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Tudo que é Sólido Desmancha no Ar: Uma análise do capítulo burguês de Baudelaire

1. BAUDELAIRE: O MODERNISMO NAS RUAS

O texto que serviu como base para a execução de nosso trabalho, nos leva a refletir sobre o
contexto da modernidade na sociedade francesa da época, sendo Baudelaire um dos mais
importantes modernistas, por conta de sua visão, sendo que, usamos seus pensamentos por
serem muito atuais em nosso cotidiano.

Baudelaire foi um crítico, poeta e, acima de tudo um pensador, que trouxe, com suas idéias,
conseqüências e mudanças importantes no modus vivendi da época e, também levou a criar
uma consciência nas pessoas, criticando por muitas vezes, o modo de viver e esse estado de
coisas que se encontrava a sociedade no século XIX.

Sendo que, no início do desenrolar das idéias de Baudelaire, por Marshall Berman, há uma
tendência de seus pensamentos se bifurcarem em dois níveis:
§ Material - político, econômico, social;
§ Espiritual – imperativos artísticos e intelectuais autônomos.
Essa dualidade consiste na eterna dúvida do ser humano em privilegiar qual lado de sua
vida, de seus familiares e de seu povo. A quem recorrer, o que fazer e o que buscar, sendo
que a eterna discussão dentro das mentes das pessoas, sempre nos leva a conflitar esses dois
pólos, fazendo com que percamos a orientação e a compreensão dessas duas fontes
separadas, que na verdade podem ser ligadas a uma coisa só, em benefício de todos.

Com isso,
"o primeiro imperativo categórico do modernismo de Baudelaire é orientar-nos na direção
das forças primárias da vida moderna. Contudo, se percorremos sua obra, veremos que ela
contém várias visões distintas da modernidade. Essas visões muitas vezes parecem opor-se
violentamente umas às outras, e Baudelaire nem sempre parece estar ciente das tensões
entre elas. Todas as modernas visões de Baudelaire e todas as suas contraditórias atitudes
críticas em relação à modernidade adquiriram vida própria e perduraram por longo tempo
após a sua morte até o nosso próprio tempo". (BERMAN, M., 1986, p. 131)[1]
Portanto, essa é a questão crucial da oposição de idéias e de situações que estaremos nos
atendo mais nesta explanação e na explicação de nosso roteiro, para justificar todas as
contraposições e
conclusões de Baudelaire no que tange a questão da modernidade.
1.1 MODERNIDADE PASTORAL E ANTI-PASTORAL
Na obra “Aos Burgueses” (1846), Baudelaire celebra e adula os burgueses:
"Vocês são a maioria – em número e inteligência, portanto, vocês são o poder – o que quer
dizer justiça. Os burgueses não querem rios de dinheiro, mas sim um propósito elevado:
concretizar a idéia do futuro em todas as formas políticas, industriais, artísticas".
(BAUDELAIRE, apud BERMAN, M., 1986, p. 132)

O motivo fundamental para isso foi o progresso nas esferas políticas (material) e da cultura
(espiritual).
Portanto, a fé que Baudelaire deposita na burguesia põe de lado as sombrias potencialidade
de seus movimentos políticos e econômicos – por isso que é chamado por Berman de visão
pastoral.
Essa visão pastoral proclama a natural afinidade entre modernização material e
modernização espiritual; sustenta que os grupos mais dinâmicos e inovadores na vida
econômica e política serão os mais abertos à criatividade intelectual e artística.
Em “O Pintor da Vida Moderna” (1859-60) Baudelaire apresenta uma visão diferente de
pastoral: a vida moderna surge como um grande “show”.
Já as antipastorais - fim dos anos 1850 - falam sobre a moderna idéia de progresso aplicado
às Belas Artes. Baudelaire lança desdém a vida moderna e o progresso, ele está preocupado
com a “confusão” entre ordem material e ordem espiritual, já citada no início desta síntese.
Sendo que, um exemplo de antipastoral é a sua obra chamada “O público Moderno e a
Fotografia” (1859). Ele ataca com uma retórica reacionária para lançar desdém não só sobre
a moderna idéia de progresso, mas sobre o pensamento e a vida modernos como um todo. A
fotografia é um produto do progresso tecnológico.
“A realidade moderna é intrinsecamente repugnante, vazia não só de beleza mas de
qualquer potencial de beleza.” (BERMAN, M., 1986, p. 137)
Tanto isso se denota no texto de Berman que, a lição para Baudelaire é que a vida moderna
possui uma beleza peculiar e autêntica, a qual, no entanto, “é inseparável de sua miséria e
ansiedade intrínsecas, é inseparável das contas que o homem moderno tem de pagar”.
(BERMAN, M., 1986, p. 138)
1.2 O HEROÍSMO DA VIDA MODERNA
A resenha de 1845, chamada “Heroísmo da Vida Moderna” mostra a insatisfação e queixa,
por Baudelaire, quanto aos novos pintores que estavam desatentos ao presente. Nesse
ensaio, dois aspectos valem ser destacados. A ironia a respeito das “gravatas”, que ele quis
dizer, implicitamente, que os homens modernos são heróicos, mesmo sem toda a pompa e
parafernália que um herói de contos usa, eles são os verdadeiros heróis.
Outro aspecto é o da tendência moderna de se fazer tudo novo; segundo Berman (1986), a
vida moderna do ano que vem parecerá e será diferente da deste ano; todavia, ambas farão
parte da mesma era moderna.
Sendo que, o heroísmo moderno emerge em conflito. O homem bem sucedido, e o homem
que luta para sobreviver em uma sociedade moderna com suas constantes e conturbadas
transformações.
1.3 A FAMÍLIA DE OLHOS
Dois dos últimos poemas de Baudelaire “Os Olhos dos pobres” (1864) e a “Perda do Halo”
(1865) o consagraram como um dos grandes escritores que brotam da concreta vida de
Paris.
Analisaremos agora o primeiro, “Os Olhos dos Pobres” (Spleen de Paris, nº 26)[2]. O
poema exprime queixa, em uma tarde, um casal senta-se no café na esquina de um novo
bulevar. O casal se depara com uma família de pobres que observa o brilhante mundo novo.
A fascinação não tem conotação “hostil”. Sua visão do abismo entre os dois mundos é
sofrida, não militante, mas resignada.
O que torna esse encontro particularmente moderno? O que o distingue de uma vasta
quantidade de outras cenas parisienses, que também falam de amor e luta de classes? A
diferença que Baudelaire traz a discussão de classes está no espaço urbano onde acontece a
cena: o bulevar[3].
"O que os bulevares fizeram às pessoas que para aí acorreram, a fim de ocupá-los?
Baudelaire nos mostra alguns dos seus efeitos mais notáveis. Para os amantes, como
aqueles de “Os Olhos dos Pobres”, os bulevares criaram uma nova cena primordial: um
espaço privado, em público, onde eles podiam dedicar-se à própria intimidade, sem estar
fisicamente sós. Movendo-se ao longo do bulevar, capturados no seu imenso e interminável
fluxo, podiam sentir seu amor mais intenso do que nunca, como ponto de referência de um
mundo em transformação. Poderiam exibir seu amor diante do interminável desfile de
estrangeiros do bulevar". (BERMAN, M., 1986, p. 147)

Esta cena primordial revela algumas das mais profundas ironias e contradições na vida da
cidade moderna. O empreendimento que torna toda essa humanidade urbana uma grande
“família dos olhos”, em expansão, também põe à mostra as crianças enjeitadas dessa
família. As transformações físicas e sociais que haviam tirado os pobres do alcance da
visão, agora os trazem de volta diretamente à vista de cada um. Pondo abaixo as velhas e
miseráveis habitações medievais, Haussmann, de maneira involuntária, rompeu a crosta do
mundo até então selado da tradicional pobreza urbana.

E, à medida que vêem, eles também são vistos: “visão e epifania fluem nos dois sentidos”
(BERMAN, M., 1986, p. 149). No meio dos grandes espaços, sob a luz ofuscante, não há
como desviar os olhos. O brilho ilumina os detritos e ilumina as vidas sombrias das pessoas
a expensas das quais as luzes brilhante resplandecem.
Concluindo, segundo Berman, Baudelaire sabe que as reações do homem e da mulher,
sentimentalismo liberal e rudeza reacionária, são igualmente fúteis. Devemos esperar, como
Baudelaire às vezes esperou, por um futuro em que a alegria e a beleza, como as luzes da
cidade, venham a ser partilhadas por todos. Mas nossa esperança tende a ser diluída pela
tristeza auto-irônica que permeia o ar da cidade de Baudelaire.
1.4 O LODAÇAL DE MACADAME[4]
No ensaio “A Perda do Halo” (Splenn de Paris, 46) de 1865, o encontro não se dá entre
duas pessoas, ou de diferentes classes, e sim entre o indivíduo isolado e as forças sociais,
abstratas concretamente ameaçadoras.
Um dos mistérios do início do poema é o próprio halo. Antes de mais nada, que faz ele
sobre a cabeça de um poeta moderno? Sua função é satirizar e criticar uma das crenças mais
apaixonadas do próprio Baudelaire: a crença na santidade da arte. De fato, podemos
detectar uma devoção quase religiosa à arte, ao longo de sua poesia e sua prosa
O poema se desenvolve na forma de diálogo, entre o artista que perde o “halo” e o homem
comum que vê a arte como algo “santo”.
"A burguesia despiu de seu halo toda atividade humana até aqui honrada e encarada com
reverente respeito. Transformou o médio, o advogado, o padre, o poeta, o homem da
ciência em seus trabalhadores assalariados". (BERMAN, M., 1986, p. 152) A nova força
que os bulevares trazem à existência, a força que arranca o halo do herói, conduzindo-o a
um novo estado mental, é o tráfego moderno.
Sendo assim, o palco da modernidade é esse. O crescimento denuncia uma contradição,
uma ambigüidade. O progresso com a modernidade vem, mas em detrimento de certas
liberdades e direitos do ser humano, que não quer perder esses privilégios que é tão
acostumado a ter, e acaba criando esse conflito: o homem moderno é lançado no turbilhão
do tráfego da cidade moderna e aqui nasce o heroísmo, nas contradições.

1.5 O SÉCULO XX: O HALO E A RODOVIA

Deparamo-nos aqui com uma estranha dialética, em que um tipo de modernismo ao mesmo
tempo encontra energia e se exaure a si mesmo, tentando aniquilar o outro, tudo em nome
do modernismo.
O que faz a arquitetura modernista do século XX especialmente intrigante para nós é o
preciso ponto baudelaireano de que ela parte – um ponto que ela logo se empenha em
apagar.
Essa espécie de modernismo deixou marcas profundas nas nossas vidas. O
desenvolvimento das cidades nos últimos quarenta anos, tanto nos países capitalistas como
nos socialistas, combateu de forma sistemática, e em muitos casos conseguiu eliminar, o
“caos” da vida urbana do século XIX. Tanto que, “a trágica ironia do urbanismo
modernista”, segundo Bermann, é que seu triunfo ajudou a “destruir a verdadeira vida
urbana” que ele um dia almejou libertar.
Outra coisa importante é que, uma das grandes diferenças entre os séculos XIX e XX é que
o nosso criou toda uma rede de novos halos para substituir aqueles de que o século de
Baudelaire e Marx se desfez.
Concluindo, o modernismo contém suas próprias contradições e tensões dialéticas. Se
pudermos aprender, com um dos modernismos, a construir halos em torno de nossos
espaços e em torno de nós mesmo, podemos aprender com o outro modernismo, o mais
“antigo”, a perder nossos halos e encontrarmo-nos novamente, sem destruir a nós, para
conseguirmos evoluir conjuntamente, em uma sociedade verdadeiramente moderna.

[1] BERMAN, M. Tudo que é Sólido Desmancha no Ar: A Aventura da Modernidade. São
Paulo: Cia. das Letras, 1986, p. 131.
[2] Spleen de Paris: eram folhetins confeccionados pelo próprio Baudelaire, em que ele
colocava, através das crônicas lá publicadas, sua opinião sobre os assuntos da sociedade
urbana da Paris daquela época.
[3] Bulevar: alameda marginada de árvores, sendo que, no nível da rua, elas se enfileiravam
em frente a pequenos negócios e lojas de todos os tipos e, em cada esquina, restaurantes
com terraços e cafés nas calçadas. Esses cafés eram bares em que os franceses ficavam para
saborearem especiarias e conversarem, filosofarem – lugar muito freqüentado por artistas e
poetas, como o próprio Baudelaire. Os bulevares representam partem do amplo sistema de
planejamento urbano, desenvolvido por Haussmam, prefeito de Paris.
[4] Macadame é um tipo de calçamento macio de ruas e estradas, que lembra a lama,
principalmente quando chove, e é muito poeirento quando o tempo está seco

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