se entender
foi o primeiro a apresentar evidências de depósitos a evolução geomorfológica da área é a definição de
eólicos na Nhecolândia. O mesmo autor apresentou quando surgiu o Pantanal como hoje o conhecemos,
posteriormente novos dados e interpretou a gênese ou seja, como uma das mais importantes áreas úmidas
das lagoas em termos de processos de deflação eólica (wetlands) do planeta ( Junk et al., 2006).
(Almeida, 1959). Esta interpretação foi corroborada A concepção de que os grandes leques aluviais
por Tricart (1982), que considerou as áreas das la- do Pantanal são feições herdadas do Pleistoceno,
goas como antigas superfícies dominadas por defla- apresentada inicialmente por Braun (1977), teve em
ção e mapeou suas áreas de ocorrência com base em Ab’Sáber (1988) um ardoroso defensor. Com a incor-
imagens de satélite. poração de novos dados e considerações paleoclimá-
Em outros países, existem muitos exemplos ticas importantes, Ab’Sáber lançou as bases para se
atuais de áreas dominadas pela atuação do vento entender a origem da configuração atual do Pantanal,
e caracterizadas pela presença de lagoas, em par- “dos leques aluviais pleistocênicos às planícies sub-
te semelhantes às da Nhecolândia. São áreas com mersíveis recentes”.
deficiência de areia disponível para o transporte, de-
vido a condições de nível freático alto, que é o nível A fase dos grandes leques aluviais arenosos desen-
de base para a deflação eólica. Nas depressões, devido volvidos na depressão pantaneira, durante o Pleis-
à flutuação do freático, podem surgir corpos d’água toceno Terminal, foi essencial para a configuração
efêmeros, que secam por evaporação. Tais depressões fisiográfica atual do Pantanal Mato-Grossense (p.
de deflação, incluindo as das lagoas da Nhecolândia, 28).
foram analisadas nos trabalhos de Goudie (1991) e
Goudie e Wells (1995) e interpretadas como feições Quando o Nordeste seco esteve ampliado ao má-
geomorfológicas denominadas salt pans. Embora te- ximo nos territórios inter e subtropicais do Brasil,
nha considerado que as lagoas tenham se formado entre 13.000 e 23.000 AP (antes do presente), pa-
em áreas interduna, foi Klammer (1982) quem, pela drões de caatinga arbórea e arbustiva chegaram,
primeira vez, utilizou a denominação salt pans para respectivamente, nos bordos e no centro de um
se referir às salinas do Pantanal. grande bolsone, dominado por leques aluviais gi-
Reexaminando a questão da origem das la- gantescos, na área onde hoje se situam os “panta-
goas, Soares et al. (2003) e Assine e Soares (2004) nais” da grande depressão regional (p. 44).
concluíram que muitas das formas, especialmente as Na época, a área correspondente aos “pantanais”
lagoas isoladas (salinas), não podem ser explicadas por de hoje era particularmente rústica, do ponto de
processos aluviais,reforçando assim a interpretação de vista climático e hidrológico, possuindo ambiente
que as lagoas da Nhecolândia foram produzidas pela subdesértico, forte atuação dos processos morfo-
ação do vento. Os referidos autores interpretaram que gênicos de acumulação em cones de dejeção, hi-
os cordões descontínuos existentes em suas bordas, drologia intermitente, e vegetação rala de caatin-
constituídos por areia muito fina a fina, são paleo- gas arbustivas, mal consolidadas. Os grupos de ca-
dunas do tipo meia-lua (lunnete sand dunes). Os cor- çadores coletores devem ter preferido os sopés de
dões têm dois a cinco metros de altura, são cobertos escarpas, serranias e abrigos sobre rocha (p. 46).
por vegetação arbustiva/arbórea e raramente são
inundados, sendo conhecidos na região pelo suges- Com base nas considerações acima, três pon-
483
Figura 17. Lagoas da Nhecolândia, porção sul do Megaleque do Taquari: A) Típica paisagem de lagoas alinhadas na
direção aproximada NE, superimpostas pela rede atual de drenagem (vazantes e corixos), que paulatinamente vem
conectando e destruindo as lagoas, desfigurando a paisagem eólica reliquiar. Lagoas isoladas podem apresentar colo-
rações diversas, mas são comumente de cores esverdeadas devido à presença de algas (imagem Landsat TM, bandas
R3G2B1, cor natural, outubro de 1996); B e C) Lagoas de água doce são conectadas umas às outras pela drenagem
atual e, em muitos casos, apresentam vegetação flutuante; D e E) Salinas, ao contrário, são isoladas da drenagem
superficial e não apresentam vegetação flutuante.

484
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
25
tos merecem ser enfatizados: 1) a caatinga dominava A expansão das áreas inundáveis do Panta-
a área do Pantanal, de forma que a vegetação ofe- nal iniciou-se pela planície do Rio Paraguai, pois
recia pouca proteção ao solo; 2) processos eólicos esta se situa em posição topográfica mais baixa e
tiveram importância no modelado da paisagem dos é coletora das águas que provêm dos planaltos que
megaleques fluviais, retrabalhando e redepositando circundam o Pantanal. A planície respondeu, po-
os depósitos, dando origem a paisagens como as da rém, de forma setorizada e desigual, como apon-
Nhecolândia (discutida no item 6); e 3) mudanças tam os dados sedimentológicos, palinológicos e
hidrológicas e ecológicas ocorridas na área foram re- geocronológicos de Bezerra (1999), que indicam
sultado de eventos globais de mudanças climáticas individualização das lagoas Negra e Castelo, res-
associadas ao fim da última glaciação. pectivamente, por volta de 10.200 e 5.190 anos
A paisagem do Pantanal mudou consideravel- antes do presente. A elevação do nível freático
mente desde o Pleistoceno tardio, quando domina- regional, controlado pela planície do Rio Para-
vam ambientes semiáridos em condições de clima guai, que funciona como nível de base da maioria
mais frio. Datações por termoluminescência per- dos megaleques fluviais, promoveu ampliação das
mitiram comprovar idades pleistocênicas para de- áreas inundáveis, de jusante para montante, em
pósitos de lobos antigos do Megaleque do Taquari todas as sub-bacias que compõem a bacia do alto
(Assine, 2003). Segundo Assine e Soares (2004), o Rio Paraguai. A umidificação não foi síncrona nem
surgimento dos pantanais atuais ocorreu em respos- linear no tempo, pois oscilações menores ocorre-
ta a condições mais úmidas e quentes prevalecentes ram no Holoceno, o que condicionou mudanças
no Holoceno, mas o processo pode ter-se iniciado biogeográficas, especialmente a revegetação da
com as flutuações climáticas ocorridas ao final do área.
Pleistoceno.
Essa umidificação setorizada da grande depres-
As planícies meândricas e os grandes banhados, são pantaneira favoreceu a ampliação de cerrados,
designados regionalmente por “pantanais”, certa- campos cerrados e cerradões no dorso do macrole-
mente desenvolveram-se nos últimos 12 ou 13.000 que aluvial do Taquari, numa conquista leste-oeste
anos; os principais contornos e ecossistemas aquá- dos espaços geoecológicos regionais (p. 43).
ticos, subaquáticos e terrestres do Pantanal Mato-
Grossense teriam sido elaborados nos últimos cin- O Pantanal Mato-Grossense funciona como um
co ou seis milênios (p. 28). notável interespaço de transição e contato compor-
tando fortes penetrações de ecossistemas dos cer-
rados; uma participação significativa de floras cha-
quenhas; inclusões de componentes amazônicos e
pré-amazônicos; ao lado de ecossistemas aquáticos
e subaquáticos de grande extensão nos “pantanais”,
de suas grandes planícies de inundação. Espre-
midas nos patamares e encostas de serranias, por
entre paisagens chaquenhas e matas decíduas ou
semidecíduas de encostas, ocorrem relictos de uma
flora outrora mais extensa, relacionada ao grande
período de expansão das caatingas pelo território
brasileiro, ao fim do Pleistoceno (p. 40).

Devido à sua posição geográfica e história


geológica, o Pantanal incorpora, assim, elementos
de três biomas distintos dominantes no seu en-
torno: floresta semidecícua amazônica (noroeste),
cerrado (leste) e savana estépica chaquenha (su-
doeste). Espécies da flora endêmica são poucas em
comparação com espécies daqueles biomas (Prance
e Schaller, 1982). Além da coexistência de espécies
dos três biomas acima relacionados, Ab’Sáber des-
tacou o fato de que ocorrem também espécies do
que é considerado o único bioma genuinamente
Figura 18. Tipos de lagos segundo Wilhelmy (1958, brasileiro, a caatinga, considerando sua ocorrência
apud Ab’Sáber, 1988): lagos de lóbulos internos de no Pantanal como evidência de que este bioma ocu-
meandros (U); lagos entre diques marginais imbrica- pava uma área muito mais ampla no território bra-
dos (D). sileiro no Pleistoceno tardio.

485
O Pantanal Mato-Grossense e a Teoria dos Refúgios tropicais, por ocasião da desintegração de uma tro-
picalidade relativa preexistente. Nessa contingência,
Segundo Ab’Sáber (1988), a existência de es- massas de vegetação outrora contínuas, ou mais ou
pécies da caatinga e a recomposição paisagística do menos contínuas, ficaram reduzidas a manchas re-
Pantanal no Holoceno são evidências inequívocas gionais de florestas, em sítios privilegiados (p. 44).
da existência de refúgios florestais nos trópicos.
Críticas à teoria dos refúgios foram apre-
As pulsações dos climas secos com ampliações das sentadas em vários trabalhos, questionando princi-
floras de caatingas, realizadas em diferentes épocas palmente as interpretações de aridez na Amazônia
do Quaternário, nos esclarecem sobre fatos ecoló- durante o último máximo glacial no final do Pleis-
gicos muito mais delicados e importantes, correla- toceno, o que motivou propostas de abandono da
cionados com as mudanças de marcha dos proces- teoria. Haffer e Prance (2002) rebateram várias das
sos fisiográficos e paleoclimáticos. Os componentes críticas, especialmente as de Collinvaux et al. (2000,
das floras de caatingas que permaneceram nas ter- 2001), apontando que os argumentos contrários à
ras não alagáveis, dos bordos do grande Pantanal, teoria dos refúgios são muito simplistas e que des-
são relictos indeléveis que balizam uma complexa consideram resultados publicados em inúmeros tra-
história (p. 21). balhos sobre a Amazônia.
Em que pese o fato de que a teoria dos refú-
Foram necessários 12 a 13.000 anos para recompor gios seja tema controverso e alvo de críticas acir-
a tropicalidade na depressão pantaneira: a história radas, ela tem sido defendida, por pesquisadores de
dessa recomposição paisagística, através de uma diversas áreas, como uma teoria que explica satisfa-
retomada da exploração biológica dos espaços her- toriamente muitos fatos e muitas constatações. Para
dados dos climas secos, sendo um dos grandes epi- Ab’Sáber, a teoria dos refúgios explica satisfatoria-
sódios da dinâmica das floras e faunas, a partir de mente a complexidade fitogeográfica do Pantanal.
refúgios situados em diferentes sítios das terras altas
circunvizinha (p. 45). Temos insistido em que um dos mais importantes
corpos de ideias referentes aos mecanismos padrões
A origem da teoria de especiação em refúgios de distribuição de floras e faunas na América Tro-
ecológicos data do século XIX. No século XX, foi pical foi a chamada teoria dos refúgios. Não é exa-
utilizada no estudo de diferentes regiões do planeta. gerado dizer que essa teoria nascida de considera-
Os trabalhos de Haffer (1969) e Vanzolini e Willia- ções sobre as flutuações climáticas do Quaternário
ms (1970), realizados independentemente e publi- na América do Sul e Central, constituiu-se numa
cados praticamente ao mesmo tempo, lançaram os das mais sérias tentativas de integração das ciências
fundamentos para a aplicação da teoria dos refúgios fisiográficas com as ciências biológicas, ocorridas
na região neotropical amazônica. A contribuição de depois do Darwinismo (p. 44).
Ab’Sáber foi muito importante para a formulação da
teoria, como relataram Vanzolini e Williams (1970): A teoria dos refúgios envolveu considerações sobre
“Nos últimos anos, sob a orientação de Aziz Nacib os atuais espaços geoecológicos inter e subtropicais
Ab’Sáber, conseguimos montar um corpo de infor- e conhecimentos sobre a estrutura superficial de
mação geográfica que já permite correlacionar alguns suas paisagens, com vistas ao esclarecimento dos
ciclos induzidos dos padrões de diferenciação com cenários e processos que ocorreram no Quaternário
eventos paleoclimáticos independentemente docu- Antigo, quando existiam outros arranjos e dinâmi-
mentados”. Posteriormente, Ab’Sáber enriqueceu cas de distribuição de floras e faunas. Essa forma
sobremaneira a teoria dos refúgios, apresentando no- de conhecimento, marcadamente multidiscipliná-
vos dados e interpretações em várias publicações (e.g. ria, é particularmente fértil para uma sondagem
Brown e Ab’Sáber, 1979). Considerações conceituais dos efeitos e consequências das flutuações paleo-
foram também apresentadas no trabalho sobre o Pan- climáticas quaternárias, que determinaram interfe-
tanal (Ab’Sáber, 1988), como na passagem abaixo: rências morfológicas, pedogênicas e fitogeográficas,
muito sensíveis nos espaços amazônicos e tropicais
Em sua essência, a teoria dos refúgios cuida das atlânticos do Brasil, com repercussões sensíveis no
repercussões das mudanças climáticas quaterná- domínio dos cerrados e notáveis modificações no
rias sobre o quadro distributivo de floras e fau- quadro físico, geoecológico e biótico do Pantanal
nas, em tempos determinados, ao longo de es- Mato-Grossense (p. 44-45).
paços fisiográficos, paisagística e ecologicamente
mutantes. Tal como ela foi elaborada no Brasil, Considerações finais
pela contribuição de diferentes pesquisadores, a
teoria dos refúgios diz respeito, sobretudo, à identifi- A releitura do artigo de Ab’Sáber (1988) trouxe
cação dos momentos de maior retração das florestas surpresas extremamente interessantes, pois permitiu

486
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
25
entender muitas colocações antes não percebidas em vertentes das colinas cuiabanas. Isso tudo termina,
sua plenitude. Somente depois de muitos anos dedi- mais ou menos bruscamente, entre 13 e 12.000
cados a pesquisas no Pantanal foi possível aquilatar anos antes do presente, quando se inicia o lento e
o alcance das ideias apresentadas e vislumbrar novos descontínuo processo de reumidificação do interior
caminhos a trilhar na busca de aprender um pouco e bordos da grande depressão (p. 43).
mais sobre este fascinante lugar que a natureza nos
brindou. O Pantanal é lugar de contrastes e de mudan-
Desde a publicação do trabalho, avançamos ças, geograficamente localizado numa encruzilhada
muito na compreensão de muitas das questões co- de três grandes biomas, cujos limites avançam e re-
locadas por Ab’Sáber, ampliamos os horizontes do cuam com as flutuações climáticas. Tais biomas ocu-
conhecimento, mas a percepção é de que há muitas pam domínios morfoclimáticos distintos (Ab’Sáber
questões ainda por responder, porque permanece vá- 1970, 1977). Embora contestada por vários pesqui-
lida a afirmativa: sadores, a teoria dos refúgios explica muitos dos as-
pectos da fitogeografia do Pantanal.
O Pantanal é a mais espessa bacia de sedimentação
quaternária do País. O pacote detrítico poupado Não fora o desenvolvimento da teoria dos refúgios
em seu interior possui de 400 a 500 m de sedimen- e as considerações sobre os antigos espaços ocu-
tos acumulados. O significado paleoclimático des- pados pelos climas secos do Quaternário Antigo,
se material empilhado por subsidência, durante o dificilmente poderíamos compreender a presença
Pleistoceno, ainda está para ser recuperado (p. 40). desses pequenos refúgios de flora do domínio das
caatingas, abandonados no sudoeste da depressão
Apesar de reconhecer que o conhecimento so- pantaneira, quando da retração dos climas secos e
bre a evolução geológica e geomorfológica do Panta- ampliação diferenciada dos climas tropicais úmidos
nal ainda está em sua infância, Ab’Sáber apresentou e subúmidos (p. 45).
uma síntese evolutiva, alicerce para futuras pesqui-
sas: O Pantanal é um lugar de rios nômades com
os quais é necessário aprender a conviver. Para que
Cumpre pôr um pouco de ordem nos conhecimen- se possa ter desenvolvimento sustentável da região e
tos acumulados sobre a evolução dos paleoclimas para que as políticas de conservação não sejam ape-
quaternários, desde a dissecação do pediplano cuia- nas peças de retórica, é necessário compreender seus
bano até a formação da Bacia do Pantanal, pedi- sistemas naturais, sua dinâmica hídrica e sedimen-
mentos dos seus bordos, baixos terraços cascalhen- tar, e como são influenciados pelo que ocorre no seu
tos, paleossolos dos calcários Xaraiés, baixos ter- entorno. Neste aspecto, Ab’Sáber lançou alerta, cada
raços cascalhentos, paleoleques aluviais, planícies vez mais atual e urgente:
meândricas e grandes banhados pantaneiros. Os
eventos parecem ter ocorrido um pouco nessa or- Devido à dificuldade de escoamento, reconhecida
dem de citação. Condições ambientais rústicas vêm por todos os pesquisadores da hidrologia regional,
acontecendo desde a época mais antiga dos proces- é certo que um processo cumulativo de poluição
sos de pedimentação. O pedimento intermediário hídrica vai afetar sobremaneira as águas das gran-
superior foi o mais amplo e exatamente aquele que des planícies submersíveis existentes nessa porção
deixou menor número de indicadores correlativos. centro-ocidental da região pantaneira. Um maior
O pedimento intermediário inferior, responsável controle das condições das águas que entram no
pelo nível das colinas onduladas, embutidas nos Pantanal Mato-Grossense, a partir das passagens
pediplanos e/ou pedimentos mais altos, contém obsequentes dos rios nascidos nos planaltos, parece
paleossolos carbonatados na zona dos patamares ser uma medida inadiável, para garantir uma maior
de serranias (Corumbá) e resíduos retrabalhados de integridade física, hidrogeoquímica e geoecológica
cascalhos fluviais antigos na região de Cuiabá. Nes- para a diversidade biológica dos “pantanais” (p. 28).
sa mesma área os baixos terraços fluviais do vale
do Rio Cuiabá revelam condições muito ásperas de Agradecimentos
deposição fluvial, comportando depósitos clásticos
fluviais grosseiros e angulosos, denotando um clima O autor externa seus agradecimentos aos edi-
temporariamente muito rústico. E, por fim, ainda tores pelo convite para elaboração deste texto; ao
dentro do Pleistoceno Terminal, sobreveio a fase CNPq pela concessão bolsa PQ; e à FAPESP pelo
dos grandes leques aluviais no interior da depres- apoio ao projeto “Sistemas Deposicionais do Qua-
são detrítica (Bacia do Pantanal), e chãos pedre- ternário (Pleistoceno tardio/Holoceno) da Bacia do
gosos documentados pelas sucessivas descobertas Pantanal Mato-Grossense, Centro-Oeste do Brasil”
de legítimas stone lines em áreas tão distantes entre (processo 07/55987-3).
si quanto as colinas onduladas de Corumbá ou as

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M. J. 2000. Investigações geofísicas integradas na planície Grossa. Petrobras/DEBSP.
do Pantanal Mato-Grossense: implicações tectônicas e
hidrogeológicas de sub-superfície. In: 3º Simpósio sobre
Recursos Naturais e Sócio-Econômicos do Pantanal,
Corumbá, v.Resumos, p.125.

489
O PANTANAL MATO-GROSSENSE E A
TEORIA DOS REFÚGIOS e redutos

Aziz Nacib Ab’Sáber

1988. Revista Brasileira de Geografia, ano 50, Os problemas de origem e a busca de informações
Número Especial, cinquentenário, tomo sobre as princi­pais etapas evolutivas da depressão onde se
2, p. 9-57, FIBGE, Rio de Janeiro, com encontra o Pantanal Mato­-Grossense guardam significado
o título original de “O Pantanal Mato- muito maior do que uma simples in­quirição acadêmica. É
Grossense e a Teoria dos Refúgios”. certo que existe todo um exercício intelectual embutido
Republicado com um título diferente na busca de esclarecimentos sobre a origem e a evolução
in Ab’Sáber, Aziz N. Brasil: Paisagem
de uma depressão interior, tão ampla e sui generis como é
de exceção: o litoral e o Pantanal Mato-
Grossense - Patrimônios Básicos, Cotia, o caso do Pantanal Mato-Grossense. Nessa tarefa, somos
São Paulo, Ateliê Editorial, 2006. obrigados a mergulhar em sérias questões geocientíficas
para tentar esclarecer os acontecimentos tectônicos e de-
nudacionais que responderam pela gênese do grande com-
partimento topográfico regional, envolvendo uma demora
de algu­mas dezenas de milhões de anos. Depois, segue-
se a história do preenchimento detrítico de uma bacia de
sedimentação menor que o grande compartimento ante-
riormente formado, mas ainda imensa dentro da escala hu-
mana. Esse, o espaço fisiográfico do Pantanal propriamente
dito, oriundo de uma reativação tectônica que afetou, quase
por inteiro, o espaço da planície de erosão preexistente no
interior da depressão maior e mais antiga. Por oposição ao
longo tempo envolvendo desde o soerguimento e o desven-
tramento da vasta abóbada regional de terre­nos antigos até
a formação do plaino de erosão nela embutido, o lapso de
tempo que deu origem à depressão pantaneira sensu stricto
envolveu apenas centenas de milhares, ou, no máximo, um
a três milhões de anos. Mas os fatos mais extraordinários e
relevantes para a herança da região pantaneira aos homens
e às comunidades (que a incorporaram como seu espaço de
vivência e de recursos naturais) vieram a se pro­cessar nas
últimas três dezenas de milhares de anos.
Na categoria de uma grande e relativamente com-
plexa planície de coalescência detrítico-aluvial, o Pantanal
Mato-Grossense inclui ecossistemas do domínio dos cer-
rados e ecossistemas do Chaco, além de componentes bió-
ticos do Nordeste seco e da região periamazônica. Do ponto
de vista fitogeográfico, trata-se de um velho “complexo”
regio­nal, que os mapeamentos de vegetação, elaborados a
partir de docu­mentos de imagens de sensoriamento re-
moto, transformaram em um mosaico perfeitamente com-
preensível da organização natural do espa­ço e, em nada,
“complexo”. Nesse sentido, aliás, tudo o que era extrema­

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
25

mente difícil para ser entendido na ótica científica terras pantaneiras com fatos outros que se referem
dos fins do século XIX e primeira metade do século a setores eminentemente peripantaneiros ou extra-
XX era considerado como um tipo de “complexo”. pantaneiros. Não existe, por razões óbvias, uma rede
Anote-se, na geologia, o chamado “Complexo Cris- urbana do Pantanal, mas, de qualquer forma, há que
talino ou Brasileiro”; na fitogeografia, o “Complexo se obter uma compreensão mais ampla da rede ur-
do Litoral”; e, na área pantaneira, o “Complexo do bana peri­pantaneira, no interesse do entendimento
Pantanal”. Por caminhos diversos, e so­bretudo de- das relações das atividades econômicas e sociais do
vido aos novos recursos analíticos e novas óticas de Pantanal com os núcleos urbanos que, por meio de
visão integrada dos fatos físicos, ecológicos e bió- infraestrutura de transportes e serviços administra-
ticos, em boa hora essa terminologia foi colocada tivos e co­merciais indispensáveis, lhe dão sustentação
no arquivo morto da história das ciências em nosso múltipla e garantia de economicidade. A história
país. Decorrem, disso tudo, novas e maiores respon- disponível refere-se, propriamente, mais às classes
sabilidades para os que se dedicam ao conhecimento dominantes e produtoras do que à sociedade total do
dessa grande depressão aluvial, localizada no centro Pantanal e seu entorno. Ainda há muito o que fazer
do continente sul-americano. para se restaurar o legado do passado, em face de
Muitos têm sido os pontos de partida para a uma área de grandes vazios, dinâmica natural com-
abordagem dos fatos físicos, ecológicos, históricos e plexa e uma forte vocação para a implantação de ins-
sociais referentes ao Pantanal Mato-­Grossense. De- trumentos preservacionistas. Praticamente nada terá
pois das velhas ideias fantasiosas sobre a origem da sido feito no campo de sua autêntica historiografia,
de­pressão pantaneira, as questões referentes à sua enquanto não se fizer uma história total, incluindo
gênese passaram a ser equacionadas por ciências corretamente o passado e o cotidiano do homem re-
específicas. A depressão aluvial do Alto Paraguai sidente na vastidão dos pantanais, homem esse que,
foi identificada como a maior planície, de nível de mais do que em outras re­giões, permanece um tanto
base inter­na, do interior do país (Almeida, 1956). isolado das regiões social e economicamente mais
Ou, ainda, na ótica geológica, como a única grande dinâmicas do país.
bacia tectônica quaternária do território brasileiro Efetivamente raros são os estudos ou contri-
(Freitas, 1951). Foi caracterizada, também, como a buições que atingiram um bom nível de compreensão
mais ampla e com­plexa planície de inundação exis- não só das realidades específicas - locais ou munici-
tente na faixa de latitude onde ocorre (Wilhelmy, pais - sob a dupla ótica das ecozonas da grande pla­
1958). Tem sido estudada como um caso particular nície, mas também das relações sofridas entre homens
de área, ou faixa, de contato e transição entre o do- e a natureza, projetando-se, necessariamente, nas re-
mínio dos cerrados e o domí­nio do Chaco Central lações entre sociedade e co­munidades residentes nas
(Ab’Sáber, 1977a, 1977h), independentemente das cidades instaladas na borda do Pantanal; ou com os
pesquisas recentes, que ampliam os componentes re- reais detentores do espaço, espalhados pelas mais di-
lictos existen­tes na fitogeografia regional. Em termos versas regiões do país. O Pantanal continua recebendo
geobotânicos, a região começou a perder o seu ape- a calda dos agrotóxicos das propriedades situadas nas
lido de complexo do pantanal graças a um primeiro cabeceiras das drenagens que, até bem pouco tempo,
mapeamento de sua vegetação, efetuado por Hen- alimentavam suas terras apenas com aguadas natu-
rique Pimenta Veloso (1972). Eventualmente, a área rais, isto é, hidrogeoquimicamente naturais. Agora, os
do Pantanal tem conduzido di­versos pesquisadores produtos envene­nantes vêm de longe, participando,
a uma lamentável confusão conceitual, através da de alguma forma, dos transborda­mentos de suas
aplicação simplista da expressão “ecossistema panta- águas, através de corixos, lagoas e baías. Resíduos
neiro” à totali­dade do conjunto físiográfico regional. de uma erosão acelerada incluem-se no “comércio”
Nesse sentido, da mesma for­ma que é absolutamente da sedimentação flu­vial em imensos setores dos rios
errado confundir o grande domínio mor­foclimático pantaneiros, e uma modificação ines­perada inicia-
e fitogeográfico da Amazônia com a expressão redu- se nos processos de sedimentação milenares. No
cionista “ecossistema amazônico”, é ainda mais im- cotidia­no dos espaços ocupados por velhas fazendas
próprio e inadequado apli­car, a um setor de contato de gado, ocorre matança de jacarés. Em alguns se-
e grande desdobramento de ecossistemas terrestres tores dos rios pantaneiros, deslancha-se uma pesca
e aquáticos, a expressão “ecossistema pantaneiro”. predatória. Nas cadeias tróficas, ocorrem acidentes:
Tal como seria totalmente absurdo aplicar ao con- matanças de jacarés iguais ao aumento dos cardumes
junto da depressão pantaneira o epíteto de bioma, de piranhas. O contrabando de fronteira intensifica-
eventualmente lembrado. Trata-se de sérias questões se, apoiado em alguns campos de pouso pe­quenos e
conceituais e metodológicas a serem respeitadas. interiorizados. Na solidão dos pantanais se introdu-
Os estudos históricos e socioeconômicos dis- ziram novos personagens, aderindo a práticas sociais
poníveis, por sua vez, são muito fragmentários e as- nocivas: coureiros, capangas de contrabandistas, ca-
sistemáticos, mesclando fatos que dizem respeito às çadores incontentáveis. E, de repen­te, uma série de

491
grupos de especuladores - atirados a um arremedo expressão não muito consolidada na terminologia
de turismo ecológico - através de empreendimentos cien­tífica internacional, que procura identificar uma
de diversos portes, em pleno interior incontrolável estrutura dômica de grandes proporções, esvaziada,
dos pantanais. Tudo isso, à sombra de governos e ad- durante o seu soerguimento, por um conjunto qual-
ministradores incompetentes, ou impotentes, e, via quer de processos erosivos. Trata-se, literalmente, de
de regra, mal esclarecidos. Fatos, todos, que carecem uma expressão simbólica - “casa de botão” -, através
de uma interpreta­ção mais abrangente e integrada, da qual se procura caracterizar uma depressão aberta
capaz de ofertar propostas para uma correta extensão ao longo do eixo maior de uma estrutura dômica,
administrativa e um novo padrão de entendimento, de grande expressão regional. Uma boutonnière é
endereçado a uma região geoecológica particular- um tipo de relevo estrutural que envolve uma no-
mente diversificada e rica. Trata-se, assim, de uma tável inversão topográfica, a partir de uma estrutura
célula espacial do país que está a exigir uma extensão dômica de grande extensão, comportando-se como
administrativa particularizada, e um novo padrão de uma depressão alongada, escavada a partir da abó-
controle, por parte do Estado e da sociedade brasi- bada central do domo. Via de regra, pressupõe um
leira. arqueamento em abóbada (em um setor de uma
No presente trabalho pensamos, tão somente, bacia sedimentar), uma superimposição hidrográ-
recuperar sua história fisiográfica e ecológica, tendo fica (no eixo central do domo) e uma longa história
em vista esclarecer fatos de seus espa­ços naturais, erosiva, suficiente para ocasionar a evacuação de um
suas ecozonas, sua dinâmica climático-hidrológica e grande estoque de massas rochosas, an­teriormente
dos fatores de perturbação de seus múltiplos ecos- constituintes da sua própria estrutura. Os protótipos
sistemas. Aprofundando-nos no conhecimento da de boutonnières mais comumente citados são o pays
origem e evolução do Pantanal, pensamos entender de Bray, a noroeste de Paris; e a região de Black Hills,
melhor a gravidade dos fatores negativos provocados em South Dakota. Em nível plane­tário, entretanto,
por ações antrópicas desconexas e mal conduzidas. cada caso é um caso, tanto em termos de história
evolutiva quanto, sobretudo, em face das condições
A boutonnière do Alto Paraguai: uma paleoabóbada morfoclimáticas, fitogeográficas e ecológicas.
esvaziada à margem da Bacia do Paraná Todos os casos de boutonnières conhecidos
dizem respeito a estruturas em abóbada existentes
Coube ao cientista francês Francis Ruellan em um setor qualquer de uma bacia sedimentar soer-
(1952) a primeira iden­tificação do padrão de com- guida. Não é, certamente, o caso exato da gigantesca
partimento geomorfológico existente na Depressão de­pressão gerada à margem da Bacia do Paraná, onde
do Alto Paraguai, onde, durante o Quaternário, hoje se encontra o Pantanal Mato-Grossense. Na ter-
veio a se formar o Pantanal Mato-Grossense. No minologia geomorfológica norte-ame­ricana, existe
trabalho intitulado “O Escudo Brasileiro e os Do- uma designação específica para as áreas de abaula-
bramentos de Fundo”, Ruellan reviu algumas das mentos em setores de escudos ou velhas plataformas:
principais questões relacionada com as deformações domos cristalinos (crystaline domes). Tais áreas de
antigas ou modernas da plataforma brasileira. Na- arqueamentos sob dois eixos cruzados de mergulho
quele ensaio, buscou-se enten­der as causas profundas - à moda dos domos - podem constituir, por algum
dos arqueamentos de grande raio de curvatura, que tempo geológico, verdadeiros tetos de fornecimento
responderam pelo mosaico de áreas de abaulamentos de detritos para as bacias sedimentares adjacentes.
ou depressões no dorso geral do escudo. Entre nu- Trata-se de “abóbadas de escudos”, como pre­ferimos
merosas referências sobre outras áreas do Brasil, designá-las. E, tal como intuiu Ruellan ao abordar a
Ruellan caracterizou a depressão pantaneira como temática da origem dessas macroestruturas de velhas
um exemplo de grande boutonnière, escavada em ter- plataformas, o Brasil é muito rico em exemplos re-
renos pré-cambrianos, na área de fronteiras do Brasil gionais desse tipo de deformações. Os geólogos as re-
com a Bolívia e o Paraguai, à margem noroeste da conhecem pela simples designação de arcos: arcos de
Bacia do Paraná. Nesse esforço de identificação, es- grande ampli­tude, entre bacias; arcos regionais, que
tava incluída a ideia de que, em algum tempo do pas- fazem retrair as estruturas sedi­mentares nos bordos
sado, aquilo que hoje é uma depressão teria sido uma de uma bacia; criptoarcos que compartimentam o
vasta abóbada de escudo, funcionando como área de assoalho geral de algumas bacias. É importante saber
fornecimento detrítico para as bacias sedimentares que cada abóbada regional de escudos possui uma
do Cretáceo Superior. Caberia a Fernando de Al- evolução própria, quer pela combinação entre a tec-
meida, depois, tratar dessas questões com mais ên- tônica de arqueamento e a tectônica quebrável, quer
fase e profundidade em diversos de seus trabalhos. pela própria história evolutiva, que comporta a inter-
Um esclarecimento se torna necessário para venção de aplainamentos de cimeira, longas fases de
a exata compreensão do conceito de boutonnière na entalhe, e presença de superfícies aplainadas interpla-
linguagem geomorfológica francesa. Trata-se de uma nálticas ou intermontanas; e ainda, eventualmente, a

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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interfe­rência de processos de uma neotectônica. No sugestivo supor-se que, então, a drena­gem dessa
estudo desses arcos - que na realidade são abóbadas área ganhava a Bacia do Alto Paraná através da
ou meias abóbadas de escudos -, há que analisar o Zona Cristalina Oci­dental e do Planalto da Bo-
seu comportamento paleogeográfico, momentos de doquena. Relação semelhante julgamos existir
exaltação ou estabilidade, e história geomorfológica, entre a superfície de erosão que, no Alto Para-
que podem conduzir algumas áreas a maciços an- guai, nivela as serras da Província Serrana, e a
tigos em forma de abóbada (Borborema); ou meias sedimentação cretácea da Serra do Parecis (Al-
abóbadas (Núcleo Uruguaio-Sul-Rio-Grandense meida, 1965, p. 91).
do Escudo Brasileiro); ou a esvaziamentos erosivos
por eversão e recheio sedimentar moderno (Planalto Praticamente nada há a acrescentar a esses es-
Curitibano); ou a esvaziamentos acompanhados de critos de Almeida, o grande especialista brasileiro na
eversão, pediplanação e recheio detrítico-aluvial por geologia e geomorfologia de Mato Grosso.
efeitos de uma importante fase de tectônica residual, Ao findar-se o Cretáceo, o nível tectônico em
pós-pediplanação (caso da Depressão do Alto Pa- que se encontrava o país era relativamente muito
raguai). Em um trabalho de geomorfologia regional mais baixo do que o atual, a rigor inexistindo o Pla-
comparativa, fizemos um cotejo entre a história geo- nalto Brasileiro tal como o conhecemos (Freitas,
morfológica do Maciço da Borborema, no Nordeste 1951; Ab’Sáber, 1964). Foi o extraordinário esforço
brasileiro, e o Maciço Uruguaio-Sul-Rio-Grandense, tensional, relacionado ao soerguimento em bloco da
no Rio Grande do Sul. Somente agora temos fôlego plataforma brasileira - entre o Cretáceo e o Plioceno
para intentar um estudo da complexa abóbada esva- -, que deslanchou a intervenção da tectônica que-
ziada onde se formou a bacia detrítica do Pantanal brável para setores expostos de escudos, à margem
Mato-Grossense. das grandes bacias se­dimentares paleomesozoicas.
A vantagem da aplicação, por extensão, do Quando se processou um soerguimento da ordem de
conceito de boutonnière, à grande Depressão do Alto centenas de metros para o conjunto do Planalto Bra-
Paraguai, liga-se ao notável processo de esvazia- sileiro, era impossível deixar de ocorrer uma deses-
mento erosivo sofrido pela região, durante o soergui- tabilização tectônica, num quadro em que o fundo
mento pós‑cretácico. A vasta abóbada de escudo ali das bacias intracratônicas encontrava-se entre dois e
formada até o Cretáceo comportou-se, depois, como quatro mil metros de profundidade, enquanto os se-
anticlinal esvaziada, de grande amplitude regional. tores expostos dos escudos achavam-se a apenas al-
Ao fim da Era Mesozoica, entre a borda noroeste da gumas dezenas ou cen­tenas de metros em relação ao
Bacia do Paraná, a região fornecia sedimentos para o plaino terminal das bacias cretácicas, situadas acima
Grupo Bauru (Alto Paraná) e para a bacia detrítica ou fora das grandes bacias de sedimentação páleo e
dos Parecis, formada acima da área dos derrames ba- mesozoicas. Quanto maior foi o empenamento dos
sálticos de Tapirapuã (a noroeste da atual Depressão núcleos expostos de escudos, mais intensa e ampla
do Alto Paraguai). a intervenção da tectônica quebrável pós-cretácica,
O perfeito equacionamento do cenário geo- como, aliás, é o caso no sistema de montanhas em
morfológico do paleoes­paço da Depressão do Alto blocos falhados do Brasil de Sudeste, situados à re-
Paraguai, ao se findar o Mesozoico, deve-se a Fer- taguarda dos grandes falhamentos cretácicos da pla-
nando de Almeida (1965): taforma. Na região onde atualmente se situa a De-
a origem do relevo do sul de Mato Grosso deve pressão do Alto Paraguai, aconteceram falhamentos
ser buscada nos tempos cretáceos, quando não importantes, porém limitados em espaço, afetando
existia a baixada paraguaia mas sua área atual principalmente o eixo da velha abóbada regional de
participava de uma região elevada que separava escudo, ao ensejo do soerguimento pós-cretácico
a zona andina da bacia sedimentar do Alto Pa- de conjunto. Fernando de Almeida (1965) discute
raná. A existência de tal divisor de águas duran- amplamente as ques­tões relacionadas ao sistema de
te o Mesozoico Superior tem sido sugerida por falhas que teria facilitado o desventramento da De-
vários investigadores, sendo apoiada por alguns pressão do Alto Paraguai. O autor refere a possibili-
fatos. Assim, a grande quan­tidade de seixos de dade de identificar-se um conjunto de falhamentos
quartzo nos sedimentos cretáceos da Serra de submeridianos (NNE­-SSO), afetando o Grã-Chaco
Maracaju, entre eles existindo alguns de turma- na Bolívia e Paraguai, e o núcleo principal da De-
linito, não pode ser explicada senão admitindo- pressão do Alto Paraguai no Brasil, sendo que os
se uma primitiva drenagem procedente da região dois setores teriam tido uma separação de comparti-
cristalina a ocidente da bacia sedimentar, con- mentação tectônica, balizado pelo eixo das morrarias
clusão já antes apontada (Fernando de Almeida, fronteiriças entre o Brasil e a Bolívia. A tectônica
1946, p. 241). Também a completa ausência de pós-cretácica e pré-pliocênica ter sido mais ampla e
sedimentos cretáceos em toda a área extra-an- complexa do que a fase da tectônica residual, respon-
dina da bacia hidrográfica do Paraguai. É fato sável pela geração da bacia pleisto­cênica do Pantanal,

493
auxilia a compor as ideias sobre a história tectônica 2. velhas superfícies de cimeira, que truncam forma-
e fisiográfica total da grande depressão regional. ções paleomesozoicas da borda ocidental da Bacia
Por sua vez, as no­vas imagens sobre o conjunto da do Paraná, testemunhadas por subnivelamentos
depressão pantaneira, obtidas atra­vés do satélite em altos reversos de escarpas estruturais (cuestas
Landsat, documentam mais concretamente as de Aquidauana e de Maracaju) e dorso do Planalto
grandes linhas de falhamentos e fraturas que afe- dos Parecis. Nas cimeiras desses planaltos que
taram a região durante o soerguimento pós-cretácico. envolvem a grande Depressão do Alto Paraguai
Algumas dessas linhas de tectônica quebrável estão existe toda uma série de aplainações, participando
bem marcadas em estruturas paleozoicas da própria das áreas de reverso ou dorso de planaltos, a saber:
borda ocidental da Bacia do Paraná, sobretudo a di- superfícies regionais de grande exten­são, anteriores
reção NNE-SSO, que, em conjunto com as direções à formação dos vales subsequentes do Planalto de
ONO-SSE e O-E, auxiliam a com­preensão da frag- Itiquira-Taquari (Planalto dos Alcantilados, de
mentação tectônica da abóbada de escudo regional. Almeida), marcadas pela presença de coberturas
detrítico-lateríticas descontínuas, geradas possi-
Os aplainamentos regionais na história velmente no Oligoceno-Mioceno. Teria sido uma
geomorfológica do Alto Paraguai e seu entorno longa fase de retomada dos aplainamentos, após
a deposição das formações do Cretáceo Superior
O estudo das superfícies aplainadas ocorrentes (Alto Paraná e Parecis), anterior à fase principal
em uma província geomorfológica definida, como é de levantamento neogênico que transformou toda
o caso do Alto Paraguai, auxilia substancialmente a Bacia do Paraná em uma área de “cuestas con-
a compreensão da história fisiográfica regional. Os cêntricas de frente externa” (Ab’Sáber, 1949), ao
plainos de erosão de diferentes ordens de antigui- tempo em que falhamentos na abóbada de escudo
dade, com presença bem marcada no conjunto to- contribuíram para o esvaziamento denudacional da
pográfico regional, têm a mesma signifi­cação que as região, efetuando capturas, de parte das drenagens
discordâncias em relação à estratigrafia e história da dos planaltos, para a boutonnière em formação. Não
sedimentação regional. Algumas discordâncias an- fosse a presença desse aplainamento generalizado
gulares basais são, na realidade, paleoplanos. da borda ocidental da Bacia do Paraná, teria sido
Toda grande estrutura dômica, sendo esva- impossível a captação de partes da antiga drenagem
ziada por longos processos erosivos, apresenta um centrípeta do Rio Paraná para oeste, no momento
jogo de superfícies aplainadas, marcadas por diversos do soerguimento de conjunto, que deu início ao en-
tipos de truncamentos e testemunhadas por even- talhamento da abóbada tectonizada. Falhamentos
tuais depósitos correlativos. No caso particular da em bloco e vales pós-cedentes - amarrados a um
grande abóbada de escudo correspondente ao Alto mergulho regional da superfície para SSO, ao par
Paraguai, também entalhada por longos pro­cessos com a presença de um nível de base mais baixo
erosivos, ocorrem três séries de testemunhos de ve- e estimulante para processos de erosão regressiva
lhas e modernas aplainações: generalizada - contribuíram para criar um novo e
restrito quadro de drenagem centrípeta onde, ou-
1. superfícies fósseis - de velhíssimos plainos de trora, existiu a abóbada dotada de drenagens grosso
erosão e tamponadas por grandes pacotes de se- modo radiais, ou pelo menos divergentes (Alto Pa-
dimentos paleomesozoicos - que serviram de su- raná, Parecis, Bolívia-Paraguai). Em alguns setores
porte e assoalho para as formações basais da Bacia dos planaltos divisores Prata-Amazonas ocorrem
do Paraná. Trata-se de aplainações muito antigas, em áreas de exumação de superfícies cretácicas,
inicialmente elaboradas em condições subaéreas participando da condição de cimeiras, expondo
e aperfeiçoadas, posteriormente, pela progressão o tronco de dobras das serranias do Grupo Alto
sedimentária de mares eodevonianos, e, ainda mais Paraguai (Formação Araras). Na borda ocidental
tarde, por mares do Período Carbonífero Superior, da Bacia do Paraná e Serra da Bodoquena, por di-
em terrenos antigos da plataforma brasileira. Tais versas razões, existe a possibilidade de considerar
superfícies fósseis têm baixo nível de parti­cipação a ocorrência de uma verdadeira série de superfí-
nos componentes atuais do relevo regional, salvo cies de cimeira: a cimeira superior, descontínua,
em raros pedestais da base das formações devo- corres­pondente aos altos dos testemunhos da Série
nianas, sujeitos a uma exumação muito recente, Aquidauana (Planalto dos Alcantilados), e os in-
por larguras e espaços ínfimos. Tanto o paleoplano terflúvios intermediários elevados dos planaltos do
devoniano quanto o do Carbonífero Superior mer- Alto São Lourenço-Itiquira-Taquari, até ao dorso
gulham para leste ou este-sudeste, no entorno da subnivelado da Serra da Bodoquena. Tal série dupla
Depressão do Alto Paraguai, receben­do entalhes de aplainações de cimeira teria sido elaborada em
obsequentes dos rios que se dirigem para o Pan- momentos diversos dos tempos paleogênicos,
tanal Mato-Grossense; entre o Oligoceno e o Mioceno. Do Mioceno ao

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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Plioceno aconteceu a fase principal de soergui- talhada abaixo do nível das superfícies fósseis pré-
mento da velha abóbada regional do Alto Paraguai, devonianas e pré-carboníferas. Na área da Chapada
com inversão de parte da drenagem que se dirigia dos Guimarães, o contato entre o Devoniano e o
para o Rio Paraná, através de generalizados pro- embasamento de granitos e xistos encontra-se entre
cessos de capturas por cursos de água obsequentes, 520-550 m de altitude na encosta da serra, enquanto
recentemente instalados no eixo da abóbada rota o nível geral do pediplano cuiabano desenvolve-se,
por falhas e fraturas, tributários de um paleorrio principalmente, entre 200-220 m, atingindo 300
Paraguai; m nas áreas mais elevadas da antiga rampa de pe-
dimentação, talhada nos sopés da escarpa. Nessa
3. superfície intermontana, conhecida como pedi- área, como na maior parte dos sopés das escarpas de
plano cuiabano, que, devido à sua projeção espacial Aquidauana, os fenômenos de eversão estão muito
em todo o conjunto da boutonnière do Alto Para- bem marcados, independentemente de qualquer in-
guai, passa a superfície interplanáltica. Seus teste- terferência de falhamentos. Em face das formações
munhos podem ser vistos na região de Cuiabá, ao devonianas suspensas no pedestal cristalino da serra,
longo dos antigos piemontes das escarpas estru- existe grande semelhança com o que acontece nas
turais dos Guimarães e Aquidauana, sob a forma encostas da Serra Grande do Ibiapaba ou da serrinha
de velhos pedimentos, hoje suspensos, em níveis de do Paraná. Em todos esses casos se faz presente o ca-
altitude de 220-250 m, ou pouco mais. Identica- ráter de eversão, já que as superfícies neogênicas ta-
mente, ocorrem testemunhos dessa superfície ne- lhadas à margem de tais escarpamentos estão a cen-
ogênica: a noroeste do Pantanal; ao sul da grande tenas de metros abaixo da superfície pré-devoniana.
depressão regional (Miranda-Aquidauana); e em
diversos setores do entorno dos altos maciços e O paleoplano pré-Formação Furnas na área da
morrarias da região fronteiriça com a Bolívia e o Chapada dos Guimarães
Paraguai (Projeto Radambrasil). No núcleo central
da boutonnière, devido à neotectônica quaternária, As questões envolvidas com a gênese da su-
todos os remanescentes pressupostos dessa super- perfície fóssil pré‑devoniana, que se encontra em
fície neogênica estão afogados pela sedimentação processo de exumação na base das formações are-
da Bacia do Pantanal, participando como assoalho níticas da Chapada dos Guimarães, merecem uma
irregular da nova bacia tectônica regional. Até onde análise em separado. As escarpas estruturais dessa
ocorrem os remanescentes do pediplano cuiabano, área-tipo vêm recuando já há muito tempo, sendo
no entorno da grande depressão, estão os limites que, na medida em que os recuos reexpõem a pla-
da primeira fase de esvaziamento da antiga abó- taforma aplainada pré-devoniana, ocorrem retalha-
bada de escudo do Alto Paraguai. Nos bordos dos mentos por eversão, que acabaram por elaborar uma
testemunhos do pediplano cuiabano, e ao longo superfície intraboutonnière, que é o moderno pedi-
dos setores de vales encaixados em terrenos dessa plano cuiabano. Nas porções médio-superiores da
superfície, existem níveis intermediários de erosão, Chapada dos Guimarães ainda se podem ver pata-
representados por pedimentos e terraços fluviais mares de exumação na base imediata das formações
embutidos, dotados de variadas composições lito- areníticas regionais. Trata-se de saber como foram
lógicas e tipologias de origem, conforme sejam os elaboradas essas velhas superfícies, aplainadas du-
quadrantes da bacia considerados. No núcleo prin- rante a progressão da sedimentação marinha rasa de-
cipal da depressão, no nível de 100 a 150 m abaixo voniana: uma questão geo­lógica e, ao mesmo tempo,
da superfície cuiabana, ocorrem depósitos do topo paleogeomorfológica.
da Bacia do Pantanal (cones de dejeção) e planícies Na literatura geomorfológica brasileira, a pri-
aluviais ou discretamente fluviolacustres, ocupando meira superfície fós­sil em franco processo de desen-
preferencialmente largos interstícios entre leques terramento registrada foi percebida por Emanuel De
aluviais e outros tantos leques similares e baixos Martonne (1940), em seus estudos sobre os altos sub-
terraços peripantaneiros. É impossível entender-se nivelados das serranias de Itu-Cabreúva, fortemente
o Pantanal Mato-Grossense, em termos de origem inclinados para oeste, na direção da base da bacia se-
e evolução, sem levar em conta a amplitude original dimentar do Paraná. No caso, portanto, tratava-se de
do pediplano cuiabano. um velhíssimo aplainamento, pré-estruturas basais,
dos sedimentos do Carbonífero Superior, visíveis nos
Afora das superfícies fósseis em exumação das terrenos cristalinos situados a nordeste da Bacia do
sobrelevadas superfícies de cimeira e da grande su- Paraná. Martonne designou-a superfície fóssil pré-
perfície interplanáltica, há lugar para registrar uma permiana (?), enquanto Almeida (1959), superfície
característica geomorfogenética especial, que diz res­ de erosão Itaguá, atendendo ao fato de ser nessa área
peito a grandes setores do pediplano cuiabano. Esta que ela possui o seu máximo de expressão e tipici-
superfície, em muitas de suas áreas de ocorrência, foi dade. O tempo se encar­regou de mostrar que havia

495
muitas irregularidades na topografia da superfície que repousam os arenitos Furnas. A distinção
pré-carbonífera e que ela, além das irregularidades da origem de uma superfície peneplanada, se
locais na faixa de contato entre o Pré-Cambriano e marinha ou subaérea, é problema sumamente
as camadas basais da bacia sedimentar na região de difícil (W. M. Davis, 1909), e que, no caso em
Itu-Salto, possuía movimentação muito maior em questão, não poderá ser resolvido antes que seja
setores dos municípios de Jundiaí e Mairinque, onde efetuado um estudo da natureza, por exemplo,
ocorriam outliers das formações do Carbonífero Su- feito por Crosby (1889) na base do Cambriano
perior, situados a duas ou três dezenas de quilômetros do Colorado. Possivelmente o mar eodevoniano,
da faixa de contato principal. Na borda ocidental da no seu avanço, cobriu uma super­fície cuja pro-
bacia, em Mato Grosso, a superfície pré-carbonífera longada erosão pré-devoniana reduzira a uma
é muito mais perfeita, devido à predominância de peneplanície, mas encontraria sobre ela todo o
uma sedimentação rasa, marinha ou semimarinha, imenso volume de material que removimentou?
pontilhada de clásticos glaciais (drift), conforme Achamos pouco provável. Devemos admitir,
constatações de Antonio da Rocha Campos. então, que essa superfície foi talhada pelo mar
Nessa margem da Bacia do Paraná voltada transgressivo? Não ousamos dar resposta a essas
para a Depressão do Alto Paraguai, ao norte da Serra perguntas, pois faltam-nos fatos para apoiá-las,
de Aquidauana, ocorrem notáveis testemunhos de mas confessamo-nos simpáticos em atribuir ao
uma superfície basal ainda mais velha do que a pré- mar um papel importante, senão mesmo decisi-
carbonífera. Trata-se de uma repetição daquilo que vo, no entalhe dessa superfície, que seria devido
acontece na base de outras bacias devonianas do País, à abrasão marinha antes que desenvolvida por
situadas em áreas muito distantes entre si, tais como erosão fluvial.
a serrinha do Paraná e o OSO de São Paulo, a Serra
Grande do Ibiapa (Ceará-Piauí), e a própria Cha- Ao colocar o problema da gênese da superfície
pada dos Guimarães. Kenneth Caster (1947) iden- pré-devoniana da Chapada dos Guimarães nesses
tificou esse plaino basal das formações devonianas termos, Almeida caminhou muito, na direção de uma
brasileiras, vistas por ele no Paraná e em Mato correta interpretação. Tudo conduz a acreditar que
Grosso, pelo nome de paleoplano pré-devoniano. Essa o paleoplano regional da base das formações devo-
expressão paleoplano - velho plaino de desnudação nianas é o resultado terminal de uma longa história
fossilizado - tem uma correlação marcante com a geomorfológica. É fácil saber-se que aquele velho
ideia de um aplainamento realizado pari passu com plaino constitui-se no capítulo terminal de toda uma
a ampliação de uma sedimentação marinha epicon- sequência de reduções e aplainamentos prévios da
tinental. Por essa razão, apesar de linguisticamente plataforma brasileira, levados a efeito na primeira
não envolver uma conceituação genética, tem uma parte do Paleozoico, culminando por aplainações
séria tendência para indicar o registro de uma trans- amplas entre o Siluriano e o Devoniano Inferior.
gressão marinha, progressiva e continuada, sobre ter- Essa redução prévia das saliências maiores, incluindo
renos antigos, incluindo a ideia de uma aplainação rebaixamentos das formações cristalinas e de com-
por processos de abrasão. Pelo menos foi assim que plexas faixas de rochas epimetamórficas pré-cam-
Caster aplicou o termo ao caso da base aplainada brianas, teria criado grandes extensões de terrenos de
de nossas principais formações devonianas. Para o baixa amplitude topográfica, sobre os quais se desen-
esclarecimento dos processos em jogo no passado volveram solos arenizados. Sem levar em conta, ao
geológico, ou seja, para explicar a criação de uma mesmo tempo, a topografia e os tipos de solos gené-
superfície de aplainamento tão perfeita, na base de ricos nela desenvolvidos, não se pode compreender
formações areníticas de grande extensão, há que se as razões do aplainamento final por abrasão marinha
reservar um tratamento mais aprofundado das ques- transgressiva. A existência de rochas cristalinas na
tões nelas implícitas. plataforma, representadas por formações graníticas
Fernando de Almeida (1954), muito embora ou granitizadas, sujeitas a decomposição incipiente,
não tenha registrado a designação paleoplano pro- generalizadamente atingidas pela arenização, deve
posta por Caster, teceu considerações oportunas ter sido essencial para preparar o terreno para uma
sobre a gênese da superfície pré-devoniana na área transgressão de tão vastas proporções e capacidade
da Chapada dos Guimarães, localidade-tipo para o de retrabalhamento de areias. Teria sido um quadro
estudo de seus testemunhos. Transcrevemos, na ín- paleogeográfico desse tipo que sofreu, depois, uma
tegra, as considerações feitas por Almeida, em 1954, subsidência gradual, favorecedora da expansão dos
sobre as questões da origem da superfície pré-devo- mares epicontinentais devonianos. Os eixos de ne-
niana: gatividade eram ligeiramente diversos daqueles que
Outra questão sumamente interessante no estu- aconteceriam a partir do Carbonífero Superior, dando
do do Devoniano brasileiro consiste na notável corpo à imensa Bacia do Paraná. Da combinação
superfície de erosão, perfeita peneplanície, sobre entre o rebaixamento prévio (Silurodevoniano) por

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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processos subaéreos - acompanhados da arenização, serem relativamente lentas e pouco frequentes, co-
e, logo, pela subsidência sub-regional - resultou a laboraram para o rebaixamento geomorfológico da
possibilidade de um regis­tro sedimentário do teor região. Tudo isso ocorreu ao sabor da instalação dos
espacial e do volume de elásticos de nossas primeiras primeiros climas úmidos, subquentes ou quentes,
formações devonianas, hoje dispostas sob a forma de na porção central da América do Sul. Do Cretáceo
retalhos regionais de chapadas com rebordos diver- Inferior ao Cretáceo Superior, os cli­mas regionais
sificados (cuestas suspensas, na Chapada dos Gui- variaram de árido extensivo até um semiárido rús-
marães; blocos falhados, na Serra Azul, em Barra do tico, envolvendo bacias detríticas lacustres e fluvio-
Garças, na fronteira de Mato Grosso e Goiás). lacustres, isoladas ou in­terligadas. Predominavam, à
Tal forma de raciocínio importa em uma ava- altura da Formação Bauru (Superior), agrupamentos
liação retrospectiva da geomorfologia climática re- de solos da faixa dos pedocals. A partir da retomada
gional, sem eliminar todas as outras consi­derações da umi­dificação acontecida entre o Eoceno, o Oli-
paleotectônicas e erosivas. Foi sobretudo a existência goceno e o Mioceno, durante o soerguimento pós-
de rochas arenizadas - ao par com uma sedimen- cretácico, surgem solos do padrão geral dos pedal­fers,
tação praial de grande espacial, forçada pela subsi- na medida em que as drenagens endorreicas ou pró-
dência da plataforma - que criou uma sedimentação endorreicas transformaram-se em drenagens abertas,
basal arenítica de grandes proporções (arenito tipo tipo exorreicas. Houve, assim, durante o Terciário
Furnas), enquanto as formações subsequentes, de Inferior, um conjunto de mudanças integradas, que
topo, incluíram o resíduo argiloso acu­mulado em envolveram o nível tectônico do território: a insta-
águas mais fundas, que encimavam os arenitos (fo- lação de climas tropi­cais ou subtropicais úmidos ou
lhelhos tipo Ponta Grossa). Não fora o aplainamento subúmidos; uma instalação de um siste­ma hidrográ-
prévio, teria sido muito difícil, senão impossível, fico largamente centrípeto na região do Alto Paraná;
criar-se o paleoplano regional, sobretudo com o nível e uma drenagem pós-cedente, controlada por falhas,
de aperfeiçoamento com que ele se apresenta na base na abóbada de escudo do Alto Paraguai, ambas fun-
das for­mações areníticas dos altos intermediários da cionando em condições exorreicas. E, por fim, uma
Chapada dos Guimarães. atuação de evacuação sedimentária continuada, no
núcleo do domo cristalino da grande depressão em
A combinação de processos responsável pela gênese formação no Alto Paraguai.
do pediplano cuiabano Tudo isso deve ter culminado, ao fim do Ter-
ciário, por uma fase final de aperfeiçoamento de uma
No que diz respeito às superfícies intermon- aplainação circunscrita, representada por aquilo que
tanas, ou mais propria­mente interplanálticas, a sucessivamente foi chamado de peneplanície cuia-
questão mais séria é a da origem do pediplano cuia- bana, pediplano cuiabano e que, segundo pensamos,
bano. A discussão da gênese dessa superfície aplainada teve uma gênese híbrida: primeiramente atuando a
que ante­cedeu a formação do Pantanal é particular- etchplanação, logo seguida por gigantesca pedipla-
mente importante, porque envolve toda a história da
evacuação das massas rochosas presumi­velmente re-
movidas do interior da boutonnière do Alto Paraguai,
entre o soerguimento pós-cretácico e o entalhamento
da aludida superfície. No caso, a combinação de fatos
tectônicos páleo-hidrográficos e denudacionais é
mais complexa, ainda, do que os eventos anteriores,
relacionados à gênese do paleoplano pré-devoniano
e da superfície das cimeiras dos planaltos regionais, a
despeito mesmo da extensão mais restrita e circuns-
crita da Depressão do Alto Paraguai.
Muito provavelmente a abóbada regional do
Cretáceo, existente na região, foi rota por falha-
mentos durante o fecho da sedimentação cretácica
nas bacias dos Parecis e de Bauru Superior. Nesse Foto 1. Paisagem do Planalto dos Parecis, ao norte da
momento, iniciou-se a instalação de drenagens Serra das Araras, onde ocorre uma série desdobrada
para SSO, estimuladas pelo soer­guimento epiroge- de superfícies de cimeiras (entre Rosário Oeste e Dia-
nético macrorregional, durante a primeira parte da mantino). No primeiro plano, a superfície cuiabana, em
Era Terciária. Para reduzir as saliências embutidas, posição marcadamente intermontana, transformada em
geradas pelo sistema de blocos falhados do núcleo topografia colinosa, revestida por cerrados, pe­netrada
da abóbada soerguida, deve ter ocorrido uma série por florestas galerias e capões de mata (Foto: Ab’Sáber,
de variações climáticas regionais que, a despeito de julho de 1953).

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nação. Isto significa dizer que houve uma fase de marães e Aquidauana. São perfeitamente nítidos
climas quentes ou subquentes úmidos, geradores de os velhos pedimentos suspensos que documentam
uma topografia corrugada, que comportava grandes a fase terminal de aplainamento por pediplanação
massas de regolitos. Após a atuação dessas condi­ções dos fins do Terciário ou da época pliopleistocê-
morfoclimáticas quentes ou subquentes e úmidas, nica. O morrote de Santo Antônio de Leverger é
envolvendo um determinado tipo de cobertura ve- um protótipo dos inselbergs da superfície cuiabana
getal, deve ter ocorrido uma mudança climática na velha, que resistiu aos repuxões basais da dissecação
direção de climas secos de demorada atuação, sob fluvial, efetuados pela retomada de pedimentação e
o estí­mulo complementar de uma discreta epirogê- terraceamentos. Exatamente como aconteceu nas
nese, criadora de uma pro­longada rampa para su- vastas superfícies aplainadas dos sertões do Nor-
doeste. Os climas secos recém-ampliados teriam deste, onde os plainos de erosão sertanejos perma-
feito fenecer a vegetação florestal e colaborado para neceram por grandes espa­ços no Ceará, Paraíba,
a desintegração e o lento transporte dos materiais Rio Grande do Norte, Pernambuco e Bahia, entre
argilificados pela decomposição anterior­mente ela- outras áreas de menor extensão. A revisão dos fatos
borada. tectônicos e denu­dacionais paleogênicos, ultimados
Essa derruição da paisagem úmida pelos pro- pela rápida sucessão de etchplanação seguida por
cessos de etchplanação equivaleu a um verdadeiro pediplanação extensiva - identificados no esvazia-
desmonte de um corpo paisagístico de gran­de ex- mento da boutonnière do Alto Paraguai - auxilia a
tensão. Ao mesmo tempo que os climas secos se compreensão da área nuclear de esvaziamento dos
prolongaram, no espaço e no tempo, por alguns mi- sertões do Ceará entre a Serra Grande do Ibiapaba,
lhões de anos, houve oportunidade para um aper- a Serra do Araripe e as serranias fronteiriças do Rio
feiçoamento da pediplanação, restando apenas al- Grande do Norte e Paraíba. Por todas as razões, o
guns inselbergs, aqui e ali, no dorso da vasta área de interior do Ceará comportou-se, do Cretáceo ao
aplainamento regional. Nos interflúvios mais altos Plioceno, como uma macroabóbada do Escudo Bra-
das colinas cristalinas da região de Cuiabá - muitas sileiro em processo diferencial de esvaziamento, nos
centenas de metros abaixo da superfície fóssil pré- mesmos esquemas híbridos que acon­teceram com a
devoniana da Chapada dos Guimarães - observa- superfície cuiabana. Mas no Ceará não houve uma
se perfeitamente a presença desse plaino de erosão reto­mada da tectônica em nível suficiente para des-
híbrido. Para não envolver uma conceituação ge- lanchar a formação de uma nova bacia do porte do
nética individualizada para esse plaino de erosão compartimento que aloja a atual planície do Pantanal.
pré-pantaneiro, de origem muito complexa, convém Lá, a superfície sertaneja restou ocupando o espaço
designá-lo tão somente por superfície (de aplaina- total da área de esvaziamento da grande abóbada de
mento) cuiabana. Caso se comprove a existência de escudo regional, com alongadas rampas na direção
uma série desdobrada de superfícies interplanálticas do norte, por onde se processou a principal faixa
no conjunto da grande De­pressão do Alto Cuiabá de evacuação dos sedimentos removidos da hinter-
(como de resto ocorre na maior parte das de­pressões lândia fisiográfica. Documentadas por testemunhos
periféricas e depressões interplanálticas brasileiras, circumpantaneiros, as aplainações nos ensinam pro-
desde o Nordeste ao Rio Grande do Sul), seria de cessos e acontecimentos que interessam a outras áreas
todo interessante identificar-se a superfície cuiabana do país. Mas as pulsações dos climas secos, com am-
velha e uma superfície cuiabana moderna. pliações das floras de caatingas, realizadas em dife-
Os testemunhos da superfície cuiabana, bem rentes épocas do Quaternário, esclarecem-nos sobre
visíveis nos interflú­vios mais elevados das colinas de fatos ecológicos muito mais delicados e importantes,
Cuiabá, encontram-se circunscritos aos sopés dos correla­cionados com as mudanças de marcha dos
pedestais de rochas cristalinas situados abaixo das processos fisiográficos e paleoclimáticos. Os com-
escarpas de Aquidauana e dos Guimarães, assim ponentes das floras de caatingas que permane­ceram
como nas zonas pré-serranas e pré-planálticas, nas terras não alagáveis dos bordos do grande Pan-
situadas a noroeste, nordeste, sudeste e extremo tanal são relictos indeléveis, que balizam uma com-
sudoeste da atual grande Depressão do Pantanal plexa história biótica iniciada no fe­cho da aplainação
Mato-Grossense. Com a retoma­da da tectônica cuiabana.
que criou a gigantesca planície do Pantanal, o Os inselbergs, representados por morrotes pos-
corpo geral da antiga área aplainada perdeu espaço tados em diversas situações, são certamente relevos
no conjunto da Depressão do Alto Paraguai, per- residuais da fase principal de elabora­ção da super-
manecendo seus testemunhos apenas nos bordos fície cuiabana (velha). Muitos, dentre eles, ocupam
do atual compartimento deprimido, encostado na hoje posições às mais diversas na topografia, devido
base das serranias ou cristas de tipo apalachiano, ou às retomadas erosivas posteriores à fase principal
rendilhando as áreas que precedem de perto as es- de sua gênese. Uns encontram-se ilhados no meio
carpas estruturais complexas das chapadas dos Gui- dos aluviões mais recentes, outros ficaram pos-

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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tados em níveis intermediários de aplainamento ou operacionais. Quem não se dispõe a interpretar fatos
terraceamento, e, alguns, perma­neceram embrio- fisiográficos e paleoecológicos de períodos mais re-
nários em extremidades de cristas apalachianas centes tem maio­res dificuldades para aplicações re-
(“pon­tas de morros”). troativas sobre a ideia genérica de que “o presente é
a chave para o passado”. Mesmo porque o passado
A Bacia do Pantanal: significado paleogeográfico

Para os que reclamam da relativa pobreza de


documentos sedi­mentários úteis para interpretações
paleoclimáticas e ecológicas no território inter e sub-
tropical brasileiro, a Bacia do Pantanal é um repo­
sitório de informações a recuperar. Há que, através
da coluna sedi­mentar acumulada, sondar mais ade-
quadamente a história quaternária dos processos e
dos climas do passado regional naquela que é, sem
dúvida, a mais importante bacia detrítica quaternária
do país. Os conhecimentos existentes até hoje ainda
são por demais fragmentários e certamente incom-
pletos. Permitem apenas aproximações grosseiras e
não integráveis. Limitamo-nos, por essa razão, a in-
formes genéricos e comentários metodológicos, no
que concerne à gênese e à recuperação dos parcos
conhecimentos existentes sobre o significado paleo-
climático e paleoecológico do material detrítico pou-
pado no interior da bacia quaternária do Pantanal. E
registramos o fato de que, ao baixo nível de infor-
mações existentes sobre as camadas mais profundas
da bacia, corresponde, em compensação, uma grande
riqueza de informes no que tange aos sedimentos de
topo da mesma, projetados pela superfície geral da
depressão pantaneira. Referimo-nos aos grandes le-
ques aluviais dos fins do Pleistoceno, que deverão ser Foto 2. Perspectiva do pediplano cuiabano, transforma-
comentados com maior insistência e nível de trata- do em suaves e amplas colinas de topo plano, ao norte
mento adequados. de Cuiabá. Região de grandes extensões de cerra­dos e
Não existe indicação metodológica mais fértil estreitas florestas galerias e veredas: a meio caminho de
do que fazer os sedi­mentos de uma bacia sedimentar Cuiabá e Rosário Oeste. Zona sujeita a fortes trans-
“contar” a própria história evolutiva do teatro depo- formações recentes em atividades agrárias. Em detalhe,
sicional. De Charles Lyell a Walther Penck, foram aspecto da estreita floresta galeria, com vegetação se-
sen­do aperfeiçoados os métodos de estudos dos de- midecídua, a qual se alarga, mais para o sul, nos diques
pósitos correlativos, campo de investigações muito marginais dos rios pantaneiros, ao sul e sudoeste de
bem aproveitado pelos modernos pesquisadores de Cuiabá, setor norte do Pantanal (Foto: Ab’Sáber, julho
geomorfologia climática, com excelentes repercus­ de 1953).
sões no Brasil. Não se trata, porém, de realizar uma
sedimentologia fina, com alto nível de aplicações
estatísticas, mas, sobretudo, de per­ceber as relações comportou outros ritmos climáticos e outras escalas
entre o material depositado com as áreas-fonte da de processos, os estudos sobre formações correlativas
remoção detrítica primária, levando em conta o sis- mais recentes são indispensá­veis para interpreta-
tema de transporte e suas implicações no retrabalha- ções - adaptadas a essas escalas de tempo, espaço
mento dos detritos removidos. E, na recuperação da e processos - das formações mais antigas. É claro
história fisiográfica e ecológica de uma bacia, acima que estudos de microfácies de sedimentação são fun-
de tudo, ter uma exata compreensão do uniformita- damentais para os primeiros co­tejos e aproximações
rismo e do princí­pio das séries inversas. Para com as interpretativas. Igualmente relevantes são as obser-
velhas bacias intracratônicas, existe uma abundante vações metódicas sobre variacões laterais de fáceis e,
bibliografia sobre as questões de origem e evolução se possível, suas imbricações no espaço total da área
sedimentária. Já com relação às bacias detríticas de sedimentação. O que fazer, porém, quando não se
quaternárias, ocorre uma pobreza mais ou menos tem quase nenhum acesso a tais verifica­ções, devido
generalizada, fato que envolve algumas anomalias à espessura e às dificuldades para multiplicar sonda-

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gens em uma bacia detrítica, encimada por pantanais compar­timento tectônico. Até a década de 1950,
e drenagens labirín­ticas? Há que se ter noção de tais pensava-se que a bacia detrítica regional possuísse
limitações da ciência quando se intenta interpretar a apenas algumas dezenas de metros de es­pessura.
gênese e a evolução de uma bacia sedimentar quater- Devem-se a Almeida (1965) as primeiras notí-
nária do porte da Bacia do Pantanal. cias mais con­cretas sobre a amplitude vertical do
Um ponto de partida nos parece sólido: a Bacia pacote sedimentário da bacia, representadas pelo
do Pantanal é, certamente, pós-superfície cuiabana resultado de duas sondagens, que não atingiram o
velha. Ou seja, para utilizar a no­menclatura habitual, embasamento:
aquela bacia sedimentar interior é pós-pediplano Na Fazenda Firme, uma sondagem perfurou 94
cuiabano. Disso decorre uma segunda constatação: m de areia fina, silte, argila e argilito, sobretudo
a Bacia do Pantanal foi certamente fruto de uma de origem fluvial. (...) Na Fazenda Paraíso, uma
reativação tectônica quebrável, que interfe­riu sobre camada de canga com cerca de meio metro de
a rampa geral sul-sudoeste da superfície aplainada, espessura apresentou-se a 79,6 m abaixo da su-
e da paleo­drenagem existente no fecho da pedipla- perfície.
nação. Para anichar detritos, removidos das escarpas
e espaços circundantes por uma área superior a 100 Essas duas primeiras sondagens - obtidas
mil km2 de extensão, foi certamente necessária a in- pontualmente na imensidade do Panta­nal - foram
tervenção de um esquema de falhas geomorfologica- suficientes para comprovar a origem tectônica da
mente contrárias, segundo o modelo que, entre nós, depres­são pantaneira, já que o assoalho da bacia de-
já foi proposto para a gênese da Bacia de São Paulo, veria estar abaixo do nível atual dos mares. Esta foi a
por exemplo (Ab’Sáber, 1957). Trata-se de um es- conclusão de Almeida sobre as aludi­das sondagens e
quema de falhas escalonadas descendentes, a partir os sedimentos por elas atravessados:
do reverso de soleiras tectô­nicas intermitentemente Achando-se o Pantanal da Nhecolândia a cer-
ativas; ou, em outras palavras, um sistema de falhas ca de 110 m de altitude, verifica-se esta­rem as
de pequeno rejeito, contrárias à inclinação primária camadas mais profundas, ora conhecidas, quase
da superfície topográfica regional. Às vezes, esse sis- ao nível do mar, embora diste a região cerca de
tema de falhas comporta ape­nas uma somatória de 2.500 km, o que fala claramente em favor dos
falhamentos de muito pequeno rejeito; outras, en- processos de afundamento por que vem passan-
volve uma compartimentação tectônica mista, em do a planície (Almeida, 1965, p. 107).
que se inclui uma somatória de falhas contrárias e
uma ou mais pequenas fossas tectônicas alternadas. Como decorrência dessas primeira sondagens,
Em última instância, trata-se de um comparti­mento houve um movi­mento a favor de uma pesquisa
tectônico originado por falhas geomorfologicamente mais sistemática, capaz de oferecer dados sobre as
contrárias, do tipo do que estamos tratando. Com- camadas basais da Bacia do Pantanal. Na realidade
porta-se como uma fossa tectô­nica de maior ampli- foram, também, os novos conhecimento sobre bacias
tude espacial, relacionada a um conjunto de falha- sedimentares em regime de fossas tectônicas,existentes
mentos contrários tardios, em uma área que sofreu ao longo da costa e da plataforma brasileira, que
previamente uma grande movimentação tectônica. animaram a área técnica da Petrobrás a pro­ceder novas
Por tudo o que se sabe da história tectônica perfurações, acompanhadas de rastreamento geofísíco,
e denudacional da depressão do Alto Paraguai para um melhor conhecimento das potencialidades
(boutonnière do Alto Paraguai), é quase certo que a daquela bacia. Efe­tivamente, os conhecimentos
tectônica pós-pediplano cuiabano desenvolveu-se obtidos sobre criptodepressões brasilei­ras - Marajó,
ao lon­go do Pleistoceno, como um episódio de tec- por exemplo - pesaram muito na decisão da Petrobrás
tônica quebrável residual, no modelo proposto de em realizar investigações mais sistemáticas na área
“falhas geomorfologicamente contrárias”. E, por ex- do Pantanal. Com a dupla iniciativa de novas e mais
tensão, pode-se afirmar que, na medida em que essa profundas perfurações somadas a estudos geofísicos
tectônica se desenvolveu, a sedimentação espessou- bem planejados, pôde-se esclarecer que a Bacia do
se e coalesceu ao longo do espaço atualmente corres- Pantanal possuía algumas centenas de metros de
pondente ao Pantanal Mato-Grossense. Além disso, profundidade (400 a 500 m, no mínimo) e que seu
pode-se deduzir que houve uma certa irregularidade substrato era sobremaneira irregular, provavelmente
no ritmo dessa tectônica, com implicações para a devido à ação de uma tectônica quebrável moderna,
continuidade da sedimenta­ção no interior da Bacia de caráter marcadamente residual.
do Pantanal (Orellana, 1979). Do ponto de vista da pesquisa petrolífera, como
Os conhecimentos acumulados - acerca da já se podia prever, houve uma grande frustração. Na
espessura dos sedi­mentos, e da conformação do ótica dos conhecimentos cien­tíficos, porém, ocorreu
assoalho da Bacia do Pantanal - são apenas sufi- um inusitado enriquecimento de informações. Já se
cientes para nos dar uma ideia aproximada daquele sabia que a bacia sedimentar da região era pleistocê-

500
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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nica, já que tudo indicava ser ela o resultado de uma Esse conjunto de sondagens teve início, apro-
tectônica residual pós­-pediplano cuiabano, ou seja, ximadamente, na la­titude de 16° e terminou na lati-
pós-pliocênica. Mas, evidentemente, havia que se tude de 21°41’54”, envolvendo inter­valos de meio a
verificar; com isso, foi a ciência que ganhou. um grau. Na segunda fase das sondagens da Petro-
Numa primeira fase, a Petrobrás realizou oito brás, foram detectadas outras tantas irregularidades
perfurações, numa rede que beneficiava o conheci- nas espessuras do pa­cote sedimentar da Bacia do
mento da coluna sedimentária pleisto­cênica, à en- Pantanal: na Fazenda Piquiri a perfuração cruzou
trada, ao centro, e à saída dos pantanais. Em Cáceres, 320 m de sedimentos modernos, sem encontrar o
a noroeste do Pantanal, a espessura encontrada foi de embasamento; e, na Fazenda São Bento, foram atra-
32 m. Em Porto São José, outra sondagem alcançou vessados 420 m de detritos acu­mulados, sem encon-
302,4 m, sem atingir o embasa­mento. À saída da trar o embasamento. A ESE de Corumbá, a ape­nas
bacia, presumivelmente em um setor de soleira, a 15 km do sítio da cidade, o substrato foi encontrado
espessura total da sedimentação quaternária não ex- a 130 m de profundidade; enquanto, na Fazenda
cede 13,5 m. Os resultados obtidos pelas 11 perfura- São Sebastião, o embasamento pré-cambriano foi
ções feitas pela Petrobrás, em duas fases de trabalhos, detectado a 227 m em relação ao nível da planície.
já foram corretamente analisados pelos geólogos do Estando o nível geral dos “pantanais” situado entre
Projeto Radambrasil, no volume 27 dos Levanta- 90 e 110 m, na área dessas perfurações, é de se con-
mentos de Recur­sos Naturais, correspondentes à Folha cluir que o embasamento encon­tra-se rebaixado de,
de Corumbá SE.21 e Parte da Folha SE.20. Pouca no mínimo, 100 a 310 m em relação ao nível atual
coisa pode ser acrescentada àquilo que foi escrito por dos mares. Mesmo quando o nível do mar, durante
Del’Arco e sua equipe (1982, p. 111): certo momento do Pleistoceno, esteve a -100 m
A espessura da Formação Pantanal é variável, em do que atualmente, o substrato das for­mações pré-
função da irregularidade de seu substrato, e não cambrianas que serviam de assoalho para a Bacia do
pode ser precisada, pois acha-se em processo de Pan­tanal apresentava níveis de 100 a 300 m abaixo
desen­volvimento, com acumulação de sedimen- do nível do mar da­quela época. É de se supor, ainda,
tos até hoje. Weyler (1962), em pes­quisa reali- que, nesse momento de nível de mar baixo, os setores
zada pela Petrobrás, apresentou os resultados de de soleiras tectônicas, à saída do Pantanal (Fecho dos
oito perfurações executadas na região pantanei- Morros), deveriam estar expostos ou semiexpostos,
ra, que objetivaram o conhecimento da espessura dificultando sobremaneira o escoamento do antigo
e natureza dos sedimentos quaternários que lá Paraguai para sul-sudoeste, na direção das terras pa-
ocorrem bem como a constatação de sedimentos raguaias e argentinas.
mais antigos, com a presença de hidrocarbone- Os levantamentos aeromagnetométricos de
tos. Diversas difi­culdades foram encontradas, eixo norte-sul (Cuiabá­-Aquidauana) e leste-oeste
tanto de ordem mecânica como, e sobretudo, (Coxim-Corumbá), executados para o DNPM, so-
pelos desmoronamentos constantes, em face da mente fizeram comprovar a espessura e a conformação
friabilidade dos sedimentos. Na porção interna in­dicada anteriormente pela rede de sondagens pelas
da depressão não foi atingido o embasamento da diferentes campa­nhas de sondagens. A cartografia
sequência quaternária e a maior seção perfurada geológica do Mapa Tectônico do Brasil (Ferreira et al.,
foi de 302,4 m. Em uma segunda fase de inves- 1971) incorporou os conhecimentos até então exis-
tigações, naquela região, a Petrobrás executou tentes, através de um conjunto de isópacas, em que as
mais três perfurações (Weyler, 1964) e a máxima linhas mais profundas tangenciam o nível dos 500 m.
profundidade atingida foi de 412,5 m, em seção Ficou bem claro, através de todos os conhecimentos
incompleta. acumulados, que a soleira terminal da bacia situava-
se no extremo sudoeste, grosso modo, à altura de Porto
O cotejo das diferentes profundidades obtidas Mur­tinho-Fecho dos Morros. Este ato conduziu M.
pelas sondagens da Petrobrás (primeira série) revela o M. Penteado Orellana (1979) a uma correta inter-
perfil aproximado do em­basamento da bacia, em um pretação de que “a área esteve alagada al­gumas vezes
eixo norte-sul: a oeste de Cáceres, próximo a Caiçaras em consequência de reativação de falhas contrárias
(86,6 m); no Porto da Fazenda Piúva, margem es­ ao escoamento regional, criando soleiras locais”. E,
querda do Paraguai (88 m); na sede da Fazenda São segundo ela própria, o afundamento regional com-
João, margem direita do Cuiabá (198 m); no Porto São portou um ritmo irregular de subsidência. Dois fatos
José, margem direita do Rio Cuiabá (302,4 m); Porto altamente relevantes.
da Fazenda São Miguel, margem esquerda do Rio Tecendo considerações sobre a geomorfogê-
Taquari (217 m); Retiro do Aguapé, Fazenda Firme, nese da Bacia de São Paulo (1957), anotamos dois
Nhecolândia (182 m); Porto Santa Rosa, confluência conjuntos de fatos que interessam ao esclarecimento
Paraguai-Aquidabã (62 m); e sítio de Porto Murtinho, das condições da gênese do Pantanal Mato-Gros-
margem esquerda do Rio Paraguai (37 m). sense: 1. o fato de a água ter estado sempre “presente

501
no acamamento dos depósitos regionais, quer na capaz de sugerir o quadro paleogeográfico que
forma de lagos rasos, de maior ou me­nor duração, presidiu a deposição das argilas, siltes e areias finas
quer na forma de planícies fluviolacustres temporá- da Bacia de São Paulo.
rias, topográfica e hidrologicamente um tanto simi- - a presença de areias basais parece indicar
lares às que hoje po­dem ser vistas na área do Pan- um caráter predominantemente fluvial para os
tanal Mato-Grossense” (Ab’Sáber, 1957, p. 223); 2. primeiros episódios da sedimentação na bacia (...)
atribuíamos à gênese da bacia um caráter tectônico O espessamento gradual e lento de tais depósitos
domi­nado por um sistema de falhas geomorfologi- se fez enquanto perdurou o processo de barra­gem
camente contrárias - utilizando uma feliz expressão tectônica dos cursos de água (...) Aumentando
de Francis Ruellan -, num esquema regional em o ritmo da subsidência tectônica, passaram a
que afundamentos a montante de uma área de so- predominar sedimentos argilosos, tipicamente
leiras tectônicas ativas teriam sido tamponados por lacustres rasos (Moraes Rego e Sousa Santos, 1938;
depósitos mais contí­nuos, de posição intermediária, Leinz e Carvalho, 1957). Entrementes, o processo
e, finalmente, recobertos de modo mais extensivo viria a terminar com uma fase de alternância de
por uma sequência de estratos superiores, de maior sedimentação lacustre e fluvial (...) Terrenos firmes
extensão e generalidade espacial (Ab’Sáber, 1957, p. interlacustres rasos, eventualmente submersos pela
309). No caso de São Paulo, grandes massas de re- atuação da subsidência tectônica, devem ter existido
golitos existentes nas serranias que envolviam a pe- em inumeráveis momentos da história fisiográfica
quena bacia tectônica regional teriam sido remo­vidas e sedimentária da Bacia de São Paulo. Não há
por processos erosivos mais agressivos e depositados sinais de diques marginais nem de meandração
em am­biente lacustre raso e fluviolacustre eventual, em qualquer setor da porção central da bacia. Em
durante o Plioceno Su­perior. contrapartida, há exemplos de fácies deltaicas (Alto
Mais tarde, chegamos à conclusão de que “as da Lapa-Alto de Pinheiros-Espigão Central) e de
bacias detríticas, situadas em áreas intertropicais - e dejeções terminais detríticas e corridas de lama -
dotadas de massas de argilas cauliníticas, areias, siltes de margem de planície lacustre - nas atuais colinas
e cascalhos -, representam sítios preferenciais de re- que precedem a Serra da Cantareira (1968, pp.
tenção parcial dos produtos de intemperismo quí- 101-102).
mico, removidos de regolitos preexistentes, através
de processos ‘agressivos’ de ero­são regional (períodos Enquanto a Bacia de São Paulo alcançou no
de resistasia, para usar a terminologia proposta por máximo uns 3 mil km2 de extensão, em um com-
Erhart)”. E, ainda, que “a progressão da pedimen- partimento topográfico muito próximo das cabe-
tação sobre mas­sas de rochas desigualmente decom- ceiras do Tietê e quase que inteiramente envolvido
postas, aliadas a frequentes re­tomadas de correnteza por serranias cristalinas, a Bacia do Pantanal, que é
fluvial de rios de drenagem anastomosada, pode ex- muito mais recente, abrangeu o centro de uma legí-
plicar razoavelmente o descarnamento pronunciado tima boutonnière, numa área de extensão aproximada
de uma paisa­gem tropical úmida, mamelonizada e da ordem de 120 mil km2. Durante sua formação,
florestada, de elaboração ante­rior” (Ab’Sáber, 1968, entretanto, a Bacia do Pantanal comportou fases de
p. 191). climas agressivos responsáveis pelo derruimento de
Em um ensaio mais detalhado, sob o título paisagens tropicais úmidas de planaltos sobrelevados
de “Bases Geomorfoló­gicas para o Estudo do Qua- e pedestais de terrenos cristalinos e metamórficos
ternário do Estado de São Paulo”, dedica­mos uma expostos. Teve sua origem nitidamente relacionada
atenção especial ao ambiente deposicional da Bacia à intervenção de um sistema de falhas geomorfo-
de São Paulo. Entre considerações de diversas or- logicamente contrárias, pós-pe­diplano cuiabano. A
dens, fixamos os seguintes fatos: neotectônica deu origem a um verdadeiro graben
pela ruptura tectônica dos remanescentes regionais
- a Bacia de Sao Paulo é o resultado da deposição da super­fície interplanáltica de Cuiabá e suas exten-
de materiais, dominante­mente finos, em uma sões. O assoalho tectonizado da bacia é o resultado
depressão tectônica contrária à direção da de uma somatória de pequenas e médias desloca-
drenagem prévia da região. Nessa depressão ções, geomorfologicamente contrárias ao mergulho
oriunda de soleiras tectônicas ativas houve uma da antiga rampa do pediplano neogênico e sua con-
geografia de lagoas de águas pouco profundas e sequente drenagem. Existe nesse embasamento,
de conformações muito variáveis. Não se trata de sujeito a uma neotectônica pleistocênica, toda uma
maneira alguma de um caso simples e esquemático “família” regional de falhas conformadoras de um
de flood plains, mas sim de uma coalescência novo graben, de centro de uma boutonnière; não se
preferencial de corridas de lamas para de­pressões podendo falar em um sistema de horsts/grabens para
lacustres rasas e anastomosadas. Nem mesmo o o assoalho da bacia, como inadequadamente se pre-
esquema excepcional de um quadro geográfico tendeu identificar.
igual ao do atual Pantanal Mato-Grossense seria Dos escassos conhecimentos sobre a coluna

502
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
25
sedimentar da Bacia do Pantanal, pode-se apenas do domínio dos cerrados, do Chaco e da periferia
afiançar umas tantas conclusões: 1. os sedimentos da Amazônia - disputaram competitivamente os
basais, correspondentes ao início da tectonização, espa­ços anteriormente dominados por padrões de
são mais grosseiros; 2. variações climáticas na di- vegetação filiados à macroexpansão dos climas secos
reção dos climas secos propicia­ram fases agressivas (Ab’Sáber, 1977), no momento mesmo em que se
de erosão nos planaltos circundantes, com remoção multiplicaram os tipos e padrões de habitats animais,
de solos elaborados em fases úmidas ou subúmidas; que enriquecem extraordinariamente a diversidade
3. o espessamento da sedimentação foi determinado biológica do Pantanal Mato-Grossense.
pela associação entre a agressividade dos processos O macroleque aluvial do Taquari foi des-
erosivos nas chapadas circundantes e o gradual afun- ventrado pelo atual Rio Taquari, que se tornou
damento do substrato da bacia; 4. o ambiente de gradualmente de padrão meândrico, embuti­do
deposi­ção foi predominantemente fluvial, através no eixo central do cone de dejeção anteriormente
de leques aluviais e dre­nagens anastomosadas, com- formado. Ca­nais anastomosados das margens do
plementados por agrupamentos de lagos nos setores
de afundamento diferencial da bacia; 5. o conjunto
fisiográfico regional foi, por diversas vezes, filiado à
tipologia dos bolsones semiáridos intermontanos ou
interplanálticos, subtropicais, altamente sasonários, e
predominantemente exorreicos; 6. duvida-se da exis-
tência eventual de fases de endorreísmo pronunciado,
já que não existem grandes lentes de sedimentos la-
custres, com segregação de fácies ou presença maciça
de sal-gema ou calcários; 7. a certa altura do processo
deposicional, dominante fluvial ou fluviolacustre,
houve uma cessação da subsidência, que deu origem
a uma certa fase de estabilidade relativa da superfície
rasa de uma grande planície de inundação regional,
tendo por consequência a formação de paleocangas Foto 3. Estirões do Rio Paraguai, com diques mar-
de lateritas; 8. após essa fase de cangas - identificada ginais e florestas galerias (“cordilheiras”), passando a
em uma perfuração realizada na Fazenda Paraíso, e lagoas de barragem fluvial de diferentes tipos gené­
interpretada por Fernando de Almeida (1964) -, ticos, e grandes banhados rasos designados regio-
houve retomada da subsidência, com repetição apro- nalmente por “pantanais” (Foto: Ab’Sáber, maio de
ximada dos ambientes de sedimentação anterior- 1953).
mente vigentes, até a formação dos gigantescos le-
ques aluviais do Pleistoceno Terminal; 9. no decorrer grande leque, sobretudo os do sul (Nhecolândia),
do Holoceno, instalaram-se rios meândricos, de di- passaram também a um sistema contido de mean­
ferentes padrões e potência de formação de cinturões dração, devido à presença de grandes massas de ma-
meândricos; alguns cursos superimpuseram-se ao teriais clásticos grosseiros. Essa micromeandração
eixo dos leques aluviais, desven­trando-os (Taquari, dos pequenos canais divergentes, que constituíam a
sobretudo); os bordos dos cones de dejectos foram drenagem do leque aluvial, comportou uma fase de
retrabalhados por drenagens norte-sul e por anas- forte migração dos cinturões meândricos, fato que
tomoses terminais dos canais divergentes herdados muitas vezes colocou margens côncavas em situações
da própria fase terminal dos grandes leques; houve vis-à-vis, dando oportuni­dade para formar lagoas de
grande liberação de areias finas e médias, forçando diferentes níveis de permanência, de conformação
anastomoses de padrão especial nas terminações dos circular, elíptica ou semioitavada. Águas lacustres
velhos leques, enquanto drenagens meândricas do pro­venientes de cursos curtos, autóctones do leque
Rio Paraguai inscreveram-se no corredor apertado, aluvial, têm condi­ções hidrogeoquímicas especiais.
entre os leques aluviais detríticos provenientes do Lagos interligados, nas cheias, a corixos ou canais
leste e as serranias fronteiriças de bordos irregulares; meândricos descontínuos têm um tipo de natureza
10. por entre os leques aluviais estabeleceram-se os química; lagos totalmente isolados, em superfície,
novos cursos de água, afluentes ocidentais do Rio dependem das va­riações dos lençóis de água subsu-
Paraguai, na medida em que o clima regional ganhou perficiais, controlados pela sazona­lidade climática
espaços quentes e úmidos, com predomínio de preci- e hídrica, podendo funcionar como minibacias en­
pitações entre 850 e 1.000 mm dentro da depressão dorreicas, concentrando sais. Os rios alóctones em
pantaneira, de oeste para leste; e altos níveis de pre- relação ao Pantanal têm outra composição hidro-
cipitações nas cabeceiras de drenagem, ao norte, geoquímica, refletindo condições impe­rantes no do-
nordeste, leste, sudeste e sul da imensa boutonnière mínio dos cerrados, somadas às condições próprias
regional. Massas de vegetação inter e subtropicais - dos terrenos pantaneiros.

503
Existe uma série de derivadas práticas de- ao encontrar a rasa bacia detrítica do Pantanal. Ao
correntes desse tipo de conhecimento: os rios que fecho da sedimentação, por intermédio dos leques
chegam ao Pantanal, provenientes dos pla­naltos e aluviais, estabeleceram-se faixas de sedimentação
escarpas circundantes, são os que mais trazem cargas aluvial meândrica, relacionadas ao grande aporte
polui­doras, devido ao seu trânsito por áreas agrícolas de sedimentos finos, trazidos, agora, pelos mesmos
em expansão (que liberam caldas de agrotóxicos e rios que criaram anteriormente os leques aluviais. As
fertilizantes) durante a estação das águas. São eles novas planícies de inundação permaneceram como
próprios que, em áreas adjacentes aos pantanais, que encarceradas nos desvãos existentes entre os
rece­bem produtos mercuriais injetados nas suas águas bordos laterais dos leques aluviais. A umidificação
a partir de zonas de garimpagem. Por último, são climática pós-pleistocênica mudou a tipologia dos
também eles que acentuam uma poluição sedimen- materiais transportados - comportando materiais
tária, devido aos processos erosivos, mais ou menos gradualmente mais finos -, porém não teve força
frequentes e setorialmente agressivos, em processo para cancelar a participação do material detrítico já
nos planaltos sedimentários regionais. Causa grande depositado, que passou a ser retrabalhado pelos novos
preocupação, por último, a questão da tendên­cia para aparelhos fluviais, pós-leques aluviais. Grandes massas
concentração das águas, provenientes dos quadrantes dessas areias, herdadas da fase climática anterior,
oci­dentais, nas vizinhanças das serranias frontei- passaram, nos últimos milênios, a acumular-se em
riças, com deslocação marcada do eixo norte-sul do diques marginais das planícies meândricas Por uma
Rio Paraguai para essa área ocidental da grande de- série de aproximações, envolvendo conhecimentos
pressão aluvial. Devido à dificuldade de escoamento, paleoclimáticos gerais e regionais, pode-se admitir
reco­nhecida por todos os pesquisadores da hidro- que os leques aluviais foram ela­borados entre 23 e
logia regional, é certo que um processo cumulativo 13 mil anos antes do presente. Enquanto as planí­
de poluição hídrica vai afetar sobremanei­ra as águas cies meândricas e os grandes banhados, designados
das grandes planícies submersíveis existentes nessa regionalmente por “pantanais”, certamente se
porção centro-ocidental da região pantaneira. Um desenvolveram nos últimos 12 ou 13 mil anos, os
maior controle das condi­ções das águas que entram principais contornos e ecossistemas - aquáticos,
no Pantanal Mato-Grossense, a partir das passagens suba­quáticos e terrestres - do Pantanal Mato-
obsequentes dos rios nascidos nos planaltos, parece Grossense teriam sido elabo­rados nos últimos cinco
ser uma medida inadiável, para garantir uma maior ou seis milênios. Independentemente de ve­lhas
integridade física, hi­drogeoquímica e geoecológica heranças, como se verá.
para a diversidade biológica dos “pan­tanais”. Até o advento de levantamentos aerofoto-
gráficos extensivos para a região e, sobretudo, até a
Dos leques aluviais pleistocênicos às planícies chegada das imagens de sensores remotos, os conhe-
submersíveis recentes cimentos acumulados sobre o Pantanal Mato-Gros-
sense se limitavam a uma terminologia fisiográfica
A fase dos grandes leques aluviais arenosos, popular e a uma identificação aproximada das prin-
desenvolvidos na depressão pantaneira durante cipais áreas de grandes banhados (“pantanais”). Não
o Pleistoceno Terminal, foi essencial para a havia condições para se compreender o mosaico total
configuração fisiográfica atual do Pantanal Mato- dos com­ponentes físicos e geoecológicos da grande
Grossense. O fato de um leque aluvial ser um depressão regional, e muito menos para se realizar
corpo sedimentário ligeiramente convexo implica estudos sistemáticos sobre a estrutura e a funcio­
que, nos interstícios de diversos leques, restem nalidade de seus ecossistemas. Para uma área imensa,
depressões intersticiais, nas quais, durante a fase de mais de 100 mil quilômetros quadrados, o que se
final da atividade daqueles apare­lhos naturais de sabia era fruto de observações pontuais e empíricas,
deposição detrítica, ocorrem planícies aluviais numa grande mistura entre conceitos genéricos re-
meân­dricas nas faixas situadas entre eles. Para gionais e uma nomenclatura científica de caráter
tanto, evidentemente, é neces­sária a intervenção apenas tentativo. O Pantanal era a mais complexa
de mudanças climáticas e hidrológicas capazes de planície aluvial intertropical do pla­neta e, talvez, em
mudar os sistemas de aluviação. No caso particular termos de uma correta geomorfologia aluvial, a área
do Pantanal Mato-­Grossense, a mudança climática menos conhecida do mundo.
comportou uma radical modificação climato- Mesmo assim, foram feitas observações pio-
hidrológica, de condições subtropicais semiáridas neiras dignas de regis­tro sobre alguns fatos fisiográ-
para condi­ções tropicais úmidas a duas estações ficos regionais. Herbert Wilhelmy - que participou
diferenciadas de precipitações. No momento da de uma das excursões do Congresso Internacional
formação dos leques aluviais, os rios transportavam, de Geo­grafia (Rio de Janeiro, 1956), sob a direção
em determinadas épocas do ano, grandes massas de de Fernando de Almeida, grande conhecedor da
areias, obrigando a um esparramamento em leque geologia e geomorfologia de Mato Grosso - fez

504
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
25

observações perspicazes sobre a gênese das lagoas calizados, há a recorrência de um ou outro tipo de
circulares do Pan­tanal, de grande validade até hoje. lagos, pertencentes a esses três agrupamentos pa-
Wilhelmy (1958) reconheceu, nas áreas que visitou, drões.
uma distinção entre tipos de lagos de barragem flu-
vial: lagos oriundos da inundação de lóbulos internos
de meandros (umlaufseen) e lagos encarcerados por
diques marginais (dammuferseen). Reconheceu,
também, que, em muitos casos, os lagos circulares
gerados em áreas de trançamento de cinturões
meândricos podiam ter águas doces ou águas salo-
bras, dependendo de essas serem visitadas ou não, em
superfície, pela penetração das águas de inundação.
Pela primeira vez, foi feita uma observação sobre o
excepcional caráter endorreico local das lagoas sa-
linas e barreiros salobros, sujeitos a con­centrações
de cloretos de sódio e magnésio. Tratava-se de sí-
tios muito importantes para a alimentação comple-
mentar do gado, sobretudo no passado da pecuária Foto 4. Paisagem da aba sul do grande leque aluvial
extensiva praticada na região, conforme informes do Taquari, predominan­temente arenoso, da Nhe-
que vêm desde Taunay até José Veríssimo da Costa colândia. Mosaico de campos cerrados e réstias de
Pereira (1944). galerias florestais, compostas de cerradões (e, local-
Desde as observações pioneiras de Herbert mente, florestas tropicais decíduas, nos diques mar-
Wilhelmy até o ad­vento das imagens de senso- ginais do Rio Negro). Região de paleocanais retra-
riamento por satélites, podia-se reconhecer uma balhados, designados popularmente por vazantes, e
certa tipologia de lagos no interior da grande pla- área de lagoas circu­lares ou semicirculares de terceira
nície regional, a saber: lagos de lóbulos internos de ordem de grandeza, com água doce e/ou água salobra
meandros, lagos barrados por diques marginais, lagos (Foto: Ab’Sáber, maio de 1953).
em ferradura (oxbow lakes) e lagos-baías ocupando
reentrâncias de serranias. A expressão baía, de origem
marcadamente popular e altamente simbólica, perdia Os conhecimentos obtidos por imagens de satélites
um pouco de sua especificidade, pelo fato de ser uti- do Pantanal Mato-Grossense: comentários
lizada indiferentemente para designar verdadeiros
embaiamentos nos bordos das serranias fronteiriças, Ainda está por se fazer uma verdadeira ava-
como, também, numerosas lagoas circulares isoladas liação do papel desem­penhado pelo sensoria-
ou semi-isoladas no meio das planícies pantaneiras mento remoto na renovação dos conhecimentos
centro-ocidentais (lagos do pantanal de Paiaguás; fisiográficos, ecológicos e geo-hidrológicos do Pan-
lagoas da Nhecolândia). Sem prejuízo dessa primeira tanal Mato-Gros­sense. Na realidade, as imagens de
tentativa de tipologia, as imagens de satélites forne- satélites tiveram a função de “ra­diografias” múlti-
ceram material para ampliá-la substancialmente, plas, sobre o conjunto e os detalhes do espaço, físico
sobretudo no que diz respeito aos agrupamentos re- e ecológico, da grande planície regional. Mas, antes
gionais de lagos, observáveis em setores distintos do delas, as imagens de radar do Projeto Radambrasil
Pantanal Mato­-Grossense, além de tornar possível tornaram possíveis observações perti­nentes sobre a
um adequado ajuste da terminologia popular com a compartimentação geomorfológica da Depressão
terminologia científica. do Alto Paraguai, incluindo todo o seu entorno e
Em uma primeira identificação da ordem de as planícies pantaneiras. Uma análise dos principais
grandeza dos lagos de barragem fluvial do Pantanal avanços do conhecimento geomorfológico, vinculado
Mato-Grossense, podem-se mencio­nar três agrupa- ao uso de imagens de sensores, permite fixar ideias e
mentos regionais de corpos d’água, que equivalem com­pletar observações.
a três ordens de grandeza: os lagos das grandes Uma primeira constatação altamente signifi-
“baías” encostados às morrarias fronteiras e/ou a du- cativa, obtida a partir de imagens de radar, diz res-
plas pontas de morros (Chacororé); os lagos de ta- peito à extensão total das áreas de aplai­namentos
manho médio do pantanal dos Paiaguás (sobretudo referenciáveis ao pediplano cuiabano. Foram desco-
no ângu­lo interno da confluência do Rio Paraguai e bertas extensões da pediplanação ao longo da Bacia
São Lourenço); e a multidão de pequenas lagoas cir- do Guaporé, do Alto Paraguai e área do Parana-
culares, temporárias ou relativamente perma­nentes, tinga, além daquela referente à área-tipo de Cuiabá,
que ocorre na Nhecolândia, aba Sul do leque aluvial a Depressão do Guaporé, estudada por Kux, Brasil
do Taquari. Eventualmente, em alguns setores lo- e Franco (1979), e as vinculações existentes entre

505
elas todas no extremo norte da Depressão do Alto
Paraguai, através das observações de Ross e Santos
(1982). Foi estabelecido, sobretudo, que a Depressão
do Guaporé “é o elo entre as depressões voltadas para
a bacia platina e as depressões do sul da Amazônia”
(Ross e Santos, 1982, p. 232).
Outra revelação das imagens de radar, digna
de registro, diz respei­to aos setores em que a super-
fície cuiabana antiga - exatamente a mais geral e al-
timetricamente mais elevada (250-300 m) - possui
uma cober­tura detrítico-concrecionária, que remonta
ao tempo do fecho do gran­de aplainamento inter-
planáltico regional. Um fragmento das imagens de
radar, reproduzido por Ross e Santos (1982, p. 234)
- representando a depressão denudacional cuiabana Foto 5. Paisagem das lagoas de terceira ordem de
a leste, sudeste e sul das serranias das Araras e Água grandeza - as chamadas “baías” por extensão - ocor-
Limpa -, permite verificar os setores da superfície rentes na área de planícies submersíveis coalescentes
cuiabana preservados pela cobertura detrítico-con- dos rios Negro e Miranda, a sudeste da depressão pan-
crecionária, em rela­ção àqueles outros em que já taneira. No máximo de retração das águas na gran-
houve decapagem da cobertura e reexposição das di- de planície regional, os corpos d’água semi-isola­dos
reções estruturais do embasamento (Grupo Cuiabá). adquirem uma conformação circular, semicircular ou
É nessa porção do território, onde houve remoção da elíptica irregular (Foto: Ab’Sáber, maio de 1953).
velha cobertura - redissecações e reentalhes de novas
superfícies, de extensão parcial -, que se reconhece a
existência da superfície cuiabana moderna, fato não
percebido na época da publicação do trabalho. Con-
sideramos o fragmento de imagem de radar, repro-
duzido no volume 26 do Projeto Radambrasil, como
um documento único, em termos de possibilitar a
distinção entre a superfície cuiabana antiga (pedi-
plano cuiabano I) e a superfície cuiabana moderna
(pediplano cuiabano II). Abaixo deles, mais para o
sul, existem apenas terraços de pedimentação e ter-
raços fluviais, embutidos nos desvãos do pediplano
cuiabano II; e, mais além, a grande depressão detrí-
tico-aluvial do Pantanal Mato-Grossense. A ci­dade
de Cuiabá abrange, atualmente, pelo seu crescimento
espacial re­cente, todos os níveis existentes entre a
Chapada dos Guimarães e a Serra das Araras-Água
Limpa, desde a planície fluvial do Rio Cuiabá até a
superfície cuiabana antiga.
A mais importante descoberta recente sobre o
mosaico de forma­ções aluviais quaternárias da grande
depressão pantaneira - interes­sando diretamente ao
entendimento da posição relativa e funciona­mento
das diversas sub-bacias hidrográficas que se estendem
pelo seu espaço fisiográfico total - foi a percepção
da existência do grande leque aluvial do Taquari.
Observações pontuais jamais teriam revela­do esta
unidade geomórfica de grande extensão no interior Figura 1. Tipologia de lagos pantaneiros proposta
das planí­cies pantaneiras. Para uma área total de 125 por Herbert Wilhelmy (1958): lagos de lóbulos in-
mil km2, o macroleque aluvial do Taquari - como ternos de meandros (U); lagos entre diques marginais
imbricados (D). U: Umlaufseen; D: Dammuferseen;
vem sendo designado - ocupa um espaço próprio, da
(Zeitschrift für Geomorphologie, 1958, II, pp. 27-54.)
ordem de 50 mil km2. Isso significa dizer uma área
da ordem de 1/3 da Bacia de Paris, ou 1/5 do Estado
de São Paulo, ou, ainda, 15 vezes a Bacia de Taubaté
(SP). O primeiro estudo específico sobre esse gigan-

506
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
25

tesco cone aluvial, predominantemente arenoso, que sedimentação dos leques imbricados - pu­dessem
se espraiou em gigantesco leque sobre a depressão se instalar e se ampliar. A drenagem do Itiquira-Pi-
pantaneira, deveu-se a E. H. G. Braun (1977). O queri copiou o bordo norte do grande leque aluvial
autor, além de caracterizar a importância do macro- do Taquari, na faixa de contato entre ele e o leque
leque aluvial associado ao páleo-Taquari, estabeleceu aluvial de nordeste (São Lourenço). Já o Rio Negro
os pri­meiros parâmetros de sua gênese, com base em copiou quase que inteiramente o bordo sul e sudeste
condições paleocli­máticas e páleo-hidrográficas do do macroleque do Taquari, ampliando sua faixa de
Pleistoceno na depressão pantaneira. Gross Braun inundação e formação de “panta­nais” até a borda do
(CIBPU, 1971), à custa de fotografias aéreas obtidas leque aluvial de sudeste (Aquidauana), onde, por
em coberturas parciais, já havia desenvolvido pes- seu lado, instalou-se o curso do Rio Aquidauana-
quisas e trabalhos de mapeamento na Bacia do Alto Taboco, formando um traçado em arco, oposto ao
Paraguai. Em seu mapa geomorfológico da Bacia do do Rio Negro. Ambos são rios perileques aluviais e,
Alto Paraguai (Parcial), na escala 1:2.000.000, iden- como tal, cursos de água gêmeos - no caso parti-
tificou, a oeste de Cáceres, entre os rios Jauru e Ca- cular, inter­ligados por braços que auxiliam a redis-
baçal, uma planície aluvial arenosa antiga, e separou tribuição das águas de cheias, transformando seus
- das planícies aluviais e fluviolacustres - os setores banhados em uma só e imensa planície submersí­vel:
terminais daquilo que mais tarde seria identificado os “pantanais” do Rio Negro-Aquidauana. De modo
como o Cone do Taquari, registrando-a como “pla- quase idênti­co, o antigo leque aluvial do Jauru-Para-
nície aluvial arenosa sub-recente”. Caberia a ele pró- guai, no extremo noroeste da depressão pantaneira,
prio, mais tarde, perceber o corpo total do paleocone obrigou a drenagem do Rio Paraguai a derivar para
de dejeção do Taquari, submetendo-o a uma análise a faixa de contato entre as serranias de Cáceres e a
e inter­pretação geomorfológica e hidrogeomorfoló- margem leste do leque aluvial preexistente na região,
gica muito adequada e objetiva. Nessa oportunidade, enquanto a drenagem supe­rimposta ao leque, consti-
Braun (1977) conseguiu identificar, no espaço fisio- tuída por cursos designados vazantes, apresen­ta uma
gráfico e hidrogeomorfológico daquele excepcional disposicão divergente, copiando a estrutura do corpo
leque aluvial, sete faixas ou setores diferenciados de do antigo leque aluvial, numa miniatura do que
feições geomórficas, ao mesmo tempo que assentava ocorre com as numerosas va­zantes do macroleque
bases para considerá-lo como uma feição herdada aluvial do Taquari. As águas do paleoleque aluvial
do Pleistoceno Terminal. Mesmo depois que sur- do Jauru-Paraguai estendem-se até os “pantanais”
giram as pri­meiras imagens de satélites sobre a re- da margem esquer­da do Rio de las Petas, pro parte
gião, pouca coisa de essencial pode ser acrescentada provindo da Bolívia, o qual, para jusante, na linha
às observações pioneiras do autor. Franco e Pi­nheiro de fronteiras, responde pela formação de uma série
(1982) souberam valorizar a ordem de grandeza e o de grandes lagoas (Orion ou Providência, Uberaba e
significado nuclear do grande cone aluvial do Taquari Guaíba). A per­sistência da influência dessas estru-
para o entendimento do Pantanal Mato-Grossense, turas deposicionais, herdadas do Pleistoceno Supe-
ao dizer: rior é tão grande, que o próprio Rio Paraguai forma
A grande expressividade espacial dos espraia- uma espécie de arco, envolvendo, à distância, a borda
mentos aluviais do Rio Taquari permitiu considerá- sul do antigo leque e aproximando-se das lagoas
lo como um macroleque aluvial, termo que bem de- Uberaba e Guaíba, onde se locali­za o complexo setor
fine sua gênese (...) O gigantesco leque aluvial, com fluviolacustre do qual o Rio de las Petas é tributá­rio.
eixo em torno de 250 km de compri­mento e uma O mais espetacular exemplo do papel condicionante
área de 50.000 km2, situa-se em frente às escarpas dos leques aluviais para os atuais percursos dos rios
ocidentais das serras de Maracaju [sic], do Pantanal desenvolvidos nos tempos holocênicos é a forte ação
e de São Jerônimo. É balizado a norte e noroeste de deriva e de estreitamento de passagem que as de-
pelos rios Piqueri ou Itiquira e Cuiabá, a oeste pelo jeções terminais do leque do Taquari ocasionaram
Rio Paraguai e a sudoeste e sul pelos rios Abobral para o Rio Paraguai e suas planícies de inundação,
e Negro (...) O macroleque aluvial engloba grande desde a região de Amolar e Morro do Campos até
parte do tradicional Pantanal do Paiaguás (a norte) Corumbá e a área da Balsa (rodovia MS-228). Trata-
e quase a totalidade do Pantanal da Nhecolândia (a se de notáveis casos de estruturas sub-recentes, na
sul). disposição das drenagens atuais, em planícies de
grande largura.
O fato de existirem outros leques aluviais si- A classificação dos geomorfologistas que re-
milares, de ordem de grandeza espacial muito menor, digiram os diferentes capítulos dos relatórios refe-
permite considerar um sistema regional de leques rentes às Folhas de Corumbá e Cuiabá (Fran­co e
aluviais do Pleistoceno Superior, que deixaram entre Pinheiro, 1982; Ross e Santos, 1982), por meio da
si algu­mas linhas de fragilidade erosiva, suficientes qual se intentou diferenciar faixas e setores alu-
para que as novas bacias - posteriores ao fecho da viais e fluviolacustres do Pantanal Mato­-Grossense,

507
Figura 2. Mapeamento dos setores
submersíveis do Pantanal Mato-
Grossense, num regime de estia-
gem, segundo pesquisas do Proje-
to Radambrasil e INPE (julho de
1977). Nesse espectro de estação
menos chuvosa, as faixas aluviais
meândricas ficam restritas aos cor-
redores de contato entre os gran-
des leques aluviais pleistocênicos
remanescentes.

apresenta inovações dignas de


registro e comentários. Para
um mapeamento geomorfoló-
gico, na escala de 1:1.000.000,
utilizou-se uma série de crité-
rios de geomorfologia aluvial,
combinados com outros tantos
parâmetros de hidrogeomor-
fologia, fatos que tornaram
possível uma cartografia bem-
sucedida e de forte potencial
de aplica­bilidade. No 27° Con-
gresso Brasileiro de Geologia
(Aracaju, 1973), o saudoso ge-
omorfologista Getúlio Vargas
Barbosa nos deu conta dos cri-
térios utilizados pelo Projeto
Radambrasil para a elaboração
das cartas referentes à Geo-
morfologia, naquele importante
esforço brasileiro de cartografia
temática, até hoje não ultra-
passado. Dez anos depois, Bar­bosa e seus principais Apfl - Planície fluviolacustre. Área plana resultante
colegas de trabalho publicaram uma memória sobre da combinação de processos de acumulação fluvial
a “Evolução da Metodologia para Mapeamento Ge- e lacustre, geralmente comportando canais anas­
omorfológico do Projeto Radambrasil”, na qual se tomosados; Atf - Terraço fluvial. Patamar esculpido
mostrava a busca de um referencial de padrões de pelo rio com de­clive fraco voltado para o leito fluvial,
imagens de radar, por meio de sucessivas fases de com cobertura aluvial. Foi acres­centada, ainda, a uni-
incor­poração de experiências acumuladas. dade Ad — Dunas. Depósitos de origem continental
As formas de acumulação na Folha de Cuiabá remodelados por ventos, uma feição praticamente
foram classificadas em sete categorias taxonômicas, não interveniente na composição da carta. Quando
das quais seis de utilização plena para a elaboração da elaboração da Folha de Corumbá - que é essen-
daquele documento cartográfico, a saber: Aai - cial para a representação da Área nuclear do grande
Áreas de acumulação inundáveis. Áreas aplanadas Pantanal Mato-Grossense - foram feitas pequenas
[sic] com ou sem cobertura arenosa, periódica ou correções de lin­guagem, e um acréscimo que consi-
permanentemente alagadas, precariamente in­ deramos altamente oportuno no que diz respeito ao
corporadas à rede de drenagem; Aail - Áreas de grau de unidade e encharcamento existente em cada
acumulação inundá­veis com alagamento fraco; Apf uma das grandes áreas de banhados. Na unidade
- Planície fluvial. Área aplanada [sic], resultante de Aai, designadas “áreas de acumulação inundáveis”,
acumulação fluvial, periódica ou permanentemente foi feito um desdobramento nos seguintes termos:
alagada; Aptf - Planície e terraço fluvial. Área apla- “áreas planas com cobertura arenosa, periódica ou
nada [sic], resul­tante de acumulação fluvial, geral- permanentemente alagadas, precariamente incorpo-
mente sujeita a inundações perió­dicas, comportando radas à rede de drenagem e classificadas, segundo o
meandros abandonados, eventualmente alagada, grau da umidade, em três categorias: Aai 1 - pouco
unida, com ou sem ruptura, a patamar mais elevado; úmido; Aai 2 - úmido; Aai 3 - muito úmido”. Tal

508
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
25
Figura 3. Mapeamento dos se-
tores submersíveis do Pantanal
Mato-Grossense, num regime
de chuvas, segundo pesquisas do
Projeto Radambrasil (verão de
1984). Observe-se, sobretudo, a
ampliação da submersibilidade no
bordo centro-oeste e centro-no-
roeste do grande leque aluvial do
Taquari. No detalhe, o espectro da
estação chuvosa no mosaico terra-
águas do Pantanal ainda é mais
extraordinário e multidinâmico.
No verão chuvoso, o paleocanal
do Rio Paraguai, na área do Nabi-
leque, torna-se praticamente um
segundo rio.

Por sua vez, os “pantanais”


dos rios Negro e Aquidauana,
no ex­tremo sul, representam o
caso de grandes banhados es-
tendidos a par­tir de imbricações
de leques aluviais (área intersti-
cial do macroleque do Taquari
com o leque aluvial múltiplo do
extremo sudeste do Panta­nal).
Possivelmente a Lagoa de Cha-
cororé tenha tido sua origem
parcial­mente influenciada pelas
imbricações dos leques aluviais
de Bento Gomes-Cuiabá com a
do São Lourenço, no entremeio
iniciativa tornou possível uma primeira diferenciação das cristas bai­xas do Morro do Bocaiúva e Serra do
cartográfica dos “pantanais”, ou seja, grandes áreas de Mimoso. Se verdadeira essa hipótese, nessa região
banhados, em relação ao tempo de permanência de de Barão de Melgaço teria acontecido um tríplice
lâminas de água de cheias e enchentes. Ao mesmo encarceramento de drenagens, responsável pela for-
tempo, facilitou o entendimento da posição de dife- mação da única grande “baía” fora da região das ser-
rentes “pantanais” no conjunto da grande depressão ranias fronteiriças.
aluvial da região. Entre as muitas outras decorrências do exce-
Ao analisar a distribuição dos grandes ba- lente nível dos mapea­mentos geomorfológicos do
nhados, ficou clara uma que coincide com os setores projeto Radambrasil, situam-se as novas formas de
de drenagem situados entre grandes leques aluviais, interpretação dos agrupamentos de lagos de bar-
com eixos de crescimento diferentes, e/ou áreas de ragem flu­vial, existentes em diferentes setores da
represamento entre os bordos terminais de antigos imensa depressão pantaneira. Pode-se detectar, sem
cones, atualmente retraba­lhados e transformados muito esforço, três agrupamentos de lagos no en-
em faixas de inundação, com níveis interme­diários tremeio dos “pantanais”. O primeiro conjunto diz
de encharcamento e permanência de águas. A faixa respeito às grandes lagoas da faixa fronteiriça do
de “pantanais” - que se estende do Baixo Paraguai- Brasil e Bolívia, onde massas de água foram repre-
zinho até os cursos inferiores dos rios Sararé, Bento sadas nos sinuosos contornos das serranias e terras
Gomes, Bento Lobo e Alegre, pro­longando-se por firmes da faixa de fronteira entre o Brasil e Para-
um bolsão semi-isolado até o Rio Caracará - repre­ guai. Pelo menos em um caso - o da Baía Vermelha
senta uma borda de dejeções terminais de águas de - ocorreu o embutimento de uma lagoa no meio
inundação que copia a área externa das antigas de- de um domo esvaziado (cristas circulares da Serra
jeções terminais do leque aluvial do Bento Gomes- do Bonfim). Essa concentração de águas lagunares
Cuiabá. nos sopés e reentrâncias de serranias merece uma

509
“cordilheiras”, altamente simbólico. Existe recor-
rência desse padrão de pequenos lagos temporários
ou semipermanentes em outras áreas de leques alu-
viais arenosos, onde também reaparece a expressão
vazante, em sua acepção pantaneira. A percepção
desses fatos tornou-se muito mais clara depois que
se pôde utilizar imagens de satélites em diferentes
canais e em falsa cor. Tomadas por satélites, em dife-
rentes épocas climáticas do ano, puderam mostrar as
reper­cussões hidrológicas da sazonalidade tropical.
Uma importante contribuição dos mapea-
mentos do Projeto Radambrasil foi a recuperação
da toponímia regional da região panta­neira, fato
Foto 6. Cotovelo do Rio Paraguai, ao norte-nordes- que permitiu um cotejo entre a significação hidro-
te de Corumbá, e paisagem das lagoas dos “panta- geomorfológica das feições fisiográficas e ecológicas
nais” que envolvem e se interpenetram pelas mor- regionais em relação a uma terminologia científica
rarias regionais (serranias fronteiriças, da frontei- que comporta ideias sobre processos e distinções
ra entre o Brasil e a Bolívia). Região das grandes tipológicas.
baías na periferia dissecada das morrarias e maci- Com o advento das imagens de satélites,
ços calcários; extremidade sul do agrupamento de tornou-se possível eliminar interpretações tão enge-
lagoas de segunda ordem de grandeza (mo­delo de la- nhosas quanto falsas e realizar análises mais obje-
gos do Pantanal do Paiaguás) (Foto: Ab’Sáber, julho tivas. Uma das questões mais beneficiadas por esse
de 1953). novo tipo de documentos relacionados ao Pantanal
Mato-Grossense foi a da gêne­se dos lagos de maior
discussão genética mais aprofundada. O segundo ordem de grandeza, existentes na margem das serra-
agrupamento de lagoas, de médio porte relativo, no nias fronteiriças. As imagens demonstraram que, no
interior do Pantanal, diz respeito ao setor em que o extremo noroeste do Pantanal, existe uma drenagem
Rio Paraguai se encosta na Serra do Amolar, cru- que faz uma espécie de circunvalação nas terras firmes
zando uma planície lacustre do passado e dando bolivianas, tendo sua margem esquer­da assimétrica
origem a numerosas lagoas semicirculares e elípticas. tangente com a planície do Rio Paraguai. Trata-se
Apenas nas pro­ximidades do atual cinturão meân- do Rio de las Petas, que nasce na Serra da Bárbara,
drico próprio do Rio Paraguai ocor­rem lagoas em no extremo noroeste de Mato Grosso, cruzando
ferradura (oxbow lakes). O terceiro agrupamento tem depois um trecho do território boliviano, e vindo a
como área-protótipo o Pantanal da Nhecolândia, no correr em uma larga concavidade das terras firmes
quadrante meri­dional do macroleque aluvial do Ta- bolivia­nas, na linha exata de grandes mudanças fi-
quari, na área de solos predomi­nantemente arenosos, siográficas existentes na fronteira da Bolívia com a
onde ocorrem paleocanais entrelaçados, miríades depressão pantaneira de Mato Grosso (Bra­sil). Por
de pequenas lagoas temporárias e alguns pequenos sua vez, o Rio Paraguai, proveniente de NNE, faz
cursos d’água de­signados vazantes, que fluem para um longo arco para sudoeste e se aproxima das ser-
a margem direita do Rio Negro. O termo popular ranias fronteiriças descon­tínuas. E, por seu turno,
“vazante” pode ser considerado como um conceito a margem do grande leque Taquari, em sua porção
empírico guia: ele só é aplicado a pequenos cursos centro-ocidental, forçou a dejeção, de suas aguadas
d’água, em geral divergentes, que se instalaram re- divergentes, na reentrância em baioneta formada pelo
centemente no dorso da velhos leques aluviais are- bordo norte das morrerias do maciço de Corumbá
nosos (tipo Taquari). Nas áreas mais deprimidas e (Urucum e Rabichão). As águas vertidas pelo antigo
perma­nentemente úmidas (“pantanais” verdadeiros), leque aluvial tendiam a ficar ensacadas nessa borda
predomina a expres­são “corixo” ou eventualmente, a reentrante do Maciço de Corumbá, na fronteira
expressão “corixão”. É muito nítida a separação entre com a Bolívia. O páleo-Paraguai teve de copiar as
o subdomínio das vazantes e os subdomínios de co- sinuosidades orientais dos maciços fronteiriços na
rixos, no interior do Pantanal Mato-Grossense. Na época em que as aguadas terminais do macroleque
Nhecolândia existe uma associação íntima entre pa- aluvial empurra­ram seu leito para Oeste. Com a
leocanais entrelaçados transformados em numerosas mudança climática rápida do início do Holoceno, a
lagoas circulares, temporárias ou semipermanentes, massa de água jogada divergentemente para oeste,
e sinuosas résteas de vegetação arbórea ao longo de ao norte de Corumbá, deve ter aumentado conside-
antigos e recentes diques marginais. Ligeiras eleva- ravelmente durante um tempo em que houve uma
ções na planície arenosa, sublinha­das por corredores perenização generalizada dos rios superimpostos
de vegetação florestal, recebem o nome popular de aos leques aluviais pleistocênicos. Grandes massas

510
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
25

de areias foram retrabalhadas e empurradas, em lâ-


mina de pequena espes­sura, na direção das principais
massas de água represadas sob a forma de extensas
lagoas encostadas nas serranias. Houve afogamento
parcial da embocadura de alguns pequenos cursos
encaixados nas bordas das serranias e interpene-
tração de águas nos desvãos dos maciços. Até que
o Rio Paraguai, através de um traçado meândrico
recente, mudou de curso, ficando à meia distância
das serranias, enquanto as massas de água lagunares
se desintegravam em lagoas semicirculares ou elíp-
ticas, alojadas em depressões de diversos tipos. As
paleobaías, contendo lagos de extensão muito Foto 7. Maciços xistosos e calcários da zona frontei-
maiores do que os atuais, passaram a ser colmatadas riça Brasil-Bolívia, ao norte-nordeste de Corumbá,
por alguns de seus bordos, criando planícies lacus- insulados por lagoas de diferentes ordens de gran­
tres. Entre as verdadeiras baías residuais, com seus deza, gênese e aspectos paisagísticos. Ao fundo, esti-
lagos reduzidos em massa de água e profundidade, rão local do Rio Paraguai e o Pantanal dos Paiaguás
e o Rio Paraguai, com seus neomean­dros, restou um (Foto: Ab’Sáber, julho de 1953).
interespaço coalhado de lagoas semicirculares, de
porte médio a pequeno.
Em muitos casos as serranias ficaram envol- ao sul da confluên­cia do Paraguai e São Lourenço,
vidas descontinuamente por depressões lacustres. Tal não acreditamos em depressões se­pultadas no emba-
quadro de numerosas lagoas e umas tantas lagunas, samento, porque ocorrem lagoas de formas e portes
circundando irregularmente blocos montanhosos sa- similares até mais de 100 quilômetros para o norte,
lientes, contribuiu para criar a ideia de que teria ha- em plena área de planícies pantaneiras, e, portanto,
vido um episódio muito recente de reativação da tec- fora da influência imediata das for­mações calcárias
tônica residual, em pleno Holoceno, numa espécie de das serranias fronteiriças.
episódio terminal da tectônica quebrável que criou a Mesmo com essa restrição, acreditamos que,
própria Bacia do Pantanal, no Pleistoceno. É possível, encostado aos maci­ços e nas suas reentrâncias, possa
também, que a própria pressão lateral das águas pro- existir um edifício criptocárstico, com antigas de-
venientes das dejeções terminais do macromoleque pressões doliniformes alojando baías. Em qualquer
aluvial tenha contribuído para projetar massas de hi­pótese, porém, a gênese das lagunas é relativa-
águas nas reentrâncias das serranias do oeste, dando mente recente, tendo sido provocada pelo retorno
origem a lagunas muito maiores do que as atuais. da umidificação, após a cessação da fase mais crítica
Isto é, sobretudo, verossímil se imaginar­mos que o de formação de paleoleques aluviais, quando se ini-
leque de águas provindo de leste se reunia aos fluxos ciaram os transbordes que viriam a criar os “panta-
de cursos de água provindos do norte e nordeste. nais”. Pela interpretação de imagens de satélites, pu-
Além disso, aconteceu um desusado período de cres- demos constatar que, para oeste, a algumas dezenas
cimento dos volumes de águas, devido ao aumento de quilômetros da faixa de fronteira, em terras firmes
das precipitações em nível de três a cinco vezes mais do terri­tório boliviano, existem depressões cársticas
do que na época de formação dos grandes leques vinculadas a pequenos cursos subterrâneos, do tipo
aluviais. Mesmo após a cessação da fase mais ativa que designamos sumidouros, indo suas águas reapa-
da formação dos grandes cones aluviais arenosos, recer, possivelmente, na planície do Rio de las Petas
ainda continuaram a existir projeções das águas para (ver­tente direita assimétrica do vale desse rio).
oeste, pela herança de traçado dos cursos divergentes As imagens de satélites evidenciam com uma
anteriormente instala­dos. Até hoje é bem visível a clareza fora do co­mum os numerosos casos de se-
permanência de uma dinâmica fluvial feita à custa de tores abandonados de leitos de rios meândricos,
dejeções nas bordas de leques aluviais em desmante­ ocorrentes no entremeio dos pantanais. Mas existe
lamento (exemplo maior: Taquari). um caso, de grande excepcionalidade, que diz res-
É muito provável que, na origem de algumas peito ao próprio Rio Paraguai ao sair da depressão
depressões não total­mente fechadas existentes nas pantaneira principal. Calcula-se que a faixa de pa-
bordas das serranias, tenha havido uma certa con- leoleito abandonado do Rio Paraguai - na área do
tribuição de fenômenos carstiformes, conforme uma Pantanal do Nabileque, em espaço adjacente à fron-
ilação pioneira de Octavio Barbosa (in CIBPU, teira paraguaia - tenha um eixo norte-sul, da ordem
1971, referido por Gross Braun). Entretanto, para de 140 quilômetros, aproximadamente. Hoje o Pa-
explicar a forma arredondada ou semielíptica das raguai (enriquecido por todas as águas que consegue
lagoas existentes na planície fluviolacustre situada captar na de­pressão pantaneira), ao passar pelo setor

511
ginais que foram abandonados junto ao paleocanal
do anti­go Rio Paraguai.

Flutuações climáticas e mudanças ecológicas na


Depressão do Alto Paraguai

O Pantanal é a mais espessa bacia de sedimen-


tação quaternária do País. O pacote detrítico pou-
pado em seu interior detém de 400 a 500 m de sedi-
mentos acumulados. Ainda está para ser recuperado o
signifi­cado paleoclimático desse material, empilhado
por subsidência durante o Pleistoceno. No entanto, a
Foto 8. Paisagem do extremo sudeste da depressão última sequência da evolução fisiográfica e geoecoló-
pantaneira, incluindo lagoas temporariamente secas gica da região está inscrita na distribuição de seus se-
e largas galerias de florestas decíduas (cordilheiras). dimentos mais recentes e na combinação de ecossis-
Nessa área, como em quase todo o Pantanal, a dife- temas estabele­cidos sobre as diferentes unidades de
rença entre o mosaico terra-água na estação das chu- terrenos, ora muito alagáveis ora semiconsolidados.
vas e na estiagem é muito contrastada, em todos os No revestimento fitogeográfico da depressão panta-
ecossistemas (Foto: Ab’Sáber, maio de 1953). neira, participam três grandes províncias da natureza
sul-ameri­cana que, recentemente, exploraram bio-
logicamente seu espaço total, multiplicando tipos e
Fecho dos Morros-Porto Murtinho, descreve um nichos de habitats capazes de asilar faunas. Relictos
longo arco irregular para oeste, restando a dis­tância florísticos, relacionados a penetrações anteriores de
de até 60 km do seu antigo cinturão meândrico vegetação proveniente de áreas secas, constituem um
abandonado. Já tínhamos experiência de observação quarto tipo de componen­tes bióticos, ao lado da flora
de paleocanais no bolsão fluvioalu­vial do Baixo Ri- do Cerrado, do Chaco e da Pré-Amazô­nia. Cada um
beira em São Paulo; mas nunca vimos nada de tão deles possui espaço próprio no interior e no entorno
bem marcado e extensivo quanto esse paleocanal de da grande planície hidrogeomorfologicamente di-
um grande rio meândrico, à saída do domínio dos versificada. Estudos rea­lizados a partir da década de
pantanais. Desvios naturais de cursos desse porte 70 eliminaram o antigo epíteto de “Com­plexo do
fazem refletir sobre a possibilidade de ter a tectônica Pantanal”, já que a região apresenta um mosaico in-
residual holocênica atuado dentro e fora do Pantanal tegrado de paisagens e espaços geoecológicos perfei-
Mato-Grossense, até a ins­tável área sísmica de Entre tamente visualizáveis e cartografáveis. Nos primór-
Rios (Argentina). Apenas um registro. dios dos trabalhos do Projeto Radam, cha­mamos a
Nessa importante faixa de antigo leito do Rio atenção para esse fato. E Henrique Pimenta Veloso
Paraguai, na área ter­minal de seu curso em território foi quem iniciou a grande tarefa de decodificar o
brasileiro, existe o Rio Nabile, que dre­na os corixos “complexo” e estabelecer as bases para uma verda-
dos banhados interpostos entre o paleoleito fluvial e deira cartografia fitogeográfica da região. Na década
as encostas baixas da Serra da Bodoquena. No pa- de 1980, Adámoli (1981) escreveu sobre o assunto.
leocanal meândrico - ora em seu próprio interior, Nos estudos que fizemos sobre os domínios
ora fora do cinturão abandonado -, o Rio Nabileque morfoclimáticos e fitogeográficos brasileiros identi-
corre de norte para sul. Trata-se, talvez, do mais fla- ficamos, entre as áreas nucleares das grandes regiões
grante exemplo de rio misfit encontrado no Brasil: naturais do País, uma série de faixas, setorialmente
um rio de tamanho pouco significativo, ocupando o diferenciadas, de contato e transição climática, pe-
largo canal abandonado do velho curso do Paraguai, dológica e geoeco­lógica. Foi fácil perceber que as
com forte nível de reconstrução durante a estação transições ao longo de áreas topogra­ficamente não
chuvosa. Uma antiguidade relativa, remontante talvez diferenciadas se faziam por composições e mosaicos
apenas a algum momento dos meados para os fins do sutilmente diferenciados (mosaico cerrado-matas,
Holoceno, comportando poucos milhares de anos. por exemplo), e que em certas áreas ocorriam tam-
Convém assinalar que o Nabileque - a despeito de pões fitogeográficos (matas do cipó) interpostos
ser um curso d’água subadaptado ao grande leito an- entre matas atlânticas e caatingas planálticas (SE da
tigo do Paraguai na região - desenvolve um impor- Bahia), ou grandes áreas de adensamento de palmá-
tante papel para o homem e a sociedade da planície ceas interpostas entre matas pré-amazônicas, cer-
aluvial da região, já que ele faz o papel de controlador rados e caatingas (zona dos cocais). Nas terras altas
das cheias e vazantes dos corixos interpostos entre a do Brasil de Sudeste, podem identificar-se, nessas
serra e a depressão do paleocanal. De certa forma, o faixas críticas de mudanças de natureza, casos de ve-
Nabileque rompe a barreira relativa dos diques mar- lhas cordilheiras que serviam de principal “tampão

512
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
25

orográfico” de separação entre matas atlânticas e e homogeneização de revestimen­tos florísticos.


cerrados interiores, incluindo sutis zonações altitu- O nível dos oceanos, durante a última gla-
dinais de flora, culminando por relictos de pradarias ciação, estava a -100 m. Não existia grande recheio
de cimeira e minienclaves de vegetação relacionados sedimentar na soleira do Fecho dos Mor­ros. As cor-
a antigos climas secos (Espinhaço). Nessa or­dem de rentes frias sul-atlânticas estendiam-se muito mais
considerações, o Pantanal Mato-Grossense funciona para o norte, ao longo da costa externa brasileira. No
como um notável interespaço de transição e contato, interior da Depressão do Alto Paraguai, a tempera-
comportando: fortes penetrações de ecossistemas tura era três a quatro graus mais fria do que hoje, e
dos cerrados; uma participação signifi­cativa de floras as precipitações eram muito inferiores às atuais, exis-
chaquenhas; inclusões de componentes amazônicos tindo áreas com menos de 300 mm anuais. Quase
e pré-amazônicos; ao lado de ecossistemas aquáticos todas as faces de escarpas e serranias - aquelas vol-
e subaquáticos de grande extensão, nos “pantanais” tadas para oeste, as do norte e do leste, como as do
de suas grandes planícies de inun­dação. Espremidos sul - eram secas, comportando solos variando de
nos patamares e encostas de serranias, por entre pai- sub-rochosos a rochosos, e incluindo tratos de chão
sagens chaquenhas e matas decíduas ou semidecí- pedregosos. Não se trata de hipóteses aleatórias, mas
duas de encos­tas, ocorrem relictos de uma flora ou- de uma reconstrução baseada na integração de fatos
trora mais extensa, relacionada ao grande período de pontuais, documentados no campo.
expansão das caatingas pelo território brasilei­ro, ao Efetivamente, no estudo do Quaternário do
fim do Pleistoceno. Pantanal Mato-­Grossense, para a compreensão das
Por todas essas razões, o Pantanal Mato-Gros- flutuações climáticas modernas incidentes sobre
sense - pela sua posição de área situada entre pelo a região, existem três tipos de documentos signifi-
menos três grandes domínios mor­foclimáticos e fi- cantes, a saber: a presença de uma formação calcária,
togeográficos sul-americanos - funciona como uma oriunda da con­centração de carbonatos removidos
imensa depressão-aluvial-tampão e, ao mesmo tempo, de rochas calcárias muito antigas, em condições de
como receptácu­lo de componentes bióticos prove- clima e pedogênese semiárida (Formação Xaraiés),
nientes das áreas circunvizinhas. Nesse sentido, como de idade pleistocena, não especificada; ocorrências
acontece com todas as faixas de transição e con­tato, significativas de stone lines em áreas tão distantes
o Pantanal Mato-Grossense se comporta, em termos entre si quanto as colinas de Cuiabá, as vertentes do
fitogeográficos, como um delicado espaço de tensão Maciço do Urucum; e, enfim, os gigantescos leques
ecológica. Em termos zoogeográficos, devido à sua aluviais arenosos formados por todos os quadrantes
extraordinária diversificação de habitats e potenciali- da depressão pan­taneira (menos seu lado ocidental),
dades de cadeias tróficas, ele funciona como centro de que documentam um desembo­que maciço de de-
con­centração competitiva, numa espécie de réplica às tritos arenosos, sílticos e pro parte argilosos, a partir
áreas de difusão. Fato que redunda em uma riqueza dos sopés de escarpas estruturais dotadas de drena-
biótica ímpar, dentro e fora do País. Uma riqueza que, gens obsequentes. A isso tudo acrescenta-se um do-
de resto, deve ser preservada a qualquer custo, inde­ cumento vivo, representado por relictos de caatingas
pendentemente da existência de governantes e tecno- arbóreas e cactáceas, vinculadas a antigas expan­sões
cratas insensí­veis e cooptantes com a predação. das caatingas do Nordeste Seco. Componentes das
Toda a exploração biológica do espaço total do caatingas pela rede de sondagens arbóreas e cactáceas
Pantanal Mato-­Grossense, de que resultou a sua es- peculiares ao Nordeste per­maneceram amarrados às
plêndida diversidade biológica atual, foi elaborada a vertentes inferiores de serranias e seus patamares de
partir de um quadro fisiográfico e hidrológico poste- pedimentação, espremidos entre florestas semidecí-
rior a uma fase seca, em que existiam minguados re- duas e os primeiros bosques chaquenhos mistos.
cursos hídricos e um outro modelo de ocupação dos Quando houve essa importante penetração
espaços geoecológicos. Na época em que se desen- de climas e floras semiáridas no interior e bordos da
volveram chãos pedregosos nas vertentes e patamares depressão pantaneira, as drenagens eram raquíticas,
de serranias, e em que se ampliaram leques aluviais envolvendo canais anastomosados e uma dinâmica
por milhares e dezenas de milhares de quilômetros hidroló­gica intermitente sazonária. Eram rios de
de extensão (cone do Taquari, por exemplo), imperava leitos trançados, contidos en­tre bordos de grandes
um quadro fisiográfico e ecológico de resis­tasia: der- leques aluviais rasos. Iniciou-se aí, porém, um pro-
ruimento, em cadeia, das formações superficiais dos cesso generalizado de retrabalhamento de areias re-
planaltos circundantes e acumulação, progressiva e movidas das dejeções terminais dos grandes cones
continuada, de detritos sobre dorso dos imensos e rasos aluviais em crescimento. Essa recuperação das areias
cones de dejetos areno-síltico-argilosos. Num quadro excedentes dos leques aluviais foi, por sua vez, deci-
assim, de desmantelamento paisagístico e espacial, e siva para criar o substrato arenoso dos “pantanais”.
de acumulações rápidas e incessantes, existem poucas Mais tarde, quando os climas se tornaram muito
possibilidades para desenvolvimento de ecossistemas mais úmidos e uma nova geração de canais fluviais

513
meândricos se sobrepôs aos embasamentos arenosos, uma espécie de paleossolo, de clima seco, alimentada
as áreas de banhados continuaram dominadas por por calcários residuais removidos de formações mais
areias, fato que favo­receu diretamente o estabeleci- antigas: no Vale do São Fran­cisco, a fonte é a For-
mento dos canaletes subanastomosados dos corixos. mação Bambuí; nos arredores de Corumbá, a matriz
Tudo isso acontecendo no momento em que os di- primária é constituída pelos calcários do Pré-Cam-
ques marginais de cursos de água meândricos, de briano Supe­rior - Grupo Corumbá. São solos an-
diferentes portes e confor­mações, criaram condições tigos e microbacias rasas de de­posição descontínua,
para expansão de florestas beiradeiras (decíduas ou relacionados a uma reativação local de pedocals, fato
semidecíduas) nos diques marginais em formação. muito raro em todo o Brasil. Um segundo aspecto
As gran­des cargas de areias, siltes e argilas existentes que diz respei­to aos calcários residuais de Corumbá
no espaço total da região, ao fim do período dos le- é o fato de que, ali, eles podem ter sua posição geo-
ques aluviais, facilitavam retrabalhamentos suces- cronológica mais esclarecida do que a dos calcários
sivos, sob novo modelo de canais. O crescimento de das caatingas - a Formação Xaraiés remonta ao
diques mar­ginais - ao mesmo tempo que contribuía Pleistoceno Médio ou Médio Superior -, porém
para encarcerar banhados, criando vastas áreas de são nitidamente anteriores à grande época da for-
inundação a partir dos reversos de diques beiradeiros mação de chãos pedregosos do Pleistoceno Superior.
- favorecia a implantação de biomassas florestais no Existem chãos pedregosos que estão sotopostos aos
interior das grandes planícies. Mudanças ocasionais Calcários Xaraiés (CIBPU, 1971, pp. 96-97, fotos de
de setores da drenagem meândrica fizeram com que Gross Braun), nos arredores de Corumbá. Por outro
réstias de vegetação arbórea (florestas deciduais e/ lado, os depósitos detríticos das encostas do Morro
ou cerradões) ficassem interiorizadas em relação à do Urucum, representados por antigos chãos pedre-
margem dos rios atuais, formando aquilo que, na gosos sotopostos a paleocanais de escoamento, in-
linguagem popular dos panta­nais, é designado por cluem fragmentos de limonita, areias e resíduos de
“cordilheiras”. Nesse nível de considerações, pode-se pedalfers, nitidamente pós-Xaraiés.
perceber que fatos tidos como muito complexos co- Na formação da Bacia do Pantanal, por muito
meçam a ser melhor entendidos. tempo dominaram condições semiáridas; mesmo
Desde há muitos anos, Fernando de Almeida assim, ocorreram pequenas fases úmidas, antes da
caracterizou a Forma­ção Xaraiés como calcários re- fase de afundamento que criou aquela bacia detrí-
siduais, aparentados com os chamados “calcários das tica, e durante ela. A reconstrução da história total
caatingas”, tão comuns no médio vale inferior do das mudanças climáti­cas e paleoecológicas ainda
Rio São Francisco, correlacionados a climas secos está longe de estar bem estabelecida. Alvarenga e
do Quaternário por Branner (Almeida, 1964). Vale seus companheiros de equipe (1984) adiantam al-
a pena transcrever a notável descrição da posição de gumas considerações sobre as possíveis flutuações
tais calcários nos patamares de pedimentação das climáticas cenozoicas da região pantaneira, dizendo
serranias fronteiriças: que “os climas variaram, provavelmente, de semiá-
Superfícies de pedimentação, testemunhos de rido para tropical úmido, pelo menos quatro vezes
climas pretéritos mais secos, estendem-se às no Pleis­toceno e duas ou três vezes em períodos
abas dos morros que circundam o Pantanal. Vê- mais longos no Terciário”. Ainda que não tenhamos
se claramente sendo afogadas nas aluviões mo- documentação para comprovar tais asserções, é pos-
dernas, de que se erguem inselbergs, à maneira sível que elas estejam bem próximas dos eventos que
de ilhas num litoral de afundamento. Sobre as devem ter ocorrido. Já comentamos as questões pa-
superfícies, no município de Corumbá, estende- leoclimáticas que redunda­ram na formação do pe-
se uma cobertura calcária descontínua, a Forma- diplano cuiabano e suas extensões. Cumpre pôr um
ção Xaraiés (Almeida, 1945), produto de mate- pouco de ordem nos conhecimentos acumulados
riais transportados e carbonatos precipitados em sobre a evo­lução dos paleoclimas quaternários, desde
condições idênticas às do calcário da Caatinga, a dissecação do pediplano cuiabano até a formação
da Bahia, descritas por J. C. Branner (1911). da Bacia do Pantanal, pedimentos dos seus bordos,
baixos terraços cascalhentos, paleossolos dos calcários
Almeida ainda acrescenta que a Formação Xaraiés, paleoleques aluviais, planícies meândricas e
Xaraiés “contém res­tos de angiospermas e de grandes banha­dos pantaneiros. Os eventos parecem
gastrópodes, possivelmente pleistocênicos, entre ter ocorrido um pouco nessa ordem de citação. Con-
eles Bulimulus, que também existe no calcário da dições ambientais rústicas vêm acontecendo desde a
Caatinga” (Almeida, 1964, p. 107). época mais antiga dos processos de pedimentação. O
Julgamos oportuno lembrar que essa formação pedimento intermediário superior foi o mais amplo
calcária residual comporta-se, no tabuleiro ondulado e exatamente aquele que deixou menor número de
dos arredores de Corumbá, como uma espécie de for- indicadores correlativos. O pedimento intermediário
mação edafoestratigráfica. Ela é, na sua maior parte, inferior, responsável pelo nível das colinas onduladas,

514
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
25

embutidas nos pediplanos e/ou pedimentos mais ques de florestas, semidecíduas a decíduas, em largas
altos, contém paleossolos carbonatados na zona dos faixas de diques marginais, setores mais enxutos das
patamares de serranias (Corumbá) e resíduos retra- planícies aluviais e paleodiques interiorizados. As-
balhados de cascalhos fluviais antigos na região de sociações de palmáceas se expandi­ram pelos campos
Cuiabá. Nessa mesma área, os baixos terraços flu- menos alagáveis, representando componentes das
viais do vale do Rio Cuiabá revelam condições muito floras pré-amazônicas (zonas de cocais). Compo-
ásperas de deposição fluvial, comportando depósitos nentes isolados de flo­ras amazônicas puderam me-
clásticos fluviais grosseiros e angulo­sos, denotando drar em lagoas de barragem fluvial, à margem dos
um clima temporariamente muito rústico. E, por rios meândricos, procedentes de serranias e chapadas
fim, ainda dentro do Pleistoceno Terminal, sobre- si­tuadas ao norte dos pantanais. Inclui-se, no caso, a
veio a fase dos grandes leques aluviais no interior da recorrência de agru­pamentos de vitórias-régias e ou-
depressão detrítica (Bacia do Pantanal), e chãos pe- tras ninfeáceas, desenvolvidas em bra­ços mortos de
dregosos, documentados pelas sucessivas descobertas rios meândricos. Na margem de alguns rios, em rasos
de legítimas stone lines em áreas tão distantes entre si leitos de estiagem, desenvolveram-se ecossistemas
quanto as colinas onduladas de Corumbá, ou as ver- vegetais subaquá­ticos, à moda dos igapós de beira-rio
tentes das colinas cuiabanas. Isso tudo termina, mais do Alto Rio Branco (Roraima) ou dos rios acreanos.
ou menos bruscamente, entre 13 e 12 mil anos antes Apenas na área sudoeste, em várzeas desenvolvidas
do presente, quando se inicia o lento e descontínuo em terras firmes, aparecem buritizais. E os grandes
processo de reumidificação do interior e bordos da pantanais, que pos­suem baixo nível de formação de
grande depressão, fato princi­pal da preocupação do verdadeiros brejos - dadas as condi­ções arenosas de
presente estudo. seu substrato -, incluíram diferentes tipos de floras
A umidificação holocênica, sob sazonalidade subaquáticas extensivas, conforme o grau de umidade
marcante, não foi tão homogênea como se poderia e o tempo de permanência da inundação, ao longo de
pensar. Nos bordos orientais da de­pressão pantaneira seus vastos espaços, sob o controle ou não de sistema
ocorrem atualmente precipitações de 1.100 a 1.400 de canaletes anastomosados dos corixos. Pelo lado
mm anuais e, ao norte, de 1.000 a 1.800 mm. No oposto, bosques chaquenhos marcadamente mistos,
entanto, do centro da depressão para a fronteira com relacio­nados com a vegetação do Chaco Ocidental,
a Bolívia e o Paraguai, as isoietas decrescem para entraram até aos patama­res de pedimentação co-
menos de 800-850 mm, em pelo menos dois setores; linosos dos sopés do planalto e serranias da Bodo-
ocorrem precipitações médias de 850 a 1.000 mm quena, a sudoeste do grande Pantanal, quando o Rio
nas faixas norte-sul e centro-ocidental dos pantanais Paraguai transita pela área do Fecho dos Morros-
mato-grossenses. Disso re­sulta que as áreas mais Porto Murtinho, na direção do Paraguai e Argentina,
alagadas, que ocupam exatamente as faixas mais através de traçado meândrico em arabesco, muito
deprimidas do terreno (85-110 m de altitude), são próximo do sistema de meandração que caracteriza
exatamente aquelas menos úmidas e relativamente seus formadores, ao embocar na região dos grandes
mais secas. Não fossem os grandes banhados ali exis- pantanais.
tentes, existiriam condições climáticas similares, pelo
menos, às dos “agrestes” nordestinos, dotados de caa- O significado do Pantanal Mato-Grossense para a
tingas arbóreas. Teoria dos Refúgios e Redutos
Essa umidificação setorizada da grande de-
pressão pantaneira fa­voreceu a ampliação de cerrados,
campos cerrados e cerradões no dorso do macroleque A sequência deste artigo se encontra após o
aluvial do Taquari, numa conquista leste-oeste dos comentário do Prof. P. E. Vanzolini na próxima
es­paços geoecológicos regionais. No mesmo tempo, página
extensas áreas dos pantanais setentrionais, incluindo
leques aluviais de menor extensão, receberam bos-

515
A contribuição de Aziz Ab'sáber à
Zoologia sistemática

P. E. Vanzolini

Aziz Ab’Sáber tem destacada contribuição à


Zoologia Sistemática do Brasil em duas frentes princi-
pais. Primeiro, pelo seu conceito de domínios morfocli-
máticos, que é um modelo de alta integração ecológica
e estrita correspondência às grandes paisagens brasilei-
ras. Este modelo permitiu descrições e interpretações
biogeográficas antes impossíveis.
Segundo, por ter aberto aos zoólogos a bibliogra-
fia geomorfológica que permitiu a aplicação de modelos
de especiação geográfica a problemas de diferenciação
geográfica de animais sul-americanos. Fui participante
dessa segunda fase e posso dar depoimento. Eu estava
com meu colega Ernest Williams estudando o padrão de
diferenciação geográfica de Anolis chrysolepis (Vanzolini e
Williams, 1970), um pequeno lagarto arborícola distribuído
do Caribe até São Paulo. Tínhamos excelentes materiais
e pudemos executar uma boa análise estatística, mas não
conseguíamos interpretar o padrão observado com base na
presente ecologia do Brasil, especialmente da Amazônia.
Era evidente que, em um passado geológico recente, a dis-
tribuição de matas e formações abertas tivesse sido radical-
mente diferente da atual. Aziz indicou-me os trabalhos de
Cailleux e Tricart (1957) sobre vicissitudes climáticas na
Amazônia, que forneceram a chave para a interpretação.
Esse modelo foi, mais tarde, conhecido como “Teoria dos
Refúgios”. Pouco antes de nós, o ornitólogo alemão Jürgen
Haffer (1969) tinha publicado um trabalho paralelo sobre
especiação de passarinhos amazônicos, partindo porém da
consideração de padrões climáticos atuais, não com base na
geomorfologia.

Referências bibliográficas

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phologiques au Quaternaire au Brésil. C.R. Sommaire de la Soc. Biogéogr.,
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cies group (Sauria, Iguanidae). Arq. Zool., São Paulo, 19 (1-2):1-124 e
(3-4):125-298.

516
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
25

O significado do Pantanal Mato-Grossense para a no domínio dos cerrados e notáveis modifica­ções no


Teoria dos Refúgios e Redutos quadro físico, geoecológico e biótico do Pantanal
Mato-Gros­sense. Quando o Nordeste seco esteve
Temos insistido em que a chamada Teoria dos ampliado ao máximo nos territó­rios inter e subtro-
Refúgios e Redutos foi um dos mais importantes picais do Brasil, entre 13 mil e 23 mil anos antes do
corpos de ideias referentes aos mecanismos padrões presente, padrões de caatinga arbórea e arbustiva
de distribuição de floras e faunas na América Tropical. chegaram, respectiva­mente, nos bordos e no centro
Não é exagerado dizer que essa teoria, nascida de de um grande bolsone, dominado por leques aluviais
considerações sobre as flutuações climáticas do Qua- gigantescos, na área onde hoje se situam os “panta-
ternário na América do Sul e Central, cons­tituiu-se nais” da grande depressão regional. Foram necessários
numa das mais sérias tentativas de integração das 12 a 13 mil anos para recompor a tropicalidade na
ciências fisiográficas com as ciências biológicas, ocor- depressão pantaneira; a história dessa re­composição
ridas depois do Darwinismo. Em sua essência, a paisagística, através de uma retomada da exploração
Teoria dos Refúgios e Redutos cuida das repercus- biológica dos espaços herdados dos climas secos, é
sões das mudanças climáticas quaternárias sobre o um dos grandes episódios da dinâmica das floras e
quadro distributivo de floras e faunas, em tempos faunas, a partir de refúgios e redutos situados em di-
determinados, ao longo de espaços fisiográ­ficos, pai- ferentes sítios das terras altas circunvizinhas.
sagística e ecologicamente mutantes. Tal como ela foi Na área nuclear das caatingas, os atuais sí-
elabora­da no Brasil, pela contribuição de diferentes tios de “brejos” amarra­dos a ilhas locais de umidade
pesquisadores, a teoria dos refúgios e redutos diz constituem-se em um modelo vivo de redutos e
respeito, sobretudo, à identificação dos momen­tos refúgios florestais (Birot, Ab’Sáber, Vanzolini, An-
de maior retração das florestas tropicais, por ocasião drade Lima). No caso do Pantanal - um território
da desintegra­ção de uma tropicalidade relativa pre- deprimido situado entre os domínios dos cerrados,
existente. Nessa contingência, mas­sas de vegetação do Chaco e da Pré-Amazônia -, após a última crise
outrora contínuas, ou mais ou menos contínuas, fi- de secura do Pleistoceno Terminal, houve uma re-
caram reduzidas a manchas regionais de florestas, em conquista do antigo es­paço seco por diferentes stocks
sítios privilegiados, à moda dos atuais “brejos” que de vegetação tropical, a partir de re­fúgios e redutos
pontilham o domínio das caatingas, nos sertões do acantonados nas chapadas, serranias e terras firmes
Nordeste Seco. Os refúgios florestais pleistocênicos adjacentes. A invasão dos cerrados em expansão
seriam os setores de mais demorada permanência da comportou uma colo­nização descendente pelo corpo
vegetação tropical e de seus acompanhantes faunís- geral do grande leque do Taquari, en­volvendo, ainda,
ticos - em forte competitividade - durante os prin- os trechos remanescentes das colinas pedimentadas
cipais períodos de retração das condições tropicais do leste, sudeste e sul da depressão pantaneira. Pelo
úmidas. Esta proposição básica foi muito ampliada lado norte, entraram massas de vegetação periama-
pela colaboração de botânicos, zoológos e geneti- zônica, comportando padrões de florestas tropicais
cistas. decíduas e semidecíduas, além de grandes palmares
Tão importante quanto o entendimento das adaptados a conviver com as condições climáticas e
condições de acentuação da secura, é o esclareci- hidrogeomorfológicas atuais dos setores setentrionais
mento das situações paleoclimáticas que antece­ do Pantanal Mato-Grossense. Pelo extremo sudoeste
deram a progressão da semiaridez, e, por fim, o tema e sul, a depressão pantaneira sofreu a penetração de
máximo, que diz respeito às formas da recomposição compo­nentes florísticos do Chaco Oriental, ela pró-
da tropicalidade, ao longo dos es­paços anteriormente pria transicional quando comparada com a área nu-
dominados por climas muito secos. Para atingir tais clear chaquenha (domínio do Chaco Central). Nessa
objetivos, a Teoria dos Refúgios e Redutos envolveu área do extremo sul-sudoeste, ocorre um complexo
considerações sobre os atuais espaços geoecológicos quadro distributivo de padrões de paisagens filiados
inter e subtropicais, e conheci­mentos sobre a es- ao domínio chaquenho, onde aparecem associações
trutura superficial de suas paisagens, com vistas ao de palmáceas, formações savanoides arbus­tivas, pon-
esclarecimento dos cenários e processos que ocor- tilhadas por componentes arbóreos baixos da flora
reram no Quaternário Antigo, quando existiam ou- chaque­nha, mosaicos de relictos de caatinga arbórea
tros arranjos e dinâmicas de distribuição de floras e e componentes florísticos do Chaco, e eventuais
faunas. Essa forma de conhecimento, marcadamente manchas de cerradões, entremeados com floras cha-
multidis­ciplinária, é particularmente fértil para uma quenhas. A situação de contato entre ecossistemas
sondagem dos efeitos e con­sequências das flutuações diferenciados é uma constante desde os arredores de
paleoclimáticas quaternárias, que determina­ram in- Corumbá até a planície meândrica do Rio Paraguai
terferências morfológicas, pedogênicas e fitogeográ- (Fecho dos Morros-Porto Murtinho), Pantanais do
ficas, muito sensíveis nos espaços amazônicos e tro- Nabileque e encostas ocidentais da Serra da Bodo-
picais atlânticos do Brasil, com repercussões sensíveis quena. Morros e ser­ranias fronteiriças - Urucum-

517
Santa Cruz e Fecho dos Morros - possuem cober- vência, eram prova­velmente as margens de depressões
tura florestal a partir de certo nível topográfico, com periféricas e compartimentos si­milares. Tudo leva a
predomínio de matas densas, de altura limitada, su- acreditar que se dava preferência por pequenas áreas
jeitas a uma condição semidecídua. dotadas de maior diversificação geoecológica e bió-
Na região de Corumbá, espremidas entre as tica, situadas nos sopés e arredores de escarpas are-
encostas dos altos morros florestados e os primeiros níticas; sobretudo os locais onde matas orográficas,
carandazais e parques chaquenhos, ocorrem cactos em situação de refúgios e redutos, eram envolvi­das
e bromélias, ao lado de barrigudas e outras espécies por outros ecossistemas mais extensivos. Enfim, lo-
remanescentes, herdadas de antigas expansões de caa- cais onde a diversidade biológica - numa situação
tingas arbóreas, que atingiram a borda dos pantanais geral de grande predominân­cia de climas secos - era
e ali permaneceram localmente, formando relictos maior, devido à multiplicidade de habitats e as poten-
ou minirredutos de uma flora que pôde resistir, lo­ cialidades de oferendas da natureza.
calmente, ao aumento da umidade e das precipitações. Acreditamos que a área central pantaneira, com
Nos setores colineanos que circundam as morrarias, o predomínio de imensas massas de areias em acu-
existem climas tropicais subú­midos - em que as pre- mulação nos leques aluviais e sob condições de um
cipitações decaem de 1.000 para 850 mm ou menos clima muito rústico e variável, eram setores particu­
-, criando condições para a sobrevivência de um es- larmente repulsivos durante o Pleistoceno Superior.
toque resi­dual de vegetação vinculada a padrões dos Mais repulsiva para o homem; mas nem tanto para a
agrestes nordestinos. Não fora o desenvolvimento da megafauna de mamíferos.
Teoria dos Refúgios e Redutos - e as consi­derações O corredor de terras baixas do Guaporé, que
sobre os antigos espaços ocupados pelos climas secos dava boa conexão com a região do Alto Paraguai, em
do Quaternário Antigo -, dificilmente poderíamos área pré-pantaneira, pode ter sido a faixa de penetração
compreender a presença desses pequenos redutos de de paleoíndios e/ou paleoíndios tardios. Embora a
flora do domínio das caatingas, abando­nados no su- rota principal de migrações fosse oeste-leste, a partir
doeste da depressão pantaneira, quando da retração dos bordos do Planalto Central brasileiro, é possível
dos climas secos e ampliação diferenciada dos climas que alguns pequenos grupos tenham feito volutas na
tropicais úmidos e subúmidos. Trata-se de uma es- direção das bordas do Pantanal e terras firmes boli-
pécie de quarto estoque de vegetação, que ali chegou vianas e paraguaias, quando vigoravam climas secos,
no passado, através de amplos corredores de expan­são, por imensos espaços da América Tropical. Na época,
e que restou semi-isolado pela recomposição da tropi- a área correspondente aos “pantanais” de hoje era
calidade em vastos trechos da depressão pantaneira. particularmente rústica, do ponto de vista cli­mático
Uma referência de particular significado diz e hidrológico, com seu ambiente subdesértico, forte
respeito às relações dos grupos pré-históricos com atuação dos processos morfogênicos de acumulação
o quadro da região pantaneira e suas adjacências. em cones de dejeção, hidrologia intermitente, e vege-
Existem razões para se supor que o roteiro dos grupos tação rala de caatingas arbustivas mal consolidadas.
humanos, de caçadores coletores, que atingiram o sul Os grupos de caçadores coletores devem ter preferido
do Maranhão, o noroeste da Bacia do São Francisco os sopés de escarpas, serranias e abrigos sobre rocha.
e, possivelmente, as terras baixas da Bolívia, Paraguai Muito mais tarde, quando houve uma progressiva re-
e centro-oeste de Mato Grosso, tenha aqui che­gado tomada da tropicalização, perenizando rios, criando
através do arco das terras cisandinas. A certa altura pantanais e enriquecendo a ictiofauna fluvial, a de-
de seu longo deslocamento para o sul, alguns grupos pressão pantaneira tornou-se mais atrativa: grupos
devem ter-se internado para leste, aproveitando uma páleo-tupi-gua­ranis, aos poucos, assenhoraram-se de
série de corredores de colinas e vales, de posição mar- vastas áreas do Pantanal Mato-­Grossense, iniciando
cadamente interplanáltica. As áreas preferidas para sua diáspora por imensas áreas do Brasil.
exer­cer a caça e a coleta, e assim garantir sua sobrevi-
A bibliografia deste artigo se encontra no DVD anexo

518
O PANTANAL MATO-GROSSENSE: UMA BIBLIOGRAFIA GEOMORFOLÓGICA E
CLIMATO-HIDROLOGICA

AB’SÁBER, A. N. Regiões de Circundesnudação Pós-cretáceas no Planalto Brasileiro. Boletim


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Faltam listar nesta relação os trabalhos dos brasileiros Bigarella, Salamuni, Ab'Sáber, Klein,
Absy, Andrade-Lima e outros que contribuíram, substancialmente, na preparação das idéias que
desembocaram na Teoria dos Refúgios e Redutos. Identicamente, falta listar os trabalhos sobre
pólen fóssil e formações superficiais que antecederam a Teoria dos Refúgios e Redutos, tais como
as contribuições de Cailleux, Gonzales e Van Hammen, Tricart, Troll, Lehmann, Raynal,
Mortensen, Dresch, Macar, Mme. Lefèvre, Mme. Bejeau-Garnier, e Mme. Salgado-Labouriau. Há,
ainda, que listar os estudos coletivos editados sob a responsabilida-de de diversos cientistas e
organizações. A. N. AB'SÁBER
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
26

Interdisciplinary Collaboration

Betty J. Meggers

Although the selection of an archeologist to com-


ment on the contributions of Aziz Ab’Sáber might seem
strange, our careers have complemented one another in
several ways. We both began doing research more than
half a century ago, he as a geomorphologist and I as an
archeologist, at a time when both disciplines were poorly
developed in Brazil. In spite of our different specializa-
tions, we both have been interested in applying our knowl-
edge to reconstructing the interaction between humans
and the environment since their arrival in South America
at the end of the Pleistocene. Finally, we both have made
an effort to encourage collaboration by publishing in in-
terdisciplinary journals and participating in international
congresses.
Our disciplines have developed exponentially dur-
ing recent years, both in the number of participants and
the sophistication of the methods. Increasing specializa-
tion, however, has been accompanied by decreasing inter-
est in integrating environmental and archeological data.
We publish in different journals, belong to different pro-
fessional societies, and attend different national and in-
ternational meetings. Paleoclimatologists in Brazil are
either unaware of what anthropologists write about past
and present environmental conditions or do not bother to
challenge interpretations that are incompatible with cli-
matic reconstructions and geomorphological evidence. Ar-
cheologists ignore or deny the existence of temporary and
permanent environmental constraints on human behavior
and cultural complexity, deriving support from the new
field of historical ecology, “the basic premise [of which]
is that Native Amazonians did not adapt to nature, but
rather they created the world that they wanted” (Erickson,
2003, p. 456).

519
Environmental limitations Anthropological dissent

Throughout his long career, Aziz Ab’Sáber The importance of collaboration between
has stressed the importance of reconstructing envi- natural scientists and anthropologists has been en-
ronmental conditions to understand the composition hanced by the growing consensus among the latter
and distribution of archeological remains. He points that Amazonia was occupied by dense sedentary
out that the earlier the arrival of humans, the larg- populations prior to European contact. This inter-
er the number of climatic fluctuations that would pretation is based primarily on three assumptions:
have affected them and the resources on which they 1. that a significant proportion of the composition
depended. Northeast Brasil experienced a series of of the rainforest is anthropogenic; 2. that intensive
long-term droughts not only during the Pleistocene agriculture was practiced on Marajó; and 3. that the
but also during the Holocene that expanded the dimensions of patches of terra preta correspond to
distribution of cerrados and caatingas and altered the size of permanent settlements.
the composition of the biota, followed by more hu-
mid conditions that created new opportunities and Anthropogenic forests
constraints. The Amazonian rainforest, once con-
sidered an ancient formation, suffered long term Based on the conviction that Amazonia was
drought during the Pleistocene that reduced its ex- one of the most densely populated regions in the
tent and opened corridors connecting the savannas Americas prior to European contact and integrated
to the north and those to the south. These episodes into “highly structured networks ruled by powerful
not only affected the terrestrial vegetation and the elites,” anthropologists argue that prehistoric groups
fauna, but the existence of permanent streams. The drastically and intentionally altered the soils and the
combination of drought and low sea level converted vegetation, not only along the major rivers but also
portions of the coast to semi-deserts and depressed throughout the terra firme (Balée, 2003; Erickson,
the bed of the Amazon and its tributaries into deep 2003; Heckenberger, 1992; Whitehead, 1999, p.
ravines. The floodplain reached its present condi- 383). They ignore or deny the relevance of natural
tion only after about 5000 BP, when restoration of processes of varying scope, among them the impact
sea level permitted deposition of fertile sediments. of mammalian seed dispersers, insect pollinators,
Increasingly detailed documentation of these and pathogens on plant distribution, the role of large
fluctuations by climatologists, geologists, geophysi- blowdowns and drought-induced fires in stimulat-
cists, paleoecologists, and other specialists is provid- ing secondary vegetation, and the role of local cli-
ing the basis for evaluating the changing opportuni- matic and edaphic conditions. Until recent decades,
ties and constraints that confronted the initial human these and other biotic, climatic, and environmental
immigrants and subsequent populations. Although factors were more influential than human behavior
much of these data are difficult for anthropologists in modifying the landscape and the biota (Meggers,
to synthesize, Aziz Ab’Sáber has not only done 2003a, p. 90-93).
this for us on several occasions, but has suggested
how environmental fluctuations might explain the Intensive agriculture on Marajó
character and distribution of archeological remains.
For example, he points out a correlation between The best documented archeological evidence
habitation of rock shelters in the northeast and the for relatively dense permanent prehistoric settlement
expansion of the cerrado, and between their aban- in Amazonia is provided by the large number of ar-
donment and the resumption of warmer and wetter tificial mounds on Marajó, where the Marajoara
conditions. He suggests that the Atlantic coast and culture flourished from about AD 500 to AD 1200.
the pantanal would not have been attractive for pa- Based solely on the number of sites, it has been sug-
leoindians, making hypotheses favoring these routes gested that “the Marajoara settlement pattern is ur-
unproductive. He argues that environmental change ban in scale” and that “the population could have
rather than human hunters caused the early extinc- been up to one million” (Roosevelt, 1991, p. 38-
tion of Pleistocene fauna in northeastern Brazil. He 39). Since maintaining such a population required
stresses the inapplicability of the soil use categories a reliable and abundant food supply, it is assumed
recognized in temperate regions to Amazonia, the that “substantial portions of what is now forest in
complex interactions of the tropical forest ecosys- the western half of Marajó was most likely a patch-
tems, and the value of indigenous knowledge. work quilt of cultivated fields” (Smith, 2002, p.28)

520
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
26

and that “the agricultural potential of the Marajó archeologists. All the sites tested consist of multi-
floodplain soils (...) is significant” (Roosevelt, 1991, ple reoccupations by matrilocal households, which
p. 10). move to other locations when local resources become
These assessments are contradicted by the re- scarce. The archeological evidence for discontinuous
sults of a detailed study conducted in 1974 by the occupation is supported by radiocarbon dates that
Organization of American States to evaluate the po- differ by hundreds of years in successive 10 cm levels
tential of Marajó for agricultural development. The in the same excavation and from the same depth in
soils of the eastern half of the island were graded ac- different parts of a site. This pattern is characteristic
cording to four categories of agricultural potential: of the settlement behavior of surviving indigenous
I Good, II Average, III Restricted, and IV Unsuit- communities that practice shifting cultivation and
able. Except for a narrow band along the southern establish its adoption in southwestern Amazonia by
and eastern margin, which was classified as III, all at least 4800 BP (Meggers and Miller, 2006).
of the region was classified as IV, suitable only for
cattle pasture (OAS 1974:8-9). This reflects the Conclusion
well known fact that only the western periphery of
Marajó is susceptible to inundation by the fertile silt From the time of discovery of South America,
of the Amazon. Amazonia has been subject to speculation. To Eu-
ropeans, the luxuriant vegetation and fertile rivers
Anthropogenic soil initially promised unrivaled wealth, and although
expectations have been unrealized, the myths have
The only archeological evidence provided in endured. When Ab’Sáber and I began our investi-
support of dense sedentary populations elsewhere in gations more than fifty years ago, our goal was to
Amazonia is the existence of patches of anthropo- understand the geophysical and climatic character-
genic soil or terra preta along the banks of the Ama- istics of the region and the manner in which these
zon and its tributaries, the dimensions of which are were exploited by the past and present indigenous
considered to correspond to the size and duration populations. We independently concluded that in-
of a permanent settlement. It is assumed that all herent environmental conditions place limits on
patches were occupied contemporaneously and that the density of human settlements and that the ar-
they are the product of the degradation of organic cheological evidence for small and frequently moved
habitation refuse. However, it is also assumed that settlements reflects sustainable adaptation to these
they were created intentionally for permanent in- conditions (Meggers, 1996).
tensive agriculture, although this would have been During recent decades both geophysical, pa-
incompatible with their residential function. These leoclimatic, and biological investigations and ar-
and other uncertainties lead to the admission that cheological fieldwork have experienced exponential
“the historical processes, technologies, and envi- expansion. Simultaneously, increasing globalization
ronmental, demographic, and cultural contexts that has made Amazonia the target of efforts to exploit
produced ADE [Amazonian Dark Earth] may be its seemingly unexploited wealth. An unfortunate
completely alien to the contemporary world” (Erick- consequence of specialization has been diminution
son, 2003, p. 488). Nevertheless, it is argued that it of cross-disciplinary communication. As a conse-
is not the existence of “established agricultural fields quence, growing evidence of the complexity of the
within a circumscribed radius” that needs to be ex- climatic, biotic, and edaphic interactions charac-
plained, but rather “how, when and exactly why hy- teristic of the Neotropical lowland environments
pothesized agrosystems such as these were replaced is ignored or denied by not only by politicians and
by the kind of shifting agriculture currently in use” corporations but by anthropologists. In the words of
(Oliver, 2001, p. 73-74). Aziz Ab’Sáber, “não existia ninguém querendo ou-
The archeological evidence preserved in terra vir” (1989, p. 9).
preta, which consists of almost exclusively of frag- We can understand the indifference of those
ments of pottery, the vast majority undecorated, is motivated by economic and political considerations,
consistent with a domestic origin. Although the pro- but not the denial of anthropologists who are theo-
ponents of permanent occupation have never con- retically motivated by the rules of scientific evidence.
ducted the kinds of excavations necessary to identify If natural scientists are correct, the inherent charac-
the history of occupation, this has been done during teristics and the fluctuating diversity and complex-
surveys along several of the tributaries by Brazilian ity of the tropical forest and cerrado environments

521
of Brazil during previous millennia provided unique Meggers, B.J. and Miller, E. Th. 2006. Evidencia arqueológica
para el comportamiento social y habitacional en la Amazonía
challenges to the survival of human inhabitants in prehistórica. In: Gaspar Morcote Ríos et al, eds., Pueblos y Pai-
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more than academic importance because the exis- of Arizona Press. p. 33-53.
tence of massive deforestation and dense populations WHITEHEAD, N.L. 1999. Native peoples confront colonial re-
gimes in northeastern South America (c. 1500-1900). In: The
in the past testifies to their viability and implies that Cambridge History of the Native Peoples of the Americas,. New
the environmental assessments are wrong. Although York: Cambridge University Press. v.3, pt. 2, pp. 382-442.
I have repeatedly challenged the interpretations of
my anthropological colleagues, my objections have
been dismissed (e.g. Meggers, 1993-95; 2001; 2004b).
Hence I urge geomorphologists, climatologists, and
biologists to follow the example of Aziz Ab’Sáber in
pointing out the environmental constraints to inten-
sive human exploitation and insist on evidence that
these were overcome by precolumbian populations.
Until this is done, the vision that “vast regional poli-
ties (...) once spanned this whole region, incorporat-
ing thousands of individuals into highly structured
networks of alliance and exchange over which pow-
erful elites held a dynastic dominance” (Whitehead,
1999, p. 383) will continue to dominate.

References cited

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Amazônia: questões de escala e método. Estudos Avançados, São
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to Stahl. The Review of Archaeology, 25 (1):31-39.

522
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
26
Zoneamento ecológico e
econômico da Amazônia
Questões de escala e de método

Aziz Nacib Ab’Sáber

1989. Zoneamento ecológico e econômico O conceito de zoneamento ecológico e econômico


da Amazônia: questões de escala exige uma série de entendimentos prévios. Sua aplicação
e método. Estudos Avançados, São
ou utilização em relação a um determinado espaço geográ-
Paulo, 3:4-20.
fico exige método, reflexão e estratégias próprias. Não existe
qualquer possibilidade de dar à questão um tratamento em-
pírico ou de endereçar a ela uma abordagem linear e epi-
dérmica. Os princípios de um verdadeiro zoneamento eco-
lógico (e econômico) não têm condições de ser aplicados
a todo e qualquer tipo de região geográfica e social. Por
sua vez, quando aplicáveis a uma determinada área ou es-
paço, requerem uma multidisciplinaridade plena, pelo fato
de pretenderam identificar as potencialidades específicas
ou preferenciais de cada um dos subespaços ou subáreas do
território em estudo. Essa busca das vocações de cada com-
ponente ou célula espacial, inserida em conjuntos maiores
do espaço regional, exige um conhecimento do mosaico dos
solos; a detecção das tendências de uso econômico ou espe-
culativo dos espaços rurais, urbanos e rururbanos; o balanço
da economicidade dos sistemas de exploração econômica;
os tipos de módulos rurais passíveis de serem instalados
nos espaços liberados à exploração econômica; os fatores de
apoio às atividades agrárias e o balanço das carências ou das
eficiências das infraestruturas preexistentes. Por outro lado,
implica o reconhecimento e a delimitação de espaços defen-
didos por legislações especiais: parques nacionais, reservas
indígenas, reservas biológicas, estações ecológicas, setores
críticos dos espaços ecológicos (cabeceiras de drenagem,
florestas beiradeiras) e outras áreas de proteção obrigatória
ou parcial. A amplitude das tarefas exige uma participação
variada de especialidades pertencentes a diferentes áreas do
conhecimento, sob a batuta de pessoas treinadas em mé-
todos de planejamento regional.
Estabelecer as bases de um zoneamento ecológico
e econômico em uma determinada conjuntura geográfica
equivale a realizar um estudo para determinar a vocação de

523
todos os subespaços que compõem um certo território, Há, portanto, que se trilhar outros caminhos meto-
e efetuar o levantamento de suas potencialidades eco- dológicos e adotar estratégias mais precatadas, a fim
nômicas, sob um critério basicamente ecodesenvolvi- de ser mais útil à região, às comunidades residentes
mentista. Para tanto, existe um feixe de metodologias e ao país. Acredita-se que, na oportunidade de
aplicáveis, elaboradas por agrônomos, geógrafos, ecó- assentar as bases metodológicas para um zoneamento
logos, engenheiros florestais e cartógrafos, na con- ecológico das terras amazônicas, venha a ser possível
dição de alguém dentre eles possuir uma boa noção atender tais objetivos, com maiores possibilidades de
de planejamento regional. acerto.
A metodologia que mais se aproxima dessa
tarefa é a dos agrônomos que, com relação ao zo- Zoneamento ecológico e econômico: uma discussão
neamento dos espaços rurais, possuem, desde há conceitual
muitos anos, técnicas para a identificação das classes
de capacidade de uso preferencial dos solos de uma Um esforço para realizar um zoneamento, dito
região. Essa metodologia foi bastante aperfeiçoada ecológico e econômico, de um espaço geográfico da
desde que se generalizou o uso de aerofotos e outros ordem de grandeza de um grande domínio morfo-
tipos de imagens (radar, satélites) como documentos climático e fitogeográfico, é uma tarefa que implica
básicos de apoio, para a interpretação do mosaico muitos pressupostos. A saber: demanda uma reflexão
regional dos solos, em suas respectivas unidades de orientada para o entendimento integrado do com-
relevo. Infelizmente, o uso abusivo dessas técnicas, plexo natural da região, incluindo o conhecimento da
sem a necessária adequação para condições regionais natureza dos seus contrastes internos. Envolve uma
muito diversas, ocasionou uma certa desmoralização metodologia ecodesenvolvimentista para as questões
científica de sua aplicação. Tratava-se de uma meto- básicas de utilização dos espaços físicos e ecológicos,
dologia por demais genérica e pretensamente uni- a par com uma metodologia pragmática e cuidadosa
versal, que perdia parte de sua objetividade quando sobre a forma mais conveniente e dinamizadora para
aplicada a regiões morfoclimáticas e geopedológicas a utilização dos recursos eventuais do solo e sub-
muito diversas daquelas que serviram de modelo solo. Envolve a recuperação correta das experiências
para o teste original da classificação. Nesse sentido, anteriores, incluindo uma análise das razões do seu
não será demais lembrar que a identificação e o ma- fracasso ou de seu sucesso. Implica um cruzamento
peamento das classes de capacidade de uso do solo dos conhecimentos sobre os fatos fisiográficos e eco-
foram técnicas criadas para serem aplicadas às re- lógicos com os fatos da conjuntura econômica, de-
giões temperadas dos EUA, não podendo ser trans- mográfica e social da região. Além disso, tem que se
portadas rigidamente para grandes conjuntos de proceder a uma avaliação do papel que as cidades e
terras equatoriais, tropicais ou semiáridas, para não a rede urbana preexistente podem desempenhar nos
falar em regiões de natureza climática e ecológica processos de desenvolvimento incentivado. Em ca-
mais extremadas (desertos, tundras, altas monta- ráter obrigatório, precisa-se reunir toda a documen-
nhas). Em boa hora, no Brasil, alguns pesquisadores tação sobre a extensão, a distribuição e a tipologia
da área agronômica, mais bem-avisados, têm procu- das áreas de preservação e conservação existentes no
rado realizar as adequações necessárias, para tornar o interior da área em estudo. Da mesma forma que de-
reconhecimento das classes de uso dos terrenos mais verá obter todos os informes sobre as infraestruturas
adaptáveis a determinadas situações da natureza re- instaladas ou em processo de instalação, envolvendo,
gional brasileira. ainda, o conhecimento do mosaico de planos, pro-
Em relação à Amazônia, o estabelecimento gramas e projetos propostos para a região, em dife-
puro e simples de uma carta das classes de capaci- rentes tempos por diferentes órgãos.
dade de uso do solo poderia induzir os especuladores Não há como aceitar a ideia simplista de que a
e os administradores mal-avisados a cometer as pro- determinados espaços ecológicos devem corresponder
postas agrárias mais absurdas, com base numa meto- espaços econômicos, numa sobreposição plena e to-
dologia que não tem potencial de aplicabilidade às talmente ajustável. É totalmente utópico pensar-se
condições ecológicas e fisiológicas regionais. A pró- que o potencial dos recursos naturais de uma área
pria cartografia extensiva do Projeto Radam, diri- possa ser avaliado em termos de uma sociedade ho-
gida para o uso potencial dos solos, tem se mostrado mogênea na sua estrutura de classes e de padrões de
ineficiente e perigosa, quando utilizada com rigidez, consumo. Somente as comunidades indígenas têm a
favorecendo as mais diversas distorções, pelos inte- possibilidade de utilização direta dos recursos ofe-
ressados no uso empírico dos espaços amazônicos. recidos por um espaço geoecológico determinado.

524
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
26

Pelo oposto, as sociedades mais complexas avaliam Extensividade das regiões geoecológicas e limitações
os recursos ecológicos de um modo altamente seto- espaciais dos núcleos geoeconômicos e industriais
rizado, procurando utilizar apenas aqueles que mais
diretamente interessam ao seu tipo de atividade. As A experiência brasileira demonstra uma forte
chamadas classes produtoras veem na natureza tendência para o desajuste entre as regiões geoeco-
apenas os recursos que interessam ao tipo de ativi- lógicas em face das regiões geoeconômicas subme-
dades a que se dedicam. Têm outras óticas para a per- tidas a processos de industrialização espacialmente
cepção da economicidade dos recursos naturais. Ao restritos. Enquanto perduraram grandes espaços
se utilizar da biomassa vegetal ou animal que compõe geoecológicos submetidos a ciclos agrários regionais,
a natureza regional, alguns retiram apenas o que lhes a tendência se fez na direção de uma ampliação da
interessa, comportando-se com uma insensibilidade rede urbana regional de apoio às atividades agrárias e
plena em relação à predação dos componentes que à comercialização da produção. Surgiram as cidades
se encontravam em combinações integradas no meio da região canavieira. Cidades do café. A frouxa rede
ambiente. Uns se interessam apenas pela obtenção das de cidades da Campanha Gaúcha. As cidades da
peles de animais silvestres ou couros de jacarés. Não região do cacau. Com o desenvolvimento da soja,
lhes interessa a preservação da diversidade biológica, houve uma revitalização urbana extraordinária das
nem tampouco as perturbações e interferências nas velhas cidades do Oeste do Paraná e do Oeste de
cadeias tróficas. Outros têm como alvo apenas as ma- Santa Catarina, sem uma grande ampliação numé-
deiras de lei existentes no entremeio da floresta um- rica dos centros urbanos.
brofílica heterogênea. Não lhes interessa a sorte e o As coisas se passaram de modo inteiramente di-
destino do resto das matas, com as madeiras brancas verso com as áreas que, em função dos capitais criados
existentes nos interstícios das árvores de maior valor pelos ciclos agrícolas e outros fatores (migrações, in-
comercial. Outros, mais ainda interessados na explo- vestimentos estrangeiros), puderam deslanchar uma
ração total da madeira para carvão vegetal, a fim de industrialização sub-regional. Aí, a tendência para a
viabilizar a famosa planilha de custos de suas ativi- concentração industrial em determinados espaços foi
dades industriais. Diante de tal mentalidade, pouco o processo mais habitual e sobretudo de mais difícil
adiantou o extraordinário trabalho sofrido de gera- reversão. A concentração horizontal tem sido um
ções e gerações de coletores que contribuíram para a fato: região industrial de São Paulo, envolvendo sub-
preservação de grandes massas florestais em regiões núcleos na direção do Vale do Paraíba, de Cubatão,
como a Amazônia. Tais fatos nos permitem fixar a Jundiaí-Sorocaba-Campinas; região industrial do Rio
ideia de que a avaliação das potencialidades naturais de Janeiro; região industrial de Belo Horizonte; re-
de um determinado espaço (excluídas as riquezas de gião industrial de Porto Alegre; região industrial de
subsolo) ficam na dependência dos interesses e tipos Recife-João Pessoa; Distrito Industrial de Manaus;
de atividades de cada produtor da sociedade capita- distritos industriais de Salvador-Feira de Santana,
lista-consumista. entre outros.
Num segundo nível de considerações, é preciso A verificação da posição das regiões de alta den-
fixar a ideia de que qualquer que seja o critério para sidade de funções econômicas em relação às grandes
identificar e delimitar regiões geoecológicas, poderão regiões naturais do país - na escala de domínios
ocorrer desajustes maiores ou menores entre a área morfoclimáticos e fitogeográficos - guarda alguns
de extensão das condições naturais, grosso modo, ho- ensinamentos úteis. Ao longo das terras tropicais
mogêneas, e a área de abrangência e atuação das in- atlânticas do país, predominam núcleos excêntricos
fraestruturas instaladas. Mesmo quando as atividades de industrialização, amarrados a sítios portuários e
econômicas primárias, como a exploração extrativista, áreas do tipo cabeças-de-ponte do povoamento histó-
têm remanescentes generalizados no espaço regional, rico. Para o interior, alguns raros compartimentos de
ainda assim, existem variações sub-regionais ou lo- planalto ou depressões intermontanas, urbanizadas e
cais dependentes da organização urbana regional, sis- industrializadas, em conexão direta com sítios por-
temas de transportes, tipologia da circulação, círculos tuários mais ou menos tradicionais. No domínio dos
de distância em relação aos polos de comercialização cerrados, em terras dos planaltos centrais, ocorre a
dos produtos silvestres ou agrícolas, iniciativas desen- presença de núcleos subcentrais (Brasília-Goiânia-
volvimentistas, progressão das infraestruturas mo- Anápolis; Campo Grande, Uberlândia-Uberaba),
dernizantes, valor diferencial das terras e diferenças a par com núcleos excêntricos (Cuiabá, Corumbá).
hierárquicas no interior das redes urbanas regionais. A própria região industrial de Belo Horizonte está
situada em área marcadamente transicional, no pie-

525
monte do Quadrilátero Central Ferrífero, entre áreas e/ou industriais. Existem numerosos casos em que o
montanhosas e os primeiros compartimentos de pla- desenvolvimento urbano e industrial nasce e cresce
naltos interiores: entre as antigas zonas de matas à margem das células espaciais. Ocorrem numerosos
e as primeiras grandes expansões de cerrados. No exemplos de surgimento e expansão de áreas urbanas
domínio dos sertões semiáridos, inexiste qualquer e industriais em zonas de contato e transição entre
região de funções múltiplas, efetivamente impor- regiões contíguas, totalmente diversas do ponto de
tante, no interior do polígono formado por rios in- vista geoecológico. E outros, ainda, em que a região
termitentes sazonais e vegetação de caatingas. Todos polarizada pode-se estabelecer e expandir em uma
os núcleos de urbanização sublinhados por focos extremidade de uma determinada faixa geopedoló-
de industrialização antigos ou recentes estão loca- gica, aproveitando as potencialidades de duas ou três
lizados na Zona da Mata; amarrados a velhos ou regiões fisiográficas e ecológicas envolventes (região
novos sítios portuários, desde o Recôncavo Baiano da Grande Porto Alegre, ao fundo do estuário do
até a região de Recife-Paulista-Jaboatão e o Com- Guaíba, na extremidade leste da depressão central
plexo Industrial Portuário de Suape, estendendo-se gaúcha, entre a serra, o planalto e a campanha).
na direção de João Pessoa-Cabedelo. Cidades relais im- Por todas essas razões, pode-se deduzir que as
portantes desenvolveram-se entre a Zona da Mata, operações necessárias para realizar um zoneamento
os agrestes e o começo dos sertões (Feira de San- ecológico e econômico têm mais oportunidades de
tana, Campina Grande, Caruaru e Mossoró). No sucesso quando se trata de áreas onde as condições
sul do país, o mesmo esquema de áreas industriais naturais tenham um amplo predomínio sobre os pro-
descontínuas, pontilhando sítios privilegiados da cessos de humanização e utilização antrópica dos ter-
costa (Paranaguá-Antonina; Joinvile-São Francisco; renos, por extensão de atividades agrárias e desdobra-
Blumenal-Itajaí, no Baixo Itajaí; a Grande Florianó- mento de redes urbanas. A rigor, cada tipo de região,
polis - setor insular e setor continental -, Tubarão- existente na estruturação espacial dos países subde-
Imbituba; a região metropolitana industrial de Porto senvolvidos ou em vias de desenvolvimento, exige uma
Alegre; e, finalmente, Pelotas-Rio Grande). Nunca combinação adequada para feitura de zoneamentos
houve a oportunidade para a criação de um grande ditos econômicos. Quanto mais indiferenciado for
núcleo urbano industrial no centro da Bacia do Pa- o espaço em termos da presença de infraestrutura
raná-Uruguai. Na metade norte do Brasil, Belém instalada, e maior o percentual total de ocupação dos
do Pará por muito tempo controlou as portas da solos por atividades agrárias e a densidade das redes
Amazônia, no grande período extrativista que pre- urbanas, tanto mais viável será a tarefa de elaborar
sidiu a vida econômica e social da região. A cidade um zoneamento ecológico e econômico. Nesse sen-
comportava-se como o terminal de um corredor de tido, a tipologia dos espaços geográficos e sociais, es-
exportações de ordem eminentemente fluvial, en- tabelecidos por Bernard Kayser (1969) para atender
quanto Manaus funcionava como grande centro às peculiaridades das regiões que caracterizam os
relais colocado em posição marcadamente central, no países de estrutura subdesenvolvida, é um bom ponto
fecho de um vasto leque de roteiros fluviais longos de partida para uma reflexão orientada na direção do
dos rios da Amazônia Ocidental. Hoje, Manaus tem zoneamento ecológico e econômico, ainda que a pre-
importância econômica própria, comportando-se ocupação do autor estivesse muito longe desse ob-
como segunda grande metrópole da Amazônia, com jetivo. É compreensível que regiões de organização
muitas funções inteiramente diversas daquelas que humana mais complexa, afetadas por modificações
dão suporte às atividades econômicas de Belém. A mais extensivas e sutis da natureza primária, ofe-
aquisição de funções próprias esteve inteiramente li- reçam dificuldades muito maiores para a aplicação
gada ao polo de desenvolvimento incentivado que ali das técnicas de zoneamento ecológico e econômico.
se criou: a Zona Franca, os fluxos de turismo interno, Em compensação, a Amazônia brasileira, por muitas
o Distrito Industrial - modificações em processo no e variadas razões, possui todas condições para so-
panorama da cultura, e mudanças sutis e contras- licitar uma correta operação de zoneamento dito
tantes na estrutura da sociedade urbana. ecológico-econômico. Na Amazônia, a despeito das
Mas, certamente, é quando se observa a po- ações pontuais e areolares dos grandes projetos, assim
sição dos núcleos de diferenciação econômico-social, como da aplicação de modelos reconhecidamente
em áreas de menor grandeza espacial, que se pode au- inadequados de utilização dos solos, existe ainda um
ferir a concordância ou discordância dos limites entre largo predomínio das forças de uma natureza pri-
as regiões geoecológicas e os setores de deslanche da mária sobre a natureza criada ou modificada pelos
urbanização e das atividades econômicas, comerciais homens e pela economia.

526
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
26

Espaços de referência, cartografia e informação tiva de terras, a partir do tabuleiro de xadrez viário
imposto deliberadamente ao mapa-base. Projetava-se,
A subdivisão da Amazônia em espaços geográ- em nível confidencial, tal rede de estradas, quando
ficos regionais de menor ordem de grandeza e, por- não se possuía nem mesmo qualquer avaliação dos
tanto, de maior escala, atende a muitas exigências do efeitos de uma pequena estrada interfluvial, como era
planejamento e da administração. Importa também a rodovia que se estende de Rio Branco a Brasileia,
em uma contribuição de interesse social, que pode em seu trecho terminal. É de se anotar que essa ro-
ser decisiva para orientar e informar os cidadãos re- dovia de espigão havia contribuído para secar as cabe-
sidentes, administradores e funcionários em serviço, ceiras de igarapés que corriam em direções opostas,
dos mais diversos quadrantes da região amazônica. nos dois flancos do divisor de águas regional. Em al-
Trata-se de espaços de referência, sob técnicas carto- gumas agropecuárias, os proprietários tentaram fazer
gráficas adequadas, suficientes para receber as dire- açudes para reter água nas cabeceiras desperenizadas
trizes de um plano diretor flexível e dinâmico. dos igarapés. Em raros pontos, era preciso cavar pe-
A metade norte do Brasil, que possui um es- quenos poços na cabeceira da drenagem para poder
paço geográfico equivalente ao território de países obter água para lavar roupa. Isso, em plena Amazônia
muitos extensos (a Amazônia brasileira, mesmo to- Ocidental, rica em umidade e volume de precipita-
mada strictu sensu, é maior do que a Argentina), foi ções. Evidentemente, há que se conhecer as sutilezas
por muito tempo o grande espaço físico e ecológico hidroecológicas da Amazônia, a fim de não cometer
oferecido à imaginação inconsequente dos tecno- planejamentos suicidas, através de uma política cen-
cratas, destituídos de qualquer noção de escala, senso trada apenas na abertura e densificação de rodovias.
da realidade empírica e responsabilidade pelas pro- Tais propostas, inconsequentes quando projetadas
postas fantasiosas colocadas em mapas. O que se co- para um pretenso plano diretor, teriam, no mínimo,
meteu de pseudoplanejamento, feito à distância, na a responsabilidade de contribuir para a destruição de
fase que fundamentou a abertura da Rodovia Tran- uma boa parte das potencialidades naturais da região,
samazônica, não tem paralelo em qualquer parte do no menor espaço de tempo possível.
mundo, em termos de ausência de noção de escala, Alguém poderia dizer que é lamentável não
responsabilidade civil por propostas predatórias, e se ter feito uma denúncia mais energética sobre o
falta de conhecimentos efetivos da realidade física, uso inadequado da cartografia em escala de mapas,
ecológica e social da Amazônia brasileira. Os pe- visando um planejamento tão inconsequente quanto
quenos mapas, elaborados para sintetizar os planos distorcido, para não dizer criminoso, em relação aos
de polarização de atividades, núcleos de colonização recursos naturais básicos da Amazônia. Essa crítica
e faixas de influência de estradas de rodagem, cons- foi feita, nas mais diversas oportunidades, por mem-
tituem-se, na maior parte das vezes, em exemplos bros conceituados da comunidade científica brasi-
de deformações cartográficas, estimuladores de pre- leira. Apenas não existia ninguém querendo ouvir.
dação e coalescência de devastações. Tivemos a de- Não é dado a qualquer um dialogar com executivos
sagradável oportunidade de observar, em uma revista fortes e autocráticos. Criticou-se o geometrismo das
oficial, de ciência e tecnologia - há alguns anos -, propostas de planejamento; a falta de estudos de
um desses muitos pequenos esboços cartográficos, previsão de impactos físicos, ecológicos e sociais; o
na escala de mapas, referente ao Acre, que era um caráter aleatório do espaçamento imaginado para a
convite aberto à ampliação inconsequente da devas- instalação de agrovias, agrópolis e rurópolis; a con-
tação dos espaços florestados do território acreano, fiança excessiva dos técnicos não indicados ao co-
sem qualquer proposta válida para o desenvolvimento nhecimento dos solos equatoriais em suas respostas
econômico e social da região. Pior que esse pseudo- a atividades agrícolas rotineiras, sob baixo nível de
documento cartográfico de planejamento, só mesmo manejo agronômico. Governantes, tecnocratas e es-
o plano de rodovias elaborado em certa ocasião, no peculadores tentaram ocupar os solos da Amazônia
próprio Acre, que continha um reticulado de eixos como se fossem terrenos similares àqueles existentes
viários abrangendo toda a Bacia do Alto Purus e do no interior dos chapadões paulistas ou do Norte
Alto Juruá. Tratava-se de um esquema geométrico de paranaense. O saldo negativo, criado por esse pres-
estradas transversais aos vales, cruzadas com estradas suposto, oriundo da ignorância e da arrogância dos
interfluviais mais curtas, o qual em seu conjunto era demagogos, foi lamentável para a Amazônia e para o
um verdadeiro plano estratégico de devastação total patrimônio ecológico e biológico da nação.
do território acreano, induzindo à abertura múltipla Miranda Neto (1986), em um trabalho de pu-
de frentes de desmatamento e valorização especula- blicação recente, tece considerações muito judiciosas

527
e pertinentes sobre uma sucessão de fatos negativos: e arredores); o entorno das áreas de grandes barrra-
ecocídio e etnocídio, logo seguido pela decisão de mentos fluviais; os setores de grandes conflitações
destruir ou liberar, para a devastação, imensos tratos agrárias (Sul do Pará, “Bico do Papagaio”); as qua-
da floresta amazônica, sob o argumento de que uma drículas de áreas metropolitanas ou grandes centros
grande parte dela seria oferecida às populações ca- regionais; e áreas ecologicamente críticas, selecio-
rentes de regiões ditas marginais, tais como os grupos nadas por critérios de prioridade.
humanos, excedentes demográficos, dos sertões secos. Antes mesmo de se iniciar um tratamento mais
Num trecho de suas considerações finais, Miranda direto para elaborar planos diretores regionais, com
Neto atinge em cheio a problemática das escalas base nas células espaciais previamente definidas por
de apresentação dos planos e projetos amazônicos, critérios fisiograficoecológicos, seria conveniente es-
através de artifícios cartográficos distorcidos: tabelecer sobre as cartas-base, na escala de 1:250.000
ou mesmo 1:500.000, os dois conjuntos de espaços
Não é surpresa constatar uma divergência entre geográficos existentes em todas as regiões da Ama-
o discurso oficial, decididamente otimista, e os zônia: a somatória dos espaços de preservação per-
fatos reais, observáveis no local. Discurso que, manente ou conservação preferencial (reservas indí-
diga-se de passagem, é acompanhado de mapas genas, parques nacionais, reservas florestais, reservas
escolhidos em tais escalas que parece que alguns biológicas, estações ecológicas, áreas de proteção
eixos rodoviários traçados em linhas espessas são
obrigatória e unidades equivalentes) e o saldo dos es-
suficientes para tornar acessível o espaço inteiro,
paços efetivamente disponíveis para o planejamento
enquanto que as realizações em pontos apare-
cem em vastas manchas quase coalescentes. racional da ocupação dos solos, instalação de infraes-
truturas, desenvolvimento urbano e rururbano, dentro
E, baseado na correta identificação dessas dis- das posturas legais de exploração do solo e das obri-
torções, lança a pergunta que jamais poderá ser res- gações com a proteção zoneada dos espaços internos
pondida pelos tecnocratas: “Não é um pouco ilusório das glebas, fluxo das águas e qualidade ambiental.
ilustrar num papel de 15 por 10 cm a realidade de um Designamos essa operação cartográfica prévia, de
espaço de mais de 4,5 milhões de quilômetros qua- alto interesse referencial e informativo, como sendo
drados?” Sublinhe-se que não se trata de observações o processo de elaboração do molde e do contramolde
críticas feitas por algum expert da área geográfica ou dos espaços que compõem cada célula espacial em
cartográfica: Miranda Neto é um economista de boa avaliação: o molde é a somatória dos espaços a serem
formação interdisciplinar. legal e permanentemente defendidos, o contramolde
A cartografia especializada produzida pelo Pro- é o saldo dos espaços a serem utilizados sob condi-
jeto Radam em relação à totalidade do espaço amazô- ções, dentro de posturas agronômicas corretas e sis-
nico possui excepcional importância científica e técnica. temas de manejo não predatórios. Identicamente, os
É fora de dúvida, porém, que os produtos cartográficos espaços do contramolde são aqueles com que se pode
setoriais do Projeto Radam tenham que ser reavaliados contar para a planificação das infraestruturas indis-
e atualizados todas as vezes que se pretender elaborar pensáveis, incluindo reservas de espaços estratégicos
documentos de maior precisão, e em escala adequada, para a implantação de obras a médio e longo prazos:
para fins de planejamento regional amazônico. Como sítios de futuras cidades e vilas; delimitação de áreas
subproduto do trabalho daquele projeto existem cartas para projetos de exploração autossustentada; espaços
planialtimétricas e de vegetação, na escala de 1:250.000, de silvicultura; núcleos de colonização sobre controle;
utilizáveis para trabalhos iniciais de reconhecimento de e eventuais projetos agrossilvopastoris, de rentabili-
potencialidades e registro de infraestrutura, para efeitos dade garantida em setores adequados do espaço total.
de um futuro plano diretor. É evidente que esta operação prévia de identificação
É praticamente impossível cobrir a região dos espaços do molde e espaços do contramolde tem,
amazônica com um levantamento cartográfico con- como área de referência particular e específica, a re-
vencional, na escala de 1:500.000, mesmo levando gião amazônica. Deve sofrer modificações e adap-
em conta um período de tempo de um quarto de tações substanciais, quando endereçada para outros
século. Por essa razão, recomenda-se a reserva de tal grandes domínios espaciais do Brasil.
procedimento, em caráter preferencial, para as áreas Com relação ao zoneamento detalhado dos
críticas, ou os locais de implantação de projetos múl- subespaços interiores de cada região previamente
tiplos. Estão neste caso as áreas afetadas por projetos definida, existe uma série de abordagens metodoló-
desenvolvimentistas superpostos (faixa Carajás-São gicas, realizadas por diferentes grupos de técnicos e
Luís); os distritos de mineração (Maciço de Carajás organizações governamentais. Todas elas implicam

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
26

estudos e operações geocartográficas demoradas e biológico e antrópico da Amazônia. Fato sobretudo


onerosas. Para terem validade operacional e admi- válido se corretamente utilizado por cientistas, téc-
nistrativa, em relação a uma área de dimensões ter- nicos e administradores.
ritoriais tão grandes como a Amazônia brasileira
deveriam, a nosso ver, ser iniciados e desenvolvidos Mosaico dos subespaços físico e ecológico que
a partir de uma experiência prévia de listagem dos compõem a Amazônia Brasileira
problemas emergenciais de cada região. Não basta
transpor metodologias geocartográficas aplicadas a Antes mesmo de se elaborar um projeto
outras áreas geoecológicas do país. Há que se fazer mais detalhado de zoneamento ecológico e econô-
uma iniciação ao conhecimento do mundo amazô- mico da Amazônia brasileira, pode-se adiantar uma
nico e das respostas ecológicas das terras amazônicas classificação das células espaciais, dotadas de certa
às experiências agrárias, em diferentes níveis de ma- originalidade geoecológica no conjunto das terras
nejo, sem o que as tarefas e operações para um zone- amazônicas. Trata-se de uma primeira subdivisão
amento efetivo das células espaciais preestabelecidas do grande conjunto de terras baixas regionais. Um
poderão se reduzir à produção de alguns documentos ponto de partida para se chegar a células espaciais
cartográficos isolados, de duvidosa aplicabilidade. de segunda ordem de grandeza, numa tentativa de
Nos países de estrutura subdesenvolvida, antes de se aproximação progressiva até ao nível das regiões ha-
fazer uma metodologia técnico-científica muito so- bitadas, transitadas e, de certa forma, utilizadas pelos
fisticada, e por princípio custosa e demorada, há que grupos humanos residentes.
se criar estratégias para a produção de documentos Para um território equatorial e subequatorial
intermediários, de utilização viável pela adminis- de aproximadamente 4 milhões de quilômetros qua-
tração pública, ao mesmo tempo em que se apuram drados em sua área nuclear, identificamos 22 subes-
e se adaptam metodologias capazes de orientar os paços regionais, da ordem de uma a duas centenas
diferentes usuários do espaço total, e dar respaldo a de milhares de quilômetros quadrados. Tal ordem
projetos tão sérios quanto o do estabelecimento de de grandeza coloca os subespaços regionais, em sua
planos diretores regionais a serem integrados para a maior parte, dentro dos espaços geográficos de se-
Amazônia como um todo. E, paralelamente, obter gunda ordem, na classificação de Cailleux e Tricart
diretrizes concretas para o gerenciamento ambiental (1965); e nos prepara para a identificação de subáreas
e administrativo. Por todas essas razões, não nos de uma ordem de grandeza imediatamente inferior,
pronunciaremos sobre essa ou aquela metodologia em que os espaços regionais identificáveis seriam di-
de zoneamento de detalhe das células espaciais que mensionados em torno de algumas dezenas de mi-
temos proposto como prévia indispensável para a lhares de quilômetros quadrados.
primeira fase de um grande projeto, atendendo às No reconhecimento dos 22 espaços de se-
aspirações legítimas da sociedade e das elites escla- gunda ordem de grandeza, adotamos uma nomen-
recidas de uma região que detém o maior patrimônio clatura referencial, a mais tradicional possível, a fim
espacial hídrico e biológico do Brasil. de facilitar o seu reconhecimento e memorização.
A busca de uma cartografia para beneficiar Assim procedendo, identificamos três grandes se-
todos os quadrantes de uma região, dotada de ecos- tores ao longo da calha central do Amazonas:
sistemas frágeis e sutis, é uma tarefa de grande res- 1. Baixo Amazonas ou Golfão Marajoara; 2. Ama-
ponsabilidade técnica, científica e moral, por parte dos zonas Central ou Médio Vale do Amazonas; 3. Soli-
pesquisadores nela envolvidos. Não é uma mera repe- mões ou Médio Vale Superior do Amazonas.
tição de operações, nem tampouco uma experiência No grande conjunto territorial representado
para satisfação acadêmica dos pesquisadores. É, antes pelas áreas situadas ao Sul do Amazonas, da re-
de tudo, um desafio ao subdesenvolvimento, baseado gião do Gurupi/Alto Capim até o Acre, nas cabe-
em diretrizes ecodesenvolvimentistas: uma cartografia ceiras do Juruá e Purus, reconhecemos as seguintes
para um espaço indiferenciado ou em vias de diferen- grandes unidades: 1. Gurupi/Alto Capim; 2. To-
ciação, de estrutura econômico-social subdesenvol- cantins/Carajás; 3. Xingu/Iriri; 4. Tapajós; 5. Ma-
vida, com vistas a um desenvolvimento substancial- deira; 6. Purus/Juruá; 7. Alto Xingu; 8. Araguaia/
mente orientado por diretrizes ecológicas. Sul do Pará; 9. Arinos/Juruena ou AltoTapajós;
Nos últimos anos, o advento de imagens de sa- 10. Rondônia; 11. Acre; 12. Maranhão Ocidental ou
télites, em diferentes escalas e combinações de cores, Hileia maranhense.
acrescentou inusitadas possibilidades de utilização Com relação ao grande espaço amazô-
de documentos integrados relativos ao mundo físico, nico situado ao norte do rio, pode-se identificar:

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1. Amapá; 2. Jari/Paru; 3. Trombetas ou Norte do de plano diretor. Mesmo porque a elaboração de um
Pará; 4. Uatamã/Jatapu; 5. Roraima; 6. Rio Negro; 7. plano diretor, capaz de integrar propostas regionais e
Uaupés ou Alto Negro. guiar a instalação progressiva de infraestrutura, tem
Sobre cada uma dessas regiões, existem in- que ser conduzida por equipes multidisciplinares, e
formes acumulados nos relatórios do Projeto Radam sob total independência de injunções políticas cir-
e em trabalhos elaborados por iniciativas de diferentes cunstanciais.
órgãos governamentais. Entretanto, como era de se
esperar, para um território tão extenso e de acesso tão O reconhecimento das áreas críticas: a cartografia
difícil às investigações de campo, as informações dis- do contínuo
poníveis são extremamente fragmentárias e incom-
pletas. Tais conhecimentos teriam que ser revisados A identificação no conjunto territorial amazô-
e completados e, sobretudo, integrados para ofertar nico de grandes células espaciais - com base em cri-
um perfil mais próximo do real sobre cada uma das térios fisiográficos e ecológicos - destina-se a uma
regiões identificadas. utilização cartográfica com um certo grau de perma-
Para ser útil à região e à sua população, é indis- nência. Por essa razão, deve haver um consenso na
pensável uma série de reconhecimentos de campo, aceitação dos limites propostos, incluindo revisões
sobretudo para a listagem dos principais problemas parciais ou totais das linhas de delimitação e ajustes
emergentes, apresentados pelas diferentes regiões, em relação aos agrupamentos de áreas municipais si-
em um só momento histórico. Para realizar esta pes- tuadas nas margens das regiões propostas, para fins
quisa preliminar, é preciso fixar uma metodologia de estatísticos. Isso feito, a setorização intentada deve
aplicação mais ou menos homogênea, estabelecer constituir um mosaico de regiões sob a condição de
algumas estratégias para a identificação correta dos espaços de referência regionais, de longa duração.
problemas emergentes e cotejar informações de di- Muitos dos espaços delimitados ao nível de se-
versas fontes. O ideal é realizar tais investigações por gunda grandeza, dentro do universo territorial ama-
meio de duas óticas: a dos municípios e a dos estados. zônico, já têm condições de serem subdivididos em
E, ao mesmo tempo, cruzar as informações obtidas parcelas menores - fato válido sobretudo para aquelas
pelos órgãos regionais com os informes de pesquisa- áreas que, por motivos históricos, demográficos e econô-
dores experientes ligados a órgãos federais especiali- micos, apresentam maior número de fatores de diferen-
zados em pesquisas geográficas, sociais e econômicas ciação regional de suas atividades econômicas e sociais.
(IBGE/Radam, CPRM, Ipea, Inpa, universidades, Não existem vantagens de espécie alguma em realizar
entre outros). um macrozoneamento, envolvendo ordens de grandeza
O essencial é que a listagem dos problemas espaciais muito diversas, na saída do processo de deli-
emergentes, de cada uma das células espaciais iden- mitação. O que se pode fazer é apontar, no interior dos
tificadas e grosso modo delimitadas, inclua uma re- espaços de segunda ordem de grandeza espacial, subdivi-
visão das infraestruturas instaladas, uma sondagem sões menores, viabilizadas por bases físicas e ecológicas e
seletiva das aspirações das comunidades residentes, sublinhadas por atividades econômicas diferenciadas.
uma avaliação dos defeitos da organização humana Existem diferenças fundamentais entre os
dos espaços, das situações de conflito e das pro- critérios para delimitação das células regionais per-
postas de melhorias progressivas e racionalizadas. manentes em relação à identificação e delimitação
E, através de tais procedimentos e posturas, obter de áreas críticas, de qualquer tipo, no interior dos
um perfil concreto da conjuntura espacial, da ten- grandes espaços da Amazônia. As duas dezenas de
dência de utilização dos agrupamentos regionais de unidades identificadas por critérios físicos e geoe-
ecossistemas, dos recursos humanos e das potencia- cológicos constituem-se numa possibilidade gráfica
lidades econômicas de cada região em estudo. Em de setorização, com limites bastante definidos, ainda
última instância, reunir informes para os estudos fu- que por critérios um tanto arbitrários. Trata-se de
turos que visem à elaboração de um correto plano uma delimitação cartográfica contínua, para fins de
diretor para orientar o desenvolvimento progressivo referência espacial e tratamento em mosaico das cé-
de ações governamentais em cada uma das células lulas regionais identificadas. Pelo contrário, a iden-
espaciais, previamente definidas. Esta coleta de in- tificação e delimitação das áreas críticas é feita no
formações selecionadas para o futuro master plan visa reino da descontinuidade, envolvendo limites muito
muito mais fixar ideias e alertar as equipes de pla- mais aproximados e flutuantes. Além do mais, é um
nejamento, sobre o teor e o volume dos problemas procedimento emergencial de delimitação, que pode
regionais, do que realizar qualquer esboço preliminar ou não perder a sua razão de ser, com o tempo.

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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Base cartográfica: mapa de distribuição rural e urbana (1960), por Beatriz Célia C. de Mello Peteyl.
(Modificado de Marcos Matsukuma).

Não é aleatória a qualificação de criticidade investigações de campo sobre áreas críticas. Se elas
para tais áreas pinçadas no interior mesmo das ou- são tão amplas ou complexas que venham a exigir
tras células espaciais, e muitas vezes envolvendo um plano diretor específico, tal exigência deve ser
fragmentos de espaços pertencentes a duas ou mais encomendada a equipes multidisciplinares de alta
regiões fisiográficas e ecológicas pré-delimitadas. competência e tradição, sem concessões ao amado-
As áreas críticas podem envolver espaços com al- rismo e à mediocridade.
gumas dezenas de quilômetros, até algumas dezenas A expressão genérica áreas críticas refere-se
de milhares de quilômetros quadrados (áreas de a muitas coisas, envolvendo diferentes tipos de es-
conflito entre garimpeiros e grupos indígenas não paços ou setores regionais, com diferentes graus
aculturados, sujeitos a etnocídio e genocídio; áreas de criticidade ou potencialidade. Áreas críticas são
de conflitos de terra do Bico do Papagaio; entornos áreas que envolvem as grandes cidades da Amazônia
de diferentes reservas indígenas; núcleos urbanos (Belém do Pará, Manaus). Mas podem ser as áreas
rústicos, em distritos de garimpagem; e áreas de de entorno de centros urbanos mais restritos, que de-
indústrias extrativas de bauxita, caolim, cassiterita, notam grande potencial de crescimento ou tendência
ouro e pedras preciosas). No entanto, em termos de para distorções em cadeia (Santarém, Marabá, Rio
conhecimentos setoriais, e do número de pesquisas Branco, Porto Velho, Imperatriz, Boa Vista); são as
específicas e originais de que necessitam, são muito áreas afetadas por grandes projetos de mineração
mais exigentes do que as próprias células espaciais (Carajás, Serra do Navio) e corredores de exportação
de segunda ordem de grandeza. Seu planejamento (Carajás-São Luís; Porto Santana-Serra do Navio);
regional exige uma cartografia combinada ao nível áreas de barragens e usinas hidroelétricas, onde ve-
de plantas e de cartas topográficas detalhadas. As lhas cidades beiradeiras sofreram um processo de
investigações complementárias de que carecem im- inchação e ganharam algumas infraestruturas mo-
plicam estudos especializados, sérios e aprofundados. dernizantes (Tucuruí); grandes projetos agroin-
Não há lugar para academicismo na realização das dustriais ( Jari, Rio Cristalino); distritos industriais

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satélites (Nova Barbacena); projetos minerometa-
deixam de ser relevantes, as superposições ins-
lúrgicos de locação empírica (usinas de ferro gusa,
titucionais se desnudam como mera resistência
projetadas para a faixa da estrada de ferro Carajás- politocrática à devolução, e o problema central
São Luís); espaços insulares sujeitos a fortes pressões se desloca para a busca de uma alternativa pro-
da urbanização (São Luís do Maranhão); áreas de gramática, que integre em fim/meio os recursos
garimpagem e redes urbanas de apoio às atividades econômicos e as prioridades sociais.
de extração mineral (Serra Pelada, Curionópolis e
Eldorado); pontos nodais de cruzamento de rotas Temos meditado muito sobre a metodologia
terrestres e fluviais, com tendências para crescimento mais correta para a identificação e delimitação das
de cidades e estabelecimento de redes de núcleos ur- áreas críticas, no conjunto dos grandes espaços ama-
banos satélites (Marabá, Santa Inês, Boca do Acre, zônicos. As críticas dirigidas às superposições confli-
Conceição do Araguaia, Açailândia, Imperatriz). tantes e onerosas - emitidas pelas melhores cabeças
Quando uma só e mesma área pertence a vários tipos - obrigam a uma busca mais lógica e transparente de
de esquemas funcionais, ou quando as áreas e setores soluções para a definição de áreas para a planificação
críticos formam uma espécie de corrente, pela con- das regiões dotadas de alguma ordem especial de cri-
tiguidade ou interligação forçada de seus problemas, ticidade. Para resolver, sobretudo, os impasses criados
existe total certeza da necessidade de transformá-las pelas ampliações fantasiosas, que somente servem à
em áreas críticas para seus problemas específicos. estrutura de poder e à tecnocracia, pensamos que é
Não se pode delimitar uma área crítica com indispensável caracterizar uma área nuclear, no inte-
abrangência espacial de um estado, ou mesmo de rior do indefinido setor crítico, a fim de concentrar
uma região fisiográfica e ecológica. As áreas críticas estudos e propostas, adequados para a solução dos
na Amazônia têm espaços restritos e distribuição principais problemas regionais. Essa área nuclear de
descontínua. Elas podem se localizar no meio de referência, feita como base espacial pioneira, para os
uma região fisiográfica e geoecológica, entre duas procedimentos de planificação, deve receber investi-
regiões, ou abrangendo parcelas de duas ou mais gações sobre suas condicionantes físicas, ecológicas
dessas células espaciais predefinidas. A ordem de e sociais, a par com a identificação dos fatores reais
criticidade de seus problemas, ou a especificidade de de sua criticidade e/ou potencialidade ao nível de
suas potencialidades, determina roteiros metodoló- recursos dos solos, do subsolo e das infraestruturas
gicos próprios para o entendimento dos fatores que preexistentes na região ou em seu entorno. Ao que
respondem pelas suas anomalias. A busca de pro- se acrescenta, obrigatoriamente, um estudo dos seus
postas para modernização de suas infraestruturas, recursos humanos, conflitos sociais flagrantes, en-
melhor aproveitamento econômico e social de suas volvendo a caracterização da parcela da humanidade
potencialidades, e ordenação espacial de suas formas que nela vive ou que nela tende a ocorrer. Sem omitir,
de utilização do solo pedem o concurso de equipes em caráter terminal, e igualmente obrigatório, a lis-
multidisciplinares experientes. tagem das propostas mais viáveis para o desenvol-
Ao se defrontar com uma área crítica de qual- vimento regional, com ênfase nos benefícios sociais,
quer natureza, os tecnocratas tendem, infalivelmente, padrões de vida e nível cultural, eficiência econômica
a ampliar o seu espaço de atuação, criar superinten- dos projetos e modernização integrada das infraes-
dências específicas, sugerir novas estruturas admi- truturas regionais.
nistrativas geradoras de empreguismo e clientelismo No interior de cada área nuclear, de regiões crí-
político, para competir com órgãos de planejamento ticas, devem existir pontos, setores e eixos de apoio,
preexistentes: enfim, uma contundente competição para garantir o sucesso dos planos de desenvolvi-
por espaços de atuação. Nesse sentido, referindo- mento: núcleos urbanos polarizáveis, regiões agrárias
se especificamente à área abrangida pelo Programa de apoio regional ao abastecimento alimentar, pontos
Grande Carajás (PGC), Lélio Rodrigues (1986) co- nodais de entroncamento de rotas terrestres e fluviais
menta: (capazes de ser ativadas ou reforçadas para atender à
Tudo, literalmente tudo, o que o PGC possa fa- cadeia de projetos em implementação), entre outros
zer na sua região-programa poderia ser feito pe- componentes favoráveis.
las demais agências, nas demais jurisdições, so- Tão importante quanto a área nuclear para
bretudo se a dimensão social fosse reposicionada o desenvolvimento dos projetos e a busca de uma
como um fim, que se vale da dimensão econômi- ordenação espacial desenvolvimentista e ecodesen-
ca como um meio, livres da subversão do Estado-
volvimentista é a consideração da grande área envol-
crescimento e das dissociações do Estado-bem-
vente, de difícil delimitação, que pode permanecer
estar. (...) Nessa opção as delimitações regionais
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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
26

sob a forma de reserva de recursos ou de espaços ao nível regional, em qualquer setor do interior da
para o prosseguimento de um extrativismo não pre- Amazônia. Em outras palavras: um Projeto Carajás
datório, até que se encontre um sistema mais garan- será sempre um núcleo de exportação de minérios e
tido de exploração autossustentada efetiva dos seus o embrião de uma importante futura siderúrgica, en-
recursos. Essas áreas envolventes funcionam, dentro quanto Belém do Pará terá sempre maior capacidade
da Amazônia, como os espaços rotineiros, pertur- de abrangência espacial na sua esfera de influência, en-
bados ou não pela infestação de agropecuárias de volvendo relações e funções múltiplas, com as mais
diferentes eficiências produtivas e padrões de adap- diversas áreas da Amazônia brasileira, exercendo a
tações aos quadros ecológicos da Amazônia. É certo condição de “polo macrorregional” (Miranda Neto,
que, a despeito da rusticidade de suas atividades, 1986).
elas estejam ligadas a uma ou mais cadeias de fluxos, Além de caracterizar uma área nuclear e um
que polarizam para centros coletores de produção, espaço de reservas de recurso, de delimitação im-
ou mais remotamente para regiões metropolitanas, precisa, sujeito a atividades rotineiras extensivas
que também sempre têm se comportado como áreas (extrativismo, agropecuárias, empresas madeireiras),
críticas, no interior da Amazônia. Quando surge há que se considerar as intersecções e os prolonga-
uma nova região, com tendências para modernização mentos de rotas que cruzam as áreas críticas, as ex-
(ainda que muito incompleta) e para a aceleração tensões laterais de funções diversificadas, os núcleos
e multiplicação de atividades econômicas, ocorrem de geração de energia e a rede de linhas irradiadas
mudanças de comando em relação ao pano de fundo a partir deles (Tucuruí, por exemplo), e, sobretudo,
das áreas extrativistas e/ou agropecuaristas. Tais re- a complementaridade e possibilidade de partici-
direcionamentos somente fazem reforçar a presença pação de outras áreas críticas, regiões metropolitanas
das porções nucleares das áreas críticas, podendo com ou regiões agrárias, situadas à média ou longa dis-
o tempo ser parcialmente abrangidas pela difusão do tância, nos processos de desenvolvimento regional de
desenvolvimento regional, que é a grande meta social uma região crítica. O grande problema que restará
perseguida por qualquer processo consciente de pla- sempre em aberto será uma dependência, mais ou
nejamento regional. menos insolúvel, das aplicações de capitais gerados e
Nesse esforço de teorização sobre a metodo- acumulados em áreas completamente externas às re-
logia para delimitar a área nuclear de uma região giões em processo de planejamento desenvolvimen-
crítica, no interior da Amazônia, é importante subli- tista. A única fórmula para se libertar da força de
nhar que uma área crítica não deve absorver outras pressão dos capitalistas é exigir estudos corretos de
áreas críticas. Elas, pelo contrário, devem perma- previsão de impactos para as iniciativas dos grupos
necer complementares, em termos de fluxos econô- econômicos alienígenas ou regionais e obrigá-los a
micos e de fluxos sociais. O Programa Grande Ca- enquadrar suas iniciativas empresariais aos planos
rajás tornou-se impotente e não específico, porque ao diretores de ordenamento dos espaços regionais. Sem
ensejo de um projeto dirigido para a exploração de transigências e ingenuísmos, mesmo porque o capital
um distrito mineral diferenciado pelas suas grandes potencialmente aplicável sabe jogar bruto em relação
riquezas e pensado em termos do transporte em à natureza e aos homens.
massa do minério extraído, por via de um terminal Temos consciência de que, ao defender um
marítimo especializado, acabou por estender suas duplo zoneamento para o imenso domínio das terras
pretensões espaciais do Xingu à costa do Pará e à do amazônicas, não estamos fazendo nada mais do que
Maranhão, envolvendo diversas outras áreas críticas, tentar integrar duas formas de encarar situações efe-
não integráveis aos seus objetivos: região metropo- tivamente existentes: as regiões tradicionais exis-
litana de Belém e Baixo Amazonas, fall zone sul- tentes nos mais diversos quadrantes da Amazônia e
amazônica; Tabuleiro insular e Baixada Maranhense; a identificação, no meio delas ou entre elas, de áreas
todas elas separadas entre si por grandes espaços de críticas que merecem tratamento prioritário e po-
extrativismo, agricultura itinerante e culturas tro- livalente. De um lado, um cuidado especial com o
picais (região bragantina do Pará) e agrupamentos universo das regiões amazônicas que resguardam o
de agropecuárias e projetos madeireiros. É evidente destino e os velhos problemas dos grupos humanos
que a região metropolitana de Belém do Pará (para tradicionais, heranças de um extrativismo decadente,
tomar um só exemplo), com a sua função social e e perturbados pelo ingresso de novos modelos fun-
econômica projetada para grandes áreas de hinter- diários e estáticas empresas agropecuárias. De outro
lândia amazônica, sempre será mais importante do lado, regiões dotadas de potencialidades específicas,
que qualquer outra área que venha a se estabelecer, ou de alguma ordem de criticidade, que necessitam

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de programas regionais de incentivos e aplicações, em relação às divisões administrativas, estaduais e
sob diversos níveis de controle. municipais, da grande região Norte.
Em termos genéricos, é do domínio comum No interior dessas grandes células espaciais -
esse tipo de abordagem. Nesse sentido, tivemos o que em média atingem áreas de uma, duas ou três
prazer de ler as observações que se seguem, da lavra centenas de milhares de quilômetros quadrados
do economista Miranda Neto (1986): - ocorrem setores que possuem potencialidades
diferenciadas, a par com problemas sociais, econô-
A elaboração dos programas sub-regionais é micos e ambientais específicos. Tais áreas, generi-
realmente mais importante que a dos progra- camente reconhecidas como críticas, pontilham o
mas globais, porque neles podem ser executa- espaço total da Amazônia, visto no contexto tem-
dos modelos coerentes e alcançada uma atuação poral deste fim de século, podendo conter espaços
objetiva mais fácil de controlar. (...) Definido o de 100 a 1.000 km² de área, 1.000 a 10.000 km²,
zoneamento, ficaria a região dividida entre al-
ou 10.000 a 100.000 km², no máximo. Envolvem es-
guns centros de desenvolvimento, onde os ser-
paços de quinta, quarta ou terceira ordem de gran-
viços públicos estariam concentrados, e a grande
área indeterminada, que mesmo assim é valiosa deza, na classificação de Cailleux e Tricart (1965).
para a exploração em massa dos grandes recursos Não há qualquer conveniência em estabelecer, de
naturais. (...) É claro que a economia da região partida, uma região-programa para atender aos pro-
baseia-se em grande parte na produção dessa blemas específicos de uma área crítica muito com-
grande área extrativista indeterminada, sen- plexa, que seja espacialmente tão ou mais abrangente
do importante para a normalidade das funções do que uma das células espaciais estabelecidas para
sociais que essa estrutura antiga permaneça em a divisão regional da Amazônia. Tais procedimentos,
funcionamento, até que seja substituída por uma habitualmente gerados em uma época política em que
estrutura agrícola e industrial a ser criada [sic]. era difícil o diálogo e o próprio acompanhamento das
Muitos milhares de brasileiros vivem e continuarão decisões governamentais, somente contribuíram para
a viver nessa área, a despeito do desenvolvimento superposições conflitantes e atomização de recursos,
de outras localizações. Há a considerar, também,
com fortes efeitos desintegradores.
que dentro da grande área extrativista outros
Todas as áreas consideradas críticas são pas-
centros de desenvolvimento poderão resultar
subitamente da localização e exploração dos re- síveis de receber programas especiais de tratamento,
cursos naturais. A fronteira dessa área é, por isso, envolvendo estudos sistemáticos concentrados que
móvel, guiada pelos fatos do futuro, que não po- busquem diretrizes, soluções e projetos-proposta,
dem ser previstos desde agora com precisão. com vistas ao fim último de um desenvolvimento so-
cial, realizado pela dinamização econômica, aumento
Não conhecemos na literatura da Nova Ama- das ofertas de emprego, valorização do trabalho hu-
zônia nada que se compare a essa apreciação sintética, mano e ordenação correta dos espaços. Exigem pes-
com tal clareza e pertinência. Bastaria que se colo- quisas e operações de meso ou microzoneamento, a
casse um senso de ecodesenvolvimento e uma busca serem providenciados (ou, em providência, sob re-
de modelos autossustentáveis de economicidades, dimensionamento) com a maior urgência e a mais
para as grandes áreas indeterminadas do encontro apurada das metodologias, sob a condição de nunca
das regiões-programa ou áreas críticas, a fim de que serem maiores do que as células espaciais regionais,
o trecho transcrito pudesse ser considerado perfeito. onde foram identificadas, mas que, por certo, podem
De resto, é preciso registrar que, em todo o seu tra- envolver setores de duas, três ou mais células espaciais
balho, Miranda Neto possui forte impregnação dos contíguas, vinculadas ao destino de certos projetos:
conceitos ecodesenvolvimentistas. como é o caso da área crítica Carajás-São Luís.
Defendemos a ideia de que toda área crítica,
Visualização de um macrozoneamento e estratégias capaz de se transformar em região-programa, tenha
mínimas de atuação uma área nuclear para concentração dos estudos, e
um entorno, de delimitação mais aproximada e fle-
As observações tecidas sobre a viabilidade de xível, que de certa forma comporte uma separação
um macrozoneamento prévio, abrangendo o conjunto difusa entre áreas críticas potencialmente diferen-
espacial da Amazônia brasileira, permitem definir, ciadas e complementares (faixa Carajás-São Luís,
em mapa de escala razoável, o mosaico das grandes região metropolitana de Belém/Baixo Amazonas/
células espaciais existentes na metade norte do país, Bragantina; fall zone sul-amazônica). Revisões pe-
de um modo independente, mas não desintegrado riódicas sobre as respostas das regiões-programas

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
26

aos incentivos e ações programadas devem ser Com relação ao Projeto Calha Norte, a pri-
feitas, para eventuais redimensionamentos das áreas meira grande dúvida é a sua falta de transparência
nucleares e de seus respectivos entornos. Sempre se e o aparato demagógico de sua apresentação. Nesse
deverá ter em vista que as células espaciais da pri- sentido, é lamentável que o aludido projeto tenha
meira subdivisão da Amazônia, em unidades menores sido apresentado com distorções de escala e ausência
de segunda ordem de grandeza, têm que possuir um de conhecimentos prévios sobre o mosaico de áreas
certo nível de permanência. Sua definição é feita para críticas e o número de compartimentos diferenciados
durar; por isso merecem receber inicialmente o crivo existentes ao longo de uma faixa de fronteiras, que
de todas as críticas e submeter-se a todas as revisões se estende por alguns milhares de quilômetros, na
de detalhe. Pelo oposto, as regiões-programa ende- metade norte da Amazônia brasileira. Com maior
reçadas às áreas críticas podem ser limitadas ou não entendimento das realidades regionais, menos eu-
a determinados tempos de atuação. E, por princípio, foria e maior seriedade, por parte dos planejadores,
devem ser reavaliadas, em todos os níveis, de tempos teríamos, quiçá, uma excelente região-programa para
em tempos. Tais períodos de atuação/reavaliação, por revitalização econômica e atendimento dos pequenos
muitas e variadas razões e precauções, deveriam ser grupos humanos que vivem na margem das margens.
realizados em interespaços temporais de, no mínimo, Sempre é tempo para corrigir vícios de linguagem,
dez anos. euforias injustificáveis e superdimensionamentos de
Em relação às células regionais, reconhecidas projetos simples e pertinentes. Têm muita razão os
como setores mais permanentes do universo territo- grupos indígenas em não acreditar nos objetivos di-
rial amazônico, defendemos a ideia de que, à custa vulgados do Projeto Calha Norte.
de um trabalho integrado entre estados, municípios No que tange a um plano diretor dirigido para
e União, seja feita uma campanha de identificação a Amazônia como um todo, a análise crítica tem
dos problemas emergentes que atingem as popula- outro feitio. Qualquer pessoa de bom senso, ligada
ções regionais, toda vez que se instalem novas ges- ao setor de planejamento, sabe que existem muitas
tões administrativas (governadores, legisladores). E outras etapas para se chegar a um coerente master
que tais estudos sejam feitos por equipes idôneas e plan de validade amazônica; um plano diretor que
experientes, convocadas para um trabalho que não não seja mais uma fantasia colorida ou uma distorção
comporta meufanismos, regionalismos extremados, escalar, dirigida para o extraordinário universo físico
injunções políticas e pressões do poder econômico. e social da Amazônia brasileira. As meditações aqui
Trabalho a ser realizado por grupos intelectualmente realizadas, por escrito, constituem uma contribuição
preparados, cientificamente competentes e alinhados para o encontro de um caminho mais seguro e obje-
aos ideais da justiça social, sob uma total pureza de tivo, para que um dia se organize um plano diretor,
propósitos. viável e flexível, para o conjunto do espaço da me-
Nos últimos tempos, tem-se falado em uma tade norte brasileira. Trata-se de elaborar estratégias
espécie de plano diretor dirigido para o espaço total e planos regionais coerentes para, subsequentemente,
amazônico. Outros, sem ter uma noção clara dos integrá-los a um macroplano diretor, de escala efe-
grandes espaços envolvidos, apostam em grande pro- tivamente amazônica e brasileira. Trabalhar com os
jeto dito “Calha Norte”, sem que se tenha qualquer pés no chão, para se atingir horizontes desdobrados.
noção mais séria sobre a geografia das fronteiras rús- Sondar as bases, para dar fundamentação ao universo.
ticas e suas condições de permeabilidades e impactos Um amazônico universo.
étnico-culturais. Continuamos no mesmo diapasão
da fala tecnocrática, que envolve gastos, burocracias A bibliografia deste artigo se encontra no DVD anexo
e a certeza de grandes fracassos.
Temos plena certeza de que essa ligeireza com
que se fala em um gigantesco plano mestre, dirigido
para a Amazônia como um todo, decorre da falta
quase total de noção de escala e conhecimento da
realidade regional, que administradores mal-avisados
têm sobre o imenso conjunto territorial da Ama-
zônia brasileira. Para quem desconhece a estrutura e
a funcionalidade das partes, é mais cômodo tratar dos
grandes conjuntos como se fossem universos totais
conhecidos.

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O Nordeste do Brasil NO
Pensamento de Aziz Ab’SÁber:
UMA LEITURA A PARTIR DA Teoria
Geomorfológica

Antonio Carlos de Barros Corrêa

‘Aziz, le paisage c’est toujours un heritage’


( J. Dresch)
Resumo

O pensamento do geógrafo Aziz Ab’Sáber foi anali-


sado a partir de suas proposições analíticas para a evolução
do relevo do Nordeste do Brasil. Percebeu-se que ao longo
de mais de 50 anos de produção acadêmica o autor aco-
lheu uma gama de perspectivas teórico-metodológicas que
refletiam o papel de diversas influências provenientes de
grupos de pesquisa solidamente estabelecidos na produção
de conhecimento geomorfológico no cenário internacional.
Constatou-se também que a paisagem geomorfológica do
Nordeste do Brasil sempre ensejou reflexões basilares para
a construção do pensamento do autor, configurando-se
como um verdadeiro campo experimental para formulação
e testagem de hipóteses posteriormente aplicadas à evolu-
ção dos demais domínios de paisagens tropicais brasileiros.
Tendo no Nordeste, sobretudo no semiárido, um laborató-
rio de paisagens que lhe possibilitava a verificação dos mo-
delos teóricos que postulava, Ab’Sáber, no entanto, nunca
fez um uso restrito das constrições impostas pelos referen-
ciais teóricos que adotou para a análise da região, valendo-
se antes de uma visão sui generis, sempre retroalimentada
pelo trabalho empírico e pela sua peculiar capacidade de
postular explicações evolutivas, a partir da observação de
“instantâneos” panorâmicos da paisagem geomorfológica.

Introdução

Uma análise do pensamento do geógrafo Aziz


Ab’Sáber, sob o ponto de vista da geomorfologia, é muito
difícil de ser realizada simplesmente pelas bases tradicio-
nais pelas quais se analisaria a obra de um autor: a recons-
trução dos procedimentos metodológicos utilizados quan-
do da testagem das hipóteses iniciais de trabalho e, mais

536
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
27

tardiamente, após a sua confirmação ou refutação tro grandes linhas de investigação geomorfológica e
empírica, sua aplicação em larga escala para a cons- geoecológica, nem sempre descontinuadas cronolo-
trução de teorias. No caso de Ab’Sáber o limiar entre gicamente nem desvinculadas uma das outras quan-
a construção indutiva e heurística de um raciocínio to à escolha temática:
a partir da observação dos fatos geomorfológicos, e
a concepção de um grande esquema apriorístico de Cronologia da Denudação (Superfícies de Aplai-
ideias firmemente embasado no conhecimento da namento)
literatura especializada, em sua contemporaneidade,
confere à sua obra um caráter singular frente às esco- Geomorfologia Climática (Sistemas Morfogenéti-
las de pensamento geomorfológico vigentes. cos)
Não obstante este caráter de certa forma “im-
pressionista” de suas reflexões, Ab'Sáber conseguiu
Fisiologia da Paisagem
imprimir ideias de “movimento, temporalidade e
herança” ao estudo das paisagens geomorfológicas
Teoria dos Refúgios
brasileiras, colocando a perspectiva da evolução no
tempo na posição central dos debates sobre a mor-
fogênese, em um cenário de ideias em que prevalecia A perspectiva da “Cronologia da Denuda-
a busca por um ordenamento espacial sistemático ção” constitui uma tentativa dos geomorfólogos de
e hierárquico das formas e sua morfometria. Nes- reconstruir a história erosiva da superfície terrestre,
te sentido, Ab'Sáber consolidou o caminho para os sendo o seu estágio final, a superfície de erosão, com-
geomorfólogos brasileiros interessados na “estrutu- preendida como o último produto de um ciclo de
ração superficial da paisagem” como chave para a erosão dominado por um conjunto particular de pro-
compreensão dos arranjos espaciais do relevo e de cessos superficiais. Esta definição, sugerida por Gou-
sua dinâmica recente. die (1998), no entanto, sintetiza a partir da equifina-
Ao escolher o Nordeste como ponto de partida lidade - a superfície de aplainamento - um vasto
para muitas de suas correlações espaço-temporais e, programa de pesquisa, levado a termo por muitos
sobretudo, para a modelagem da aplicação da “Teoria centros de produção acadêmica, sobretudo na pri-
dos Refúgios” à história da organização das paisagens meira metade do século XX. A grande diferença en-
tropicais e subtropicais brasileiras, Ab'Sáber colo- tre as diversas perspectivas sobre este tema residia na
cou a questão da semiaridez em posição focal para forma como se processava o aplainamento, ou seja,
a compreensão dos arranjos de paisagens tropicais e no conjunto de processos superficiais envolvidos.
extratropicais do Brasil. Infelizmente, quase 40 anos Nesta linha de abordagem teórico-metodoló-
após os primeiros postulados dentro da “Teoria dos gica Ab'Sáber (2000) afirma que o estudo das super-
Refúgios”, os estudos que propõem uma reconstru- fícies de aplainamento interplanálticas e de cimeira
ção da dinâmica quaternária do relevo no Nordes- constitui um dos temas mais importantes da meso-
te, especialmente no seu core semiárido, continuam compartimentação topográfica do Brasil. O estudo
com raras exceções ainda incapazes de dar conta da desses aplainamentos, para o autor, constituíria uma
vastidão de mosaicos de paisagens regionais que in- transição radical entre a história geológica propria-
tegram o Nordeste seco. Por outro lado, as premis- mente dita e a história geomorfológica pós-cretácea
sas teóricas a cerca de refúgios ecológicos operantes de grande parte do Brasil.
durante o Pleistoceno, lançadas pelo pesquisador, e Ainda no mesmo trabalho e agora enfocan-
alentadas inicialmente pelas observações das serras do o relevo do Nordeste do Brasil, Ab'Sáber (2000)
úmidas que emergem das depressões interplanálticas postula que o planalto da Borborema constitui uma
semiáridas do Nordeste, serviram de lastro conceitual unidade peculiar entre as superfícies de aplainamen-
às pesquisas em base fortemente empíricas e instru- to de cimeira do país, rodeada por depressões perifé-
mentalizadas que têm aprofundado o conhecimento ricas marginais.
da dinâmica das paisagens naturais além do trópi-
co semiárido brasileiro, a exemplo dos trabalhos de É bem provável que o centro deste antigo maciço
Modenesi-Gauttieri (1988) e Modenesi-Gauttieri tenha se originado a partir de dois ciclos de ar-
& Melhem (1992) para o planalto de Campos do queamento tectônico: um primeiro ciclo distinta-
Jordão, além de Absy et al. (1991) para o sudeste da mente pós-cretáceo, claramente paleogeno, e um
Amazônia, dentre outros. segundo ciclo, pós-deposição da Formação Serra
dos Martins, mas antecedente à deposição da For-
Referenciais teóricos mação Barreiras. Esta sequência de eventos ocor-
reu independetemente da interferência da tectô-
Ao longo de quase 60 anos de atuação profis- nica rúptil em suas bordas, sobretudo a leste.
sional percebe-se a vinculação de Ab'Sáber a qua-

537
Percebe-se claramente, a partir do excerto aci- período atual, a ocorrência de afloramentos rocho-
ma, a afiliação do autor a uma metanarrativa teórico- sos, mantos de alteração com menos de um metro
epistemológica, ao aderir a um quadro de referências de profundidade, pavimentos detríticos, drenagens
solidamente consolidado pela geomorfologia clássi- intermitentes extensivas, canais semianastomosa-
ca. No entanto, há uma relutância em aquiescer aos dos de padrão próprio “inconfundível” e campos de
esquemas pré-definidos de denominação das super- inselbergs cristalinos.
fícies encontradas na Borborema, sugerindo a ocor- Não obstante, ao transpor a gênese da es-
rência de peculiaridades regionais não consideradas trutura superficial da paisagem contemporânea do
nos grandes esquemas propostos para a designação Nordeste a fim de tentar compreender a evolução
de superfícies de erosão no Brasil oriental, como a recente das paisagens tropicais úmidas do Brasil, ou
tectônica pós-Barreiras, cujas implicações recentes seja, ao tentar criar liames temporais entre presente
na pesquisa geomorfológica têm suscitado uma revi- e passado recente sobre a organização das paisagens,
são da cronologia dos eventos formadores do relevo, Ab'Sáber abraça uma “aparente” discrepância teóri-
sobretudo no setor leste do Nordeste oriental, como ca, uma vez que a ideia dos sistemas morfogenetica-
demonstrado por Corrêa et al. (2005) para os relevos mente homogêneos não tratam necessariamente das
tabulares estruturados em sedimentos neogênicos heranças morfológicas oriundas da operação de pro-
tectonicamente condicionados no leste da Paraíba. cessos superficiais decorrentes de signos climáticos
Da Europa surge uma hipótese alternativa divergentes, que porventura negaria a existência do
às ideias que postulavam a elaboração das tais “su- próprio sistema enquanto unidade processualmente
perfícies aplainadas”, e que emanavam principal- “pura”. Neste sentido o autor postula que
mente dos trabalhos realizados por William Morris
Davis nos montes Apalaches, nordeste dos Estados em áreas mamelonizadas, com rochas profun-
Unidos. Já no final do século XIX Albrecht Penck, damente decompostas, estabilizadas pelo manto
na Alemanha, propunha uma ligação entre as pai- protetor das florestas tropicais, apenas uma mu-
sagens geomorfológicas e o clima, cujo estudo mais dança climática mais ou menos radical e brusca
tarde passou a ser chamado de geomorfologia climá- poderá determinar uma fase agressiva de erosão
tica. Os acólitos desta perspectiva teórica afirmavam generalizada, ao fim da qual a região sofrerá aplai-
que os contrastes zonais do clima com seus distintos namentos laterais, restritos por pedimentação. A
efeitos sobre a vegetação implicam em que os pro- pedimentação intertropical somente pode cami-
cessos físico-químicos combinam-se de diferentes nhar e se esboçar, plenamente, quando da transi-
formas e operam sob diversas taxas, produzindo pro- ção entre uma fase de formação de paisagem por
cessos morfogenéticos distintos. mamelonização para uma fase de erosão regional
A acolhida da Geomorfologia Climática,ou da agressiva posto que restrita aos compartimentos
também chamada abordagem dos Sistemas Morfo- intermontanos ou piemônticos (Ab’Sáber, 1971).
genéticos por Ab’Sáber, está claramente exposta em
um trabalho no qual o autor trata do cerrado brasi- Mais tarde, no ano de 1990, em conferência
leiro (Ab’Sáber,1971). ministrada no Seminário de Tropicologia da Funda-
ção Joaquim Nabuco, no Recife, o próprio Ab'Sáber
A despeito da maior parte das paisagens do país forneceria a chave para interpretar sua inquietação
estar sob a complexa situação de duas organiza- com as amarrações espaço-temporais necessárias à
ções opostas e interferentes, ou seja, a da natureza aplicação de uma geomorfologia climática “purista”
e a dos homens – ainda existem condições razo- ao contexto das paisagens tropicais do Brasil.
áveis para a caracterização dos espaços naturais,
numa tentativa mais objetiva de reconstrução da (...) imaginar que um dia tudo fosse criado nos
organização primária dos mesmos. Caberá talvez compartimentos certos, em mosaicos diversifi-
à atual geração de pesquisadores brasileiros a ta- cados não podia caber no meu espírito de jovem
refa fascinante de documentar para a bibliografia estudante e aprendiz (Ab’Sáber, 2002).
das ciências da Terra e da vida no Brasil.
Neste caso em particular percebe-se a transi-
Aplicando o conceito das regiões morfoge- ção entre a escolha de um modelo teórico que prevê
neticamente homogêneas ao Nordeste semiárido, fases de longa duração de operação dos processos
Ab'Sáber define esta região como sendo o domí- formativos (superfícies aplainadas submetidas à ação
nio das depressões interplanálticas semiáridas do do tempo de relaxamento dos sistemas morfoge-
Nordeste, ou seja, região de depressões interplanál- néticos), e proposições derivadas da observação de
ticas sob o domínio de processos de pedimentação eventos rápidos de grande impacto estruturador so-
pretéritos a atuais. Suas características estrutura- bre a paisagem, como proposto pela visão geomor-
doras seriam a fraca decomposição das rochas no fológica contemporânea voltada para a elucidação

538
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
27

dos processos formativos bruscos e da sedimentação ríodos de relaxamento e estabilidade da paisagem são
episódica a eles associada. Sob este novo enquadra- necessariamente sempre mais longos que os eventos
mento conceitual o autor trata de temas como o transformadores, de dimensão apenas pontual. Nesta
cruzamento instantâneo de patamares formativos perspectiva de análise das transformações climati-
e estabelecimento posterior de novas situações de camente condicionadas, enquadra-se nitidamente a
equilíbrio dinâmico entre formas e processos, de- adoção da teoria biorresistásica de Erhart (1956), e
monstrando a sintonia de suas ideias com concep- até mesmo a ideia de fitorresistasia que lastreia as
ções oriundas do paradigma sistêmico em “geomor- noções de equilíbrio ecodinâmico como sugerido por
fologia”. Tricart (1977), no entanto já incorporando também
Embora na década de 1970 a proposta sistê- as relações de equilibro dinâmico entre forma, mate-
mica tenha sido acolhida em larga escala pelos prati- riais e processos, cujos fundamentos teóricos encon-
cantes da geomorfologia brasileira, este enfoque, sob tram-se mais solidamente enraizados na abordagem
a epígrafe de “Fisiologia da Paisagem”, confere à obra geomorfológica de tradição sistêmica.
de Ab'Sáber características muito diferenciadas da- Dentro deste arranjo de ideias de convivência
quelas do “sistemismo” prevalente nos trabalhos dos aparentemente discrepantes, a perspectiva do autor
demais geomorfólogos do país. É notável a diferen- tenta contemporizar o impacto humano sobre as
ça, sobretudo no que concerne os trabalhos de Anto- paisagens “naturais” brasileiras e enquadrar o domí-
nio Christofoletti, cuja ênfase da proposta para uma nio semiárido aos demais domínios morfoclimáticos
geomorfologia em fundamentos sistêmicos residia brasileiros, seguindo um ordenamento nitidamen-
em um enfoque mais morfométrico e modelístico, te evolutivo, unidirecional, entre uma instabilidade
em bases bastante matematizadas (Christofoletti, morfogenética circunstancial e uma estabilidade má-
1979). Ao se tentar comparar a obra desses dois auto- xima:
res, percebe-se que a perspectiva sistêmica que aflora Acreditamos que a esmagadora maioria das paisa-
na obra de Ab'Sáber reflete uma tendência menos gens existentes nos diferentes domínios morfocli-
tecnicista e operacional, muito mais em consonân- máticos brasileiros pertencem a situações biostási-
cia com o pensamento de Dolfus (1970), para quem cas, incluindo nessa considereção, parcialmente, as
o espaço geográfico nada mais é do que o suporte paisagens naturais da região semiárida nordestina.
de um sistema de relações derivado da dinâmica do É fora de dúvida que de modo irregular o homem
meio físico e da ação das sociedades que o utilizam provocou efeitos de resistasia antrópica, um pouco
de conformidade com o seu grau de desenvolvimen- por toda parte” (Ab’Sáber, 1971).
to econômico e social, podendo ser sintetizado como
“o tecido que reflete a espessura histórica de uma ci- Já na década de 1980 a geomorfologia de
vilização”. Ab'Sáber incorpora e retro-alimenta as concepções
A partir desses encaminhamentos teóricos, vê- teóricas que emanam de estudos biológicos e paleo-
se aflorar com bastante ênfase uma perspectiva in- ecológicos - inicialmente voltados à explicar a bio-
tegradora e ambientalista, sobretudo enquanto pro- diversidade da avifauna amazônica, do qual oportu-
posta metodológica, na geomorfologia de Ab’Sáber: namente passa a configurar um ramo independente
de contribuição de dados empíricos provenientes da
(...) queremos salientar que é de todo conveniente análise da estrutura superficial da paisagem. Este
intensificar os estudos sobre o funcionamento e a novo referencial teórico foi postulado por Haffer
organização das paisagens brasileiras, consideran- (1969), que o chamou de Teoria dos Refúgios, assim
do-se também as conjunturas regionais e locais definida:
derivadas das ações antrópicas. Indiscutivelmen-
te, a análise da interferência de processos, ações A teoria dos refúgios propõe que mudanças na
predatórias e agressões lesionantes têm tanta im- vegetação desencadeadas por reversões climáti-
portância para a aplicação das ciências quanto o cas durante qualquer período da história da Terra
esforço para o entendimento das condições ecoló- provoca a fragmentação de grupos de espécies e
gicas das áreas menos perturbadas pelos homens o isolamento de uma porção de suas respectivas
(Ab’Sáber, 1971). biotas em refúgios ecológicos onde as populações
tornam-se extintas, sobrevivem sem mudanças, ou
Malgrado os esforços em contemplar a dinâ- se diferencia ao nível das sub-espécies e espécies,
mica geomorfológica sob a égide do tempo das ações A teoria dos refúgios quaternários é apoiada por
antrópicas impactantes, ainda no mesmo trabalho, um conjunto de dados de duas fontes indepen-
nota-se uma dificuldade em romper com a funcio- dentes: os estudos das ciências da terra e a da bio-
nalidade temporal “clássica” dos processos exógenos, geografia (Haffer, 1982).
que continuavam sendo apreciados a partir de uma
cronologia eminentemente geológica, na qual os pe- Ao postular que as paisagens tropicais brasi-

539
leiras foram submetidas a fases sucessivas de mor- Nordeste do Brasil ainda não tiveram sua dinâmica
fogênese dominada por padrões climáticos opostos, temporal recente reconstruída a partir de uma base
Ab'Sáber propôs que as evidências deste padrão de dados empíricos, regionalizados, provenientes
cíclico estavam estocadas nos modelados deposi- da análise morfoestratigráfica da estrutura superfi-
cionais e formações superficiais em geral. A partir cial da paisagem. Alguns trabalhos recentes como
dessas premissas, o autor possibilitou a incursão de os de Barreto (1996) e Corrêa (2001) apontam para
uma perspectiva geomorfológica aplicada à Teoria uma dinâmica climaticamente condicionada extre-
dos Refúgios, que, como afirmara Haffer, também mamente rápida e pontuada por eventos de grande
seria retroalimentada por dados provenientes das magnitude de alguns compartimentos de relevo des-
ciências da terra. Neste cenário de confluências si- te domínio, a saber: sistema de dunas fixas do sub-
nérgicas de abordagens, Ab'Sáber (1982) afirma que, médio São Francisco e depósitos coluviais da Serra
a fim de conseguir uma reconstrução cientificamente Baixa Verde, PE, respectivamente. No entanto, os
confiável das paleopaisagens, deve-se combinar da- dados ainda são espacialmente rarefeitos no sentido
dos da geomorfologia com informações escondidas de permitir uma apreciação completa dos cenários
pela estrutura superficial da paisagem. O autor ainda cambiantes de circulação atmosférica e paisagens do
alertava para o fato de que então ainda não se possuía Nordeste pleistocênico.
nenhum dado concreto sobre o comportamento das
massas de ar antigas que determinaram as condições Conclusão
ecológicas e, portanto, essas deveriam ser inferidas
a partir das posições e distribuições das evidências Apesar da perspectiva atualista classicamen-
preservadas sob as paisagens atuais, que o autor vem te adotada por Ab'Sáber quando da consideração
estudando desde 1946. da expansão dos espaços semiáridos pelo Brasil,
Ao aplicar a teoria dos refúgios ao estudo durante os períodos glaciais do Pleistoceno - com
da estrutura superficial da paisagem do Nordeste, processos superficiais predominantes semelhantes
Ab'Sáber (2002) alerta para a necessidade de se levar aos do semiárido atual -, o autor sugere, com am-
em consideração algumas peculiaridades da região: biguidade típica dos acadêmicos que desconfiam
do alcance dos métodos, uma perspectiva de análi-
se inovadora voltada à diferenciação dos arranjos de
O Nordeste em sentido irrestrito tem uma origina- paisagem sob condições climáticas e fitogeográficas
lidade (em sua semiaridez), todos os seus rios cor- potencialmente diferentes das atuais. Por fim, esta
rem para o mar. atitude reassevera sua constante revisão de premissas
em face da observação em larga escala do território
brasileiro e, sobretudo, do Nordeste:
No Nordeste ocorre a convivência da floresta com
a caatinga. Onde estava a megafauna? Provavelmen-
te na interface dos agrestes de um passa-
do diferente do de hoje, áreas muito mais
Se não fosse a tipologia dos brejos e o fato de a diversificadas do que a própria caatinga
vegetação tropical conviver com grandes setores se- atual, uma diversidade de nichos ecológicos gi-
miáridos, a Teoria dos Refúgios jamais poderia ser gantescos por causa de própria extensão do espaço
visualizada. brasileiro (...) (Ab'Sáber, 2002).

No intuito de analisar as filiações teóricas da


Entretanto, embora os padrões espaciais obra de um dos pesquisadores que mais influenciou
necessários à construção da base teórica para a a geomorfologia brasileira, sobretudo quando suas
teoria dos refúgios estarem, contemporaneamen- considerações tratam do domínio semiárido do Nor-
te, no Nordeste semiárido do Brasil, como propõe deste do Brasil, esta contribuição atesta o caráter
Ab'Sáber (2002), seu comportamento e dinâmica de unicidade da produção acadêmica de Ab’Sáber,
temporal nunca foram plenamente testados, em ba- na medida em que este autor sempre dialogou com
ses verticais, na região, ao contrário do que aconteceu os paradigmas vigentes de forma dinâmica e ativa,
com outras regiões do Brasil a partir da consolidação recuperando dados empíricos obtidos sob a pers-
empírica de algumas premissas da teoria dos refúgios pectiva de fases de trabalho anteriores e até mesmo
acoplada à análise morfoestratigráfica e palinológica permitindo-se trabalhar dados atuais a partir do uso
dos modelados deposicionais. de linhas de abordagem não necessariamente sincrô-
Desta forma, as “peculiaridades” contempo- nicas ou geneticamente filiadas.
râneas encontradas nos mosaicos de paisagens que
integram o domínio geomorfológico semiárido do

540
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
27

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541
O Nordeste brasileiro e a Teoria
dos Refúgios

Aziz Nacib Ab’Sáber

2002. O Nordeste brasileiro e a Teoria dos A Teoria dos Refúgios foi essencialmente criada na
Refúgios. Trópico e Meio Ambiente, Amazônia. Um geólogo que trabalhava a serviço de com-
24: 35-61. (Anais do Seminário de panhias estrangeiras naquela difícil área, onde o solo está
Tropicologia. Recife: Massangana). quase sempre escondido para os geólogos, teve a felicidade
de poder dedicar suas horas vagas ao estudo da distribuição
dos pássaros na Amazônia. E o professor Jürgen Haffer
herdou uma bibliografia inicial feita, aqui no Nordeste e lá
no Sudeste, por nós todos e, de maneira muito inteligente,
adaptou todo o conhecimento prévio à questão da expli-
cação da distribuição anômala dos pássaros na Amazônia.
E chegou à conclusão de que cada quadrante da Amazônia
tinha uma biodiversidade diferencial, embora com com-
ponentes mais fixos dentro da floresta, e dentro dele um
certo estoque faunístico, mas que, no nível mais refinado de
espécies e de subespécies, essa ocorrência era muito dife-
renciada. Então, cada subespaço tinha um agrupamento de
pássaros que não aparecia nos subespaços mais distantes,
de tal maneira que esse fenômeno precisava de uma expli-
cação. E a explicação dada por ele enquadrava-se na linha
dos estudos dos geomorfologistas da época, que já falavam
em microclimas e que diziam que houve um momento em
que os climas foram diferentes dos atuais.
O que hoje sabemos a respeito da Amazônia brasi-
leira foi, em grande medida, enriquecido pela colaboração
francesa, alemã, belga e americana.
Os franceses da época eram herdeiros de uma escola
geográfica que não separava tempo de espaço, que tinham
uma noção de tempo e de espaço a serviço da sua metodo-
logia e, ao mesmo tempo, a serviço das suas especialidades.
Dizia o professor Dresch, falando em voz alta para os seus
amigos comuns, que eram apenas aprendizes da ciência
geomorfológica e da ciência da história da paisagem: “Aziz,
le paisage c’est toujours un heritage”. Esta frase marcou
bastante a minha vida; imaginar que um dia tudo fosse
criado nos compartimentos certos, em mosaicos diversifi-
cados, não podia caber no meu espírito de jovem estudante
e aprendiz. Quando Dresch disse isso fiquei pensando que
essa herança tinha uma história e que, como toda herança

542
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
27

que tem uma história, precisa ser amplamente vista 750 mil km² de área, o equivalente a mais de três
em termos de que a história significa história de todas vezes os 247 mil km² do semiárido do Estado de São
as histórias. E a ideia desta frase apliquei ao caso dos Paulo.
conhecimentos sobre o Nordeste, com muito sofri- Outro fato é que o Nordeste, em sentido ir-
mento, porque não tinha os dados organizados para restrito, com o calor e com as evaporações e preci-
resolver o problema de como teriam sido as paisa- pitações sazonais, com cinco, seis meses de chuvas
gens anteriores às atuais. torrenciais e seis, sete meses de bastante secura, tem
Outro momento importante desse aprendi- uma originalidade: todos os rios do Nordeste correm
zado com o mestre Dresch foi quando ele disse a para o mar. Se no Nordeste os rios corressem para as
mim e a Mário Lacerda: depressões interiores, a situação da semiaridez seria
totalmente diversa - os solos salinos predominariam
Aziz, vocês não têm ainda o conhecimento de nos lagos, que seriam lagos do tipo do Mar Morto,
todas as terras semiáridas e áridas do mundo. entre outras alterações que existiriam. Felizmente,
E nesse sentido seu poder de comparação é pela originalidade física, que se projeta para o campo
menor do que o nosso. Então, permitam que do social, os rios do Nordeste deságuam no mar, são
eu lhes diga que a situação das outras áreas de- intermitentes, sazonários, exorreicos. Existe uma
sérticas é, social e historicamente, totalmente vasta terminologia científica, da qual não pretendo
diversa da do Nordeste seco. Lá no Saara [ele abusar nesta conferência: existem drenagens endor-
era um especialista em Saara] existem grandes reicas, arreicas e exorreicas. Arreicas são difusas, são
espaços secos - desertos pedregosos, deser- as dunas dos desertos, correm rápido e se perdem
tos rochosos, campos de dunas imensas - e, em alguns setores. As endorreicas são as que escoam
pontilhando aqui e ali, existem os oásis. E lá, para dentro dos lagos do tipo africano, ou para lagos
na concentração dos oásis, os grupos humanos de certas áreas da Austrália. E as exorreicas são as
se defendem em termos de natalidade: não é que mansamente chegam até as praias e às pontas de
possível viver mais gente num pequeno oásis enseada, as que chegam ao mar levando os sais re-
do que aquele que o oásis pode suportar. E os tirados dos continentes, indo enriquecer os compo-
outros espaços, os grandes espaços desérticos, nentes das zonas costeiras e das águas continentais
são espaços de trânsito, de comércio e de aven- da plataforma, gerando mais vida na plataforma por
tura. E, nesse sentido, são espaços despovoa- causa dos sais que saem da terra. O Nordeste tem
dos, neles transita-se, mas não se vive. essa felicidade porque os seus solos têm mediano
comportamento agrícola. E existem solos de gera-
Comparando o Nordeste brasileiro com a área, ções diferentes: os solos vermelhos do Ceará e da
Dresch afirmava que essa é a região semiárida mais Bahia, os solos arenosos dos ariscos. Procurei saber
povoada do mundo. Os espaços por entre os brejos, o que significava ariscos. Os meus colegas geógrafos
ricos de gente, de produtividade e de diversidade me falavam: isso é um arisco, mas eu queria a defi-
produtiva, contêm, eles próprios, na região semi- nição de arisco. E descobri que arisco é uma corrup-
árida, o máximo de população que se conhece em tela da velha expressão portuguesa areusco. Ariscos
qualquer região semiárida do mundo. Só mais tarde são aquelas margens arenosas de riachos como os
eu entenderia quanta verdade havia nesta observação do Ceará ou da Bahia, ou mesmo de outras áreas do
do mestre Dresch. Nordeste em que houve uma distribuição das areias
Durante muito tempo me fixei no estudo dos em lugares em que deveriam ter várzeas; são várzeas
brejos. Os brejos são a grande exceção em relação à arenosas, com pouco encharcamento d’água. Esse é
falta de fertilidade natural, ou, pelo menos, de apti- o arisco, e nesse não medra nem a árvore da caatinga,
dões naturais - a fertilidade química existe, a física nem qualquer agrupamento vegetal de caatinga, mas
é que é muito problemática nos solos do sertão. E, apenas os capins naturais, as gramíneas do sertão.
neste sentido, os brejos eram o espaço de agricul- Outro aspecto dessa originalidade do Nordeste
tura, o espaço de fartura, o espaço de diversidade é a convivência da floresta com a caatinga. Vejam
econômica: café sombreado, café não sombreado, bem, a convivência de um quadro de natureza tro-
hortaliças, mangueiras, canaviais pequenos para en- pical unia serrinha com solos e vegetação tropicais,
genho. O brejo era tudo que o sertão não possuía e, com água escorrendo permanentemente durante o
ao mesmo tempo, era o celeiro do sertão em relação ano por entre os solos da mata, é uma exceção. E, lá
ao abastecimento das feiras. Mais adiante apresen- em baixo, de repente, começa a caatinga, uma ligeira
tarei conclusões sobre o destino de alguns brejos. interface da Zona da Mata com a Zona do Sertão.
No Nordeste, onde vive uma massa humana Um outro problema são as faixas de transição. Há
grande para uma área de produtividade limitada em muito tempo se conhece o trinômio Zona da Mata,
função das condições fisiográficas e geoecológicas, o Agreste e Sertão. Mas os agrestes são extremamente
quadro é muito específico: o contínuo semiárido tem variados. Eu próprio já vi agrestes em terras baixas

543
e em zonas piemontanas. Já vi agrestes com forma- por exemplo, nos Cariris Novos, na região da porção
ções xerofíticas e de mata seca. E, logo depois, vêm oriental do Araripe, e assim por diante.
os sertões, onde dominam os padrões de caatinga Começa aqui a relação da Teoria dos Refúgios
- caatingas arbóreas, caatingas arbóreas arbustivas, com o Nordeste seco. Se não fosse a tipologia dos
caatingas arbustivas arbóreas, caatingas espinhentas, brejos e o fato de a vegetação tropical conviver com
caatingas com ariscos, entre outras. grandes setores semiáridos, a Teoria dos Refúgios ja-
É oportuno lembrar que existem dois tipos de mais poderia ser visualizada. Porque é, precisamente,
agreste: um que separa a Zona da Mata da Zona dos a partir deste quadro, que podemos reconstruir o
Sertões; e outro que separa os Sertões dos Brejos de passado para entender como foi a distribuição geral
Serra, pequenas faixas diferenciadas e que foram as da vegetação de três a quatro milhões de quilômetros
mais prejudicadas. Elas eram mais abertas, porém ao sul do território brasileiro, quando os climas secos
foram eliminadas e, entre as paisagens que restaram foram ampliados a partir do Nordeste, ou de setores
das serras úmidas e dos sertões secos, quase que não do Nordeste. Por essa razão, propus este tema para o
existe mais uma transição geoecológica e biológica Seminário de Tropicologia. Falemos agora um pouco
natural, porque essa faixa foi degradada. sobre a Teoria dos Refúgios para depois relacioná-la
Este fato explica algo fundamental no Nor- com esse conhecimento da região do Nordeste.
deste: a zonação morfoclimática e fitogeográfica que Jürgen Haffer e o professor Paulo Emílio Van-
existe nas serras. No Quixadá e na região da Serra do zolini, por caminhos diferentes, exatamente no fim
Baturité, saímos do Sertão, entramos no Agreste, do da década de sessenta, auxiliados por alguns de nós
Agreste entramos na formação dos cocais, a 350, 450 e alguns dos nossos trabalhos - trabalhos de Tricart,
metros de altura, e só vamos encontrar um dossel de de Ab’Sáber, de Bigarella e de outros -, chegaram à
matas, que é o próprio dossel que recobre a serra, conclusão de que dizíamos que houve a expansão dos
nos altos da serra, onde existem, inclusive, alguns climas secos por vastas áreas dos territórios tropicais
banhadinhos que, aliás, deram o nome, naquela re- e subtropicais brasileiros, no momento em que os
gião, aos brejos. Brejo não é uma expressão fácil de climas secos desintegraram, pela sua expansão, uma
ser rastreada. No Baturité, o brejo é um banhadinho certa tropicalidade que existiu anteriormente a eles
de uma pequena planície alveolar embutida na pai- - anteriormente a eles significa 45 mil, 50, 60 mil
sagem dos morros florestais. E, por extensão, quase anos, ou mais -, quando houve a desintegração da
todas as ilhas de umidade do Nordeste foram trans- tropicalidade prévia, e os climas secos penetraram
formadas na expressão Brejo, por causa da grande di- por várias áreas do país. Então, reorientei minha in-
ferença entre aquele que tem mata e aquele que tem terpretação dizendo que os climas secos penetraram
caatinga. Uma extensão muito confusa, porque se pelas depressões interplanálticas - aqui um maciço
estendeu a expressão Brejo para áreas que são apenas antigo, acolá uma Chapada do Araripe, acolá uma
florestadas com ambiente quente e úmido, mas que serrania qualquer. A penetração da semiaridez se fez
nem sempre têm a várzea nem o banhado. pelos caminhos das depressões intermontanas e in-
Esse assunto da tipologia dos brejos me terplanálticas do Planalto Brasileiro e atingiu até a
preocupou muito, tanto que apresentei, em Gara- Depressão Periférica Paulista da região de Rio Claro
nhuns, numa das reuniões da Associação dos Geó- e os seus bordos. Tudo que ficava entre dois planaltos,
grafos Brasileiros, uma tipologia inicial. Denominei entre os dois blocos mais elevados, e o que era baixio
os brejos, na sua tipologia regional, de brejos de ci- e colinoso era caminho para a semiaridez. Mais ou
meira; brejos de encosta, ou de vertente, bem umidi- menos como acontece ainda hoje nas colinas serta-
ficada; brejos de piemonte, ou pé-de-serra; e brejos nejas do Ceará, de Arcoverde e do Rio Grande do
de vale orientados ou ribeira. Essa denominação Norte, entre serranias e a costa; e, nas colinas serta-
tornou-se bastante comum no Nordeste. Depois nejas, entre serranias elevadas da Bahia.
surgiram alguns outros tipos. Por exemplo, nas áreas A razão da penetração da semiaridez perma-
calcárias existem brejos decorrentes da exudação de neceu difícil de ser detectada. Nos anos de 63 e sobre
água em função da infiltração. todos os conhecimentos prévios à Teoria dos Refú-
Atenção para esses brejos. Eles estão no cimo gios, remanescentes do tempo do professor Tricart,
da montanha e nas vertentes, às vezes descem para o cheguei a uma conclusão muito simples: se os climas
piemonte, como no Baturité, enquanto outros estão eram gelados, frios, se havia volumosas geleiras no
apenas na vertente, ou só no piemonte, ou ainda polo sul, no polo norte, nas altas montanhas na Pa-
num piemonte especial. Gilberto Osório estudou tagônia e nas Malvinas, quais teriam sido as mu-
um brejo na base do Ibiapaba que tem uma espécie danças em relação aos Trópicos que, certamente, em
de cone de dejecção de vários produtos de clima mais termos de climas quentes, eram mais estreitados? Os
seco, em cima dos quais retém água. Ali tem floresta arqueólogos da França e da Bélgica diziam apenas,
e outros brejos de olhos d’água múltiplos que fun- relacionando tudo com a África, que durante os pe-
cionam como um elemento de umidificação, como, ríodos glaciais teriam ocorrido períodos pluviais e

544
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
27

interpluviais. Esta nomenclatura prevaleceu até a dé- métricos baixos. O que não justifica, porém, que o
cada de sessenta, quando nós brasileiros rompemos Nordeste inteiro fosse tão seco como é atualmente.
definitivamente com ela para a América do Sul. Para Pode ser que houvesse algumas faixas de li-
a África, entretanto, a questão não foi tão simples gação entre as florestas amazônicas e as florestas
quanto se pensava. Até a década de sessenta, pois, se atlânticas remanescentes do período em que o ter-
havia glaciação, o clima era muito chuvoso nos Tró- ritório brasileiro, em seu conjunto, era muito mais
picos; já no período interglacial, o clima era muito seco e muito mais nordestiniano. Havia uma pai-
seco nos Trópicos. sagem pan-nordestiniana na maior parte do Planalto
Estudando alguns depósitos, seguindo o rastro Brasileiro, que se estendia até o sul do Brasil. O Rio
de Tricart, e incentivando um outro pesquisador, que Grande do Sul, entre a serra subúmida daquela época
era químico mas que se tornou o maior sedimentolo- e a região de Caçapava do Sul, era coalhado de frag-
gista brasileiro, professor João José Bigarella, conse- mentos de pedra, era uma região subdesértica pela
guimos inverter este quadro no Brasil, e o clima frio semiaridez dos sopés das montanhas andinas, da re-
da região polar teve repercussões de secura, não re- gião situada ao norte de San Juan, e que se estendeu
percussões de pluviosidade. Esse foi o nosso grande até o Rio Grande do Sul e o Uruguai. O Uruguai
feito. Mas ainda faltava uma nova reflexão. E na- também tinha semiaridez, por isso a paisagem do
quela época de grandes dificuldades para a pesquisa, Uruguai não é completamente reafeiçoada em certos
no início da ditadura militar, concluí que o frio não lugares, tem lajedos, tem detritos de diferentes tipos.
chegou totalmente nos trópicos, mas apenas reduziu Gilberto Osório, Bigarella e Rachel Caldas Lins fi-
a tropicalidade, que continuou muito forte porque, zeram um trabalho sobre a extensão desses climas
mesmo se diminuísse 3°C, o Nordeste continuaria secos para o lado do Uruguai, que conheço bastante
seco com 26°C, o que é muito acima da média. Logo, bem e que depois ainda fui testar no campo, para
o problema estava relacionado com a corrente fria. verificar este e mais outros aspectos que poderiam
Esta, sim, escapou do controle da zonação climática ser vistos. Porque constitui fato de fundamental im-
do globo e subiu pelas águas da plataforma. Então, portância que a semiaridez tenha abrangido lugares
ocorre algo belíssimo: o polo engordando, nível do de climas diferentes.
mar baixando, corrente fria subindo, e a semiaridez É a esse chão pedregoso geral, presente em
expandindo-se por grandes espaços. Porque toda vez várias áreas, mas não por grandes espaços, que aqui
que uma corrente fria acompanha o litoral de uma no sertão do Nordeste o povo chama de caatinga pe-
região que está em área quente, ela faz uma atomi- dregosa e na Bahia chamam de malhadas de pedras.
zação da umidade, o que dificulta a penetração da Existem vários nomes para essas pedras soltas que
umidade para o interior do continente. E assim é que aparecem no dorso das colinas sertanejas, e são resul-
a tropicalidade foi destruída por causa dessa sucessão tado apenas da relação entre calor diário muito forte
de fatos integrados. E nesse sentido, essa integração e noite muito fria naquela época. É isto que frag-
de que hoje lhes falo, assim em palavras um pouco menta muito os cabeçozinhos de níquel de quartzo,
poéticas, é que me faz justificar a escolha desse tema. redistribui antigos seixos de terraços fluviais e mis-
É a interdisciplinaridade de Gilberto Freyre tão bem tura as coisas em outros pontos. No Nordeste, o povo
cultivada por esta Casa, que hoje não é mais proposta tem para com esses seixos uma espécie de desprezo
como interdisciplinaridade, agora é uma transdisci- total, porque onde há seixo não dá para fazer agri-
plinaridade. cultura. Mas, por incrível que pareça, já vi os agricul-
Por esse conjunto de fatos, é ainda muito mais tores mais experientes retirando os seixos até atingir
sério do que esse breve relato, à medida que a semia- um solo razoável, situado embaixo desses seixos, para
ridez caminha por grandes espaços, fazendo fenecer plantio. Almeida, um geógrafo francês de sobrenome
a vegetação. Nos morros com rochas decompostas português, que estudou o norte da Rússia, diz que o
onde a vegetação feneceu, a pluviosidade do pequeno desempedramento da região que precede as tundras
período chuvoso faz ravinamentos. Existe uma asso- no norte da Rússia é essencial para se descobrir um
ciação muito complexa entre erosão laminar, a que pequeno espaço de agricultura. E vejo que há uma
se faz em lâmina, e erosão areolar desponte de pontas convergência total num outro clima, numa outra si-
de rochas, que reduz os morros descarnados. E então tuação, numa outra sociedade em face de um solo
começa a generalizar-se uma paisagem semiárida igualmente rústico, sáfaro e bastante difícil para as
por grandes espaços do território brasileiro. Prova- atividades agrárias.
velmente essa paisagem se mantinha por um grande Na teoria de Haffer e de Vanzolini, o lugar bá-
setor do Nordeste, mas não por todo o Nordeste, sico de exemplificação foi a Amazônia. Se ocorreu
como acontece hoje. Razão pela qual acreditamos essa desintegração da tropicalidade, essa expansão do
que a semiaridez partiu do Nordeste, se expandiu clima seco e de chãos pedregosos, por várias áreas,
por todas as depressões interplanálticas e subiu pela das partes mais deprimidas do país, na Amazônia
costa acompanhando a corrente fria em níveis alti- poderia ter ocorrido a mesma coisa. Certa ocasião,

545
fiz uma viagem de Belém até a Serra do Navio e vi os diferentes refúgios tinham estoques biológicos um
crostas duras de laterita desmanchadas lateralmente pouco diferenciados, porque tinham um passado e
em fragmentos, em stone lines, recobertas depois por mais as novas espécies que foram formadas. E não
um solo muito ruim, onde medrava algum cerrado houve tempo, desculpem-me pelo neologismo, para
degenerado. Então, revelei esse quadro ao professor uma coquetelagem geral da floresta e das faunas dentro
Vanzolini e depois descobrimos, perto de Marabá, da Amazônia como um todo. Este é o ponto mais
áreas enormes de stone lines. E, posteriormente, o importante na Teoria dos Refúgios. Devem ter ha-
professor Junot veio ao Brasil e comprovou tudo isso. vido barreiras, competições e uma série de coisas. O
Os franceses não citam muito bem as pessoas, mas que posso adiantar como barreira é que, à medida que
devo dizer que Almeida teve uma longa entrevista a umidificação se faz, os rios ficam mais volumosos,
comigo em São Paulo e eu expliquei essas coisas a a sedimentação se espessa e aumenta a altura. E isto
ele. Depois, o Vanzolini teve a sua revelação e me gera entraves para a passagem de determinados tipos
disse que, se houve essa desintegração, ficariam ilhas de animais de alguns pontos para os outros.
de florestas na Amazônia: uma a sudeste, a outra ao Vejamos, agora, o que aconteceu com a mega-
sul, outra a sudoeste, outra acolá, e outra talvez no fauna. A megafauna cria problemas muito grandes
centro, como eu mesmo havia dito. E então a fauna em termos de interpretação. Entre um período muito
de sombras retraiu-se, concentrou-se demais e houve remoto do Quaternário, há cerca de treze mil anos,
uma pressão demográfica formidável sobre cada uma certamente a megafauna ocupou alguns espaços. A
dessas massas florestais refugiadas. É aí que surge o ecologia da megafauna é extremamente difícil. Fui
verdadeiro sentido da Teoria dos Refúgios. O refúgio a La Plata verificar a megafauna argentina, como os
não é a floresta que se desintegrou pela expansão do tatus gigantes e outras espécies, mas existe uma certa
clima seco. É tudo, aquilo que acompanha a floresta dificuldade para sabermos quais os nichos ecoló-
na biodiversidade dos trópicos úmidos; é a floresta gicos ocupados por aquela fauna, num território que
e sua fauna, e, sobretudo, sua fauna de sombra com tinha uma paisagem tropical desintegrada, mas que
pequenas penetrações laterais, na fauna e, portanto, continha refúgios de floresta, que continha entre a
mais capaz de tolerar a forte iluminação dos trópicos. floresta e as caatingas, as regiões agrestadas transi-
A Amazônia devia ser muito mais luminosa do que é cionais. Onde estava a megafauna? Provavelmente
hoje. Quando vou à Amazônia e vejo aquele mar de na interface dos agrestes de um passado diferente
nuvens a 400 metros, e depois outro mar de nuvens a do de hoje, áreas muito mais diversificadas do que
três mil metros e, na hora de baixar o sol, aqueles re- a própria caatinga atual, uma diversidade de nichos
flexos fantásticos de luz, fico imaginando que pode- ecológicos gigantescos por causa da própria extensão
ríamos até dizer que, durante o período de expansão do espaço - não apenas de 750 mil km, mas de 3 a
dos climas secos, uma luminosidade nordestiniana 4 milhões de km até o Sul, talvez mais, incluindo-se
ocupou os espaços amazônicos. certas áreas da Amazônia que também tiveram caa-
Vanzolini e Haffer imaginaram que quando tingas. Seriam a Amazônia Sul-Sudeste, Roraima e,
as faunas ficaram acantonadas sob a pressão da alta talvez, Acre.
biodiversidade e demografia, houve um relógio da Neste sentido, não temos uma ecologia da
evolução. Cada área de refúgio funcionou como um megafauna. Mas temos a ecologia do homem. Sa-
espaço de subespeciação e muitas novas espécies bemos, através de vários tipos de estudo, mas so-
foram acrescentadas às velhas espécies. Mas tenho bretudo de datações, que os homens passaram pelo
sublinhado isso por causa dos meus colegas pré- Istmo de Bhering em gerações diferentes, durante o
historiadores, já que em outros espaços aconteceu o Quaternário, entre os períodos interglaciais. Quase
contrário. A velha megafauna não conseguiu resistir, sempre devem ter passado por Bhering para a Amé-
mais tarde, quando veio a umidificação, em seus es- rica do Norte. É necessário falar desse paleoespaço de
paços de vida, que não eram a floresta, e que, cer- Bhering. Paleoespaço é aquele espaço que foi dife-
tamente, não eram os refúgios. Assim, temos duas rente, ou era mais distendido ou, de qualquer modo,
ocorrências bem diversas: quando aumenta o espaço bem diferente. Então, na região de Bhering, certa-
semiárido, reduz-se a floresta, mas funciona o relógio mente houve um paleoespaço muito especial. Era
da especiação e acrescentam-se novas espécies, ou diferente porque o mar estava mais baixo em várias
subespécies ao cabedal das espécies que já existiam e ocasiões e porque havia muito mais calotas de gelo
estavam refugiadas. formando uma ponte entre a Ásia e a América. Hoje,
Quando há a umidificação neste refúgio, co- podemos verificar essa questão com certa tranquili-
meça uma expansão e há um outro refúgio, lá mesmo, dade, mas há vinte anos essa era uma hipótese te-
que começa sua outra expansão. Emendam-se os re- merária. Esses homens eram continentais. Saíram da
fúgios e começa a grande coalescência amazônica, Eurásia, como caçadores, coletores, afastados do mar,
aquela que criou o que chamamos hoje de floresta passaram a perseguir a fauna, pois esta era a única
amazônica. Mas, notem, para que isso acontecesse, alimentação possível, como também passaram a se

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
27

vestir com a veste retirada de algum tipo de fauna Estados Unidos, os mais antigos achados de jazigos
e fazer seus equipamentos com algum tipo de ma- pré-históricos têm entre 23 mil e 27 mil anos.
terial relacionado com a fauna, porque não havia E a nossa Niède Guidon, aqui presente, in-
vegetação, não havia cipó, não havia tronco, o que vestigando com alta meticulosidade a estratigrafia
havia era pele e osso de animais, além da carne desses dos depósitos de gruta da região do Piauí, estabe-
animais, é claro. E, assim, chegaram à América do leceu que primeiro há os sinais da presença direta do
Norte. Fizeram umas voltas pelas terras americanas, homem - ossadas, crânios -, depois existem os ar-
adaptaram-se a outras condições ecológicas e, só tefatos elaborados pelo homem, juntamente com os
muito tempo depois, é que chegaram às zonas semi- cinzeiros, que são as marcas da presença do homem
áridas do México e do sudoeste dos Estados Unidos dentro da caverna.
e depois, entre 60 e 45 mil anos, devem ter passado E, logo depois, essas coisas desaparecem, em-
por outro paleoespaço. Este não era bem um pa- bora alguns elementos míticos e até sinais de pedras
leoespaço, era a região do Panamá, com o mar mais agrupadas para antigos efeitos de cozinha sejam
baixo e a área de terras expostas mais gordas, mais encontrados. Niède não fez um trabalho aleatório
volumosas. quando encontrou 43 mil anos, só que os docu-
Então, os homens continentais seguiram por mentos de lá não restaram com essa mesma capa-
três caminhos: um grupo seguiu pela região pericari- cidade de estratificação. E o grupo americano tem
bana, na periferia do Caribe, em zonas sublitorâneas, se espantado mesmo com as datações de 35 mil, 38
onde permaneceram coletores e caçadores ainda, em- mil, 43 mil anos. Mas essa é uma questão que se re-
bora já com proximidade em relação ao mar e com sume em sentar à mesa e dispor um pouquinho dos
incursões na área costeira mais baixa, na Venezuela conhecimentos interdisciplinares disponíveis, sem o
e na Colômbia. Outro grupo seguiu pelos Andes e que não há condições de resolver o problema. Já o
adaptou-se ao convívio com um clima de altitude problema dos trezentos mil anos de Maria Beltrão
que exige outro tipo de comportamento, inclusive é bem mais complicado e demanda, inclusive, uma
fisiológico, dos indivíduos. E o outro grupo seguiu sondagem mais específica de gruta por gruta, entre
pela zona peripacífica, na periferia do Pacífico, e, de- as estudadas por ela, para conferir a correlação entre
pois, também, galgou os Andes. E todos esses grupos a estratigrafia da gruta e a estratigrafia da estrutura
devem ter descido para o noroeste da Argentina, e superficial da paisagem.
chegado até a Patagônia. Da Patagônia, por conta Vejam que beleza para nós, em termos de uma
das mutações climáticas e de outras dificuldades, história mais breve da dinâmica das populações mais
recuaram e refluíram para o nordeste argentino e antigas do Brasil: cerca de sessenta, cinquenta mil
talvez tenham vindo, tardiamente, formar algumas pessoas transpõem os Andes, caíram nas terras baixas
populações de sambaquis. O homem do sambaqui próximas dos guanos do Orenoco, que eram muito
entra nessa história que vou contar rapidamente, desérticos, e tiveram que ficar espremidos entre os
logo mais, pois não quero tomar muito o tempo dos Andes e os guanos porque nos guanos não tinha
senhores. fauna suficiente para a sua alimentação. Isso significa
O grupo que conseguiu transpor os Andes, que, então, já não era mais a megafauna a base da
à altura da Colômbia, e entrou na Venezuela, pro- sua alimentação. Acredito que a megafauna foi, al-
vavelmente teve como protetor do seu trânsito as gumas vezes, mas nem sempre, alimento do homem
aguadas dos sopés dos Andes. Sobre isso não tenho sul-americano, como foi alimento de outros homens
dúvidas. Quem pela primeira vez parece ter falado mais antigos e em situações mais críticas. Entre a
qualquer coisa a esse respeito foi a arqueóloga brasi- base dos Andes, no começo dessas áreas mais secas, é
leira Maria Beltrão. Mas ela tem cometido exageros que os homens transitaram até encontrar o planalto
nas datações, chegando até a se referir ao homem de central brasileiro. Alguns grupos contornaram o pla-
trezentos mil anos, quatrocentos mil anos, com tanta nalto central, sempre perseguindo interfaces, uma
facilidade, que não ouso acompanhá-la, embora res- zona que tinha mata, agreste piemonte e começo
peite dois pontos básicos da sua teorização arqueoló- da caatinga, pois precisavam muito mais da fonte e
gica: o de que os homens que passaram por Bhering da gruta que da beira do rio. Naquela época, os rios
não deixaram na América do Norte muitos sinais, eram intermitentes, sazonários, como são hoje os do
porque como eram fragmentos de pedras catados em Nordeste. E não tinham peixe permanentemente. E
subdesertos frios, ou tiras de peles de animais para esta foi a razão da não opção pela beira do rio. Mas
amarrar pedras sobre ossos, tudo isso se dissolveu a água é importante e, nos brejos, ela era permanente
com facilidade relativa, em cima das geleiras e, de- e, saindo dos brejos para o pé das montanhas, eles
pois, em outros climas, esse material foi consumido tinham mais condições de atuar.
por umidificações em épocas menos glaciadas. É Nos últimos tempos, tenho me fixado na ideia
uma boa ideia, porque o grande problema entre os de que o trânsito dos homens, dos paleoíndios no
americanos, os brasileiros e os franceses é que, nos Quaternário no Brasil, entre três e vinte e tantos mil

547
anos, ou mais, se fez sempre por terras baixas, porque formassem toda aquela massa - um metro e meio
eram mais quentinhas, mais cálida, e sempre ao pé de depósito ao longo de espaços imensos -, ainda
das coisas que tinham variedade de padrões de ve- que soubesse que os fuçadores têm uma capacidade
getação e de fauna. É uma ideia para se pensar. Já extraordinária para levar materiais para o alto. Se-
escrevi sobre isso mas não posso afirmar que possuo gundo a experiência de Charles Darwin, a teoria do
uma certeza total. O certo é que, perseguindo essas cupim tem raízes respeitáveis.
beiradas, acabaram descobrindo muitas beiradas Mas, existiam questões que precisavam ser
com grutas no Piauí. E então se fixaram lá. E, depois, melhoradas e com o tempo, e discutindo com o Pro-
na Bahia, e em Lagoa Santa, nos arredores de Belo fessor Cailleux, eu disse que se tratava de um soma-
Horizonte. Portanto, as grutas foram essenciais para tório de processos, pois não poderia haver só o pro-
aquela população. cesso do cupim, e que eles se impressionaram com
Há mais um aspecto que gostaria de discutir o cupim porque um pesquisador importante falou
nesta conferência. O conhecimento das malhadas do sobre isso em relação à África, e também porque
Nordeste foi tardio. Poucos autores falavam bem dos Darwin já tinha constatado esse mesmo fenômeno.
chãos pedregosos do Nordeste e dos tipos de chãos O problema é como homogeneizar isso no espaço
do Nordeste e da Bahia. E fizemos um caminho, em total. As rochas começaram a ser decompostas pelo
São Paulo, muito sofrido, para entender esses chãos entranhamento da umidade, e os materiais mais
pedregosos. Em São Paulo, havia um pequeno ho- finos do chão, que eram muito irregulares - as pe-
rizonte enigmático abaixo do solo, a cerca de um dras não estavam num chão liso, havia bolsões onde
metro, às vezes meio metro do solo. E não sabíamos as pedras das pontas de rochas estavam expostas -
o que aquilo significava. Então, os pedólogos diziam: eram materiais de decomposição que saíam e junto
solo x, y, z fácies pedregosa, mas também não sabiam com eles saía o material transportado pelos cupins
interpretar. Quando aqui chegaram os geógrafos e por outros fuçadores não considerados, sobretudo
franceses, em 1956, antes da existência da Teoria dos pelas minhocas e por outros insetos subterrâneos;
Refúgios, eles deram muita atenção para essas linha- todo esse material revolvido ao mesmo tempo criou
zinhas de pedra e identificaram logo como aquilo uma cobertura que escondeu a stone line. Esses dados
que os pedólogos - cientistas do solo - chamam têm um enorme valor didático. Costumo dizer aos
de stone lines. Então, houve uma redescoberta das meus alunos que, para descobrir o chão pedregoso
stone lines no Brasil tropical atlântico em terras que fora do Nordeste, na área tamponada por depósito
hoje são muito úmidas, as da floresta Atlântica. E, de cobertura, temos que fazer um strip-tease da pai-
depois, essas linhas de pedra foram descobertas no sagem: tirar um pouquinho a vegetação degradada,
Rio Grande do Sul, no Amapá, em Rondônia e em não ir aos lugares onde há muita mata, desnudar o
muitos outros lugares do Brasil. Esta linhazinha horizonte a, o b e o c e, um dia, ver aflorar o chão
enigmática de pedras foi o x da questão, foi a nossa pedregoso, porque o que vemos em linha, em área, é
chave. o espaço, as duas dimensões.
O Professor Tricart voltou ao Brasil depois de Assim, é por causa do conhecimento das stone
1956, após o Congresso Internacional de Geografia lines que temos certeza de que houve outros espaços
do Rio de Janeiro, e, em 1957, no campo, ainda dizia secos fora do espaço seco principal do Brasil, que é o
que só há um jeito de interpretar essa linha de pe- Nordeste. É também por causa das especiações com-
dras, e que ela foi um chão pedregoso como aqueles plexas que temos outras certezas relacionadas com
que ainda hoje existem no Nordeste e, depois, deve outros tipos de documentos.
ter sido coberto por depósitos mais recentes, dos úl- Não temos depósitos de pólen fóssil para tudo
timos doze mil anos, que tamponaram o chão. Essa isso porque o pólen fóssil está relacionado com o re-
era a chave de que eu precisava. Como conhecia os torno da vegetação sobre a stone line e, então, quase
lugares onde existiam stone lines, pude mapear os todo o pólen fóssil recuperável é de treze mil anos
lugares onde essas linhas apareciam com maior in- para cá, e não de treze mil anos para trás, quando
tensidade, logo, o lugar que deve ter sido mais Nor- havia chão pedregoso, e pouco material capaz de
deste fora do Nordeste. E, além disso, tive o prazer conservar em banhados. Não dispomos de docu-
de ter uma discussão com um outro pesquisador, o mentação palinológica para o Pleistoceno terminal.
Professor Cailleux, que dizia que os materiais depo- Temos documentação palinológica para acompanhar
sitados em cima das stone lines, que hoje chamamos o desenvolvimento posterior das coisas.
de dépos de couverture (depósito de cobertura), teriam Mas não vou me eximir de falar sobre o que
sido levados para cima por animais fuçadores, cupins aconteceu na costa. Afirmei que o nível do mar
sobretudo. Seriam cupins pré-históricos que, traba- baixou e que a corrente fria subiu. Ao contrário,
lhando muito, tiravam partículas e partículas e pu- quando voltou a haver climas interglaciais mais cá-
nham em cima do chão pedregoso. Eu me insurgi lidos, as geleiras se dissolveram, das montanhas para
contra a ideia um tanto simplista de que os cupins os polos, e de certos setores da plataforma exposta, e,

548
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
27

então, o nível do mar subiu. E, ao subir, avançou. São como já se disse há muitos anos. Mas tinha um cos-
coisas diferentes: subir é uma coisa, avançar é outra. tume altamente poluidor: tudo que comia, jogava
É um processo transgressivo, em Geologia - e a muito próximo do seu habitat. E, com esse costume,
transgressividade das vagas, trabalhando os materiais construíram montões de conchas e de ostras esva-
que estavam na plataforma, retrabalharam as areias ziadas nas proximidades das suas moradias. Além
do tempo em que a costa era muito seca e empur- disso, também enterraram ali alguns mortos ilustres
raram todas essas areias, que depois foram reorien- do clã. Posteriormente vieram os tupis, que expul-
tadas sob a forma de restingas. Então, formaram-se saram, dizimaram ou escravizaram os grupos dos
as lagunas em enorme quantidade na costa do Brasil. homens do sambaqui, ou eles foram de alguma outra
Não apenas as lagunas do Rio Grande do Sul, mas maneira expulsos para regiões interiores onde não
também algumas outras, que já desapareceram, foram existia mais o meio de sobrevivência e onde a relação
tamponadas. Estou convencido de que os mangues entre o homem e a natureza era diferente. Então as
atuais do Brasil são pós-lagunas. Esses magníficos coisas se modificaram.
mangues da junção entre o Capibaribe e o Beberibe Era isso o que tinha a dizer sobre a Teoria
não passam de mangues intralagunares, sedimentos dos Refúgios e suas projeções pós-refúgios, reaglu-
fininhos ligados aos climas úmidos, que chegaram às tinando áreas de vegetação, redistribuindo faunas, ao
lagunas e foram redepositados pela invasão mansa mesmo tempo que, por outros motivos, as grandes
das marés, no dia-a-dia. E, dentro desses mangues, faunas não puderam tolerar a nova tropicalidade e
existiram os viveiros de peixes do Recife. Estou ree- ficaram afundadas em zonas de pântanos, ou um
xaminando essas velhas espécies que estão desapare- pouco acima dos pedregais, ou caíram em buracos
cendo com a metropolização agressiva que a planície à procura de água nos poços de cavernas verticais,
do Recife vem sofrendo. vindo, assim, a morrer à procura de água. Os antigos
O período do homem do sambaqui é definido. zoólogos chamavam tanatocenose, quer dizer, o lugar
Ele só se dá depois que o mar volta ao nível alto, que se escolhe para morrer. Através da Teoria dos
um pouco superior ao nível de hoje, avança da dinâ- Refúgios e das suas projeções posteriores, podemos
mica costeira, com suas vagas, e recria barreiras para dizer que os animais, procurando alimento e água,
as embocaduras, criando lagunas. Então, o homem acabaram morrendo no ponto onde normalmente
conta com uma água suave, e pode ser barqueiro, eles encontravam essas águas.
pescador, comedor de conchas e de ostras, ictiófago, Muito obrigado.

549
TRAJETÓRIA DO GEÓGRAFO
RUMO AO NORDESTE
Teresa Cardoso da Silva

Acolhi com satisfação a indicação da Comissão Organizado-


ra deste livro para participar da merecida homenagem ao geógrafo e
professor Aziz Ab’Sáber, contribuindo para colocar sua preciosa obra,
reunida e comentada, ao alcance dos estudiosos do país.
Pesquisador incansável, partindo de São Paulo estendeu seus
estudos a todo território brasileiro e suas correlações com a América
do Sul e a África. Tive o privilégio de acompanhar a evolução de suas
ideias e do seu interesse pelo Nordeste por meio de artigos (26 regis-
tros selecionados entre cerca de 320 publicados) e de participações em
excursões nessa região. O grande desafio a que me proponho, como
sua contemporânea e geógrafa nordestina, é relatar de forma concisa
sua trajetória para o conhecimento científico e para o equacionamen-
to dos problemas socioambientais e a proposição de alternativas de
soluções viáveis a favor dos sertanejos do Nordeste Seco.
Com esse propósito farei um comentário sintético de sua traje-
tória, baseado em publicações, aulas e entrevistas e em depoimentos e
manifestações de indignação contra a precariedade de políticas socio-
ambientais concernentes à Região.

Formação da base conceitual-metodológica dos estudos de


geomorfologia

Ab’Sáber utilizou uma vasta bibliografia e identificou (Notícia


Geomorfológica n. 2, abril e agosto de 1958) os períodos mais signifi-
cativos da evolução dos estudos de geomorfologia e ciências afins no
Brasil.
- Até meados do século XX, as pesquisas no campo da Geologia já
ocupavam um lugar de destaque no Brasil, enquanto a Geomor-
fologia encontrava-se em situação marginal às disciplinas tradi-
cionais das Ciências, influenciada por teorias e postulados sobre a
formação do relevo da superfície da terra. Os estudos predecessores,
da época dos grandes geólogos viajantes e das Comissões geoló-
gicas (1810-1907) no Brasil, consistem em observações geológicas
e documentação cartográfica preliminares.
- Os estudos de pioneiros no campo da Geografia Física desta-
caram-se como subprodutos das pesquisas geológicas (1910-1940)
realizadas por vários estrangeiros e brasileiros, destacacando-
se os estudos de L. F. de Moraes Rego que produziu artigos no
campo da Geomorfologia, inclusive observações sobre o Vale do
São Francisco (1930/1936). Nesse período destacou-se a Teoria
do Ciclo de Erosão, lançada pelo americano W. M. Davis (1930-
1934), que liderou o nascimento e crescimento da geomorfologia
em novas bases científicas. Um dos seus seguidores, o sul-africano
Lester King (1956), atribuiu a formação do macrorrelevo do Brasil

550
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
28

à recorrência de ciclos de “erosão fluvial”, desen- Caracterização do Nordeste Seco


cadeados por levantamentos epirogenéticos, que
resultaram em superfícies de aplainamento, esca- O lastro conceitual formado durante várias
lonadas conforme as idades (do Cretáceo ao Qua- décadas possibilitou a percepção acurada dos fatores
ternário). Esse esquema, que teve grande aceitação paleogeográficos e morfodinâmicos e a sistematiza-
pelos geólogos, foi criticado por geógrafos euro- ção de temas regionais enfatizando a originalidade
peus que defendiam a concorrência dos processos que caracteriza o Nordeste Seco.
climáticos, isostáticos e geológicos na formação Na síntese geográfica “No Domínio das
do relevo da superfície terrestre. Caatingas”, publicada em 1994, Ab’Sáber traça um
- O período contemporâneo, a partir de 1940, retrato regional baseado no conjunto dos atributos
quando foram fundadas as Faculdades de Filo- climáticos, hidrológicos, geológicos, ecológicos e so-
sofia e criado o Conselho Nacional de Geografia cioeconômicos dos sertões do Nordeste Seco.
e a Associação dos Geógrafos Brasileiros e difun- Segundo o autor “não existe melhor termô-
diram-se as novas concepções sobre a formação metro para delimitar o Nordeste seco do que os ex-
do relevo do Brasil, aportadas por E. De Martonne tremos da própria vegetação da caatinga”, com suas
e F. Ruellan. diferentes fisionomias (arbórea, arbustiva, agrestada,
A realização do Congresso Internacional de parque), que refletem o somatório de efeitos de su-
Geografia no Rio de Janeiro em 1956 foi decisiva cessivas variações climáticas ocorridas no Cenozoico,
para a consolidação da geomorfologia como uma dis- sobretudo durante o Quaternário, e do clima atual.
ciplina, até então envolvida na grande polêmica so- “Os atributos do Nordeste Seco estão centra-
bre a situação no campo de estudo da geologia ou da dos no tipo de clima semiárido regional, que projeta
geografia (Geomorfologia Estrutural x Geomorfolo- derivadas radicais para o mundo das águas, o mundo
gia Climática). Durante esse evento, vários europeus, orgânico das caatinga e o mundo socioeconômico
a maioria constituída de geógrafos franceses, partici- dos viventes dos sertões.” As médias de precipitação
param de excursões em alguns Estados do Nordeste, anual, entre 268 e 800 mm, com chuvas de verão ver-
onde puderam fazer observações e posteriormente de e estiagens de inverno marrom e as temperaturas
publicar trabalhos (J. Dresch, P. Birot, J. Beaujeu- médias de 25 a 29°C, não explicam a rusticidade e a
Garnier, A. Cailleux e J. Tricart) considerados essen- variedade da cobertura vegetal e sim a variabilidade
ciais para conhecimento da geomorfologia do Nor- de períodos chuvosos e de secas muito prolongadas.
deste e formação de pesquisadores brasileiros. As paisagens do Nordeste Seco refletem es-
Surgiram os centros universitários de estudos treitamente o ritmo climático sazonal, acentuado
geográficos em São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia nas depressões interplanálticas, onde os solos são rasos,
(Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais o chão pedregoso e os cursos d’água intermitentes
da U.F.Ba.) e as primeiras publicações geográficas extravasam no verão, cortam no inverno (estiagem
ou de interesse geográfico que culminaram com a prolongada) e expõem os leitos arenosos dos riachos,
revista periódica Notícia Geomorfológica dirigida por e contém um lençol freático pouco profundo nas su-
Ab’Sáber (1958). perfícies interfluviais e nas serras úmidas (refúgios
Ab´Sáber participou ativamente dessa fase e de- ecológicos), conservando vestígios de solos herda-
clarou “guerra sem trégua aos ensinamentos obsoletos” dos de climas mais úmidos. Apenas os grandes rios,
(Notíca Geomorfológica, nº 1, 1958) que predomina- como o São Francisco e o Parnaíba, que se originam
vam, comprometendo-se a contribuir para a abertura fora da Depressão, mantém a correnteza durante a
de novos horizontes para os geógrafos e instauração de estiagem. Estrutura e litologia são indicadas como
uma mentalidade política, e para a aceitação da crítica os fatores responsáveis por enclaves de paisagens de-
construtiva de colaboração e orientação. sérticas nos altos pelados, grupamentos de inselbergs e
Durante a fase subsequente (décadas de sessenta campos de matacões, onde a presença do homem não é
e setenta), marcada pela implantação de novos métodos significativa para justificar a paisagem desértica.
e técnicas de pesquisas, destacam-se contribuições dos
autores brasileiros e estrangeiros para a prática de novos Alternativas para aliviar o sofrimento dos
métodos de pesquisa geomorfológica e a importância sertanejos nordestinos
da utilização de técnicas de interpretação de imagens
de sensores remotos, controladas pelas pesquisas no Nas caatingas nascem e sobrevivem cerca de
campo, além das contribuições de geólogos, biólogos e 23 milhões de brasileiros (1994), antes de partir para
geógrafos para correlação interdisciplinar dos fatores outras regiões em busca de um sonho; quando para
morfogenéticos. Ab’Sáber lembra, entre outras, as ali voltam, estão desiludidos. Para entender esse pro-
colaborações mais frequentes do geógrafo J. Tricart, cesso sofrido, o autor considera as origens e os desti-
do naturalista Vanzolini e do geólogo F. F. M. de nos da população migrante desde o século XIX.
Almeida. No final desse século, a ideia principal dos go-

551
vernantes era reter águas em reservatórios através de lítica dos jovens geógrafos e a percepção da trans-
um programa de construção de açudes próximos às versalidade dos temas geológicos, paleogeográficos,
grandes cidades, a montante de várzeas irrigáveis, em ecológicos e geográficos, voltados para o tratamento
boqueirões ou gargantas, e transportadas por gravi- das questões teórico-metodológicas e práticas.
dade. A esses esforços acrescentou-se a construção Como conferencista, demonstra genialidade e
de ramais ferroviários e, posteriormente, de rodovias capacidade extraordinária de visualização e de inter-
interligando os sertões. pretação das paisagens regionais e expressa-se com
A construção de uma série de grandes hi- perfeição, utilizando uma linguagem própria, que
drelétricas a partir da década de cinquenta - Paulo encanta os ouvintes.
Afonso, Sobradinho, Itaparica, Xingó I e II - foi Foi dessa maneira que, ouvindo pela primei-
a maior iniciativa governamental de importância ra vez uma de suas aulas na Faculdade Católica em
para a economia do país e da agricultura no Nordes- Salvador (1953), eu, jovem estudante de geogra-
te seco. Nesse período convém lembrar o apoio dos fia, escolhi o meu destino profissional. Como eu,
incentivos fiscais e os estudos da SUDENE para o uma legião de estudantes tornaram-se seguidores e
desenvolvimento das indústrias regionais e dos pro- admiradores do grande mestre a quem prestamos
gramas de açudagem, irrigação e perfuração de po- esta homenagem.
ços implementados pelo DNOCS, com o apoio do
Banco do Nordeste. Bibliografia selecionada
Em pleno século XXI, o país tem pressa de
encontrar os caminhos para melhorar as condições
AB’SÁBER, A. N. 1952. A cidade de Salvador. Boletim Paulista de
de vida das populações sertanejas, utilizando alterna- Geografia, São Paulo, 11: p. 61-68.
tivas para conviver com a seca, seja por integração de AB’SÁBER, A. N. 1953. O Planalto da Borborema na Paraíba. Bo-
bacias, transposição das águas do Rio São Francisco, letim Paulista de Geografia, São Paulo, 13: 54-73.
AB’SÁBER, A. N. 1956. L’interference des systèmes d’érosion dans
implementação de projetos de exploração de águas l’élaboration du relief de la région Nord-Est Orientale du Brésil.
subterrâneas, coleta de água das chuvas, revitalização In: Congress International de Geographie (U.G.I.). “Resumés des
das margens, recuperação ambiental, controle de en- Communications”. Rio de Janeiro. p.21.
chentes, proteção de mananciais, combate a velhas AB’SÁBER, A. N. 1956. Depressões periféricas e depressões semi-
áridas no Nordeste brasileiro. Boletim Paulista de Geografia, São
práticas de pastoreio extensivo. Paulo, 22: p.3-18.
Segundo Ab’Sáber, a implementação das AB’SÁBER, A. N. 1956. Significado geomorfológico da rede hidro-
ações demanda o apoio de políticas públicas gráfica do Nordeste Oriental brasileiro. Anuário da Faculdade de
Filosofia “Sedes Sapientiae”, São Paulo, 147: p. 69-76.
específicas e o conhecimento imediato das célu- AB’SÁBER, A. N. 1960. Paisagens do Nordeste, vistas por Mário
las espaciais e sub-regiões do Nordeste semiárido, Lacerda de Mello. Notícia Geomorfológica, Campinas, S.P., 5:
dignas de reconhecimento e avaliação de problemas p.71-74.
AB’SÁBER, A. N. 1970. Participação das superfícies aplainadas
socioeconômicos, de infraestruturas básicas, e de nas paisagens do Nordeste brasileiro. Geomorfologia. São Paulo,
expectativas das populações viventes. A setorização 19:1-38.
proposta para a área de cerca de 700 mil km² deverá AB’SÁBER, A. N. 1975. O domínio morfoclimático semi-árido das
constituir a base a ser submetida à discussão técnico- caatingas brasileiras. Geomorfologia. São Paulo, 43:1-37.
AB’SÁBER, A. N. 1989. O Rio São Francisco: um rio que cruza os
científica para organizar um método de abordagem sertões. In: Terras do Rio São Francisco. Belo Horizonte: BEM-
das questões nordestinas, homogeneizar a pesqui- GE, p. 8-13.
sa em cada um dos sertões identificados, a fim de AB’SÁBER, A. N. 1989. Ribeiras, serrotes e grutas das terras do
São Francisco. In: Terras do Rio São Francisco. Belo Horizonte:
observar a realidade ecológica e socioeconômica, e BEMGE. p. 98-100.
auscultar as aspirações dos sertanejos conforme suas AB’SÁBER, A. N. 1992. Nordeste Seco. Revista Estudos Avançados,
vivências, encontrar parceiros para defender medidas São Paulo, 4(9):149-174.
AB’SÁBER, A. N. 1994/1995. No Domínio das Caatingas. In: Ca-
específicas, baseadas no zoneamento que deverá ser atingas, Sertão e Sertanejos. Rio de Janeiro: Livroarte Ed. Alum-
a base do planejamento regional. bramento. p. 37-46.
AB’SÁBER, A. N. 1995. O velho “Chico” vai matar a sede do ser-
Considerações sobre o homenageado tão? Revista Água e Vida, São Paulo, 2(4):1-13.
AB’SÁBER, A. N. 2003. Zoneamento do Nordeste Seco - Iniciativa
deve aliviar sofrimento da comunidade sertaneja. Scientific Ame-
Ab’Sáber, o geomorfogista mais respeitado e fa- rican Brasil, São Paulo, 1 (11).
moso do Brasil, é reconhecido como um pesquisador AB’SÁBER, A. N. 2003. Setorização dos Sertões do Nordeste – 1
- o caso do Ceará. Scientific American Brasil, São Paulo, 2 (15):
das ciências geográficas a serviço da Sociedade. agosto.
Merece a respeitabilidade nos meios científico AB’SÁBER, A. N. 2005. A seca e o velho Chico. Revista Caros
e político quando opina sobre temas polêmicos atuais amigos, São Paulo, edição especial, p.22 e 23, abril.
AB’SÁBER, A. N. 2005. Sobre a transposição do São Francisco.
como Transposição das águas do Rio São Francisco, As águas do rio não são a panacéia para os problemas do semi-
Zoneamento ecológico-econômico, Aquecimento árido. Scientific American Brasil, São Paulo, 3(35) abril.
Global e Problemas nacionais e regionais. AB’SÁBER, A. N. 2005. Espaços ecológicos brasi-
No cenário universitário demonstra a firme leiros. Tipologia e conceitos ajudaram a enten-
der os domínios paisagísticos do país. Scientific
disposição de provocar a consciência científica e po- American Brasil, São Paulo, 4(39) agosto.

552
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
28
No Domínio das
Caatingas

Aziz Ab’Sáber

1994/1995. No Domínio das Caatingas. In: O domínio das caatingas brasileiras é um dos três es-
Caatingas, Sertão e Sertanejos. Rio de paços semiáridos da América do Sul. Fato que o caracteriza
Janeiro: Livroarte Ed. Alumbramento. p. como um dos domínios de natureza de excepcionalidade
37-46. marcante no contexto climático e hidrológico de um con-
tinente dotado de grandes e contínuas extensões de terras
úmidas. Vale lembrar que o bloco meridional do Novo
Mundo foi chamado, por muito tempo, por cientistas e
naturalistas europeus, de “América Tropical”. Na realidade,
a maior parte do continente sul-americano é amplamente
dominado por climas quentes, subquentes e temperados;
bastante chuvosos e ricos em recursos hídricos. As exceções
ficam ao norte da Venezuela e da Colômbia (área guajira),
e a diagonal seca do Cone Sul, que se estende desde a Pa-
tagônia até o piamonte dos Andes, atingindo depois os de-
sertos do norte do Chile e toda a região costeira ocidental
do continente, desde o Chile até o Equador e parte do Peru.
Por fim, temos a grande região seca – a mais homogênea do
ponto de vista fisiográfico, ecológico e social dentre todas
elas – constituída pelos sertões do Nordeste brasileiro.
O contraste é sobretudo mais expressivo quando se
sabe que nosso país apresenta 92% do seu espaço total do-
minado por climas úmidos e subúmidos inter e subtropi-
cais, da Amazônia ao Rio Grande do Sul. As razões da
existência de um grande espaço semiárido, insulado num
quadrante de um continente predominantemente úmido,
são relativamente complexas. Decerto, há uma certa im-
portância na massa de ar EC (equatorial continental) em
regar as depressões interplanálticas nordestinas. Por outro
lado, células de alta pressão atmosférica penetram fundo no
espaço dos sertões, durante o inverno austral, a partir das
condições meteorológicas do Atlântico centro-ocidental.
No momento em que a massa de ar tropical atlântica (in-
cluindo a atuação dos ventos alísios) tem baixa condição
de penetrar de leste para oeste, beneficia apenas a Zona da
Mata, durante o inverno.
Esses fatores contribuem para um vazio de preci-
pitações, que dura de seis a sete meses, no domínio geral
dos sertões. O prolongado período seco anual – que corres-
ponde a uma parte do outono, ao inverno inteiro e à prima-
vera em áreas temperadas – acentua o calor das depressões
interplanálticas existentes além ou aquém do alinhamento

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de terras altas da Chapada do Araripe (800 a 1.000 Não existe melhor termômetro para delimitar
metros) e do Planalto da Borborema (670 a 1.100 o Nordeste seco do que os extremos da própria vege-
metros). Assim, do norte do Ceará ao médio vale tação da caatinga. Até onde vão os diferentes fácies
inferior do São Francisco; do norte do Rio Grande de caatingas, de modo relativamente contínuo, esta-
do Norte ao interior de Pernambuco, Alagoas e Ser- remos na presença de ambientes semiáridos. O mapa
gipe; em faixas sublitorâneas da Bahia até o sertão da vegetação é mais útil para definir os confins do
de Milagres, no município de Amargosa, instaura-se domínio climático regional do que qualquer outro
o império da aridez sazonal. Paradoxalmente, o pro- tipo de abordagem, por mais racional que pareça.
longado período de secura com forte acentuação de Mesmo assim, tudo indica que as “isohietas” (linhas
calor corresponde ao inverno meteorológico. Mas, o de igual volume de precipitações médias anuais) de
povo que sente na pele os efeitos diretos desse calor 750 a 800 milímetros, que sob a forma de grande
– extensivos à economia regional, pela ausência de bolsão envolvem os sertões – desde o nordeste de
perenidade dos rios e água nos solos – não tem dú- Minas Gerais e vale médio inferior do São Francisco
vidas em designá-lo simbolicamente por “verão”. Em até o Ceará e Rio Grande do Norte – sejam os limites
contrapartida, chama o verão chuvoso de “inverno”. aproximados, em mapa, dos espaços dominados pela
Tudo porque os conceitos tradicionais para as quatro semiaridez. Identicamente, os mapas que demarcam
estações somente são válidos para as regiões que vão as áreas de dragagens intermitentes e periódicas do
dos subtrópicos até a faixa dos climas temperados, Nordeste, através de linhas tracejadas, oferecem um
tendo validade muito pequena ou quase nenhuma quadro perfeito da extensão do Nordeste seco.
para as regiões equatoriais, subequatoriais e tropi- Enquanto no domínio dos cerrados a média
cais. anual de precipitações varia entre 1.500 e 1.800 mi-
A originalidade dos sertões no Nordeste brasi- límetros, essa medida no Nordeste seco está entre
leiro reside num compacto feixe de atributos climá- 268 e 800 milímetros. No entanto, o ritmo sazonal
tico, hidrológico e ecológico. Fatos que se estendem é muito similar, comportando chuvas de verão e
por um espaço geográfico de 720 mil quilômetros estiagem prolongada de inverno, em ambos os do-
quadrados, onde vivem 23 milhões de brasileiros. Na mínios de natureza. Disso resulta que as áreas mais
realidade, os atributos do Nordeste seco estão cen- chuvosas dos sertões secos não atingem a metade do
trados no tipo de clima semiárido regional, muito quantum de precipitação média dos chapadões cen-
quente e sazonalmente seco, que projeta derivadas trais, dotados de cerrados e cerradões. A soma das
radicais para o mundo das águas, o mundo orgânico precipitações nas regiões mais rústicas dos sertões
das caatingas e o mundo socioeconômico dos vi- nordestinos equivale a apenas um quinto das mé-
ventes dos sertões. dias registradas no domínio dos cerrados. A própria
A temperatura, ao longo de grandes estirões Zona da Mata nordestina tem um volume de chuvas
das colinas sertanejas, é quase sempre muito elevada 2,5 vezes maior do que outras regiões mais bem re-
e relativamente constante. Dominam temperaturas gadas dos sertões interiores do Nordeste, apresen-
médias entre 25 e 29 graus. No período seco existem tando ainda de seis a nove vezes mais chuvas do que
nuvens esparsas, mas não chove. Na longa estiagem os os sertões mais rústicos. Já em relação à Amazônia,
sertões funcionam, muitas vezes, como semidesertos é quase covardia traçar comparações, sabendo-se que
nublados. E, de repente, quando chegam as primeiras lá o período de estiagem é muito curto, o teor de
chuvas, árvores e arbustos de folhas miúdas e múlti- umidade do ar é elevado e o total de precipitações
plos espinhos protetores, entremeados por cactáceas anuais atinge de 8,5 a 14 vezes acima do total de
empoeiradas, tudo reverdece. A existência de água chuvas dos sertões menos chuvosos; e de quatro a
na superfície dos solos, em combinação com a forte cinco vezes mais do que o somatório das precipita-
luminosidade dos sertões, restaura a funcionalidade ções das áreas sertanejas mais chuvosas.
da fotossíntese. Há um século, no recesso dos sertões Todos os rios do Nordeste, em algum tempo
de Canudos, Euclides da Cunha anotou dois termos do ano, chegam ao mar. Essa é uma das maiores ori-
utilizados pelos “matutos” para denominar “as qua- ginalidades dos sistemas hidrográfico e hidrológico
dras chuvosas e as secas”: o verde e o magrem. Prova- regionais. Ao contrário de outras regiões semiáridas
velmente, não existe termo mais significativo do que do mundo, em que rios e bacias hidrográficas con-
magrem para a longa estação seca, quando as árvores vergem para depressões fechadas, os cursos d’água
perdem suas folhas, solos se ressecam e rios perdem nordestinos, apesar de serem intermitentes periódicos,
correnteza, enquanto o vento seco vem entranhado chegam ao Atlântico pelas mais diversas trajetórias.
de bafos de quentura. O verde designa, com clareza, o Daí resulta a inexistência de salinização excessiva ou
rebrotar do mundo orgânico, por meio da chegada das prejudicial no domínio dos sertões. Encontram-se,
águas que reativam a participação da luminosidade e aqui e ali, manchas de solos ligeiramente salinizados,
energia solar no domínio dos sertões. Infelizmente a riachos curtos designados “salgados”, porém o con-
expressão magrem caiu em desuso. junto de tais áreas é extremamente pequeno. Apenas

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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nos baixos rios do Rio Grande do Norte ocorrem A terminologia popular, bastante arraigada
planícies de nível de base, com salinização mais forte, no interior do Nordeste, abrange aproximadamente
em uma área bastante quente e de luminosidade toda a tipologia proposta pelos cientistas. Usa-se a
ampla, que corresponde a velhos estuários assore- expressão “sertão bravo” para designar as áreas mais
ados. De forma inteligente, ali foram estabelecidas as secas e subdesérticas do interior nordestino. Aplica-
maiores salinas brasileiras, das quais provém a maior se “altos sertões” às faixas semiáridas rústicas e típicas
parte da produção de sal do país. existentes nas depressões colinosas de todos os am-
A hidrologia regional do Nordeste seco está bientes sertanejos. Enquanto que as áreas semiáridas
íntima e totalmente dependente do ritmo climático moderadas, dotadas de melhores condições de solos
sazonal, dominante no espaço fisiográfico dos ser- e maior quantidade de chuvas de verão (“inverno”),
tões. Ao contrário do que acontece em todas as áreas recebem expressivos nomes: caatingas agrestadas ou
úmidas do Brasil – onde os rios sobrevivem aos pe- agrestes regionais. As faixas típicas de transição entre
ríodos de estiagem, devido à grande carga de água os sertões secos e a Zona da Mata nordestina têm o
economizada nos lençóis subsuperficiais —, no Nor- nome genérico de agrestes, passando a matas secas.
deste seco o lençol se afunda e se resseca, os rios pas- Existem razões para se afirmar que a maior parte dos
sando a alimentar o lençol. Todos eles secam desde agrestes foi recoberta por caatinga arbórea, entre-
suas cabeceiras até perto da costa. Os rios extrava- meada ou não por matas secas. As matas e matinhas
saram, os rios desapareceram, a drenagem “cortou”. de transição para os agrestes podem ser identificadas
Nessas circunstâncias, o povo descobriu um modo por algumas espécies indicadoras, entre as quais se
de utilizar o leito arenoso, que possui água por baixo destaca o ipê, com suas folhas douradas amarelas.
das areias de seu leito seco, capaz de fornecer água Para explicar a rusticidade e o cenário dos
para fins domésticos e dar suporte para culturas de trechos dos sertões mais desalentadores, o uso da
vazantes. A cena de garotos tangendo jegues carre- média das temperaturas não constitui fator deci-
gados de pipotes d’agua, retirada de poços cavados sivo. Dessa forma, Cabeceiras, por exemplo – si-
no leito dos rios, tornou-se uma tradição simbólica tuada no médio vale do Rio Paraíba do Norte,
ao longo das ribeiras secas. sertão dos Cariris Velhos, Paraíba –, apesar de
George Hargreaves, em trabalho realizado ser o lugar menos chuvoso de todo o Nordeste
para a Superintendência de Desenvolvimento do semiárido (264 milímetros por ano), é considerado
Nordeste (Sudene) no início da década de 70, ba- de clima “bom”. Ali, o total médio das chuvas anuais
seado em critérios de evapotranspiração e duração é muito inferior ao de todos os outros sertões. Mas,
dos períodos de deficiência hídrica, estabeleceu e em compensação, chove o ano inteiro, já que essa
mapeou os diferentes setores ou nuances dos ser- pequena área de sertões rebaixados do Planalto da
tões secos. Sua classificação foi dirigida, sobretudo, Borborema recebe chuvas vindas de leste no inverno
para o campo das condicionantes agroclimáticas e de oeste-noroeste no verão.
regionais. Para tanto, aplicou sua metodologia aos Outro fator responsável pela paisagem quase
dados climatológicos de 723 localidades nordestinas, desértica de alguns trechos dos sertões rústicos é a
dotadas de estações meteorológicas operadas pela estrutura geológico-litológica de certas áreas. Em
própria Sudene e pelo Departamento Nacional de alguns dos chamados “altos pelados”, constituídos
Obras Contra as Secas (Dnocs). Hargreaves iden- de colinas desnudas, atapetadas por fragmentos dis-
tificou quatro faixas ou agrupamentos sub-regionais persos de quartzo, a presença de uma rocha meta-
de climas secos, no interior do polígono semiárido mórfica argilosa (filitos) comporta-se como se fosse
e seu entorno. Utilizando expressões inglesas muito um chão de tijolos no dorso das ondulações. Nesse
simples, ele referiu-se às áreas very arid, arid, semi caso, não há condições para se formar um verdadeiro
arid e wet dry. Em função de uma leitura crítica que solo. Na linguagem seca da Ciência, os solos dessas
fizemos de tais termos, propusemos modificação nas áreas seriam considerados solos litólicos. Onde quer
expressões originais do seu excelente mapa, a fim de que apareçam tais fácies de paisagem no domínio
evitar confusões com os conceitos vigentes para re- das caatingas, o povo logo os identifica como “altos
giões desérticas propriamente ditas. As faixas tidas pelados”. Nas descrições de Euclides da Cunha sobre
como very arid foram denominadas semiáridas acen- a região de Canudos, tornaram-se famosos os “altos
tuadas ou subdesérticas. Aquelas consideradas arid pelados dos Umburanas”. Existem outros casos em
foram designadas como semiáridas rústicas ou semi- que rochas com maior grau de metamorfismo e aden-
áridas típicas. Enquanto os setores semi arid foram samento de fraturas oferecem uma paisagem de es-
considerados semiáridos moderados. As subáreas combros, na base das vertentes de alguns riachos. E,
ditas wet dry correspondem, praticamente, àquelas por fim, em áreas de granitos recortados por diáclases
de transição, ocorrentes a leste e a oeste da área nu- múltiplas criam-se conjuntos locais de “campos de
clear dos sertões nordestinos. No caso, preferimos matacões” ou “mares de pedras”, sendo que entre os
chamá-las de faixas subúmidas. interstícios das grandes pedras redondas, instalam-se

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imponentes e espinhentos facheiros. A maior parte elaborada por alguns dos mais sensíveis intelectuais
dos morrotes do tipo inselbergs, que servem de baliza de nossa terra – vem apresentando aos olhos da
e referência da imensidão das colinas sertanejas, de- nação brasileira o diabólico drama social que impera
pende quase que exclusivamente do tipo de rochas nos sertões secos do Nordeste brasileiro.
duras que afloram no local: lentes de quartzito resis- Independente da estação chuvosa comportar
tentes; massas homogêneas de granitos, apenas espa- somatórias maiores ou menores de precipitações, o
çadamente fraturados; ou outras exposições rochosas longo período seco caracteriza-se por fortíssima eva-
também resistentes. poração que responde, imediatamente, por uma des-
Todos os morrotes do tipo inselberg ou agru- perenização generalizada das drenagens autóctones
pamento deles, como é o caso de Quixadá, foram dos sertões. Entende-se por autóctone todos os rios,
relevos residuais que resistiram aos velhos processos riachos e córregos que nascem e correm no inte-
denudacionais, responsáveis pelas superfícies apla- rior do núcleo principal de semiaridez do Nordeste
nadas dos sertões, ao fim do Terciário e início do brasileiro, em um espaço hidrológico com centenas
Quaternário: superfícies sertaneja velha e sertaneja de milhares de quilômetros quadrados. Somente os
moderna (Ab’Sáber). Enquanto no sudeste do Brasil rios que vêm de longe – alimentados por umidade e
ocorrem “Pães de açúcar”, no entremeio dos mares de chuva em suas cabeceiras ou médios vales – mantêm
morros florestados ou em maciços costeiros (Serra da correnteza, mesmo durante a longa estação seca dos
Carioca) e setores da Serra do Mar (Pancas), no in- sertões. Incluem-se, nesse caso, o São Francisco e
terior do Nordeste seco, acontecem morrotes ilhados pro parte do Parnaíba, ainda que o mais típico rio
no dorso das colinas revestidas por caatingas. Disso alóctone a cruzar sertões rústicos seja o “Velho
decorre a certeza de que muitos pães de açúcar já foram Chico” – um curso d’água que, de resto, comporta-se
inselbergs em períodos de clima seco e que como um legítimo “Nilo caboclo”.
inselbergs poderiam se tornar pães de açúcar depois de No vasto território dos sertões secos, onde
mudanças climáticas radicais na direção de climas impera climas muito quentes, chuvas escassas,
tropicais úmidos. Nesse sentido, somente o território periódicas e irregulares, vivem aproximadamente 23
brasileiro, por suas dimensões tropicais – desde Ro- milhões de brasileiros. Trata-se, sem dúvida, da re-
raima e regiões fronteiriças até o Brasil de sudeste, gião semiárida mais povoada do mundo. E, talvez,
passando pelos morrotes dos sertões secos e pontões aquela que possui a estrutura agrária mais rígida na
rochosos de Serra Azul (Minas Gerais) –, pode apre- face da Terra. Para completar o esquema de seu perfil
sentar exemplos concretos de tais transfigurações demográfico, há que sublinhar o fato de se tratar da
geomorfológicas e fitogeográficas. região de mais alta taxa de fertilidade humana das
Para o cotidiano do sertanejo e sobrevivência Américas. Uma região geradora e redistribuidora de
de sua família, o fator interferente mais grave reside homens, face às pressões das secas prolongadas, da
nas irregularidades climáticas periódicas, que assolam pobreza e da miséria.
o espaço social dos sertões secos. Na verdade, os ser- Jean Dresch, grande conhecedor do Saara,
tões nordestinos não escapam a um fato peculiar a ponderava aos seus colegas brasileiros, ao ensejo de
todas as regiões semiáridas do mundo: a variabilidade uma excursão pelos sertões da Paraíba e Pernambuco,
climática. Assim, a média das precipitações anuais de que a existência de gente povoando todos os recantos
uma localidade qualquer serve apenas para normati- da nossa região seca era o principal fator de dife-
zação e referência, face de dados climáticos obtidos renciação do Nordeste interior, em relação às demais
em muitos anos. O importante a ser destacado é a regiões áridas ou semiáridas do mundo. Lembrava
sequência altamente irregular dos anos de ritmo ha- Dresch que, nos verdadeiros desertos, o homem se
bitual, aos quais se intercalam trágicos anos de secas concentra, sobretudo, nos oásis, sendo obrigado a
prolongadas; rupturas, que representam dramas ine- controlar drasticamente a natalidade, devido a uma
narráveis para os pequenos sitiantes e camponeses necessidade vital de sobrevivência das comunidades.
safristas, das áreas mais afetadas pela ausência das Utilizam-se, ali, campos de dunas móveis para o trân-
chuvas habituais de fins e início de ano. sito das caravanas de comércio. Defende-se, palmo a
Efetivamente, é muito grande a variabilidade palmo, a periferia dos oásis em face da penetração
climática no domínio das caatingas. Em alguns anos das areias. Os setores rochosos ou pedregosos do
as chuvas chegam no tempo esperado, totalizando, Saara, alternados por extensos campos de dunas, são
às vezes, até dois tantos a mais do que a média das totalmente não ecumênicos.
precipitações da área considerada. Entretanto, na Por oposição a esse quadro limitante, de ver-
sequência dos anos, acontecem alguns dentre eles dadeiras “ilhotas de humanidade”, no Nordeste bra-
em que as chuvas se atrasam ou mesmo não chegam, sileiro o homem está presente um pouco por toda a
criando os mais diferentes tipos de impactos para parte, convivendo com o ambiente seco e tentando
a economia e as comunidades viventes dos sertões. garantir a sobrevivência de famílias numerosas.
Nesse sentido, a literatura de ensaios e de ficção – Existe gente nos retiros das grandes fazendas e lati-

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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fúndios. Nos agrestes predominam um sem número soma dos espaços de planícies aluviais propriamente
de pequenas propriedades e fazendolas. Gente mo- ditas é muito pequena. Daí porque, em numerosos
rando e labutando com lavouras anuais e pequenos locais durante a estiagem, quando os rios secam, o
pastos, por entre cercas e cercados de aveloses. Gente próprio leito dos cursos d’água é parcialmente utili-
pontilhando os setores das colinas e baixos terraços zado para produção agrícola, centrada em produtos
dos sertões secos. Casinhas de trabalhadores rurais alimentares básicos. Nas áreas ditas de “sequeiro”, de
na beira dos córregos que secam. Muita gente nos modo muito descontínuo, planta-se algodão, palmas
“altos” das serrinhas úmidas, assim como em todos forrageiras e roças de mandioca ou milho, cuja pro-
os tipos de “brejos” ou setores “abrejados” das caa- dutividade fica na dependência de “bons” períodos
tingas. chuvosos. Dominam, porém, em todos os espaços
A tudo isso, se acresce a presença de um colinosos das caatingas, as velhas práticas de pasto-
grande número de pequenas e médias cidades ser- reio extensivo, com o gado solto, por entre arbustos
tanejas, de apoio direto ao mundo rural. Algumas e tratos de capins nativos. A longa falta d’água, nos
delas, muito pequenas e rústicas. Outras, maiores e córregos e riachos do domínio das caatingas, faz com
em pleno desenvolvimento, pelo crescimento de suas que o gado tente se abeirar dos “barreiros”, onde uma
funções sociais, administrativas e religiosas. As feiras poça do precioso líquido se evapora devagar, dei-
e feirinhas desses núcleos urbanos que pontilham os xando uma lâmina escura em seus bordos.
sertões funcionam como um tradicional ponto de No jogo das migrações internas ocorridas no
“trocas”, já que ali tudo se vende e tudo se compra. Brasil, desde meados do século XIX até hoje, o êxodo
Com a multiplicação de rodovias, estradas e cami- de nordestinos para as mais diversas regiões do país
nhos municipais, houve a consolidação de uma ver- tem a força de uma diáspora.
dadeira rede urbana no conjunto dos sertões secos, A grande região do Nordeste seco passou a
comportando uma hierarquia própria, onde existem desempenhar o papel histórico e dramático de for-
verdadeiras “capitais regionais”. A despeito das limi- necer mão de obra barata e pouco exigente para um
tações em termos de abastecimento de água potável, grande número de áreas e polos de trabalho do país.
algumas das cidades nascidas e crescidas em função Para os seringais da Amazônia, desde fins do século
da força e importância de suas feiras e de seu multi- passado até o início do atual; para São Paulo, desde a
variado comércio têm adquirido uma admirável con- década de 30, sobretudo depois da Revolução Cons-
juntura urbana, do tipo ocidentalizante. titucionalista. Com maior intensidade, depois da
Cidades como Campina Grande, Feira de San- construção da rodovia Rio-Bahia. Por 50 anos atuou
tana, Mossoró, Caruaru, Crato, Sobral, Garanhuns, a rota do São Francisco, de Juazeiro da Bahia até Pi-
entre outras, possuem uma expressão regional con- rapora, prosseguindo pelo uso da ferrovia Central do
solidada pelo número e qualificação de suas funções: Brasil, que também trazia gente de outros sertões, na
no campo do comércio, na movimentação de suas direção de Belo Horizonte, São Paulo e norte do Pa-
feiras, no ensino superior, na consciência política, na raná. Dos fins da década de 50 para todos os anos 60
área de lazer e, sobretudo, na manutenção dos valores surgiu o novo polo de atração, constituído pela cons-
de uma inigualável cultura popular. trução de Brasília, a recém-criada capital brasileira.
Nesse sentido, é agradável dizer que seria fasti- Por fim, sem interromper completamente os outros
dioso e arriscado fazer a lista de todas as cidades dos eixos migratórios, um (re)direcionamento para a
sertões que vêm desdobrando funções e evoluindo Amazônia: construção de estradas (Belém-Brasília,
social e culturalmente, em níveis acima de todas as Transamazônica), implantação de barragens e usinas
expectativas. Ainda que pela falta de água, existem hidrelétricas, desmates inconsequentes, corte de ma-
grandes limitações para o desenvolvimento indus- deira e, por último, a inserção na sedução aventuresca
trial na grande maioria das “capitais regionais” da e sombria da garimpagem, nas mais diferentes para-
rede urbana sertaneja. Certamente, também existem gens do extremo norte brasileiro.
problemas preocupantes: inchação urbana pela fuga Os espasmos que interrompem o ritmo habi-
dos homens do campo; estabelecimento de favelas e tual do clima semiárido regional constituíram sempre
bairros muito carentes; tamponamento de áreas fér- um diabólico fator de interferência no cotidiano dos
teis pelo crescimento horizontal de cidades situadas homens dos sertões. Mesmo perfeitamente adap-
em “brejos” de cimeira; baixo nível de proteção para tados à convivência com a rusticidade permanente
os “olhos d’água” periurbanos; dificuldades para am- do clima, os trabalhadores das caatingas não podem
pliação de empregos, em consequência da pequenez conviver com a miséria, o desemprego aviltante, a
quantitativa e qualitativa do mercado de trabalho. ronda da fome e o drama familiar criado pelas secas
Os grandes problemas que incidem sobre o prolongadas. Nesse sentido, é pura falácia perorar, de
mundo rural são produzidos nos alongados estirões longe, que é necessário “ensinar o nordestino a con-
de sertões secos. Predominam ali terras de “sequeiro”, viver com a seca” (Ab’Sáber, 1985).
na ordem de 96% a 97% do espaço total regional. A Os sertanejos têm pleno conhecimento das

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potencialidades produtivas de cada espaço ou subes- resistiram o máximo possível aos invasores de seus
paço dos sertões secos. Vinculado a uma cultura de espaços ecológicos de sobrevivência física e cultural.
longa maturação, cada grupo humano do Polígono Existem referências sobre uma das grandes
das Secas tem sua própria especialidade no pedaço secas do século XVI, ocorrida no ano de 1583, em
em que trabalha. Uns são vaqueiros, diz-se “catin- que grupos indígenas da região dos Cariris Velhos,
gueiros”, homens das caatingas mais rústicas. Outros dos agrestes e dos sertões interiores viram-se obri-
são agricultores dos “brejos”, gente trabalhando nas gados a descer para a costa, solicitando socorro aos
“ilhas” de umidade que pontilham os sertões secos. colonizadores. As secas se repetiram no decorrer do
Outros são “vazenteiros”, termo recente para de- século XVII, nos anos de 1603, 1614, 1645 e 1692.
signar os que vivem em função das culturas de va- Na medida em que se ampliava e aumentava o po-
zantes, nos leitos ou margens dos rios. Outros são voamento dos sertões, as consequências das secas
“lameiristas”, aqueles que se especializaram em apro- tornavam-se mais radicais e dramáticas, fossem elas
veitar a laminha fina, argilosa e calcária do leito de “gerais” ou “parciais”. Por secas gerais entendia-se
estiagem, nas margens do único rio perene que cruza aquelas que abrangiam o espaço total do domínio
os sertões (São Francisco). Muitos outros, ainda, semiárido; e parciais eram as que incidiam em deter-
cuidam de numerosas atividades nas “terras de se- minados setores dos grandes espaços das caatingas,
queiro”, plantando palmas forrageiras, cuidando de situados mais ao norte, mais ao sul, ou com penetra-
caprinos e magotes de gado magro, plantando al- ções na direção dos agrestes orientais.
godão ou tentando manter roçados de milho, feijão e Desde o início da colonização, o sistema de
mandioca. E, acima de tudo, esforçando-se em con- transporte implantado nos sertões do Nordeste
servar água para uso doméstico, a fim de aguentar os pressupôs o uso de montarias. O cavalo facilitava os
duros meses de estiagem que estão por chegar. deslocamentos de pessoas e mercadorias pelo leito
Na crônica dos sertões, relativa aos dois pri- seco dos rios; pelas veredas situadas à margem de pe-
meiros séculos, existem narrações importantes sobre quenas e estreitas matas ciliares; ou pelos primeiros
os impactos do contato entre colonizadores e grupos caminhos rasgados no dorso das colinas sertanejas.
indígenas habitantes das caatingas. Os tapuios da Com o aumento da população e a descoberta
costa foram enquadrados, por meio de estratégias da vocação agrária dos “brejos” e “abrejados”, os ex-
as mais diversas, pelos senhores das sesmarias, das cedentes da produção local passaram a ser transpor-
fazendas e dos engenhos. Em um trabalho aprofun- tados por carros de boi, em sofridos deslocamentos,
dado, a História das Secas (Séculos XVII e XIX), Joa- para abastecer feiras e armazéns. Aos poucos, um
quim Alves registra duas questões básicas sobre esses pouco por toda parte o boi entrou nas práticas de
conflitos. Primeiro, animais de serviço. Em muitos sertões, entretanto,
mais recentemente, o carro de boi foi trocado pelo
as áreas secas do interior do Nordeste, de Per- uso generalizado dos jegues – um burrico pequenino
nambuco ao Ceará, constituíam o domínio dos e resistente, que adaptou-se perfeitamente aos mais
índios até a primeira metade do século XVII; a diversos serviços, em todos os sertões secos. Na ver-
ocupação dos portugueses foi lenta, seguindo- dade, o jegue revolucionou e democratizou o sistema
lhe a implantação e o desenvolvimento da pe- de transporte de mercadorias oriundas dos brejos e
cuária, única atividade que era possível instalar das roças. Agora, a farinha de mandioca, o algodão
na região das caatingas. e os sacos de feijão, assim como as canastras de ra-
padura ou os surrões de queijo de coalho, passaram a
Segundo, ser transportados no lombo desses pequenos e ágeis
equinos. Por muito tempo, até nossos dias, os jegues
o colono português desconhecia as conse- vêm dominando os cenários vivos dos sertões secos.
quências das secas; não penetrava o interior, No correr do século XVII houve uma verda-
limitando-se a viagens de visita às suas pro- deira guerra pela conquista dos espaços privilegiados
priedades, nessa primeira metade do século das serras úmidas. Anteriormente, eles eram áreas de
XVIII, razão porque atribuía à miséria – cria- refúgios temporários dos indígenas regionais, para
da pela falta de inverno – a fuga dos escravos sobrevivência durante os períodos de secas mais
índios, que procuravam as Aldeias ou Missões, prolongadas. Mas logo que os colonizadores desco-
onde encontravam defesa e eram considerados briram as potencialidades das serras úmidas – pos-
libertos; os escravos africanos não gozavam teriormente designadas “brejos” – houve uma rápida
das mesmas prerrogativas dos índios, que a lei investida para a conquista desses pequenos espaços
portuguesa e o direito de asilo da Igreja pro- distribuídos pelos imensos sertões. As “ilhas” de
tegiam. umidade aí existentes, com suas manchas de flo-
restas tropicais formando grandes contrastes com
Por outro lado, os indígenas das regiões interiores as caatingas circundantes, foram interpretadas pelos

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
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colonizadores como áreas suscetíveis para receber a cidas em cidades e cidadezinhas dos sertões. Trata-se
principal plantação tropical da época – a cana-de- de um inusitado ponto de trocas, envolvendo pro-
açúcar – que já fizera a riqueza da Zona da Mata e dutos de diferentes espaços do Nordeste seco: feiras
despertara a cobiça dos holandeses. Foi assim que os de gado, de um lado; feiras de alimento, acessórios
pioneiros da colonização branca das caatingas come- de montaria e artesanatos úteis, de outro. Uma es-
çaram a se apossar das melhores reservas de terras pécie de troca indireta. Vendia-se um pouco de gado.
indígenas, constituídas pelos diferentes tipos de Comprava-se farinha de mandioca, café, legumes,
brejos. Ribeiras, agrestes e serrinhas úmidas ficaram selas, bacheiros, cabrestos, lamparinas, querosene,
sob a mira e o assédio dos colonizadores. Os índios potes e potões de barro, jacás, cestas e alfozes. Além
das serrinhas florestadas, cientes de que seus espaços de rapaduras, aguardentes, fubás e, eventualmente,
de vivência e sobrevivência estavam completamente pedaços de rústicos queijos do sertão. E logo uma
ameaçados, tentaram um último e desesperado lance grande variedade de confecções simples, relacionadas
de resistência. Fizeram parcerias, tornaram-se con- às necessidades de vestuário para mulheres, crianças
federados e, em 1692, desceram das serras úmidas e homens. Mais recentemente, os indefectíveis ob-
– principal refúgio nos anos secos – quando, “em nu- jetos de plástico.
merosos grupos caíram sobre as fazendas das ribeiras, Grandes feiras propiciaram o crescimento de
devastando tudo” (Irineu Joffily, citado por Alves). algumas das mais importantes capitais regionais
Nos anos de 1692-1693, os colonizadores das do Nordeste seco: Feira de Santana, Caruaru, Ga-
ribeiras e pastagens em ampliação foram duramente ranhuns, Mossoró, Arcoverde, Xique-Xique, Ca-
castigados pelo repiquete das secas e pela revanche rinhanha, Bom Jesus da Lapa, Crato, Juazeiro do
dos índios confederados. Terminada a crise climá- Norte, Sertânia, Patos, Iguatu, Sobral, Picos, Fron-
tica, houve extensivo retorno às atividades agrárias, teiras, entre outras. Cada qual com localização es-
acrescidas por novos contingentes de povoadores, tratégica e diferenciações funcionais, mas por todo
que acabaram por consolidar a ocupação de grandes o tempo, os brejos fornecendo produtos básicos,
extensões dos espaços sertanejos: de Pernambuco ao vindos de Baturité, Uruburetama, Triunfo, Catira,
Ceará, sertões do São Francisco, de Alagoas e Sergipe Crato/Barbalha e Missão Velha (no sopé da Cha-
até a Bahia. Os portugueses que já haviam expulso pada do Araripe), além de muitas encostas baixas
os holandeses, agora consolidavam a ocupação dos da Serra Grande do Ibiapaba. A invasão recente da
sertões, enquadrando e incorporando grupos nativos bananicultura vem ameaçando o caráter de celeiro
aos seus interesses. Tudo isso acontecia, enquanto lá de algumas áreas de brejos, como vem acontecendo
longe se descobria o ouro das Gerais (1695), criando em Catira e Natuba. Em alguns lugares, as cidades
uma nova zona de atração para migrações e relações cresceram tanto que acabaram por abranger todo o
econômicas complementares. Data dessa época o espaço produtivo agrário original, tal como vem se
início da utilização do Vale do São Francisco para processando, sobretudo, em Garanhuns.
o comércio do gado de corte, do Nordeste seco para Uma revisão, ainda que sintética, sobre as
a região das “minas gerais”. Ao mesmo tempo em ações governamentais a favor da população e da eco-
que se descobria um diabólico e execrável potencial nomia do Nordeste seco, é tarefa indispensável. No
de comércio através do “Velho Chico”, representado passado colonial, tudo girou em torno de iniciativas
pelo envio de escravos negros e seus descendentes, isoladas. Entretanto, foi apenas no último quartel do
para servir de mão de obra nas duras tarefas da ex- século XIX, quase ao fim do II Império, que a inteli-
tração de ouro. gência brasileira da época, reunida no Rio de Janeiro,
Tudo parecia acontecer ao mesmo tempo, ao começou a discutir problemas e elaborar propostas
findar o século XVII e iniciar-se o XVIII: rápido para o Nordeste seco. O Brasil acompanhava, nesse
deslanche do ciclo do ouro (1695/1780); apossa- sentido, as preocupações e os programas que os Es-
mento fragmentário, porém generalizado, de todos tados Unidos e a Austrália vinham de constituir para
os sertões; incorporação da mão de obra indígena nas suas respectivas regiões áridas. Entre nós, venceu a
atividades de pastoreio; ampla miscigenação, respon- ideia principal de construção de reservatórios para
sável pela formação da população cabocla; produção reter água em determinados espaços sertanejos. Um
de pequenos espaços agrários nos brejos de cimeira; programa que, apesar de todas as suas vicissitudes,
utilização maximizada dos brejos de pé-de-serra; uso ainda não se esgotou. Construíram-se açudes pró-
extensivo dos brejos e vazantes dos vales ou ribeiras ximos de cidades sertanejas, para garantir seu abaste-
bem arejadas e mais permanentemente úmidas. cimento em águas. Outros, foram localizados a mon-
Nota-se que, além de produzir alimentos os tante de várzeas irrigáveis; e ainda em boqueirões ou
mais diversos, os brejos de cimeira dão origem a pe- gargantas (water gap’s dos americanos), onde rios
quenos engenhos “rapadureiros”, de grande interesse temporários cruzavam cristas resistentes de serras.
para a diversificação da dieta dos homens do sertão. Logo se percebeu que os grandes açudes tinham al-
Longe da costa, criam-se celeiros bem distribuídos, gumas falhas de funcionalidade social. Não existindo
que passam a abastecer as primeiras feiras estabele- várzeas irrigáveis, eles eram pouco úteis. Verificou-

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se, ainda, que mesmo na circunstância de existirem Nordeste Seco (Ab’Sáber, Instituto de Estudos Avan-
setores irrigáveis – pela distribuição de água por gra- çados – USP) e nas ideias contidas nos minuciosos
vidade – a capacidade de atendimento, em termos do estudos de Benedito Vasconcelos Mendes (Esam,
número de famílias beneficiadas, era muito limitada. RN).
Importante ação paralela aos esforços da açu- Impõe-se também uma imediata revisão das
dagem deu-se através da construção de uma série potencialidades dos lençóis d’água subterrâneos do
de ramais ferroviários. Mas a grande revolução ori- Nordeste interior – em bacias sedimentares e ter-
ginou-se de ações estatais, com a expansão do rodo- renos cristalinos, do Rio Grande do Norte ao sul do
viarismo. Aos velhos caminhos sertanejos e à trama Piauí – considerando, entre outros cuidados, as alter-
incompleta das ferrovias acrescentou-se toda uma nativas para ampliar os benefícios sociais de poços
ampla e diversificada rede de transportes terrestres, artesianos a serem produzidos.
que acabou por interligar quase todos os sertões do Enfim, encontrar parceiros humanos e
Nordeste seco. Estradas e rodovias tinham um certo idealistas, para defender medidas que estanquem
quê de auto-conservação, devido às particularidades êxodos desnecessários, que dignifiquem a cidadania
dos climas secos regionais. de homens integrados em uma das mais vigorosas
Uma das consequências salutares de desen- culturas populares conhecidas no mundo.
volvimento do rodoviarismo no Nordeste seco foi a Um dia, alguns pesquisadores em plena ativi-
percepção de se vincular o processo de construção dade de campo pediram pouso em uma fazendola
de estradas à criação de frentes de trabalho, como comunitária, perdida em um remoto sertão do in-
solução emergencial para evitar o desenraizamento terior baiano. E a resposta veio rápida e sincera,
de populações e atender às necessidades do povo ser- por parte da dona da casa: “Eu vou lhes dar abrigo,
tanejo, por ocasião das grandes secas. Infelizmente, porque também tenho filho no mundo”.
porém, nesta como em muitas outras medidas esta-
tais houve a interferência de políticos clientelescos
que procuraram cooptar as obras e iniciativas cor- A bibliografia deste artigo se encontra no DVD anexo
retas em seu próprio favor.
Iniciativa estatal de importância à economia e
à sociedade nordestina foi a construção de grandes
usinas hidrelétricas, utilizando acidentes do perfil do
médio vale inferior do Rio São Francisco. Somente
este rio – curso d’água perene que cruza os sertões
– poderia ser aproveitado para a obtenção de um
grande volume de energia elétrica. Obras iniciadas na
década de 50 vêm se desenvolvendo até hoje, através
de sucessivos aproveitamentos: Paulo Afonso, So-
bradinho, Itaparica e, em vias de conclusão, Xingó.
À custa de incentivos fiscais, através de estudos
e projetos da Superintendência do Desenvolvimento
do Nordeste (Sudene), foi possível encaminhar re-
cursos para reanimar a industrialização regional e,
sobretudo, reciclar as velhas e obsoletas usinas de
açúcar e álcool da Zona da Mata. O Departamento
Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs) vem
contando também com a parceria do Banco do Nor-
deste para seus programas de açudagem, irrigação,
perfuração de poços e incentivo a iniciativas produ-
tivas do Nordeste interior.
De repente, percebeu-se a premência inadiável de
melhor dosar iniciativas de diferentes portes, aten-
dendo, ao mesmo tempo, as necessidades das áreas de
“sequeiro” (92% do espaço total regional); reavaliar as
potencialidades efetivas das faixas de ribeira (2% a
3% do espaço total); e revisitar as serrinhas úmidas
e diferentes tipos de brejos. Entre outras medidas,
melhorar a infraestrutura para reter água da estação
chuvosa, no âmbito das propriedades pequenas e
médias, nos moldes propostos no trabalho Floram –

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A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
29

O PROJETO FLORAM
Paulo Nogueira-Neto

Este Projeto começou com uma conversa informal


entre o Prof. Wilfried Bach, da Universidade de Munster-
na, Alemanha, com o nosso saudoso Eng. Werner Zulauf.
Nesse encontro, o Prof. Bach indagou porque o Brasil não
fazia planos para plantar florestas e assim sequestrar car-
bono em larga escala. O mundo pagaria por esses plantios.
Regressando ao Brasil, Werner Zulauf conversou sobre o
assunto com o Reitor da USP, José Goldemberg, que por
sua vez contatou o Diretor do Instituto de Estudos Avan-
çados, Prof. Jacques Marcovich. Este se reuniu com o Prof.
Aziz Nacib Ab’Sáber, com o Prof. Leopold Avides e com
o Eng. Werner Zulauf. Nasceu assim a decisão de fazer o
Projeto Floram, que recebeu a colaboração, entre outros,
dos Professores e Técnicos Luiz Barrichelo, Antonio Rensi
Coelho, James Wright, Leopoldo Brandão, Mauro Moraes
Victor, Nelson Barbosa, Leopoldo Rodes e outros, com o
valioso apoio da Secretaria do IEA.
Desde logo, porém, a direção dos trabalhos foi en-
tregue ao Professor Dr. Aziz Nacib Ab’Sáber, não somente
pelo seu grande interesse na matéria, mas também pelos
seus profundo conhecimentos geoteóricos e de campo. Ne-
nhum Brasileiro conhece tão bem o território nacional, a
sua Geografia Morfológica e a sua cobertura vegetal geral.
Resumir todo o Projeto Floram é desnecessário, pois
o seu principal autor, o Professor Aziz Nacib Ab’Sáber já
o fez em 2006, ao escrever um substancioso e detalhado
artigo, intitulado "Floram: Potencialidades de Florestas
Sociais para Revalorização dos Espaços Agrícolas Dispo-
níveis" (Cadernos Geográficos nº 10 - julho de 2006). As-
sim, o que pretendo fazer aqui é apenas escrever alguns
comentários sobre o Projeto e, sobretudo, chamar a atenção
para a sua dramática atualidade, face ao PAC (Programa de
Aceleração do Crescimento), lançado recentemente pelo
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sempre ouvir dizer

561
que não faltam recursos financeiros para os bons pro- No que se refere à proteção à biodiversidade,
jetos, o que espero que ocorra também agora. Vamos o Professor Aziz Nacib Ab’Sáber (op. cit.) lembrou
aguardar, embora com muita ansiedade, que desta vez que “nas matas atlânticas a extensão e a intensidade
haverá de fato uma iniciativa que poderá destravar o da devastação respondem por imensa perda da diver-
país em vários sentidos. sidade biótica, envolvendo o desaparecimento sobre-
O uso correto da madeira, retirada com os tudo de espécies e combinações de espécies a nível
devidos cuidados de nossas florestas naturais de fitossociológico”. Foi muito importante no trabalho
produção e das áreas reflorestadas, é um imperativo de elaboração do Floram, a consideração de que é
ambiental e econômico. Embora venha diminuindo, “possível impor condições legais para a preservação
devido a grandes esforços do Ministério do Meio integral de todos os pequenos remanescentes cor-
Ambiente, do Ibama, de vários Estados e de muitas respondentes a matas de fazendas, matas de escar-
ONGs, o desmatamento atual ainda é assustadora- pas tropicais e coberturas de maciços íngremes das
mente alto. Agora, porém, estamos diante de uma regiões serranas do Leste e Sudeste do Brasil”
oportunidade única para destravar (nome mais sim- (Ab’Sáber, op. cit.). Quero aqui lembrar que seria
pático que desburocratizar), com perspectivas de ter, muito oportuno haver um bom entrosamento entre
no futuro, um fornecimento grande e adequado de o Floram e a Fundação Florestal do Estado de São
madeira para abastecer o voraz mercado industrial Paulo. Nessa Fundação já houve estudos patrocina-
e de construção civil. O abastecimento de celulose dos pela Fapesp e coordenados por mim, que indica-
pela Federação Brasileira, diga-se de passagem, já é ram como prioridade a necessidade de salvaguardar,
uma realidade perante o mundo consumidor de pa- no Estado de São Paulo, 109 fragmentos florestais.
pel. O Floram, contudo, se preocupa em evitar re- Foi uma escolha difícil, feita basicamente entre 485
florestamentos demasiado extensos e uniformes, que áreas com vegetação nativa, com mais de 100 ha.
poderão se transformar em “desertos verdes”, o que Cada uma foi mapeada pelo Dr. Kronka, do I. E. F.
realmente preocupa. Existe a possibilidade legal de salvaguardar
Um dos objetivos principais do Floram é esses e outros fragmentos mediante a sua decretação
apresentar diretrizes capazes de conciliar iniciati- como Áreas de Relevante Interesse Ecológico (Aries)
vas e procedimentos que, se ocuparem extensões inclusive com uma possível ajuda aos proprietários
excessivas, poderão trazer problemas ao invés de dessas terras, visando a sua melhor manutenção.
constituírem soluções. Uma das coisas que chama a A legislação atual já permitiria tomar algumas
atenção, no Projeto Floram, é o profundo conheci- providências que poderiam ser solicitadas ao Gover-
mento das realidades locais. Assim, por exemplo, no no Estadual juntamente com a Fundação Florestal
que se refere às grandes vias de tráfego público, nas do Estado, da qual sou Presidente. A disposição do
megacidades brasileiras, o Professor Aziz chamou a Floram, de realizar estudos e ações com outras enti-
atenção para eventuais questões e consequências mi- dades é altamente elogiável.
croclimáticas importantes se não forem tomados cer- Para tornar o Projeto Floram uma realida-
tos cuidados. Isso somente para citar um caso, pouco de no campo, é necessário também obter recur-
conhecido. sos financeiros que permitam a efetivação des-
O Professor Aziz Ab’Sáber referiu-se no seu se objetivo. Além disso, o Projeto Floram não se
trabalho, também, a casos em que fazendeiros, no en- limita a proteger a Biodiversidade. Também se
torno de reservatórios onde há terras férteis, chegam propõe a mudar para melhor o ordenamento ter-
com os seus plantios até o limite das águas repre- ritorial das regiões onde se instalará. “Evidente-
sadas. Muitos outros casos de desrespeitos à legisla- mente os que se vincularem ao Projeto terão fa-
ção ambiental vigente foram também citados, como zendas organizadas e participarão do milagre de
exemplos da inação do poder público. transformar latifúndios em grandes proprieda-
Para tornar possível o plantio de árvores de alto des social e economicamente úteis para a região
valor genético, como, por exemplo, plantas de cresci- e o país” (Ab’Sáber, op.cit.). Tudo isso custa muito
mento mais rápido, é necessária e está prevista a multi- dinheiro, mas ao mesmo tempo justifica que ver-
plicação de Bancos de Germoplasmas adequados. Há bas sejam solicitadas ao Programa PAC - Proje-
toda uma série de cuidados a serem tomados. Foi sa- to de Crescimento Acelerado, do Governo Fe-
lientada a necessidade de se constituir, para o bom an- deral. Assim, além do seu objetivo de proteger a
damento do Projeto, “um pool de esforços de institui- Biodiversidade e de fornecer madeiras, o Projeto
ções competentes de Governo, em diferentes níveis". Floram poderá também induzir uma transformação

562
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
29
econômica de grandes proporções, em áreas agrí- Finalmente, quero me referir a uma boa
colas hoje semiestagnadas. Nesse contexto é neces- notícia, que nos fazem ver avanços imediatos no
sário lembrar que atualmente haveria, segundo o Projeto Floram. Enquanto os Governos não se
noticiário da imprensa, um déficit de cerca de qua- animam a fornecer grandes recursos destinados
tro milhões de moradias, na Federação Brasileira. à implantação do Projeto, a Natureza, com apoio
Isso significa, entre outras coisas, que nos próximos na Economia Humana, vai reflorestando grandes
anos haverá um gigantesco aumento de demanda áreas. Os Estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio
de madeiras usadas na construção civil e na indús- Grande do Sul, já reconheceram publicamente que
tria do mobiliário. Para atender a essas necessidades em seus territórios as florestas nativas estão se ex-
básicas, o Projeto Floram já deveria estar em fase pandindo espontaneamente. Tenho, pessoalmente,
de execução. Infelizmente, a Federação Brasileira acompanhado esse fato animador, principalmente
nem sempre é precavida, mas deveríamos lembrar em duas áreas de morros com encostas íngremes, na
aos famosos “tomadores de decisão”, tão citados na Serra de São Simão e na Serra Azul. Estão, diga-se
literatura técnica e política, que a implantação do de passagem, na principal área agrícola do Estado
Projeto Floram deve ser realizada em regime de ur- de São Paulo, na Região de Ribeirão Preto. A expli-
gência. Mesmo porque a natureza não se recompõe cação para essa expansão florestal é que hoje não se
de uma hora para outra. Haja madeira disponível faz mais agricultura intensiva, em lugares onde não
e certificada, na Amazônia, enquanto o Floram entram tratores. Não se planta mais com enxada,
amadurece. A maior procura de madeira criará um como foram no passado cultivados os cafezais pau-
período crítico, com pressões sobre o Floram. Con- listas. É um exemplo de uma motivação econômica
tudo, “nunca poderíamos elaborar um Projeto in- auxiliando a transformação de antigas áreas agríco-
consequente em relação à preservação das biodiver- las e pastagens em florestas nativas. Qualquer via-
sidades regionais in situ”, nos tranquiliza o Profes- gem pelo interior dos Estados do Sudeste e do Sul
sor Aziz Nacib Ab’Sáber. pode servir para constatar isso. Na Universidade de
Outra fonte grande de recursos para efetivar o Santa Maria, há cerca de quatro anos atrás, foi feito
Projeto Floram poderá vir através do plantio de flo- um levantamento de atividades rurais, que mostrou
restas para sequestrar o excesso de carbono existente que em doze anos dobraram as áreas com matas
na atmosfera. É um dos chamados “Mecanismos de nativas e também com matas plantadas (informa-
Desenvolvimento Limpo”, que hoje começam a ser ção do Secretário Executivo do Ministério do Meio
tornar uma realidade. Indústrias que lançam muito Ambiente, Cláudio Langone).
carbono na atmosfera pagarão o plantio e talvez a É certo que as matas existentes nas áreas mais
proteção de florestas, a outros empresários, sobretu- acidentadas e junto às margens dos cursos d’água
do rurais. Aliás, o possível uso dos Mecanismos de são APPs (Áreas de Preservação Permanente) e que
Desenvolvimento Limpo está nas raízes do Projeto não poderão servir à indústria madeireira. Contudo,
Floram, na conversa já aqui mencionada, do os frutos ali colhidos, nas florestas nativas, poderão
Eng. Werner Zulauf com o Professor Wilfried ser utilizados comercialmente, atendendo ao objetivo
Bach. Como se vê, estamos entrando numa épo- de proporcionar uma diversificação rendosa a
ca crítica, em todo o mundo, em relação a ques- proprietários e arrendatários, nas suas propriedades
tões ambientais que serão decisivas para o futu- ou posses. Isso está numa Resolução do Conama,
ro do planeta. Para lidar com as ameaças que nos por mim proposta e aprovada em fins de 2006, para
cercam e que nos preocupam muito quanto ao incentivar o reflorestamento com espécies nativas.
bem-estar das gerações futuras, o Projeto Floram Sou membro do Conama (Conselho Nacional do
poderá contribuir muito para que a Federação Brasi- Meio Ambiente) para o qual certamente o Floram é
leira tenha um Desenvolvimento Sustentável. muito importante.

563
Projeto Floram e
desenvolvimento sustentável

Aziz Ab’Sáber
Leopold Rodés
Werner Zulauf

1996, Projeto Floram e desenvolvimento Em novembro de 1988, foi realizada em Hamburgo


sustentável. Estudo avançados, uma importante conferência sobre o tema Clima e Desen-
10 (27):.307-316. volvimento. Na oportunidade, o professor Wilfred Bach
lançou um desafio aos representantes do Brasil no even-
to no sentido de promover um projeto de florestamento
numa ordem de magnitude inédita, aproveitando o amplo
dimensionamento territorial do país e suas condições cli-
máticas muito favoráveis para a execução do projeto.
O desafio foi levado ao Instituto de Estudos Avança-
dos da USP, onde se configurou a oportunidade de delinear
uma missão interdisciplinar e interinstitucional visando a
integrar talentos e capacitações disponíveis em instituições
diversas, numa rede estruturada ao redor de um Projeto do
IEA-USP. Iniciativa dinamizadora que visava transformar
um setor diferenciado da Universidade num território de
encontro de atores procedentes de diversos setores ativos
da sociedade, para debater livremente suas propostas e con-
tribuir para um grande programa de florestamento e reflo-
restamento. Neste espírito e ao redor de um núcleo inicial
do qual formavam parte os autores do presente resumo, o
professor Jacques Marcovitch, então diretor do IEA, arre-
gimentou diversos especialistas na atividade florestal e nos
seus aspectos ecológicos para elaborar o Projeto Floram, o
maior projeto de (re)florestamento já concebido no Bra-
sil, com aproximadamente 14 milhões de hectares a serem
reflorestados no prazo de 20 a 30 anos, na condição de se
obter parceiros em outros países identificados com os ob-
jetivos do Floram.
 
564
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
29

Objetivos do Projeto Floram Nas áreas tropicais, as condições de solarida-


de, umidade e temperatura favoreceram a elaboração
O Projeto Floram visa a deslanchar um pro- de um alto nível de biodiversidade (Amazonas, Bra-
cesso de florestamento e reflorestamento de grandes sil Tropical, Mata Atlântica, Congo e Ásia do SE).
dimensões para sequestrar parte do excesso de gás Nestas regiões - como é sabido - a biodiversidade
carbônico (115 bilhões de toneladas) introduzido na constitui uma associação íntima entre o calor, a umi-
atmosfera pelas diversas fases da revolução industrial dade e fortes precipitações, na qual grande número de
e por queimadas de grandes dimensões para implan- espécies vegetais e animais convivem em estreita sim-
tação de agroecossistemas. Uma estratégia para se- biose. Na floresta tropical, além de grande número de
questrar os materiais acumulados na atmosfera ter- plantas arbóreas, de gramíneas, de plantas saprófitas e
restre, que está ameaçando toda a humanidade de- de abundante microflora, encontram-se famílias e es-
vido à progressão do efeito estufa. Em uma listagem pécies das mais variadas pertencentes ao reino animal,
sintética, a plataforma do projeto Floram persegue os convivendo simbioticamente com os vegetais superio-
seguintes objetivos e diretrizes: res e uma infinidade de microorganismos diversos.
Neste mundo biodiverso, as moléculas que go-
- Diminuir o nível de porcentagem de CO2 na vernam a reprodução de estruturas biologicamente
atmosfera para retardar as mudanças climáticas ativas e bem diferenciadas nas suas funções fisiológi-
provocadas pelo efeito estufa e obter, ao mesmo cas se apresentam com estruturas espaciais espirala-
tempo, economicidade industrial e social. das de alta especificidade sequencial. Entender estas
- Implantar florestas em 14 milhões de hec- ordenações demanda dispor de sólidos conhecimen-
tares no Brasil, como ponta-de-lança indutora tos para a compreensão dos processos bioquímicos, e
de florestamentos paralelos, em escala global, subsequentes interpretações válidas sobre a evolução
totalizando 400 milhões de hectares de flores- da vida.
tas através do uso de espécies de crescimento Nas florestas tropicais e subtropicais, vegetais
rápido. e animais submetidos a diferentes níveis de cadeias
tróficas, a diversidade dos ecossistemas está associada
No Projeto Floram, os objetivos convencionais à complexidade das interações nas espécies, à quebra
dos programas de reflorestamento (produção de fi- dessas interações através da devastação, fato que con-
bras, madeira, lenha, carvão vegetal, entre outros) são duz à instabilidade, que por sua vez resulta na elimi-
apenas estratégias para sustentar seus fundamentos nação de espécies, e até mesmo em extinções regionais
mais elevados de compasso de espera para a elimi- maciças.
nação dos processos excretores de carbono e induzir A precaução preliminar de identificar os gran-
uma multiplicidade de projetos similares ampliando des espaços não florestáveis, logo ao início da elabo-
a sua escala inicial de tal modo que se possa adiar os ração do Projeto Floram, tornou mais fácil estimar
impactos do efeito estufa por tempo razoável, até que as áreas passíveis de florestas plantadas. De acordo
se completem os estudos em andamento dirigidos com o princípio de exclusão, foram deixadas de fora
para a substituição dos combustíveis fósseis. Acredi- as seguintes áreas: Amazônia, incluindo, porém, as
ta-se que um dia a solução definitiva tenderá para áreas pré-amazônicas (periféricas); Pantanal Mato-
a adoção de hidrogênio e da energia elétrica como Grossense; faixas de desmatamento intensivo (Sul
fontes energéticas retiradas da energia solar median- do Pará), assim como áreas degradadas periurbanas
te células fotovoltaicas e outras tecnologias, como a ou sujeitas a processos de conurbação; Nordeste Seco
convergência de energia por espelhos móveis. (posteriormente incluído); áreas de parques, reservas
  nacionais, reservas biológicas, reservas indígenas, re-
Delineamento inicial e evolução do projeto servas florestais, paisagens de exceção e todas as áreas
tombadas destinadas à proteção integral. Por razões
A distribuição das plantas e dos animais no preventivas, em face das altas taxas regionais de eva-
espaço e no tempo resulta de uma série de fatores potranspiração e degenerescência marcante dos solos,
ecológicos de caráter físico, químico e biológico que, foi elaborado, à parte, o Floram Nordeste Seco. Foram
conjuntamente ou em separado, provocam processos também excluídos os espaços produtivos e eventuais
evolutivos complexos e demorados nas diversas for- áreas com condições para uma vida agrária rentável e
mas de vida. economicamente sustentável.

565
Na estimativa de espaços florestáveis foram los propostos pelo Floram uma busca insistente diri-
considerados 27 subáreas potencialmente dotadas gida para os princípios da chamada social forestry.
de interesse para o projeto. O perfil de utilização
de áreas para florestamento ou reflorestamento in- Sustentabilidade econômica
dustrial no Projeto Floram é identificado sobre o
pano de fundo da superfície total do Brasil e de suas A sustentabilidade econômica das atividades
áreas florestais e agrícolas. As alternativas de uso florestais apresenta-se em diversos níveis de trata-
industrial cobrem desde as plantações clonais, com mento, os quais, em grande parte, dependem das
tecnologias de ponta utilizadas intensivamente e condições ambientais dos diversos espaços consi-
demandando escalas produtivas muito elevadas, até derados. Em áreas que já perderam grande parte da
florestamentos diversificados, priorizando árvores sua biodiversidade original, indicam-se providências
para sombreamento ou lenha, árvores frutíferas re- estratégicas para introduzir e reintroduzir, equilibra-
gionais ou alienígenas, plantas nativas beiradeiras, damente, espécies dentro do possível; paralelamente,
plantas medicinais, fitoterápicas ou, ainda, plantas realizar florestamentos de interesse socioeconômico,
produtoras de favas ou frutos para ração animal, e a necessidade de garantir sustentabilidade econô-
cuja implantação atenda à estratégia de distribuição mica.
equitativa de benefícios diretos e indiretos em escala A viabilidade econômica dos empreendimen-
familiar doméstica ou cooperativa. tos florestais - grandes ou pequenos - a serem in-
  cluídos no Projeto Floram devem gerar um fluxo de
Desenvolvimento sustentável e o Projeto Floram caixa convidativo para a continuidade da atividade
florestal. Caso contrário, o primeiro ciclo nunca terá
Desde seu início, os responsáveis pelo Projeto condições de induzir a um segundo, assim prejudi-
Floram perceberam que os seus desdobramentos de- cando a sustentabilidade do projeto. Não se trata, en-
veriam atender ao conceito de desenvolvimento sus- trementes, de pensar que somente após a formação
tentável proposto no relatório Brundtland, segundo do bolo de lucros é que se poderá extravasar migalhas
o qual o desenvolvimento global descansa sobre um do mesmo para o campo do social e do ecológico.
tripé cuja solidez depende da harmonização adequa- Pelo contrário, o Projeto Floram tem preocupações
da de três sustentabilidades: a econômica, a ecológica centrais com o ambiente e a sociedade, para tanto
e a social. internalizando diretrizes e propostas nessa direção.
A sustentabilidade econômica integra as dife- Se a visão do técnico florestal focaliza prin-
rentes facetas de valores que caracterizam as ativida- cipalmente a parte biológica e o sistema produtivo
des do setor na sua sequência de etapas principais: da fitomassa, a visão do biotecnólogo concentra-se
gênese biológica, transformação industrial e comer- sobre os diversos processos industriais que transfor-
cialização e consumo. mam a biomassa obtida, agregando sucessivos incre-
A sustentabilidade ecológica preocupa-se com mentos de valor para os produtos cuja distribuição
a interação direta e/ou indireta das diversas alter- e comercialização são parte importante do sistema.
nativas da atividade produtiva e subsequente dis- Os fluxos de produção constituem uma base quan-
tribuição e consumo sobre o meio ambiente. Em titativa das operações florestais, devendo ser acom-
algumas áreas naturais procurou-se encontrar tipos panhados e gerenciados mediante análises de valor
de economia ecologicamente autossustentados, cujos qualitativo. As análises de viabilidade são também
exemplos ainda são muito reduzidos (broca parcial de de grande utilidade na integração e harmonização
sub-bosques, para plantio; projeto Reca, reservas ex- das diferentes contribuições para o reconhecimento
trativistas reestruturadas). da sustentabilidade.
A terceira sustentabilidade do tripé ideado tem Os conceitos de silvicultura tradicional e de
sua fundamentação na distribuição eficientemente silvicultura intensiva foram escolhidos, entre outras
equitativa dos benefícios diretos e indiretos projeta- modalidades de interação econômica com o meio
dos para a elevação do nível de emprego e bem-estar ambiente, para evitar tamponamentos extensivos
social, um dos objetivos essenciais do Floram. de espaços regionais susceptíveis de aproveitamento
As três sustentabilidades citadas imbricam-se agrário múltiplo. Existem dúvidas e controvérsias so-
com forte interdependência, fato que torna difícil o bre as dimensões e os limites dos espaços reservados,
seu estudo de modo isolado. Persegue-se nos mode- no interior de cada região, para florestas plantadas.

566
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
29

Silvicultura tradicional ção inteligente e profissional dos elementos diferen-


ciados que compõem a variabilidade de uma floresta
As florestas localizadas nas áreas setentrionais (nativa ou exótica), conseguir melhorar algumas das
do Hemisfério Norte apresentam hoje baixo nível de características básicas, tais como: crescimento, resis-
biodiversidade. Elas resultam de uma longa sequên- tência às doenças, forma, capacidade de adaptação,
cia de condições climáticas severas que eliminaram facilidade de propagação, entre outras. Portanto, o
as espécies carentes da necessária adaptabilidade, objetivo do melhoramento florestal é incorporar um
sem falar das constantes e sutis mudanças no entor- complexo de genes em material clonal, de tal forma
no dos maciços florestais remanescentes. Cumpre que a sua expressão fenotípica represente uma me-
ressaltar que a propagação de poucas espécies sobre- lhoria com relação ao fenotipo médio da floresta em
viventes levou à formação de florestas com um nível questão. Em outras palavras, o melhoramento flores-
de uniformidade elevado, característica muito valo- tal deverá domesticar o melhor conjunto de genes ofe-
rizada nos processos de industrialização de produtos recido pela biodiversidade florestal disponível. Esta
florestais. domesticação implica trabalho de seleção preliminar,
O perfil de florestas nativas de elevada homo- seguido de verificação da validade e consistência das
geneidade e com predominância de coníferas consti- expressões segregadas.
tui um ecossistema muito mais simples do que aque- É fácil concluir que todo e qualquer progra-
les dominantes nas regiões intertropicais. Trata-se de ma de melhoramento florestal está fadado a atingir,
um quadro ecossistêmico que propiciou o desenvol- quando muito bem sucedido, um ponto morto a par-
vimento da silvicultura tradicional permitindo, assim, tir do qual é teoricamente impossível conseguir me-
uma produção sustentada de madeira, utilizando as lhorias. Este ponto é atingido quando já se domesticou
espécies nativas homogêneas disponíveis na própria a melhor alternativa entre as recombinações consi-
região. A silvicultura tradicional tem a vantagem de deradas com base no nível de biodiversidade florestal
regeneração baseada em processos naturais, não exi- disponível. Dessa forma, é muito conveniente preser-
gindo preparo intensivo do solo nem execução de var o nível de biodiversidade inicial a fim de possibi-
cortes rasos em áreas extensas. litar sua expansão, mediante a incorporação seletiva
  de novos elementos ou complexos genéticos.
Silvicultura intensiva: fundamentos biotecnológicos Cabe apontar aqui que as florestas setentrio-
nais, nas quais a silvicultura tradicional é adotada,
Nas áreas tropicais e subtropicais, nas quais estão hoje beirando o limite máximo de produção de
predominam florestas mistas extremadamente com- madeira. Para aumentar a sua capacidade produtiva,
plexas na sua composição, é ainda muito difícil aplicar essas florestas setentrionais incorporam de maneira
a silvicultura tradicional com um retorno econômico crescente métodos de silvicultura intensiva, inicial-
atrativo. Para tanto, foi necessário desenvolver estudos mente desenvolvidos em áreas de florestas tropicais
básicos e aprimorar observações empíricas, desta for- para a produção de madeira.
ma permitindo alicerçar métodos novos e mais ade-  
quados, cujo conjunto caracteriza o que se chama de Sustentabilidade ecológica da silvicultura intensiva
silvicultura intensiva.
A silvicultura intensiva é baseada no conhe- Entre as preocupações fundamentais que orien-
cimento das variações naturais entre espécies flores- taram o desenvolvimento da silvicultura intensiva se
tais, na procedência das sementes dentro das espécies destacou o esforço de viabilização econômica das ati-
(raças, ecotipos e clones) e entre descendências no vidades florestais em regiões tropicais e subtropicais.
interior de populações; ainda, entre árvores no que A componente ecológica das preocupações iniciais
tange às suas descendências. As bases para a manu- foi crescendo lentamente, até o ponto de, atualmen-
tenção e o aumento da produtividade através do me- te, afirmar-se que a silvicultura intensiva é governada
lhoramento genético florestal são, principalmente, a principalmente por princípios ecológicos, em nível
variabilidade genética, a sua preservação e conserva- igual ou superior ao da silvicultura tradicional.
ção in situ e ex situ, e o conhecimento das prováveis Nesta linha de pensamento os florestadores,
causas que a afetam, para sua eficaz manipulação. além de preservarem as matas nativas que circundam
Na silvicultura intensiva, um programa de me- as florestas plantadas, procuram desenvolver nestas
lhoramento florestal visa a, mediante uma manipula- últimas sub-bosques acolhedores para o suporte eco-

567
lógico de avifauna regional, para que se mantenha O Nordeste Seco exemplifica uma área que
sob controle as populações de eventuais predadores. demanda política bem diversificada de florestamento
Foi, aliás, a partir dessa visualização que o Projeto social, na qual a seleção de espécies não pode ser ba-
Floram procurou desdobrar a convivência entre flo- seada nos mesmos critérios que orientam os silvicul-
restas plantadas, faixas de preservação e adensamen- tores para as terras úmidas intertropicais do Brasil.
to de biodiversidade, e preservação de espaços para Florestamentos e reflorestamentos projetados para o
atividades agrárias. domínio das caatingas visam, quase sempre, a bene-
O estudo dos mecanismos naturais de caráter fícios econômicos e sociais indiretos.
biológico que protegem as matas nativas, cujos be- O aumento populacional no mundo - espe-
nefícios se estendem aos florestamentos e refloresta- cialmente agudo nas regiões tropicais - comporta
mentos localizados nas vizinhanças, vem inspirando a demanda desordenada e crescente sobre os recur-
o desenvolvimento de esquemas defensivos naturais sos arbóreos dessas regiões. Em tais condições de
paralelos, visando a sua utilização em florestamentos elevada agressividade, a preservação e conservação
industriais. dos recursos genéticos das espécies florestais in situ
A reconstituição de sistemas biológicos que dependerá principalmente de medidas políticas pro-
configuram esquemas defensivos regionais para ma- tetoras para evitar a ocorrência de extinções irrever-
tas nativas (às vezes quase extintas) e o estudo dos síveis. A falta de previsão de impactos com relação
intercâmbios que ocorrem nas interfaces entre matas ao destino do espaço total de cada sub-região pode
nativas e florestas plantadas são campos que deman- conduzir a tamponamentos exagerados de solos que
dam atenção crescente e mobilização de grande va- deveriam ser submetidos a inteligentes alternân-
riedade de conhecimentos. Fato que configura um cias de florestas plantadas e atividades produtivas
perfil pluridisciplinar intenso nas equipes de pesqui- agrárias autossustentáveis.
sadores que lideram a abertura desses novos hori-  
zontes para atividades florestais. Perspectivas futuras
 
Sustentabilidade social e revitalização dos espaços O grupo que elaborou o projeto em sua fase
degradados inicial reconhece que existe atualmente uma geopolí-
tica de poluição gerada pelos países industrializados,
A cultura de um corpo social resulta de ações os quais respondem por mais de 80% das emissões
e reações que ocorrem na interface da sociedade com de CO2. Nesse sentido, de nada adiantaria um mega-
a natureza circundante. A geração de usos, costumes, projeto brasileiro de florestamento e reflorestamento,
valores e instituições, por sua vez, levam ao surgi- caso não existissem esforços em todo o mundo para
mento de princípios éticos e artísticos ao longo do minimizar a liberação de carbono para a atmosfera,
seu desenvolvimento. Num projeto como o Floram, e, dessa forma, contribuir com projetos múltiplos e
o sucesso dos seus objetivos visando ao bem-estar vai similares ao do Floram, em tempo oportuno, cor-
depender em grande parte do potencial de susten- respondente ao fim do século e do milênio. Nesse
tação social do meio ambiente e da capacidade para sentido, conviria ler com maior atenção os primeiros
modificar convenientemente as condições ambien- documentos já publicados sobre o Floram, sua plata-
tais. Em outras palavras, vai depender do nível cultu- forma básica, suas diretrizes e múltiplos aconselha-
ral dos grupos sociais participantes. mentos, a fim de aperfeiçoar as aplicações regionais
Assim, o caráter social das florestas incluídas neles contidas e exigir dos governantes e autoridades
no Projeto apresenta-se num amplo leque de alter- competentes uma reflexão mais aprofundada sobre
nativas, cada uma delas com possibilidade de melhor as potencialidades do território brasileiro no que res-
atender às especificidades da organização humana peita a florestas de interesses ambiental, social e eco-
nos espaços em consideração. nômico. Assim também, refletir sobre a recuperação
A diversidade nas peculiaridades regionais de- sistemática de áreas degradadas; ao mesmo tempo
manda desdobramentos específicos para cada um dos em que se colabora na tarefa relevante da melhoria
espaços considerados. Fato que muitas vezes torna da atmosfera no planeta vivente por excelência.
difícil conseguir um nível aceitável de detalhamento Com suas características ambientais, o Proje-
e planejamento centralizado, sem sacrificar significa- to Floram tenderá a ser ponta de lança da eventual
tivamente a eficácia operacional. proposta de criação do Fundo Mundial de Energia, a

568
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
29

ser constituído de uma taxa cobrada por cada barril pilotos e para a multiplicação de hortos de espécies
de petróleo produzido (ou seu equivalente energéti- nativas em escolas rurais de todo o Brasil, procuran-
co em carvão mineral e gás natural). Esses recursos do disseminar um tipo de educação que inclua es-
deverão, junto com parcelas de outras origens, finan- tratégias para a reintrodução de espécies em lugares
ciar não só o Projeto Floram mas, principalmente, críticos dos espaços ecológicos degradados como: ca-
seu complemento mundial (até o montante de 400 beceiras de drenagem, canais de escoamento e faixas
milhões de hectares de florestas) e as transformações de cursos d’água de primeira ordem, e plantação ou
tecnológicas que visam a substituir a energia com- adensamento das florestas beiradeiras, com essên-
bustível fóssil por alternativas isentas da liberação cias da própria região. Desanimados com a falta de
excessiva e contínua de gás carbônico. resposta das áreas governamentais, alguns dos mem-
O grupo técnico e científico que, a duras penas, bros do Floram pensam em fomentar a implantação
elaborou o Floram tem noção de sua responsabilida- de fazendas e sítios pilotos, através de uma Funda-
de no tratamento equitativo das diferentes questões ção de grande porte e estrutura. Isto porque se tem
que envolvem propostas da magnitude espacial do consciência de que não cabe à Universidade - na
projeto. Em nossos primeiros estudos contamos ape- categoria de uma Instituição visando a educação e a
nas com os conhecimentos regionais genéricos, ob- pesquisa - implantar diretamente um megaprojeto
tidos de uma bibliografia díspar em termos de tem- das dimensões do Floram.
po e espaços e de antigas excursões de campo cujos O que se pediu à Universidade brasileira no
registros não eram passíveis de acompanhamento, campo de estudos, ideias e estratégias para a intro-
normatização e atualizações posteriores. No mo- dução e reintrodução de espécies vegetais em lugares
mento, através de reuniões técnicas anuais e retoma- adequados já foi feito com idealismo, bom senso e
das de pesquisas de campo em diferentes regiões do indicações técnicas, dentro do máximo possível. A
país (eventual relação detalhada) preparamo-nos para custo zero.
aperfeiçoar e diferenciar o projeto em sua elaboração  
inicial. E, ao mesmo tempo, autoincentivarmo-nos  
a continuar a árdua tarefa de convencer governan-
tes, administradores e empresários para a feitura de

569
DUNAS DO JALAPÃO: UMA PAISAGEM
INSÓLITA NO INTERIOR DO BRASIL
Andrea Bartorelli
Mário L. Assine
Antonio G. Pires Neto
Aziz N. Ab’Sáber

Apresentação

As ocorrências de dunas interiores, que implicam


em conhecimentos de fatos paleoclimáticos e paleoecoló-
gicos sobre diversos setores do imenso território brasileiro,
constituem temática científica de grande relevância. Cer-
tamente existem dunas geradas em diferentes épocas e com
diferentes áreas geográficas de ocorrência.
Depósitos de dunas eólicas de idade neogênica, per-
tencentes à Formação Barreiras, podem ser observados em
cortes de colinas na área de Camaçari, a oeste de Salva-
dor. Desnecessário registrar que tais depósitos eólicos são
anteriores às escavações fluviais que cortam os estratos da
Formação Barreiras e que deram origem à Baía de Todos
os Santos.
Afora esse caso esdrúxulo de paleoduna dos fins do
Terciário, o caso mais extraordinário de campos de dunas
interiores de todo o Brasil é representado pelo paleodeserto
de Xique-Xique, o qual se estende da margem esquerda
do atual Rio São Francisco até os sopés orientais da cris-
ta quartzítica (N-S) da Serra do Estreito. Trata-se de um
conjunto de paleodunas que abrange área de mais de 6.700
km². As paleodunas etão recobertas por vegetação fixadora
extensiva, sendo rodeadas por caatingas típicas através de
um fantástico contraste de cores, reveladas em imagens de
satélites disponíveis, constituída localmente por uma relva
homogênea do tipo dos psamobiomas, sujeitos a diversos
casos sub-regionais de interferências por processos antró-
picos (Ab’Sáber, 2006). Os campos de dunas do paleode-
serto do Xique-Xique, que alcançaram uma área superior
àquela do seu espaço atual, foram geradas no Pleistoceno
tardio segundo datações disponíveis, mas ainda persistem
dúvidas sobre o alcançe de sua idade geológica, que pode
remeter para tempos pleistocênicos mais antigos.
Outras ocorrências existem e estão ainda por ser
estudadas e cartografadas. Recentemente, em função da
visita de parte dos autores para estudos referentes à trans-
posição de águas do Rio Tocantins para a Bacia do Rio
São Francisco, foi possível constatar o caráter insólito das

570
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
30

dunas do Jalapão. O Jalapão situa-se muito próximo


a uma área de interflúvio rebaixado da Chapada do
Urucuia, onde existem referências sobre um dos mais
notórios casos de águas emendadas, de direção opos-
ta, entre os vales do Tocantins e do São Francisco.
A diferença entre as paleodunas de Xique-Xique e as
do Jalapão reside na grande área do primeiro caso e
na exiguidade espacial do caso ora apresentado.
A região do Jalapão encontra-se em uma
pequena área estreita ao sul de uma meseta escul-
pida na Formação Urucuia, dotada de escarpadas
vertentes arenosas sujeitas a uma erosividade acen-
tuada por córregos de primeira ordem, escorrega-
mento de areias e formação basal de leques aluviais
bizarros. No entanto, a época climática de forma-
ção das paleodunas ainda carece de pesquisas mais
detalhadas. É possível que os períodos de transi-
ção entre climas mais quentes e úmidos para cli-
mas mais frios e secos (Würm IV-Wiscosin Supe-
rior) tenha tido papel essencial em termos de pro-
cessos eólicos interiorizados. Nesse sentido é mais
do que justo prestar uma homenagem ao cientista
Sarntheim, que em 1978 publicou um estudo in-
titulado “Sand desert during glacial maximum and
climatic optimum” antecedendo o trabalho da maior
parte de pesquisadores que se dedicaram a entender
os significados fisiográficos das paleodunas do Qua-
ternário (Neo-Pleistoceno/Holoceno).
Para finalizar, aproveitamos a oportunida- Figura 1. Campos de dunas dos Lençóis Maranhenses,
de para lembrar que existem diversos outros casos que consistem em sistema eólico costeiro, úmido, carac-
de paleodunas interiores na América Tropical, tais terizado por nível freático raso e depósitos de interduna
como no Orenoco, no sudeste de Roraima e na pla- úmida, com presença de lagoas.
nície Rio Negro. Para também falar de dunas pon-
tuais existentes em diversos pontos deste país, como
as minidunas temporárias nas vertentes orientais
da Serra de Itabaiana (SE) e as pequenas dunas nas vas concentram-se de Santa Catarina até a fronteira
praias de estiagem do Rio Ibicuí (RS). Para não falar com o Uruguai.
dos montões de areia gerados por razões antrópicas Os campos de dunas costeiros são constituídos
em diversos pontos das pradarias arenosas da metade por várias gerações de dunas, resultado de flutuações
sul do Rio Grande do Sul. Citam-se também feições climáticas que produziram períodos caracterizados
de origem recente relacionadas com a erodibilidade por incremento na atividade eólica. Na costa poti-
dos solos arenosos da Campanha de Sudoeste e as guar, por exemplo, Barreto et al. (2004) reconhece-
ações da erosividade antrópica provocadas pelo uso ram distintas gerações de dunas, cuja datação por
agrícola de máquinas pesadas e faixas laterais de em- termoluminescência permitiu a identificação de pelo
préstimo de terras para construção de estradas. menos seis fases principais de atividade eólica. A su-
cessão mais antiga envolve três fases, corresponden-
Introdução tes aos intervalos de 390.000 a 326.000 anos AP, de
270.000 a 240.000 anos AP e de 210.000 a 150.000
No Brasil, depósitos eólicos quaternários anos AP. A sucessão mais nova engloba as fases de
distribuem-se essencialmente ao longo da faixa li- 63.000 a 24.000 anos AP, de 11.000 a 9.000 anos
torânea (Giannini et al., 2005). As principais áreas AP e de 6.500 anos AP até o Presente.
de ocorrência de dunas costeiras ativas encontram- Campos de dunas e lençóis de areia de idade
se no litoral do Nordeste, desde o Maranhão, onde quaternária estão presentes em vários pontos do in-
destacam-se os célebres Lençóis Maranhenses (fi- terior do território brasileiro, sumariadas no trabalho
gura 1), até o sul do Rio Grande do Norte, e na foz de Giannini et al. (2005). A origem de tais feições
do Rio São Francisco, entre os estados de Alagoas e também tem sido associada a períodos de climas
Sergipe. Daí para sul as ocorrências mais significati- mais secos que ocorreram do Pleistoceno terminal

571
ao Holoceno. Datações de areias de dunas associa- Contexto Regional
das à planície do Rio Negro (AM) revelaram idades
entre 7.880 e 32.600 anos AP (Carneiro Filho el al., O Jalapão está localizado na parte orien-
2002), compatíveis às das dunas eólicas existentes na tal do Estado do Tocantins, a oeste da Chapa-
margem esquerda do Rio São Francisco (BA), cujas da das Mangabeiras, divisor de águas das bacias
datações apresentaram idades em torno de 28.000 do Tocantins, do São Francisco e do Parnaíba,
anos AP (Barreto et al., 2002). Idades similares são interflúvio esse que se situa na divisa dos estados do
admitidas para formas eólicas associadas a superfí- Maranhão e da Bahia.
cies de deflação existentes em áreas de megaleques Geologicamente, a área do Jalapão situa-se no
aluviais do Pantanal Mato-Grossense (Tricart, 1982; domínio de rochas mesozoicas da Formação Urucuia
Soares et al., 2003; Assine e Soares 2004; Assine, da bacia sedimentar Sanfranciscana (Schobbenhaus
2004). et al., 1981, 1984). A Formação Urucuia, que pode
As dunas do Jalapão, localizadas no Municí- se iniciar com conglomerado basal contendo seixos
pio de Mateiros, no Estado de Tocantins (figura 2), de basalto, é constituída por arenitos brancos, róseos
constituem paisagem completamente diferente das e avermelhados, finos a grossos, predominantemen-
ocorrências citadas, tanto em termos de forma quan- te finos a médios, dispostos comumente em camadas
to de origem. As dunas estão associadas ao recuo de com estratificação cruzada evidente. Trata-se de uma
escarpa dos relevos tabulares residuais sustentados sequência de natureza continental de idade neocre-
por sequências de arenitos de idade cretácea. tácea, constituída por depósitos dominantemente
A paisagem insólita do Jalapão é descrita nes- eólicos e secundariamente fluviais, que alcança es-
te capítulo, buscando-se contextualizar a ocorrência pessura de cerca de 300 m (Campos e Dardenne,
em termos geológicos e geomorfológicos, discutir 1997). Silicificação pode ocorrer em alguns níveis,
sua gênese e destacar sua importância para o enten- principalmente no topo, sendo produto de processos
dimento dos eventos geomorfológicos e paleoclimá- diagenéticos e/ou pedogenéticos relacionados à evo-
ticos ocorridos du- lução geomorfológica da área.
rante o Quaternário A Chapada das Mangabeiras é uma superfície
no interior do Brasil. estrutural tabular aplanada, com topo coincidente
ou não com o substrato rochoso, com altitudes que

Figura 2. Mapa de localização da área do Jalapão (esquerda). Acima, imagem de satélite Landsat cor natural, com-
posição R3G2B1, de 21/08/2001, mostrando feição característica de chateau d’eau da meseta da Serra do Espírito
Santo.
572
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
30

decrescem suavemente de 575 para 390 m em seus longo do Rio Tocantins e seus principais afluentes,
pontos mais baixos. A chapada é limitada por escar- ocorrendo nos interflúvios como formas planas de
pas, com variados graus de dissecação pela drenagem baixa declividade. A superfície erosiva apresenta-
atual, o que dá origem a relevos mais movimentados, se como remanescentes planos e subnivelados, que
bem como a presença de relevos residuais tabulares, vêm sendo dissecados pela drenagem atual, dando
que ocorrem sob a forma de mesas e morros teste- origem a relevos colinosos de topos convexos com
munhos (figura 3). Nas frentes de dissecação é fre- diferentes graus de dissecação e aprofundamento da
quente a ocorrência de relevos residuais na forma de drenagem.
ressaltos topográficos e morrotes tabulares. As superfícies de cimeira (Chapada das Man-
Os pavimentos detríticos são constituídos por gabeiras) e da Depressão do Médio Tocantins-Ara-
extensas coberturas arenosas, por níveis lateríticos guaia foram originadas em dois grandes eventos de
(couraças) e, de modo localizado, por seixos subar- erosão e aplainamento (Mamede et al., 1981). O
redondados de quartzo e quartzito. A chapada apre- mais antigo, finalizado no início do Terciário (Pale-
senta divisores de água muito amplos e vales bastante oceno), teria sido responsável pelo aplanamento hoje
espaçados. As vertentes têm forma de rampas suaves preservado no topo das grandes chapadas e serras,
com perfil quase retilíneo e estão sendo dissecadas ao qual se associam coberturas arenosas e bancadas
pela drenagem atual. Esses relevos refletem uma lateríticas ferruginosas espessas. No evento seguinte,
evolução condicionada pela ação de processos mor- ocorrido no final do Neógeno (Mioceno-Plioceno),
foclimáticos responsáveis pela elaboração de níveis processos de pediplanação teriam favorecido o recuo
de aplainamento regional e pelo recuo das grandes das escarpas e a formação de rampas pedimentares e
escarpas. pavimentos detríticos, sendo responsáveis pela ela-
O Jalapão situa-se na borda oriental da boração das extensas depressões que caracterizam a
Depressão do Médio Tocantins-Araguaia, uma uni- região. As duas superfícies correspondem, respecti-
dade do relevo caracterizada por extensa superfície vamente, às superfícies Sul-Americana e Velhas de
erosiva, com altitudes entre 190 e 490 m e mergu- King (1956). Uma superfície mais jovem e mais bai-
lho geral para norte, mostrando caimento para o Rio xa, de idade pleistocena, está sendo dissecada pela
Tocantins a partir dos divisores de água. Remanes- drenagem atual (figura 4).
centes desta superfície podem ser identificados ao Conforme classificação de Ab’Sáber (1970),

Figura 3. Vista aérea de mesas residuais da Chapada das Mangabeiras, próximo a área do Jalapão, que mantêm pre-
servada a superfície de cimeira mais antiga.
573
a área do Jalapão está inserida no Domínio Mor- dual tabular, em cujo topo se encontra preservada
foclimático dos Chapadões Tropicais recobertos a superfície de aplainamento mais antiga, mode-
por Cerrados e penetrados por Florestas Galerias, lada em arenitos da Formação Urucuia. Apresen-
cujos relevos são caracterizados por planaltos de es- ta rampas de cimeira no topo e escarpas laterais
truturas complexas, capeados ou não por lateritas que se destacam sobre relevo rebaixado de ram-
de cimeira e por planaltos sedimentares. pas e colinas amplas (figura 6). Nas suas escar-
A vegetação predominante, de fisionomia pas distinguem-se claramente camadas superiores
aberta, é caracterizada por campos limpos e sujos, constituídas de arenitos avermelhados, sobrepondo
vindo a constituir transição entre os biomas do arenitos esbranquiçados que se prolongam até a base
Cerrado e da Caatinga. Nas rampas adjacentes às da escarpa (figura 7).
frentes das chapadas, veredas associadas a lençol Por se tratarem de arenitos muito friáveis, a
freático subaflorante são comuns (figura 5). O cli- escarpa da chapada é palco de processos erosivos
ma corresponde ao Aw na classificação de Köppen, intensos nos meses chuvosos, produzidos principal-
do tipo tropical chuvoso, com precipitação média mente por processos relacionados a movimentos de
anual de 1.500 mm e temperatura média anual de massa, tais como deslizamentos, escorregamentos e
26o C. solapamento por erosão subterrânea (figura 7). Com
a erosão e consequente recuo das escarpas, grande
As Dunas do Jalapão quantidade de sedimentos acumula-se no seu sopé,
daí sendo parcialmente removida por escoamento
A clássica ocorrência das dunas do Jalapão, pluvial torrencial durante as fortes chuvas e por fluxo
conhecido ponto geoturístico, está situada junto ao fluvial originado de nascentes que brotam de aflora-
sopé de uma chapada denominada Serra do Espírito mentos do lençol d’água na base da chapada. As nas-
Santo, a oeste da cidade de Mateiros, nas coordena- centes formam pequeno córrego que transporta os
das de referência 10o 34’ 00” de latitude S e 46o 38’ sedimentos, sobretudo na estação das chuvas, quan-
30” de longitude W. do o caudal e a capacidade de transporte aumentam,
A Serra do Espírito Santo é um relevo resi- depositando-os na superfície aplainada inferior sob a

Figura 4. Superfícies de erosão existentes na área do Jalapão: 1) superfície de cimeira representada pelo topo da
chapada (ao fundo); 2) superfície neogênica correspondente à Superfície Velhas (centro); e 3) superfície mais jovem
submetida a entalhamento atual (toda área com gramíneas e florestada do primeiro plano).

574
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
30

oeste (figura 8). Parte das areias é removida pelas


correntes do próprio rio, que transporta os sedimen-
tos até a confluência com o Rio Novo, onde se for-
mam extensas barras fluviais (figura 2).
Durante os meses de estiagem, as areias flu-
viais são retrabalhadas pelo vento, dando origem a
dunas ativas que atingem altura de até 20 m, numa
interação de processos fluviais e eólicos na superfície
do leque aluvial (figura 9).
A areia das dunas é predominantemente fina,
com uma fração mais grossa muito reduzida, a qual
se concentra nas cristas das marcas onduladas, res-
saltando-as com coloração mais avermelhada. O
grau de arredondamento e a esfericidade da fração
mais grossa são muito altos (figura 10).
Fato também notável na paisagem do Jalapão
é a presença de um pequeno campo de dunas para-
bólicas, que não mais se movimentam, uma vez que
estão fixadas pela vegetação. Constituem dunas ina-
tivas ou fósseis, formadas em tempos pretéritos, de
forma que podem ser chamadas de paleodunas (fi-
gura 8). Imagens recentes destas paleodunas (figura
11) revelaram que elas estão sendo reativadas devido
à destruição da vegetação e exposição de areias no
barlavento (face menos íngreme da duna).
Tanto dunas parabólicas quanto barcanas são
excelentes indicadoras da direção do vento dominan-
Figura 5. Aspecto de cabeceira de vereda com buritis te quando da sua formação (figura 12). Dunas para-
no sopé da Chapada das Mangabeiras. As veredas se bólicas apresentam geometria com curvatura oposta
iniciam onde o lençol freático é subaflorante. à das dunas barcanas, originando-se principalmente
em condições de baixo suprimento de areia e maior
umidade, num ecossistema de psamo-bioma, o que
forma de leque aluvial (figura 8). induz a fixação, pela vegetação, de seus braços e mo-
Os depósitos de areia do leque aluvial, forma- vimento mais pronunciado na parte central, resul-
dos principalmente por fluxos em lençol durante o tando em braços muito mais delgados e alongados
período das chuvas, avançam em direção ao Córrego que os das dunas tipo barcana.
da Toca, causando o deslocamento do seu canal para Nas dunas parabólicas, o sotavento, ou face de

Figura 6. Bloco-diagrama confeccionado a partir de sobreposição de imagem de satélite Aster, composição falsa-cor
R2G3B1, de 19/03/2007, com dados de elevação SRTM/NASA.

575
Figura 7. Escarpa da Serra do Espírito Santo em franco processo de regressão erosiva. Grandes anfiteatros de erosão
estão expondo os arenitos friáveis da Formação Urucuia, que estão sendo removidos por processos relacionados a
solapamento por erosão subterrânea (piping erosion) e transporte por córregos que nascem na parte inferior das ver-
tentes (helicóptero dá uma ideia das dimensões da escarpa erodida).

Escarpa em regressão

LEQUE ALUVIAL

DUNAS ATIVAS

cAMPO DE PALEODUNAS
PARABÓLICAS FIXADAS PELA
VEGETAÇÃO

tOCA
DA
EGO
RR

Depósitos EÓLICOS MAIS


ANTIGOS

Figura 8. Paisagem do leque aluvial do Jalapão, onde depósitos fluviais são retrabalhados pelo vento produzindo
dunas eólicas. As escarpas da Serra do Espírito Santo, fonte dos sedimentos, podem ser vistas ao fundo, sendo evi-
dente a falta de vegetação causada por erosão e movimentos de massa. A presença de duna parabólica estabilizada na
parte central à direita do Córrego da Toca evidencia que, no passado, em períodos menos úmidos, o vento transportou
areias para além do canal do rio, que poderia ser intermitente.

576
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
30

A B

C D

E F

Figura 9. Dunas ativas do tipo barcana na superfície do leque aluvial. Conspícuas ondulações eólicas ocorrem tanto
nas faces de sotavento quanto nas de barlavento, evidenciando que se tratam de dunas ativas, em movimento e conti-
nuamente retrabalhadas pelo vento. A) Vista a partir da margem esquerda do Córrego da Toca vendo-se no primeiro
plano dunas ativas e a erosão da escarpa ao fundo. B) Aspecto do leque aluvial com a Chapada do Espírito Santo
ao fundo. C) Leque Aluvial retrabalhado pelo vento. D) Córrego da Toca no pé de sotavento da principal duna do
Jalapão. E) Vista para jusante do mesmo local da Figura 9D. F) Vegetação remanescente no talude de sotavento.

avalanche (mais íngreme), apresenta curvatura con- de dunas na área do Jalapão. As dunas parabólicas
vexa, de forma que os braços da duna apontam para o constituem o registro de um período mais antigo,
sentido de onde provém o vento (figura 12B). Desta mas ainda não foram datadas, de forma que não se
forma, com base na imagem da figura 2, deduz-se conhece sua idade. As duas gerações de dunas cons-
que o campo de paleodunas parabólicas foi formado tituem o registro sedimentar de duas fases de incre-
a partir de vento que soprava para WNW, prove- mento da atividade eólica, possivelmente relaciona-
niente de ESE. das a períodos mais secos durante o transcorrer do
Holoceno.
Mudanças Paleoclimáticas Além das duas gerações de dunas, a paisagem
do Jalapão revela também a existência de depósitos
As dunas barcanas ainda ativas e as paleodu- de pelo menos uma outra fase de aridificação, ainda
nas parabólicas constituem duas gerações distintas mais antiga, que testemunham uma história geo-

577
Figura 10. As areias das dunas são de granulação fina a média e os grãos apresentam-se bem arredondados e com
alta esfericidade, sobretudo devido à herança eólica dos grãos dos arenitos da Formação Urucuia. A foto ilustra areia
média a fina, selecionada e concentrada pelo vento nas cristas das ondulações (ripples) das dunas do Jalapão.

lógica quaternária caracterizada por mudanças cli- ainda datados com métodos diretos, considera-se,
máticas significativas, a exemplo do que vem sendo por analogia com ocorrências em outras áreas, que
constatado em outras regiões do Brasil. tenham se formado no Pleistoceno tardio, prova-
Tratam-se de lençóis de areia que ocorrem de velmente durante o último período glacial que,
forma descontínua sobre a superfície aplainada in- no interior do Brasil, foi mais frio e seco (Würm-
ferior da Depressão do Médio Tocantins-Araguaia, Wisconsin).
capeando colinas de topo aplainado a oeste da cha- Campos de dunas e de lençóis de areia domi-
pada do Espírito Santo. Tais lençóis são delgados e naram extensas áreas do interior do Brasil. Exemplo
frequentemente exibem cordões arenosos lineares espetacular de campos de paleodunas é encontrado
alinhados na direção aproximada ESE, evidentes na região do Médio Rio São Francisco, no oeste do
em imagens de satélite (figura 2) e, mesmo, em fo- Estado da Bahia, no denominado paleodeserto de
tografias aéreas oblíquas (figura 8), dada a coloração Xique-Xique (Ab’Sáber, 2006), onde, com base em
branca das areias. estudos geomorfológicos, sedimentológicos e ge-
A pequena espessura dos depósitos e a fal- ocronológicos (datações por termoluminescência),
ta de continuidade lateral nos lençóis indicam que Barreto et al. (2002) reconheceram cinco domínios
estas feições eólicas relictas foram produzidas em com três gerações distintas de dunas eólicas (figuras
áreas dominadas por deflação, em ambiente com 13 e 14).
pouca disponibilidade de areia solta na superfície. A A geração mais antiga, formada entre 28.000 e
direção média destas feições eólicas mais antigas é 15.000 anos AP, é constituída por dunas parabólicas
muito semelhante à das paleodunas parabólicas, o com tendência de formas em “V” fechadas, simples e
que é forte indicação de que o regime de ventos era alongadas, originadas por ventos predominantes de
muito parecido, ou seja, dominância de ventos para SE para NW. Entre 9.000 e 4.000 anos AP, ventos
WNW. predominantes de E a SE para W a NW produzi-
Embora estes lençóis de areia não estejam ram dunas parabólicas com formas de “U” fechadas.

578
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
30

A B

C D

E F

Figura 11. Dunas parabólicas estabilizadas, com sinais de remoção da cobertura vegetal, exposição das areias e
remobilização atual pelo vento. A) Duna parabólica mais antiga, no limite oeste das dunas ativas. B) Detalhe da
duna precedente denotando coalescência de pequenas dunas. C) Outra vista da figura anterior, vendo-se pequena
atividade eólica atual no talude de barlavento (lado côncavo da duna). D) Córrego da Toca cortando antigas dunas.
E) Outro aspecto do Córrego da Toca cortando antigas dunas. F) Retrabalhamento atual de antiga duna.

Figura 12. Dunas eólicas: A) barcana e B) parabólica (conforme McKee, 1979).

579
Figura 13. Campo de dunas inativas do Médio Rio São Francisco, BA (modificado de Barreto et al., 2002).

580
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
30

Figura 14 – Paisagem relicta do paleodeserto de Xique-Xique, destacando-se imensa duna parabólica cujos braços se
estendem por mais de 9 km.

Entre 4.000 e 900 anos AP surgiu a geração mais um interessante modelo para explicar a formação de
nova, constituída por dunas parabólicas menores, depósitos eólicos interiores a partir de areias dispo-
superimpostas às mais antigas, indicativas de paleo- nibilizadas pela erosão e regressão das escarpas de
ventos com menor dispersão de SE para NW. A areia chapadas modeladas em sequências arenosas cretá-
que deu origem a esses campos de dunas seria pro- ceas, que caracterizam o sul do Maranhão, leste de
veniente da planície aluvial do paleo-Rio São Fran- Tocantins e oeste da Bahia.
cisco, a leste, submetida a deflação nos períodos de Ocorrências de lençóis de areia recentes não
maior aridez. estão restritas apenas ao Jalapão. Diversas outras
O fenômeno de desertificação e formação de ocorrências existem, como as situadas próximo às
campos de dunas e campos de lençóis de areia é um margens do Rio Tocantins, uma no sopé da Serra
fenômeno universal nos trópicos. Segundo Sarnthein do Justino, nas proximidades da cidade de Filadélfia
(1978), enquanto hoje 10% dos terrenos compreen- (TO), e outra no sopé da Serra Grande, pouco ao
didos entre os paralelos 30oN e 30oS são cobertos norte da cidade de Carolina (MA). A despeito das
por campos de dunas ou mares de areia, no final do diferenças nas formas observadas, as duas ocorrên-
Pleistoceno, há cerca de 18.000 anos, processos eóli- cias, assim como a do Jalapão, estão associadas ao
cos dominavam em cerca de 50% da mesma área. recuo de escarpas em área do bioma cerrado, sob do-
mínio de clima quente, com estação seca longa e bem
Considerações finais definida.
Processos de disponibilização de areias devi-
Devido à beleza da paisagem em que se mis- do a regressão de escarpas, como os que se obser-
turam dunas, rios e chapadas, num ambiente natural vam hoje no Jalapão, devem ter ocorrido de forma
do bioma cerrado, as dunas do Jalapão são um sítio generalizada no Brasil central durante o tempo do
geoturístico de grande apelo na mídia nacional. O último período glacial. Sob condições de clima mais
manejo da área como tal deve levar em considera- frio e semiárido, as escarpas deviam ser menos pro-
ção, entretanto, a alta suscetibilidade desses terrenos tegidas por vegetação, o que favorecia a atuação mais
a qualquer tipo de intervenção humana. intensa de processos erosivos similares aos atuais e
A paisagem, no seu conjunto, revela-se como remobilização intensa pelo vento. Isto explica o fato

581
CAMPOS, J. E. G. & DARDENNE, M. A. 1997. Estratigrafia e
de que os depósitos apresentam-se distribuídos em sedimentação da Bacia Sanfranciscana: uma revisão. Revista
uma grande extensão na área do Jalapão, distantes Brasileira de Geociências, 27: 269-282.
das fontes de areia, hoje representadas pela atual CARNEIRO FILHO, A.; SCHWARTZ, D.; TATUMI, S. H. &
posição das escarpas das chapadas. ROSIQUE, T. 2002. Amazonian Paleodunes Provide Evidence
for Drier Climate Phases during the Late Pleistocene-Holo-
Muito mais que simplesmente beleza cene. Quaternary Research, 58: 205-209.
natural, as dunas do Jalapão revelam episódios da GIANNINI, P. C.; ASSINE, M. L.; BARBOSA, L. M.; BARRE-
história natural de mudanças climáticas no Brasil TO, A. M. F.; CARVALHO, A. M.; CLAUDINO-SALES,
V.; MAIA, L. P.; MARTINHO, C. T.; PEULVAST, J.-P.; SA-
central, que remontam ao Pleistoceno, mas cujos WAKUCHI, A.; TOMAZELLI, L. J. 2005. Dunas e paleodu-
detalhes estão ainda por serem decifrados. nas eólicas costeiras e interiores. In: Souza, C. R. G.; Suguio,
K.; Oliveira, A. M. S. & de Oliveira, P. E. (Eds.). Quaternário do
Brasil. Ribeirão Preto: Holos Editora. p. 235-257.
KING, L. C. 1956. Geomorfologia do Brasil Oriental. Revista Brasileira
Referências bibliográficas de Geografia, 18: 147-265.
MAMEDE, L.; ROSS, J. L. S. & SANTOS, L. M. 1981. Geomor-
AB’SÁBER, A. N. 1970. Províncias geológicas e domínios morfocli- fologia. In: Brasil. Ministério das Minas e Energia. Secretaria
máticos no Brasil. Geomorfologia, São Paulo, 20: 1-26. Geral. Projeto RADAMBRASIL. Folha SC.22 Tocantins. Rio de
AB’SABER, A. 2006. O paleodeserto de Xique-Xique. Estudos Janeiro, MME/SG/RADAMBRASIL. p.197- 248. (Levanta-
Avançados, São Paulo, 20 (56): 301-308. mento de Recursos Naturais, vol. 22)
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Norte. Boletim do Instituto de Geociências/USP, 4: 1-12. do rio São Francisco. Boletim do Serviço Geológico e Mineralógico,
Rio de Janeiro, 12:1-56.

582
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
30
O paleodeserto de Xique-Xique

  
2006. O paleodeserto de Xique-Xique. No baixo-médio Vale do Rio São Francisco, diante
Estudos Avançados, São Paulo, 20 (56): da tradicional cidade sertaneja de Xique-Xique, ocorre um
301-308. grande campo de dunas quaternárias fixas que documentam
a ocorrência de climas e processos eólicos de um passado
relativamente recente. Feições elaboradas em um ambiente
muito mais árido que os cenários climáticos e fitogeográ-
ficos hoje existentes. Em trabalhos clássicos sobre o Vale
do São Francisco (Derby, Teodoro Sampaio, Luiz Flores de
Moraes Rego), foram feitas referências ocasionais sobre a
existência de dunas na região. Entretanto, era muito cedo
para se avaliar o conjunto espacial das ocorrências e reali-
zar interpretações paleoclimáticas e ecodinâmicas sobre o
conjunto do campo de dunas regionais, feições superficiais
de terrenos do Quaternário, ou de componentes da estrutura
superficial da paisagem.
No ano de 1958, em uma excursão sofrida pelo vale
do importante rio - na companhia dos companheiros Al-
vanir Figueiredo e Bernardo Issler –, ao passar pelo setor
do vale na subárea de Xique-Xique, identificamos imedia-
tamente a presença de grandes dunas fixas e a sua aparente
ordem de grandeza espacial. Observávamos de pronto que
se tratava de dunas fixadas extensiva e homogeneamente
por rasas formações herbáceas, na condição específica de
psamobioma. A cor verde mais ou menos permanente (se-
gundo informações obtidas na região) fazia grande contras-
te com as rústicas e esbranquiçadas caatingas ocorrentes no
entorno do referido campo de dunas. Um fato que hoje se
pode perceber e avaliar espacialmente utilizando imagens
de satélite em falsa cor existentes sobre a região. Devendo
ser lembrado que imagens tomadas em épocas diferentes
podem revelar os efeitos negativos de diversas atividades
humanas na região. Através de diversos documentos carto-
gráficos, desde cedo foi possível avaliar o espaço total das
velhas dunas regionais, como tendo no mínimo 6.700 qui-
lômetros quadrados de extensão, uma avaliação que de res-
to poderá ser reavaliada à custa de medidas feitas em ima-
gens da região. Graças às observações interdisciplinares,
realizadas sobre a área em diversas excursões, pudemos ter
a certeza de que se tratava de um verdadeiro erg de um
paleodeserto intemontano regional, de passado ainda incer-
to, situado em pleno Brasil Centro-Oriental. Note-se que o
corpo principal das paleodunas estende-se principalmente
desde os sopés da Serra do Estreito até a margem esquerda
do São Francisco, descaindo diretamente para o leito maior
do alongado curso d’água, de tal maneira que o rio, além de

583
cruzar as caatingas baianas interiores, cruza lateral- cientista, que, sem conhecer a região, disse que as
mente um remanescente inconfundível de desertos dunas referidas por Ab’Sáber deveriam ser apenas
localizados do passado. Nesse sentido, é possível di- pequenas acumulações de areias em praias de estia-
zer que as grandes massas de areias ali depositadas, gem do Rio São Francisco; e o pior é que tempos
e retrabalhadas por processos eólicos, foram trazidas depois de suas críticas improcedentes, ao percorrer a
de montante (rio acima), por um lento comércio de região do campo de dunas, escreveu alguns comen-
sedimentação fluvial, em um certo período do Qua- tários sobre as condições ambientais áridas das refe-
ternário Superior (Pleistoceno). Existindo na região ridas formações eólicas do passado recente. Mas não
de Camaçari, no interior colinoso do Recôncavo desfez a crítica anteriormente a nós dirigida. Para
Baiano, dois conjuntos de dunas semilitificadas, se- mim, esse fato foi motivo para muitas reflexões.
paradas entre si por uma linha de pedras bem repre- Aprendi para sempre na minha vida de pesquisador
sentativa (stone lines), pode-se pensar que as altas as bizarrias das ciumeiras. E me fixei em um conhe-
dunas fixas de Xique-Xique tenham sido geradas em cimento eticamente importante que diz respeito ao
uma das fases semiáridas do Pleistoceno Superior, fato de que a ciência metodicamente elaborada é
em momentos em que o nível geral dos mares esteve inocente e correta, mas que os cientistas, segundo as
a dezenas e dezenas de metros mais baixo. peculiaridades de seu temperamento, podem come-
Um fato que nos pareceu digno de nota foi a ter injustiças indecorosas ou interpretações lamentá-
presença de três ou quatro estreitos vales atuais, re- veis. Para compensar o incidente, tivemos o prazer
cortando espaçadamente o extenso campo de dunas. de tomar conhecimento sobre as pesquisas de um
Nas condições hidroclimáticas atualmente vigoran- ilustre sedimentólogo, visitante da Universidade de
tes no baixo-médio Vale do São Francisco, esses Recife (Jannes Markus Mabesoone, 1962 e 1984),
pequenos cursos d’água que cruzam as dunas, na que realizou metódicos estudos sobre as areias das
categoria de afluentes da margem esquerda do rio dunas de Xique-Xique.
perene, condicionados ao ritmo dos climas semiári- Em conversações com nosso colega e amigo
dos nordestinos, são dotados de drenagem intermi- fraternal Paulo Emílio Vanzolini, no momento em
tente sazonária. Foram certamente weds do passado, que estávamos perseguindo o ideário da teoria dos
transformados por mudanças climáticas em riachos redutos e refúgios, lembrei a ele a necessidade de
do sertão, dotados de estreitas vazantes laterais, bem fazer pesquisas de campo na região de Xique-Xique,
aproveitadas por limitadas atividades agrárias fami- para verificar até onde ali existiriam documentos de
liares. fauna remanescentes de outras condições ambientais
Na ocasião em que por lá passamos, encontra- e biológicas. Por coincidência, um dos orientandos
mos alguns roceiros da região, acocorados na beira de Vanzolini - Miguel Treffaut Rodrigues - foi in-
arenosa das grandes dunas, observando a circulação centivado por terceiros a realizar pesquisas de cam-
de embarcações no São Francisco; talvez à espera po na região das dunas fixadas existentes na margem
de alguma ajuda diante de um período de estiagem esquerda do Rio São Francisco, diante da cidadezi-
por demais forte e prolongado, que reduziu as ati- nha de Xique-Xique.
vidades produtivas ao longo dos pequenos e espa- As pesquisas biológicas de Miguel Rodrigues
çados córregos intradunares. Uma espera dramática, na região foram transformadas em uma tese de dou-
porque governantes municipais e estaduais nunca torado sobre os tropiduros ocorrentes ao sul da Ama-
tiveram nenhuma atenção para os pobres habitantes zônia. Em razão do bom resultado de seu primeiro
sujeitos a uma geografia humana tão sofrida. E nós trabalho, o autor elaborou pouco mais tarde um estu-
- Alvanir, Bernardo e Aziz -, jovens desamparados do (hoje de difícil consulta) sobre as várias espécies
viajando em condições deploráveis de recursos, que ocorrentes na região do campo de dunas representa-
ajuda poderíamos dar aos pobres sertanejos silencio- tivo de climas mais áridos do passado recente.
sos, viventes de um sertão tão rústico ambiental e Após o andamento dessas pesquisas biológi-
socialmente falando? cas, os estudiosos de paleoclimas quaternários, com
Depois das observações de campo realizadas a colaboração de Paulo Emílio Vanzolini, resolve-
nos fins dos anos de 1950, divulgamos no interior de ram organizar um simpósio sobre as múltiplas ques-
artigos, prefácios e palestras o resultado de nossas tões relacionadas com o campo de dunas fixas de
pesquisas pioneiras. Não abandonamos a temática Xique-Xique. Nessa ocasião, pela primeira vez foi
por anos seguidos, utilizando todas as oportunidades discutida a questão do paleodeserto regional (erg)
eventuais para a divulgação do conhecimento. Pros- de um modo mais interdisciplinar e cientificamente
seguimos no exame das feições do campo de dunas correto. De minha parte, nem mesmo pude recuperar
regional, em cartas topográficas mais recentes, em os dizeres completos da minha palestra no aludido
aerofotos e, finalmente, em imagens de satélite. simpósio, onde foi feito um trabalho de democrati-
No decorrer de tais trabalhos, tivemos o des- zação de conhecimentos, para uma pequena comuni-
prazer de receber uma crítica absurda de um ilustre dade sedenta de saberes.

584
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
30

Tantos anos passados após nossa primeira verdade, ou a crônica histórica de todo um período
excursão à região de Xique-Xique, sentimo-nos na de governo será lamentável e irrecuperável. No dia
obrigação de narrar os fatos atrás registrados. E ao em que as autoridades ambientais específicas quise-
mesmo tempo expor novas observações feitas sobre rem transformar o espaço total das velhas dunas em
a região, desta vez baseados na extraordinária do- uma área de preservação permanente terá que haver
cumentação nas imagens de satélite. No ambiente um conjunto de propostas para compensar os po-
de trabalho do Instituto de Estudos Avançados da bres roceiros das vazantes, assim como os pastores
USP, ajudados pela colaboração de estagiárias de- de bodes que estão iniciando uma nova atividade de
dicadas e culturalmente bem preparadas - Diana de consequências gravíssimas para a derruição das du-
Godoy e Elin Lutke -, fizemos a montagem de to- nas. Qualquer pessoa bem treinada em planejamento
das as pequenas quadrículas do projeto da Embrapa, poderá ofertar sugestões que conciliem o ideário de
intitulado “O Brasil visto do espaço”, conseguindo preservação integrada da região com atendimento
abranger o espaço total do campo de dunas regio- social por compensações de fácil aceitação. Por ora,
nal, desde a margem esquerda do São Francisco até é preciso que o Ministério do Meio Ambiente fique
a Serra do Estreito, barreira limitadora dos velhos mais alertado sobre a existência de um cenário fisio-
cómoros, a dez quilômetros de distância do rio. Pela gráfico e ecológico tão delicado e importante. Tinha
análise de tal documento compósito, pudemos ve- razão Dom Luiz Flávio Cappio em protestar contra
rificar que existem perigosas atividades de origem a ignorância de fatos essenciais que dizem respeito
antrópica que poderão afetar o psamo-bioma ali às limitações de uso do solo no médio-baixo Vale do
existente. Foi possível verificar cinco tipos de de- São Francisco: um rio que cruza os ecossistemas das
gradações: cicatrizes vivas de derruição das dunas caatingas sertanejas, e por acréscimo transita pelas
ao norte do conjunto; trilhas anastomosadas de trân- bordas de um paleodeserto arenoso.
sito de bodes por extensos trechos da parte oriental  
das velhas dunas regionais; derruição da periferia    
extrema do campo de dunas no piemonte oriental
da crista norte-sul da Serra do Estreito; areias ex-
postas na beirada das dunas diante do leito maior
do Rio São Francisco; e ampliação da devastação
em alguns outros vales outrora dotados de estreitas
vazantes por atividades agrárias rústicas. A intervenção
infeliz de atividades agrárias no trecho norte das dunas
tem uma história triste de conhecimentos científicos:
alguém interessado em provar uma desertificação
em processo mencionou, em um trabalho publica-
do em Brasília, que os dois subsetores de areias ex-
postas por derruição impensada seriam documentos
de um processo de aridificação atual, mal sabendo
que se tratava de reativação local de velhas dunas
de um deserto arenoso ali estabelecido em algum
momento do Quaternário. Trata-se de outro fato
que documenta a falta de documentos científicos e
a aceitação da ignorância por diligentes de órgãos
governamentais específicos. Pior do que isso tudo,
no momento em que alguns políticos e técnicos mal
preparados falam em revitalizar o São Francisco à
custa de um singelo projeto de plantas beiradeiras,
sem saber que as ameaças de açoreamento são muito
maiores do que se pensa. Convém lembrar sempre
que o campo de dunas de Xique-Xique constitui a
maior massa de areias existentes em qualquer parte
do território brasileiro. Trata-se de um ambiente do- Derruição nas bordas norte do campo de dunas em
tado de fortíssima erodibilidade, quando impactados razão da tentativa de utilização dos solos arenosos,
pela erosividade de ações antrópicas incompatíveis. anteriormente fixados por uma selva homogênea (psa-
De minha parte, ao voltar sofridamente a tratar de mobioma). Alguém não preparado afirmou que as tais
fatos referentes ao Velho Chico, quero dizer que os lesões constituíram um registro sobre desertificação
governante e políticos ou aprendem um pouco mais em processo no conjunto do Nordeste seco [Escala 1:
e ficam menos autoritários, agressivos e donos da 50.000].

585
Lesionamentos no piomonte leste da Serra do Estreito em franca progressão no campo das dunas
fósseis regionais. A oeste da Serra, em colinas com caatingas, o modelo de ocupação sertaneja com
gente em toda parte. É de se notar o múltiplo significado desse fragmento de imagem de satélite
onde existem fatos geomorfológicos, pedológicos, hidrográficos e antropogeográficos [Escala
1:50.000].

586
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber
30

Cenário de trilhas de bodes anastomosadas, na borda leste do paleocampo de dunas de Xique-


Xique. A imagem de satélite registra neste segmento a progressão dos processos inadequados de
uso do solo, ao mesmo tempo que mostra um trecho fluvioaluvial do Rio São Francisco, assim
como culturas de vazantes na estreita faixa de um vale fluente que cruza o campo de dunas [Escala
1:25.000].

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Lista de autores Ficha técnica

Mario Luis Assine Direção Editorial e Projeto Gráfico:


Andrea Bartorelli Murilo de Andrade Lima Lisboa
João José Bigarella
Paulo César Boggiani Coordenação de Revisão:
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José Bueno Conti Matias B. A. L. Lisboa
Olga Cruz Patrícia Kruger
Gerusa Maria Duarte
Silvia F. de M. Figueirôa Revisão Bibliográfica:
Ana Maria Medeiros Furtado Carolina Von Zuben
May Christine Modenesi-Gauttieri Dione Seripierri
Carlos H. Grohmann Maria Aparecida Bezerra Ayello
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Julio Roberto Katinsky Escaneamento e cotejo:
Betty J. Meggers Acauam Oliveira
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Antonio G. Pires-Neto João Paulo Pinheiro Paiva
José Pereira de Queiroz-Neto Jonas B. A. L. Lisboa
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Lucy G. Sant’Anna Digitação:
Dirce Maria Antunes Suertegaray Nair Fernandes
Michael F. Thomas Dany Maciel
Paulo Emílio Vanzolini
Roberto Verdum Diagramação:
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Thiago Chagas

Revisão:
Carolina von Zuben
Eliane Maria Rosenberg Colorni
Lígia Fernandes de Azevedo
Marcelo Silva Souza
Márcia Abreu
Patrícia Kruger
Paula Maciel Barbosa
Vinicius Marques Pastorelli

Fotos, preparação de imagem, acabamento de imagens:


Thiago Chagas

Produção de VT
Vídeos Guaiamum
Edição de VT - Bruno T. Fraga

Acompanhamento gráfico e fotografia da contracapa:


Marcelo Lerner

Digitalização do DVD e programação:


Diego Teixeira Marcos Sousa
Murilo de A. L. Lisboa

Programação multimídia:
Diego Teixeira Marcos Sousa

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