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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Ana Pessoa | Douglas Fasolato (Orgs.)

Jardins históricos
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

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Jardins históricos

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Ana Pessoa | Douglas Fasolato


(Orgs.)

Jardins históricos
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

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Jardins históricos

D A D O S INT E RN A CI O N A IS P A R A C ATA L O G A Ç Ã O N A P U B L IC A Ç Ã O ( CI P )

Jardins históricos: intervenção e valorização do patrimônio paisagístico/ Organização de Ana Pessoa, Douglas
Fasolato -- Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2016.
359 p.: il.

ISBN: 978-85-7004-349-8
I. Jardins históricos. 2. Conservação histórica 3. Gestores de jardins. 4. Fundação Casa de Rui Barbosa. 5. Fundação
Museu Mariano Procópio I. Pessoa, Ana, II. Fasolato, Douglas. org. V. Título.

CDD 712.0288

Fundação Casa de Rui Barbosa


Presidente |Marta de Senna
Diretor Executivo | Ricardo Calmon
Diretor do Centro de Pesquisa | Antonio Herculano Lopes
Diretor do Centro de Memória e Informação | Ana Ligia Medeiros
Coordenador-Geral de Planejamento e Administração | Ronaldo Leite Pacheco Amaral
Chefe do Setor de História | Joelle Rouchou
Chefe do Setor de Editoração | Benjamin Albagli Neto

Projeto Editorial: Grupo de Trabalho Gestores de Jardins Históricos | Projeto gráfico e diagramação: Rubens de Andrade
Arte da Capa: Angelo Venosa | Fotos da abertura de capítulos: Rubens de Andrade

Organização | Coordenação| Parceiros

PAISAGENS

Todos os direitos desta edição são reservados a Fundação Casa de Rui Barbosa e aos autores. Nenhuma parte desta
obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônicos ou mecânicos, incluindo fotocopias e
gravação) ou arquivada em qualquer sistema de banco de dados sem permissão escrita do editor.
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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Ana Pessoa | Douglas Fasolato


(Orgs.)

Jardins históricos
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Rio de janeiro
2016
1a. Edição

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Jardins históricos

realização
Fundação Casa de Rui Barbosa
Fundação Museu Mariano Procópio
Grupo de Pesquisas História do Paisagismo | GPHP-EBA|UFRJ
Grupo de Pesquisas Paisagens Híbridas | GPPH-EBA/UFRJ

cOORDENADORES
Drᵃ. Ana Pessoa| Fundação Casa de Rui Barbosa
Douglas Fasolato | Fundação Museu Mariano Procópio

cOMITÊ DO ORGANIZADOR
Drᵃ. Ana Pessoa| Fundação Casa de Rui Barbosa
Douglas Fasolato | Fundação Museu Mariano Procópio Prof. Dr. Carlos Terra | Grupo de
Pesquisas História do Paisagismo| GPHP - EBA/UFRJ
Dra. Isabelle Cury | IPHAN/RJ
Prof. Dr. Rubens de Andrade | Grupo de Pesquisas Paisagens Híbridas - EBA/UFRJ

cOMITÊ CIENTÍFICO
Prof. Dr. Alfredo Benassi | Universidade Nacional de La Plata (Argentina)
Prof. Dr. Carlos Terra | Grupo de Pesquisas História do Paisagismo| GPHP - EBA/UFRJ
Prof. Dra. Cristiane Magalhães | Doutora em História IFCH/UNICAMP.
Prof. Dr David Raphael |Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU/UFRJ,
Prof. Dr. Flávio Leonel Abreu da Silveira | Universidade Federal do Pará
Prof. Dra. Flávia Braga | Escola de Arquitetura Urbanismo - Universidade Federal Fluminense
Prof. Dr. Guilherme Figueiredo| Escola de Arquitetura e Urbanismo – UFF,
Prof. Dra. Jackeline Macedo | Grupo de Pesquisas Paisagens Híbridas - EBA/UFRJ
Prof. Dra. Jane Santucci |Escola de Belas Artes/UFRJ
Prof. Dr. Jorge Azevedo | Escola de Arquitetura Urbanismo - Universidade Federal Fluminense
Profa. Dra. Jeanne Trindade | Universidade Estácio de Sá – GPHP - EBA/UFRJ
Profa. Dra. Karla Caser | Universidade Federal do Espírito Santo
Prof. Dr. Marcelo Vianna| UERJ
Profa. Dra. Maria Elisa Feghali | Escola de Belas Artes/UFRJ
Profa. Dra. Maria José Marcondes | Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas
Prof. Dr. Rubens de Andrade| Escola de Belas Artes/UFRJ
Profa. Dra. Virgínia Vasconcellos | Escola de Belas Artes/UFRJ

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Sumário

11 APRESENTAÇÃO

21 EIXO TEMÁTICO I
O lugar do jardim histórico na paisagem brasileira: perspectivas
socioculturais e patrimoniais

45 Os Jardins Históricos como Patrimônio Cultural Brasileiro: trajetórias


Cristiane Maria Magalhães

59 Praça Dr. Jorge, Lavra, MG: A Salvaguarda do Patrimônio Paisagístico


Alessandra T. da Silva | Nelson Venturin | Marcus Paulus G. Passos

24 Museu Casa de Rui Barbosa: o jardim como coleção de memória


Maria Teresa Silveira | Helena Uzeda

75 As ações de modernização urbana e a preservação do patrimônio de Maceió: reflexões sobre


o jardim público do Jaraguá
Tharcila Maria Soares | Leão J. Omena Passos

87 Vale dos Contos em Ouro Preto: a proposta de Jorge Askar em 1981


Karolyna de Koppke

105 O Passeio Público guarda uma memória como origem do jardim público e da arborização
urbana em Salvador da Bahia
Maria Ângela Barreiros Cardoso | Arilda Maria Cardoso | Maria Lucia A.M. Carvalho

121 RESGATE HISTÓRICO DE PRAÇAS E JARDINS DE CIDADES HISTÓRICAS DA ESTRADA


REAL: SÃO JOÃO DEL REI – MG - PRAÇA DOUTOR SALATIEL
Nayhara Camila Andrade | Amanda B. Teixeira | Schirley Fátima Nogueira da Silva Cavalcante Alves

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Jardins históricos

135 A contribuição do parque Mariano Procópio para a memória de Juiz de Fora: um estudo
sociocultural
Guilherme N. Ragone

147 RESGATE HISTÓRICO DE PRAÇAS E JARDINS DE CIDADES HISTÓRICAS DA ESTRADA REAL:


SÃO JOÃO DEL REI-MG- PRAÇA PAULO TEIXEIRA
Amanda Burgarelli Teixeira | Nayhara Camila Andrade | Schirley Fátima Nogueira da Silva Cavalcante Alves

161 A morada de Vênus: o jardim


Francislei L. da Silva |Bruna F. Pereira

177 Da praça ao jardim: os espaços públicos do Recife no século XIX


Aline de Figueirôa Silva

197 Passeio de Copacabana o limite do discurso do Jardim Moderno de Roberto Burle


Marx na Paisagem Cultural Carioca
Alda de Azevedo | Ferreira e Fernando Ono

213 Eixo Temático II


Processos de gestão de jardins históricos e espaços paisagísticos na cidade
contemporânea

215 Formação da mata do Krambeck e do jardim botânico da Universidade Federal de Juiz de


Fora/MG – Lucas Cruz
Lucas Cruz | Frederico Braida | Antonio Colchete

231 O lugar do jardim histórico na paisagem brasileira: perspectivas socioculturais e patrimoniais


Fernanda Matoso Miranda Lins Gouveia

245 Projeto de reforma para a praça Senador Salgado Filho


Claudia Brack

259 Desafios de gestão econômica e técnica dos jardins do Parque São Clemente
Luiz Folly Dutra e Vanessa C. Melnixenco

269 De Beuys ao Jardim da Tia Neuma: paisagens de arte, educação e política na cidade
contemporâneo
Isabela Frade | Daniele Alves e Clarice Rangel

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

281 O jardineiro e a gestão dos jardins tombados de Burle Marx no Recife


Ana Rita Sá C. Ribeiro | Wilson de B. Feitosa Jr.| Joelmir Marques da Silva | Lucia Maria de Siqueira Cavalcanti
Veras.

295 PELA MEMÓRIA E PATRIMÔNIO: O MUSEU MARIANO PROCÓPIO COMO ESPAÇO CULTURAL E PAISAGÍSTICO
EM JUIZ DE FORA/MG
Raquel Portes |Ana Barbosa, Fabio Lima | Laura Leão

317 Eixo Temático III


Tecnologias aplicadas a manutenção e preservação do patrimônio
paisagístico

319 Identificando e valorizando e patrimônio paisagístico modernista da Fiocruz - o caso do


jardim do Pavilhão Arthur Neiva
Inês El-Jaick Andrade

333 O Parque Botânico do Ecomuseu Ilha Grande: planejamento e implantação


Marcelo Dias Machado Vianna Filho | Carla Y’ Gubáu Manão | Marcelo Fraga Castilhori | Cátia Henriques Callado

347 LOS JARDINES DEL PALACIO SERVENTE SEDE DEL CONSERVATORIO PROVINCIAL DE MÚSICA GILARDO
GILARDI DE LA PLATA BUENOS AIRES ARGENTINA
Alfredo H. Benassi

355 Autores

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Jardins históricos

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Apresentação

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Jardins históricos

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

E
sta publicação digital reúne as comunicações
apresentadas por ocasião do V Encontro
de Gestores de Jardins Históricos, voltado
para a promoção de estudos e análises sobre a
gestão, preservação e proteção de jardins no Brasil.
Iniciado em 2010, o evento já se consolidou como
um importante fórum de divulgação e debate das
pesquisas acadêmicas e das iniciativas de proteção
patrimonial em curso.
A edição de 2016, realizada nos dias 30 de
novembro e 1º de dezembro, no auditório da Fundação
Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro é uma promoção
da Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), Fundação
Museu Mariano Procópio e Escola de Belas-Artes/
UFRJ, com o apoio do IPHAN, do Grupo de Pesquisas
Paisagens Híbridas (EBA/UFRJ), do Grupo de Pesquisas
História do Paisagismo (EBA/UFRJ), e do ICOMOS.

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Jardins históricos

O comitê organizador desta edição é integrado pelos pesquisadores Ana Pessoa (FCRB),
Douglas Fasolato (Fundação Museu Mariano Procópio/Museu Mariano Procópio), Carlos Terra (Grupo
de Pesquisas História do Paisagismo - EBA/UFRJ), Isabelle Cury (IPHAN) e Rubens de Andrade (Paisagens
Híbridas - EBA/UFRJ), com a colaboração da bolsista Alyne Reis (FCRB).
As comunicações foram convocadas segundo três eixos temáticos:
a) O lugar do jardim histórico na paisagem brasileira: perspectivas socioculturais e patrimoniais;

b) Processos de gestão de jardins históricos e espaços paisagísticos na cidade contemporânea e;

c) Tecnologias aplicadas à manutenção e preservação do patrimônio paisagístico.

Como resposta à convocatória, foram recebidos vinte e quatro artigos, procedentes de cinco
estados – Rio de Janeiro, Minas Gerais, Alagoas, Bahia e Pernambuco, além de uma contribuição da
Argentina. Após análise, as comunicações selecionadas foram distribuídas em sessões que, juntamente
com duas mesas-redondas e uma conferência, perfazem a grade dos dois dias de programação,
Os trabalhos foram avaliados por comissão cientifica, integrada por 18 professores de
diferentes universidades brasileiras: prof. Dr. Alfredo Horácio Benassi| Universidade Nacional de La Plata
– Argentina, prof. Dr. Carlos Terra | Escola de Belas Artes/UFRJ, Prof. Dr David Raphael Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo – FAU/UFRJ, Prof. Dr. Flávio Leonel Abreu da Silveira | Universidade Federal
do Pará, Prof. Dr. Guilherme Figueiredo| Escola de Arquitetura e Urbanismo – UFF, Prof. Dr. Leonardo
Moreira | Universidad de la República - Regional Este – CURE/Uruguai, Prof. Dr.Marcelo Vianna| UERJ,
Prof. Dr. Rubens de Andrade| Escola de Belas Artes/UFRJ, Profa. Dra. Cristiane Magalhães. Profa. Dra.
Flávia Braga | Escola de Arquitetura e Urbanismo – UFF, Profa. Dra. Jackeline de Macedo| Grupo de
Pesquisas Paisagens Híbridas – EBA/UFRJ, Profa. Dra. Jane Santucci| Escola de Belas Artes/UFRJ, Profa.
Dra. Jeanne Trindade | Universidade Estácio de Sá – UNESA, Profa. Dra. Jorge Baptista de Azevedo|
Escola de Arquitetura e Urbanismo – UFF, Profa. Dra. Karla Caser| Universidade Federal do Espirito Santo
– UFES, Profa. Dra. Maria Elisa Feghali Escola de Belas Artes/UFRJ, Profa. Dra. Maria José Marcondes |
ECA-USP, Profa. Dra. Virgínia Maria Nogueira Vasconcelos | Escola de Belas Artes/UFRJ.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

O tema O lugar do jardim histórico na paisagem brasileira: perspectivas socioculturais e


patrimoniais é o eixo de três sessões. Na primeira, são apresentadas abordagens e reflexões sobre a
evolução histórica e social da Praça Dr. Jorge, em Lavras (MG); a utilização e os benefícios gerados para
os usuários do jardim do Museu Casa de Rui Barbosa (RJ); as ações de modernização e preservação do
jardim público de Jaraguá, em Maceió (AL) e, por fim, reflexões sobre a prática de salvaguarda dos Jardins
Históricos, em diálogo com as normativas preservacionistas do Patrimônio Cultural no Brasil.
Na segunda mesa, são comentadas a revisão do projeto de 1981 do arquiteto mineiro Jorge
Abdo Askar para requalificação paisagística do vale de Ouro Preto (MG); a implantação das primeiras
áreas paisagísticas — Horto Botânico, o Passeio Público e o Campo Grande de São Pedro, em Salvador
(BA), e a evolução histórica, paisagística e arquitetônica do Complexo do Museu Mariano Procópio, em
Juiz de Fora.
Na terceira mesa são apresentados estudos sobre a evolução sociocultural e paisagístico da
Praça Doutor Salatiel, em São João del Rei, situada na Estrada Real; sobre a trajetória da estátua da deusa
Vênus em jardim da estância hidromineral de Caxambu; os espaços públicos de Recife ajardinados a
partir da década de 1870, com ênfase na nomenclatura, edificações adjacentes e aspectos funcionais e
projetuais; e o passeio de Copacabana, enquanto marco na trajetória projetual de Burle Marx.
O tema “Processos de gestão de jardins históricos e espaços paisagísticos na cidade
contemporânea” ocupa outras três sessões. Na primeira, são apresentados estudos sobre a trajetória da
área denominada Mata do Krambeck, que engloba uma Área de Proteção Ambiental e o Jardim Botânico
da UFJF; o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, suas transformações e significado patrimonial; a elaboração
do projeto de restauração da Praça Senador Salgado Filho, um dos primeiros projetos de Roberto Burle
Marx para áreas públicas no Rio de Janeiro, e a proposta de lei de proteção municipal para o jardim do
Museu Mariano Procópio.
Na segunda mesa, são abordados os atuais desafios na gestão do Parque São Clemente, do
Nova Friburgo Country Clube; o projeto universitário Jardim de Tia Neuma, desenvolvido na Mangueira,
que envolveu o cultivo de jardim; e estudo sobre o jardineiro, sua formação e seu desempenho em

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Jardins históricos

jardins públicos e a relação com a gestão da conservação de um jardim histórico na cidade do Recife.
Por fim, na terceira mesa, serão apresentados os estudos sobre o jardim modernista que integra o
Pavilhão Arthur Neiva, da Fiocruz; as atividades científicas e de preservação em desenvolvimento no
Parque Botânico e no Ecomuseu da Ilha Grande, e a atuação do paisagista Alfredo H. Benassi dos jardins
do Palácio Servente, construído em 1934, na cidade de La Plata, Argentina, restaurado em 2002, para
abrigar um conservatório de música.
O conjunto das comunicações oferece um amplo panorama sobre a atualidade dos estudos
acadêmicos e das ações de gestão dos jardins históricos, segundo diferentes estratégicas e perspectivas
metodológicas. Essa produção confirma o crescente reconhecimento do valor histórico e cultural do
patrimônio natural, e o engajamento de vários profissionais e instituições por sua preservação.

Comissão organizadora

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

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Jardins históricos

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

EIXO TEMÁTICO I
O lugar do jardim histórico na paisagem brasileira:
perspectivas socioculturais e patrimoniais

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Jardins históricos

A proposta deste texto é refletir sobre a prática de salvaguarda


dos Jardins Históricos em diálogo com as normativas
preservacionistas do Patrimônio Cultural no Brasil. Para tanto,
apresentaremos como foram construídos os percursos para a
proteção dos Jardins Históricos pelo órgão federal de preservação
do patrimônio cultural brasileiro, o IPHAN. Ao longo do texto
mostramos como os Jardins Históricos, uma das categorias do
Patrimônio Paisagístico brasileiro, constituiu-se como carro chefe
quando da criação do Departamento de Patrimônio Natural
dentro do quadro burocrático e organizacional da SPHAN/
próMemória, na década de 1980 .

Palavras-chave: jardins históricos; patrimônio cultural; jardins e


paisagens; IPHAN.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Os Jardins Históricos como Patrimônio Cultural


Brasileiro: trajetórias1
Cristiane Maria Magalhães

Nós que temos sobre a terra um tempo limitado, encontra-


mos nos jardins sítios onde o tempo para, refúgios onde o
tempo sem idade parece infinito.2

I
nicio este artigo com uma fala do professor Nestor
Goulart Filho, durante 23ª reunião do Conselho Con-
sultivo do Patrimônio ocorrida no dia 10 de agosto
de 2000. Como Conselheiro do Patrimônio, Nestor
Goulart Filho esboçou questionamentos bastante per-
tinentes, na ocasião do tombamento do Jardim da Luz,
em São Paulo, e do Sítio do paisagista Roberto Burle
Marx (1909-1994), no Rio de Janeiro, a respeito da
preservação dos jardins históricos no Brasil. Transcre-
vemos sua fala:

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Jardins históricos

Endosso os comentários elogiosos, mas fica uma dúvida, não sobre a ideia de um tombamento em conjunto,
que me parece perfeita. A minha dúvida é de caráter técnico. É mais do que uma dúvida, é uma pergunta,
mas reflete uma dúvida muito grande. Nós tombamos a casa, os quadros, os objetos e o ambiente, que
daqui a cem anos certamente estarão lá [do Sítio de Roberto Burle Marx]. Uma parte que não vi explicitada,
talvez esteja implícita e eu não entenda, é exatamente o jardim. Mais de uma vez temos falado em jardins
e tombamento de jardins. Hoje tombamos o Jardim da Luz, em São Paulo, e não me ocorreu naquela hora
a dúvida: qual Jardim da Luz tombamos? O CONDEPHAAT tombou o Bosque dos Jequitibás, em Campinas,
e perguntei: quais jequitibás? Ninguém quis responder porque daria trabalho, custaria dinheiro; ninguém
quis fazer o inventário das árvores que lá estavam. Um colega nosso considera o Parque Siqueira Campos,
em São Paulo, como um remanescente da imensa floresta que existira na Avenida Paulista. Entretanto,
conhecedores dizem que não há ali um só exemplar das espécies originais. A pergunta é a seguinte:
quando vamos começar a tombar jardins no Brasil com conhecimento de causa e controle técnico? (...)
O jardim é uma coisa muito fácil de comer pelas bordas. Então, qual é a garantia de que o jardim do
Burle Marx terá a mesma forma, passados cinquenta anos. Não sei como se procede, é realmente uma
pergunta. Temos um registro, alguém vai acompanhar a sua manutenção?.2 Grifos nossos.

Esta fala registrada na Ata do Conselho Consultivo é bastante elucidativa e revela-nos que ainda em
2000 os próprios Conselheiros não sabiam que tratamento dar aos jardins salvaguardados como patrimônio
cultural brasileiro, como se inexistisse uma tratadística internacional, bem como práticas nacionais dentro
do próprio Instituto para o inventário, a proteção e manutenção desta tipologia de bens. A inquietação de
Nestor Goulart Filho, na ocasião, trata de uma preocupação que permanece latente. Em se tratando de
jardins como patrimônio cultural, qual jardim estamos tombando? Com quais critérios e controles técnicos?
Quais valores dos jardins e das paisagens culturais estamos protegendo e legando ao futuro?
No intuito de sanar deficiências como estas explicitadas na fala do prof. Nestor Goulart Filho,
em de outubro de 2010 realizou-se, na cidade de Juiz de Fora, o I Encontro Nacional de Gestores de
Jardins Históricos organizado conjuntamente pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN), pela Fundação Museu Mariano Procópio (MAPRO) e pela Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB).
Neste encontro foi redigida a Carta dos Jardins Históricos Brasileiros, dita Carta de Juiz de Fora, publicada
integralmente no Encontro do Gestores de Jardins Históricos realizado em 2011. Acontece em 2016 a quinta
edição deste importante e bem sucedido encontro bianual.
De acordo com a referida Carta dos Jardins Históricos Brasileiros, as indicações constantes
do seu texto traduzem para a realidade brasileira a Carta de Florença (1981), destinando-se a técnicos
e administradores de órgãos culturais federais, estaduais e municipais, além de profissionais envolvidos
na preservação do patrimônio cultural, empresas de restauração e proprietários e usuários de jardins
submetidos a qualquer forma de proteção cultural, entre outros. A abordagem da Carta enfoca os sítios

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

caracterizados como jardins históricos, incluindo seus entornos3. Esta Carta ampliou o entendimento das
tipologias de bens que podem ser considerados como jardins históricos no Brasil:
Para efeito desta Carta, considera-se Jardim Histórico os sítios e paisagens agenciados pelo homem
como, por exemplo, jardins botânicos, praças, parques, largos, passeios públicos, alamedas,
hortos, pomares, quintais e jardins privados e jardins de tradição familiar. Além desses, jardins
zoológicos, claustros, pomares, hortas, cultivos rurais, cemitérios, vias arborizadas de centros
históricos, espaços verdes circundantes de monumentos ou de centros históricos urbanos, áreas
livres e espaços abertos em meio à malha urbana, entre outros4.

A Carta enfatiza que um jardim histórico não é um campo de experimentações onde especialistas
devam intervir favorecendo o objeto de suas pesquisas, nem um palanque no qual políticos exerçam
atividades eleitoreiras à custa de sua identidade, integridade e autenticidade, deve ser considerado e
administrado como um bem cultural (2010, p.3). De igual modo, a Carta de Florença já preconizava que um
jardim histórico deveria ser entendido como monumento (1981).
A compreensão dos jardins históricos como bens e sítios detentores de histórias e de memórias
que poderiam ser narradas, portanto, como processo cultural, está explícito no Art. 2 da Carta:
Os jardins históricos são um rico testemunho da relação entre a cultura e a natureza, testemunho
que se preserva no caráter das intervenções realizadas no local e na salvaguarda do espírito
do lugar. Preservá-los não se trata apenas de cuidar de um legado do passado, mas de criar
condições para novos bens que irão enriquecer a herança do futuro. Os jardins históricos são
boas referências de como se resume e se concentra a relação do homem urbano com o meio
natural. Cada vez mais ameaçados os jardins, urge que sejam defendidos, sob orientação dos
órgãos culturais especializados, segundo condições, normas, diretrizes e critérios específicos5.
Grifo nosso.

O gênio do lugar, do qual nos fala Alain Roger6, o espírito do lugar, referido na Carta de Foz do
Iguaçu (2008), ou ainda, o spiritu loci, da Declaração de Quebec (2008), dizem respeito aos valores tangíveis
(sítios, edifícios, paisagens, rotas, objetos) e intangíveis (memórias, narrativas, documentos escritos,
festivais, comemorações, rituais, conhecimento tradicional, valores, texturas, cores, odores, etc.) dos
monumentos e dos sítios. Estas normativas reconhecem o valor espiritual dos lugares (memória, crenças,
ligação ao lugar) assim como o conhecimento tradicional das comunidades locais, guardiãs destes valores,
no manejo e preservação destes monumentos e sítios. Em vez de separar o espírito do lugar, o intangível do
tangível e considerá‐los como antagônicos entre si, investigamos as muitas maneiras dos dois interagirem
e se construírem mutuamente, afirmou a Declaração de Quebec. Para esta Declaração, o espírito do lugar é

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Jardins históricos

construído por vários atores sociais, seus arquitetos e gestores, bem como seus usuários que contribuem
ativamente e em conjunto para dar‐lhe um sentido. Numa abordagem dinâmica, o espírito do lugar, como
um conceito relacional assume, ao longo do tempo, um caráter plural e dinâmico capaz de possuir múltiplos
sentidos e peculiaridades de mudança, e de pertencer a grupos diversos7.
É a compreensão do espírito do lugar que oferece uma visão mais abrangente do caráter vivo e, ao
mesmo tempo, permanente de monumentos, dos jardins dos sítios e das paisagens culturais. No entanto,
o espírito do lugarao qual nos referimos neste trabalho é, sobretudo, uma construção cultural e de época.
Se Stendhal não tivesse levado dentro de si um desejo, uma expectativa, uma construção mental e um
parâmetro de arte e do belo quando dirigiu-se à espetacular Florença, jamais teria aquele arrebatamento
tão primorosamente descrito e nomeado de síndrome da sobredose de beleza: absorto na contemplação de
tão sublime beleza, atingi o ponto no qual me deparei com sensações celestiais. Tive palpitações, minha vida
parecia estar sendo drenada8. Esta analogia é semelhante à capacidade de ver e dar sentido aos nevoeiros
referenciados por Oscar Wilde9. De igual forma, aqui no Brasil, nossa percepção e leitura ao visualizarmos
uma palmeira do tipo Buriti (Mauritia flexuosa), será permeada pela aura criada na narrativa incrível de
Guimarães Rosa e os seus Grandes Sertões: Veredas. Com qualquer bem do patrimônio cultural o processo
é semelhante. É preciso dar a ver e construir significados.
Portanto, o que queremos dizer com esta introdução é que à proteção dos jardins e das paisagens
haverá sempre uma ligação espiritual que é tão individual, íntima e pessoal que dificilmente conseguiremos
captá-la e enquadrá-la teórica e legalmente. Contudo, as normativas e a legislação patrimonial proporcionam
parâmetros que definem e direcionam as práticas preservacionistas. No item a seguir veremos como se
construiu a práxis de preservação de jardins históricos no Brasil.

O IPHAN E A PROTEÇÃO AOS JARDINS NO BRASIL


A preservação e a leitura dos jardins históricos no Brasil como bens do patrimônio paisagístico de
acordo com os parâmetros internacionais de proteção são datadas, aconteceu após a publicação da Carta
de Florença (1981) e da criação da Coordenadoria de Patrimônio Natural na estrutura administrativa do
IPHAN. É necessário, no entanto, que se faça uma ressalva. Anteriormente à década de 1980 jardins foram
salvaguardados pelo IPHAN, porém, preservados e restaurados com entendimentos distintos, como veremos
no decorrer deste item. Como é de conhecimento comum, a ampliação das discussões sobre Patrimônio
Cultural e Patrimônio Natural, nas décadas de 1960-70, foi consolidada dentro do órgão de preservação
federal na década de 1980 abarcando o entendimento de paisagens, nomeadamente sob a direção do

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

pernambucano Aloísio Magalhães (1927-1982), na direção da Fundação Nacional Pró-Memória10. Neste


bojo ocorreram discussões sobre a preservação dos jardins e das paisagens naturais e culturais.
Aloísio Magalhães levou para o órgão conceitos inovadores como, por exemplo, o de Itinerário
Cultural. No seu entendimento, devia-se superar o velho critério de pedra e cal, que havia predominado
durante muito tempo no tratamento ao patrimônio histórico e artístico, assim, “o curso de um rio pode
ser tombado da mesma forma que uma igreja ou um velho sobrado”11. Umas das ampliações promovidas
pela Fundação Pró-Memória foi a de incitar as discussões e organizar, burocraticamente, questões relativas
ao Patrimônio Natural e Paisagístico brasileiro. Podemos afirmar que é neste período, ou seja, a partir de
1979 e mais fortemente ao longo da década de 1980, que efetivamente os temas do patrimônio natural
e do paisagístico entraram na pauta das ações preservacionistas do órgão federal brasileiro, assim como
aconteceu com o arqueológico.
A Coordenadoria Geral de Patrimônio Natural foi criada pela Determinação nº 143, de 30 de
janeiro de 1986, a partir da reestruturação da instituição. A Coordenadoria esteve vinculada à Diretoria
Executiva da Fundação Nacional Pró-Memória, assim como foram criadas outras doze Coordenadorias
distintas. Estas coordenadorias reestruturam a organização técnica da SPHAN/Pró-memória, que até então
tinha uma estrutura profissional reduzida às seções de tombamentos, pesquisas e restauros, compostas
majoritariamente por arquitetos.
Deste modo, podemos afirmar que é no contexto da SPHAN (Secretaria), na condição de órgão
normativo, e da Fundação Nacional Pró-Memória (FNpM), como órgão executivo (entre 1979 e 1990) que
o patrimônio natural e o paisagístico receberiam cuidados especiais e uma Coordenadoria própria dentro
do quadro administrativo do órgão de preservação federal de forma vanguardista. E também, por extensão,
os jardins puderam ser protegidos e restaurados com critérios distintos daqueles que abrangiam os bens
do patrimônio material, ou seja, as edificações de pedra e cal. A criação desta Coordenadoria insere-se nas
ampliações do quadro técnico e conceituais promovidos por Aloísio Magalhães.
No entanto, a história de criação desta Coordenadoria precede a sua absorção pelo IPHAN. Em
1977, o arquiteto-engenheiro Carlos Fernando de Moura Delphim e Ângela Trezinari Bernardes Quintão,
ambos da Fundação de Amparo à Pesquisa da Universidade de Lavras, foram contratados pelo antigo IBDF
(Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal), atual IBAMA, para realizar o “Plano Geral de Orientação
para a área do Jardim Botânico do Rio de Janeiro”, finalizado em 1980 . É o próprio Carlos Delphim quem
narra o período de transição entre Lavras e o Rio de Janeiro:

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Jardins históricos

Contratado em 1977 pelo então IBDF, hoje IBAMA, para restaurar o Jardim Botânico do Rio de
Janeiro, logo tratei de percorrer toda a área, levantar todos seus aspectos físicos e territoriais,
conhecer todo seu acervos e coleções vivas entrevistando funcionários, levantando documentos
em arquivos e bibliotecas. Compreendia que restaurar o Jardim Botânico era restaurar um corpo
vivo que não podia ser fraccionado. Intrigou-me a questão fundiária. Por que tanta edificação
com finalidades totalmente alheias aos propósitos de uma instituição científica dentro de sua
área?
Preparei um Plano de Orientação para a Área do Jardim Botânico do Rio de Janeiro com uma
análise, diagnóstico e recomendações mais urgentes para a defesa da integridade do sítio. Um
item de vital importância, a reintegração das áreas dissociadas. Outro, a recuperação de áreas
degradadas, que incluíra a restauração de imóveis históricos . Grifo nosso.13

O Jardim Botânico do Rio de Janeiro era uma unidade do então IBDF/Ministério da Agricultura do
qual, entre 1983-85, Carlos Alberto Ribeiro de Xavier foi diretor. Durante a gestão de Carlos Xavier, como
Diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Carlos Delphim considera que o grupo obteve mais respaldo
para trabalhar. Além de Unidade de Conservação, o Jardim Botânico era, também, um bem patrimonial
tombado pela SPHAN/Pró-memória, desde 1938, e necessitava de autorização e acompanhamento desta
instituição para o seu restauro.
Em 1983, Carlos Xavier contratou uma equipe com a finalidade de promover os estudos necessários
à averiguação de aspectos técnicos e jurídicos sobre a área do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, com o
objetivo de produzir um documento capaz de orientar o Plano Diretor do Jardim Botânico, que se juntaria
a Carlos Fernando Delphim. O grupo organizado dentro do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), entre
1983 e 1986, era formado por Marta Queiroga Amoroso Anastácio, Eloísa Carrera e Carlos Xavier. A equipe
tinha Carlos Delphim como Chefe do Grupo de Restauro. O Grupo do JBRJ organizou o documento Plano
Geral de Orientação para a área do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) que motivou a celebração do
convênio entre o Ministério da Agricultura (IBDF/JBRJ) e a Secretaria de Planejamento da Presidência da
República (SEPLAN), por meio do PCH (Plano Cidades Históricas) para o restauro e o levantamento de uma
série de dados sobre o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. O trabalho foi a base para uma metodologia de
manejo, manutenção e conservação de jardins históricos no Brasil de forma pioneira14 e embrionária.
Durante a década de 1980 diversas ações foram realizadas no Rio de Janeiro para restaurar e
recuperar o patrimônio paisagístico, principalmente aqueles bens em que a mão do homem tinha interagido
com a natureza. Entre os bens de “beleza paisagística” os jardins históricos foram os privilegiados pelas
ações da Coordenadoria de Patrimônio Natural.

26
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Em 1986 o grupo técnico de pesquisadores da JBRJ foi absorvido pela FNpM para constituir a recém
criada Coordenadoria de Patrimônio Natural (1985-1990) dentro da estrutura da Coordenadoria Geral de
Preservação de Bens Culturais e Naturais formando um quadro técnico especializado no tratamento com
o Patrimônio Paisagístico, fosse ele natural ou cultural. Carlos Alberto Xavier era o coordenador do grupo
e tornou-se o diretor do Programa de Proteção ao Patrimônio Natural da FNpM até 1990, quando a FNpM
foi extinta. Carlos Delphim era o Coordenador do Programa. Anteriormente a este período, as resoluções
técnicas sobre os bens do Patrimônio Paisagístico eram feitas pelos arquitetos do órgão, que cuidavam,
de igual forma, do patrimônio edificado e dos bens móveis e integrados. Nas décadas iniciais da SPHAN, o
arquiteto Lúcio Costa (1902-1998) emitiu diversos pareceres que incluía o patrimônio paisagístico, na maior
parte dos casos privilegiando o edificado, assim como aconteceu com o arquiteto Augusto Carlos da Silva
Telles (1923-2012) a partir da sua admissão no órgão como diretor de Conservação e Restauração (entre
1957 e 1988).
Em uma longa entrevista transcrita e publicada no Boletim SPHAN/próMemória, nº 40 de março/
abril de 1988, Carlos Delphim esclareceu diversas dúvidas da época sobre o tratamento dedicado à temática
pelo órgão. A chamada da entrevistada anunciava: Um dos temas mais recentes tratados pela SPHAN/
próMemória e também um dos mais apaixonantes, a preservação do patrimônio natural é uma questão
alusiva à cultura e à existência do homem15. Na continuidade, a chamada da matéria reafirmava a novidade
da temática dentro do órgão de preservação federal. Quando questionado sobre a preocupação histórica do
SPHAN com o patrimônio edificado naqueles últimos 50 anos em detrimento ao patrimônio natural, Carlos
Delphim respondeu que apenas recentemente no Brasil, e no mundo, a questão do patrimônio paisagístico
tinha surgido e que por esta razão, inadvertidamente, a visão que a instituição tinha da paisagem – já nem
citando o patrimônio natural – excluía a compreensão sistêmica do conjunto e da interdependência dos
elementos que a compunham. Somente em datas próximas àquela (1988) haviam começado a questionar
o aspecto ecológico e ambiental dos conjuntos paisagísticos. Outro fator ressaltado foi que logo após o
Decreto Lei 25/1937, vários atos legais criando órgãos e normas específicas para os diferentes aspectos do
“Patrimônio Natural” tinha desobrigado o SPHAN investir mais naquela área16[Código Florestal, etc.].
O entrevistado enfatizou que até aquela data (março 1988), apenas 68 bens dos quase mil tombados
pelo IPHAN eram relativos ao patrimônio natural e que, destes, três grupos podiam ser considerados bens
naturais propriamente ditos, mesmo assim, por causa de uma certa relação com a arqueologia. Uma das
questões colocadas para Delphim foi a respeito do tratamento dispensado aos jardins históricos e quais
experiências ele destacaria:

27
Jardins históricos

Os jardins são como modelos em miniatura da Natureza, reduzida pela mão do homem a uma
escola compreensível para todos e sobre os quais atuam os mesmos princípios físicos, biológicos
e ambientais, que regem a compreensão do bem natural. Criado para a fruição da beleza e o
prazer humanos, a ponto de ser sempre, nas antigas religiões, a forma idealizada do paraíso
terrestre, o jardim é um patrimônio vivo: nasce, cresce modifica-se, reproduz-se e está sujeito
à morte. Por sua complexidade, a arte dos jardins - variável segundo as culturas, a época, as
diferentes condições naturais- exige colaboração de múltiplos conhecimentos. É uma arte que se
utiliza de técnicas multidisciplinares. Os jardins históricos, mais do que isso, são também locais
onde a Natureza e a vida se fundem com a cultura e a história de outras épocas e civilizações.
Registram a ação cultural de uma sociedade sobre a Natureza.
Na preservação do patrimônio histórico frequentemente passa despercebido a importância
dos jardins e áreas cultivadas pelo homem, na leitura, por exemplo, dos elementos formadores
da história de uma cidade. Tais áreas são elementos testemunhais altamente significativos,
sobretudo pelo que eles informam sobre a relação do homem – que erigiu e habitou essa
cidade – com a natureza local e com aquela que ele aí introduziu.
A recuperação dos jardins históricos exige trabalhos que vão desde a pesquisa histórica até
o resgate das condições biológicas e ambientais anteriormente existentes e, se necessário e
possível, a reintrodução de espécies florísticas e faunísticas originais.
De um trabalho como este podem chegar a participar – num contexto ideal e lógico – profissionais
como historiadores, arqueólogos, naturalistas, fitopatologistas, jardineiros, horticultores, arquitetos,
paisagistas, etc. Todavia, apesar dos poucos recursos humanos, financeiros e materiais de nossa
coordenadoria, temos prestado assistência técnica de restauração e recuperação como aos jardins do
Parque São Clemente e da Praça Getúlio, em Nova Friburgo (RJ); da Casa Benjamin Constant, Açude e
República, no Rio de Janeiro; Praça do Chafariz, em Goiás Velho (GO) e muitos outros17.

Salientamos que o termo “jardins históricos” foi citado pela primeira vez nas publicações
do IPHAN na Revista do Patrimônio de nº 22, de 1987, no artigo escrito por Carlos Xavier intitulado “A
natureza no patrimônio cultural do Brasil”. O texto foi redigido em dezembro de 1985, como justificativa
para a organização do Programa de Proteção ao Patrimônio Natural do SPHAN/próMemória e foi revisto
e ampliado em março de 1987, para publicação na Revista do Patrimônio. Nesta mesma edição foram
publicadas as discussões da Mesa redonda “Patrimônio Natural”, ocorridas no dia 1º. de dezembro de
1986, na sede da Fundação Nacional Pró-Memória, no Rio de Janeiro, e da qual participaram o professor
Aziz Ab’Sáber, Ibsen de Gusmão Câmara, José Lutzenberger, José Tabacow e William Antônio Rodrigues18.
Além da publicação do artigo de Carlos Alberto Xavier e das discussões ocorridas na Mesa sobre Patrimônio
Natural, a Revista de nº 22 publicou um artigo de Aziz Ab’Sáber intitulado “Ambiente e culturas: equilíbrio

28
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

e ruptura no espaço geográfico ora chamado Brasil”. Portanto, temos bem demarcado o tempo histórico
do início das preocupações com a preservação do patrimônio natural e paisagístico dentro das práticas
preservacionistas patrimoniais brasileiras.
No texto redigido por Calos Alberto Ribeiro de Xavier para a Revista ele realizou a importante
contextualização sobre a preservação de sítios e jardins:
Quer dizer, desde (19)30 estava bem presente o conceito, hoje predominante, de Patrimônio
cultural: o todo constituído pela integração do homem à natureza. Orientada pelo referido Decreto
Lei, a pioneira ação de proteção fundamenta-se, por um lado, no valor paisagístico excepcional
atribuído a certos sítios e acidentes geográficos. Por outro, a proteção a determinados sítios,
parques e jardins deu-se em nome do seu valor histórico, arqueológico ou etnológico. (...)
Mais recentemente, alguns grupos e unidades funcionais da SPHAN e da Fundação Nacional Pró-
Memória vêm desenvolvendo iniciativas e projetos que buscam corresponder à responsabilidade
desses órgãos na defesa do patrimônio natural. (...) Desde parques e jardins históricos ou
monumentos importantes por sua singularidade, como o Pão de Açúcar na baía de Guanabara,
até expressões mais complexas como os grandes domínios da Serra do Mar, tombados pelos
órgãos responsáveis pelo patrimônio cultural nos estados, primeiramente em São Paulo e
mais recentemente na região do Paraná. (...) O Brasil e outros países das regiões tropicais e
subtropicais concentram aproximadamente dois terços do patrimônio natural do planeta. Se a
esse conjunto de valores materiais agregamos a importância do patrimônio histórico, étnico,
arqueológico, espeleológico, paleontológico, então podemos atingir uma ideia mais ampla do
que entendemos ser patrimônio da sociedade nacional. (...) O papel do estado não se esgota na
conservação exclusiva da natureza, já que, como foi dito, patrimônio natural é o todo constituído
pela integração do homem à natureza. Por essa razão, é igualmente dever do Estado promover
a educação para a natureza19. (Grifos em negritos nossos, em itálicos originais da publicação).

O Patrimônio Natural, no entendimento de Carlos Xavier, era constituído pela natureza na sua
integração com o homem, como explicitado no fragmento acima. Por este motivo ele equiparou os jardins
históricos e os parques, tal como o Parque Lage e a Floresta da Tijuca, à Serra do Mar e a outros bens de
reservas ecológicas e naturais. Para ele e, portanto, para os técnicos da Coordenadoria de Patrimônio Natural
da SPHAN/próMemória, não havia distinção entre inventariar, salvaguardar, restaurar e manter um jardim
histórico e as Serras e os Picos. No bojo do Patrimônio Natural estariam, de igual forma, os bens que atualmente
integram as categorias de Paisagem Cultural. Esta concepção explica a relevância que foi oferecida aos jardins
históricos no contexto da Coordenadoria de Patrimônio Natural no final da década de 1980.
A criação da citada Coordenadoria foi fundamental para a preservação e, principalmente, o
restauro e conservação dos Jardins Históricos tombados pelo órgão e, até então, conservados e restaurados

29
Jardins históricos

sob os mesmos critérios com que se protegeu monumentos arquitetônicos e objetos de arte, ou seja, com
valorações artísticas e históricas e, em muitos casos, apenas com base na proteção à materialidade dos seus
equipamentos ou do mobiliário. O valor paisagístico dos jardins era, até então, irrelevante.
É necessário sublinhar que na estrutura do SPHAN não existiam profissionais capacitados para
trabalhar com bens de valor paisagístico. Mesmo nos dias atuais há uma carência deste tipo de profissional
na estrutura do órgão federal assim como nos estaduais de preservação. Augusto da Silva Telles afirmou
que, entre as décadas de 1950 e 1960, existiam apenas quatro arquitetos no IPHAN, no Rio de Janeiro:
Renato Soeiro, Lúcio Costa, José de Souza Reis e Edgard Jacintho. E, em São Paulo, Luís Saia. Além das
Superintendências regionais de Recife, Salvador, Belo Horizonte e São Paulo20. A carência de técnicos,
certamente, cerceava em certa medida as ações do órgão federal de preservação. Por este motivo, buscava-
se parcerias como a realizada com o Museu Nacional e, posteriormente, com o Grupo do Jardim Botânico
do Rio de Janeiro21. Nas páginas seguntes, para melhor visualização de quais bens estamos nos referindo,
apresentamos uma tabela com a listagem de jardins e bens do paisagismo tombados pelo IPHAN entre
1938 e 2012.
Salta aos olhos a diversidade tipológica de jardins tombados. Temos desde jardins científicos, a
jardins de instituições como museus, igrejas e hospitais, assim como parques, jardins terraço, bosque e
jardins públicos urbanos. Neste conjunto, a diversidade de projetos e de autoria também são contemplados
formando um panorama interessante das tipologias de jardins que já existiram no Brasil e que chegaram
aos nossos dias. Uma análise pormenorizada de cada um destes 32 bens nos contaria parte significativa da
história dos jardins no Brasil.
Deste conjunto da tabela acima, pode-se dizer que os jardins foram tombados inicialmente
pautados pelas diretrizes históricas e artísticas, como era comum aos bens arquitetônicos salvaguardados no
mesmo período. Os primeiros tombamentos enfocaram os jardins projetados principalmente pelo Mestre
Valentim e por Auguste Glaziou, no Rio de Janeiro, como objetos históricos e artísticos concebidos por seu
criador (décadas de 1930-50). Acreditamos que nestas décadas os bens paisagísticos eram entendidos (e
protegidos) na mesma chave científica-antropológica de leitura dos monumentos naturais e da natureza
em extensão aos bens característicos do arqueológico e do etnográfico, como o meio natural onde estes

Tabela 1a e 1b : Jardins e bens do paisagismo tombados no Brasil,


pelo IPHAN, entre 1938 e 2012, em conjunto ou não com a edificação
Fonte: Tabela elaborada a partir dos dados levantados em: IPHAN/
COPEDOC, 2012, por Cristiane Maria Magalhães.

30
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

31
Jardins históricos

32
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

poderiam ser encontrados e, por extensão, deveriam ser preservados. Já os jardins estiveram submetidos
aos estatutos das artes e da história. Estas concepções vão mudar a partir das décadas de 1970-1980
pela influência de inúmeros fatores, tais como os encontros e a publicação das Cartas Patrimoniais e a
criação de organismos internacionais como a UNESCO, a IFLA e o ICOMOS, que organizaram e incentivaram
a proteção das paisagens naturais e culturais e dos bens do paisagismo (parques e jardins), as Missões da
Unesco no Brasil, a criação dos órgãos estaduais que começaram a demandar e influenciar nos pedidos de
tombamento, a criação e a liberação de vultosas verbas para o PCH (Programa de Cidades Históricas), além
da dinamização e modernização dos quadros funcionais técnicos do IPHAN, com a entrada de profissionais
de outras áreas de conhecimento, para além da arquitetura, como Arqueologia, História, Ciências Sociais e
outros.
Posteriormente passou-se a considerar a edificação mais o jardim do seu entorno. Nas últimas
décadas do século XX a genialidade do paisagista Roberto Burle Marx também foi reconhecida pelo
IPHAN, com a proteção a alguns dos seus jardins projetados no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e no
Recife. Observa-se, ainda, que as datas limites da criação dos Jardins Históricos Brasileiros protegidos por
instrumento de salvaguarda federal são 1783, data da inauguração do Passeio Público do Rio de Janeiro, e
o século XX, com os jardins modernos de Roberto Burle Marx.

O PROJETO JARDINS HISTÓRICOS


Entre 1985 e 1990, a Coordenadoria de Patrimônio Natural desenvolveu o Programa Jardins
Históricos. Na ocasião, foram feitos levantamentos, catalogação e recuperação e/ou restauro de jardins
protegidos considerando os aspectos paisagísticos e artísticos destes bens, diferentemente do que ocorria
no passado. Os primeiros documentos do Dossiê Jardins Históricos datam de 1985, portanto, antes da criação
oficial da Coordenadoria. O objetivo principal do Projeto era propor medidas para a proteção e a conservação
dos jardins históricos em todos os seus aspectos físicos e biológicos. Assim como de recuperação, avaliação
e revitalização das condições de uso e manejo de suas áreas, integrando a composição arquitetônica e o
jardim de uma forma a permitir ao visitante uma percepção da natureza. Em objetivos específicos consta
com primeiro: “inventariar os Jardins Históricos no Brasil”22.
No documento intitulado “Projeto O Jardim Brasileiro”, há a exposição de que se pretendia a
pesquisa e a publicação de um livro que contemplasse todas as etapas cronológicas dos diversos tipos de
jardins cultivados no Brasil, desde o início colonização chegando aos jardins modernos de Roberto Burle
Marx. A respeito do Projeto, Carlos Delphim, assinando pela Coordenação técnica, escreveu:

33
Jardins históricos

Trata-se de matéria novíssima e pouco explorada, o que torna ainda mais oportuna e atraente
qualquer publicação sobre o assunto. O conceito de jardins históricos surgiu, no Brasil, há muito
pouco tempo, quando incorporou-se aos debates sobre preservação de bens culturais a questão
dos entornos. A derrocada da atenção exclusiva ao bem isolado abriu nova e vastíssima vertente
de atuação, a incluir, entre outras, atividades ligadas à botânica e ao paisagismo. Ainda não
se trabalhara, até então, a ideia de que a vegetação cultivada, sobretudo numa região de
grande exuberância natural como a nossa, devia ser vista como parte integrante e relevante
de um determinado conjunto. Palmeiras imperiais, frondosas mangueiras e toda uma sorte de
pequenas plantas compuseram, de forma harmônica, completando-os, os bens arquitetônicos,
muitos dos quais acabaram infelizmente, despidos destes belos adereços23. (Grifo nosso).

Este documento não é datado, como grande parte de outros existentes no fundo “Coordenadoria
de Patrimônio Natural”, do ACI-RJ. No mesmo conjunto documental há uma correspondência de Carlos
Delphim para Dora M. S. Alcântara, a respeito de financiamento para o levantamento a respeito dos Jardins
Históricos no Brasil, datada de 21/04/1988, portanto, o Projeto “O Jardim Brasileiro” deve ser da mesma
ocasião. Carlos Delphim expôs, neste documento, a questão dos entornos dos monumentos tombados e
da modificação conceitual que deveria acontecer no tratamento oferecido a estes “entornos”. Assim, os
jardins iam se transformando em bens culturais únicos e individualizados, e não mais como extensão das
edificações, ambientação ou como “adereços” aos bens edificados tombados.
Integrava o Projeto Restauração de Jardins Históricos, da FNpM, os seguintes jardins:

1.Jardins da Casa de Rui Barbosa – RJ


2.Jardins do Museu da República (Catete) – RJ
3.Jardins do Solar Grandjean de Montigny – RJ
4.Jardins do Museu do Açude (Museus Castro Maya) – RJ
5.ardins da Chácara do Céu – RJ
6.Jardins do Museu do Itamaraty – RJ
7.Jardins da Casa de Benjamin Constant – RJ
8.Jardins do Museu Casa de Hera – Vassouras – RJ
9.Jardins do Parque São Clemente – Nova Friburgo – RJ
10.Jardins do Solar da Imperatriz – RJ
11.Jardim Botânico do Rio de Janeiro – RJ

il. 1:– À esquerda capa do Projeto Jardins Históricos. Ao lado relação de jardins
que participaram do Projeto. Acervo ACI-IPHAN-RJ.

34
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Para cada um destes jardins relacionados acima havia uma descrição das espécies florísticas e
arbóreas existentes, do traçado e do tratamento paisagístico a ser realizado como substituição ou troca
de espécies vegetais, poda de árvores, entre outros. O projeto compreendeu, ainda, a realização de uma
exposição fotográfica com imagens dos Jardins Históricos do Estado do Rio de Janeiro e que deu origem à
confecção de cartões postais. A mostra fotográfica foi realizada pela Fundação Casa de Rui Barbosa e pela
Coordenadoria de Proteção do Patrimônio Natural da FNpM, com pesquisa e montagem de Maria Helena
Barreto (FNPM), Oscar Henrique L. Brito (FNPM) e Jurema Seckler (FCRB). No acervo da ACI-RJ não ficou
arquivado nenhum destes postais, porém, Carlos Fernando Delphim gentilmente cedeu acesso aos postais
do seu acervo pessoal. A seguir apresentaremos quatro dos onze postais existentes.
Observando estas imagens vemos que
os jardins, e não os bens edificados, foram os
protagonistas das cenas retratadas. Os enqua-
dramentos dos postais sugerem um olhar para o
jardim como bem individualizado. De forma pio-
neira, os jardins protegidos no Brasil tiveram lei-
tura e tratamento com base nos preceitos inter-
nacionais para restauração e conservação desta
tipologia de bens. A influência da Carta de Flo-
rença (1981) era evidente para os direcionamen-
tos da época. As definições para os Jardins Histó-
ricos, as diretrizes preservacionistas defendidas
por Delphim e os restauros em que ele atuou, a
partir da década de 1980, foram permeados pe-
las normativas desta Carta Patrimonial.
Ils. 2 a 5: Postais elaborados pelo Projeto “Jardins Históri-
cos”, do SPHAN/próMemória em que constam os seguintes
jardins, na ordem em que aparecem as imagens: Jardim da
Chácara do Céu, Jardim da Casa de Rui Barbosa, Jardim do
Museu do Açude, Parque São Clemente.

Ils. 2a e 2b: Jardim da Chácara do Céu

35
Jardins históricos

Ils. 3a e 3b: Jardim da Casa de Rui Barbosa

36
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Ils. 4a e 4b: Jardim do Museu do Açude

37
Jardins históricos

Ils. 5a e 5b: Parque São Clemente

38
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Resgatar a história da preservação dos jardins no Brasil nos faz compreender os caminhos
percorridos até então e o muito que ainda temos que avançar para igualarmos às práticas internacionais
existentes em países como Estados Unidos, Inglaterra, França e Itália.

CONCLUSÕES
Os jardins são os bens mais frágeis do patrimônio cultural e que exigem delicadas ações. Os jardins
sobrevivem tão somente quando monitorados por seres humanos que tentam moldar a natureza para
algum fim cultural24. O jardim desaparece se não houver manutenção adequada e cuidados constantes,
em oposição às edificações que carecem de manutenções periódicas. Neste sentido, é menos custoso
financeiramente para os órgãos de preservação manter edificações ou bens móveis do que jardins e
paisagens. Os jardins e os parques públicos contam, também, a história das cidades e das sociedades que
os projetaram e os mantiveram, bem como as transformações pelas quais passaram – as sociedades e as
cidades – nos tempos históricos de sua existência. A permanência destes sítios torna-se referenciais como
lugares portadores de memória e de identidade das cidades, como são os casos do Central Park, em Nova
York, dos Jardins de Versalles, na França, das Villas renascentistas na Itália, dos imensos parques públicos de
Londres, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro ou dos jardins de Roberto Burle Marx Brasil afora. Portanto,
preservá-los adequadamente e de acordo com as normativas internacionais é condição para salvaguardar
parte da história das cidades, das técnicas e de ocupação do espaço.
Apesar do movimento iniciado dentro do órgão federal na década de 1980 e dos avanços relevantes
que observamos nos últimos anos, nota-se que ainda é insatisfatório e ocorre em casos pontuais o tratamento
técnico especializado quando se trata do patrimônio paisagístico e dos jardins históricos no Brasil. Retornemos
à citação da fala do Conselheiro Nestor Goulart Reis Filho, que abriu este texto. Afinal, qual jardim estamos
tombando? Quando vamos começar a tombar jardins no Brasil com conhecimento de causa e controle
técnico? Quais entendimentos teóricos guiam as ações práticas dos gestores na manutenção destes bens?
A inquietação a respeito do tratamento diferenciado oferecido à preservação dos bens afeitos
ao paisagismo é constante nos documentos analisados produzidos pela Coordenadoria de Patrimônio
Natural. Este entendimento é reafirmado em correspondências, em pareceres, entre outros documentos.
Mesmo quando existe um relativo cuidado com a restauração dos jardins é raro o projeto que atinja o nível
de especificar a vegetação original ou à falta destas informações, pelo menos, a vegetação que, à época
da execução dos jardins, era utilizada em jardins análogos26, escreveu certa ocasião Carlos Delphim em
documento avulso do fundo documental da Coordenadoria de Patrimônio Natural.

39
Jardins históricos

Contudo, podemos considerar que avançamos. O Manual de Intervenção em jardins Históricos,


publicado originalmente em 1999 e, posteriormente, em uma versão impressa, revista e ampliada em
2005, é um documento importante a guiar os gestores dos jardins históricos e do patrimônio paisagístico
como um todo. Texto do Manual ressaltou que se no passado a noção de monumento cultural parecia
se restringir aos monumentos edificados pelo homem, naquele momento o conceito abrangeria outros
exemplos da interação do homem com a natureza, destacando os locais aos quais a história e o olhar humano
emprestava valor a paisagens silvestres ou agenciadas pelo homem, assim como a sítios e monumentos
naturais, jardins, jardins botânicos, jardins históricos, sítios arqueológicos, locais de interesse etnográfico,
hortos, espaços verdes circundantes de monumentos ou de centros históricos urbanos, enclaves de áreas
silvestres preservadas dentro da malha urbana27. Esta afirmação sugere abordagem mais consolidada e
sistematizada quanto à salvaguarda das tipologias de bens afeitos à paisagem e ao paisagístico.
De igual modo, a Carta de Juiz de Fora ou Carta dos Jardins Históricos Brasileiros, de 2011, reiterou
e trouxe novos elementos para a preservação e o restauro dos jardins no Brasil, firmando-se como um
documento a mais a sistematizar ações de preservação e restauro de Jardins Históricos no Brasil.
Acreditamos que há ainda um extenso caminho a ser percorrido para o reconhecimento dos jardins
e das paisagens culturais como bens passíveis de proteção de acordo com as normativas internacionais de
salvaguarda e com valorações equivalentes aos bens edificados coloniais, barrocos e modernos, para o
caso do Brasil. Muito do discurso do patrimônio se baseou e se baseia na centralidade da arquitetura e,
desde 2000, nas questões etnográficas e das referências culturais. Porém, encontros como o Gestores de
Jardins Históricos, o interesse de pesquisadores nas últimas décadas sobre o tema, os dois instrumentos
citados acima e os restauros como o que ocorre atualmente (2016) nos jardins da Casa de Rui Barbosa nos
indicam que há esperança de que no Brasil, talvez por caminhos transversais, se reconheça o valor do seu
patrimônio paisagístico e dos jardins históricos como ocorre em vários países mundo afora.

NOTAS
1
Este texto é parte da tese de doutorado “O desenho da história no traço da paisagem”, defendida no IFCH/UNICAMP,
em 2015.
2
Jorn de Précy apud CASTEL-BRANCO, 2014, p.164
3
Ata do Conselho Consultivo do IPHAN, de 10 de agosto de 2000. Fala do Conselheiro Nestor Goulart Filho.
4
IPHAN, 2010, p. 2.
5
Carta dos Jardins Históricos Brasileiros, 2010, p. 2.

40
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

6
Carta dos Jardins Históricos Brasileiros, 2010, p. 3
7
ROGER, apud SERRÃO, 2011, p. 159.
8
Declaração de Quebec, 2008, ICOMOS, p. 2.
9
STENDHAL In: Nápoles e Florença: uma viagem de Milão a Reggio.
10
Citação constante da tese de doutorado “O desenho da história no traço da paisagem”, 2015.
11
Entre 1980 a 1990 – O IPHAN foi dividido em SPHAN (Secretaria), na condição de órgão normativo, e na Fundação
Nacional Pró-Memória (FNPM), como órgão executivo. Aloísio, que já era Secretário da SPHAN, assumiu a direção da
Fundação Nacional Pró-Memória (FNpM) no dia 19 de março de 1980.
12
Boletim SPHAN/próMemória n. 04, 1980, p. 11.
13
MAGALHÃES, Cristiane. Entrevista realizada com Carlos Fernando de Moura Delphim, no Rio de Janeiro, no dia 03
de dezembro de 2014.
14
Idem.
15
MONGELLI, 2011, p. 105.
16
Boletim 40 SPHAN/próMemória, p. 16.
17
Boletim 40 SPHAN/próMemória, p. 17.
18
Boletim 40 SPHAN/próMemória, p. 19-20.
19
MONGELLI, 2001, pp. 103-104.
20
REVISTA do Patrimônio, n. 22, 1987, pp. 233-235.
21
THOMPSON, Analucia (Org.). IPHAN, 2010, p. 82.
22
Para saber mais sobre estas parcerias ver a tese “O desenho da história no traço da paisagem”, Unicamp, 2015.
23
Dossiê Jardins Históricos, ACI-RJ.
24
DELPHIM, ACI-IPHAN.
25
CONAN, Michel, 2004.
26
Documento avulso a respeito da preservação de Jardins Históricos constante do Dossiê Jardins Históricos. Série
documental da Coordenadoria de Patrimônio Natural. s/d. ACI-RJ.
27
DELPHIM, Carlos Fernando M. IPHAN, 2005, p. 5.

REFERÊNCIAS
BERQUE, Augustin. O pensamento paisagero. Uma aproximação mesológica. In: SERRÃO, Adriana Veríssimo
(Org.). Filosofia da Paisagem. Uma antologia. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2011.
p. 200-212.

41
Jardins históricos

CASTEL-BRANCO, Cristina. Jardins de Portugal. Lisboa, junho de 2014. CTT (Correios de Portugal).
CONAN, Michel. L’invention du paysage. In: Jardins et paysages, revue Urbanisme, n° 168-169, Paris, 1978,
p. 80-82.
DELPHIM, Carlos Fernando de Moura. Manual de Intervenção em jardins históricos. IPHAN, 2005.
ICOMOS. Declaração de Quebec, 2008.
IPHAN. Ata do Conselho Consultivo do IPHAN, de 10 de agosto de 2000.
IPHAN. Boletins da SPHAN/próMemória, da década de 1980.
IPHAN. Carta dos Jardins Históricos Brasileiros, dita Carta de Juiz de Fora - Outubro de 2010.
IPHAN. REVISTA do Patrimônio, n. 22, 1987.
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Fernando de Moura Delphim.

42
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

43
Jardins históricos

O rápido processo de urbanização tem provocado um crescimento


desordenado das cidades, com a consequente supressão de
áreas verdes potencialmente aptas ao estabelecimento de
parques e jardins. Os espaços públicos urbanos constituem
elementos importantes para a caracterização formal das cidades.
As praças públicas, além de contribuírem para o embelezamento
das cidades e também desempenham uma função importante
no contexto urbanístico ambiental. Dentre as praças de
Lavras, a Praça Dr. Jorge se destaca por seu considerável valor
histórico. Pesquisando artigos de jornais da década de 1930, e
documentação fotográfica de época, desvendou-se que essa
praça teve seu início em 1899, e que sua primeira arborização
foi com Paineiras (Chorisia speciosa). Constatou-se ainda que a
praça era muito utilizada pelos estudantes e pela sociedade dessa
época, abrigando festas comemorativas e encontros políticos
de grande relevância para o município, pois esse logradouro se
encontra anexo à Escola Municipal Álvaro Botelho tombada pelo
Conselho Municipal do Patrimônio Cultural, em 23 de março
de 2006, pelo Decreto nº 6.671, em função do expressivo valor
histórico e arquitetônico. Atualmente a Praça Dr. Jorge é um
espaço bastante frequentado pela população e também utilizada
semanalmente para o comércio de feira livre. Em 1961, a praça
foi totalmente revitalizada e foi realizada uma abertura na parte
inferior, sentido norte, visando a maior segurança e melhoria
no tráfego de veículos. Possui atualmente uma área total de
2.347,86 m². Hoje em dia, a praça não conta mais com o glamour
desse período do início do século XX, mas ainda é extremamente
importante, pois está localizada na região nobre da cidade. O
Atualmente, encontramos uma magnífica árvore conhecida por
tipuana (Tipuana tipu) bem como diversas espécies de ipês.
Constatou-se também por meio de pesquisas, que embora seja
uma praça de grande destaque para o município, não existem
dados concretos e relatos sobre a mesma.
Palavras chaves: praças públicas; jardins históricos; paisagismo;
arborização urbana

44
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Praça Dr. Jorge, Lavra, MG: A Salvaguarda do


Patrimônio Paisagístico
Alessandra T. da Silva | Nelson Venturin | Marcus Paulus Guimarães Passos

O
s jardins são monumentos históricos, em
constante evolução, fato que os diferem,
substancialmente, dos bens arquitetônicos e os
inserem nas metodologias de interpretação e salvaguarda
das paisagens naturais. O jardim é uma forma de
ordenamento de território que acompanha o homem
há tempos imemoriais, demonstrando também forma
de expressão do entendimento humano da natureza,
com investimento na recriação do sonho do microcosmo
perfeito. Em especial nas cidades de Minas Gerais, os
jardins históricos estão presentes, pois possuem suas
raízes fincadas na busca incessante pelo ouro e nos
caminhos traçados pela marcante Estrada Real.
Os centros urbanos têm grande dificuldade
de atender às demandas da comunidade, apresentando
diversos níveis de inadequação, obsolescência e
degradação. Os espaços públicos centrais, principalmente
os ‘verdes’ necessitam ser revalorizados, por meio de
diversas ações públicas, para desempenhar o seu papel
na comunidade local, desde o de imagem unitária de
pertencimento da comunidade até o de amenidade
entre outros, que preservam a boa qualidade do
ambiente construído para seus usuários mais diversos.

45
Jardins históricos

A praça é, com certeza, um dos espaços urbanos mais visíveis e, por isso, extremamente sensível
às transformações, por parte do Poder Público. Assim, com o grande crescimento da Cidade de Lavras, nos
últimos 30 anos e, em consequência do desenvolvimento socioeconômico, o processo de expansão urbana
e a verticalização das edificações vêm transformando o patrimônio histórico, ambiental e a paisagem dessa
cidade.
Embora se tenha alguns relatos sobre a história da Praça Dr. Jorge, pouco se conhece sobre sua
evolução e as transformações que sofreu ao longo dos anos, haja vista que esse espaço público se tornou
uma referência, por estar localizado defronte à Escola Instituto Presbiteriano Gammon, que foi a origem de
uma das mais conceituadas universidades do país- a Universidade Federal de Lavras/UFLA. Ao se considerar
a importância sociocultural e também ambiental desse espaço público, objetiva-se, nesta pesquisa, avaliar
os aspectos paisagísticos da referida área verde urbana, a partir do estudo de sua evolução histórica,
fornecendo também suporte para pesquisas acadêmicas e referências para a educação patrimonial.
A memória, por conservar certas informações, contribui para que o passado não seja totalmente
esquecido, pois ela acaba por capacitar o homem a atualizar impressões ou informações passadas, fazendo
com que a história se eternize na consciência humana.

A PAISAGEM
No curso da história, diversas sociedades adotaram a prática de integrar os aspectos naturais
aos espaços de povoamento, levando a criação de espaços naturais protegidos. Tais áreas verdes tinham,
em um primeiro momento, funções voltadas para estética e o lazer, visando à contemplação da natureza
e ao embelezamento das cidades renascentistas nos séculos XVII e XVIII, a partir do fortalecimento da
classe burguesa, que dispunha de recursos financeiros e tempo para o melhoramento das cidades. Entre
o final do século XVIII e início do XIX, os jardins inserem-se em projetos urbanísticos urbanos para o
recreio e encontro da população, período também do surgimento e estabelecimento dos hortos ou
jardins botânicos com fins de aclimatação de espécies vegetais (SILVA; CARVALHO, 2013).
A palavra paisagem surgiu pela primeira vez, no século XVI, na Holanda, para designar uma
pintura. Assim, esse conceito é de origem artística, o que demanda uma apreciação estética. Atualmente
a paisagem é geralmente interpretada como meio ambiente, um conceito de origem ecológica, que
caracteriza um espaço de terreno que se abrange num lance de vista. É uma combinação entre a natureza,
as técnicas e a cultura dos homens. A paisagem é mutante e só pode ser apreendida na sua dinâmica,
como relata Grimal (1972).

46
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

O pensamento ecológico modificou a maneira de o homem pensar e perceber o meio ambiente,


mesmo o urbano. Desde uma atitude denunciativa até uma atitude politicamente correta, o caminho
trilhado só veio a favorecer a percepção paisagística. Assim, a paisagem dentro de um conceito mais
moderno passa a ser avaliada como uma interação de fatores envolvendo os valores ecológicos para uma
qualidade de vida, tendo o homem como o elemento mais importante (PAIVA; GONÇALVES, 2002).
Segundo Clifford (1970), quadros representando lugares pitorescos, exóticos e acolhedores
são “paisagens”. A geografia tem para ela várias definições, mas sempre procurando enxergá-la como o
resultado atual de um longo processo evolutivo; a formação do relevo de uma determinada região, seu
clima e vida que ali se instala e também evoluiu, à interferência humana e, principalmente, como tudo
isso se inter-relaciona. Relata também o autor, que essas definições se aproximam muito do que também
é chamado “meio ambiente”. E então, tudo passa a ser paisagem, ganhando vários nomes: paisagem
urbana, rural, natural, litorânea ou, ainda, hostil, degradada, poluída.

Praças históricas, Jardim e Parques Públicos


Segundo Segawa (1996), os jardins e os parques públicos constituem criações marcantes na
urbanização europeia, a partir do século XVI, não negam em sua formulação esse envolvimento mitológico
e estético com a natureza. Por ora, buscamos situar apenas a articulação cultural/natureza e o ponto de
inflexão onde o jardim deixa de ser uma metonímia para se tornar uma metáfora da natureza.
Ao longo do processo histórico, os jardins sofreram transformações que podem ser
caracterizadas pelos estilos próprios de cada época e cultura. A palavra “estilo” se originou no mundo
greco-romano. Hoje compreendemos estilo como um conjunto de qualidades próprias às produções do
espírito, inspirado por um pensamento geral comum que torna possível identificar e caracterizar suas
particularidades (FORESTIER, 1985).
Segundo Le Dantec (1996), no período do Renascimento, houve um aumento de prosperidade
em todos os sentidos, provocando também um surgimento de curiosidades sobre o mundo natural e, por
coincidência, aumentou o interesse em se compor formas harmoniosas para o jardim. Também, segundo
relata o autor, que a França seria a responsável pelos maiores jardins formais que o mundo conheceu como,
por exemplo, o jardim do Castelo de Versailles.
Na segunda metade do século XVII, surge nitidamente o estilo inglês, com suaves paisagens
em oposição ao francês. Os ingleses passaram a ser diferentes de outros povos europeus nesse aspecto,
simplesmente por se identificarem com a “natureza”, e muitos princípios modernos em paisagismo

47
Jardins históricos

surgiram, já naquela época, como as cercas-vivas. Passam a predominar as linhas curvas e as irregularidades
das paisagens são mantidas (CAMARGO, 2002).
Ainda conforme Clifford (1970), desde o século XVIII havia uma crescente popularização do estilo
de ciências naturais e o reflexo disso tudo foi uma mudança de atitude em relação à paisagem. Muitos
princípios modernos em paisagismo, como cercas-vivas arbóreas e mistas, já eram defendidos nessa
época. A poda escultural ou topiaria saiu de moda por volta de 1710. Consoante também relata o autor, o
surgimento do Landscape Garden, ou jardim paisagístico, onde os modelos estéticos passam a se inspirar
na observação direta da natureza e nos princípios da pintura.
Segundo Vilas Boas (1999), uma das mais interessantes áreas também invadidas pelo espírito
romântico, a partir do século XVIII, foram a concepção e elaboração de jardins, que ficaram conhecidos por
seus contemporâneos como jardins paisagistas ou jardins ingleses, por ter sido na Inglaterra onde primeiro
fora concebido, sendo que seus primeiros patrocinadores e construtores foram membros da burguesia
inglesa, identificados como uma nova concepção de mundo. Os conceitos do jardim romântico na Inglaterra
surgem em contraposição àqueles adotados pelo jardim francês, cuja geometrização exprime com exatidão
a visão racionalista que o criou.
A introdução do paisagismo no Brasil foi tardia se comparada ao que ocorreu no mundo oriental.
O Passeio Público é, oficialmente, o mais antigo parque urbano no Brasil destinado a servir à população.
Localizado no Centro Histórico do Rio de Janeiro, entre a Lapa e a Cinelândia, foi o primeiro parque
ajardinado do Brasil e foi inspirado nas tradições de desenho do jardim clássico francês (VILAS BOAS,
1999).
As praças são unidades urbanísticas fundamentais para a vida urbana nos dias atuais, pois, é
pelo uso que as pessoas fazem de uma praça um espaço importante para seu convívio social. A praça é,
portanto, um centro, um ponto de convergência da população, onde são realizados encontros românticos
ou políticos, enfim, para o desempenho da vida urbana ao ar livre, relatam (ROBA; MACEDO, 2003).
Somente no final do século XVIII é que, no Brasil, na tentativa de reaproximar-se do meio ambiente,
os jardins foram adaptados em particularidades, buscando assim estimular a sensibilidade à paisagem. Essa
preocupação levará à integração dos elementos da flora no próprio traçado da cidade, como reação e, ao
mesmo tempo, solução ao problema do adensamento urbano (ANGELIS NETO, 2003).

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Patrimônio e Memória
Quando se fala em patrimônio cultural, imediatamente associa-se o termo aos conceitos de memória
e identidade, uma vez que entendemos o patrimônio cultural como lócus privilegiado onde as memórias e as
identidades adquirem materialidade No Brasil, a categoria patrimônio passou por um processo de valorização a
partir da década de 1990. Esse redimensionamento do valor atribuído a esta categoria está associado à criação
de leis relacionadas ao incentivo à cultura, tanto no âmbito nacional quanto regional (BIAZZETTO, 2013).
O conceito de patrimônio cultural é compreendido em um sentido muito amplo e, como consequência,
estratégicas de proteção e conservação podem variar de acordo com o contexto e os valores associados a cada
monumento ou sítio. É fundamental estabelecer os valores culturais que se pretende preservar. Todas as ações
de preservação, como a proteção ou a restauração devem garantir a proteção da autenticidade do sítio cultural,
prolongar a duração de sua integridade e assegurar a interpretação de seus valores para o público (DELPHIM,
2005).

resultados
Município de Lavras e sua história

O município de Lavras, está situado na região sul de Minas Gerais e apresenta uma área de
564,59 km ² e coordenadas geográficas de 21°14’30’’ de latitude Sul e de 45°00’10’’ de longitude Oeste. A
população estimada, segundo senso do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE (2016) é 101.208
habitantes. O município se caracteriza por um relevo colinoso, com altitudes que variam entre 822 e 1.259
metros. Apresenta a seguinte compartimentação topográfica: 15% de relevo plano, 55% ondulado e 30%
montanhoso (SEBRAE, 1998).
A data presumível de fundação foi em 1729, transformado em município em 13 de outubro de
1831. Em 20 de julho de 1868, obteve-se a emancipação política e administrativa, e em 8 de outubro
do mesmo ano, foi transformada em comarca O município teve um grande desenvolvimento na década
compreendida entre 1907 e 1917, quando os lavrenses investiram na cidade, promovendo melhoramentos
de grande expressão para a época (HISTÓRICO DE LAVRAS, 2002).
Lavras construiu sua identidade a partir de camadas de memórias, histórias e culturas que
chegaram de vários locais e, ancoradas no ciclo do ouro, somaram um passado histórico que configuraram
uma cultura política que se tornou marcante e definida. Nessas circunstâncias, a política e principalmente
a cultura, ganham no município um espaço estratégico (VILELA, 2007).

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Jardins históricos

Praça Dr. Jorge: primórdios e evolução


A Praça Dr. Jorge, é um dos marcos mais antigos da cidade de Lavras, assim denominada em
homenagem à memória do notável mineiro Dr. José Jorge da Silva (nasceu em 1810 e faleceu em 1880),
residiu em Lavras por muitos anos e também foi deputado provincial de 1835 a 1837, sendo reeleito em
1838 a 1839. Registros da década de 1920 relatam que a praça teve seu início em 1899, pois nessa época,
o espaço já fazia parte do povoado (SOARES, 1959).
Essa praça está localizada na região nobre da cidade, circundada por pontos comerciais e diversas
residências. Está inserida no sentido da antiga rua Direita incorporando-se a bela paisagem da região central.
Possui uma topografia com leve declividade. Destaca-se também, adjacente à praça, a Escola Municipal
Álvaro Botelho inaugurada em 23 de maio de 1933 e tombada pelo Conselho Municipal do Patrimônio
Cultural do Município no ano de 2006.
Conforme registro da década de 1930, na Il. 1 acima, a praça era um local arborizado, em fileiras
duplas por uma espécie de grande porte conhecida popularmente por paineira (Chorisia speciosa). Com
relação à vegetação arbustiva, não se registrou a distribuição na mesma. As imagens registram também
os casarios do lado esquerdo, sentido norte-sul. A praça não apresentava calçamento e possuía uma
declividade natural, acompanhando as ruas adjacentes, que se mantêm até os dias atuais. O jornal local
(JORNAL NOVA LAVRAS, 1933), registrou o desastroso efeito das chuvas na praça e ruas adjacentes, pela falta
de pavimentação nesses locais, as ruas eram apenas cascalhadas, constatou-se o alinhamento inadequado
da praça bem como suas sarjetas defeituosas, sendo estes os responsáveis pelos problemas ocorridos, fato
este lamentado em matéria publicada em 30 de abril de 1933, com transcrição na íntegra:

[...] como esta rua da praça, muitas ruas sofrem os danos causados pelas chuvas, tão
desejáveis para apagar a poeira, mas tão prejudiciaes á conservação dos cascalhos,
uma vez que não possuímos e nem sabemos quando iremos possuir ruas calçadas, tão
necessárias a cidades de topographia como a nossa, que as chuvas lavam de cima a
baixo, carregando, pelo declive das ruas tudo que encontra e pode carregar [...]. (O
EFEITO DAS CHUVAS, 1933).

Ainda na il. 1, visualiza-se a linha do bonde, pois era um meio de transporte muito importante
que circulava na cidade, passando ao lado da praça, pelo lado direito, no sentido norte-sul. O bonde foi
inaugurado em 21 de outubro de 1911 e marcou história para o povo lavrense, muitas recordações e

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

lembranças estão na memória daqueles que viveram na era bonde. Foi uma iniciativa do ex-presidente
da Câmara Municipal e, na época, deputado, o conceituado advogado Dr. Álvaro Botelho. Os casarios do
lado direito, sentido sul-norte, também eram destaque, bem como a conceituada Escola Municipal Álvaro
Botelho. Existia também, nessa praça, um lindo casarão, símbolo da arquitetura e da imigração italiana em
Lavras, pertencia a tradicional Família Zagotta, construído em 1922 e demolido em 2004.
Na Il. 2, ilustra-se o espaço público sem as Paineiras, indicam que as frondosas árvores foram
cortadas entre as décadas de 1930 e 19401 provavelmente em função da espécie ser de grande porte e
talvez fora necessário para o planejamento de uma nova vegetação dando à praça um aspecto diferenciado
e funcional.
Conforme a Il. 2, esse espaço público não possuía arborização e também não existia vegetação de
porte baixo. Existiam, nessa época, apenas caminhos para a circulação de pedestres para todos os extremos
da praça. Registra-se a grande utilização do espaço público por alunos, pois está situado nas adjacências da
praça a Escola Estadual Álvaro Botelho. Observa-se também a presença de crianças uniformizadas, assim
pode-se inferir que sejam da Escola situada ao lado. Percebe-se que o terreno é amplo e não apresentava
ainda delimitações de calçadas e canteiros, pois os transeuntes circulavam em caminhos estreitos, conclui-
se, portanto, que o terreno destinado à futura praça ainda não apresentava um planejamento paisagístico.
Observam-se também os casarios descendo sentido zona norte. Aos fundos observa-se a chácara do Colégio
Instituto Presbiteriano Gammon.
A praça possuía, na década de 1940, uma extensão ininterrupta até o muro da chácara referenciada
acima, dessa forma, a ligação entre as ruas laterais só se efetuava próxima à entrada da chácara. Essa imagem
da Il. 3, ilustra a magnífica praça pública contornada com a espécie Alfeneiro do Japão (Ligustrum lucidum),
sendo estes visivelmente bem cuidados com técnicas de poda, conduzida por topiaria2. Possuía plantas
arbustivas topiadas e também plantas conhecidas por agaves. A praça apresentava canteiros quadriculados
simétricos em estilo clássico com linhas rígidas retilíneas.
As áreas de circulação ainda não possuíam revestimento, pois ainda eram mantidas em terra,
ou provavelmente cascalho. Segundo depoimentos pessoais das senhoras Joana e Rosalina Zagota,
proprietárias do casarão situado na extremidade sul da praça... Existia uma fonte de água na parte central
e superior no jardim até com disputas pelo seu uso, pois sempre havia falta de água na cidade” e também
havia um jardineiro de fora, de Belo Horizonte, que realizava a poda das árvores” (MIRANDA, 1995).
Já na década de 1960, conforme se visualiza acima, na Il. 4, a praça apresentava totalmente
revitalizada e com uma passagem, sentido sul-norte, que favoreceu o tráfego de veículos melhorando

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Jardins históricos

Il.1 – Vista parcial da praça Dr. Jorge com as paineiras


Arquivo: Coletânea Renato Libeck.

Il. 2 – Vista da Praça Dr. Jorge, década de 1930.


Arquivo: Museu Bi Moreira.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 3 – Vista parcial da Praça Dr. Jorge, ano 1945


Arquivo: Coletânea Renato Libeck.

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Jardins históricos

assim a segurança. A mudança trouxe a separação da praça em duas partes, através de um segmento de
rua em diagonal. Observa-se que houve, por parte da administração pública, a elaboração de um projeto
paisagístico para esse logradouro. As árvores se apresentavam desenvolvidas e existiam também algumas
espécies de palmeiras no canteiro interno da praça. A praça era arejada e ensolarada e já apresentava
calçadas circundantes e bancos.
Na década de 1960, a praça já possuía árvores formadas, como o Alfeneiro do Japão que circulava
toda a praça. Nesta época, os canteiros geométricos topiados não eram mais destaques. O Bonde subia ao
lado da praça e as ruas já apresentam calçadas com paralelepípedos.

Il. 4 – Vista da Praça Dr. Jorge, década de 1960.


Arquivo: Coletânea Renato Libeck.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Foi plantada, na década de 1960, uma espécie conhecida por tipuana (Tipuana tipu), atualmente
essa espécie faz parte desse logradouro, pois é uma magnífica e frondosa árvore, um cartão postal da praça,
considerada também uma árvore monumento (BI MOREIRA, 1979).
Atualmente a Praça Dr. Jorge ocupa uma área de 2.347,82 m² e localiza-se no coração da área
central da Cidade, junto às principais vias de acesso norte sul3. Essa área verde abriga espécies frondosas,
principalmente ipês roxos, conforme Il. 5, uma banca de jornal, um ponto de taxi além de abrigar ainda uma
feira livre semanalmente.

Il. 5 – Vista da Praça Dr. Jorge com Ipê roxo, 2009.


Foto: Alessandra T. Silva

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Jardins históricos

CONCLUSÕES
A Praça Dr. Jorge é uma das áreas verdes mais importantes, tanto do ponto de vista histórico
quanto paisagístico, pois está vinculada às origens da cidade, em razão da sua localização, sendo também
umas das principais ilhas de conforto ambiental, pois a vegetação arbórea presente na paisagem gera uma
dominância induzida pelas formas e texturas das copas, bem como pelo porte. A praça apresenta um design
em estilo clássico com linhas rígidas retilíneas.
Uma das formas de preservar e perpetuar essas memórias é por meio do resgate histórico da praça,
pois uma das funções ancestrais dos jardins, a de lazer e recreio, constitui talvez um dos principais motivos
e motivações para a recuperação, salvaguarda e valorização desse patrimônio. Estudar a constituição da
memória é importante porque está intimamente ligada à construção da identidade, considerando tanto a
memória individual quanto a coletiva.
Após anos de descuido e degradação, o espaço público das cidades e áreas metropolitanas
brasileiras, demonstra sinais de maior preocupação por parte das administrações municipais, que iniciaram
processos de requalificação e reestruturação.
O processo de evolução urbana e a falta de espaço na região central da cidade, podem ocasionar
mais redução de espaço desse patrimônio paisagístico e histórico de Lavras, urge, portanto, a necessidade
de uma medida protetiva definitiva da Praça Dr. Jorge por meio de seu tombamento, responsabilizando o
poder público municipal na manutenção de seus elementos arquitetônicos e paisagísticos.

NOTAS
1
Informação pessoal: Ângelo Alberto de Moura Delphim, 2016
2
Topiaria, vem do latim topiarus e significa a arte de adornar os jardins, por meio de transformação de plantas em
esculturas vivas dando-lhes formatos variados como figuras humanas, de animais, de objetos e geométricas.
3
Arquivo Prefeitura Municipal de Lavras, 2016.

REFERÊNCIAS
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56
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

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57
Jardins históricos

O jardim do Museu Casa de Rui Barbosa, primeiro museu-


casa estabelecido no Brasil, é uma das poucas áreas verdes
sobreviventes no bairro de Botafogo na cidade do Rio de Janeiro,
ocupado no passado por fazendas e chácaras. Os museus-casa
propõem-se a apresentar uma narrativa biográfica centrada
numa figura destacada como referência histórica e cultural.
Frequentemente conectados a uma área externa com jardins ou
dependências anexas, esses museus, como fragmento cotidiano
e intimista da vida de personagens relevantes para determinada
época, fundamentam-se no particular como instrumento
de compreensão de aspectos coletivos da sociedade que
representam. O objetivo é analisar as narrativas subjacentes
à paisagem, jardim e museu, procurando contribuir para os
poucos estudos que se referem à interpretação da memória
no museu-casa e a musealização de seu espaço paisagístico.
O jardim envolve o ambiente da residência, servindo como
representação simbólica do status e imagem da família: o jardim
fronteiro apresenta estilo romântico, guardando o traçado do
jardim francês de linhas geométricas e elementos da herança
portuguesa na parte posterior da casa. Neste espaço paisagístico
estão dispostas camadas de memórias que se referem às
vivências e à história de seus antigos moradores. Lá estão os
três pés de camélias plantadas por Rui Barbosa, os leões que
guardam a entrada da casa e a antiga pérgula instalada nos
fundos da residência. Isso nos leva a pensar sobre como estes
elementos significativos que caracterizam o espaço material e
simbólico deste jardim são interpretados e musealizados para
o visitante. O jardim é uma paisagem construída que possui a
função de ativar o imaginário de quem o visita, além de ser o
lugar onde os vestígios de um passado ganham compreensão e
significado.

Palavras chave: jardim, Museu Casa de Rui Barbosa, paisagem,


museologia.

58
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Museu Casa de Rui Barbosa: o jardim como


coleção de memória
Maria Teresa Silveira | Helena Uzeda

O arvoredo, que recortava-se bizarramente no horizonte


luminoso como um relevo gótico, estremecia com o doce
arrepio da aragem, que esparzia os aromas das rosas e das
magnólias (ALENCAR, 2011, p.158).

Um jardim na paisagem

O
jardim da casa de Rui Barbosa é um
microcosmo de memórias que tem recebido a
atenção de vários pesquisadores, em especial
os pesquisadores da Fundação Casa de Rui Barbosa,
destacando os trabalhos de Cláudia Barbosa Reis1 e
Ana Pessoa2, que se debruçaram sobre o tema, na
busca das raízes da formação do bairro até a elevação
deste jardim a patrimônio histórico, bem como
de sua significação simbólica. Lembramos ainda o
pesquisador Carlos Terra3 , estudioso dos jardins, que
se voltou para a análise da tipologia deste importante
espaço paisagístico. Não podemos esquecer também,
das pesquisas que estão sendo geradas no decorrer
do processo de restauração em curso deste jardim,
revelando camadas antes ocultas e agregando estes
vestígios à arqueologia de sua memória. O Museu Casa
de Rui Barbosa, recebeu seu tombamento em 11 de
maio de 1938, fato que reconhece o edifício situado à
Rua São Clemente, 134, como patrimônio, bem como

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Jardins históricos

o seu entorno ajardinado e todos os elementos e objetos contidos neste endereço. Num museu-casa, a
idéia de monumento histórico, constituído a posteriori (CHOAY, 2006, p.26) se soma à preocupação em
manter os objetos abrigados junto ao mesmo monumento. A casa que serviu de morada a Rui Barbosa
e sua família, juntamente com seu jardim, encontram-se impregnados por uma realidade imaginária que
atua no presente, constituindo-se nesse sentido, em lugar de memória e espaço de fruição e significação
simbólica.
De acordo com o geógrafo Milton Santos, a paisagem [...] é tudo aquilo que nós vemos, definindo a
paisagem sob o domínio do visível e ao que nosso olhar alcança. A paisagem também se associa à dimensão
da percepção e ao processo seletivo de apreensão de cada indivíduo, processo que se desenvolve de forma
única, pois [...] cada pessoa a vê de forma diferenciada (SANTOS, 1997, p.62). Se apresentando ao olhar de
acordo com o ponto de vista de onde nos colocamos, a paisagem pode ser observada através de diferentes
ângulos resultando em diferentes versões. Tanto a paisagem quanto o espaço resultam de movimentos
superficiais e de fundo da sociedade, uma realidade de funcionamento unitário, um mosaico de relações, de
formas, funções e sentidos (SANTOS, 1997, p.61).
Este mosaico de relações que atinge de acordo com o autor, a forma, a função e o sentido, assumindo
a imagem de um mosaico, é uma composição de fragmentos que se relacionam no tecido da paisagem. É
também o resultado de uma somatória de transformações ocorridas ao longo do tempo, é um conjunto de
“idades diferentes”, de formas de ocupação do espaço. Sua leitura e observação apresenta um processo de
desvelamento de camadas de memórias, de vestígios que marcam a passagem do tempo na paisagem, que,
afinal, está em permanente mudança. Fruto e herança de diferentes momentos, a paisagem é “uma escrita
sobre a outra”, criada por meio de diferentes ocupações que envolvem acréscimos, rupturas e substituições
(SANTOS, 1997, p.66-68). Nesse sentido, a paisagem integra em sua superfície uma tessitura de relações
entre estas diferentes camadas de ocupação humana, formando um palimpsesto no espaço (SANTOS, 1997,
p.70).
A museóloga Tereza Scheiner utiliza a imagem da téssera, o fragmento do mosaico, para conjugar
uma reflexão sobre o todo e as partes de uma imagem:
Nenhum deles representa o todo: a imagem se desvela justamente a partir do arranjo intencional
destas pequenas singularidades. E ainda que não possamos conhecer de imediato o sentido
de cada ponto ou téssera no conjunto, sabemos com certeza que a partir do quadro geral se
poderá elaborar um ‘mapa’ articulado de pequenas significações: um olhar cuidadoso permite
identificar as tésseras que apenas servem de moldura e fundo, e as que definem os limites da
imagem [...] (SCHEINER, 2004, p.141).

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Para Scheiner, a imagem do mosaico se forma a partir da conjunção de seus fragmentos, de suas
tésseras, nenhuma delas representa o todo. A experiência da visão geral do mosaico inclui também a
percepção de pequenos conjuntos de quadros menores de tésseras.
Se considerarmos a paisagem como um mosaico, o jardim seria uma téssera, ou mesmo um universo
construído destas pequenas peças. O jardim é um ponto no espaço, ele emoldura um quadro de uma
paisagem construída, onde se articulam suas significações, seus sentidos materiais e imateriais, fragmentos
de vivências. Carlos Terra define o jardim como elemento na paisagem: [...] jardim é o trecho da natureza
onde houve a interferência humana mais ou menos profunda. Associa elementos naturais – vegetais,
pedras, água e animais – com os artificiais – arquitetura, mobiliário, escultura e, inclusive, pintura (TERRA,
2013, p.27).
De acordo com Jean Starobinski, o jardim é uma natureza cultivada de forma a apagar os vestígios
da intervenção humana, é o trabalho humano procurando reconciliar a natureza com a cultura. A arte dos
jardins deseja encontrar o paraíso da origem sem renunciar aos avanços da técnica, procurando reunir o
que antes fora separado e condenado à dispersão (STAROBINSKI, 1994, p.218). A função do jardim na
paisagem presencia feições variadas, podendo se oferecer ao desfrute por seus aspectos decorativos como
no caso do “jardim do prazer”; também assumindo uma função utilitária na forma de hortas cultivadas e
pomares; ou mesmo tomar uma feição científica, representada pelos jardins botânicos (TERRA, 2013, p.28).
Considerando o jardim como uma região de memória, Starobinski identifica os monumentos que
adornam um jardim como elementos memoriais, “duplos fantasmáticos”, vestígios de um passado cobertos
de inscrições (STAROBINSKI, 1994, p.221). Nesse universo nostálgico, o presente é destituído de importância:
o presente perde sua urgência. Neste sentido o jardim possui uma função de caráter simbólico, que permite
à percepção adentrar num universo que apresenta a possibilidade de uma experiência sensorial fora do
tempo presente. O jardim do Museu Casa de Rui Barbosa, apresenta-se como paradigma desse mosaico
de relações, reafirmando a passagem do tempo na paisagem e também atuando como um microcosmo de
memórias.

As memórias de um jardim em Botafogo


No jardim da casa de Rui Barbosa podemos observar diferentes estratos de memórias que se
acomodam no espaço, como um palimpsesto que é reescrito ao longo do tempo. A configuração visual do
jardim apresenta um traçado geométrico, especialmente nos fundos da casa, com a divisão em grandes
canteiros e um caminho central que anteriormente se alinhava à Rua Assunção4, formando um longo

61
Jardins históricos

caminho. De acordo com especialistas5 existe a hipótese de que a autoria do jardim frontal possa ser de
Glaziou6, não existindo, entretanto, documentação que comprove essa autoria.
Podemos observar vestígios de formação do jardim que se relacionam com os antigos moradores,
como o português Bernardo Casemiro de Freitas, o Barão da Lagoa, o primeiro morador da residência. O
jardim de desenho romântico à frente da casa, o jardim dos fundos com pomar e a pérgula de ferro para
suporte do parreiral, apresentam uma configuração cujo traçado remonta à época do Barão da Lagoa7(REIS,
2011, p.115-116).
O segundo morador, comendador Albino Guimarães, acrescentou elementos escultóricos ecléticos
ao jardim como o par de leões e a águia segurando a serpente, além do quiosque em estrutura octogonal,
localizado na parte posterior do domicílio (PESSOA, 2010, p.167). Rui Barbosa, como seu último morador,
fez instalar dentro deste quiosque (Il. 1) um chuveiro e uma banheira (REIS, 2010, p.169). Deve-se
também a Rui o plantio de muitas árvores, algumas ainda presentes no jardim, como os pés de lichia, o
abiu, jambo, sapoti, pitanga e várias espécies originárias da Bahia, sua terra natal: o araçá, mandacaru e
grande variedade de cocos, incluindo o dendê. Os três pés de camélias, de inspiração abolicionista, ocupam
posição privilegiada na parte frontal do jardim (Idem: p.170). Rui Barbosa também instalou nos fundos do
terreno uma estufa de vidro, onde cultivava plantas variadas como samambaias, palmeirinhas, avencas e
hortênsias (MAGALHÃES, 2013, p.37). A antiga estufa localizava-se onde hoje se encontra o laboratório
de microfilmagem da Fundação Casa de Rui Barbosa, que foi construído aproveitando a base estrutural
da estufa (REIS, 2010, p.169). Além de ser um jardineiro amador, Rui Barbosa dedicou-se com desvelo
ao cultivo de diferentes espécies de rosas, muitas delas raras, sendo que ainda há o canteiro onde eram
plantadas.
De acordo com o professor Carlos Terra, o jardim da Casa de Rui Barbosa pode ser considerado
um jardim eclético. Enquanto na fachada e na lateral direita trazem a herança da tradição romântica,
recebendo influência do jardim inglês, na lateral esquerda da casa o jardim se aproxima do modelo
italiano, com corredores verdes e árvores. Na parte dos fundos, existe o caminho central da pérgula
formando um longo corredor, que se associa ao jardim francês em sua ideia de infinito (TERRA, 2013,
p.131). No jardim romântico da fachada da casa da São Clemente (Il. 2), podemos observar elementos
pétreos em rocaille8, como a imitação de pedras e troncos arruinados, uma pequena pérgula, um córrego
sinuoso e uma queda d’água em miniatura. Também encontramos pontes ornadas com formas de troncos
de madeira que atravessam este pequeno riacho sinuoso. Na lateral direita do jardim, próximo à entrada
da casa, um nicho com a superposição de rocailles e troncos de árvore esculpidos, deixando entrever

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il.1 – Interior do quiosque, 1974/1975. Fonte: Coleção


Marcel Gautherot. Arquivo FCRB.

Il. 2 – Jardim frontal no Museu Casa de Rui Barbosa,


2015. Fonte: Foto da autora.

63
Jardins históricos

o gosto romântico: a contemplação da passagem do tempo, a ruína pitoresca. De acordo com Jean
Starobinsky, o jardim inglês abandonando o gosto pelos jardins geometrizados de Le Nôtre, apaixona-se
pelos penhascos e paisagens acidentadas e adota a irregularidade da ocupação do terreno, assumindo
a natureza “livre de qualquer sujeição” (STAROBINSKY, 1994, p.219). Afinal, a desordem faz parte da
natureza.
Também no jardim romântico da casa, [...] pequenos caramanchões floridos ladeiam esse conjunto
e, ao centro, há a escultura, em cimento e ferro, de uma águia imobilizando uma serpente de cuja boca sai
um esguicho d’água que cai em jato curvo no lago fronteiro (PESSOA, 2010, p.8). Na lateral esquerda da
parte posterior do domicílio, encontramos um quiosque de madeira instalado sobre uma ilha artificial. Este
conjunto também apresenta rocailles, como uma pequena ponte ornada que atravessamos para chegar
ao quiosque, além de decoração formada por troncos artificiais na base do quiosque. Um conjunto de
elementos pétreos localizado numa das extremidades
da ilha artificial e atrás do quiosque, compõem a cena
pitoresca.
O segmento do jardim localizado na lateral
esquerda da residência de Rui Barbosa é formado
por um longo canteiro em formato geométrico com
árvores como o abricó de macaco e dois pés de chuvas
de ouro, além de duas ânforas de mármore, que o
associa à tipologia do jardim italiano (TERRA, 2013,
p.132). Importante lembrar que essa lateral esquerda
se apresenta atualmente como o resultado de uma
alteração provocada pela perda do jardim original. O
terreno da lateral esquerda do jardim foi reintegrado
à residência na reforma conduzida em 1930.
O jardim localizado na parte posterior da casa
possui ainda hoje uma antiga pérgula de ferro que
sustentava um parreiral. A pérgula (Il. 3) se alinha
ao eixo central e se ramifica em dois corredores

Il. 3 – Pérgula, 2014.


Fonte: Foto da autora.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

transversais, formando à luz do sol uma teia de sombras sobre o piso e a vegetação. Este segmento
do jardim é formado por grandes canteiros em formatos geométricos, que se alinham em torno deste
eixo central. Conforme citado anteriormente, este caminho se unia à Rua Assunção, daí a associação de
Carlos Terra ao jardim francês de longos corredores que se dirigem ao infinito do horizonte. Observa-se
ainda neste jardim, dois pequenos lagos9: um redondo cercado de palmeiras cicas localizado na lateral
esquerda do eixo central e outro oval na lateral direita diante da antiga cavalariça. Este jardim além
de abrigar uma mescla de tipologias, característica do jardim eclético, forma uma moldura na paisagem
que circunscreve as histórias de suas antigas ocupações, memórias e vivências que se mesclam no espaço
material e imaterial.

O cotidiano de um jardim
As residências mais abastadas de Botafogo que sobreviveram, ainda guardam vestígios das antigas
chácaras. É o caso da residência de Rui Barbosa: a garagem para automóveis assume o lugar da antiga
cavalariça e o jardim dos fundos substitui os antigos pomares e hortas. Ainda se mantém a presença do
antigo galinheiro e do forno doméstico, provando a existência de um passado rural, onde os quintais eram
parte integrante e fundamental das residências10 (ALGRANTI, 2000, p.93).
A fachada ajardinada era apresentada aos visitantes e transeuntes, funcionando como um cartão de
visitas, como representação simbólica e imagem da família, sendo uma área muito valorizada da residência.
Inexistentes na implantação das moradias portuguesas, o aparecimento dos jardins na frente das casas foi
imposto às vezes por loteadores, evidenciando, acima de tudo, uma valorização dos espaços arquitetônicos
a ele vinculados, oferecendo ao passante a importância social dos proprietários (REIS FILHO, 2013, p.72).
Neste sentido, o “jardim da frente” é um sinal de distinção social, um elemento para a valorização da
fachada. Nele estavam flores e plantas de origem europeia11, bancos, cascatas, pequenas grutas e um
quiosque que identificam o jardim romântico de influência inglesa.
Nas laterais da casa e nos pavimentos superiores eram recebidos os familiares e amigos mais íntimos
que não requisitavam cerimônia. Os fundos da residência, considerados desprestigiados de atenção, eram
reservados aos trabalhos domésticos, associados então ao trabalho escravo e comprometidos com o antigo
mundo rural (REIS FILHO, 2013, p.74). No entanto, Leila Algranti, referindo-se aos jardins dos fundos afirma
que nesta área “a vida doméstica se desenvolvia intensamente”, pois o clima quente levava a família e
demais ocupantes da casa para as áreas externas, tanto nos momentos de trabalho como nas horas de lazer
(ALGRANTI, 2000, p. 94).

65
Jardins históricos

É importante observar as funções deste jardim na paisagem doméstica do passado, havia uma
relação indissolúvel entre a casa e o jardim. Afinal, o jardim envolve a residência, podendo ser visto e
admirado tanto do exterior quanto através das janelas do interior da casa. Se nos fundos ele possuía função
utilitária sob a forma de hortas e árvores frutíferas para usufruto da casa, local para as lides domésticas dos
empregados, também era abrigo para a vida íntima da família e palco para brincadeiras das crianças (REIS,
2011, p.26). Era ainda ambiente para o cultivo das roseiras de Rui Barbosa, que, logo pela manhã, passeava
de pijamas pelo jardim. As rosas eram colhidas para decorar os ambientes da casa em dias de aniversário,
adornando-a em dias de festa (BANDEIRA, 1960, p. 16). Também há notícias de piqueniques realizados no
jardim, que eram frequentes, assim como os garden parties, muito em moda naquela época (REIS, 2011,
p.28).
Rui Barbosa e sua família residiriam na Rua São Clemente até 1923. Na intenção de homenageá-lo, o
governo inaugura em 1930, sua residência como o primeiro museu-casa do país, voltado para a preservação
do ambiente familiar de Rui Barbosa, de sua biblioteca e de seus documentos (PESSOA, 2010, p.1). Neste
intervalo de sete anos que separou sua morte da criação do museu, o jardim havia sido abandonado e
sofrido uma perda de terreno em sua lateral esquerda12. Essa área foi recuperada e o jardim passaria por um
processo de reconstrução, coordenada pelo engenheiro Vittorio Miglietta, resultando em sua configuração
atual. Também é desse período o plantio de uma muda de pau-brasil no limite do terreno que havia sido
reintegrado, ação conduzida pelo então presidente Washington Luís, responsável pela transformação da
casa de Rui Barbosa em espaço público (REIS, 2011, p.24, 35, 37). Diante deste fato, devemos considerar
que esta ação acabou por compor mais um fragmento do mosaico deste jardim, ou uma reescritura feita a
partir da perda de elementos paisagísticos originais e o plantio de novas espécies.
Em 1938, o conjunto arquitetônico da casa e do jardim passa a ser protegido pelo Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional13, configurando seu valor como patrimônio histórico e artístico.
Transformado em bem cultural, o Museu Casa de Rui Barbosa perdeu a função original de moradia de uma
família. Entre a casa e o jardim, estamos diante de formas de visitação e ocupação humanas diferenciadas:
o espaço da antiga residência de Rui, um museu-casa, visando à conservação deste bem histórico, obedece
ao imperativo de regras para a visitação pública. O mobiliário e os objetos não podem ser tocados, as
cortinas diminuem a incidência da luz no acervo, mas separa o ambiente da casa de sua área externa. O
jardim, uma das poucas áreas verdes que restaram no bairro de Botafogo, abre suas portas14, oferecendo
o convívio com a natureza: famílias, crianças, bebês, idosos além de outros visitantes, são acolhidos num
ambiente distante do cotidiano da grande cidade. Muitos que o visitam nem sequer entram na antiga

66
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

residência. Vale lembrar que o espaço do jardim, contido em aproximadamente 9.000 m², é o local mais
visitado do Museu Casa de Rui Barbosa, o que lhe confere grande importância social (ABREU, 2009, p.58).
Portanto, além de representar uma área significativa da instituição, o jardim da casa é também um espaço
público importante no bairro de Botafogo.

As rosas de Rui Barbosa


Rui Barbosa era apaixonado por rosas. Quando morou15 na Rua do Resende, a casa possuía um
terreno que proporcionava a Rui condições propícias de praticar jardinagem. Sábados e domingos eram
reservados para o cultivo do jardim: Rui Barbosa limpava as roseiras e palmeiras, sempre acompanhado por
seu cunhado, Carlito, que revolvia e adubava a terra (BANDEIRA, 1960, p. 13). Rui tinha o cuidado de anotar
num caderno os nomes das culturas para catalogá-las e tentar enxertos futuramente. As rosas cultivadas
recebiam uma pequena tabuleta pintada de branco inscrita a lápis, mencionando a espécie da flor: era a
dedicação e zelo com sua coleção.(IIl. 4)
Quando a família mudou-se para a residência da Praia do Flamengo no antigo número 14, o roseiral
também foi transplantado. De acordo com familiares, nesta residência próxima à praia, Rui Barbosa chegou
a ter mais de trezentas espécies de rosas, a maioria transplantada16 para a Rua São Clemente, a chamada Vila
Maria Augusta (REIS, 2011, p.32). Ter uma propriedade em Botafogo, no século XIX, significava status social
e o jardim era o símbolo deste prestígio, já que as flores, na sua maioria, eram importadas da Europa [...]
(TERRA, 2013, p.155). Na residência de Botafogo, as rosas eram cultivadas no canteiro da lateral esquerda
da casa, no atual jardim italiano (TERRA, 2013, p.132) e também se aninhavam junto ao parreiral nos fundos
da residência, conforme comprovado em fotos da época17 (Il. 5).
De acordo com Carlos Terra, a rosa foi considerada a flor do século XIX , assim como a jardinagem
amadora, conferindo distinção ao colecionismo de espécies de flores. Se as rosas significavam uma paixão
para Rui, os três pés de camélias se revestem de um valor simbólico: as camélias plantadas na parte frontal do
jardim e na alameda de entrada da casa representavam sua adesão ao movimento abolicionista. De acordo
com o historiador Eduardo Silva, a camélia na lapela era usada como uma espécie de código pelos abolicionistas
que assim poderiam ser identificados nas ações mais perigosas. A Princesa Isabel decorava os ambientes de
sua residência no Palácio das Laranjeiras, com camélias que eram cultivadas numa chácara do Leblon, de
propriedade do português José Seixas Magalhães. Esta floricultura era conhecida como o “quilombo Leblond”
ou “quilombo Le Bloon”, pois as flores eram cultivadas com o auxílio de escravos fugidos. O quilombo do
Leblon era um ícone do movimento abolicionista que recebia a proteção da Princesa Isabel (SILVA, p.1-6).

67
Jardins históricos

Il. 4 – Tesouras de poda de Rui Barbosa, 1974-


1975. Fonte: Coleção Marcel Gautherot.
Arquivo FCRB.

Il. 5 – Rui no jardim. Revista Fon Fon, 1918.


Fonte: Arquivo do Museu Casa de Rui
Barbosa.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

A paixão de Rui Barbosa pela jardinagem se estendia à biblioteca19, onde possuía muitas publicações
voltadas à jardinagem e à botânica, provando ser também tema de seu interesse intelectual. No livro “Lado
a Lado de Rui”, Carlos Viana Bandeira narra as constantes idas a casas de jardinagem para a compra de
novas mudas, assim como as solicitações de Rui para que se cuidasse das rosas, nos períodos em que estava
ausente da residência. Em abril de 1895, estando em Londres, Rui escreve em carta: Manda-me plantar em
São Clemente, especialmente junto à parede da casa, na parte onde se acha a sala de jantar, jasmineiros
e roseiras trepadeiras (sobretudo Marechal Niel e Captain Christy trepadeira), de modo que subam para o
terraço (BANDEIRA, 1960, p.195).
O roseiral que um dia foi parte integrante do jardim da casa de Rui Barbosa está hoje ausente do
ambiente paisagístico deste museu-casa. Aberto à visitação pública desde 1930, talvez muitos de seus
visitantes pouco saibam sobre a paixão de seu antigo morador pelas rosas, que poderiam estar presentes
neste jardim, reafirmando o imaginário de Rui e a memória do lugar.

O jardim como espaço público e coleção de memórias


O processo de transformação e substituição de elementos paisagísticos e espécies de plantas é um
processo ao qual mesmo um jardim histórico de museu-casa não consegue escapar. Encontramos camadas
desse mosaico de memórias que contam histórias de como este espaço paisagístico foi ocupado, traduzindo
toda a sua diversidade temporal. Nele, diversos elementos se unem para narrar histórias: a pérgula e o
parreiral, traços da herança portuguesa do primeiro morador, o Barão da Lagoa. O quiosque, elemento
arquitetônico instalado numa pequena ilha artificial pelo comendador Albino Guimarães, que na época
de Rui seria uma casa de banhos e palco de brincadeiras para os seus netos em férias. Atualmente, o
quiosque abriga uma exposição sobre a formação do bairro de Botafogo. O pé de Lichia plantado por Rui
quando este começou a residir na casa, as camélias que simbolizam sua posição abolicionista, o pau-brasil,
uma homenagem de Washington Luís ao último morador da residência. Poderá o visitante identificar a
significação simbólica de todos estes elementos vivos de memória no atual jardim da São Clemente? Esta
paisagem construída já sofreu várias alterações, passando atualmente por um processo de restauro20 que
teve início em janeiro de 2015 e que está trazendo novas leituras deste espaço.
O Museu Casa de Rui Barbosa é um lugar de memória onde se estabelece uma fruição do passado
que nos permite também reviver nossas próprias memórias - ambiente que opera em nossos sentidos para
o abandono e escape do tempo presente. O cenário que circunda a casa e se prolonga até os fundos
cria intervalos de espaço que nos convida ao passeio, proporcionando uma pausa para a contemplação.

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Jardins históricos

O jardim da casa de Rui Barbosa é mais do que um lugar e um espaço físico, ele vai além: é uma paisagem
construída que está diante de nossos olhos e nos envolve em seu ambiente sensorial. Proporcionando um
momento de paz e reflexão, este jardim histórico pode nos trazer a experiência de seu passado, trazendo
luz a nossas próprias memórias.
Nesse ambiente - onde se mesclam a utilização do jardim como espaço público e sua significação de
quando ainda era um espaço privado, pertencente ao universo de Rui Barbosa e sua família, a proposta
de reconstituição de sua memória paisagística se impõe como um contraponto necessário. É importante
pensar uma musealização desse jardim. A recuperação do roseiral de Rui Barbosa restabeleceria um
elemento significativo dentro desse espaço, trazendo para o presente, a paixão e a prática da jardinagem
de seu ilustre morador, ajudando, nesse sentido, a recuperar o universo do cotidiano dos jardins privados
das residências de elite do século XIX. A musealização de espécies vivas que representam e simbolizam
elementos importantes no jardim como as três camélias, o pé de Lichia e o pau-brasil, poderiam receber
uma infografia que informasse aos visitantes sua importância e significado para este lugar de memória.
Neste território ambíguo, de lugar aberto para o estado de alma da rememoração e da função
hodierna de espaço público que acolhe o visitante, encontra-se o jardim histórico da Casa de Rui Barbosa.
Nessa região intermediária, ele navega em busca de significação.

NOTAS
1
Museóloga como especialização em Museus Históricos, Mestre em Letras pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro. Atuou como pesquisadora nos Museus Castro Maya (1974-1982), dedicando-se ao estudo da
iconografia do Rio de Janeiro. Em 1976 passa a atuar como museóloga no Museu Casa de Rui Barbosa, sendo
responsável pela instalação e gestão da base de dados deste museu. Dedica-se à pesquisa museológica referente à
coleção de objetos do acervo do Museu Casa de Rui Barbosa, sendo “Memórias de um Jardim” (2011), uma de suas
publicações ligada ao estudo deste jardim histórico.
2
Arquiteta, Mestre e Doutora em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (2000). Ocupou cargos gerenciais em instituições governamentais como a Embrafilme, Funarte,
coordenando projetos de pesquisa, seminários e exposições. A partir de 1996 passou a integrar o quadro de
pesquisadores da Casa de Rui Barbosa e atualmente é diretora do Centro de Memória e Informação desta instituição.
Dentre suas pesquisas, o ensaio “História de um Jardim: de chácara a bem cultural”, dedica-se a elaborar uma
análise histórica da formação do jardim da casa de Rui Barbosa.
3
Especialista em História da Arte e Arquitetura no Brasil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
Mestre e Doutor em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2004). Atualmente é Professor
Adjunto da Escola de Belas Artes da UFRJ, atuando como deu Diretor. Tem como interesse de pesquisa a História

70
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

da Arte brasileira do século XIX e início do XX, centrado na representação da paisagem na pintura e o estudo
da História dos Jardins. Sua tese de doutoramento “Paisagens Construídas: jardins, praças e parques do Rio de
Janeiro na segunda metade do século XIX” (2004) é um estudo abrangente da história e construção dos jardins
na cidade.
4
A construção do edifício do Centro de Memória e Documentação, que faz parte da Fundação Casa Rui Barbosa,
ocorreu no final da década de 1970, ocupando o lugar de um antigo picadeiro onde se adestravam cavalos, ainda
na época em que Rui e sua família residiam na casa. Ainda hoje podemos notar um portão nos fundos desse edifício
que faz a ligação com a Rua Assunção (MELLO, 1997, p.43; REIS, 2011, p.41).
5
Carlos Fernando Delphim e Miguel Gastão da Cunha admitem a hipótese da autoria de Glaziou para o jardim da
Casa de Rui Barbosa.
6
Auguste François Marie Glaziou (1833-1906). Engenheiro e paisagista francês que coordenou a Diretoria de Parques
e Jardins da Casa Imperial de 1869 a 1897, sendo responsável pela criação dos jardins como a Quinta da Boa Vista
e o Campo de Santana (REIS, 2011, p.17-8).
7
Existe certa controvérsia em relação à data de implantação do jardim frontal à inglesa da Casa de Rui Barbosa.
De acordo com Ana Pessoa, teria sido o segundo morador, Comendador Albino Guimarães, que o “revestiu de
artefatos e traços de jardim romântico à inglesa” (PESSOA, 2010, p.3). Para Carlos Terra no período em que
ali residiu o Barão da Lagoa: “além da casa, um pequeno jardim à inglesa, que dizia-se à época, ser um dos
jardins mais elaborados da Corte”, mencionando uma alteração no jardim frontal na fase de Albino (TERRA,
2013, p.131).
8
Os jardins românticos do século XIX possuem mobiliário decorativo que copia formas da natureza: grutas artificiais
e falsos conjuntos de rochas construídos em argamassa, considerados obras em rocaille. Contam também com
elementos decorativos que imitam troncos e galhos retorcidos usados em bancos, mesas e corrimãos (GALLOIS,
2014, p.5).
9
O lago redondo é da época em que Rui Barbosa morou na São Clemente. O lago oval foi construído em 1930 com a
reforma do jardim promovida por Washington Luís.
10
Os quintais aparecem com frequência nos registros do século XVI ao XIX, assim como os pomares e hortas. Os
jardins só aparecem nos relatos de viajantes no início do século XIX. (ALGRANTI, 2000, p.95).
11
Existe por parte da elite no século XIX certa rejeição às plantas tropicais, assim como uma negação do passado
rural, considerado coisa ultrapassada. Imperava uma tendência à importação do modelo europeu (REIS FILHO,
2013, p.142).
12
Na tentativa de criar uma ligação entre a Rua São Clemente e a Rua Assunção, o terreno da lateral esquerda da
residência foi desapropriado pela prefeitura do Rio de Janeiro e várias árvores do jardim foram cortadas como um
flamboyant, uma acácia imperial, uma braúnea e um olho de boi, além de um fícus que pendia sobre o lago (REIS,
2011, p.24, 35).

71
Jardins históricos

O SPHAN foi criado em 13 de janeiro de 1937, no governo de Getúlio Vargas, sendo organizado e dirigido por Rodrigo
13

Melo Franco de Andrade. A partir de 1946 torna-se IPHAN: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
O horário de visitação do jardim da Casa de Rui Barbosa vai de 08:00 horas até às 18:00 horas. Dados no site da
14

Fundação Casa Rui Barbosa.


15
Rui residiu na Rua do Resende de 1882 até 1884, quando foi nomeado deputado geral na Corte do Rio de Janeiro
(BANDEIRA, 1960, p.12).
16
As rosas foram transplantadas da Praia do Flamengo para a Rua São Clemente entre 1893 e 1895 (REIS, 2011, p.32).
17
Fotos na Revista Fon Fon de 1918 (REIS, 2011, p.33).
18
“São raras as referências sobre a história das rosas no Brasil, mas é sabido que foram trazidas pelos jesuítas entre
os anos de 1560 e 1570. As primeiras roseiras foram plantadas ao lado da Vila de Piratininga e suas flores eram
utilizadas em solenidades religiosas. A partir da criação da Ordem da Rosa, em 1829, através da qual D. Pedro I
homenageava os nobres por seus feitos, é que iniciou o plantio de roseiras em jardins públicos. A citação literária
mais antiga encontrada data de 1813, a partir da descrição do município de Roseira, cujo nome deriva-se do bairro
localizado à margem do Caminho Real que ligava São Paulo ao Rio de Janeiro” (STUMPF: BARBIERI, 2005).
19
De acordo com a museóloga Sônia Alves Ferreira, em sua monografia “Os jardins do Águia”, a biblioteca de Rui
Barbosa possui 179 publicações ligadas ao tema da jardinagem.
20
A restauração afeta o jardim frontal, o jardim posterior próximo ao quiosque e também abrange a pérgula de ferro.

REFERÊNCIAS
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ALGRANTI, Leila Mezan. Famílias e Vida Doméstica. In: SOUZA, Laura Mello (Org.). História da vida privada
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Barbosa. Rio de Janeiro: CPDOC – PPHPBC; Fundação Getúlio Vargas, 2009, Dissertação de Mestrado.
CPDOC, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2009.
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72
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

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rio-de-janeiro-conservacao-e-capacitacao > Acesso: 10. jan.2015.
MAGALHÃES, Rejane M.M.Almeida. Rui Barbosa na Vila Maria Augusta. Rio de Janeiro: Fundação Casa de
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MELLO, Maria Lúcia Horta Ludolf. O Arquivo histórico e institucional da Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio
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PESSOA, Ana. História de um jardim: de chácara a bem cultural. Comunicação apresentada no I Colóquio
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casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/o-z/FCRB_AnaPessoa_Historias_de_um_jardim.pdf> Acesso
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REIS FILHO, Nestor G. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 12 edição, 2013.
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SCHEINER, Tereza Cristina. Imagens do não lugar: comunicação e os novos patrimônios. Rio de Janeiro. Eco,
UFRJ, Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura, UFRJ, Rio de Janeiro,
2004.
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26.ago.2015.
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TERRA, Carlos. Paisagens construídas: jardins, praças e parques do Rio de Janeiro na segunda metade do
século XIX. Rio de Janeiro: Rio Books, 2013.

73
Jardins históricos

Em meados do século XIX surgiram nas principais cidades


brasileiras os Planos de Embelezamento e Salubridade que
tinham como objetivo dotar as principais cidades do país de um
aspecto mais salubre, moderno e próspero, distanciando-se cada
vez mais da imagem ligada ao passado colonial. É nesse período
que os espaços públicos, especialmente os “jardins públicos”,
ganharam força na paisagem urbana e configuraram peças
fundamentais nessa transformação da imagem das cidades.
Nesse contexto de mudanças do século XIX foram propostos por
engenheiros e gestores, alguns ajardinamentos em Maceió: dois,
em espaços mais amplos, - o Jardim do Palacete da Assembleia
e o Jardim do Jaraguá, situados nos principais bairros na época
e, outros em trechos nas proximidades das edificações mais
importantes da cidade, configurando pontos de convergência
da população e marcos na paisagem. O presente artigo vem
destacar o papel do jardim público do Jaraguá e sua importância
para a região portuária e discutir sobre as ações de modernização
e preservação que incidiram sobre o bairro no qual está inserido
a partir do processo de revitalização que se iniciou no ano de
2004. Nesse sentido, revisita-se na história a compreensão
de como esse jardim foi criado e como se configurou ao longo
dos anos, procurando-se identificar a partir de relatos da época
(Relatórios dos Intendentes e dos Engenheiros) as intervenções
que nele ocorreram, os elementos físicos que o caracterizaram e
que emolduraram a paisagem litorânea deste importante núcleo
da cidade (o bairro de Jaraguá) ao longo do tempo.

Palavras-chave: Jardim público; modernização; embelezamento;


preservação.

74
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

As ações de modernização urbana e a


preservação do patrimônio de Maceió:
reflexões sobre o jardim público do Jaraguá
Tharcila Maria Soares | Leão J. Omena Passos

As ideias de modernização,
salubridade e embelezamento
urbano nos jardins públicos e a
preservação do -

A
A cidade é um dos principais suportes de
nossa história, um grande e complexo artefato
arquitetônico constituído por diversos elementos
materiais que se misturam, se sobrepõem, ora apagando,
ora acrescentando aos elementos já existentes na
paisagem, em diversos momentos de sua formação.
Enquanto fruto dessa complexa construção histórica ao
longo do tempo, a cidade pode fortalecer nossos traços
identitários, pois é palco de diversos acontecimentos
vivenciados pela sociedade, onde se manifestam as
permanências, rupturas e relações do antigo com o
atual, que contribuem para a formação e permanência
da memória coletiva. Para a compreensão atual das
cidades, em termos de seus problemas e necessidades,
faz-se necessário compreendermos seu processo
constitutivo ao longo do tempo. Para Olender (1995) no
estudo da história urbana é preciso considerar a relação
entre o passado e o presente e vice-versa.

75
Jardins históricos

De acordo com Gomes (2011) a compreensão do passado, a preservação do patrimônio e o pla-


nejamento urbano deveriam ser práticas complementares e não excludentes, como vem ocorrendo princi-
palmente com a disseminação dos legados modernistas, que insistem em renegar a história, distanciando-se
cada vez mais de um passado considerado atrasado (OLENDER, 1995). Observa-se que a modernidade trouxe
consigo a ideia de “tábula rasa”, com uma atitude seletiva que determinava o que devia ser destruído para a
introdução de elementos novos nas cidades (MOREIRA, 2005). É o que Olender (1995) chama de “deshistori-
zação” das cidades, que atinge dois níveis diferentes entre si, segundo o autor: um nível espontâneo, que cabe
à especulação imobiliária e que fomenta a produção quantitativa e rápida de novas edificações muitas vezes
sem qualidade estética ou funcional. E um outro nível, mais complexo, que diz respeito à própria produção
dos arquitetos que, devido principalmente à formação acadêmica, renegam em suas obras o passado, ávidos
pelas ideias de modernização urbana.
As ideias de modernização das cidades brasileiras tiveram início no processo civilizador que teve
como ponto inicial a transferência da Corte Portuguesa para o Brasil em 1808, fato que acarretou diversas
mudanças na paisagem urbana brasileira. Esse processo de transformação também se refletiu diretamente
nos modos e comportamentos da elite local, que passou a se espelhar nos costumes europeus. Entre outras
coisas, o uso coletivo dos espaços públicos, antes marginalizados, ascendeu aos poucos como locais de
integração principalmente da elite (ALMEIDA, 2014).
Esse processo civilizador se acelerou com a Independência do Brasil em 1822, quando diversas
ações foram tomadas visando transformar as principais cidades, especialmente o Rio de Janeiro, em cartão
de visitas de um Brasil moderno e civilizado (MOURA FILHA, 2000). Sob tal objetivo buscou-se aproximar as
cidades brasileiras dos modelos de modernidade e civilização das cidades europeias, especialmente Paris
após a reforma empreendida pelo então prefeito Haussmann na segunda metade do século XIX (DOURADO,
2011).
A cidade do Rio de Janeiro, então capital da República, começou a se transformar em um modelo
a ser reproduzido em todo o país. Essas transformações foram pautadas principalmente pelas ideias do
trinômio “Modernizar-sanear-embelezar” que significava antes de tudo a criação de uma “imagem vendável
do Brasil”, trazendo credibilidade e garantindo seu ingresso no circuito do capitalismo internacional
(ALMEIDA, 2014).
Nesse sentido, as ideias higienistas e de embelezamento urbano, já existentes na Europa desde
o século XVIII começaram a nortear as intervenções do poder público no espaço urbano brasileiro e foi
responsável por diversas transformações na paisagem das cidades.

76
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Foi nesse contexto que surgiram pelo Brasil a partir de meados do século XIX diversos Planos de
Embelezamento e Salubridade que tinham como principal objetivo dotar as principais cidades do país de
um aspecto mais moderno e próspero, distanciando-se cada vez mais da imagem ligada ao passado colonial
(MOURA FILHA, 2000). Com esse objetivo, os gestores, engenheiros e demais agentes responsáveis pela
construção das cidades empenharam-se na criação de uma nova imagem das cidades brasileiras através da
elaboração de propostas e planos que deveriam ser implantados para atingir essa finalidade. Nesse período,
fazendo parte desses planos de Embelezamento e Salubridade, os jardins públicos e espaços ajardinados
ganharam força na paisagem urbana e tornaram-se elementos cruciais, junto com as modificações na
arquitetura, desse processo de criação de uma nova imagem para as cidades.
Diante desse contexto, busca-se nesse artigo refletir sobre como as ações de modernização
urbana, salubridade e embelezamento implementadas pelos gestores a partir de meados do século XIX se
refletiram sobre o Jardim Público de Jaraguá em Maceió- AL e se relacionaram com seus aspectos históricos
existentes na época. Reflete-se, ainda, sobre como os jardins públicos e seus resquícios são abordados nas
políticas preservacionistas locais.

As primeiras ações de modernização urbana e a inserção dos


jardins públicos em Maceió-AL
Narra a historiografia oficial que a cidade de Maceió, AL, teve suas origens relacionadas ao antigo
Engenho Massayó e à enseada de Jaraguá, quando ainda era um pequeno povoado em meados do século XVIII.
Em 1816 o pequeno povoado foi elevado à categoria de vila pelo seu crescimento e desenvolvimento econômico
e em 1839 tornou-se a capital de Alagoas com a transferência da sede administrativa de Santa Maria Madalena
do Sul (atual Marechal Deodoro) para Maceió devido, principalmente, à sua excelente localização na enseada do
Jaraguá. Essa mudança gerou um maior desenvolvimento econômico para a nova capital e seu aspecto urbano já
não era condizente com sua nova posição. Além disso, ocorriam no país ações de embelezamento e higienização
que estavam ligadas ao processo de Secularização. Foi na busca de um novo padrão estético e de sociabilidade
condizente com a nova posição de capital, seguindo o exemplo de cidades como Rio de Janeiro, Salvador, Recife
e outras capitais, que foram realizadas ações para a melhoria de infraestrutura urbana e inseridos na paisagem
maceioense os jardins públicos na segunda metade do século XIX.
As primeiras ações de modernização de Maceió configuraram principalmente em melhorias
em sua infraestrutura, tais como calçamento e alinhamento de ruas e praças, implantação de trilhos,
construção de pontes, reparos nas estradas que ligavam aos povoados circunvizinhos e construção de

77
Jardins históricos

edificações públicas essenciais para o bom funcionamento da cidade (matadouros públicos, cemitérios,
quartel de polícia, etc).
Além da melhoria de infraestrutura, havia uma forte intenção de criação de uma nova imagem
da cidade, moderna, bela e próspera, renegando seu passado. A primeira tentativa de dotar a cidade de
um aspecto mais moderno já havia sido anunciada por José Bento da Cunha Figueiredo no ano de 1850,
evidenciando a intenção de desvencilhamento de uma passado colonial, relatando o “atraso” da capital e
falando da necessidade de seu embelezamento e asseio:
Sois vós testemunhas, Snrs., do vergonhoso atraso, em que se acha esta cidade a respeito da
regularidade na edificação dos prédios, calsamento e direcção das ruas: não podeis portanto
deixar de proporcionardes alguns meios com que possa a Camara Municipal concorrer para o
embellezamento e asseio da capital.(FIGUEIREDO, 1850, p.23. grifo nosso)

A intenção de aformosear os pontos mais representativos de Maceió, entre eles o bairro de


Jaraguá, dotando-a de uma aspecto condizente com sua posição de capital configurou um dos pontos
importantes desse processo de criação de uma nova imagem para a capital.
Surge exatamente nesse contexto de transformações urbanas as proposições dos primeiros espaços
públicos ajardinados na cidade de Maceió, em meados do século XIX. Essas propostas de jardins públicos, praças
ajardinadas e boulevards, entre outros, possuíam uma evidente intenção estética e pareciam tentar adaptar
as ideias europeias à realidade maceioense. Tais espaços ajardinados configuraram elementos importantes na
criação de uma nova imagem da cidade, buscando integrar-se com seu entorno e aliar funções paisagísticas,
estéticas, utilitárias e de integração social, tendo sido alvo de diversas ações de reforma e manutenção por
parte da gestão municipal (CAMPELLO, 2009; OFFICIOS DOS ENGENHEIROS, 1839-1884).
Desde o ano de 1857 já se identifica nos relatórios provinciais e ofícios dos engenheiros a presença
de jardins em Maceió. O primeiro espaço ajardinado implantado foi no terreno em volta do Palacete da
Assembléia, que foi gradeado e recebeu ladrilho e vegetação adequada ao nosso clima. No entanto, durante
mais de uma década Maceió contou apenas com esse espaço ajardinado e apenas em 1869, durante a
gestão de Bento Figueiredo Júnior foi proposto um novo espaço ajardinado localizado no bairro do Jaraguá,
porta de entrada da cidade por via marítima:
[...] Notava-se aqui a falta de uma praça perfeitamente regular e arborisada. Além do pequeno
jardim do Palacete, não havia outro ponto que servisse de refrigério e recreio à população. O bairro
do Jaraguá carecia absolutamente de um conforto semelhante. Contractei em 20 de Dezembro
do anno passado a execução do plano, pelo qual ficará fechada com muro, gradeamento e portão
de ferro a praça de Nossa Senhora Mãi do Povo no referido bairro, em frente do novo edifício do

78
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Consulado, que tem dos lados duas casas symetricas e elegantes, uma para abrigo da guarda, e
outra junto à ponte de desembarque.
O viajante, ao saltar, ficará agradavelmente impressionado, deparando com uma praça
de estylo moderno, tendo em frente um elegante chafariz, no centro bancos, canteiros e
arborisação, e sobre os pilares do muro lampeões que mais tarde podem ser iluminados com
gaz carbônico.Com 8:200$000 rs teremos um melhoramento que além de outras vantagens,
servirá de incentivo para outros similhantes no futuro[...] (FIGUEIREDO JÚNIOR, 1870. p 49 –
grifo nosso)

Apesar do empenho de Figueiredo Júnior, o jardim do Jaraguá não foi concluído durante sua
gestão, apenas em 1872 durante o governo de Silvino Elvídio Carneiro da Cunha. Em relatório de 1872,
após assumir o governo, Cunha aborda o custo e abandono da obra do jardim e seu interesse em retomá-la:
Tendo custado esta obra 10:326$440 rs, e encontrando-a em abandono, mandei proceder pelo
engenheiro fiscal aos necessários preparos, afim de, no começo da estação invernosa, fazer as
devidas plantações.
Será um recreio muito agradável, que terá no futuro a população de Jaragua. Já que tão avultada despeza
se fez com esta obra, que muito concorrerá para o aformoseamento do porto cumpre que o governo
não abandone-a , e ao contrário lhe dê todo possível aperfeiçoamento. (CUNHA, 1872, p.48-49).

O Porto do Jaraguá foi fundamental para o desenvolvimento urbano de Maceió além de ter
exercido um importante papel como local simbólico, por onde chegavam as novidades dos navios, marcando
a entrada da cidade e configurando um local de convergência da população. As proximidades com o Porto
do Jaraguá e a Ponte de Embarque e Desembarque certamente tornaram o Jardim do Jaraguá um ponto
focal para os que chegavam e saíam da capital por via marítima e para a população local.
O Jardim do Jaraguá funcionou, a partir da segunda metade do século XIX, no largo da Igreja
Nossa Senhora Mãe do Povo, nas proximidades da Ponte de Embarque e Desembarque, do Consulado
Provincial e do Banco de Londres, instituição forte que investia recursos na mercantilização e na melhoria
de infraestrutura de trens e bondes. Assim como os demais jardins públicos da cidade, o jardim tinha um
horário de visitação: de segunda à sábado, das 15:00 às 18:00 horas e aos domingos, das 06:00 da manhã
às 18:00 horas da noite (Officios dos Engenheiros, 1877). Provavelmente o horário mais amplo de domingo
se devia ao fato de as missas e eventos promovidos pela igreja acontecerem com mais frequência neste dia
da semana, logo o jardim teria uma maior visitação, exigindo um horário mais estendido.
Além de funcionar como local de integração, distração e lazer, o Jardim do Jaraguá, assim como
os demais jardins da época, também tinha uma função utilitária pois, entre outros elementos, abrigava em

79
Jardins históricos

seu interior um chafariz que distribuía água para a população mediante o pagamento de 10 réis por balde
(OFFICIOS DOS ENGENHEIROS, 1883). Um croqui do chafariz (desaparecido atualmente), encontrado nos
arquivos do Arquivo Público de Alagoas, demonstra que havia, além da função utilitária, uma intenção
estética com esse jardim. Pelo seu formato, supõe-se que era em ferro advindo das Fonderies du Val
d’Osne (Fundições do Val d’Osne), o principal centro de fundição artística da França que forneceu diversas
peças artísticas em ferro fundido para vários países como Chile, Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil. Em
Maceió, atualmente ainda podem ser visualizadas algumas estátuas e postes em ferro fundido no bairro
do Jaraguá.
No entanto, com o passar do tempo, assim como ocorreu com o Passeio Público do Rio de Janeiro,
os jardins públicos de Maceió, entre eles o jardim do Jaraguá, ficaram em “estado lamentável”, necessitando
de uma reparação e da contratação de mais um jardineiro, já que a existência de apenas um profissional
não estava sendo satisfatória para cuidar dos dois principais jardins: Jaraguá e Palacete da Assembleia
(OFFICIOS DOS ENGENHEIROS, 1878 a 1881). Os relatórios dos Intendentes e os Officios dos Engenheiros
citam a destruição dos jardim por parte de pessoas mal intencionadas e animais que destruíam o gradil e a
vegetação ali existente além do roubo dos bancos que possuíam pé em ferro, alertando para a necessidade
de vigilância por parte do exército e polícia.

O governo Malta e a segunda tentativa de modernização urbana:


o projeto de Roasalvo Ribeiro para o antigo Jardim do Jaraguá
Durante o governo de Euclides e Joaquim Paulo Vieira Malta (1900-1912), que se alternaram no
poder por mais de uma década, ocorreu uma segunda tentativa de modernização urbana. Nesse período,
Maceió foi remodelada conforme os padrões de modernidade e salubridade que estavam sendo empregados
no Rio de Janeiro e demais capitais do país, renegando seu passado. Entre as diversas transformações
implementadas na cidade, além do embelezamento e ajardinamento de praças e espaços públicos,
ocorreram também reformas e construções de novos edifícios públicos imponentes sob a supervisão do
arquiteto italiano Luigi Lucarini.
Nesse período, com o objetivo de modernizar a cidade e trazer de volta o jardim para o convívio
cotidiano da população, a partir do início do século XX se iniciaram uma série de reformas e reparos no
Jardim do Jaraguá e nos demais jardins da cidade, tais como o conserto e a pintura do gradil que circundava
o jardim, entre outras ações. Em 26 de janeiro de 1905 um dispositivo da lei n. 87 autorizou a demolição do
Jardim do Jaraguá para seu aformoseamento: Realmente o que ali ostentava o nome de jardim não passava

80
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

de um local destinado ao agazalho dos animais vagabundos daquelle bairro. Foi, pois, meu primeiro cuidado
reformal-o, como dezejava, emprestando-lhe um aspecto que bem dissesse com o nosso adiantamento
moral e progresso material. (MARQUES, 1906).
Foi contratado então o famoso pintor alagoano Rosalvo Ribeiro1, recém chegado de Paris, para
elaborar o projeto para o Jardim do Jaraguá, que ficou conhecido na época como Praça Wanderley de
Mendonça. Para o seu “aformoseamento” foram encomendados da Europa diversas estátuas decorativas,
fontes, lampiões, bancos, entre outros elementos. Mais uma vez fica nítida a preocupação com a estética
do local, a importação de modelos europeus, junto com a valorização de peças decorativas importadas e
com o conforto térmico:
Alem das frondosas arvores que o ensombram o jardim tem como ornamento uma bella estatua
da Liberdade graciosos animaes em bronze em elegantes pedastaes de alvenaria e um artístico
kiosque de madeira.
É illuminado por 11 poderosos fócos de luz electrica, erguidos em artisticos postes de ferro
fundidos na Allemanha (MARQUES, 1906).

O projeto do jardim, em estilo francês, dispunha as plantas em formato simétrico e inseriu


palmeiras imperiais, dando ao local status de cartão postal, sendo retratado em diversos bilhetes postais
da época, denotando sua importância como porta de entrada de Maceió. Vale salientar também, além
do status de cartão postal, a importância do projeto elaborado por Rosalvo Ribeiro, demonstrando suas
aptidões além da pintura, e de seu reconhecimento como artista pelo poder local.

O antigo jardim e as dificuldades de preservação do bairro do


Jaraguá
Com o crescimento urbano para a parte alta da cidade durante o século XX, o bairro de Jaraguá,
sobretudo impulsionado pela função portuária que abrigava, tornou-se uma zona de meretrício, frequentada
pelos boêmios da cidade e marinheiros, entrando, já no final do século XX em decadência, passando por um
longo período de marginalização e abandono, que aos poucos se rebateria no local que abrigou o jardim
público. Em 1984 o sítio histórico do Jaraguá foi tombado pelo Estado de Alagoas, mas, apenas em 2004 o
bairro passou por um processo efetivo de revitalização que tinha como principal foco o turismo, gerando
mudanças de uso e atraindo investimentos para o local com a criação de bares, boates e restaurantes.
Um outro reforço no âmbito preservacionista dado ao bairro decorreu do Código de Urbanismo
e Edificações do Município de Maceió que desde 2005 incluiu a área do Jardim do Jaraguá na ZEP 1 (Zona

81
Jardins históricos

Especial de Preservação Cultural) - área constituída pelo sítio histórico de Jaraguá, tendo sua preservação
direcionada à vocação comercial, de moradia, de lazer, de cultura e de turismo (SEMPLA, 2007). Dentro
da ZEP 1, o jardim está incluído no Setor de Preservação Rigorosa (SPR 1) constituído pelo núcleo do
bairro de Jaraguá, que mantém a morfologia urbana e a tipologia das edificações de interesse histórico e
arquitetônico, sujeitas à preservação (SEMPLA, 2007). Todavia, apesar de estar situado em uma ZEP, dentro
de um SPR as normatizações do Código supracitado dizem respeito tão somente às questões relativas ao
gabarito de altura das edificações, as atividades que ali [no recorte do bairro] devem ser desenvolvidas e ao
uso. O antigo jardim público, hoje transformado em mera praça, apesar de estar situado no bairro tombado
do Jaraguá, não tem um regimento específico que determine qualquer vigilância sobre as permissões e/ou
restrições nas reformas que ali foram e vem sendo feitas, assim como ocorre com outros locais que outrora
abrigaram os jardins públicos ou praças importantes de Maceió.
O tombamento, o processo de revitalização do bairro do Jaraguá e a condição de estar inserido
no perímetro de uma ZEP no plano diretor da cidade tem livrado o bairro de sua total destruição do acervo
edificado legado pelo século XIX. Contudo, as três medidas de proteção não conseguiram conter o entrave
que se coloca em conjuntos históricos quanto à uma visão que se descompassa entre o lucro imobiliário
e a não modernização das cidades, processo recorrente em outros bairros históricos que foram alvo de
programas ou projetos de revitalizações. Faltaram também proposições que objetivassem medidas que
contribuíssem de modo efetivo para a manutenção de elementos e equipamentos que o modelavam como
o “jardim cartão postal de Maceió”.
À rigor, no caso dos espaços públicos, que envolvem praças e jardins históricos o processo se torna
ainda mais complexo no âmbito da gestão e práxis preservacionista. Esses espaços hoje já não exercem o
papel de locais de integração social como outrora e, em muitos casos, acabam se esvaziando. A falta de
normatizações específicas e de um olhar mais atento e criterioso para com a essencialidade conceptual dos
mesmos acabam por descaracterizá-los e esvaziá-los ainda mais. Vale salientar que, embora não exerçam
mais o importante papel de aglutinadores de pessoas e não cumpram mais os papéis de “cartão postal” de
cidades, esses espaços públicos e suas histórias ali contidas podem ter um importante papel na construção
e manutenção de traços identitários do bairro e da cidade.
Apesar de sua descaracterização enquanto o Jardim Público de Jaraguá, e tudo o que já representou
para a cidade e a população maceioense, é importante refletir no momento sobre as normatizações que
regem a preservação de nossos espaços públicos históricos, sobre como preservar os pequenos resquícios
de história que ainda sobrevivem e, principalmente, como fazer uma referência ao jardim que existiu no

82
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

século XIX, tão carregado de simbolismo, que exerceu um papel tão importante como porta de entrada da
cidade e local de integração social, de forma a não deixar que o mesmo seja totalmente esquecido pelas
gerações posteriores e que não se perca mais um pedaço de nossa história. A cidade de Maceió já perdeu
muito de si.

NOTAS
1
Rosalvo Ribeiro foi um alagoano nascido na antiga Alagoas do sul, atual Marechal Deodoro em 1865. Aos 20 anos
ingressou na Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e em 1888 viajou à Paris com uma bolsa concedida pelo
governo alagoano para estudar na Academia Julian. Posteriormente ingressou na École des Beaux-Arts onde
produziu pinturas representativas e consagrou-se como pintor. Ribeiro retornou à Maceió em 1901 onde assumiu
o projeto de estátuas e praças para a cidade chegando a lecionar desenho em escolas locais (Fonte: http://www.
escritoriodearte.com/artista/rosalvo-ribeiro/).

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FIGUEIREDO, José Bento da Cunha. Falla dirigida á Assembléa Legislativa da provincia das Alagoas na
abertura da primeira sessão ordinaria da oitava legislatura, pelo exm. presidente da mesma provincia, Dr.
José Bento da Cunha e Figueiredo, em cinco de maio de 1850. Maceió, Typ. de J. S. da S. Maia, 1850.

83
Jardins históricos

FIGUEIREDO JÚNIOR, José Bento da Cunha. Relatorio lido perante a Assembléa Legislativa da provincia das
Alagoas no acto de sua installação em 16 de março de 1870 pelo presidente da mesma o exm. sr. dr. José
Bento da Cunha Figueiredo Junior. Maceió, Typ. Commercial de A.J. da Costa, 1872.
GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras. Preservação e Urbanismo. Encontros, desencontros e muitos
desafios. In: GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras e CORRÊA, Elyane Lins. Reconceituações contemporâneas
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MARQUES, Manoel Sampaio. Mensagem que ao Conselho Municipal apresentou o Intendente Dr. Manoel
Sampaio Marques em 1906. Maceió, Arquivo Público de Alagoas, 1906.
MOREIRA, Clarissa da Costa. A cidade contemporânea entre a tábula rasa e a preservação. Cenários para o
porto do Rio de Janeiro. Editora Unesp, São Paulo; 1ª edição, 2005.
MOURA FILHA, Maria Berthilde. O cenário da vida urbana: a definição de um projeto estético para as cidades
brasileiras na virada do século XIX/XX. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2000
OLENDER, Marcos. Arquitetura, história e vida. In: LOCUS. Revista de História. Juiz de Fora-MG. NHR/
EDUFJF, 1995.
SEMPLA. Código de Urbanismo e Edificações do Município de Maceió. Maceió, 2007.

84
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

85
Jardins históricos

Este artigo retoma o projeto de 1981 do arquiteto mineiro Jorge


Abdo Askar para requalificação paisagística de fundo de vale na
cidade de Ouro Preto, estado de Minas Gerais, Brasil. No ano
de 2008, o chamado Vale dos Contos foi alvo de recuperação
empreendida no âmbito do Programa Monumenta, associado à
zona do antigo horto botânico da cidade. Enquanto este último
resulta da política ilustrada da metrópole de fins do século
XVIII, consiste o Vale em centro de extensa quadra, para onde
convergem os fundos de lotes, com seus quintais, jardins e hortas
erguidos sobre socalcos. Está localizado entre os bairros do Centro
e Pilar, em zona tradicionalmente considerada pelo órgão federal
de preservação como aquela de maior valor estético e histórico no
município. A ação sobre ele é estratégia de controle e melhoria da
qualidade da paisagem, dado o precário estado de conservação
das fachadas de fundos dos imóveis adjacentes. Propomos
recuperá-la com olhar atento às condições que conduziram à
sua elaboração. Deter-nos-emos ainda ao chamado “Plano de
conservação, valorização e desenvolvimento de Ouro Preto e
Mariana”, elaborado pelo Centro de Desenvolvimento Urbano
da FJP, em 1975. Tal Plano inaugura a lida da instituição com a
temática do patrimônio cultural. Havia questões que os órgãos
federal e estadual de proteção já não tinham mais condições
de responder a contento, dada a especialização de seu corpo
técnico. É nesse Plano que se estabelecem as primeiras diretrizes
interventivas para a área do Vale dos Contos, já com o objetivo
explícito de transformá-la em parque público municipal.

Palavras-chave: Ouro Preto, Vale dos Contos, Jorge Askar, Fundação João
Pinheiro.

86
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Vale dos Contos em Ouro Preto: a proposta de


Jorge Askar em 1981
Iracema Clara Alves Luz | Schirley Fátima Nogueira da Silva Cavalcante Alves |
Patrícia Duarte Oliveira Paiva

N
osso objetivo, no presente artigo, consiste em
recuperar proposta do arquiteto mineiro Jorge
Abdo Askar para implantação de área pública de
lazer, através da requalificação urbanística e paisagística
de fundo de vale, no centro da cidade de Ouro Preto.
O esforço de retomada e análise dessa documentação,
disponibilizada na biblioteca da Fundação João Pinheiro
(FJP), encontra respaldo no entendimento da proposta
menos como solução isolada e mais como produto de
momento de densas transformações no campo das
políticas de preservação do patrimônio no Brasil e,
especificamente, nas Minas Gerais.
Nos anos 1960 e 1970, recebemos consulto-
res internacionais, através de acordo de cooperação
técnica entre a Diretoria do Patrimônio Histórico e Ar-
tístico Nacional (DPHAN) e a Organização das Nações
Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).
Dentre os especialistas contratados, estava o arquite-
to e urbanista português Alfredo Evangelista Viana de
Lima que, em seus relatórios sobre Ouro Preto, aponta,
pela primeira vez, o interesse e a viabilidade de conver-
são do chamado Vale dos Contos em parque público
municipal. Essa diretriz será incorporada ao “Plano de
conservação, valorização e desenvolvimento de Ouro
Preto e Mariana”, concebido pelo Centro de Desenvol-

87
Jardins históricos

vimento Urbano (CDU), da FJP. Será justamente a partir das indicações desse plano diretor que Askar pro-
porá o chamado Parque José Tarquínio de Oliveira Barbosa1.
Este trabalho está vinculado a dissertação de mestrado, que tem por objetivo a análise das
relações entre as dimensões pública e privada na zona do Vale, a partir da implantação do projeto de
“Recuperação e tratamento paisagístico do Horto Botânico e Vale dos Contos”, executado no âmbito do
Programa Monumenta e inaugurado no ano de 20082. O conjunto está localizado entre os bairros do Centro
e Pilar, na origem mesma do núcleo urbano ouro-pretano.
O Horto consiste na reminiscência do que configurara o segundo jardim botânico da América
Portuguesa, inaugurado em 1799 e resultante da política ilustrada em voga na metrópole àquela altura.
O Vale é remanescente da configuração morfológica típica do urbanismo colonial português: consiste em
centro de quadra bem definido, para onde estão voltados os fundos de lotes, com seus quintais, jardins e
hortas erguidos sobre socalcos. A consolidação de seu caráter público é solução declarada de controle da
qualidade da paisagem, ameaçada por construções e acréscimos irregulares e pelo mau tratamento dos
quintais e fachadas de fundos dos imóveis periféricos.
É com o mesmo objetivo que se materializa a proposta de Askar. Este artigo organiza-se em três
seções: breve estudo sobre as políticas de preservação patrimonial em território brasileiro nos anos de
1970; caracterização do Plano da FJP para Ouro Preto e Mariana, com ênfase nas questões da paisagem; e
exposição do projeto de Jorge Askar.

As políticas de preservação do patrimônio no Brasil dos anos


de 1970
Alcançávamos os anos de 1970 mergulhados em processo radical e irreversível de urbanização,
provocado pelo crescimento exponencial da indústria nas décadas anteriores. A atividade atraía, para alguns
poucos centros urbanos localizados no Centro-Sul do país, contingente populacional de grande monta.
Empobrecia-se ainda mais, em decorrência, o já desprivilegiado Nordeste e esvaziavam-se os já parcamente
ocupados territórios do Norte e Centro-Oeste.
Com vistas a estabelecer soluções a problemas como a concentração do capital e de seus meios de
produção e a metropolização, o governo militar atuará fortemente na institucionalização do planejamento
urbano e regional no país. O contexto era, em verdade, de reorganização e profissionalização de todo o
mecanismo público gestor, sob discurso de viés desenvolvimentista e tecnocrático. Nesse processo, tinha
destaque a temática da redistribuição de renda como estratégia de integração nacional.

88
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Faz sentido portanto que observemos no mesmo momento empenho da DPHAN em recorrer à
UNESCO para trazer consultores estrangeiros ao país. A preservação de cidades e núcleos antigos levantava
novas demandas, inseparáveis já das operações de planejamento urbano. Recordemos ainda a transição
por que passava o órgão com a saída da presidência, em 1967 e após trinta anos, de Rodrigo Mello Franco
de Andrade, conjugada com a ascensão de Renato Soeiro. A chamada “fase heroica” dava lugar à “fase
moderna” na história da entidade (FONSECA, 1997).
Consolidavam-se iniciativas paralelas àquelas do órgão central de preservação. O Programa de
Cidades Históricas (PCH), por exemplo, administrado pelo Ministério do Planejamento e Coordenação Geral
(Miniplan)3, terá como premissa exatamente a discussão entre preservação patrimonial e desenvolvimento
econômico de regiões tradicionalmente marginalizadas. É coerente então a concepção do Programa para
implantação exclusiva em cidades nordestinas, restrição mantida entre 1973, ano de seu lançamento, e
1977, quando, porque bem sucedido, se expande para os estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas
Gerais.
Dois anos mais tarde, ele será incorporado à estrutura do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN)4. O momento é de reformulação interna da instituição, que reconhecia a
necessidade de revisar o arcabouço operacional e conceitual instituído pelo que Mariza Santos denominou
“Academia SPHAN” (1992). Desmembra-se então o Instituto, no ano de 1979, no sistema Secretaria do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e Fundação Nacional pró-Memória. (SPHAN/FNpM)5.
Articulação entre urbanismo e patrimônio será assunto abordado também no “1o Encontro
de governadores de Estado, secretários estaduais da área cultural, prefeitos de municípios interessados,
presidentes e representações de instituições culturais” (Brasília, 1970) e do “II Encontro dos governadores
para preservação do patrimônio histórico, artístico, arqueológico e natural do Brasil” (Salvador, 1971), de
que resultaram, respectivamente, o “Compromisso de Brasília” e o “Compromisso de Salvador”. Organizados
pelo DPHAN e pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), os eventos eram conduzidos por anseio de
descentralização das decisões no campo não apenas da preservação do patrimônio mas da cultura, de
modo geral. Compunha-se o embrião de um sistema nacional de cultura, o que deflagraria na criação de
Ministério específico em 1985.
Dentre as ações derivadas do 1o Encontro e registradas nos anais do II, convém mencionar, dado
seu explícito interesse a esta pesquisa, o projeto de criação do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico
e Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG), concretizado em novembro de 1971. Resulta ainda do evento
a conformação do Serviço do Patrimônio Municipal de Ouro Preto, adotadas, em simultâneo, as normas

89
Jardins históricos

gerais postas nos relatórios de Viana de Lima (IPHAN, 1973), através do Decreto nº 18, de 7 de outubro de
1971, editado pela Prefeitura Municipal de Ouro Preto (PMOP).
Tornemos, porém, ao campo restrito do planejamento urbano e regional: obtiveram protagonismo,
nessa conjuntura, órgãos como o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU). Sua fundação,
em 1964, é representativa da incorporação, à máquina pública, dos debates sobre as problemáticas de
cidades e regiões. Trabalhava-se sob a concepção dos chamados planos de desenvolvimento integrados,
que propunham a articulação das propostas em diferentes escalas e sua condução sob viés multidisciplinar.
Deriva desse contexto a própria constituição da Fundação João Pinheiro que, emersa em princípios
dos anos de 1970, vai, paulatinamente, assumir a dianteira nas ações de planejamento urbano em Minas
Gerais. Sua atuação transitava pelos setores da Administração, Economia, Tecnologia e Urbanismo e alguns
de seus profissionais haviam integrado os quadros técnicos do SERFHAU.
O Centro de Desenvolvimento Urbano (CDU), criado em 1973, é a seção da Fundação dedicada a
executar planos urbanos locais e regionais. É exatamente a partir do “Plano de valorização, conservação e
desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana” (1975) que o CDU inaugurará sua vasta atuação em trabalhos
de levantamento, catalogação e proposições no âmbito da conservação urbana para cidades antigas em
Minas Gerais. Destacam-se projetos ambiciosos, pela grande quantidade de municípios que envolviam,
como o “Circuito do Ouro” e “Cidades Históricas do Alto Jequitinhonha”, ambos do mesmo ano do Plano.
(RAMALHO, 2015)

O Plano para Ouro Preto e Mariana e seus critérios de


classificação da paisagem
Em maio de 1973, é celebrado convênio para elaboração de plano diretor para as cidades de
Ouro Preto e Mariana. As entidades envolvidas são o IPHAN, o IEPHA-MG e as administrações dos dois
municípios. O valor estabelecido é de Cr$3.2 milhões, contando com suporte da Financiadora de Estudos e
Projetos (FINEP) e do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG).
Os trabalhos foram executados pelo CDU da FJP, entre os meses de dezembro de 1973 e janeiro
de 1975. A equipe responsável tinha caráter multidisciplinar, incluindo aproximadamente 130 pessoas,
entre técnicos permanentes da Fundação e de participação esporádica, apoio administrativo, estagiários
e consultores nacionais e internacionais. Dentre estes, estavam nomes como Ivo Porto de Menezes, Viana
de Lima e Roberto Burle Marx. A coordenação das atividades ficou a cargo do urbanista Rodrigo Andrade,
sociólogo e técnico em administração pública, com passagem pelo SERFHAU.

90
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

A amplitude do “Plano de conservação, valorização e desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”


era então inédita no contexto de cidades antigas no Brasil. Os desafios que à altura vinham à tona, no
que concerne a Ouro Preto, relacionavam-se, sobretudo, ao crescimento desordenado nas periferias e,
ainda mais grave, a intervenções inadequadas no cerne do núcleo colonial. Tal expansão resultava da
demanda por novas áreas de moradia e do conjunto de serviços que acompanha essa função. Provocava-a
a arrancada industrial da década de 1950, decorrente da exploração do alumínio. Era capital, portanto, a
incorporação de outros valores que não apenas os estéticos e históricos nos critérios e métodos de operação
naquelas cidades. Despontavam elementos de ordem econômica e social, institucional-administrativa e de
infraestrutura urbana. É justamente esse hiato no aparato interventivo tanto do IPHAN quanto do IEPHA-
MG que os técnicos da FJP vêm preencher.
No âmbito desta pesquisa, tomamos para análise o relatório-síntese do Plano, organizado em
duas seções: diagnóstico e proposições. Estudamos ainda a documentação que trata especificamente das
características do lazer na região de Ouro Preto e Mariana e, por fim, a Unidade de Proposição no 19, em
que consta o anteprojeto para implantação de parque urbano público na área do Vale dos Contos.
A fase de diagnóstico traduziu-se em levantamento criterioso e pormenorizado dos aspectos
histórico-documental, físico-territorial, infraestrutural, econômico, social e institucional-administrativo.
Considerados os dados, caminha a interpretação no sentido de tratar Ouro Preto, Saramenha – bairro
que acolhe a expansão industrial -, Mariana e Passagem de Mariana – entre os dois núcleos principais
- como sistema interurbano, de maneira que usos e funções fossem complementares entre os distintos
núcleos. Passagem, mote do projeto, constituiria zona de escape, desenvolvimento e expansão, resposta
encontrada às pressões antrópicas ameaçadoras da preservação do legado cultural ouro-pretano e
marianense.
De fato, os limites centrais de Ouro Preto, mais ou menos correspondentes à área de concentração
dos monumentos considerados tradicionalmente mais relevantes em termos estéticos e históricos,
classificavam-se como “Zona de Estrutura Consolidada”. Nela, as transformações funcionais não eram
acompanhadas por renovação física, mesmo que ali se estabelecesse a maior parte das novas instalações
comerciais. Consta do Plano: “E se, por um lado, a construção de novas residências, com raras exceções,
deixa a salvo o centro histórico, o movimento crescente de adaptação de edificações para usos comerciais,
se descontrolado, pode contribuir para descaracterizá-lo.” (FJP, 1975b, p. 19)
Para a mencionada Zona e trechos de seu entorno imediato, integrantes da chamada “Zona de
Transformação Estrutural”, nenhuma nova edificação seria desejável, estimuladas apenas as atividades

91
Jardins históricos

ligadas à cultura e ao lazer, além daquelas de suporte ao turismo. Estavam então restritas as proposições a
ações de restauração e recomposição paisagística.
Concentremo-nos neste segundo tema. Para determinar a prioridade de tratamento dos espaços
urbanos tomando por referência sua importância paisagística, o Plano concebe sistema classificativo
assentado em equação matemática simples. Sua estruturação dá-se a partir dos distintos valores, extrínsecos
e intrínsecos, relativos aos sítios. Determina-se o valor final (Va) de relevância paisagística de um espaço
urbano como a soma de seu valor de observação (Vo) e seu valor intrínseco (Vi), multiplicada por variável k
referente a seu nível de descaracterização.
Nesse sistema, temos que Vo será o valor dado a cada área, considerada como ponto de observação
mais ou menos privilegiado em relação às demais. Resultará do somatório das parcelas V1, V2 e V3, que
correspondem, respectivamente, ao valor que toma cada local de observação quando considerada sua
maior ou menor proximidade aos equipamentos de serviços básicos; à avaliação do sítio por localizar-se em
percurso indicado ou decorrente de indicações nos guias turísticos à época mais utilizados: “Guia Quatro
Rodas do Brasil” e “Guia de Ouro Preto”, de Manoel Bandeira6; e ao exame do ponto de observação em
relação à hierarquia urbana.Vi, por sua vez, será o valor atribuído a cada espaço urbano em função de seu
interesse cultural (Vc) e de uso (Vu).
Dentre os 135 espaços urbanos considerados, temos que o perímetro do Vale dos Contos ocupará
o décimo quinto lugar na lista de prioridades. Seu valor de observação é de 327,2 pontos. Não há valor
intrínseco. K equivale a 1,5, dado estar a área sujeita a processo de destruição a médio ou longo prazo.
Tomando a fórmula Va=(∑Vo+Vi)k, temos que Va=490,8 pontos.
Os diversos largos, ruas e becos são agrupados em conjuntos, a serem tratados como Unidades
de Proposição (UPs), que recebem o valor final resultante da soma dos valores correspondentes a suas
subdivisões.7 Assim, teremos a Unidade de Proposição no19 (UP 19), denominada “Córrego de Ouro Preto,
abaixo da Ponte dos Contos”. (Il. 1).
Será elaborado anteprojeto para a UP 19, de autoria do arquiteto Reinaldo Guedes Machado. A partir
do relatório “O lazer em Ouro Preto e Mariana” (FJP, 1975a), constituinte do Plano, fica patente a carência da
população ouro-pretana por equipamentos do gênero. A metodologia adotada, que abarca, dentre outros,
levantamento in loco e pesquisa domiciliar socioeconômica por amostragem, revela consensualmente a
necessidade, em Ouro Preto, de maior oferta de espaços recreacionais, áreas livres, praças e jardins.
Estava então plenamente justificada a requalificação de trecho subutilizado, em bairros centrais
do município, sujeito a graves condições ambientais e à presença de edificações irregulares. Como diretriz

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 1 – UP 19 – Anteprojeto de tratamento paisagístico para o


Córrego do Ouro Preto. A legenda indica, de cima para baixo e
da direita para a esquerda: vegetação densa de porte médio;
macaúba; equipamento esportivo; vegetação baixa – jardins

93
Jardins históricos

geral, temos que “A área deve funcionar primordialmente como jardim natural e local de repouso.” (FJP,
1975c, p. 29). São detalhadas intervenções em ruas perimetrais ao Vale: São José, do Pilar e Randolfo
Bretas.
Não apenas a UP 19 mas o Plano, em sua totalidade, não foi implantado. Teixeira e Moraes (2013)
indicam possíveis razões: falta de vontade política; desinteresse municipal em gerir o uso e a ocupação do
solo; rivalidade histórica entre os municípios; falta de recursos financeiros e humanos. Ramalho (2015)
acrescenta a ausência de participação popular; o fato de Passagem pertencer à Mariana, município que
acabaria por receber tributação predial de crescimento oriundo também de Ouro Preto; e a questão de que
a maior parte da área de Passagem era propriedade de empresa mineradora.
Em Ouro Preto, apesar do engavetamento das propostas pelo Executivo municipal, suas
determinações influenciaram a concepção de leis, como as definidoras da Zona de Proteção do Município, o
Plano Rodoviário Municipal e as normas para legalização da ocupação de terrenos. De todo modo, [o Plano]
pode ser encarado como um retrato de sua época [...] também por se tratar de um produto que carrega
em seu bojo a concepção de planejamento urbano compreensivo de viés tecnocrático, vigente na década de
1970. (TEIXEIRA; MORAES, 2013, p. 14).

O Parque José Tarquínio Barbosa de Oliveira


As diretrizes apontadas para a UP 19 pelo Plano da Fundação João Pinheiro serão retomadas
e aperfeiçoadas pelo arquiteto Jorge Abdo Askar em projeto de 1981. Askar era doutor em Restauro de
Monumentos e Centros Históricos pela Universidade de Roma “La Sapienza” e mestre em Estruturas
Ambientais Urbanas pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Foi
pesquisador em Ciência e Tecnologia pela FJP, desde a década de 1980, e encerrou sua trajetória profissional
no IEPHA-MG. (CARDOSO, 2014, p. 7)
O trabalho deriva de convênio celebrado em dezembro de 1978 entre a FJP e o IEPHA-MG, cujo
objetivo era que a Fundação elaborasse projetos de restauração de monumentos históricos no estado. A
FJP recebera ainda suporte do acordo estabelecido entre o SPHAN, a Universidade Federal de Ouro Preto
(UFOP) e a PMOP, o chamado “Projeto Ouro Preto” . Além de Askar, a equipe compunha-se por vasta lista de
colaboradores e tinha como consultores a botânica Maria Aparecida Zurlo e os arquitetos Carlos Fernando
de Moura Delphim e Mario Berti.
Definiam-se como intenções primordiais, dentre outras, o reequilíbrio biofísico da área;
a preservação e manutenção do meio ambiente; a minimização da carência da população local

94
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

por equipamentos de lazer e áreas livres gramadas, tomando por base a pesquisa socioeconômica
empreendida no Plano da FJP; e o controle da progressiva devastação de espécies. A intervenção teria ainda
a incumbência de promover a recuperação da paisagem urbana ao permitir maior vigilância sobre o sítio e,
consequentemente, sobre os fundos dos imóveis perimetrais. É evidente no trabalho de Askar o anseio por
conjugar as ações de requalificação do Vale com a ambiência estabelecida a partir dos tradicionais jardins
e pomares cultivados nos quintais dos imóveis periféricos, típicos da forma urbana colonial portuguesa.
Para conhecer essas edificações em profundidade e definir o perímetro do equipamento público
a implantar, foram recuperadas 41 escrituras das 73 correspondentes ao número total de construções no
entorno imediato. Em entrevista, o arquiteto Eduardo Tagliaferri (2016), colaborador no plano, relembra
que Askar, batia à porta de cada edifício e conversava com os proprietários, solicitando a documentação de
posse e inspecionando as condições de conservação do imóvel.
Contribuição da maior relevância, nessa empreitada de Jorge Askar, foi portanto o esforço de
compreensão da dinâmica do Vale, através do exame atento daqueles edifícios. Além de vasto registro
fotográfico e descritivo, o arquiteto determina soluções interventivas, de menor ou maior escala,
estendendo-as às áreas internas sempre que o imóvel estivesse em estado de grande precariedade .
O procedimento minucioso se repete para a quase totalidade das edificações do conjunto,
envolvendo, via de regra, elementos arquitetônicos como esquadrias e coberturas ou materiais de
acabamento e revestimentos. Quadro resumo organiza os imóveis pelas ruas em que se localizam,
determinando-se quantos deles deveriam passar por restauração completa, reformas ou pequenas
substituições. Apesar do rigor com que se conduzem as atividades, não há menção sobre como se dariam
as negociações com os proprietários, com vistas a viabilizar as intenções projetuais.
A atenção ao pormenor não se restringe às construções periféricas. Dentro do terreno de
implantação do Parque, procede-se ao cadastro de toda a flora nativa e subespontânea. Resulta setorização
indicativa das possibilidades de aproveitamento do sítio (Il. 2). A área próxima à Ponte dos Contos (S1)
caracterizava-se pela presença de afloramento rochoso e escadas. Nesse trecho, cascata e arco sob a Ponte
são os elementos de maior relevância. O segundo setor (S2) compõe-se por vegetação herbácea densa,
com possibilidade de alagamento e, portanto, imprestável à implantação de caminhos ou equipamentos.
S3 distingue-se como zona pouco acidentada, com presença de vegetação rasteira e arbustiva formada por
distintas espécies de flores, cultivada por moradora local. Sugere-se seu tratamento paisagístico detalhado
com intensificação dos elementos florais. Em S4, temos espécies arbóreas e trepadeiras, concentradas nas
encostas mais empinadas.

95
Jardins históricos

Il. 2 – Setorização por tipos de vegetação existente. Na legenda,


de cima para baixo, S1 – afloramento rochoso; S2 – vegetação
herbácea densa; S3 – vegetação rasteira e arbustiva; S4 –
vegetação arbórea densa; área de inundação. Fonte: FJP, 1981,
não paginado. Cores acrescentadas pela autora.
Fonte: FJP, 1981, não paginado. Cores acrescentadas pela autora..

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Askar formula e testa in loco metodologia de intervenção paisagística. Operário da Secretaria de


Obras da Prefeitura Municipal de Ouro Preto, sob orientação de arquiteto do Jardim Botânico do Rio de
Janeiro, delimita, valendo-se de estacas de bambu unidas por cordas, as zonas a tratar. Especificam-se as
espécies a podar e a eliminar. O teste aponta para a imprescindibilidade do acompanhamento permanente
de paisagista para solução dos problemas, caso a caso, no próprio sítio. Como premissa comum, no entanto,
colocava-se a manutenção da cobertura vegetal autóctone, com introdução de novas espécies sempre que
fosse necessário atender a quesitos específicos, como a floração perene e a proteção de vertentes.
Propõe-se assim máximo aproveitamento do suporte físico existente. De fato, consta no volume
propositivo a incoerência da criação de zonas rígidas, capazes de tolher a liberdade dos frequentadores em
criar trajetos e espacialidades. Aponta o trabalho que os quintais das cidades mineiras do Brasil Colônia,
cujo programa básico compunha-se por horta, pomar e jardins quase naturais, configuravam conjuntos
de maior riqueza que jardins projetados. Era esse o espírito que o projeto desejava manter e estimular.
As crianças, por exemplo, desenvolveriam seus próprios equipamentos de lazer, em substituição aos
brinquedos programados. Complementa-se: “Será evitado o ‘pastiche’, o compromisso turístico, o equívoco
na recuperação do existente, feito hoje para parecer antigo amanhã.” (FJP, 1981, não paginado).
Apresentados os fundamentos conceituais, segue enfim o documento para as treze propostas de
ambientação paisagística, que constituem, efetivamente, as estratégias interventivas. Para cada uma das
propostas, determinam-se os procedimentos a executar atendendo aos aspectos distributivos e funcionais
das distintas zonas do Parque. Destaquemos as de maior relevância:
1. Faixa de palmáceas. A primeira proposição refere-se ao perímetro do Parque, determinado pelas
construções lindeiras. Indica-se, nessa extensão, o plantio de palmáceas. Intenta-se a valorização de
porões, arrimos, pilotis e muros em alvenaria de pedra seca, bem como o ocultamento de volumes
edificados comprometedores da unidade da paisagem.

2. Jardim floral. Cultivado com finalidade de ornamentação da Igreja do Pilar e das ruas, quando da
procissão do Domingo de Páscoa, determina-se a manutenção das plantas, submetidas porém a
regime formal. Acrescentar-se-iam novas espécies, como lírios, palmas, amarílis, antúrios e papoulas,
para que houvesse floração ao longo de todo o ano.

3. Pomar existente. Localiza-se ao lado do campo de futebol, à margem oposta do Córrego do Ouro
Preto. Trata-se de massificação arbórea, espraiada até os fundos das casas adjacentes. Conformam-

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Jardins históricos

no espécies frutíferas e plantas corriqueiras em pomares antigos, como mangueira, abacateiro,


cafeeiro, jaboticabeira, coqueirinho, cedro, jacarandá mimoso. Propõe-se a inserção de árvores de
médio e grande porte: ipê, mulungu, cássia, imbaúba, magnólia, pitangueira etc.

4. Paineiras. Formação de massa arbórea junto a acesso por beco no bairro do Pilar. A intenção é criar
anteparo ou barreira visual para impedir o desvendamento total do Parque logo à sua entrada.
Empregar-se-iam espécies como paineiras e quaresmeiras.

5. Ingá. Massa arbórea contígua à anterior, porém de menor porte. Seriam utilizados, dentre outros,
ingás, marianeiras e espécies do gênero Datura.

6. Entrada do Pilar. Proceder-se-ia à correção do aspecto visual negativo proveniente de escadaria de


concreto, tubulação de esgoto aparente e muros de arrimo também em concreto. Estes últimos
seriam camuflados por hera unha-de-gato e Cestrum nocturnum. As escadas seriam revestidas em
pedra. Ocultar-se-iam as manilhas, através de muros de pedras com junta seca. O caminho em terra
batida receberia trabalho de nivelamento e recobrimento com pedras irregulares.

7. Campos polivalentes. Especifica-se a implantação de sebe, com árvores de grande porte, para a
criação de barreira sonora com vistas a amenizar a perturbação da vizinhança pelos ruídos vindos
dos campos. O primeiro deles, próximo às ruínas, receberia pavimentação em cimento comum. O
segundo teria a superfície forrada com grama. Seriam também recuperados seus acessos.

8. Limites da área. Não seriam erguidos muros que interferissem negativamente na paisagem. A
revitalização dos quintais, com hortas e pomares, seria incentivada, de maneira que se comportassem
visualmente como zonas de transição entre o Parque e os edifícios do entorno. São especificadas
quatro tipologias de muros para cercamento dos quintais.

9. Propostas por setores. Retoma-se aqui a subdivisão do terreno em setores, recurso de sistematização
das informações coletadas quando das atividades de levantamento. Tem destaque a indicação do
local onde seria construída a administração do Parque, os vestiários e sanitários públicos. Define-se
também o aproveitamento de caminhos existentes improvisados, então escondidos pela vegetação.
Formar-se-ia rede de trilhas, permitindo acesso aos fundos das edificações e comunicação com o
caminho principal, eixo entre o bairro do Pilar e a Praça Reinaldo Alves de Brito.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

10. Circulação principal. Obedeceria, aproximadamente, ao traçado original em terra batida existente.
Receberia assentamento em pedras com argamassa de cimento. Em determinados trechos, suas
dimensões seriam alargadas, originando zonas de estar destinadas ao lazer contemplativo ou infantil.
Nelas, distribui-se mobiliário básico, como bancos de pedra, caixas de areia e peças de sucata para
montagem pelas próprias crianças.

Il. 3 e 4 – Proposições. Acima, as linhas de chamada indicam, da


esquerda para a direita, “entrada do Pilar” e “faixa de palmáceas”.
Abaixo, na mesma sequência, temos “jardim floral”; “pomar
existente”; “vestiários, administração, i. s. p/ público”; “campo
polivalente nas ruínas”; e “paineiras”.
Fonte: FJP, 1981, não paginado.
99
Jardins históricos

Complementam o projeto informações de ordens variadas, como a listagem das espécies


empregadas; aspectos legislativos; relatórios de inspeção às obras nas construções do entorno; análise da
qualidade da água do Córrego dos Contos; projeto de escoamento sanitário e pluvial; fotografias da antiga
fonte da Casa do Pilar; quadro de floração das espécies, dentre outras.

cONSIDERAÇÕES FINAIS
Não encontramos registros sobre o porquê de não se ter implantado o projeto de Askar mas, assim
como o plano que o precede e origina, supomos não ter encontrado conjuntura política suficientemente
articulada para sua execução. Apesar da qualidade do trabalho, sobretudo no que diz respeito à leitura
atenta e precisa do entorno edificado do Vale, suas premissas também não chegaram a ser retomadas pelo
projeto que o sucede, já no âmbito do Programa Monumenta.
De fato, o caderno que contém o extenso relatório do arquiteto mineiro é pouco conhecido.
Nosso esforço aqui é de recuperá-lo, entendendo-o como produto de seu tempo. O momento era, como
vimos, de novas possibilidades no campo da preservação do patrimônio, que deixava de ser atribuição
exclusiva do órgão federal. O entendimento de que conservação e planejamento urbano deveriam caminhar
sincronicamente, bem como a emersão de novas temáticas, como aquela ambiental, exigiam a participação
de profissionais de outros campos do saber. Eis aí o papel crucial e pioneiro exercido pela Fundação João
Pinheiro e seu Centro de Desenvolvimento Urbano.
O que Askar propõe, com cuidado e delicadeza ímpares, são a recuperação e abertura a uso público
de miolo de quadra subutilizado e gravemente degradado em pleno centro de cidade antes intocável. E ele o
faz percebendo algo que o projeto posterior não chega a contemplar: os antigos jardins e pomares privados
só podem ser entendidos, de fato, como elementos de transição entre a nova área pública e os imóveis a
que pertencem. Eles seriam, inequivocamente, parte integrante da novidade proposta. Não haveria Parque
sem sua efetiva recuperação, o que exigiria, é certo, negociação com os proprietários. E mais: pelo caráter
do Vale dos Contos, sujeito aos arranjos e improvisações dos moradores do entorno desde sua gênese,
não poderia ser outra a premissa interventiva que a valorização mesma desse improviso e o consequente
afrouxamento do modo de operar, deixando aspectos a definir pelos próprios usuários.
Askar soube, com maestria, ser rígido, na leitura pormenorizada das fachadas traseiras, por
exemplo, e leve, ao incorporar à sua prática o que estava latente ali no sítio. Lamentemos o esquecimento
e desconsideração de seu projeto - como tem sido, aliás, muito comum na administração pública brasileira
- quando da retomada do tema nos anos 2000.

100
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

NOTAS
1
O nome do Parque é sugestão do arquiteto para homenagear, in memoriam, o historiador José Tarquínio de Oliveira
Barbosa, exímio estudioso do Ciclo do Ouro nas Minas Gerais e organizador do mais importante arquivo fazendário
do Brasil Colonial. (FJP, 1981)
2
Pesquisa desenvolvida sob a orientação do professor Leonardo Barci Castriota e através de financiamento da CAPES.
3
Em 1974, quando da alçada de Ernesto Geisel ao poder, o Miniplan será transformado em Secretaria de Planejamento
da Presidência da República (Seplan/PR), aspecto que confere ao órgão maiores poder e autonomia.
4
O PCH financiou 193 projetos ao longo de seus dez anos de duração. Dez deles consistiam em intervenções em
conjuntos urbanos e 15 eram planos urbanísticos e de desenvolvimento urbano. Poucos, no entanto, foram
efetivamente implementados, tanto pela má articulação com as instâncias de governo locais quanto pela ausência
de legislação que obrigasse à sua execução. (SANT’ANNA, 1998).
5
Em 1979, Aloísio Magalhães é nomeado Presidente da instituição e traz consigo sua experiência à frente do Centro
Nacional de Referência Cultural (CNRC), incluindo nas reflexões sobre o modo de operar do órgão matérias como a
participação comunitária e seus aspectos simbólicos e identitários. O sistema SPHAN/FNpM permanecerá até o ano
de 1990.
6
O Guia Quatro Rodas foi um grupo de guias rodoviários brasileiros publicados pela Editora Abril entre os anos de
1965 e 2015. A referência do segundo título mencionado é BANDEIRA, Manuel. Guia de Ouro Preto. Rio de Janeiro:
SPHAN, 1938.
7
Diretrizes dos projetos paisagísticos: “Em cada projeto, procurou-se interferir o mínimo possível com as formas
resultantes da evolução histórica da cidade, quer em relação à arquitetura, quer em relação ao traçado urbano;
cada projeto teve como objetivo valorizar as características intrínsecas ao local para o qual se destinava, bem como
atender às solicitações de uso da população local e turística; em projetos de jardins, parques e similares, procurou-se
valorizar a flora local, pela utilização quase exclusiva de espécies de ocorrência espontânea na região; comparam-se,
cuidadosamente, em cada caso, as vantagens e dificuldades da substituição, modificação ou eliminação de elementos
nitidamente resultantes das técnicas modernas de construção.” (FJP, 1975b, p. 60)
8
Sua tese, intitulada Studio di Restauro e Sistemazione del Palazzo Santa Croce poi Altieri in Oriolo Romano, foi
defendida no ano de 1978.
9
Convênio vigente entre os anos de 1979 e 1981, assinado após fortes chuvas que assolaram a cidade no início
daquele ano. Seu objetivo consistia em preservar, restaurar e revitalizar culturalmente a cidade. (BOLETIM...,
1980). Relembremos a inclusão de Ouro Preto na Lista do Patrimônio Mundial, da UNESCO, em 1980, fato que,
necessariamente, tornava a cidade objeto de maior atenção e cuidado. O procedimento é minucioso. Tomemos
por exemplo o que se estabelece para edificação situada à Rua São José, nos 129, 131, 139, 143 e 147: “Trata-se de
um dos piores edifícios do conjunto. Embora de construção moderna, encontra-se a fachada posterior em péssimo
estado de conservação. O pavimento inferior ao nível da rua é destinado a depósito e aluguel de dependências que
não atendem atualmente aos requisitos mínimos de habitabilidade. O pavimento térreo é utilizado como restaurante

101
Jardins históricos

e comércio, sendo que o sistema de exaustores da cozinha do bar despeja na fachada grande quantidade de óleos e
gorduras.Na reforma deverão ser colocadas molduras em todas as janelas, divisão vertical com uma peça de madeira
naqueles vãos em que predomina a dimensão horizontal, beiral com largura mínima de 1.00m em toda a extensão da
fachada posterior (11,00m aproximadamente), chaminé de exaustão para o bar e pintura.” (FJP, 1981, não paginado).

REFERÊNCIAS
BOLETIM DO SPHAN/PRÓ MEMÓRIA. Brasília: Fundação Nacional Pró Memória: Secretaria do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional: Ministério da Educação e Cultura, n. 8, set./out. 1980. 24 p.
BONDUKI, Nabil. Intervenções urbanas na recuperação de centros históricos. Brasília: IPHAN, Programa Monumenta,
2010.
CARDOSO, Leandro. IEPHA/MG lança 2ª edição do Guia de Bens Tombados de Minas Gerais. Jornal bem informado, Belo
Horizonte, p. 6-7, dez. 2014. Disponível: < https://issuu.com/iephamg/docs/bi_83_dezembro_de_2014>. Acesso 13.jun. 2016.
CORRÊA, Sandra. O Programa de Cidades Históricas (PCH): por uma política integrada de preservação do patrimônio
cultural – 1973/1979. 2012. 253 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Programa de Pós-Graduação
em Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, 2012.
CURY, Isabelle (Org.). Cartas patrimoniais. Rio de Janeiro: IPHAN/Ministério da Cultura.
FONSECA, Maria. A fase moderna. In: FONSECA, Maria. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de
preservação no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; MinC – IPHAN, 2005. cap. 4, p. 131-177
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. CENTRO DE DESENVOLVIMENTO URBANO. O Lazer em Ouro Preto e Mariana: Plano de
conservação, valorização e desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana. Belo Horizonte, 1975a. Disponível em: http://
www.bibliotecadigital.mg.gov.br/consulta/verDocumento.php?iCodigo=48685&codUsuario=0>. Acesso: 17.abr. 2015.
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. CENTRO DE DESENVOLVIMENTO URBANO. Plano de conservação, valorização e desenvolvimento
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Ouro Preto – MG: Unidade de Proposição 19 do PCVD de Ouro Preto e Mariana. Belo Horizonte, 1981. Disponível: <http://
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FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. CENTRO DE DESENVOLVIMENTO URBANO. Unidade de proposição no 19: Ouro Preto: Plano
de conservação, valorização e desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana. Belo Horizonte, 1975c. Disponível: <http://
www.bibliotecadigital.mg.gov.br/consulta/verDocumento.php?iCodigo=48823&codUsuario=0>. Acesso: 17 abr. 2015.
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Anais do II Encontro de governadores para preservação
do patrimônio histórico, artístico, arqueológico e natural do Brasil. Salvador, Bahia, de 25 a 28 de outubro de 1971. Rio
de Janeiro: IPHAN, 1973.

102
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

RAMALHO, Arthur. Planejamento e preservação: a Fundação João Pinheiro e o Plano de Conservação, Valorização e
Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana. 2015. 213 f. Dissertação (Mestrado em Teoria e História da Arquitetura e
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SANT’ANNA, Márcia. A preservação de sítios históricos no Brasil (1937-1990). In: Seminarios Sitio internacional sobre
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SANTOS, Mariza. Nasce a Academia SPHAN. Revista do patrimônio histórico e artístico nacional, Brasília, n. 24, 1996,
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TAGLIAFERRI, Eduardo. Belo Horizonte, 27 jun. 2016. Arquivo de som em formato .mp3 (57 min). Entrevista concedida
a Karolyna Koppke.
TEIXEIRA, Ricardo; MORAES, Fernanda. O plano de conservação, valorização e desenvolvimento de Ouro Preto e
Mariana e suas inter-relações com a história do planejamento urbano e regional no Brasil. In: ENCONTRO NACIONAL
DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL, 15, 2013,
Recife. Anais... . Recife: ANPUR, 2013. p. 1-18. Disponível em: < http://www.anpur.org.br/anaisAbrir/107/1/anais-do-
xv-ena>. Acesso em 10 maio 2016.

103
Jardins históricos

O jardim público e a arborização urbana de Salvador, Bahia,


surgem quando as questões da salubridade e da sociabilidade
tornaram-se alvo de inquietações das autoridades
soteropolitanas, no Período Colonial, sob a influência do
Iluminismo, quando as cidades passaram a contar com a
presença da vegetação como um fator de requalificação do
meio urbano. Este artigo traz notícias sobre o processo de
expansão urbana ocorrida no Distrito da Vitória, a partir dos
tratados comerciais entre Portugal e Inglaterra (1810), quando,
nos arredores do Forte de São Pedro, foram implantados o
Horto Botânico, o Passeio Público e o Campo Grande de São
Pedro, locais representativos e historicamente reconhecidos
como a gênese do Paisagismo Urbano na Bahia e a maior
parte das suas referências foram retiradas dos resultados da
pesquisa para a Dissertação de Mestrado de Maria Ângela
Barreiros. Campo Grande de São Pedro e imediações: Origem
do jardim público e da arborização urbana em Salvador da
Bahia. 2015. Na Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.

Palavras-chaves: Passeio Público de Salvador. Campo Grande


de São Pedro. Arborização Pública. História do Paisagismo na
Bahia.

104
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

O Passeio Público guarda uma memória como


origem do jardim público e da arborização
urbana em Salvador da Bahia
Maria Ângela Barreiros Cardoso | Arilda Maria Cardoso | Maria Lucia A. M.
Carvalho

S
alvador da Bahia é, em sua origem, uma cidade
renascentista (1549). Projetada e construída
sobre uma escarpa rochosa, teve, no entanto, seu
traçado assemelhado as fortalezas medievais, onde uma
praça retangular centralizava as funções primordiais,
(civil-militar-religiosa) de onde se ramificava a
circulação viária de comunicação entre o comércio e a
habitação1. Sua localização estratégica sobre a Baía de
Todos-os-Santos constitui a peculiaridade da paisagem
criada, Cidade Baixa-Cidade Alta, na integração com a
natureza.
[...] a primeira preocupação com um
“sítio sadio e de bons ares, e que tenha
abastança de água e porto”, não por
acaso é uma recomendação fundada
na tradição europeia, que muito bem
reflete algumas regras de VITRUVIO
(séc.I a.C; 1955) e seus Dez livros de
Arquitetura e talvez, ou até, do próprio
Alberti (séc.XV;1966) e suas regras.
(SAMPAIO, 1999, p:54).

105
Jardins históricos

A Cidade se expande, a Paisagem se altera


No início do século XVIII, Salvador era sede do Vice-reinado de Portugal. A cidade se expandia na
direção da Freguesia de São Pedro Velho, segundo um processo de ocupação espontânea, demandando
iniciativas administrativas de reforço e defesa das costas oceânicas, e o Forte de São Pedro foi construído
como limite Sudoeste com relação à cidade e à Baía de Todos-os-Santos, o acesso principal para o porto
marítimo.
Na ilustração 1, pode-se observar em (a) o núcleo urbano primitivo de Salvador, e, no detalhe
ampliado (b), destaca-se a expansão da cidade em direção ao Forte de São Pedro. A função defensiva sobre
esta região que se debruça sobre a encosta da Baía de Todos-os- Santos, demandou consideráveis obras de
engenharia, movimentos de transporte e terraplenagem – parterre, que alterou o meio natural, causando
a devastação da floresta atlântica primitiva - “Dríade”, para formar o campo raso e seco, o soterramento
parcial do vale e o represamento de córregos e drenagens naturais, provocando dessa maneira algumas
áreas de várzeas alagadiças. Baseado em princípios renascentistas, o Forte de São Pedro se constitui em
um “monumento” em seu contexto ideológico defensivo (século XVIII), com sua muralha de isolamento –
paries, que, no século XIX se torna uma mediação – apertio, com o meio rural (ALBERTI, 1452). É baseado
nesta análise do processo de transformação urbana que se obteve uma base segura sobre o limite Sudoeste
da Cidade do Salvador em seu sítio, considerando o Forte de São Pedro, como um elemento da cidade
colonial portuguesa, sendo as áreas em redor entendidas como a mediação entre o centro tradicional do
século XVI e a expansão que ocorre nos séculos seguintes e que dá origem à cidade moderna no século XIX.

A Paisagem se adequa aos Ideais da Ciência Moderna


Segundo a percepção geográfica naturalista, a cidade é observada através da paisagem em seu
processo de transformação (natural - cultural), como um instrumento de manejo e adequações do espaço
criado (função e forma), sob a luz da ciência; no Mapa de Frézier, a cidade tem a conformação militar,
entretanto, a natureza se destaca nas informações sobre o contexto da paisagem e sua morfologia em
compartimentos (morros verdejantes, vales irrigados), elementos que constam do levantamento altimétrico
(Profil, Prospecto) e se mostram importantes também quanto a função defensiva.
A partir dos levantamentos mapeados e de interesses exploratórios (defensivo, comercial),
o Governo da Capitania e a Câmara do Senado (1726) adquirem conhecimento sobre as problemas
ambientais e geração de conflitos, tais como desmoronamentos de encostas, surtos epidêmicos, sujidades,
entre outras, razões dificultosas para desenvolvimento e progresso da cidade. Em conjunto, timidamente

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Ocupação de Salvador no século XVIII Conformação

Conjunto defensivo I
Il. 1a – Mapa- Amédée François Frézier (1714).
Fonte: Frézier (1714), apud REIS et al.,2000).

Dique grande
Ligação entre planos

Aflitos
Forte São Pedro

Gamboa Encosta

Il. 1b – Detalhe do Mapa- Amédée François Frézier (1714).


Fonte: Frézier (1714), apud REIS et al.,2000).

107
Jardins históricos

pronunciam medidas mitigadoras, através de posturas para o manejo do solo (aclive, declive), apropriações
urbanas (parcelamento, alinhamento, dimensionamento) e seus efeitos (estético, higiênico) com relação à
paisagem e sua impressão para o mundo civilizado.
É nesse período da história de Salvador que se pretende situar a ‘passagem’ da cultura
arcaica portuguesa para uma nova cultura que se inspira na vida ao ar livre, na fragrância das flores, no
sombreamento das árvores, atributos que permeiam os ideais de salubridade, quando o Forte de São Pedro
se tornou um elemento mediador entre a cidade tradicional e a cidade salubre, arejada. A presença da
vegetação nas ruas e praças da colônia ocorreu no século XIX, após a transmigração da corte portuguesa
(1808)3 que se considera o estímulo para a ‘reintrodução’ da vegetação na paisagem urbana: A chegada
da Familia real ao Brasil estimulou uma nova sensibilidade à natureza e uma nova mentalidade na arte do
Paisagismo (TERRA, 1997, p:42).
O Príncipe Regente D. João VI era um adepto da política expansionista, incentivador da exploração
dos recursos naturais e um fomentador da Botânica e da fisiocracia, estimulado pelo naturalista Domenico
Vandelli, à criação de Hortos Botânicos no Brasil, com objetivos agrícolas, científicos e econômicos, para
cultivar “plantas indígenas” – nativas (Matas Reais), e exóticas, procedentes dos Hortos interligados, em
função da reprodução das espécies e de suprimento para o Jardim Botânico Real da Ajuda, em Portugal.
Uma série de Cartas Régias foram emitidas pela Rainha D.Maria I (1777-1792), e Salvador foi contemplada
com um locus- para implantação do seu Horto, segundo o modelo do Horto Botânico do Pará (1776).
Vale ressaltar que, durante o periodo de estadia da Corte Real, o aspecto insalubre de Salvador,
foi impactante para os visitantes, por isso, as autoridades locais se esforçaram por adotar novas medidas de
reparação, buscando inspirações em Lisboa, Rio de Janeiro e Belém do Pará, onde as iniciativas paisagisticas
resultaram em melhor qualidade daquelas cidades. D. João VI visitou o Forte de São Pedro, reconhecendo
nas proximidades, o local adequado para o Horto Botânico (acessibilidade, aclimatação, fertilidade),
solicitando, do Conde de Linhares4 (1797) e do Marquês de Aguiar5, esforços para incrementar as ciências
naturais na costa atlântica da Bahia, devido à sua biodiversidade, estrutura administrativa, e pela existência
de um porto escoador da produção e comercialização entre o Recôncavo, o Sertão e a Europa.

O Horto Botânico de Salvador


O Horto de Salvador foi uma instituição pública compartilhada entre o Governo da Capitania e
as autoridades médicas da cidade, organizada nos princípios da fisiocracia e da salubridade, e coordenada
pelo médico Inácio Ferreira da Câmara Bittencourt6. Foi instalado nas proximidades do Forte e da Fonte

108
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 2 – paisagística de Salvador, século XVIII - “Topográfica da Cidade


Capital de S. Salvador, Bahia de Todos os Santos huma das mais
famozas do Reino de Portugal, cituada aos 13 gr.os de Latitude
ao Sul, e 346, e 36 de Longitude, onde tanbem se vê o restante
do grande Dique, que servia de fôsso aquatico a huma trincheira,
com q’. antigam.te foi defendida esta Cidade p.la parte interior de
q’ ainda se observaõ fragm.tos e estê m.to diminuido, naõ só na
sua maior extençaõ q’ comprehendia tôda Cid.e, mas tanbem na
menor, p.al o centro della pela terem uzurpado os m.tos entulhos, e
hortas, que a circundaõ/Joaquim Vieira da Silva Ajud.e Eng.o 1798.”
(legenda do mapa) Original manuscrito da Direcção dos Serviços
de Engenharia – Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia
Militar, Lisboa.
Fonte: APEB- Arquivo Publico do Estado da Bahia; adaptado pela
autora (2015).

109
Jardins históricos

de São Pedro, na [...] roça adiante do campo de São Pedro, no caminho que vai para a Vitória (PEREIRA,
2013), onde havia possibilidade de acesso e de abastecimento de água. Um processo demorado, pois
“[...] o terreno adquirido junto ao Forte de São Pedro descansou (de 1803 a 1810), até a administração do
Governador Marcos de Noronha e Brito, Conde dos Arcos7 (SEGAWA, 1996, p:122), devido os tramites da
desapropriação da chácara do Coronel Caetano Maurício Machado, incluindo a vegetação existente como
um “ativo” imobilizado da propriedade que foi avaliada, naquela época, em $2.434.360 contos de réis (apud
PEREIRA, 2013, p:303)8 .
Assim, o conjunto arbóreo avaliado em 1803 e adquirido pela coroa portuguesa, foi incorporado a
uma instituição pública do governo da Bahia. Considera-se que essa vegetação, após a devida expropriação,
passou a compor o elenco das primeiras árvores e palmeiras a existir no espaço público de Salvador.
Entre os produtos mercantilizados no Porto de Salvador, as espécies arbóreas eram muito cobiçadas
devido ao seu valor utilitário: alimentício, farmacêutico, paisagístico e estético tanto as espécies nativas
(Licania tomentosa-oitizeiro), (Psidium variabile-araçazeiro), (Genipa infudibuliformes-jenipapeiro), como
as espécies exóticas adaptadas (Mangifera índica – mangueira), (Artocarpus heterophyllus – jaqueira),
(Cocos nucifera – coqueiro), (Elaeis guinensis – dendezeiro) que, no século XIX, já estavam adaptadas e
consideradas como árvores brasileiras. (LORENZI et al., 2006).
Segundo documentos manuscritos, existentes na Biblioteca Nacional, o plano do Horto
Botânico de Salvador foi traçado em alas paralelas formando leiras de plantio; entretanto, até então, a
memória descrita não esclarece questões determinantes, como localização, dimensões e especificações
das espécies.
O Horto da Bahia não prosperou, pois perdeu sua função após a invasão napoleônica em Portugal,
quando o Horto Botânico da Ajuda foi saqueado e desestruturada a rede de hortos portugueses. Após esse
acontecimento, o príncipe regente D. João VI buscou incentivos para centralizar essas questões no Jardim
de Aclimatação do Rio de Janeiro (BEDIAGA, 2007).
Ainda assim, o Horto Botânico da Bahia foi uma oportunidade de conciliar a ciência com os problemas
da cidade do Salvador, com ênfase na salubridade pública. Representa a “passagem”, quando o pomar
intramuros e privativo tornou-se um bem coletivo, e a cidade passou a ser observada e projetada segundo
o conhecimento científico, e esse fato se deve à presença da monarquia no Brasil, dos cuidados relativos
com o tratamento da paisagem urbana e das atitudes para garantir transformações, disponibilizando uma
assessoria técnica especializada aos governos das Capitanias. Também nesse período, a Bahia foi contemplada
com a visita do “arquiteto real de todas as obras”, o cientista português José da Costa e Silva9, para estudar a

110
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

cidade e promover projetos de interesse urbano ambiental e assim enfrentar as questões de Salubridade e
Sociabilidade.

O passeio público de Salvador


É a partir do Horto Botânico que nasce o Passeio Público de Salvador. As intenções político-
administrativas sugeriam renovação e criatividade como crescimento, progresso e imagem urbana
renovada, e o Passeio Público foi implantado sobre a encosta da Baía de Todos-os-Santos, aproveitando
o campo visual do principal acesso da Cidade do Salvador, e utilizando as instalações do Horto Botânico
como apropriação e idealização de um lugar adequado e estimulante para os hábitos da vida ao ar livre
em contato com a natureza (local e panorâmica), contando com a arborização exuberante já existente
no sítio, a visão do movimento das embarcações, o magnífico crepúsculo sobre o espelho d´água, fatores
estratégicos, favoráveis, de atração da cidade moderna.

Il. 03 – (a) Passeio visto da Baía por Galt, 1860; (b) Mirante do
Pôr do Sol, Gaensly, 1875.Símbolo da Monarquia na Bahia
Fonte: Disponível: <http://www.salvador-antiga.com/passeio-
publico/antigas.htm >, apud CARDOSO, 2015.

111
Jardins históricos

O projeto arquitetônico e paisagístico do Passeio Público é uma autoria dos arquitetos José da
Costa e Silva e João da Silva Muniz10, que propuseram um plano mediador, conciliador com os elementos
preexistentes do Horto Botânico e assim conquistando um espaço, envolvendo obras de contenção e
terraplanagem. A forma semicircular avança sobre a encosta, para destacar o elemento principal, o
obelisco esculpido em pedra mármore11, formando um conjunto escultórico cercado por “balaústres”
com gradil de ferro fundido12, dispostos em simetria para marcar o limite Oeste do recinto e assegurar a
visão da Bahia de Todos-os-Santos (ANACLETO, 2005). Matoso destaca: Continuando sempre na direção
sul e uma vez atravessando o Convento das Mercês, os caminhos levavam para o forte de São Pedro
e para o bairro dos Aflitos onde, junto ao quartel encontrava-se o tão encantado jardim público. [...].
(MATOSO, 1978, p, 178).
Além de um simples jardim, esse espaço simbolizava um novo cartão postal, de propagação e
atração para visitantes que cruzavam o Oceano Atlântico para desfrutar a diversidade local, descrevendo
seus registros em pinturas, desenhos, fotografias, sobre o novo recanto, assim ocorreu com o com o
gravurista Galt e o fotógrafo naturalista Gaensly (Il. 03a, 3b).
O sítio escolhido foi, na época, considerado ‘adequado’ aos objetivos da Câmara do Senado13,
comno se pode ler na carta transcrita a seguir:
Rio de Janeiro, 11 de Setembro 1813
Ill.mº Snr Jozé da Costa
O Senado da Cam.ª desta Cid.e me encarrega de suplicar a V.S.º o seu favor, q. nas circunstancias
prezentes se lhe torna indispensavel: porquanto propondo se a inaugurar hum monumento
publico em memoria da Feliz Epoca da chegada de S. Alteza R.l a este porto, e havendo-
se dezignado o lugar no sitio do Passeio Publico, o receio de que aquele lugar sobranceiro a
huma das montanhas da Cidade, não possa p.r desgraça tornar-se improprio, principalm.te no
estado actual das montanhas da Cid.e, torna-se indispensável tomar neste ponto as medidas
necessárias; como V.S. pelos seus talentos, e notório merecimento, melhor que ninguém pode
dar no cazo huma segura, e certa decisão; o Senado da Cam. a se propõem juntar-se em corpo
no d.º lugar do Passeio Publico no dia 14 p.a 15 do corr.e pelas 5 horas da tarde, e com os Enginhr.
os, Mestres, e Peritos, p.a terem a fortuna de ouvir o decisivo voto de V.S. em huã matéria tão
importante, e q. por isso esperão de merecer de V.S. que Ds G.de Bahia em Cam.a 11 de 7bro de
1813, Manoel Ezequiel de Almeida.14

Sob a ótica da Câmara Municipal, podemos conhecer um pouco daquele “jardim real” e sua
história vinculada à presença da realeza portuguesa na Bahia: [...] sua elevada posição parece ter sido
desenhada pela natureza, com o destino de ahi erigir o throno do maior dos Soberanos. A abertura do porto

112
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

por seo vistoso archipelago onde podem ancorar todas as armadas do mundo” (SALVADOR. Atas da Câmara,
1813)15.
No centro do pátio arredondado, ergueu-se o obelisco com a placa de inauguração da obra no dia
23 de janeiro de 1815, como descreve o escrivão Luis Pereira Sodré (1815, p:175):
[...] aproveita a primeira ocasião que se lhe oferece, havendo desembarcado as últimas peças
do mármore feito em Lisboa para dar agradável certeza que a 17 de dezembro deste será feita a
Inauguração do Monumento que levanta o povo mais fiel no melhor dos soberanos e que fará a
honra eterna dos cidadoens que conceberão e realizarão tão digno projeto [...].16

Para o Governador Conde dos Arcos, [...] a praça circular do Passeio Público lembrada pelos
architetos e peritos me parece o lugar mais próprio. Segundo Affonso Ruy (1949, p:357), foi o único
monumento levantado, durante todo o século XIX, por iniciativa da Câmara de Salvador.

Il. 4 – (a) Alameda entre Horto (viveiro) e Passeio Público


e (b) Cascata do Passeio Público, Castro y Ordoñez, 1862.
Integração ciência e sociabilidade
Fonte: Disponível: <http://www.salvador-antiga.com/
passeio-publico/antigas.htm>.

113
Jardins históricos

Também aí, na antiga capital do reino, lhe foi solicitado, para além de uma opinião relacionada com o
embelezamento do Passeio Público, o seu contributo na construção de um monumento comemorativo
da estada do futuro D, João VI na cidade, quando da sua passagem para o Rio. O artista português
apontou para a forma de obelisco, alegando ser esta a estrutura que mais se adequava ao fim em visita.
(ANACLETO, 2005, p.462).

O acesso ao Passeio se fazia por dois pontos: o portão principal, localizado no Largo do Forte
de São Pedro, por um caminho que se estendia das Mercês, e o portão secundário, localizado no Largo
dos Aflitos; entre estes, uma via alargada fazia a interligação Horto Botânico-Passeio Público e a cidade.
Havia ainda uma opção de acesso para o mar através da trincheira da Bateria da Gamboa17. Na ilustração
4, em torno da balaustrada, pode-se observar a arborização sistemática da espécie (Licania tomentosa –
oitizeiro), uma alameda sombreada de acesso ao Viveiro de Aclimatação, Quiosque de Exposições, estufas
e sementeiras.
Percebe-se que a integração entre Arquitetura e Natureza foi um importante fundamento para o
projeto do espaço, ao preservar a arborização preexistente da Chácara do Coronel Machado (1803) e utilizar
espécies produzidas no Horto Botânico, trazendo a ideia de “jardim pronto”18, como atração à sociabilidade.
Esse tipo de jardim, inspirado no estilo Paladiano Inglês, ganhou expressão por surpreender o espectador
através da composição da vegetação com objetos artísticos segundo a montagem de réplicas clássicas de
esculturas, estátuas, pórticos, arcadas, colunas, obeliscos, etc., como um leque opcional de elementos que
visam enfatizar o caráter ideológico da obra pública, conforme se pode observar nas Figuras 3 e 4.
Os arquitetos reais trouxeram para Salvador, um conjunto paisagístico caracterizado pela
simplicidade da forma e sua harmonia com a paisagem do entorno; um local aprazível, sociável e cobiçado,
com noções de saneamento e ordenamento público, induzindo a condição de uso e fruição. Assim,
percebe-se a mudança de atitude, quando as intenções portuguesas se aliam à ideologia do paisagismo
inglês em função de produzir um ambiente salubre, onde foram empregados materiais de qualidade de
enobrecimento para a cidade.
Entre todos os jardins que vi no Brasil, este é o que mostra mais as características da horticultura
europeia. [...] variadas plantas ornamentais do Sul da Europa, das Índias Orientais e do Brasil,
tornam à tarde o mencionado Passeio, graças à variação fresca, um lugar aprazível. [...]. (SPIX;
MARTIUS, 1981, p.145).

O Passeio Público do passado representa a introdução de um estilo diferenciado para a


sociabilidade publica, recebendo, das árvores do Horto Botânico, a garantia de um microclima diferenciado,
que qualificava o espaço público do século XIX. Atualmente, são árvores que se mantêm como testemunhas

114
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

de uma historicidade, em suas características envelhecidas, resilientes, como monumentos vivos, erguidos
e comemorativos das primeiras árvores do espaço público de Salvador.
O Arquiteto Real José da Costa e Silva trouxe, para Salvador, um conjunto paisagístico caracterizado
pela simplicidade da forma e sua harmonia com a paisagem do entorno; um local aprazível, sociável e
cobiçado, com noções de saneamento e ordenamento público, induzindo a condição de uso com prazer.
Assim, percebe-se a mudança de atitude, quando as intenções portuguesas se aliam à ideologia do
paisagismo inglês em função de produzir um ambiente salubre, onde foram empregados materiais de
qualidade de enobrecimento para a cidade.

Il. 5 – (a) Mirante do Pôr do Sol por


Victor Frond (1858) e (b) Paisagem em
resiliêincia,sec XXI: foto Cardoso(2015).
Integração Arte Arquitetura e Paisagismo
Fonte: Disponível: < http://www.salvador-
antiga.com/passeio-publico/antigas.htm>.

115
Jardins históricos

Entre todos os jardins que vi no Brasil, este é o que mostra mais as características da horticultura
europeia. [...] variadas plantas ornamentais do Sul da Europa, das Índias Orientais e do Brasil,
tornam à tarde o mencionado Passeio, graças à variação fresca, um lugar aprazível. [...]. (SPIX;
MARTIUS, 1981, p.145).

O Passeio Público do passado representa a introdução de um estilo diferenciado, voltado para a


sociabilidade publica, recebendo, das árvores do Horto Botânico, a garantia de um microclima diferenciado,
que qualificava o espaço público do século XIX. Atualmente, são árvores que se mantêm como testemunhas
de uma historicidade, em suas características envelhecidas, em resiliência, como monumentos erguidos e
comemorativos das primeiras árvores do espaço público de Salvador.

NOTAS
1
Atribui-se a autoria do projeto ao Arquiteto Miguel de Arruda (1549), o Mestre das Obras da Fortificação do Reino,
Lugares-d`além e Índias. A implantação da cidade é atribuída ao Mestre Luís Dias (VALLA, 1996).
2
Informações sobre o Forte baseadas em: REIS et al.,2000; VILHENA, [1802]1921, v.1, p:217-246; MENEZES;
RODRIGUES, 1986, p:30; 138; OLIVEIRA, 2004, p, 212; 219; 230; apud CARDOSO, 2015.
3
Em 1808, o Brasil era ainda colônia do Reino de Portugal, católico, escravocrata, tecendo aproximação com a política
liberal europeia, e a nau “Príncipe Real”, durante a transmigração para o Brasil, aporta em Salvador. Uma ação
decorrente do Tratado de Fontainebleau (1807) e da invasão napoleônica em Portugal, foi amparada pelo Império
Britânico, marcando assim a presença da Inglaterra nas decisões políticas (Tratado de 1810) e na organização do
espaço urbano brasileiro (RUY, 1949, p:345; 349).
4
Rodrigo de Souza Coutinho (1755-1812). Português, liberalista, Ministro de Estado e Domínios Ultramarinos (1796-
1801). Presidente do Real Erário (1801-1803), tornou-se Conde de Linhares (1808). Redator dos Tratados com a
Inglaterra (C.R.7-11-1810) e Inspetor dos Reais Jardins Botânicos e Museus (1803).
5
Fernando José de Portugal (1752-1817). Português, Marquês de Aguiar (1808), formado em Direito em Coimbra,
Vice-Rei no Brasil (1801-1806), Governador da Bahia (1788-1801), Ministro do Príncipe Regente D. João VI.
6
Inácio Ferreira da Câmara Bittencourt. Brasileiro, médico na França, Membro da Sociedade Real de Ciências, da
Medicina e Agricultura (Paris), da Academia Real (Lisboa); época de aproximação entre a Escola de Medicina e a
Câmara da Cidade em função da saúde pública de Salvador (ARAÚJO, 1992, p.147).
7
D. Marcos de Noronha e Brito, 8º Conde dos Arcos, Governador da Capitania da Bahia (1810-1818).
8
Texto extraído de: Ofícios, relações e outros documentos. II – 33; 26; 27(ANAIS da BN, nº 68, Doc. nº 798).
9
José da Costa e Silva (1747-1819). Arquiteto palladianista da Academia Florentina de Bolonha (Itália). Introdutor
do estilo em Portugal (Erário Régio, 1789); Professor de Arquitetura Civil na Real Academia do Desenho (1781);
arquiteto das obras reais (1791). No Brasil (1811), foi o Arquiteto Geral de Todas as Obras Reais, em parceria com

116
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

João da Silva Muniz, o então Arquiteto Real da Casa das Obras. Em Salvador, desenhou o Passeio Púbico e o Obelisco
comemorativo à estada de D. João VI (1808). (ANACLETO, 2005, p:459-468).
Os arquitetos aportaram em Salvador na nau Bergantim Falcão, para avaliar os recentes desmoronamentos ocorridos
10

e estudar um plano para a cidade moderna (RUY, 1949, p:356-357; ANACLETO, 2005, p:462). A Câmara Municipal
vinha solicitando verbas para obras de reparos (Cartas do Escrivão Manoel Ezequiel de Almeida (16 de julho de
1809), Livro 2810:163. In: Arquivo Público Municipal da FGM-PMS).
11
A pedra mármore utilizada no Passeio Público é oriunda de Portugal. As primeiras jazidas exploratórias do mármore
brasileiro ocorreram em Cachoeiro do Itapemirim (1912).
12
Após os tratados de 1808, iniciou-se a produção de ferro no Brasil: Real Fábrica de Ferro do Morro do Pilar em
Tejuco (1809); Fábrica Ipanema em Araçoiaba (1810); Usina Patriótica em Congonhas do Campo (1811).
13
AHPS. Cartas 54 e 55 – armário 62 pasta 153 (apud RUY, 1949, p:357).
DOC. Nº185 – Pedido do Senado da Câmara da Baía a José da Costa e Silva para apresentar um projeto de Obelisco
14

comemorativo, 15 de setembro de 1813 (BNRJ. Manuscritos, I-3, 29, 060).


SALVADOR. ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL. Biblioteca da Fundação Gregório de Mattos. Atas da Câmara, Livro 57,
15

1813, p. 135.
Luis Pereira Sodré: escrivão do Senado (17 de julho de 1813); João de Melo Leite: Presidente do Senado. (SALVADOR.
16

ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL. Biblioteca da Fundação Gregório de Mattos. Cartas do Senado da Câmara, Livro
2810-1815, p.175).
17
Provavelmente, havia um caminho para escoamento do Horto Botânico que foi incluído na obra da encosta.
18
Na linguagem paisagística, refere-se à arborização adulta que produz floração, frutificação, sombreamento.

REFERÊNCIAS
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Brasileiro de História da Arte. Porto, 2005. p. 459-468.
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uso e o abuso do solo urbano. 1992. 478f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo)-Universidade Federal da
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117
Jardins históricos

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em Geociências e Meio Ambiente)-Universidade Estadual Paulista/Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro,
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GODINHO, Vitorino Magalhães. A estrutura da antiga sociedade português. Lisboa: Editora Arcadia: SARL, 1971.
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MATOSO, Kátia. Bahia: a Cidade do Salvador e seu mercado no século XIX. São Paulo, HUCITEC; Salvador: Secretaria
Municipal de Educação e Cultura, 1978.
MENEZES, José Luís Mota; RODRIGUES, Maria do Rosário. Fortificações portuguesas no Nordeste do Brasil, séculos XVI,
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OLIVEIRA, Mário Mendonça de. As fortificações portuguesas de Salvador quando Cabeça do Brasil. Salvador: Fundação
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PEREIRA, Rodrigo Osório. O Império Botânico: as políticas portuguesas para a flora da Bahia Atlântica Colonial (1768-
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REIS, Nestor Goulart; BUENO, Beatriz P. S.; BRUNO, Júlio V. Imagens de vilas e cidades do Brasil Colonial. São Paulo: Editora
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VILHENA, Luís dos Santos. Recopilação de Notícias Soteropolitanas e Brasílicas contidas em XX cartas: Livros I, II, II, IV
[1802]. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1921.

118
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

119
Jardins históricos

O presente estudo trata conceitos de praças e sua evolução


no Brasil, comentando acerca do surgimento das mesmas
no tecido urbano durante o período do movimento de
higienização, que surgiu na Europa, influenciando grande
parte do mundo, inclusive o Brasil. A Praça Doutor Salatiel,
foco desse estudo, surgiu no século XX, durante esse período
de higienização, sendo inserida em um local que com o passar
dos anos sofreu diversas modificações em sua morfologia.
Dar continuidade ao resgate histórico, levantamento arbóreo
e paisagístico das praças da cidade histórica de São João del
Rei – MG. O projeto visa dar continuidade ao estudo dos
aspectos da evolução sociocultural e paisagístico, estudando a
Praça Doutor Salatiel, localizada na Rua Marechal Bittencourt,
na cidade histórica de São João del Rei, que está situada na
Estrada Real. A execução desse projeto consistiu na pesquisa
de campo para a identificação do significado histórico da praça
em questão. Dentre todas as nomenclaturas a mais conhecida
pela população é a de Rua da Cachaça, devido ao comércio
da época, que favorecia a vida noturna e a boemia. A Praça
em questão faz parte do centro histórico da cidade, e todo o
seu entorno possui tombamento, entretanto a mesma sofreu
modificações significativas em sua estrutura, tanto construtiva
como botânica, constituindo um espaço onde predomina o
caos, decorrente de fatores como acúmulo de lixo e grande
fluxo de veículos. A partir do estudo realizado, constatou-se
que o número de informações sobre o local, principalmente
sobre a Praça, é escasso, fazendo com que a continuação
do mesmo seja de grande importância, pois é um meio de
preservar a história da cidade e da população.

Palavras-chaves: História, Cultura, Paisagismo, Brasil.

120
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

RESGATE HISTÓRICO DE PRAÇAS E JARDINS DE CIDADES


HISTÓRICAS DA ESTRADA REAL: SÃO JOÃO DEL REI – MG -
PRAÇA DOUTOR SALATIEL
Nayhara Camila Andrade | Amanda B. Teixeira | Schirley Fátima Nogueira da
Silva Cavalcante Alves

A
s praças e seus jardins fazem parte do cotidiano
dos habitantes das cidades e sua importância
cresce à medida que os centros urbanos se
adensam e transformam seus espaços. Os ambientes
públicos, como as praças, asseguram a qualidade
de vida e preservam de algum modo a história local,
servindo de patrimônio sociocultural e natural.
Para dar continuidade ao estudo das praças
e jardins das cidades da Estrada Real e melhor
compreender o desenvolvimento deste tema nas
cidades brasileiras, em especial de São João del Rei, foi
realizado o resgate histórico da Praça Doutor Salatiel,
localizada na Rua Marechal Bittencourt.
As cidades da Estrada Real abrigam diversas
praças, entretanto não há registro da maioria delas,
fazendo com que esse tipo de estudo seja necessário
para assegurar a preservação da história do local e,
consequentemente, sua valorização.
O presente estudo trata conceitos de
praças e sua evolução no Brasil, além do surgimento

121
Jardins históricos

das mesmas no tecido urbano durante o período do movimento de higienização que surgiu na Europa e
influenciou grande parte do mundo, inclusive o Brasil.
A Praça Dr. Salatiel surgiu no início do século XX, no meio do tecido urbano de São João del Rei,
que também sofreu influência do higienismo no processo de urbanização.
A evolução da história dessa Praça revela que a mesma passou por modificações ao longo dos
anos tanto em sua morfologia como na sua integração com a população.

REVISÃO DE LITERATURA
O Movimento de Higienização
A cidade de São João del Rei sofreu importantes mudanças urbanas na primeira metade do século
XX, como a criação de praças e jardins, mudança no calçamento das ruas, prolongamento de algumas ruas
e abertura de avenidas.
A partir da década de 1920 ocorreram intervenções no tecido urbano que foram norteadas pelos
ideais de progresso, modernização, assepsia, embelezamento e racionalização do espaço urbano são-
joanense. Nas décadas posteriores, sobretudo nos anos de 1930 e 1940, tais práticas de “aformoseamento”
da cidade se intensificaram pela necessidade da expansão comercial e industrial da cidade (TAVARES, 2011).
A Prefeitura e a Câmara Municipais assumiram um papel de protagonismo na urbanização da
cidade na primeira metade do século XX, fomentando prolongamentos, retificação e alinhamento de vias
públicas, construção de jardins e praças, alinhamento e retificações de casas, seguidas em muitos casos de
desapropriação e demolição. As obras públicas procuravam criar uma nova imagem da cidade de acordo
com os modelos estéticos modernos. Devido aos impactos por conta da constante renovação do centro da
cidade, São João del Rei desenvolveu um perfil urbano marcado pelo contraste entre a estética colonial e
estilos diversos como o eclético, art deco e neocolonial (TAVARES, 2011).
O movimento de higienização dos espaços urbanos teve sua origem na Europa, sendo o grande
trabalho de Haussmann em Paris, entre 1853 e 1877, o exemplo mais clássico, e no Brasil o de Pereira Passos
no Rio de Janeiro, entre 1902 e 1906. Em Paris as reformas urbanas seguiram os princípios da circulação
acessível dentro da cidade, contando com a eliminação da insalubridade nos locais densos, a revalorização
e o reenquadramento dos monumentos, unindo-os através de eixos viários e perspectivas. As obras foram
responsáveis pelos novos traçados viários e pela abertura de novas artérias, além da demolição de diversos
cortiços. Adaptou-se uma nova malha urbana de ruas largas à cidade, ligando os principais pontos urbanos
e as estações ferroviárias. Com a execução de todas essas modificações na cidade, acabou-se criando um

122
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

estilo novo onde todas as reformas que ocorreram ao molde de Paris, ou seja, com abertura de grandes
avenidas, demolições de velhas edificações, higienização da cidade e implantação de serviços urbanos,
passaram a ser classificadas como “haussmannianas” (PORTO et al., 2007).
No Rio de Janeiro as reformas feitas por Pereira Passos seguiram esse conceito. O sistema viário
passou a ser composto por ruas e avenidas que conduziam o tráfego dos limites da cidade ao centro,
sendo que habitações populares foram demolidas dando lugar às grandes avenidas. (PORTO et al., 2007).
Os espaços públicos começaram a ganhar importância na trama urbana e no cotidiano dos indivíduos
(ALONSO, 2010).

evolução das praças no brasil


Entender a evolução das praças no Brasil é necessário para compreender as mudanças ocorridas
em São João del Rei, mais especificamente na Rua da Cachaça. Muitos autores possuem uma definição
particular para os espaços públicos, mas para Robba e Macedo (2010) todos eles concordam em classificar
a praça como sendo um espaço público urbano onde existe lazer e convivência entre os habitantes urbanos.
Analisando a história percebe-se que incialmente os espaços livres urbanos eram compostos por
largos, por influência Europeia. Esses espaços se configuravam a partir das construções das residências,
resultando em ruas estreitas no seu entorno, como mencionado por Robba e Macedo (2010). Os espaços
públicos podiam comportar diversas atividades da população, dentre elas as civis, religiosas, militares e
até mesmo profanas. Com o passar do tempo o largo colonial cedeu espaço às praças ajardinadas e às
atividades de comércio, lazer e convívio social deram lugar aos espaços de contemplação e passeio. (ROBBA
e MACEDO, 2010).
No início do século XX, no Brasil, iniciou-se o processo de ajardinamento dos “vazios urbanos”,
sendo incluídos os largos, canteiros e as plazas anteriormente secas, tornando-se assim um período de
grandes transformações na fisionomia urbana. O crescimento urbano fez com que surgisse a vontade de
estruturar os espaços para que esses pudessem desempenhar funções distintas. A praça adquiriu uma
nova composição devido à valorização do verde, onde se priorizavam funções de lazer e contemplação
(SEGAWA,1996).
A influência direta da França e da Inglaterra promoveu campanhas de salubridade, modernização
e embelezamento das cidades, como ocorrido em Paris, citado anteriormente. No período de transição
entre colonial e cidade moderna, no final do século XIX, surgem as praças ajardinadas no Brasil, destinadas
às atividades de lazer contemplativo e ao convívio da população. O modelo de praças ajardinadas tornou-

123
Jardins históricos

se um padrão a ser seguido nas primeiras décadas do século XX, e até mesmo os mais antigos logradouros
passaram por tratamentos paisagísticos e de ajardinamento (ROBBA e MACEDO, 2010).
A composição das praças brasileiras originou-se de dois princípios: o da composição
orgânica e o da composição formal. Esses locais possuíam grande importância no cotidiano das pessoas pois
estimulavam o coletivo, servindo de ponto de encontro e reunião. Algumas praças tornaram-se símbolos
espaciais e referências históricas nas cidades brasileiras (CALDEIRA, 2007).
DOURADO (2008) relata que a influência francesa repercutiu no Brasil de tal modo que fez com
que as cidades buscassem a arborização de suas vias e começassem a providenciar novos jardins públicos
através da conversão de velhos largos e praças em espaços novos.

OBJETIVOS
O objetivo deste projeto é colaborar para a formação do estudo da história da arte dos jardins do
Brasil, uma vez que o mesmo ainda é incipiente nas cidades da Estrada Real. Com isso, busca-se enriquecer
o estudo sobre a arte dos jardins no Brasil, setor de pesquisa ainda pouco desenvolvido, além de colaborar
com a elucidação e o resgate da história de São João del Rei, aprimorando o conhecimento de sua cultura
e a gama de informações turísticas da Estrada Real, podendo contribuir para com os futuros trabalhos de
restauração da Praça Dr. Salatiel.
Objetivos específicos | O projeto visa dar continuidade ao estudo dos aspectos da
evolução sociocultural e paisagístico estudando a Praça Doutor Salatiel, localizada na Rua Marechal
Bittencourt, na cidade histórica de São João del Rei, que está situada no trecho do Caminho Velho da
Estrada Real.
METODOLOGIA | metodologia utilizada para a realização do resgate histórico da Praça Doutor
Salatiel se apoia nas teorias de Delphin (2005), que contribui com orientações técnicas acerca da
conservação e preservação dos jardins históricos e de suas particularidades; de Lassus (1994) que possibilita
a identificação e a análise das práticas e dos processos da evolução física do lugar; e de Luginbuhl (2006) que
elucida valores estéticos, fenomenológicos ou simbólicos, atribuídos pela população, artistas e escritores.
A primeira fase de execução desse projeto consistiu na identificação do significado histórico da
praça em questão por meio de levantamentos documentais, pesquisas bibliográficas, arquivológicas e
iconográficas. Essas pesquisas foram realizadas no Instituto Histórico e Geográfico da cidade, na Biblioteca
Municipal, na Secretaria de Cultura e de obras, no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e
no Museu Regional de São João del Rei.

124
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Além da pesquisa realizada nos acervos históricos da cidade, realizou-se o reconhecimento do


local para possibilitar o levantamento do estado atual da Praça Doutor Salatiel, bem como sua utilização e
potencialidades, além de um levantamento botânico da mesma.
Para a realização dos levantamentos mencionados foi necessário a realização de visitas à São João
del Rei, que possibilitaram a coleta de dados.

os resultados
Nomenclatura das Ruas
A respeito da formação urbana de São João del Rei, Guimarães (1994) aborda as questões políticas
acerca de tal formação. O autor cita que em 19 de março de 1881 a Câmara fixou as divisas da urbe e nos
pontos periféricos já se esboçava definitivamente a configuração urbana da cidade.
Pode-se observar que em São João del Rei houveram muitas mudanças na nomenclatura das ruas.
Primeiramente as vias públicas acabavam sendo batizadas pelo povo sem ao menos saber-se o porquê, e
com o tempo as denominações eram endossadas no contexto dos documentos oficiais como sendo termo
expressivo de referência. A rua estudada nesse projeto é um exemplo, pois antigamente denominava-se
Rua da Alegria (GUIMARÃES, 1994).
As trocas de nomes das ruas acabavam por substituir denominações que homenageavam certas
figuras da cidade pelo de outras pessoas, e assim a memória se perdia. É o caso da praça abordada, que
foi nomeada em memória do Dr. Salatiel de Andrade Braga, mediante a lei nº 436, de 12 de fevereiro de
1925, e que teve seu nome trocado com o decreto nº 22, de 6 de setembro de 1943, por Praça Barão do Rio
Branco, por motivo de inauguração do monumento desse Chanceler, no Rio de Janeiro. Devido a essa troca
de nome uma nova placa de identificação deveria ter sido colocada no lugar da antiga, fato que a prefeitura
ficou à espera para confirmar o batismo. A troca das placas nunca ocorreu.
Em 5 de Janeiro de 1883, a Rua da Alegria passa a se chamar Rua Tiradentes, tornando Tiradentes
o 5º brasileiro a ter seu nome em uma das ruas de São João del Rei. As nomenclaturas das ruas são-
joanenses nos dois primeiros séculos de existência desta cidade tiveram como razões diversos fatores,
dentre eles: causas desconhecidas em sua função de ser, ainda que justificáveis, e reconhecimentos aos
feitos são-joanenses (GUIMARÃES,1994). A rua estudada se encaixa nesses fatores, já que se denominava
Rua da Alegria e posteriormente passou a ser chamar Rua Marechal Bittencourt.
Em época posterior a 1900 ocorreram novas mudanças na nomenclatura das ruas são-joanenses,
em 1923 a Rua Tiradentes passa a se chamar Rua João Jacob Sewaybricker, homenageando um antigo

125
Jardins históricos

comerciante e vereador de São João del Rei. Em 1925 a praça entre a Rua do Comércio e Rua João Jacob
Sewaybricker recebe o nome de Praça Dr. Salatiel. As mudanças ocorreram em curto espaço de tempo, pois
em 1939 a Rua João Jacó Sewaybricker passa a se chamar Rua Marechal Bittencourt, em 1943 a Praça Dr.
Salatiel tem a intenção de trocar de nomenclatura para Praça Barão do Rio Branco. Uma fotografia datada
de aproximadamente 1945, mostra o posto de gasolina Strefezzi localizado na Rua Marechal Bittencourt
nomeada como tal em 1943. A obra arquitetônica é marcante no espaço até os dias atuais e se encontra na
atual Rua Marechal Bittencourt.
A partir de 1900, segundo Guimarães (1994), as mudanças dos nomes das ruas e praças de São
João del Rei foram devido às seguintes características: culto às datas, homenagem a pessoas ilustres no
âmbito nacional, como Tiradentes, Marechal Bittencourt e Getúlio Vargas, homenagem à proprietários
dos loteamentos, e a partir de 1946 proliferaram as homenagens à ilustres desconhecidos. Percebe-se
que tanto a rua quanto a praça abordada podem ser incluídas nesses aspectos, pois a rua primeiramente
serviu de homenagem à Tiradentes e depois ao Marechal Bittencourt. A praça também teve seu nome
trocado, anteriormente homenageava um são-joanense Dr. Salatiel, e, posteriormente, houve o interesse
em direcionar a homenagem ao Marechal Bittencourt, figura que tem importância no âmbito nacional.
Alguns nomes atribuídos às ruas da cidade sugiram de termos significativos ou de atividades
exercidas, como é o caso da Rua da Cachaça, que teve esse nome devido a ter em sua extensão casas que
vendiam o produto. Segundo o viajante estrangeiro inglês Burton, em 1868, a venda da cachaça propiciou
ambientação da vida noturna duvidosa no local, originando a Rua da Alegria.
Existiam na malha urbana alguns becos e vielas, que segundo Guimarães (1994), foram
desaparecendo com o tempo. A área estudada possui um beco conhecido como Beco da Escadinha, e
sobre esse, por meio da lei nº395 de 23 de janeiro de 1990, foi disposto a vedação que não se concretizou,
possibilitando a existência do mesmo até os dias atuais.

Rua da Cachaça
A rua na qual a praça está localizada é conhecida como Rua da Cachaça, nome que é popularmente
conhecido por conta do antigo comércio que existia no local, onde era vendido, dentre outras coisas, a
aguardente. Esse segmento urbano já possuiu diversas nomenclaturas, mas a que insiste em permanecer
na boca do povo é o de Rua da Cachaça.
Por ser um local onde se estipulou o comércio, a vida noturna se instalou ali de forma com que
a rua também chegasse a ser conhecida como Rua da Zona, devido à grande quantidade de casas de

126
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

entretenimento. Muitos autores citam em suas obras características desta rua e da antiga fama que a mesma
possuía. Burton (2011) foi o único viajante estrangeiro que passou por São João del Rei que relatou sobre
essa rua, chegando a mencionar sobre o fato de ter passado pela Rua da Alegria, comentando brevemente
que o antigo nome da mesma era Rua da Cachaça, e que para ele, esse seria um nome “menos honesto”.
Maldos (2011) relata sobre a rua em questão, enfatizando que a mesma entrou em degradação no início
do século XIX, devido à sua transformação em área boêmia e de prostituição. Sobrinho (2011) descreve a
Rua da Zona com seu comércio de aguardente e vida noturna duvidosa. Segundo Viegas (1942) Tiradentes
teria frequentado uma escola ali existente em 1750 e teria ido pela última vez à Rua da Cachaça para se
encontrar com o taverneiro Manoel Moreira (DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA, Autos de Devassa,1976).
Devido à decadência por conta das zonas de prostituição que ali funcionava a rua ficou muito
desvalorizada, mas na última década tem sido revitalizada e considerada como parte do centro histórico
são-joanense. Na ilustração 1 é possível ver a Rua Marechal Bittencourt ou Rua da Cachaça nos dias atuais,
com seus casarios coloridos e algumas fachadas restauradas.
Il.1 – Rua Marechal Bittencourt sentido praça
Data: 10/12/2015
Fonte: Fotografia de Amanda Burgarelli Teixeira

127
Jardins históricos

Cintra (1988) relata que importantes instituições culturais e turísticas têm se instalado por ali,
como o Centro de Referência musical José Maria Neves, a sede da Orquestra Popular Livre, o Centro Cultural
Feminino e o escritório da Trilha dos Inconfidentes, mas que ainda existem muitos casarões para reformar
e assim poder abrigar lojas, cafés, livrarias, etc.
O local em estudo ilustra o grande contraste de usos, pois se localizando muito próximo à igreja
Nossa Senhora do Carmo, acolhe eventos religiosos, mas ao mesmo tempo é marcada pela vida profana,
pois em grande parte de sua história abrigou a vida boêmia desta cidade.

Abertura do Largo
O local onde hoje abriga a Praça Doutor Salatiel antes era composto por residências que cederam
lugar a um largo no período da higienização de São João del Rei. Analisando a Décima Urbana da Rua da
Cachaça de 1826, documento que mostra a relação de residências e seus moradores, observa-se que no
local existiam 24 casas do lado direito da via e 28 casas do lado esquerdo. A Figura 02 mostra a suposta
divisão destas moradias antes da abertura do largo.
Il. 2 – Provável divisão dos lotes
antes da abertura do largo.
Fonte: Desenho de Amanda
Burgarelli Teixeira, 2016.

128
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

É possível notar que, de acordo com o documento, deveriam existir 24 casas do lado direito e 28
casas do lado esquerdo antes da abertura do largo, entretanto observando o desenho dos lotes nos dias
atuais, supõe-se que alguns deles foram se unindo com o passar do tempo, e hoje em dia o lado direito que
antes contava com 24 casas, conta coma apenas 21 lotes. Percebe-se também que, a Decima Urbana define
28 casas do lado esquerdo da Rua da Cachaça, o largo deveria comportar 13 residências, quantidade de
moradias que provavelmente foram demolidas para a abertura do Largo da Cachaça.

Praça Doutor Salatiel


Em 1920 devido a uma preocupação sanitarista que tomava conta desta época foram demolidas
as prováveis 13 residências da Rua da Cachaça, criando um Largo no local, e dividindo esta rua em duas
partes, a Rua João Jacob Sewaybricker na direção da Prainha e Rua Marechal Bittencourt na Direção da
Igreja do Carmo. O largo criado em 1920, só foi nomeado em 12 de fevereiro de 1925, homenageando
o médico, Doutor Salatiel, importante político do Estado e da cidade. A praça já havia sido ajardinada
aproximadamente em 1940, onde existia uma árvore já frondosa no seu centro, circundado de arbustos
em topiaria, seguindo o modelo estético em voga desta época. Percebe-se ainda a presença de flores na
bordadura de seus canteiros, provavelmente rosas, pois próximo à década de 1950, houve o plantio de
rosas nas praças de São João del Rei (ALVES, 2014). A configuração deste ajardinamento mostra que a
intenção do poder público de alavancar as condições não só higiênicas, mas também estéticas desta área, e
talvez, até mesmo moral, se considerando as atividades que sustentavam a vida boêmia, que ocorriam em
suas proximidades neste período.
Analisando fotografias antigas da Praça Doutor Salatiel e comparando com a situação atual da
mesma é possível perceber que seu ajardinamento passou por modificações estéticas consideráveis. Os
canteiros eram significativamente mais baixos que os atuais, assim como a vegetação que compunha o
local. Percebe-se que essa mudança de gabarito da vegetação limitou o campo de visão desta Praça, criando
uma sensação de adensamento. Na Ilustração 3 tem-se a praça por volta de 1956, com seus canteiros
baixos com uma vegetação predominantemente arbustiva e ordenada.
Já na ilustração 4 percebe-se que uma vegetação predominantemente arbórea, com a presença
de várias espécies arbustivas isoladas, anarquicamente plantadas. Nota-se ainda uma bordadura de
Pingo de Ouro topiado em todos os seus canteiros. Além disto, percebe-se ainda, que atualmente esta
Praça apresenta uma poluição visual intensa causada por veículos em demasia e acúmulo de lixo em suas
imediações. Além deste descuido com o lixo, do excesso de veículos, e das alterações do ajardinamento

129
Jardins históricos

Il. 3 Praça Dr. Salatiel ajardinada na década de 1950, data provável: Década de 1950
Fotografia: Autor desconhecido
Fonte: Arquivos do IPHAN de São João del Rei

Il. 4 – Praça Doutor Salatiel atualmente, data: 10/12/2015


Fonte: Fotografia: Amanda Burgarelli Teixeira.

130
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

desta praça, nota-se também que as residências do seu entorno foram transformadas. Em meados do
século XX é possível perceber fachadas predominando estilos colonial e eclético, bem diferentes das que
são encontradas hoje no mesmo local. Atualmente a Praça Dr. Salatiel possui quatro bancos, seis postes,
quatro lixeiras de metal, um telefone público e o monumento da Estrada Real. Tanto os caminhos quanto as
bordas dos canteiros são de pedra. É possível observar a modificação na altura original dos canteiros, pois
existe uma divisão perceptível de material e altura nos mesmos.
A estrutura botânica desta Praça apresenta um grande número de espécies plantadas de maneira
bastante desordenada. Entre as espécies arbóreas estão presentes o Ipê (Handroanthus sp.), a Quaresmeira
(Tibouchina granulosa), Sibipiruna (Caesalpinia pluviosa), o Cedro (Cedrela fissilis), Pata de vaca (Bauhinia
forficata), Paineira (Ceiba sp.), Magnólia (Magnolia grandiflora), Alfeneiro do Japão (Ligustrum lucidum).
Encontramos ainda duas frutíferas, uma Pitangueira (Eugenia uniflora), e uma Goiabeira (Psidium guajava),
e uma palmeira, a Areca (Dypsis lutescens). Os Arbustos encontrados foram Azaléia (Rhododendron simsii),
Pingo de Ouro (Duranta repens), Cróton (Codiaeum variegatum), Dracena vermelha (Cordyline Terminalis),
Iuca (Yucca filamentosa), Ipê mirim (Tecoma stans), Palma (Nopalea sp.), e o Pau d’água (Dracaena fragrans).
Foram reconhecidas ainda a Falsa Íris (Neomarica caerulea) uma folhagem de flor azul ornamental e a
Trapoeraba roxa (Tradescantia pallida-purpurea). A Ilustação 5 apresenta a planta baixa desta Praça e sua
legenda com seu memorial botânico e equipamentos.

Il. 5 – Planta Baixa da Praça Doutor Salatiel, data: 24/05/2016


Fonte: Autoria de Amanda Burgarelli Teixeira

131
Jardins históricos

consideações finais
Através do estudo realizado pôde-se constatar que a Praça Doutor Salatiel participava do cotidiano
da população, e que até mesmo já possuiu uma Associação de moradores que cuidava do local, mesmo que
não se tenha conseguido nenhum registro dessa atividade.
No entanto, nota-se que a praça atualmente não se encontra em bom estado de conservação, e
que a presença de lixo espalhado na mesma se tornou um hábito. Além do mais, a disposição das plantas
nos canteiros não apresentam nenhuma organização estética, e o excesso de veículos no seu entorno fazem
com que este espaço se torne caótico.
Esta situação em que se encontra a Praça Dr. Salatiel cria a necessidade de uma intervenção no local
a fim de amenizar os danos gerados pela falta de manutenção da mesma. Para tal, além de reorganizar suas
plantas, e redefinir seus canteiros, deve-se considerar a avaliação da atitude dos habitantes e comerciantes
de seu entorno, que fazem desta praça um depósito de lixo. Outra questão a ser considerada deve ser o
trânsito local, bem como as áreas destinadas ao estacionamento de veículos.
A grande dificuldade para se obter informações sobre esta praça evidencia a necessidade de dar
continuidade a esta pesquisa, pois ficou evidente a importância da mesma no convívio social da população
local. E que apesar do entorno desta praça abrigar grupos sociais diversos, entremeados de atividades
marginais na sociedade, a praça sempre funcionou como ponto de coesão social, dando a oportunidade
para todos serem iguais.

REFERÊNCIAS
ALVES S. F. N. S. C. Resgate Histórico da Praça Severiano Resende, no Largo Tamandaré e da Praça Carlos Gomes, no
Largo do Carmo em São João Del Rei – MG. Orientadora: Patrícia Duarte de Oliveira Paiva – Lavras, 2014. Relatório
(Pós-Doutorado – Programa de Fitotecnia. Área de concentração em Paisagismo do Departamento de Agricultura)
Universidade Federal de Lavras, 2014.
BURTON, R. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. São Paulo, Livraria Itatiaia Editora, 1976.
CALDEIRA, J. M. (2007). A praça brasileira. Trajetória de um espaço urbano: origem e modernidade. Tese de doutorado.
Universidade Estadual de Campinas.
CINTRA, S. O.: Nomenclatura das Ruas de São João del-Rei. In: Revista do IHGSJDR. São João del-Rei: 1988, V. VI.
DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA, Autos de Devassa. Câmara dos Deputados. Governo do Estado de Minas Gerais. Brasília/
Belo Horizonte, 1976.

132
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

DOURADO, Guilherme Mazza. Belle Époque dos jardins. Da França ao Brasil do século XIX e início do XX. Tese (Doutorado
– Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Área de concentração em Teoria e História da Arquitetura e
do Urbanismo) Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, 2008.
GUIMARÃES, Fábio Nelson. Ruas de São João del Rei. São João del-Rei: FAPEC, 1994.
LUCCOCK, J. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São Paulo.
Universidade de São Paulo, 1975.
MALDOS, Roberto. Formação Urbana São João del Rei. Ministério da cultura, Instituto do patrimônio histórico e artístico
nacional; 13º Superintendência Regional, Escritório Técnico de São João del Rei. 2011.
MAWE, J. Viagens ao interior do Brasil. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São Paulo, Universidade de São Paulo, 1978.
PORTO, A. L. G; SECCO, C. B; DELGADO, G. M; VERBICARO, C. C; DEMARZO, M. A. A Influência “Haussmanniana” nas
Intervenções Urbanísticas em Cidades Brasileiras. XI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e VII Encontro
Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba, 2007.
ROBBA, F.; MACEDO, S. S. Praças Brasileiras. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010.
SEGAWA, Hugo. Ao amor do público: Jardins no Brasil. São Paulo: Estúdio Nobel/FAPESP, 1996.
OBRINHO, Antônio Gaio. Fontes históricas de São João del Rei. 2011. Disponível : <http://saojoaodelreitransparente.com.
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[online]. 2011, v.4, n.3. Disponível: <http://cchla.ufrn.br/espacialidades/v4n3/Denis.pdf>. Acesso em: 08 março 2016.
VIEGAS, A. C. Notícias de São João del-Rei. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1942.

133
Jardins históricos

O artigo proposto tem por objetivo contextualizar a evolução


histórica, paisagística e arquitetônica do Complexo do Museu
Mariano Procópio na cidade mineira de Juiz de Fora, bem
como abranger o papel dos jardins históricos como expressão
de um ambiente natural produzido pelo homem servindo de
local de memoração para a sociedade. Este trabalho analisa e
contextualiza essa categoria patrimonial dos jardins históricos
defendendo segundo Andrade (2008), esses “monumentos
vivos” que agem como documentos culturais que se renovam
e se deterioram constantemente, tendo sua apropriação
descomprometida um risco ao testemunho futuro. A pesquisa
prossegue com o estudo da memória ligada aos jardins
históricos, com enfoque no Parque Mariano Procópio por
se tratar de um bem tombado a nível nacional com um dos
maiores acervos de arte eclética e imperial do país, tendo no
seu complexo um parque de grande valor botânico e artístico,
bem como o debate da possível autoria do paisagista francês,
Auguste François Marie Glaziou, tema esse que não será
o foco do artigo. Abordamos a memória do local tendo em
vista sua presença marcante na população juizforana, mesmo
se tratando de um bem arquitetônico fechado há muitos
anos para visitação e se tratando de um parque ainda semi-
aberto que atrai centenas de cidadãos diariamente a visitar
o local como forte polo turístico e local de atividades lúdicas.
objetivo do artigo é trazer luz às novas ideias agregando valor
e enriquecendo os debates sobre o bem e o parque mais
importantes de Juiz de Fora.

Palavras-chave: jardim histórico, patrimônio, parque do museu


Mariano Procópio, memória urbana.

134
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

A contribuição do parque Mariano Procópio


para a memória de Juiz de Fora: um estudo
sociocultural
Guilherme N. Ragone

O
s estudos voltados ao paisagismo e à preservação,
gestão e proteção de jardins históricos ou jardins
de interesse histórico, bem como a tendência
recente da busca de memória de nossa própria história
têm avançado no Brasil. Essa questão justifica-se de
acordo com preceitos baseados em sua importância
histórica e artística e em seu significado cultural, que
tem por função contribuir para o fortalecimento da
memória e da identidade de um local, uma sociedade
ou nação. Bem como na qualificação da cidade com
sua inserção no cenário turístico regional e nacional.
Segundo Inês El-Jaick Andrade (2008), o jardim histórico
destaca-se, entre as demais categorias do patrimônio
cultural, por apresentar ligações com o patrimônio
natural, sem intervenção humana e por sua ligação com
a qualidade de vida na cidade. Nesse cenário, temos o
Parque do Museu Mariano Procópio localizado na cidade
mineira de Juiz de Fora. Conjunto esse dotado de grande
importância histórica e sociocultural para a cidade e seu
entorno imediato, devido em grande valia ao Parque

135
Jardins históricos

e seu traçado de possível autoria de Auguste François Marie Glaziou – importante paisagista do império
– trazendo para a cidade um importante espaço de respiro urbano, área de atividades de lazer e forte
marco memorial para a sociedade local. O conjunto conta, ainda, com o Museu propriamente dito, com
seu rico acervo eclético e imperial, além de uma arquitetura de interesse histórico desenhada pelo
arquiteto alemão Karl Gambs no ano de 1861.
Esse espaço, mesmo que ainda não completamente acessível ao público em função do longo
período de obras de restauração, ainda se mantém como símbolo vivo, rico em memórias e significados,
que segundo Nora (1993), essa memória é sempre parcial, descontínua e vulnerável a todas as utilizações
e manipulações, é sempre seletiva. Assim entra o importante papel dos agentes sociais na promoção
sociocultural do bem para conduzir e servir de estímulo de memória, que segundo Molard apud Colchete
Filho (2008), identificam-se quatro atuantes sociais: os que decidem (estado, empresas privadas), os
que criam (arquitetos, estudiosos, pesquisadores), os que criticam (crítica, mídia) e os que recebem as
produções geradas (público e usuários). Todos trabalhando de forma integrada para promover e valorizar
o bem histórico.
Essa relação sobre jardim histórico, memória e sociedade será o foco desse artigo que tem por
objetivo elucidar a importância do bem para sociedade, sua função sociocultural e patrimonial, além de
traçar um paralelo com a memória e sua força significante. O foco do artigo encontra-se na análise da
relação estabelecida jardim histórico, memória e sociedade, sua função sociocultural e patrimonial, além
de traçar um paralelo com a memória e sua força significante. Para tanto, esse estudo tem por metodologia
a identificação dos pontos importantes inerentes às temáticas inicias, através de uma pesquisa exploratória
de caráter bibliográfico e sua revisão, além do estudo da relação in loco.

O JARDIM DE INTERESSE HISTÓRICO NA SOCIEDADE, UMA HISTÓRIA


CONCISA.
Seguindo o pensamento de Durante apud De Angelis e Neto (2004) temos que os jardins
históricos constituem-se a expressão da cultura e do modo de entender e manipular a natureza, próprio
do projetista e de seu tempo; mas são também composições de elementos naturais em equilíbrio
dinâmico, em constante transformação e evolução, sendo entendido como composição arquitetônica
predominantemente vegetal, do ponto de vista histórico e artístico apresenta interesse cultural, e
deve ser entendido como monumento. Françoise Choay (2006) aborda os conceitos de monumento
e monumento histórico, enquanto “monumentos vivos” que agem como documentos culturais que

136
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

se renovam e se deterioram constantemente, tendo sua apropriação descomprometida, um risco ao


testemunho futuro.
Ainda de acordo com Choay, outra definição importante do tema que entra na esfera contemporânea
de monumentos e produtos: Por sua vez, os monumentos e o patrimônio histórico adquirem dupla função
– obras propiciam saber e prazer, postas à disposição de todos, mas também produtos culturais, fabricados,
empacotados e distribuídos para serem consumidos. (CHOAY, 2006)
Prosseguindo segundo de Gastal e Da Silva (2015), dessa maneira, quando museologizados – o
jardim histórico como espaço museológico –, e incorporados como patrimônio e monumento, os jardins
são por si mesmos locais atrativos, e a atenção para o apelo turístico foi algo natural a partir dos anos 1990
no Brasil, segmento do turismo chamado: turismo de jardim - garden tourism. Com o porvir dos anos e a
necessidade de um aprofundamento temático, a criação de uma ordem que balizasse esse conteúdo, se
estabeleceu metodologias para determinar o valor artístico, histórico e cultural desses espaços: as ditas
cartas patrimoniais.
Em 1981, na Carta de Florença (1981), após anos de estudos e tentativas de uma institucionalização
do tema, elevou-se a primeira terminologia, ainda utilizada nos dias de hoje: jardim histórico. Este tem
por definição seu caráter de interesse histórico e não por suas peculiaridades estilísticas, dimensionais
ou tipológicas: A denominação jardim histórico aplica-se tanto aos jardins modestos quanto aos parques
ordenados ou paisagísticos (Carta de Florença, 1981, art. 6). Adiante tem-se a Carta dos Jardins Históricos
(2010) que define aspectos ligados à proteção, preservação, conservação e manutenção além da gestão dos
mesmos. Esta menciona a importância simbólica e afetiva, os locais de encontro, o refúgio apaziguador em
contraste com o tempo ditado pelos relógios e automóveis. Abarcando, assim, a totalidade temática dos
jardins históricos.
O jardim é composto predominantemente de matéria vegetal e possui relação com a arquitetônica
– como exemplo do Museu Mariano Procópio – não significa, porém, que sendo a vegetação o elemento
mais exigente, sensível e mutável, releguem-se em segundo plano os demais componentes do mesmo. Em
geral, os jardins históricos comportam obras de arte (esculturas, edificações, pavilhões, pontes, chafarizes,
fontes) as quais, com a vegetação, compõem o conjunto desses espaços e os dão significados; não há como
dissociar um elemento do outro. É essa preservação e a associação de ambos, em equilíbrio e harmonia,
que fazem de um jardim histórico um bem cultural de tamanha relevância e importância.

137
Jardins históricos

PARQUE DO MUSEU MARIANO PROCÓPIO: USOS E POSSIBILIDADES.


Segundo Delphim (2007), em 1915, Alfredo Ferreira Lage, filho de Mariano Procópio Ferreira
Lage, transformou a Villa Ferreira Lage, edifício projetado e construído em 1861 pelo arquiteto alemão
Karls Gambs, em museu particular. Além da Villa, a área é constituída pelo Prédio Mariano Procópio,
erguido em 1922 e aberto ao público no mesmo ano. Segundo Filho, Pedrosa e Braida (2014), o Parque foi
considerado pelo naturalista suíço Jean Louis Rodolphe Agassiz como o “paraíso dos trópicos”, denotando
sua importância vital para a sociedade. Mariano Procópio, definido como homem de gosto vanguardista e
profundamente refinado, se rendeu as novas formas de concepção de jardins ao construir sua residência.
O Parque Mariano Procópio, localizado no terreno da Villa e circundante do mesmo, possui cerca
de setenta e oito mil metros quadrados e se localiza bem próximo ao centro da cidade.
O local tornou-se um exemplo de como o homem pode reverter sua própria ação destruidora.
Uma colina desnuda e desmatada, aonde já se plantaram cafezais, foi recoberta por densa
vegetação arbórea sob forma de um pomar e uma área reflorestada, graças à introdução de
inúmeras essências, resultando em um dos mais belos parques ajardinados do Brasil, um exemplo
de como a vontade do homem pode reverter à ação predadora. (DELPHIN, 2007)

Existe um grande debate com relação à autoria do projeto paisagístico do Parque, de atribuição ou
não a Jean Auguste Marie Glaziou. Debate esse que o artigo proposto não entrará em seu mérito, porém se
faz necessário uma explicação sobre o tema, bem como uma avaliação da importância da atribuição original
paisagística do parque, sobretudo pelo interesse turístico e de pesquisas. O Parque possui características
inglesas no seu traçado, comuns ao estilo paisagístico do século XIX. Segundo Delphin (2007), o bretão
Glaziou, residente no país por 35 anos, de 1858 a 1897, foi um dos mais importantes paisagistas que
aderiram ao movimento estilístico no Brasil, cujas características podem ser observadas no Parque Mariano
Procópio, dentre as quais:
• A assimetria do projeto;
• O uso de pontes e caminhos com temática e aparência natural empregadas no projeto;
• A utilização de plantas frutíferas nativas da região em questão e do Brasil, uso esse que se
observam com as jabuticabeiras, pitangueiras e jaqueiras;
• Elementos ornamentais como rochas e grutas artificiais.
Gastal e Da Silva (2015), trazendo um paralelo com o Parque do Museu Mariano Procópio, afirma
que as remanescências dos jardins históricos ou não, inseridos nos espaços urbanos, contribuem para o

138
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

imaginário, para memória de seus habitantes, uma vez que promove a integração das pessoas com a natureza,
além das pessoas entre si. Dessa forma, criam-se experiências ainda pouco vivenciadas, resultando em um
novo olhar mais consciente à questão ambiental e patrimonial. Um local de contemplação, de práticas de
atividades lúdicas e esportivas, um espaço de aprendizado e conhecimento.
Ainda pensando nos jardins como uma construção cultural, entendidos como locais imaginários e
de memoração da natureza, fragmentados em um tecido urbano, será uma decorrência que os mesmo se
coloquem como atrativo potencialmente turístico, visto que recebeu entre janeiro e abril de 2015, 76.266
visitantes na área do Parque segundo matéria de Oliveira (2014).
Os jardins se constituem como atrações turísticas por si só, identificados como um rico e
importante recurso do produto turístico regional e nacional. Podemos citar: Central Park, Versailles,
Keukenhof, Kew Gardens entre outros. Tendo a sua visita uma forma de turismo cultural na sociedade pós-
moderna que adquire um papel cada vez mais importante no tempo e nas necessidades de lazer do turista
contemporâneo, que, acima de tudo, se pode resumir numa busca pela ausência do dia-a-dia, pelo retorno
ao natural e fuga do cotidiano.

SOBRE A MEMÓRIA
De forma a contextualizar a abordagem proposta, entende-se de acordo com Maurício Abreu
(1998) por analogia urbana, a seguinte passagem:
A valorização do passado das cidades é uma característica comum às sociedades desta virada
de milênio. No que se diz respeito a “países novos”, como no Brasil, essa tendência é inédita e
reflete uma mudança significativa nos valores e atitudes sociais até agora predominantes. Depois
de um longo período em que só se cultuava o que era novo período em que se resultou num
ataque constante e sistemático às heranças vindas de tempos antigos, eis que atualmente o
cotidiano urbano brasileiro vê-se invadido por discursos e projetos que pregam a restauração, a
preservação ou a revalorização dos mais diversos vestígios do passado. A justificativa apresentada
é invariavelmente a necessidade de preservar a “memória urbana”. (ABREU, 1998).

É necessário entender a valorização do passado, a busca identitária, como algo generalizado e


em constante crescimento no mundo, principalmente no Brasil devido a fatores como pouca idade e uma
história dita recente. Algumas explicações para esses fatores são advindos da época do Renascimento,
aonde podemos nos basear nas palavras de Le Goff (1990), desde a época citada até meados do século
XVIII nós temos a saudação ao passado “como uma época de inocência e felicidade”, sendo produto de
uma filosofia reacionária da história. Nos séculos XVIII e XIX, com o advento do Iluminismo, observou-se um

139
Jardins históricos

revés nos conceitos de passado e futuro, em função dos trabalhos da ciência, literatura e arte. Era para o
futuro que o mundo deveria caminhar.
Chegado o século XX, continuando com as ideias de Le Goff (1990), temos os acontecimentos que
serviram para minar a fé e a crença nesse futuro ilimitado. O advento das guerras mundiais, o holocausto
e a fome, temas comuns a um passado que deveria ser esquecido, não o pôde ser, em contrapartida, essa
memória se tornou cada vez mais forte e presente, trazendo consigo a descrença no futuro e apologia
ao passado. Os dias atuais tratam-se de “momentos de ruptura da continuidade histórica” como aborda
Duvignaud apud Abreu (1998). É o momento da globalização, momento em que temos a força instantânea
das informações, a homogeneização dos espaços globais, contribuindo assim para que todos os espaços
sejam bastante parecidos, fazendo com que o lugar seja impreciso e não singular. Sendo assim, Arévalo (2004)
refletindo sobre o pensamento de Nora (1993), apresenta sua categoria de “Lugares de Memória” como
uma resposta a necessidade de identificação do indivíduo contemporâneo. São nos grupos “regionais”, ou
seja, sexuais, étnicos, comportamentais, de gerações, de gêneros entre outros, que se procura ter acesso a
uma memória viva e presente no dia-a-dia.
Segundo Gonçalves (2012), é necessário abordar outro viés sobre o tema, o que se refere à
chamada vontade de memória, antes apontada como fundamental para a constituição dos lugares: ao lado
da “vontade dos homens”, é posto também segundo o autor abordando Nora, o “trabalho do tempo” como
instrumento de constituição dos lugares de memória. Aqui temos a distinção entre vestígios voluntários
e involuntários deixados pelas práticas sociais. Se o “trabalho do tempo” não pode ser vislumbrado, em
termos históricos, sem a presença humana, então é à vontade, nos termos em que é posto o comentário
de Nora, que deixa de ser decisiva. Aqui se perde força e peso o aspecto político dos lugares de memória,
justamente o que lhes conferia algo específico do ponto de vista da investigação de estudo.
Abordaremos agora o caso brasileiro, se tratando de um país com pouco mais de meio século,
possuindo uma história recente com poucos vestígios de nossa história arquitetônica e paisagística nas
nossas cidades, dessa forma, identifica-se a necessidade de preservação dos locais ainda existentes, dotados
de significante valor cultural.
As cidades brasileiras são edificadas sobre anos de história sociocultural e urbana, seja colonial,
com seu barroco, imperial com seu neoclássico ou republicana com seu modernismo, essas camadas vão
se sobrepondo e excluindo boa parte da história das cidades. Para Abreu (1998), são poucas cidades que
podem se gabar de ainda possuírem esses resquícios históricos, justificativa da decadência econômica e
não especulação imobiliária que sofreram.

140
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Em suma, não é muito comum encontrarem-se vestígios materiais do passado nas


cidades brasileiras, mesmo naquelas que já existem há bastante tempo. Há, entretanto,
algo novo acontecendo em todas elas. Independente de qual tenha sido o estoque de
materialidades históricas que tenham conseguido salvar da destruição, as cidades do
país vêm hoje engajando-se decisivamente num movimento de preservação do que
sobrou de seu passado, numa indicação flagrante de que muita coisa mudou na forma
como a sociedade brasileira se relaciona com sua memórias. (ABREU, 1998)
Para Nora (1993), precisamos entender os conceitos e suas diferenças entre memória e história.
A primeira sempre viva e aberta a evoluções e transformações, já a segunda, segundo o próprio autor, é a
reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória molda-se, atualiza-se;
a história é congelada, uma representação do passado.
Visto isso, a memória individual é de extrema valia para esse estudo, pois a partir dela, podemos
caminhar pelas lembranças unitárias e atingir momentos históricos já passados, fazendo a rememoração e
pertencendo a memória coletiva – uma memória social que transcende o indivíduo. Essa memória é mutável e
volátil, pode ser moldada, simplesmente devido ao fato dos indivíduos que a preservavam, já desapareceram.
Surge, então, a questão do armazenamento da memória, dos locais que guardam e evocam essas memórias,
do estoque de lembranças abordado por Choay (2006) e prosseguindo ainda em Abreu (1998), temos a
eternização, o registro, transformando em “memória histórica”. Segundo o autor, esse estoque de lembranças,
eternizadas na paisagem, tornam objetos de reapropriação por parte da sociedade. O Parque com seu lago, sua
vegetação específica, seu pedalinho, seus percursos, seus monumentos, são símbolos fortes de rememoração
e deve ser tratados como tal. Relacionando com Gastal (2006), tem-se que concepção pode ser teorizada
sobre os imaginários- Praça, Palco e Monumento- como significantes do que é Cidade, pois alimentam o ideal
Urbano. Praça é entendida como o local de estar junto, da convivência, o Palco como local do ver e ser do ser
visto; e o Monumento como sinalizador de memória da presença e passagem do tempo. Em resumo, temos a
partir do século XIX, os jardins, como elementos fundamentais na constituição do ideal de Urbano. Nas atuais
décadas iniciais do século XXI, o jardim histórico é monumento vivo e museologizado, reforçando assim, com
sua presença, a função de local de memória associada à cidade.

considerações finais
Como conclusão acerca da questão a questão dos jardins históricos como bem patrimonial,
associados e memória de um lugar, explicitamos que esses espaços de contemplação, mas também abertos

141
Jardins históricos

à prática de atividades lúdicas, podem ainda contribuir para que moradores e visitantes vivenciem a
natureza na sua complexidade e compreendam melhor a sociedade que os recebe. Esse processo, como
analisado anteriormente, segundo Abreu (2008), vem da memória histórica, desse estoque de lembranças
eternizadas na paisagem, se tornando objetos de reapropriação por parte da sociedade. O parque com seu
lago, sua vegetação específica, seu pedalinho, seus percursos, seus monumentos, são símbolos fortes de
rememoração e devem ser tratados, estudados e entendidos como tal.
Ainda como conclusão ao estudo proposto, podemos tomar os conceitos de Gastal e Da Silva
(2015) em que o jardim histórico deverá atender as questões formais, documentais, histórico-culturais
e científicas. Analisando o bem citado, temos pelo viés formal, o enquadramento por ser um espaço
institucionalizado, aberto ao público e sem fins lucrativos, mesmo que cobrem pelo acesso ao local. No
viés documental, temos o foco no espaço visto e tratado como um documento, registrando no território
uma realidade local e cotidiana de formas de integração pessoa-natureza, que deve ser preservada por
representar uma época ou pessoas que os criaram ou com eles conviveram. Seria a rememoração da
história ocorrida. Na questão histórico-cultural, temos o jardim como monumento vivo, que expressa suas
concepções originais, suas alterações ao longo do tempo, por ser considerada viva, sendo assim mutável,
e tendo a sociedade como participante desse processo. Finalmente, tem-se a questão científica, o Parque
atuando como espaço difusor de conhecimento. Com o uso de artifícios como palestras, cursos, educação
patrimonial e ecológica.
A Fundação Mariano Procópio, que administra e gerencia o Parque, promove eventos culturais
segundo informação do site do mesmo (2013), como: oficinas temáticas para crianças, o clube ecológico, música
no parque, com o convite a grandes nomes da música nacional, o clube da caminhada e visitas guiadas a grupos
de pessoas pré-agendadas, como instrumentos de formação social, cultural e informativa a importância do bem
para a cidade. O Parque como bem intrínseco a sociedade, difusor de cultura, memória e lazer.
O reconhecimento do carácter patrimonial dos jardins históricos foi lento e gradual encontrando
várias resistências e até mesmo dificuldades concretas. No entanto, valeu a determinação
e a argumentação sólida de um conjunto de personalidades e instituições que traçaram um
novo rumo e atitude perante este tipo particular de patrimônio, tão rico, mas tão vulnerável.
Atitude, esta, corporizada na Carta de Florença, que constitui ainda, aos dias de hoje, o principal
documento orientador com relação aos jardins históricos. Contudo, no que a este patrimônio
diz respeito, nem tudo está conquistado, tratando-se por isso de uma luta diária, constante e
persistente. (SILVA, 2013)

142
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Prosseguindo com o pensamento de Nora (1993), dizendo que diferentemente dos outros
objetos de história, os locais de memória, não possuem referentes na realidade, pois eles mesmos são
esses referentes historiográficos, contendo e referenciando os sinais que devolvem a si mesmos, sinais em
estado puro (NORA, 1993). O local de memória possui caráter duplo, sendo lugar de excesso, fechado sobre
si mesmo e sua identidade, porém, aberto em constante extensão de seus significados, explicitando assim
a relação do Parque do Museu com a cidade juiz-forana tendo em vista a ausência de acesso por parte dos
visitantes ao longo dos anos, ao invés de cair no esquecimento, aflorou a nostalgia local.
Para Ribeiro (2004) abordando Nora (1993), esta é a grande questão que identificamos sobre o
texto de Nora: o momento no qual os homens vivem esta tensão entre intimidade da tradição já vivida e o
abandono provocado pelos grupos desfeitos, dos quais a história se empenha em guardar e preservar essas
marcas. Os lugares de memória exercem esta função. Dois movimentos realizam a sua produção:
de um lado um movimento puramente historiográfico, o momento de um retorno reflexivo da
história sobre si mesma; de outro lado, um movimento propriamente histórico, o fim de uma
tradição de memória o tempo dos lugares, é esse momento preciso onde desaparece um imenso
capital que nós vivíamos na intimidade de uma memória, para só viver sob o olhar de uma história
reconstituída. Aprofundamento decisivo do trabalho da história, por um lado, emergência de
uma herança consolidada, por outro (NORA, 1993).

Para finalizar, vamos citar Choay (2006), que de forma clara e fenomenal nos diz: a função do
patrimônio é ser construtiva, já que a sua identidade cultural é fundada de forma totalmente dinâmica.
A disciplina deve existir não só para perpetuar os testemunhos do passado, mas para dialogar com esse
passado através da sua releitura, sendo que essas ações não implicam na conservação da substância
original do objeto arquitetônico ou natural, mas são tomadas conscientes das condicionantes qualitativas
da arte de edificar. O objeto final da disciplina e das ações da preservação não é a perpetuação da cultura
material, mas sim a fruição desta para uma comunidade. Portanto, desempenha um papel social, no qual a
apropriação social é do monumento, seja arquitetônico ou natural.

143
Jardins históricos

REFERÊNCIAS
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p. 138-144, ago. 2008.
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FILHO, Antonio Colchete. Praça XV: projetos do espaço público. Rio de Janeiro: 7 letras, p.30 e 31. 2008.
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144
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

145
Jardins históricos

Os grandes problemas ecológicos do planeta fizeram com que os


jardins se tornassem atualmente, uma forma de arte, que conta
cada vez mais com um maior número de admiradores. Hoje
em dia, mais do que nunca, os jardins nos são mais próximos e
necessários, pois a paisagem urbana é cada dia maior, os tratores
transformam os campos, e a poluição, tanto das ruas quanto dos
campos, chama a atenção para o patrimônio natural, que nos
assegura não só a qualidade de vida, como também a vida em si.
Os jardins são espaços que, apesar de sua efemeridade, fazem
parte da história local, deixando traços em seus arquivos, e sendo
motivo de controvérsias a cada vez que se precisa restaurá-los.
Eles representam a soma cultural de uma determinada época.
Considerando a importância do resgate histórico, esta pesquisa
centrou-se em dar continuidade ao estudo dos aspectos da
evolução sócio-cultural e o levantamento arbóreo e paisagístico
dos jardins encontrados na cidade histórica de São João Del Rei.
Esta metodologia elucida valores estéticos, fenomenológicos ou
simbólicos, possibilita a identificação e a análise das práticas e
dos processos de evolução física de um lugar, e colabora com
orientações técnicas sobre conservação e preservação de jardins
históricos; contando com documentações diretas e indiretas:
Documentação direta: levantamento fotográfico. Documentação
indireta: análise iconográfica e bibliográfica. Nota-se atualmente
que a Praça Dr. Paulo Teixeira está inserida em uma região
predominantemente residencial. Os cuidados com seu
ajardinamento apresentam traços do período que foi conduzido
pelos moradores do entorno, apresentando características dos
jardins dos habitantes paisagistas. Esta pesquisa contribui para
com os futuros trabalhos de restauração desta praça, e ajuda
a criar uma metodologia minuciosa e específica de intervenção
paisagística para este espaço.

Palavras-chaves: História, Cultura, Paisagismo, Brasil.

146
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

RESGATE HISTÓRICO DE PRAÇAS E JARDINS DE CIDADES


HISTÓRICAS DA ESTRADA REAL: SÃO JOÃO DEL REI-MG-
PRAÇA PAULO TEIXEIRA
Amanda Burgarelli Teixeira | Nayhara Camila Andrade |
Schirley Fátima Nogueira da Silva Cavalcante Alves

O
jardim histórico é uma composição arquitetô-
nica e vegetal que possui valores históricos e
artísticos para os indivíduos que o frequentam
e sua importância não se resume às suas características
estilísticas ou dimensões. Este projeto de pesquisa, já
em andamento, propôs desenvolver em sua primeira
fase, o resgate histórico das Praças das Cidades Históri-
cas da Região da Estrada Real. Essa etapa deu continui-
dade ao estudo da Praça Paulo Teixeira, na cidade de
São João del Rei, inserida no Largo da Cruz, localizado
nas proximidades da Igreja do Carmo, no centro histó-
rico desta cidade.
No fim do século XIX e início do século XX,
chegava ao Brasil um novo movimento, denominado
Movimento Higienista, que objetivava a saúde
da população, coletiva ou individualmente. Este
Movimento se baseou nas ideias que surgiram na
segunda metade do século XIX, na Europa, período
em que houve uma grande intenção de se aumentar a
presença do verde nas cidades, devido aos problemas

147
Jardins históricos

ambientais que surgiram com a Revolução Industrial. Estas medidas sanitárias chegaram a São João del Rei
no início do século XX, e teve como consequência, dentre outras, a formação da praça Dr. Paulo Teixeira, no
local onde a princípio concentravam-se residências e comércios.
A metodologia utilizada é uma interface entre a Análise Subjetiva (Luginbuhl, 2006) e na Análise
Sensível (Lassus, 1994) e com os princípios teóricos de Delphim (2005). O objetivo deste trabalho é regatar
a história da Praça Paulo Teixeira, e adquirir informações de importância natural, cultural e patrimonial,
para numa segunda etapa difundi-las nos guias turísticos, pois a história dessa praças, ainda em grande
parte, é desconhecida pela população local e, mesmo, pelos pesquisadores do segmento de paisagismo e
ajardinamento, o que faz desta pesquisa inédita.
Por fim, foi feito um completo diagnóstico da Praça, incluindo o levantamento florístico,
arquitetônico, bem como de seus equipamentos. Notou-se que a Praça estudada apresenta grande
potencial turístico, apesar de já ter sido mais conservada no período em que foi mantida pela população
local, por meio da Associação do Moradores do Largo da Cruz, merecendo portanto, uma maior atenção
por parte do poder público local.

REVISÃO DE LITERATURA
A praça é um espaço ancestral, se confundindo com a própria origem do conceito ocidental
de urbano. Entretanto, o mesmo não pode ser utilizado para os parques públicos ou jardins, criações
realizadas como espaços públicos urbanos somente a partir do século XVII (SEGAWA, 1996). Como na
Europa, no Brasil colonial os jardins estavam vinculados às propriedades privadas de maior importância,
eram bem definidos e cercados, apenas um número reduzido da população possuía o acesso (DELPHIM,
2005; GOMES, 2007).
As praças como elemento urbano, são espaços sociais que incentivam o convívio. Toda cidade
apresenta uma praça que se sobressai como marco urbano, lugar de eventos históricos, espaço de união,
ou lugar de encontro. A praça é local perdurável no desenvolvimento das cidades (KOSTOF, 1992). A praça
é um lugar repleto de símbolos, que transporta a imaginação e a realidade, marco arquitetônico e local de
ação, cenário de mudanças históricas, sociais e culturais (DIZERÓ, 2006).
O jardim histórico, que pode ser tanto os simples jardins, quanto os parques paisagísticos, auxilia
no fortalecimento da memória e na identidade de uma sociedade, assim como na leitura e na qualificação
da cidade. Fazem parte da expressão cultural de sua época, mas que estão em contínuas modificações e
desenvolvimento, em razão do equilíbrio dinâmico dos elementos naturais (ANDRADE, 2008).

148
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Composto especialmente por vegetação danificável e substituível, os jardins históricos necessitam


de regras distintivas para a sua salvaguarda e conservação. Em razão dessa necessidade, em 1981, foi criada
a Carta de Florença, da qual o Brasil é signatário. O jardim histórico é definido nessa carta como uma
composição arquitetônica e vegetal apresentando relevância historica e artistica para a população, além de
dispor sobre objetivos; manutenção, conservação, restauração e recuperação, utilização, proteção legal e
administrativas desses locais (ANGELIS; AGELIS NETO, 2004).
O tempo agrega valor aos jardins, pois os mesmos se constituem de organismos vivos, cuja
evolução e modificação são naturais. Diferentes dos edifícios e monumentos arquitetônicos, que por mais
alterações e desgastes que sofram com o tempo, necessitam de reparos e restaurações, mas permacem
fixos (ANDRADE, 2008).No contexto urbanístico ambiental, as praças públicas desempenham um papel de
extrema importância em relação à melhoria da qualidade de vida da sociedade, pois são espaços de uso
coletivo, que auxiliam no embelezamento das cidades (SILVA, 2003).
As praças ou áreas verdes, nos dias atuais, possuem grande importância em uma cidade, tendo
como objetivo proporcionar uma qualidade de vida mais elevada para as pessoas, proporcionando aos
seus usuários uma vida mais saudável, além de recreação e lazer (SILVA et al., 2008). Na segunda metade
do século XIX, houve uma grande intenção de se aumentar a presença do verde nas cidades. Essa intenção
surgiu como resposta ao lado obscuro da Revolução Industrial, que foi um movimento que surgiu em Paris.
No entanto se espalhou rapidamente pelo mundo (DOURADO, 2008).
O avanço da industrialização durante a primeira metade do século XIX ocasionou aglomerações
demográficas sem precedentes, o que gerou uma grande mudança na vida das cidades da Europa.
A transformação mais importante e sem igual ocorreu em Paris, entre 1853 e 1869, e foi realizada por
Haussmann. Esta, teve como objetivo adequar a cidade sufocada e paralisada, aos modernos conceitos
de higiene e circulação (CLAVAL, 1981). Haussmann, de forma organizada e ordenada, tratou como um
todo o conjunto de espaços e equipamentos da cidade, e produziu um “esvaziamento” social por meio da
expropriação de imóveis de particulares sob o pretexto - garantido por lei de 1851 – de que eram bens de
utilidade pública. Esta lei autorizou a demolição de quarteirões inteiros para possibilitar o alargamento das
avenidas. (GAUDIN, 1979).
No final do século XIX e início do século XX, este Movimento Higienista chegou ao Brasil, com um
ideal completamente novo, cujo principal objetivo era a preocupação com a saúde da população, tanto
coletiva como individual. Seus ideais eram a defesa da saúde, a educação pública, e o ensinamento de

149
Jardins históricos

novos hábitos de higiene (SOARES, 2001). Possuía a ideia de que um povo educado e com saúde eram as
fundamentais riquezas do país (RABINBACH, 1992).
A política higienista ganhou destaque no Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX,
combatendo as habitações coletivas localizadas no centro cidade, consideradas como condutoras das
doenças que afetavam a economia, e desprestigiavam a imagem da capital do Brasil na Europa e América
do Norte. (SANTANA E SOARES, 2005). Essa política buscou acabar com todas as doenças da cidade, através
de uma “limpeza radical da área central” (ABREU, 1997).Pereira Passos foi o autor da maior reforma urbana
que havia sido, até então, realizada na cidade do Rio de Janeiro. Esta grande reforma deu prioridade à
construção de grandes avenid as, inspiradas nos boulevards franceses, para facilitar a circulação urbana e
embelezar a cidade (BENCHIMOL, 1992).

OBJETIVOS
Os objetivos específicos foram, colaborar para a formação do estudo da história da arte dos jardins
do Brasil, uma vez que o mesmo ainda é inexistente nestas cidades da Estrada Real; contribuir para com
os futuros trabalhos de restauração da Praça Dr. Paulo Teixeira; ajudar a criar uma metodologia minuciosa
e específica de intervenção paisagística para estes espaços, visto que, baseado no que já foi desenvolvido
por nossa equipe, percebe-se que os órgãos vinculados ao Patrimônio Histórico enfrentam dificuldades em
comunicar e intervir junto aos projetistas e aos contratantes as necessidades especiais destes espaços. O
objetivo específico foi Resgatar a história da Praça Paulo Teixeira, inserida no Largo da Cruz, em São João del
Rei, considerando sua evolução sócio cultural e paisagística.

metodologia
A metodologia dessa pesquisa se trata de uma interface entre as teorias de Delphim (2005), Lassus
(1994) e Luginbuhl (2006). A análise subjetiva de Luginbuhl (2006) elucida valores estéticos, fenomenológicos
ou simbólicos. Esse método se fundamenta na hipótese segundo a qual as paisagens e suas representações
apresentam valores que são atribuídos por suas populações, artistas ou ainda por escritores. A análise
inventiva de Lassus (1994) possibilita a identificação e a análise, tanto das práticas quanto dos processos
de evolução física de um lugar, interpretando os dados naturais, patrimoniais e sociais do mesmo. Essa
análise, permite discernir o que seria mais apropriado na relação específica entre o lugar e suas práticas
sociais. Delphim (2005), por sua vez, colabora com orientações técnicas sobre conservação e preservação

150
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

de jardins históricos, considerando os aspectos singulares de cada jardim, fazendo com que cada um tenha
uma evolução particular e soluções próprias.
A primeira fase de execução desse projeto consistiu na pesquisa de identificação do significado
histórico da Praça Paulo Teixeira por meio de pesquisas bibliográficas e iconográficas. Essas pesquisas foram
realizadas na Biblioteca Pública de São João del Rei, na Biblioteca do IHG (Instituto Histórico e Geográfico),
no escritório Técnico do IPHAN, na Biblioteca do Museu Regional de São João del Rei e nos Arquivos da
Associação dos Moradores do Largo da Cruz (AMLC).
Na pesquisa bibliográfica realizou-se um levantamento dos registros escritos encontrados, e na
pesquisa iconográfica foram analisados, desenhos de projetos e fotografias.
A segunda fase consistiu na realização de um levantamento do estado atual da praça, procurando
identificar o último projeto de ajardinamento instalado na área, reconhecendo as plantas, os equipamentos,
o mobiliário, postes, obras ornamentais e estátuas.
A terceira fase consistiu em compilar estes dados e organizar o processo histórico da ocupação do
Largo da Cruz, evocando a evolução do seu uso, antes e depois do seu ajardinamento, analisando em cada
etapa, como se passou a sua apropriação no inconsciente coletivo de seus moradores.

Resultado e discussões
A Praça Paulo Teixeira é conhecida popularmente como Largo da Cruz, em razão ao cruzeiro
que existe no local. Está localizada entre as ruas Resende Costa e Tem. G. Palhares de um lado e a
antiga Rua da Cruz de outro. Na antiga Rua da Cruz, se encontra um dos Passos da Paixão de Cristo que
faz parte do conjunto de Passos da cidade. As primeiras ruas de São João del Rei foram ornamentadas
pelos passinhos da via sacra de Jesus, ao lado de oratórios que auxiliam na fé dos são-joanenses. O
oratório de São Miguel já não existe mais, porém ainda permanece preservado o Passo do Largo da
Cruz (GUIMARÃES, 1994).
As ruas Resende Costa e Tem. G. Palhares, somadas ao trecho que limita a Praça Paulo Teixeira,
na época em que São João del Rei ainda era uma vila, formavam a antiga Rua São Miguel. Por volta de
1720, esta era uma das ruas de maior importância desta vila, devido ao fato de constituir uma das mais
importantes vias de acesso às áreas de mineração, e por abrigar muitas casas de comércio. No ano de 1771,
constava-se no Livro de licença da Câmara um total de 12 vendas (MALDOS, 2001). Segundo relatos, a atual
Rua Rezende Costa, antiga Rua São Miguel, foi a primeira rua a possuir um nome na cidade de São João Del
Rei. Em 1883 a Rua São Miguel recebeu o nome de Rua Resende Costa. E a travessa que fazia a ligação entre

151
Jardins históricos

a Rua Resende Costa e a Praça Barão de Itambé, o conhecido Beco do Cotovelo, recebeu o nome de Nossa
Senhora das Graças (CINTRA, 1982).
A quadra que fazia a divisão entre a Rua da Cruz e a Rua de São Miguel, foi demolida em 1914,
e posteriormente transformada em praça, conforme simulação da Il. 1. No ano de 1929 ocorre uma nova
designação da atual Praça Dr. Paulo Teixeira segundo o art. 2º da lei nº 566, do mesmo ano, onde a parte
da Rua Resende Costa que ultrapassa a Praça Paulo Teixeira volta a denominar-se São Miguel. O trecho de
onde se inicia até a praça, permaneceu com a denominação Resende Costa (GUIMARÃES, 1994).As ruas
do século XVIII sofreram inúmeras mudanças com o decorrer dos anos. A rua São Miguel transformou-se
predominantemente em uma área residencial (MALDOS, 2001). Na Il. 2, é possível observar o casario que
foi demolido para a construção da Praça Dr. Paulo Teixeira.
A formação da praça Dr. Paulo Teixeira não ocorreu no início da criação da vila. A princípio era
um local onde havia muitas residências e comércios. No fim do século XIX e início do século XX chegava
ao Brasil um novo movimento, denominado Movimento Higienista, que objetivava a saúde da população,
tanto coletiva como individual. A defesa da saúde pública e o ensinamento de novos hábitos de higienização
eram as suas principais proposições (SOARES, 2001). Com o surgimento deste movimento, ocorreram vários
incêndios na vila para evitar a proliferação de doenças, e uma das áreas atingidas foi a região da atual
Praça Dr. Paulo Teixeira, onde um grande casario foi devastado por um incêndio. Por consequência do
ocorrido, no ano de 1914 sucedeu a demolição do quarteirão entre as ruas Resende Costa (antiga São
Miguel), Vigário Amâncio e Dr. Paulo Teixeira, dando origem a Praça Dr. Paulo Teixeira, que era denominada
Rua da Cruz, atualmente reconhecida pelos sanjoanenses como Largo da Cruz (CINTRA, 1988). Dr. Paulo
dos Passos Teixeira nasceu em 1867 na cidade de São João Del Rei. Graduou-se em Direito em 1892, pela
Faculdade de Direito de São Paulo. Foi promotor nas cidades de Itapecerica, Bom Sucesso e São João Del
Rei, onde ocupou o cargo de presidente da Câmara Municipal (CINTRA, 1988).
A cruz antiga que dá nome ao largo, está incorporada à parte externa de uma das residências.
No dia três de maio acontecia a tradicional festa da Santa Cruz, que se conservou até metade do século
XX. O Passo da Via Sacra que se encontra no local é aberto nas três primeiras sextas-feiras da Quaresma
(EMBRATUR s/d). Antes da demolição do casario que deu origem ao Largo da Cruz, existem hipóteses que
afirmam que esta região da cidade se apresentava conforme a simulação da Il. 1.
A praça Dr. Paulo Teixeira conta com presença da estátua de Augusto das Chagas Viegas, que foi
o político que mais zelou pelo ajardinamento da cidade. Augusto das Chagas Viegas nasceu na cidade de
São Tiago em 1879, mudou-se para São João aos 14 anos, estudou na antiga Escola Nacional e no Colégio

152
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 1 – Simulação da antiga quadra com os


antigos nomes das ruas da região do Largo
da Cruz
Fonte: Autor de Nayhara Andrade - 2016

Il. 2 – Região do Largo da Cruz em 1903 –


Casario demolido
Fonte: Fotografia de autor desconhecido
Acervo do Museu Regional de São João Del
Rei

Maciel. Formou-se em direito pela Faculdade de Direito de Belo Horizonte em 1908. Assumiu a carreira
política e foi eleito vereador da Câmara Municipal de São João Del Rei e no período entre 1912 e 1922,
quando ocupou o cargo de presidente desta Câmara. Também exerceu a função de secretário de Finanças
de Minas Gerais e de Deputado Federal à Constituinte de 1933. Augusto Viegas faleceu aos 94 anos, no dia
3 de agosto de 1973. Em 1978 foi inaugurada na praça Dr. Paulo Teixeira, de frente para sua residência, a
estátua em sua homenagem (GUIMARÃES, VIEIRA, 2010).

153
Jardins históricos

A Praça Dr. Paulo Teixeira possuía duas palmeiras, que foram cortadas a pedido dos moradores
de seu entorno, uma vez que as mesmas estavam oferecendo risco à vida dos residentes e frequentadores
do local. Para a supressão destas palmeiras foi necessário fazer um pedido junto ao IPHAN em 2006, que
permitiu a retirada das mesmas somente em 2010.
Na década de 1990 a manutenção da Praça Dr. Paulo Teixeira se encontrava muito ruim. Com
isto, no dia 11 de janeiro de 1998, ocorreu a primeira reunião de maneira informal com os moradores do
Largo da Cruz. João Ramalho a convocou para expor os problemas que afetavam a Praça, tais como lixo
espalhado para todos os lados, atraindo cães e outros animais; falta de cuidado do jardim e por fim a falta
de segurança para os residentes.
Foi então criada a Associação dos Moradores do Largo da Cruz, sendo eleita a primeira Presidente
da Associação a senhora Marta Chaves de Oliveira, a Vice-Presidente a Senhora Maria da Gloria Nascimento
Carvalho segundo a Ata de fundação da AMLC, de 1998. A criação desta Associação foi muito importante
para esta Praça, que apresentou um excelente estado de conservação neste período em que a mesma
assumiu sua manutenção.
Nesta mesma época, por iniciativa da AMLC, foi realizado, um projeto para recuperação do Largo
da Cruz. O mesmo visava baixar os canteiros, voltando ao estado original, com canteiros no mesmo nível dos
passeios; transferir o monumento do Dr. Augusto Viegas para o centro do jardim; e construir de um pequeno
coreto, no centro da praça, para dar apoio a diversas atividades comunitárias. Além disto, este Projeto
visava recuperar os passeios públicos das ruas do entorno da Praça, manter um jardineiro exclusivamente
para a Praça; implantar bancos e por fim, retirar três árvores de pinos e replantar outras no lugar.
Nesse mesmo período foram realizados muitos eventos e atividades na Praça Dr. Paulo Teixeira
por iniciativa da Associação dos Moradores do Largo da Cruz, que também possuía algumas tradições,
dentre elas estavam, o Terço no Cruzeiro todo dia 03/05, dia da Santa Cruz, as Festas Juninas, as Serenatas,
as conversas e a confecção de crochê e tricô nos bancos da praça.
As residências são de diversos estilos, colonial mineiro e eclético, notadamente marcados pela
imigração italiana do final do século XIX. O Passinho presente no local é a 5ª estação da via sacra, onde se
encontra os quadros da crucificação de Jesus, Verônica enxugando o rosto de Jesus e por último o “Ecce
Homo” que quer dizer Eis o Homem. Em cada terceira sexta feira da quaresma o passinho é aberto e
enfeitado por Dona Mercês Santos, uma antiga moradora do lugar (Documentação AMLC, 1998).
Integrada à parede externa da residência de propriedade do senhor Henrique Fernandes,
atualmente tombada pelo Patrimônio, encontra-se a antiga Cruz que dá o nome ao Largo. Em torno do

154
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

cruzeiro está a Santa Cruz e os instrumentos do martírio de Cristo, a coroa de espinhos, dados, cálice,
cravos, esponja, lanças e túnica, apresentado na Il. 3.
Nas décadas de 1960 e 1970, havia um time de futebol que carregava o nome Largo da Cruz. Este
time de futebol começou a jogar na própria praça, na época em que a Praça ainda não era ajardinada.

a. O ajardinamento da Praça
A Il. 4 expõe claramente a praça na década de 1960, com presença de pouca arborização, com
canteiros baixos e sem a presença dos mobiliários urbanos e iluminação. Na década de 1970 a praça era
pouco arborizada, possuindo apenas um Ipê Amarelo que caiu após a elevação dos canteiros da Praça. Após
a queda deste Ipê Amarelo, os próprios moradores chegaram a plantar uma árvore de ipê rosa no local.
Essa elevação dos canteiros da praça teve como consequência, além da queda do Ipê Amarelo, presente
na fotografia desta Praça de 1960, a queda de mais duas árvores, em razão do sufocamento de seus colos.

Il. 3 – Detalhe da Cruz localizada na Praça Dr. Paulo Il. 4: Largo da Cruz provavelmente no final da década 1960
Teixeira atualmente, 28/09/2015. Fonte: Fotografia: Autor desconhecido
Fonte: Fotografia Nayhara Andrade Arquivo: Acervo da Biblioteca Municipal de São João Del Rei.

155
Jardins históricos

b.Mobiliário
A praça apresenta um traçado simétrico, porém seu plantio não segue uma ordem simétrica, o
que não deixa tão evidente esta organização do espaço (Il. 5). O atual estado de conservação desta Praça se
encontra muito aquém em relação ao período em que a AMLC era a responsável por esta atividade, pois a
manutenção oferecida pelo poder municipal não supre adequadamente suas necessidades. Além disso não
é possível identificar um estilo para a mesma. A praça apresenta uma enorme mistura de plantas, que são
dispostas com uma certa tentativa de simetria, resultando em uma estética singular.

Figura 5: Planta Baixa da Praça Dr. Paulo Teixeira em 2016


Autor: Nayhara Andrade

Considerações finais
Através do estudo realizado pôde-se constatar que a Praça Doutor Salatiel participava do cotidiano
da população e que até mesmo já possuiu uma Associação de moradores que cuidava do local, mesmo que
não se tenha conseguido nenhum registro dessa atividade.

156
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

No entanto, nota-se que a praça atualmente não se encontra em bom estado de conservação e
que a presença de lixo espalhado na mesma se tornou um hábito. Além do mais, a disposição das plantas
nos canteiros não apresenta nenhuma organização estética e o excesso de veículos no seu entorno fazem
com que este espaço se torne caótico.
Esta situação cria a necessidade de uma intervenção no local a fim de amenizar os danos gerados
pela falta de manutenção da mesma. Para tal, além de reorganizar suas plantas e redefinir seus canteiros,
deve-se considerar a avaliação da atitude dos habitantes e comerciantes de seu entorno, que fazem desta
praça um depósito de lixo. Outra questão a ser considerada deve ser o trânsito local, bem como as áreas
destinadas ao estacionamento de veículos.
A grande dificuldade para se obter informações sobre a praça em questão evidencia a necessidade
de dar continuidade a essa pesquisa, pois é clara a importância da mesma para o convívio social da população
local. Apesar do entorno da praça abrigar diversos grupos sociais, entremeados de atividades marginais na
sociedade, a mesma sempre funcionou como ponto de coesão social, dando a oportunidade para todos
serem iguais.

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158
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

159
Jardins históricos

Uma estátua da deusa Vênus é oferecida como presente à


estância hidromineral de Caxambu após sua participação no
pavilhão das águas da Exposição Universal de Bruxelas em 1910.
A escultura moldada em argamassa de cimento imitando um
mármore antigo exibe a nudez permitida da deusa que admira
o seu reflexo no espelho d’água construído para ela no parque
de Caxambu. Sua função é colocar aqueles que buscam o
jardim em contato com a poética da beleza em suas aparências
refletidas no espelho d’água, lugar do prazer, do asilo desejável.
Contudo, intervenções mal executadas e a falta de sensibilidade
para acessa-la e conhecer os valores de beleza associados à
sua imagem, transformaram-na em apenas mais um elemento
decorativo de uma área verde, sem que a água e a estátua
exerçam seu lugar na significação de todo o jardim como um
universo imaginário possível e compreendido.

Palavras-chave: conservação; espelho d’água; estância


hidromineral; jardim; Vênus.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

A morada de Vênus: o jardim


Francislei L. da Silva |Bruna F. Pereira

UM JARDIM enquanto
configuração mitológica

S
e o mito1 narra que no concurso de beleza entre
Afrodite, Atena e Hera, no casamento de Tétis e
Peleus, Afrodite (Vênus para os latinos) foi eleita a
mais bela, não é atoa que uma estátua de tal divindade
feminina tenha sido ofertada como presente ao Brasil
pela premiação da água da “fonte da beleza” na Exposi-
ção Universal de Bruxelas, no ano de 1910.
Vários são os pontos que conectam simbólica
e esteticamente a iconografia de Vênus aos jardins do
Parque das Águas de Caxambu, estância hidromineral
localizada no sul do Estado de Minas Gerais, onde
a estátua seria fixada e exibida a partir da segunda
década do século XX.
Retomando o relato antigo, após a deusa
que era casada com Hefesto tê-lo traído com Ares e
sido ultrajada diante dos deuses, Afrodite se refugia na
ilha de Citera. Watteau consagraria no ano de 1717-18
o tema da “Peregrinação para Citera”2 – a busca pela
ilha dos amores. Assim, a morada de Afrodite (Vênus)
tornou-se um lugar imaginário à medida que a imagem

161
Jardins históricos

da concha e da ilha passaram a inspirar tanto o homem antigo quanto o homem moderno – com sua
tendência de olhar para trás e se deixar embevecer pelo passado – a edificar e consagrar lugares onde a
beleza pudesse habitar - uma morada do sonho3. Lugares de arquitetura e jardins onde realidade e fantasia
se entremeiam, já que a beleza de Vênus certamente não é a beleza das coisas naturais4.
Pensemos primeiramente nas residências romanas do I século d.C., na época do Imperador
Augusto, à exemplo dos jardins construídos à pedido de sua esposa Lívia ou da Casa do Bracelete de Ouro
e da Casa de Vênus em Pompeia. Ambas integram os jardins com seus canteiros de flores entre fontes e
estátuas às pinturas nas paredes dos pátios internos dessas vivendas – painéis que dão profusão a uma
decoração profundamente tocada pelo pathos dionisíaco com referências ao sagrado de Vênus: roseiras,
lírios, cravos, romãs e macieiras. Aunque parezcan reales, uma observación mas cuidadosa revela que esos
poéticos lugares criados utilizando técnicas que implican la ilusión pictórica son en realidad solo “reales”
en aparência [sem grifo no original]5. Por isso, morada dos sonhos, ampliando para dentro da residência
um jardim imaginário que combina flores que desabrocham em diferentes estações em um mesmo painel
e que se mesclam a criaturas mitológicas, aves e mascarões; como se habitassem um mesmo mundo.
O jardim de Vênus na estância hidromineral de Caxambu também corresponde a um lugar poético, cuja
criação se dá pela invenção da paisagem enquanto configuração mitológica.
Daí, portanto, o nosso interesse também pela representação de Watteau, ao evidenciar uma
singular continuidade ligando a antiguidade remota ao nosso tempo, conforme salienta Norbert Elias em
sua análise sobre a tela. Uma gramática própria, que nos permite acessar esse lugar imaginário e ao mesmo
tempo tangível. No embarque para a ilha de Citera vemos os casais enamorados reunidos em um jardim
dirigindo-se para um barco, a fim de buscar o santuário da deusa do amor. O que nos evidencia ser esse o
destino dos viajantes? A presença de uma meia coluna que sustenta um busto feminino envolto por rosas
poderia ser o elemento simbólico que nos indica ser esta uma alegoria de Vênus? Acreditamos que sim,
pois a Vênus de Caxambu foi colada entre canteiros de rosas (Il. 1).
Para o viajante, é necessário encontrar os elementos de referência que compõem a gramática
da paisagem6 que ele busca reconhecer. Por isso, assim que a estátua foi trazida da Europa após a Grande
Exposição, construiu-se para ela uma pequena cascata com fingições de rochedos, de forma que ficasse
elevada e pudesse se destacar em frente a uma das galerias laterais do Balneário, próxima da fonte da
beleza, a fonte intermitente – cujas propriedades terapêuticas da água eram aconselhadas às mulheres que
desejavam obter o vigor e a jovialidade da pele – e ser admirada da torre do relógio (um mirante em ferro
fundido) há alguns metros à sua frente.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 1 – Estátua de Vênus em sua cascata em frente ao Balneário do Parque de


Caxambu.
Fonte: Acervo fotográfico do Sr. José Perez Gonzalez, Fotografia, Caxambu/
MG, década de 1910 -

163
Jardins históricos

Entorno da cascata foram cultivados canteiros de rosas e lírios brancos (Il. 1 e Il. 2). Essas frondosas
roseiras e os exuberantes lírios floridos foram repetidas vezes temas em cartões e foto postais, colocando-
nos em direto contato com a natureza do santuário de Vênus, em forma de paisagem enquadrada.
A escolha das flores para os jardins demonstra o nível de cultura e o conhecimento dos agentes
modernizadores da estância hidromineral de Caxambu para introduzir elementos de referência mitológica
na criação de um lugar rico em estímulos visuais e de associações mentais – que facilitariam na busca
utópica pelo ambiente de regozijo e prazer. Para nós, hoje, por exemplo, não faria qualquer sentido fazer
a propaganda das obras de embelezamento do parque nos termos postos no início do século XX, como no
trecho a seguir:
Os gregos e romanos se occupavam cuidadosamente dos banhos publicos em geral, e das aguas
mineraes em particular.
As aguas ferruginosas de Patras são cidades na historia da Grecia, como possuindo a propriedade
de embellecer as matronas.
Hebe, a deusa da juventude, adquiriu essa propriedade, por usar sempre das aguas mineraes.
A mão de fada da Natureza dotou Aguas Virtuosas desse precioso liquido, que, em maneira
miraculosa pelas virtudes medicinaes que possue, a torna uma das estâncias hydro-mineraes
das mais procuradas7.

A experiência do viajante que frequentava uma estância hidromineral no início do século XX –


homens e mulheres abastados que buscavam o prazer das montanhas e o frescor da natureza na prática
da vilegiatura8 inaugurada na Europa e incorporada aos seus hábitos pela sociedade rica e por uma elite
política ascendente no período da Primeira República no Brasil – necessariamente deveria passar pelas
aprendizagens e experiências sensíveis de uma morada da beleza. Tal experiência se ofereceria a partir
de uma cosmologia9 implícita que instaurou um sistema de percepção fundamentado no jogo entre os
sentidos e os elementos naturais, em especial a água.
Cabe-nos aqui, recordar um exemplo de outra estância hidromineral vizinha à Caxambu, que
também investiu no projeto modernizador de edificação dos balneários inspirado na poética da busca
pelo santuário de Vênus. A estância de Águas Virtuosas do Lambari possui um lago com ilhotas artificias,
sendo uma delas denominada Ilha dos Amores. Lugar para onde homens e mulheres, rapazes e moças se
aventuravam no passado, buscando a utopia dessa peregrinação, do lugar onde os vilegiaturistas podiam se
divertir em piqueniques ao som da música.
Uma foto postal em especial nos apresenta um importante registro visual de um comprido barco
à margem da Ilha dos Amores10. Dentro dele está um barqueiro (como no embarque para a ilha de Citera de

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 2 – Roseiras do jardim no Parque das Águas de Caxambu


Fonte: Acervo fotográfico do Sr. José Perez Gonzalez, Foto postal, Caxambu/MG, s/d

165
Jardins históricos

Il. 3 – Canteiro de Lírios e rosas no Parque


das Águas de Caxambu
Fonte: Acervo fotográfico do Sr. José Perez
Gonzalez Foto postal, Caxambu/MG, s/d.

166
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Watteau) que se apresenta desconfortável ao ser fotografado junto aos cinco alinhados senhores que posam
ostentando na lapela e nas mãos as rosas que ali colheram. Escolheram como cenário para enquadramento
da foto uma parte da ilha com o mato alto misturado às roseiras, junto a um improvisado quiosque de
galhos rústicos, onde dependuraram seus chapéus. Não há mulheres nesse enquadramento, mas as flores
insinuam a presença feminina – a presença fantasmagórica de Vênus, devido esse ser o lócus do amor ideal.
Por isso, talvez, a solenidade de uma época onde quem posa são homens bem vestidos de paletó e gravata
e não com roupas de banho.
O quanto a imagem de uma embarcação que suspira pelas águas na busca de um lugar mitificado
pode nos seduzir? Qual a dimensão desse encantamento? À vista ou escondidas, as águas animam as
paisagens, deixam vestígios surpreendentes e misteriosos de sua passagem. O espetáculo da natureza
trabalhada por este elemento intriga quem admira sua arquitetura.
É isso que pretendemos reforçar com o nosso texto. Só é permitido a nós compreender o jardim
do parque das águas de Caxambu como construção e toca-lo sensivelmente, se recordarmos que Vênus
está ali. É a sua presença que justifica o jardim. Essa evidência se tornou mais forte, quando na década
de 1940 o jardim passou por um projeto de remodelação, tendo a estátua sido colocada no centro de um
espelho d’água, mais amplo, construído entre o balneário e a fonte Leopoldina.
Sua base foi fixada sobre um monte de pedras de forma que a escultura ficava rente à água,
cumprindo a partir de então com a sua verdadeira função – a da reflexividade. Todo o reflexo do corpo de
Vênus podia ser visto no espelho d’água, com o seu gesto de contemplação nos provocando e ao mesmo
tempo nos seduzindo. Ela não se porta como a Vênus de Praxíteles (c. 375-330 a.C) ou como a estátua
do jardim dos Medici (cópia romana da afrodite de Cnidos, século IV a.C.) que tapa o sexo com a mão e
olha para fora se importando com aquele que a vê ou a deseja. Também não se comporta lascivamente
como na pintura do nascimento de Vênus de William-Adolphe Bouguereau, acariciando os cabelos num
ato de gozo. A Vênus moderna se concentra silenciosamente na sua imagem refletida, a de uma nudez
permitida.
Segundo o ensaio de Bachelard, não há como desconhecer essa beleza refletida na água.
Mesmo que os diretores da Empreza das Águas responsável pelo projeto remodelador e os jardineiros do
parque não tivessem total consciência do significado iconográfico da figura feminina nua, o sentido da sua
representação nos induzirá sempre à sua escolha, ao seu encantamento. O reflexo das águas de sua fonte
carrega a beleza juvenil, orientando-nos para a lição dada por Schopenhauer: contemplando a beleza de
Vênus, com seu apelo à sensualidade feminina, ou ainda as ninfas, participamos da vontade do belo11. As

167
Jardins históricos

águas tranquilas e claras desse manancial nos detêm em sua fonte e em suas margens. O que vemos em
seus reflexos é a representação dos sonhos que brotam dessa fonte.
O espelho da fonte é sempre motivo para uma imaginação aberta. Um elemento decorativo em
especial favorece essa abertura da imaginação da água através do olhar. Nesse sentido, à medida que nos
distanciamos no tempo e perdemos a relação com os códigos de significação que conferiam sentido àquele
jardim como morada da beleza, corremos o risco de arruinar toda a sua estrutura acreditando nos servir
das ferramentas ideias para o tão evocado trabalho de revitalização, restituição, restauração e manutenção
dos jardins de interesse histórico. Não se trata de um problema relacionado à técnica, mas sim do fato de
que já não aguçamos a nossa sensibilidade para tocar tais coisas e tais objetos de um mundo imaginário.
Não estimulamos nossos sentidos para ver o reflexo da vegetação que forma um cenário em tons
escuros para o reflexo da Vênus alva na água. Não vimos a tocar a água úmida e fria na bica da fonte e a
ouvir o seu som cristalino ou, ainda, a cheirar as rosas entorno do fontanário e do espelho d’água.

Do braço de Laocoonte à mão do amorino: sobre a
problemática da conservação
Quando olhamos para Vênus acompanhada de dois amorini que se divertem em apagar o seu
reflexo na água, podemos acreditar se tratar de uma cópia de um mármore antigo, quando na realidade
é uma obra em concreto armado de cimento12. Esse reconhecimento da matéria se deu quando trincas
provocadas pela dilatação e desgaste da argamassa surgiram em toda a estátua devido à ação do tempo.
Mas o maior problema era uma fissura na perna esquerda, na altura da canela, onde se podia observar a
estrutura de ferro oxidada exposta (Il. 4).
Com as reformas realizadas no parque nos últimos anos, induzidos pelo valor de novidade, foi
feito o preenchimento com massa das áreas de perda e toda a estátua foi pintada com uma tinta latex na
cor branca. A base no formato de um tronco de madeira que dá sustentação ao conjunto escultórico foi
pintada com uma tinta na cor marrom. Como se não bastasse, a estátua foi elevada sobre um monte de
pedras desemparelhadas e posto ao redor da base um cano circular de onde esguicham pequenos círios de
água. Assim, Vênus foi destituída de todo o seu domínio ao deixar de cumprir sua função de refletir sobre a
água – seu poder imaginativo quebrado, perdendo sua aura – e os amorini não tocam mais a água com suas
mãos porque estão encerrados no círculo de pedra (Il. 5).
Paul Phillipot em uma conferência sobre a obra de arte, o tempo e a restauração, apresenta
de forma clara o problema relativo à função de uma escultura e sua autenticidade mediante uma nova

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 4 – Vênus refletida no espelho d’água no


Parque das Águas de Caxambu
Caxambu/MG, 2011
Fonte: Fotografia do autor

169
Jardins históricos

Il. 5 – Aspecto da composição escultórica após a


intervenção Caxambu/MG, 2016
Fonte: Fotografia da autora.

170
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

inversão histórico-estética, bem como as consequências de uma restauração empreendida tomando como
base as escolhas erradas. Ao falar sobre a problemática do restauro, esclarece, para além da Carta de Juiz
de Fora (2010), que qualquer tipo de intervenção sobre as obras de arte – e aqui incluímos as estátuas e
adornos de um jardim – e sua restauração deve ser reconhecido como um momento sempre atual, que
pertence ao presente histórico do espectador-receptor.
La obra de arte no deja por ello de ser reconocida como producto de una actividad humana en
un tiempo dado y en un lugar dado, y por lo tanto, como un documento historico, como um
momento de pasado. Al estar presente en la experiencia actual que la reconoce como tal, la obra
no puede por lo tanto ser unicamente el objeto de un conocimiento cientifico historico: forma
parte integrante de nuestro presente vivido, dentro de una tradicion artistica que nos une a ella,
y permite sentirla como una interpelacion del pasado dentro de nuestro presente: una voz actual
en la cual resuena ese pasado13 .

Trata-se de uma escolha e posicionamento que levarão em conta nossa relação de contato e
distância, familiaridade e estranheza com a obra. Restabelecer a possibilidade de uma conciliação dialética
de uma instância histórica com a instância estética é o ponto que distingue qualquer reparação de uma
restauração de obra de arte. Dessa maneira, os profissionais responsáveis pela manutenção e conservação
de tais bens culturais devem atuar como um restaurador intérprete, aquele que se empenha, como também
dito por Cesare Brandi, a fazer uma distinção dos diferentes tempos da obra de arte14.
É evidente que não é possível querer acessar novamente o momento de criação da obra quando
se pretende restaura-la, confundindo-se aí o momento da criação com o da recepção. Haja vista o precioso
exemplo citado por Phillipot – o da tentativa de fundir a peça mutilada em uma nova síntese. Como
aconteceu com Laocoonte, Montorsoli acreditou ser capaz de esculpir um novo braço para tal obra de arte,
crendo orgulhosamente ter assimilado a cultura clássica. Contudo, quando o braço original é encontrado
em escavações realizadas no ano de 1960, constatou-se que nada havia em expressão que se assemelhasse
à recriação de Montorsoli, mas que havia servido de modelo para estudos até então.
Esse caso fortemente exemplar pode ser tomado como analogia ao que foi empreendido em
outro nível com a estátua de Vênus e os dois amorini no parque das águas de Caxambu. Aqueles que
agiram na intervenção profundamente danosa à peça acreditavam, mesmo que inconscientemente,
estar completando-a e restituindo-lhe a força expressiva necessária para continuar ali, decorando
o jardim. A mão direita de um dos amorini, por exemplo, foi refeita grosseiramente a partir de
amarrações de arame, cobertas com massa de cimento e em seguida pintada com a tinta branca. O
mesmo tratamento se percebe no fragmento da perna direita do amorino deitado ao lado esquerdo

171
Jardins históricos

de Vênus, o qual está encurralado pelas pedras, quando deveria estar tocando a água com as mãos
estendidas para frente.
Não podemos nos esquecer de que o jardim é um local de prazer e sensibilidade, composto
por uma arquitetura viva que diz muito por si só. A água do pequeno tanque representa o êxtase de
ver e mostrar-se15 através dos reflexos, reflexos estes que ora apresentam lucidez, ora devaneios. Essa
transmutação que a água e seus reflexos proporcionam tem o propósito de encontro com o íntimo, ao se
deparar com o complexo de extremos, entre interior e exterior, profundo e superficial, subjetivo e realista.
Diante da água profunda, escolhes tua visão; podes ver a vontade o fundo imóvel ou a corrente, a margem
ou o infinito; tens o direito ambíguo de ver e de não ver16. A estátua de Vênus, portanto, aparece como
complemento e ao mesmo tempo elemento fundamental na significação desse todo.
A grande dificuldade encontrada por aqueles que vão intervir num jardim que possui uma
configuração complexa como essa, é que muito das vezes qualquer ação acaba sendo catastrófica para
a preservação do sentido histórico de todo um conjunto de elementos que se apresenta interligado –
a sociedade e o monumento. Na intenção de resolver determinado problema, as ações acabam sendo
prejudiciais e danosas, desintegrando sua historicidade original e seu valor cultural. A preservação da
visualidade de um jardim é um dos pontos primordiais a serem discutidos quando nos propomos a debater
sobre o caso específico da Vênus no parque das águas de Caxambu.
As alterações ocorridas em sua estrutura prejudicaram a aparência e retirou-lhe todo aspecto
monumental e simbólico, afetando assim o caráter original de suas feições e atribuições. Segundo John
Ruskin, em A Lâmpada da Memória é impossível, tão impossível quanto ressuscitar um morto, restaurar
qualquer coisa que foi grande e bela em arquitetura17 , pois em sua visão, a restauração mal feita nada mais
significava do que destruição. Antes que haja erros irreparáveis é mais cauteloso deixar a obra intacta a lhe
adulterar – conferindo-lhe o apreço pelo efeito pitoresco, que hoje parece compor melhor com o jardim na
simbiose entre as composições vegetais e arquitetônicas.
Portanto, torna-se necessário, antes de evidenciar a urgência da conservação, repensar essas
interferências que desintegram o monumento e inibem os motivos de contemplação, deixando-o modificado
e arruinado. Após o reconhecimento de seu sentido inicial é de suma importância que se discuta até que
ponto as restaurações são positivas. Sob esse mesmo ponto de vista, Camillo Boito questiona sobre as
intervenções realizadas de forma negligente. Mas, em suma, há realmente necessidade desses benditos
restauros, que dão a algumas partes da obra antiga um conceito distante do original, ou, pelo menos, não
indubitável?18. Daí uma ligação direta com a argumentação de Paul Phillipot assinalada anteriomente.

172
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Já Viollet-le-Duc, expõe seu ponto de vista abrangendo semelhanças aos autores citados e,
acima de tudo, versa sobre os cuidados que devem ser inerente a todo arquiteto restaurador. É, portanto,
essencial, antes de qualquer trabalho de reparação, constatar exatamente a idade e o caráter de cada
parte, compor uma espécie de relatório respaldado por documentos seguros, seja por notas escritas, seja
por levantamentos gráficos19.
Talvez esse seja o problema central na conservação das obras de arte em argamassa de cimento e
elementos decorativos para jardins: a praticamente inexistência de documentação em arquivos. No caso da
Vênus, encontramos somente o dossiê de tombamento do conjunto paisagístico e arquitetônico do Parque
das Águas de Caxambu, elaborado em 1999 pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de
Minas Gerais e o certificado de honra ao mérito concedido à Empreza das Águas de Lambary, Caxambu e
Cambuquira pela premiação da fonte da beleza (fonte intermitente) na Exposição Universal de Bruxelas
em 1910. O essencial nessa discussão, entretanto, não está em Viollet-le-Duc, mas na importância de se
compreender que a obra em si é o documento essencial, por meio do qual qualquer intervenção deva
partir. O documento do historiador da arte, do arquiteto ou do profissional da conservação e do restauro
deve ser a obra de arte. Partindo-se da necessidade evidenciada por ela no contexto e no estado em que
se encontra.
O nosso problema, portanto, concentra-se no momento em que a obra é destituída da capacidade
de comunicar, de uma comunicação silenciosa daquilo que sua forma e conteúdo suscitam como no caso
analisado de Vênus que já não mais pode mirar-se na água. Estamos diante de uma nova versão daquela
primeira Vênus, subtraída a um pedaço de terra que artificiosamente tenta compor uma ilhota “natural”.
Contudo ela parece, com sua nudez permitida, exercer ainda metafórica, poética e visualmente sua força
evocativa dos nascimentos da água em um jardim, como morada da beleza.
Resta-nos o exercício de observar e interpretar a atitude dos visitantes do parque – do receptor –,
e documentar quais novas relações ela pode transmitir e permite acessar em nosso tempo. Quais são essas
formas simbólicas que filtram e emolduram nossas percepções da paisagem20 no presente, quando o mito
parece não mais nos inspirar e as rosas e lírios já não mais desabrocham e exalam perfume naquele campo.

NOTAS
1
Sobre o mito de Afrodite (Vênus), ver: MAGALHÃES, Roberto Carvalho de. O mito de Afrodite. In: COELHO, Teixeira
(org.). A arte do mito. Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand – MASP. São Paulo: Comunique, 2008, ISBN
978-85-89496-07-0.
2
Antoine Watteau. Peregrinação para Citera; óleo sobre tela, 129 x 194 cm; c.1717; Paris, Museu do Louvre.

173
Jardins históricos

3
Espaços que levam a sonhar no imaginário coletivo: balneários e fontanários, bem como galerias, jardins de inverno,
panoramas, fábricas, gabinetes de figuras de cera, cassinos, estações ferroviárias. In: BENJAMIM, Walter. Espaços
que suscitam sonhos, museu, pavilhões de fontes hidrominerais. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
Brasília, n. 31, 205, p. 133.
4
Em Nascimento de Vênus, a paisagem marinha, mais do que não conter, isola a figura da deusa: as ondas se afastam,
se afasta o litoral, e a figura parece realmente nua e sozinha – ainda mais nua e sozinha por sua beleza – que não
é certamente a beleza das coisas naturais. ARGAN, Carlo Giulio. Botticelli. In: __________. Clássico anticlássico: o
renascimento de Brunelleschi a Bruegel. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 212.
5
MAGAGNINI, Antonella; LUCA, Araldo de. El arte de Pompeya. Barcelona/Espanha: BLUME, 2010. p.19.
6
Aqui fazemos referência ao texto de Anne Cauquelin sobre os quatro elementos, em que reforça ser necessário no
enquadramento da paisagem encontrar/identificar/reconhecer aqueles elementos que a compõe. Ver: CAUQUELIN,
Anne. Os quatro elementos. In: __________. O jardim das metamorfoses: 2. A invenção da paisagem. São Paulo:
Martins Fontes, 2007, p. 143-152.
7
ALMANAQUE MINAS GERAIS. Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais: 1915, s/n.
8
A prática dos tourists, no século XIX, abre uma nova realidade diante da prática de viajar, aliada aos recursos oferecidos
pelo mercado industrial e desenvolvimento dos meios de comunicação. A fotografia foi o principal instrumento para o
registro desses passeios por regiões camponesas da Europa, ou por centros arqueológicos, como Pompeia e o Cairo,
e por lugares que inauguravam a prática do balneário em antigas termas romanas. A hospedagem nas estâncias de
cura e termas tornou-se recorrente entre a elite do século XIX, inspirada no hábito da vilegiatura (termo definido pelo
Larousse du XIXe como “permanência no campo para fins recreativos”. Hábito comum entre a realeza, que ao longo
dos séculos se instalava junto aos fontanários com os membros da corte e da elite local. Já no século XIX é a burguesia
que se beneficia da natureza virgem de pitorescas estâncias escondidas entre montanhas e alpes, com passeios e
diversões. In: SILVA, Francislei Lima da. Monumentos da água no Brasil: pavilhões, fontes e chafarizes. Dissertação de
mestrado, Juiz de Fora/MG: ICHS/UFJF, setembro, 2011, p. 28.
9
CAUQUELIN, op. cit., p. 150.
Dos álbuns de famílias antigas de Lambari, são inumeráveis as lembranças da Ilha dos Amores. Mulheres e crianças
coroadas com coroas improvisadas, feitas com as flores da ilha, grandes buquês às mãos. Muitos dos barcos
sangravam o lago ao som de violinos, flautas e bambolins.
10
Cf. BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo: Martins Fontes, 1989,
p. 31.
11
Sobre a introdução da técnica da argamassa de cimento no Brasil e suas repercussões em diferentes usos para a
decoração de jardins em finais do século XIX e início do século XX, ver os capítulos de Francislei Lima da Silva, Inês
El-Jaick Andrade e Nelson Porto Ribeiro publicados no e-book intitulado JARDINS HISTÓRICOS: a cultura, as práticas
e os instrumentos de salvaguarda de espaços paisagísticos. Os referidos textos foram apresentados no IV Encontro
de Gestores de Jardins Históricos.

174
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

PHILLIPOT, Paul. La obra de arte, el tiempo y La restauración. Revista conversaciones... com Paul Phillipot, México/
12

Distrito Federal, n. 1, julio 2015, p. 20.


13
Idem, p. 20.
14
BACHELARD, op. cit., p. 33.
15
Idem, p. 53.
16
RUSKIN, John. A lâmpada da memória. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2013, p. 79.
17
BOITO, Camillo. Os restauradores. 2. ed. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2013.p. 41.
18
VIOLLET-LE- DUC, Eugène. Restauração. 2. ed. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2013, 47.
19
Cf. CAUQUELIN, op. cit., p. 152.

REFERÊNCIAS
BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
___________. A poética do espaço. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
BENJAMIM, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
___________. Espaços que suscitam sonhos, museu, pavilhões de fontes hidrominerais. In: Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. Brasília, n. 31.
BOITO, Camillo. Os restauradores. Cotia: Ateliê, 2013.
CAUQUELIN, Anne. A invenção da paisagem. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
ELIAS, Norbert. A peregrinação de Watteau à ilha do amor. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
___________. O processo civilizador. Uma história dos costumes. v.1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.
MAGAGNINI, Antonella; LUCA, Araldo de. El arte de Pompeya. Barcelona/Espanha: BLUME, 2010.
PHILLIPOT, Paul. La obra de arte, el tiempo y La restauración. In: Revista conversaciones... com Paul Phillipot. México -
Distrito Federal: n. 1, julio 2015.
SILVA, Francislei Lima da. Monumentos da água no Brasil: pavilhões, fontes e chafarizes. Dissertação de mestrado, Juiz de
Fora/MG: ICHS/UFJF, setembro, 2011, 151p.
RIEGL, Alois. O culto moderno dos monumentos. Cotia: Ateliê, 2008.
RUSKIN, John. A lâmpada da memória. Cotia: Ateliê, 2013.
VIGARELLO, Georges. Higiene do corpo e trabalho das aparências. In: CORBIN, Alain. VIGARELLO, Georges. História do
corpo: 2 – Da revolução à grande guerra. v.2. 3. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2009.
VIOLLET-LE- DUC, Eugène. Restauração. 2. ed. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2013.

175
Jardins históricos

Este texto analisa os espaços públicos da cidade do Recife


ajardinados a partir da década de 1870, enfatizando sua
nomenclatura, edificações adjacentes e aspectos funcionais e
projetuais. Revela mudanças na terminologia e na morfologia
de tais logradouros relacionadas a seus novos atributos,
como agenciamentos, vegetação, gradis, bancos, coretos,
elementos aquáticos e escultóricos. Estes novos espaços, então
denominados de jardins públicos, constituíam novas formas de
recreação e alteravam a toponímia urbana no Recife do século
XIX no quadro das transformações culturais e sociais em curso
no Brasil.

Palavras-chave: praça-jardim, século XIX, Recife, Brasil.

176
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Da praça ao jardim: os espaços públicos do Recife


no século XIX1
Aline de Figueirôa Silva

N
o último quartel do século XIX, a malha urbana
do Recife em sua região central, que hoje
corresponde aos bairros de Santo Antônio,
São José, Recife e parte da Boa Vista, já se encontrava
consolidada. A partir do início do século XX, seria
profundamente modificada e redesenhada a partir
da reforma do Bairro do Recife – abertura de vias,
redefinição de lotes e quadras, demolições de vários
sobrados, remodelação de fachadas e reaparelhamento
do porto – e, nas décadas posteriores, por meio da
abertura da Avenida Guararapes, em Santo Antônio,
e da Avenida Dantas Barreto, nos bairros de Santo
Antônio e São José.
O primeiro conjunto de intervenções é repre-
sentativo do ciclo de reformas urbanas fundamentadas
nos ideais de embelezamento e higienização e cuja ma-
triz haussmaniana já foi bastante propalada pela his-
toriografia brasileira. E o segundo remete aos planos
urbanísticos pautados na expansão urbana, circulação
viária e alteração do gabarito das edificações.

177
Jardins históricos

No entanto, foi anteriormente a tais intervenções urbanísticas, já examinadas pela literatura


sobre a cidade, que surgiram os primeiros jardins públicos do Recife a partir do ajardinamento de alguns
espaços públicos delimitados na malha urbana2. Entre eles estão o Campo do Erário, mais tarde Campo das
Princesas; a Praça da Boa Vista, depois Praça do Conde d’EU; e o Pátio, Cais ou Largo do Colégio dos Jesuítas,
futuro Largo do Espírito Santo e Praça D. Pedro II, verificados na cartografia do Recife a partir da segunda
metade do século XIX (il 1).
Estes espaços abertos, tanto em relação às suas funções tradicionais, notadamente religiosas,
militares ou utilitária (coleta d’água nos chafarizes), quanto em razão das edificações adjacentes, ainda se
configuravam como espaços secos ou desnudos, portanto, desprovidos de qualquer tratamento paisagístico
mais expressivo. A partir da década de 1870, passaram a ser, paulatinamente, dotados de vegetação, bancos,
coretos, luminárias, esculturas e gradis, fontes e lagos – novos atrativos e novos atributos – como resultado
da nova ordem urbana instaurada pelo Império, impulsionando novos hábitos culturais disseminados ao
longo do século XIX e primeiras décadas do XX.
Os espaços públicos ajardinados – denominados em seu conjunto de jardins públicos nas fontes
documentais de época – resguardavam semelhanças quanto ao traçado, porte e esquema de plantio da
vegetação, existência de gradis e coretos, a despeito das diferenças funcionais das praças, campos ou largos
onde surgiram, sua configuração geométrica e dimensão (Il. 2 a 5).

espaços públicos, as edificações adjacentes e a toponímia


urbana
Além das mudanças relativas à morfologia urbana, a difusão dos jardins outorgou um batismo dos
espaços públicos do Recife a partir do século XIX. Os nomes correntes até então – praça, campo, pátio e largo
– indicam, por um lado, do ponto de vista semântico e urbanístico, algumas diferenças entre si, relativas
à sua forma, dimensão ou função, evidenciadas em documentos, registros iconográficos, cartográficos e
dicionários de época. Por outro lado, tais logradouros pertencem a uma genealogia comum em relação à
noção de espaço aberto e coletivo e existência de poucos equipamentos.
A expressão praça significa, etimologicamente, lugar público cercado de edifícios, largo, mercado,
feira e seu aparecimento na língua portuguesa remonta ao século XIII, derivada do latim platea (CUNHA,
1986, p. 627).
De acordo com o “Diccionario da Lingua Portugueza”, de Antonio de Moraes Silva Silva (1878,
v. 2, p. 487), a praça, do francês place, também originada do latim platea, é um lugar publico espaçoso, e

178
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 1 – Recorte da Planta da Cidade do Recife elaborada por Douglas Fox & H. Michell Whitley, 1906. Projeção dos
espaços públicos ajardinados. Fonte: Acervo do Museu da Cidade do Recife, modificado pela autora.

179
Jardins históricos

descoberto, cingido de edificios, para ornato das cidades, villas; ou onde se fazem feiras, mercados, leilões”;
lugar onde se tractam cousas de commercio.
O verbete comporta diversas definições e está enraizado em ditos e expressões coloquiais.
Provérbios como “Mais valem amigos na praça, que dinheiro na arca” e “O homem na praça, a mulher em
casa” (SILVA, 1878, v. 2, p. 488) inscrevem, no espaço físico da cidade, a conotação da praça como espaço
público fundamental ao cotidiano, lugar dos encontros e da mercancia, vocação histórica que assumiu na
cultura dos povos latinos, onde se achavam homens de letras e de negócios.
Por isso, a palavra também encarna a ideia de “reputação” ou “nome” (SILVA, 1789, v. 2, p. 227),
de onde surgiram expressões ainda hoje de uso corrente, como “ser conhecido na praça” e “ter nome bom
na praça”, sobretudo no âmbito dos negócios. Este entendimento encontra-se no “Diccionario da Lingua
Brasileira”, de Luiz Maria da Silva Pinto (1832, s/p.) – “lugar espaçoso, e descoberto nas cidades”; “lugar
fortificado de muros”; “o lugar onde se ajuntão diariamente os negociantes” – e no “Grande Diccionario
Portúguez ou Thesouro da Lingua Portugueza”, de Domingos Vieira (1873, v. 4, p. 877) – logar espaçoso
dentro de qualquer povoação, onde se fazem as feiras, mercados.
Nas palavras do escritor Vanildo Bezerra Cavalcanti (1977, p. 158), as praças são “um campo de
cultura, de comunicação, de história. Nelas se arquitetam amor e poesia, se faz política e se ouve música,
se passeia e se descansa, se respira um ar melhor e se medita, se alcança a liberdade ou por ela se morre”.
O vocábulo campo, do latim campus, vincula-se à ideia de um espaço ermo, plano e descampado, de
natureza militar. Significa “espaço de terra baixa e plana sem edificios, nem arvoredo; terras de lavoura, ou
pastagem”; “terra fóra da cidade, ou villa”; “o acampamento, ou arraial militar, as tropas que o compõem”
(SILVA, 1877, v. 1, p. 321).
Para Vieira (1873, v. 2, p. 70), o campo expressa uma “extensão de terra cultivada ou cultivavel
sem arvores”; “terra fora da cidade em geral”; “espaço aberto e chato”; “o logar em que se dá uma
batalha”; “o acampamento ou arraial militar, as tropas de que se compõe”. Até hoje, essa conotação de
“enfrentamento” se verifica nas expressões “entrar em campo”, que significa “lutar”, no sentido militar, ou
propriamente no terreno intelectual, como “espaço livre, carreira, assumpto”, por isso “campo das artes” e
“campo da litteratura”, entre outros (VIEIRA, 1873, v. 2, p. 70-71).
O largo, do latim largus, por sua vez, define-se como “pequena praça” (VIEIRA, 1873, v. 3, p. 1265;
SILVA, 1878, v. 2, p. 219). O pátio corresponde à “entrada murada, e descoberta de hum palacio” (PINTO,
1832, s/p.) ou “área murada, e descoberta, que está a entrada da casa”; “o pateo, entre os jesuitas, as suas

180
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

aulas de latim, e bellas lettras”; “o páteo da comedia, a plateia; porque aí nos páteos, e talvez descobertos
ou toldados se representava, e assistia o povo ás representações” (SILVA, 1878, v. 2, p. 421-422).
No Recife, tais significados estão cristalizados na atual Praça da República, cuja mudança de nomes
– Praça do Palácio Velho, Campo do Erário, Campo da Honra (1817), Campo dos Mártires (1817), Campo
ou Pátio ou Praça do Palácio (1840-1843), Largo do Paço (1859) e Campo das Princesas (1859) – revela
aspectos de sua história e os edifícios que a emolduravam, em parte preservados até hoje.
Foi nesse sítio que Maurício de Nassau construiu o Palácio de Friburgo no século XVII, cujo
jardim foi destruído após a saída dos holandeses. O palácio permaneceu de pé, servindo de residência aos
governadores da província de Pernambuco por um bom tempo, até ser destruído em 1769. O espaço ao
redor tornou-se um grande descampado, chamado de Praça do Palácio Velho. Com o refugo da demolição
ergueu-se o edifício do Erário Régio na porção norte do sítio, motivo pelo qual a praça passou a ser chamada
de Campo do Erário. Restava, no lado sul, o Convento dos Franciscanos, anterior à presença dos flamengos,
enquanto o campo era banhado pela Praia do Palácio Velho, a leste.
Os revolucionários de 1817 o denominaram de Campo da Honra e o povo, de Campo ou Praça
dos Mártires, em comovente memória dos líderes republicanos supliciados na forca lá erguida (MESQUITA,
1999, p. 10). Quanto à fisionomia do sítio, em 1818, Bernardo Teixeira Coutinho Alves de Carvalho afirmou:
o Campo do Erário é grande e rodeado do mar, tem ao norte o palácio do Erário, e ao sul o quintal do
convento de Santo Antônio, o qual fecha no mesmo convento, e deixa dois estreitos compridos, que fazem
as duas únicas estradas do campo (apud COSTA, v. 4, 1983, p. 209).
Demolido o prédio do Erário, em 1840, começou a ser edificado, no mesmo local, o Palácio da
Presidência da Província, concluído em 1843 e reformado em 1893 (CAVALCANTI, 1977; ANDRADE, 1978),
de modo que o descampado passou a se denominar de Campo, Pátio ou Praça do Palácio, sem perder de
todo o nome de Campo do Erário (COSTA, 1983, v. 4, p. 209).
Enquanto o Teatro de Santa Isabel era inaugurado em 1850, tendo sido incendiado em 1869
e reaberto em 1876, era criada, em 1852, a Biblioteca Pública Provincial, aberta em 1860 – duas novas
construções que pontuavam o velho descampado e já encontradas pelo Imperador D. Pedro II, quando
visitou o Recife em 1859.
Em homenagem à Família Imperial, a Municipalidade impunha ao logradouro a nova designação
de Campo das Princesas, que ainda colecionou a efêmera denominação de Largo do Paço, visto que o
palácio serviu de residência oficial (COSTA, 1983, v. 4, p. 209). Posteriormente, ergueram o prédio da Escola

181
Jardins históricos

de Engenharia, que, em vez disso, foi ocupado pelo Tesouro Estadual (ANDRADE, 1978) e o Liceu de Artes e
Ofícios, cujas obras foram iniciadas em 1871 e concluídas em 1880.
A predominância do nome campo, ganhando sucessivos qualitativos, se vincula exatamente ao
período em que este espaço público permaneceu como um grande descampado, também designado por
pátio e largo, depois Jardim do Campo das Princesas e, finalmente, Praça da República, à medida que novas
edificações erguiam-se no entorno e novos fatos históricos, políticos e sociais inscreviam-se no espaço e na
toponímia urbana (Il. 2).
Esta foi a trajetória de vários logradouros públicos de diferentes cidades do Brasil, alguns
ajardinados a partir do século XIX. É o caso do Campo de Santana (1735 e 1880), no Rio de Janeiro (ajardinado
em 1873-1880), que havia se chamado Campo da Cidade, Campo de São Domingos e, depois, Campo da
Aclamação (1822), Campo da Honra, Campo da Redenção, Campo da Liberdade, Campo do Passeio, Campo
da Aclamação (coroação de D. Pedro II, 1841), Parque Campo de Santana (1917), Parque Júlio Furtado
(1934) e Praça da República (1939) (TERRA, 2009).Ou, ainda, do Largo da Fortaleza (1824), depois Campo
ou Largo do Paiol (1845), Campo ou Largo da Pólvora, Largo do Hospital da Caridade (1856), Largo ou Praça
da Misericórdia e, por fim, Praça dos Mártires (1879), na capital cearense, onde foi criado o Passeio Público
da cidade por volta de 1880 (CUNHA, 1990; SILVA, 2016).
O Largo do Aterro da Boa Vista, no Recife, era um grande alagado na área de ocupação antiga da
Boa Vista, além dos limites dos bairros de Santo Antônio e São José. O largo corresponde, atualmente, à Praça
Maciel Pinheiro, à frente da Igreja Matriz da Boa Vista. Segundo Pereira da Costa, todo êsse grande espaço era
alagado e coberto de mangues, sendo assim necessario um aterro, que terminava junto á igreja matriz (COSTA,
1983, v. 6, p. 98). O local onde se construía aquêle templo em 1786, ficava já nos alagados do rio (COSTA,
1983, v. 6, p. 98). Após o aterramento e a implantação da igreja, o largo passou a se chamar Largo ou Praça da
Matriz ou Praça da Boa Vista, sendo edificadas casas térreas e sobrados (COSTA, 1983, v. 6, p. 99).
Em 1831, apresentava-se na Câmara Municipal do Recife o projeto de um monumento que se
pretendia erigir em memoria dos martyres da pátria de 1817 e 1824, de autoria do arquiteto Manoel Scott
e oferecido por um grupo de cidadãos, solicitando que o levantassem na Praça da Boa Vista, a qual passou
a ser chamada de Praça dos Martyres, por deliberação da mesma camara (PEREIRA DA COSTA, 1920, p.
20-21). Embora a ideia não tenha sido concretizada, ficou de pé a patriotica consagração de Praça dos
Martyres imposta áquella em que se tinha de erigir o monumento (PEREIRA DA COSTA, 1920, p. 22).
Como o monumento não foi colocado na Praça da Boa Vista, mais tarde, em 1846, lá se instalou
um chafariz para abastecimento da população ligado ao sistema de captação d’água do Prata e operado

182
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

pela Companhia do Beberibe (MENEZES, ARAÚJO & CHAMIXAES, 1991). Adquirido em Gênova, o chafariz
foi implantado na Praça da Boa Vista e depois trasladado para o Passeio Público ou Cais do Colégio, em
razão de suas modestas proporções, erguendo-se em seu lugar uma fonte-chafariz em pedra de autoria do
Mestre André Wilmer (MENEZES, ARAÚJO & CHAMIXAES, 1991).
Em 1870, a Municipalidade impunha ao logradouro o nome de Praça do Conde d’EU, príncipe
casado com a Princesa Isabel e que tantos serviços prestou na campanha do Paraguay, e tantos louros
colheu para a sua patria adoptiva (PEREIRA DA COSTA, 1920, p. 22). Vanildo Bezerra Cavalcanti (1977) e
Mário Sette (1948) ainda apontam as denominações de Praça de Nossa Senhora da Conceição da Boa Vista,
por conta do templo católico vizinho, e Largo ou Praça do Moscoso, em gratidão ao Doutor Pedro de Athayde
Lobo Moscoso, médico, vereador e diretor da Inspetoria de Higiene Pública que conduziu campanha para
seu ajardinamento. Inaugurado em 1875, o logradouro passou, então, a ser designado de Jardim da Praça
do Conde d’EU (Il. 3).
A mudança de nomes deste logradouro público, desde o século XVIII até o final do século XIX
– Largo do Aterro da Boa Vista, Largo ou Praça da Matriz, Praça da Boa Vista ou Praça de Nossa Senhora
da Conceição da Boa Vista, Praça dos Mártires (1831), Praça do Moscoso, Praça do Conde d’EU (1870) –
vincula-se a fatos da história política do Recife e do Brasil e à evidente presença do templo religioso em sua
vizinhança, a exemplo da atual Praça Dezessete.
Esta praça remonta ao adro do templo calvinista construído em 1642 no período holandês (SÁ
CARNEIRO & MESQUITA, 2000; GUERRA, 1970). Com a saída dos holandeses e a Restauração de Pernambuco,
os Jesuítas obtiveram licença para a fundação de um Colégio na povoação do Recife, instalando-o em área
que abarcava o antigo templo, cuja reforma foi iniciada em 1686 e finalizada em 1689 (GUERRA, 1970). O
adro passou a se chamar Praça ou Pátio do Colégio dos Jesuítas. Após a expulsão dos Jesuítas dos territórios
portugueses em 1759, o Colégio foi desocupado e a Igreja, entregue aos cuidados do bispo diocesano,
entrou em fase de decadência (GUERRA, 1970).
Deflagrada a Revolução de 1817, a igreja foi ocupada pelas tropas remetidas da Corte para
combater os insurretos (GUERRA, 1970). Os soldados alojaram cavalos no recinto do santuário, provocando
a reação da Irmandade do Espírito Santo, que requisitou e obteve a posse do templo em 1855 (GUERRA,
1970), de modo que o pátio passou a ser conhecido como Largo do Espírito Santo.
Essa denominação coexistiu com a de Praça D. Pedro II, que desembarcou no vizinho Cais ou Passeio
Público em 22 de novembro de 1859, passando a se chamar Cais 22 de Novembro. Quando ali aportou,

183
Jardins históricos

184
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 2 – Campo das Princesas, antes e depois do ajardinamento.


Fonte: Ferrez (1981) e Ferrez (1988).

185
Jardins históricos

o Imperador já encontrou na praça o chafariz da Companhia do Beberibe que havia sido remanejado da
Praça da Boa Vista para o Passeio Público ou Cais do Colégio ou Largo do Colégio (MENEZES, ARAÚJO &
CHAMIXAES, 1991). Em 1877, iniciava-se o ajardinamento do logradouro, que passou a ser conhecido como
Jardim da Praça D. Pedro II ou Jardim da Praça do Espírito Santo (Il. 4).
Em síntese, a nomenclatura dos espaços públicos do Recife no século XIX (Tabela 1) relaciona-se
às suas funções, usos e atributos morfológicos, às edificações circundantes e à ocorrência de fatos políticos
e eventos históricos inscritos na toponímia urbana, incluindo nomes oficiais e populares.

Il. 3 – Praça da Boa Vista, antes e depois do ajardinamento.


Fonte: Ferrez (1981) e acervo da autora.

186
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Os espaços públicos e o tratamento paisagístico: novos


atributos morfológicos, funcionais e toponímicos
Sabe-se que a instalação da Corte Portuguesa no Rio de Janeiro em 1808 e a abertura dos portos,
seguidos da Independência do Brasil em 1822, redefiniram o panorama artístico, científico e intelectual
do país, estimularam a formação de um Estado laico, o desenvolvimento da imprensa, do ensino superior,
as trocas comerciais com nações europeias, a construção civil e a implantação de redes infraestruturais e
serviços urbanos.
A paulatina substituição dos engenheiros-militares e mestres-de-obras na concepção e execução
das obras públicas, a atuação técnica de franceses, ingleses e italianos e a introdução de materiais de
construção industrializados repercutiram na afirmação de uma nova cultura arquitetônica, urbanística e
paisagística (SILVA & LORETTO, 2010). Modificaram-se padrões de estética, higiene pública e sociabilidade.
A partir da segunda metade do Oitocentos, foram realizados vários melhoramentos nos centros
urbanos mais populosos: abastecimento d’água, iluminação pública a gás, recolhimento de esgotos,
pavimentação, vias férreas e serviços de comunicação como o telégrafo e ações de ajardinamento de
diversos espaços públicos.
O chão urbano, até então quase desprovido de mobiliário, exceto elementos litúrgicos temporários,
com pouca ou nenhuma vegetação, estava consagrado a eventos religiosos e concentração após os ofícios,
feiras, coleta d’água, manobras militares e combates simulados, aplicação de castigos e justiçamentos,
cerimônias reais, representação de autos, touradas, circos, jogos e mascaradas (MARX, 2003; REIS, 2000;
VAZ, 2001; DERENJI, 2001; SILVA, 2001). A partir da implantação de fontes, chafarizes, monumentos,
luminárias, bancos e placas, bebedouros, árvores e canteiros nos logradouros públicos originavam-se
espaços verdes para o gozo da população e alterava-se a feição centenária e desnuda das cidades coloniais
brasileiras (MARX, 2003).
Nas últimas três décadas do século XIX, uma vez ajardinados, alguns espaços públicos do Recife
experimentaram mudanças significativas em relação a seus atributos morfológicos. Deste modo, os jardins
públicos da cidade impulsionavam novos hábitos, como o passeio elegante e refrescante, chamado de
footing, a apreciação dos lagos, ornamentos e demais atrativos, e a assistência das apresentações musicais
nos coretos por ocasião das retretas domingueiras ou em eventos festivos.
O traçado dos novos jardins era configurado por um caminho descoberto rente ao gradil propício
ao footing, permitindo aos praticantes exibir-se ao longo do percurso perimetral, afinal este era um exercício

187
Jardins históricos

de elegância e exibição social, ocasião para ver e deixar-se ser visto (SILVA, 2016, p. 199) (Figuras 2 a 4).
Internamente, o traçado assumia contornos sinuosos, definidos por canteiros com plantas herbáceas e
arbustivas.
A iconografia que retrata os primeiros jardins do Recife em seus aspectos mais antigos sinaliza a
utilização de espécies vegetais de pequeno e médio portes, quando comparadas ao plantio expressivo de
arbóreas nos projetos realizados em meados dos anos 1920 . Em fotos e cartões postais do final do século
XIX e princípio do XX, notam-se pinheiros (Araucaria sp.), ravenalas (Ravenala madagascariensis) e arecas
(Dypsis lutescens) plantados ao modo de elementos escultóricos livres no meio dos jardins (SILVA, 2016, p.
191). Assim viam-se ravenalas poucas e isoladas em locais que permitiam sua contemplação” no Jardim da
Praça D. Pedro II e no Jardim da Praça do Conde d’EU (SILVA, 2016, p. 191).
Por outro lado, os renques de palmeiras imperiais (Roystonea oleracea) no Jardim do Campo
das Princesas, inequívoco “símbolo de identificação com a nobreza do Império” e “expressão flagrante de
monumentalidade”, demarcavam os eixos em cruz que ligavam as construções palacianas e institucionais
do entorno, hierarquicamente importantes (SILVA, 2016, p. 191; 193)4.

Il. 4 – Pátio do Colégio ou Praça do Espírito Santo, antes e depois do ajardinamento.


Fonte: Ferrez (1981) e Silva & Leite (1992).

188
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Destacavam-se ainda nesse jardim esculturas alegóricas da mitologia greco-romana, peças em


ferro fundido adquiridas via catálogo no conjunto das chamadas fontes d’art, a exemplo de chafarizes,
vasos e outros objetos decorativos importados da França para ornar numerosos recintos ajardinados. Tais
esculturas foram produzidas pela fundição francesa JJ Ducel et Fils, assinadas pelo escultor Eugène Louis
Lequesne, como informam as inscrições JJ Ducel & Fils e E. Lequesne e os anos de “1863” e “1864’, ainda hoje
visíveis em algumas dessas peças. Por sua vez, o mobiliário incluía bancos em madeira, luminárias, coretos,
gradis e portões em ferro, por vezes assentados sobre muros, os quais funcionavam como dispositivo de
controle, porém decaíram ao longo do tempo em todos os jardins recifenses5.
Os coretos ou pavilhões de música em ferro representavam uma atração à parte, tanto por seu
caráter utilitário – palco e abrigo para as bandas de música durante as retretas, garantindo-lhes elevação
e posição de destaque perante o público e protegendo-lhes das intempéries –, quanto por sua função
decorativa (Il. 2 a 5)6. Ricamente elaborados e também comprados por catálogo de países europeus,
os coretos incluíam-se no amplo universo de edificações, instalações, equipamentos e componentes
arquiteturais metálicos largamente importados por países em vias de urbanização a partir do século XIX.
Segundo descrição de Geraldo Gomes da Silva (1986), comumente possuíam planta circular ou
poligonal tendendo para o círculo, erguiam-se sobre uma base maciça ou com porão de alvenaria, apoiavam-
se em colunas de ferro fundido, eram dotados de escada e peitoris em ferro fundido e cobertos com
delgadas lâminas de ferro galvanizado ou zinco. A base de alvenaria chamava-se “tambor” e continha um
assoalho que funcionava como “caixa de ressonância”, sobre o qual se assentava a construção, geralmente
em ferro fundido e o mais aberta possível, para não abafar o som, sustentando uma cobertura em dossel,
conforme explica Cacilda Teixeira da Costa (1994, p. 178-179).
Os coretos dos jardins recifenses inscrevem-se na narrativa do cronista Mario Sette (1981, p.
159), que evoca as execuções musicais semanais das duas principais bandas da cidade – a Matias Lima e
a Charanga do Recife, ao relatar que aos domingos, si alguma delas ia tocar na famosa retreta da praça
Republica, garantia-se a elegancia e o vulto da assistencia, onde achava-se a fina sociedade recifense, por
entre as palmeiras do parque, pelos banquinhos de madeira, transpondo os portões do jardim, rodeando
o côreto. Os concertos ocorridos na já denominada Praça da República eram frequentados pelo cronista
em 1903 que assim os descreve: retrêtas concorridas, elegantes, famosas no Recife de ontem, para as
quais se faziam vestidos e se elaboravam repertórios requintados; musica para se desfilar gravemente pelas
alamedas (SETTE, 1981, p. 202).

189
Jardins históricos

O autor recorda-se ainda que em 1901, si não ha engano, houve um torneio musical entre as
duas bandas rivais no jardim da Praça Maciel Pinheiro, nas comemorações do “15 de Novembro” (SETTE,
1981, p. 159). Na festa, as bandas executaram o hino nacional e o torneio ficou uma coisa séria, pois deu
9, 10, 11, 12 horas da noite e cadê que nenhuma das bandas queria descer do corêto?! (SETTE, 1981, p.
159).
Os pavilhões eram também ornamentos apreciados como parte da decoração dos jardins, a
exemplo das peças escultóricas e aquáticas. A água, antes presente nos chafarizes operados pela Companhia
do Beberibe para o abastecimento da população, passou a ser valorizada por suas propriedades visuais,
refrescantes e sonoras, nos lagos do Jardim do Campo das Princesas ou na fonte-chafariz do Jardim da
Praça do Conde d’EU. Esta era uma fonte em mármore importada de Portugal, esculpida em Lisboa pelo
artista lusitano Antônio Moreira Rato. Estabelecia-se uma nova relação entre os atributos morfológicos
dos jardins e a toponímia urbana. Logradouros diretamente vinculados à presença de edifícios sacros,
como o Largo da Matriz da Boa Vista e o Pátio do Colégio dos Jesuítas, foram ajardinados e abandonaram
sua invocação religiosa.
Os jardins do século XIX ganharam designações ligadas à Corte – Jardim do Campo das
Princesas, Jardim da Praça do Conde d’EU, Jardim da Praça D. Pedro II e Praça Visconde de Mauá (Tabela
1), havendo uma justaposição entre termos – o jardim da praça, o jardim do campo, o jardim do pátio ou
o jardim do largo –, frequente em muitas cidades brasileiras e perpetuando-se nas primeiras décadas
do século XX. Uma vez encerrados por gradis e portões, os jardins oitocentistas recuperavam o sentido
etimológico do termo enquanto recinto fechado e aprazível. Nas línguas vernáculas do Ocidente, a
palavra se vincula ao hebraico gan, ou seja, proteger ou defender, sugerindo a presença de uma vala
ou cerca, e eden ou oden, exprimindo a noção de prazer, deleite (SILVA, 2010). Da combinação entre os
dois termos, a palavra jardim passou a significar um recinto de terra para o prazer e o deleite (LAURIE,
1983, p. 29).
Instalado no espaço público, urbano, o jardim desvincula-se da sua histórica inserção no domínio
privado e adquire novas significações semânticas e urbanísticas. Tal ampliação pode ser ilustrada ao se
consultar a obra de Antonio de Moraes Silva. No final do Setecentos, o verbete indicava porção de terra
cultivada, e plantada de flores (SILVA, 1789, v. 1, p. 742) e, quase um século depois, porção de terra
ordinariamente de pouca extensão, cultivada, e plantada de flores e outras plantas, para recreio, e passeio
(SILVA, 1878, v. 2, p. 198).

190
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Contudo, a afirmação do Império seria, mais tarde, suplantada pela República na toponímia
urbana instaurada com a proclamação do novo regime político em 1889. Caíram os nomes ligados à Corte
e à nobiliarquia – condes e viscondes – e os jardins imperiais foram rebatizados em distinção às causas
republicanas e abolicionistas – como a Praça da República e a Praça Maciel Pinheiro, por volta de 1889, e a
Praça Dezessete, designação outorgada em 1890 em homenagem à Revolução de 1817.
Segundo Pereira da Costa, em 1889, o Jardim da Praça do Conde d’EU foi rebatizado para
homenagear á memoria do illustre Dr. Luiz Ferreira Maciel Pinheiro, que tanto se nobilitou pelos seus
serviços em prol da causa democratica e da libertação dos escravos (PEREIRA DA COSTA, 1920, p. 23).
Ainda de acordo com o autor, a Praça D. Pedro II teve a denominação de Dezessete, decretada pela mesma
municipalidade em 31 de Janeiro de 1890, para commemorar o nosso movimento separatista de 1817
(PEREIRA DA COSTA, 1927, p. 251).
Espaços de recreio e formosura ou visando ao aformoseamento da cidade, expressões comuns
em documentos da época, os jardins do Recife se consolidariam como espaços consagrados à vida da
sociedade que se constituía cada vez mais urbana. A transformação de campos, praças, pátios e largos
em jardins, verificada ao nível do vocabulário e da sua forma construída, também ocorreu no âmbito dos
usos, em que pesem as construções adjacentes, constituindo, portanto, uma nova relação física, funcional
e terminológica com a vizinhança edificada e o contexto urbano ao qual aqueles estavam diretamente
vinculados.

191
Jardins históricos

Tabela 1 – Denominação dos


espaços públicos do Recife
ajardinados no século XIX

Tabela 1: Denominação dos espaços


públicos do Recife ajardinados no
século XIX.
Fonte: A autora.

192
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

NOTAS
1
Este texto é uma versão reformulada da comunicação não publicada “Da praça colonial ao jardim imperial: os espaços
públicos do Recife no século XIX”, apresentada no Colóquio “As Praças nas Cidades de Origem Portuguesa: perspectivas
históricas e contemporâneas”, ocorrido em Lisboa em novembro de 2011 sob a coordenação geral do professor
Manuel Teixeira, a qual, por sua vez, baseia-se no livro “Jardins do Recife: uma história do paisagismo no Brasil
(1872-1937)”. Apresenta reflexões posteriormente desenvolvidas no artigo “O léxico na história do paisagismo no
Nordeste do Brasil (XIX-XX)” (SILVA, 2015 in Historia Crítica, n. 56, p. 85-111) e na Tese de Doutorado em Arquitetura
e Urbanismo intitulada “Entre a implantação e a aclimatação: o cultivo de jardins públicos no Brasil nos séculos XIX
e XX” (SILVA, 2016).
2
Consideram-se os jardins do Campo das Princesas, inaugurado em 1872 (DIARIO DE PERNAMBUCO, 19/10/1872, p.
2; 21/10/1872, p. 2); da Praça do Conde d’EU, inaugurado em 1875 (DIARIO DE PERNAMBUCO, 14/10/1875, p. 1;
16/10/1875, p. 1); da Praça D. Pedro II, iniciado em 1877, e a Praça Visconde de Mauá ou Jardim Sete de Setembro,
cujas datas de início das obras e inauguração não são conhecidas. Entretanto, admite-se que a criação deste último
jardim possa ter ocorrido por volta de 1888, ano de construção da Estação Ferroviária Central do Recife, defronte à
qual estava localizado. Para detalhes dessa cronologia e documentação primária utilizada na pesquisa ver “Jardins do
Recife: uma história do paisagismo no Brasil (1872-1937)” (SILVA, 2010, Cap. 2, p. 45-83).

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Coutinho: Pará: Antonio Rodrigues Quelhas, 1873, Segundo Volume: C-D; Terceiro Volume: E-L; Quarto Volume: M-P.

195
Jardins históricos

Em 2012, a cidade do Rio de Janeiro recebeu o título de Paisagem


Cultural concedido pela UNESCO, que recomendou que seja feito
um inventário e elencado os atributos paisagísticos do lugar. Em
atenção à obra de Roberto Burle Marx no sítio, percebeu-se que
o Passeio de Copacabana constitui um limite no modo de fazer
e pensar a concepção até então estabelecida pelo paisagista. O
artigo apresenta um ensaio sobre este jardim, analisado à luz do
conceito de discurso do filósofo Michel Foucault. Compreende-
se que se trata de um marco, a partir do qual se tem a inclusão de
um novo princípio projetual que busca interpretar os significados
da paisagem, decifrando o ‘espírito do lugar’.

Palavras-chave: Arquitetura paisagística; Jardim Moderno;


Roberto Burle Marx; Haruyoshi Ono.

196
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Passeio de Copacabana o limite do discurso


do Jardim Moderno de Roberto Burle Marx na
Paisagem Cultural Carioca
Alda de Azevedo | Ferreira e Fernando Ono

A
categoria chamada “paisagem cultural” foi criada
em 1992 pelo Comitê do Patrimônio Mundial,
com o objetivo de repensar os critérios culturais
utilizados para justificar a inscrição de bens na Lista do
Patrimônio Mundial, almejando o reconhecimento de
“obras conjugadas do homem e natureza de excelente
valor universal”. Sua criação teve como objetivo dar
origem a uma categoria unificada mais abrangente,
sobre a qual a própria paisagem é um bem que se
atribui valor a partir de todas as inter-relações que nela
coexistem. Desta forma, como categoria patrimonial, a
paisagem rompe com a dicotomia anterior superando
a divisão entre natureza e cultura, para ampliar a
abordagem e integrar o patrimônio cultural e natural
(RIBEIRO, 2007).
Em 2012, na 36ª sessão do Comitê do Patri-
mônio Mundial, realizada em São Petersburgo, na Rús-
sia, o sítio da cidade do Rio de Janeiro foi inscrito na
Lista do Patrimônio Mundial, na categoria de Paisagem
Cultural, tornando-se a primeira do mundo no meio ur-

197
Jardins históricos

bano. A proposta se chamou “Rio de Janeiro, Paisagens Cariocas entre a Montanha e o Mar”, a fim de re-
fletir a inclusão de áreas urbanas que fazem fronteira com o mar e a ideia de uma paisagem cultural global.
A área delimitada, de acordo com o Dossiê de Candidatura da Cidade do Rio de Janeiro a Paisagem
Cultural Brasileira (2012), engloba os principais elementos que estruturam o sítio da cidade do Rio de Janei-
ro, agrupados em 3 setores – a montanha, a floresta e o jardim – e delimitada pelas quatro áreas do Parque
Nacional da Tijuca e pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro; a entrada da Baía de Guanabara e as bordas
d’água: composta pelo Parque do Flamengo, pela área de proteção paisagística dos fortes na entrada da
Baía de Guanabara e pela Orla de Copacabana, com seus pontões rochosos; e a paisagem urbana, definida
como zona de amortecimento, marcada pelos elementos naturais do entorno do Sítio.
Para a avaliação da proposta do Rio de Janeiro, a Organização das Nações Unidas para Educação,
Ciência e Cultura (UNESCO) consultou o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), o qual
organizou seu Comitê Científico Internacional em Paisagens Culturais e Cidades e Vilas Históricas, além de
vários especialistas independentes. Na avaliação, o ICOMOS considerou que o paisagista Roberto Burle
Marx teve um profundo impacto no tratamento paisagístico do Rio e, particularmente, o Passeio de Copa-
cabana; são agora considerados importantes por sua contribuição para a identidade da cidade e a cultura
a qual têm inspirado. E, por fim, a instituição relata que o Parque do Flamengo constitui em grande escala
uma fusão altamente satisfatória entre estruturas urbanas e paisagem.
Assim, a Declaração do Valor Excepcional Universal à Paisagem Cultural Carioca foi concedida em
2013, na 37ª sessão do Comitê do Patrimônio Mundial. Dentre algumas indicações, o ICOMOS recomenda que
se coloque em prática um sistema para definir e inventariar os componentes-chave da Paisagem Cultural, bem
como determinar indicadores de monitoração relacionados aos atributos que argumentem a pertinência de
seus valores. Tais enumerações estão estreitamente ligadas, pois questionar e inventariar os atributos paisa-
gísticos do sítio, especialmente àqueles construídos intencionalmente, como os jardins, é de suma importân-
cia para a definição de planos de conservação que venham a proteger as características peculiares do lugar.
Desta forma, em atenção à obra de Roberto Burle Marx no sítio da Paisagem Cultural Carioca,
observa-se que esta é representada pelos jardins da Praça Salgado Filho (1938), a reforma do Parkway de
Botafogo (1954), o jardim do Museu de Arte Moderna (1954), o Parque do Flamengo (1961-1965) e, final-
mente, o Passeio de Copacabana (1970) e a Praça Júlio de Noronha (1986). Percebe-se que dentre estes
jardins ocorrem diferentes emergências tipológicas com características específicas, as quais merecem ser
valorizadas não só em conjunto, bem como compreendidas e inventariadas em suas respectivas individua-
lidades.

198
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

A presente pesquisa, então, apresenta um ensaio sobre os limites da produção do jardim mo-
derno de Burle Marx, a partir de inventário que está sendo feito pelos pesquisadores na paisagem cultural
carioca. As informações são colhidas de fontes primárias presentes, em grande parte, no acervo da Funda-
ção Biblioteca Nacional e no escritório Burle Marx e Cia, sendo analisadas à luz do conceito de discurso do
filósofo Michel Foucault (2012).

O DISCURSO DO JARDIM MODERNO DE BURLE MARX


Discurso, de acordo com o filósofo Michel Foucault (2012), é uma prática que constrói seu sen-
tido nas relações e nos enunciados em pleno funcionamento. Esta prática discursiva se define como um
conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em
uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições
de exercício da função enunciativa. (FOUCAULT, 2012, p. 133). Cabe então questionar como um discurso
funciona, o que o tornou possível e quais efeitos reverberam.
Para estruturar seu discurso paisagístico no início dos anos 1930, Roberto Burle Marx definiu os
conceitos do jardim com a intensão de integrar a sociedade ao meio ambiente. Posteriormente, ele diria:
Há certos princípios que nos norteiam, porém é preciso não confundi-los com fórmulas. Cada composição
deve ser em função da forma de viver, da área, das peculiaridades de cada caso, da utilização e do clima
(MARX, 2004, p. 210).
De acordo com o depoimento de Burle Marx publicado no Diario da Manhã de 10/05/1936, sua
obra foi definida como natureza organizada e subordinada às leis arquitetônicas. Com a finalidade de aten-
der às necessidades sociais, ele estabeleceu como princípios projetuais “a higiene, a educação e a arte”:
O jardim moderno [...] comporta vários objetivos: hygiene, educação e arte. Sob o pon-
to de vista hygienico, o jardim moderno representa nas grandes cidades um verdadeiro
pulmão collectivo. [...] Sob o ponto de vista educacional, o jardim moderno tem como
objeto trazer para o habitante da cidade um pouco de amor pela natureza, fornecer-lhes
meios para que possa distinguir sua própria flora da exótica e dar-lhe uma ideia nitida
da utilidade do jardim simultaneamente a uma capacidade de distinção da verdadeira
belleza do pieguismo baseado em concepções falsas. [...] Sob o ponto de vista artístico,
deve o jardim obedecer a uma ideia básica, com perspectivas logicas e subordinado a
uma determinada forma de conjunto. [Grifo nosso]

199
Jardins históricos

Através da recorrência desses enunciados, é possível dizer que se construía assim o discurso do
jardim moderno de Roberto Burle Marx, sendo ele seu criador e principal sujeito. Os saberes eram coeren-
tes com o projeto moderno da época, constituíram os conceitos fundamentais do seu jardim moderno e a
base de uma obra, a qual iria se desenvolver ao longo da trajetória do paisagista. Desta forma, é possível
atribuir que esses enunciados permeavam seu discurso, especialmente desenvolvido entre as décadas de
1930 a 1960.
Na Paisagem Cultural Carioca é possível observar tais enunciados presentes na concepção desde
a Praça Ministro Salgado Filho até o Parque do Flamengo. Todavia, a partir de fins dos anos 1960, obser-
vam-se modificações nas maneiras de pensar o projeto, bem como nos saberes envolvidos no processo de
criação, que irão delimitar um momento de ruptura no discurso do jardim moderno de Burle Marx.

PASSEIO DE COPACABANA: UM MARCO NA OBRA “BURLEMARXIANA”


No início dos anos 1960, o Brasil firmava sua imagem como um país moderno e a arquitetura
moderna brasileira atingia posição de destaque mundial, ainda em reflexo da construção de Brasília, sím-
bolo do projeto nacional conectado com o panorama internacional. O período é caracterizado por um novo
florescimento econômico, político e social no país, refletido no acelerado processo de urbanização e grande
difusão da informação. É também o início do esgotamento da estrutura econômica e da expansão desorde-
nada da paisagem, culminando com a degradação ambiental e a redução da qualidade de vida nos grandes
centros urbanos (MACEDO, 1999).
Nesta fase, a arquitetura paisagística brasileira foi marcada pela consolidação da atividade no país,
que passou a contar com um gradativo aumento na quantidade de profissionais atuando na área. Tal situação,
segundo Dourado, se apresenta como um desafio à arquitetura paisagística, que responde com [...] um novo
status de atuação, ao iniciar uma ampla e progressiva redefinição de seus horizontes (DOURADO, 1997, p.10).
No Rio de Janeiro dos anos 60, o locus de formação profissional de arquitetos era a Faculdade
Nacional de Arquitetura (FNA) da Universidade do Brasil. O ensino de Arquitetura foi fundamentado nas
teorias modernistas propagadas pelos arquitetos europeus, como Walter Gropius, Mies Van der Rohe, e Le
Corbusier, os quais defendiam uma arquitetura de caráter autônomo e internacionalizante, reproduzível in-
dependente do contexto natural e cultural, fundamentados na ideologia racionalista do puro funcionalismo
(BRUAND, 1991).
Este também foi um período de substantivas mudanças na história do país, marcado pela impo-
sição do Regime Militar iniciado com o golpe de estado em março de 1964 – sendo estendido até 1985 –,

200
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

o qual instaurou um processo de modernização burocrática e centralização dos âmbitos administrativos e


financeiros na esfera federal; além da supressão das liberdades individuais e a implantação de um código
penal militar. O impacto deste clima conturbado refletiu diretamente em todos os âmbitos da vida social, e
principalmente no ensino nas universidades, inclusive a FNA (SEGAWA, 1998).
Neste interim, ocorre uma união que definitivamente iria marcar a trajetória de Roberto Burle
Marx e o discurso do jardim moderno: a entrada, em 1965, de Haruyoshi Ono e José Tabacow como estagiá-
rios no escritório Burle Marx e Cia. Segundo Lawrence Fleming (1996), a capacidade interpretativa dos mais
sucintos esboços do paisagista pelos dois estagiários foi um importante diferencial para a inauguração de
uma nova fase em sua produção paisagística, atribuindo a eles a característica de “metódicos e detalhistas”.
E ainda, completa: uma nova era evidentemente havia começado (FLEMING, 1996, p. 110).
Quanto à concepção paisagística de Burle Marx destes primeiros anos, os projetos eram mais fre-
quentemente caracterizados pelo traçado em formas orgânicas, como o jardim do Ministério de Educação
e Saúde-RJ (1936) e o jardim da Pampulha-MG (1942). Posteriormente, tornam-se também usuais a adoção
das formas geométricas, assinaladas por retas ortogonais em combinações com curvas, como o jardim para
o prédio da Reitoria da Universidade do Brasil (atual UFRJ) - RJ (1953), o jardim do Museu de Arte Moder-
na-RJ (1954). (Il. 1 e 2)
A produção da sociedade constituída por Roberto Burle Marx, Haruyoshi Ono e José Tabacow (que
permaneceu até 1982) foi caracterizada no período delimitado, com início nos anos 1970, a partir da concep-
ção do Passeio de Copacabana até o final das atividades de Burle Marx em 1994, como Jardim de Abstração
Lírica, de acordo com os estudos da arquiteta Marta Montero (1997) e de César Floriano Santos (1999).
O Passeio de Copacabana é, assim, um marco não só na Paisagem Cultural Carioca, como na pro-
dução do escritório Burle Marx e Cia. De acordo com entrevista concedida por Haruyoshi Ono em 2011,
tratava-se de um grande projeto com um prazo muito curto, em relação ao qual Burle Marx não contava
com tempo suficiente para desenvolver os desenhos da maneira que estava habituado. A solução foi de-
legar a Ono e Tabacow, o desenvolvimento de grandes partes, que eram supervisionadas pelo paisagista.
(FERREIRA, 2012). (Il. 3)
O bairro de Copacabana está situado no coração da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro e passou
a se integrar ao bairro de Botafogo – bem como ao restante da cidade existente na época –, a partir da
abertura do Túnel no Morro de Vila Rica (Túnel Velho), em 1892. Com o tempo, foram surgindo ruas e casas
que constituíram o bairro. Indicada a partir da década de 1920 para o repouso de convalescentes, a Praia
de Copacabana foi firmando sua imagem simbólica como um dos mais conhecidos balneários do mundo.

201
Jardins históricos

IIl.1 – Jardim do antigo Ministério da Educação e Saúde – RJ


(1938).
Roberto Burle Marx.
Foto: Fernando Ono (2009).

Il. 2 – Pátio interno do edf. da Reitoria da antiga Universidade


do Brasil (atual UFRJ) – RJ (1953). Roberto Burle Marx.
Foto: Fernando Ono (2009).

Il. 3: Passeio de Copacabana - RJ (1970). R. Burle Marx, H. Ono, J.


Tabacow. Foto: Fernando Ono (2010).

202
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Contudo, seu aspecto identitário não se resume à praia, tornando-se emblemático por ser também palco
de festas populares como o carnaval e o réveillon, bem como berço da Bossa Nova nos anos 1960.
A construção da Avenida Atlântica foi iniciada em 1905, na gestão do prefeito Francisco Pereira
Passos, sendo inaugurada em 1908, no governo de Souza Aguiar. Projetada para ser apenas uma rua de
serviço num bairro de meia dúzia de casas, o logradouro foi implantado inicialmente com apenas quatro
metros de largura; servia ao trânsito de pedestres, numa cidade onde circulavam pouco mais de 150
carros.
O Calçadão de Copacabana foi construído na mesma época, segundo a técnica de “calçada à por-
tuguesa”, caracterizada pela forma irregular de aplicação das pedras de calcário. Calcetado com pedras nas
cores preta e branca trazidas de Portugal, o que lhes deu o apelido de “pedras portuguesas”, a denomina-
ção se mantém até hoje, apesar das pedras agora serem extraídas no Brasil. O padrão de ondas foi criado
em meados do século XIX, implantado nas calçadas da Praça do Rossio em Lisboa, Portugal, e depois em
1901, no Largo de São Sebastião em Manaus, no Amazonas. Inicialmente, no Calçadão de Copacabana, as
ondas eram dispostas transversalmente à calçada.
No início da década de 1910, com a popularização do automóvel e o modismo do banho de mar,
foi iniciada sua primeira ampliação para 19 metros de largura, no governo do prefeito Bento Ribeiro, numa
obra que duraria 8 anos. Ao longo desse período, a avenida foi alvo de repetidas ressacas do mar. Finalmen-
te, em 1918, foi finalizada na gestão do Prefeito Paulo de Frontin a obra iniciada em 1910, a qual alargou a
Av. Atlântica e reconstruiu o cais que havia sido demolido pelas ressacas.
Contudo, tal alargamento não seria suficiente para conter as constantes ressacas e necessidades
de ampliação infraestrutural. Visando sanar tais problemas, o Plano de Urbanização do Rio, elaborado por
Alfred Agache no fim dos anos 1920, propôs a expansão da Av. Atlântica por meio de aterro, com o recuo
de todas as construções futuras. A obra, entretanto, só foi executada pelo General Francisco Marcelino de
Souza Aguiar entre 1969 e 1970, no Governo do Presidente Afonso Pena, criando duas pistas que ligam o
Posto 0 ao 6, entre a Praça Júlio de Noronha e o Forte de Copacabana.
As razões para os investimentos preferenciais do Estado nas zonas mais ricas da cidade, como Co-
pacabana, não se restringiam apenas às dificuldades com o avanço do mar, como descreve o geógrafo Mau-
rício de Almeida Abreu (1987/2013). O crescente adensamento populacional do bairro a partir da década
de 1960, que chegou a constituir a maior densidade demográfica do Estado na época, exigia não apenas a
construção de obras viárias, mas também a renovação de infraestrutura de serviços básicos. Contudo, so-
bremaneira, tratava-se da aplicação do capital público em benefício das classes de maior poder aquisitivo.

203
Jardins históricos

O projeto, desenvolvido pelo engenheiro Raimundo de Paulo Soares, foi executado na gestão do
governador do Estado da Guanabara, Francisco Negrão de Lima, por sugestão do arquiteto Lúcio Costa.
Assim, a grande obra constituída de aterro hidráulico teve como objetivos promover ampliação da área de
areia da praia, que passou de largura de 60 metros para 120 metros avançados mar adentro; alargar em 80
metros a Avenida Atlântica, duplicando sua pista e aumentando as vias de tráfego; permitir a passagem do
interceptor oceânico- tubulação que transporta todo o esgoto da Zona Sul até o emissário de Ipanema-, até
então a maior obra de saneamento básico da cidade; ampliar e preservar o potencial recreativo, turístico e
paisagístico de Copacabana, oferecendo maiores condições de conforto e segurança aos usuários da praia;
e aumentar a área de parqueamento do bairro.
Assim, o alargamento deu origem a duas pistas com três faixas de rolamento cada uma, separadas
por um canteiro central. Para o tratamento das três áreas entre as pistas foi solicitado o projeto paisagístico
à equipe do escritório Burle Marx e Cia., chefiada por Roberto Burle Marx, que contou com ainda com a
colaboração de Lucio Costa. Foi então proposto um grande “jardim-painel”, compreendido ao longo das
praias do Leme e de Copacabana, além da reforma da calçada próxima à praia.
O jardim corresponde a uma extensão de quatro quilômetros e meio, sobre a qual foram distribuídos
2.800 extratos arbóreos e arbustivos, com alturas superiores a oito metros, dando prioridade para vegetação
do bioma da mata atlântica e, mais especificamente, da linha costeira tropical. Foram assim especificados vários
coqueiros (Cocos nucifera), amendoeiras-da-praia (Terminalia catappa L.), uvas-da-praia (Coccoloba uvifera (L.)
L.), dentre outros. Para se ter ideia da modificação promovida pelo tratamento paisagístico, anteriormente, havia
na Praia de Copacabana, apenas oito amendoeiras e cinco coqueiros, todos situados na altura do Posto 6.
A primeira calçada, localizada próxima à praia, permaneceu com o desenho de ondas inspirado no
original português, porém mudando um pouco sua forma e sentido, sendo caracterizada em ondas de mar
largas, estabelecidas em sentido longitudinal. Apesar do padrão de ondas em pedras portuguesas existir tam-
bém em Portugal e Manaus, com o tempo a nova forma proposta para o Calçadão de Copacabana tornou-se
emblemática, sendo um signo representativo da cidade do Rio de Janeiro conhecido no mundo todo.
A segunda calçada, segundo reportagem do jornal Correio da Manhã de 18/04/1970, era prevista
no projeto original com cerca de 800 árvores, sendo trinta por cento dedicado às áreas de extrato herbá-
ceo, especificado com gramíneas, onde ao centro seriam instalados bares e sanitários públicos; haveria,
ainda, quatro túneis para passagem de pedestres para a praia. Originalmente, seriam 13 canteiros – que
Burle Marx chamou de “oásis”– mas que, entretanto, não chegaram a ser construídos da maneira como
haviam sido projetados.

204
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

A obra, ainda conforme a mencionada reportagem do Correio da Manhã, foi contratada a empre-
sas terceirizadas e coordenada pela Superintendência de Urbanização e Saneamento (SURSAN). A execução
foi feita em partes e o calçadão central terminou sendo modificado no projeto original, dando lugar à pas-
sagem subterrânea do interceptor oceânico da Zona Sul. Em seu lugar, foi proposta uma continuidade da
composição adotada para a terceira calçada.
A terceira calçada está localizada próxima aos prédios e, juntamente com o canteiro central, cons-
tituem o aspecto mais característico da composição, representado pela paginação de piso. Nelas, o dese-
nho configura um mosaico em pedra portuguesa nas cores preta, vermelha e branca e origina um grande
painel, o qual pode ser apreciado do alto dos edifícios da orla marítima. Neste local, o desenho de piso foi
configurado em formas abstratas informais e partiu de inspiração numa sugestão de Haruyoshi Ono para o
estudo preliminar da Embaixada do Brasil em Washington, no ano de 1968. Embora não tenha sido executa-
da, a proposta apresentou pela primeira vez a paginação de piso figurada em desenhos abstratos informais
(FERREIRA, 2012).
Até então, os projetos da equipe do escritório Burle Marx e Cia oscilavam entre estruturações ora
concebidas sob formas orgânicas, ora sob retas com concordância de curvas, sem critérios pré-estabeleci-
dos que pudessem constituir algum padrão. Aliás, não havia padrão que regulasse o processo de criação
desenvolvido por Burle Marx. Em suas palavras, em entrevista dada ao jornal Careta, em 10/04/1954, Burle
Marx disse: [...] em arte não pode haver regras prefixadas (MARX, 1954, p. 22).
Burle Marx descreveu que a composição formal de seu jardim moderno era inspirada nos movi-
mentos de vanguarda moderna, numa justaposição dos atributos plásticos do cubismo e do abstracionismo
ao elemento natural (MARX, 1994). É certo que havia forte relação entre a pintura de Burle Marx e o pai-
sagismo por ele executado, de modo que a analogia entre estas expressões apresenta grande propriedade.
Os anos 1950 marcam a passagem da obra bidimensional de Burle Marx para a Abstração Infor-
mal, com linguagem bastante peculiar, que perdurará até seus últimos dias. Seus meios de expressão não
se limitam aos quadros, estando presentes também em painéis de cerâmica, tapeçarias e joias, além de
esculturas. Inicialmente, as formas por ele adotadas ainda possuem fortes contornos geométricos, que aos
poucos vão sendo abandonados e substituídos por manchas suaves (ONO, 2015).
Neste mesmo período, a linguagem plástica fundada no princípio de modernidade construtiva e
de abstração pura passa a emergir no cenário brasileiro. O crítico de arte Mario Pedrosa se sobressai como
pioneiro na atenção dedicada à arte abstrata e foi seu grande patrocinador na arte brasileira, além de prin-
cipal teórico. A abstração se enquadrava no social projeto moderno de valer-se da arte para promover a

205
Jardins históricos

educação do grande público, sendo a grande aliada dos agentes sociais de transformação para “reeducar a
sensibilidade” e, com sua força simbólica, poderia falar às mentes e às emoções.
A abstração na arquitetura moderna era muito mais do que um aspecto formal; mas uma questão
conceitual na configuração do espaço público. Fazia parte do objeto moderno a capacidade de criar estruturas
urbanas abertas, capazes de crescer e se integrar ao meio ambiente, como descreve Josep Maria Montaner
(2015). Buscava-se o abstrato dos vazios urbanos, da conexão dos espaços interligados através da concepção
de grandes blocos sobre pilotis, baseado nos princípios racionalistas ainda remanescentes de ideais iluminis-
tas. Esta foi uma questão proeminente na concepção do Ministério de Educação e Saúde, como marco inicial,
e perdurou como uma das características indenitárias da arquitetura moderna brasileira.
Contudo, o fim da década de 1950, marca nas artes visuais o fenecimento da preeminência da
arte abstrata e concreta no contexto artístico internacional. No Brasil, segundo Daisy Alvarado (1999), a pro-
dução plástico-visual do grupo neoconcreto do Rio de Janeiro começa a perder forças. Esta tendência deu
origem não só à volta da figuração na produção artística visual, como à ruptura promovida pelos artistas
Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape. Em ocasião da execução da performance “Parangolé”, de Hélio Oitici-
ca, o crítico de arte Mário Pedrosa escreveu ao Correio da Manhã, em 26/06/1966, uma crítica denominada
Arte ambiental, arte pós-moderna, Hélio Oiticica, em que analisa:
Hoje, em que chegamos ao fim do que se chamou de “arte moderna” [...], os critérios de
juízo para a apreciação já não são os mesmos que se formaram desde então, fundados
na experiência do cubismo. Estamos agora em outro ciclo, que não é mais puramente
artístico, mas cultural, radicalmente diferente do anterior, e iniciado, digamos, pela pop
art. A esse novo ciclo de vocação antiarte chamaria de “arte pós-moderna”. [grifo nosso]
A década de 1960 foi de intensa transformação cultural no contexto brasileiro. Os cariocas desen-
volveram um projeto nacionalista com base fenomenológica, relacionando arte e existência, com investiga-
ções às sensações táteis e olfativas do corpo existencial. O campo das artes visuais se expandiu, como re-
flete Fernando Cocchiarale (2005) e, em meio à heterogeneidade artística a partir de então, haveria apenas
um denominador comum: a busca de reaproximar a arte com a vivência do público.
É evidente que essas transformações não são questões pontuais das artes e, como relatou Pe-
drosa, tratou-se de um fenômeno cultural. Elas são resultantes da crise de princípios estabelecidos desde
o início da arte moderna impulsionada por reflexões após o segundo pós-guerra, como a separação entre
o público e privado, a hiperespecialização de atividades profissionais em campos de conhecimento sepa-

206
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

rados, a distinção entre objetividade e subjetividade. Em contraponto, Cocchiarale (2005) descreve que
outros princípios passam a ser estabelecidos, como o trabalho interdisciplinar, a fragmentação da ideia de
indivíduo em diversas identidades, e a reaproximação da arte com a vida. Alguns teóricos da arte passam a
nomear esse período como o momento de ruptura entre o moderno e o contemporâneo, tais como Anne
Cauquelin (2005).
A partir de então, a arte passa a não ser mais caracterizada por seu conteúdo estético (formas,
visões, interpretações da realidade, maneiras ou estilo), e sim por uma questão de continente, ou seja, o lo-
cal que vincula a sua exibição, como expõe Cauquelin (2005). Surge assim a tendência da arte pública, cujo
continente é a cidade, e que busca aproximar a obra à vivência do público. Cauquelin reflete: Se o discurso
é constitutivo da obra, o espaço em que esse discurso é apresentado passa a ser um componente essencial
dela. Trabalhar esse local torna-se um imperativo [...] (CAUQUELIN, 2005, p. 137).
O próprio Roberto Burle Marx era um veemente defensor do acesso do público à arte, bem como
à arte popular, mas que esse acesso não fosse apenas físico, e sim principalmente compreendido. Defendia
ele que [...] a arte não fique elitista. Apesar de trabalhar diretamente com as classes sociais mais abastadas
e com os órgãos detentores do poder, sua intenção era que, através deles, sua arte pudesse ser acessível
às camadas mais humildes da sociedade, e assim sensibilizá-la e educá-la. Levar sua linguagem pictórica
abstrata para o desenho de piso significava torná-la franca a todos os habitantes, mesmo aqueles que não
possuíssem condições de frequentar os museus e exposições ou morar na favorecida Avenida Atlântica; o
museu agora seria a própria Praia de Copacabana, cartão portal da cidade do Rio de Janeiro.
A posição do indivíduo foi então redefinida no paisagismo executado pela equipe do escritório
Burle Marx e Cia, passando a não ser apenas um contemplador da paisagem criada, e sim um participador
aberto a um novo comportamento que o conduzisse ao “exercício experimental da liberdade”, como havia
sido definido o contexto por Mario Pedrosa. É a passagem do caráter contemplativo para um paisagismo
que afeta comportamentos, de dimensão ética, social e política. Com isso, Burle Marx aspirava à superação
de uma arte elitista, condicionante e intelectualizada, rumo à derrubada de preconceitos sociais. Dissol-
vem-se assim as fronteiras entre artes visuais e paisagismo, entre o paisagismo e o espectador.
Nesta perspectiva, os jardins produzidos pela equipe do escritório a partir dos anos 1970 passam
a requerer sua autonomia perante a paisagem, conferindo significado e caráter ao lugar em que estão inse-
ridos, e contribuindo para o desenho da cidade (SANTOS, 1999). Tal preocupação passa a ser recorrente e,
mesmo sem invalidar o repertório formal já estabelecido, pode ser atribuída como a inclusão de um novo
princípio projetual que busca interpretar os significados da paisagem, decifrando o “espírito do lugar”.

207
Jardins históricos

O conceito do genius loci, ou espírito do lugar, foi retomado pela teoria da arquitetura a partir
dos anos 1960, em reação à postura modernista de ruptura com a tradição historicista ou simbólica como
princípio projetual para a concepção. Dentre os teóricos que defendem esse pensamento, destaca-se o
arquiteto norueguês Christian Norberg-Schulz, o qual reflete que a natureza é uma totalidade, entretanto
um lugar [...] de acordo com as circunstancias locais, possui uma identidade peculiar (NORBERG-SCHULZ in
NESBITT, 2008, p.448).
Nesse sentido, ainda segundo Norberg-Schulz, toda paisagem possui identidade e é subordinada
ao meio ambiente em que se encontra, relacionando com isso as ações antrópicas especificamente ao seu
respectivo meio físico e biológico, ou seja, ao sítio natural determinado. Visto dessa maneira, o espírito do
lugar remete à ideia de um sítio ao qual é atribuído significado por um grupo social, tornando-se assim um
lugar simbólico, cujo caráter é entendido como uma das suas características fundamentais.
Seguindo esse pensamento, o caráter da intervenção da equipe do escritório Burle Marx e Cia.
também se modifica, dando prioridade a espaços multifuncionais que acompanham a dinâmica das ci-
dades. Surgem assim passeios em esplanadas, que se adaptam às diversas necessidades, sem, contudo,
abstrair da função contemplativa proporcionada pelo ajardinamento que continua a priorizar a flora nativa,
bem como pelos espelhos d’água e o mobiliário detalhadamente pensados. Como exemplos da produção
do escritório Burle Marx e Cia tem-se a concepção do Largo da Carioca - RJ, (1981-1985) (Il. 4), do Edifício
Sede do Banco Safra- SP (1983), e o Biscayne Boulevard - EUA (1988). (Il. 4).
Na década de 1980, já sem a presença de José Tabacow, Haruyoshi Ono descreveu em entrevista
concedida que desenvolvia, sozinho e auxiliado por colaboradores, grande parte dos trabalhos solicitados
ao escritório, tendo liberdade para projetar de acordo com os princípios de Burle Marx. A partir deste perí-
odo, além de supervisionar tais trabalhos, Burle Marx se dedicou mais frequentemente a tornar conhecidas
as suas ideias através das conferências que realizava pelo mundo, às diversas atividades como artista e às
suas coleções botânicas presentes no Sítio Burle Marx, local de sua residência em Barra de Guaratiba, Rio
de Janeiro. Após o falecimento de Burle Marx em 1994, Ono tornou-se seu herdeiro profissional e passou a
Diretor Geral e sócio majoritário do escritório Burle Marx e Cia (FERREIRA, 2012).

Considerações finais
O valor, a eficácia e a existência do discurso do Jardim Moderno de Burle Marx não são disso-
ciáveis de sua representatividade; porém, duas problemáticas merecem atenção: primeiro, convém não
confundir o discurso do jardim moderno de Roberto Burle Marx com sua obra. Ao longo da trajetória do pai-

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il 4 – Largo da Carioca - RJ (1981-1985). R.


Burle Marx e H. Ono. Foto: Fernando Ono
(2011).

sagista, houve adequações, seleções, organizações e redistribuições da tipologia, as quais caracterizaram


diferentes limiares e limites. Desta forma, o discurso não foi homogêneo nem linear, possuindo recortes de
limiares específicos entre sua gênese - estruturação -, momento em que atingiu uma cientificidade, etapas
de evolução linguística, até seu limite. A instância do sujeito criador, enquanto razão de ser da obra de Burle
Marx, não responde como princípio de unidade de tal discurso.
Um segundo ponto relevante é a colaboração de Haruyoshi Ono. Salvo por algumas exceções, até
hoje sua contribuição foi pouco estudada. Como o próprio Ono relatou em entrevista concedida, no ano de
2011: talvez de tanto tentar traduzir seus desenhos eu tenha incorporado isso, e muita coisa minha deve ter
passado também (FERREIRA, 2012, p. 40-41). Ele se situa num domínio participante da construção desta
prática discursiva. Portanto, não é demasiado dizer que na função de Diretor de Projetos do escritório Burle
Marx e Cia, Ono tornou-se também sujeito do discurso e, por isso, recebeu a incumbência de ser o continu-
ador dos saberes construídos por Roberto Burle Marx, herdeiro e guardião de sua memória.
O discurso do jardim moderno de Roberto Burle Marx foi criado num momento em que os enun-
ciados fundamentais de higiene, educação e arte faziam parte do contexto nacional e internacional. Contu-
do, ao longo do tempo, mudanças ocorreram e conduziram a outras visões de mundo, outras concepções

209
Jardins históricos

filosóficas. E o paisagismo produzido pelo escritório Burle Marx e Cia não ficou alheio a este novo contexto,
mostrando transformações na forma de pensar o projeto.
Desta forma, é possível dizer que o marco representado pela criação do Passeio de Copacabana
não é apenas uma nova configuração dentro de um mesmo discurso. Admite-se, todavia, que não se trata
de uma ruptura, e sim que se controverte num limite desse discurso, com a passagem para uma tipologia de
jardim contemporâneo. O que determina tal marco é a mudança nos enunciados do discurso ou, em outras
palavras, os próprios princípios projetuais.
O principal atributo do modo de fazer paisagismo, a partir deste momento, é configurar uma con-
cepção fenomenológica em atenção aos significados da paisagem e ao espírito do lugar, numa adaptação às
novas dinâmicas da cidade, pela sua necessidade de espaços multifuncionais, de identidade da paisagem,
de conexão e arte vivenciada no espaço público; contudo, sem abstrair do compromisso do paisagismo com
o meio ambiente, ou seja, priorizando a especificação da vegetação nativa.
Esse marco não invalidou que a tipologia do jardim moderno eventualmente continuasse a ser
executada, porém, sua mudança foi concedida por seu criador antes mesmo do momento em que ele não
estivesse mais apto a proferi-lo. Hoje se trata de um patrimônio cultural do Brasil e do mundo, presente na
materialidade das cidades e na imaterialidade do seu modo de fazer, que ficou como legado para as futuras
gerações e, como tal, deve e merece ser preservado. Desta forma, a função de continuador do discurso do
jardim moderno de Burle Marx, e de tantos outros que fazem parte da história do paisagismo brasileiro,
cabe a todos os profissionais envolvidos nesse campo, seja pela pesquisa, pela docência ou pela prática da
conservação.

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211
Jardins históricos

212
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

EIXO TEMÁTICO II
Processos de gestão de jardins históricos e espaços
paisagísticos na cidade contemporânea

213
Jardins históricos

O crescimento das cidades e de suas populações gera


muitas consequências para a paisagem, sobretudo pelo
comprometimento dos recursos naturais e o desempenho
ecológico. Apesar do atual reconhecimento da importância das
áreas verdes para os centros urbanos, sua presença e parâmetros
ainda são muitas vezes negligenciados ou subestimados.
A fim de compreender os processos de transformação dos
espaços vegetados para valorizar a conservação ambiental e
a manutenção desses locais, em paralelo às possibilidades e
especificidades de jardins botânicos, o objetivo central deste
artigo é apresentar a história da área verde denominada Mata
do Krambeck, que engloba uma Área de Proteção Ambiental e o
Jardim Botânico da Universidade Federal de Juiz de Fora. Trata-
se de uma análise do processo de formação desse importante
espaço urbano e da evidenciação de sua relevância ambiental e
social como floresta urbana. A partir de uma revisão de literatura,
que percorre os sentidos e as possibilidades contemporâneas
para áreas de interesse ecológico e paisagístico, apresentam-se
dados referentes a documentos e entrevistas que possibilitam
remontar o processo de produção da área de estudo. Ao final,
verificou-se que a Mata do Krambeck tem sua história baseada
no empenho da família Krambeck em reflorestar a área desde o
início do século 20 e isso hoje se traduz como de forte impacto
sobre a malha urbana do município. As propriedades que
formaram a grande área verde são remanescentes das primeiras
fazendas a se instalarem na região e hoje estão reunidas sob a
titularidade da Universidade Federal de Juiz de Fora, que está
em vias de finalizar a construção de Jardim Botânico, o que
enfatizará a vocação deste espaço para a pesquisa e a educação
ambiental, além dos benefícios que proporcionará à cidade
como uma grande área verde de acesso público.

Palavras-chave: Mata do Krambeck; Jardim Botânico; Área verde


urbana; Paisagem urbana.

214
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Formação da mata do Krambeck e do jardim


botânico da Universidade Federal de Juiz de
Fora/MG – Lucas Cruz
Lucas Cruz | Frederico Braida | Antonio Colchete

ÁREAS VERDES E ESPAÇO URBANO

O
ser humano, desde sempre, tem alterado o
meio ambiente para torná-lo mais apropriado
às suas necessidades. Dentre as diversas formas
de atuação sobre a natureza, destaca-se a urbanização.
Assim, o resultado mais evidente do aumento da
população humana e do crescimento das cidades é
a transformação das paisagens naturais através do
desmatamento da vegetação nativa. Essa ação resulta
em fragmentos verdes, dispersos na malha urbana,
com pequenas dimensões e circundados por barreiras
físicas que impedem a difusão da fauna e flora, gerando
alterações nas condições microclimáticas (FONSECA;
CARVALHO, 2012). Contudo, mesmo as áreas verdes
urbanas de menor escala, além de vários serviços
ambientais e ecológicos, proporcionam importantes
benefícios sociais e psicológicos para as sociedades, que
enriquecem seu cotidiano com significados e emoções
(THOMPSON, 2002).

215
Jardins históricos

Apesar do reconhecimentodo papel que a vegetação exerce para os centros urbanos, e de


suas características serem consideradas indicadores para o estudo da qualidade ambiental nas cidades,
a presença de áreas verdes, seu histórico e parâmetros qualitativos têm sido elementos negligenciados
no desenvolvimento dos conglomerados humanos (BARGOS; MATIAS, 2012). Em paralelo, atualmente, há
a valorização da presença da vegetação nos centros urbanos, pelo reconhecimento dos benefícios que
promove (BONAMETTI, 2001). Para Carvalho (1982), o crescimento desordenado das cidades brasileiras
e a apropriação indiscriminada dos recursos naturais forneceram insumos para a discussão sobre o tema
das áreas verdes, bem como atentam para as consequências geradas pela ausência de um planejamento
urbano mais comprometido com os atributos ecológicos, estéticos e sociais da vegetação como componente
necessário ao espaço urbano, como potenciais elementos estruturadores das cidades.
Atualmente, encontramos várias escalas de áreas verdes convivendo e se relacionando de formas
distintas com a paisagem e com o sítio urbano onde estão inseridas. As variações de escala aplicam-se
também às características de cada cidade, sejam elas sociais, econômicas, ou espaciais (MASCARÓ,
2008). Paiva e Gonçalves (2002) ressaltam que esses espaços verdes urbanos precisam ser utilizados
com objetivos sociais, ecológicos, científicos e culturais para que sejam reconhecidos pela população, e,
assim, devidamente mantidos. Faria (2005) salienta que a prática do paisagismo e do planeamento bem
desempenhados potencializam a preservação da natureza, favorecendo sua manutenção e formação de
habitats próprios para o ecossistema que participam. Além disso, atuam na melhoria da qualidade da
paisagem urbana.
Segundo Milano (1988), é necessária a adoção de práticas sistematizadas de manutenção para
que as áreas verdes cumpram com as suas funções no meio urbano e se conservem em estado adequado
e sadio. Tais locais, normalmente, contam com um plano diretor ou de manejo que deve orientar seus
usos. De acordo com McHarg (1969), a conservação desses espaços e da natureza como um todo, resulta
não só no ganho em qualidade de vida das populações, como também na valorização das características
do meio físico e da paisagem. Munford (1982) enfatiza, também, que a preservação dos espaços naturais é
vital em todas as comunidades urbanas para não se perder a relação ecológica entre a cidade o ambiente
preservado.
Dentre as muitas possibilidades de espaços verdes, os Jardins Botânicos se destacam na história
das cidades. Segundo Bovo e Conrado (2012), os jardins públicos voltados para o lazer e efetivamente
representativos como elemento da paisagem urbana se popularizam no Brasil no início do século XIX, com
a chegada da família real ao Brasil em 1808, e, principalmente, com a fundação do Jardim Botânico do Rio

216
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

de Janeiro, pelo então Príncipe Regente Dom João VI. O local foi transformado no decorrer do século XIX
em um parque público, baseado nas características dos jardins ingleses. Essa modificação no propósito
dos Jardins Botânicos foi geral, partindo de interesses científicos e econômicos de aclimatação de espécies
exóticas ou para agricultura e culminando em lugar de passeio para a população (SEGAWA, 2010).
Na cidade de Juiz de Fora, há espaços verdes de grande interesse paisagístico e cultural, presentes
no imaginário da população (COLCHETE FILHO; PEDROSO; BRAIDA, 2014), mas nenhum Jardim Botânico
ou área de verde de grande porte com uso público tão específico. A floresta urbana denominada Mata do
Krambeck está situada na cidade de Juiz de Fora, que é a maior e mais populosa cidade da mesorregião da
Zona da Mata Mineira, com uma população estimada de 555 mil habitantes, segundo dados do IBGE, de
2015, e reconhecido como um dos principais centros regionais do estado de Minas Gerais.
Parte de seu território configura uma Área de Proteção Ambiental (APA) e outra parcela foi
adquirida pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) para uso como Jardim Botânico. O conjunto
arbóreo da unidade de conservação possui área de 292,9 hectares; tem parte confrontante ao Rio Paraibuna
e é um dos remanescentes florestais em área urbana do município. Grande parte da vegetação encontra-se
em estágio avançado de regeneração, com presença de diversas espécies ameaçadas de extinção. A Mata
do Krambeck é representada por uma vegetação secundária das comunidades vegetais originais (RABELO;
MAGALHÃES, 2011).(Il. 1)
Logo, tendo em vista a construção teórica que envolve a presença, importância e manutenção de
áreas verdes urbanas, aliadas às possibilidades e especificidades de Jardins Botânicos, o objetivo deste artigo
é apresentar a história dessa área e sua relação com a cidade de Juiz de Fora, com intuito de demonstrar a
formação do espaço e contribuir para o entendimento de sua relevância ambiental e urbana.
Este trabalho é oriundo da pesquisa desenvolvida pelos autores para o mestrado em Ambiente
Construído da Universidade Federal de Juiz de Fora (PROAC), que destacou os agentes e momentos
históricos relevantes para a preservação e formação atual da mata, além da consequente destinação de
parte de seu território para implantação de um Jardim Botânico. Tratou-se de uma pesquisa de caráter
documental e bibliográfico, cujo foco foi a investigação de acontecimentos passados, períodos de formação
e modificações para uma melhor compreensão do papel que o objeto de estudo desempenha atualmente
na sociedade.
Para incrementar a discussão em torno do espaço estudado e das dinâmicas que o regem, foi
realizada uma entrevista com a herdeira da família Krambeck e ex-proprietária dos sítios, Anna Elisa Surerus,
no dia 18 de janeiro de 2016, em seu escritório. A entrevista foi desenvolvida de modo semiestruturado,

217
Jardins históricos

Il. 1 – Delimitações da APA Mata do Krambeck e do Jardim Botânico da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Fonte: CRUZ (2016, p. 19).

218
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 2 - Limites Sítios Retiro Velho, Retiro Novo e Malícia.


Fonte: Disponível em: <http://pt.slideshare.net/dexgeo/krambeck-localizao-novo?related=1>.
Acesso em: 8.dez. 2014.

219
Jardins históricos

deixando espaço para que a entrevistada pudesse se estender sobre outros aspectos que lhe parecessem
relevantes. Os dados levantados foram articulados com documentos, processos e fontes que tratam da
história da cidade, que foram sintetizados na dissertação de mestrado de Cruz (2016), de onde este texto
é oriundo.

A MATA ORIGINAL E SUAS TRANSFORMAÇÕES PARA A PRODUÇÃO


ECONÔMICA
A área que engloba a atual APA Mata do Krambeckfoi definida pela lei Lei nº 10.943, de 27 de
novembro de 1992, e retificada pela Lei nº 11.336, de 21 de dezembro de 1993 (PALÁCIO DO PLANALTO,
2015), com aproximadamente 292,9 hectares, compostos originalmente pelos sítios denominados Retiro
Velho e Retiro Novo, junto à área do atual Jardim Botânico da UFJF, anteriormente Sítio Malícia, com 85,25
hectares.
A representatividade espacial da área de estudo está diretamente ligada à sua escala e visadas
do seu conjunto botânico denso e extenso às margens do Rio Paraibuna, principal e maior curso d’água
da cidade de Juiz de Fora. A Mata do Krambeck é margeada por bairros com diferentes perfis sociais e de
ocupação, além de propriedades particulares e de posse institucionais, como Exército Brasileiro e a Polícia
Militar, que fazem dela uma região rica em contrastes urbanos e com um significado e representatividade
fortes no município.

Il. 03 – Vista do conjunto arbóreo da APA


Mata do Krambeck e do Jardim Botânico da
UFJF.
Disponível em: <http://www.ufjf.br/se-
com/2010/06/22/marco-de-aquisicao-do-
jardim-botanico-e-implantado-e-area-fica-
ra-aberta-por-30-dias/>. Acesso em: 5 dez.
2014.

220
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

A área de estudo abriga grande carga e significados históricos, por sua localização e alterações
ao longo do tempo e da consolidação da ocupação humana na região da Zona da Mata Mineira, que,
durante dois séculos a partir da colonização do Brasil, permaneceu intocada e designada como uma área
proibida. Sua preservação era utilizada pelo governo de Portugal como forma de criar uma barreira natural
que impedisse o acesso à riqueza das Minas Gerais, concentrada à época nos arredores da atual cidade de
Ouro Preto, que vivia intensas atividades de extração de minérios durante o período da história que ficou
conhecido como “Ciclo do Ouro” (DILLY, 2004).
No período anterior à colonização, a Zona da Mata era habitada por uma significativa população
indígena. A exploração de suas florestas, e, consequentemente, do bioma da Mata Atlântica, também foi tardia,
devido ao insucesso dos exploradores da Coroa Portuguesa em encontrarem ouro na região (BARROS, 2005).
Utilizando antigas trilhas feitas pelos índios Guaianás, os bandeirantes vindos do litoral paulista
abriram o chamado “Caminho Velho” para chegar à região mineradora do estado, ligando a atual cidade
de Paraty a Ouro Preto. O percurso sinuoso entre montanhas facilitava a ação de saqueadores e provocada
constantes prejuízos. Em 1698, o bandeirante Garcia Rodrigues Paes Leme recebeu a incumbência de abrir
uma nova conexão entre o Rio de Janeiro e as minas de ouro. Assim surgiu o “Caminho Novo”, reduzindo
o tempo de viagem para pelo menos um mês a menos que no “Caminho Velho”, aumentando a segurança
dos viajantes e a capacidade de controle da rota pela Coroa Portuguesa.
Para esse fim, foram montados postos de fiscalização ao longo do percurso. Nesses locais de
registro, parada e das roças deixadas ao longo do trajeto como recurso logístico, formaram-se os primeiros
povoados da região. A concessão de sesmarias por parte da Coroa Portuguesa também impulsionou a
fixação das comunidades. Em 1710, uma delas foi cedida a João de Oliveira, secretário do então governador
Antônio de Albuquerque. Essas terras, cortadas pelo Rio Paraibuna, hoje constituem boa parte da cidade de
Juiz de Fora (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA, 2013).
Após passar por vários proprietários, a fazenda chegou às mãos de Antônio Dias Tostes, em 1812.
Ele fez fortuna na região ao adquirir terras, loteá-las e vendê-las com financiamentos a juros altos. Ao
falecer, a fazenda foi transmitida aos 12 filhos do primeiro casamento de Dias Tostes, com Anna Maria
do Sacramento, falecida em 1833, que imediatamente tomaram posse e colaboraram com o processo de
ocupação (FAZOLATTO, 2001). Segundo Oliveira (1966), a propriedade, batizada de Fazenda do Alcaide-mor
(ou Fazenda do Juiz de Fora), veio a chamar-se Fazenda da Tapera, e foi desmembrada e vendida nos anos
seguintes. Lessa (1985) cita 1829 como o ano que os herdeiros solicitaram ao judiciário a partilha amigável
das terras cultiváveis que estavam sendo usadas sem delimitações.

221
Jardins históricos

Antes de prosseguir com a cronologia do espaço de estudo, é valido destacar o agente decisivo
para a formação e reestruturação da floresta urbana, dada sua dedicação em reflorestar o espaço, Detlef
Krambeck e sua família. Por volta de 1872, Detlef, que imigrou da Alemanha em 1852 aos dois anos de
idade, fixou-se em Juiz de Fora. Vindo do estado do Rio de Janeiro, casou-se e teve oito filhos. Ele abriu
uma oficina de reparos e confecção de rodas para carruagens, porém seus negócios foram impactados pela
chegada da linha férrea na cidade e quase extinção do transporte por diligências na região. Assim, decidiu
investir em outro ramo e, em 1882, adquiriu do padrasto uma pequena empresa para curtir couros, da qual
já era sócio, e que passou a se chamar Curtume Krambeck, em 1885(SURERUS, 2016).
Ainda segundo a descendente de Detlef, em 1901, ele adquiriu o Sítio do Retiro Novo, um dos
terrenos que resultaram do desmembramento da Fazenda da Tapera. A propriedade já havia sofrido com
o desmatamento e era composta de plantações de café e hortaliças, além da criação de galinhas e gado.
Sua intenção foi investir no local como forma de aumentar seu patrimônio e utilizá-lo como apoio logístico
ao curtume para plantação de acácias negras (Acacia decurren), cuja casca é rica em tanino, composto
utilizado no curtimento de couros. Detlef faleceu em 1912 e seus herdeiros assumiram as responsabilidades,
adquirindo, em 1924, o terreno do Sítio Retiro Velho. Diante do insucesso do cultivo das árvores exóticas,
os proprietários se dedicaram-se ao cultivo de espécies nativas e reflorestamento. De educação luterana,
seus filhos, em especial Pedro Krambeck, cultivavam um forte ideal de preservação da natureza. Pedro
plantou mudas de árvores frutíferas e ornamentais e proibiu a caça e o corte de fragmentos de floresta
remanescentes nas suas propriedades, favorecendo a regeneração da vegetação (LOURES, 1989).
O local do atualmente chamado Sítio Malícia, assim como as outras propriedades já adquiridas
pela família Krambeck, fez parte do desmembramento da Fazenda da Tapera, passando à propriedade de
Ottoni Tristão e sua esposa. Em 1917, o casal realizou uma permuta com João Nunes Lima, que, por sua vez,
em 1925, o vendeu ao Coronel Manoel Baptista Pereira, sendo denominado de “Quinta de Santo Antônio”.
Em 1928, o Coronel permutou o terreno com Horácio de Souza, que o vendeu no mesmo ano, para José
Soares de Azevedo, já destituído de vegetação. Em seguida, José Soares de Azevedo lançou um loteamento
chamado “Villa Santo Antonio”, com 383 lotes residenciais. Diante da proximidade de habitações que
poderiam degradar a floresta, em 1938, Pedro Krambeck, através do Curtume Krambeck, comprou o Sítio
Malícia e vários terrenos do loteamento, a fim de preservar a área adjacente às suas propriedades e ali
instalar residência, construída dois anos depois (SURERUS, 2016).
A dedicação ao reflorestamento e paisagismo por parte dos proprietários foi crucial para a futura
implantação do Jardim Botânico da UFJF. A partir desse momento, a prática preservacionista permite que a

222
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

floresta se recupere e se consolide, constituindo um ambiente propício à pesquisa científica, conservação


e atividades culturais.

A MATA COMO ATRIBUTO URBANO DE INTERESSE IMOBILIÁRIO


O período posterior à acomodação da família Krambeck no sítio Malícia, apesar da atitude
protecionista da família, inclui acontecimentos que testaram tanto a capacidade de resiliência ambiental
quanto a resistência aos avanços urbanos nas proximidades do local de estudo.
De acordo com Brasil (2013), a cidade de Juiz de Fora convivia constantemente com inundações
do Rio Paraibuna que provocavam muitos estragos, inclusive ao Curtume Krambeck, que em 1906 chegou a
quase ser submerso em um desses episódios. Planos de contingência que envolviam a alteração do traçado
do rio foram desenvolvidos até que, em 1943, concluiu-se o “Plano de defesa de Juiz de Fora contra as
inundações do Paraibuna”. Assim, o curso do rio foi modificado no perímetro urbano através de ações que
incluíram dragagem do leito, retirada de rochas, escavações, aterros, contenção de margens, reconstrução
e alargamento de pontes, desvio de rodovias e desapropriações. A princípio, a obra limitou-se a um trecho
nas proximidades da Mata do Krambeck, mas acabou prosseguindo até a Zona Norte da cidade.
Anos mais tarde, por volta de 1974, foi necessário passar com linhas de transmissão de energia
pela área de floresta, algo que a família não permitia devido ao corte da vegetação para a colocação das
torres. A Justiça Federal precisou intervir para que a concessionária de energia as instalasse. A linha foi
desativada posteriormente, e a floresta se regenerou (SURERUS, 2016).
O mais visível reflexo da Mata do Krambeck no traçado urbano é a interrupção da Avenida Brasil,
que tem seu percurso às margens do Rio Paraibuna. Sua construção foi concomitante aos processos de
retificação do curso d’água, porém, por iniciativa dos proprietários e por questões de interesse público,
a obra não avançou nos terrenos da Mata, o que gerou consequências tanto na distribuição da ocupação
quanto no traçado das ruas da cidade. Contudo, a não continuação da avenida favoreceu a preservação da
floresta e sua estabilidade como ecossistema ao manter afastada a movimentação de pessoas e veículos e
um possível arruamento e loteamento de parte da área verde urbana (CRUZ, 2016).
Em 1984, o Instituto de Pesquisa e Planejamento (IPPLAN) de Juiz de Fora catalogou a área como de
interesse para extração de areia quartzosa. Entretanto, levantamentos apontaram a qualidade da vegetação
e a classificaram como resquícios de Mata Atlântica e floresta secundária. O projeto foi arquivado, e, nesse
momento, a Mata do Krambeck ganhou atenção como uma área verde importante para a manutenção do
meio ambiente de Juiz de Fora (LOURES, 1989).

223
Jardins históricos

Tal destaque fez com que, em 27 de novembro de 1992, através da lei n° 10.943, fosse criada a
Área de Proteção Ambiental (APA) Mata do Krambeck, englobando os territórios dos Sítios Retiro Novo,
Retiro Velho e Malícia, em aproximadamente 374 hectares. Em 21 de Dezembro de 1993, a lei n° 11.336
alterou o texto anterior que instituiu a APA, retirando a parcela referente ao Sítio Malícia. A alteração foi feita
por considerar que a regeneração da floresta não encontrava-se em estágio que justificasse sua inclusão
na unidade de conservação. Além disso, houve solicitação por parte dos proprietários junto a Assembleia
Legislativa de Minas Gerais devido a incoerências no texto da primeira lei.
A responsabilidade sobre a administração do Sítio Malícia voltou a seus proprietários até que,
em 2001, um grupo de empresários comprou o local e, em 2003, deu início ao processo de licenciamento
ambiental para a construção de um condomínio fechado. Silva, Fernandes e Cristóvão (2011) falam sobre
a implantação do chamado Condomínio Residencial Parque Brasil. Os investidores pretendiam utilizar
34,07 hectares para os lotes, e o restante seria direcionado à preservação da vegetação, com cerca de 40%
transformados em uma RPPN e 60% destinados a áreas de recuperação ambiental e APPs. Inicialmente,
foram propostos 90 lotes, porém, por orientação do Instituto Estadual de Florestas, passou à marcação de
apenas 72 lotes, devido à presença considerável de indivíduos da espécie em extinção conhecida como
palmito Jussara (Euterpe edulis). O processo de licenciamento solicitado ao município passou a tramitar na
jurisdição municipal e estadual, com o intuito de minimizar possíveis danos à APA Krambeck. Em 2006, foi
concedida a Licença Prévia ao empreendimento, o que gerou forte oposição por parte de organizações civis
públicas e organizações não governamentais (ONGs).
De acordo com Surerus (2016), a proposta do condomínio formou grupos favoráveis e contrários
ao empreendimento. Pareceres de órgãos ambientais sustentaram a falta de determinado estrato florestal
na vegetação da área em questão, descaracterizando-a como bioma atlântico, o que justificaria parte da
intervenção. Após reviravoltas e polêmicas, o assunto alcançou as esferas estadual e federal. Até que a UFJF,
em 2007, anunciou a compra do Sítio Malícia para a criação de um Jardim Botânico.
Em agosto de 2009, foi assinado protocolo de intenção de compra da área e, em março de 2010,
o então reitor da UFJF, Henrique Duque, assinou a escritura, passando a propriedade em definitivo para
a universidade. Assim, os projetos para implantação do Jardim Botânico tiveram início e as polêmicas
encerraram-se com o reconhecimento oficial da importância do local para a pesquisa e preservação do
meio ambiente (UFJF, 2010).
Porém, o local ainda sofre com ameaças devido a grande oferta de espaços livres sem vegetação,
passíveis de urbanização no seu entorno. Além disso, a oferta de grandes lotes na margem oposta do

224
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Rio Paraibuna e a possibilidade de instalação de grandes comércios e indústrias, chamam atenção para
possíveis danos à floresta urbana em curto e médio prazo (CRUZ, 2016).

Il. 4 – Regiões de possível interesse imobiliário no entorno da Mata do Krambeck.


Fonte: CRUZ (2016, p. 93).

225
Jardins históricos

A MATA COMO ATRIBUTO ECOLÓGICO DE INTERESSE CULTURAL


Até o momento da conclusão deste trabalho, a implantação do Jardim Botânico da UFJF,
encontrava-se em estágio de finalização, com inauguração prevista ainda para o ano de 2016, oferecendo à
sociedade um centro de educação ambiental, laboratórios, coleções botânicas, teleférico e outras estruturas
de pesquisa, conservação e turismo.
O espaço tem por finalidade a promoção de atividades que reforcem os princípios conservacionistas
através da pesquisa e conhecimentos do que há preservado no Jardim Botânico, além da promoção de
eventos de educação ambiental que aproximem a comunidade e promovam a valorização do espaço. O Jardim
apresenta objetivos relativos à sua operação, a saber: catalogar as coleções de espécies vegetais presente na
área, mantendo reservas genéticas; produzir mudas de espécies nativas destinadas a recuperação de áreas
degradadas; ser um depósito de espécies de coleções catalogadas; incentivo à pesquisa e desenvolvimento
de trabalhos acadêmicos destinados a preservação, conservação, restauração e educação ambiental;
promover a interface científica entre a academia, o público visitante e instituições envolvidas, a fim de
partilhar trabalhos e conhecimento acerca do Jardim Botânico e concepções conservacionistas; realizar
ações e eventos relativos à educação ambiental, cultura e lazer; capacitar recursos humanos mediante
cursos, estágios e atividades afins e desenvolver captação de recursos públicos e privados para manutenção
do Jardim Botânico (SILVA, FERNANDES e CRISTÓVÃO, 2011)

Il. 5 – Interior do Jardim Botânico da UFJF.


Fonte: Disponível em: <http://www.ufjf.br/se-
com/2014/09/19/com-obras-em-andamento-jardim
-botanico-recebe-visita-de-profissionais-de-meio-am-
biente/>.
Acesso em: 5 dez. 2015.

226
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Considerações gerais
A importância da vegetação nos centros urbanos como elementos da composição da paisagem,
estruturadoras do espaço e geradoras de identidade só foi reconhecida, timidamente, após séculos de
devastação, e diante dos problemas já causados pela supressão vegetal nas cidades.
Em Juiz de Fora, as áreas verdes encontram-se atualmente fragmentadas e, em sua maioria, com
pequenas extensões, necessitando de maior atenção do poder público. A Mata do Krambeck e o Jardim
Botânico da UFJF configuram uma grande e importante área verde urbana, que serve de refúgio para espécies
e promove benefícios ambientais. Os desdobramentos na história do local e as ações conservacionistas da
família Krambeck demonstram o efeito de causa e consequência que tornaram possível sua existência.
A ocupação residencial do entorno denota cuidados em relação ao acesso de indivíduos não
autorizados, como caçadores, na Área de Proteção Ambiental, além da possível utilização do perímetro da
Mata para área de uso residencial. Espécies vegetais raras e valiosas, minerais e outros recursos da floresta
também podem provocar o interesse de terceiros. Tais preocupações devem ser consideradas nos planos
de ações para garantir a segurança e a preservação, principalmente para evitar invasões e assentamentos
irregulares em áreas com pouca fiscalização.
O incentivo à pesquisa científica na Mata do Krambeck e na área do Jardim Botânico da UFJF é
imperativo, pois somente dessa forma as ações de manutenção necessárias podem ser implantadas com
embasamento e os resultados apresentarem os rendimentos esperados, fortalecendo a representatividade
singular desta mata no contexto da cidade de Juiz de Fora e para uso da população urbana.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

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229
Jardins históricos

Este trabalho visa compreender as perspectivas culturais e


patrimoniais de um dos principais legados do reinado de D. João
VI – O Jardim Botânico, o mais famoso jardim histórico do Brasil.
Como com a chegada da corte, o Rio de Janeiro foi afetado, desde
a sua urbanização até a vida sociocultural da então colônia,
chegando a utilização do parque como um meio de pesquisa,
desenvolvimento e apropriação na vida contemporânea. Será
trazido à tona o contexto histórico, desde a chegada de D. João
VI, elucidando a criação do jardim privado com seus objetivos
e impactos à época, passando pela abertura do jardim privado
para o público, tornando-se assim o atual Jardim Botânico.
Contextualizaremos as mudanças urbanas que foram necessárias
para a implantação do mesmo, exemplificando as alterações da
paisagem na Lagoa Rodrigo de Freitas e do atual bairro do Jardim
Botânico. Demonstraremos o impacto sociocultural na época de
sua construção e qual o legado patrimonial para a cidade do Rio
de Janeiro.

Palavras Chave: Jardim Botânico, sócio cultural, patrimonial.

230
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

O lugar do jardim histórico na paisagem


brasileira: perspectivas socioculturais e
patrimoniais
Fernanda Matoso Miranda Lins Gouveia

A Chegada de D. João VI

E
m janeiro de 1808, Napoleão Bonaparte estava
prestes a invadir Portugal com suas tropas. Com
condições precárias para enfrentar os franceses D.
João, até então regente de Portugal decidiu transferir
sua corte para o Brasil, sua principal colônia.
Em janeiro de 1808, Napoleão Bonaparte
estava prestes a invadir Portugal com suas tropas. Com
condições precárias para enfrentar os franceses D.
João, até então regente de Portugal decidiu transferir
sua corte para o Brasil, sua principal colônia.
O Brasil era colônia de Portugal desde o
século XVI e capital do vice-reino desde 1793, porém,
até então nenhum rei havia visitado uma de suas
colônias, muito menos mudado para uma delas. Então
de 1808 até 1821, a cidade do Rio de Janeiro foi sede da
monarquia portuguesa.
A estrutura urbana encontrada pela família
real foi em grande parte construída por Luis de

231
Jardins históricos

Vasconcelos e Sousa, que administrou a cidade entre os anos de 1778 e 1790 e foi considerado o autor da
primeira remodelação urbana do Rio de Janeiro e adequou da cidade aos conceitos modernos das capitais
europeias. Sua gestão é conhecida principalmente pela construção do Passeio Público e reurbanização do
Largo do Carmo, expressões da prosperidade da época.

A Expansão da Cidade do Rio de Janeiro


Com a vinda da família Real para o Brasil, o Rio de janeiro ganhou uma nova fisionomia. A cidade,
que até então ficava basicamente restrita ao atual bairro do centro da cidade, mais especificamente até a
rua Uruguaiana, na época rua da Vala começou a se expandir.
Para zelar pela segurança e policiamento da cidade, foi criada, ainda em 1808, a Intendência
de Polícia, encarregada de todos os serviços de melhoria e embelezamento da cidade. Foram também
construídos chafarizes para o abastecimento de agua, pontes, calçadas, estradas e instalada a iluminação
pública. Tais melhorias eram na maioria das vezes contribuições de ricos moradores locais em troca de
títulos de nobreza ou benefícios materiais dados pelo príncipe regente.
As mudanças foram rápidas, e surpreendiam viajantes que passavam pelo Rio de Janeiro e durante
o período de permanência de D. João no Rio de janeiro, dobrou o numero de habitantes, passando de
cerca de 50 mil para 100 mil pessoas. Instalavam-se no Rio, também, representantes diplomáticos, pois
a cidade se tornara a sede do Governo português e com novos serviços sendo prestados surgiram novas
oportunidades de emprego. Demonstrando sua intenção de permanência no Brasil, D João criou o banco
do Brasil, casa da moeda, e um Jardim de aclimação.

O Engenho da Lagoa e a preparação para o recebimento do Jardim de Aclimação


Em 1808 foi decretada a utilização dos terrenos da Fábrica de Pólvora, denominado de Real Horto,
para instalação de um jardim de aclimação de plantas exóticas, inicialmente especiarias vindas do
Oriente e, posteriormente, outras como o chá e a fruta-pão. O local, antes terras do Engenho de Nossa
Senhora da Conceição da Lagoa, havia sido desapropriado por D. João VI.

A Criação do Jardim de Aclimação


Os primeiros jardins botânicos surgiram na Europa, no século XVI, com o intuito de estudar
as plantas medicinais. Por meio do cultivo e da herborização das espécies com potenciais terapêuticos,
buscava-se identificar e comprovar suas propriedades.

232
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Aclimatar uma espécie de planta significa aperfeiçoar o transporte das mudas e sementes, trazidas
de outros continentes, para depois semeá-las.
Com D. João recém-chegado de Portugal, por Decreto de 13 de junho de 1808, o Príncipe-Regente
criou no antigo “Engenho da Lagoa”, espaço com chácaras afastado da cidade, pertencente a Rodrigo de
Freitas, um jardim sob o nome de Real Hôrto, anexo à uma Fábrica de Pólvora estabelecida no antigo
Engenho. O proprietário deste Engenho havia inclusive mandado construir uma capela no local, e este
Jardim de Aclimação, tinha a finalidade de aclimatar as plantas de especiarias oriundas das Índias Orientais.
Em 1809 ocorre o plantio por D. João VI da Palma mater, primeira palmeira imperial do Brasil. (Il. 1 )

Il. 1 - Henschel, Albert, 1827-1882 ([1875]). Rio de Janeiro, RJ.


Fonte: Acervo IMS).

233
Jardins históricos

O Jardim Botânico do Rio de Janeiro iniciou suas atividades, inserido nas orientações elaboradas
anteriormente em Portugal. O primeiro desafio foi aclimatar as chamadas especiarias do Oriente: baunilha,
canela, pimenta e outras. Assim, inicialmente foi um local de experiências com vegetais enviados de outras
províncias portuguesas, além daqueles oriundos do Jardim Botânico La Gabrielle, na Guiana Francesa,
recém-invadida pelas tropas luso-brasileiras. Em 1817 ocorreu a ampliação do Real Horto e mudança do
seu nome para Real Jardim Botânico.
Em 1822, com a independência do Brasil, o jardim Real Horto foi aberto ao público para visitação
levando agora um novo nome: Real Jardim Botânico. Em 1823 é feita a ampliação da área cultivada, traçado
e arborização de várias aléias, construção de elementos paisagísticos, como o lago e o cômoro. Teve também
o início das funções de experimentação e estudos de botânica no Jardim Botânico.
O Jardim Botânico do Rio de Janeiro passa a ser dirigido, de 1824 a 1829, por Frei Leandro do
Sacramento, um frade carmelita que também era professor de botânica da Academia de Medicina e
Cirurgia do Rio de Janeiro e membro das Academias de Ciências de Londres e Munique. Frei Leandro foi
o primeiro diretor botânico e, par a par às demandas da época pelo cultivo de chá e introdução e cultivo
de especiarias, distribuição de mudas e sementes para os jardins do país, também reorganizou o arboreto,
aumentando a área cultivada, construiu um lago artificial, um cômoro, no qual edificou a Casa dos Cedros,
e iniciou a permuta de plantas com o Jardim Botânico de Cambridge, enriquecendo a coleção e buscando
assim dar um caráter científico à instituição.
No ano de 1846 acontece a abertura do Jardim Botânico para visitação pública, sem
acompanhamento. Passa a existir no imaginário comum como referência de local para contato com a
natureza e espaço de socialização. Tal atividade teve um aumento exponencial, tanto que em 1863, em
virtude do crescimento da atividade de visitação pública do Jardim Botânico, principalmente pela população
mais modesta da cidade, nos fins de semana acaba acontecendo a desapropriação de terrenos nas áreas
contíguas para a experimentação agrícola, dando origem à Fazenda Nacional da Lagoa de Rodrigo de Freitas
e a integração do Horto Florestal ao Jardim Botânico.
Em 1874 acontecem extensas obras de paisagismo no Arboreto, com a construção do bosque
dos bambus e de gruta de pedra e a colocação de placas com nomes científicos e vulgar das plantas, além
da aquisição da Fazenda dos Macacos para transferência do Asilo Agrícola cuja inauguração só se daria em
1884. Houve também a ampliação da Fazenda Normal, com a plantação de gêneros de produção nacional
para distribuição aos fazendeiros do Rio de Janeiro e de outras províncias, representando um enorme
incremento dos viveiros. A proclamação da República fez com que o jardim fosse renomeado de novo,

234
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

desta vez para “Jardim Botânico”. O Jardim encontra-se tombado pelo Instituto do patrimônio Histórico e
Artístico Nacional desde 1937.
Com o passar dos anos o Jardim Botânico passou por dificuldades de manutenção e conservação,
mas com parcerias públicas e privadas, conseguiu auxílios e em 1992 um orquidário e uma estufa de
violetas foram renovados e mais tarde em 1995 um jardim sensorial foi construído com plantas aromáticas
Reconhecimento pela sua importância científica em 1998 o jardim foi rebatizado como Instituto de
Pesquisas Jardim Botânico, ficando afeto ao Ministério do Meio Ambiente e finalmente em 2002 tornou-se
uma autarquia.

O Jardim como um Centro de Pesquisa


O Jardim Botânico, desde sua criação, buscou atender quesitos mínimos para atender a demanda
de produção de plantas medicinais e espécies para o consumo de chá e especiarias. Com sua abertura
ao público e a transformação de um jardim privado para um jardim público, o Jardim Botânico passa a
atender demandas de diferentes instituições, buscando atender as demandas econômicas da época. Desde
a produção de matéria prima para alimentar a possível indústria de seda, até ao decreto do Regulamento
nº 15, de 1 de abril de 1838, buscando a criação de uma Escola de Agricultura, teórica e prática, o Jardim
Botânico passou a ter ênfase de servir como um local de produção de conhecimento.
Em 1860, Frederico Leopoldo César Burlamaque, diretor do Imperial Instituto Fluminense
de Agricultura, apresentou uma moção reivindicando a administração do Jardim Botânico para
sua instituição, de caráter privado. O Jardim Botânico foi desvinculado do Ministério do Império e
subordinado ao recém-criado Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Em 17 de agosto
de 1861, foi assinado um contrato entre o Governo Imperial e o Imperial Instituto Fluminense de
Agricultura, determinando que a administração do Jardim Botânico passasse para o referido Instituto,
cuja direção tinha o interesse em fundar ali um estabelecimento de ensino agrícola, denominado
Asilo Agrícola da Fazenda Normal, que serviria de escola prática e de modelo às fazendas de cultura
de especiarias, no qual seriam ensaiados os processos de agricultura mais aperfeiçoados à época.
Isso mantém o objetivo de utilização do Jardim Botânico como local de produção de conhecimento e
aperfeiçoamento das técnicas conhecidas na época.
Do retorno à condição rural das áreas contíguas ao Jardim Botânico, em 1863, surgiu a possibilidade
da ampliação das áreas cultivadas e para experimentos, associando o Horto Florestal ao Jardim Botânico. O
antigo Horto Florestal apesar de apresentar atividades próprias como local para experimentos de cultivo de

235
Jardins históricos

essências florestais para fomento florestal de desenvolvimento agrícola tinha um forte vínculo institucional
com o Jardim Botânico. Fazem parte, portanto, dos primórdios do Jardim Botânico, a função básica que até
hoje possui de cultivo de plantas, além da utilização compartilhada como local de recreação contemplativa
e de pesquisas em Botânica que se sucedem em importância dependendo dos seus administradores.
Do mesmo modo, apesar dos objetivos nem sempre associados, é histórica a vinculação entre o Jardim
Botânico e o Horto Florestal. Tal processo se mantém até os dias de hoje, tanto que o Jardim Botânico foi
rebatizado em 1998 como Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, ficando subordinado
ao Ministério do Meio Ambiente.

O O Tombamento do Jardim Botânico


Em 1938 foi realizada a criação do Serviço Florestal com sede no Jardim Botânico. No mesmo
ano executou-se o tombamento federal como monumento natural pelo IPHAN. Consideram-se valores
histórico-culturais o acervo arquitetônico, os monumentos, os sítios arqueológicos e as obras de arte do
Jardim Botânico. O acervo arquitetônico e monumentos do Jardim Botânico serão expostos a seguir:

Solar da Imperatriz
Trata-se de um dos poucos remanescentes da arquitetura rural no Rio de Janeiro, em parte
construído no século XVIII e em parte, no início do século XIX. Integrava a Fazenda dos Macacos,
tendo sido, em 1829, adquirido por Dom Pedro I para presentear sua esposa, Dona Amélia Napoleão de
Leuchtemberg, segunda imperatriz do Brasil, dando origem ao nome pelo qual é até hoje conhecido Na
época, o edifício principal foi aumentado, construiu-se uma capela e uma varanda de entrada, ergueu-se
mais tarde uma “coberta” de ligação da casa à capela que, fechada, passou a ser um cômodo avarandado.
Construiu-se um puxado para a cozinha e os serviços. (Il. 2 )
Em 1864, instalou-se no Solar, a Escola Agrícola, aproveitando das terras desapropriadas poucos
anos antes pelo Imperial Instituto Fluminense de Agricultura para reflorestamento do Maciço da Tijuca.
Em 1884, na sede foi instalado o Asilo Agrícola para órfãos de 9 a 21 anos aprenderem técnicas de plantio
e serem utilizados como mão-de-obra. A partir de 1925, passou a sediar o Serviço Florestal do Brasil,
do Ministério da Agricultura. Nos anos 70 até 1989, destinou-se aos serviços administrativos da extinta
Fundação Pró-Memória, por cessão do antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal - IBDF.
Foi também utilizado pela Fundação Getúlio Vargas para funcionamento de cursos, por empréstimo do
IBDF.

236
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 2 – [Solar da Imperatriz] Henschel, Albert, 1827-1882 ([1875]. Rio de Janeiro, RJ


Fonte: Acervo IMS).

237
Jardins históricos

Recentemente o prédio sofreu obra de restauração, que devolve parte de suas características
originais, sendo atualmente utilizado pela Escola Nacional de Botânica Tropical do Jardim Botânico do Rio de
Janeiro. Durante a restauração o prédio foi objeto de uma pesquisa arqueológica e, a partir dos resultados,
foi registrada como sítio arqueológico.

Casa dos Pilões


Edificação do início do século XIX, destinada à oficina do Moinho de Pilões. Na oficina era moído o
carvão e compactada a pólvora. Com o fechamento da fábrica de pólvora, foi transformada em residência,
em 1831. Sofreu várias reformas e teve diversas utilizações, entre as quais a de depósito de máquinas
agrícolas e depósito de sementes. Na edificação morou por mais de quarenta anos o taxonomista Dr. João
Geraldo Kuhlmann, diretor do Jardim Botânico entre 1941 e 1955. Em 1965 passou a abrigar o Museu
Botânico Kuhlmann, voltado para a difusão educacional. Em 1984, iniciou-se a sua restauração orientada
por prospecções arquitetônicas e pesquisa arqueológica que evidenciou o sítio arqueológico Casa dos Pilões,
unidade integrante da Fábrica de Pólvora, sendo adaptado e aberto à visitação em 1994 como Museu Sítio
Arqueológico Casa dos Pilões.

Antiga sede do Engenho N. Sra. da Conceição da Lagoa


Representante dos primórdios da ocupação rural no Rio de Janeiro, integrava o engenho
implantado em 1576, vendido a Rodrigo de Freitas Mello e Castro em 1660. As alterações iniciais no edifício
que hospedava a família real quando esta visitava o Jardim Botânico, foram feitas pelo primeiro diretor da
fábrica de pólvora inaugurada por D. João VI em 1808. No Império também foram feitas reformas na antiga
sede do engenho, quando foram colocadas as grades de ferro nos vãos das fachadas. O prédio, testemunho
da vida rural na cidade, em 1990 sofreu pesquisa arqueológica e a partir dos resultados foi registrado como
sítio arqueológico.

Residência Pacheco Leão


Edificação construída em fins do século XIX para servir como residência dos diretores do Jardim
Botânico é testemunho de um modo de vida e gosto de arquitetura urbana das primeiras décadas do século
XX. Ao longo dos anos sofreu diversas alterações: substituiu-se a cobertura original em ardósia por telhas
francesas, mudou-se o desenho dos gradis e demoliu-se um corpo adjacente ao prédio. Recentemente,
vem sendo utilizada como ambiente de trabalho para pesquisadores e para o corpo técnico.

238
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Antigo prédio da Administração Central do Jardim botânico | Edificação construída


no final do século XIX para utilização pelo Jardim Botânico. Sofreu diversas modificações no início do
século seguinte, quando foram incorporados ao prédio principal, corpos laterais avarandados (mais tarde
demolidos). O telhado original em ardósia foi substituído por telhas francesas e foram retiradas as mãos
francesas que sustentavam o beiral, dando lugar a uma platibanda neoclássica. Posteriormente, na década
de 60, recebeu um acréscimo nos fundos, para instalação da biblioteca.

Antiga residência do Ministro da Agricultura | Edificação construída nas primeiras décadas do


século XX para utilização como moradia do Ministro da Agricultura. Recentemente vem sendo utilizada
como ambiente de trabalho para o corpo técnico e administrativo do Jardim Botânico.

Mirante do Cômoro Frei Leandro | Edificação construída no início do século XIX, juntamente com
o cômoro onde se situa no Arboreto. Inicialmente era chamado Casa dos Cedros ou Castelo e era onde D.
Pedro I e D. Pedro II faziam suas refeições nas visitas ao Jardim Botânico.

Belvedere (Mirante da Imprensa) |Pequena edificação construída em sítio elevado no Arboreto,


destituída de características construtivas excepcionais.

Estufa nº 1 |Edificação construída em alvenaria, com embasamento em pedra, telhado de vidro e


treliças de madeira, onde se localiza o orquidário do Jardim Botânico.

Estufa nº 2 | Edificação construída em ferro e vidro, originalmente destinada à Estufa das Violetas. Após
a restauração das esculturas da ninfa Eco, do caçador Narciso e das duas Aves Pernaltas, obras de Mestre
Valentim, passou a ser destinada para abrigá-las, sendo então denominada Memorial Mestre Valentim.

Estufa nº 3 | Edificação em ferro e vidro, uma das primeiras estufas feitas no Arboreto, para abrigar
a coleção das plantas insetívoras. As primeiras mudas de insetívoras foram recebidas em 1935. Foi
reinaugurada em 1987.

Estufas nº 4. | Edificações destinadas às coleções do cactário, construídas em tipologia que faz referência
às estações de trem.

239
Jardins históricos

Dentre os monumentos tombados, os de maior destaque são:

Chafariz Central | Fabricado em ferro, na Inglaterra, foi trazido do Largo da Lapa para o Jardim Botânico,
em 1895. Possui quatro alegorias representando a arte, a ciência, a poesia e a música. Localiza-se no
encontro das Aléias Barbosa Rodrigues e Frei Leandro, no Arboreto.

Portão principal | Construção do final do século XIX, originalmente em madeira. Em 1893, foi
reconstruído com grades e lambrequins de ferro. Na década de 70 possuía uma pérgula de madeira unindo
os dois corpos de concreto e argamassa, mais tarde retirada. Atualmente, é de madeira e formado por dois
corpos de concreto e argamassa.

Portada da Academia de Belas Artes | Construção em estilo neoclássico e pertencente originalmente


ao edifício da Real Academia de Belas Artes, construído em 1821 e demolido em 1937. A fachada foi
reconstituída no Jardim Botânico três anos depois. O portal foi a primeira obra do arquiteto francês Auguste
Henri Victor Grandjean de Montigny, sendo todo o trabalho escultórico de Zeferino Ferrez.

Ruínas da antiga Fábrica de Pólvora | Marco da história inicial do Jardim Botânico, resquício da Casa
de Pólvora, que juntamente com a Casa do Salitre (hoje inexistente) e a Casa dos Pilões, compunham as
edificações da Fábrica de Pólvora, fundada em 1808, por Dom João VI. Na Casa de Pólvora eram misturados
o salitre, o enxofre e o carvão para obtenção da pólvora. Os muros de pedra em ruínas da antiga fábrica de
pólvora, remanescentes de uma grande explosão ocorrida em 1831, são assentados com óleo de baleia, é
um sítio arqueológico.

Portão colonial da antiga Fábrica de Pólvora |O portão da antiga Casa de Pólvora com o brasão
da Coroa Portuguesa, complementa as ruínas dos muros ainda existentes.

Aqueduto da Levada | Obra de engenharia construída no Vale da Margarida, em 1851, para levar água da
nascente do Grotão para o interior do Arboreto. A construção é feita de tijolos e pedras e possui três arcos.

Gruta Karl Glasl | Obra paisagística realizada em 1863, para possibilitar a ocorrência de espécies que se
desenvolvem em ambientes bastante úmidos e de substrato rochoso.

240
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Cascata artificial |Obra paisagística realizada no período de 1823 a 1829, para criar ambientes de
representação da flora aquática e permitir a distribuição de água pelo Arboreto.
Dentre obras de arte tombadas, as de maior destaque são as Estátuas Ninfa Eco e O Caçador
Narciso, Esculturas “Aves Pernaltas”, a Mesa do Imperador, o Relógio do Sol, as estátuas das Deusas Diana,
Ceres e Tétis, as Fontes Wallace, os Bustos de Dom João VI, Frei Leandro, Barbosa Rodrigues, Von Martius,
Auguste Saint-Hilaire, Paulo de Campos Porto, Pio Correa, as esculturas de “Xochipilli”, “Adamah”, “O
Pescador”, “Sarça” e o monumento e memorial Tom Jobim.
Percebesse as incontáveis estruturas arquitetônicas, monumentais e acervos artísticos presentes
no Jardim Botânico. Isso sem exemplificar a infinidade de exemplares de flora e fauna presentes no local,
que concederam o título de Reserva da Biosfera pela UNESCO, em 1991.

As Perspectivas Socioculturais e Patrimoniais


No decorrer deste artigo pudemos perceber como que a chegada de Dom João VI acarretou em
diversas mudanças na arquitetura do Rio de Janeiro e da região do Engenho da Lagoa. Desde a retirada das
antigas construções até a mudança da paisagem para o acolhimento da Fábrica de Pólvora e posteriormente
do Jardim de Aclimação, a instauração da corte no Brasil foi decisiva para a existência de nossa cidade como
a conhecemos hoje em dia. (Il.3)
Foi através da demanda por estruturas existentes em Portugal para atender a corte instaurada
que o Jardim de Aclimação cresceu em tamanho e importância, econômica e social. Junto com a adequação
da flora obtida nas diversas colônias portuguesas, a necessidade de realização de pesquisas por novas
formas de garantia da agronomia na nova sede do império português, levou o Jardim Botânico a um status
de suma importância para o Brasil.
Junto com o viés econômico, o Jardim Botânico passa também a ser um local de socialização, após
sua abertura ao público. Ele passa a ser um local de produção de conhecimento cientifico e cultural, pois se
transforma em um local de ensino e de destaque para a população carioca. Destaque tanto, que o IPHAN -
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional decide pelo seu tombamento, a fim de garantir que o
processo de geração de conteúdo cientifico e cultural permaneça.
De forma sucinta, esse trabalho buscou traçar um breve histórico do Jardim Botânico, começando
pela sua criação, crescimento e estabelecimento como referência nacional na área de pesquisa botânica,
além de demonstrar o contexto sociocultural no qual o mesmo aflorou.

241
Jardins históricos

Il. 3 – Jardim Botânico, Ferrez, Marc (1885). Rio de Janeiro, RJ


Fone: Acervo IMS)

242
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

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243
Jardins históricos

Um dos grandes desafios enfrentados para a elaboração de


projeto para restauração de jardim histórico no Brasil diz respeito
à falta de informações sobre as intervenções e alterações
sofridas pela área ao longo do tempo, bem como a ausência de
levantamentos regulares e sistemáticos, que deveriam compor
a memória do bem cultural. Muitas vezes faltam dados básicos,
como plantas arquitetônicas ou levantamentos florísticos
confiáveis. O artigo apresenta o desafio de elaborar o projeto
de restauração da Praça Senador Salgado Filho, em frente ao
Aeroporto Santos Dumont, um dos primeiros projetos de Roberto
Burle Marx para áreas públicas no Rio de Janeiro. Jardim icônico,
apresenta não só a natureza carioca e brasileira ao viajante, mas
também uma ideia de modernidade que a nova arquitetura e o
novo paisagismo do Brasil apontavam no início dos anos 1950.

Palavras-chave: Praça Senador Salgado Filho, restauração de


jardim histórico, Roberto Burle Marx

244
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Projeto de reforma para a praça Senador


Salgado Filho
Claudia Brack

PROJETO DE REFORMA PARA A PRAÇA


SENADOR SALGADO FILHO

Mas o Paisagismo que emerge no Brasil, na década de 1930, não


tem precedentes na história universal, associando-se às primeiras
obras modernistas de Arquitetura, fato que nos assegura o status
de sermos precocemente modernos (LANA , 2009, p.49).

A
Praça Senador Salgado Filho está relacionada
ao aeroporto adjacente. Ela foi desenhada para
servir de “porta de entrada” para a Cidade do
Rio de Janeiro. E deveria apresentar, não só a natureza
carioca e brasileira ao viajante, mas também uma
ideia de modernidade que a nova arquitetura e o novo
paisagismo do Brasil apontavam, valorizando nossa
nacionalidade.
Joaquim Pedro Salgado Filho, magistrado
e político brasileiro, foi o primeiro ministro da
Aeronáutica (1941 — 1945). Um dos criadores do
Correio Aéreo Nacional e da Escola de Aeronáutica,
Salgado Filho estimulou a criação de aeroportos para
aviação comercial no Brasil. Vários aeroportos ou áreas

245
Jardins históricos

relacionadas ganharam seu nome em homenagem após sua morte, em 30 de julho de 1950. No Rio de
Janeiro o Decreto nº 10459 de nomeação da praça data de 10 de agosto do mesmo ano, poucos dias após
o falecimento. O que seria a Praça Santos Dumont mudou de nome antes mesmo da sua inauguração.
Não aparece no Histórico dos Alinhamentos para Logradouros1 referência ao que seria um nome anterior,
homenageando o Pai da Aviação, que aparece em plantas antigas.

histórico - antecedentes
No site da Infraero encontramos referência ao início da construção do Aeroporto Santos Dumont
em 1934 na Ponta do Calabouço, lugar já utilizado exclusivamente para a chegada dos hidroaviões.
A proposta de implantar o aeroporto no aterro do calabouço repercutiu bem, conquistando
elogios de especialistas em aviação do mundo todo. As obras começaram em 1934, em terreno
cedido pela Prefeitura do Distrito Federal ao Ministério da Viação e Obras Públicas.
.........
Os serviços não foram interrompidos. Hidroaviões continuavam a operar normalmente no local
e o terrapleno, antes mesmo de estar concluído, já estava sendo utilizado, franqueado aos 400
metros para pequenas aeronaves. Mais tarde, em 1936, quando alcançou 700 metros, foi aberto
para aparelhos de maior porte, o primeiro aeroporto civil do país era finalmente inaugurado.
Henrique Mindlin informa na publicação Arquitetura moderna no Brasil, que a construção do
aeroporto começou em 1938, mas foi interrompida, só recomeçando em 1944. Talvez estivesse
se referindo só ao prédio de autoria dos arquitetos Marcelo e Milton Roberto, enquanto a
Infraero se referia ao pátio ou pistas.2

Roberto Burle Marx ainda não tinha implantado nenhum jardim público no Rio de Janeiro até o
início da década de 1950. Tendo sido Diretor de Parques e Jardins em Recife com apenas vinte e cinco anos
– entre 1934 e 1937, lá fez aproximadamente vinte projetos e implantou sete praças3. Na sua volta ao Rio de
Janeiro, projeta os jardins do então Ministério da Educação e Saúde e diversos jardins residenciais. Temos
notícia de projetos feitos para áreas públicas como um parque para preservação do “grupo biológico das lagoas
litorâneas do Distrito Federal”, publicado na Revista Municipal de Engenharia em 1949 mas não executado. Ao
que parece elaborou um primeiro projeto para a praça em frente ao aeroporto no final da década de 1930. É
comum encontrarmos em publicações referência ao projeto como sendo de 1938 ou de 19394.
No início da década de 1940, Roberto Burle Marx conhece o botânico Henrique Lahmeyer de Mello
Barreto, e com ele desenvolve projetos em Minas Gerais. São de 1942/1943 os projetos para Araxá (Parque do
Barreiro), Belo Horizonte (Pampulha), além de projetos para as cidades de Cataguases e Ouro Preto. Começava
assim sua primeira parceria com botânicos, que iria se repetir com outros nomes, pelo resto de sua vida.

246
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

O jovem paisagista muito se beneficiaria com o profundo conhecimento da vegetação nativa


brasileira que o botânico vinha pesquisando e investigando obsessivamente. Surgia um novo conceito de
Paisagismo que se utilizava da flora nativa na composição dos nossos jardins e relegava à categoria de
modismo os jardins de modelos europeus (LANA, 2009, p.69). O convívio com Mello Barreto abriu para
Roberto a visão da natureza como um conjunto de ecossistemas, cada qual com sua trama de fatores e
condicionamentos (MELLO FILHO , 1999, p.28-a).
Com a vinda de Mello Barreto para dirigir o Jardim Zoológico do Rio, esta parceria se estendeu
para além das Minas Gerais. Foi com o auxílio de Mello Barreto que Burle Marx elaborou a especificação
do plantio do parque litorâneo de restinga, e também a especificação do plantio da Praça Senador Salgado
Filho, na primeira versão do projeto de acordo com alguns autores.

histórico – O Projeto
No início da década de 1950, Roberto Burle Marx se aproxima do botânico Prof. Luiz Emygdio
de Mello Filho, chefe do Departamento de Botânica do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Em 1951, o
professor assume a direção do Departamento de Parques e Jardins da Prefeitura do Distrito Federal.
Convida então Burle Marx para elaborar dois projetos: os jardins do park-way da Praia de Botafogo e
retomar seu projeto para a praça em frente ao aeroporto. Iniciado em administrações anteriores, o
projeto para os jardins da Praia de Botafogo foi paralisado, só tendo sido completado em 1954 com
o novo projeto de Burle Marx. Para o jardim da Praça Senador Salgado Filho, em frente ao Aeroporto
Santos Dumont, parece já existir um projeto de Burle Marx com a colaboração botânica de Mello Barreto.
Esse projeto foi reformulado em suas linhas gerais, contando também com a colaboração do botânico
Luiz Emygdio de Mello Filho. Entendo que os dois projetos, o da Praia de Botafogo e o da praça até então
chamada de Santos Dumont, foram elaborados ou refeitos em simultâneo, podendo ser considerados
os primeiros projetos de Roberto Burle Marx para áreas públicas no Rio de Janeiro. Essa afirmação pode
ser inferida quando o Profº Luiz Emygdio relata que na Praça Senador Salgado Filho foram utilizadas
pela primeira vez três espécies de Clusia (C. criuva, C. fluminensis, C hilariana.)5. Como estas espécies
também foram utilizadas na Praia de Botafogo (MELLO FILHO , 1999, p.21), entendo que se confundem
o pioneirismo nos dois projetos.
Como ocorreu na arquitetura, que na busca de caminhos de transformação recorreu ao passado
colonial para reinterpretá-lo, o paisagismo moderno de Roberto Burle Marx buscou sua essência

247
Jardins históricos

na observação e no conhecimento do nosso meio natural para construir um novo vocabulário no


trato dos espaços do homem na sua relação com a arquitetura e com a paisagem. (LANA, 2009,
p.69)
Havia várias espécies introduzidas pela primeira vez num espaço público urbano no Brasil, que
não tardaram a se mostrar adaptadas e vicejantes no local, como a Clusia fluminensis Planch &
Triana (abaneiro), ... a Ceiba erianthos (paineira-da-escarpa), o Bactris setosa (tucum-do-brejo).
(DOURADO , 2009, p.306)

No Arquivo Técnico da Fundação Parques e Jardins já não encontramos o desenho original de


Roberto Burle Marx, mas sim uma cópia feita pelo desenhista Hamilton Santos em 1988 (Il. 1). O manuseio
constante da planta original fez com que esse documento se deteriorasse, mas felizmente fez-se a copia.
Passamos a tratar esse documento como planta “original”, entre aspas. Nesta planta pode-se ler um
pequeno memorial assinado pelo autor:

IIl. 1 – Cópia do projeto original de Roberto Burle Marx. Acervo: Arquivo Técnico da Fundação Parques e Jardins.
Fonte: paisagemcarioca.rio.rj.gov.br

248
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Neste jardim a dominância é dada por um grande lago onde há a possibilidade de utilização de
numerosas plantas aquáticas. Existem nele também, grupos de espécies vegetais ligadas a areia,
que possuem a propriedade de grande resistência ao vento e ainda serão usadas como elementos
de contraste, rochas regionais nas quais plantar-se-ão os representantes mais destacados da sua
vegetação típica. A interrelação dos diferentes grupos a fim de se obter um conjunto harmônico,
será dada pelos caminhos que terão formas livres, em que a pavimentação far-se-á com a pedra
portuguesa, branca e vermelha, já tradicionalmente usada como elemento decorativo na Cidade
do Rio de Janeiro.

Documento fundamental para a elaboração de qualquer intervenção na praça, essa planta nos
deu os parâmetros a serem perseguidos no novo projeto de reforma a ser elaborado. O monumento em
homenagem à Santos Dumont já estava implantado na área e aparece desenhado no PAA 5804 de 14 de
novembro 1951. Aparece no desenho “original” um deslocamento do monumento que se manteve na
praça.O projeto original previa um pequeno bloco a ser construído na praça6. Ali se localizariam escadas
e elevadores para o pessoal de serviço e o público, ligando-se ao aeroporto por uma passarela. Esses
elementos nunca foram construídos, e provavelmente determinaram o não plantio de espécies arbóreas
no canteiro frontal ao aeroporto.
Um aspecto importante do projeto é o “zoneamento” da praça em áreas com a especificação
de vegetação característica de biomas brasileiros. A Amazônia está representada pela Victoria amazonica
(vitória-régia), assim como as formações florestais e ecossistemas associados da Mata Atlântica, como
a Restinga e a Floresta Ombrófila. Da Restinga, que ocupa grandes extensões do litoral brasileiro, Burle
Marx especificou o nordestino Anacardium occidentale (cajueiro) e também a Eugenia uniflora (pitanga)
e a Clusia fluminensis (clúsia) que ocorrem no sudeste. Também utilizou vegetação dos brejos, como
a palmeira Bactris setosa (tucum-do-brejo) e Acrostichum danaeifolium (sambaiaçu). Das florestas do
interior da Mata Atlântica vieram as Tibouchina, os ipês e as já citadas paineiras. Esse recurso já tinha
sido utilizado no projeto não executado para o parque de restinga, como explica Roberto Burle Marx:
Ao lado do aspecto paisagístico, procurou-se imprimir à mesma realização o maior rigor científico
possível. Deste grupo biológico não somente constarão formações hidrófilas e psamófilas, como
ainda um pequeno trecho da zona de meia-encosta, estabelecendo assim uma articulação com
o meio montano-florestal. Tem-se em vista mostrar, dentro das possibilidades, vários tipos de
“Sera”, indicando-se o pioneiro, o sub-climax e o clímax (BURLE MARX, 1999, p. 9)7.

Ainda de acordo com relatos do Prof. Luiz Emygdio8, a praça foi inaugurada ainda inacabada. Os
operários continuaram trabalhando até a chegada do Presidente Getúlio Vargas à praça. O diretor da DPJ

249
Jardins históricos

deixou um funcionário de plantão em ponto estratégico da pista para avisar, sacudindo um lenço, da chegada
da comitiva presidencial. Só então pararam os trabalhos. Existe uma foto que parece registrar a cena, com
uma máquina ainda compactando o solo, enquanto personalidades hasteiam bandeiras no mastro existente. É
enorme a importância da parceria entre Roberto Burle Marx e Luiz Emygdio de Mello Filho, e que daria outros
frutos para a cidade. Paulatinamente, a Praça Salgado Filho tornava-se um balão de ensaio bem sucedido e
preparatório do que estava por vir: o parque do Flamengo. (DOURADO , 2009, p.306)

histórico - Alterações sofridas


A praça sofreu dois acréscimos em sua área. Primeiramente para a implantação da passarela
de travessia da Av. General Justo. Mais recentemente (em data não precisada, entre 1994 e 1996) seu
perímetro foi drasticamente alterado, com a sua forma se aproximando de um retângulo. Na ocasião da
implantação do Projeto Rio Mar em 1998, última grande reforma na praça, foram criadas baias para taxis
separadas por uma ilha. Nesta altura foi implantado ali um quiosque com sanitário público e venda de
alimentos, recentemente demolidos.
Foram pesquisados outros documentos iconográficos, como fotos e trabalhos acadêmicos para
embasar a intervenção que se pretende executar para valorizar esse importante marco do paisagismo
brasileiro e mundial.
Roberto costumava lançar em planta o arranjo das árvores em conjuntos definidos na área do
projeto. Uma vez marcados os locais da abertura de cada cova, Burle Marx, em pleno campo,
reformulava o arranjo, as distâncias entre mudas, algumas vezes, chegava a considerar a troca
de espécies. Era uma maneira dinâmica de manejar a realidade de campo da criação antrópica
(MELLO FILHO, 1999, p. 30-b)

Não obstante os dados levantados por esta pesquisa persistem dúvidas difíceis de serem
respondidas. O projeto dito “original” pode não ter sido exatamente implantado conforme especificação no
documento, conforme nos atesta acima o Prof. Luiz Emygdio. Em idas à campo percebemos que:
1. Existem ou existiram árvores não especificadas pelo autor do projeto, mas que foram efetivamente
plantadas em 1952, como a bela espécie Bougainvillea arborea Glaz. (buganvília-arbórea) – Il. 2
2. Na legenda de plantio existem árvores que não foram encontradas, não sabemos se foram
efetivamente plantadas ou não, como Joannesia princeps Vell. (cutieira).

250
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

3. Existem espécies arbóreas especificadas no projeto “original” que foram representadas no desenho
como espécies arbustivas ou herbáceas, como a Tabebuia obtusifolia (Cham.) Bureau.

4. Após a grande reforma de 1998 houve um acréscimo do número de espécies plantadas: mais 15
espécies de árvores (Burle Marx especificou 21), mais cinco espécies de forrações e mais duas
espécies aquáticas. Do total de 66 espécies especificadas por Burle Marx, houve um aumento de
33%.

5. Hoje encontramos ainda mais espécies em função de mudas disseminadas naturalmente, espécies
invasoras e plantios de frutíferas (feitos provavelmente pelos usuários) que vão descaracterizando o
projeto.

6. Entre as plantas existentes no Arquivo Técnico da FPJ, um levantamento não datado (provavelmente
do início da década de 1990, imagem 3) relaciona 35 espécies encontradas: 29 espécies arbóreas,
três palmeiras e uma espécie ornamental. No desenho aparecem ainda duas espécies arbóreas,
numeradas mas não especificadas.

7. Existe um projeto de gradeamento da praça de 1992, não executado. O monumento homenageando


Santos Dumont não foi poupado do gradeamento, feito anos depois.

8. A praça ainda ganhou uma escultura datada de 2001 do artista dinamarquês Jesper Neergaard9,
implantada próximo à passarela. Ali também hoje se encontra uma estação de bicicletas de aluguel.
O último elemento acrescentado à praça foi um mictório público (UFA), instalado pela Secretaria de
Conservação.

Apesar de ser tombada pelo INEPAC como “Jardim de Burle Marx” em 199010 , seu estado atual é
de abandono. O lago encontra-se seco e, portanto, sem vegetação alguma devido a problemas estruturais
e rachaduras. O aumento da vegetação arbórea e a falta de manejo da vegetação em geral transmitem uma
sensação de insegurança ao usuário. São constantes os pedidos por poda das árvores para melhorar as
condições da iluminação. Frequentada basicamente por taxistas e “moradores de rua”, há pouco fluxo de
pedestres pela praça. Os viajantes e servidores do aeroporto utilizam, preferencialmente, acessos periféricos
como a passarela Américo Fontenelle e o estacionamento, quando não se retiram do local rapidamente por
meio dos taxis estacionados na frente do aeroporto.

251
Jardins históricos

Il. 2 – Boganville arbórea


Fonte: Foto Claudia Brack, 1998

Il. 3 – Planta sem data e autoria. Acervo:


Arquivo Técnico da Fundação Parques e
Jardins.
Fonte: paisagemcarioca.rio.rj.gov.br

252
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

PROPOSTAS PARA A REFORMA


A Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro está implantando um novo sistema de transporte na área
central, o VLT. A Linha 3 Azul (Central- Barcas) ligará o aeroporto Santos Dumont à estação Central do Brasil.
A estação proposta para o VLT nas proximidades do aeroporto será locada em frente à praça, próximo ao
estacionamento. Esse fato vai trazer mais vitalidade àquele espaço público, com mais pessoas cruzando a
praça para atingir o aeroporto.
O Aeroporto Santos Dumont é um ponto de chegada de turistas à cidade e todos, visitantes e
moradores, merecemos que a Praça Salgado Filho esteja restaurada e se mantenha conservada como um
rico patrimônio da arquitetura paisagística brasileira.
O projeto aqui apresentado (Il. 4), elaborado depois de estudos da vegetação proposta por
Roberto Burle Marx, das sucessivas reformas e do que encontramos hoje no local, pretende ser apenas um
ponto de partida para as intervenções futuras.
Entendemos que houve um aumento significativo do número de espécies e indivíduos arbóreos
na praça, o que causa uma sensação de insegurança e limita a visão do lago – ponto focal do projeto como o
próprio autor assinala no seu memorial. Algumas árvores existentes assinaladas em planta anexa não deverão
ser replantadas quando vierem a desaparecer, para que o sentido do projeto original seja resgatado. Estamos
substituindo algumas espécies recentemente plantadas e já mortas, que não constavam da lista “original”
de Burle Marx. Substituiremos por outras constantes na sua especificação de plantio, como a Bougainvillea
arborea Glaz. (buganvília-arbórea). Com relação à vegetação, a maior preocupação do projeto de reforma
deve ser relativa ao estrato arbóreo, que demanda mais tempo para seu desenvolvimento integral.
O lago passará por uma grande reforma, a fim de sanar os problemas estruturais, e será vegetado
com as espécies aquáticas e palustres do projeto “original”. Em suas margens serão replantadas as espécies
arbustivas e ornamentais, também conforme o especificado por Burle Marx em 1952. Quanto ao estrato
herbáceo, originalmente foi utilizado unicamente Paspalum notatum (grama-batatais). Com o crescimento
das árvores, há necessidade de utilização de forrações que suportem o sombreamento. Escolhemos duas
espécies - Ophiopogon japonicum e Sphagneticola trilobata (pelo-de-urso e margaridão, respectivamente)
plantadas a partir da reforma de 1998.
No mais estão propostos a retirada do mictório, a relocação da estação de bicicletas de aluguel
para áreas adjacentes à praça. O restante dos serviços a serem executados não incluem modificações,
apenas serviços de manutenção do piso existente em pedra portuguesa e dos equipamentos como bancos
e luminárias.

253
Jardins históricos

Il. 4: Projeto de restauração elaborado em 2015, autoria: Claudia Brack

254
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Por fim entendemos que, só com a manutenção rotineira e a gestão conjunta dos vários órgãos
públicos envolvidos - Seconserva, Comlurb, FPJ, IRPH, Rio Luz, etc, a Praça Senador Salgado Filho vai
recuperar o lugar de destaque que lhe cabe como patrimônio paisagístico, artístico e cultural da cidade.
Diferentemente da restauração de bens arquitetônicos, a recuperação de uma paisagem
demanda esforços por longos períodos de tempo, não se alcançando um resultado imediato.
Daí a maior necessidade de um plano que oriente as ações para chegar ao resultado pretendido.
Não se pode deixar de pensar, entretanto, nas ações diárias de manutenção, como varredura,
roçada, poda, inspeções, etc., pois elas podem ser importantes para identificar obras de
reparação que podem retardar a deterioração. Princípios de gestão devem ser formulados e
pensados tanto para o futuro imediato quanto em longo prazo para garantir que esses valores
persistam (BRACK, 2012, p.63).

A TÍTULO DE CONCLUSÃO: LIÇÕES APRENDIDAS


Um dos grandes desafios enfrentados para a elaboração de um projeto de restauração de jardim
histórico no Brasil diz respeito à ausência de levantamentos regulares e sistemáticos que documentem as
alterações sofridas pela área ao longo de sua trajetória histórica. Muitas vezes faltam dados básicos, como
plantas arquitetônicas ou levantamentos florísticos confiáveis. Esses documentos constituem subsidios
inestimáveis para a elaboração de diagnósticos consistentes que irão fundamentar as ações projetuais. Essa
pesquisa procurou interpretar os poucos cadastros existentes, e contou com a memória viva de funcionários
– o que não deve ser a regra.
Via de regra, nossos arquivos carecem de documentos que embasem as ações de recuperação
dos jardins. Para tanto se faz necessário o investimento na elaboração de levantamentos seguros dos
jardins históricos da nossa cidade. Partindo-se de um levantamento topográfico com a localização de
todos os elementos construídos, as pavimentações e todo o mobiliário existentes, com atenção especial
à arborização. Sobre a arborização, além da locação georreferenciada de cada individuo na área, deve
ser coletado o maior número de informações possíveis sobre o vegetal, incluindo avaliação do estado
fitossanitário e características do sítio.
Só com registros atuais confiáveis se poderá fazer a criteriosa análise dos documentos antigos
encontrados para evitar que erros persistam e sejam perpetuados. E as futuras intervenções poderão
contar com mais dados para embasar outras intervenções. Os órgãos de proteção ao patrimônio não
deveriam tombar um jardim sem elaborar, ou exigir que o gestor elabore, uma planta que irá registrar
aquele jardim histórico naquele momento.

255
Jardins históricos

E por fim, não podemos persistir repetindo os mesmos os erros cometidos ao longos das ultimas
décadas e deixar sem o devido registro as alterações implementadas a cada ação. Novas tecnologias deverão
ser empregadas para este registro, com cuidados para captar o caráter do jardim e lembrando que todas as
ações propostas devem garantir a autenticidade do sítio cultural, prolongar sua integridade e assegurar a
interpretação de seus valores para o público (DELPHIM, 2005, p 36.).

NOTAS
1
http://www2.rio.rj.gov.br/smu/acervoimagens/ConsultaKardex.asp. Acesso: 14.mai.2015.
2
http://www.infraero.gov.br/index.php/br/aeroportos/rio-de-janeiro/aeroporto-santos-dumont.html. Acesso: 11.mai.2015
3
Disponível em https://www.ufpe.br/paisagem/burleMarxRecife.php. Acesso: 12.mai.2015.
4
Como em : MOTTA, Flávio Lichtenfels. Roberto Burle Marx e a nova visão da paisagem. São Paulo: Nobel, 1983, p. 50;
SIQUEIRA, Vera Beatriz. Burle Marx. São Paulo: Cosac & Naify, 2009, p. 32; ou ainda CZAJKOWSKI, Jorge (ORG), Guia
de arquitetura moderna no Rio de Janeiro/Centro de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Casa
da Palavra: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2000, p.54 e também no site do INEPAC.
5
Nos levantamentos e plantas antigas consultadas não conseguimos identificar a Clusia criuva, apenas as outras duas
espécies citadas.
6
MINDLIN, Henrique E. Arquitetura moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 1999, p. 248 e 249
7
Os biomas psamófilos são aqueles que ocorrem no litoral, sobre solos arenosos e salinos.
8
O Prof. Luiz Emygdio foi consultor da FPJ entre 1996 e 1999 e organizou cursos e visitas guiadas com os técnicos por
várias praças e parques do Rio, que tive o privilégio de participar.
9
Solar Wind Surfer. Feita em mármore de Carrara e granito verde brasileiro. Dimensões: 555 x 222 x 111cm. Disponível
em http://www.jesperneergaard.dk/index_eng.html. Acessado em 14/05/2015 http://www.inepac.rj.gov.br/index.
php/bens_tombados/detalhar/436. Acessado em 15/05/2015
10
http://www.inepac.rj.gov.br/index.php/bens_tombados/detalhar/436. Acessado em 15/05/2015.

REFERÊNCIAS
BRACK, Claudia. Plano de Gestão do Campo de Santana: subsídios e considerações. Dissertação de Mestrado em
Arquitetura Paisagística – Programa de Pós-graduação em Urbanismo - PROURB. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
BURLE MARX, Roberto. Grupo Biológico das Lagoas Litorâneas do Distrito Federal. In: Revista Municipal de Engenharia.
Janeiro-Dezembro. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1999.

256
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

CLÁUDIA PESSOA, Ana; CARNEIRO, Ana Rita Sá. Burle Marx nas praças do Recife. Arquitextos, São Paulo, ano 4, n.
042.03, Vitruvius, nov. 2003. Disponível: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.042/638. Acesso:
12.mai.2015
CZAJKOWSKI, Jorge (ORG), Guia de arquitetura moderna no Rio de Janeiro/Centro de Arquitetura e Urbanismo do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Casa da Palavra: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2000.
DELPHIM, Carlos Fernando de Moura. Intervenções em jardins históricos: manual. Brasília: IPHAN, 2005
DOURADO, Guilherme O. Mazza. Modernidade verde: jardins de Burle Marx. 2009 São Paulo: Senac São Paulo, 2009.
LANA, Ricardo Samuel de. Arquitetos da paisagem: memoráveis jardins de Roberto Burle Marx e Henrique Lahmeyer de
Mello Barreto. Belo Horizonte: Museu Abilio Barreto, 2009.
MACEDO, Silvio Soares. O paisagismo moderno brasileiro – além de Burle Marx. In: Paisagens em Debate. Revista
eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU / USP, outubro, 2003.
MAGINA, Jeanice de Freitas & MELLO, Fernando Fernandes de. A obra de Roberto Burle Marx para a cidade do Rio de
Janeiro – um patrimônio cultural carioca. Disponível: http://www.docomomo.org.br/seminario%208%20pdfs/024.pdf .
Acessado em 06.mai.2015.
MELLO FILHO, Luiz Emygdio de. O moderno jardim da Praia de Botafogo. In: Revista Municipal de Engenharia. Janeiro
-Dezembro 1999 – a. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro,
MELLO FILHO, Luiz Emygdio de. Burle Marx – uma relação profissional e humana. In: Revista Municipal de Engenharia.
Janeiro-Dezembro 1999- b. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.
MINDLIN, Henrique E. Arquitetura moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 1999
MOTTA, Flávio Lichtenfels. Roberto Burle Marx e a nova visão da paisagem. São Paulo: Nobel, 1983.
OLIVEIRA, Ana Rosa de. Roberto Burle Marx. Entrevista, São Paulo, ano 02, n. 006.01, Vitruvius, abr. 2001. Disponível em
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/02.006/3346. Acessado em 12.mai.2015
Revista Municipal de Engenharia. Janeiro-Dezembro 1999. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro,
SIQUEIRA, Vera Beatriz. Burle Marx. São Paulo: Cosac & Naify, 2009
Acervo Técnico da Fundação Parques e Jardins
SITES CONSULTADOS
https://www.ufpe.br/paisagem/burleMarxRecife.php
http://www.jesperneergaard.dk/index_eng.html
http://www.inepac.rj.gov.br

257
Jardins históricos

Ao longo dos seus mais de 150 anos de existência, os jardins


do Parque São Clemente têm mantido seu traçado original, mas
também têm sofrido descaracterizações, algumas de ordem
simples e outras, complexas. O presente trabalho pretende
diagnosticar os atuais desafios na gestão desse jardim histórico,
propriedade do Nova Friburgo Country Clube, além de apresentar
soluções para tais adversidades, a fim de que o jardim atenda as
necessidades vigentes sem perder sua configuração primitiva.

Palavras-chave: Nova Friburgo, Parque São Clemente, Glaziou

258
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Desafios de gestão econômica e técnica dos


jardins do Parque São Clemente
Luiz Folly Dutra | Vanessa C. Melnixenco

N
ão obstante os quase sessenta anos de existência
do Nova Friburgo Country Clube que os consagra
como um dos clubes mais tradicionais do
país, sua importância também se dá, principalmente,
pela peculiaridade de estar inserido num conjunto
paisagístico de relevância inestimável. Dos 194 mil
metros quadrados da propriedade, 180 mil deles são
constituídos por jardins. Essa reunião de arte e natureza
transformou o espaço do Clube num verdadeiro refúgio
no coração de Nova Friburgo. Sua paisagem é tão bela
e convidativa que passou a ser considerada o cartão
postal do município, constituindo-se num dos lugares
mais conhecidos e visitados da cidade.
Além da beleza, a riqueza do Parque São
Clemente também está na sua história e na sua
configuração como bem cultural que testemunha uma
vida de mais de 150 anos. Tais especificidades lhe
renderam o título de patrimônio cultural nacional1, por
seus belos jardins, projetados pelo paisagista francês
Auguste François Marie Glaziou, e por sua charmosa
casa, denominada Chalet, desenhada pelo arquiteto
alemão Gustav Waehneldt (OLIVEIRA, 2010). Para Carlos
Fernando Delphim, o maior especialista em paisagismo

259
Jardins históricos

no Brasil atual, o Parque São Clemente é um dos mais belos recantos do país, que conserva um dos jardins
históricos mais bem preservados (DELPHIM, 2012, p. 180).
A manutenção de um espaço tão antigo, rico e imenso é trabalhosa e exige atenção especial. Apesar
de todo o esmero que o Clube dedica ao cuidado desse patrimônio, vários detalhes têm contribuído para
a descaracterização do projeto original. Esse é um fator intrínseco ao legado do passado: transformações
ou deteriorações ocorrem tanto como consequência do desgaste natural quanto pelo uso. Além disso,
sendo o jardim um elemento vivo e dinâmico, em sua gestão sempre surgirão situações novas e imprevistas
e, por conseguinte, as soluções para tais problemas serão singulares e virão de acordo com o intento
de preservação, cuja meta é salvaguardar a qualidade e os valores do bem cultural, proteger o material
essencial e assegurar sua integridade e autenticidade para as gerações futuras (DELPHIM, 2005, p. 28).
O jardim do Parque São Clemente tem seu perfil bem delimitado: é um exemplar genuíno de
jardim romântico típico do século XIX. Todavia, ele se insere no tempo e no espaço e traz na sua configuração
as reminiscências e vestígios dos anos de sua existência. Além disso, sua função presente também é bem
definida: ser espaço de convívio, lazer e contemplação. Dessa forma, é preciso encontrar formas de uso
do espaço que harmonizem a não agressão de sua constituição como jardim histórico e a sua utilização
consciente pelos usuários. Em outras palavras, o jardim precisa estar adaptado à realidade atual sem que
esta fira sua integridade original. Um exemplo significativo é a questão dos elementos anacrônicos, ou seja,
intervenções que não existiam na composição primária do jardim, mas que se fazem necessários, para sua
preservação ou para o melhor uso do espaço pelos visitantes, como as placas informativas.
Como dito acima, há muitos pontos presentes no jardim do Parque São Clemente que
descaracterizam sua configuração original, dito no sentido de sua integridade. Para melhor compreensão
da situação atual do parque, dividiremos tais elementos, de forma ilustrativa, em três grupos:
1- aqueles que adulteram a paisagem e o espírito do jardim do século XIX;
2- aqueles que compõem o ambiente, mas encontram-se em desalinho com o jardim; e por fim,
3- aqueles que são intrínsecos à paisagem, mas estão corrompidos e necessitam de restauro.
Em relação ao primeiro grupo podemos citar, de início, as placas de circuito para caminhada.
Apesar de o parque ser muito utilizado pelos frequentadores para exercícios físicos, como caminhada e
corrida, o jardim não existe para esse fim. As atividades físicas são apenas uma das maneiras possíveis de
se usufruir o parque. As aleias do jardim não são pistas de corrida e, portanto, não há por que sinalizar sua
extensão na forma de circuito. Atualmente, há diversos aplicativos para dispositivos móveis que fornecem

260
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

o serviço gratuito de cálculo da quilometragem percorrida durante uma caminhada, de forma muito mais
precisa do que simples placas. As placas de circuito para caminhada agridem a paisagem e seccionam o
conjunto formado pelo verde, portanto, não deveriam estar inseridas no jardim.
Outra questão referente ao grupo primeiro são as vagas de estacionamento. Para uma melhor
organização do espaço disponível aos automóveis, algumas vagas são destacadas por placas de prioridade.
Todavia, tal disposição interfere e agride a paisagem. O tráfego de veículos condiz com a demanda do
espaço, mas não precisa ser evidenciado de tal forma. Uma alternativa para as placas seria pinturas no piso.
Estas também alteram a composição do ambiente, mas não são tão agressivas quanto as placas.
Outro ponto problemático são os karts disponibilizados para passeio no parque, , não pelo serviço
prestado, mas por sua configuração. Ao ter sido implantada a Go!Karts no lado direito da alameda dos
jamelões, grande parte dos bambus que ali crescem foram cortados para dar lugar a uma clareira onde foi
construída uma pequena pista de corrida para os karts. Além de ser desproporcional aos intuitos do parque,
a implementação da Go!Karts destruiu uma parte do jardim e feriu a paisagem. Se não bastasse, alguns
usuários do serviço não cumprem as regras delimitadas para a locomoção dos karts no parque.
Por fim, o último ponto sobre o grupo primeiro trata da lixeira geral do Clube. Localizada atrás do
Repuxo do Manequinho, a lixeira fica distante do jardim. Todavia, com a baixa incidência de vegetação, ela
fica visível a uma distância razoável. Sua aparência não é agradável e não conversa com o parque. A solução
seria escondê-la com uma cortina verde, a fim de evitar a sua exposição ao público.
Sobre o segundo grupo, constituído pelos elementos que compõem o ambiente, mas se
encontram em desalinho com o jardim, podemos enumerar, em primeiro lugar, o mobiliário. Entendemos
como mobiliário toda peça que, além de compor/ornamentar o jardim, tem uma determinada
funcionalidade. Atualmente, podemos destacar dois elementos que necessitam de revisão. Um deles
são as placas de identificação das árvores. Sendo a maior parte do parque constituído por jardins, é
mister a identificação das espécies botânicas. Poucas são as plantas que estão classificadas e, quando o
estão, são guarnecidas por placas antigas, desgastadas pela ação do tempo, cuja leitura é difícil, além de
apresentarem aspecto ultrapassado. (Il.1).
Em 2011 foi realizado um teste de novas etiquetas de identificação, mas elas se mostraram falhas.
As atuais placas poderiam ser substituídas por novos modelos confeccionados em alumínio fotossensível
e anodizado (durabilidade de 25 anos), de aspecto uniforme, com espessura resistente à flexão, em
tamanho suficiente para abarcar as informações típicas de uma etiqueta de identificação de plantas
(espécie, nome comum, família, origem), com baixa estatura, a fim de causarem pouca interferência na

261
Jardins históricos

paisagem e de fácil acesso a crianças e pessoas deficientes. Além das informações necessárias, cada placa
poderia conter o símbolo do Clube para inibir roubos.
O outro ponto que necessita passar por revisão são as lixeiras do parque. Atualmente, o jardim
conta com diferentes modelos de lixeiras e, a maioria delas, concentradas numa mesma região. Muitas já
estão enferrujadas ou apresentam aspectos de abandono. O ideal seria a adoção de lixeiras uniformes,
singelas e funcionais, que não interferissem na paisagem, mas com sinalização clara, corretamente
posicionadas ao longo do parque. O estado geral de limpeza e conservação do sítio é fator fundamental,
tanto para manter ordem e beleza, como para proteger a natureza local.
Por fim, sobre os elementos que compõem o terceiro grupo, aqueles que são intrínsecos à
paisagem, mas estão corrompidos e necessitam de restauro, podemos citar, em primeiro lugar, as pontes.
O jardim é ornamentado por cinco pontes, sendo quatro delas em ferro fundido oriundas da fundição
escocesa MacFarlene. Walter MacFarlane foi o mais importante manufatureiro de ferro ornamental da
Escócia durante o século XIX e empregou, em sua Fundição, renomados artistas e arquitetos. Sua empresa
era especializada na criação de arte decorativa em ferro, como grades, bebedouros, coretos, lâmpadas de
rua, ornamentos e, até mesmo, edifícios pré-fabricados.
O conjunto de pontes MacFarlane distribuído pelo jardim são posteriores ao Barão de Nova
Friburgo, tendo sido adquirido pelo seu filho mais novo, Bernardo Clemente Pinto Sobrinho. Este havia
recebido de herança o Barracão de Caça, hoje Sanatório Naval, localizado a, aproximadamente, 300 metros
do parque. Para lá, comprou estruturas pré-fabricadas para a ornamentação do prédio de produção da
Fundição MacFarlene e, aproveitou para adquirir as pontes para o jardim da Chácara do Chalet, herdada
pelo seu irmão mais velho, Antonio Clemente Pinto. Essas pontes foram transportadas desmontadas. Ao
chegarem aqui, as peças foram montadas.
Todas as pontes do jardim, cada uma com suas peculiaridades, são de um estilo refinado e
de uma grande importância histórica. Em todo o Brasil, existem somente cinco cidades onde peças da
Fundição MacFarlene podem ser encontradas, sendo Nova Friburgo, uma delas. Outros exemplos são a
Estação da Luz em São Paulo e o Theatro José de Alencar em Fortaleza. Atualmente, as pontes se encontram
descaracterizadas devido ao acúmulo de camadas de tintas que foram sendo sobrepostas umas as outras
e que escondem os detalhados rendilhados do ferro fundido, além de sofrerem com o peso de tubulações
que foram nelas apoiadas, não obstante a obstrução de seus detalhes (Il. 2)
As calçadas também devem receber cuidado especial, pois são parte integrante da paisagem.
Em contraponto ao passeio de automóveis, as calçadas devem ser constituídas por pavimentação distinta,

262
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 1– Exemplar de placa atual para identificação da flora Il. 2 – Situação atual de uma das principais pontes do parque.
do parque. Fonte: Foto de Vanessa C. Melnixenco
Fonte: Foto de Vanessa C. Melnixenco).

não necessariamente uniforme, no que diz respeito ao relevo do piso. Todavia, recomenda-se que a
pavimentação das calçadas seja padronizada através do uso de um mesmo material, a fim de evitar
uma aparência de retalhos. Recentemente, algumas falhas nas calçadas da aleia dos bambus foram
concertadas com cimento, o que ocasionou numa perda da homogeneidade, além de descaracterização
do piso, já que a pavimentação deveria ter sido feita com solo-cimento, técnica muito utilizada durante
o século XIX. O solo-cimento é um material obtido pela mistura de solo, água e um pouco de cimento,
de fácil aplicação, longa durabilidade, sustentável e econômico. Diferentemente do cimento, o solo-
cimento tem a vantagem de ser constituído por aglomerantes naturais, de características variáveis, que
se adaptam ao ambiente. Dessa forma, com o tempo, o pavimento vai se adaptando ao meio, ficando
revestido por musgos, o que denota sinal de harmonia no jardim, além de embelezá-lo e deixá-lo mais
próximo de sua constituição original.
Outra questão fundamental à qual devemos nos deter é a referente ao entorno do Clube. Entorno
é a área necessária para complementar a preservação da ambiência de um bem cultural imóvel tombado.
De acordo com Carlos Fernando Delphim,
a conservação de um bem exige a manutenção de um entorno visual apropriado, no que se refere
a formas, volumes, escala, cores, textura, visibilidade, materiais e outras características. No caso
específico dos jardins, devem-se considerar alterações ambientais que influem na iluminação,

263
Jardins históricos

ventilação, nível das águas subterrâneas, microclima, etc., com restrições a novas construções,
demolições ou modificação suscetíveis de causar prejuízo à ambiência do bem (DELPHIM, 2005,
p. 31, 33).

Por estar localizado em área central e de alto valor imobiliário, o entorno do Parque São Clemente é
extremamente visado. De uns anos para cá, o cuidado com o entorno da propriedade tem sido intensificado,
contribuindo para um resguardo de suas características. Todavia, ainda restam muitos elementos que
descaracterizam a ambiência do jardim, principalmente no que diz respeito ao contorno de seu horizonte.
A mais notável função de um jardim é constituir-se como espaço de acolhimento e fruição, onde o usuário
tenha oportunidade de se afastar do caos urbano e contemplar a paz da natureza. Para tanto, o jardim precisa
distanciar-se dos elementos externos. Atualmente, um dos fatores que contribui para a descaracterização do
jardim do Parque São Clemente é essa influência externa, principalmente, de construções, sejam elas próximas
ou distantes. Quando contemplamos o horizonte do jardim, recortado pelas copas das árvores ou montanhas
próximas, é possível enxergar diversas casas ao longe, que destoam da paisagem do jardim e quebram com a
privacidade proposta (Il. 3). Como é impossível reaver a ambiência original do entorno, a melhor alternativa
para solucionar o atual problema, seria o plantio de árvores de grande porte nas divisas da propriedade, a fim
de que elas, com sua altura elevada, pudessem esconder as construções visíveis.
Esse assunto da introdução de novas árvores no jardim conduz para o ponto de replantio
de espécies. O jardim do Parque São Clemente enfrenta a problemática de ter perdido, com o tempo,
algumas espécies presentes no projeto original. Provavelmente, essas plantas foram morrendo sem serem
substituídas por novas mudas. Além disso, outras espécies alienígenas à ideia inicial foram introduzidas no
jardim, como as cerejeiras. No entanto, essas árvores já foram apropriadas pelos usuários do parque e não
devem ser extraídas, a não ser quando de sua morte natural. Portanto, o plantio de novas espécies deve
obedecer a um rigoroso critério de restauro para que não se desencontre com o traçado tradicional de um
jardim romântico. Além do plantio de novas espécies, é preciso destacar a substituição de árvores já mortas.
Um exemplo icônico são os dois exemplares de cedro japonês que se encontram em frente ao Chalet. Há
muito, essas árvores estão mortas. Ambas foram alvo de tentativas de recuperação pelo arquiteto-paisagista
Cláudio Pirabige, todavia, sem sucesso. Tais árvores precisam ser substituídas por novos exemplares, pois a
aparência fúnebre que ostentam destoa da beleza e do cuidado do jardim. As mudas podem ser adquiridas
em instituições especializadas.
Outro componente do parque que precisa ser restaurado é o Jardim de Cheiros, assim chamado
devido às diversas espécies ali cultivadas que exalam aromas em diferentes épocas do ano. Aos fundos

264
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

do Chalet, contíguo à sala de jantar, esse jardim, em molde italiano, se descortina através de um pequeno
belvedere que possui logo abaixo uma cascata originalmente em rocaille (hoje, desaparecida) tendo ao
fundo um chafariz de bacia circular, em cujo centro há uma coluna octogonal de pedra encimada por
uma escultura de ferro fundido que expele a água. Esta escultura está danificada, pois, originalmente, era
composta por quatro meninos tendo restado apenas um deles, segurando uma rede de pesca. Seguindo
o repuxo, corre uma balaustrada, formando um semicírculo em face do chafariz. Junto à balaustrada, há
uma canaleta em tombo que tinha a função de cascata por onde se escoava a água do repuxo, desaguando
em direção ao braço do córrego do Cônego. Infelizmente, não está intacta, pois foi dividida ao meio para
dar passagem a uma canalização. Nas terminações intermediárias da balaustrada estão dispostos dois dos
quatro vasos de ferro fundido, originais da ponte do lago superior. Os outros dois foram colocados no fim
do corrimão da escadaria que dá para a portaria do Parque Aquático. As principais demandas do Jardim de
Cheiros são a restauração das obras de arte, como esculturas e repuxos; as cantarias, da balaustrada e da
canaleta; os elementos integrados, como os vasos; e, principalmente, o replantio criterioso das espécies
adequadas através do estudo das flores pintadas no interior do Chalet (FOLLY, 2013).
Sem dúvidas, o principal elemento do jardim do Parque São Clemente são os lagos. O espelho d’água
divide-se em quatro segmentos, superior, intermediário, central e inferior, cuja extensão percorre grande parte
do jardim, refletindo o entorno e a limpidez do céu. Os lagos são interligados entre si e abastecidos por um
riacho proveniente da base das pedras Catarinas, vistas do parque. Com o desnível do terreno, os lagos foram
feitos em três platôs, tendo cascatas e pequenas quedas d’água como mudanças de níveis. Foram construídas
pequenas barragens com comportas de ferro fundido para o controle da vazão da água em dias de chuva
intensa. Não podemos garantir com precisão o período quando foram implantadas essas comportas, pois na
aquarela de Glaziou é impossível verificar esses detalhes, já que ele fazia apenas pinturas de caráter ilustrativo.
Há ainda um canal -baypass, que tem como função uma passagem maior de água em dias de chuva muito
intensa, quando a abertura das comportas não é suficiente. Ele começa na parte superior do parque onde se
localiza a entrada do córrego e conduz a água até o rio Cônego (FOLLY, 2007).
O grande problema atual referente aos lagos teve sua origem em janeiro de 2011, quando das
fortes chuvas que atingiram a Região Serrana do Rio de Janeiro. Grande parte dos lagos foi assoreada com
a lama proveniente da queda de uma barreira. Sem recursos para as obras de recuperação, alternativas
foram buscadas. Para o lago central, por exemplo, foi autorizado o aumento de 10 cm do seu espelho d’água
para relevar o assoreamento. Após esses anos, é possível constatar que as bordas dos lagos estão sendo
desgastadas pela invasão da água. Já é possível, inclusive, observar os muros de contenção feitos pelo

265
Jardins históricos

Il. 3 – Horizonte do entorno da propriedade. Il. 4 –Deformação das bordas do lago e visibilidade do muro
Fonte: Vanessa C. Melnixenco. de contenção, obra do arquiteto-paisagista Claudio Piragibe
durante a restauração realizada na década de 1980.
Fonte: Vanessa C. Melenixenco

arquiteto Cláudio Piragibe na reforma da década de 1980 (Il. 4). Esses muros foram construídos justamente
para não se perder o traçado original do espelho d’água, que também estava sendo modificado, só que
pelas bicadas dos patos e marrecos. Em numerosos pontos, a borda do lago está deformada, apresentando
uma séria descaracterização do formato original do lago. Para sua efetiva recuperação, seria necessário
estancar a água e retirar o excesso de sedimentos no fundo do terreno. Após esse processo, a borda deveria
ser reconstituída com o replantio de grama nos locais afetados.
O lago superior permaneceu durante alguns anos apresentando um sério grau de assoreamento.
Felizmente, desde o ano passado, obras de recuperação estão sendo realizadas a fim de que o espelho d’água
volte ao seu perfil característico. Este lago, quando de sua construção, foi executado sem seguir nenhuma
diretriz do projeto de Glaziou, todavia, também necessita de especial atenção para que sua revitalização
não seja agressiva e venha a condizer com os traços do restante do jardim. Além do desassoreamento do
lago, o baypass também deve ganhar especial atenção. A forma deste canal deve ser preservada, a fim de
que permita a fluidez da correnteza e evite a sobrecarga no lago. Para tanto, também se faz necessário

266
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

a conscientização dos funcionários responsáveis pelo jardim para que estejam atentos e aptos a fazer o
movimento das comportas.
O jardim criado por Auguste François Marie Glaziou e o Chalet projetado por Karl Frederich
Gustave Waehneldt são parte da história de Nova Friburgo, da sua formação aos dias atuais, além de se
apresentarem como importantes fontes de pesquisa paisagística e arquitetônica, de forma que podemos
considerar tal conjunto um documento/monumento conforme estudos do historiador Jacques Le Goff
(1990). Um monumento, por ser herança de um passado, que perpetua a recordação dos atos e atores
de sua história. Um documento que guarda a história da sociedade que o produziu e também das épocas
sucessivas durante as quais existiu, que reenvia testemunhos para serem assimilados pela memória coletiva.
Portanto, o seu devido restauro e manutenção assume caráter de urgência visto a eminência de perda
de espécies raras, assoreamento dos lagos e mal estado de pontes e maquinismos do ciclo de águas do
jardim, e desaparecimento de características e práticas centenárias da arquitetura e decoração do século
XIX materializadas no conjunto Chalet – jardim.

REFERÊNCIAS
DELPHIM, Carlos Fernando Moura. Jardins do Rio. Rio de Janeiro: Atlântica, 2012.
________. Intervenções em Jardins Históricos: manual. Brasília: IPHAN, 2005.
FOLLY, Luiz Fernando Dutra. A história da Praça Princeza Izabel em Nova Friburgo: o projeto esquecido de Glaziou.
Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da FAU-UFRJ.2007.
_______. Parque São Clemente: memórias de um jardim. In: TERRA, Carlos et al. (org.). Revista leituras paisagísticas:
teoria e práxis. n. 2. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007. (Tradição e Renovação: a contribuição de Glaziou para a memória do
paisagismo no Brasil).
_______; OLIVEIRA, Luanda Jucyelle Nascimento de e FARIA, Aura Maria Ribeiro. Barão de Nova Friburgo: impressões,
feitos e encontros. Rio de Janeiro: UFRJ / EBA, 2010.
_______; MELNIXENCO, Vanessa Cristina. Chácara do Chalet: Arquitetura e Paisagismo No Século XIX. In: 1° Congresso
Internacional de História da Construção Luso-Brasileira, 2013, Vitória. Anais... Vitória: Universidade Federal do Espírito
Santo, 2013.
LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In:_______. História e Memória. Campinas: UNICAMP, 1990.
OLIVEIRA, Luanda Jucyelle Nascimento; FOLLY, Luiz Fernando Dutra e MELNIXENCO, Vanessa Cristina. Chácara do Chalet:
pequena história de um sonho. Rio de Janeiro, Escola de Belas Artes, 2010.
RIO DE JANEIRO. Instituto Do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Processo nº 444T – 51. D.P.H.A.N. / D.E.T./ Seção
de História. Parque São Clemente e casa respectiva, Rio de Janeiro, nov. 1957. (Acervo pertencente ao IPHAN / COPEDOC
/ Arquivo central.

267
Jardins históricos

Pensamos o jardim como uma construção de relações entre


sujeitos, espaços e tempos, onde significantes sagrados,
profanos, afetivos, lúdicos, sociais e políticos são estabelecidos
e cultivados. Nesse sentido, pretendemos identificar a presença
destes elementos naturais investidos pela produção simbólica e
inquirir sua validade na conformação das cidades, refletindo sobre
sua história e presença em um contexto social contemporâneo.
Para isso, ações investigativas são desenvolvidas no campo
relacional entre arte, comunidade e universidade onde, por
meio do desenvolvimento e cultivo de jardins, toda uma rede
relacional é impulsionada de modo a oportunizar instâncias de
diálogo, sensibilização e mobilização coletiva. Nestes caminhos,
dois focos são explorados no âmbito da pesquisa-ação do
Observatório de Comunicação Estética OCE-CNPq, a escultura
social e a imagem cidade-floresta na obra do artista alemão
Joseph Beuys e, em uma esfera local, a obra Terra Doce em seu
projeto Jardim da Tia Neuma no Morro da Mangueira no Rio de
Janeiro.

Palavras chave: natureza, temporalidades, arte, (multipli)cidade.

268
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

De Beuys ao Jardim da Tia Neuma: paisagens


de arte, educação e política na cidade
contemporâneo
Isabela Frade | Daniele Alves | Clarice Rangel

A paisagem do jardim, o jardim na


paisagem

C
onjugando elementos naturais à ação do homem,
podemos dizer que as paisagens urbanas são
compostas, também, pelos jardins. Sendo eles
fragmentos da paisagem, percebida em sua totalidade,
planos específicos ou cenários, Carneiro (2014) afirma
que jardim e paisagem se atravessam. Como espaço
de prazer, contemplação e cuidado, os jardins se
tornam pequenos refúgios simbólicos e sociais para
os moradores das cidades. Cauquelin (2001) justifica
esta lógica dizendo que as referências do campo se
materializam nos jardins e, nele, os habitantes das
paisagens urbanas encontram uma fuga na paisagem
natural. A referida autora afirma que jardins estão
diretamente relacionados com a questão da memória:
cada ser humano guarda em sua história referências
de jardins presentes na identidade dos lugares, como
na casa dos avós, na escola, ou uma árvore marcante
em determinada rua, o cheiro de uma flor, e mesmo os
jardins da cidade, determinando assim, as paisagens de
diferentes tempos e lugares sociais.

269
Jardins históricos

O termo jardim de infância é bastante utilizado nas escolas, mas poucas pessoas refletem
sobre essa relação do jardim com a infância (FRADE, et al. 2016, p.8). Esse vínculo foi evidenciado pelo
educador alemão Friedrich Froebel (1782-1852), promotor original da noção de cuidado entre crianças
em crescimento como cultivo. Segundo ele, é por meio da educação que a criança vai se reconhecer como
membro vivo do todo (s/d). A ideia de criar um Jardim de Infância, ou, inicialmente, “Jardim das Crianças”, em
alemão: Kindergarten, considera que as crianças devem ser cultivadas e cuidadas assim como os jardineiros
fazem com as plantas. Desta forma, colocá-las em contato com a natureza, permitiria que aprendessem
sobre si mesmas e sobre o mundo (CARDOSO FILHO, 2006).
Hoje, temos como plataforma de ação artística e ecosófica, a ideia de uma educação ambiental ampliada
na produção de jardins. Especialmente os que estão destinados ao espaço público permitem a presença sensível
na aproximação e relaxamento em lugar abrigado, pelo espaço protegido que é o jardim (CAUQUELIN, Op. cit.).
A multiplicação dos espaços verdes cultivados no tecido urbano, de diferentes dimensões e qualidades, nos leva
a falar de uma “onda verde” nas cidades, onde mais e mais pessoas se organizam em grupos de agrocultivo. Há
uma longa linhagem que nos leva a contar, desde hoje, a história de nossos jardins.
Os jardins – decorativos ou funcionais, com horta e pomar – eram parte integrante das casas, nos
quintais era possível o deleite familiar em esfera privada, sendo esta uma característica de um tempo e da
própria estrutura de formação das cidades. Segundo o autor e arquiteto Ignasi de Lecea (2006) os jardins
urbanos são um fenômeno recente na estrutura das cidades. Na Europa e Inglaterra, o autor identifica o
século XVII como marco quando o “Place des Vosges” em Paris e os Squares de Londres são ajardinados.
Enquanto isso, no Brasil, lógica parecida se repete: as residências contavam com espaços verdes cultivados
domesticamente, sem um efetivo planejamento ou preocupação estética de sua forma ou conjunto. A
declarada intenção de construção de jardins existe com escassos registros, dentre esses, no século XVII,
Maurício de Nassau constrói o Palácio de Friburgo em Recife. Mais tardiamente, no século XVIII, Mestre
Valentim constrói o jardim do Passeio Público no Rio de Janeiro.
Podemos dizer que os anos que se seguiram foram prósperos para a cultura paisagística urbana,
a organização das cidades com paisagismo passa a ser defendida como uma estratégia de civilizar a nação
dentro do quadro político positivista do Governo Imperial, além disso, a vinda de nomes de peso para
solos nacionais ajudaram a fortalecer este processo, como o naturalista alemão Ludwig Riedel e o botânico
francês Auguste Marie François Glaziou, entre outros.
A partir do século XX, a cidade moderna se fortalece tendo os espaços públicos como sua relevante
expressão. No Brasil, Roberto Burle Max é o grande nome da criação dos jardins públicos modernos,

270
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

principalmente a partir da década de 1930. A paisagem urbana, cada vez mais construída, passa a exigir
espaços de contato com a natureza, reconectar com algo da essência, expressão romântica que, diferida,
encontra eco no modernismo. O que antes era extensão de casa, agora toma um distanciamento, sequências
de edifícios com vários andares, reduzidos espaços de moradia; – esta dinâmica reflete diretamente na
morfologia da paisagem urbana. Nesta nova configuração, a prática dos jardins absorve outras funções,
sendo implementada em locais determinados, nos entre lugares das edificações, uma ordenação da
natureza conciliando aspectos decorativos e artísticos. Segundo Carneiro (Op. cit.), o jardim é criado como
obra de arte para ser apreciada e desfrutada pelo público, tendo a planta como seu principal elemento de
expressão botânica e compreensão ecológica, um veículo de educação e socialização. (CARNEIRO, p.80)
Neste sentido, já é possível perceber um deslocamento da condição inicial dos jardins em
residências privadas como prática de proteção e subsistência para um panorama de espaço público, sendo
relacionado a funções sociais, artísticas e educativas. Para Anne Cauquelin (Op. cit.), esse jardim urbano
configura o asilo necessário para o homem da cidade, sendo o meio do caminho entre os perigos da natureza
e da sociedade (CAUQUELIN, p.66). Além disso, a existência de jardins no ambiente urbano influencia seu
entorno tanto no que se refere ao desempenho climático quanto à presença e desenvolvimento de fauna
e flora. (ANDRADE, 2014).
A jardinagem é um ofício que emprega conhecimentos de arte e princípios da botânica, aliados
às técnicas agrícolas, a fim de desenvolver o cultivo de jardins. O objetivo dos antigos jardineiros
era modelar o ambiente externo de vivência do homem, quer fosse um pequeno jardim, um
grande parque urbano, ou uma paisagem rural, procurando criar arranjos ou composições com
valor estético, pensando na relação entre cores, texturas, volumes e massas, cheios e vazios,
sombras e luzes, contraste e harmonia. (PESSOA e AZEVEDO, 2015, p.34).

A percepção compositiva em conjunto com elementos estéticos são agregados aos conhecimentos
botânicos e às técnicas agrícolas em prol da construção e manutenção das paisagem urbana. Diante do
contexto relacional entre jardins, natureza, arte e sociedade retomamos a imagem da cidade-floresta na
obra “7.000 Carvalhos” do artista alemão Joseph Beuys.

Arte na paisagem da cidade-floresta: 7.000 Carvalhos nos


jardins de Kassel
A obra artística de Joseph Beuys revela a sua personalidade multifacetada que ao transitar em
diferentes campos possíveis de atuação no social - político, educador, ecologista e artista - produziu um
pensamento intenso sobre a relação da arte e da natureza. Defendendo uma concepção de arte que tem

271
Jardins históricos

como fonte primária a forma relacional e orgânica entre os distintos modos de ser e estar no mundo. Foi
um dos co-fundadores do Partido Verde Alemão e da Universidade Livre Internacional (F.I.U.); também fez
parte do movimento FLUXUS, provocando ações em diferentes linguagens artísticas e mídias, desligando-se
posteriormente deste mesmo movimento na busca de questões intrínsecas ao seu modo de pensar e agir na e
pela arte. Desenvolveu um profundo estudo sobre as plantas e desenvolveu vários projetos imbricados nesse
âmbito do mundo vegetal. O pensamento de Beuys estava intimamente conectado às questões dos processos
de viver e da criação; assim, torna-se evidente as motivações em seus trabalhos sobre as plantas e animais.
Traça um arquétipo entre o indíviduo e a planta para compreender o funcionamento da sociedade e encontra,
nas ações ambientais e artísticas, um aporte para concretizar o seu desejo de mudanças no corpo social.
O projeto artístico 7.000 Oaks - City Forestation instead of City Administration de Beuys, iniciou-
se em 1982 na Documenta VII, em Kassel (Alemanha) e perdurou após a sua morte, finalizando-se na
Documenta VIII (1987). Este projeto apresenta de forma contudente a maturidade da obra de Beuys ao
trabalhar os aspectos fundamentais acerca da sua concepção de “arte expandida” e “escultura social”. O
trabalho envolvia a plantação de mudas de diferentes espécies de árvores pelas ruas de Kassel e pretendia
mobilizar um grande número de pessoas. O caráter colaborativo, a atuação na esfera pública e a utilização
da matéria estrito da natureza, são três elementos que se fundem numa ação artística que pretende esculpir
o social e alargar as fronteiras entre áreas distintas de conhecimento.
Denominamos, neste estudo, a matéria “natureza” de “terra” pela implicação que esta palavra
corrobora à questão acerca da “materialidade” estabelecendo uma abordagem mais terrena e laboral na
relação arte e natureza. A materialidade “terra” comunga com o princípio ecosófico de possibilitar uma
integração mais consciente entre a cultura e a natureza, a cidade e a floresta, o ser humano e a árvore. Um
pensamento presente na obra de Beuys através do seu conceito de “escultura social’.
O conceito ‘escultura social’ elaborado por Beuys abarca um outro conceito de “arte expandida”
que entende a arte como comunicação e explora a sua dimensão transdisciplinar. Assim, o primeiro
conceito considera os problemas dos campos não-artísticos, especificamente os ambientais e políticos,
como extensão da própria arte, estabelecendo uma outra definição para a noção de “escultura”. Para ele,
toda forma de vida deve ser esculpida. A ideia de pensar a existência dos seres vivos como escultura implica
conceber as (i)materialidades dos processos de viver em sua condição plástica, no sentido de maleabilidade,
de metamorfose e de (re)construção.
Com a proposta de substituir a “administração” de uma cidade pela a sua “arborização”, Beuys ativa
um organismo social como uma obra de arte, ou seja, aciona a “criatividade do indivíduo” a ser manifesta

272
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

pela ação de um coletivo. Uma “escultura viva” que dialoga com a imagem de uma “cidade-floresta”. Para
exemplificar e propor uma vivência pautada no seu conceito de “escultura social”, Beuys articulou ações
que necessitavam de parcerias, envolvimento e colaboração entre as pessoas na execução de um projeto
coletivo como a obra “7.000 Carvalhos”.
Os “7.000 Carvalhos” (Il. 1) elencou dois símbolos, o “carvalho” e a “pedra de basalto”, ligados
a uma história do lugar, da planta, da cultura. As árvores do projeto “7.000 carvalhos” não eram todas da
mesma espécie, o artista alemão queria tocar na simbologia especial do ‘carvalho’ para reavivar e criar uma
outra memória com os símbolos históricos. Beuys pretendeu resgatar uma história esquecida que antecede
o passado nazista alemão, uma memória mais íntima com o viver da/na floresta.
O “carvalho”, que é explorado pelo nazismo pela sua representação simbólica de força e resistência,
insere a imagem de uma árvore imponente e longeva dentro de um contexto militar. Com os mitos célticos,

Il. 1 – Joseph Beuys e o projeto “7.000 Oaks - City Forestation instead of City Administration”,
1982. Documenta 7, Kassel. Uma Plantação Coletiva - a Arborização da Cidade de Kassel. Foto:
Guenter Beer.
Fonte: <http://www.7000eichen.de/>

273
Jardins históricos

Joseph Beuys propõe pensar o “sagrado” que a árvore “carvalho” representa para os celtas. O “carvalho”
representa o amadurecimento do tempo. Esta árvore caracteriza-se por possuir um crescimento lento
ao passo que se constitui uma estrutura rígida, muito sólida. Da rigidez, advém a sua força e resistência
mas que, no entanto, Beuys reforça a qualidade de regeneração invocando a possibilidade de mudança
ao mesmo tempo que finca raízes profundas. Ao lado de cada árvore, o artista instruiu colocar a ‘pedra de
basalto’ exemplificando um outro tempo, uma memória de morte ligada às vítimas de guerra.
Creditando na esfera pública, o artista cultiva um espaço que enaltece as potencialidades do
“comum” no sentido de partilha, explicitando um agir no cotidiano pela sutileza de reavivar espaços na
qualidade de “lugar”, de pertencimento. Um florescimento que viabiliza um vínculo com o local que ocupa
(habita), construindo um lugar (moradia) imbricado com a sua materialidade “terra”, numa totalidade
que abrange diferentes tempos de amadurecimento do crescer/viver, de uma convivência com o tempo
ecológico, conforme explica o autor Marcos Reigota (2011):
No tempo da ecologia se incluem elementos inseparáveis e complementares, que não se
limitam às simples dimensões de passado, presente e futuro. Nele, a imprecisão, o inusitado,
o improvisado, o fragmento, o instável e o caótico do instante não podem ser indissociados da
imensidão do tempo histórico, geológico e biológico, e das dúvidas e questionamentos sobre as
possibilidades do porvir. (op.cit., p.32)

Histórias compartilhadas no Jardim de Tia Neuma


Entre o passado, o presente e o futuro, no jardim habitam seres que nos fazem tocar pelos
atravessamentos temporais que provocam. Uma velha árvore, ou mesmo resquícios de sua presença são
formas pungentes, apontam memórias queridas ou sonhos que não pudemos viver. Quando estão ali os
pequeninos miosótis, frágeis, são nossos compromissos com a nossa própria delicadeza. Assim também
como as trepadeiras, que remetem aos imprescindíveis apoios no percurso da existência. Cada coisa se
faz como campo de projeções emocionantes. Todo jardim tem um história subterrânea, interna, advinda
de um processo de subjetivação profunda. Se contarmos como cada um se enlaça aí com seus desejos e
memórias, perceberemos o enredado de afetos que se se produz incessantemente.
As plantas se constituem como viventes que nos superam. Ultrapassam, em muito, nossa
existência na terra e nos desafiam como espécie. Sua fixidez serve às fantasias que fazemos como espaço
poético movente com os insetos e outros bichos que ali se abrigam, nesse mini mundo purificado, lúdico,
protegido de todo o mal. Restrito pelos cordões dos canteiros, se servem do espaço construído em limites

274
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

que se expressam como conjuntos, compondo coletivo harmonizados: o jardim deve conter plantas felizes.
Essas são imagens mnemônicas de experiências infantis no jardim doméstico. Podem ser refletidas em
outras vivências infantis dessa deambulação sobre pequenos espaços, que podem ser mesmo ínfimos. Um
jardim pode existir no canto de uma janela, ou no único vaso da sala onde se encontra a mágica concha
de um caramujo. Bachelard (2000), quando pensou o imaginário poético da casa, nos falava de centros de
simplicidade, onde o sentido onírico do refúgio pode ser vivido.
A obra Terra Doce em seu projeto Jardim da Tia Neuma gera espaços poéticos que buscam abrir
espaço para a troca dessas imagens de sonho na relação com a natureza. Ocupar um espaço degradado,
cheio de lixo e deflagrar o lugar da memória dos delírios infantis e das recordações comunais-”Ah, houve um
tempo em que havia aqui uma senhora que cuidava de muitas roseiras… era uma coisa linda, você nem ia
acreditar, mas isso aqui era muito bonito. Hoje ninguém quer cuidar e está assim, cheio de lixo”. Substituir
o solo contaminado do monturo de dejetos por brotos e dar espaço à imaginação de um jardim coletivo é
o nosso caminho para a produção de um campo relacional, nosso principal objetivo. Relacionar-se consigo
mesmo, em devaneios por um centro de solidão concentrada ou então abrir-se ao riso e ao prazer do
encontro, em ação lúdica com o outro.
Ali onde era um ponto ativo do tráfico de crack, fomos alimentando, pouco a pouco, uma
convivência diária entre vizinhos, com os passantes, com as crianças da creche que fica ali defronte. Criar
uma brecha entra as entradas e rápidas tensas, corridas pelo tempo restrito e a violência acachapante para
avós e pais abrirem um minuto para ver a rosa ou a borboleta com seus pequenos. (Il. 2).
Nos demoramos mais nos canteiros próximos à creche pela urgência pedagógica no
estabelecimento de um lugar de espera com acolhimento. Demoramos a torná-lo significativo pois este
espaço público no morro foi naturalizado como sendo perigoso e sujo. Pela diminuta Creche Escola Nação
Mangueirense fechada em suas grades altas, iniciamos pela faixa de terra que permanece resguardada
no seu interior. Depois, expandimos pouco a pouco e foram muitos encontros, oficinas, e momentos de
investida nesses anos de trabalho (o Jardim começou a ser reativado em 2010).
Da promotora da creche, a matriarca Tia Neuma, nasce o nome do lugar. Muitos da comunidade
não sabiam de quem se tratava. As lembranças da senhora alegre e batalhadora são revisitadas pela história
oral que começamos a fazer circular. As vozes mais maduras se deslocam para o passado e recordam: -”Ah
ela era muito alegre e simples, muito carinhosa também. Por isso não era “D. Neuma”, mas “Tia Neuma”...”.
–”Muito merecida homenagem, ela era muito boa.”– ”É sempre bom lembrar dela.” O desfazimento dessa
figura matriarcal que foi a Tia Neuma é uma experiência que mescla a história local e as formas desejantes

275
Jardins históricos

Il. 2 – Vista superior do terceiro platô do Jardim de Tia Neuma


com vista para o Morro dos Macacos, ao fundo. No segundo plano,
nosso vaso de goiabeira apresentando sinais da explosão sofrida por
um rojão: ocupar a “praça do tráfico” é estar exposto à constantes
agressões.

do presente, desenhando um possível futuro de amor e de paz. Aqui caberia a reflexão de Rubem Alves em
Sobre Política e Jardinagem: Há descobrimentos de origens. Mais belos são os descobrimentos de destinos.
(2000). (Il. 3).
Para refletir sobre o esquecimento, Andreas Hyussen (2014) perpassa ideias seminais de Ricoeur
sobre a fenomenologia do esquecimento: O esquecimento precisa ser situado num campo de termos e
fenômenos como o silêncio, desarticulação, evasão, apagamento, desgaste, repressão - todos os quais
revelam um espectro de estratégias tão complexo quanto o da própria memória. (p. 158). A história e
sua dissolução na memória social que se mantém nos fatos que permanecem e vão sendo reabsorvidos
em partes do corpo social. Vibram quando agitados os seus conteúdos humanos, são forças ativas que
conquistam a entropia e superam a manipulação externa homogeneizante. Neste sentido é que o jardim
é uma obra que apela para essa memória afetiva e se faz como campo de história viva. Uma narrativa
integradora que não é contada por um especialista ou autoridade, mas por todos os que ali estão. (Il. 4).

276
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 3 – Em ação, a equipe extensionista da UERJ: Jardineiras-aprendizes


no esforço de limpeza do terreno, aprendendo a lidar com tesoura e
ancinho. No plano de fundo, o medalhão em grafite com o rosto de
Tia Neuma, matriarca querida da Mangueira.
Fonte: Arquivo da pesquisa.

Il. 4. – O Cravo e a Rosa: cultivando uma poética de infância no Jardim


de Tia Neuma.
Fonte: Arquivo da pesquisa.

Considerações finais
Com a temática da gestão de jardins, que contam e fazem histórias, inseridos nos processos
paisagísticos da cidade contemporânea suscitamos o campo relacional entre arte, comunidade, pesquisa,
ação e universidade a partir do olhar de artistas, educadoras, pesquisadoras e jardineiras que acreditam e
experimentam o cuidado com os jardins como forma de ensinar e aprender arte na alegria do (con)viver.
Dentre muitas inspirações, Joseph Beuys e sua obra nos mostra como a coletividade engajada por meio
do seu ativismo político e ecológico é força de pensamento, mobilização e criação. Beuys foi fundador do
Partido Verde alemão e instaurou o ativismo ecoesteticopolítico do qual nos sentimos herdeiras. O vínculo
com a terra como materialidade que possibilita toda existência se mostra evidenciado na obra “7.000
Carvalhos”, um ação passada e também vindoura: plantar sete mil mudas de uma árvore que vive cerca de
800 anos. Assim, no estudo de sua obra, somos convidadas a perceber a rede de relações indissociáveis
entre arte, natureza e vida, envolvidas essencialmente nos modos de ser que integram dimensões políticas
e sociais.

277
Jardins históricos

Todo jardim começa com um sonho de amor. De mesma forma, ao alcance das nossas ações, mas
certamente com reverberações longínquas, o envolvimento com a comunidade da Mangueira por meio do
Jardim da Tia Neuma mostra nosso comprometimento com a terra, preocupadas com os modos de ser, de
conviver, de aprender e de experimentar a vida. Um processo múltiplo de sensibilização: tocamos a terra, as
pessoas, os fluxos e por ele também somos tocadas. Ressignificar um espaço inicialmente hostil e violento
suscitando memórias já quase esquecidas e cultivar um jardim propondo um espaço de experimentação, de
acolhimento, de cuidado com a terra e com o outro, de respeito com o tempo que a própria natureza nos
impõe - da semeadura à colheita, do desabrochar de uma flor. Onde é possível acessar todas as formas de
conhecimento, do mais tradicional, ao científico, do acadêmico ao popular. (Il. 5).
De encontros pacíficos e férteis à outros que precisaram ser desmarcados por conta de confrontos
inflamados na comunidade. Nesta caminhada, já se vão 6 anos cultivando o Jardim da Tia Neuma; sim, este
é um jardim de histórias, sua gestão se mostra delicada e só é possível com o envolvimento da comunidade.
Ele é em si uma história, ainda breve, mas intensa e sofrida. Tornou-se um bem cultural, um espaço de
socialização e de arte.

Il. 5 – Encontros possíveis: pesquisadores, comunidade, arte e jardinagem no Jardim


da Tia Neuma na Mangueira - Rio de Janeiro.
Fonte: Arquivo da pesquisa.

278
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

REFERÊNCIAS
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<http://www.rubemalves.com.br/site/10mais_08.php >. Acesso: 20.05.2016.
ANDRADE, Inês El- Jaick. O Entorno dos jardins históricos: construção histórica e caracterização dos impactos. In: TERRA,
Carlos; TRINDADE, Jeanne. (Orgs). Arqueologia da paisagem: olhares sobre o jardim histórico. Rio de Janeiro: Rio Book’s,
2014.
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
CARNEIRO, Ana Rita Sá. O jardim como Paisagem. In: TERRA, Carlos; TRINDADE, Jeanne. (Orgs). Arqueologia da paisagem:
olhares sobre o jardim histórico. Rio de Janeiro: Rio Book’s, 2014.
CARDOSO FILHO, Ronie. O Primeiro Jardim de Infância do Brasil (1862): um lugar de memória? In: Anais do VI congresso
luso-brasileiro de história da educação, 2006, Uberlândia MG. p. 1683-1693. Disponível: <http://www2.faced.ufu.br/
colubhe06/anais/arquivos/151RonieCardosoFilho.pdf>. Acesso: 15 jan.2016.
CAUQUELIN, Anne. A invenção da paisagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
FRADE, I. N.; BRANQUINHO, F. ; ALVES, D. ; KZAM, F. Experiências do saber em arte e ciência - espaços verdejantes e
formas comunais. 25º Encontro ANPAP. Rio Grande do Sul, 2016
HUYSSEN, Andreas. “Resistência à memória: usos e abusos do esquecimento público”. In: Culturas do Passado-Presente:
modernismos, artes visuais, políticas da memória. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014.
LECEA, Ignaci de. Sobre os jardins da arte e a arte dos jardins. Notas sobre o jardim urbano contemporâneo. On the w@
terfront. Nº 8, 2006. Disponível em: www.raco.cat/index.php/Waterfront/article/download/217155/293974 Acesso:: 18
abr. 2016.
REIGOTA, Marcos. A floresta e a escola: por um educação ambiental pós-moderna. São Paulo: Cortez, 2011.

279
Jardins históricos

Pensamos o jardim como uma construção de relações entre


sujeitos, espaços e tempos, onde significantes sagrados,
profanos, afetivos, lúdicos, sociais e políticos são estabelecidos
e cultivados. Nesse sentido, pretendemos identificar a presença
destes elementos naturais investidos pela produção simbólica e
inquirir sua validade na conformação das cidades, refletindo sobre
sua história e presença em um contexto social contemporâneo.
Para isso, ações investigativas são desenvolvidas no campo
relacional entre arte, comunidade e universidade onde, por
meio do desenvolvimento e cultivo de jardins, toda uma rede
relacional é impulsionada de modo a oportunizar instâncias de
diálogo, sensibilização e mobilização coletiva. Nestes caminhos,
dois focos são explorados no âmbito da pesquisa-ação do
Observatório de Comunicação Estética OCE-CNPq, a escultura
social e a imagem cidade-floresta na obra do artista alemão
Joseph Beuys e, em uma esfera local, a obra Terra Doce em seu
projeto Jardim da Tia Neuma no Morro da Mangueira no Rio de
Janeiro.

Palavras chave: natureza, temporalidades, arte, (multipli)cidade.

280
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

O jardineiro e a gestão dos jardins tombados de


Burle Marx no Recife
Ana Rita Sá C. Ribeiro | Wilson de B. Feitosa Jr.| Joelmir Marques da Silva | Lucia
Maria de Siqueira Cavalcanti Veras

A PARTICIPAÇÃO DO JARDINEIRO NA
CONSERVAÇÃO DO JARDIM

O
jardineiro é o grande observador da vida do
jardim porque seu trabalho diário significa
acompanhamento e compromisso em mantê-
lo. De certo modo, é também pesquisador e paisagista
porque mede a reação das plantas e discute com quem
o concebeu chegando até a sugerir mudanças. Como
afirma Rubem Alves: Havendo um jardineiro, mais cedo
ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo
um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele
desaparecerá [...] (ALVES, 1999, p.24).
Pesquisas realizadas apontam o jardineiro
como principal protagonista na gestão e conservação
dos jardins, principalmente os jardins históricos. O
arquiteto Tom Wright (1994) em El mantenimiento y
la conservación de los jardines históricos ao se referir
aos jardineiros afirma que o entusiasmo e a dedicação
que eles colocam nos jardins de nada serve se não
têm a experiência, e que a conservação necessita de
jardineiros cuidadosos e previsores. Ainda, de acordo
com Rivera (1995), a conservação efetiva de um jardim

281
Jardins históricos

histórico está atrelada à figura do conservador responsable – ¿Jardinero Mayor? (p. 126), o qual deve ter
formação suficiente em história e evolução do jardim, traçado e planos de plantação, origem e significado de
suas plantas: o Jardinero Mayor debe tener uma formación práctica y experimentada em jardinaria, viveros,
cultivos, etc., que es frecuentemente desconocida para mucho técnicos, y que siempre es primordial (p.
126). Tais exigências irão garantir o conhecimento da história do jardim e não de um período determinado,
o que poderia levar à descaracterização.
Essas preocupações estão explícitas na Carta de Florença (1981) em seu artigo 24, que trata da
“proteção legal e administrativa” e especifica que o jardim histórico, em razão de sua natureza, exige o
máximo de cuidados contínuos por parte de pessoas qualificadas, e assim sugere a formação de profissionais
e entre eles está o jardineiro.
A conservação dos jardins históricos tem como fundamento a Carta de Florença elaborada em 1981,
cuja revisão, há algum tempo prevista diante das crescentes demandas, foi assunto da reunião de junho de
2016 do Comitê Internacional de Paisagens Culturais ICOMOS/IFLA, na cidade de Florença. Vários centros de
estudo dos jardins contribuíram com sugestões. Uma das contribuições enviadas pela equipe do Laboratório
da Paisagem da Universidade Federal de Pernambuco refere-se ao trabalho do jardineiro que deveria ser
enfatizado no Artigo 2 ao tratar da aparência do jardim como resultado dos ciclos da natureza, do crescimento
e decadência do vegetal e do desejo do artista e do executor de conservá-lo. Tal ênfase à formação de
jardineiros e especialistas em jardins históricos também foi ressaltada pela especialista Mabel Contin, vice-
presidente do Comitê de paisagens culturais e coordenadora do Comitê na América Latina, que aborda a
referência ao jardim histórico como um tipo de paisagem cultural sugerindo para a gestão a inclusão de:
a) la sociedad en el reconocimiento y valoración de los jardines históricos; b) los recursos financieros
necesarios a la rehabilitación y fundamentalmente, al mantenimiento; c) la formación de jardineros y
especialistas en el campo de la conservación de los jardines e d) la realización de actividades que faciliten
la comprensión del valor de los jardines desde diversos puntos de vista, estéticos, botánicos, sociales,
históricos, urbanísticos, etc. Visitas guiadas, proposiciones para proyectos de investigación a distintos
niveles de enseñanza, promoción en los estudios de arquitectura del paisaje de los jardines históricos
como campo de especialización, etc.

A manutenção dos jardins públicos nas cidades brasileiras torna-se mais complexa do que a dos jardins
privados pela dificuldade de recursos humanos e materiais dos governos municipais, e pela diversidade de
usuários que, em muitos casos, não valoriza o jardim como um bem cultural. É o que vem acontecendo no Recife
com o conjunto de seis jardins projetados pelo paisagista Burle Marx que foram tombados em junho de 2015
como patrimônio cultural nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) (Il. 1).

282
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Cinco deles passaram por intervenção de restauração privilegiando a ideia do paisagista, no


entanto, o que foi produzido está se perdendo no tempo pela falta de manutenção adequada o que inclui
a falta de jardineiros treinados. Acreditamos que a ausência do “jardineiro de praça”, cargo que antes
reconhecido no modelo de gestão dos parques e praças da Prefeitura do Recife, afetou enfaticamente
o estado de conservação dos jardins. Não há mais o cargo de jardineiro no quadro de funcionários da
Prefeitura do Recife e essa tarefa vem sendo exercida por funcionários de serviços de limpeza urbana da
Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana – EMLURB.
Esse foi o motivo da realização da pesquisa “O ofício do jardineiro na gestão dos jardins públicos do
Recife” que vem sendo desenvolvida pelo Laboratório da Paisagem da Universidade Federal de Pernambuco
desde 2013 dando continuidade à anterior, iniciada em 2011, denominada “A arte do jardineiro para a
conservação dos jardins”. O conteúdo da pesquisa está voltado para construir conhecimento sobre o
pensamento do jardineiro, sua formação e o desempenho em jardins públicos e a relação com a gestão da
conservação de um jardim histórico na cidade do Recife.
Admite-se que o tombamento dos jardins causou certo entusiasmo na instância municipal ao ponto
de ser sucedido por um Decreto Municipal n. 29/16 que classifica quinze praças como ‘jardins históricos’ –
incluindo os seis já tombados – em que houve a participação do paisagista Burle Marx. O ímpeto dessa ação
positiva não mediu as consequências para garantir a conservação dos jardins firmando um modelo compatível
de gestão, pois em paralelo se evidenciava a perda de alguns atributos nos seis jardins protegidos.
A decisão da Prefeitura do Recife em classificar quinze jardins na legislação municipal foi precedida
por um Memorial Técnico de Jardins Históricos, elaborado em parceria entre a Prefeitura do Recife e o
Laboratório da Paisagem da UFPE. Estes foram os primeiros passos para a proteção legal desse patrimônio,
que terão como segunda etapa a elaboração dos Planos de Gestão e de Conservação, já assegurados
pelo instrumento legal do município do Recife. No entanto ocorre uma dicotomia entre as iniciativas do
planejamento e a prática da conservação.
Observações realizadas nesses jardins, a partir das pesquisas, constaram que técnicos responsáveis
pela manutenção – arquitetos, engenheiros e agrônomos – conhecem pouco ou, em alguns casos, desconhecem
os documentos básicos como a Carta de Florença e a Carta Brasileira dos Jardins Históricos que mostram a
relevância e a complexidade de um jardim histórico ou um jardim monumento. Isto também foi revelado nas
entrevistas realizadas com alguns funcionários municipais – arquitetos, engenheiros, fiscais – que consistiram
na principal fonte de dados para comparar o atual exercício da gestão dos jardins com o que ocorria há alguns
anos atrás em que o jardineiro atuava fazendo parte do quadro de funcionários do município.

283
Jardins históricos

Como o Laboratório da Paisagem da UFPE realiza vistoria periódica nos jardins tombados observou-
se, em recente visita no mês de maio de 2016, a baixa qualidade da conservação o que se pode atribuir à
falta de capacitação da equipe responsável incluindo técnicos e jardineiros nos cuidados diários dos jardins.
Assim, objetiva-se com este artigo verificar em que medida acontece a participação do jardineiro como ator
na equipe responsável pela gestão da conservação dos jardins de Burle Marx do Recife.
Em paralelo, a pesquisa está registrando também os tipos de cursos de treinamento de jardineiros
oferecidos por empresas, sementeiras, e também pelo Jardim Botânico do Recife que faz parte da Secretaria
de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Prefeitura do Recife. Partindo do levantamento do conteúdo dos
cursos de jardinagem buscou-se realçar o contraponto entre o profissional jardineiro e o funcionário de
serviços de limpeza urbana, cujo desempenho tem ou não envolvimento com a função requerida.

O JARDINEIRO NO MODELO DE GESTÃO DA PREFEITURA DO RECIFE


Atualmente, na cidade do Recife, o trabalho de manutenção dos jardins não tem sido uma tarefa
fácil. Analisando os seis jardins históricos projetados por Burle Marx reconhecidos como patrimônio cultural
nacional – Praça de Casa Forte, Praça Euclides da Cunha, Praça do Derby, Praça da República com jardim
do Palácio do Campo das Princesas, Praça Ministro Salgado Filho e Praça Faria Neves – e sabendo-se que
cinco desses jardins passaram por intervenções de restauração ainda se torna mais complexa a ação da
conservação. A Praça da República com o jardim do Palácio do Campo das Princesas foi o único conjunto
que não foi restaurado.
Segundo relatos da arquiteta Inês Oliveira, que participou dos projetos de restauração de cinco
desses jardins –, e a engenheira agrônoma Ana Guedes – que participou de um deles – funcionárias da
Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana/EMLURB e do extinto Departamento de Paisagismo da
Prefeitura – o jardineiro fez parte do quadro de funcionários da Prefeitura por cerca de 30 anos. Nessa
época havia de fato um modelo de gestão que incluía o cuidado com os jardins a partir da definição de
setores de tratamento fitossanitário, manutenção de equipamentos e contando com o cargo “jardineiro de
praça” (Entrevistas realizadas em 27/03/2015 e em 30/03/2015).
Porém, o desmonte da estrutura estatal priorizou a terceirização dos serviços e as parcerias com
empresas privadas para a manutenção das praças como o Programa “Adote o verde” cuja contrapartida é a
propaganda em placas colocadas no local da praça. Por outro lado, a falta de informação sobre os serviços
necessários para a execução da restauração faz com que não haja exigências quanto ao conhecimento
botânico e de ciências do solo para os concorrentes nas licitações.

284
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Atualmente a Praça Euclides da Cunha é uma das adotadas pela Construtora Modesto, responsável
pela manutenção do jardim por um período de vinte anos. O caso dessa praça é bem específico, pois
resultou de uma negociação com o IPHAN no processo de aprovação da construção de um edifício em lote
lindeiro à praça uma vez que a solicitação de tombamento dos seis jardins de Burle Marx já estava em vigor
controlando o gabarito das edificações. Nesse caso, a Construtora contratou um jardineiro da empresa
‘Ouro Verde Jardinagem’ que, em entrevista realizada em 18.05.2016, relatou não ter tido nenhum tipo de
treinamento para trabalhar com a vegetação da caatinga. Assim, declarou que sua função na praça era de
capinagem, varredura e irrigação. Como consequência disso, se vem notando que as cactáceas, presentes
no canteiro central, estão definhando pela constante irrigação, assim como estão sendo plantadas espécies
desassociadas do projeto de restauração.
Para a arquiteta Inês Oliveira, o modelo de gestão em vigor, optando pela terceirização, desvinculou
as exigências quanto aos requisitos botânicos que direcionavam para as empresas de paisagismo. Então, o
critério de menor preço ficou sendo o definidor e que muitas vezes inviabiliza uma boa execução:
Para a vegetação é preciso ter um cuidado especial, e o jardineiro tem esse conhecimento. As
empresas contratadas são normalmente construtoras, não são empresas de paisagismo [...]. Hoje
se pensa numa visão global das coisas, achando que qualquer um cuida de praça. Não é assim.
Não houve ao longo do tempo, um acompanhamento do quadro de pessoal com o crescimento
da cidade. O número de funcionários estacionou e foram terceirizando tudo. Então aconteceu
essa rotatividade, de modo que não tem ninguém específico para determinadas funções. Com
raras exceções (Entrevista realizada em 27/03/2015).

Percebe-se assim o descaso com a capacitação do profissional que faz a manutenção nas praças
e parques como se essas áreas representassem apenas uma extensão do serviço de limpeza urbana da
cidade que atuam nas ações de varrição, recolhimento de lixo, etc. O zelo com as plantas passa a ser fato
secundário. Essa ausência do exercício do jardineiro acarreta a perda de singularidade e de qualidade
por falta de mãos treinadas. Daí percebe-se que a ação do jardineiro é indispensável para que os jardins
floresçam e permaneçam no tempo como documentos, afinal são monumentos também.
Disso resultou a necessidade da pesquisa para caracterizar esse descompasso entre o planejamento
urbano e a prática da conservação que requer ações integradas e articuladas de gestão entre os diferentes
atores sociais envolvidos. Por exemplo, há a oferta de cursos de jardinagem na própria instituição como o
Jardim Botânico inserido na Secretaria de Meio Ambiente da Prefeitura do Recife, porém não há absorção
ou aproveitamento dessa mão de obra treinada nas próprias atividades que exercem. Inicialmente, houve
a inclusão de profissionais de serviços gerais do Jardim Botânico como alunos do curso, porém os mesmos

285
Jardins históricos

não foram aproveitados nos trabalhos de conservação das praças e parques da cidade.
O curso de capacitação em técnicas profissionais de jardinagem que ocorre anualmente no
Jardim Botânico do Recife, segue os moldes do que é realizado pela rede brasileira de jardins botânicos
no Rio de Janeiro, a partir de manuais existentes. O perfil do curso está voltado para o mercado trabalho,
diferentemente de alguns cursos pagos existentes na cidade, possuindo um processo de seleção por perfil
de renda considerando-se também a situação de desemprego dos candidatos. Apesar de o Jardim Botânico
ser administrado por uma Secretaria da Prefeitura, o curso tem parceria com o Instituto Gerdau, que apoiou
a recuperação do mesmo e necessita de profissionais qualificados. Outro curso de jardinagem é oferecido
no Espaço Ciência, instituição com fins educativos, apoiada por capital privado e pela Fundação de Amparo
à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco – FACEPE funcionando de duas a três vezes ao ano e
voltado para as comunidades pobres do entorno.
O modelo de gestão atual retirou o jardineiro como membro permanente, como ator da gestão.
Ele aparece eventualmente em situação atípica que exige contratação de firma de intervenção. São vários
os motivos para isso ter acontecido desde a falta de prioridade que deveria ser dada para esse objeto até
a redução dos gastos.

ASPECTOS DA VISTORIA NOS JARDINS


De maneira geral, a vegetação é o componente que mais sofre pela falta de uma correta
conservação. Adubação, manejo de parasitas e hemiparasitas, podas de manutenção, reposição de espécies
– aquáticas e terrestres – e irrigação são os principais pontos críticos observados na vistoria realizada em
maio de 2016, na Praça de Casa Forte, Praça Euclides da Cunha, Praça do Derby, Praça da República, Praça
Ministro Salgado Filho e Praça Faria Neves.
No conjunto, a Praça Ministro Salgado Filho desponta como a mais atingida pela falta de
conservação, mesmo tendo sido restaurada em 2013. A falta de manejo de espécies espontâneas, agressivas
pelo poder de propagação, vem contribuindo para a eliminação das espécies herbáceas, principalmente as
que margeiam o espelho d’água, principal atrativo da praça, o que vem acarretando a perda do traçado
(Il 2). A ação dos ambulantes e moradores de rua é outro aspecto que chama atenção já que algumas
espécies históricas, remotas do projeto original, como por exemplo, o Basiloxylon brasiliensis (pau-rei) e a
Couroupita guianensis (abricó-de-macaco) estão servindo de suporte para lixo e utensílios. Com isso esses
indivíduos ficam susceptíveis a pragas que sem a devida erradicação podem levá-los a morte.

286
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 1– Praças de Burle Marx tombadas pelo Iphan no Recife: Il. 2 – Canteiro de Colocasia esculenta na Praça Ministro Salgado Filho.
Casa Forte, Euclides da Cunha, Derby, República, Faria No lado esquerdo em 2013 após a restauração e no lado direito em
Neves e Ministro Salgado Filho. 2016, onde se pode ver a ocupação do canteiro por plantas invasoras.
Fonte: Fotos: Lúcia Veras, 2015.

Na Praça de Casa Forte e na Praça Faria Neves os hemiparasitas: Ficus dendrocida (mata-
pau), Phthirusa pyrifolia (erva-de-passarinho) e Struthanthus syringifolius (erva-de-passarinho), estão
descaracterizando a arquitetura da copa e do tronco. Por falta de uma correta adubação e irrigação
a vegetação herbácea plantada no momento da restauração da Praça de Casa Forte estão morrendo, a
exemplo das espécies Caladium bicolor (caladium), Crinum x powellii (crinum), Strelitzia sp. (strelitizia) e
Zantedeschia aethiopica (copo-de-leite). A falta do jardineiro treinado em manejo, principalmente no que
se refere à capacidade hídrica e tipo substrato, das plantas paludosas e aquáticas está contribuindo para
o desaparecimento de espécies como: Cyperus papyrus (papiro), Typha domingues (taboa), Nymphaea
caerulea (ninfeia) e Nymphaea nouchali (ninfeia-roxa) na Praça de Casa Forte, Praça do Derby e Praça
Ministro Salgado Filho (Il. 3).
O controle de insetos-pragas, que são problemas para a sobrevivência principalmente de espécies
herbáceas, também é uma das atribuições de um jardineiro bem treinado. Atualmente existe na Praça Faria
Neves uma proliferação de Atta bisphaerica (saúva) que praticamente destruíram os canteiros de Canna
indica (cana-da-índia), já que se alimentam das folhas jovens o que impossibilita o crescimento.

287
Jardins históricos

Il. 3 – Gari na função de jardineiro na Praça de Casa Forte amarrando o


conjunto de Cyperus papyrus (papiro) de forma errada o que levará à
estrangulação caulinar levando os indivíduos à morte.
Fonte: Acervo do Laboratório da Paisagem da UFPE.

288
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

DILEMA: O PLANEJAMENTO E A GESTÃO DOS JARDINS HISTÓRICOS


Na Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Prefeitura do Recife, a categoria municipal
de proteção denominada “Jardins Históricos”, foi instituída no Sistema Municipal de Unidades Protegidas
do Recife – SMUP Recife (Lei nº 18.014/2014), como uma das Unidades de Equilíbrio Ambiental (UEA) que
compõe este Sistema. Os estudos para a elaboração do Memorial Técnico justificativo dos quinze jardins
históricos oficialmente reconhecidos pelo Decreto Municipal nº 29.537/2016, partiram dos Inventários dos
Jardins de Burle Marx do Laboratório da Paisagem da UFPE que tem por base às definições da Carta de
Florença (1981) que aponta como elementos referentes à topografia, massas vegetais, água, mobiliário
e materiais, e que os valores botânico, paisagístico e histórico-cultural devem ter suas características
preservadas.
Como condicionante para que estas características sejam identificadas, impõe a necessidade de
elaboração de “estudos técnicos” ou de “memorial justificativo”’, que fundamentem a sua instituição, com
o fim de subsidiar a apreciação do órgão gestor ambiental municipal e de demais órgãos ou instâncias cuja
consulta ou análise seja legalmente obrigatória (SMUP, Art. 30, Lei nº 18.014/2014). Algumas considerações
também foram atribuídas ao conteúdo da Carta Brasileira de Jardins Históricos.
Os quinze jardins correspondem aos seis já tombados pelo Iphan e mais nove que compõem o
conjunto: Praça de Casa Forte, Praça Euclides da Cunha, Praça do Derby, Praça da República com o Jardim do
Campo das Princesas, Praça Salgado Filha, Praça Faria Neves, Praça Pinto Damaso, Praça do Entroncamento,
Praça Chora Menino, Praça Maciel Pinheiro, Praça Dezessete, Praça Artur Oscar, Largo das Cinco Pontas,
Largo da Paz e Jardim da Capela da Jaqueira.
A opção pela construção de um Memorial Técnico-justificativo se deu por se compreender que os
“estudos técnicos” já seriam aqueles realizados pelo Laboratório da Paisagem da UFPE para o Inventário.
A partir daí, foram identificados os elementos de significativo valor patrimonial e definidas três grandes
categorias de atributos, além da identificação inicial, compondo a Ficha Cadastral de cada jardim com os
seguintes itens: (1) Identificação, (2) atributos histórico-culturais, (3) atributos botânicos e (4) atributos
compositivos.
A identificação localiza o jardim/praça na cidade, discriminando-se sua área, autores do projeto
original e de restauro, além da data de cada intervenção. Os Atributos Histórico-culturais sintetizam a história
de cada jardim/praça, expondo os principais momentos históricos, os princípios projetuais do paisagista,
bem como se analisa a manutenção de suas ideias originais que justificam a sua conservação. Os Atributos
Botânicos sintetizam a composição daquilo que se define como “massa vegetal” dos jardins, tanto arbóreas,

289
Jardins históricos

quanto arbustivas, herbáceas, forrações e também as palmáceas, associando as escolhas às intenções do


paisagista de criar microclimas, enfatizar o uso de vegetação nativa valorizadas na seleção das espécies,
enfatizar determinadas ideias como a criação de eixos monumentais, associando a forma das plantas à
composição estética. Os Atributos Compositivos consideram o conjunto dos elementos que compõem o
jardim/praça, desde a topografia como suporte, à vegetação, ao mobiliário, aos equipamentos e ao traçado.
Assim, tenta-se compreender o gesto do paisagista que se inscreve na relação compositiva entre
todos estes elementos e o recorte urbano onde se insere. É aqui que se constata que os jardins de Burle
Marx em Recife extrapolam os limites de sua área convencional e se derramam pelas ruas que para eles
convergem, numa clara compreensão de que compõem uma unidade de paisagem urbana.
Após visitas de campo com especialistas e cotejando-se os dados levantados no local com as
informações fornecidas pelos estudos do Laboratório da Paisagem da UFPE, a Ficha Cadastral de cada praça
sintetiza estes atributos traduzidos em textos e mapas digitalizados, fotografias e desenhos do paisagista,
que especificam cada jardim de per si. A Il. 4 a seguir, da Praça Ministro Salgado Filho, ilustra o registro em
plantas do projeto da Praça tal como se encontra hoje após a restauração em 2013.
Com a identificação dos atributos, o Memorial Técnico é mais uma produção que atesta a
relevância desses jardins quanto à concepção e indica um avanço que tem como referência o significado
dessa categoria a nível internacional, porém, tais aspectos parecem ser dissimulados ou não haver respaldo
no âmbito do monitoramento da conservação uma vez que o nível de conhecimento dos técnicos que
atuam ainda é bastante precário.
Diante do exposto constata-se um considerável descompasso entre o planejamento e a prática
de conservação dos jardins históricos. O Memorial apresenta-se como um conjunto pormenorizado
dos componentes de cada jardim classificado que precisam ser conhecidos e respeitados na prática da
conservação. O que acontece, porém, é que o modelo de gestão em vigor não consegue viabilizar as
necessárias exigências para que isso se efetive.

considerações finais
Estabelecer normas para a conservação de um bem que se compreende como patrimônio natural
e cultural, é um desafio que vai exigir a definição de condicionantes-chave neste processo tais como:
vistorias sistemáticas por especialistas que avaliem as condições da conservação, manutenção de equipe
de jardineiros especialmente treinados para estes jardins, manutenção da sementeira municipal preparada
a produção de mudas de espécies que fazem parte do repertório botânico de Burle Marx.

290
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 4 – Praça Ministro Salgado Filho: planta baixa da situação após restauração em 2013, planta
interpretativa dos atributos compositivos em relação ao recorte da cidade onde se insere e foto
panorâmica relacionando a Praça ao antigo edifício do Aeroporto dos Guararapes do Recife
Fonte: Decreto29.537/16 e Foto: Lúcia Veras, 2015).

291
Jardins históricos

O jardineiro, portanto, é um veículo indispensável e por que não prioritário para essa viabilização.
É o meio que dará respaldo a implantação de um programa sistemático de educação patrimonial para que a
cidade e em especial os usuários destas praças passem a compreendê-la como um bem comum e, portanto,
um bem público a ser protegido.
Uma coisa é instituir instrumentos legais de proteção e a outra é por em prática esses instrumentos
pois, não basta o reconhecimento legal, no papel, para que um bem público seja protegido, mas, sobretudo,
este instrumento deve ser validado pela implementação de planos estratégicos de gestão do patrimônio que
norteiem o trabalho dos gestores municipais e garantam a conservação destas praças como um patrimônio
recifense.

REFERÊNCIAS
ALVES, Rubem. Entre a Ciência e a Sapiência: o dilema da educação. São Paulo: Edições Loyola, 1999.
CARDOSO, Isabel L. Paisagem patrimônio: aproximações pluridisciplinares. Porto: CHAIA/ Dafne Editora, 2013
CARTA DE FLORENÇA, (1981) In: CURY, Isabelle (org.). Cartas Patrimoniais, Iphan, Rio de Janeiro: Edições do Patrimônio,
2000.
CONVENÇÃO EUROPEIA DA PAISAGEM. Decreto n. 4/2005. Florença, 20 out. 2000.
DONADIEU, Pierre. A construção de paisagens urbanas poderá criar bens comuns? In: GONZÁLEZ-VARAS, Ignacio.
Conservación de bienes culturales: teoría, historia, principios y normas. Madrid: Manuales Arte Cátedra, 2008.
INSTITUTO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Carta dos jardins históricos brasileiros (Carta de Juiz de
Fora). Juiz de Fora: Iphan, 2010.
MERLEAU-PONTY, Maurice. A natureza. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
MORENO, M. R. La naturaleza transformada. Los jardines. In: ARENAS, José Fernándes (Coord.) Arte efímero y espacio
estético. Anthropos. Promat, S. Coop. Ltda., Barcelona, 1998, pp. 311-352.
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______. Revisão do Plano Diretor do Município do Recife. Lei n. 17.511/2008.
______. Sistema Municipal de Unidades Protegidas do Recife. Lei n. 18.014/2014.
RIVERA, Juan Armada Díez de. La conservación de los jardines históricos españoles. In: Nueva Revista, La Rioja, n. 40, v.
[s/v], p. 125-129, 1995.
ROGER, A. Breve tratado del paisaje. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva, S. L, 2007.
SÁ CARNEIRO, Ana Rita; MESQUITA, Liana de Barros. Espaços livres do Recife. Recife: Prefeitura da Cidade do Recife/
Universidade Federal de Pernambuco, 2000.

292
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

SÁ CARNEIRO, Ana Rita; SILVA, Joelmir Marques da (Orgs.). Inventário dos jardins de Burle Marx no Recife (1ª Fase: 2006-
2008). Recife: UFPE, 2012.
______. Inventário dos jardins de Burle Marx no Recife (2ª Fase: 2009-2012). Recife: UFPE, 2012.
SÁ CARNEIRO, Ana Rita; SILVA, Aline Figueirôa; SILVA, Joelmir Marques da (Orgs.). Jardins de Burle Marx no Nordeste do
Brasil. Recife: Editora Universitária/UFPE, 2013.
WRIGHT, Tom. El mantenimiento y la conservación de los jardines históricos. Jardin et paysage. Japon: UNESCO; ICCRON;
ICOMOS, 1994.

293
Jardins históricos

Juiz de Fora, cidade da Zona da Mata mineira, formada pela abertura


de diferentes caminhos e estradas e, palco de intensa renovação e
sobreposições de tempos distintos, carece de um olhar voltado para
sua história e seu patrimônio, buscando a valorização das referências
que sustentem a autenticidade de sua paisagem e de seus elementos
constitutivos. A antiga “Quinta do Comendador Mariano Procópio”,
hoje composta pelo complexo da Villa Ferreira Lage, o Jardim histórico
do século XIX e o edifício do Museu Mariano Procópio, representa um
importante espaço cultural da cidade e símbolo da memória histórica
e artística do Brasil. Disponibiliza em especial à nação brasileira,
valiosas relíquias do passado que refletem grande parte da cultura
do século XIX e princípio do século XX, selecionadas cuidadosamente
por Alfredo Ferreira Lage, compondo atualmente, um dos principais
acervos reunidos, do período imperial brasileiro. Com um propósito
claro de composição para o fortalecimento de uma nacionalidade
brasileira e, pensado desde sua criação para uma utilização pública,
disponibiliza ainda conteúdos específicos que traduzem no registro
a história da formação urbana da cidade de Juiz de Fora. A partir de
estudos específicos da região que engloba o Museu Mariano Procópio
e seus jardins, bem como elaboração de amplas análises do histórico
e do estado de conservação do conjunto urbano abordado, ambos
em parte apresentados aqui, constatamos a significativa importância
cultural desta área para o estado de Minas Gerais e em especial para
o município de Juiz de Fora. Ainda, cumpre importante papel social
evidenciado pelo significado que assume na paisagem da cidade,
fundamental para a manutenção da memória e identidade de sua
população. Com isso, considerando a necessidade de levar às gerações
futuras tais referências materiais como suporte de ampla significação
social, cultural e urbana, propomos a adequada gestão desta área,
através de políticas específicas, como recomendação a implementação
da lei por tombamento municipal do intitulado aqui, Jardim Histórico
do Museu Mariano Procópio.

Palavras-chave: Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora, Patrimônio


Cultural, Jardins Históricos

294
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

PELA MEMÓRIA E PATRIMÔNIO: O MUSEU MARIANO


PROCÓPIO COMO ESPAÇO CULTURAL E PAISAGÍSTICO EM
JUIZ DE FORA/MG
Raquel Portes |Ana Barbosa, Fabio Lima | Laura Leão

A PARTICIPAÇÃO DO JARDINEIRO NA
CONSERVAÇÃO DO JARDIM

O
Museu Mariano Procópio(MAPRO) localizado
em Juiz de Fora, Zona da Mata Mineira, é
símbolo cultural da cidade, compreende em
sua formação um rico acervo de informações referentes
à história do município, como também parte relevante
da história nacional. Desde a sua construção até os
dias atuais, o conjunto composto por edificações de
diferentes épocas, implantadas em um jardim de
grande exuberância, passou por diferentes usos até se
consolidar como Museu, por desígnio de seu fundador,
no ano de 1936.
Diante do cenário de transformação constante
da cidade e consequentemente da perda de nossos
referenciais identitários, o MAPRO- antiga “Quinta da Lage”,
permanece com importante bem patrimonial integrado
à vida do juizforano, resistindo ainda na atualidade às
transformações que rapidamente chegam ao seu entorno
e, consequentemente, ameaçam sua ambiência.
Considerando a importância do Museu em
seus diferentes aspectos, tanto no conjunto urbano

295
Jardins históricos

como paisagístico e, a necessidade de pensar de forma integrada sua preservação, foi estabelecido um
convênio entre a Prefeitura Municipal de Juiz de Fora e a Universidade Federal de Juiz de Fora. Assim, através
do Projeto de Extensão intitulado “Pela Memória e Patrimônio em Juiz de Fora/MG: Apoio às atividades de
Conservação e Restauração do Museu Mariano Procópio”, foram desenvolvidas ações tanto de pesquisas
quanto levantamentos de campo, tendo como resultado parte do texto aqui apresentado, com destaque
para o estudo de reintegração dos seus jardins, além do estabelecimento de um ciclo de visitas guiadas às
obras de restauração arquitetônica e de visitas técnicas no jardim histórico.
Vale mencionar, em relação aos processos de gestão e planejamento urbano, que a proteção
do patrimônio cultural e a ideia de sustentabilidade estão intrinsecamente ligados, numa perpectiva
onde o patrimônio cultural é considerado como um recurso ao desenvolvimento, sendo um elemento
imprescindível para a qualidade de vida numa sociedade que aspire pela equidade, pelo direito à memória
e pela diversidade cultural. Condição esta que se mostra inadequada, ou frágil em suas diferentes relações
em prol de uma condição urbana para a permanência das referências históricas que colabore para a
manutenção da ambiência da região que envolve o Museu Mariano Procópio na atualidade.
Assim, conforme diretriz estabelecida na Declaração de Salvador, em 2007, é imprescindível
[…]Compreender os museus como ferramentas estratégicas para propor políticas de desenvolvimento
sustentável e equitativo entre os países e como representações da diversidade e pluralidade em cada país
ibero-americano; […] (DECLARAÇÃO DE SALVADOR, 2007) e, neste sentido, é desejado inserir o Museu
Mariano Procópio nas políticas públicas urbanas, visando a manutenção de sua integridade física e simbólica
e, consequentemente, o desenvolvimento urbano qualificado da cidade de Juiz de Fora e região.

O LEGADO DE MARIANO PROCÓPIO FERREIRA LAGE


Comendador Mariano Procópio Ferreira Lage, engenheiro e político, natural de Barbacena/
MG, ficou conhecido na história urbana brasileira por construir a primeira estrada pavimentada do país, a
Estrada União e Indústria. Seu legado pode ser vislumbrado até hoje, pela transmissão de sua imponente
propriedade e coleções aos seus herdeiros, sendo doadas posteriormente para o município, como também
extrapola os limites “patrimoniais”, já que foi o responsável por viabilizar através da construção da referida
estrada, o estabelecimento de novas relações econômicas, sociais e culturais em Juiz de Fora, transformando
sua paisagem de maneira significativa.
No ano de 1853, posteriormente a concessão da implementação do percurso rodoviário da estrada
União Indústria, por D. Pedro II, Mariano Procópio seguiu em viagem durante seis meses pelos Estados

296
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Unidos e pela Europa, onde passou por cidades como Londres, Paris, Berlim Roterdã, Viena, Hanover e,
outras; realizando pesquisas de técnicas e de materiais construtivos mais avançados daquele contexto,
bem como buscou fixar contatos comerciais para a Companhia. Cabe destacar que a rede de contato por
ele estabelecida, tanto com a Corte Imperial, como com outras influências europeias foram de grande
relevância na condução de seus negócios e escolhas – a saber, foi chefe da comissão da Delegação Nacional
do Brasil na Eposição Universal de 1867, em Paris, sendo agraciado com uma medalha de honra. Nesta
ocasião expôs no Pavilhão do Brasil a fotografia abaixo, que retratava seu Chateau às margens da nova
estrada União e Indústria. Foi também Diretor das Docas da Alfândega, Diretor da Estrada de Ferro Dom
Pedro II, Presidente do Jóquei Club Brasileiro e, outros tantos cargos de expressão na sociedade brasileira
da época. (Il. 1)
Durante sua viagem, Mariano Procópio conheceu a técnica do Macadame (do inglês Macadam)1
já empregada na construção de estradas nos Estados Unidos; vivenciou a Bele Époque que se estendia
mundialmente nos avanços da indústria, dos transportes, das comunicações e, em especial, nas
transformações urbanas, decorrentes da Revolução Industrial, que traziam os ideários urbanísticos de
ordem, beleza e higiene. Através desses e de outros conhecimentos adquiridos, Mariano se viu motivado
e estimulado a emprega-los em sua terra natal, trazendo as inspirações para a criação da estrada União
Indústria e para a construção da “Quinta da Lage” ou Villa, hoje conhecida como Conjunto Histórico e
Paisagístico do Museu Mariano Procópio.
A Villa, construída pelo Comendador para receber a família imperial de Dom Pedro II durante sua
visita à região no contexto da inauguração da Estrada União Indústria, foi projetada pelo arquiteto alemão
Carlos Augusto Gambs, em linguagem renascentista, com implantação dominante em relação às visadas do
entorno. A construção contudo, não ficou pronta a tempo do evento de inauguração, e a família imperial
hospedou-se na chácara localizada na parte inferior do mesmo terreno, construída para abrigar a primeira
residência de Mariano Procópio. Somente em sua segunda visita à cidade em 1869 o imperador pode
conhecer e hospedar-se na Villa.
Através da análise dos projetos do conjunto, podemos dizer que a Villa Ferreira Lage foi projetada
para ser rodeada por um parque, formado por uma grande área verde inteiramente recriada conforme o
ideário paisagístico da época, conforme Il. 1, e se mantem imersa neste até na atualidade.
Em relação ao “Parque”, o projeto paisagístico criteriosamente trabalhado atribui-se ao francês
Auguste Marie Franciscque Glaziou, paisagista e botânico, que esteve na região na segunda metade do
século XIX. Este compõe-se por um lago que permeia o terço inferior da colina, onde em seu topo foi

297
Jardins históricos

Il. 1 – Fotografia exibida no Pavilhão do Brasil na Exposição Universal de 1867, por Mariano
Procópio Ferreira Lage. Dizeres acima: Chateau de Juiz de Fora Situé á l’extrémité de la route União
e Industria Proprieté de Ma. M. P. Ferreira Lage.

298
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

299
Jardins históricos

implanda a Villa Ferreira Lage e à sua porção inferior direita foi implantado primeiramente a chácara de
Mariano Procópio e, posteriormente, o Palacete de Frederico Ferreira Lage, seu filho.
Na face frontal do parque encontra-se um espelho d’água, constituído por 5 (cinco) ilhas, sendo a
ilha central composta por um bambuzal – esta, segundo o paisagista, imita um vaso de flores saindo do lago
– e ainda hoje é habitado por diversas espécies animais e vegetais. Dom Pedro II em sua visita ao chateau
de Mariano Procópio, encantou-se pelo conjunto, escrevendo:
É deste aprazível sítio que a arte converteu num brinco igual a qualquer lugar de banhos da
Alemanha, sob o céu recamado de estrelas que porfiam com as inumeráveis luzes, que cintilam
nos jardins e elegantes edifícios, ao som de uma harmoniosa banda de música de colonos
tiroleses que Eu principio a narrar a minha viagem enquanto a lua não sai e Eu também, para
percorrer estes jardins a inglesa, e subir ao alto de um outeiro, onde Lages acaba a construção
da mais coquette habitação. Eu estou em outra casa que também lhe pertence e se acha no
meio dos jardins e junto ao outeiro. Esta casa foi arranjada com apurado gosto e nada lhe falta...
Chamam-me para passear pois a lua já subiu (BEDIAGA, 1999)

O relato do então Imperador do Brasil revela não só a beleza encontrada nos jardins, mas
também a estrita relação estabelecida entre a edificação, recém construída e seu entorno, como de outras
dependências do complexo edificado. Numa segunda visita à região, com a estadia da família imperial à
Villa, a propriedade dos Ferreira Lage tornou-se importante referência, principalmente na região. Tal beleza
e imponência foi noticiada nos jornais da época, como pelo O Jornal do Comércio, na edição de Junho de
1869, conforme trecho abaixo.
Suas Majestades e Alteza alojaram-se no castelo do Sr. Ferreira Lage, espécie de habitação de fadas,
que se ergue no cimo de uma ligeira colina cercada de extensos jardins, ornados de arvoredos,
plantas raras, flores, cascatas, repuxos tanques, cercas de parasitas, assentos rústicos de caprichosas
formas, animais curiosos e variedades de construção de recreio (JORNAL DO COMÉRCIO, 1869).

Cabe destacar ainda importante registro realizado pelo fotógrafo alemão R.H. Klumb, que elaborou
um dos primeiros “guia de viagem” produzidos no Brasil, em seu diário Doze Horas em Diligência: Guia do
Viajante de Petrópolis a Juiz de Fora, de 1872:
Ha na eminencia á nossa direita um lindo casttelinho, propriedade do finado Sr. Lage, gracyosa
amostra do estylo – renaissance italiano –; este castelo e rodeado de um parque desenhado,
plantado e conservado com um gosto que nos dá ideia do que devia ser o proprietário: tanques de
água límpida, onde nadãobelloscysnes brancos e pretos, ilhas de bambus, viveiros naturaes onde
cantão e gorgeião milhares de pássaros, jardins cheios de flores as mais curiosas e as mais raras
plantas de interesse particular tornão este domínio um pequeno paraiso terrestre (KLUMB, 1872).

300
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

O conjunto herdado pelos filhos de Mariano Procópio, Frederico e Alfredo Ferreira Lage, abrange
atualmente a área que compõe a paisagem do museu e a área ocupada pela Quarta Região Militar. Na
porção herdada por Frederico Ferreira lage, foi construído por este um palacete em linguagem eclética,
protegido na atualidade por lei de tombamento municipal. No entanto, com sua morte precoce aos 39
anos, a família adquiriu um grande acúmulo de dívidas, o que resultou na sua venda à Estrada de Ferro
Central do Brasil, sendo posteriormente transferido para o Ministério da Guerra, que instalou no local a
sede da Quarta Região Militar. Destaca-se o consequente desmembramento dos jardins do atual Museu,
primeiramente na venda do imóvel por Frederico Ferreira Lage e, ainda a redução da propriedade em seus
limites, por parcelamento do solo realizado pela viúva de Mariano.
A parte superior herdada por Alfredo Ferreira Lage, englobou a Villa Ferreira Lage, onde este,
desde sua juventude deu continuidade à pratica colecionista herdada de seu pai, e ao gosto pela arte
herdado de sua mãe, a artista plástica Maria Amália Coelho de Castro. Assim, em 23 de Junho de 1921,
data de comemoração ao centenário de nascimento de seu pai, Alfredo Ferreira Lage inaugurou o “castelo”
principal da Villa – um edifício anexo a esta, criado com a função de exclusiva de Museu, contendo salas,
galerias e áreas de reserva.
Denominado então Museu Mariano Procópio, em homenagem à seu pai, o edifício abrigou uma
galeria denominada “Maria Amália” em homenagem à mãe de Alfredo Ferreira Lage e expos todo o material
que há décadas vinha colecionando, tanto com suas próprias aquisições como também fruto de doações,
contendo materiais de geologia, mineralogia, paleontologia e zoologia, fazendo dele uma preciosidade
física e cultural. Estima-se que este anexo seja a primeira edificação brasileira construída com finalidade
de ser museu, possuindo dentre suas peculiaridades um lanternim cujo esboço é de Rodolpho Bernardelli.
Na data de 29 de fevereiro de 1936, Alfredo Ferreira Lage anunciou a doação de sua propriedade
e de seu acervo de peças ímpares em cultura e memória, para o município de Juiz de Fora, que permanece
sobre seu domínio até os dias atuais. Ao longo dos anos, o Museu e seus jardins, se tornou um elemento
chave na propagação da cultura na região, sendo ponto turístico obrigatório aos visitantes da cidade e
região, lugar de encontro e lazer da comunidade local, cumprindo o desígnio pelo qual Mariano Procópio e
seu filho, Alfredo Ferreira Lage, tanto almejavam.

O CONJUNTO HISTÓRICO E PAISAGÍSTICO NA ATUALIDADE


O Conjunto Paisagístico do Museu Mariano Procópio está inserido na malha urbana da cidade
de Juiz de Fora, em uma área de 78.240 m², contrastando com o ambiente de intensa urbanização que

301
Jardins históricos

o cerca. Em seu entorno encontram-se unidades residenciais, verticalizadas ou não, com predominância
de tipologia edilícia térrea, edificações assobrada chegando a três pavimentos. A região vive processo de
acelerada verticalização com edifícios de aproximadamente 20 pavimentos.
O conjunto abriga ainda antiga Estação Férrea, a 4ª Brigada de Infantaria Motorizada, o Rio Paraibuna,
a Praça Agassis e a Praça Mariano Procópio, dentre outras importantes edificações e fortalecem a historicidade
da região, como conjunto eclético da rua Mariano Procópio, a Igreja Nossa Senhora da Glória, a Capela e
Colégio Santa Catariana. Aberto à visitação pública em 1915, o Museu Mariano Procópio só foi oficialmente
inaugurado no dia 23 de junho de 1921, data coincidente a celebração do centenário de nascimento do
comendador Mariano Procópio Ferreira Lage (1821/1872), o idealizador e empreendedor da primeira estrada
de rodagem macadamizada do Brasil, a “Rodovia União e Indústria”, ligando Petrópolis a Juiz de Fora.
O desejo de tornar o Museu patrimônio da comunidade, conforme Alfredo Ferreira Lage havia
anunciado em 1921, foi formalizado em 29 de fevereiro de 1936, com a doação do Museu, seu acervo e
seu parque ao Município. Para o fiel cumprimento da doação, criou-se o Conselho de Amigos do Museu
Mariano Procópio, o qual vem atuando como guardião da instituição e, é responsável pela indicação do
diretor, através de lista tríplice enviada para escolha do Prefeito Municipal. (Il. 3).
Ao longo do tempo e após sucessivas gestões que não priorizaram sua adequada conservação e,
a própria deficiência quanto ao de conhecimento acertivo em relação aos procedimentos preconizados em
relação à ciência da restauração, em uma visão alargada de bem cultural, observou-se o desenvolvimento
de ações que acabaram cooperando para a degradação em diversas escalas do Museu Mariano Procópio.
Podemos citar aqui como exemplo, as soluções projetuais para o reforço estrutural em fundações até
coleta de águas pluviais, onde os resultados finais geraram inserção de novos elementos construtivos, sem
contemplar princípios de reversibilidade, mínima intervenção, ou ações críticas conservativas, preconizadas
pelos documentos internacionais, dos quais o Brasil é signatário. (Il. 2)
Os jardins que a priori tinham uma função importantíssima e desenvolviam um papel de protagonistas
na história do Museu, com o tempo, passaram a ser vistos apenas como uma “moldura” das edificações
implantadas no topo do terreno. Sua conservação inadequada, sua atuação como coadjuvante na formação
paisagística e a pequena valorização dos mesmos contribuíram para a fragmentação da unidade, essa, vista
como essencial pelo seu projetista, acreditando ser o paisagista Auguste Marie Franciscque Glaziou.
O parque do Museu possui uma variedade de espécies predominando em seu ambiente uma
composição vegetal, além da fauna que encanta pelo seu aspecto singular, desde diversos tipos de aves,
insetos, aranhas, borboletas e mamíferos até as espécies vegetativas, que contemplam rosas, lírios, jasmins

302
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 02 – Montagem de fotos panorâmicas da


Villa - Entrada pela passarela que liga à Galeria
e sua Fachada posterior. Detalhe de ambas em
processo de Restauração.
Fonte: Raquel Portes

Il. 3 – Foto aérea do Conjunto do Museu e seu


entorno, em 2015.
Fonte: Biblioteca Municipal de Juiz de Fora.

303
Jardins históricos

do imperador, bambus, orquídeas, palmeiras, sapucaias, jatobás, braúnas, jacarandás, cedro, jaqueiras
dentre outras.
Conforme Garcia (2002, p.25 e 27), No hay ninguna duda de que siempre hay que tomar en cuenta la
dinámica de la vida de las plantas, que es una de las características más notables que diferencian al jardín de
otros ejemplos de bienes culturales. Contudo, o desconhecimento das práticas para a conservação do jardim
histórico em questão e a divisão deste em duas partes, gerou ações que, mesmo no Museu, culminaram
com o descuido na dinâmica da vida das plantas. O resultado atual sugere, para um olhar desatento e não
conhecedor da história do bem patrimonial, se tratar de um fragmento florestal de Mata Atlântica. Não
condizente com a intenção original do jardim, mesmo em sua máxima condição de exuberância.
Intervenções pontuais foram executadas em todo o complexo, jardins e edifícios, para retomar
as características originais, nem sempre respeitado uma adequada deontologia em ações de conservação
e restauração. No entanto, após análises realizadas em diferentes estudos e parte aqui apresentada,
identifica-se que um grande passo para reintegração e resgate da integridade dos jardins seria a junção das
propriedades divididas. Conforme Sá Carneiro (2009, p.172).
A conservação de um jardim como um bem cultural pressupõe um estudo da história através
de documentos e iconografias para escavar as razões pelas quais foi concebido, assim como os
fundamentos formais e funcionais de sua construção e de suas transformações. Sendo assim
devem ser levados em conta os contextos: territorial, natural e antrópico, indicando as relações
existentes de caráter ecológico entre os componentes arquitetônicos e os componentes naturais

O que leva a estudos adequados de tais contextos e para exploração pertinente dos atributos que
os compões para ações responsáveis de intervenção e conservação do jardim histórico.
Apesar da não existência do inventário do jardim, com identificação de espécies botânicas, nem
o levantamento preciso dos caminhos, canteiros, é possível identificar setorização do complexo, onde
toda a colina é composta por um bosque de árvores e arvoredos, e a parte baixa, delimitada pela várzea,
identificada por elementos mais evidentes do projeto do jardim, tais como canteiros geométricos, alamedas
dos viajantes, das saboneteiras, dentre outras referências.
Suas características se evidenciam, quer sejam da sua origem ou de períodos posteriores advindos
de suas transformações, o que possibilita obter de sua fisionomia seus atributos - naturais ou construídos
conforme os sentidos, aparência, cor, textura e forma, que podem ser agrupados em categorias de natureza
física, biológica e antrópica que o identifica (SÁ CARNEIRO, 2009). Tais estudos ao se implementarem
poderão contribuir para ações de conservação e restauração adequadas ao jardim histórico.

304
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

ANÁLISE DE ENTORNO
A área de entorno ao Museu é caracterizada por edificações com uso predominantemente
residencial uni e multifamiliar, e de usos mistos, ou seja, comércio no pavimento térreo e residência
nos demais pavimentos, em sua grande maioria, como constatado nos mapeamentos de gabarito e uso
realizados. Percebeu-se que a maioria das edificações não possui afastamento frontal e ressalta-se o
equilíbrio entre os gabaritos das edificações, apresentando entre 2 (dois) a 3 (três) pavimentos, fato que
contribui de maneira significativa para a ambiência da área de estudo.
As vias urbanas da área analisada apresentam uma hierarquia bem definida e de fluxos intensos,
sendo cortada por avenidas de grande porte que alimentam o centro antigo da cidade e conectam os
bairros mais afastados. Os pedestres circulam em alguns trechos em vias largas, acima de 2 (dois) metros,
em outros trechos sendo mais apertados, menores que 2 (dois) metros. Constata-se também em trechos
importantes como na travessia da linha férrea que corta a Av. dos Andradas ao lado da Estação Mariano
Procópio, a ausência de passeio e faixas de pedestres que poderiam orientar, garantir a segurança dos
transeuntes e facilitar o acesso ao Museu e seu complexo.
A área em estudo tem sua implantação no bairro Mariano Procópio, homônimo do Museu em
questão e a área levantada está inserida na Região de Planejamento Centro, na análise física e socioeconômica
do Plano Diretor participativo da cidade de Juiz de Fora, Lei n° 09811 datada em 27 de junho de 2000,
atualmente em revisão. Essa Região de Planejamento situa-se no Vale do Rio Paraibuna, em sua parte mais
ampla, onde historicamente ocorreram as primeiras ocupações da cidade.
No perímetro do bairro Mariano Procópio identificam-se 3 (três) regiões de preservação ambiental
– A Mata do Krambeck, o Jardim Histórico do Museu Mariano Procópio e a Mata do Morro do Imperador -
que são importantes áreas verdes para toda a cidade de Juiz de Fora.
A região de Planejamento Centro compõe-se de seis áreas de planejamento que englobam vinte e
quatro bairros, os quais são considerados o “coração” de Juiz de Fora. Apresenta grandes concentrações de
população e de atividades, e é marcada pela heterogeneidade tanto em termos demográficos quanto sob a
ótica do nível de renda e de funções. Especificamente no perímetro do bairro Mariano Procópio, observa-
se grandes eixos estruturadores que cumprem função de corredor de comércio e de tráfego urbano,
apresentando uma ocupação predominantemente residencial com edificações de pequena volumetria,
sobressaindo no tecido urbano do bairro a grande mancha do perímetro institucional do MAPRO. Apresenta
ainda padrões socioeconômicos médios, boa infraestrutura básica, boa rede pública de ensino e conta com
a presença de uso comercial e industrial.

305
Jardins históricos

Um ponto abordado no Plano Diretor Municipal, diz respeito aos instrumentos de revitalização
do “Eixo Paraibuna” que cumpre o papel de estruturador original da ocupação urbana, consagrada com
a implantação histórica do “Caminho Novo” e da rede rodo-ferroviária que o acompanha. Os estudos do
“Eixo Paraibuna” demonstraram a existência de trechos diferenciados, sendo destacados, de sudeste para
noroeste distintos aspectos. Dentre tais trechos, ressalta-se a importância do trecho 3, que compreende a
Praça Agassis, no Bairro Mariano Procópio até Corredor da Av. Rui Barbosa no bairro Santa Terezinha.
No que diz respeito as “Diretrizes referentes ao desenvolvimento, proteção e recuperação dos
patrimônios ambiental, paisagístico e cultural da cidade”, o Plano Diretor de Juiz de Fora expõe diretrizes
com o intuito de desenvolver, proteger e recuperar os elementos patrimoniais do município. Em especial,
sobre o patrimônio cultural e paisagístico o Plano institui o estímulo de projetos, incentivos e atividades
que visem preservar o patrimônio, como também apoia as instalações de atividades comerciais e ou, de
serviços que possibilitem a preservação do bem tombado. Além disso, estabelece critérios para o uso dos
bens tombados, promove a desobstrução visual da paisagem e dos conjuntos de elementos de interesse
histórico e arquitetônico e, fomenta a conscientização da população quanto aos valores do patrimônio
cultural e/ou paisagístico do município, através de programas educacionais e de divulgação nas escolas e
pelos meios de comunicação.
O Perímetro em questão é composto por vias de valor essencial na formação morfológica e
histórica do munícipio como a Avenida Brasil, a Avenida Rio Branco e a Rua Mariano Procópio. Tratam-se de
vias de fluxo intenso e médio, respectivamente. A Avenida Brasil por exemplo, funciona como via expressa,
para um tráfego rápido e de carga e um outro lento em função de atividades lindeiras, sobrecarregado
pela carência de vias coletoras. Funciona também como corredor viário de tráfego proveniente da Zona
da Mata com destino ao Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo. Devido a essas características, são
predominantes os usos comercial, de serviço e lazer ao longo da via, como revendedoras de carros, lojas de
peças e acessórios, materiais de construção, postos de abastecimento, supermercados, oficinas mecânicas,
clubes de recreação e equipamentos institucionais. Apresentando-se duplicada neste setor, representa a
principal via estruturante do Município, razão da importância de resguardá-la de forma a cumprir, sem
grandes conflitos, o papel que lhe cabe.
A Rua Mariano Procópio é a via onde se insere o Museu Mariano Procópio, situada na zona
nordeste de Juiz de Fora a mesma desempenha uma função de via local, visto que seu fluxo de veículos é
menos intenso que as vias citadas acima. Desempenha o papel de direcionadora de fluxo da região central
para os bairros.

306
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Os edifícios ecléticos encontrados no bairro Mariano Procópio, são os principais exemplares que
ainda permanecem desse momento arquitetônico vivenciado naquela região. Eles nos fornecem indícios
de proprietários de nacionalidade italiana e árabe numa área predominantemente de colonização alemã,
em suas origens. Além disso, estão construídos em áreas cujas imediações sofreram reestruturação urbana,
como aterros, seja aquele empreendido por Carlos Barbosa Leite e Bertoldi, sejam as modificações pelas
quais as áreas próximas ao rio Paraibuna foram submetidas, para reorientação do seu leito.
A formação urbana no bairro, no tocante organização espacial e tipologia arquitetônica, retrata
o momento de expansão econômica e corrida imobiliária vivênciada na época e representam, portanto,
exemplares únicos em Mariano Procópio, que já se fazia evidente no centro comercial do município. Eles
marcam uma nova fase ao coexistirem coma as chácaras remanescentes e as vilas operárias de característica
arquitetônica alemã.
As ruas de Mariano Procópio abrigaram variedades étnicas, como as compreendidas no entorno
da Rua da Gratidão, hoje Avenida dos Andradas. Lá funcionaram, em 1898: o Colégio Americano Granbery,
Externato Alemão para o sexo masculino, Escola do Professor Antônio Ministério, Sociedade Beneficente
Brasileira‐Alemã, Prado Juiz de Fora, ponto de recreio, Correeiro e seleiro, Casa Mineira, etc. (Il. 4).

Il. 4 – Mapa de identificação dos bens de interesse cultural em parte do entorno imediato do Museu Mariano Procópio.
Fonte: Juan Lopes.

307
Jardins históricos

Algumas ações e acontecimentos relatados aqui, fizeram do bairro Mariano Procópio um pioneiro
no desenvolvimento da Juiz de Fora, conhecida como Manchester Mineira. Destaca-se a construção da
Villa Ferreira Laje em 1861 que posteriormente em 1915 transformou‐se no Museu Mariano Procópio por
intermédio de seu filho Alfredo Ferreira Laje, da fábrica de tecidos dos ingleses – Ferreira Guimarães –, as
cervejarias Palermo e José Weiss já mencionadas, o Laticínio Estrela Branca, a estação da RFFSA, a sede da
4ª Região Militar, e mais fábricas de papel nesse contexto.

A IMPORTÂNCIA DA PRESERVAÇÃO DO CONJUNTO HISTÓRICO E


PAISAGÍSTICO DO MUSEU MARIANO PROCÓPIO
O cenário urbano de Juiz de Fora, palco de intensa renovação e sobreposições de tempos
distintos, carece de um olhar voltado para a história e para a manutenção de seus diferentes momentos
desde sua origem até a atualidade, buscando a valorização das referências que sustentem a autenticidade
desta paisagem e de seus elementos constitutivos.
A intensa transformação da região, em especial as novas ocupações que desqualificam, por
comprometer a ambiência do Museu, em seu espaço urbano, colocam em risco sua integridade cultural e,
torna vulnerável os referenciais identitários e os elementos de pertencimento deste espaço. Esta realidade
vem danificar ou substituir, o que ainda permanece de Arquitetura e Urbanismo na região, que corroboram
para a identificação do valor histórico do Museu e seu Jardim Histórico. Neste sentido, as iniciativas e ações
para a proteção do patrimônio cultural urbano da região do Museu, como a correta delimitação de seu entorno,
estudos de ambiências e inventários do sítio urbano, ainda estão por vir. Atualmente para a permanência dos
bens de interesse cultural às gerações futuras, que remontam à velha Manchester mineira, o que há em
termos de política de preservação, se restringe a tombamentos de bens imóveis individualmente.
A antiga “Quinta do Comendador Mariano Procópio”, hoje composta pelo complexo da Villa
Ferreira Lage, o Jardim histórico do século XIX e o edifício do Museu Mariano Procópio, representa um
importante espaço cultural da cidade de Juiz de Fora e símbolo da memória histórica e artística do Brasil.
Disponibiliza em especial à nação brasileira, valiosas relíquias do passado que refletem grande parte da
cultura do século XIX e princípio do século XX, selecionadas cuidadosamente por Alfredo Ferreira Lage,
compondo atualmente, um dos principais acervos reunidos, do período imperial brasileiro. Com o propósito
claro de composição para o fortalecimento de uma nacionalidade brasileira e, pensado desde sua criação
para uma utilização pública, disponibiliza ainda conteúdos específicos que traduzem no registro da história
da formação urbana da cidade de Juiz de Fora.

308
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Através da dinâmica de transformação das cidades temos, em muitos casos, a perda de vestígios do
passado e a substituição de importantes elementos tradicionais por novos referenciais que, muitas vezes,
compromete o entendimento e autenticidade do espaço urbano e representam uma ameaça à integridade
das áreas urbanas de interesse de preservação. Tais áreas configuram-se como conjuntos históricos e
paisagísticos e, devem ser preservadas, conforme ressaltado em cartas patrimoniais e resoluções geradas a
partir de conferências da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultural (Unesco)
pois, fazem parte do ambiente cotidiano dos seres humanos em todos os países, constituem a presença viva
do passado e constituem através das idades os testemunhos mais tangíveis da riqueza e da diversidade das
criações culturais, religiosas e sociais da humanidade (CURY, 2000, p. 1). Assim, conforme a recomendação
relativa à salvaguarda dos conjuntos históricos e sua função na vida contemporânea, redigida na Conferência
Geral da Unesco, em sua 19ª sessão em Nairóbi, no ano de 1976,
considera-se conjunto histórico ou tradicional todo agrupamento de construções de espaços,
inclusive os sítios arqueológicos e paleontológicos, que constituam um assentamento humano,
tanto no meio urbano quanto no rural e cuja coesão e valor são reconhecidos do ponto de
vista arqueológico, arquitetônico, pré-histórico, histórico, estético ou sociocultural. Entre esses
“conjuntos”, que são muito variados, podem-se distinguir especialmente os sítios pré-históricos,
as cidades históricas, os bairros urbanos antigos, as aldeias e lugarejos, assim como os conjuntos
monumentais homogêneos (CURY, 2000, p.3)

A gestão do Conjunto aqui abordado como bem de interesse cultural, revela-se como importante
ação referencial para o município de Juiz de Fora e região e, a conservação do mesmo ao longo do tempo se
coloca como parte essencial para uma adequada permanência da memória e da identidade do município.
Neste sentido, consideramos ainda a participação da sociedade como fundamental uma vez que, conforme
destaca Aloísio Magalhães, … a comunidade é a melhor guardiã de seu patrimônio(MAGALHÃES, A.)2.
Para o Conjunto Paisagístico do Museu Mariano Procópio, correlacionar o valor identitário
das colônias de São Pedro, do bairro Borboleta, ao legado de Mariano Procópio são essenciais para o
reconhecimento do conjunto paisagístico, de seus elementos constitutivos e a importância do mesmo
enquanto marco referencial para a história do município reconhecido como Bem Cultural de Juiz de Fora. A
festa Alemã, tradicionalmente no bairro Borboleta deve ser (re)conectada à identidade do Museu, em suas
origens, ainda como o trecho da estrada União Indústria, hoje parte do caminho dos juizforanos em seu dia
a dia, igualmente se relaciona a tal legado.
Desse modo, entendemos como aspecto relevante na atualidade para a conservação de maneira
contínua do patrimônio elencado, a elaboração de estudos da morfologia urbana, estudos dos investimentos

309
Jardins históricos

imobiliários e econômicos na região, para auxiliar em uma responsável relação de parâmetros para
elaboração de um Plano de Preservação para o entorno e região do Museu Mariano Procópio, ou Conjunto
Arquitetônico e Paisagístico do Museu Mariano Procópio, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional.

JUSTIFICATIVAS DE REINTEGRAÇÃO DO JARDIM HISTÓRICO


Foram realizados estudos específicos da região que envolve o Museu Mariano Procópio e seus
jardins, o contexto de formação dos bairros que estão em sua região, assim como seu significado na
constituição da cidade de Juiz de Fora e sua importância para a paisagem. Igualmente foram elaboradas
análises do histórico e do estado de conservação do conjunto urbano em análise. A partir de então, ressalta
a significativa importância cultural desta área, especial para o município de Juiz de Fora.
Além do referenciado, o complexo edificado do Museu e seu jardim, cumpre importante papel
social destacado pelo significado que assume na paisagem da cidade, fundamental para a manutenção
da memória e identidade de sua população. Com isso, considerando a necessidade de levar às gerações
futuras tais referências materiais como suporte de ampla significação social, cultural e urbana, propõe-
se a adequada gestão desta área urbana, através de políticas específicas, como recomendação a
implementação da lei por tombamento municipal do intitulado aqui, Jardim Histórico do Museu Mariano
Procópio.
O Jardim Histórico do Museu Mariano Procópio engloba a propriedade original dos Ferreira
Lage, composta pelo Parque, pela antiga Villa, pelo edifício do Museu, incluindo a partir do exposto
aqui, o Palacete construído por Frederico Ferreira Lage e seus jardins (antiga Chácara hoje ocupada pela
4a. Brigada), possibilitando a reintegração física dos jardins, que apresentam ainda as feições originais.
Ademais, o conjunto incide também sobre a Estação Férrea Mariano Procópio, parte importante da
história de seu fundador e de formação da região, que hoje complementa a paisagem de forma harmônica
e consolidada. (Il. 5).
De acordo com Berque (1997), a consciência da paisagem nasce na poesia e na pintura,
da observação e compreensão da própria natureza a qual conduz o modo de agir sobre ela. Assim ao
observar a beleza e a dinâmica da natureza e respeitá-la, há um reflexo na paisagem, o que significa não
haver paisagem sem o sentimento-paisagem. Cada paisagem desvela uma cultura de conteúdo material
e imaterial, de formas visíveis e invisíveis, a dimensão cultural (FERRIOLO, 2007, p. 44). Esta dimensão
caracteriza a paisagem, desde as construções até o patrimônio intelectual ali mantido. Entre essas paisagens

310
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 5 – Mapa com a proposta sobre os limites do Jardim Histórico do Museu Mariano Procópio
Fonte: Elaborado por Talisson Ferreira

311
Jardins históricos

que retêm valores culturais e patrimoniais e precisam ser protegidas em Juiz de Fora, estão os jardins da
Quinta do Comendador Ferreira Lage, hoje parte dos jardins pertence ao Museu Mariano Procópio e outra
ao exército Brasileiro.
Conforme o Prototipus de Catàlog de Paisatge (2006) jardins são percebidos como unidades
de paisagem, o que representa uma porção do território que caracteriza combinações específicas de
componentes sociais e físicos constituídos ao longo da história com dinâmica própria, atrelados, também,
ao sentimento de pertencimento da população com o local. Esses recortes significativos retêm atributos e
valores a serem preservados porque perpetuaram, ao longo do tempo, as ações primitivas do homem na
paisagem natural, no sítio, com determinado tipo de constituição física. Segundo Torres (2003), espaços
livres como estes são ainda espaços urbanos ao ar livre, destinado a vários tipos de utilizações como
caminhadas, passeio, descanso, recreação e entretenimento. Um tipo especial desses espaços são as áreas
verdes, cujo diferencial fundamenta-se na introdução da vegetação e na satisfação de três concepções
fundamentais: ecológico-ambiental, estético e lazer (CAVALHEIRO et al. 1999).
Em documentos internacionais, dos quais o Brasil é signatário, que disponibilizam orientações
como as constantes das Cartas Patrimoniais, que dentre outros, são utilizadas como referenciais para a
pesquisa e no direcionamento de ações de conservação sobre o patrimônio cultural, a Convenção para
a Proteção do Patrimônio Mundial, cultural e natural, de 1976, que reúne elementos de proteção e
preservação, na consideração sobre o patrimônio cultural define como conjunto:
[...] Grupos de construções isoladas ou reunidos que, em virtude da sua arquitetura, unidade ou
integração na paisagem têm valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da
ciência; Os locais de interesse – Obras do homem, ou obras conjugadas do homem e da natureza,
e as zonas, incluindo os locais de interesse arqueológico, com um valor universal excepcional do
ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico. (UNESCO, 1972, p. 2).

Assim sendo, e reconhecendo sua importância perante a cidade, o Conjunto Histórico e Paisagístico
Mariano Procópio, deve ser conservado com os olhares voltados para si, a fim de destacar sua importância
enquanto conjunto, possuidor de uma unidade arquitetônica e integração paisagística, detentor de um
significativo valor cultural.
Conforme Sá Carneiro (2012), a conservação do jardim está vinculada aos valores a ele atribuídos,
que resultam em sua significância cultural. A autora enfatiza os valores culturais, históricos e artísticos,
atribuídos aos monumentos edificados e jardins, somados a estes os valores ecológicos e botânicos
pertencentes ao Jardim Histórico do Museu Mariano Procópio constatados aqui, o fazem um objeto

312
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

distinto, possuidor ainda dos valores educativo, social e espiritual, tornando-o elemento de reconhecido
valor cultural e de fundamental permanência para o desenvolvimento qualificado da região.
Aos gestores sugere-se uma nova percepção para o entorno do bem tombado, assim como a
revisão de seu limite legal, tendo em vista a preservação do que ainda resta de sua ambiência. Neste sentido,
a elaboração de Normas de Preservação para o objeto tombado e de um Plano de Preservação para seu
entorno, são essenciais para a conservação da paisagem urbana em prol da preservação do Museu e seu
Jardim Histórico, assim como para a qualidade ambiental e urbana da região. Envolver a comunidade em
ações urbanas extra muros do Museu assim como é feito no intra muros, para fortalecimento dos valores
identitários e históricos. E assim levar à gerações futuras o Conjunto Arquitetônico e Paisagístico do Museu
Mariano Procópio conservado, como é direito e dever de todos.

NOTAS
1
Técnica criada pelo engenheiro escocês John Loudon McAdam.
2
A frase dita há mais de 20 anos por Aloísio de Magalhães sintetiza a idéia de preservação no Brasil, afinal só o
compartilhamento de responsabilidades entre os governos e a sociedade pode garantir a permanência dos bens
culturais. Consultar: www3.iphan.gov.br/bibliotecavirtual/wpcontent/uploads/2011/02/premio_RFMA2005.pdf.

REFERÊNCIAS
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Diputación de Huesca, 1997.
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histórico e artístico. Quito: OEA, novembro/dezembro de 1967.
CAVALHEIRO, F.; DEL PICCHIA, P. Áreas Verdes: conceito, objetivos e diretrizes para o planejamento. In: 1° Congresso
Brasileiro sobre Arborização Urbana e 4° Encontro Nacional sobre Arborização Urbana. Vitória, 1992. p. 29-38.
CAVALHEIRO, F. Et al. Proposição de Terminologia para o Verde Urbano. Boletim Informativo da Sociedade Brasileira de
arborização urbana. SBAU: Ano VII, Rio de Janeiro, n.3, jul./ago./set., 1999.
CURY, Isabelle (Org.) Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000.
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I ENCONTRO IBERO-AMERICANO DE MUSEUS. Declaração da Cidade do Salvador. Bahia; Brasil, 2007.

313
Jardins históricos

JUIZ DE FORA. Decreto n.2861 de 19 de janeiro de 1983. Tombamento do Parque e Museu Mariano Procópio situado no
bairro Mariano Procópio. Disponível: http://www.jflegis.pjf.mg.gov.br/c_norma.php?chave=0000009072. Acesso:27 Dez.
2015.
JUIZ DE FORA. Processo de Tombamento da Prefeitura de Juiz de Fora: 03650. Ano: 1982. Interessado: IPPLAN. Assunto:
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JUIZ DE FORA. Processo de Tombamento da Prefeitura de Juiz de Fora: 005321. Interessado: IPPLAN. Assunto: CPTC – LEI
Nº7282 – Imóvel à rua Mariano Procópio nº970- 4ª Brigada de Infantaria Motorizada, 1997.
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314
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

315
Jardins históricos

316
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

EIXO TEMÁTICO III


Tecnologias aplicadas a manutenção e preservação
do patrimônio paisagístico.

317
Jardins históricos

O parque do conjunto arquitetural de Manguinhos é composto


por uma sucessão de espaços verdes que incluem exemplares
de jardins históricos identificados pelo Departamento de
Patrimônio Histórico da Casa de Oswaldo Cruz enquanto
munidos de interesse histórico. Entre esses exemplares esta o
jardim que integra o Pavilhão Arthur Neiva e forma um conjunto
arquitetônico e paisagístico modernista representativo de um
momento institucional. Esse artigo investiga os atributos desse
jardim e seu papel na articulação e delimitação de espacialidades.
Sustenta, assim, que jardins precisam ser encarados como
indissociáveis das edificações.

Palavra-chave: jardim histórico,patrimônio moderno,


preservação

318
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Identificando e valorizando e patrimônio


paisagístico modernista da Fiocruz - o caso do
jardim do Pavilhão Arthur Neiva
Inês El-Jaick Andrade

O
Departamento de Patrimônio Histórico da Casa
de Oswaldo Cruz (DPH COC) contratou em 2010
o desenvolvimento de um Plano de Ocupação
da Área Preservada (POAP) do campus Fiocruz
Manguinhos (IBAM, 2011). Este plano estabeleceu
entre as ações de manutenção e conservação das
áreas verdes e espaços livres da Área de Preservação
do Campus Fiocruz Manguinhos a necessidade da
recuperação e recomposição dos jardins de interesse
histórico, por meio de um Programa de Intervenção.
Os jardins históricos do campus – jardins do Pavilhão
Mourisco, jardim da Portaria da Avenida Brasil, jardim
do Pavilhão Henrique Aragão e jardim do Pavilhão
Arthur Neiva – estão associados a edificações ou
conjuntos de edificações e sua preservação é encarada
como uma estratégia para promover a integridade dos
bens de interesse para preservação, segundo premissas
consagradas internacionalmente.
Como desdobramento desse plano, foi
iniciado em 2011 um projeto de pesquisa intitulado,

319
Jardins históricos

“Temporalidade dos jardins históricos do campus Fiocruz Manguinhos”. A pesquisa teve o apoio do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) através da concessão de bolsa de iniciação cientifica e de instalação. Os
dados coletados1 no período foram organizados em uma estrutura com o objetivo de subsidiar o Programa
de Intervenção dos jardins de interesse histórico da Fiocruz, mas também definir as etapas para a formulação
do Plano de Gestão da Conservação dos jardins (Conservation Management Plan).2
Por sua vez, essa pesquisa acabou por subsidiar outros estudos para a preservação de jardins
históricos do campus. Destaca-se o projeto de pesquisa que está sendo desenvolvido atualmente pelo
DPH da COC intitulado provisoriamente de “Plano de Conservação Preventiva do Pavilhão Arthur Neiva”.
Em 2015, a Sociedade de Promoção da Casa de Oswaldo Cruz ganhou o edital internacional Keeping it
Modern promovido pela Getty Foundation para realizar estudos e iniciativas de preservação em um de
seus exemplares arquitetônicos modernistas tombados projetado na década de 1950, o Pavilhão Arthur
Neiva (projeto do arquiteto Jorge Ferreira). A pesquisa coordenada pela arquiteta Barbara Cortizo Aguiar
do DPH tem como escopo o desenvolvimento e aprofundamento de estudos técnicos para subsidiar um
plano de conservação preventiva da edificação. Apesar de estar focado na pesquisa de materiais e técnicas
para a restauração do painel de azulejos, obra de arte integrada de autoria de Roberto Burle Marx, e no
desempenho estrutural da edificação, dentro das ações desenvolvidas o jardim também foi objeto de
investigação histórica e análise de seus elementos significativos. A inclusão do jardim justifica-se pelo DPH
reconhecer a significação desse projeto, que também é de autoria de Burle Marx, além desde integrar
o entorno imediato da edificação. Esse artigo apresenta os dados levantados especificamente para esse
estudo.

AS COMPOSIÇÕES PAISAGÍSTICAS MODERNISTA EM MANGUINHOS


O sítio em que foi implantado o campus era uma área de colinas cercadas de terras alagadiças e
com vegetação rasteira, típica de mangue. O projeto original do núcleo histórico foi concebido e edificado
a partir de 1904 pelo engenheiro português Luiz Moraes Jr., sob a coordenação do médico sanitarista
Oswaldo Cruz. Juntamente à construção do conjunto eclético, foi implantado na década de 1920 um parque
nas imediações do Pavilhão Mourisco, seguindo a linha clássico-romântica que era preponderante nas
composições paisagísticas da cidade no início do século XX.
A densa arborização da área do sítio da Fiocruz foi consolidada apenas na década de 1970. Até
então a paisagem do campusera muito diferente da atual. O incentivo e o fortalecimento da demarcação do

320
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

campus na paisagem da região culminaram em investimentos na urbanização do campus. E, assim, o conjunto


sofre grandes transformações paisagísticas, desde a pavimentação das caixas de rolamento até a criação de
novos espaços verdes. Os jardins modernistas do entorno do Pavilhão Arthur Neiva, do entorno da Portaria
da Avenida Brasil e do entorno do Pavilhão Henrique Aragão são representativos por apresentarem uma
nova concepção artística, oposta ao ecletismo: o movimento moderno. Mas, também, tais jardins também
pontuam um momento institucional de consolidação e expansão da área do campus. Com destaque, o jardim
do Pavilhão Arthur Neiva, projetado pelo paisagista Roberto Burle Marx, é um exemplar de composição
paisagística que se conecta diretamente, estética e funcionalmente, com a arquitetura do pavilhão destinado
originalmente para os cursos de aula do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).
O projeto da portaria do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) é de autoria do arquiteto Narbor
Foster (Divisão de Obras do Ministério da Educação e Saúde). Foi construída entre 1954 e 1955 e segue
a linguagem moderna dos pavilhões que vinham sendo construídos no campus desde a década de 1940.
Integrava a esse projeto original da portaria uma composição paisagística de Ramiro Pereira, paisagista
do Departamento de Obras do Ministério da Educação e Saúde. A composição incluía tanto o tratamento
paisagístico da área externa como da interna limítrofe com o muro da portaria. Contava com canteiros
sinuosos, um lago artificial e a criação de um novo acesso interno ao Pavilhão Mourisco.
É também de autoria de Ramiro Pereira a composição que integra o Pavilhão Henrique Aragão.
A edificação foi construída para abrigar as instalações de um laboratório para a preparação de vacinas
contra a febre amarela e varíola em 1955. O laboratório não estava vinculado ao IOC, mas mesmo assim
foi implantado no terreno ocupado por essa instituição. A composição paisagística é de 1955 e possuía
bastante elegância. Possuía um recanto de traçado sinuoso nos fundos da edificação, com trecho de muro
de contenção e um lago artificial em forma ameboide inserido em platô elevado de pedras.

O PAISAGISTA
Roberto Burle Marx (1909-1994), brasileiro de ascendência alemã, é o autor do projeto
paisagístico do pavilhão. Durante sua vida atuou concomitantemente como paisagista e artista plástico.
Entre 1928 a 1929, por problemas de saúde, morou na Alemanha. Burle Marx onde entrou em contato com
as vanguardas artísticas, estudando pintura no ateliê de Degner Klemn. Já cultivava o interesse por jardins,
mas foi ao frequentar o Jardim Botânico alemão que se impressionou com a vegetação brasileira mantida
em estufa. Retornou ao Brasil e na cidade do Rio de Janeiro iniciou sua formação com artista plástico na
Escola Nacional de Belas Artes.

321
Jardins históricos

As décadas de 1930 e 1940 foram um período de efervescência e de rupturas na arquitetura, no


urbanismo e, naturalmente, no paisagismo. A negação das formas tradicionais historicistas era objetivo das
vanguardas artísticas, em especial da corrente artística denominada de modernismo. Essa mentalidade se
refletiu no tratamento do espaço livre urbano, público e privado e teve em Burle Marx seu principal precursor
na construção do jardim moderno brasileiro. Ele iniciou sua atuação na cidade de Recife (Pernambuco),
como técnico do Setor de Parques e Jardins do Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Logo, seria o
nome mais celebrado para participar de projetos de vanguarda modernistas na cidade do Rio de Janeiro.
Seu primeiro projeto foi a criação do jardim público da Praça de Casa Forte em 1934. Nesse
mesmo ano assumiu o cargo de Diretor do setor e permaneceu até 1937. Na década de 1930 elaborou
outros diversos projetos, sendo sua obra de maior repercussão o jardim do prédio do Ministério da
Educação e Saúde de 1938. Em 1943 fundou a Firma Burle Marx e Companhia, escritório localizado no
Leme, em sociedade com seu irmão mais novo Siegfried. Burle Marx inaugura uma escola própria por seu
trabalho de associação de plantas e materiais. Na ocasião da elaboração do projeto paisagístico do Pavilhão
de Cursos da Fiocruz, Burle Marx coordenava o seu escritório de paisagismo denominado Roberto Burle
Marx e Arquitetos Associados, tendo como sócios John Stoddart, Fernando Tábora, Mauricio Monte e Julio
Pessolani. Essa sociedade durou até o ano de 1954. Em 1955, Roberto Burle Marx cria o Burle Marx & Cia.
Ltda., se associando ao arquiteto paisagista Haruyoshi Ono no ano de 1965 até seu falecimento em 1994.
Era comum que o próprio arquiteto de edifícios fornecesse o desenho para os pátios e jardins
dos seus projetos arquitetônicos. A figura de Roberto Burle Marx foi uma das exceções a essa regra. Ele
inaugura uma escola própria por seu trabalho de associação de plantas e materiais. Logo, seria o nome mais
celebrado para participar de projetos de vanguarda modernistas na cidade do Rio de Janeiro.

O PROJETO PAISAGÍSTICO DO PAVILHÃO DE CURSOS


O jardim do Pavilhão de Cursos (atual Arthur Neiva) foi projetado por Roberto Burle Marx juntamente
ao painel de azulejos que reveste o bloco do auditório da edificação. Foi um presente para seu amigo, o arquiteto
Jorge Ferreira- autor do projeto do pavilhão. Supõe-se, por estudos em documentação fotográfica, que o projeto
paisagístico executado por Burle Marx tenha sido desenvolvido no início da década de 1950 (c.1954).
A composição paisagística tem dimensões modestas e se desenvolve em dois cenários: a Av. Brasil
e o pátio do pavilhão. Apesar de utilizar a mesma linguagem pictórica na seleção das formas e texturas dos
canteiros, a composição acaba por invocar duas experiências estéticas diferentes ou intenções de projeto
com programas de necessidade distintos (ANDRADE, 2015).

322
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

O lado voltado para a avenida, com portão de acesso de pedestres, é coberto por uma ampla
superfície gramada que se estende do muro até os blocos do pavilhão. Nesta é pontuada a presença, de
pelo menos, um canteiro em ameboide de forração clara. É possível imaginar o impacto visual causado aos
que trafegavam pela avenida pelo contraste entre os tons de verde e o conjunto de painéis em tons de azul.
Ao distanciar-se do cenário rotineiro da avenida, o canteiro delimitado pelos planos verticais do pavilhão e
pela aleia de árvores de grande porte (no limite da composição) forma uma espécie de “pátio interno”. As
varandas do segundo pavimento e as áreas livres dos pilotis estão voltadas para esse pátio, convidando a
uma atmosfera de convivência e encontro entre os alunos e professores do pavilhão.
Apesar do canteiro ter uma forma simples de rotunda de circulação, pode ser observada uma
variedade de formas abstratas de manchas de forração. Também é possível identificar oito indivíduos de
árvores de grande porte que pontuam simetricamente as extremidades desse canteiro. Não são observados
mobiliários urbanos na composição, levando a crer que a intenção era que as atividades de convivência
seriam praticadas ao redor do canteiro e na área dos pilotis e nas varandas. (Il. 1)
Os elementos essenciais da grelha espacial que contribuem para a significação do jardim
(ANDRADE, 2015) são:
• Rodunta funcionando como um ponto focal do jardim gerando um espaço intimista
configurado pelos pilotis do pavilhão.
• Superfície gramada gerando ponto focal de interesse em direção ao painel de azulejos do
corpo do auditório do pavilhão
• Canteiro em forma de ameboide contrastando com a superfície gramada.
• Aleia de árvores pontuando o canteiro na forma de rotunda com desenho assimétrico de
forrações.
Il. 1 – Aparência do projeto
paisagístico do Pavilhão Arthur
Neiva executado na década de
1950.
Fonte: Acervo DAD/COC/Fiocruz.

323
Jardins históricos

Pesquisas anteriores realizadas pelo DPH (ANDRADE, 2015; OLIVEIRA, 2013) identificaram nas
fotos mais antigas o repertório vegetal estruturado por grandes superfícies gramadas – supõe-se o emprego
de grama-batatais, por essa espécie ser nativa e muito resistente – e por composições intercaladas por
grupos de forrações (Philodendron bipinnatifidum) e arbustos (Agave angustifólia e Agave attenuata) de
cores distintas e pontuadas por árvores de grande porte.
Convém destacar que não se localizou a planta do projeto original nos arquivos do Escritório
Burle Marx & Cia no Rio de Janeiro ou no Arquivo do Departamento de Arquivo e Documentação (DAD) da
COC/Fiocruz. No entanto essa investigação revelou a existência de um outro projeto paisagístico localizado
em seu escritório, assinado por Burle Marx, para o pavilhão que data de 1949, portando dois anos após a
inauguração do pavilhão. No verso da planta localizada existe uma mensagem de Jorge Ferreira para Burle
Marx onde se lê: “Roberto, são as plantas de Manguinhos. Voltarei aqui. Jorge”. (Ils. 2 e 3)

Il. 2 – Projeto paisagístico para o Pavilhão Arthur Neiva primitivo. Acervo Escritório Burle Marx. Fotografia de planta original.
Fonte: Autora, 2015.

324
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 3 –MR Verso da planta do Projeto paisagístico primitivo para o Pavilhão Arthur Neiva. Acervo Escritório Burle Marx. Fotografia de
planta original. Fonte: Foto do Acervo da Autora, 2015.

Nesse projeto era prevista a construção de outro pavilhão em lâmina, identificado apenas como
“indústria”, oposto ao Pavilhão de Cursos. O desenho indica um acesso de ligação com a Avenida Brasil
de traçado sinuoso, sem representação de muro ou gradil, e com dimensões compatíveis para receber
a circulação de veículos e pedestres. Esse acesso conduzia diretamente a um estar central, entre os dois
pavilhões, arrematado por um grande espelho de água de linhas sinuosas contendo caixas de canteiros. A
solução técnica desses canteiros, bem como a distribuição formal de quatro fileiras de palmeiras, apresenta
similaridades com o jardim ordenado de influência concretista e neoconcretista do Museu de Arte Moderna
do Rio de Janeiro (1953). Nos fundos do Pavilhão de Cursos foi idealizado um jardim formado por um
grande canteiro em forma de ameboide. Um grupo de canteiros de linhas sinuosas e palmeiras enfileiradas,
na divisa do terreno com a Avenida Brasil, complementam a composição. Esse tratamento paisagístico de
grande proporção não chegou a ser implantado, mas traz indícios da linha projetual seguida pelo paisagista.
A presença de um lago artificial nesse projeto, não executado, revela uma similaridade curiosa.
Isso porque a temática abordada no painel de azulejos do bloco do auditório do pavilhão, elaborado pelo

325
Jardins históricos

artista, é justamente imagens de seres do fundo do mar – algas, lulas e águas-vivas. Caso executada essa
composição paisagística, o painel que contorna o bloco conduziria o pedestre que acessava a Av. Brasil ao
lago, implantado no pátio formado pelas duas edificações (“cursos” e “indústria”).

PRINCIPAIS INTERVENÇÕES PAISAGÍSTICAS


O espaço verde teve uma conformação florística bastante variada ao longo da sua existência
contendo, atualmente, poucos vegetais que poderiam se relacionar ao projeto original de Burle Marx
(ANDRADE, 2015; OLIVEIRA, 2013). A partir da documentação levantada, a composição paisagística original
parece ter permanecido integra até a década de 1970, mas os jardins do pavilhão sofreram muitas alterações
posteriores significativas.
Com o decorrer do tempo, as introduções e a falta de manutenção fizeram com que as espécies
arbustivas e arbóreas originais fossem aos poucos desaparecendo, a superfície gramada e de suas manchas
de forração foram suprimidas. Outras espécies foram introduzidas à composição, fossem espontaneamente
ou por ação humana (como exemplares de Psidium guajava, Syzygium jambolanum e Duranta erecta aurea).
Apesar de alterado, o jardim encontra-se em bom estado de conservação.
A transformação do canteiro em rotunda na atual Praça Carlos Chagas (antiga Praça César Pinto)
colaborou para mascarar a premissa da composição original. O desenho do canteiro não permite um
aproveitamento adequado da área como espaço de lazer. Por conta de sua localização, esse canteiro do
pátio está exposto a um intenso fluxo de veículos no entorno, o que compromete sua utilização como
espaço de lazer. Assim, a praça se torna um espaço de passagem e não de permanência. Os bancos desse
espaço estão embaixo de uma frondosa árvore de jambolão (Syzygium jambolanum) cuja coloração dos
frutos provoca manchas nas superfícies. A supressão da superfície gramada do canteiro frontal, associada a
introdução de uma extensa bordadura de arbustos (Duranta erecta aurea), também prejudica a leitura do
conjunto arquitetônico e da sua obra de arte integrada – o painel de azulejos.
Também é do final da década de 1950 a construção de um muro e portão de acesso voltado para
a Avenida Brasil, na entrada do pavilhão. Esse acesso foi posteriormente fechado, mas as fotos indicam que
essa foi a primeira intervenção na composição original. Foi criado um passeio estreito e irregular na superfície
gramada no jardim frontal, bem distinto da solução idealizada por Burle Marx. Cogita-se que o fechamento
desse acesso ao pavilhão pode ter sido consequência da construção (entre 1965 e 1970) do viaduto de
Bonsucesso. Essa obra de infraestrutura urbana causou um aumento do trânsito na região e grande impacto

326
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

no campus de Manguinhos (OLIVEIRA; COSTA; PESSOA, 2003). Inclusive, o viaduto e a passarela foram ainda
responsáveis pela perda da área do Instituto, próxima ao Pavilhão e a Rua Sizenando Nabuco, para que se
construísse a alça de acesso do viaduto do terreno, na margem da Avenida Brasil.
Já em 1989, foi elaborado um projeto coordenado pela Prefeitura da Fiocruz que previa a reforma
geral do prédio, que já não contava com o painel de azulejos inferior do bloco do auditório. Apesar de não
se possuir informações sobre a execução da obra ou de propostas para o jardim, as plantas de levantamento
arquitetônico desse projeto são importantes registros de como o edifício se encontrava no final da década
de 1980.
Em 1991 a Prefeitura do campus da Fiocruz elaborou novo projeto de reforma e restauração do
pavilhão. A pavimentação externa foi completamente modificada. A nova solução foi composta por faixas
em diagonal (partindo dos pilares) em pedra portuguesa branca, intercaladas por placas de cimentado. O
acabamento em todo o perímetro da edificação foi feito por uma faixa de pedra portuguesa.
Nessa ocasião foi elaborada uma proposta de adaptação do projeto paisagístico. É proposta a
criação de um estacionamento na frente da edificação – cortando, portanto, o jardim frontal –, o plantio
de novas árvores para o seu canteiro residual, a criação de um segundo canteiro de forma sinuosa e a
criação de duas fileiras de árvores contíguas ao muro da Av. Brasil. Também está incluída nessa proposta a
construção de uma jardineira sob a projeção da laje do segundo piso para coletar a água pluvial (pingadeira).
A proposta indica uma preocupação na formalização de vagas de estacionamento. É interessante observar
que o levantamento iconográfico revelou que a área sob pilotis era usada como garagem de veículos. Caso
tivesse sido executada integralmente, a proposta teria contribuído para criar um fechamento visual do
painel da edificação e para deturpar a composição do jardim frontal.

A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DE JARDINS ANÁLOGOS


Para fundamentar as diretrizes e medidas de salvaguarda em jardim histórico é recomendado
pela Carta de Florença de 1981 que seja realizado um estudo criterioso para tentar recuperar a imagem do
jardim e, em especial, de seu elenco vegetal através do levantamento em jardins análogos.
Analisando a produção de Burle Marx, no mesmo período, para instituições públicas voltadas para
a saúde, é possível identificar o repertório do artista naquele momento histórico. Portanto, o jardim segue
características semelhantes de outros projetos de Burle Marx para jardins associado a edificação de saúde,
de corrente modernista e também executados no Rio de Janeiro na década de 1950:

327
Jardins históricos

• 1952 – Jardins do Instituto de Puericultura (atual Instituto de Pediatria e Puericultura Professor Martagão
Gesteira (IPPMG), Cidade Universitária da Universidade do Brasil, Rio de Janeiro.
• 1955 – Burle Marx projeta o paisagismo do Hospital Sul América da Fundação Larragoiti (atual Hospital
da Lagoa), Rio de Janeiro.
Entre as obras, destaca-se o paisagismo do Instituto de Puericultura e Pediatria (1949-1953) da
Universidade do Brasil (hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro), localizado no atual campus do Fundão.
Esse projeto guarda outras semelhanças essenciais: possuir um painel de azulejos de autoria de Burle Marx
(acompanhado por Aylton Sá Rêgo e Yvanildo da Silva Gusmão) e executado pela Osiarte (em 1952) e de
apresentar uma solução semelhante para o jardim da frente da edificação – voltada para uma via arterial de
fluxo intenso – e uma solução mais intimista voltada para o pátio no interior da edificação. Destaca-se que a
edificação recebeu o primeiro lugar na categoria de Edificação Hospitalar, na Segunda Bienal de Arquitetura
do Estado de São Paulo, em 1953.
Já a composição paisagística do Hospital Sul América, localizado no bairro nobre do Jardim
Botânico, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, apresenta solução distinta. Segundo Peralta (2002), Burle
Marx teria se inspirado “na forma de um embrião”. Seus jardins, com muitos recantos de estar, estão ambos
voltados para as vias de circulação, de maneira a emoldurar a lâmina da edificação hospitalar. Um espelho
de água, com tanques, também complementa a composição. Destaca-se que os painéis de azulejos que se
integram a edificação são de autoria do artista plástico Athos Bulcão.
Nas três composições analisadas – Jardins do Instituto de Puericultura, Jardins do Pavilhão de
Cursos e Jardins do Hospital Sul América – fica evidente que o projeto paisagismo de Burle Marx ambienta
a arquitetura, de maneira a ligar o edifício ao terreno e rompendo com seu geometrismo.
O elenco vegetal especificado comum ás composições paisagísticas análogas surpreende pela
variedade. É possível observar nos exemplares o uso de indivíduos de Helicônia-papagaio (Heliconia
psittacorum linn.f.), Hera-roxa (Hemigraphis colorata Hallier), Pau rei (Basiloxylon brasiliensis Fr. All. K.
Schum.), Bela-emília (Plumbago capensis Thunb.), Crino branco (Crinum asiaticum Linn.), Pau mulato
(Calycophyllum sppuceanum (Benth) K. Schum.), lírio de um dia (Hemerocallis flava Linn.), Moréia (Morae
iridioides Linn.), Acalifa (Acalypha wilkesiana Muell. Arg. Var. musaica hort.), Rabo-de-gato (Acalypha
hispida Burm.), Coração-magoado (Iresine herstii Hook.) e Coqueiro-de-vênus (Cordyline terminalis
Kunth.). O reconhecimento de um elenco vegetal, coerente com o elenco vegetal utilizado por Burle
Marx, é importante para subsidiar as decisões sobre a introdução ou substituição de espécies vegetais.

328
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

ARQUITETURA E JARDINS COMO INDISSOCIAVEIS


Cabe destacar que, em 2001 o Pavilhão Arthur Neiva foi reconhecido e tombado a nível estadual
(Decreto E-18/001.538/98) pelo Instituto do Patrimônio Cultural. O painel de azulejos de Burle Marx chega
a identificado nos estudos de instrução de tombamento. No entanto, o jardim implantado no entorno do
Pavilhão Arthur Neiva não foi citado no processo e, assim, não foi reconhecido como bem integrante do
conjunto.
Em 2009 o painel de azulejos do Pavilhão Arthur Neiva. Foi objeto de tutela municipal. No entanto
por desconhecimento ou, novamente, por incompreensão da importância da valoração dos conjuntos
arquitetônicos e paisagísticos o jardim foi novamente esquecido. O painel foi inscrito provisoriamente no
livro do tombo municipal (Decreto n.º 30.936, de 4 de agosto 2009) por integrar o conjunto de obras
representativas do artista Roberto Burle Marx na cidade.
O jardim do pavilhão foi idealizado como uma extensão do Pavilhão de Cursos. Logo, o espaço
dos pilotis é de extrema importância, pois esse espaço é destinado para a permanência e a sociabilidade
dos usuários. A moldura verde colabora tanto na delimitação espacial da edificação como para ressaltar o
painel de azulejos.
Apesar dos exemplares de jardins históricos do sítio histórico da FIOCRUZ não possuírem proteção
específica, estes foram incluídos em 1986 em processo de extensão de tombamento federal enquanto
integrantes de uma zona de proteção rigorosa, isso é, enquanto uma área de amortecimento das edificações
tombadas. Assim, seguindo a legislação cultural, qualquer intervenção no entorno dos bens tombados –
e, portanto, nos jardins de interesse histórico – deveria ser submetida à apreciação dos órgãos federal e
estadual de proteção cultural.
Logo, seguindo as recomendações internacionais no campo da preservação de jardins históricos,
as diretrizes gerais de intervenção nos jardins do Pavilhão Arthur Neiva deverão estar pautadas em:
• Respeitar o traçado e a espacialidade existentes: o traçado é encarado como o principal
articulador da leitura da espacialidade do jardim.
• Harmonizar as diferentes camadas de tempo: as sobreposições e os elementos adicionais são
testemunhos dos momentos pelos quais o bem patrimonial passou, e que a sua permanência ou
supressão devem ser alvo de estudos que os identifiquem e que reconheçam seus valores culturais.
• Evitar dissonâncias: em intervenções em que se verifique a necessidade de acrescentar partes
que faltam ao jardim, que existiram no passado, é o caso de serem escolhidos os materiais e

329
Jardins históricos

formas originais do passado, de maneira a diferenciá-los dos originais. As intervenções não


devem competir com os bens protegidos, mas colaborar para sua valorização.

conclusão
Apesar inegáveis avanços no campo da preservação nos últimas três décadas, os jardins históricos
ainda encaram o desafio de não serem reconhecidos como bens culturais. É fundamental desenvolver ações
voltadas para o reconhecimento desses bens enquanto partes indissociáveis de seu contexto construído e
de seu contexto histórico.
As ações de preservação e valorização do patrimônio cultural variam consideravelmente de
acordo com o contexto e os valores associados a cada monumento e seu ambiente construído. No caso dos
jardins históricos, esta é uma ação que envolve a busca por manter a integridade e autenticidade de um
monumento vivo, logo, que convive com diferentes temporalidades. Assim, conhecer e reconhecer essa
temporalidade são fundamentais para problematizar e planejar ações de conservação e restauração.

NOTAS
1
O relatório final da pesquisa apresentou um inventário dos quatro jardins objetos de estudo, com a descrição da
situação atual, desenhos paisagísticos baseados em documentação histórica, o objetivo desejado com a revitalização
ou restauração justificado com base nos atributos do jardim, a indicação dos trabalhos requeridos para a sua
intervenção com especificações para a sua manutenção, bem como o agrupamento das referências documentais
sobre os jardins (ANDRADE, 2015).
2
O Plano de Gestão da Conservação é um conjunto de diretrizes e proposições com o objetivo de planejar e programar
o monitoramento do jardim disciplinando a conservação, recuperação, o uso e ocupação do bem e de seu entorno
imediato. Incluem ações que vão desde a valorização patrimonial até as indicações de intervenções, que incluem
a indicação das áreas de interesse para investigações arqueológicas. Também integram o documento normas e
procedimentos para a preservação dos jardins (WATKINS; WRIGHT, 2007).

REFERÊNCIAS
ANDRADE, Inês El-Jaick. Temporalidade dos jardins históricos do campus Fiocruz Manguinhos. Relatório Final. Rio de
Janeiro: Departamento de Patrimônio Histórico/COC/Fiocruz, 2015.
INSTITUTO BRASILEIRO DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL (IBAM). Plano de Ocupação da área de Preservação do
campus Fiocruz Manguinhos. Rio de Janeiro: IBAM; Fiocruz, 2011.
OLIVEIRA, Benedito Tadeu de. (Coord.); COSTA, Renato da Gama-Rosa; PESSOA, Alexandre José de Souza. Um lugar
para a ciência: a formação do campus de Manguinhos. RJ: Editora Fiocruz, 2003. (Coleção História e Saúde).

330
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

OLIVEIRA, Carla Gils Vasconcellos de. Arquitetos paisagistas e suas composições no conjunto urbano paisagístico do
campus Fiocruz Manguinhos. Relatório Final de atividades PIBIC-CNPQ. Rio de Janeiro: Departamento de Patrimônio
Histórico/COC/Fiocruz, 2013.
PERALTA, V. O. Composición Elemental – Edificios Complejos. Los hospitales modernos en Brasil. In: Enfoques en la
Investigación Científica: Producción Actual en las Universidades de Barcelona. Actas del VII Seminario de la APEC –
Barcelona, Espanha, 2002.
WATKINS, John; WRIGHT, Thomas. Management and Maintenance of Historic Parks. Gardens and Landscapes: The
English Heritage Handbook. London: Frances Lincoln, 2007.

331
Jardins históricos

332
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

O Parque Botânico do Ecomuseu Ilha Grande:


planejamento e implantação
Marcelo Dias Machado Vianna Filho | Carla Y’ Gubáu Manão | Marcelo Fraga
Castilhori | Cátia Henriques Callado

A Ilha Grande, uma área de


grande valor ambiental

L
ocalizada no município de Angra dos Reis
(23º10’34”S e 44º22’39”W), estado do Rio de
Janeiro e inserido no bloco Sul Fluminense de
remanescentes da Mata Atlântica (Rocha et al. 2003).
Outrora a região foi recoberta por floresta Ombrófila
Densa primária, atualmente, devido à ação antrópica se
observa diversos mosaicos de florestas em diferentes
estágios sucessionais (Oliveira & Coelho-Netto
2000; Callado et al. 2009).
Devido ao reconhecimento público nacional e
internacional de sua relevância ambiental, a Ilha Gran-
de contempla quatro unidades e conservação: Área de
Proteção Ambiental de Tamoios, Parque Estadual da
Ilha Grande, Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul,
e Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Aventu-
reiro (INEA, 2016).
A Área de Proteção Ambiental de Tamoios
(APA Tamoios) foi criada por meio do Decreto Lei nº
9.452 em 1982, com o objetivo de assegurar a proteção
do ambiente natural, das paisagens de grande beleza

333
Jardins históricos

cênica e dos sistemas geohidrológicos da região, que abrigam espécies biológicas raras e ameaçadas de
extinção, bem como comunidades caiçaras integradas em seus ecossistemas. A parte insular abrange todas
as terras emersas da Ilha Grande e de todas as demais ilhas que integram o município de Angra dos Reis
(Rio de Janeiro 1982).
O Parque Estadual da Ilha Grande (PEIG) foi criado pelo Decreto Estadual nº 15.273, de 26 de
junho de 1971, abrangendo terras situadas na Ilha Grande (Rio de Janeiro 1971). O Decreto Estadual nº
40.602, de 12 de fevereiro de 2007, ampliou, ratificou e consolidou como parque a área total de 12.052
hectares, acrescentando todas as demais terras localizadas acima da cota de altitudinal de 100 metros,
excetuando-se aquelas pertencentes à Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul (Rio de Janeiro 2007).
Esta última, também situada na Ilha Grande, foi criada pelo Decreto Estadual nº 4.972, de 2 de dezembro
de 1981 como Reserva Biológica e Arqueológica da Praia do Sul, e foi recategorizada em 2014, atualmente
conta com uma área de 3.502 ha e apresenta a vegetação em melhor estado de conservação da Ilha, além
de áreas de interesse arqueológico (Rio de Janeiro, 2014).
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Aventureiro (REDS Aventureiro) foi criada em 1990,
como Parque Estadual Marinho do Aventureiro e recategorizada pela Lei 6973/2014. Essa REDS é adjacente
à Reserva Biológica Estadual da Praia de Sul e seus limites compreendem toda a área de costeira e praias
desde a ponta da Tacunduba (Parnaióca) até a ponta do Drago. Sua área total é de 15,5 Km², que equivale
a 8% da área terrestre total da Ilha Grande – 193 Km² (Rio de Janeiro 1990).

A vegetação da Ilha Grande


São comuns para a Ilha Grande, as fitofisionomias típicas do Bioma Mata Atlântica, com
a predominância da Floresta Ombrófila Densa Submontana, mas também estão presentes os tipos
vegetacionais de Floresta Ombrófila Densa Montana e das Terras Baixas e, em menor proporção, as áreas
de formação pioneira de influência marinha (Restinga) e fluviomarinha (Mata alagadiça e Manguezal) e os
afloramentos rochosos (Oliveira & Coelho-Netto, 2000; Callado et al., 2009).
A vegetação na Ilha se distribui desde áreas planas que estão em nível do mar até 1.035 m de
altitude (Pico da Pedra D’água). Atualmente, está representada por grandes extensões de formações
secundárias, em estágios avançados de regeneração. A vertente sul e o centro geográfico da Ilha possuem
matas em melhor estado de conservação, enquanto a vertente norte está coberta, principalmente, por
vegetação degradada. Próximo aos povoados e vilas são encontradas as capoeiras mais recentes. As áreas
de acesso mais difícil, seja devido a maior altitude ou pelo alto grau de declividade, ainda permanecem

334
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

aparentemente pouco alteradas e apresentam aspectos remanescentes da mata climáxica (Magnanini


et al. 1985; Araujo & Oliveira, 1988; Oliveira e Silva, 1998; Oliveira & Coelho Netto, 2000;
Oliveira, 2002; Oliveira, 2004; Callado et al. 2009).
O conhecimento sobre a flora e vegetação da Ilha Grande está em sua maioria restrito à Reserva
Biológica Estadual da Praia do Sul (Araújo & Oliveira, 1998) e à área do Parque Estadual da Ilha Grande
ao entorno da Vila Dois Rios (Callado et al. 2009, Manão, 2011), localidade onde se situava o Instituto
Penal Cândido Mendes, desativado em 1994 e, onde atualmente está instalado o Campus Avançado Ilha
Grande da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), composto pelo Centro de Estudos Ambientais
e Desenvolvimento Sustentável e o Ecomuseu Ilha Grande, sendo o Parque Botânico da Ilha Grande (PaB)
um dos núcleos desta segunda unidade acadêmica da UERJ.

Recursos hídricos, clima e solo


A Vila Dois Rios, como o próprio nome diz, é banhada por dois rios, o Rio Barra Pequena e o Rio
Barra Grande (Fortes & Pereira, 2009), que em sua nascente recebe o nome de Rio Andorinhas (Galvão
& Esteves 2007). Assim como em toda a Ilha Grande, o microclima da Vila Dois Rios é quente e úmido, sem
estação seca, com temperatura média de 23 °C e pluviosidade anual média de aproximadamente 1977 mm
(Salgado & Vasquez, 2009).
Segundo Carvalho et al. (2013), o solo de Dois Rios é classificado como espodossolo, comum em
todo litoral fluminense, associados a terrenos arenosos e ácidos. As principais limitações dos espodossolos
estão relacionadas à sua textura arenosa e baixa fertilidade, todavia, na área do Parque Botânico funcionou
uma pequena horta para o presídio. Tecnicamente, os espodossolos são indicados como áreas de
conservação ambiental (EMBRAPA, 2016), o que é compatível com o propósito do PaB.

A Vila Dois Rios como sede para o Parque Botânico


O PaB está situado na Vila Dois Rios, em área do antigo Instituto Penal Cândido Mendes, que
atualmente, integra a Zona Histórico Cultural do Parque Estadual da Ilha Grande (PEIG), unidade de
conservação do Instituto Estadual do Ambiente (INEA). A área é mantida pela UERJ e regida pelo Plano
Diretor da UERJ em consonância com o PEIG.
A missão do PaB é o estabelecimento de uma coleção de plantas vivas cientificamente reconhecidas,
organizadas, documentadas e identificadas, com a finalidade de estudo, pesquisa e documentação do
patrimônio florístico da Ilha Grande, servindo à educação, cultura e conservação do meio ambiente, mas

335
Jardins históricos

também preocupada com a estética, atratividade e despertar de emoções em seus visitantes (Lima et
al. 2010, Vianna Filho et al. 2014). O terreno do PaB, para o qual o projeto paisagístico foi elaborado,
apresenta vegetação de capoeira, com presença de ruínas e escombros do antigo presídio, como se observa
na Il. 1.

Il. 1 – Área do Parque Botânico da Ilha Grande para a qual o projeto paisagístico foi proposto, em 2013.
Fonte: Cátia H. Callado.

A Coleção de Plantas Vivas do Parque Botânico e o Ecomuseu


Ilha Grande
Atualmente, as coleções de plantas vivas, sejam elas arboretos, hortos, parques ou jardins
botânicos apresentam múltiplas funções, sendo as coleções contemporâneas, criadas com o propósito de
dar suporte à pesquisa e a consciência sobre os efeitos negativos da perda da biodiversidade (Pereira
& Costa, 2010). Uma vez constituídas, passam a ter finalidade educativa e sensibilizam as pessoas para
o respeito à vida e à natureza. Suas funções didáticas, de irrefutável tradição, remontam aos jardins de
ervas medicinais e temperos, historicamente utilizadas na medicina e culinária, estabelecendo assim os
elos históricos entre o homem, seus hábitos e cultura (Rede Brasileira de Jardins Botânicos 2001).
Uma das principais funções dos museus é a de preservar e inventariar objetos. Como museu, o
PaB se dedica a construir e manter um acervo composto por plantas vivas. A coleção de plantas nativas da

336
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Mata Atlântica do PaB expõe ao público as espécies organizadas em setores e integradas ao Paisagismo
do Parque.Embora a coleção seja permanente, novas plantas vão sendo incorporadas progressivamente,
a partir de expedições para inventário e amostragem na Ilha Grande e sua germinação nas instalações do
próprio Parque Botânico. As Coleções de plantas vivas são importantes fontes para o desenvolvimento de
pesquisas nas diversas linhas de conhecimento. No PaB, as coleções de plantas podem ser utilizadas tanto
por programas de educação ambiental, quanto para certificação de novas plantas ornamentais, garden
design, ilustração botânica e silvicultura. À medida que as populações nativas de plantas vão se reduzindo
nos seus ambientes naturais, coleções de plantas vão se tornando um patrimônio cada vez mais importante
para conservação ex situ das espécies.

Expedições para inventário e amostragem de material botânico


Os estudos da Flora da Ilha Grande realizados pela UERJ tiveram início no final da década de 90.
Ao longo deste período, os esforços estiveram voltados para a difícil tarefa de catalogar e identificar as
espécies existentes, o status de conservação das mesmas e o registro histórico do uso dessas espécies na
Ilha (Lima et al. 2010). A partir de 2014, as expedições para inventário, georreferenciamento e amostragem
de material botânico destinado ao PaB começaram a ser realizadas. Até o momento, foram realizadas
incursões na Ilha Grande nas localidades de: Abraão, Dois Rios, Parnaioca, Caxadaço e Lopes Mendes, para
amostragem de germoplasma vegetal. Em 2015, o Programa Piloto do Parque Botânico da Ilha Grande foi
publicado como marco inicial do planejamento do Parque Botânico e da primeira listagem de espécies para
cultivo (Vianna-Filho et al. 2014).

O Paisagismo do Parque Botânico


O projeto paisagístico do Parque Botânico da Ilha Grande abrange o pátio interno do antigo
presídio e estabelece canteiros temáticos com espécies nativas que contam a história da Ilha Grande. O
projeto também prevê a restauração in situ de processos ecológicos por meio do resgate da diversidade
vegetal e da busca da autoperpetuação das espécies presentes na Ilha Grande, muitas delas endêmicas e/
ou ameaçadas de extinção.
O plantio das mudas tem sido realizado no início das estações das chuvas, após um acúmulo
pluviométrico de cerca de 70mm, deixando o solo com um grau de umidade elevado, propiciando
condições ideais ao plantio das mudas. A experiência prática tem mostrado que plantas com características
de diferentes estádios sucessionais (pioneiras, secundárias, climáxicas) podem ser implantadas numa

337
Jardins históricos

única etapa de plantio, sendo as espécies utilizadas no presente projeto relacionadas à história pretérita e
presente da Ilha Grande.

Por que criar um Parque Botânico?


Segundo a definição de coleções de plantas vivas, regulamentada pela resolução Conama no 339
de 25 de setembro de 2003 (Brasil, 2003),
entende-se como jardim botânico a área protegida, constituída no seu todo ou em parte,
por coleções de plantas vivas cientificamente reconhecidas, organizadas, documentadas e
identificadas, com a finalidade de estudo, pesquisa e documentação do patrimônio florístico
do País, acessível ao público, no todo ou em parte, servindo à educação, à cultura, ao lazer e à
conservação do meio ambiente.

A Resolução CONAMA 266/2000 (Brasil, 2000), destaca também que a criação de Jardins
Botânicos e áreas afins é imprescindível para difundir o valor multicultural das plantas e sua utilização
sustentável, além de ter a finalidade de proteger espécies raras ou ameaçadas de extinção, manter bancos
de germoplasma, atuar no registro e documentação de plantas, promover intercâmbio científico, técnico e
cultural com entidades e órgãos nacionais e estrangeiros e estimular e promover a capacitação de recursos
humanos.
Esses são aspectos encontrados no Parque Botânico da Ilha Grande. Todavia, ainda convém
destacar a configuração deste Parque como uma área que integra um museu universitário, o Ecomuseu Ilha
Grande. Desta forma, a documentação do patrimônio florístico e histórico, pela coleção de plantas vivas,
está associada às atividades de ensino, pesquisa e extensão, no âmbito das atribuições dos programas de
graduação e pós-graduação da UERJ.
A readequação da área das ruínas do presídio da Ilha Grande visa a reordenação da paisagem,
criando um local de contemplação e admiração, que conta a história da Ilha Grande por meio de suas
plantas. O conceito adotado no projeto paisagístico do Parque Botânico da Ilha Grande se compromete
com a arquitetura característica do complexo carcerário na situação atual e pretende intervir, sempre que
possível, para criar uma paisagem naturalizada em integração ao ambiente de cárcere (Il. .1 e 2). Para tanto,
foram identificados os elementos representativos da ideia essencial do projeto paisagístico, para recuperar
a qualidade estética e espacial das instalações já existentes e comprometidas pelo tempo.
Será necessário executar novas instalações e introduzir recursos técnicos para valorizar formal e
espacialmente todo o conjunto edificado, mas também as ruínas, que exercem efeito cênico de impacto,

338
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

com cerca de 3.000 m2 de terreno ocupado por escombros de concreto e grades retorcidas. Para tanto, vem
sendo realizada a limpeza de entulho e a reorganização da vegetação em locais apropriados.
Os canteiros estão sendo estruturados e incluem o tratamento paisagístico de toda a área, inclusive
recuperando o entorno dos escombros do antigo presídio; e o isolamento das áreas que porventura possam
oferecer risco aos visitantes.
O presente projeto se ateve ao planejamento da arquitetura da paisagem, seleção de espécies e
tratamento da vegetação. A viabilização do projeto implica em melhorias e proteção de diversos segmentos
do terreno e ruínas de edificações restantes. A valorização como um todo se dá através da eliminação de
todas as interferências que prejudicam a leitura da proposta paisagística e da introdução de uma série de
detalhes que, no seu conjunto, transmitem ao olhar do observador o impacto da arquitetura e a imagem
histórico-cultural do presídio. Isso tudo com rigor botânico suficiente para despertar a curiosidade dos
visitantes.

Il. 2 – Esquema da vista geral do Parque Botânico


da Ilha Grande antes do projeto. Perspectiva em
vista frontal. Encontram-se ressaltadas: em branco
as construções em uso; em cinza, as construções
em escombros; e em verde os escombros que terão
cobertura de vegetação. Estão delineados, porém
sem preenchimento, os trechos do Parque em que há
escombros aflorando no solo.
Fonte: Desenho dos Autores.

339
Jardins históricos

canteiros temáticos
O Parque Botânico apresenta canteiros temáticos, valorizando a importância histórico-cultural
e a conservação de plantas nativas da Ilha Grande (Il. 3). Importante ressaltar que o Jardim será uma
coleção de plantas vivas dinâmica e sua composição de espécies será alterada conforme o incremento
da coleção.
Preocupado com a estética, a atratividade e o despertar de emoções em seus visitantes, o
projeto paisagístico do Parque Botânico da Ilha Grande estabeleceu, no pátio do antigo presídio, canteiros
temáticos, onde será possível identificar plantas de interesse em diferentes períodos de ocupação da Ilha
Grande, incluindo o registro dos primeiros habitantes (Jardim dos Sambaquis), dos caiçaras na Ilha Grande
(Jardim dos Badjecos), das plantas dos períodos colonial e imperial (Talhão Florestal) e do período carcerário
(Talhão Florestal). Além destes canteiros históricos, a proposta para o PaB também contempla um Jardim
de Palmeiras, com espécies nativas da Ilha Grande, um Jardim Vertical, com plantas de ambientes de rocha,
um Sombral, instalação com plantas herbáceas e nos Escombros do presídio, serão mantidas espécies de
samambaias em regeneração natural. À beira das aleias e ao entorno dos canteiros, a vegetação herbácea
existente será mantida roçada, mantendo o aspecto de relvado.
Jardim dos Sambaquis*1: canteiro que apresenta espécies de plantas empregadas pelos antigos
povos do litoral brasileiro e espécies características do ecossistema em que estes construíram os sambaquis,
Restinga.
*1 sambaqui: Palavra originada do tupi (tamba=mariscos e ki=amontoado) que designa os sítios
arqueológicos formados por acumulações de restos de conchas, ossos, fogueiras, ferramentas e vestígios
mortuários, encontrados no litoral brasileiro (Guimaraes et al. 2009).
Jardim dos Badjecos*2: canteiro com plantas historicamente empregadas pelos caiçaras*3: da
Ilha Grande.
*2 badjecos: Segundo Oliveira (2008) a expressão é utilizada para denominar aqueles que
possuem naturalidade e ascendência genealógica na Ilha Grande. No imaginário local, esta terminologia
pode ser interpretada diferentemente, ou seja, tanto de forma explicativa, referindo-se àqueles que
nasceram e provêem de famílias oriundas da Ilha Grande, quanto de forma pejorativa quando, por exemplo,
os “angrenses” do continente classificam os “ilhéus” da Ilha Grande como “são todos badjecos”.
*3 caiçaras: habitantes tradicionais do litoral das regiões Sudeste e Sul do Brasil, formados a partir
da miscigenação entre índios, brancos e negros e que vivem da pesca artesanal, da agricultura, da caça, do
extrativismo vegetal e do artesanato.

340
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Talhão Florestal: canteiro onde serão mantidas as espécies arbóreas madeireiras identificadas
como importantes para a história do Brasil, representadas na flora da Ilha Grande, com destaque para o
período carcerário, e períodos do Brasil colônia e império.
Jardim das Palmeiras: canteiro das palmeiras (espécies da família Arecaceae) nativas ocorrentes
na Ilha Grande de interesse ornamental e/ou utilizadas nos diferentes períodos de ocupação da Ilha Grande.
Jardim Vertical: também conhecido como parede verde, o jardim vertical é uma intervenção
paisagística em paredes externas e/ou internas dos edifícios, que são cobertas por vegetação nativa por
meio de técnicas especializadas. No PaB estes jardins serão criados sobre os escombros que possibilitem
sua instalação e manutenção.
Sombral: instalação para manter espécies da Ilha Grande que necessitam de ambiente úmido
e sombreado naturalmente, com iluminação natural indireta, como por exemplo: algumas espécies de
orquídeas, bromélias, aráceas e samambaias nativas da Ilha Grande.
Escombros do presídio: um dos recantos majestosos que o Jardim possui. O talude formado pela
implosão do presídio abriga grande quantidade de pteridófitas, onde se destacam as samambaias gigantes
(Cyathea sp. - Cyatheaceae), que ocorrem e se propagam naturalmente neste local.
Para manutenção dos canteiros temáticos a infraestrutura básica de apoio para as atividades fins
do Parque Botânico, como uma coleção científica de plantas vivas, é composta por Casa de Produção de
Mudas, como base de trabalho para a equipe técnica envolvida; Viveiro de Mudas e Casa de Vegetação
como locais para germinação e aclimatação das plantas em desenvolvimento inicial; e Composteira, para
preparação de adubo. Cabe destacar que essas duas últimas unidades de trabalho ainda não estão instaladas
no PaB.

instalações existentes
Casa de Produção de Mudas: edificação com arquitetura minimalista, neste edifício funcionou
a antiga Lavanderia do Presídio. A Casa de Produção de Mudas é a base de trabalho para a preparação
de sementes e mudas, além de despertar na comunidade e visitantes o interesse pela pesquisa e para a
botânica, devido ao possível contato direto com a equipe durante o processamento de rotina do material
botânico do Parque. Possui também maquinário histórico da época do presídio e um viveiro central com
exposição de exemplares de plantas da Ilha Grande.
Viveiro de mudas: área em que são mantidas as plantas em cultivo, para aclimatação antes de
sua transferência para plantio nos canteiros do PaB. O Viveiro de mudas dispõe de duas áreas para esta

341
Jardins históricos

finalidade: 1) estrutura construída em estrutura de bambu e coberta por telas de sombreamento, e 2) área
de pátio de concreto para “rustificação” das espécies antes do plantio no solo.

Instalações previstas
Casa de vegetação: estrutura coberta e abrigada artificialmente com materiais transparentes
para proteção das plantas contra fenômenos metereológicos exteriores, para desenvolvimento das plantas
propagadas.
Composteira: instalação própria para o depósito e processamento do material orgânico, resíduos
de podas e folhas secas, produzidos nas atividades do Parque Botânico. A compostagem é um processo
biológico em que os microrganismos transformam a matéria orgânica, num material semelhante ao solo
fértil, denominado composto, utilizado como adubo.

Il. 3 – Projeto paisagístico


final do Parque Botânico,
planta baixa, com indicação
dos canteiros e especifica-
ção de plantas que serão
empregadas no plantio.
Fonte: Acervo dos autores.

342
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 4 – Esquema da vista geral do Parque Botânico da Ilha Grande antes da implantação do projeto. Perspectiva em vista lateral.
Encontram-se ressaltadas: em verde o trecho a ser trabalhado na primeira fase; em roxo, o trecho a ser trabalhado na segunda
fase do projeto paisagístico.
Fonte Acervo dos autores.

343
Jardins históricos

EXECUÇÃO DO PROJETO
A execução do projeto está dividida em duas fases, assim propostas para viabilizar a visitação ao
PaB em um menor prazo. Na primeira fase, iniciada em 2015, vem sendo realizado o tratamento paisagístico
da porção dos fundos do Parque, incluindo pátio principal; e na segunda fase, será tratada a porção da
entrada do Parque e o talhão florestal.
O tratamento paisagístico se inicia pelo melhoramento do solo, pela remoção de entulhos e
escombros. Os objetivos das atividades de preparo de solo para o plantio são, principalmente: reduzir a
competição ocasionada por espécies invasoras e melhorar as propriedades físicas e químicas do solo.

especificação da vegetação
Em atendimento às normas estabelecidas no Plano Diretor do PEIG (INEA 2013), as espécies
selecionadas para cultivo no Parque Botânico serão exclusivamente as nativas da Ilha Grande, a partir de
matrizes para coleta de sementes e propágulos. Para a planta do projeto paisagístico, foram selecionadas as
espécies da Tabela 1, por maior facilidade de aquisição no ambiente da Ilha Grande.

344
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Tabela 1.
Espécies exemplificadas na planta
do projeto paisagístico.

345
Jardins históricos

El edificio se compone de dos volúmenes principales, vinculados


por un pasillo puente de dos plantas que a la altura del plano
noble; posee dos bajadas simétricas por escaleras de piedra a
ambos laterales del espacio abierto exterior. Esta característica
es aprovechada por el proyecto de paisaje para promover a
partir de allí un eje secundario que vincule al edificio y paisaje
con recorridos y funciones hacia todo el exterior envolvente
paisajístico al conjunto edilicio. El planteo inicial es lograr
una barrera vegetal perimetral que disminuya los ruidos de
la circulación vehicular, la velocidad del viento y el polvo del
tránsito. Alcanzada esa “interioridad” se diseñaron diferentes
jardines para lugares alternativos de permanencia y actividades
de la comunidad educativa y del público en general. También
la mejora de la confortabilidad bioclimática produjo brisas,
humedad y temperaturas más adecuadas al proyectarse una
mejor relación mediante árboles en la proporción de sol, sombra
y colores en las distintas estaciones del año. La unidad de paisaje
es todo el entorno que guarda resolución de la escala con el
edificio potenciando así los contenidos educativos y artísticos
de la institución. Además de facilitar las actividades culturales
exteriores en lugares diferenciados y como parte de un recorrido
mayor por la expansión de actividades de enseñanza y extensión
cultural a la comunidad.

Jardines, Palacio Servente, Conservatorio de Música, Patrimonio.


Resumo

346
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

LOS JARDINES DEL PALACIO SERVENTE


SEDE DEL CONSERVATORIO PROVINCIAL DE MÚSICA
GILARDO GILARDI DE LA PLATA BUENOS AIRES
ARGENTINA
Alfredo H. Benassi
Algunas veces pienso que algún día llegará el Conservatorio
a ser como lo soñé: con un magnífico edificio rodeado por
jardines, con una sala de conciertos...
Alberto Ginastera, Fundador del Conservatorio GILARDO GILARDI.
Diciembre, 1951

E
l Palacio Servente actualmente es sede del
Conservatorio de Música Gilardo Gilardi y está
ubicado entre las calles 522 y 524 entre 12 y
13 y sobre la Avenida Antártida Argentina que da al
distribuidor de tránsito Pedro Benoit. Fue construido
en 1934 por una sociedad de beneficencia italiana, y
allí funcionó luego un instituto de menores.
Desde el año 2012, declaró al Edificio Servente,
como Bien Histórico Arquitectónico incorporado
definitivamente al Patrimonio Cultural de la Provincia
de Buenos Aires.
Diseñado por el arquitecto Reynaldo Olivieri
para las actividades benéficas de la Sociedad Femenil
Italiana inaugurado en 1934 como asilo para niños
huérfanos hasta diciembre de 1999, año en que fue
desafectado por no ajustarse a las condiciones exigidas
por la Convención Internacional sobre los Derechos del
Niño.

347
Jardins históricos

El Gobierno de la Provincia de Buenos Aires en el año 2002 recupera para el patrimonio provincial
y traslada al Conservatorio de Música provincial e impulsa la enseñanza y la difusión de la música, así es que
este edificio se convierte en la sede definitiva del Conservatorio de Música Gilardo Gilardi.
En el marco de esa recuperación patrimonial el proyecto paisajista fue encomendado y ejecutado
en los años 2002 y 2003, al paisajista Alfredo H. Benassi quien a partir del eje primario del edificio el paisaje
articula todo el conjunto y responde al estilo arquitectónico; de clara evocación toscana: de los jardines se
contempla al edificio y desde el edificio a los jardines.
Descripción del Proyecto
Implantación, Sito y Entorno.

Il. 1 -– Implantación foto aérea 1:5000


Fuente: Dirección Provincial de Geodesia, MOP Buenos Aires.

348
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

El predio es una poligonal que se define a partir del edificio interior que marca notablemente un
eje primario. La fachada principal tiene una orientación nordeste y dos fachadas laterales que muestran
los dos volúmenes del edificio que se vinculan por un puente de doble altura y con bajadas simétricas por
escaleras de piedra a ambos espacios libres laterales.
El proyecto de paisaje promueve la generación de un eje secundario que atraviesa virtualmente al
puente y expande funciones hacia el exterior de paisaje tanto las funciones programadas de la institución
como también para la formación de lugares integrados en un recorrido por jardines.
Preexistían especies vegetales que se han conservado como Eucaliptos, Paraísos, Palmeras,
Cipreses, Ceibos, y otras especies vegetales. Se planteó entonces la producción de una barrera vegetal
perimetral que disminuya los ruidos de la circulación vehicular y la velocidad del viento con polvo en
suspensión. La generación de una “interioridad” y la formación de lugares y la mejora de las condiciones
exteriores en cuanto a una mejor proporción de sol y de sombra.
En los jardines se pueden desarrollar contenidos educativos y artísticos de la institución y también
facilita las actividades culturales exteriores.
Otra clave del proyecto es el señalamiento de la importancia de los árboles en la construcción
de los instrumentos musicales, diseñando el paisaje con las principales especies vegetales que aportan las
maderas más prodigiosas de la luthierie.
Los principales componentes paisajísticos son el Patio de invierno o Patio de los Naranjos que por
su orientación posee un goce solar pleno desde el mediodía a la tarde, pudiendo estar allí en permanencia
exterior los días soleados de invierno con amparo del viento sur por el edificio mismo. Además de confinar
las fragancias de primavera por la floración de los naranjos y gardenias.
El patio de verano o el Jardín Azul, remata el eje secundario hacia el rumbo de la tarde noroeste
y que se inicia en el mismo Patio de los Naranjos. Cubre a ese Jardín Azul un agrupamiento de cuatro
Jacarandaes con sombra y media sombra para los días calurosos.
Opuestamente en el mismo eje y hacia el otro lado del edificio remata el “Patio de los Luthiers”
o Jardín Blanco para alojar una Colección de Maderas del Arte Luthier. Se ubica hacia el límite Sudeste del
predio para la exposición de obras de arte y maderas de instrumentos como una Xiloteca con piezas que
permitan percutir y escuchar el sonido de las diferentes esencias madereras de la colección con piezas
sonoras o “la voz de la madera”.Un tercer patio donde se ubica el Mástil de la Bandera Nacional está el
Patio de la Música o el Jardín de los Lapachos. Se define así un espacio delantero para actos académicos y
conciertos al aire libre, próximo a la entrada principal.

349
Jardins históricos

El principal contenido simbólico del proyecto se asienta en que todo el predio el paisaje se
vale del Arboretum de esencias madereras. Maderas que se utilizan para la construcción de los
instrumentos musicales; de manera qué, desde los Jardines se observa al Palacio y del Palacio los
Jardines. Los Estudiantes aprendiendo tocar su instrumento de música contemplan a los árboles
que prodigaron las maderas preciosas para su instrumento y el prodigio de la música que ejecuta.

El recorrido absorbente de losas con trama de césped y bancos brindan un camino, un pulso de
descanso y puntos de permanencia en el paisaje.

Il. 2 – Planta general de paisaje, (Modulación en cuadrícula de 3x3m)


Fuente: Acervo del Autor

350
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 3 – Patio-loggia de naranjos


Fuente: Acervo del Autor
Il. 4 – 2003 primeras etapas de plantación
Fuente: Acervo del Autor

351
Jardins históricos

Il. 5 – Imagen satelital del Conservatorio Superior de Música Gilardo Gilardi.


Ubicación geográfica: 34°53’54.85” S 57°59’02.80” O
Fuente: Google Earth 2016

352
Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

PRINCIPALES ESPECIES VEGETALES DEL PROYECTO


Componentes y Etapas de Ejecución

353
Jardins históricos

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

AUTORES

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Jardins históricos

Alessandra Teixeira da Silva | Pós doutoranda da Universidade Federal de Lavras/UFLA e Vice Presidente do
Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Lavras /MG. alepaisagismo@gmail.com
Alfredo H. Benassi | Doctor de la Universidad Nacional de La Plata, Facultad de Ciencias Agrarias y Forestales.
Ingeniero Agrónomo, Especialista en Ciencias del Territorio de la Facultad de Arquitectura y Urbanismo (FAU-UNLP)
y Perfeccionamiento de Nivel Superior en Planeamiento Paisajista y Ambiente de la Facultad de Ciencias Agrarias y
Forestales UNLP. Profesor del grado universitario en Planeamiento y Diseño del Paisaje. Director y profesor de las
Carreras de postgrado de Especialista en Planeamiento Paisajista y Ambiente y de la Maestría en Hábitat Paisajista
de la Facultad de Ciencias Agrarias y Forestales de la UNLP. Fundador y Coordinador de la Unidad de Investigación
y Desarrollo en Ingeniería de Paisaje UNLP. Profesor Invitado en; Facultad de Arquitectura y Urbanismo UNLP, UNR,
Universidad Torcuato Di Tella de desde 2003 Ciudad Autónoma de Buenos Aires en Argentina y Profesor Visitante de
la Universidad de Cádiz en España, UNRJ en Brasil y otros.
Ana Barbosa | FAU/UFJF; Doutora em Arquitetura e Urbanismo - FAU/USP. ana.barbosa@ufjf.edu.br
Ana Rita Sá C. Ribeiro | Arquiteta pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Doutora em Arquitetura pela
Oxford Brookes University. Professora do curso de Arquitetura e Urbanismo, da pós-graduação em Desenvolvimento
Urbano e coordenadora do Laboratório da Paisagem da UFPE. Conselheira da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Comité Internacional de Paisagens Culturais. Bolsista de Produtividade em
Pesquisa do CNPq nível 1C. Rua Jader de Andrade, 109, apt. 302, Casa Forte, Recife, PE, Brasil, CEP: 52061-060. E-mail:
anaritacarneiro@hotmail.com
ana pessoa | Arquiteta, Mestre em Comunicação e Cultura pela ECO-UFRJ; doutora pela mesma faculdade. A
partir de 1996, passou a integrar o quadro de pesquisadores da Casa de Rui Barbosa onde assumiu a diretoria do
Centro de Memória e Informação, a partir de 2003 a 2015. É líder o grupos de pesquisa Museu-casa: memória,
espaço e representações e Casas senhoriais e seus interiores: estudos luso-brasileiros em arte, memória e
patrimônio. anapessoa55@gmail.com
Antonio Colchete Filho | Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(FAU/UFRJ), Pós-doutorado em Arquitetura pela Universidade Técnica de Lisboa, Portugal (FA/UTL), Professor Doutor,
UFJF – PROAC. arqfilho@globo.com
Amanda Burgarelli Teixeira | Graduanda de Arquitetura e Urbanismo no Centro Universitário de Lavras. a_
burgarelli@yahoo.com.br
Arilda Maria Cardoso | Arquiteta Paisagista, co-orientadora ad honorem. arildacardoso@atarde.com.br
Claudia Brack |Arquiteta e Urbanista, mestre em Arquitetura Paisagística pelo PROURB-FAU/UFRJ, Arquiteta da
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Gerente de Paisagismo da Fundação Parques e Jardins. claudia.brack@rio.
rj.gov.br

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Carla Y’ Gubáu Manão | Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de Biologia Vegetal Doutoranda
no Curso de Pós-graduação em Biologia Vegetal.Graduada e Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade
Gama Filho, com Mestrado em Biologia Vegetal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. carlaygm@gmail.com
Clarice Rangel | Arte educadora e artista, mestranda do PPGARTES - UERJ. clarice.duarte.rangel@gmail.com
Cátia Henriques Callado | Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Profa. Associada do Departamento de Biologia
Vegetal. Graduada e Licenciada em Ciências Biológicas Pela Universidade Santa Úrsula, com Mestrado em Botânica pelo
Museu Nacional/UFRJ e Doutorado em Ecologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. catiacallado@terra.com.br
Cristiane Maria Magalhães | Historiadora. Doutora em História IFCH/UNICAMP (2015). Estágio Doutoral no
Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (Portugal). Mestre em História Social da Cultura pela
Universidade Federal de Minas Gerais - FAFICH/UFMG (2006). Professora do ensino superior. | cristmag@gmail.com
Daniele Alves | Arte educadora e museóloga, PPGARTES - UERJ / FAPERJ. danieledesaalves@gmail.com
Fabio Lima | FAU/UFJF; Estágio Pós-Doutoral - IUAV. fabio.lima@ufjf.edu.br
Fernanda Matoso Miranda Lins Gouveia | Graduanda da Universidade Santa Úrsula, Graduanda da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. matoso_fernanda@hotmail.com
Frederico Braida | Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Pós-
doutorado em Design pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), Professor Doutor, UFJF – PROAC.
frederico.braida@ufjf.edu.br
Helena Cunha de Uzeda | Professora adjunta de Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO); Mestre em História e Crítica da Arte / Doutora em Artes Visuais, EBA-UFRJ. helenauzeda@terra.com.br
Inês El-Jaick Andrade | Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo, Arquiteta e
Urbanista do Núcleo de Estudos de Arquitetura e Urbanismo em Saúde do Departamento de Patrimônio Histórico,
Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz. ijaick@coc.fiocruz.br
Isabela Frade | Educadora e artista, PPGARTES - UERJ / FAPERJ. isabelafrade@gmail.com
Guilherme Nogueira Ragone | Graduado em arquitetura e urbanismo pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de
Fora/MG. Mestrando em Ambiente Construído pela Universidade Federal de Juiz de Fora.guilhermeragone@hotmail.com
Joelmir Marques da Silva | Biólogo pela Universidade de Pernambuco (UPE). Mestre em Desenvolvimento
Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e em Diseño, Planificación y Conservación de Paisajes y
Jardines pela Universidad Autónoma Metropolitana (UAM-Azcapotzalco), México. Doutorando em Desenvolvimento
Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Pesquisador do Laboratório da Paisagem da UFPE. Bolsista
CAPES e CNPq (Doutorado Sanduíche). joelmir_marques@hotmail.com

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Jardins históricos

Josemary Omena Passos Ferrare | Arquiteta e Urbanista, Profa. Faculdade de Arquitetura e Arbanismo FAU/
UFAL. josy.ferrare@gmail.com
Karolyna de Paula Koppke | Arquiteta e Urbanista, mestranda em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável
pela UFMG. karolkoppke@yahoo.com.br
Laura Leão | FAU/UFJF, Acadêmica em Arquitetura e Urbanismo – FAU/UFJF. lauraleao.arq@hotmail.com
Lucia Maria de Siqueira Cavalcanti Veras |Arquiteta pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Doutora em Desenvolvimento Urbano pela UFPE. Professora do curso de Arquitetura e Urbanismo e vice-coordenadora
do Laboratório da Paisagem da UFPE. luciamveras@yahoo.com.br
Lucas Abranches Cruz | Graduação em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora
(CES/JF), Mestre em Ambiente Construído (PROAC/UFJF). lucasabranches.arq@gmail.com
Luiz Fernando Dutra Folly | Graduação em Paisagística (EBA/UFRJ), Especialização em História (FSB), Mestrado
em Urbanismo (PROURB/FAU-UFRJ). Nova Friburgo Country Clube. Função: Gerente de Patrimônio Histórico.
fernandofolly@yahoo.com.br
Marcelo Dias Machado Vianna Filho | Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de Biologia
Vegetal Pesquisador Associado de Pós Doutorado PNPD/CNPq, Graduado em Ciências Biológicas/Biologia Vegetal pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro, com Mestrado e Doutorado em Botânica pelo Museu Nacional/UFRJ e Pós
Doutorado pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro. marceloviannafilho@gmail.com, www.datainflora.com
Marcelo Fraga Castilhori | Doutorando no Curso de Pós-graduação em Biologia Vegetal Licenciado em
Ciências Biológicas pela Universidade do Grande Rio, com Mestrado em Biologia Vegetal pela Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. mrffisio@ig.com.br
Maria Ângela Barreiros Cardoso | Profa. MSc. em Arquitetura e Urbanismo – PPGAU/UFBA, Arquiteta
Paisagista. dangecardoso@gmail.com
Maria Lucia A.M. Carvalho | Profa. PPG-AU/UFBA, Arquiteta e Urbanista e Dra. em Geografia. carmarialucia@gmail.com
Maria Teresa Silveira | Especialista em História da Arte e Arquitetura no Brasil, PUC-Rio, Mestre em Museologia
e Patrimônio, UNIRIO/MAST. tsilveira5@hotmail.com
Marcus Paulus Guimarães Passos | Vice-Presidente do Instituto Sustentare. marcus.passos@grupoengecop.com.br.
Nayhara Camila Andrade | Graduanda de Arquitetura e Urbanismo no Centro Universitário de Lavras. nayhara_
andrade10@hotmail.com
Nelson Venturin | Dr. Pesquisador do CNPQ e Prof. Departamento de Ciências Florestais/UFLA. venturim@dcf.ufla.br
Raquel Portes | FAU/UFJF; Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo – EAU/UFF. raquel.portes@ufjf.edu.br

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Schirley Fátima Nogueira da Silva Cavalcante Alves | Profa. Dra. Titular de Paisagismo, Unilavras.
sfnsca@terra.com.br
Tharcila Maria Soares Leão | Arquiteta e Urbanista. Doutoranda pelo Programa de Pós Graduação em Dinâmicas do
Espaço Habitado – UFAL. tharcila.leao@hotmail.com
Vanessa Cristina Melnixenco | Licenciatura em História (FFSD), mestrado em História Social (PPGH-UNIRIO).
Instituição de origem: Nova Friburgo Country Clube. Função: historiadora. vanessa.melnixenco@gmail.com
Wilson de B. Feitosa Jr.| Graduando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), pesquisador do Laboratório da Paisagem, bolsista PIBIC/CNPq. wilsonbarrosf@gmail.com

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